Pm memorial (padre bartolomeu) e camões (sete anos de pastor) - grupo ii (cesário)

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Preparação de Exame Grupo I A. 1 5 1 0 1 5 2 0 2 5 Três, se não quatro, vidas diferentes tem o padre Bartolomeu Lourenço, e uma só apenas quando dorme, que mesmo sonhando diversamente não sabe destrinçar, acordado, se no sonho foi o padre que sobe ao altar e diz canonicamente a missa, se o académico tão estimado que vai incógnito el-rei ouvir-lhe a oração por trás do reposteiro, no vão da porta, se o inventor da máquina de voar ou dos vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água, se esse outro homem conjunto, mordido de sustos e dúvidas, que é pregador na igreja, erudito na academia, cortesão no paço, visionário e irmão de gente mecânica e plebeia em S. Sebastião da Pedreira, e que torna ansiosamente ao sonho para reconstruir uma frágil, precária unidade, estilhaçada mal os olhos se lhe abrem, nem precisa estar em jejum como Blimunda. Abandonara a leitura consabida dos doutores da Igreja, dos canonistas, das formas variantes escolásticas sobre essência e pessoa, como se a alma já tivesse extenuada de palavras, mas porque o homem é o único animal que fala e lê, quando o ensinam, embora então lhe faltem ainda muitos anos para a homem ascender, examina miudamente e estuda o padre Bartolomeu Lourenço o Testamento velho, sobretudo os cinco primeiros livros, o Pentateuco, pelos judeus chamado Tora, e o Alcorão. Dentro do corpo de qualquer de nós poderia Blimunda ver os órgãos, e também as vontades, mas não pode ler os pensamentos nem ela a estes entenderia, ver um homem pensando, como em um pensamento só, tão opostas e inimigas verdades, e com isso não perder o juízo, ela se o visse, ele porque tal pensa. A música é outra coisa. Domenico Scarlatti trouxe para a

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Preparação de Exame

Grupo I

A.

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Três, se não quatro, vidas diferentes tem o padre Bartolomeu Lourenço, e uma só apenas quando dorme, que mesmo sonhando diversamente não sabe destrinçar, acordado, se no sonho foi o padre que sobe ao altar e diz canonicamente a missa, se o académico tão estimado que vai incógnito el-rei ouvir-lhe a oração por trás do reposteiro, no vão da porta, se o inventor da máquina de voar ou dos vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água, se esse outro homem conjunto, mordido de sustos e dúvidas, que é pregador na igreja, erudito na academia, cortesão no paço, visionário e irmão de gente mecânica e plebeia em S. Sebastião da Pedreira, e que torna ansiosamente ao sonho para reconstruir uma frágil, precária unidade, estilhaçada mal os olhos se lhe abrem, nem precisa estar em jejum como Blimunda. Abandonara a leitura consabida dos doutores da Igreja, dos canonistas, das formas variantes escolásticas sobre essência e pessoa, como se a alma já tivesse extenuada de palavras, mas porque o homem é o único animal que fala e lê, quando o ensinam, embora então lhe faltem ainda muitos anos para a homem ascender, examina miudamente e estuda o padre Bartolomeu Lourenço o Testamento velho, sobretudo os cinco primeiros livros, o Pentateuco, pelos judeus chamado Tora, e o Alcorão. Dentro do corpo de qualquer de nós poderia Blimunda ver os órgãos, e também as vontades, mas não pode ler os pensamentos nem ela a estes entenderia, ver um homem pensando, como em um pensamento só, tão opostas e inimigas verdades, e com isso não perder o juízo, ela se o visse, ele porque tal pensa.

A música é outra coisa. Domenico Scarlatti trouxe para a abegoaria um cravo, não o carregou ele, mas dois mariolas a pau, corda, chinguiço1, e muito suor da testa, desde a Rua Nova dos Mercadores, onde foi comprado, até S. Sebastião da Pedreira, onde seria ouvido, veio Baltasar com eles para indicar o caminho outra ajuda lhe não requereram, que este transporte não se faz sem ciência e arte, distribuir o peso, combinar as forças como na pirâmide da Dança da Bica, aproveitar o molejo das cordas e do pau para ritmar a passada, enfim, segredos de ofício que tanto valem como outros, e cuida cada qual que os do seu são máximos. O cravo foi deixado pelos galegos do lado de fora do portão, não faltava mais nada verem eles a máquina de voar, e para a abegoaria o levaram, com grande esforço, Baltasar e Blimunda, não tanto pelo peso, mas por lhes faltarem arte e ciência, sem contar que as vibrações das cordas pareciam queixumes magoados e por causa deles se lhes apertava o coração, também duvidoso e assustado de tão extrema fragilidade. Nessa mesma tarde veio Domenico Scarlatti, ali se sentou a afinar o cravo, enquanto Baltasar entrançava vimes e Blimunda cosia velas, trabalhos calados que não perturbavam a obra do músico. E tendo concluído a afinação, ajustado os saltarelos que o transporte havia desacertado, verificado as penas de pato uma por uma, Scarlatti pôs-se a tocar, primeiro deixando correr os dedos sobre as teclas, como se soltasse as notas das suas prisões, depois organizando os sons em pequenos segmentos, como se escolhesse entre o certo e o errado, entre a forma repetida e a forma perturbada, entre a frase e o seu corte, enfim articulando em discurso novo o que parecera antes fragmentário e contraditório. De música sabiam pouco Baltasar e Blimunda, a salmodia dos frades,

1 espécie de almofada que os moços de fretes levam sobre o cachaço, quando carregam a pau e corda.

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raramente o estridor operático do Te Deum, toadas populares campestres e urbanas, cada qual suas, porém nada que se parecesse com estes sons que o italiano tirava do cravo, que tanto pareciam brinquedo infantil como colérica objurgação2, tanto parecia divertirem-se anjos como zangar-se Deus.

1. Indica as quatro “vidas diferentes” (l. 1) do padre Bartolomeu, ilustrando com exemplos textuais.

2. “ver um homem pensando, como em um pensamento só, tão opostas e inimigas verdades” (ll. 18-19) - Comenta a afirmação anterior, realçando a aparente contradição na personalidade do padre Bartolomeu.

3. Traça o perfil psicológico de Baltasar, Blimunda e Scarlatti, com base no segundo parágrafo do excerto.

B.

2 repreensão; censura

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Sete anos de pastor Jacob servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

mas não servia ao pai, servia a ela,

e a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,

passava, contentando se com vê-la;

porém o pai, usando de cautela,

em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos

lhe fora assi negada a sua pastora,

como se a não tivera merecida;

começa de servir outros sete anos,

dizendo:-Mais servira, se não fora

para tão longo amor tão curta a vida.

Luís de Camões, Rimas

1. Explicita os traços caracterizadores de Jacob, ilustrando com exemplos textuais.

2. Comenta a expressividade do recurso estilístico presente no último verso, relacionando-a com o sentido do poema.

Grupo II

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O Livro de Cesário Verde

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Poeta do concreto, das quadras simples, Cesário Verde é um dos precursores do modernismo em Portugal. No seu tempo foi ostensivamente ignorado. O reconhecimento, a admiração, vieram muito depois da morte, aos 31 anos de idade.

Poeta do século XIX, Cesário Verde nasceu na rua dos Fanqueiros, em Lisboa, a 25 de fevereiro de 1855. Sabemos que frequentou o curso de Letras, que um incêndio na casa de campo da família destruiu muito do que escrevera, que foi um comerciante, homem da pequena burguesia e republicano convicto. Sabemos pouco para traçar uma biografia exaustiva do senhor Verde mas, lendo com atenção o seu único livro, ficamos a saber que inventou uma nova poesia.

A aventura literária de Cesário Verde começa no “Diário de Notícias”. Os versos são publicados e mal recebidos pelos seus contemporâneos e críticos literários. Ninguém estava preparado para aquela poesia, tão diferente da que se fazia na altura, da corrente melodramática e romântica que a todos agradava.

Cesário transgride na forma e no conteúdo. Prefere quadras a sonetos. Escolhe temas não poéticos, coisas prosaicas  do quotidiano, que descreve sem sentimentalismos, recorrendo a palavras vulgares em vez de pesados vocábulos e frases de sentidos difíceis. Lisboa é a personagem principal dos seus poemas. O poeta observa atentamente o que se passa, filtra e capta a cidade nos seus múltiplos ângulos e  descreve o que vê em concisos instantâneos impressionistas.

“O Sentimento de um Ocidental”, “Nós”, “Num bairro moderno” fazem parte da sua única obra póstuma: “O Livro de Cesário Verde”, uma coletânea dos seus poemas editada depois da sua morte, em 1886. A genialidade destes 37 poemas é reconhecida quarenta anos depois por Fernando Pessoa que chama “mestre” a Cesário Verde.

http://ensina.rtp.pt/artigo/o-livro-de-cesario-verde/

1.1. Classifica a oração “que foi um comerciante” (l. 8).a) subordinada adjetiva

relativa explicativab) subordinada adverbial

causal

c) subordinada substantiva completiva

d) subordinada substantiva relativa

1.2. Entre os termos “palavras” (l. 19) e “vocábulos” (l. 20) existe uma relação dea) homonímia c) paronímia

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b) sinonímia d) homofonia

1.3. A palavra “melodramática” é formada pora) composição morfológicab) composição morfossintática

c) derivação não afixald) amálgama

1.4. Na frase: “A genialidade destes 37 poemas é reconhecida quarenta anos depois por Fernando Pessoa que chama “mestre” a Cesário Verde.” (ll. 26-28), as palavras sublinhadas são, respetivamente, a) quantificador, preposição,

pronome, determinanteb) quantificador, preposição,

conjunção, preposição

c) determinante, preposição, conjunção, determinante

d) quantificador, preposição, pronome, preposição

1.5. Na expressão “lendo com atenção o seu único livro” (l. 10) o processo de coesão referencial subjacente é aa) anafórab) catáfora

c) reiteraçãod) correferência não anafórica

1.6. Classifica a oração “o que se passa” (l. 21).a) subordinada adjetiva relativa

explicativab) subordinada substantiva

completiva

c) subordinada adjetiva relativa restritiva

d) subordinada substantiva relativa

1.7. A expressão “pelos seus contemporâneos e críticos literários” (ll. 13-14) desempenha a função sintática dea) complemento oblíquob) complemento agente da passiva

c) modificador do grupo verbald) sujeito composto

2. Responde às questões:

2.1. Identifica a função sintática de “a personagem principal dos seus poemas” (ll. 20-21).

2.2. Classifica a oração “que descreve sem sentimentalismos” (ll. 18-19).

2.3. Atendendo à expressão “Ninguém estava preparado para aquela poesia” (l. 14), identifica a que classe morfológica pertence a palavra sublinhada.

Grupo III

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A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo.

Nelson Mandela

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, comenta a citação anterior.

Fundamenta o teu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.