Pluralidade Lingüística, Escola de Bê-á-bá

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171 Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 86, p. 171-195, abril 2004 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> PLURALIDADE LINGÜÍSTICA, ESCOLA DE BÊ-Á-BÁ E TEATRO JESUÍTICO NO BRASIL DO SÉCULO XVI AMARILIO FERREIRA JR. * MARISA BITTAR ** RESUMO: Este artigo focaliza o Brasil “indianizado” do século XVI no qual predominava a pluralidade lingüística, destacando-se o tupi e o português. O primeiro era a língua “geral” (nheengatu), falada por todos e de aprendizado obrigatório para os jesuítas; o segundo estava restrito às casas de bê-á-bá mantidas pela Companhia de Jesus. Neste contexto surgiu o teatro anchietano, encenado preferencial- mente em português e tupi, com o objetivo de catequizar. Nosso es- tudo nos permitiu concluir que, tanto na forma como no conteúdo, o teatro serviu à aculturação, pois “cristianizou” a cultura indígena ri- dicularizando os seus mitos, que eram protagonizados pelos próprios índios, além de expandir o uso do português, principal idioma das peças. Começou aí a substituição da pluralidade lingüística pelo por- tuguês, hegemônico a partir do século XVIII. Palavras-chave:Educação jesuítica. Pluralidade lingüística. Teatro anchietano. Catequese. Aculturação. LINGUISTIC PLURALITY, ABCS SCHOOLS AND THE JESUITICAL THEATER IN THE XVI TH CENTURY BRAZIL ABSTRACT: This paper explores the XVI th century “Indianized” Bra- zil. At that time, many languages were used, although Tupi and Por- tuguese prevailed. The first one was a general language (nheengatu) everybody spoke and the Jesuits had to learn. The second one was taught by the “Society of Jesus”, in ABCs houses. In this context, Anchieta and others began to write plays mainly staged in Portuguese and Tupi. They aimed at converting Indians to Christianity. This * Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: [email protected] ** Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal da UFSCAR. E-mail: [email protected]

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    Amarilio Ferreira Junior & Marisa Bittar

    PLURALIDADE LINGSTICA, ESCOLA DE B--BE TEATRO JESUTICO NO BRASIL DO SCULO XVI

    AMARILIO FERREIRA JR.*

    MARISA BITTAR**

    RESUMO: Este artigo focaliza o Brasil indianizado do sculo XVIno qual predominava a pluralidade lingstica, destacando-se o tupie o portugus. O primeiro era a lngua geral (nheengatu), faladapor todos e de aprendizado obrigatrio para os jesutas; o segundoestava restrito s casas de b--b mantidas pela Companhia de Jesus.Neste contexto surgiu o teatro anchietano, encenado preferencial-mente em portugus e tupi, com o objetivo de catequizar. Nosso es-tudo nos permitiu concluir que, tanto na forma como no contedo,o teatro serviu aculturao, pois cristianizou a cultura indgena ri-dicularizando os seus mitos, que eram protagonizados pelos prpriosndios, alm de expandir o uso do portugus, principal idioma daspeas. Comeou a a substituio da pluralidade lingstica pelo por-tugus, hegemnico a partir do sculo XVIII.

    Palavras-chave: Educao jesutica. Pluralidade lingstica. Teatroanchietano. Catequese. Aculturao.

    LINGUISTIC PLURALITY, ABCS SCHOOLSAND THE JESUITICAL THEATER IN THE XVITH CENTURY BRAZIL

    ABSTRACT: This paper explores the XVIth century Indianized Bra-zil. At that time, many languages were used, although Tupi and Por-tuguese prevailed. The first one was a general language (nheengatu)everybody spoke and the Jesuits had to learn. The second one wastaught by the Society of Jesus, in ABCs houses. In this context,Anchieta and others began to write plays mainly staged in Portugueseand Tupi. They aimed at converting Indians to Christianity. This

    * Professor do Departamento de Educao da Universidade Federal de So Carlos (UFSCAR).E-mail: [email protected]

    ** Professora do Departamento de Educao da Universidade Federal da UFSCAR. E-mail:[email protected]

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    Pluralidade lingustica, escola de b--b e teatro jesutico no Brasil do sculo XVI

    study led us to the conclusion that this theater civilized the Indians,who became Christians. These plays expanded the use of the Portu-guese language while ridiculing the Indian myths. At this moment,Indians began to change their languages to Portuguese, which beganto prevail from the XVIIIth century onward.

    Key words: Jesuitical education. Linguistic plurality. Anchietas theater.Catechism. Acculturation.

    Introduo

    nossa prtica docente nos cursos de Histria da Educao naUniversidade Federal de So Carlos nos tem possibilitado per-ceber a carncia de estudos sobre os primeiros sculos da edu-

    cao brasileira, o que nos motivou a elaborar o projeto de pesquisaEducao, Histria e Cultura no Brasil (1549-1759), do qual este arti-go um resultado parcial.

    Esta temtica, alm de se constituir num dos elementos estru-turais da prognie societria brasileira, leva em conta o fato de quedeterminados assuntos da nossa historiografia tm permanecido nasombra.1 Tal como assinalou Ciro Flamarion Cardoso, o perodo co-lonial foi praticamente esquecido das pesquisas, passando a predomi-nar uma preferncia macia pelo passado extremamente recente ou opresente imediato (Cardoso, 1995, p. 5). Ele chama a ateno parao que classificou de modismos, enfatizando a necessidade de se re-tomar assuntos cujos estudos foram interrompidos sem que chegsse-mos a uma compreenso satisfatria sobre a sua importncia na for-mao social brasileira. O abandono de temas explicativos sobre agnese da nossa constituio societria e a preferncia pelo presente epelos objetos emergentes, tendncia prevalecente na historiografiaatual, traz-nos mente a anlise de Bourdieu sobre a hierarquia so-cial dos objetos, assinalando que a redundncia observada nos do-mnios mais consagrados o preo do silncio que paira sobre ou-tros objetos (Bourdieu, 2001, p. 36).

    Metodologicamente, ao enfocarmos a catequese e o teatrojesutico como formas de educao no sculo XVI estamos buscandoentender a manifestao do geral, ou seja, a formao da Nao e doEstado, com base na materializao do particular. Neste sentido, oprocesso de aculturao dos povos indgenas desencadeado pela

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    Companhia de Jesus ainda deve ser objeto de investigao no campoeducacional porque se constitui num elemento fundamental da cons-truo histrica da Nao e do Estado brasileiros.

    Com base em fontes primrias, principalmente as cartas escri-tas pelos primeiros jesutas no Brasil, neste artigo consideramos edu-cao as prticas de catequese em geral, uma vez que no se pode fa-lar ainda de uma escola institucionalizada no sculo XVI, nos moldesque conhecemos hoje. Para ser catequizado, porm, era necessrio queo ndio soubesse o b--b.

    As casas de b--b foram institudas pelos jesutas em 1549,no mesmo ano da chegada do padre Manuel da Nbrega e dos seuscinco companheiros. Entre eles, desembarcou aquele que seria con-siderado o primeiro mestre-escola do Brasil: Vicente Rijo[Rodrigues]. Na escola organizada pelo padre Vicente, em Salva-dor, os primeiros alunos foram as crianas mamelucas. Elas erambilnges, pois falavam o tupi da me e entendiam o portugus dopai. Nbrega, na primeira carta ao Provincial de Portugal, afirmavaque: Ho Irmo Vicente Rijo insina ha doctrina aos meninos cadadia, e tambem tem escola de ler e escrever. Mas Rijo no ensinavaapenas s crianas: a sua escola de ler e escrever tambm era fre-qentada pelos ndios adultos. Nbrega, na mesma missiva de abrilde 1549, noticiava que hum dos principaes [caciques] dellesaprende a ler e toma lio cada dia com grande cuidado, e em dousdias soube ho ABC todo (Nbrega, 1956, p. 110-111).

    Tratar de educao no perodo quinhentista implica assinalar queo Ratio Studiorum (Companhia de Jesus, 1952, p. 119 passim), quedefiniu currculos e regras de todas as escolas jesuticas da poca, s foiaprovado pela Companhia em 1599, portanto, no final do sculo. As-sim, toda a ao educacional do perodo que analisamos anterior aoRatio, o que nos leva a afirmar que ela foi uma espcie de inveno deAnchieta e seus companheiros, uma vez que transcorreu sem qualquernormalizao a priori. Pelo contrrio, a sua particularidade consiste emter sido muito mais uma experincia nascida do ambiente e das condi-es histricas dadas do que de uma fidelidade absoluta aos preceitosemanados da Contra-Reforma, especialmente se levarmos em conta umfator extremamente importante que foi o isolamento quase total em queviveram os jesutas do primeiro sculo no Brasil.

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    A propsito, como Anchieta chegou ao Brasil em 1553, comapenas 19 anos de idade, antes da prpria promulgao das Consti-tuies da Companhia de Jesus (1559), durante os quase 50 anos emque aqui viveu sem retornar Europa, mostrou-se pouco conhecedordelas. Mas, segundo Serafim Leite, os seus dotes pessoais anulavam esupriam essas deficincias, o que confirma nossa interpretao sobre amarca peculiar da educao no sculo XVI. Ela se fez anteriormen-te aprovao do Ratio Studiorum, com pouca ou nenhuma obser-vncia s Constituies da Companhia de Jesus e, simbolicamente,poderamos dizer que esse primeiro sculo da sua histria termina em1597, com a morte de Anchieta.

    Quanto ao teatro como forma de aculturao e de educao,ns o analisamos como elemento de imposio do padro lingsticoportugus sobre os demais idiomas, numa poca em que se verifica aausncia de Nao e de Estado propriamente ditos e a coexistnciade etnias, culturas e interesses sociais conflitantes. Em outras pala-vras, ele um recurso para a catequese portanto, para a educao e parte integrante do projeto colonizador lusitano.

    J no final do sculo XVI, os jesutas passam a preferir as le-tras e a privilegiar a pregao para os portugueses, conforme os do-cumentos consultados. A catequese, embora no abandonada, deixoude ser prioridade. Sobre essa mudana de rumo na ao educativajesutica, as cartas registram razes sempre recorrentes. As queixas efrustraes pelos resultados insatisfatrios obtidos com os ndios, quelogo retornavam aos seus antigos costumes, so as principais. Mas, naverdade, a catequese acaba secundarizada porque o prprio exterm-nio imposto pelo padro colonizador portugus que se sobrepe ta-refa de converso.

    Colonizao e aculturao

    A Europa do sculo XVI caracterizava-se pela dualidade tem-porria assentada em dois modos de produo antagnicos: o feudalcomo estrutura externa e o capitalista como elemento interno. A lutaentre o feudalismo, mais atrasado, e o capitalismo, mais dinmico,teria o seu desfecho favorvel ao ltimo com o advento das revoluesburguesas a partir do sculo XVIII. Essa dualidade econmica fun-

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    dada nos plos interno e externo , que marcava a vida europia, re-fletiu-se no processo de colonizao portuguesa nas terras braslicas.Parte constitutiva do plo externo, por exemplo, foi o Tratado deTordesilhas (1494), que dividiu o mundo entre as Coroas Portuguesae Espanhola. Pelo referido acordo internacional, era concedida ao reide Portugal a propriedade de todas as terras localizadas ao leste domeridiano, situado 370 lguas ao oeste do arquiplago de Cabo Ver-de, que cortava a Terra do rtico Antrtica. Um dos itens do Trata-do de Tordesilhas estipulava que:

    (...) se acontesse que caminhando assim aqum da dita raia os ditos naviosdos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Leo, etc., achassem quaisqusilhas ou terras dentro do que assim fica para o dito senhor rei de Portugal edos Algarves (...) e para seus herdeiros para todo o sempre, que suas Altezaso hajam de mandar dar e entregar. (Portugal/Espanha, 1945, p. 168)

    Desse modo, as terras ainda por serem descobertas na Amricado Sul, antes mesmo de 1500, j pertenciam ao soberano portuguscom base no primado jurdico consagrado pelo direito feudal, ou seja:all land is kings land. Assim, tal como ocorria na Europa Ociden-tal, o processo colonizador portugus em terras amerndias tambmassumiu um carter dual. O lado externo da dualidade colonial bra-sileira era de carter feudal e o lado interno estava determinado porrelaes pr-feudais de produo. A duplicidade colonial brasileira,entre 1500 e 1808, foi definida por Rangel da seguinte forma:

    Em suma, entre os donatrios (e no apenas os titulares das capitanias here-ditrias) e o rei, estabeleciam-se relaes de carter insofismavelmente feudal:relaes de suserania e vassalagem, ao passo que entre o donatrio-vassalo e apopulao do feudo, a ele subordinada, estabeleciam-se relaes tpicas deoutros modos mais primitivos de produo, refletindo o estgio a alcan-ado de desenvolvimento das foras produtivas. (...) O Brasil nascia, pois,como uma formao feudal, que associava, em unio dialtica, um lado feu-dal com outro pr-feudal. (...) Este lado interno distava muito de serhomogneo, visto como comportava elementos importantes de vrias forma-es sociais pr-feudais: desde a comunidade primitiva (dos ndios, dosquilombos negros) at a escravido, para a qual tendia todo o sistema, pas-sando, como na histria clssica, por formas transientes de patriarcalismo ede teocracia (dos Ramalhos e dos jesutas, respectivamente). O perodo colo-nial comportaria a evoluo e a convergncia de todas essas formas, para a es-cravido desenvolvida ou greco-romana, como formao dominante do lado

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    interno da formao dual. As outras formaes (...) no comprometiam ocarter inequivocamente escravista do sistema, visto pelo lado interno. (...)Nessas condies, a fazenda de escravos, assente na coero direta do traba-lhador, era a forma mais dinmica e progressista de organizao do trabalhosocial. (Rangel, 1981, p. 7 passim)

    Contudo, tanto o lado interno como o externo da dualidadecolonial portuguesa americana situada abaixo da linha do Equador es-tavam subordinados ao plo mais dinmico da dualidade europia: ocapitalismo mercantil em ascenso. A partir da segunda metade dosculo XVI, o Brasil passava a ser uma rea econmica subsidiria dametrpole portuguesa. Ou, como afirmou Caio Prado Jr.:

    No seu conjunto, e visto no plano mundial e internacional, a colonizaodos trpicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexaque a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo carter que ela, destinada aexplorar os recursos naturais de um territrio virgem em proveito do comr-cio europeu. este o verdadeiro sentido da colonizao tropical, de que oBrasil uma das resultantes; e ele explicar os elementos fundamentais, tan-to no econmico como no social, da formao e evoluo dos trpicos ame-ricanos. (Prado Jr., 1961, p. 25)

    Esse sentido mais geral da colonizao portuguesa no Brasil tercomo corolrio um processo de conformao superestrutural que pro-curar reproduzir os traos mais distintivos do padro cultural euro-peu ocidental cristo. O processo de expanso ultramarina patrocina-da pelos reis da dinastia de Avis (1383-1580) tinha como escopo doispropsitos interligados num mesmo movimento: a conquista de no-vas feitorias produtoras de mercadorias, as regies genericamente de-nominadas de ndias, e a propagao da f crist.

    A Europa do sculo XVI, entretanto, foi marcada profunda-mente pela ciso que se processou no seio da cristandade. A ReformaProtestante (1517) operou um ponto de inflexo ideolgico no pro-cesso de transio entre o mundo feudal e a formatao societria eu-ropia que se desenhava com o advento das relaes mercantis de pro-duo. Na Pennsula Ibrica, o confronto entre o velho e o novo teveo seu desfecho na reafirmao do cristianismo catlico apostlico ro-mano. O padroado portugus, fuso entre o Estado e a Igreja que re-montava ao incio do sculo XII,2 conferia Coroa Lusitana a prerro-gativa de organizar tanto a colonizao quanto a misso evangelizadora

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    crist nas terras banhadas por mares nunca dantes navegados(Cames, 1997, p. 71). Ou seja: Por onde chegam os portugueseseles plantam o famoso padro que traz as armas reais e a cruz intrin-secamente ligadas entre si. Portugal goza dos favores da Cria roma-na em negcios de alm-mar. (Hoornaert, 1977, p. 35)

    A simbiose entre o braso da Coroa Portuguesa e a cruz do ca-tolicismo romano vincou profundamente a gnese do Brasil colonial.O marco orgnico do padroado portugus no Brasil foi a chegada daprimeira leva de padres da Companhia de Jesus, Manuel da Nbregae os seus cinco companheiros, na esquadra do primeiro governador-geral Tom de Sousa (1549).3 A misso evangelizadora perpetrada pe-los padres inacianos concomitantemente ao estabelecimento da em-presa comercial lusitana ocupava um papel de destaque, pois areligio deitava razes profundas na Pennsula Ibrica e se associara aotrono na defesa da estabilidade social, poltica e religiosa. Sua influ-ncia estendera-se vida cotidiana do indivduo, ao pensamento dosculo (Costa, 1956, p. 13) Coube Companhia de Jesus a organi-zao das instituies irradiadoras dos dois veios fundamentais de sus-tentao da cultura europia nas terras americanas mais ocidentaisdemarcadas pelo Tratado de Tordesilhas: a Igreja Catlica e a escola.Contudo, o estabelecimento do padro cultural europeu enfrentou re-sistncia por parte das sociedades indgenas encontradas pelos portu-gueses. Conforme mostra Paiva, o modelo cultural portugus foi ob-tido por meio da imposio:

    A sociedade portuguesa tinha uma estrutura rgida, centrada na hierarquia,fundada na religio. Hierarquia e religio eram princpios inadiveis em qual-quer situao. O servio de Deus e o servio dEl-Rei eram os parmetros dasaes sociais e obrigavam a manuteno das letras, como eram entendidas poca. Por isso, no h do que se espantar com o colgio jesutico em terrasbraslicas: baluarte erguido como campo de batalha cultural, cumpria com amisso de preservar a cultura portuguesa. (Paiva, 2000, p. 44-45)

    Igreja Catlica, casa de b--b, catequese, colgio, aldeamentoindgena, escravido africana, fazendas de cana-de-acar e gado, c-maras municipais, homens bons (principais), padres jesutas e colo-nos: eis os elementos econmicos, sociais e culturais que definiram ascolunas arquitetnicas do edifcio colonial portugus no Brasil do s-culo XVI. J no sculo seguinte, um projetista signatrio e emblem-

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    tico desse empreendimento colonial lusitano foi o padre AntonioVieira. Ele pode ser considerado um dos mais importantes intelectu-ais orgnicos dos desgnios metropolitanos nas terras braslicas, poisrepresentou vrios papis ao longo da sua vida: estadista real, polticoconsumado, padre enrgico, orador de verve ferina e missionrioengajado em causas contraditrias, tal como escreveu Alfredo Bosi:(...) do cabedal da memria saca o grande advogado armas para oescravo ou para o capital (Bosi, 1992, p. 35). No sermo intituladoPrimeira dominga do advento, o clebre rtor definiu um dos princ-pios explicativos da lgica que deveria presidir o imprio colonial lu-sitano: Costumam s Letras seguir-se as Armas, porque tudo levaaps si o maior poder; e assim floresceram variamente, e em diversaspartes no tempo destes imperios, todas as sciencias e artes (Vieira,1945a, p. 113-114).

    As armas seguiam as letras: as primeiras exercidas pelos coloni-zadores portugueses e as ltimas, pelos padres da Companhia de Je-sus. A conjugao dos dois elementos na colonizao e aculturaopode ser compreendida, por exemplo, quando se tem em conta que aconquista do planalto de Piratininga e a sua expanso para o interiorteria sido impedida se no tivesse havido a providencial atuao dosjesutas a colaborarem com os colonos na esfera religiosa, solapando,pelo trabalho de catequese, a autoridade e a resistncia dos chefes re-ligiosos aborgines, de extraordinrio relevo na vida tribal, conformeanalisou Egon Schaden (1954, p. 385-403). No mbito dessa mol-dura est inserido o teatro do padre Jos de Anchieta, que contribuiufortemente na converso da gentilidade, conforme a biografia escritapor Simo de Vasconcelos, publicada em 1672. Para ele, o apstolodo Brasil:

    Traduziu a doutrina crist e mistrios da f, dispostos a modo de dilogo,em benefcio dos ndios catecmenos, e fez tratado e interrogatrios e avisosnecessrios, para os que houvessem de confessar e confessar-se, e para instruirprincipalmente no tempo da morte aos j batizados, deixando alvio comseus trabalhos aos vindouros que se houvessem de ocupar no trato da salva-o das almas. (Vasconcellos, 1943, p. 33-34)

    Jos de Anchieta, ao produzir uma arte letrada a servio deDeus e dEl-Rei, foi um intelectual orgnico do projeto coloniza-dor europeu ocidental. Isso porque a prioridade e o sentido do seu

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    teatro eram a formao de um ambiente cultural portugus e cris-to no processo de edificao da grande nao brasileira (Leite,1938, p. 613). Quircio Caxa, autor da primeira biografia (1598)de Anchieta, afirmou que a sua arte bilnge (tupi e portugus)abriu caminho para ajudar uma nao to grande e que tem algu-mas cousas que facilitam sua converso [ndios]: scilicet, no co-mer carne humana, no ter mais que uma mulher e serem muitoamigos dos Portugueses e muito mais dos Padres que tm cuidadodeles (Caxa, 1965, p. 51).

    O teatro como veculo de aculturao

    De acordo com fontes primrias, como as cartas dos primei-ros jesutas, viajantes e cronistas do Brasil colonial, o teatro foi in-troduzido concomitantemente ocupao territorial patrocinadapela Coroa Portuguesa. Portanto, tal como na atividade educacio-nal, os jesutas foram pioneiros e exerceram o monoplio no mbitodas artes cnicas representadas nas terras braslicas, pois somente nasegunda metade do sculo XVII surgiu um cultor de teatro fora daCompanhia.

    Segundo Serafim Leite, as encenaes transcorriam em duas ins-tncias: nas aldeias e nos colgios, sendo que nestes com estilo maisescolstico e grave (Leite, 1938, p. 599). Nas aldeias, representa-vam-se autos, termo originado do latim actus porque, possivelmen-te, a representao durava apenas um ato. J nos colgios, alm deautos, havia comdias e tragdias. Apesar dessa distino, o objetivoera sempre moral. Quanto aos cenrios, variavam entre a sala grandedos colgios, a praa pblica e as aldeias; sendo estas ltimas as pre-feridas dos jesutas.

    Realizado em ambiente portugus e cristo, o que nos chamaa ateno que esse teatro se constituiu num dos veculos propaga-dores da lngua portuguesa, mas, ao mesmo tempo, manifestava-senele a convivncia das vrias lnguas faladas no Brasil. Portugus,tupi e castelhano eram as principais, predominando a primeira.Quando havia hspedes espanhis, intervinha o castelhano. O la-tim veio mais tarde.4 Empregado nos colgios para observar as re-gras do falar, no era bem-aceito nem mesmo pela Ordem no Bra-

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    sil, que requisitava das autoridades eclesisticas romanas a permis-so para usar o portugus. Exibidas ao povo, as encenaes no ti-nham carter estritamente escolstico, portanto seria um desconso-lo se no as entendessem, argumentavam os padres! Por isso, em1584, foi solicitado pelo Padre Visitador Cristvo de Gouveia quese adoasse a regra do latim e se fizessem as representaes, ao me-nos em parte, na lngua portuguesa (idem, ibid., p. 601). O Pa-dre-Geral da Ordem, padre Cludio Acquaviva (1581-1615), con-sentiu em parte no uso da lngua verncula, no nas tragdias ecomdias, portanto continuava proibido o uso do portugus nas en-cenaes dos colgios. Mas a inteno maior dos jesutas consistiaem serem compreendidos pelos ndios e esta era a razo pela qual oidioma tupi se tornava condio sine qua non para o xito dacatequese. E sendo o teatro uma das formas dessa converso, o usodo portugus e da lngua braslica nas encenaes era mais que jus-tificado.

    preciso estabelecer, porm, os traos gerais da sociedade co-lonial da poca para que seja possvel captar o movimento das idias,no em si mesmas, como analisa Alfredo Bosi, mas na sua conexocom os horizontes de vida de seus emissores, pois a luta era materiale cultural ao mesmo tempo (Bosi, 1992, p. 33). Portanto, no sepode perder de vista as caractersticas distintivas da formaosocioeconmica do Brasil-Colnia que, com base no mesmo autor, po-dem ser assim sumariadas: 1) predomnio de uma camada de latifun-dirios com interesses vinculados a grupos mercantis europeus; 2) afora de trabalho escrava; 3) estrutura de poder poltico dominada porinteresses da Coroa (o raio de poder dos homens bons, isto , proprie-trios, era curto e local; no final do sculo XVI at as cmaras muni-cipais passaram a sofrer a interferncia da metrpole); 4) o empenhodos jesutas no estabelecimento de uma Igreja supranacional que pri-vilegiava, em princpio (sculo XVI), o projeto das misses junto aosndios, ou seja, quando predominava a idia do papel cristianizadorda expanso portuguesa; depois a catequese cedeu lugar educaohumanstica ministrada aos jovens de famlias abastadas; 5) a culturaletrada, reservada a poucos, servia como divisor de guas entre a cul-tura oficial e a vida popular (idem, ibid., p. 25).

    O Brasil do sculo XVI era caracterizado por uma sociedadeindianizada, no dizer de Darcy Ribeiro, isto , uma maioria com-

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    posta por ndios e uma minoria de europeus. Ele estima para 1600cerca de 50 mil brancos, 30 mil escravos, 120 mil ndios integradose 4 milhes de ndios isolados. Na mesma linha, no artigo intituladoQue somos? Celso Furtado afirmou que durante todo o perodo colo-nial os portugueses foram no Brasil uma minoria em face da presenaindgena e tambm da presena da populao de origem africana, quelogo comeou a afluir como fora de trabalho (Furtado, 1984, p.16). Atendo-nos ao sculo XVI, os nmeros citados por Darcy Ri-beiro do-nos a idia de uma populao rarefeita que compartilhava aimensido e a exuberncia do territrio.

    Nessa sociedade, o idioma tupi foi mais praticado que o portu-gus, e em toda a costa brasileira predominou o nheengatu, ou lnguageral, quer dizer o esforo de falar o tupi com boca de portugus(Ribeiro, 1995, p. 122). At a substituio da lngua geral pela por-tuguesa, processo que s se completaria no curso do sculo XVIII, otupi rivalizava com o idioma do conquistador na proporo de trspor um. Era o mais usado nas relaes comuns e, conforme registra-do nas cartas jesuticas, falava-se o tupi na famlia e nas relaes pri-vadas; ao passo que o portugus, aprendido nos colgios inacianos,era praticado nas relaes oficiais e mercantis. Conforme testemunhouVieira, a lngua falada nas famlias paulistas, formadas por ndios eportugueses, era a dos ndios, ao passo que a portuguesa era aprendi-da pelos meninos na escola. Tal situao perduraria, embora atenua-da, at a segunda metade do sculo XVIII, quando em So Paulo alngua tupi continuava sendo a da amizade e intimidade domstica.Quanto ao latim, a lngua culta por excelncia no perodo colonial,era empregado nos estudos de lgica, retrica, aritmtica etc., impe-rando tambm nos templos, espao pblico vital no cotidiano, am-biente de sociabilidades religiosas e mundanas (Villalta, 1997, p.345-346).

    Mas o que nos interessa mais de perto neste estudo o idiomatupi e a sua derivao em lngua geral, uma criao e imposio dosjesutas, segundo Gilberto Freyre. O que explica a necessidade deaprend-la? A resposta pode ser encontrada nas cartas dos primeirosinacianos no Brasil, nas Constituies da Companhia de Jesus5 e nossermes do padre Antonio Vieira, pois em todos esses documentos ficantida a obrigatoriedade dos catequistas de aprender a lngua do do-minado para melhor catequizar.

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    De fato, como escreveu Serafim Leite, uma das regras da Com-panhia era que todos aprendessem a lngua da terra onde residiam.Decorrentes desse preceito inscrito nas Constituies, eram freqen-tes as determinaes superiores sobre a obrigatoriedade para os jesu-tas do aprendizado do tupi. Inspecionando as obras missionrias noBrasil, na dcada de 60 do sculo XVI, o Padre Visitador Incio deAzevedo, por exemplo, confirmou e decretou que todos a aprendes-sem pelo menos para a doutrina e oraes (Leite, 1938, p. 561). Aproeminncia do tupi chegou a provocar alteraes no rgido currcu-lo dos colgios. Por exemplo: o curso de humanidades, na Europa,compreendia aulas de grego, mas, no Brasil, no se ensinou no sculoXVI: foi substitudo pelo tupi. Por isso, os estudantes, segundoSerafim Leite, com uma pontinha de bom humor, chamavam grego lngua braslica (idem, ibid.).

    Nos documentos que analisamos fica bastante clara a necessi-dade de se aprender o tupi para o fim de catequese. Essa necessidadeera to imperiosa que suscitou uma situao sui generis: a tentativa deinverso de requisitos exigidos para a formao de padres, ou seja, emvez da teologia como prioridade, o aprendizado da lngua braslica.Caso essa solicitao dos jesutas fosse aceita pelos superiores da Or-dem, o estudo da lngua supriria a teologia para os que no tivessemtanto talento para especulaes e, assim, mesmo fracos no latim, a or-denao seria feita. Essa polmica, registrada nas cartas jesuticas de1584, um dado importante que nos permite, mais uma vez, perce-ber a dialtica do processo colonizador: a particularidade da ordena-o de padres em solo braslico confrontava as prprias Constituiesdas Companhias, ou seja, a dogmtica jesutica era subvertida peloambiente colonial. A lgica era simples: a catequese, sendo mais im-portante que a prpria formao dos quadros jesuticos, requeria a or-denao de padres que j soubessem o essencial para catequizar mes-mo sem a preparao teolgica completa. E o essencial era a lnguado dominado.

    Na tarefa de converso, por razes bvias, o tupi era preferidoao latim, tanto que muitos padres se descuidavam do seu uso, comoatesta uma carta de 1553 do irmo Pero Correia a um padre portu-gus, pedindo que lhe enviasse livros de doutrina e, caso no fossemencontrados em Lisboa, que os procurasse em Sevilha, pois ele prega-va na lngua tupi e no entendia o latim: Eu sempre lhes falei assim

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    a eles como mais gente, que se ajunta na igreja, em sua lngua, elhes prego as coisas da f; mas faltam-me livros em linguagem paraestudar, porque no sou latino e no me posso ajudar dos de latim(Correia, 1949, p. 380).

    Apesar da sua importncia estratgica, o estudo da lnguabraslica, com as dificuldades naturais do aprendizado, era empreen-dido por muito poucos. Em 1585, uma carta do padre ManuelViegas ao Padre-Geral Cludio Acquaviva trata desse problema:

    Ele [o Padre Visitador Cristvo de Gouveia] foi muito bem recebido nestaCapitania por todos os seculares (...) Ele prov e deseja prover essas Casas, etem grande zelo da converso do gentio do Brasil, e manda que todos, queso para isso, aprendam e saibam a lngua da terra, e a nenhum consente(conforme ao que V. P. lhe mandou) que se ordene de ordens sacras, aindaque sejam muito para isso, sem que primeiro saibam e aprendam a lngua daterra. O que foi bem ordenado por V. P., porque saiba V. P. que muito pou-cos a queriam aprender e saber e dar-se a ela: tudo era darem-se s letras e se-rem pregadores dos portugueses, e subir ao plpito a pregar aos brancos eno se lembrava desta pobre gente de lhe pregar em sua lngua. (Viegas,1949, p. 384)

    J no sculo XVII, na Exhortao primeira em vespera do EspiritoSanto, pronunciada aos novios e estudantes da Companhia de Jesusna capela interior do Colgio da Bahia, Vieira assevera que a lnguaportuguesa no era mais geral que a braslica, mas nota um declniono uso desta porque declinava a prpria populao indgena. Discor-rendo longamente sobre a importncia do seu aprendizado para aconverso dos gentios e preocupado com o fato de se haver limitadoo estudo da lingua da terra, em dado momento enfatizou:

    E para ajudar essas almas, que meios ou que instrumentos nos deu e nos en-sinou a providencia do mesmo Santo [Ignacio] e sapientissimo Patriarcha? Asua Regra o diz. Para maior ajuda dos naturaes da terra em que residem, to-dos aprendam a lingua della. Reparemos bem naquelas duas clausulasuniversaes: todos e em qualquer parte, ou partes do mundo. (...). Pudra di-zer que aprendessem a lingua alguns, ou a maior parte, mas no diz seno,todos os estudantes e os professos, os irmos e os padres, os discipulos e osmestres, os moos e os velhos, subditos e os superiores, sem que haja officioou occupao alguma to importante, que os exceptue desta, porque ella a maior, a mais importante, e a de que depende o fim de toda a Companhia.(Vieira, 1945b, p. 385-386).

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    Mas uma vez aprendido o tupi, ensinavam aos ndios o portu-gus, o castelhano e at o latim. Portanto, podemos dizer que, aomesmo tempo em que se aprendia o tupi, a inteno era tornarhegemnico o portugus. Por isso, tal como assegurou Darcy Ribei-ro, a indianidade daquele primeiro sculo era mais aparente do quereal, porque todo o modo de vida indgena, a sua cultura, o prpriouso da sua lngua, estavam postos, agora, a servio de uma entidadenova, muito mais capaz de crescer e expandir-se (Ribeiro, 1995, p.121). Outros estudos antropolgicos, porm, assinalam que, apesarda aculturao, a diversidade lingstica s existiu enquanto aqui per-maneceram os padres jesutas, pois a fim de garantir a hegemoniado idioma lusitano, o governo portugus, aps a expulso dos jesu-tas, proibira o uso da lngua geral e impunha o da portuguesa(Schaden, 1954, p. 394).

    Para crescer e expandir-se, os valores ocidentais precisavam sertransmitidos de forma que pudessem ser aceitos e, para tal, os jesu-tas recorreram s prticas mais condizentes com a cultura daquelesque eram o seu objeto de converso. Observando seus costumes, logoperceberam o forte trao ldico da sua cultura e talvez por essa razocomearam a investir em atividades centradas principalmente na m-sica, na dana, na teatralidade da vida tribal repleta de rituais, mo-vimentos, cores, sons para que, por meio delas, o cristianismo fosseassimilado com o recurso dos prprios valores dos ndios, ou seja, todoo empenho dos jesutas nessa forma de catequese consistia emcristianizar os valores indgenas. Em Casa-grande & senzala, discor-rendo sobre a vida cotidiana das crianas ndias, Gilberto Freyre afir-ma que msica, dana, jogos e brincadeiras eram utilizados pelos je-sutas, que os depuravam do seu real significado, transmudando a suasimbologia para um sentido cristo. Assim escreveu ele:

    Os jesutas conservaram danas indgenas de meninos, fazendo entrar nelasuma figura cmica de diabo, evidentemente com o fim de desprestigiar peloridculo o complexo Jurupari [de quem as crianas tinham medo]. Despres-tigiados o Jurupari, as mscaras e os maracs sagrados, estava destrudo entreos ndios um dos seus meios mais fortes de controle social: e vitorioso, at cer-to modo, o Cristianismo. (Freyre, 1995, p. 129)

    Nessa mesma poca, as festas populares na Europa catlica noeram bem-vistas. Estudo de Peter Burke mostra que no sculo XVI as

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    pessoas cultas, principalmente o clero, mas os reformadores em ge-ral tanto catlicos quanto protestantes , empenhavam-se em mo-dificar as atitudes e os valores do restante da populao. Objetavamcontra certas formas de religio popular, como sermes e, acima detudo, festas religiosas como os dias de santos e as peregrinaes. Viamna cultura popular reminiscncias do paganismo, manifestaes pr-crists, como, por exemplo, o Carnaval de Siena (Itlia), em 1509.Em suma, empenhavam-se em destruir a tradicional familiaridadecom o sagrado, pois acreditavam que a familiaridade alimenta airreverncia (Burke, 1989, p. 235), e foi assim, nesse ambiente decontrole e vigilncia dos dogmas catlicos, que as peas religiosas fo-ram proibidas em 1539 pelo bispo de vora (Portugal).

    Provenientes de uma ordem religiosa que nascera no mago des-sa crise reformista e empenhada na conteno dos mpetos reformado-res, os jesutas sabiam que dificilmente obteriam permisso para rea-lizar festas populares religiosas no Brasil. Por isso mesmo, temendouma resposta negativa, preferiam no pedi-la. Pregando o cristianis-mo num quadro cultural estranho ao seu, tal como sucedia com aobrigatoriedade do latim, eles adotavam a ttica de no pedir autori-zao para usar, em seu lugar, o tupi ou o portugus: simplesmenteusavam. Ou como escreveu Serafim Leite sobre a resistncia passivados jesutas ao latim, a influncia do meio era superior a todas asdeterminaes legais (Leite, 1938, p 599).

    Como a desobedincia dificilmente poderia ser constatada, umavez que o oceano protegia as suas transgresses, continuaram aprovei-tando o gosto dos colonos e dos ndios por espetculos, enquantoRoma os restringia. Um fato ilustra a questo: em 1596, o Padre-Ge-ral Cludio Acquaviva chamou a ateno do Provincial do Brasil, pa-dre Pero Rodrigues (1594-1603), por ter consentido comdias e tra-gdias sem o avisar. Em sua defesa, alegaram os ditos padres que nasencenaes se concentrava grande nmero de gente e, com isso, po-deriam angariar grande nmero de confisses e comunhes. MasAcquaviva replicou que se queriam muitas confisses e comunhes,que preparassem um bom sermo (idem, ibid., p. 602). Com certezaa sua idia de sermo contrastava inteiramente com o chamado ser-mo popular, atacado na Europa como coisa ridcula, blasfema, ofen-siva, como vaticinava Erasmo sobre o bom pregador, ou seja, aqueleque devia saber jogar com as emoes da sua audincia por meio ex-

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    clusivo de palavras, e no contorcendo o rosto ou gesticulando comoum bufo. No adequado, conveniente ou louvvel que os homenspromovam ocasio de risos nos sermes (Burke, 1989, p. 235), di-zia um puritano ingls citado por Peter Burke.

    No que diz respeito s peas teatrais do perodo quinhentista,interessa-nos no apenas o seu contedo em si mas tambm a suaforma de expresso, ou seja, em que lngua foram escritas e encena-das, uma vez que ambos os aspectos atuaram no processo deaculturao.

    Como j mencionamos, os autos escritos por Anchieta valeram-se do bilingismo como forma de aculturao. Sempre que era poss-vel ignorar as regras da Companhia no tocante ao uso do latim, ospadres faziam-no utilizando o portugus e o tupi. J o castelhano, foiusado por Anchieta tanto parcialmente como em peas inteiras. Ali-s, era comum o uso das trs lnguas num mesmo auto. Durante odomnio espanhol sobre Portugal (1580-1640), por exemplo, o usodo portugus e do castelhano na mesma pea revela uma preocupa-o poltica do autor.

    Ao mesmo tempo, quando tratamos de teatro jesutico, referi-mo-nos basicamente s peas do padre Anchieta, que constituem, se-gundo Joel Pontes, um pequeno bloco de medievalismo, nico pelostemas, caracteres, pensamentos e emprego do tupi. Sua obra dizele permanece isolada na dramaturgia brasileira sem antecedentesnem conseqentes imediatos (Pontes, 1978, p. 86). um elementoauxiliar na catequizao dos ndios, ao encantatria e didtica aomesmo tempo, efetivada sobre um pblico novo, ignorante de teolo-gia, completa o autor. De fato, a funo de aculturao exercida peloteatro foi assim descrita por Nbrega: Com msica e harmonia eume atrevo a trazer a mim todos os indgenas da Amrica (Nbrega,1956, p. 384).

    De 1564 at a sua morte, Anchieta escreveu aproximadamente20 autos, o que corresponde quase totalidade das peas jesuticasdo perodo, e escrevendo para os nativos ou para os colonos que jentendiam a lngua geral da costa, o missionrio adotava quase sem-pre o idioma tupi, afirma Alfredo Bosi, para quem Anchieta teria sidoo nosso primeiro intelectual militante (Bosi, 1992, p. 93). Segun-do ele, o projeto de transpor para a fala do ndio a mensagem catli-

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    ca demandava um esforo de penetrar no imaginrio do outro, e estefoi o seu empenho. Ora, como dizer aos tupis a palavra pecado seeles sequer tinham noo dele? Anchieta vai ento adaptando as figu-ras mitolgicas dos ndios s representaes crists, vai criando umimaginrio estranho, sincrtico, no qual, por exemplo, bispo pai-guau, paj maior; igreja tupoka, casa de Tup; demnio anhang, esprito errante; para anjo, Anchieta cunhou o vocbulokaraibeb, profeta voador. Por isso, conclui Bosi, a nova representa-o do sagrado assim reproduzida j no era nem a teologia crist nema crena tupi, mas uma terceira esfera simblica, uma espcie de mi-tologia paralela que s a situao colonial tornara possvel (idem,ibid., p. 65).

    Mais preocupado com a catequizao e menos com o estilo li-terrio, Anchieta no escrevia pensando na eternidade de sua arte,mas na Eternidade a ser conquistada pelo ndio atravs da converso(Pontes, 1978, p. 53). Na mesma linha, Dcio de Almeida Prado(1993, p. 22) afirma que Anchieta era um autor impregnado pelavertente pessimista do cristianismo. Tal esprito anti-reformista ma-nifestava-se no propsito de ministrar a noo de pecado, o valor daconfisso, entre outros preceitos, tudo isso presente no esquematismorecorrente de seus textos, pois os jesutas tinham em mira dois finsprecisos: substituir uma religio (ou mitologia) por outra e um cdi-go moral por outro. Segundo o mesmo autor, quanto ao primeiroponto no enfrentavam obstculos maiores. Na galeria de seres sobre-naturais oferecida pelo politesmo tupi, segundo a interpretao dapoca, Anhang ajustava-se ao papel de Satans, ao passo que Tup,deus do trovo, assumia a posio de Deus nico e Todo-Poderoso,figura conhecida entre os ndios.

    As solues verbais, pelo menos, estavam dadas. Dilogo deGuaraparin (1585) (Anchieta, 1977, p. 204 passim), por exem-plo, um auto-escrito todo em tupi porque seria endereado dire-tamente ao ndio, est estruturado com a extrema simplicidade desempre. Comea pela ameaa latente em um conclio de diabos,continua com a presa da alma de um ndio que, no auge da afli-o, chama por Nossa Senhora e termina com a salvao. O finalaponta para a comparao entre ndios que se recusam a aceitar ocatolicismo e os aldeados sombra do Colgio, uns erradios atserem atirados ao fogo, os outros sedentrios e felizes sob proteo

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    de Nossa Senhora. O princpio moral sempre o mesmo e est ex-presso na oposio crist entre o bem e o mal.

    Uma testemunha ocular dessas encenaes foi o padre FernoCardim que, na obra Tratado da terra e gente do Brasil, relata:

    Os curumins, sc. Meninos [crianas ndias], com muitos mlhos de frechaslevantadas para cima, faziam seu motim de guerra e davam sua grita, epintados de vrias cores, nusinhos, vinham com as mos levantadas rece-ber a beno do padre, dizendo em portuguez louvado seja Jesus Cristo.Outros sairam com uma dana descudos portugueza, fazendo muitostrocados e danando ao som da viola, pandeiro e tamborim e frauta, e jun-tamente representavam um breve dilogo, cantando algumas cantigas pas-toris. (Cardim, 1939, p. 258)

    Observamos, ainda, que para ridicularizar smbolos da mi-tologia tupi, os jesutas utilizavam os prprios ndios para inter-pret-los, como ocorreu, por exemplo, quando o Padre VisitadorCristvo de Gouveia, no ano de sua chegada, em 1583, foi sau-dado na aldeia do Esprito Santo onde se encenou o Auto Pastoril,de Anchieta, causando-lhe enorme devoo, por no esperar taisfestas de gente to brbara (Leite, 1938, p. 607-608). No falta-ra nem um Anhang (diabo), que saiu do mato, interpretado porum ndio, relata Serafim Leite. J no Auto de So Loureno (1587)(Anchieta, op. cit., p. 141 passim), o anjo amarra o inimigoSaravaia (criado do diabo Guaixar), apresenta uma fala aos ndi-os, incita-os a aprender a doutrina crist, e a honrar o padroeiroda Aldeia de So Loureno. Diz o Anjo:

    Da-lhe tda a ateno,Acabe-se o antigo rito,No haja aqui mortandade,Acabem-se os feitios,E o augrio que vs tnheisNas aves e feras do mato,No adoreis a palmeira.No faas mal a ningum,Amai-vos entre vs-mesmos,No sejas enredadores,

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    Lembrai-vos dos vossos mortos,No vos lembreis das ofensas,E no sejais invejosos,No tireis frechas s gentes, etc. (Anchieta apud Leite, 1938, p. 613)

    Enquanto o padre Serafim Leite v nesses versos uma dasmais nobres aspiraes e conquistas da civilizao, a abolio das su-persties e da antropofagia (Leite, 1938, p. 613), no podemosenxergar seno o embate de valores existentes entre duas concepessocietrias distintas, a ocidental e a amerndia, e a lenta e eficaz des-truio de uma cultura.

    Concluso

    No sculo XVI ainda no havia um povo no Brasil, mas simpovos, cada qual com sua lngua, costumes, tradies, histria e inte-resses prprios. Na pressa de transformar povos em povo, a Compa-nhia de Jesus tornou-se cabea de um movimento ideolgico (Pon-tes, 1978, p. 86). Nesse movimento, a imposio de uma nicalngua, no incio minoritria, mas com pretenso de hegemonia, viriaa ser um dos elementos da nacionalidade.

    O teatro de Anchieta, inseparvel da catequese, foi um dos ins-trumentos culturais utilizados pela Companhia de Jesus paraviabilizar o seu iderio civilizador nas terras dos gentios pr-colom-bianos, cujo corolrio mais evidente foi a gestao de uma nacionali-dade plasmada pelo portugus em detrimento de outras expresseslingsticas. A lngua portuguesa, reduzida s escolas de b--bjesuticas durante o sculo XVI, comeou a se tornar hegemnica nosculo XVIII. Porm, como processo que resultou do cruzamento deculturas, tambm ela vai se distinguir de sua matriz lusitana. Sobreisso escreveu Gilberto Freyre:

    Foi a lngua, essa que se formou da colaborao do culumim [criana ndia]com o padre, das primeiras relaes sociais e de comrcio entre as duas raas,podendo-se afirmar do povo invasor que adotou para o gasto ou uso corren-te a fala do povo conquistado, reservando a sua para uso restrito e oficial.Quando mais tarde o idioma portugus sempre o oficial predominou so-bre o tupi, tornando-se, ao lado deste, lngua popular, j o colonizador esta-

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    va impregnado de agreste influncia indgena; j o seu portugus perdera orano ou a dureza do reinol; amolecera-se num portugus sem rr nem ss;infantilizara-se quase, em fala de menino, sob a influncia do ensino jesuticode colaborao com os culumins. (Freyre, 1995, p. 149)

    A unidade lingstica da sociedade brasileira contempornea resultado, em parte, do tronco comum fundado na lngua tupipraticada em todo o litoral do Brasil do sculo XVI. Como mencio-namos, a simbiose do tupi com o portugus havia gerado a ln-gua geral, que nem era o tupi puro nem o portugus original. Apartir do sculo XVIII, com a crescente hegemonia do portugus,foi sendo extinta tanto a pluralidade falada por outros povos ind-genas no-tupis como tambm o bilingismo forjado pelo cruza-mento do portugus com o tupi. Aps fazer deste ltimo uma es-pcie de hospedeiro do idioma portugus, a colonizao agiu nosentido de torn-lo nico.

    O nheengatu, embora tenha contribudo para dar uma caraao Brasil, quase um fenmeno cultural desconhecido da nossa his-tria. Sobre o seu uso, o padre Lemos Barbosa autor de obrasreferenciais sobre tupi nos anos de 1950 dizia: Falada nacatequese e nas bandeiras, instrumento das conquistas espirituais eterritoriais da nossa histria, o seu conhecimento, sequer superfici-al, fez parte da cultura nacional.6 Proibido desde 1759 pelo Mar-qus de Pombal, que imps o portugus, mesmo assim ele no estmorto, embora praticado apenas por ribeirinhos, ndios e caboclosda Amaznia. A velha lngua braslica, falada por ndios de diferen-tes tribos em quase toda a costa brasileira, pelos portugueses, reli-giosos, escravos e bandeirantes na poca do Descobrimento, acabade ser declarada como uma das oficiais em So Gabriel da Cachoei-ra (AM), que ser o primeiro municpio brasileiro a ter quatro idio-mas oficiais: alm do portugus, os habitantes passam a se comuni-car oficialmente tambm em nheengatu, tucano e baniua. Comoexplicar isso? Segundo Eduardo de Almeida Navarro, mesmo aps asua proibio por Pombal, longe dos ouvidos do Estado, a lnguageral sobreviveu bem na floresta at 1877, quando uma grande secano Nordeste levou 500 mil pessoas para a Amaznia, mudando operfil lingstico da regio. Ele classifica a sua elevao a idioma ofi-cial como terceira fase do tupi e conclui: uma forma simblicade reagir a uma proibio do Estado de 250 anos atrs.7

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    Enfim, em razo dos traos tpicos da nossa formao histrica,no tocante configurao lingstica, aqui resultou o inverso do su-cedido com o vizinho pas guarani, por exemplo, que conseguiu man-ter o seu bilingismo, praticando o guarani como uma espcie de ln-gua afetiva do Paraguai.

    Conclumos, portanto, que a imposio da lngua portuguesa,com excluso da pluralidade cultural e lingstica do sculo XVI,atesta um dos aspectos da constituio do Estado-Nao brasileiro,nascido da violncia, da explorao econmica e da intolerncia reli-giosa e cultural, marcas de um passado que, como escreveu Caio Pra-do Jr., a todo instante est diante dos nossos olhos.

    Recebido em abril de 2003 e aprovado em dezembro de 2003.

    Notas

    1. No II Congresso Brasileiro de Histria da Educao, ocorrido em novembro de 2002, emNatal, apenas 8 trabalhos, de um total de 428, trataram da educao no perodo colonial.

    2 . A reconquista das terras ibricas ocupadas pelos muulmanos, a partir do sculo IX,contou com o apoio decisivo da Igreja Catlica. As igrejas e mosteiros tambm so for-talezas, os procos e bispos homens de guerra, senhores de territrios sbre que impe-ram da mesma forma que os seculares. Encarado por ste lado, o clero s se destingueda aristocracia no facto de usar de insgnias particulares: a cruz ou o bculo alm da es-pada, a estola sbre a couraa. Os bispos e abades acompanham a cavalo, frente dassuas tropas, as correrias contra os sarracenos; cobram os tributos dos seus senhorios; tmservos que aram os seus campos ou desempenham as funes inferiores do sacerdcio(Oliveira Martins, Histria da Civilizao Ibrica, p. 159, apud Antnio G. Matoso,Histria de Portugal, v. I, p. 82).

    3 . Filiado tese de Abreu (1976, p. 169), Frei Betto tambm advoga que no se podecontar a Histria do Brasil sem referncia aos jesutas (Frei Betto, Companhia de Je-sus, O Estado de S. Paulo, So Paulo, 31 jul. 1996. Caderno A, p. 2).

    4 . O latim era a lngua oficial da Igreja Catlica Apostlica Romana. Por isso, ocupava umpapel proeminente na educao jesutica. Almeida, defendendo a Companhia de Jesus con-tra os ataques que sofrera durante o ministrio do Marqus de Pombal (1750-1777), as-sim se referiu funo desempenhada pela lngua latina no processo pedaggico jesutico:(...) diremos ainda que no espao de dous seculos, em que a Congregao influio no en-sino de Portugal, foi quando os estabelecimentos litterarios deste paiz adquiriro verdadei-ra e notoria celebridade, tanto no cultivo da Theologia, como no da Philosophia, assim noDireito civil como Canonico, e linguas classicas, maxime a Latina (Candido Mendes deAlmeida, Introduo, p. CLIX).

    5. As Constituies que deram forma ao Instituto da Companhia de Jesus, no Captulo 8,intitulado Del instruir los scolares en los medios de ayudar a sus prximos, afirmam

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    que: [402] Ansn mesmo se exercitarn en el predicar y leer en modo conveniente parala edificacin del pueblo (que es diverso del scolstico), procurando tomar bien la lenguay tener vistas y a la mano las cosas ms tiles para este oficio, y ayudares de todos losmedios convenientes para mejor hacerle y com ms fructo de la nimas (San Ignacio deLoyola, Obras, p. 549).

    6 . Nheengatu foi lngua mais usada no Pas, O Estado de S. Paulo, So Paulo, 30 mar. 2003.Caderno A, p. 14.

    7. Idem, ibid.

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