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A GRANJA | 41 COMPACTAÇÃO: DAS CAUSAS ÀS SOLUÇÕES PLANTIO DIRETO Milton da Veiga, Eng. Agr., Dr., Pesquisador da Epagri/Estação Experimental de Campos Novos/SC, José Miguel Reichert e Dalvan José Reinert, Engs. Agrs., PhDs, Professores titulares do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria No sistema plantio direto na palha, as pressões são aplicadas na superfície do solo, que se encontra mais resistente à compactação A compactação do solo tem sido apontada como uma das princi- pais causas da redução da pro- dutividade em áreas agrícolas. Princi- palmente porque resulta em restrição ao crescimento do sistema radicular e re- dução da infiltração de água e das tro- cas gasosas entre o solo e a atmosfera. No sistema convencional de preparo do terreno, a causa primária da compacta- ção está relacionada com a excessiva pulverização do solo, resultando em oxi- dação da matéria orgânica e destruição dos agregados, associada ao tráfego do trator no sulco do arado e à ação dos próprios discos dos arados e grades. Isso resulta na formação dos conheci- dos “pé-de-arado” e “pé-de-grade”. No sistema plantio direto na palha (SPDP), as pressões são aplicadas na superfície do solo, o qual se encontra mais resistente à compactação do que nos sistemas com revolvimento do solo e, por isso, apresenta uma dinâmica di- ferenciada. Entender o processo e, prin- cipalmente, avaliar as maneiras de evi- tar a compactação excessiva do solo, são desafios para os agentes de assis- tência técnica e mesmo para os pesqui- sadores que trabalham com o sistema de plantio direto, pois esse sistema tem como princípio o revolvimento do solo apenas na linha de semeadura. Como ocorre — A compactação corresponde à redução irreversível do volume ocupado por uma parcela de solo a partir da aplicação de uma pressão superior a sua resistência, tendo como resultado a redução do volume total de poros, com maior efeito sobre os poros de maior diâmetro. A resistência do solo à compactação pode ser estimada por meio da pressão de pré-consolidação, que corresponde à pressão suportada pelo solo sem deformação irreversível. Para um mesmo solo, a resistência à compactação aumenta com o aumen- to da sua densidade, pelo fato das partí- culas se encontrarem mais próximas umas das outras. No SPDP, em função do tráfego de máquinas e equipamentos e do não-revolvimento do solo, forma- se uma camada superficial com maior resistência (veja tabela), possi- bilitando o tráfego sem compac- tação adicional em uma faixa mais ampla de umidade do solo e de pressão aplicada. Esse au- mento da resistência do solo, no entanto, não de- ve ser restritivo ao crescimento radicular. A pressão aplicada na su- perfície se distri- bui no perfil do Fotos: Divulgação

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COMPACTAÇÃO: DASCAUSAS ÀS SOLUÇÕES

PLANTIO DIRETO

Milton da Veiga, Eng. Agr., Dr., Pesquisador da Epagri/Estação Experimental de Campos Novos/SC, JoséMiguel Reichert e Dalvan José Reinert, Engs. Agrs., PhDs, Professores titulares do Departamento de Solos da

Universidade Federal de Santa Maria

No sistema plantio diretona palha, as pressões são

aplicadas na superfície dosolo, que se encontra maisresistente à compactação

Acompactação do solo tem sidoapontada como uma das princi-pais causas da redução da pro-

dutividade em áreas agrícolas. Princi-palmente porque resulta em restrição aocrescimento do sistema radicular e re-dução da infiltração de água e das tro-cas gasosas entre o solo e a atmosfera.No sistema convencional de preparo doterreno, a causa primária da compacta-ção está relacionada com a excessivapulverização do solo, resultando em oxi-dação da matéria orgânica e destruiçãodos agregados, associada ao tráfego dotrator no sulco do arado e à ação dospróprios discos dos arados e grades.Isso resulta na formação dos conheci-dos “pé-de-arado” e “pé-de-grade”.

No sistema plantio direto na palha(SPDP), as pressões são aplicadas nasuperfície do solo, o qual se encontramais resistente à compactação do quenos sistemas com revolvimento do soloe, por isso, apresenta uma dinâmica di-ferenciada. Entender o processo e, prin-cipalmente, avaliar as maneiras de evi-tar a compactação excessiva do solo,

são desafios para os agentes de assis-tência técnica e mesmo para os pesqui-sadores que trabalham com o sistemade plantio direto, pois esse sistema temcomo princípio o revolvimento do soloapenas na linha de semeadura.

Como ocorre — A compactaçãocorresponde à redução irreversível dovolume ocupado por uma parcela de soloa partir da aplicação de uma pressãosuperior a sua resistência, tendo comoresultado a redução do volume total deporos, com maior efeito sobre os poros

de maior diâmetro. A resistência do soloà compactação pode ser estimada pormeio da pressão de pré-consolidação,que corresponde à pressão suportadapelo solo sem deformação irreversível.

Para um mesmo solo, a resistênciaà compactação aumenta com o aumen-to da sua densidade, pelo fato das partí-culas se encontrarem mais próximasumas das outras. No SPDP, em funçãodo tráfego de máquinas e equipamentose do não-revolvimento do solo, forma-se uma camada superficial com maior

resistência (veja tabela), possi-bilitando o tráfego sem compac-tação adicional em uma faixamais ampla de umidade do soloe de pressão aplicada. Esse au-mento da resistência do solo, no

entanto, não de-ve ser restritivoao crescimentoradicular.

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solo de forma radial, e a profundidadede dissipação dessa pressão é inversa-mente proporcional à resistência do solo.Se o solo estiver consolidado, como é ocaso do SPDP, essa pressão se dissipanas camadas superficiais do solo. Nossistemas que envolvem revolvimento dosolo, as pressões se aprofundam maisem função da menor resistência do solo.Isso explica o fato de dificilmente se-rem encontradas camadas compactadasem maior profundidade no SPDP, ex-ceto quando ocorrer de forma residualdo sistema de manejo empregado ante-riormente.

Outro aspecto que deve ser consi-derado diz respeito à relação direta en-tre a profundidade de dissipação da pres-são aplicada na superfície e a largura deaplicação desta, ou seja, quanto maior alargura, maior a profundidade de efeito.Assim, a redução do risco de compac-tação é efetivamente obtida quando sereduz a pressão aplicada por unidade deárea, como seria o caso do aumento daárea de contato (utilização de esteirasou de pneus mais largos, duplos ou commenor pressão de inflação) mantendo-se o peso que deve ser suportado.

Nível crítico — O crescimento dosistema radicular da maioria das cultu-ras é prejudicado quando a resistência àpenetração atingir valores superiores a2 Mega Pascal (MPa). Outra forma dese estimar o nível de compactação é pormeio da determinação da densidade dosolo, uma vez que existe uma relação

entre a densidade crítica para o desen-volvimento radicular e o teor de argila,determinada tanto pelo Intervalo Hídri-co Ótimo como pela densidade restriti-va ao crescimento radicular.

Densidade crítica a partir de dadosde IHO (a) e a partir de restrições aocrescimento radicular (b), em função doteor de argila. Os números correspon-dem aos dados obtidos por diferentesautores. Fonte: Reichert et al., 2006(modificado)

Além da resistência mecânica à pe-netração, também a maior retenção deágua e a restrição ao livre fluxo de O

2 e

CO2 de e para a atmosfera podem se

constituir em impedimento ao cresci-mento radicular. Uma maior retenção deágua ocorre no solo compactado por-que há predominância de micro e me-soporos, uma vez que os macroporos,responsáveis pela drenagem interna do

solo, são suprimidos pelo empacota-mento das partículas.

O nível crítico de compactação tam-bém pode ser estimado por meio da re-sistência à penetração, determinada como uso de penetrômetros. O perfil de re-sistência à penetração de uma lavourapermite diagnosticar a existência de ca-madas com restrição ao desenvolvimen-to radicular das culturas. Entre o SPDPe o solo preparado com escarificador +grade niveladora, a maior diferença deresistência à penetração é observada nasentrelinhas sem tráfego recente, onde oSPDP apresenta maior resistência (vejafigura abaixo). No entanto, nas linhasde semeadura e nas entrelinhas com trá-fego recente as diferenças são meno-res.

No primeiro caso isso é devido àação do elemento sulcador da semea-dora, com profundidade de ação de

No SPDP, em função do tráfego demáquinas e equipamentos e do

não-revolvimento do solo,forma-se uma camada superficial

com maior resistência

Perfil de resistência à penetração do solo em três posições da lavoura, no sistema plantiodireto (PD) e preparo com escarificador (PE), determinado em condições de umidade

homogênea no perfil. Fonte: Veiga et al., 2007 (modificado)

LINHA DE SEMEADURA ENTRELINHA SEM TRÁFEGO ENTRELINHA COM TRÁFEGO

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SegundoReinert,

Reichert eVeiga (da esq.para dir.), no

caso dacompactação

estar presentena lavoura, a

melhorestratégia parao SPDP é o uso

de plantasrecuperadoras

do solo

aproximadamente 12 cen-tímetros, que corta o soloe reduz a resistência à pe-netração nessa posição,independentemente do sis-tema de manejo. Na entre-linha com tráfego recen-te, a pressão exercida pe-las rodas do trator promo-ve compactação maisacentuada no sistema escarificado,anulando o efeito do equipamento.

Soluções — A melhor solução paraa compactação do solo no SPDP é evi-tá-la. Para isso, devem-se conhecer aspropriedades mecânicas que conferemresistência do solo à compactação, ascondições internas e externas do solofavoráveis à compactação e as carac-terísticas das máquinas, equipamen-tos e mesmo dos animais que trafe-gam sobre a lavoura.

A determinação da pressão de pré-consolidação das principais classes desolos de uma determinada região per-mitiria estimar qual a maior pressãoque poderia ser aplicada sem provo-car a deformação plástica do solo, au-xiliando no dimensionamento da mas-sa das máquinas e equipamentos e daárea de contato dos rodados e/oupressão de inflação dos pneus. No casode risco de compactação, o uso depneus duplos ou do tráfego controla-do são formas eficientes de evitar acompactação generalizada da área.

O tráfego em condições de umi-dade favoráveis à compactação deveser evitado, sendo que o maior po-tencial de compactação ocorre em

uma faixa de umidade intermediáriaentre o solo seco e saturado. Esteaspecto é difícil de ser consideradopor ocasião da colheita, operação emque é empregada a máquina de maiormassa e largura de pneus.

A presença de palha na superfícieatenua o efeito da pressão aplicadasobre o solo, dissipando parte desta(Braida et al., 2006). Esse aspectopode não ser de grande importânciano caso de máquinas de maior porte,mas é fundamental para as áreas uti-lizadas com integração lavoura-pecu-ária. No caso dos animais, a presen-ça de palha seca (resíduo) ou verde(pastagem) na superfície diminui apressão exercida pelos cascos dosmesmos, atenuando a intensidade e aprofundidade de compactação pelopisoteio.

No caso da compactação estarpresente na lavoura, a melhor estra-tégia para o SPDP é o uso de plantasrecuperadoras do solo, cuja princi-pal característica é a presença de sis-

tema radicular vigoroso, tanto pivo-tante (crotalária, guandu, girassol,etc.) como fasciculado (milho, mi-lheto, sorgo, etc.). Por ocasião damorte e decomposição das raízes,será estabelecido um sistema de po-rosidade contínua no sentido vertical,a mais eficiente para a drenagem in-terna do solo e para as trocas gaso-sas entre o solo e a atmosfera. Omesmo tipo de porosidade resulta daatividade biológica da mesofauna dosolo (principalmente artrópodos eanelídeos), a qual é estimulada pelaadição contínua de resíduos vegetaispor meio de culturas comerciais e deplantas de cobertura do solo.

Deve-se salientar que a macropo-rosidade vertical produzida pela ati-vidade biológica é mais estável do queaquela produzida pelo preparo dosolo, em função de manter a quasetotalidade do volume do solo com umaestrutura mais rígida e, consequen-temente, mais resistente à deforma-ção.

Fonte: Veiga et al., 2007 (adaptado)