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    JOS COLENUniversidade do

    Minho

    G a u d i u m S c i e n d i , N m e r o 4, J u l h o 2 0 1 3 161

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    [363a] udico Mas, Scrates, porque ests silencioso depois de Hpias ter feito uma

    declamao sobre coisas to magnficas? Porque no aplaudes connosco a sua exposio, ou

    ento refutas o que julgas ter dito mal? Fala, tanto mais que agora ficmos ss, aqueles que

    clamam o privilgio de perseguir o exerccio da filosofia!

    [363b] Scrates certo, udico, que existem, nas afirmaes que fez agora Hpias acerca de

    Homero, questes que teria prazer em esclarecer. Com efeito, ouvi o teu pai Apemanto dizer

    que a Ilada de Homero um poema mais belo2que a Odisseia, e superior em nobreza na

    medida em que Aquiles superior em mrito a Ulisses. Pois argumentava sobre estes dois

    poemas, que cada um tinha sido composto em honra de um destes dois heris, Ulisses num

    caso, o outro em honra de Aquiles. Eis, pois, uma questo sobre a qual gostava de inquirirHpias, se lhe agradasse: saber a sua opinio a respeito destes dois homens. [363c] Qual dos

    1Hipias "falso" ou "nobre", pois a palavra tem ambos os sentidos.

    2Jos Colen doutorado em Cincia Poltica, investigador convidado do CESPRA na cole des Hautes

    tudes en Sciences Sociales (Paris), investigador associado ao CEH da Universidade do Minho (Braga) e

    bolseiro da Fundao da Cincia e Tecnologia. Foi docente convidado no IEP da Universidade Catlica

    Portuguesa. Recebeu o prmio Raymond Aron 2010 para as cincias sociais pela edio da sua tese.

    Publicou recentemente os livros: Votos, governos e mercados (Lisboa, 2010), Futuro do poltico,

    passado do historiador(Lisboa, 2010), Guia de introduo filosofia da histria(Lisboa 2011), Facts

    and Values: a Conversation(Londres 2011) e Leo Strauss, O problema de Scrates(ed.), Lisboa 2012,

    bem como diversos artigos e comunicaes.

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    dois tem, segundo a sua opinio, mais mrito, visto que nesta conferncia nos brindou com

    muitas e variadas espcies de coisas, tanto sobre outros poetas como sobre Homero.

    udico Pois bem, claro que Hpias no recusar responder-te, se o interrogares. No

    verdade, Hpias, que se Scrates te fizer alguma pergunta, lhe responders? Sim ou no?

    HpiasDe facto, udico, seria estranho recus-lo. Quando na poca dos festivais olmpicos

    venho de Eleia, o meu pas, para o lugar santo de Olmpia, para a assembleia solene da

    Grcia, [363d] e a me apresento em pblico no templo, coloco-me disposio de quem

    quiser, tanto para tratar sobre um dos temas do meu reportrio, como para responder s

    questes de quem me quiser interrogar. Porque me esquivaria agora s interrogaes de

    Scrates?

    [364a] ScratesNa verdade, Hpias, que felicidade a tua, se em cada Olimpada, ao chegar

    ao templo, confias assim tanto na tua alma a respeito da sabedoria! Espanto-me se algum

    dos atletas, ao vir aqui concorrer, estiver a respeito do seu corpo, to isento de temor, to

    pleno de confiana no corpo como tu dizes estar na tua inteligncia.

    Hpias certo, Scrates, que tenho esse sentimento; pois, desde que comecei a concorrer

    nas Olimpadas nunca encontrei ningum que me batesse em nenhum aspecto.

    [364b] Scrates Assim que falar, Hpias. Para a cidade de Eleia e para os teus

    antepassados, que monumento ao saber uma fama como a tua! Mas, enfim, sobre Aquiles

    e sobre Ulisses, o que nos dizes tu? Qual dos dois melhor e em que aspecto? Enquanto

    estvamos l dentro com muita gente e proferias a tua conferncia, perdi o fio meada

    sobre certas coisas que dizias. Hesitei em colocar-te questes l dentro tanto porque havia

    uma multido numerosa como porque ao interrogar-te temia estorvar o desenvolvimento da

    exposio. Mas agora que somos menos numerosos e udico me convida a interrogar-te, fala

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    HpiasDe modo nenhum, Scrates! Pelo contrrio, o homem mais simples5, visto que nas

    Preces6, quando relata o encontro dos chefes, eis o que atribui a Aquiles em resposta a

    Ulisses:

    [365a] " descendente de Zeus e filho de Laertes, industrioso Ulisses, preciso que sem rodeios te informe da minha decisotal como a vou pr em prtica e espero levar a cabo.Pois, no menos que as portas do Hades [365b]abomino o homem que oculta uma coisa no seu corao e diz outra!Mas vou falar-te e o que disser o que levarei a cabo"7.

    Nestes versos o poeta mostra o carcter dos dois heris: Aquiles, verdadeiro e simples;

    Ulisses, verstil e falso. por isso que Aquiles dirige estas palavras a Ulisses.

    Scrates Agora, Hpias, talvez j compreenda o que queres dizer: chamas homem verstil

    ao homem que falso ou pelo menos assim parece. [365c]

    HpiasPrecisamente, Scrates! com efeito desta maneira que Homero pintou Ulisses em

    vrias passagens, tanto na Ilada como na Odisseia.

    Scrates Mas ento, na opinio de Homero, ao que parece, uma coisa o homem

    verdadeiro, outra era o homem falso, mas no so o mesmo.

    HpiasComo podia ser de outro modo?

    Scrates esta tambm a tua opinio, Hpias?

    5Burnet acrescenta [e verdadeiro] usando uma edio Stephanus baseada num manuscrito de menorqualidade, mas Hpias reintroduz a expresso mais adiante.

    6 o nome antigo (cfr Crtilo428c) para cena central da Ilada, da embaixada a Aquiles. 7Versos da IladaIX, 308-314, mas HpIas deixa cair o verso 311 e altera o verso 310 de "penso" para"vou pr em prtica", e no verso 314 "que me parece melhor" para "o que levarei a cabo".

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    HpiasCom certeza! Seria estranho, com efeito, que no fosse assim.

    ScratesNesse caso, deixemos Homero em descanso, [365d] visto que de qualquer modo

    impossvel pr-lhe questes sobre o que tinha em mente quando comps estes versos. Mas,

    visto tu que tomas abertamente a sua causa entre mos e que partilhas essa opinio que,

    segundo dizes, a de Homero, responde-me, tanto em teu nome como em nome de

    Homero!

    HpiasAssim farei. S breve nas questes que te agrade colocar-me!

    Scrates As pessoas que dizes serem falsas, so daqueles, como os doentes, a quem falta

    capacidade8para fazer determinada coisa, ou tm a capacidade de fazer algo?

    HpiasPela minha parte, penso que so aqueles que tm capacidade para uma multido de

    aces e muito especialmente para enganar os homens.

    [365e] ScratesSegundo as tuas prprias palavras, pois, ao que parece tm a capacidade e

    so versteis. No verdade?

    HpiasSim.

    Scrates Ora so versteis e enganadores, por ingenuidade e imprudncia, ou por

    maliciosa falta de escrpulos e em virtude de certa prudncia?

    HpiasPor maliciosa falta de escrpulos e em virtude de certa prudncia.

    ScratesDe maneira que so prudentes, ao que parece?

    8Capaz ou incapaz podem tambm traduzir-se como "tm o poder" ou "falta-lhes o poder".

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    HpiasSim, por Zeus, e at demasiado!

    Scrates Ora se so prudentes, fazem o que fazem com conhecimento de causa? Ou sem

    conscincia?

    HpiasAh! Creio bem que tm pleno conhecimento! por isso que fazem mal!

    ScratesE, visto terem o conhecimento do que conhecem, so ignorantes ou sbios?

    [366a] HpiasSbios, com certeza! Pelo menos no que respeita arte de enganar outros!

    Scrates Ateno! Recapitulemos o que dizes: os homens falsos tm capacidade,

    prudncia, conhecimento e saber precisamente acerca das coisas em relao s quais so

    falsos.

    HpiasDe facto, o que digo!

    ScratesAlm disso, dizes que homens verdadeiros e os falsos so diferentes e to opostos

    quanto possvel uns em relao aos outros?

    Hpias o que digo.

    Scrates Vejamos pois! Entre as pessoas que tm capacidade e saber esto,

    aparentemente, aqueles que so homens falsos, segundo as tuas prprias palavras?

    HpiasCertamente!

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    [366b] ScratesPor outro lado, quando dizes que os homens falsos tm capacidade e saber

    nessa arte, queres dizer que tm a capacidade de dizer falsidades quando lhes agrada? Ou

    que essa capacidade lhes falta em relao quilo sobre que dizem falsidades?

    HpiasDigo que tm essa capacidade.

    ScratesDe maneira que, para fazer um resumo, os homens falsos so ao mesmo tempo os

    que sabem e tm capacidade de dizer falsidades?

    HpiasSim.

    Scrates Portanto, um homem incapaz de dizer falsidades e sem o saber necessrio, no

    seria um homem falso?

    Hpias como dizes.

    [366c] Scrates Ora h, em suma, alguns com a capacidade de fazer o que lhes agrada,

    quando isso lhes agrada. No me refiro aos que so impelidos por doena ou causas

    anlogas; mas queles que tm uma capacidade, como a de escrever o meu nome quando te

    agrada. No ao que se encontra nessa situao que tu chamas "capaz"?

    HpiasSim.

    Scrates E agora diz-me, Hpias, no tens competncia em aritmtica e na cincia do

    clculo?

    HpiasE muita, certamente, Scrates!

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    Scrates Portanto, mesmo se te perguntasse qual o produto de 3 por 700, no

    responderias, com celeridade e exactido, a verdade acerca disso?

    [366d] HpiasClaro que sim!

    ScratesNo porque, nesse captulo, s o mais capaz e o mais sbio?

    HpiasSim.

    ScratesMas, s apenas muito sbio e muito capaz ou possuis a excelncia nestas matrias

    do clculo em que precisamente levas a palma a toda a gente, graas tua capacidade e

    saber?

    HpiasPossuo a excelncia tambm, com certeza, Scrates!

    [366e] Scrates Portanto, dirias a verdade sobre estas matrias com uma capacidade

    superior, ou no?

    HpiasAssim o creio; pela minha parte!

    [e] ScratesE quanto falsidade sobre estas mesmas matrias? Assim como fizeste antes,

    responde-me Hpias, com nobreza e magnanimidade. Se algum te perguntasse "3 vezes 700

    quantos so?", no serias o mais capaz de falsear a questo com preciso e no poderias

    dizer coisas falsas quando te agradasse e nunca responder a verdade? Ou seria aquele que

    no sabe calcular que melhor seria capaz de falsear a verdade? [367a] No aconteceria

    antes, muitas vezes, a este homem que no sabe, quando quisesse dizer falsidades, pelo

    contrrio, involuntariamente dizer a verdade, devido sua ignorncia, enquanto tu, que

    sabes, se quisesses falsear a verdade, conseguirias sempre fazer valer as tuas falsidades?

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    Scrates Portanto, em matria de clculos, um s e o mesmo o homem que tem a

    capacidade de dizer o que falso e o que verdadeiro. o especialista em clculo, aquele

    que nisso bom.

    HpiasSim.

    Scrates Ento Hpias, quem pode vir a falsear a verdade em matria de clculos seno

    aquele que nisso bom? Pois ele que detm essa capacidade, uma vez que tambm ele

    que diz a verdade.

    HpiasAssim parece.

    Scrates Ento no vs que o mesmo homem falso e verdadeiro sobre essas coisas, e o

    que verdadeiro no superior quele que falso? [367d] , com efeito, certamente o

    mesmo homem e no tem, como pensavas ainda agora, as caractersticas mais opostas.

    HpiasPelo menos, neste caso, assim parece.

    ScratesDesejas ainda examinar outros casos?

    HpiasSe o desejas

    ScratesPois bem. Em geometria no s igualmente competente?

    HpiasSou.

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    ScratesE ento, no se passa da mesma maneira em geometria? No o mesmo homem,

    ou seja o gemetra, aquele que o mais capaz, sobre as figuras geomtricas, de dizer tanto

    falsidades como verdades?

    HpiasSim.

    [367e] ScratesMas em relao s figuras geomtricas, h outro que seja bom alm dele?

    HpiasNo h mais ningum.

    ScratesSe assim, no o bom e sbio em geometria, aquele que possui no mais elevado

    grau a capacidade de uma e outra atitude? E no certo que, em matria de figuras

    geomtricas, no existe ningum com tanta capacidade para falsear a verdade, como aquele

    que bom? Pois aquele que tem essa capacidade, enquanto o mau no tem a mesma

    capacidade para falsear a verdade! De maneira que, como concordmos, impossvel estar

    em posio para falsear a verdade, se no se detm essa capacidade.

    Hpias exacto.

    Scrates Examinemos ainda um terceiro homem, o astrnomo, [368a] em cuja arte tu

    pensas ter ainda mais conhecimentos que nas precedentes! No verdade, Hpias?

    HpiasSim

    ScratesPois bem! Em astronomia no se passa tambm o mesmo?

    HpiasSim, verosmil, Scrates.

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    ScratesPortanto, em astronomia tambm, se h algum capaz de dizer falsidades ser o

    bom astrnomo, aquele que tem a capacidade de falsear a verdade. No pode ser aquele

    que incapaz, pois ignorante.

    HpiasAssim parece.

    ScratesPortanto, tambm em astronomia o mesmo homem o mais verdadeiro e o mais

    falso.

    Hpias verosmil.

    [368b] ScratesAdiante, pois, Hpias! Deixa-me levar-te a fazer um exame semelhante em

    todas as cincias, para te assegurares de que em nenhuma se passam as coisas de maneira

    diferente! Ora, tu s, entre todos os homens, o mais sbio nas mais numerosas artes, como

    um dia ouvi gabares-te na gora, quando diante das bancas do mercado, descrevias a

    extenso do saber que possuis! Tu afirmavas ter uma vez vindo a Olmpia, trazendo sobre ocorpo coisas feitas por ti prprio, sem excepo: primeiropois por a que comeavaso

    anel que trazias era da tua lavra; [368c] em seguida o sinete, obra tua tambm; e a tua

    raspadeira e a tua nfora de azeite, eram tambm fabricadas pelas tuas mos. Depois, os

    sapatos que levavas, eras tu que tinhas moldado o couro; o teu manto, eras tu quem o tinha

    tecido, tal como a tua tnica. O que, enfim, em verdade, no juzo de todos, era o facto mais

    desconcertante9 e um testemunho probatrio de um saber sem limites, era o cinto que

    tinhas na tua tnica, semelhante, dizias tu, s faixas mais sumptuosas da Prsia, entranado

    pelas tuas mos! No tudo: tinhas vindo, declaravas, com um arsenal de poemas, versos

    picos, tragdias, ditirambos, e uma variedade de composies oratrias em prosa. [368d] E

    a propsito dessas artes, o teu saber, a ouvir-te, tinha atingido um nvel excepcional; tanto

    no que respeita a ritmos, harmonias, correco gramatical e, alm disso, uma multido de

    9Atopotatonpode significar tambm o mais absurdo.

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    outras coisas, tanto quanto posso recordar. H, no entanto, uma que esqueci: a arte da

    mnemnica, obra tua ao que parece, na qual pensas ter adquirido esplendor sem igual; e

    julgo ainda pecar pelo esquecimento. [368e] Mas regresso ao que dizia: pe o teu olhar

    sobre as tuas prprias artes essas bastam e sobre aquelas que outros praticam e

    responde-me, se encontras entre aquilo em que nos pusemos de acordo, tu e eu, de uma

    maneira ou de outra, uma s em que seja diferente o homem verdadeiro e o homem falso,

    cada um para o seu lado, em vez de ser o mesmo homem? Imagina qualquer gnero de saber

    ou de habilidade sem escrpulos como mais te agrade chamar-lhe [369a], pois no o

    encontrars meu camarada, visto que no existe! Vamos, responde-me!

    HpiasNo sou capaz, Scrates, pelo menos de momento!

    ScratesNem o sers no futuro, creio. Mas para saber se tenho razo, no tens seno que

    te lembrar das consequncias para a nossa discusso, Hpias!

    HpiasNo percebo onde queres chegar...

    ScratesNeste momento sem dvida que no est a fazer apelo tua arte da mnemnica

    com efeito, julgas no ter necessidade dela. Pois bem, vou despertar as tuas recordaes.

    [369b] Bem sabes que disseste que Aquiles um homem verdadeiro e Ulisses um homem

    falso e verstil?

    HpiasSim.

    Scrates Agora, d-te conta que se tornou manifesto a nossos olhos que o mesmo

    homem tanto verdadeiro como falso; de maneira que se Ulisses era falso, fora que, de

    modo anlogo, seja verdadeiro, e se Aquiles fosse verdadeiro, no seria falso? Que no

    diferem um do outro? Que tambm no se opem, mas so semelhantes?

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    [370b] Um pouco mais adiante, declara que a sua deciso no mudar com nada do que

    digam Ulisses e Agammnon e que se recusa absolutamente a permanecer em Tria; pelo

    contrrio anuncia:

    "Amanh, depois de ter oferecido sacrifcios a Zeus e a todos os deuses,depois de ter carregado os meus navios,ho-de ver-me vogar de manh cedo no Helisponto cheio de peixes,[370c] com os meus homens ardentes no remo!E se o glorioso deus que faz tremer a terra11me der uma travessia feliz,em trs dias terei chegado frtil Ftia".

    Ora, antes destas palavras, disse tambm, quando insultava Agammnon:

    "Nesta hora parto para a Ftia; com efeito muito melhor para mimregressar ao meu pas nos meus navio recurvos, pois no minha intenopermanecer aqui, sem honras, para te proporcionar prosperidade e riquezas." [370d]

    Depois de ter falado assim, tanto em frente de todo o exrcito, como diante dos seus

    prprios camaradas, em nenhuma passagem o vemos fazer preparativos para a viagem, nem

    lanar ao mar os seus navios para os fazer vela em direco ao seu pas; mas vemos, pelo

    contrrio, quando se trata de dizer a verdade, uma soberba despreocupao! Ora Hpias, o

    que na minha perplexidade te perguntava desde o comeo era qual dos dois homens o poeta

    apresenta como mais valoroso [370e], julgando pela minha parte, um e outro excelentes,julgando difcil decidir qual dos dois tem mais valor, tanto em relao veracidade e

    falsidade, como em qualquer outra excelncia, pois a este respeito tambm esto muito

    prximos um do outro.

    Hpias que, Scrates, tu no vs bem a questo. As coisas falsas que Aquiles diz, no as

    diz evidentemente por desgnio, mas involuntariamente, constrangido pela situao crtica

    do exrcito a permanecer e a prestar a sua ajuda. Pelo contrrio, aquelas que Ulisses diz, di-

    las voluntariamente e com desgnio.

    ScratesHpias, meu caro, abusas de mim! Tu prprio imitas Ulisses!

    11Ou seja Poseidon, deus dos mares.

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    [371a] HpiasDe modo nenhum Scrates! Em qu e porqu?

    Scrates Afirmas que Aquiles no diz coisas falsas intencionalmente. Ora Aquiles, no

    contente em ser um impostor, alm disso um forjador de ardis, segundo o retrato que

    Homero faz, capaz de astcia to visivelmente superior de Ulisses que no tem dificuldade

    em evitar que este repare na sua prpria astcia; diante de Ulisses ousa mesmo contradizer-

    se, sem que o outro se aperceba! [371b] Pelo menos naquilo que Ulisses lhe responde, este

    no revela conscincia de que o outro abusa dele com falsidades.

    HpiasA que te referes, Scrates, com as tuas palavras?

    Scrates No conheces a histria? Depois de ter dito a Ulisses que se faria vela com a

    aurora, vai em seguida ter com jax, declarando-lhe uma coisa diferente: que no se far

    vela!

    HpiasEm que passagem?

    ScratesNos versos seguintes:

    "No, sabeis, antes de pensar na guerra sangrenta [371c]antes que o sbio filho de Pramo, o divino Heitor, tenha conseguidomassacrar os Aqueus at s tendas e navios dos Mirmides,antes de ter consumido pelo fogo os navios.Quanto a mim, contra a minha tenda e o meu negro navio,gabo-me de forar Heitor, mau grado o seu ardor, a abandonar o combate12".

    [371d] Ora, Hpias, crs tu que o filho de Ttis, educado pelo sbio Quron, tem falta de

    memria ao ponto de, depois de ter vituperado com as piores injrias os impostores,

    declarar sem mais delongas a Ulisses que se faria vela e a jax, pelo contrrio, que

    permaneceria? No crs antes que o fez intencionalmente, tomando Ulisses por um velho

    12Vrias palavras citadas por Scrates so diferentes do texto de Homero que nos chegou.

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    embrutecido, em relao ao qual leva a melhor na arte de usar a astcia e de dizer

    falsidades?

    HpiasEssa no , Scrates, a minha opinio! Creio antes que, na passagem em causa, a

    sua candura13que o fez mudar de opinio [471e] e dizer a jax coisa diferente do que tinha

    dito a Ulisses. Ao passo que Ulisses, mesmo quando diz a verdade, di-la sempre com clculo,

    como tambm quando diz falsidades.

    ScratesEnto Ulisses, ao que parece, tem mais valor que Aquiles!

    HpiasNo, claro que no, nunca!

    Scrates Mas como? No vimos agora mesmo que eram melhores aqueles que diziam

    falsidades voluntariamente do que aqueles que as diziam involuntariamente?

    [372a] Hpias Ora Scrates, como seria possvel que aqueles que so voluntariamenteinjustos, que tm a inteno de fazer dano e realmente o fazem, fossem melhores do que

    aqueles que o fazem de modo involuntrio? Estes ltimos, julga-se, merecem indulgncia,

    pois inconscientemente que cometem a injustia, ou dizem falsidades, ou fazem algum

    outro mal. Acresce que as leis so incontestavelmente mais rigorosas em relao queles

    que fazem voluntariamente o mal, ou dizem falsidades, do que em relao queles que

    agem assim involuntariamente.

    [372b] Scrates Vs, Hpias, que digo a verdade, quando falo da tenacidade com que

    interrogo os sbios! H mesmo hipteses de que seja a nica coisa que tenho de bom, sendo

    de resto imprestvel. Quando me confronto com a realidade dos factos, fico surpreendido e

    13Seguindo os manuscritos T e W eutheiassignifica integridade, simplicidade ou candura, em vez daescolha de Burnet eunoisas(gentileza) baseada apenas no manuscrito F.

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    no sei como so. Julgo que fica provado saciedade pois, se me encontro na companhia de

    um de vs, homens prestigiados pelo seu saber, cuja sabedoria encontra nos Gregos de toda

    a parte muitas testemunhas, parece-me que nada sei; pois no h nada, por assim dizer, em

    que seja da mesma opinio que vs!

    [372c] No h certamente prova mais decisiva de ignorncia que estar em desacordo com

    tantos sbios. Por outro lado, possuo um nico e maravilhoso bem, que me salva: que no

    coro ao procurar aprender mas, pelo contrrio, informo-me, interrogo e tenho para com

    aqueles que me respondem uma extrema gratido; gratido que nunca escondi a quem me

    ensinou! Pois nunca neguei ter aprendido isto ou aquilo, fazendo passar o que me ensinaram

    por uma inveno da minha lavra; pelo contrrio, presto homenagem ao saber daquele que

    me ensinou e revelo o que aprendi com ele! tambm natural tambm que, presentemente,

    [372d] no esteja de acordo contigo sobre o que dizes e, pelo contrrio, que me distancie de

    maneira muito marcada. culpa minha, sei-o perfeitamente, porque para no dizer nada

    exagerado, sou exactamente como sou! Para mim, Hpias, com efeito evidente que as

    coisas so opostas ao que dizes: os homens que prejudicam os seus semelhantes, aqueles

    que cometem injustias, dizem falsidades, abusam dos outros ou incorrem em faltasvoluntariamente; esses valem mais que aqueles que o fazem involuntariamente. Por vezes,

    verdade, penso tambm o inverso e o meu esprito vacila, [372e] devido minha falta de

    saber. Mas o facto que, neste momento, sou tomado por uma febre e julgo que aqueles

    cujas faltas so voluntrias, no quer que seja, so melhores que aqueles em que so

    involuntrias! Ora, no estado em que me encontro, considero que a responsabilidade cai

    sobre as nossas afirmaes anteriores: responsveis por me fazer ver agora, no momento

    presente, que aqueles que fazem, sem o querer, cada um destes actos, so mais miserveis14

    que aqueles que o fazem voluntariamente! S, pois, bondoso comigo! No recuses ser o

    mdico da minha alma; pois prestas-me seguramente um servio maior livrando a alma da

    ignorncia do que me prestarias [373a] se curasses o meu corpo de uma doena. Mas

    14 Ponros: inteis, moralmente depravados, mas a palavra ambgua e Scrates parece referir-se "competncia" e no ao juzo moral, portanto uma traduo mais exacta poderia ser "sem valor".

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    previno-te, se tua inteno pronunciar um longo discurso, no dessa maneira que me

    podes curar, pois no conseguiria seguir-te! Mas se consentes em responder-me como h

    pouco, ser-me-s muito til e, por outro lado, tambm no sairs prejudicado. E justo, filho

    de Apemanto, apelar a ti, visto que foste tu que me incitaste a comear a conversa com

    Hpias. Assim, caso Hpias, no consinta agora em responder-me, insiste em meu lugar!

    udicoScrates, no creio que Hpias [373b] precise de modo nenhum que insistamos! No

    disse inicialmente algo desta espcie: que no se esquivaria s interrogaes de ningum!

    No verdade, Hpias, que o dizias?

    Hpias Perfeitamente! Mas, udicos, Scrates no cessa de dificultar aos meus

    argumentos e parece malicioso!

    Scrates Meu excelente Hpias, pelo menos no voluntariamente que o fao! Pois, para

    isso, segundo as tuas prprias palavras, teria de ser sbio e engenhoso! antes

    involuntariamente: s indulgente comigo visto que dizes que se deve ter mais indulgnciacom aqueles que fazem o mal sem o querer.

    [373c] udico No faas outra coisa, Hpias! Tanto pela tua preocupao connosco como

    pelas palavras que disseste inicialmente, responde s questes que Scrates te coloca!

    Hpias Pois bem! Responderei, uma vez que s tu que me pedes. Faz ento vontade as

    tuas perguntas

    Scrates certo, Hpias, que tenho uma grande vontade de examinar a fundo a questo de

    que agora falvamos: quem melhor, aqueles cuja falta voluntria ou aqueles cuja falta

    involuntria? Ora, julgo que encontrei agora a maneira mais correcta de proceder a este

    exame. Vamos, responde-me: consideras que h algum bom corredor?

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    HpiasSim, claro.

    [373d] ScratesE um mau corredor?

    HpiasSim.

    ScratesMas o bom atleta aquele que corre bem? E mau atleta aquele que corre mal?

    HpiasSim.

    ScratesOra, o que corre lentamente corre mal? Aquele que corre depressa, corre bem?

    HpiasSim.

    ScratesPortanto, na competio atltica e na corrida, o bem est na rapidez e a lentido

    um mal?

    HpiasComo podia ser de outro modo!

    ScratesMas qual o melhor corredor? Aquele que corre lentamente de modo voluntrio

    ou aquele que o faz involuntariamente?

    HpiasAquele que o faz voluntariamente.

    ScratesMas correr no uma aco?

    HpiasClaro que sim.

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    ScratesEnto, se uma aco, no visa tambm algum resultado?

    [373e] HpiasSim.

    ScratesE aquele que corre mal obtm um resultado sem mrito nem nobreza?

    HpiasSim, sem mrito, como se pode neg-lo?

    ScratesOra, aquele que corre lentamente corre mal?

    HpiasSim.

    Scrates Ento, quando o bom corredor obtm este resultado sem mrito nem nobreza

    no voluntariamente? Ao passo que mau corredor o faz involuntariamente?

    HpiasPelo menos verosmil.

    Scrates Portanto, quem, involuntariamente obtm um mau resultado na corrida no

    mais miservel do que aquele que o obtm voluntariamente? [374 a]

    HpiasTalvez na corrida!

    Scrates E ento na luta? Qual o melhor lutador? Aquele que cai por terra

    voluntariamente ou aquele que o faz contra a sua vontade?

    HpiasParece-me que aquele que cai por terra voluntariamente.

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    G a u d i u m S c i e n d i , N m e r o 4, J u l h o 2 0 1 3 182

    ScratesOra, na luta, o que h de mais miservel e mais desonroso? Derrubar ou cair por

    terra?

    HpiasCair por terra!

    Scrates Ento na luta, aquele que voluntariamente obtm resultados mais miserveis e

    desonrosos melhor lutador do que aquele que os obtm contra a sua vontade?

    HpiasAparentemente!

    ScratesE agora em qualquer outro uso do corpo? Aquele que tem corpo superior no o

    que capaz de obter ambos os resultados, fora ou fraqueza, nobreza ou desonra? [374b]

    No se deduz que fisicamente mais dotado aquele que obtm melhores resultados do que

    o mais miservel e que ele os obtm deliberadamente e o outro involuntariamente?

    HpiasNo que se refere a provas de fora, assim parece.

    ScratesFalemos ento da graa, Hpias. No prprio da excelncia fsica assumir poses

    vis e deficientes voluntariamente, ao contrrio daqueles que no a possuem e cuja

    deficincia involuntria? O que pensas?

    HpiasIsso mesmo.

    [374c] ScratesPortanto uma pose deformada, quando deliberada, baseia-se na excelncia

    fsica, enquanto se for involuntria se baseia num defeito.

    HpiasAssim parece.

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    Scrates E sobre o canto, que me dizes? Na tua opinio melhor aquele que desafina

    porque quer, ou o que desafina involuntariamente?

    HpiasO que desafina voluntariamente.

    ScratesO outro portanto inferior?

    HpiasSim.

    ScratesOra parece-te prefervel possuir as boas ou ms qualidades?

    HpiasAs boas.

    Scrates Preferias, por exemplo, que os teus ps coxeassem voluntariamente, ou

    involuntariamente?

    [474d] HpiasVoluntariamente.

    ScratesMas coxear no um defeito e uma deformidade dos ps?

    HpiasSim

    ScratesE sobre a miopia, que me dizes? No um defeito da vista?

    HpiasSim.

    ScratesOra o que parece prefervel, fazer de mope e vesgo com os olhos, ou ser mope e

    vesgo involuntariamente?

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    ScratesE no que respeita ao esprito de um cavalo? Vale mais possuir um cavalo que nos

    deixe mont-lo mal deliberadamente, ou outro que nos faa mont-lo mal

    involuntariamente?

    HpiasVale mais o que o faz voluntariamente.

    ScratesPorque melhor

    HpiasSim.

    Scrates Portanto, se um cavalo dotado de melhor esprito, podemos mont-lo mal

    deliberadamente, mas se de m qualidade, esse mau resultado involuntrio?

    HpiasSem dvida.

    ScratesE tambm o caso do co ou qualquer outro animal?

    HpiasSim.

    Scrates E no que respeita ao esprito de um homem, um arqueiro por exemplo?

    prefervel possuir um esprito que erre o alvo deliberadamente, ou um que erre

    involuntariamente? [375b]

    HpiasO que o faz deliberadamente.

    ScratesEsse portanto melhor no manejo do arco?

    HpiasSim.

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    Scrates Quer dizer que o esprito que erra sem querer inferior ao que o faz

    deliberadamente?

    HpiasNo manejo do arco, sim.

    Scrates E na medicina? Se o esprito a exerce mal deliberadamente nos enfermos, no

    porque domina melhor a medicina?

    HpiasSim.

    ScratesPortanto, nessa arte, superior ao esprito de outro que no domine a medicina?

    HpiasSim, superior.

    Scrates Ento e um esprito que domine o uso da ctara, da flauta e de tudo o que se

    refere s demais artes e saberes: [375c] no melhor o que comete erros de propsito e osexercita mal e sem mrito, enquanto aquele que os faz involuntariamente mais miservel?

    HpiasAssim parece.

    Scrates E no teremos que preferir, julgo eu, aqueles escravos cujo esprito os leva a

    cometer erros e fazer danos deliberadamente aos que o fazem involuntariamente, pois

    sinal de que so melhores nessas matrias?

    HpiasSim.

    Scrates E quanto a ns, no desejamos ns que a nossa alma seja to excelente quanto

    possvel?

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    [375d] HpiasSim.

    Scrates Pois bem, ser melhor se uma alma comete erros e faz danos deliberadamente,

    ou se o faz involuntariamente?

    Hpias Seria terrvel, Scrates, se quem comete voluntariamente a injustia fosse melhor

    que quem a comete involuntariamente!

    ScratesMas no essa a concluso evidente do nosso discurso?

    HpiasPara mim, no!

    Scrates E eu que pensava que tambm para ti era evidente! Responde-me novamente:

    no entendes por "justia" uma espcie de capacidade16ou de conhecimento, ou ambas as

    coisas? A justia no deve ser, pelo menos, uma delas?

    [ 375e] HpiasSim.

    ScratesOra bem, se a justia uma capacidade, ento a alma mais capaz no tambm a

    mais justa? No ficou claro que as melhores almas so precisamente as desta espcie?

    HpiasSim, com efeito.

    Scrates E se a justia consiste num saber? Ento a alma mais sbia ser tambm a mais

    justa, enquanto a mais ignorante ser a mais injusta, no assim?17E se consiste em ambas

    16Poderia traduzir-se tambm por poder ou fora anmica.

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    as coisasconhecimento e capacidade? No a posse de ambas que torna uma alma justa e

    a ignorncia que a torna injusta? No ser forosamente assim?

    HpiasAssim parece.

    Scrates Com efeito, aqui chegmos: a alma melhor evidentemente a que tem mais

    capacidade e sabedoria [376a], mas tambm a que tem mais poder para agir das duas

    formas em qualquer aco: a nobre18e a desonrosa.

    HpiasSim.

    Scrates Portanto, quando pratica aces desonrosas f-lo deliberadamente, em virtude

    de arte ou capacidade. E uma ou ambas so evidentemente atributos da justia.

    Hpias verosmil.

    ScratesE, pelo menos, cometer injustias fazer dano, enquanto no as cometer o que

    nobre.

    HpiasSim.

    ScratesPor outro lado, se a melhor alma a mais capaz, ao cometer uma injustia h-de

    faz-lo voluntariamente, enquanto uma miservel o far involuntariamente?

    HpiasAssim parece.

    17 Burnet atribui um"Sim" a Hpias mas este no se encontra em nenhuma das famlias demanuscritos.18Ou bela.

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    [376b] Scrates Ora o homem bom o que possui uma boa alma e o homem mau o que

    possui uma m alma?

    HpiasSim.

    Scrates Logo, s o homem bom comete injustias voluntariamente; o mau comete-as

    involuntariamente, se realmente o homem bom que possui uma boa alma.

    HpiasClaro que .

    Scrates Donde se conclui que aquele que aquele que voluntariamente erra e comete

    aces desonrosas e injustas, se que tal homem existe, no pode ser, Hpias, seno o

    homem bom.

    Hpias neste ponto, Scrates, que no posso concordar contigo.

    Scrates Nem sequer eu comigo prprio, Hpias, mas esta, por agora, a concluso

    evidente da nossa argumentao. [376c]. A est, Hpias, o que h pouco te dizia: nestes

    assuntos vacilo19 seguindo o curso dos argumentos. No surpreendente que eu, ou

    qualquer outro homem, estejamos deriva, mas que vs os sbios estejam sujeitos s

    mesmas flutuaes, eis o que terrvel, pois nem depois de nos dirigirmos a vs a nossa

    hesitao cessa.

    19Planein, na passiva significa deambular, ou estar perdido. Cfr. Hpias Maior304c.