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1 1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS. CURSO DE DIREITO O ABORTO DE FETOS ANENCÉFALOS E O DIREITO À VIDA PÂMELA CAROLINE DIAS ITAJAI, OUTUBRO DE 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS. CURSO DE DIREITO

O ABORTO DE FETOS ANENCÉFALOS E O DIREITO À VIDA

PÂMELA CAROLINE DIAS

ITAJAI, OUTUBRO DE 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS. CURSO DE DIREITO

O ABORTO DE FETOS ANECÉFALOS E O DIREITO À VIDA

PÂMELA CAROLINE DIAS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: MSc. ANDRIETTA KRETZ

ITAJAÍ, OUTUBRO DE 2009.

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AGRADECIMENTO

Primeiramente agradeço a Deus por te me dado

forças para chegar até aqui, sendo meu amparo

em todas as horas, principalmente nos momentos

em que achei que não ia conseguir.

Aos meus pais Antônio Dias e Eloiza do Carmo

Dias que me deram à vida, e me ensinaram a ser

forte, viver com toda a dignidade e nunca desistir

de meus sonhos, sempre ao meu lado nos

momentos mais difíceis, nunca deixando de

acreditar em mim. Ensinaram-me a crer e

acreditar que se pode fazer tudo quando se tem

um ideal, toda a minha eterna gratidão.

As minhas irmãs Camila e Bianca que de forma

voluntária e até involuntária me ajudaram nessa

caminhada. Em especial a minha irmã Camila que

com todo seu afeto e dedicação me ajudou a

superar as dificuldades. Quero que saibam que

amo muito vocês.

Ao meu grande e verdadeiro amor Vinicius por

estar ao meu lado em todos os momentos me

dando força, acreditando em mim e afirmando

sempre que tudo ia dar certo.

Meu agradecimento especial para o meu Tio

Alexandre, Tio Irineu, que fazem parte dessa

conquista. Há vocês meu muito Obrigado.

Aos meus professores que transmitiram seus

conhecimentos e mostraram as dificuldades

encontradas na vida profissional.

A todos, que de alguma forma contribuíram para

a realização deste sonho, quero dizer obrigada de

todo o coração.

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DEDICATÓRIA

Essa monografia fruto de muita força de vontade e

persistência dedico especialmente aos meus

queridos pais Antônio e Eloiza, as minhas avós

Antônia e Luzia, e a minha irmã Camila, que

sempre me apoiaram com muito esforço e carinho

nunca deixando faltar nada em minha vida, cada

um de uma forma diferente, mas não menos

importante. A você mãe minha eterna admiração,

carinho, respeito, amor, pela pessoa que você é

pelo seu caráter, mulher de fibra que nunca

desiste de seus ideais e não me deixou desistir.

Obrigada por sempre estar ao meu lado. Amo-te

mais que tudo em minha vida. A você pai

agradeço por tudo que fez, por sempre me ensinar

a ser uma pessoa digna, merecedora das

conquistas, de sempre correr atrás dos meus

objetivos, obrigada por me ensinar a ser humilde

sempre lembrando que ninguém é melhor que

ninguém, a você meu eterno amor e respeito.

As minhas duas avós amadas que me ajudaram

da forma que podiam e além do que podiam que

não lhes falte saúde, paz, alegria. Meu muito

obrigado pelas orações e lágrimas, pela dedicação

plena. A minha irmã querida, meu agradecimento

por todas as horas, por poder contar com você

sempre, obrigada por me ajudar nessa

caminhada, você faz parte dessa vitória.

Não tenho palavras para dizer o quanto AMO

TODOS VOCÊS, é amor verdadeiro que não pede

nada em troca, MUITO OBRIGADA POR TUDO!!!

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a

Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, outubro de 2009.

_______________________________ Pâmela Caroline Dias

Graduando (a)

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Pâmela Caroline Dias sob o título:

O aborto de fetos anencéfalos e o direito à vida foi submetida em data à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Andrietta Kretz (orientadora

e presidente da banca), e Josemar Sidinei Soares (examinador da banca) e

aprovada com a nota (________________________).

Itajaí, outubro de 2009.

________________________________ MSc. ANDRIETTA KRETZ

Orientadora e Presidente da Banca

____________________________ Professor Mestre Antônio Augusto Lapa

Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CP/1940 Código Penal de 1940

CRFB/1988 Constituição da Republica Federativa do Brasil

ONU Organização das Nações Unidas

CFM Conselho Federal de Medicina

IEG Interrupção Eugênica da Gestação

ITG Interrupção Terapêutica da Gestação

ISG Interrupção Seletiva da Gestação

IVG Interrupção Voluntária da Gestação

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

BIOÉTICA

A bioética é um estudo deontológico, que proporcione diretrizes, morais para o

agir humano diante dos dilemas levantados pela biomedicina, que giram em torno

dos direitos entre a vida e a morte. 1

A bioética, portanto, deve se ocupar de unir a “ética” e a “biologia”, os valores

éticos e os fatos biológicos para a sobrevivência do ecossistema todo: a bioética

tem a tarefa de ensinar como usar o conhecimento em âmbito científico-biológico.

2

BIODIREITO

Biodireito é o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência

relativas às normas reguladoras da conduta humana em face dos avanços da

Biologia, da Biotecnologia e da Medicina. 3

A esfera do biodireito compreende o caminhar sobre o tênue limite entre o

respeito às liberdades individuais e a coibição de abusos contra o indivíduo ou

contra a espécie humana. 4

DIGNIDADE HUMANA

Dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser

humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do

1 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13. 2 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 24. 3 BARBOZA, Heloisa Helena . Princípios da bioética e biodireito. Vol. 8, 2000. p.212. 4 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 08.

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Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e

deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato

de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua

participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida

em comunhão com os demais seres humanos. 5

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Direitos fundamentais significam os direitos do ser humano reconhecido e

positivado em esfera constitucional de um Estado determinado. 6 Os direitos

fundamentais nascem e desenvolvem-se com as Constituições pelas quais foram

reconhecidos expressamente.7

Direitos Fundamentais antes de serem direitos subjetivos ou simplesmente

expectativas de direitos, são direitos à felicidade e a paz.. São exemplos de

direitos fundamentais o direito à vida, à liberdade, o direito de opinião e a

liberdade de locomoção. 8

FETO

Produto da gestação que ainda está dentro do útero ou que não esteja com

desenvolvimento completo para o nascimento9, ou seja, aquele que já está

concebido no ventre materno ou simplesmente formado, mas que já apresenta a

forma de um ente humano10, é um organismo humano em desenvolvimento no

período que vai da nona semana de gestação ao nascimento.

5 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60 6 SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 32. 7 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 51. 8 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios.Revista dos

Tribunais. 2001. p. 274-275. 9Disponívelem<http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Leite/LeiteZonadaMataAtlantica/glossario.html#f> acessado em 10.10.2009. 10 SILVA, de Plácido. Dicionário jurídico. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 353.

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NASCITURO

Etimologicamente significa "o que está por nascer". É o concebido ao tempo em

que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção,

dependendo a existência de que nasça com vida11.

É pessoa por nascer, já concebida no ventre materno (in anima nobile), a qual são

conferidos todos os direitos compatíveis com sua condição especial de estar

concebido no ventre materno e ainda não ter sido dado à luz12.

ABORTO

O termo aborto é originário do latim abortus, advindo de aboriri (morrer, perecer) é

usado para designar a interrupção da gravidez antes de seu tempo normal, seja

ela espontânea ou provocada, tenha havido ou não a expulsão do feto destruído

É o conjunto de meios e manobras empregados com o fito de interromper a

gravidez. 13

É a expulsão ou extração de toda ou qualquer parte da placenta ou das

membranas, sem um feto identificável, ou de um recém nascido vivo ou morto,

que pese menos de quinhentas gramas. Na ausência do conhecimento do peso,

uma estimativa da duração da gestação de menos de vinte semanas completas,

contando desde o primeiro dia do último período menstrual normal, pode ser

utilizada. 14

ANENCEFALIA

11 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral – Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 166 12 ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Direitos da personalidade do nascituro. Revista do Advogado. São Paulo: n. 38, dez. 1992, p. 21-30. 13

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. rev. e atual. conforme a Lei n. 11.105/2005. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 29. 14 PEESINE, Léo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. Loyola São Paulo, 2007. p. 312.

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A anencefalia é definida na literatura médica como a malformação fetal congênita

por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto

não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do

tronco encefálico. 15

Esta malformação fetal consiste na ausência ou grave atrofia do cérebro, órgão

que integra normalmente o ser humano, é anomalia que impede o

desenvolvimento vital e normal do concepto. 16

15 BEHMAN, Richard E.; KIEGMAN, Robert M.; JENSON, Hal B. Nelson.Tratado de Pediatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 1777. 16 PEESINE, Léo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. Loyola São Paulo, 2007. p. 328.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................ VIII

INTRODUÇÃO...............................................................................09-12

CAPÍTULO 1 .................................................................................. 13

DA BIOÉTICA AO BIODIREITO ...................................................................... 13

1 DA BIOÉTICA .................................................. ............................................. 13

1.1 CONCEITO ................................................................................................13-18

1.1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS .....................................................................18-20

1.1.2 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS BÁSICOS......................................................20-21

1.1.2.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA .............................................................22-25

1.1.2.2 PRINCÍPIO DA BENEFICIÊNCIA .......................................................25-29

1.1.2.3 PRINCÍPIO DA NÃO MALEFICIÊNCIA ..............................................29-32

1.1.2.4 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA ....................................................................32-37

1.2 DO BIODIREITO ........................................................................................37-38

1.2.1 ASPECTOS GERAIS DO BIODIREITO .................................................38-42

CAPÍTULO 2 .................................................................................. 43

DO INÍCIO DA VIDA HUMANA........................................................................43-47

2.1INVIABILIDADE CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA......................47-52

2.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS.............................................................................................52-57

2.3 O INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA O NASCITURO.......57-61

2.4 ABORTO: SUA DELIMITAÇÃO CONCEITUAL E CLASSIFICAÇÕES....61-66

2.4.1 INTERRUPÇÃO EUGÊNICA DA GESTAÇÃO.......................................66-68

2.4.2 INTERRUPÇÃO SELETIVA DA GESTAÇÃO .......................................68-70

2.4.3 ABORTO CRIMINOSO E SUAS ESPÉCIES .........................................70-71

2.4.4 AUTO ABORTO E ABORTO CONSENTIDO ........................................71-72

2.4.5 ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO SEM OCONSENTIMENTO DA GESTANTE .....................................................................................................72-73

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2.4.6 ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE .....................................................................................................73-74

4.4.7 FORMA QUALIFICADA DE ABORTO...................................................74-76

4.4.8 ABORTO LEGAL....................................................................................76-77

CAPÍTULO 3 .................................................................................. 78

ANENCEFALIA, ABORTO E DIREITO ............................................................. 78

3 DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA..................................................................78-82

3.2 ABORTO EM CASO DE ANENCEFALIA: UMA LACUNA NA LEI...........82-88

3.2.1 AUSÊNCIA DA TIPICIDADE MATERIAL NA INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO DO FETO ANENCEFÁLICO.......................................................88-90

3.2.2 PENSAMENTOS DE DOUTRINADORES.............................................90-93

3.3 TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO ABORTO DE ANENCEFÁLICOS...........................................................................................93-94

3.3.1 ALVARÁS JUDICIAIS.............................................................................94-97

3.3.2 A PROPENSÃO DOS ACÓRDÃOS JURISPRUDENCIAIS.................97-103

3.3.3 ABORTO DE ANENCEFÁLICOS EM OUTROS PAÍSES..................103-107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 108

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................ 110

ANEXOS...........................................................................................117

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RESUMO

Atrelado ao contexto do aborto de fetos anencéfalos e o

direito à vida, cresce a importância de se analisar a matéria no âmbito do

direito como um todo. Mediante a utilização do método indutivo objetivou-se

analisar cada área do direito para maior obtenção de esclarecimentos sobre o

assunto, trazendo à tona a CRFB, Código Civil, Código Penal. Bem como

lições de doutrinadores e mestres no assunto. Através da pesquisa, obtiveram-

se os seguintes entendimentos: a) que a bioética é um conjunto de reflexões

filosóficas e morais sobre a vida em geral e sobre as práticas médicas em

particular, tendo como princípios enaltecedores da pessoa humana o princípio

da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Nesse sentido o

Biodireito almeja acompanhar as inovações biotecnológicas, já a ética e o

direito devem estar presentes de forma imperativa para garantir a efetiva tutela

dos direitos humanos e fundamentais.; b) que os aspectos jurídicos do direito à

vida englobam o início da vida humana, a inviabilidade constitucional do direito

à vida, princípio da dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais e o

aborto e suas espécies; e) que a anencefalia não tem uma causa específica

são defeitos multifatoriais, não existindo expresso normativo legal que abranja

este caso. O aborto de fetos com anomalias fetais é suscitado pela ADPF 54,

que tem a árdua incumbência de decidir se punível ou não juridicamente esse

tipo de aborto. Destaca-se os posicionamentos controvertidos sobre o tema,

todavia, o mesmo argumento que é usado para um é usado para silenciar o

outro. Portanto, a escolha do tema deu-se em necessidade de aprofundar o

conhecimento e descrever a evolução do direito para um melhor entendimento

e espera-se que as dúvidas deixadas pela legislação sejam abordadas de uma

forma mais clara, e objetiva.

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INTRODUÇÃO

A anencefalia é uma má-formação congênita que atinge

acerca de 1 em cada 1000 bebês. Caracteriza-se pela malformação rara do

tubo neural acontecida entre o 16° e o 26° dia de gestação, tendo ausência

parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de

fechamento do tubo neural durante a formação embrionária. Esta é a

malformação fetal mais freqüentemente relatada pela medicina.

A autorização da Justiça para se fazer esse tipo de

aborto é algo dificílimo de conseguir e, muitas vezes, em razão da lentidão

do judiciário, quando concedido, a mãe já teve o dever de carregar por nove

meses um feto que sabe, que não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e

frustração.

A potencial ameaça à integridade física e os danos à

integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. O aborto é um

drama psicológico muito forte para mulher. Muitas delas, depois de realizar o

aborto, tentam suicídio, haja vista a convivência diária com a triste realidade e a

lembrança ininterrupta do feto dentro de seu corpo, que raramente irá

completar um ano de vida, podendo ser comparada à tortura psicológica.

Foi a partir do oferecimento da Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal, pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que acentuo-se a

polêmica sobre o aborto em fetos anencéfalos. Visava o recurso à antecipação

terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados

por médico habilitado, reconhecendo o direito subjetivo da gestante de se

submeter a tal procedimento sem a necessidade da apresentação prévia de

autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do

Estado.

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10

O pedido baseava-se na violação aos preceitos

constitucionais do artigo 1º, IV – dignidade da pessoa humana, no artigo 5º, II –

princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, artigo 6º, caput e

artigo 196 - direito à saúde. O assunto gerou polêmica em todo país,

movimentando vários setores da sociedade, trazendo questões de ordem

jurídicas, morais, sociológicas e religiosas.

De acordo com o Código Penal, não é previsível, não há

uma cláusula autorizadora para o aborto de fetos anencéfalos. A legislação

penal, assim como a legislação constitucional, preservam a vida em qualquer

situação em que ela se encontre.

O que deve ser levado em consideração no tema

abordado é que este se depara com uma colisão de direitos fundamentais, o

que pesa mais: o direito do feto à vida até o seu nascimento ou a escolha da

mãe quando decide abortar o feto que sabe que terá poucas horas de vida?

A partir disso, deverá ser realizado um balanceamento de valores em razão

do princípio da proporcionalidade.

Assim sendo, quando se dá, entretanto, interrupção da

gravidez seja qual for o momento da gestação, por deliberação da mulher,

isoladamente ou com a intermediação de terceiro, disso resultando a morte

do feto, ocorre aborto voluntário, a teor dos artigos 124 a 128 do Código

Penal, classificados entre os crimes contra a vida, que não deixam de ser

uma subclasse dos delitos contra a pessoa.

O artigo 5º ”caput” da Constituição Federal, que abre o

Título alusivo aos Direitos e Garantias Fundamentais, no inciso XXXVIII, do

mesmo artigo, reconhece a instituição do Júri com a competência para o

julgamento dos crimes dolosos contra a vida, entre os quais se inclui o

abortamento.

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11

Deste modo, a presente monografia tem por objeto a

análise da legalização do aborto de fetos anencefálicos perante o ordenamento

jurídico brasileiro.

Tendo como objetivos: o institucional – produzir

monografia para obtenção de título de Bacharel em Direito pela Universidade

do Vale do Itajaí; geral – abordar a legalização do aborto de fetos anencefálicos

perante o atual momento jurídico brasileiro; específicos – a) analisar sobre o

enfoque da bioética ao biodireito as questões acima suscitadas; b) analisar os

direitos do feto à vida e identificar quais as implicações legais para a gestante

caso venha cometer o aborto, observando as doutrinas que fazem

considerações acerca do aborto no direito penal brasileiro e o que regem sobre

a morte e o início da vida; c) abordar e caracterizar a anencefalia e o aborto nos

casos de fetos anencefálicos, trazendo a tona legislação, doutrina e

jurisprudências.

Para tanto, principiar-se-á, no Capítulo 1, fazendo-se uma

explanação sobre bioética, iniciando com um breve histórico, seus princípios,

bem como aspectos gerais do biodireito.

No Capítulo 2 far-se-á uma abordagem acerca da

dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro e os direitos

fundamentais, a inviabilidade constitucional do direito à vida, assim como, o

aborto no direito penal brasileiro, iniciando com um breve histórico do aborto no

Brasil, além de tipificar as formas e classificações desse encontradas no direito

penal.

Por fim, o último capítulo tratará da anencefalia, sua

definição, a visão internacional do aborto de anencefálicos e, por último, a

ausência da tipicidade material na interrupção da gestação do feto anencefálico

e as tendências jurisprudenciais acerca do aborto de tais.

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12

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos

destacados no decorrer da pesquisa.

Para a presente monografia foram levantadas as

seguintes hipóteses:

• O aborto de fetos anencefálicos não é permitido pelo

direito brasileiro e, portanto, é considerado crime.

• Existe a possibilidade de aborto de fetos

anencefálicos tendo em vista que se trata de uma colisão de direitos e

fundamentos que é resolvido, no caso concreto, através da proporcionalidade.

• A vida extra-uterina de fetos portadores de

anencefalia raramente completa 1 (um) ano de vida.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano, e, dependendo do resultado das análises, no

Relatório da Pesquisa poderá ser empregada à base indutiva e/ou outra que for

a mais indicada17.18

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

Assim, espera-se que por via direta ou reflexa, as

considerações ponderadas na presente pesquisa contribuam a demandar um

repensar dos operadores do direito no que tange ao caso da anencefalia sobre

a ótica do Princípio da Dignidade Humana.

17PASOLD, César Luiz.Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 99-107.

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CAPÍTULO 1

DA BIOÉTICA AO BIODIREITO

1.1 DA BIOÉTICA

A bioética se apresenta hoje como um novo campo de

saber multidisciplinar que conquistou a árdua incumbência de ler e interpretar a

realidade, com seus antigos e novos conflitos, procurando as respostas éticas

possíveis e mais compatíveis para cada situação específica e para cada

contexto sociocultural.

A bioética deve ser um estudo deontológico, que

proporcione diretrizes, morais para o agir humano diante dos dilemas

levantados pela biomedicina, que giram em torno dos direitos entre a vida e a

morte. 19

A bioética, portanto, deve se ocupar de unir a “ética” e a

“biologia”, os valores éticos e os fatos biológicos para a sobrevivência do

ecossistema todo: a bioética tem a tarefa de ensinar como usar o conhecimento

em âmbito científico-biológico. 20

Assim, este estudo tem o escopo de analisar o assunto

por meio de pesquisa, aprofundando-se com partes compiladas de

doutrinadores mestres no assunto, para a apreciação do conceito, aspectos

históricos e princípios da Bioética ao Biodireito.

1.1.1 Conceito

Necessária se faz a compreensão dos conceitos trazidos

pelos doutrinadores, tornando-se imprescindível a fim de esclarecer esta

19

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13. 20 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 24.

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disciplina ainda passível de contínuas inovações, tendo em vista, os vários

posicionamentos a respeito da definição da Bioética, problema que até hoje

não está resolvido.

Certos autores resumem dizendo que a bioética é um

fenômeno cultural que surgiu de uma dupla revolução social e biotecnológica.

O termo foi empregado pela primeira vez pelo oncologista

e biólogo norte-americano Van Rensselder Potter, da Universidade de

Wisconsin, em Madison, em sua obra Bioethics:bridge to the future (Bioética:

ponte para o futuro), publicada em 1971, num sentido ecológico, considerando-

a a “ciência da sobrevivência”.

Para Léo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine21

a bioética foi definida por Van Rensselaer Potter como:

(...) ciência da sobrevivência humana (...) a bioética seria então uma nova disciplina que recorreria às ciências biológicas para melhor qualidade de vida do ser humano, permitindo a participação do homem na evolução biológica e preservando a harmonia universal. Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos.

Gilberto Hottois22 observa o seguinte a respeito do

assunto:

A bioética designa um conjunto de questões éticas, que coloca em jogo valores, originado pelo poder cada vez maior da intervenção tecnocientífica no ser vivo. Bioética designa, também, um certo espírito de aproximação entre ética e os problemas científicos.

A priori, etimologicamente, a terminologia bioética

significa ética da vida. 23

Na preleção de Maria Helena Diniz: 24 21 PESSINI, Léo; BARCHIFONATAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1995. p.15-17 22 HOTTOIS, Gilberto (apud Pessini e Barchifontaine), Problemas atuais de bioética. São Paulo: Loyola, 2002. p.41 23 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p. 47.

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A bioética seria, então, um conjunto de reflexões filosóficas e morais sobre a vida em geral e sobre as práticas médicas em particular (...). A bioética consistiria ainda no estudo da moralidade da conduta humana na área da ciência da vida, procurando averiguar o que seria lícito ou científica e tecnicamente possível (...).

Revela Elio Sgreccia25 a preocupação de elucidar as

várias faces da Bioética, dizendo que:

Há os que classificam a bioética como um movimento de idéias historicamente ou historicisticamente mutáveis; os que a consideram antes uma metodologia de confronto interdisciplinar entre ciências biomédicas e ciências humanas; os que levam a reflexão bioética a uma articulação da filosofia moral.

O autor também sustenta:

Que a bioética esta aí como tentativa de reflexão sistemática a respeito de todas as intervenções do homem sobre os seres vivos, uma reflexão que se propõem um objetivo, especifico e árduo: o de identificar valores e normas que guiem o agir humano, a intervenção da ciência a da tecnologia sobre a própria vida e sobre a biosfera.

Com o advento das tecnologias e o progresso das

ciências, sobretudo das biomédicas, a Bioética constitui-se num contíguo de

pesquisas e práticas que interligam as disciplinas, a fim de solucionar os

conflitos éticos. 26

Nesse sentido, a UNESCO27 ilustra nos seguintes termos:

O termo bioética diz respeito ao campo de estudo sistemático, plural e interdisciplinar, envolvendo questões morais teóricas e práticas, levantadas pela medicina e ciências da vida,

24 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 11-12. 25 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. 26 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. 2. ed. atual. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 15. 27 UNESCO, Elaboration of the Declaration on Universal Norms on Bioethics: Fourth Outline of a Text. Paris, 12-14 de dezembro de 2004. in PESSINI; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2007. p. 23.

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enquanto aplicadas aos seres humanos e à relação destes com a biosfera.

Na mesma linha interpretativa, asseveram Maria de

Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves28:

A bioética é alimentada pela reflexão ética que é ao mesmo tempo uma de suas disciplinas constitutivas e que a distingue da ética filosófica, caracterizando-se como um saber multidisciplinar e interdisciplinar.

Neste momento em que os acontecimentos se sucedem

com uma rapidez extraordinária, o limite para a aplicação das novas

descobertas não é mais técnico; o limite é ÉTICO.

O que se pode observar dos conceitos trazidos acima, e

que todos os autores concordam em um ponto, ética.

Então, preciso se faz explanar mais profundamente este

conceito.

Etimologicamente, o termo ética deriva do grego ethos

que significa modo de ser, caráter. 29

É a lição de Joseane Aparecida Corrêa e Sérgio Eduardo Cardoso, na obra Ética e Bioética30, explicando que:

À ética, enquanto instância de reflexão, ciência que se ocupa dos valores morais, cabe investigar e tentar explicar os novos padrões de comportamento, guiando os indivíduos, principalmente no exercício de suas profissões. Elio Sgreccia31 de forma breve, entende que: “A ética é a

ciência do comportamento humano em relação aos valores, aos princípios e às

normas morais”.

Por conseguinte, o conceito apresentado pela

Enciclopédia de Bioética32 traduz-se no seguinte sentido:

28 SÁ, Maria de Fátima Freire de, NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética, biodireito e o novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 18-19. 29 QUEIRÓZ, Júlio Arantes Sanderson de In: SILVA, Alcino Lázaro. Temas de Ética Médica. Belo Horizonte, 1982. p. 23 30 CARLIN, Ivo Volnei. Ética e Bioética. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p. 31. 31 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 139.

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Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (etica). Pode-se defini-la como o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar.

Corolário se faz o entendimento de Ivo Volnei Carlin33 a respeito da ética, salientando que:

“a ética não se confunde com o direito, posto que este consubstancia num conjunto de regras obrigatórias para todos viverem em sociedade e sancionadas em caso de descumprimento. A noção de ética, nota-se, é muito mais ampla que a de direito. Preocupar-se com ela, equivale a interrogar a própria consciência”. A ética ora como disciplina descritiva, ora como ética

normativa, no âmbito das ciências da vida e da saúde é citada pela bioética,

que não deixa de ser uma ética especial. E, em assim sendo, reveste-se de

princípios.

Neste ínterim, as finalidades da bioética consistem na

análise racional dos problemas morais ligados à biomedicina e de sua conexão

com as áreas do direito e das ciências humanas. Implicam elas a elaboração de

linhas éticas fundadas sobre os valores da pessoa e sobre os direitos do

homem. 34

Destarte, observa-se bioética como o valor supremo da

pessoa humana, de sua vida, dignidade e liberdade ou autonomia35 a ética das

biociências e biotecnologias que visa preservar a dignidade, os princípios e

valores morais das condutas humanas, meios e fins defensivos e protetivos da

vida, em suas várias formas, notadamente, a vida humana. 36

32 Encyclopedia of Bioethics, 2ª edição, vol. 1, introdução, p. XXI, W. T. Reich, editor responsável, 1995 in PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2007. p. 23. 33 CARLIN, Ivo Volnei. Ética e Bioética. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p. 30. 34

SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p 35 CLOTET, Joaquim. Por que Bioética?, Bioética, Hottois, O paradigma bioético, Lisboa, 1990. p. 16 36 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 12

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Deste modo, percebe-se que a bioética surgiu da

necessidade de compreender e repensar os "sintomas" da sociedade moderna.

A reflexão bioética surgiu através da percepção das mudanças das relações

psicossociais ocasionadas pelos grandes avanços científicos e tecnológicos,

fazendo renascer o conflito entre ciências biológicas e as ciências humanas.

Portanto, por ser a Bioética um campo de pesquisa que

reúne diversas, porém, interligadas disciplinas, seu objetivo consiste em

observar o comportamento humano diante das ciências da vida e da saúde,

tendo por base os princípios e valores morais que regem a sociedade.37

1.1.2 Aspectos históricos

Como já explicado acima, o termo Bioética foi criado e

posto em circulação em 1970, no título do livro do oncologista Van R. Potter38,

referindo-se a uma nova disciplina que deveria permitir a passagem para uma

melhor qualidade de vida, que incidiu em um desenvolvimento histórico

preponderante para a concretização da ciência.

Em sua concepção alargada passou a designar os

problemas éticos gerados pelos avanços nas ciências da biologia e médicas,

problemas esses que atingiram seu auge no momento que se começou a

divulgar de modo amplo, certamente em proporção direta com o acelerado

desenvolvimento dos meios de comunicação, o poder do homem interferir de

forma eficaz nos processos de nascimento e morte, que até então

apresentavam momentos não dominados. 39

Embora o termo tenha se consagrado apenas a partir de

1971, a preocupação bioética é mais antiga. Pode-se dizer que as condições

de formação da bioética são de duas ordens principais: uma, de ordem

científico-tecnológico e outra, de ordem sócio-político.

Durante décadas, as preocupações bioéticas foram se

acirrando, ganhando novos contornos, se complexificando, mas a Bioética,

37 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 44. 38 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 23. 39 BARBOZA, Heloisa Helena. Bioética. 8. ed., nº2. 2000. p.209-216.

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enquanto ramo do conhecimento humano manteve algumas características que

possibilita distingui-la de outros ramos do conhecimento.

Ela nasce em um ambiente científico, como uma

necessidade sentida pelos próprios profissionais da saúde, em seu sentido

mais amplo, de proteger a vida humana e seu ambiente.

Neste sentido, com o intuito de encontrar e oferecer

benefícios para a humanidade, tendo por referência basilar o princípio do

respeito à dignidade da pessoa humana, surge a Bioética, que, inicialmente,

defendia a ética nas ciências biológicas e em áreas a elas relacionadas, e,

atualmente, consiste numa disciplina que norteia o Biodireito e a legislação

vigente. 40

Oportuno ver o comento de Maria Helena Diniz41

Seria a ciência que garantiria a sobrevivência na terra, que esta em perigo, em virtude de um descontrolado crescimento da tecnologia industrial, do uso indiscriminado de agrotóxicos, de animais em pesquisa ou experiências biológicas e da sempre crescente poluição aquática, atmosférica e sonora. A bioética, portanto, em sua origem, teria um compromisso com o equilíbrio e a preservação da relação dos seres humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta.42 Doutrinariamente Elio Sgreccia43 leciona que:

Na concepção de Potter, portanto, a bioética se movimenta a partir de uma situação de alarme e de uma preocupação crítica a respeito do progresso da ciência e da sociedade; expressa-se, assim, teoricamente, a dúvida sobre a capacidade de sobrevivência da humanidade [...] por efeito do progresso científico.

Desta forma ratifica Reinaldo Pereira e Silva44, trazendo o

entendimento de Jean Bernard:

40 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p. 47-48. 41 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 9. 42 SÉRGIO I.Ferreira Costa, Volnei Garrafa e Gabriel Oselka, Apresentando a bioética, in Iniciação à bioética, cit., p.15; Selvino Antonio Malfati, Uma reflexão a bioética, Revista Brasileira de Filosofia, 224:533-50. 43 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 24.

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[...] duas revoluções são as verdadeiras responsáveis pelo advento da abordagem bioética: a revolução biológica, que assegura ao homem (ou está em vias de lhe assegurar) o domínio sobre a reprodução, a hereditariedade e o sistema nervoso, e a revolução terapêutica, que diz respeito à aplicação dos novos implementos tecnocientíficos nas esferas da prevenção, do tratamento e da pesquisa clínica.

A Bioética veio então a amadurecer como uma filosofia

moral atribuída à Medicina, o que fez despertar uma série de estudos acerca

das questões éticas. 45

Entende-se então que o maior mérito da bioética é

sistematizar, (ou ao menos tentar), o tratamento de questões diversas, mas que

devem guardam entre si, necessariamente, princípios que iremos ver a seguir e

fins comuns. 46

1.1.3 Princípios Bioéticos básicos

A utilização de princípios como forma de reflexão é

uma abordagem clássica e extremamente utilizada na Bioética. As diferentes

abordagens propostas por diferentes autores ilustram a riqueza desta

discussão.

No final da década de 70 início dos anos 80, a bioética

pautou-se em quatro princípios básicos enaltecedores da pessoa humana,

tendo dois deles caráter deontológico (não-maleficência e justiça) e os demais,

teleológico (beneficiência e autonomia). Esses princípios, que iluminam a nova

caminhada da humanidade, estão consignadas no Belmont Report, publicado

em 1978, pela Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em

Pesquisa Biomédica e Comportamental, que foi constituída pelo governo norte-

44 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p. 159. 45 PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2007. p. 26. 46 BARBOZA, Heloisa Helena. Bioética. 8. ed. nº2. 2000. p.210.

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americano, com objetivo de levar a cabo um estudo que identificasse os

princípios éticos básicos (...). 47

É a percepção de Elio Sgreccia48 a respeito dos

princípios:

A formulação dos princípios sem uma fundamentação ontológica e antropológica torna os princípios estéreis e confusos. E necessária uma sistematização e uma hierarquização com o fim de harmonizar e unificar seu significado.

Beauchamps e Childress consagram em seu livro, o

uso de quatro princípios na abordagem de dilemas e problemas éticos. A esta

os autores chamam de teoria principialista.

O conjunto dos quatro princípios, devido a sua intensa

utilização e grande aceitação, passou a ser chamado de Mantra do Instituto

Kennedy de Ética. O referencial teórico, proposto por Beauchamp e Childress,

serviu de base para o que se denominou de "Principlism" (principialismo, em

português), ou seja, a escola bioética baseada no uso dos princípios como

modelo explicativo. 49

De forma clara William Frankena, em 1963, propôs que

os princípios são tipos de ação corretos ou obrigatórios. Estes princípios são

deveres prima facie (à primeira vista). 50

Diante do exposto, percebe-se que há divergência

doutrinária quanto à classificação dos princípios da Bioética. Ainda, Fátima

Oliveira51 assevera que os princípios podem ser categorizados em laicos e

religiosos, os quais foram constituídos durante o processo de formação dos

grupos e centros da Bioética.

1.1.3.1 Princípio da Autonomia 47 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 14. 48SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 167 49FERREIRA, Sergio Ibiapina costa, OSELKA, Gabrie, Garrafa Volnei. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 81-83 50 FRANKENA Willian. Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 61,73. 51 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p. 55.

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Autonomia, terminologia derivada de autos, eu, e nomos,

lei, significa a capacidade que o ser humano dispõe, em razão de sua

racionalidade, para fazer leis para si mesmo. Consiste no fato de a pessoa ser

hábil para “[...] se autogovernar, escolher, dividir, avaliar, sem restrições

internas ou externas”. 52

É o reconhecimento da liberdade, princípio ético e que foi

consagrado nos arts. 4º e 5º da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789, e nos arts. 3º, 5º e 6º da Declaração Universal sobre Bioética

e Direitos Humanos. 53

Acerca deste princípio, afirma Maria Helena Diniz54 :

Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo, com isso, a intromissão alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento. Considera o paciente capaz de autogovernar-se, ou seja, de fazer suas opções e agir sob a orientação dessas deliberações tomadas, devendo, por tal razão, ser tratado com autonomia. Aquele que tiver sua vontade reduzida deverá ser protegido. Autonomia seria a capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem qualquer coação ou influência externa. Desse principio decorrem a exigência do consentimento livre e informado e a maneira de como tomar decisões de substituição quando uma pessoa for incompetente ou incapaz, ou seja, não tiver autonomia suficiente para realizar a ação de que se trate, por estar preso ou ter alguma deficiência mental.

Aqui é primordial a análise de Elio Sgreccia 55 que revela:

Refere-se ao respeito devido aos direitos fundamentais do homem, inclusive o da autodeterminação. Esse princípio se inspira na máxima “não faças aos outros aquilo que não queres que te façam” e está, portanto, na base de uma moralidade inspirada no respeito mútuo. É sobre esse princípio

52 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 44. 53 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 39. 54 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 14. 55 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 167.

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que se fundamentam, sobretudo a aliança terapêutica entre o médico e paciente e o consentimento aos tratamentos diagnósticos e de terapias; esse princípio faz parte integrante do benefício e está a seu serviço. Autonomia é um termo derivado do grego “auto” (próprio)

e “nomos” (lei, regra, norma). Significa autogoverno, autodeterminação da

pessoa de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade

físico-psíquica, suas relações sociais. Refere-se a capacidade de o ser humano

decidir o que é bom, ou o que é seu bem estar.56

Para os autores acima, a pessoa autônomo é aquela que

tem liberdade de pensamento, é livre de coações internas ou externas para

escolher entre as alternativas que lhe são apresentadas.

Observa Julio César Massonetto57 a respeito do princípio

da autonomia:

Refere-se ao direito que toda pessoa tem de decidir por si próprio ou o que deseja ou não para si. No exercício da medicina contemporânea, teve como conseqüência funesta a criação de autorização de qualquer procedimento pelo paciente ou seu responsável, com o objetivo de proteger as equipes médicas de potenciais processos judiciais, caso a opção do paciente resultasse em resultado negativo (como óbito).

Immanuel Kant58 assevera que a autonomia é a

constituição da vontade, pela qual ela é para si mesma uma lei -

independentemente de como forem constituídos os objetos do querer. O

princípio da autonomia é, pois, não escolher de outro modo, mas sim deste:

que as máximas da escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo

incluídas como lei universal.

56 FERREIRA, Sergio Ibiapina costa, OSELKA, Gabrie, Garrafa Volnei. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 81-83 57 MASONETTO, Julio César. Bioética e Espiritualidade. Centro universitário São Camilo. 2007. p.106. 58 KANT Immanoel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Rio de Janeiro: Ediouro, 70-79.

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Jean Piaget59 caracterizava "Autonomia como a

capacidade de coordenação de diferentes perspectivas sociais com o

pressuposto do respeito recíproco".

Importante assinalar o conceito trazido por Fátima

Oliveira60 :

[...] o ser humano tem o direito de ser responsável por seus atos, de exercer o direito de escolha. Os serviços profissionais de saúde devem respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa ou de seu representante legal. Qualquer imposição é considerada agressão à inviolabilidade da intimidade da pessoa.

Na prática assistencial, é no respeito ao princípio de

Autonomia que se baseiam a aliança terapêutica entre o profissional de saúde

e seu paciente e o consentimento para a realização de diagnósticos,

procedimentos e tratamentos. Este princípio obriga o profissional de saúde a

dar ao paciente a mais completa informação possível, com o intuito de

promover uma compreensão adequada do problema, condição essencial para

que o paciente possa tomar uma decisão.

Esta é, de maneira muito resumida, a essência do

consentimento informado, resultado desta interação profissional/paciente. O

consentimento informado é uma decisão voluntária, verbal ou escrita,

protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo

informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação,

consciente de seus riscos, benefícios e possíveis conseqüências. 61

O Relatório Belmont62, que estabeleceu às bases para a

adequação ética da pesquisa nos Estados Unidos, denominava este princípio

como Princípio do Respeito às Pessoas. Nesta perspectiva propunha que a

autonomia incorpora, pelo menos, duas convicções éticas: a primeira que os

59PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. Porto: Rés Editora, 1978. 173-189 60 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p. 55-56. 61 LOCH, Jussara Azambuja. Princípios da Bioética. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. (Programa de Pós-Graduação em Medicina e Odontologia-Bioética). P. 5. 62 Citado em: FERREIRA, Sergio Ibiapina costa, OSELKA, Gabrie, Garrafa Volnei. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 52.23.

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indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos, e a segunda, que as

pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas. Desta forma, divide-

se em duas exigências morais separadas: a exigência do reconhecimento da

autonomia e a exigência de proteger aqueles com autonomia reduzida.

É o que entende Adriana de Freitas Torres63 mastologista

sobre o assunto:

Autonomia significa autogoverno, autodeterminação da pessoa em tomar decisões relacionadas à sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psiquíca e suas relações sociais. Pressupõe existência de opções, liberdade de escolha e requer que o indivíduo seja capaz de agir de acordo com as deliberações feitas. O respeito à autodeterminação fundamenta-se no princípio da dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo. Algumas variáveis contribuem para que um indivíduo torne-se autônomo, tais como condições biológicas, psíquicas e sociais. Podem existir situações transitórias ou permanentes que uma pessoa pode ter uma autonomia diminuída, cabendo a terceiros o papel de decidir. A autonomia não deve ser confundida com individualismo, seus limites são estabelecidos com respeito ao outro e ao coletivo.

Ainda Daury Cesar Fabriz64 destaca:

O princípio da autonomia justifica-se como princípio democrático, no qual a vontade e o consentimento livres do indivíduo devem constar como fatores preponderantes, visto que tais elementos ligam-se diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Virtualmente, todas as teorias concordam que duas

condições são essenciais à autonomia: liberdade (independência do controle de

influências) e ação (capacidade de ação intencional).

1.1.3.2 Princípio da Beneficência

63 TORRES, Adriana de Freitas. Bioética: O princípio da autonomia e o termo de consentimento livre e esclarecido. Publicado no (a): Jornal do CRM-PB Nº 72, Abril-Junho. Em: 19/7/2007 64 FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p.109.

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O princípio da Beneficência originou-se do latim bonum

facere, que significa fazer o bem ao paciente. Consubstancia-se no critério mais

antigo da ética médica e tem seus alicerces no paradigma hipocrático da

Medicina.65

A beneficência tem sido associada à excelência

profissional desde os tempos da medicina grega, e está expressa no Juramento

de Hipócrates: “Usarei o tratamento para ajudar os doentes, de acordo com

minha habilidade e julgamento e nunca o utilizarei para prejudicá-los”

Exalta-se aqui o grandioso juramento de Hipócrates66:

(...) Aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer o mal a quem quer que seja. A ninguém darei, para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza à destruição. Também não fornecerei a uma senhora pessário abortivo (...) Na casa aonde eu for, entrarei apenas pelo bem do doente, abstendo-me de qualquer mal voluntário de toda sedução.

Neste viés, cabível o conceito trazido por Maria Helena

Diniz67 :

Requer o atendimento por parte do médico ou do geneticista aos mais importantes interesses das pessoas envolvidas nas práticas biomédicas ou médicas, para atingir seu bem-estar, evitando, na medida do possível, quaisquer danos. Baseia-se na tradição hipocrática de que o profissional de saúde, em particular o médico, só pode usar o tratamento para o bem do enfermo, segundo sua capacidade e juízo, e nunca para fazer o mal ou praticar injustiça. No que concerne a moléstias, devera ele criar na práxis médica o hábito de duas: auxiliar ou socorrer, sem prejudicar ou causar mal ou dano ao paciente.

Esclarece-nos Willian Frankena68 que esse princípio não

aponta os meios de distribuição do bem e do mal, apenas pede que se

promova aquele, evitando-se este. Se se manifestarem exigências conflitantes,

65 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 43-44. 66 Citado em: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo. Disponível em: http:<//www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. Acesso em 10 mar. 2009. 67DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 15. 68 FRANKENA, Willian. Ética. Rio de Janeiro, Zhar, 1981.p.61 e 73.

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o mais que se poderá fazer é aconselhar que se consiga a maior porção

possível de bem em relação ao mal,

Maria Helena Diniz69 cita o pensamento de Beauchamp e

Childres que por sua vez, ponderam que a beneficência é uma ação feita em

beneficio alheio, por estabelecer o dever moral de agir em benefício dos outros.

A mesma autora cita ainda, o pensamento de Léo Pessini

e Christian Barchifontaine70 a respeito da matéria: Duas são as regras dos atos

de beneficência: não causar dano e maximizar os benefícios, minimizando os

possíveis riscos.

Neste norte a explicação do doutrinador Elio Sgreccia71

[...] Numa visão naturalista, que é de promover o bem, em relação ao paciente ao à sociedade, e de evitar o mal. É, sem dúvida, algo mais que hipocrático “primun non nocere” que é chamado também de princípio de “não-malefício”, enquanto não comporta somente o abster-se de prejudicar, mais implica sobretudo o imperativo de fazer ativamente o bem e até de prevenir o mal. O termo benefício seria mais adequado que o de simples benevolência, pois ressaltaria a necessidade de fazer efetivamente o bem e não simplesmente de querer fazê-lo ou de deseja faze-lo.

Segundo este princípio, toda e qualquer atuação no

campo da saúde deve ter por finalidade oferecer o bem à pessoa, evitando

prejuízos corporais e mentais. “No caso das experimentações em humanos, “o

bem” da pessoa – sujeito da pesquisa – é prioritário, em relação aos interesses

da sociedade e da ciência”.72

É o entendimento de Julio César Massonetto73:

Refere-se à obrigação ética de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo. O profissional deve ter a maior convicção

69 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 15. 70 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 83-4. 71 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 167. 72 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p. 56. 73 MASONETTO, Julio César. Bioética e Espiritualidade. Centro universitário São Camilo. 2007. p.106.

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e informaçãotécnica possíveis que assegurem ser o ato médico benéfico ao paciente (ação que faz o bem). Como valioso referencial moderno, as condutas médicas empregadas devem estar sempre baseadas nas melhores evidências científicas.

O autor ensina-nos ainda:

Como o princípio da beneficência proíbe causar dano deliberado, esse fato é destacado pelo princípio da não maleficência, que estabelece que a ação do médico sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente e é universalmente consagrado através do aforismo hipocrático primum non nocere (primeiro não prejudicar). Reinaldo Pereira e Silva74, citando Miguel de Unamuno,

assevera que “(...) graças ao amor, o homem sente tudo que o espírito tem de

carne”.

O autor sustenta que:

(...) a beneficência e a não-maleficência, na perspectiva de uma principiologia personalista, não podem ser senão a mais fidedigna expressão do amor. Os princípios da beneficência e da não-maleficência exigem, em vez da filosofia, o amor da sabedoria, a sofofilia, a sabedoria do amor [...]. Com efeito, aquele que, independentemente das circunstâncias, se conduz amando o próximo como a si mesmo, numa verdadeira conquista aventurosa”, realiza o mais alto valor ético, sendo tal conduta algo de idealmente devido.

Explica Léo Pessini e Christian de Paul Barchifontaine 75sobre o princípio da beneficiência que:

No principio da beneficiência, o Relatório Belmont rechaça claramente a ideia clássica de beneficiência como caridade e diz que a considera, de uma forma mais radical, uma obrigação. Neste sentido são formuladas duas regras como expressões complementares dos atos de beneficiência: a)na causar dano e b) maximizar os benefícios e minimizar os possíveis riscos.

Beneficência quer dizer fazer o bem. De uma maneira

prática, isto significa que temos a obrigação moral de agir para o benefício do

74 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p. 173. 75 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 58.

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outro. Este conceito, quando é utilizado na área de cuidados com a saúde, que

engloba todas as profissões das ciências biomédicas significa fazer o que é

melhor para o paciente, não só do ponto de vista técnico-assistencial, mas

também do ponto de vista ético

Neste ínterim, a beneficência, no seu significado filosófico

moral, quer dizer fazer o bem. A beneficiência é uma manifestação da

benevolência. Existe no homem, de forma prioritária, um principio natural de

benevolência ou da procura e realização do bem dos outros que, do mesmo

modo, tem a propensão de cuidar da própria vida, saúde e bens particulares.76

Por conseguinte, os princípios da beneficência e da não-

maleficência consistem em um desdobramento da dignidade da pessoa

humana na esfera biomédica. 77

1.1.3.3 Princípio da Não-Maleficência

O Princípio da Não-Maleficência é o mais controverso de

todos. Muito autores o incluem no Princípio da Beneficência. Justificam esta

posição por acharem que ao evitar o dano intencional o indivíduo já está, na

realidade, visando o bem do outro.

Tal princípio, é reconhecido por muitos tipos de teorias

éticas, sejam elas utilitaristas ou não-utilitaristas.

Parte da controvérsia pode ser atribuída à possibilidade

de ocorrer uma situação de Slippery Slope78. Isto ocorre quando uma ação,

aparentemente de menor ou nenhuma repercussão, agravar-se

progressivamente, com tendência a ocorrer cada vez mais, gerando malefícios

não previstos inicialmente.

76

FERREIRA, Sergio Ibiapina costa, OSELKA, Gabrie, Garrafa Volnei. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 52.23. 77 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p. 174. 78 O termo “Slippery Slope” foi proposto por Schauer em 1985. Slippery Slope ocorre quando um ato particular, aparentemente inocente, quando tomado de forma isolada, pode levar a um conjunto futuro de eventos de crescente malefício. O conceito de "Slippery Slope", que pode ser traduzido para o português como um plano inclinado escorregadio, é fundamental na Bioética. Ele é que justifica não fazer pequenas concessões, aparentemente sem maiores conseqüências, em temas controversos.

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As origens desse princípio remotam também a tradição

hipocrática: “cria o hábito de duas coisas: socorrer ou, ao menos, não causar

danos” 79. No mais das vezes, o princípio em tela, envolve abstenção, e é

devido a todas as pessoas.

Convém observar que o princípio de não causar danos,

nem sempre tem sido interpretado da mesma forma, mudando de acordo com

as circunstancias históricas e as instituições.

Hipócrates80, em torno do ano 430 aC, propôs aos

médicos, no parágrafo 12 do primeiro livro da sua obra Epidemia: "Pratique

duas coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente".

De acordo com este princípio, o profissional de saúde

tem o dever de, intencionalmente, não causar mal e/ou danos a seu paciente.

Este preceito, mais conhecido em sua versão para o latim (primum non nocere),

é utilizado freqüentemente como uma exigência moral da profissão médica.

Trata-se, portanto, de um mínimo ético, um dever profissional, que, se não

cumprido, coloca o profissional de saúde numa situação de má-prática ou

prática negligente da medicina ou das demais profissões da área biomédica. 81

As citações a seguir ilustram algumas idéias a respeito

deste princípio.

No dizer de Maria Helena Diniz82

O princípio da não-maleficência é um desdobramento do da beneficência, para conter a obrigação de não acarretar dano intencional e por derivar da máxima ética médica: primum non nocere (primeiramente não prejudicar). Para Beuchamp e Childress83 o princípio da não-

maleficência é:

79 FERREIRA, Sergio Ibiapina costa, OSELKA, Gabrie, Garrafa Volnei. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 47. 80 Citado em: Oliveira, Luciano Jose Fontes de, et. Aspectos bioéticos e jurídicos do pseudo-hermafroditismo masculino. Vol. 13. nº 1. revista bioética. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio13v1/artigos/artigo01.htm>. Acesso em 14. mar. 2009. 81 FERREIRA, Sergio Ibiapina costa, OSELKA, Gabrie, Garrafa Volnei. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 47-48. 82 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 15.

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O que estabelece que a ação do médico sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente e é universalmente consagrado através do aforismo hipocrático primum non nocere (primeiro não prejudicar).

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo84

assegura que:

O princípio da não-maleficência, estabelece que a ação do médico sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente (ação que não faz o mal). É universalmente consagrado através do aforismo hipocrático primum non nocere, cuja finalidade é reduzir os efeitos adversos ou indesejáveis das ações diagnósticas e terapêuticas no ser humano.

É a visão de Franciele Bete Petry85 sobre o tema:

Há duas formulações para o princípio da não-maleficência, uma positiva e outra negativa. No principialismo, assim como muitas vezes ocorre na ética, a forma negativa é predominante, pois o dever de não causar dano parece ter maior peso moral do que um imperativo de beneficência: deve-se primeiro prevenir um dano para, depois, promover um bem.

A autora ainda expõe:

O princípio da não-maleficência, em sua formulação negativa, é elaborado da seguinte maneira: não se deve causar dano ou mal Desse princípio são derivadas regras, como, por exemplo, “Não matarás”, “Não causarás dor ou sofrimento aos outros” e “Não ofenderás”. Quando elaborado positivamente, ele admite três formulações, as quais, para os autores, constituem-se no princípio da beneficência. Elas podem ser assim enunciadas: deve-se prevenir o dano ou o mal; deve-se evitar ou recusar o mal; deve-se fazer ou promover o bem.

Por conseguinte a Não-Maleficência tem importância,

pois, muitas vezes, o risco de causar danos é inseparável de uma ação ou

procedimento que está moralmente indicado.

83 BEAUCHAMP TL & CHILDRESS JF. Princípios da ética biomédica. Tradução da 4th edição americana, publicada sob o título Principles of biomedical ethics. New York; Oxford University Press, 1994.p.106. 84 Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Capitulo II Princípios Bioéticos. 85PETRY, Francile Bete. Princípios ou virtudes na bioética?: Origens da bioética. Artigo de pós-graduação. 2003 Disponível em: < http://www.controversia.unisinos.br/index.php?a=35&e=1&s=9>. Acesso em. 19 mar. 2009.

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Deste modo, o princípio em questão, é importante, tendo

como lema, não prejudicar, não causar danos e minimizar os prejuízos.

1.1.3.4 Princípio da Justiça

O princípio da justiça foi consagrado nos arts. 10 e 14 da

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Foi organizado com

base na teoria sobre justiça social, desenvolvida pelo filósofo John Rawls, em

sua obra “Uma Teoria da Justiça”. 86

Porém, para que se remeta à análise pormenorizada do

presente princípio, deve-se indagar o que é justiça.

O conceito de justiça, do ponto de vista filosófico, tem

sido explicado com o uso de vários termos. Todos eles interpretam a justiça

como um modo justo, apropriado e eqüitativo de tratar as pessoas em razão de

alguma coisa que é merecida ou devida à elas. Estes critérios de merecimento,

ou princípios materiais de justiça, devem estar baseados em algumas

características capazes de tornar relevante e justo este tratamento.

Como exemplos destes princípios materiais de justiça

pode-se citar: 87

Para cada um, uma igual porção; Para cada um, de acordo com sua necessidade; Para cada um, de acordo com seu esforço; Para cada um, de acordo com sua contribuição; Para cada um, de acordo com seu mérito; Para cada um, de acordo com as regras de livre mercado.

A justiça é expressa de forma profunda na obra Ética a

Nicômaco88, na filosofia Aristotélica: justiça é aquela disposição de caráter que

torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e

a desejar o que é justo (...).

Justo, seria, portanto, aquele que cumpre as leis. A

justiça consubstancia-se na maior das virtudes, uma vez que a pessoa que a

86 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 39. 87 BEAUCHAMP Tom L, CHILDRESS James F. Princípios de Ética Biomédica. 4. ed. São Paulo:bLoyola, 2002. p. 58. 88 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 103.

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pratica, exerce não somente para si, mas também, em detrimento do próximo. 89

Assim para Aristóteles90:

A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária, enquanto injustiça se relaciona com os extremos.

A teoria de Rawls compreende a justiça social, com seu

alicerce na igualdade formal. 91

Ana Carolina Brochado Teixeira e Heloísa Maria Coelho

Baêta, na obra Bioética, Biodireito e o novo Código Civil de 200292, trazem o

pensamento de Rawls:

A distribuição natural dos bens não é justa ou injusta; nem é injusto que os homens nasçam em algumas condições particulares dentro da sociedade. Estes são simplesmente fatos naturais. O que é justo ou injusto é o modo como as instituições sociais tratam destes fatos.

Para ARISTÓTELES93 entende por princípio da justiça

que os iguais devem ser tratados igualmente.

Os autores acima, afirmam que o problema esta em

saber quem são os iguais. Entre os homens existem diferenças de todo tipo e

muitas delas devem ser respeitadas em virtude do principio da justiça.

Na linha de pensamento de Platão, a justiça consiste na

alma do ser humano, como um mistério divino, sendo uma qualidade essencial

para o melhor tipo de vida para o homem. 94

A categoria Justiça aparece como problema central da

filosofia de Platão.

Igualmente, o princípio da justiça estabelece como

condição fundamental a eqüidade; conseqüentemente nos remete ao célebre 89 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 104-105. 90 ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. São Paulo: Editora Abril Cultural e Industrial S.A., 1973 91 SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética, biodireito e o novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 94. 92 SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética, biodireito e o novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 93. 93 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2004. 94 PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2004. p.140.

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filósofo alemão Immanuel Kant95 para quem o ser humano tem obrigação de

ser ético, por ser racional.

Maria Helena Diniz96 salienta que:

O princípio de justiça requer a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, no que atina à pratica médica pelos profissionais da saúde pois os iguais deverão ser tratados igualmente. Pode ser também postulados através dos meios de comunicação, por terceiros ou instituições que defendem a vida ou por grupos de apoio à prevenção a AIDS, cujas as atividades exercem influência na opinião publica, para que não haja discriminações.

A autora aduz ainda:

Esse princípio, expressão de justiça distributiva, exige uma relação equânime nos benefícios, riscos e encargos, proporcionados pelos serviços de saúde ao paciente. Mas quem seria igual e quem não seria igual? Quais as justificativas para afastar-se da distribuição igual? Há propostas apresentadas pelo belmont report de como os benefícios e riscos devem ser distribuídos, tais como: a cada pessoa uma parte igual, conforme suas necessidade, de acordo com seu esforço individual, com base em sua contribuição à sociedade e de conformidade com seu mérito.

O princípio da justiça versa, portanto, sobre os valores

que devem ser sempre respeitados pela sociedade, oferecendo a cada pessoa

o que lhe é devido, de forma a atender cada qual de acordo com suas

particularidades. 97

Observa Elio Sgreccia98:

O princípio da justiça se refere à obrigação de igualdade de tratamento e, em relação ao Estado, de justa distribuição das verbas para saúde, para a pesquisa, etc. Isto, se não quer dizer, certamente, tratar a todos do mesmo modo, pois são

95 KANT Immanoel. Crítica da razão prática. Tradução: Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1986. 96 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 15-16. 97 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 39. 98

SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 23.

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diferentes as situações clinicas e sociais, deveria comportar, todavia, a adesão a alguns dados objetivos, como p.ex., o valor da vida e o respeito a uma proporcionalidade das intervenções.

No mesmo norte, Beauchamp e Childress99 entendem o

Princípio da Justiça como:

Sendo a expressão da justiça distributiva. Entende-se justiça distributiva como sendo a distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperação social. Uma situação de justiça, de acordo com esta perspectiva, estará presente sempre que uma pessoa receberá benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares. Aristóteles propôs a justiça formal,afirmando que os iguais devem ser tratados de forma igual e os diferentes devem ser tratados de forma diferente.

Ademais, no âmbito da Bioética, conforme

prelecionam Heloisa Helena Barboza e Vicente de Paulo Barreto100:

O princípio da justiça relaciona-se à justa distribuição dos benefícios dos serviços de saúde, resumindo-se na obrigação de igualdade de tratamento, respeitadas as diferenças de situações clínicas, evidentemente, bem como a proporcionalidade das intervenções.

99 BEAUCHAMP Tom L, CHILDRESS James F. Princípios de Ética Biomédica. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 326-329. 100 BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETTO, Vicente de Paulo. Temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 89.

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Willian Frankena101 em 1963 ensinava que:

A justiça distributiva é uma questão de tratamento comparativo de indivíduos. Teríamos o padrão de injustiça, se ele existe, num caso em que havendo dois indivíduos semelhantes, em condições semelhantes, o tratamento dado a um fosse pior ou melhor do que o dado ao outro.(...) O problema por solucionar é saber quais as regras de distribuição ou de tratamento comparativo em que devemos apoiar nosso agir. Numerosos critérios foram propostos, tais como: a justiça considera, nas pessoas, as virtudes ou méritos; a justiça trata os seres humanos como iguais, no sentido de distribuir igualmente entre eles, o bem e o mal, exceto, talvez, nos casos de punição; trata as pessoas de acordo com suas necessidades, suas capacidades ou tomando em consideração tanto umas quanto outras.

Léo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine102 citam

o Relatório Belmont que colocava a seguintes ponderações a respeito do

princípio da justiça:

Quem deve receber os benefícios da pesquisa e os riscos que ela acarreta? Esta é uma questão de justiça, no sentido de 'distribuição justa' ou 'o que é merecido'. Uma injustiça ocorre quando um benefício que uma pessoa merece é negado sem uma boa razão, ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente. Uma outra maneira de conceber o Princípio da Justiça é que os iguais devem ser tratados igualmente; a cada pessoa uma parte igual; a cada pessoa de acordo com a sua necessidade; a cada pessoa de acordo com o seu esforço individual; a cada pessoa de acordo com a sua contribuição à sociedade; a cada pessoa de acordo com o seu mérito.

Nessa tônica Ivo Volnei Carlin103 leciona:

Justiça - é o princípio que obriga a garantir a distribuição justa, eqüitativa universal dos benefícios da saúde pública. Luta pelo princípio da saúde, como parte da consciência de cidadania, até estabelecer a saúde como direito de todos. As teorias que sustentam o princípio são igualdade social (sem discriminação), bem-estar coletivo, proporcionalidade natural e eqüidade. Consiste em um princípio que não obriga a tratar todos

de forma igualitária, uma vez que as situações biomédicas são distintas; deve-

101

FRANKENA, Willian. Ética.Rio de Janeiro: Zahar, 1981:61-2 102 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 56-57. 103 CARLIN, Ivo Volnei. Ética e Bioética. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p. 99.

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se resguardar a proporcionalidade nas ações, omissões e intervenções, e,

exigir que o Estado execute a garantia do direito humano e fundamental à

saúde. 104

A ética, em seu nível público, além de proteger a vida e a

integridade das pessoas, objetiva evitar a discriminação, a marginalização e a

segregação social. 105 Neste contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-

se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados

com sua saúde.

Com esta abordagem sobre a Bioética e seus princípios,

verifica-se que o ponto de referência da Ética é a convivência humana. E para

que a ética proporcione uma convivência harmônica devem ser observados os

Direitos Fundamentais106.

1.2 DO BIODIREITO

Biodireito é o ramo do Direito que trata da teoria, da

legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta

humana em face dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da Medicina. 107

O Direito, como uma ordem social mutável, sofre a

necessidade de significantes transformações em detrimento das mudanças

sociais determinadas pela Bioética. 108

Os novos desafios no ramo do direito, ainda quando não

proponham uma função repressiva, deve manisfestar o mínimo ético (bióetico)

como essência da autoconsciência de um povo ou da humanidade.

O mundo jurídico, viu-se de uma hora para outra,

solicitado para regulamentar as condutas oriendas do deselvolvimento ilimitado

das ciências biomédicas.

104 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 39. 105 LOCH, Jussara Azambuja. Princípios da Bioética. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. (Programa de Pós-Graduação em Medicina e Odontologia-Bioética). P. 5-6. 106 Os direitos fundamentais são abordados detidamente no segundo capítulo desta monografia. 107 BARBOZA, Heloisa Helena . Princípios da bioética e biodireito. Vol. 8, 2000. p.212. 108 CARLIN, Ivo Volnei. Ética e Bioética. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p. 98.

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Biodireito seria, então, a positivação jurídica de

permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo

descumprimento destas formas. Além disso, o Biodireito é um termo que

também pode ser entendido no sentido de abranger todo o conjunto de regras

jurídicas já positivadas e voltadas a impor ou proibir uma conduta médico-

científica e que sujeitem seus infratores às sanções previstas por elas. 109

Por este motivo, o Direito deve buscar adequar-se a

estes novos tempos, enquadrar-se na evolução das sociedades determinadas

pelo progresso da Bioética. 110

1.2.1 Aspectos gerais do Biodireito

Almejando acompanhar as inovações biotecnológicas, a

ética e o Direito devem estar presentes de forma imperativa para garantir a

efetiva tutela dos direitos humanos e fundamentais. 111

A realidade tem demonstrado que o progresso científico

do mundo atual apresenta uma grande repercussão social. Isto se deve ao fato

de os problemas serem de difícil solução, envolvendo muita polêmica, e

desafiando a argúcia dos juristas. 112

Assim como a Bioética é, uma matéria multidisciplinar

que encontra nesta característica sua força principal, o Biodireito á medida que

trata da legislação relacionada á Bioética, deve ser encarada como uma

matéria igualmente multidisciplinar como, aliás, devem ser encarados todos os

demais ramos do Direito.

Por este motivo, não pode o Direito abster-se aos

desafios propostos pela biomedicina, emergindo assim, esta nova disciplina, o

Biodireito, um estudo jurídico que, tendo por base a Bioética e a biogenética,

109CONSTANZE, Bueno. Biodireito. 16.03.2007. Disponível em: <http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=265&Itemid=79>. Acesso em 26 mar. 2009. 110 CARLIN, Ivo Volnei. Ética e Bioética. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p. 100. 111 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 33. 112 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 07.

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tem a vida por objeto principal, e enfatiza que a verdade científica não poderá

sobrepor-se à ética e ao Direito. 113

Maria Helena Diniz114, citando Regina Fiúza Sauwen,

expõe: “a esfera do biodireito compreende o caminhar sobre o tênue limite

entre o respeito às liberdades individuais e a coibição de abusos contra o

indivíduo ou contra a espécie humana”.

O papel do Direito não é o “de cercear o

desenvolvimento científico”, mas, justamente o de traçar aquelas exigências

mínimas que assegurem a compatibilização entre os avanços biomédicos que

importam na ruptura de certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento

da Humanidade enquanto tal, e, como tal, portadora de um quadro de valores

que devem ser assegurados e respeitados. 115

A norma do Direito [ou do Biodireito] pode, ainda que

integrando os avanços científicos, opor-se a eles, mantendo certas categorias

clássicas ou definindo novas categorias suficientemente aptas a garantir a

permanência do primado da pessoa humana, pedra de toque de nossa

civilização jurídica, independentemente de qualquer tendência reducionista. 116

A obra Biodireito em discussão117 traz a definição de

Biodireito pelo Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito:

Biodireito é o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana face aos avanços da biologia, biotecnologia e da medicina.

Maria Helena Diniz118 narra que:

113 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 07-08. 114 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 08. 115 JUDITH, Martins-Costa, Bioética e dignidade da pessoa humana: rumo à construção do Biodireito, in Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, vol. 3 – 2001, p.13- 30, 116 LEITE, Eduardo Oliveira. Da Bioética ao Biodireito: reflexões sobre a necessidade e emergência de uma legislação, cit. 117 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 41. 118 Fonte: Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, 3a. ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 9.

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O biodireito é o "estudo jurídico que, tomando por fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os destinos da humanidade”.

Daury Cesar Fabriz119 esclarece o Biodireito como:

[...] ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana, em face dos avanços da biologia, da biotecnologia e da Medicina.

Assim, para a configuração do Biodireito, este deve ter

sempre como alicerces os direitos humanos, conservando a vida, a vida digna,

a integridade e dignidade do ser humano. Estes princípios norteadores devem

ser a base da legislação que se enquadre ao Biodireito. 120

De forma sucinta, Daury Cesar Fabriz121 ainda explica:

O Biodireito orbita em torno dos direitos humanos e direitos fundamentais, devendo, pois, o seu arcabouço legal sintonizar-se com determinada ordem jurídica em particular, principalmente no que se refere à bioconstituição. Essa, por sua vez, deve considerar os direitos morais referentes ao respeito à vida, à dignidade da pessoa humana e à privacidade dos indivíduos.

Os princípios bioéticos já estudados são norteadores

para o desenvolvimento do Biodireito. Fernanda Schaefer1, citando Vicente de

Paulo Barreto, explica:

[...] o progresso científico provocou a ruptura daquelas categorias jurídicas básicas do direito moderno, obrigando que se fosse buscar nos fundamentos da racionalidade argumentos justificadores, que se poderão expressar sob a forma de ‘mandatos de otimização’, de uma ordem normativa

119FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 287. 120 FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 309. 121 FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 349.

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com condições de regular uma nova realidade social, característica da civilização tecno-científica.

Por conseguinte, o Biodireito precisa estar vinculado a

princípios próprios e diferenciados que apresentem como alicerce do

ordenamento jurídico a preservação da vida e da dignidade da pessoa humana.

Requer-se, assim, a formação de um Biodireito eficiente, uma vez que a

Bioética, não possuindo força coercitiva, não é capaz de impor

responsabilidades para as práticas biotecnológicas. 122

Assim como a Bioética, o Biodireito também comporta

muitas definições. Assim, pode-se entender que “[...] o Biodireito é um ramo em

desenvolvimento do Direito que tem função de normatizar os efeitos jurídicos

da prática biotecnológica”. 123

Biodireito seria, portanto, a positivação jurídica de

permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo

descumprimento destas normas.

Biodireito é um termo que pode ser entendido, também,

no sentido de abranger todo o conjunto de regras jurídicas já positivadas e

voltadas a impor -ou proibir- uma conduta médico-científica e que sujeitem seus

infratores ás sanções por elas previstas.

Desta maneira, pode-se dizer de forma mais concisa que

Biodireito é o conjunto de leis positivas que visam estabelecer a

obrigatoriedade de observância dos mandamentos bioéticos, e, ao mesmo

tempo, é a discussão sobre a adequação -sobre a necessidade de ampliação

ou restrição- desta legislação.

Portanto, o Biodireito deve ser operacionalizado e

estudado sob a ótica dos princípios constitucionais estruturais, em especial o

da dignidade da pessoa humana, bem como dos demais direitos fundamentais

122 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 41. 123 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 41.

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como a vida, liberdade, desenvolvimento, qualidade de vida e meio ambiente,

solidariedade, etc., ou seja, dos valores fundamentais da Sociedade.

E assim após estes esclarecimentos imprescindíveis

sobre Bioética e Biodireito, passa-se para o segundo capítulo abordando agora

os direitos fundamentais propriamente ditos.

CAPÍTULO 2

ASPECTOS JURIDICOS DO DIREITO À VIDA

2.1 DO INÍCIO DA VIDA HUMANA

Uma das questões principais na discussão do aborto diz

respeito ao início da vida. Ao contrário do que comumente se pensa a definição

do início da vida não é apenas uma questão filosófica. A biologia tem

importância fundamental nesta definição.

O direito à vida, por muitos considerados o direito mais

inerente ao ser humano, Têm vinculados a si o direito de nascer, e, durante sua

existência, o de viver com dignidade. Além de ter sido com o surgimento do

Direito Positivo, juntamente com a liberdade e propriedade um dos primeiros

direitos a ser reconhecido pelo Estado. 124

A vida, sendo o bem fundamental e sendo de certa forma

a base de outros direitos inerentes ao homem, deve ser amparada e garantida

pelo Estado através de todos os meios, desde o seu início. No ordenamento

jurídico pátrio percebe-se que a CRFB/88 não estabeleceu de forma expressa

124 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p. 200.

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quando seria este início, deixando este encargo sob a responsabilidade da

legislação ordinária. 125

Esta questão é objeto de discussão tanto acadêmica

quanto da opinião de cada indivíduo, ou seja, de senso comum.

Fernando Barcellos Almeida126 conceitua a vida como

sendo:

O conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário de organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em continua atividade, manifesta em funções orgânicas tais como metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio e a reprodução.

Já na lição de Benedita Inês Lopes Chaves127:

A vida é intimidade conosco mesmo, um assistir e tomar posição própria, constituindo-se na fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos.

A mesma afirma ainda de forma subjetiva:

A vida e a integridade física e psíquica são inerentes à condição humana, não derivando de nenhum ordenamento jurídico positivo. O homem já nasce com tais atributos, independentemente de qualquer sistema jurídico, ou social, a que pertença. É um dom conferido pela própria natureza ao homem, e não uma criação legal, pois o direito positivo tem apenas a função de protegê-la, em relação a cada indivíduo e à sociedade.

As diversas correntes sobre o momento do início da vida

humana podem ser destacadas em três pontos, sendo que esta conceituação

ainda está distante por parte da Sociedade, já que é fortemente influenciada

pelos valores religiosos e ideológicos de cada um.

125 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p. 13-14. 126ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direito Humanos. Porto Alegre:

Renova, 1996. p. 54. 127 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p. 53-54.

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Importante destacar de imediato a diferença entre a

concepção e fecundação. Concepção seria o ato ou efeito de conceber ou de

gerar (no útero); geração. Diferente de fecundação, que é o ato ou efeito de

fecundar (tornar capaz de conceber ou gerar: fecundar uma mulher). Logo a

fecundação é o momento de encontro do espermatozóide com o óvulo e

concepção é o desenvolvimento do embrião a partir de sua nidação

(alojamento do ovo ou zigoto no útero - endométrio), o que acontece no 5º ou

6º dia após a fecundação.

Como primeiro ponto pode-se destacar que o início da

vida humana se dá com a fecundação ou ainda que ocorre em determinado

momento entre o desenvolvimento e a fecundação. Nesta corrente podem ser

encontrados posicionamentos que a vida tem início com a nidação do óvulo no

útero, ou ainda com a formação do sistema nervoso, o que não ocorre no feto

que possui anomalias genéticas, por último, mas não menos importante, pode-

se dar início com o nascimento.

Pelo fato de ter muitos posicionamentos controvertidos é

que se busca auxílio na Embriologia humana128, na Medicina Legal129 e na

doutrina jurídica para que se possa estabelecer um marco inicial, ainda que

hipotético, do início da vida humana.

Preleciona Maria Helena Diniz130 que “a fecundação é o

marco do início da vida.”.

O início do ser humano ocorre quando o óvulo feminino é

fecundado pelo espermatozóide masculino sendo formado o zigoto, que seria o

óvulo fertilizado, se dando assim o início da concepção.

Depois de passado esta fase de fertilização, ocorre uma

segunda fase, onde o zigoto passa a ser denominado mórula, fase que é

128Ciência que estuda a origem e o desenvolvimento do ser humano desde o zigoto até o seu

nascimento.

129Medicina Legal é o conjunto de conhecimentos médicos e paramédicos destinados a servir

ao Direito, cooperando na elaboração, auxiliando, auxiliando a interpretação e colaborando na

execução dos dispositivos legais atinentes ao se campo de Medicina Aplicada. GOMES, Hélio.

Medicina legal. 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 7. 130 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 25.

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atingida depois de três dias em que ocorreu a fertilização. Nesta fase o ser

humano está pronto, vindo da trompa uterina para fixar-se no útero da mulher.

Dentro do útero, forma-se uma cavidade que é

denominada cavidade blastocística e a mórula é transformada em blastocisto. A

implantação do blastocisto (chamada de nidação) começa no fim da primeira

semana e termina no final da segunda semana.

As células desenvolvidas do blastocisto vão dar origem ao

embrião, sendo que este termo não é usado antes da 3º semana. O período

embrionário estende-se da terceira semana até o final da oitava semana,

quando já estão formandos as principais estruturas e características do ser

humano, chegando ao fim do período embrionário. A partir desse momento, o

embrião passa a ser chamado de feto e dá-se início ao período fetal, que vai da

nona semana até o nascimento.

Sob o ponto de vista do médico, Hélio Gomes131 a

gravidez ou o período de gestação, como também pode ser chamado, inicia-se

com a realização da fecundação, que é a cédula inicial formadora do homem.

Maria Helena Diniz 132ressalta o seguinte a respeito do

assunto:

O aparecimento de um novo ser humano, ocorre com a fusão de gametas feminino e masculino, dando origem ao zigoto, com um código genético distinto do óvulo e do espermatozóide. A fetologia e as modernas técnicas de medicina comprovam que a vida inicia-se no ato da concepção, ou seja, da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, dentro ou fora do útero.

Importante se faz lembrar que a bíblia133 se refere ao

embrião no útero como uma vida humana. O salmista Davi escreveu a respeito

de Deus: Teus olhos viram até mesmo meu embrião, e todas as suas partes

131 GOMES, Hélio. Medicina legal. 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p.318. 132 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 25. 133 BIBLIA SAGRADA. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2. ed. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

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estavam assentadas por escrito no teu livro (salmo 139:16), revelando assim de

modo preciso que sua vida iniciou quando foi concebido, bem antes de seu

nascimento.

O salmista Davi, também revelou que, na concepção, o

desenvolvimento das partes de seu corpo já estava definido de acordo com um

projeto, ou detalhadas instruções escritas, que o tornou a pessoa que ele era. 134

Necessário se faz trazer a tona, o comento jurídico de

Edgard Magalhães Noronha135 que revela:

Durante a gestação, em qualquer momento se tem vida no produto da concepção, pois cresce e se aperfeiçoa, assimila as substâncias que lhe são fornecidas pelo corpo materno e elimina os produtos de recusa; executa, assim, funções típicas de vida (...) a verdade é que ali existe uma vida humana em germe.

Portanto, verifica-se que existem três fases: a primeira

quando o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozóide masculino sendo

formado o zigoto, que seria o óvulo fertilizado, se dando assim o início da

concepção.

A segunda fase, onde o zigoto passa a ser denominado

mórula136. Nesta fase o ser humano está pronto, vindo da trompa uterina para

fixar-se no útero da mulher.

E por fim, as células desenvolvidas do blastocisto vão dar

origem ao embrião, sendo que este termo não é usado antes da 3º semana. O

período embrionário estende-se da terceira semana até o final da oitava

semana, quando já estão formandos as principais estruturas e características

do ser humano, chegando ao fim do período embrionário. A partir desse

momento, o embrião passa a ser chamado de feto e dá-se início ao período

fetal, que vai da nona semana até o nascimento. 137

134 Revista Despertai. Aborto porque é tão polêmico. Junho. 2009 p.06. 135 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 50. 136 Fase que é atingida depois de três dias em que ocorreu a fertilização. 137 CROCE, Delton e JUNIOR Delton Croce. Manual de Medicina Legal. 5. ed. Saraiva. 2007. p.520-521.

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Em assim sendo, se desde a concepção o embrião

possui humanidade, logo é um ser humano, sendo, detentor de direitos

fundamentais e de personalidade jurídica.

2.1.1 Inviabilidade Constitucional do direito à vida

Existe um consenso entre as crenças religiosas no que diz

respeito ao caráter sagrado da vida, partindo do princípio de que o direito à vida

é um dom recebido diretamente de Deus e que os homens são apenas meros

administradores.

O posicionamento firme da igreja católica, sobre sempre

prevalecer o direito à vida independentemente de qualquer situação, seguida

de uma forma menos acentuada pelos judeus e espíritas, contraria muitas

religiões onde prevalece o entendimento de que há casos em que o princípio

da inviolabilidade da vida humana deve ser ponderado em face de outros

valores138, como algumas denominações de igrejas evangélicas.

Assim, um indivíduo pode gerir e defender sua vida, mas

não pode dela dispor, apenas justificando ação lesiva contra a vida em casos

de legítima defesa e estado de necessidade.

Neste viés, nenhum interesse estatal pode superar o

direito à vida, Benedita Inês Lopes Chaves assevera que:

A decadência de algumas civilizações normalmente está relacionada com o desrespeito a este direito. O respeito à vida só é jurídico, portanto, no momento em que é reconhecido por uma norma jurídica. Isto porque a vida humana é um bem anterior ao direito, devendo este integrar-se àquela. 139

Neste norte Fernando Capez140 diz que o direito à vida é

o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela morte espontânea

e inevitável (...).

138TESSARO, Anelise. Aborto seletivo: descriminalização & avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002. 139 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000. p. 55-56. 140 CAPEZ. Fernando e PRADO, Estela Código Penal Comentado. Verbo Jurídico. 2007. p.230

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A CRFB/88141, em seu Título II, “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”, proclama no artigo 5º, caput:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Antônio Chaves142 ensina que a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo.

O autor ainda sustenta que: O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes (contra todos) por sua própria natureza, ao qual ninguém é licito desobedecer. Ainda que não houvesse tutela constitucional ao direito à vida, que, por ser decorrente de norma de direito natural, é deduzida da natureza do ser humano, legitimaria aquela imposição erga omnes, porque o direito natural é o fundamento do dever-ser, ou melhor do direito positivo, uma vez que se baseia num consenso, cuja expressão máxima é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fruto concebido pela consciência coletiva da humanidade civilizada. O direito à vida é imprescindível ao gozo dos direitos e,

por conseguinte, a Ciência Jurídica ampara sua proteção integral. O Estado

brasileiro não assegura somente a vida digna, mas todo e qualquer tipo de vida

humana. Mesmo que imperfeita ou suscetível de limitações, a vida humana

estará tutelada pela CRFB/88, sem distinções. 143

Juridicamente, a vida humana é também amparada pelo

Código Civil144, em seu art. 2º, que dita que a personalidade civil da pessoa

começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro. 145 Onde o nascimento com vida

caracteriza-se pelo ato do nascituro respirar.

141 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2008. 142 CHAVES, Antônio. Tratdo de direito Civil; parte geral, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, v. 1, t. 1, p.435. 143 PENTEADO, Jaques de Camargo (Org.); DIP, Ricardo Henry Marques (Org.). A vida dos direitos humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 251; 268. 144 BRASIL. Código Civil (2002). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 145 O significado etimológico da palavra nascituro é “o que está por nascer”. Portanto, ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao espermatozóide

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Desde a concepção o nascituro tem seus direitos

assegurados pelo ordenamento jurídico, com a condição que nasça com vida.

Antes do nascimento o nascituro não tem personalidade jurídica, mas tem

natureza humana (humanidade), razão de ser de sua proteção jurídica pelo

Código Civil.

Dessa forma, a junção dos pressupostos nascimento e

vida, implicam na constatação da existência da personalidade jurídica, de

maneira que, ainda que uma criança nasça com vida e depois venha a falecer,

terá a adquirido. O nascimento é a separação daquele que está por nascer do

ventre de sua mãe e a ocorrência do elemento vida está condicionada à

verificação do fenômeno fisiológico da respiração, que, sinteticamente, é à

entrada de ar nos pulmões. 146

Em 24 de março de 2005, o Presidente da República,

Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei de Biossegurança147, a qual protege a

vida humana nos seguintes termos:

Art. 6º. Fica proibido: III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

Além disso, em seu Capítulo VIII, Dos Crimes e das

Penas, a Lei de Biossegurança148 traz as penas relativas à violação do direito à

vida em âmbito Biogenético:

Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5º desta Lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

formando o zigoto ou embrião), nidado (implementado nas paredes do útero materno), porém não nascido. 146 FILHO, Rodolfo Pamplona in ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles, Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal, São Paulo: Saraiva, 2002, p.88-89. 147 BRASIL. Lei nº. 11.105, de 24 de março de 2005. Brasília, 2005. 148 BRASIL. Lei nº. 11.105, de 24 de março de 2005. Brasília, 2005.

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Neste sentido, ao analisar o direito à vida, observa-se os

seus vários desdobramentos, de tal forma que o direito, com suas diversas

normas, buscou conceder um tratamento rigoroso, referente aos apenamentos,

na hipótese de este direito tão primordial ser violado. 149

Por isso, necessário se faz trazer a tona o comento de

Maria Helena Diniz150 sobre o assunto:

Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea (art. 5º), que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar. Daí conter uma força paralisante total de toda legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-la, por força do art. 60, § 4º, da Constituição Federal. O art. 5º da norma constitucional tem eficácia positiva e negativa. Positiva, por ter incidência imediata e ser intangível, ou não emendável, visto que não pode ser modificado por processo normal de emenda. Possui eficácia negativa por vedar qualquer lei que lhe seja contrastante, daí sua força vinculante, paralisante total e imediata, permanecendo intangível, ou não emendável pelo poder constituinte derivado, exceto por meio de revolução ou de ato de novo poder constituinte originário, criando e instaurando uma novel ordem jurídica.

A autora ainda preleciona que a vida humana é um bem

anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar.

Como acentua José Cretella Junior151 em seus

Comentários à Constituição Brasileira de 1988, institui que:

Bastaria que se tivesse dito ”o direito“ ao invés de ”a inviolabilidade do direito à vida“. Se ”vida é um direito“ garantido pelo Estado, esse direito é inviolável, embora não ”inviolado”. Se eu digo que é “inviolável” (a correspondência, a intimidade, a residência, o sigilo profissional), “ipso facto”, estou querendo dizer que se trata de rol de bens jurídicos dotados de inviolabilidade (inviolabilidade da correspondência, da intimidade, da residência, do sigilo profissional)... O direito à vida é o primeiro dos direitos invioláveis, assegurados pela Constituição. Direito à vida é expressão que tem, no mínimo, dois sentidos, (a) o “direito a continuar vivo, embora se esteja com saúde” e (b) “o direito de subsistência”. O primeiro, ligado

149 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 268. 150 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5. ed. rev. e atual. conforme a Lei n. 11.105/2005. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 21-22. 151 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. I, art. 1º a

5º, LXVII. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p.182/183.

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à segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência; o segundo, ligado ao “direito de prover à própria existência, mediante trabalho honesto”.

A CRFB/88152, em seu art. 5º, § 2º dispõe também que,

em matéria de direitos fundamentais, o Brasil deverá considerar cláusulas

pétreas os tratados que assinou acerca do assunto:

§2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Cabe ressaltar que o Brasil foi signatário da Declaração

Universal dos Direitos Humanos153 (Pacto de São José da Costa Rica), que

entrou para o ordenamento jurídico pátrio através do Decreto nº. 678, de 6 de

novembro de 1992, com status de norma constitucional154, e que prevê, em seu

art. 4º:

Art. 4º - Direito à vida. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 155

Insta mencionar ainda a Declaração dos Direitos da

Criança, de 20 de novembro de 1959, da Assembléia Geral da ONU, já

prescrevia que:

A criança, dada a sua imaturidade física e mental, precisa de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento.

O direito à vida não exige nenhum pressuposto,

sendo integralmente tutelado desde a concepção, inclusive para o nascituro.

152 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2008. 153 Pacto São José de Costa Rica. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 22.11.1969. 154 THIESEN, Adriane; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Bioconstituição e identidade genética na concepção dos direitos humanos. Consulex. Ano XII, n. 269, p. 32. 31 de março de 2008. 155 CAPEZ, Fernando e PRADO, Estela. Código Penal Comentado.verbo jurídico. 2007 p. 230

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Nesse diapasão, verifica-se que o direito à vida, para ser

concretizado e produzir seus efeitos jurídicos, está tutelado pelos mais diversos

diplomas legais, desde as normas infraconstitucionais até a CRFB/88.

Logo, a vida, sendo a premissa maior, donde todos os

demais direitos devem derivar, deve ser analisado concomitantemente com

outro princípio superior, o da dignidade da pessoa humana, · e os direitos

fundamentais que passará a ser agora explanado.

2.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos

Fundamentais

Os direitos fundamentais estão explícitos, no âmbito do

ordenamento jurídico brasileiro, na Constituição da República Federativa do

Brasil, e o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se recepcionado

pelo artigo 1º, inciso III da mesma, como um princípio fundamental onde

assegura o respeito ao homem, considerando este como um ser individual.

A dignidade da pessoa exige, incondicionalmente, o

respeito pelos seus direitos, ou seja, busca traduzir o reconhecimento da

dignidade da pessoa, são diversos os instrumentos que asseguram esse

direito, que está contido no princípio da dignidade da pessoa humana. 156

A CRFB/88157, em seu artigo 1º, inciso III, consagra,

como um de seus fundamentos, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Senão vejamos:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; Maria Celeste Cordeiro Leite Santos158 explica artigo

acima dizendo que:

156 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 273. 157 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2008.

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(...) o inciso III do art. 1º da CRFB/88 é que restou inarredável a decisão de complementar o respeito ao homem pelo só fato de ele ser homem, beneficiado do direito de levar uma vida digna de ser humano, não podendo consequentemente ser usado como instrumento para algo, sendo por isso mesmo pessoa dotada de dignidade. Nesse passo, embora tenha a expressão “dignidade da pessoa humana” apresentando forte conteúdo moral, o que se buscou enfatizar foi o fato de o Estado ter como seus objetivos proporcionar todos os meios para que as pessoas possam ser dignas.

José Afonso da Silva, citado por Gisele Echterhoff, na

obra Biodireito em Discussão159 explana que:

[...] “dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano”. 160

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, sendo o que dá unidade e coerência ao conjunto desses direitos e consequentemente consolida-se a força normativa de tais comandos, que se estendem em sua proteção juntamente com a dignidade humana.

Necessário se faz trazer a baile o conceito de dignidade

da pessoa humana nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet161, vejamos: "[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.".

158 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios.Revista dos Tribunais. 2001. p.273 159 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 93. 160 Destaques no original. 161

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60

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Correlaciona Daury Cesar Fabriz162 sobre a dignidade da

pessoa humana:

(...) a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege. Em todo homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade. 163 A principiologia constitucional em vigor tem por

fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tornando defeso a ciência, avançar, sob qualquer pretexto, suas fronteiras limitadoras.

São palavras do aclarado Procurador da República no

Rio de Janeiro, Daniel Sarmento164 aduzindo que:

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana pressupõe que se respeite a esfera de autodeterminação de cada mulher ou homem, que devem ter o poder de tomar as decisões fundamentais sobre suas próprias vidas e de se comportarem de acordo com elas, sem interferências do Estado ou de terceiros. A matriz desta idéia é a concepção de que cada pessoa humana é um agente moral dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, de traçar planos de vida e de fazer escolhas existenciais, e que deve ter, em princípio, liberdade para guiar-se de acordo com sua vontade.

O ser humano é pessoa dotada de dignidade, devendo a humanidade repelir práticas que atentem contra a vida, nela compreendida todo tipo de organismo.

Os direitos fundamentais, que estão previstos no Título II

da CRFB/88, constituem uma categoria especial do direito constitucional. São

revestidos de essencialidade para a vida humana, vez que atingem as

dimensões da liberdade e dignidade. Observa-se também, que receberam o

status de cláusulas intangíveis pelo constitucionalismo democrático moderno. 165

162 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 274. 163 Destaques no original. 164 SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. Disponível em: <http://www.advocaci.org.br/pdfs/Anais_Direitos_sexuais.pdf> acesso em 8 jun. 2009. 165 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 188-189.

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A doutrina Constitucional reconhece três níveis de

regramentos destinados à proteção dos direitos fundamentais, baseando-se na

ordem histórica cronológica em que vieram a ser reconhecidas

constitucionalmente, quais sejam: os direitos fundamentais de primeira

geração, consubstanciados nos direitos individuais e políticos; os de segunda

geração, inerentes aos intuitos sociais, culturais e econômicos; e, na terceira

geração, surgem os direitos do homem, onde encontramos os direitos difusos e

coletivos.166

Detendo-se nessa classificação Manoel Gonçalves

Ferreira Filho167, revela a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a

segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, completaria o lema da

Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Os direitos fundamentais seriam os direitos do ser

humano positivados pelo Estado em sua Constituição limitando-se estes

direitos à validade interna e não internacional. 168

Direitos fundamentais são aqueles direitos inerentes à

condição humana, os quais são geralmente geradores de outros direitos.

Nesta diapasão, Maria Celeste Cordeiro Leite Santos169

leciona que:

Direitos Fundamentais antes de serem direitos subjetivos ou simplesmente expectativas de direitos, são direitos à felicidade e a paz. E este independem de qualquer dever Estatal de provê-los, é algo inerente ao homem. O individuo ao tratar o alheio, sendo de fato despossuidor desses direitosa, acaba por ser preconceituoso. Esses direitos jamais podem tratar todos igualmente, e o respeito a individualidade do sujeito e a preservação da sua identidade trata da paz. Hoje os considerados direitos fundamentais ou direitos das minorias, acabam por trazerem desgraça alheia e estes passam a

166

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios.Revista dos Tribunais. 2001. p.274. 167 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p.57. 168 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 51. 169 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios.Revista dos Tribunais. 2001. p. 274-275.

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acreditar que são inferiores. A exemplos dos negros que ao invés de poderem desenvolver-se seus estudos em áreas de seu primoroso interesse são obrigados a seguir o método erroneo de rendimento escolar imposto pelo Estado. São exemplos de direitos fundamentais o direito à vida, à liberdade, o direito de opinião e a liberdade de locomoção.

Ingo W. Sarlet traz a diferença entre direitos humanos e

direitos fundamentais. 170

O autor preleciona:

A expressão direitos humanos guarda relação com os documentos de direito internacional, vez que se refere às posições jurídicas que reconhecem o ser humano como tal, sem vinculação à determinada ordem constitucional de um Estado, sendo assim, válidos universalmente e tendo caráter supranacional. Já os direitos fundamentais significam os direitos do ser humano reconhecidos e positivados em esfera constitucional de um Estado determinado. 171

Referente à definição dos direitos fundamentais, observa-

se também sob dois aspectos: o formal e o material. Sob o aspecto formal,

direitos propriamente ditos, estão tutelados e garantidos numa Constituição

como prerrogativas. Sob o aspecto material, são valores. “Neste último aspecto,

são pré-constitucionais, pois que produtos das culturas civilizadas, e

determinam o conteúdo desses direitos nas Constituições”.172

Andrietta Kretz conclui, quando aborda a distinção

terminológica que “os direitos fundamentais nascem e desenvolvem-se com as

Constituições pelas quais foram reconhecidos expressamente173.”

Assim sendo, os direitos fundamentais tutelados na

CRFB/88 e os direitos humanos prescritos pelas declarações de direitos,

tratados e convenções internacionais, devem resultar em uma nova arquitetura

170 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 34. 171 SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 32. 172 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 189-190. 173 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 51.

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que possa determinar o devido respeito à dignidade da pessoa humana, à luz

da realidade que se encontra em curso. 174

2.3 O Início da Personalidade Jurídica para o Nascituro

A questão do início da personalidade tem relevância,

porque se define quando o ser humano se torna sujeito de direitos.

O nascituro, sem dúvida alguma, é um ser vivo que

cresce, tem metabolismo orgânico, batimentos cardíacos e, a partir décima

sexta e vigésima semana de gestação, o feto já se movimenta com animus

(ânimo) próprio.

Atualmente, nascituro é o nome que se dá ao ser humano

já concebido e que se encontra, ainda, no ventre materno.

O início da personalidade é discutido através de três

teorias: concepcionista, o natalista e o da personalidade condicional. A questão

divergente entre as teorias é o instante que se inicia a capacidade e,

consequentemente, a personalidade.

O primeiro posicionamento é aquele que acredita que a

personalidade tem início, para a pessoa física, a partir do momento da

concepção, alcançando, portanto, o nascituro, onde a personalidade civil do

homem começa com a concepção no ventre materno e consolida-se com o

nascimento.

Para o direito, o início da vida parece caracterizar-se pela

respiração pulmonar, pois é este o primeiro indício de que a criança já não se

alimenta através do organismo materno. Basta um só instante de vida e a

personalidade está caracterizada.

Para esta escola, o nascituro pode ter (1) a filiação

legitima conforme os artigos 338, 339 e 353 do Código Civil; (2) o direito à

curatela conforme os artigos 458 e 462 do Código Civil; (3) à representação

conforme os artigos 462 c/c 383, inciso V e 385 do Código Civil; (4) à adoção

conforme o artigo 372 do Código Civil, com redação dada pela Lei 3.133/57; (5)

adquirir bens por testamento conforme o artigo 1.718 do Código Civil; (6)

proteção ao nascituro conforme artigos 392, 393 e 394 da Consolidação das

174 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 281.

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Leis do Trabalho e (7) aposse em seu nome conforme o artigo 877 e 878 do

Código de Processo Civil.

Para os que defendem o posicionamento natalista o

nascituro é considerado apenas um projeto, um estado potencial, uma

expectativa de pessoa. É a teoria que diz que a personalidade começa, para a

pessoa física, a partir do nascimento com vida.

Alguns, inclusive, defendem a idéia de que o nascimento

nada mais é do que a separação do filho das vísceras maternais, como era o

posicionamento existente na Roma antiga. Para esta corrente, o nascituro

apenas teria expectativa de direitos.

Tem-se a noção de que o nascituro seria mais indefeso, e

a ele deveriam aplicar-se os princípios protetivos, como o personalista e o da

solidariedade, e a disposição da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica175, que, em seu artigo 4º, ao

tratar do direito à vida, declara: Toda pessoa tem o direito de que se respeite

sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento

da concepção. Ninguém poderá ser privado da vida arbitrariamente.

As correntes acima expostas estão embasadas pelo artigo

2º do Código Civil176 e podem ter mais de uma interpretação, ou seja, pelo

posicionamento natalista ou pelo concepcionista.

Contudo, nota-se que continua a contradição e a polêmica

quando alguns doutrinadores em suas obras como Caio Mário da Silva Pereira

e seus seguidores dizem: não há antes do nascimento personalidade, mas a lei

assegura os direitos do nascituro 177.

Na obra de, Washingtom de Barros Monteiro178 é

ressaltado que: a personalidade civil do homem começa do nascimento com

vida; mas a lei dispõe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.

175 Convenção Americana sobre os direitos Humanos. Pacto de São José de Costa Rica. Art. 4º 176 Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro 177 PEREIRA , Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 7. ed. V1. Rio de Janeiro: Forense, 1993. 178MONTERIO, Washingtom de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

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Pode-se reconhecer que esses doutrinadores sabem que

para ser pessoa e ter personalidade civil, e para ter direitos, é preciso nascer, e

ainda afirmam que o nascituro também tem direito.

Contudo, Maria Helena Diniz entende que a personalidade

jurídica e os direitos da personalidade, como o direito à vida, à integridade

física e a saúde iniciam com a fecundação e independem do nascimento com

vida.

Parece não existir, essencialmente, a diferença entre o

nascituro e um recém-nascido, já que ambos não teriam condições biológicas

de sobrevivência, tão pouco para atos da vida civil, sem auxilio da

representação dos outros ou pode-se dizer que não se faz a diferença entre um

nascituro e alguém já nascido.

O mesmo é defendido por Nélson Nery Júnior e Rosa

Maria de Andrade Nery179 e por Orlando Gomes180:

Mesmo não havendo nascido com vida, ou seja, não tendo adquirido personalidade jurídica, o natimorto tem humanidade e por isso recebe proteção jurídica do sistema de direito privado, pois a proteção da norma ora comentada a esse se estende, relativamente aos direitos de personalidade (nome, imagem, sepultura etc.). A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Não basta o nascimento. É preciso que o concebido nasça vivo. O natimorto não adquire personalidade. Como visto, desde a concepção asseguram-se direitos ao nascituro equiparado que é à pessoa, no seu interesse.

A discussão sobre o assunto do início da personalidade

do nascituro não pode girar em torno apenas do artigo 4º do Código Civil, e sim

na sua totalidade, que é a Lei maior, ou seja, a Constituição da República

Federativa do Brasil.

Para Silvio de Salvo Venosa181, o fato de o nascituro ter

proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade tal como

a concebe o ordenamento. O fato de ter ele capacidade para alguns atos não

significa que o ordenamento lhe atribua personalidade. Embora haja quem

179 NERY JÚNIOR, Nélson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2. ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003. p. 1790. 180 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. p. 144. 181 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Parte Geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.161/162.

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sufrague o contrário, trata-se de uma situação que somente se aproxima da

personalidade. Esta só advém do nascimento com vida. Trata-se de uma

expectativa de direito.

Esta aparente contradição do sistema jurídico é descrita

pela doutrinadora Maria Helena Diniz182, que encontrou uma solução bastante

interessante para o problema.

Poder-se-ia até mesmo afirmar que na vida intra-uterina tem o nascituro (...) personalidade jurídica formal, no que atinja aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos direitos da personalidade, visto ter carga genética diferenciada desde a concepção (...), passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais e obrigacionais, que se encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, §3°). Se nascer com vida adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer nenhum direito patrimonial terá.

Observa-se, contudo, que a vida e as garantias

fundamentais são tuteladas por normas constitucionais, que se olhadas em um

grau hierárquico no ordenamento jurídico comparando-se às normas ordinárias,

mas resta saber quando estas normas ordinárias ou constitucionais estão

fazendo referência à criança ou ao nascituro.

Em linhas gerais, o nascituro detém regime de proteção

em torno de si, a salvaguarda de direitos compatíveis com a sua posição

especial e a capacidade jurídica em determinadas situações.

Ressalta-se ainda, que independente da existência de

posicionamentos contrários, pode-se dizer que o nascituro tem a garantia da

inviolabilidade da vida desde que a concepção seja em decorrência de normas

ordinárias, ou seja, em decorrência das normas constitucionais.

Pois bem. A proteção do nascituro revela-se no Direito

Penal183, quando tipifica como crime o abortamento (arts. 124 a 126) -

observada a ausência de punibilidade nas hipóteses de aborto necessário ou

de gravidez resultante de estupro, entre outras, as guais passaremos a analisar

a posterior.

182 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 1, 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.180. 183 Decreto lei n. 2.848, de 7-12-1940. Título I. Dos crimes contra a pessoa. Parte especial. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2006.

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2.4 Aborto: sua delimitação conceitual e classificações

O Aborto sempre esteve presente na história do direito,

por ser uma pratica comum em todos os povos e épocas, e sua prática está

sendo cada vez mais aplicada, objetivando evitar o nascimento de filhos

indesejáveis.

O primeiro ponto a se tratar destina-se a uma pesquisa

histórica sobre o aborto para demonstrar que o assunto tem sido objeto de

muitas discussões ao longo da evolução da sociedade.

Na antiguidade entre gregos e romanos, o aborto ficava

impune, ante o fato de considerarem o feto como pars viscerum matris, ou seja,

parte integrante da mãe, que, então, podia livremente dispor de seu próprio

corpo, reputando-se, mais ou menos por volta do ano 200 d.c., o aborto feito

por mulher casada como uma ofensa ao marido, no seu direito à prole

esperada. Com isso a mulher solteira estava livre para abortar. 184

Segundo Nelson Fragoso Heleno Hungria, em Roma, a

Lei das XII Tábuas e as da República não tratavam a respeito do aborto e o

produto da concepção era considerado parte do corpo da gestante, de suas

vísceras. Por isso, diz Hungria, tornou-se a prática comum. 185 O feto podia

dispor do corpo da mulher como lhe aprouvesse. Com o tempo, entretanto, o

aborto passou a ser incriminado também em Roma, principalmente depois da

influência do cristianismo.

Atualmente não há uma unanimidade entre os povos

quanto à incriminação ou a legalização do aborto. Algumas sociedades

nacionais consideram o aborto lícito, enquanto que outras o tipificam,

entretanto justificam sua prática excepcionalmente.

184 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. rev. e atual. conforme a Lei n. 11.105/2005. São Paulo: Saraiva 2007. p. 33. 185 HUNGRIA, Nelson Heleno Fragoso. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Uberaba: Forense. 2004. p.270.

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No Brasil, o Código Imperial de 1930 tratava do aborto no capitulo dos crimes contra a segurança da pessoa e da vida, e seus dispositivos eram regidos assim186:

Art 199. Ocasionar aborto por qualquer meio empregado, interior ou exteriormente, com consentimento da mulher pejada.

Pena: prisão com trabalho de 1 a 5 anos.

Se o crime for cometido sem o consentimento da mulher pejada.

Penas: dobradas.

Art 200. Fornecer, com conhecimento de causa, drogas ou quaisquer meios para produzir o aborto, ainda que este não se verifique.

Pena: prisão com trabalho de 2 a 6 anos.

Se esse crime for cometido por médico, boticário ou cirurgião ou ainda praticantes de tais artes.

Penas: dobradas.

Como se observa, o Código Penal do Império mostrava-se falho, porquanto não punia os casos de morte da gestante nem cogitava do aborto necessário.

A punição do auto-aborto aparece pela primeira vez no

Código Penal de 1890. Ao contrário do anterior, encontrava-se a expressão

“aborto legal” e era previsto como legal o aborto para salvar a vida da gestante.

Somente nessa legislação houve a previsão especial para a prática de aborto

que ocasionasse a morte da gestante. O referido Código Penal estabelecia187:

Art 300. Provocar aborto haja ou não a expulsão do produto da concepção.

No primeiro caso: pena de prisão celular por 2 a 6 anos.

186 FRANÇA, General Veloso de. Medicina Legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p. 245. 187 FRANÇA, General Veloso de. Medicina Legal. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p.225.

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No segundo caso: pena de prisão celular por 6 meses a 1 ano.

§ 1º. Se em conseqüência do aborto, ou dos meios empregados para provocá-lo, seguir a morte da mulher.

Pena: prisão de 6 a 24 anos.

§ 2º. Se o aborto foi provocado por médico, parteira legalmente habilitada para o exercício da medicina.

Pena: a mesma procedente estabelecida e a proibição do exercício da profissão por tempo igual ao da reclusão.

Art 301. Provocar aborto com anuência e acordo da gestante:

Pena: prisão celular por 1 a 5 anos.

Parágrafo único. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregando para esse fim os meios; com redução da terça parte se o crime foi cometido para ocultar desonra própria.

Art 302. Se o médico ou parteira, praticando o aborto legal, para salvar da morte inevitável, ocasionam-lhe a morte por imperícia ou negligência.

Penas: prisão celular de 2 meses a 2 anos, e privado de exercício da profissão por igual tempo de condenação.

Analisando as referências anteriormente citadas, conclui-

se que o aborto, ao longo da história, foi uma prática proibida, embora a

fundamentação da proibição para cada época não tenha sido a mesma. O

Código Penal brasileiro em vigor desde 1940 considera o aborto como crime.

De outra banda, o termo aborto, é originário do latim

abortus, advindo de aboriri (morrer, perecer) é usado para designar a

interrupção da gravidez antes de seu tempo normal, seja ela espontânea ou

provocada, tenha havido ou não a expulsão do feto destruído188.

Abortamento é o ato de abortar. É o conjunto de meios e

manobras empregados com o fito de interromper a gravidez. 189

188 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. rev. e atual. conforme a Lei n. 11.105/2005. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 29. 189 CROCE, Delton e JUNIOR, Delton Croce. Manual de Medicina Legal. 5. ed. Saraiva, 2007. p. 523.

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Na visão de Léo Pessini e Christian de Paul de

Barchifontaine190aborto seria:

A expulsão ou extração de toda ou qualquer parte da placenta ou das membranas, sem um feto identificável, ou de um recém nascido vivo ou morto, que pese menos de quinhentas gramas. Na ausência do conhecimento do peso, uma estimativa da duração da gestação de menos de vinte semanas completas, contando desde o primeiro dia do último período menstrual normal, pode ser utilizada.

Nas clássicas lições de Hélio Cláudio Fragoso191 acerca

do tipo objetivo do crime de aborto tem-se:

O aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto. Pressupõe, portanto, a gravidez, isto é, o estado de gestação, que para os efeitos legais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina. (...). A ação incriminada consiste na interrupção da gravidez, destruindo-se o produto da concepção ou provocando-se a morte do feto, sem que se exija a sua expulsão.

No mesmo sentido, Ney Moura Teles define aborto como192:

Aborto é a interrupção da gravidez com a morte do ser humano em formação. A gravidez, que começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, é o processo de formação do ser humano que termina com o início do parto.

Divergem a Obstetrícia e a Medicina Legal na conceituação do aborto.

A Obstetrícia considera aborto a interrupção da gravidez,

espontânea ou propositada, desde o momento da fecundação do óvulo pelo

gameta masculino até a 21. ª semana de gestação, daí em diante trata-se de

parto prematuro. 193

190 PEESINE, Léo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. Loyola São Paulo, 2007. p.312 191 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Bushatsky, 1976. p 127-128. 192TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte especial: artigos 121 a 212, v. 2. São Paulo: Atlas, 2004. p. 1040. 193 CROCE, Delton e JUNIOR Delton Croce. Manual de Medicina Legal. 5. ed. Saraiva. 2007. p. 523.

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Já na Medicina Legal não importa o tempo gestacional

em que ocorre a interrupção da prenhez.

O aborto ainda é uma prática proibida no Brasil e está

previsto dentro do Código Penal nos crimes contra a pessoa, estando dentro da

subclasse dos crimes contra a vida, podendo ser classificado em quatro

modalidades que serão descritas a posterior.

As normas penais que incriminam o aborto estão contidas

nos artigos 124, 125, 126, 127 e 128 do Código Penal Brasileiro, possuem a

finalidade de proteger a vida humana intra-uterina.

Portanto, o crime tem que ser doloso, pois não existe

previsão de forma culposa de aborto no Código Penal. A ação tem que estar

guiada pelo animus necandi (vontade, intuito de matar), já que se trata de um

crime contra a vida.

2.4.1 Interrupção eugênica da gestação

A eugenia, como ideologia moderna, teve seu início logo

após a publicação da obra Origem das Espécies de Charles Darwin em 1859,

quando alguns pensadores acreditaram que a seleção também podia ocorrer

socialmente. Surgia o “darwinismo social”, contra o assentimento do próprio

Darwin. “Esse conceito, de que na luta pela sobrevivência muitos seres

humanos eram não só menos valiosos, mas destinados a desaparecer,

culminou em uma nova ideologia de melhoria da raça humana por meio da

ciência” 194.

O aborto eugênico visa a intervenção em fetos

defeituosos ou com possibilidades de os serem, não esta isento de pena pelo

Código Penal.

194 GUERRA, Andréa Trevas Maciel. Do Holocausto nazista à nova eugenia no século XXI. In: <http://comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=8&id=44> acesso em 20.06.2009.

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A expressão aborto eugênico suscita muitas

controvérsias como assevera Hyginio de Carvalho Hercules195 que reza:

(...) assim alguns associam às praticas abortivas feitas contra a vontade da gestante, como forma de aprimoramento da raça humana, pelos nazistas do III Reich. Eram obrigadas a abortar as judias, as polacas e outras mulheres da raça não ariana.

De acordo com o mesmo autor, os comentaristas do

Código Penal têm aplicado a expressão àqueles casos de aborto em que o

motivo para a interrupção da gravidez é a presença de graves malformações

fetais.

Esta expressão não mais é usada porque lembra a

ideologia nazista, com a qual ninguém quer ter semelhança, e pelo fato desse

tipo de indicação para o aborto acaba sendo indicação para o aborto

terapêutico. 196

São os casos de aborto ocorridos em nome de práticas

eugênicas, isto é, situações em que se interrompem a gestação por valores

racista, sexistas, étnicos, etc. Comumente, sugere-se o praticado pela medicina

nazista como exemplo de Interrupção eugênica da gestação (IEG) quando

mulheres foram obrigadas a abortar por serem judias, ciganas ou negras.

Regra Geral a IEG processa-se contra a vontade da gestante, sendo esta

obrigada a abortar. 197

Essencial trazer o comento de Elio Sgreccia198sobre o

tema:

(...) recorre-se ao aborto, muitas vezes também como autorização legal, para impedir o nascimento de indivíduos malformados, ou portadores de deficiência, com a finalidade de impedir, diz-se, que esses indivíduos entrem numa vida não humana, mas, sobretudo, para evitar a carga de sacrifício às famílias e a sociedade.

195 HERCULES, Hyginio. Medicina Legal. Atheneu. São Paulo, 2005, p.586. 196 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 376. 197 COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira , OSELKA, Gabriel e GARRAFA, Volnei.Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética .Brasília, 1998, p.126 198 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 376.

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A ideologia nazista previa que para o racismo a finalidade

era purificação da raça, para a cultura atual é uma motivação de caráter

socioeconômico e até hedonista.

Genival Veloso de França199 versa que todos querem

filhos perfeitos e saudáveis, todavia isso, não autoriza a retirar de seres

deficientes o direito à vida.

Eugenia, segundo Antônio Houaiss200, é a Ciência que se

ocupa do aperfeiçoamento físico e mental da raça humana.

André Comte-Sponville 201 assim define a eugenia:

É o desejo de querer melhorar a espécie humana, não pela educação dos indivíduos, mas pela seleção ou pela manipulação dos genes – transformando o patrimônio hereditário da humanidade, em vez de desenvolver seu patrimônio cultural. A idéia, hoje desqualificada pelo uso que dela fizeram os nazistas, podia parecer bonita. Agir sobre os genes? Afinal, faz-se com diversas espécies animais ou com certos seres humanos (as terapias genéticas). Por que não melhorar a própria humanidade? A resposta, difícil de argumentar no detalhe, me parece caber, no essencial, numa frase, que não tem nada a ver com a biologia: porque todos os seres humanos são iguais em direitos e em dignidade. Isso, que vale especialmente para o direito de viver e de fazer filhos, torna inaceitável a idéia de uma triagem no seio da humanidade: porque é atentatória à igual dignidade de todos. Temos o direito de fazer ou não fazer filhos, mas não de escolher os filhos que fazemos. Objetarão que, no entanto, essa opção existe nos casos dos abortos terapêuticos202... Sem dúvida. Mas para combater um sofrimento, não para fabricar um super-homem. Para poupar um indivíduo, não para melhorar a espécie. Por compaixão, não por eugenia. Isso indica mais ou menos a via, que requer tanto mais vigilância por ser estreita e tortuosa. Destarte, aborto eugênico é a interrupção da

gravidez causando morte do feto, para evitar que a criança nasça com

graves defeitos genéticos.

199 FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 6.ed. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2001, p. 246. 200 HOUAISS, Antônio. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Delta. p. 642. 201 COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 224. 202 Aqui, o autor, se refere ao aborto profilático ou seletivo, e não ao aborto terapêutico ou humanitário.

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2.4.2 Interrupção seletiva da gestação

Inúmeros países, mesmo os de legislação restritiva

ao aborto, reconhecem a possibilidade de interrupção da gestação quando da

ocorrência de anomalias fetais, especialmente as consideradas incompatíveis

com a vida extra-uterina.

Hyginio de Carvalho Hercules203 dispõe sobre o assunto:

Que a expressão aborto seletivo tem sido usados por alguns autores para se referirem ora aos casos de absoluta inviabilidade fetal, comprovada por exames complementares durante o acompanhamento pré-natal, ora as situações em que se interrompe a gestação pela constatação de lesões fetais, em geral incompatíveis com a vida extra uterina.

O autor aduz ainda que:

Na literatura internacional, há referência ao aborto seletivo pelo sexo em países de legislação muito liberal. Feita uma ultra sonografia e constatada a presença de feto de sexo contrário ao esperado, a gravidez seria interrompida. Mas foi proibida por leis recentes na China e na Índia.

São os casos de aborto ocorridos em nome de anomalias

fetais, isto é, situações em que se interrompe a gestação pela constatação de

lesões fetais. Em geral, os casos que justificam as solicitações de ISG são de

patologias incompatíveis com a vida extra-uterina, sendo o exemplo clássico o

da anencefalia. 204

Maria Helena Diniz indaga sobre a interrupção seletiva da

gestação se fosse detectada afecção grave e incurável no feto por meio de

biologia molecular, ultra sonografia entre outros métodos antecipadamente e se

com uma boa qualidade de vida dos pais teriam eles direito de optar por essa

interrupção?

203 HERCULES, Hyginio. Medicina Legal. Atheneu. São Paulo, 2005. p. 586. 204

COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira , OSELKA, Gabriel e GARRAFA, Volnei.Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética .Brasília 1998. p.126

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A mesma autora responde que há quem entenda que a

malformação grave e incurável deve ser eliminada a qualquer preço, porque a

sociedade tem o direito de ser constituída por pessoas sadias e capazes.205

Interrupção terapêutica da gestação São os casos de

aborto ocorridos em nome da saúde materna, isto é, situações em que se

interrompe a gestação para salvar a vida da gestante. Hoje em dia, em face do

avanço cientifico e tecnológico ocorrido na medicina, os casos de ITG são cada

vez em menor número, sendo raras as situações terapêuticas que exigem tal

procedimento. 206

Em geral, a Interrupção seletiva da Gravidez (ISG) é

também denominado por interrupção terapêutica da gestação (ITG), sendo esta

a justaposição de termos mais comuns.

Denomina-se interrupção terapêutica da gestação (ITG)

os casos em que o aborto ocorre em nome da saúde materna, isto é, situações

em que se interrompe a gestação para salvar a vida da gestante.

O termo "seletivo" remete diretamente à prática a que se

refere aquele feto que, devido à malformação fetal, faz com que a gestante não

deseje o prosseguimento da gestação. Tratar aborto seletivo como eugênico é

nitidamente confundir as práticas.

Por fim, a interrupção terapêutica, encontra amparo no

estado de necessidade, quando para salvar a mãe, cujo valor é mais relevante,

sacrifica-se a vida do filho. É uma forma de proteger um bem maior,

consagrado pela fundamental importância sobre outras vidas. A solução jurídica

encontrada no conflito desses dois bens é o sacrifício do bem menor.

2.4.3 Aborto criminoso e suas espécies

A formação de um novo ser humano, produto de união

entre homem e mulher, nem sempre desperta reações de alegria. Tal aversão

ao novo ser, quando levado às últimas conseqüências, culmina com a ocisão

do concepto, ou seja, aborto criminoso.

205 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5. ed. rev. e atual. conforme a Lei n. 11.105/2005. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 45. 206 COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira , OSELKA, Gabriel e GARRAFA, Volnei.Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética .Brasília, 1998, p.126.

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O aborto natural é aquele em que o próprio organismo da

gestante, pelas mais diversas causas, não permite a conclusão do processo

gravídico207. Ou seja, é a interrupção da gravidez de maneira espontânea,

portanto, não há crime.

Já o acidental ocorre em razão de algo externo, por

exemplo, uma situação de extremo estresse, a ingestão de uma substância

inadequada e que seu poder destrutivo era desconhecido, enfim, qualquer ação

externa não provocada pela vontade da gestante de ocasionar o aborto.208

Aborto criminoso é a interrupção ilícita da vida endo-

uterina, normal e não patológica, em qualquer fase de sua evolução gestatória

até o momento antes do início do trabalho de parto, sendo irrelevante que a

morte do produto da concepção ocorra dentro ou fora das entranhas maternas,

desde que nascido vivo, sucumba logo após, por inaptidão para a vida extra-

uterina. 209

É a visão Maria Helena Diniz210 sobre aborto criminoso:

O aborto criminoso constitui um delito contra à vida, consistente na intencional interrupção da gestação, proibida legalmente, pouco importando o período da evolução fetal em que se efetive (RJTJSP, 35:237) e a pessoa que o pratica, desde que haja morte do produto da concepção, seguida ou não de sua expulsão do ventre materno.

No mesmo entendimento, Hélio Gomes211, no âmbito da

Medicina legal, define o aborto criminoso como sendo:

A interrupção ilícita da prenhez, com a morte do produto, haja ou não expulsão, qualquer que seja o estado evolutivo, desde a concepção até momentos antes do parto.

A criminalização do aborto figura no capítulo dos crimes

contra a vida do Código Penal Brasileiro.

207 KNUPPEL, Robert A.; DRUKKER, Joan E. e colaboradores. Alto Risco em Obstetrícia: um enfoque multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas. 1996. p.154. 208 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 9ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 614. 209 CROCE, Delton e JUNIOR Delton Croce. Manual de Medicina Legal. 5. ed. Saraiva. 2007. p.526. 210 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2007. p. 35. 211GOMES, Hélio. Medicina Legal. 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 348.

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71

A Lei Penal212 brasileira contempla na parte

especial, nos artigos 124, 125, 126 as seguintes formas de abortamento

criminoso:

a) aborto provocado pela gestante (auto-aborto) ou

quando ela se deixa fazer abortar por terceiro (art. 124 do CP);

b) aborto provocado por terceiro sem o

consentimento da gestante, à sua revelia (art.125 do CP);

c) aborto consentido provocado por terceiro (art.126

do CP);

2.4.4 Auto-aborto e Aborto consentido

O artigo 124 do Código Penal213 prevê duas hipóteses,

sendo a primeira chamada de auto-aborto pela doutrina. Aqui, a gestante

provoca em si mesma o aborto, sendo que se auxiliada por um terceiro, este

será co-autor do crime, como reza o art. 29 do CP214.

Neste caso o sujeito ativo é a gestante, enquanto o

passivo é o feto ou embrião. Secundariamente, é a sociedade, que tem

interesse em proteger a vida do ser em formação no útero materno.

Art 124 Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem provoque:

Pena: detenção, de 1 a 3 anos

Consubstancia-se o verbo provocar, isto é, dar causa ao

aborto. Deve a ação física ser realizada antes do parto, portanto, deve incidir

sobre o ovo, embrião ou feto. Do contrário, o crime será de homicídio ou

infanticídio215.

212

Decreto lei n. 2.848, de 7-12-1940. Título I. Dos crimes contra a pessoa. Parte especial. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2006. 213 BRASIL, Código Penal - Decreto - lei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940. 44 ed. São Paulo: Saraiva. 2006. 214 Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 215 CAPEZ, Fernando e PRADO, Estela. Código Penal Comentado. Local:Verbo jurídico. 2007. p. 230.

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Tanto a gestante que interrompe a própria gravidez (auto

aborto) como a que procura alguém que lho faça e se submete à intervenção

são apenadas de modo semelhante (art. 124 CP). Entretanto, o agente sofre

pena mais grave do que ela, porque pratica o crime de aborto consensual (art.

126 do CP).216

É oportuno enfatizar que a gestante e o agente por ela

contratado, embora participem da mesma ação, cometem crimes distintos. Por

isso, não se há de falar aqui em co-autoria.

Outrossim se alguém participa por pagar as despesas,

emprestar a condução para levar a gestante à casa de saúde ou auxiliar de

outro modo secundário, facilitando mais não agindo na execução do crime, será

punido de modo mais brando do que a mulher ( art. 29 do CP).

Em suma, trata-se de crime próprio porque somente a

gestante pode cometer, ele é instantâneo cuja consumação não se prolonga no

tempo; comissivo ou omissivo que é o ato de provocar; é material, porque exige

resultado naturalístico para sua configuração; e tem que existir o dano que é a

efetiva lesão ao bem jurídico protegido, no caso a vida do feto ou embrião.

2.4.5 Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante

Aqui o aborto é dissentido, pois neste caso, o sujeito ativo

pode ser qualquer pessoa, embora o sujeito passivo não seja somente o feto

ou embrião, mas também a gestante, pois a agressão foi dirigida contra a sua

pessoa, sem seu consentimento.

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos

No aborto provocado por terceiro, além do direito à vida

do produto da concepção, também é protegido o direito à vida e a incolumidade

física e psíquica da própria gestante.217

216 HERCULES, Hyginio. Medicina Legal. Atheneu: São Paulo, 2005. p. 584. 217 CAPEZ, Fernando e PRADO, Estela. Código Penal Comentado. Local: Verbo jurídico. 2007. p. 230.

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O objeto jurídico em questão é a vida do feto ou embrião

e a integridade física da gestante. Os objetos materiais são igualmente o feto

ou embrião e a gestante, que sofreram a conduta criminosa.

Além do mais, entende o legislador que o dissentimento

da mulher grávida pode ser real ou presumido como decorrência natural do

enfoque dada pela lei penal no art. 224 do CP (violência presumida). Assim,

quando o agente extrair sem o consentimento da gestante mediante violência,

grave ameaça ou fraude (dissentimento real) ou quando a gestante e vítima

não for maior de 14 anos, ou alienada ou débil mental (dissentimento

presumido), o abortamento encaixa-se no tipo do art. 125 218.

2.4.6 Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante

O legislador, para punir mais severamente quem provoca

a interrupção de gravidez, criou o art. 126. Aqui, o terceiro pode ser qualquer

pessoa, e o sujeito passivo é o produto da concepção.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Conforme Fernando Capez219 o artigo acima, trata da

exceção à teoria monística do concurso de pessoas. Admite-se o concurso de

pessoas. O consentimento da gestante deve durar todo o procedimento do

aborto, do contrário haverá a configuração do art. 125 do CP, explicado a

anterior.

Guilherme de Souza Nucci220 assevera a respeito

desse artigo que:

218 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 616. 219 CAPEZ, Fernando e PRADO, Estela. Código Penal Comentado. Verbo jurídico. 2007. p.233. 220 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 9ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 616.

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Se existisse somente a figura do art. 124, o terceiro que colaborasse com a gestante para a prática do aborto incidiria naquele tipo penal. Entretanto o legislador, para punir mais severamente o terceiro que provoca o aborto, crio o art. 126, aplicando a teoria dualista do concurso de pessoas.

Em assim sendo, trata-se de uma exceção à teoria acima

mencionada, que aduz que todos os co-autores e partícipes respondem pelo

mesmo crime quando contribuírem para o mesmo resultado típico.

2.4.7 Forma Qualifica de Aborto

A forma qualificada do aborto ocorre quando houver

somente culpa. Caso ocorra dolo do agente, direto ou eventual, com a lesão ou

a morte, haverá concurso de crimes. Trata-se de modalidade de preterdolo

(dolo no aborto mais homicídio ou lesões graves). Isto significa que houve dolo

(eventual) em relação ao resultado, o agente responderá pelo concurso de

crimes.

Art.19 Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que houver causado ao menos culposamente.

Hygino de Carvalho Hercules221 descreve aborto

qualificado com sendo:

Quando o agente provoca o aborto e, além da interrupção da gravidez, sobrevém à mulher lesões corporais de natureza grave, tal como definidas nos parágrafos primeiros e segundo do artigo. 129 do CP, ou a gestante vem a falecerem conseqüência do aborto ou do meio utilizado para consumá-lo, está caracterizado o aborto qualificado.

A forma qualificada do crime de aborto apresenta quatro

figuras típicas provocado por terceiros qualificado pelo resultado, se em

conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, resultar

em222:

221 HERCULES, Hyginio. Medicina Legal. São Paulo: Atheneu. 2005, p. 584. 222 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte especial: artigos 121 a 212. v. 2. São Paulo: Atlas, 2004. p. 548.

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75

a) lesão corporal de natureza grave na gestante, no

aborto consentido, a pena será reclusão de um ano e

quatro meses;

b) morte da gestante, no aborto consentido, a pena será

reclusão do dois a oito anos;

c) lesão corporal grave na gestante, no aborto

dissentido, a pena será reclusão de quatro a treze

anos e quatro meses;

d) morte da gestante, no aborto dissentido, a pena será

de seis a vinte anos.

Deste modo, todas essas formas típicas qualificadas pelo

resultado são modalidades de crime preterdoloso, nos quais o agente age com

dolo de provocar o aborto, mas, por negligência, imprudência ou imperícia,

acaba produzindo resultado mais grave.

No art. 127, embora chamado pela doutrina de aborto

qualificado, há previsão de verdadeira causa especial de aumento, quando

provocado por terceiro o aborto, as penas cominadas são aumentadas de um

terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-

lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por

qualquer dessas causas, lhe sobrevém à morte.

Art 127 As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

De fato, na forma qualificada, a lei estabelece uma pena

mínima e uma pena máxima, ao passo que na causa especial de aumento, a lei

se limita a estabelecer um quantum de aumento. Aqui, o resultado “lesão

corporal de natureza grave ou a morte” não pode ter sido desejado nem

cogitado pelo agente, vez que o delito é preterdoloso, ou seja, pune-se a

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conduta antecedente (o aborto) a título de dolo, e o resultado a título de

culpa223.

A forma qualificada do aborto ocorre quando houver

somente culpa. Caso ocorra dolo do agente, direto ou eventual, com a lesão ou

a morte, haverá concurso de crimes. Trata-se de modalidade de preterdolo

(dolo no aborto mais homicídio ou lesões graves). Isto significa que houve dolo

(eventual) em relação ao resultado, o agente responderá pelo concurso de

crimes.

2.4.7 Aborto legal

Pela lei atual, o aborto é permitido em dois casos: quando

a gravidez resulta de estupro ou para salvar a vida da gestante.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Entretanto, o artigo 128 do Código Penal, que trata das

excludentes de ilicitude ou da exclusão da pena, mantém o denominado aborto

necessário e estende o aborto sentimental não só para os casos de gravidez

resultante de estupro, mas também para qualquer violação contra a liberdade

sexual da mulher, por exemplo, o atentado violento ao pudor e o emprego não

consentido de técnica de reprodução assistida.

Por conseguinte, é notório que nenhum direito é absoluto,

nem mesmo o direito à vida. Por isso, é perfeitamente admissível o aborto em

circunstâncias excepcionais, para preservar a vida digna da gestante.

O direito à vida é um direito fundamental resguardado

pela Constituição da República Federativa do Brasil. Assim sendo, tanto a

223 HABIB, Sergio. O delito de abortamento. In: Revista Jurídica CONSULEX Ano VIII - Nº 174 - 15 de abril de 2004.

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77

Constituição quanto às leis ordinárias que garantem a inviolabilidade da vida do

nascituro devem ser itens de abordagens quando se trata do aborto.

Nesse sentido, passamos a analisar no próximo capítulo,

o que vem a ser anencefalia, aborto e o direito em nosso ordenamento jurídico,

trazendo à tona doutrina e jurisprudências atuais, para melhor compreensão do

tema até agora abordado.

CAPÍTULO 3

ANENCEFALIA, ABORTO E DIREITO

3.1 DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA

De imediato, insta estabelecer uma diferença entre as

más-formações que se dividem em dois grupos224: estruturais e funcionais. As

primeiras significam a falta ou mau funcionamento de uma estrutura no

organismo do feto, como é o caso da anencefalia. Já as funcionais são os

vários tipos de retardamento mental.

Etimologicamente, anencefalia significa “sem encéfalo”225,

sendo encéfalo o conjunto de órgãos do sistema nervoso central contidos na

224BELO, Warley Rodrigues. Aborto: Considerações Jurídicas e Aspectos Correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 225 Disponível em:<www.anencephalie-info.org/p/perguntas.htm#per1>. Acessado em:17 de ago. 2009.

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caixa craniana e que começa a se desenvolver bem no início da vida intra-

uterina.

O termo anencefalia vem sendo empregado erroneamente

na maioria dos casos onde se verifica a ausência do encéfalo, sendo ela parcial

ou total. Porém, geralmente os bebês acometidos por essa malformação

possuem boa parte do encéfalo e, dessa forma, deveriam ser chamados de

meroencefálicos, que é a ausência parcial do encéfalo.

Na visão de Maria Helena Diniz226 as causas de

anencefalia, podem ser causadas por uma mutação genética, em que o gene

não se comporta de forma correta. Mas há ainda outros fatores, como a falta de

ácido fólico (uma vitamina do complexo B) no organismo. (...) a anencefalia é

diagnosticada entre o 3º e o 4º mês de gravidez.

Ressalta-se o pensamento de Leo Pessini e Christian de

Paul de Barchifontaine227 sobre o tema:

Esta malformação fetal consiste na ausência ou grave atrofia do cérebro, órgão que integra normalmente o ser humano em devir, anomalia que impede o desenvolvimento vital e normal do concepto. Muitas vezes o anencéfalo morre antes do parto ou logo depois. (...) Na quarta semana da vida embrionária, o tubo neural não consegue seu devido fechamento e ocasiona uma falta, total ou parcial, da constituição do encéfalo. A perturbação geralmente de origem genética, provém habitualmente da mãe. (...) a anencefalia é a ausência de cérebro que causa a morte do feto de poucas horas após o nascer. O diagnostico pode ser descoberto ou confirmado por ultra-sonografia ou outro tratamento de imagem intracorporal.

Segundo os doutrinadores Stanley Robbins228 e Ramzi

Cotran, a anencefalia é “uma malformação da extremidade anterior do tubo

neural, com ausência do cérebro e do calvário”.

226 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2007. p. 52-53. 227 PEESINE, Léo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. Loyola. São Paulo. 2007. p. 328. 228 KUMAR, Vinay.; ABBAS, Abel K.; FAUSTO, Nelson.; ROBBINS, Stanley L.; COTRAN, Ramzi S.; Patologia. Bases Patológicas das Doenças. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005. p. 1418.

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Já José Aristodemo Pinotti229 define a anencefalia como “o

resultado de falha de fechamento do tubo neural, decorrente da interação entre

fatores genéticos e ambientais durante o primeiro mês de gestação”.

Assegura a doutrina médica que:

Crianças com defeitos cranianos e encefálicos tão graves não podem sobreviver, pois estes são defeitos que não podem ser tratados com sucesso, já que a magnitude dos déficits neurológicos depende do grau de dano ao tecido encefálico que, no caso, é alto. 230

Assim, percebe-se que, no caso do anencéfalo, o tubo

neural não se fecha completamente. O processo de fechamento do tubo neural

se dá de forma incompleta e o indivíduo passa a ser portador do defeito da

anencefalia.

Essa má-formação pode ocorrer em um a cinco para

cada 1.000 (mil) nascidos vivos, sendo mais comum no sexo feminino e com

maior freqüência na gravidez de mulheres com mais de 35 anos de idade.

Pensa-se que se desenvolva aproximadamente entre o 20º e 28º dia após a

concepção231.

Entretanto, ressalta-se que a ocorrência da anencefalia

não pode ser ligada a uma causa específica: é um defeito multifatorial.

Especialistas a relacionam, principalmente, às deficiências de vitaminas do

complexo B, especialmente o ácido fólico. Tanto que prescrevem a ingestão,

através de alimentos e suplementos vitamínicos, desta substância nos três

meses anteriores ao início da gestação e nos três meses posteriores à

concepção. Igualmente, no Brasil, foi determinado o enriquecimento da farinha

229 PINOTTI, José Aristodemo. Opinião. Posição da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Disponível em: <http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm>. Acesso em: 24 jul. 2009. 230 SADLER, T.W. Langman embriologia médica. 9. ed. Tradução de: FernandoDiniz Mundim. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2005. p. 117. 231 KUMAR, Vinay.; ABBAS, Abel K.; FAUSTO, Nelson.; ROBBINS Stanley L.; COTRAN, Ramzi

S. Patologia. Bases Patológicas das Doenças. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 1418.

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com o ácido fólico, a fim de prevenir o aparecimento de defeitos do tubo neural. 232

Atualmente, com o desenvolvimento da Genética

Humana e da Medicina Fetal, há maneiras mais eficazes de diagnosticar a

anencefalia, sendo inexistentes as chances de um diagnóstico incorrer em erro.

O diagnóstico233 da anencefalia pode ser feito entre a 12ª

e 18ª semanas de gestação, através de exame ultra-sonográfico, quando já é

possível a visualização do segmento cefálico fetal. Na maioria das vezes, os

ecografistas preferem repetir o exame em uma ou duas semanas para a

confirmação diagnóstica.

Outros tantos exames possibilitam o conhecimento prévio

de graves más-formações congênitas no nascituro e a ciência médica pode

detectar, ainda intra-útero, os mais variados problemas que possa apresentar o

feto e as suas repercussões no ser após o nascimento.

São descritas algumas porcentagens de anencefalia no

Brasil: em 75% dos casos de anencefalia, há aborto natural nos primeiros

meses de gestação. De cada 10.000 (dez mil) nascimentos, 8.6% apresentam

tal anomalia, sendo que de 40 a 60% dos anencefálicos sobrevivem logo após

o parto, apenas 8% sobrevivem mais de uma semana e 1% vive entre 1 e 3

meses234. Sabe-se de um único caso de sobrevivência até 14 meses e dois

casos de sobrevivência de 7 a 10 meses, sem recorrer à respiração mecânica.

Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde235

(OMS), o Brasil não esta sozinho na resistência ao aborto legal em caso de

anencefalia é o quarto país do mundo em partos de anencefálicos, estando

atrás do México, Chile e Paraguai236. No Hospital das Clínicas em São Paulo,

232 SANTOS, Marília Andrade dos. A Aquisição de Direitos pela Anecéfalo e a Morte Encefálica. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8007/>. Acesso em: 26 jul. 2009. 233 ANDALAFT Neto. Anencefalia: posição da Febrasgo. Disponível em: <www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm>. Acesso em: 30 jul. 2009. 234 OLIVEIRA, A. A. S. Anencefalia e transplante órgãos. Revista Brasileira de Bioética. Brasília. vol. 1, n 1, 2005. p. 63. 235 Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O levantamento foi feito com 52 registros de 41 países, em 5 continentes. Os dados estudados se referem ao número de nascidos vivos ou mortos. 236 Disponível em www.comciencia.br/reportagens/2005/05/05.shtml Acessado em: 19 ago.

de 2009.

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um verdadeiro destaque no cenário clínico-hospitalar, todo mês ocorrem 2

(dois) ou 3 (três) casos de fetos com essa patologia237.

O diagnóstico dessa mal-formação gera um profundo

sentimento moral nas famílias envolvidas e também para os profissionais da

saúde, que muitas vezes ficam hesitantes e perdidos, sem saber o que fazer.

Débora Diniz238 discorrendo sobre o assunto preleciona:

O diagnóstico de má-formação fetal, principalmente as incompatíveis com a vida extra-uterina, não compõe o rol de expectativas das mulheres grávidas. O diagnóstico de má-formação fetal é, sem sombra de dúvida, uma das experiências mais angustiantes que uma mulher grávida pode experimentar.

Maria Helena Diniz239 defende a vida mesmo em casos

de anencefalia.

Senão Vejamos:

Para que interromper gravidez de anencéfalo ou de qualquer feto portador de moléstia grave incurável? Ninguém é tão desprezível, inútil ou insignificante que mereça ter sua morte decretada, por meio de interrupção da gestação, uma vez que a natureza é sábia e se encarregará de seu destino se não tiver condições de vida extra-uterina. (...) Importante trazer o comento do doutrinador Guilherme de

Souza Nucci240 sobre esse assunto. Vejamos:

(...) Abalos psicológicos não podem ser causa para a interrupção da gestação, mesmo porque a medicina evolui a passos largos dia após dia, o que significa que a perspectiva de vida e de cura pode alterar-se a qualquer instante. (...)

Em assim sendo, o tratamento médico seria o primeiro

problema enfrentado após o nascimento com vida do feto, pode-se dizer que os

problemas se configuram bem mais vastos e controvertidos.

3.2 Aborto em caso de anencefalia: uma lacuna na lei

237 GOMES, Luiz Flavio. Nem Todo Aborto é Criminoso. Revista Síntese do Direito Penal e Processo Penal. Porto Alegre. v. 5, n. 28, out./nov. 2004. p. 33-34. 238 DINIZ, Débora. RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2004. p..53. 239 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2007. p. 52-53. 240 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9. ed. Ver.. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p.619

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Conforme foi visto no segundo capítulo dessa pesquisa, a

lei apenas admite a prática do aborto em dois casos com as excludentes

punitivas: a primeira é a terapêutica (aborto necessário); a segunda, é no caso

de gravidez resultante de estupro, com firme motivação humanitária. Deve-se

observar que o Código Penal, quando promulgado em 1940, o legislador não

via a necessidade de tipificar tal fato, pois a anencefalia era algo desconhecido

na época.

Cezar Roberto Bitencourt241refere justamente que “o

Código Penal de 1940 foi publicado segundo a cultura, costumes e hábitos

dominantes na década de 30”. Não sendo mais aceitáveis os critérios sociais

ou científicos da época como parâmetro para os dias atuais, continua

Bitencourt: “já se passaram sessenta anos, e, desse lapso, não foram apenas

os valores da sociedade que se modificaram, mas principalmente os avanços

científicos e tecnológicos, que produziram verdadeira revolução da ciência

médica”.

É necessário lembrar que o Direito penal, nas palavras de

Basileu Garcia242:

“É um conjunto de normas que o Estado estabelece para combater o crime, através das penas e medidas de segurança. É, portanto, um instrumento de controle social. Esse conjunto de normas que o Estado estabelece tem obviamente, uma finalidade, que é a tarefa do Direito Penal, e que consiste na proteção dos bens jurídicos e a salvaguarda da paz jurídica”.

Nesse sentido, Silva Sánchez243 refere que a exigência de

que o Direito penal intervenha exclusivamente para proteger bens jurídicos

(penais) constitui uma garantia fundamental do Direito penal moderno.

Não é sem razão, portanto, que Raul Eugênio Zaffaroni244

enfatiza que:

241 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, Parte Especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2001. p.156. 242 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Max Limonad, 1980. p.8. 243 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Aproximação do Direito Penal Contemporâneo. Barceloa:

José Maria Bosch Editor, 1992. p. 267.

244 ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Manual de Direito Penal. 6 ed. Buenos Aires: Ediar, 1991. p.

382-383.

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O tipo penal não nasce ao acaso. Ele é, antes, produto de uma reflexão social, de uma construção fórmula de proteção do bem, e deságua no tipo legal, que nada mais é do que a descrição da conduta violadora da norma e que atinge ou expõe o bem tutelado a perigo lógico que parte da visão do bem a ser tutelado, passa pela norma.

O panorama de intenso debate e o ponto de vista,

amplamente coberto pela mídia torna a questão penal apenas um detalhe,

submersa em meio a um emaranhado de argumentos de outras ordens

perturbando uma apreciação técnica e adequada da matéria.

Esta vida, expressada como atividade cerebral, vida

humana, portanto, é o bem jurídico mais importante de que se encarrega o

Estado de proteger. Todo o ordenamento jurídico, e como parte dele, o jurídico-

penal, deve seguir o sentido da primazia da proteção do bem jurídico vida.

Importante trazer a lição de Guilherme de Souza Nucci245

a respeito dessa lacuna deixada pela lei:

Ora, se o direito protege, como é doutrina e jurisprudência predominantes, qualquer tipo de pessoa, mesmo a monstruosa (deformada ou de conformação anômala), não se compreende a razão pela qual, em alguns casos leve-se em conta a possibilidade de a gestante optar pela morte do feto ou embrião, encaixado na mesma situação.

O mesmo autor ainda preleciona que:

“É suficiente a vida; não importa o grau da capacidade de viver. Igualmente não importam, para a existência do homicídio, o sexo, a raça, a nacionalidade, a casta, a condição ou valor social da vítima. (...) E diga-se mais: a eventual curta expectativa de vida do futuro recém nascido também não deve servir de justificativa para o aborto, uma vez que não se aceita no Brasil, a eutanásia, vale dizer, quem esta desenganado não pode ser morto por terceiros, que terminarão praticando homicídio. (...)

Contudo, os Códigos penais de edição mais moderna,

como o espanhol, de 1995, já prevêem uma clara ampliação das hipóteses

de exclusão da antijuridicidade no aborto para incluir hipóteses inclusive

245 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9. ed. Ver.. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p .620.

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mais amplas que a anencefalia246, mantendo sempre, a permissividade para

a expulsão do feto gerado em situação de estupro.

O caso de anencefalia no Brasil foi levado à apreciação

do Supremo Tribunal Federal e gira em torno de uma terceira exceção

possível denominada, erroneamente, de aborto eugênico, ou seja,

configurada a mal-formação fetal, como é o caso do feto anencefálico,

justificar-se-ia o abortamento e a exclusão de punibilidade da mãe ou de

terceiros, lembrando que o aborto de feto anencefálico não se enquadra nos

tipos penais desse crime (observados nos artigos 124 a 127 do Código

Penal).

Denota-se que o Supremo Tribunal Federal possui a

função de “guardião” da Constituição, assim, o instituto máximo do poder

judiciário sempre contempla matérias que geram controvérsia nos tribunais

inferiores, como o caso em apreço.

Sabe-se assim que o assunto já vem sendo debatido

desde 1997, quando o então Ministro da Justiça, Íris Resende, estabeleceu

uma comissão para atualização da Parte Especial do Código Penal, a

audiência foi presidida pelo Ministro do Supremo Tribunal de Justiça Luiz

Vicente Cernicchiario (hoje aposentado), sendo o resultado entregue ao então

Ministro Renan Calheiros, no referente à exclusão de ilicitude na hipótese do

aborto eugênico, aqui também denominado erroneamente, nos seguintes

termos: “Exclusão de ilicitude - prevista no art. 128, III: Não se pune o aborto

praticado por médico: se há fundada possibilidade, atestada por dois médicos,

de o nascituro apresentar graves e irreparáveis anomalias que o tornem

inviável”. 247

246 BRASIL, Código Penal Brasileiro - Decreto - lei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940. 44

ed. São Paulo: Saraiva. 2006. O artigo 417 do Código Penal espanhol prevê o aborto

eugenésico o embriopático: “Que se presuma que o feto deverá nascer com graves taras

físicas ou psíquicas, sempre que o aborto se pratique dentro das vinte e duas primeiras semanas de gestação e que o parecer, expresso com anterioridade à prática do aborto, seja

emitido por dois especialistas de centro o estabelecimento sanitário, público ou privado,

cadastrado a estes efeitos, e distintos daquele sob cuja direção se pratique o aborto”.

247 COUTINHO, Augusto Luiz. Anencefalia: Novos Rumos para a Ciência Jurídica. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre. V.5. nº29 dez/ jan. 2004.

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Importante destacar que algumas mulheres que praticam

esse tipo de aborto, o fazem com um sentimento de culpa e carregadas de

dor que vão levar para o resto de suas vidas, uma vez que a depressão, a

agressão e os problemas psicológicos posteriores ao aborto são os

resultados sofridos pelas mulheres que abortam248.

Logo, mesmo quando a mulher decide pela interrupção

da gravidez, é obrigada a levá-la a termo, considera-se essa atitude uma

ofensa a sua dignidade, sendo conseqüentemente abalada sua saúde

psíquica e assim sua qualidade de vida249, uma recente pesquisa revelou

que no caso da anencefalia a interrupção voluntária da gravidez acontece

em cerca de 80% dos casos.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

no dia 16 de agosto de 2004, deliberou, por maioria de votos, que a interrupção

da gravidez de feto anencefálico não é considerada prática abortiva. A matéria

foi examinada pelos 81 advogados que compõem o Conselho, na sede da

Ordem dos Advogados do Brasil após a decisão do ministro do Supremo

Tribunal Federal, Marco Aurélio250, que concedeu uma liminar reconhecendo o

direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação de parto de

fetos anencefálicos251.

248PESSANI, Leo. Barchifonteine, Chistian de Paul de. Problemas atuais de bioetica. 4 ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 267-268. 249 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania: São Paulo. Moderna, 1997.p 50 250 O ministro Marco Aurélio, do STF, decidiu convocar audiência pública para ouvir diversas

entidades no caso que discute a viabilidade jurídica da interrupção de gravidez em caso de feto

anencéfalo (sem cérebro). O tema é objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF) 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde

(CNTS). Na ação, que teve pedido de liminar deferido em julho 2004 pelo relator, a CNTS pede

que seja dada interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126 e 128, I e II,

do Código Penal, que tratam do crime de aborto, a fim de permitir a interrupção de gravidez de

filhos anencéfalos. A Confederação justifica o pedido com base nos princípios constitucionais

da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, bem como

o direito à saúde.

251 TOURINHO, A. Conselho Federal da OAB (Brasil). Interrupção de gestação de anencefálico não é aborto. Disponível em: wwww.ghente.org/doc.juridicos/parecer.Oab.anencéfalo. Acesso em 23 jul. 2007.

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Importante trazer a tona,a título de ilustração a decisão

do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a matéria aqui aludida:

Somente nos casos de risco para a vida da gestante e de gravidez decorrente de estupro é que o legislador permite a interrupção da gravidez, de maneira que em nosso direito positivo não existe a figura do aborto eugenésico. (MS 427.246-3/7 São Caetano do Sul, 1.ªC. Extraordinária, rel. Machado de Andrade, 06.08.2003, v. u., JUBI 87/03)

Em posição distinta, sustentando a plena viabilidade do

aborto eugênico, de qualquer feto com malformações congênitas ou

enfermidades hereditárias, mesmo que tenha vida viável após o nascimento,

embora qualitativamente inferior ao do ser humano normal encontra-se o jurista

Alberto Silva Branco252 que encaminha o anteprojeto de Lei da Comissão para

Reforma do Código Penal, e deixa claro que se deva excluir da antijuridicidade

o aborto praticado no caso de feto inviável. Uma vez aprovado o anteprojeto, as

autorizações seriam desnecessárias como excludente de ilicitude e não haveria

causa para invocação da prestação jurisdicional.

Oportuno trazer o comento de Paulo Fernando Melo da

Costa253 que mantém posição contrária ao jurista acima, trazendo a tona o caso

de Marcela de Jesus Ferreira. Vejamos o que diz o autor:

No dia 1º de agosto de 2008, sexta-feira, às 22 horas, na Santa Casa de Misericórdia de Franca (SP) morreu Marcela de Jesus Ferreira, quebrando todos os recordes de sobrevivência de uma criança anencéfala. Os anencéfalos costumam ter uma breve vida extra-uterina. Segundo o Comitê Nacional de Bioética do governo italiano, "foi relatado um caso único de sobrevivência até 14 meses e dois casos de sobrevivência de 7 a 10 meses, sem recorrer à respiração mecânica”. Marcela, porém, nascida em Patrocínio Paulista (SP) em 20 de novembro de 2006, faleceu após 1 ano, 8 meses e 12 dias de nascida. Gordinha, com 15 kg e 72 cm, e muito risonha (famosa pelas gargalhadas que dava quando sua mãe lhe fazia cócegas), Marcela respirava normalmente, quase não dependendo do concentrador de oxigênio.

252. FRANCO, Alberto Silva. “Um Bom Começo”. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Ano 12, nº 143, Outubro/2004, São Paulo: IBCCrim, 2004, p. 2. 253 COSTA, Paulo Fernando Melo da. O caso Marcela desafia o STF. Ago. 2008. Disponível em: < http://www.conteudo.com.br/providafamilia/o-caso-marcela-desafia-stf>. Acesso em 10. ago. 2009.

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O mesmo autor comenta ainda sobre a Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), e o STF, aludindo

que:

Durante o tempo em que Marcela esteve conosco, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), que pretende que o Supremo Tribunal Federal declare "atípico" o aborto de anencéfalos, ficou paralisada. Poucos dias após a morte de Marcela, em 7 de agosto de 2008, o relator Ministro Marco Aurélio expediu ofícios a diversas entidades convidando-as a participar de uma audiência pública sobre o tema. O evento, marcado para os dias 26, 27 e 28 de agosto, parece ter sido montado para favorecer a causa abortista. Das onze entidades convidadas, apenas duas são pró-vida: a CNBB e a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. Estas deverão falar no mesmo dia que o da organização pró-aborto "Católicas pelo Direito de Decidir" e da Igreja Universal do Reino de Deus, também esta favorável ao aborto. Além disso, o relator teve o cuidado de chamar para falar o deputado pró-aborto José Aristodemo Pinotti (DEM/SP). E quanto à Marcela? "O ministro não pretende convidar parentes de bebês com anencefalia, como a mãe da menina Marcela de Jesus Ferreira, que, apesar de ter sido diagnosticada com anencefalia, viveu 1 ano e 8 meses. 'Vamos atuar mais no campo técnico', afirmou"254De fato, a simples lembrança dessa menina traria para um ministro um obstáculo à aprovação da ADPF 54..

Em suma, levando-se em conta tudo o que foi exposto,

verifica-se que os critérios de morte encefálica são inaplicáveis com relação

ao feto anencefálico. Isto porque, não se pode pretender que um ser humano

que padece da falta de parte do tecido cerebral, mas que mantém as demais

funções vitais, seja considerado morto por antecipação, porque em alguns

casos, dependendo do grau de lesão do tronco cerebral pela anencefalia, os

fetos portadores desta anomalia são capazes de respirar sem o auxílio de

qualquer tipo de aparelho.

3.2.1 Ausência da tipicidade material na interrupção da gestação do feto anencefálico

Quando a ausência da tipicidade material parece clara ao

legislador, a melhor forma seria a imposição de uma pena certa a determinada

254 GALLUCCI, Mariângela. STF debate sobre fetos anencéfalos. Recife, Jornal do Commercio, 10 ago. 2008. Disponível em: <http://aborto anencefalia, STF, Padre Lodi, Marcela, ADPF 54. > Acesso em: 21 ago de 2009.

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conduta, ou seja, estabelecer uma proibição, visando punir determinados

agentes, por suas ações ou omissões.

Faz-se necessária à análise do caso em apreço, a

respeito do modo pelo qual a conduta possa atentar contra bem jurídico

penalmente protegido. Convém aqui citar a lição de Heleno Cláudio Fragoso255:

Objeto substancial do crime é aquilo que a ação delituosa atinge; é o conteúdo material ou realístico da norma penal. Para que se chegue a conhecer essa realidade que a ação incriminada atinge, é indispensável, sem dúvida, partir de um exame do sentido da ordem jurídica em geral, e da ordem jurídico-penal em particular.

Da lição do Autor flui que não basta pensar na expressão

formal da norma, é necessário explorar a respeito dos valores que estão por

trás da norma no bem jurídico protegido e na capacidade da norma em

expressar esta proteção. É importante situar o bem jurídico como razão de ser

da norma, como “um valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja

preservação é disposta a norma jurídica256”.

Nessa linha de raciocínio, tem-se que o aborto (possível

prática ilícita que decorreria da conduta não autorizada de interrupção da

gravidez), tem por objetividade jurídica a proteção da vida do feto. Na hipótese

em apreço trata-se da gestação de um feto anencéfalo, ou seja, sem cérebro.

Trata-se de um ser destituído de qualquer possibilidade de vida extra-uterina,

consoante a unânime opinião da ciência médica, justamente pela falta de

atividade cerebral.

Desta feita comenta Francisco de Assis Toledo257 que:

“As causas de justificação, ou normas permissivas, não se restringem, numa estreita concepção positivista do direito, às hipóteses expressas em lei. Precisam igualmente estender-se àquelas hipóteses que, sem limitações legalistas, derivam necessariamente do direito vigente e de suas fontes. Além disso, como não pode o legislador prever todas as mutações das condições materiais e dos valores ético-sociais, a criação de novas causas de justificação, ainda não traduzidas em lei,

255 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. vol. 1, ed. 15. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 264/265. 256 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. vol. 1,ed 15ª, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 265 257 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito penal. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p.171.

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torna-se uma imperiosa necessidade para a correta e justa aplicação da lei penal”.

Morte e vida são o oposto, tanto do ponto de vista natural

quanto jurídico. Se a falta de atividade cerebral representa morte, inclusive

como conceito jurídico e se morte vem a ser o contrário de vida, deve-se

concluir que não é possível proteger o bem jurídico “vida” onde ela não existe.

Se não há qualquer possibilidade de se falar em atividade

cerebral e, portanto, em vida no quadro de anencefalia. Diante disso, é correto

pensar que a conduta típica não encontra enquadramento no capítulo dos

crimes contra a vida, ou seja, resguardar a vida do feto é impossível, dada a

anencefalia, daí porque, sendo a vida inviável, a interrupção da gestação é uma

conduta que não atinge o bem jurídico visado pela norma penal, e não havendo

bem jurídico a ser protegido, da mesma forma, não há tipicidade penal.

Ademais, em posição controversa, convém destacar que

não se trata de o Estado obrigar as gestantes de fetos anencéfalicos a

manterem sua gestação, negando-lhes o pedido de interrupção terapêutica,

mas simplesmente assegurar o direito à vida do nascituro, especialmente,

quando na hipótese não é admito a certeza decantada acerca dos exames

realizados. O Direito penal não pode trabalhar com o escopo de, pela

inflexibilidade, tornar-se cruel, não há porque fazer incidir a norma

incriminadora.

Portanto, se não há expresso dispositivo legal que regule,

especificamente, os casos em que o feto padece de anomalia congênita, como

a anencefalia, e em face aos dados estatísticos atuais que mostram ser o Brasil

um dos países com maior incidência de tal patologia, questiona-se qual posição

a Suprema Corte adotará na resolução material dessa situação que, além de

juridicamente relevante, mostra-se socialmente preocupante, veremos a seguir

os posicionamentos doutrinários, bem como as decisões jurisprudênciais no

Brasil.

3.2.2 Pensamentos de Doutrinadores

O segundo capítulo demonstra que o embrião, na

qualidade de ser humano, detém certas proteções jurídicas, sem, para tanto,

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dispor da integralidade dos direitos da pessoa nascida. No entanto, a doutrina

e, principalmente, a legislação pouco se manifestam acerca do status do feto

anencefálico e da possibilidade de aquisição de direitos por ele.

Em sua vasta maioria, focalizam-se tão-somente no

direito à vida, alguns lhe negando esse direito e outros lhe assegurando

totalmente ou somente até determinado período, sempre procurando a solução

a respeito da possibilidade de punição da gestante e dos médicos em caso de

aborto258.

Por derradeiro, verifica-se que o entendimento doutrinário

pode encontrar-se em desarmonia, não resolvendo de forma alguma a

“omissão” na legislação pertinente.

Sabe-se que seis dos onze ministros do STF já deram

evidências em julgamentos de que votarão a favor do direito da mulher de optar

por interromper a gravidez se for detectada a anencefalia. Entre os seis, está o

ministro Marco Aurélio de Mello259 que considera que o fato não se trata de

aborto, já que não há chance de sobrevivência do feto fora do útero, pois

consisti na afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc.

IV, da Constituição Federal), da legalidade, da liberdade e da autonomia da

vontade (art. 5º, inc. II, da Carta), além de aviltamento do direito à saúde (art. 6º

e 196, da CF/88), em virtude da estrita subsunção da tipificação criminal do

aborto, previstas no art. 124 e seguintes do Código Penal.

Nesse mesmo diapasão podemos verificar a doutrina de

Débora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro260:

258 SANTOS, Marília Andrade dos. A aquisição de direitos pelo anencéfalo e a morte encefálica. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8007>. Acesso em: 11 ago. 2009. 259 “O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, na argüição formulada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na saúde, de descumprimento de preceitos fundamentais – da dignidade da pessoa humana, da legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da vontade e do direito à saúde – consagrados pela Constituição Federal de 1988, concedeu liminar, ad referendum do Tribunal Pleno, para sobrestar os processos e decisões não transitadas em julgado e para reconhecer “o Direito Constitucional da gestante de se submeter à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto” e o “risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados” (Medida cautelar em argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 54 – 8, Diário da Justiça, Seção 1, nº 147, de 2 de agosto de 2004, pp. 64/65)”. 260 DINIZ, Débora. RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Ed, Letras Livres, Brasília. 2004. p..53.

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O Direito Penal, ao punir o aborto, está, efetivamente, punindo a frustração de uma expectativa, a expectativa potencial de surgimento de uma pessoa. Por essa razão, o crime de aborto é contra uma futura pessoa – nesse ponto reside a sua virtualidade - não porque o Código Penal teria atribuído o status de pessoa ao feto – o que nem o Código Civil atribuiu -, mas porque o feto contém a energia genética potencial para um futuro próximo, constituir uma realidade jurídica distinta de seus pais, o que ocorrerá se for cumprido o tempo natural de maturação fetal e se o parto ocorrer com sucesso. [...] Isso significa que só a conduta que frustra o surgimento de uma pessoa tipificaria o crime de aborto.[...] Esse feto portador de inviabilidade extraordinária não é sujeito passivo do crime de aborto, pois não apresenta aptidão para atingir o status de pessoa, para ser investido, com o nascimento, dos demais atributos da personalidade.

É certo que a vida intra-uterina segue merecendo

proteção do Estado, inclusive penal, em hipóteses de aborto sem o

consentimento da gestante. A questão que se põe em discussão não se

adentra aqui, é entre ser ou não ser admissível social e juridicamente, a prática

abortiva por opção da gestante.

Importante trazer o que diz a Federação Brasileira das

Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)261, que em 2008

divulgou dados novos sobre o atendimento a mulheres com diagnóstico de

gestação de feto anencéfalo. Destaca-se:

Frente à confirmação da anencefalia, 84,8% das mulheres manifestaram o desejo de interromper a gestação. É neste ponto que começa a se revelar a deficiência do sistema judiciário: apenas 37% delas conseguiram a autorização judicial a tempo de interromper a gravidez. As demais, pouco mais de 6.100 mulheres, tiveram seus pedidos negados ou não receberam o parecer a tempo, tendo levado as gestações até o fim ou passado por abortamento espontâneo.

Cristião Fernando Rosas262 que é o coordenador da Febrasgo diz ainda que:

É inadmissível que a mulher encontre essa dificuldade no exercício de seu direito reprodutivo mesmo diante da

261

FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) em parceria com a Universidade de Brasília e o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas (Cemicamp), organização não-governamental conveniada com a Unicamp. 2008. 262

ROSAS, Cristião Fernando, presidente da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da FEBRASGO, um dos coordenadores da FEBRASGO.

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incompatibilidade extrauterina do feto, além de todos os agravos à saúde que esta gestação pode provocar. Isso sem falar dos meses de tortura psicológica, depressão e angústia por que passam e que poderiam ser abreviados”,

Anelise Tessaro263 acredita que a mãe tem o direito de

escolher livremente o que vai fazer a autora textualmente preleciona:

Faz-se necessária e urgente uma adequação legal aos avanços da tecnologia médica, ressaltando o alto grau de confiabilidade conferido aos exames pré-natais, garantindo assim a todas as gestantes que se depararem com esse dilema, o direito de optar livremente entre interromper ou levar a termo esta gravidez, conforme suas convicções pessoais. Alem disso, o direito a interrupção da gravidez assegura a gestante que este procedimento será conduzido por profissional habilitado e realizado em estabelecimento médico-hospitalar adequado, reservando-a dos riscos de um aborto clandestino.

Desta forma, a doutrina, com estes argumentos, persegue

a legalização do aborto por feto inviável; ressalta-se que a legalização almejada

trás para a gestante uma possibilidade de legalização do aborto cometido com

o seu consentimento, ficando esta previsão restrita à autorização da mãe, como

a legalização do aborto precedido de estupro. Esta possibilidade busca também

a liberdade de opção da mãe e de sua livre escolha.

De outra banda, é sabido que há outra corrente de

pensamento, que acredita que o aborto de feto anencéfalo é ato típico do

aborto “eugênico” cometido pela gestante.

Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente264, em

seu art. 7º assevera que: A criança e o adolescente têm direito a proteção à

vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que

permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em

condições dignas de existência.

Já Nelson Hungria265, um dos mais respeitados penalistas

do Brasil, preleciona que o legislador acertou em repelir a legitimidade do

aborto eugênico:

263TESSARO, Anelise. Aborto seletivo. Curitiba: Juruá, 2002. p. 109. 264 Brasil. Lei 8069-90, Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Que se encontra Título II Dos Direitos Fundamentais Capítulo I Do Direito à Vida e à Saúde. 265 HUNGRIA, Nelso. Comentários ao Código Penal. 5 ed.Uberaba: Forense, 2004. p. 275.

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O Código não inclui entre os casos de ABORTO legal o chamado ABORTO eugenésico, que, segundo o projeto dinamarquês de 1936, deve ser permitido quando existe perigo certo de que o filho, em razão de predisposição hereditária, padecerá enfermidade mental, imbecilidade ou outra grave perturbação psíquica, epilepsia ou perigosa e incurável enfermidade corporal. Andou acertadamente o nosso legislador em repelir a legitimidade do aborto eugenésico, que não passa de uma das muitas trouvailles dessa pretensiosa charlatanice que dá pelo nome de eugenia. Consiste esta num amontoado de hipóteses e conjeturas, sem nenhuma sólida base científica. Nenhuma prova irrefutável pode-a fornecer no sentido da previsão de que um feto será, fatalmente, um produto degenerado. Eis a incisiva lição de Von Franqué: Não há doença alguma da mãe ou do pai, em virtude da qual a ciência, de modo geral ou nalgum caso particular, possa, com segurança, prever o nascimento de um produto degenerado, que mereça, sem maior indagação, ser sacrificado... Os enfermos mentais, posto que capazes de reprodução, podem ter descendentes inteiramente sãos e de alta espiritualidade... A grande maioria dos tuberculosos gera filhos perfeitamente sãos e até mesmo robustos.

Conclui-se do raciocínio doutrinário que a tutela do bem

jurídico assume importância capital no delineamento do tipo penal, de modo

que, sem afetar o bem jurídico protegido em questão, “a vida”, não há

dimensão material da tipicidade e deste modo, não há fato típico com

relevância penal.

3.3 Tendências Jurisprudenciais Acerca do aborto de anencefálicos

As tendências jurisprudenciais de nossos tribunais têm

surgido na sociedade de forma antagônica, ocorrendo isso também nas

decisões monocráticas de primeira instância.

Têm-se visto diariamente decisões controversas a

respeito de anencefalia até mesmo divergências entre o mesmo tribunal.

Em algumas situações, os casos concretos foram levados

até a mais alta corte da justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal, que

ainda não teve a oportunidade de se pronunciar sobre o tema e de pacificar a

controvérsia desta questão devido a demora para esses processos serem

julgados e quando julgados já perderam o seu objeto da ação que seria o

aborto do feto.

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Como foi demonstrado anteriormente, hoje existem no

Congresso Nacional, vários projetos de lei que visam desde a legalização

completa do aborto até o aumento dos dispositivos legais permissivos, mais,

contudo, não passam de apenas projetos, e que por morosidade do Poder

Legislativo, não são colocados em pauta para votação.

Em suma, na discussão acerca da legitimidade do aborto

por anencefalia no Brasil, compete aos Ministros do Supremo Tribunal Federal

efetuar uma leitura do ordenamento jurídico a partir de princípios públicos

democraticamente constituídos e cogentes, que, ao contrário de erigir certa

conduta como a melhor, possibilita a coexistências de moralidades individuais

específicas com uma moralidade pública diferenciada.

Porém, convêm destacar que a abordagem jurisprudencial

possui, neste trabalho, um caráter meramente ilustrativo e não exaustivo,

portanto, não esgota a pesquisa jurisprudencial.

3.3.1 Alvarás Judiciais

Os alvarás são frutos de um processo dialógico que

tem início na relação médico-paciente (ou médico-casal). De posse da decisão

familiar pela ISG, o médico recorre ao juiz em busca do veredicto oficial que, na

maior parte dos casos, é consoante à solicitação clínica, pouquíssimos são os

casos de quadro clínico fetal extremo em que há recusa judicial da Interrupção

Seletiva da Gestação.

Sob esse enfoque, os alvarás são a materialização de

um processo argumentativo, onde se consideram vários pontos de vista

concernentes à questão. Como resultado, obtém-se documentos que acreditam

fundamentar moralmente a ilicitude do ato. Isto é possível, já que os alvarás

correspondem ao instante da reflexão sobre a ação, ou seja, por ser um

momento anterior à ação os alvarás são a ponderação moral da Interrupção

Seletiva da Gestação.

A construção da categoria "vida humana" ou mesmo

"vida biológica" perpassa todos os alvarás. Os juízes, no desenvolvimento dos

motivos que acreditam sustentar a Interrupção Seletiva da Gestacional,

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recorrem à idéia de que os fetos em questão não possuem vida (ou, no mínimo,

não serão capazes de dar continuidade à "pouca vida" que possuem).

Esta certeza da ausência de vida é sustentada pelos

laudos médicos que acompanham o processo judicial, e tanto isto ocorre que,

na maioria dos casos, os juízes fazem referências à literatura especializada ou

às observações clínicas sugeridas pelos médicos responsáveis pelo processo.

Este argumento da ausência de vida compõe o cerne argumentativo que

concede a validez moral ao ato.

Para os juízes, é de extrema importância apontar a

impossibilidade da vida extra-uterina ou mesmo o prejuízo humano de se

continuar a gestação, pois, segundo eles, a legislação brasileira é proibitiva em

relação ao aborto porque seu objetivo é preservar a vida humana. Assim, por

uma circularidade do argumento, os juízes assentam a legitimidade do

procedimento na ausência de vida dos fetos.

Em assim sendo, na falta de algum permissivo legal que

orientem os Magistrados e a própria sociedade brasileira, verifica-se, no dia a

dia forense, várias solicitações de alvarás judiciais, sendo este por muitas

vezes concedidos. Conforme Anelise Tessaro266:

Aspecto que merece destaque é o fato de alguns magistrados ressaltarem que a falta de previsão legal expressa não autoriza o judiciário a deixar sem solução uma controvérsia, principalmente porque as leis retratam o posicionamento de um determinado momento histórico, e necessitam de uma adequação para atender aos fins da sociedade contemporânea.

Caso seja aprovado o projeto de lei que cria uma nova

redação ao artigo 128 do Código Penal brasileiro, ou mesmo que seja criado

um novo dispositivo específico sobre o assunto que afaste a ilicitude do aborto

de fetos com más formações incompatíveis com a vida extra-uterina, a

semelhança de outras excludentes de ilicitude que já existentes na legislação,

as autorizações serão desnecessárias.

266 TESSARO, Anelise. Aborto seletivo: descriminalização & avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002.

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Para Maria José Fontelas267 o Estado brasileiro é laico e

não pode se vincular por definições religiosas.

Segundo pesquisa encomendada ao IBOPE (Instituto

Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), 76% da população brasileira é

favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis com a

vida, como é o caso da anencefalia. Por outro lado, relativamente às hipóteses

legalmente permitidas, 79% da população é favorável ao aborto no caso de

risco de morte para a mulher, enquanto que, 62% apóiam com o aborto em

caso de gravidez resultante de estupro268.

Marcos Valentin Frigério, Ivan Salzo, Silvia Pimentel e

Thomaz Rafael Gollop realizaram um trabalho intitulado Aspectos Bioéticos e

Jurídicos do Abortamento Seletivo no Brasil. Durante este trabalho, os autores

estudaram 263 pedidos de alvarás para interrupção da gravidez em casos de

anomalias incompatíveis com a vida.

Nestes 263 casos estudados, o Ministério Público opinou

pelo deferimento do alvará em 201 (76,43%) casos e pelo indeferimento em 62

(23,57%). Em contrapartida, o juiz decidiu pelo deferimento em 250 (95,06%)

casos e pelo indeferimento em apenas 13 (4,94%).

A conclusão que se chega é que não há necessidade de

autorização judicial para a realização de aborto seletivo, pois o cidadão não

precisa de uma autorização para praticar algo a que este não está proibido.

Seria de certa forma um autoritarismo exigir que as pessoas, para agirem

dentro de seu campo de liberdade, tenham de pleitear autorização de órgão do

Estado. O Estado desde que foi criado só intervém quando necessário ou

quando a lei lhe permite isso já foi estabelecido desde os tempos primórdios.

Em virtude disso e reafirmando a informação anterior, o

debate em torno da realização do aborto na hipótese de o feto

lamentavelmente padecer de anencefalia tem, no Brasil, sido muito mais

267 FONTELAS, Maria José. Representante do movimento Católicas pelo Direito de Decidir. 26 agosto de 2008. Disponível em: <http//www.terra.com.br/notícias>. Acesso em: 17 ago 2009. 268 ÉPOCA, Revista. 2005, p. 65

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dominado por valores morais e mesmo religiosos do que pela racional

análise do papel do Estado, nas hipóteses com que pode intervir.

Outrossim, foi-se o tempo em que a ausência de

legislação era capaz de por termo ou sobrestar algum processo judicial, hoje

se verifica a necessidade de avaliar e encontrar alguma solução serena e,

sobretudo urgente, a fim de não perecer o objetivo maior tutelado pelo

Estado, ou seja, a solução pacífica dos conflitos269.

3.3.2 A propensão dos acórdãos jurisprudênciais

O posicionamento de alguns Tribunais e Magistrados “a

quo” que se arriscam a decidir sobre o confronto entre o ofício pelo qual estão

investidos na profissão e o conservadorismo da sociedade em restringir

qualquer forma de aborto, faz com que apareça um sentimento de injustiça,

fazendo nascer decisões divergentes e controvertidas sobre o tema em

questão.

O intuito não é esgotar a pesquisa jurisprudencial, mas

sim trazer alguns julgados a título ilustrativo.

Partindo desta análise, a legalização do aborto por

anomalia fetal sem perspectivas de vida encontra respaldo apenas pelos

alvarás judiciais que se prevalecem do direito à dignidade da pessoa humana

em coerência com o direito à vida e o direito à liberdade, busca-se a

adequação entre o meio mais idôneo e a menor restrição possível de direitos.

A discussão da ampliação do artigo 128 do Código Penal

que pretende autorizar a interrupção da gestação quando comprovada

anomalia grave e incurável no feto é resultado do descompasso que vem

ocorrendo entre a realidade da sociedade e os instrumentos jurídicos, como

podemos ver logo a posterior.

O juiz Marcos Antônio Santos Bandeira270, manifestando-

se sobre a questão em tela, discorreu o seguinte:

269 DINIZ, Débora. Aborto seletivo no Brasil e os alvarás judiciais. Infojur, São Paulo, 19 jun. 2000. 270 Antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico. AMAB: Sentença publicada em 18 de julho de 2005 pelo Juiz de Direito Marcos Antônio Santos Bandeira. Disponível em:< http://www.amab.com.br/amab2006/sentencas.php?cod=56 >. Acesso em: 11 ago. 2009.

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Entendo que longe da opinião pessoal do juiz ou de qualquer ideologia religiosa, submeter à gestante – que deseja o quanto antes se ver livre desse feto – a esse ritual angustiante, lento, prolongado e doloroso, é ignorar o ser humano na sua integralidade, como sujeito que tem desejos, emoções, sentimentos e que deve ter o livre arbítrio para fazer suas escolhas, principalmente, quando se está diante de uma situação em que não há absolutamente ofensividade a qualquer bem jurídico relevante. Negar a gestante a antecipação de suas angústias e do seu choro silencioso, com a interrupção d gravidez de um feto anencefálico, é ferir de morte o princípio da dignidade humana, valor supremo de nosso ordenamento jurídico.

Para uma melhor entendimento destaca-se o que tem

decido os Tribunais do Brasil a respeito deste assunto.

Tem decidido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao

deferimento do aborto de feto anencêfalo:

EMENTA: ALVARÁ JUDICIAL - ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO - FETO COM ANOMALIA CONGÊNITA INCOMPATÍVEL COM A VIDA - DISPLASIA TANATOFÓRICA - EXAMES MÉDICOS COMPROBATÓRIOS - PONDERAÇÃO DE VALORES - CONCESSÃO - VOTO VENCIDO PARCIALMENTE. A constatação segura do desenvolvimento de gravidez de feto com anomalia congênita incompatível com a vida põe em confronto muitos valores consagrados por nossa Constituição Federal, sendo a vida o bem mais precioso, seguido da liberdade, autonomia da vontade e dignidade humana. Tendo poucas probabilidades de sobrevivência ao nascimento, atestado pelo médico que assiste a requerente, bem assim, corroborado com parecer do perito médico judicial, assiste a requerente o direito de exercer a liberdade e autonomia de vontade, realizando o aborto e abreviando os sérios problemas clínicos e emocionais que a estão acometendo, ao pai e a todos os familiares. Diante da certeza médica de que o feto será natimorto, protegendo-se a liberdade, a autonomia de vontade e a dignidade da gestante, deve a ela ser permitida a interrupção da gravidez.

Súmula: DERAM PROVIMENTO, COM RECOMENDAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ INDEPENDENTE DO TRÂNSITO, VENCIDO PARCIALMENTE O REVISOR.

(Relator: FERNANDO CALDEIRA BRANT Data do Julgamento: 25/06/2008 Data da Publicação: 15/08/2008)

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No mesmo norte o Tribunal de Santa Catarina vem decidindo:

Apelação Criminal n. 2008.021736-2, de Araquari Relator: Torres Marques Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal Data: 18/06/2008 Ementa:APELAÇÃO CRIMINAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ DE FETO ANENCEFÁLICO DEFERIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PRETENDENDO A REFORMA DA DECISÃO. LEI N. 9.434/97 QUE ESTABELECEU O CONCEITO DE MORTE A PARTIR DA PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES DO ENCÉFALO. DEFORMIDADE QUE EXCLUI O CONCEITO JURÍDICO DE VIDA. CESSAÇÃO DA GESTAÇÃO QUE NÃO CONFIGURA CRIME DE ABORTO ANTE A AUSÊNCIA DO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA INCRIMINADORA. DECISUM MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO. EXPEDIÇÃO INCONTINENTI DE ALVARÁ JUDICIAL AUTORIZANDO A INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA DE GRAVIDEZ.

Ocorre que muito julgados que estão dando provimento a

mãe, estão tendo como base os atestados médicos. O juiz, reunindo todos os

elementos probatórios fornecidos pela ciência médica e tendo em mente que a

norma penal vigente protege a vida e não a falsa vida, poderá, dentro de sua

livre convicção, entender que inexigível da mulher outra conduta que não seja a

interrupção da gravidez, buscando para tanto o atendimento médico

especializado, único autorizado a proceder à cirurgia de antecipação do parto.

A posição destacada na ementa traduz, hoje, o

entendimento majoritário dos julgadores que se apresentam modernizados.

Porém, o entendimento majoritário não significa posição pacifica, consoante se

observa a seguir. E não havendo uniformidade nas decisões é possível que

casos afins sejam julgados de forma completamente diferente. Os mesmos

fundamentos utilizados em prol de uma tese podem servir, em outro momento,

para silenciá-la, sendo que cada situação enseja nova análise, novo estudo,

nova polêmica.

O mesmo Tribunal de Justiça de Minas Gerais decide de

maneira controversa a já mencionada acima. Neste caso ele decide pelo

indeferimento do pedido de aborto de anencêfalo:

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Relator: NILO LACERDA Data do Julgamento: 08/11/2006 Data da Publicação: 29/11/2006 Ementa: ALVARÁ JUDICIAL - ANENCEFALIA - PEDIDO DE INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DA GESTAÇÃO - DIREITO A VIDA. Impossível decretar ou mesmo antecipar a morte, mesmo diante da situação apresentada nos autos, pois o feto é incontroverso pode nascer com vida, não sendo possível utilizar a analogia e/ou princípios genéricos para fundamentar suposições e ilações desprovidas de qualquer fundamento legal. Súmula: Negaram Provimento

No mesmo sentido o Tribunal do Rio Grande do Sul tem

decidido a favor do não aborto de fetos anencéfalos:

2. TIPO DE PROCESSO: Habeas Corpus NÚMERO: 70020596730 Decisões: Acórdão RELATOR: Ivan Leomar Bruxel EMENTA: HABEAS CORPUS. ANENCEFALIA. ANTECIPAÇÃO DE PARTO. ABORTO. Pedido indeferido em primeiro grau. Admissão do 'habeas corpus' em função de precedente do STJ. Ausência de previsão legal. Risco de vida para a gestante não demonstrado. Eventual abalo psicológico não se constitui em excludente da criminalidade. ORDEM DENEGADA. POR MAIORIA.... DATA DE JULGAMENTO: 25/07/2007 PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 10/08/2007

Assim tem entendido o Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro em suas decisões:

Sentença (excertos): Segundo Tardieu o crime de aborto consiste na “expulsão prematura e violentamente provocada do produto da concepção, independentemente das circunstâncias de idade, viabilidade e mesmo de formação regular”. Para a configuração do aborto é necessária a interrupção da gravidez, seguida ou não da expulsão do feto, antes da época de sua maturidade. (...) Deste modo, vemos que a lei penal protege a vida em seu sentido amplo, a vida humana em germe, e não meramente a expectativa de vida extra-uterina. Comprovado o estado fisiológico da gravidez, ou seja, que o feto estava vivo, não há indagar da sua vitalidade biológica ou capacidade de atingir a maturação. A anomalia diagnosticada, é uma síndrome genética, e não consiste na ausência de cérebro, como erroneamente se pode supor, mas na ausência de calota craniana, o que significa que a criança tem o cérebro exposto, podendo inclusive ter algumas funções neurológicas preservadas. Durante o período gestacional a criança desenvolve-se normalmente, apresentando, no entanto, má

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formação cerebral consistente em comprometimento do sistema nervoso central, que só pode ser averiguado quando da realização da autópsia. Enquanto no ventre materno a criança, cresce e se desenvolve normalmente, apesar do cérebro exposto, por estar em um meio asséptico. (....) Entende este Juízo que o feto afetado por esta síndrome não pode ser privado do curto lapso de tempo da vida que possui. Tal procedimento consistiria na prática da eugenia, que visa não somente evitar o nascimento de seres com taras hereditárias, mas também o de seres portadores de deformidades congênitas. O avanço da medicina tem por objetivo salvar vidas e não ceifá-las, eis que de acordo com a ética médica não se pode negar nenhum tipo de assistência á alguém que vai morrer. No caso em exame, sabe-se, antecipadamente, quando a criança morrerá, ela tem meses de vida, como um doente terminal. O aborto nestes casos iguala-se a eutanásia, só que praticada em relação a um nascituro em já avançado estágio gestacional. O sofrimento e o abalo psíquico da mãe só poderão ser minimizados pelo amor e apoio da família e por acompanhamento psicológico, fazendo-a compreender que carrega em seu ventre não um ser morto, mas um ser vivo que desenvolve-se plenamente nos demais aspectos físicos. Abreviar o tempo de vida pré-determinado, consiste em grave ilícito penal que não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico vigente, malgrado entendimentos contrários. Ademais o Juiz não tem esse poder, isto é, o poder de determinar até quando alguém vai viver. Nosso poder, graças a Deus, é limitado, pois também estamos submetidos a ordem jurídica em vigor. É absurdo que a requerente e o médico que a assiste desejem chancelar suas condutas ilícitas, pois apesar de emanar do órgão julgador, consiste em ilícito penal de extrema gravidade.

Tal constatação, só vem ao encontro com que se discute

no presente trabalho, ou seja, o caminho se mostra mais complexo do que se

pensa, todo julgado é influenciado de alguma forma, o juiz quando se depara

com um pedido de interrupção da gravidez em caso de anencefalia, não pode

optar pelo não recebimento do pedido entre a ausência de previsão legal. Deve

decidir acolhendo ou não a pretensão apresentada.

Contudo, é viável que se entenda que o julgador coloque

dentro de sua sentença sua posição pessoal e até mesmo seus princípios e

crenças, embora a religião não seja mais capaz de dominar o homem, ela ainda

o influência na construção de seus valores, na distinção entre o certo e errado.

Insta lembrar que o direito não pode ser construído em

cima de bases religiosas, devendo abster-se de contato com a religião, para

que esta não possa influênciar em suas decisões, pois o direito é voltado ao

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homem e, assim, deve atender as necessidades do individuo, que vez ou outra

podem coincidir com a expectativa religiosa.

Isso significa dizer, que a Ciência Jurídica deve prevalecer

sobre a religiosa, não pode sucumbir diante de sua força. Só o direito é capaz

de se dirigir diretamente a estas necessidades, pois possui meios eficazes para

a punição dos infratores e esta forma é a que pode manter o equilíbrio social.

O exame objetivo e atualizado da questão da anencefalia

leva, portanto a ressaltar, tanto a louvável preocupação eclesial pela defesa da

vida humana, ilustrando o peso conferido à dignidade da pessoa, ou do ser

considerado pessoa, quanto à preocupação médico-científica por não impor ao

ser humano ou à sociedade um peso dispensável, ainda que seja pouco

contestável uma propensão para um empirismo que alguns acham superficial e

imediatista. 271

No mais o direito não pode exigir heroísmo das gestantes,

ainda mais quando ciente de que a vida do anencefálico torna-se impossível

fora do útero materno, a certeza de que vão morrer.

A CRFB/88 e as leis ordinárias não admitem a pena de

morte (a não ser em caso de guerra declarada), porém, salvo princípios

teológicos abstratos de cada um, não pode o direito ficar insensível à evolução

da sociedade, da ciência e dos padrões comportamentais e de relacionamento

delas decorrentes.

O Estado não deve ter ingerência em questões dessa

natureza, prevalecendo, em casos de gestações de fetos portadores de

anomalia inviável, os direitos individuais da mulher em optar pela continuidade

da gestação ou efetuar o abortamento.

Contudo, mesmo sendo julgada procedente a mencionada

ação, o que é de se esperar, apenas irá por fim a um debatido entrave em que

se encontra uma espécie de aborto por anomalia fetal por feto inviável, fazendo

ainda persistir a problemática em torno desta modalidade de aborto.

3.3.3 Aborto de Anencefálicos em outros países

271

PEESINE, Léo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética. 8. ed. Loyola São Paulo. 2007. p. 331.

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Em países tradicionalmente católicos, como o Brasil, as

posições que caracterizam o debate sobre o aborto vão desde o direito à vida

do feto ao direito à autonomia da mulher para deliberar sobre o seu próprio

corpo. No caso da legislação brasileira sobre o aborto, a autonomia de decisão

da mulher tende a ficar em segundo plano em relação ao status jurídico do feto,

considerado pessoa a ser protegida pelo Estado272.

Enquanto o Brasil discute a permissão para o aborto de

anencéfalos, quase metade dos países membros da Organização das Nações

Unidas (ONU) reconhecem a interrupção da gravidez nesses casos como um

direito da mulher. O levantamento, realizado pela professora da Universidade

de Brasília Débora Diniz, revela que das 192 nações, 94 permitem o aborto de

fetos com ausência parcial ou total do cérebro. A pesquisa indica uma

tendência mundial na permissão desse tipo de aborto.

É o caso de Austrália, Estados Unidos, Alemanha,

Bélgica, Canadá, África do Sul, França e de mais 87 países, inclusive

democráticos e majoritariamente católicos, como México, Portugal e Itália. A

América Latina fica isolada no mapa de legislações favoráveis a interrupção da

gestação de anencéfalos. Apenas a Guiana e a Colômbia reconhecem esse

direito.

Sobre o aborto, pode-se analisar uma panorâmica

geográfica sobre o assunto273:

O mundo atual estaria dividido em três partes iguais: uma parte que autoriza sem restrições (34 paises), outra parte que só autoriza em certos casos (37 paises) e uma terceira parte que não autoriza em nenhuma situação (33 países). Na América Latina só Cuba autoriza o aborto. O Brasil, com a infeliz medida ministerial, é o segundo país latino americano a autorizar abortos por anencefalia.

272CANTARINO, C. Mulher ou sociedade: quem decide sobre o aborto? Com Ciência. Revista Eletrônica de Publicação Científica 10/04/05. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/2005/05/05.shtml>. Acesso em: 10 out. 2007. 273

MOTA. Eliseu F. Junior. Disponível em: <htpp// www.universoespirita.net/edicoes/2004/ed/anencefalia.htm>: Acesso em17 ago 2009.

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Contudo, no sentido oposto a este posicionamento

encontramos as nações desenvolvidas que já autorizam o aborto por

anencefalia entre eles estão274:

Áustria: Abortos são permitidos após exame pré-natal

que certifique anomalia congênita. O aborto é legal em todos os casos

comprovados de dificuldades sócio-econômicas, podendo ser realizado com até

12 semanas de gestação. Depois deste limite, apenas se forem esperados

sérios problemas físicos ou psicológicos para a mãe ou para o feto. Se não for

diagnosticada anomalia congênita letal, a maioria dos obstetras da Áustria

seguiria o instinto maternal para permitir o aborto com mais de 24 semanas.

Formas inviáveis de anomalias congênitas permitem a interrupção em qualquer

estágio da gestação.

Bélgica: Abortos são permitidos. O aborto é legal até 12

semanas de gestação. Se for diagnosticada anomalia congênita, o prazo limite

para a interrupção é de aproximadamente 24 semanas após o início da

gravidez.

Bulgária: O aborto é legal, mas a interrupção deve ser

feita em até 12 semanas se não houver permissão e em até 20 semanas com a

permissão. Se diagnosticada anomalia congênita, o aborto pode ser realizado

com até 27 semanas de gestação.

Croácia: O Aborto é permitido em todos os casos até as

24 semanas de gestação. Todas as induções ao aborto causadas por má-

formação fetal são registradas.

França: O aborto é permitido, podendo ser realizado a

qualquer tempo, tanto nos casos de dificuldades sócio-econômicas como nos

casos de diagnóstico de anomalias congênitas. Todos os abortos são

devidamente registrados.

274 Disponível em:<htpp//www.ghente.org/questoes_polemicas/texto_aborto_port.htm.> Acesso em: 17 ago de 2009

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Alemanha: A indução ao aborto por razões sociais é

legalizada. De acordo com as leis germânicas os abortos por indicação médica

não possuem prazo limite para sua realização. Desde 1987, são notificados

abortos realizados depois que o exame pré-natal diagnosticou má-formação.

Espanha (Região Basca): O aborto é legal apenas

quando descobertas severas anomalias durante o pré-natal. O prazo limite para

a interrupção é de 22 semanas após o início da gestação.

O que se pode ver dos paises mencionados, é uma

grande diversidade de pensamentos, pois cada país que autoriza o aborto de

anomalias congênitas justifica de maneira diferente.

Caso a autorização de aborto de fetos anencéfalos siga

um fluxo contínuo nas legislações internacionais, o Brasil pode despontar,

ainda este ano, como um dos únicos países latinoamericano a reconhecer esse

direito.

Vale lembrar que por mais previdente que seja o

legislador, é absolutamente impossível legislar sobre todas as causas de

inexigibilidade de conduta diversa, que devem ser admitidas em direito, pois

tais causas são o que de mais próximo há entre o sistema normativo e as

constantes evoluções sociais, políticas, culturais e sociais. 275

Nesse viés, o Estado democrático é laico, devendo

equilibrar princípios básicos que permitam tanto a convivência harmônica de

todos como as diferentes escolhas morais baseadas nas crenças de cada um.

Por fim, o presente relatório da pesquisa se encerrara

com as considerações finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos

destacados, estabelecendo-se breve síntese de cada capitulo e demonstração

275 QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Aborto de feto anencefálico e a inexigibilidade de conduto diversa. A influência das circunstâncias concomitantes no comportamento humano. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre. Síntese. Vol. 7. N°. 40. Outubro/novembro. 2006.

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sobre as hipóteses básicas da pesquisa, verificando se as mesmas restaram ou

não confirmadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Bioética tem um perfil instigador, levantando questões

e apontando caminhos. Consiste ainda no estudo da moralidade da conduta

humana na área da ciência da vida, procurando averiguar o que seria lícito ou

científica e tecnicamente possível, tendo como lema o direito à vida.

Nesse sentido, o Biodireito é um termo que pode ser

entendido no sentido de abranger todo o conjunto de regras jurídicas já

positivadas e voltadas a impor ou proibir uma conduta médico-científica e que

sujeitem seus infratores às sanções previstas por elas.

Recentemente os meios de comunicação estiveram

voltados para uma questão polêmica: a legalidade ou não da permissão para o

abortamento de fetos anencefálicos. A polêmica ganhou repercussão chegando

ao Supremo Tribunal Federal, mobilizando questões sociais, morais, técnicas e

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religiosas, envolvendo toda a sociedade com posicionamentos conflitantes, que

enriqueceram e aqueceram ainda mais o debate, por si só tão envolvente.

Não há dúvidas que a questão é espinhosa: de um lado,

a gestante, em pleno gozo dos direitos fundamentais constitucionalmente

garantidos, de outro, o nascituro, cujo mesmo direito é garantido desde a

concepção.

No entanto, no decorrer do presente estudo buscou-se

apresentar que existe posicionamento tentando criar uma nova excludente de

ilicitude para quando se for deparada com uma gravidez de feto anencefálico.

A pretensão se trata de legalizar o aborto seletivo que é caracterizado pela

interrupção de gestação de feto com má-formação congênita que o torna

incompatível com a vida extra-uterina, mas no decorrer da demanda, pode-se

perceber que o suscitado aborto não deixa de ser tipificado como crime.

O anencefálico é possuidor do direito à vida, pois todo

produto gerado no ventre de uma mulher é um ser humano por excelência e

não é a viabilidade ou potencialidade de vida que tornam um feto mais ou

menos digno da proteção do Estado e da aquisição de direitos.

Ainda, considera-se neste aspecto, que a mulher que

decide pelo aborto, acaba tendo seu psicológico extremamente afetado. E é

através de um processo de negação, que as vítimas da Síndrome Pós-Aborto

inibem o processo natural de mágoa e desgosto pela morte de um filho e

acabam tentando suicídio por não suportar a culpa.

Por isso, diante do conflito de interesses entre o direito à

vida assegurado ao anencefálico e os direitos da gestante, prevaleceram o

primeiro, uma vez que direito à vida, conforme reza a Constituição da República

Federativa do Brasil, antecede todos os outros, não podendo ser minimizado

por um direito subjetivo da mãe que enseja abortar. No que tange o a

antecipação do parto perante o Código Penal Brasileiro o mesmo é

inconstitucional, não havendo previsão legal.

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O feto encontra-se vivo no útero da mãe, desenvolvendo-

se até seu nascimento, podendo nascer com vida, o que de fato acontece em

significativo percentual. Nascendo viva, a criança se investe de todas as

garantias inerentes à personalidade jurídica.

O período de vida extra-uterina do anencéfalo pode variar

de horas a meses, assim como o desenvolvimento que irá apresentar. A breve

duração da vida não justifica a antecipação da morte.

A anencefalia, por si, não causa a morte da gestante e

nem diminui sua dignidade ou liberdade. A autonomia reprodutiva da mulher só

diz respeito à liberdade que ela possui de decidir-se por uma gravidez, sendo

que, depois de consumada esta, prevalece o direito à vida, igual para mãe e

filho.

A antecipação do parto causa a morte do feto,

concretizando-se o aborto, que não é terapêutico, mas eugênico. A morte da

criança é provocada pelo ato da interrupção da gestação e não pela deficiência

encefálica, configurando-se, então, um crime contra a vida.

Diante dos fatos, o aborto por anencefalia não deve ser

legalizado e nem pode, visto carecer seriamente de fundamentação,

principalmente ao confrontar-se com o direito primordial à vida que possuem

todos os seres humanos, bem ou mal formados.

Em assim sendo, está demonstrada através da exposição

de análises de Jurisprudências, doutrinas e legislações que a interrupção da

gestação nestes casos não tem amparo legal para assegurar o direito à

escolha da gestante.

Vejamos se as hipóteses levantadas foram ou não

confirmadas:

Como visto no decorrer do presente trabalho, o aborto de

fetos anencéfalos é crime conforme prevê o Código Penal Brasileiro, pois não é

considerado aborto legal, uma vez que não se enquadra nas excludentes

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previstas no art. 128 do CP, quais sejam, estupro e perigo de vida da gestante,

confirmando assim a primeira hipótese levantada.

Todavia a segunda hipótese não foi confirmada, já que

não existi a possibilidade de aborto de anencéfalos mesmo que assegurado no

princípio da proporcionalidade, tendo em vista que os direitos previstos na

CRFB/88 juntamente com direitos humanos e fundamentais prevalecem.

Já última hipótese foi corroborada, haja vista os fetos

portadores de anencefalia raramente completarem um ano de vida, tendo sua

vida extra-uterina reduzida, em relação aos fetos normais.

Por fim, ressalta-se que a presente monografia não teve

como objetivo esgotar a matéria que em razão de sua polêmica ainda poderá

ser objeto de muitos estudos e aprofundamentos.

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ANEXOS

Íntegra da liminar do Ministro Marco Aurélio

MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL 54-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO.

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ARGUENTE(S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA

SAÚDE – CNTS

ADVOGADO(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO(A/S)

DECISÃO-LIMINAR

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL -

LIMINAR - ATUAÇÃO INDIVIDUAL - ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO

REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99.

LIBERDADE - AUTONOMIA DA VONTADE - DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA - SAÚDE - GRAVIDEZ - INTERRUPÇÃO - FETO ANENCEFÁLICO.

1. Com a inicial de folha 2 a 25, a Confederação Nacional

dos Trabalhadores na Saúde - CNTS formalizou esta argüição de

descumprimento de preceito fundamental considerada a anencefalia, a

inviabilidade do feto e a antecipação terapêutica do parto. Em nota prévia,

afirma serem distintas as figuras da antecipação referida e o aborto, no que

este pressupõe a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Consigna, mais,

a própria legitimidade ativa a partir da norma do artigo 2º, inciso I, da Lei nº

9.882/99, segundo a qual são partes legítimas para a argüição aqueles que

estão no rol do artigo 103 da Carta Política da República, alusivo à ação direta

de inconstitucionalidade. No tocante à pertinência temática, mais uma vez à luz

da Constituição Federal e da jurisprudência desta Corte, assevera que a si

compete a defesa judicial e administrativa dos interesses individuais e coletivos

dos que integram a categoria profissional dos trabalhadores na saúde, juntando

à inicial o estatuto revelador dessa representatividade. Argumenta que,

interpretado o arcabouço normativo com base em visão positivista pura, tem-se

a possibilidade de os profissionais da saúde virem a sofrer as agruras

decorrentes do enquadramento no Código Penal.

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Articula com o envolvimento, no caso, de preceitos

fundamentais, concernentes aos princípios da dignidade da pessoa humana, da

legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da vontade bem

como os relacionados com a saúde. Citando a literatura médica aponta que a

má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação,

não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à morte

intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no máximo,

algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe

mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida

da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por

nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá,

causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às

vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica - e em cerceio

à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal

como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem-estar

físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Já os profissionais

da medicina ficam sujeitos às normas do Código Penal - artigos 124, 126,

cabeça, e 128, incisos I e II -, notando-se que, principalmente quanto às

famílias de baixa renda, atua a rede pública.

Sobre a inexistência de outro meio eficaz para viabilizar a

antecipação terapêutica do parto, sem incompreensões, evoca a Confederação

recente acontecimento retratado no Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, declarado

prejudicado pelo Plenário, ante o parto e a morte do feto anencefálico sete

minutos após. Diz da admissibilidade da ANIS - Instituto de Biotécnica, Direitos

Humanos e Gênero como amicus curiae, por aplicação analógica do artigo 7º, §

2º, da Lei nº 9.868/99.

Então, requer, sob o ângulo acautelador, a suspensão do

andamento de processos ou dos efeitos de decisões judiciais que tenham como

alvo a aplicação dos dispositivos do Código Penal, nas hipóteses de

antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, assentando-se o

direito constitucional da gestante de se submeter a procedimento que leve à

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interrupção da gravidez e do profissional de saúde de realizá-lo, desde que

atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia.

O pedido final visa à declaração da inconstitucionalidade,

com eficácia abrangente e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124,

126 e 128, incisos I e II, do Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848/40 - como

impeditiva da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto

anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito

subjetivo da gestante de assim agir sem a necessidade de apresentação prévia

de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do

Estado. Sucessivamente, pleiteia a argüente, uma vez rechaçada a pertinência

desta medida, seja a petição inicial recebida como reveladora de ação direta de

inconstitucionalidade. Esclarece que, sob esse prisma, busca a interpretação

conforme a Constituição Federal dos citados artigos do Código Penal, sem

redução de texto, aduzindo não serem adequados à espécie precedentes

segundo os quais não cabe o controle concentrado de constitucionalidade de

norma anterior à Carta vigente.

A argüente protesta pela juntada, ao processo, de

pareceres técnicos e, se conveniente, pela tomada de declarações de pessoas

com experiência e autoridade na matéria. À peça, subscrita pelo advogado Luís

Roberto Barroso, credenciado conforme instrumento de mandato - procuração -

de folha 26, anexaram-se os documentos de folha 27 a 148.

O processo veio-me concluso para exame em 17 de junho

de 2004 (folha 150). Nele lancei visto, declarando-me habilitado a votar, ante o

pedido de concessão de medida acauteladora, em 21 de junho de 2004,

expedida a papeleta ao Plenário em 24 imediato.

No mesmo dia, prolatei a seguinte decisão:

AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL - INTERVENÇÃO DE TERCEIRO - REQUERIMENTO -

IMPROPRIEDADE.

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1. Eis as informações prestadas pela Assessoria:

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB -

requer a intervenção no processo em referência, como amicus curiae, conforme

preconiza o § 1º do artigo 6º da Lei 9.882/1999, e a juntada de procuração.

Pede vista pelo prazo de cinco dias.

2. O pedido não se enquadra no texto legal evocado pela

requerente. Seria dado versar sobre a aplicação, por analogia, da Lei nº

9.868/99, que disciplina também processo objetivo - ação direta de

inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Todavia, a

admissão de terceiros não implica o reconhecimento de direito subjetivo a

tanto. Fica a critério do relator, caso entenda oportuno. Eis a inteligência do

artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, sob pena de tumulto processual. Tanto é

assim que o ato do relator, situado no campo da prática de ofício, não é

suscetível de impugnação na via recursal.

3. Indefiro o pedido.

4. Publique-se.

A impossibilidade de exame pelo Plenário deságua na

incidência dos artigos 21, incisos IV e V, do Regimento Interno e artigo 5º, § 1º,

da Lei nº 9.882/99, diante do perigo de grave lesão.

2. Tenho a Confederação Nacional dos Trabalhadores na

Saúde - CNTS como parte legítima para a formalização do pedido, já que se

enquadra na previsão do inciso I do artigo 2º da Lei nº 9.882, de 3 de novembro

de 1999. Incumbe-lhe defender os membros da categoria profissional que se

dedicam à área da saúde e que estariam sujeitos a constrangimentos de toda a

ordem, inclusive de natureza penal.

Quanto à observação do disposto no artigo 4º, § 1º, da Lei

nº 9.882/99, ou seja, a regra de que não será admitida argüição de

descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio

eficaz de sanar a lesividade, é emblemático o que ocorreu no Habeas Corpus

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nº 84.025-6/RJ, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa. A situação pode

ser assim resumida: em Juízo, gestante não logrou a autorização para abreviar

o parto. A via-crúcis prosseguiu e, então, no Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro, a relatora, desembargadora Giselda Leitão Teixeira, concedeu

liminar, viabilizando a interrupção da gestação. Na oportunidade, salientou:

A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas,

quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de

sofrimento, de angústia, de desespero.

O Presidente da Câmara Criminal a que afeto o processo,

desembargador José Murta Ribeiro, afastou do cenário jurídico tal

pronunciamento. No julgamento de fundo, o Colegiado sufragou o

entendimento da relatora, restabelecendo a autorização. Ajuizado habeas

corpus, o Superior Tribunal de Justiça, mediante decisão da ministra Laurita

Vaz, concedeu a liminar, suspendendo a autorização. O Colegiado a que

integrado a relatora confirmou a óptica, assentando:

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO

PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE

ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA

RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO.

INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A

DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses

previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima,

irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já

que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir,

o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado,

formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o

caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de

retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do

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mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não

deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal,

como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado.

As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo

restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam

partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses

autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito

nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta

proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da

Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma

propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo

Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do

caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve,

efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do

mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

Daí o habeas impetrado no Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, na assentada de julgamento, em 4 de março último, confirmou-se a

notícia do parto e, mais do que isso, de que a sobrevivência não ultrapassara o

período de sete minutos.

Constata-se, no cenário nacional, o desencontro de

entendimentos, a desinteligência de julgados, sendo que a tramitação do

processo, pouco importando a data do surgimento, implica, até que se tenha

decisão final - proclamação desta Corte -, espaço de tempo bem superior a

nove meses, período de gestação. Assim, enquadra-se o caso na cláusula final

do § 1º em análise. Qualquer outro meio para sanar a lesividade não se mostra

eficaz. Tudo recomenda que, em jogo tema da maior relevância, em face da

Carta da República e dos princípios evocados na inicial, haja imediato crivo do

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Supremo Tribunal Federal, evitando-se decisões discrepantes que somente

causam perplexidade, no que, a partir de idênticos fatos e normas, veiculam

enfoques diversificados. A unidade do Direito, sem mecanismo próprio à

uniformização interpretativa, afigura-se simplesmente formal, gerando

insegurança, o descrédito do Judiciário e, o que é pior, com angústia e

sofrimento ímpares vivenciados por aqueles que esperam a prestação

jurisdicional. Atendendo a petição inicial os requisitos que lhe são inerentes -

artigo 3º da Lei nº 9.882/99 -, é de se dar seqüência ao processo.

Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a

possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme

ressaltado na inicial, os valores em discussão revestem-se de importância

única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em

seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da

legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo

biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida,

sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de acompanhamento,

minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física,

estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação. As

percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Este o quadro de uma

gestação normal, que direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança.

Pois bem, a natureza, entrementes, reserva surpresas, às vezes

desagradáveis. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar

mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade

não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas,

justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica

atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior

confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino

em mais de 50% dos casos.

Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é

diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo

nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência.

Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à respectiva família,

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danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos

no âmbito da medicina. Como registrado na inicial, a gestante convive

diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro

de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa

contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto -

que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia

de vontade. A saúde, no sentido admitido pela Organização Mundial da Saúde,

fica solapada, envolvidos os aspectos físico, mental e social. Daí cumprir o

afastamento do quadro, aguardando-se o desfecho, o julgamento de fundo da

própria argüição de descumprimento de preceito fundamental, no que idas e

vindas do processo acabam por projetar no tempo esdrúxula situação.

Preceitua a lei de regência que a liminar pode conduzir à

suspensão de processos em curso, à suspensão da eficácia de decisões

judiciais que não hajam sido cobertas pela preclusão maior, considerada a

recorribilidade. O poder de cautela é ínsito à jurisdição, no que esta é colocada

ao alcance de todos, para afastar lesão a direito ou ameaça de lesão, o que,

ante a organicidade do Direito, a demora no desfecho final dos processos,

pressupõe atuação imediata. Há, sim, de formalizar-se medida acauteladora e

esta não pode ficar limitada a mera suspensão de todo e qualquer

procedimento judicial hoje existente. Há de viabilizar, embora de modo precário

e efêmero, a concretude maior da Carta da República, presentes os valores em

foco.

Daí o acolhimento do pleito formulado para, diante da

relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de

desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-se não só o

sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, como

também o reconhecimento do direito constitucional da gestante de submeter-se

à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo

médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto. É como decido

na espécie.

3. Ao Plenário para o crivo pertinente.

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4. Publique-se.

Brasília,

1º de julho de 2004, às 13 horas.

Ministro MARCO AURÉLIO Relator

MARCELA DE JESUS FERREIRA: ANENCEFALIA EM 1 ANO E 8

MESES DE VIDA!

"Cuidei dela até quando Deus quis', diz a mãe de Marcela

de Jesus Ferreira (...)". Um ano, oito meses e 12 dias. Esse foi o período de

vida de Marcela de Jesus Ferreira, o bebê que nasceu com anencefalia (sem

cérebro), em Patrocínio Paulista, na região de Ribeirão Preto. A criança morreu

às 22 horas de sexta-feira, 1, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), da Santa

Casa de Franca, com parada respiratória em decorrência de uma pneumonia

aspirativa. Ela estava bem até 7 horas da manhã, quando a mãe Cacilda

Galante Ferreira a alimentou com leite, por sonda. Mas ela vomitou o leite e em

seguida aspirou muito desse alimento, o que provocou a pneumonia, detectada

pouco depois na Santa Casa local. .

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Menina com anencefalia morre após 1 ano e 8 meses. Ribeirão Preto. 'Cuidei dela até quando Deus quis', diz a mãe de Marcela de Jesus Ferreira, que foi um exemplo para medicina. Brás Henrique, de O Estado de S. Paulo. Estadão Online. Sábado, 2 de agosto de 2008, 11:25

"Estou tranqüila, não triste, pois eu cuidei dela até

quando Deus quis", comentou a católica Cacilda, de 37 anos. Ela, mesmo

diante do diagnóstico de anencefalia, no quinto mês de gravidez, sabendo que

eram poucas as possibilidades de sobrevivência do bebê, decidiu não

interromper a gestação. Contra todos os prognósticos, de que viveria algumas

horas apenas, Marcela nasceu em 20 de novembro de 2006 e foi um exemplo

para a medicina e para as pessoas contrárias ao aborto. "Ela foi um exemplo

de que um diagnóstico não é nada definitivo", disse a pediatra Márcia Beani

Barcellos, que sempre acompanhou a menina, inclusive na sexta, até a

internação na UTI da Santa Casa de Franca.

"Deus quis a pedra, a jóia, que eu estava lapidando com

muito carinho e veio buscá-la; chegou a hora dela mesmo, e foi de repente",

comentou Cacilda, que quase não desgrudou de Marcela desde o nascimento.

Cuidou da filha no hospital durante alguns meses e, como a família mora num

sítio distante da cidade, depois se mudou para uma casa própria, na cidade, a

um quilômetro da Santa Casa, para socorrê-la nos casos emergenciais. O

marido, Dionísio, ficou no sítio com a filha Dirlene, de 16 anos, a que mais ficou

triste com a perda da irmã. Débora, de 19 anos, ficou com a mãe na cidade e

conformou-se mais rapidamente.

Diz Sra. Cacilda: “Eu acho que ela é uma estrela

mandada por Deus, para que seja um instrumento nas mãos dele”.

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Cacilda só não esteve ao lado de Marcela no derradeiro

momento. Após ver a filha ser levada à UTI no hospital francano, ela retornou

para casa para tomar banho. Por telefone, o médico plantonista pediu a sua

presença imediata no hospital. Ao chegar, Cacilda foi informada que a filha

havia falecido menos de meia hora antes.

Enquanto esteve morando na casa de Patrocínio

Paulista, cuidando da filha, Cacilda só voltou duas vezes ao sítio nesse

período: a última com a filha. Agora, ela não sabe o que fará, se voltará ao sítio

ou se continuará na cidade.

Neste sábadp, durante o velório, ela demonstrava a

mesma serenidade ao falar da experiência de cuidar de Marcela e de sua

morte. "A Marcela é um exemplo de amor de uma mãe que sempre quis tê-la,

de seguir o que o coração manda, e a Cacilda teve muita dignidade nisso",

resumiu a pediatra Márcia. O corpo da menina será sepultado no final da tarde

no cemitério de Patrocínio Paulista.

Marcela será enterrada vestindo uma camiseta com a

imagem de Nossa Senhora, calça jeans e sapatinhos. Católica fervorosa,

Cacilda deu o nome de Marcela à filha em homenagem ao padre Marcelo

Rossi. E o nome Jesus foi incorporado ao nome pois a mãe dizia que a filha

pertencia a Ele. Para sobreviver, Marcela usava um capacete de oxigênio

(raramente ficava sem ele) e era alimentada por sonda, à base de produtos

líquidos (sucos, leite e papinhas). Chegou a pesar quase 15 quilos. Devido à

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deficiência, a menina recebia, desde setembro de 2007, um benefício de um

salário mínimo (R$ 415), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

MARIA TERESA VIVEU MAIS DE 3 (TRÊS) MESES DE

VIDA!

Maria Teresa, anencéfala, e sua mãe Ana Cecília Araújo Nunes

Maria Teresa nasceu em 17/12/2000, em Fortaleza (CE),

vindo a falecer em 29/03/2001, portanto com mais de três meses de nascida. 276

FOTO DE ANENCEFALO COM SEUS PAIS277

276 Maria Teresa foi a quarta filha de Ana Cecília Araújo Nunes, Mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará e professora da Universidade Estadual do Ceará. Cf. Ana Cecília Araújo NUNES, A história de Maria Teresa, anencéfala, ago. 2004. Disponível em: <http://www.providaanapolis.org.br/mteresa.htm>Acesso em: 3 set. 2007. 277

Disponível em :<http://www.anencephalie-info.org/p/fotos.php>

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