PODER JUDICIÁRIO J E S F B C JUSTIÇA FEDERAL...
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Processo nº. 0004975-61.2007.4.02.5001 Página 1 de 111
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL Av. Marechal Mascarenhas de Moraes, 1877, Bairro Monte Belo, Vitória-ES, CEP: 29053-245 e-mail : [email protected]. Tel.: (27) 3183-5284
Processo nº. 0004975-61.2007.4.02.5001 (2007.50.01.004975-9) - AÇÃO PENAL Autor: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL Réu: JOSE IGNACIO FERREIRA E OUTROS Juiz: Dr. Daniel de Carvalho Guimarães Sentença: D - Penais
SENTENÇA
(D - Penais)
RELATÓRIO
Ação penal pública incondicionada promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
contra JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO, GENTIL ANTÔNIO RUY,
JOSÉ CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO OLIVEIRA DE ANDRADE, RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI,
MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS
NEVES e JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR1, nos autos qualificados e indicados às seguintes penas:
DENUNCIADOS
CAPITULAÇÕES DELITIVAS
JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA GENTIL ANTONIO RUY JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENENONI JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO JOSÉ CARLOS GRATZ
� Art. 312, §1°2, e art. 288, ambos do CPB, c/c art. 1°
da Lei 9.613/98, c/c artigos 71 e 29 do CPB.
LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES MARCELO DE ABREU LIMA JOSÉ CARLOS GRATZ
� Art. 312, §1°, e art. 288, ambos do CPB, c/c art. 1°
da Lei 9.613/98, c/c artigos 71 e 29 do CPB. � Art. 10 da Lei n° 7492/86.
A denúncia retrata a drenagem de recursos públicos, em proveito dos denunciados, para
financiamento da campanha eleitoral do ano de 2000 para as prefeituras do Estado do Espírito Santo, com o
pagamento de dinheiro em espécie e bens e serviços a candidatos do partido do Governador ou a seus aliados.
Eis o resumo do contexto fático narrado na denúncia:
1. TRANSAÇÃO ENTRE SAMARCO, ESCELSA E GOVERNO DO ESTADO
1 Desmembramento à fl. 949, relativo a JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR, dando origem aos autos da ação penal n° 2007.50.01.014709-5, que já foi sentenciada por este Juízo. 2 A imputação de peculato posteriormente foi EXCLUÍDA em relação aos denunciados RAIMUNDO BENEDITO e GENTIL ANTONIO RUY, em decorrência de respectiva concessão de ordem de Habeas Corpus, às fls. 2017/2030 e 2075/2091.
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Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a DANIEL DE CARVALHO GUIMARAES.Documento No: 976679-70-0-122-111-706192 - consulta à autenticidade do documento através do site http://www2.jfes.jus.br/jfes/d004 .
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Documento No: 17491485-8-0-47-111-957138 - consulta à autenticidade do documento através do site http://www2.jfes.jus.br/jfes/d004 .
Processo nº. 0004975-61.2007.4.02.5001 Página 2 de 111
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i) No Espírito Santo, a maioria das empresas exportadoras sediadas no Estado detentoras de
créditos de ICMS (em virtude da Lei Kandir) ficam impedidas de compensar tais valores diretamente com o
Estado, por não venderem sua produção no mercado interno. Assim, tais empresas pleiteiam a compensação
desses valores com outras empresas que têm débito de ICMS com o Estado. Entre as operações autorizadas
com fundamento na Lei Kandir, encontra-se aquela que possibilitou à empresa ESPÍRITO SANTO CENTRAIS
ELÉTRICAS S/A (ESCELSA) comprar créditos de ICMS da empresa SAMARCO MINERAÇÃO S/A.
ii) Referido pedido de transação de ICMS deveria resultar em aporte voluntário de duas verbas
ao Estado do Espírito Santo por parte das empresas: uma, no montante de R$ 9.000.000,00, para financiar o
projeto Luz no Campo; outra, no montante de R$ 6.300.000,00, para aplicação na melhoria do meio ambiente.
JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, então Governador do Estado do Espírito Santo, embora não
tenha textualmente se referido à verba ambiental, deferiu a transação de ICMS em 11/08/2000, na mesma data
em que a proposta lhe foi submetida por carta do Secretário de Fazenda do Estado (José Carlos da Fonseca
Junior). Em 25/08/2000, foi firmado termo de operacionalização da referida transferência de créditos acumulados
de ICMS, omitindo-se, porém, o desembolso da verba ambiental. Em 31/08/2000, a SAMARCO emitiu uma nota
fiscal no valor de R$ 6.300.000,00 para a empresa ESCELSA, representando valores que seriam destinados à
Fundação Augusto Ruschi, como contrapartida ambiental.
Todavia, esse montante foi reduzido a R$ 5.000.000,00, beneficiando a ESCELSA com a
redução de R$ 1.300.000,00, sem que houvesse qualquer explicação para isso. O restante da doação foi
depositado no dia 01/09/2000 em uma conta corrente aberta no mesmo dia na COOPETFES pela Fundação. No
dia seguinte ao depósito, a expressiva quantia de R$ 4.389.800,00 foi repassada para outra conta corrente na
COOPETFES, esta de titularidade de RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO, e o restante do numerário (R$
598.200,00) também foi imediatamente repassado para a empresa BBS Consultoria, pertencente a um diretor da
Fundação Augusto Ruschi.
iii) Em resumo, os R$ 6.300.00,00 inicialmente doados ao Estado tiveram a seguinte
destinação: a) R$ 1.300.000,00 para a ESCELSA; b) R$ 598.200,00 para Aluízio Sá dos Santos, que era diretor
da Fundação Augusto Ruschi; e c) R$ 4.389.800,00 para a conta de RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA
FILHO, responsável por operacionalizar o “caixa 2” de JOSÉ IGNÁCIO.
2. DESTINAÇÃO DOS RECURSOS APROPRIADOS
Os recursos depositados no “caixa 2” do ex-governador do Estado do Espírito Santo (R$
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4.389.800,00) foram integralmente gastos na campanha eleitoral municipal de 2000, conforme prova documental
apreendida na casa de GENTIL RUY, por ordem judicial exarada nos autos de processo em curso na 7ª Vara
Criminal da Comarca de Vitória/ES. Para tanto, foram montados dois comitês informais responsáveis pela
distribuição dos recursos em voga.
GENTIL ANTONIO RUY, à época Secretário de Estado, além de cunhado e sócio do ex-
governador, teria distribuído as maiores somas desses recursos a três pessoas que compunham o comitê
informal: JOSÉ CARLOS GRATZ, JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR e JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA
ANDRADE. Os membros do comitê não participaram do pleito eleitoral municipal. Isso significa que os recursos
foram repassados aos mesmos a título de apropriação pessoal. JOSÉ CARLOS GRATZ, à época Presidente da
Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, era responsável pela célere tramitação de projetos de lei a
concretizar a transação de ICMS. José Carlos da Fonseca Junior e JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE,
Deputados licenciados, serviam a JOSÉ IGNÁCIO e estiveram presentes em todas as fases da operação que
envolveu ESCELSA, SAMARCO e Governo.
O MPF destaca que, entre o material apreendido, os documentos que consignavam valores
repassados diretamente a políticos que concorreram ao pleito eleitoral de 2000 ou aos municípios do Estado
vinham acompanhados das siglas JC/JT/G, representando “JOSÉ CARLINHOS” (como era conhecido José
Carlos da Fonseca Junior), JOSÉ TASSO (nome político de JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE) e GRATZ
(JOSÉ CARLOS GRATZ).
Com tais recursos, foi efetuado pagamento de propinas, mediante o repasse de valores
diretamente aos membros do comitê informal, a candidatos e a operadores políticos da campanha eleitoral de
2000. Segue a síntese do esquema de pagamento de propinas.
2.1. Valores repassados diretamente a membros do comitê informal:
No dia 04.09.2000, após o repasse de valores oriundos da conta da Fundação Augusto
Ruschi, RAIMUNDO BENEDITO emitiu quatro cheques, por instrução de GENTIL ANTONIO RUY:
� Cheque n° 112.082, no valor de R$ 500.000,00:
- Este cheque foi emitido ao próprio emitente, mas o destinatário de fato desse valor era JOSÉ
CARLOS GRATZ.
- O valor em questão foi depositado na conta de MARCELO DE ABREU E LIMA, havendo
endosso de MARCELO no verso do cheque.
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- Embora conste no verso do cheque a liquidação do mesmo pelo Banco Santos Neves (BSN),
este não foi compensado na conta regular bancária de MARCELO DE ABREU E LIMA, nem na conta por este
mantida na Corretora de Câmbios e Valores César Santos Neves. A contabilidade regular do BSN não acusa o
ingresso de tal cheque, tudo indicando que o mesmo não foi escriturado pelo Banco.
- Em data próxima da compensação do referido cheque, foi feito um depósito na conta de
MARCELO DE ABREU E LIMA na Corretora César Santos Neves, no valor nominal de R$ 450.000,00,
resultante de depósito em espécie, conforme fita do caixa.
- Apesar de não ter sido escriturado pelo BSN, o cheque foi compensado contra o Banco
emitente, gerando o seu pagamento.
- Conclui-se que o cheque foi compensado em conta destinada exclusivamente à aplicação em
valores mobiliários, em ofensa ao art. 14 da Resolução n° 1655, de 26/10/1989, do BACEN.
- Esse artifício logrou suprimir tributos devidos pela Corretora e pelo beneficiário e
intermediário MARCELO DE ABREU E LIMA. Além disso, possibilitou a dissimulação da origem ilícita dos
recursos transferidos a JOSÉ CARLOS GRATZ, em operação indiretamente custeada pelo erário estadual.
- Tal operação foi possível mediante a participação de LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS
NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES, que, gerindo fraudulentamente a referida Corretora e o
BSN, deixaram de escriturar operação bancária regular e ainda afrontaram a Resolução n° 1655 do BACEN, art.
14, que veda a utilização de contas da corretora para fins de depósito e saque de cheques.
- Conclusão: o cheque dado a JOSÉ CARLOS GRATZ sofreu sofisticado processo de lavagem
para, ao final, virar dinheiro em espécie.
� Cheques n° 112.083 e n° 112.084, cada um no valor de R$ 150.000,00:
- Emitidos por RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO ao próprio emitente, tais cheques
seguiram esquema de compensação fraudulenta no BANESTES: o gerente da Agência Matriz do BANESTES
recebia os cheques de RAIMUNDO, esperava o fluxo de caixa de outros clientes e, com fundos suficientes nos
caixas do banco, descontava os cheques em dinheiro, ou remetia documentos de crédito para terceiros,
conforme ordens de BENEDITO e de GENTIL RUY.
- A auditoria interna especial feita no BANESTES detectou que os valores desses cheques
foram disponibilizados para a Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância, localizada na
cidade natal e reduto político de JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE, à época Deputado licenciado para
exercer cargo de Secretário de Estado. A associação era gerida pelo irmão de JOSÉ TASSO.
- Após esse primeiro destino dos recursos, um dos cheques foi imediatamente estornado para
o Posto Contorno Ltda., que pertence a JOSÉ TASSO. Assim, os valores do outro numerário foram apropriados
por aquela Associação.
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� Cheque n° 112.098, no valor de R$ 100.000,00:
- Recursos destinados diretamente ao advogado na parte eleitoral do grupo, Hélio Maldonado.
Conforme o MPF, o montante amealhado pelos controladores do comitê eleitoral em benefício
próprio chegou à cifra de R$ 1.250.000,00, aproximadamente 30% do valor apropriado do Estado por meio da
Fundação Augusto Ruschi.
2.2. Valores repassados diretamente a candidatos e operadores políticos da campanha de 2000:
Neste ponto há duas listagens: (1) verbas destinadas a políticos; e (2) verbas a redutos
eleitorais.
� Verbas a políticos:
- Participaram do comitê eleitoral informal os denunciados GRATZ, JOSÉ CARLOS e JOSÉ
TASSO.
� Verbas a redutos eleitorais:
- O comitê tem como participantes da destinação dos recursos os membros da equipe de
governo de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, GENTIL, JOSÉ CARLOS e JOSÉ TASSO. A relação de pagamentos
está deduzida em documentos apreendidos na residência de GENTIL RUY.
2.3. Valores repassados ao Secretário Paulo Stefenoni:
- Pela sua participação nos fatos, o Secretário Stefenoni foi agraciado com a remessa de
R$18.800,00 para seu filho Paulo Stefenoni Junior, à época candidato a vereador do Município de Vitória/ES.
Fato comprovado em documento apreendido na casa de GENTIL RUY (menção à fl. 30).
De todos os repasses detectados, a conta final, segundo o MPF, fecha com exatidão em cima
dos valores advindos do Estado, via Fundação Augusto Ruschi.
3. SÍNTESE DAS IMPUTAÇÕES AOS RÉUS
� JOSÉ IGNÁCIO e seus Secretários de Estado (GENTIL RUY, JOSÉ TASSO, RODRIGO
FERMO STEFENONI e José Carlos da Fonseca Junior) arquitetaram desde o início a operação fraudulenta
relacionada à pseudo-regular transferência de ICMS entre ESCELSA e SAMARCO, com o objetivo de amealhar
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fundos públicos para serem apropriados na campanha eleitoral de 2000.
� Para tanto, em coautoria, os referidos réus elaboraram proposta legislativa nesse sentido,
convenceram as empresas a efetuarem a transferência que interessava ao grupo e, após a concretização do
negócio, remeteram os recursos destinados pelo Estado para finalidade certa (meio ambiente) a terceiro
previamente escolhido, efetuando pagamento de um “pedágio” pelos serviços desse terceiro (empréstimo do
nome). No curso da operação destinada a irrigar o “caixa 2” do governo para, logo após, financiar campanha
eleitoral, de acordo com sua conveniência política, tais denunciados fizeram operações financeiras tendentes a
ocultar a origem dos recursos utilizados.
� RAIMUNDO BENEDITO e GENTIL RUY foram responsáveis por operacionalizar o “caixa 2”
do ex-governador do Estado do Espírito Santo. Para isso, RAIMUNDO cedeu sua conta corrente de n° 571-1,
aberta de forma irregular na COOPETFES, para que os recursos públicos desviados pela quadrilha ali
transitassem. Tais recursos teriam sido movimentados para fins de financiamento da campanha eleitoral
municipal de 2000.
� GENTIL RUY também foi responsável pela distribuição das maiores somas de recursos para
as três pessoas que compunham o comitê informal da campanha eleitoral municipal de 2000 e por gerenciar a
integralidade dos recursos desviados, procedendo à sua contabilidade.
� JOSÉ CARLOS GRATZ, GENTIL RUY, JOSÉ TASSO, RODRIGO FERMO e José Carlos da
Fonseca Junior receberam para si parte dos recursos públicos desviados. Além disso, GRATZ, JOSÉ TASSO e
RODRIGO FERMO compuseram uma espécie de comitê para a distribuição e alocação das verbas desviadas,
procedendo à escolha dos políticos e pessoas que seriam beneficiadas com os recursos desviados.
� JOSÉ CARLOS GRATZ concorreu para a liquidação fraudulenta do cheque de R$
500.000,00 em seu favor. Esse cheque foi recebido e endossado por MARCELO DE ABREU E LIMA, que o
entregou a LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES para que
providenciassem a liquidação fraudulenta desse recurso a favor do denunciado JOSÉ CARLOS GRATZ.
� LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO SANTOS NEVES, em
flagrante afronta às normas contábeis exigidas pelo Banco Central do Brasil, receberam cheque no valor de R$
500.000,00 para efeitos de depósito na Corretora César Santos Neves, providenciando sua conversão em
pecúnia. Também fizeram com que as contabilidades do Banco Santos Neves e da Corretora fossem
adulteradas no sentido de fazer parecer que o referido cheque jamais tivesse tido trânsito pelas suas casas
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bancárias, enganando assim os órgãos de fiscalização. Em seguida, emitiram recursos provenientes deste
cheque em favor de GRATZ (então Presidente da Assembléia Legislativa), com plena consciência de que assim
contribuíam para os demais resultados ilícitos.
O Ministério Público Federal arrolou oito testemunhas. Denúncia instruída com as peças de fls.
36/43.
Ação proposta originariamente perante o STJ, que à fl. 57 determinou a notificação dos
denunciados para apresentação de resposta, nos termos do art. 4° da Lei 8.038/90.
Resposta preliminar de JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES e LUIZ RENATO TOMMASI
SANTOS NEVES, às fls. 78/95; Resposta de RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO, às fls. 172/215;
Resposta de RODRIGO FERMO, às fls. 226/237; Resposta de MARCELO DE ABREU E LIMA, às fls. 309/325;
Resposta preliminar de JOSÉ CARLOS GRATZ, às fls. 410/439; Resposta de JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA
ANDRADE, às fls. 442/462; Resposta de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, às fls. 535/612; Resposta de José Carlos
da Fonseca Junior, às fls. 622/636.
Manifestação do MPF às fls. 702/710, refutando as teses defensivas e reiterando os termos da
denúncia.
Fls. 720: em face do julgamento das ADI’s 2.797/DF e 2.860/DF pelo STF, o STJ determinou a
remessa dos autos ao Juízo de primeiro grau.
Fls. 730/732: manifestação do Ministério Público Estadual, opinando pela remessa do feito à
Justiça Federal.
Fls. 733/735: a defesa de RODRIGO FERMO requereu a remessa deste feito ao Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo.
Fls. 739/742: decisão do MM. Juízo da Nona Vara Criminal, remetendo os autos ao TRF da 2ª
Região.
Fls. 759/760: a Procuradoria Regional da República atuante na 2ª Região opinou pela remessa
dos autos ao Juízo Federal de primeiro grau, em razão de nenhum dos denunciados ter mantido a condição de
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parlamentar após o término dos mandatos em 2006. Parecer ministerial acolhido às fls. 767/768, com o declínio
de competência do TRF da 2ª Região em favor desta Seção Judiciária.
Com a descida dos autos, o MPF ratificou a inicial acusatória em todos os seus termos (fls.
774), e a denúncia foi recebida neste Juízo, na data de 16/07/2007 (fls. 775/776).
Fls. 789/821, 829/834, 849 e 907/924: juntada de Folhas de Antecedentes Criminais.
Fls. 842/843-verso: Termo de Acautelamento de apensos na Secretaria do Juízo.
Despacho de fls. 949: determinou-se o desmembramento do feito em relação a José Carlos da
Fonseca Junior, que exercia suas atividades profissionais na Índia. Desmembramento às fls. 954/955.
Após as citações pessoais dos réus, realizaram-se os interrogatórios judiciais dos réus
GENTIL ANTONIO RUY (fls. 957/961); RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO (fls. 962/966), JOSÉ
IGNÁCIO FERREIRA (fls. 967/971), JOSÉ CARLOS GRATZ (fls. 972/975), RODRIGO FERMO VIDIGAL
STEFENONI (fls. 976/978), MARCELO DE ABREU E LIMA (fls. 979/981), LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS
NEVES (fls. 982/984), JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES (fls. 985/987) e JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA
ANDRADE (fls. 1240/1242). Os advogados constituídos apresentaram defesas prévias3, nos termos do art. 395
do CPP, em sua antiga redação.
Decisão de fls. 1251/1252: a oitiva de José Carlos da Fonseca Junior como testemunha foi
indeferida, por se tratar de corréu em feito desmembrado, e determinou-se o seguimento processual, com a
expedição de precatórias e designação de audiência de instrução.
Fls. 1257/1302: juntada de cópia da sentença exarada nos autos da ação penal que tramitou
na 8ª Vara Criminal de Vitória/ES, envolvendo GENTIL ANTONIO RUY e outros.
Despacho de fls. 1307: oitiva do corréu GENTIL RUY como testemunha igualmente indeferida.
Despachos de fls. 1348 e 1367: oportunidades concedidas às defesas para substituição de
testemunhas não localizadas.
3 JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA: fls. 995/996; RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO: fls. 998/1002 (acompanhada das peças de fls. 1003/1088; GENTIL ANTÔNIO RUY: fls. 1089/1099 (acompanhada das peças de fls. 1100/1216); JOSÉ CARLOS GRATZ: fls. 1217; RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI: fls. 1218; MARCELO DE ABREU E LIMA: fls. 1219/1221; JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES e LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES: fls. 1222/1223; JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE: fls. 1246/1247.
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Fls. 1356: a defesa de MARCELO requereu apreciação do pedido de prova pericial deduzido
em sua defesa prévia.
À fl. 1404, o acusado JOSÉ CARLOS GRATZ, por meio de sua defesa constituída, manifestou
que não deseja ser submetido a novo interrogatório.
Despacho de fls. 1405: deferimento de diversos pedidos de substituição de testemunhas, bem
como da solicitação de adiamento da audiência para data posterior ao cumprimento das precatórias expedidas.
Às fls. 1495/1496, a defesa de RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI juntou certidão de
que o réu foi absolvido nos autos da ação penal n° 024.01.014501-9, em curso na 7ª Vara Criminal de Vitória-
ES, com trânsito em julgado para a acusação.
Na audiência de instrução, iniciada às fls. 1655/1658, foi manifestada e homologada a
desistência de diversas testemunhas da defesa, bem como foram deferidos pedidos de substituição de
testemunhas. Além disso, inquiriu-se uma testemunha.
Fls. 1691/1692: o MPF opinou contrariamente à realização de perícia em cheque solicitada
pela defesa do réu MARCELO.
Despacho à fl. 1761: entre outras providências, acolhi o parecer ministerial para indeferir a
produção de perícia grafotécnica.
Decisões de fls. 1801 e 1809: manutenção de decisão proferida anteriormente em audiência,
no tocante à aplicação de multa a testemunhas faltosas.
Às fls. 1830/1834, foram prestadas informações ao TRF da 2ª Região, nos autos de Habeas
Corpus impetrado em favor de GENTIL ANTONIO RUY e RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO.
Posteriormente, às fls. 2017/2030 e 2075/2091, o TRF da 2ª Região comunicou a concessão parcial da ordem
de Habeas Corpus, para trancar a ação penal em relação a GENTIL RUY e a RAIMUNDO BENEDITO,
apenas no que tange à imputação do crime de peculato-furto (CP, art. 312, §1°).
Fls. 1850/1924: juntada de documentos pela defesa dos réus LUIZ RENATO e JOSÉ
AUGUSTO.
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Fls. 1927/1929: na data designada para a continuação da audiência de instrução, a defesa de
JOSÉ CARLOS GRATZ alegou questão de ordem, relativa à ausência de intimação das defesas dos réus desta
ação penal para participar da instrução do feito desmembrado quanto a José Carlos da Fonseca Junior. Às fls.
1936/1938, proferi decisão sobre o tema, refutando a questão de ordem suscitada e determinando o
prosseguimento do feito.
Fls. 1941/1945: juntada de documentos por parte da defesa de LUIZ RENATO e JOSÉ
AUGUSTO DOS SANTOS NEVES.
Despacho às fls. 2120/2121: entre outras providências, exclui a imputação de peculato-furto
apenas para os acusados RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO e GENTIL ANTÔNIO RUY, em
acatamento à determinação da egrégia instância superior em sede de Habeas Corpus.
Audiência de instrução (fls. 2127/2135): oitiva de onze testemunhas arroladas; manifestação e
homologação de desistência de testemunha da defesa; juntada de documentos por parte da defesa de
RAIMUNDO BENEDITO e GENTIL RUY (fls. 2136/2175). A audiência foi suspensa.
Às fls. 2189/2201, a Secretaria de Estado da Fazenda encaminhou peças contendo o
detalhamento das transferências de crédito realizadas entre SAMARCO e ESCELSA durante o período de
agosto/2000 a março/2001.
Na data designada para a continuação da audiência de instrução (fls. 2211/2215), foi inquirida
uma testemunha arrolada pela defesa. Audiência suspensa, em virtude da pendência de carta precatória para
oitiva de testemunha remanescente.
Segue a relação das testemunhas inquiridas durante toda a instrução processual:
Testemunhas arroladas pela acusação: Caio Marcos Cândido (fls. 1610/1612); Paulo Sérgio Torres da Silva (fls. 1662);
José Manoel de Araújo Filho (fls. 1687/1688); Sidney Valente de Matos (fls. 1718/1719); Rodolfo Izetti da Costa (fls. 1720/1721), Celso José de Vasconcelos (fl. 2135), Fernando Wagner Costa Muritiba (fl. 2135); Aquiles Gonçalves Coelho (fls. 2462).
Testemunhas arroladas por JOSÉ IGNÁCIO: Antonio Correia de Almeida (fls. 1484); Ricardo Drummond da Rocha (fls. 1523); Jorge Hélio Leal (fl. 2134); João Luiz de Menezes Tovar (fl. 2134); Marcelo Antonio de Souza Basílio (fl. 2134); Nivaldo Rabelo Junior (fl. 2134); Luiz Otávio Rodrigues Coelho (fl. 2134); José Luciano Duarte Penido4 (fls. 2243).
Testemunhas arroladas por RAIMUNDO BENEDITO:
Ronaldo Eustáquio Gama (fl. 2134)
Testemunhas arroladas por GENTIL RUY: João Batista Cerutti Pinto (fl. 2134); Maria Teresa de Siqueira Lima (fl. 2134)
4 Ouvido na qualidade de mero informante, por se tratar de pessoa que responde a processo similar perante o TRF da 2ª Região.
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Testemunhas arroladas por JOSÉ CARLOS GRATZ:
Francisco Luiz Sibut Gomide (fls. 1439/1449); Milton José Simões Baeta da Costa (fls. 1522); José Tadeu de Moraes (fls. 1524).
Testemunhas arroladas por JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE:
Francisco Luiz Sibut Gomide (fls. 1439/1449); Antonio Correia de Almeida (fls. 1484); Milton José Simões Baeta da Costa (fls. 1522); José Antônio Almeida Pimentel (fl. 2215)
Testemunhas arroladas por RODRIGO FERMO VIDIGAL:
Antonio Correia de Almeida (fls. 1484); Luiz Otávio Rodrigues Coelho (fl. 2134)
Testemunhas arroladas por MARCELO DE ABREU E LIMA:
Flávio Bernardo Soares de Melo (fls. 1647/1648); Leonardo de Sá Cavalcante (fls. 1717).
Testemunhas arroladas por LUIZ RENATO:
Rubens José Donatelli (fls. 1744); Gradiston Coelho da Silva (fls. 2134).
Testemunhas arroladas por JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES:
Gradiston Coelho da Silva (fls. 2134).
Decisão às fls. 2251/2253: a) deferi a realização de perícia grafotécnica no cheque n° 112.082,
conforme requerido pela defesa de MARCELO DE ABREU E LIMA; b) deferi o pedido da defesa de JOSÉ
IGNÁCIO FERREIRA, para que se requisitasse à Secretaria da Fazenda do Estado do Espírito Santo a série
histórica de operações de transferência de créditos de ICMS ocorridas neste Estado.
Fls. 2261/2265: prestei informações ao Superior Tribunal de Justiça, referentes ao Habeas
Corpus impetrado pelos réus GENTIL RUY e RAIMUNDO BENEDITO, com vistas ao trancamento da ação penal
para os delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
Fls. 2275/2412: juntada de ofício oriundo da SEFAZ-ES, acompanhado de planilha contendo
as informações relativas às transferências de crédito acumulado de ICMS ocorridas no período de maio de 1998
a 20/05/2010, bem como de cópias da legislação estadual aplicável ao tema.
Continuação da instrução na audiência de fls. 2469/2473, ocasião em que o réu JOSÉ
CARLOS GRATZ foi reinterrogado. Os demais acusados e as respectivas defesas técnicas manifestaram a
desnecessidade de submetê-los a novo interrogatório.
Fls. 2474/2559: juntada de documentos pela defesa de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA.
Fls. 2581/2587: juntada do laudo pericial realizado sobre a cópia reprográfica do cheque de n°
112.082.
Com a obtenção do original do cheque de n° 112.082 (fls. 2589/2590), foi repetida a perícia
grafotécnica no documento, resultando nos laudos periciais de fls. 2601/26205.
5 Às fls. 2621/2632, foram juntadas as peças originais extraídas destes autos para efeito de material gráfico padrão nas perícias realizadas, bem como os autos de colheita de material gráfico produzidos no âmbito da Polícia Federal. O original do cheque em comento foi acautelado em secretaria, conforme certidão à fl. 2633.
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Na fase do art. 402 do CPP, o MPF não manifestou interesse em diligências complementares
(fls. 2588 e 2636). Por sua vez, as defesas constituídas por JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (fls. 2635), GENTIL
ANTÔNIO RUY (fls. 2642/2645), MARCELO DE ABREU E LIMA (fls. 2648/2649) formularam requerimentos, os
quais foram indeferidos, nos termos da decisão de fls. 2650/2651.
Fl. 2658: juntada de dois DVD’s contendo cópia de fita VHS com a inscrição “imagens citadas
no memorial sobre as fraudes da COOPETFES e da CREDITEL, conforme roteiro (documento n° 546)”.
Na sequência, as partes apresentaram suas últimas alegações por escrito.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 2659/2673) reiterou os termos da denúncia e
ressaltou a atuação específica de cada acusado no esquema denunciado. Em relação aos acusados LUIZ
RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES, ponderou que, não obstante
a qualidade de sócios-proprietários do Banco Santos Neves, não restou comprovada a efetiva participação dos
mesmos na lavagem do dinheiro proveniente das transações financeiras realizadas pelo réu MARCELO DE
ABREU E LIMA, supostamente em favor de JOSÉ CARLOS GRATZ. Quanto a JOSÉ CARLOS GRATZ,
constatou que nenhum elemento foi encontrado, durante a instrução, que confirmasse o efetivo recebimento da
quantia de R$ 500.000,00, tampouco de participação no esquema que desviou recursos provenientes do crédito
de ICMS. Em consequência, o MPF pugnou pela absolvição de tais réus. No que tange aos demais, requereu a
condenação às seguintes sanções penais:
� JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA DA SILVA, JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE, RODRIGO
FERMO VIDIGAL STEFENONI e MARCELO DE ABREU E LIMA, como incursos nas penas dos
artigos 288 e 312, §1°, do CPB, c/c art. 1°, V, da Lei 9.613/98, c/c art. 71 e 29 do CPB;
� RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO e GENTIL ANTÔNIO RUY, como incursos nas
penas do art. 288 do CPB, c/c art. 1°, V, da Lei n° 9.613/98, c/c art. 71 e 29 do CPB.
A defesa de RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI, às fls. 2684/2706, alegou: a) O
acusado RODRIGO não disputou as eleições municipais de 2000, nem qualquer outro cargo eletivo, ao contrário
da tese esboçada pelo MPF em suas alegações finais. Na verdade, o que existe é uma grande confusão nos
autos entre as pessoas de Paulo Stefenoni, Paulo Stefenoni Junior e RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI;
b) toda e qualquer menção à pessoa de RODRIGO no autos está associada somente ao cumprimento de suas
funções institucionais; c) o acusado RODRIGO não participou do comitê informal descrito na denúncia; d) na
data em que os valores descritos na denúncia foram desviados da Fundação Augusto Ruschi, o réu sequer se
encontrava no Brasil e, portanto, não pode ter participado do alegado delito; e) RODRIGO não recebeu qualquer
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quantia dos valores objeto da denúncia, inexistindo nos autos qualquer prova em contrário; f) RODRIGO nunca
deteve, em razão do seu cargo de Chefe de Gabinete Adjunto, posse ou guarda sobre os valores objeto da
denúncia; g) RODRIGO era apenas um funcionário burocrático, e seu cargo não lhe dava poder para deliberar
sobre objeto da transferência em causa; h) o caso retratado nos autos não revela estabilidade e permanência da
societas sceleris, mas sim um suposto acerto de vontades dirigidas à prática de um fato delituoso determinado.
Neste caso, não há que se falar em quadrilha ou bando; i) quanto ao crime de lavagem de dinheiro, sua
tipicidade exige a prática de um delito antecedente, o qual deve estar elenco no rol taxativo do art. 1°, §§1° e 2°,
da Lei 9.613/98. Não havendo os crimes de peculato ou de quadrilha ou bando, rui por terra a lavagem de ativos
atribuída a RODRIGO; j) a denúncia peca ao admitir o concurso entre os delitos de peculato e de lavagem de
dinheiro, quando a suposta lavagem em verdade se resume a um post factum impunível. Além disso, o STJ6, em
um dos inúmeros processos penais gerados a partir da indigitada transferência de crédito entre SAMARCO e
ESCELSA, entendeu que a hipótese não contempla lavagem de dinheiro, haja vista que o recurso em questão
provém de acordo formalizado com o Governo Estadual e, nessa condição, é lícito; k) no que se refere ao
peculato-furto, a denúncia, ao veicular acusação contra RODRIGO, limita-se a mencionar o depoimento prestado
por Aquiles Gonçalves Coelho, no sentido de que a nota fiscal correspondente à doação ambiental foi entregue a
RODRIGO e o destinatário daquele valor seria indicado pelo Governo. No entanto, tal narrativa descreve apenas
o exercício de funções burocráticas por parte de RODRIGO, sem qualquer indício de envolvimento criminoso, ou
de percepção de valores subtraídos.
A defesa de MARCELO DE ABREU E LIMA, às fls. 2709/2719, argumentou: a) tese negativa
de autoria, pois MARCELO nunca viu o cheque referido na denúncia, não o endossou, nem o depositou em
qualquer conta, pois sequer tinha conhecimento da cártula antes de ser citado nestes autos; b) a prova pericial
produzida durante a instrução contém erros crassos, mas, mesmo a olho nu, pode-se verificar gritante
divergência entre letras da assinatura verdadeira do acusado e letras da assinatura aposta no verso do cheque
em apreço (fl. 2607). Além disso, a defesa técnica teve negado seu pedido de esclarecimentos sobre essa
perícia, em flagrante cerceamento de defesa; c) não há provas nos autos de que o cheque referido na denúncia
tenha sido endossado por MARCELO DE ABREU E LIMA, nem de que tal cheque tenha sido efetivamente
compensado, ou ainda de que o valor correspondente ao cheque tenha ingressado em conta bancária ou
qualquer outra conta pertencente ao acusado. Também não há provas de que o valor do cheque tenha, de
qualquer outra forma, passado pelas mãos do réu; d) o acusado é pessoa totalmente estranha aos fatos e deve
ser absolvido da acusação de peculato, por absoluta falta de provas de ter participado de qualquer ato que
redundasse em desvio ou apropriação de dinheiro público; e) a imputação de quadrilha também deve ser
afastada, já que o réu sequer conhecia os demais acusados e jamais se associou aos mesmos; f) em relação à
6 Habeas Corpus n° 36.240-ES (2004/0086355-0).
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lavagem de dinheiro, argumenta que, não havendo prova de que o cheque em questão tenha sido liquidado ou
compensado, também não é possível falar em ocultação do valor nele representado; g) por fim, além de não ser
empregado ou preposto do Banco Santos Neves, MARCELO jamais participou da elaboração de dados
contábeis dessa instituição financeira, o que torna inócua a acusação do crime previsto no art. 10 da Lei
7.492/86.
A defesa dos acusados LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS
SANTOS NEVES, às fls. 2720/2731, ressaltou o respectivo pedido de absolvição veiculado pelo Ministério
Público Federal em suas alegações finais. No pormenor, ponderou que, se o próprio Parquet requer a
improcedência da acusação antes formulada, outro não pode ser o caminho, senão acatar o pedido ministerial,
pois a acusação deixou de subsistir. Além disso, a defesa frisou a inexistência dos delitos imputados, pelos
seguintes motivos: a) a documentação de fls. 1581 e seguintes comprova que o Banco Santos Neves, no dia
06/09/2000, remeteu o cheque n° 112.082, no valor de R$ 500.000,00, à compensação oficial, por meio da
Associação Brasileira de Bancos Estaduais, que lhe prestava serviços; b) a denúncia atribuiu aos donos do
banco e da Corretora Santos Neves inadmissível responsabilização objetiva, pois não há indicação de qualquer
participação concreta dos réus LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO; c) a prova dos autos demonstra que
operações bancárias como a narrada na inicial realmente não eram de atribuição de LUIZ RENATO e JOSÉ
AUGUSTO; d) não há nenhuma evidência de que os réus tenham tomado conhecimento da operação narrada
na denúncia, pois, na época dos fatos, os mesmos sequer se encontravam no Brasil; e) inexiste qualquer liame
subjetivo entre os acusados e os fatos narrados na denúncia; f) inviável caracterizar o delito do art. 10 da Lei
7.492/86 no caso concreto, porque a denúncia não descreveu em qual demonstrativo financeiro das instituições
teria sido inserido dado falso ou omitido dado verdadeiro.
A defesa de JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE, às fls. 2732/2798, alegou,
preliminarmente: a) ilegalidade das provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário de RAIMUNDO
BENEDITO por parte do contador Paulo Sérgio Torres e caracterização concreta da teoria dos frutos da árvore
envenenada; b) a denúncia tem lastro em prova emprestada que, além de representar transferência ilegal de
dados sigilosos, foi produzida sem que as partes do presente processo tivessem acesso e pudessem exercer o
contraditório. Além disso, considerando que a prova emprestada é o único elemento existente em desfavor do
réu, a nulidade é inafastável. No mérito, fundamentou o pedido de absolvição da seguinte maneira: c) o acusado
JOSÉ TASSO não recebeu qualquer quantia relacionada aos episódios narrados na denúncia; d) os créditos
acumulados de ICMS são de natureza privada, e a Fundação Augusto Ruschi, a quem foram destinados tais
créditos no caso concreto, também é instituição privada. Assim, o dinheiro supostamente recebido pelo acusado
seria de origem privada, o que impede a incidência do §1°, do art. 312, do CPB; e) não há no comportamento do
réu dolo de lesionar o patrimônio público ou de se apropriar de dinheiro privado que estivesse em posse de
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funcionário público. Na verdade, a acusação se restringe a alegar que JOSÉ TASSO foi beneficiário de uma
determinada quantia provinda das contas de RAIMUNDO BENEDITO supostamente por meio da conta da
APAMI e do Auto Posto Contorno, sem mencionar o delineamento específico de seu ato, não podendo se
concluir pela existência de dolo ou de conhecimento do réu de que tal importância supostamente adviesse da
transferência de créditos de ICMS; f) inexistência de quadrilha, por falta de estabilidade do grupo denunciado; g)
inexistência de fato-crime de “lavagem de dinheiro”, em virtude da insubsistência do crime apontado como
antecedente (peculato); h) necessidade de aplicação do princípio in dubio pro reo ao acusado JOSÉ TASSO.
A defesa de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, às fls. 2799/2876, alegou, em síntese: a) todos os
supostos ilícitos atribuídos ao acusado estão prescritos pela pena prevista em abstrato, pois o réu tem mais de
setenta anos, e os prazos prescricionais, por consequência, são reduzidos pela metade. Não obstante, o réu tem
direito ao julgamento e à absolvição, pois sua inocência ressai dos autos com nitidez; b) inépcia da denúncia,
que é genérica e não descreve qualquer fato típico atribuível ao réu; não descreve quadrilha ou bando, nem
esclarece se teria ocorrido associação estável ou momentânea entre os denunciados; não descreve o liame
subjetivo na suposta coautoria. A denúncia não descreve a lavagem de dinheiro. Além disso, imputa
responsabilidade objetiva à pessoa de JOSÉ IGNÁCIO. Nulidade do processo, porque a defesa se torna
impossível, diante da acusação inepta; c) impugnação à primeira parte da denúncia, pois nenhum recurso
público entrou nas contas do denunciado RAIMUNDO BENEDITO. Pelo contrário, trata-se de contas privadas e
de recursos privados; d) legalidade dos empréstimos da COOPETFES ao denunciado RAIMUNDO BENEDITO
(os quais foram regularmente aprovados pela diretoria da cooperativa) e ausência de intermediação de terceiros
para a respectiva concessão; e) licitude e regularidade das contas mantidas por órgãos públicos na
COOPETFES – inexistência de peculato-desvio; f) impossibilidade temporal de recursos públicos depositados
entre 25/09/2000 (DER/ADERES) e 22/12/2000 (SEDU) terem sido utilizados pelo acusado em época anterior
para pagamento de despesas pessoais ou da campanha eleitoral do réu, ocorrida em 1998; g) na ação criminal
n° 1746, o Ministério Público pediu a absolvição de todos os acusados de supostos crimes de lavagem e
quadrilha, relativos à mesma base fática da presente ação penal; h) o Estado do Espírito Santo e a Receita
Federal nunca instauraram processo administrativo fiscal com vistas ao recebimento de crédito decorrente do
suposto ilícito aqui denunciado; i) a hipótese cogitada pelo MPF, no sentido de que houve funding e peculato-
desvio, é incabível, pois inexiste peculato por funding; j) quanto à segunda parte da denúncia, argumenta que a
operação de transferência de crédito de ICMS retratada na inicial reflete a nova política adotada pela
administração estadual instalada em 1999, no sentido de instrumentalizar o passivo dos créditos de ICMS como
um fator de indução da atividade econômica e retirar o caráter amplo e irrestrito das transferências observadas
até então; k) natureza privada dos recursos de transferência de créditos de ICMS, por se tratar de direito de
titularidade do contribuinte decorrente de determinação constitucional; l) no episódio travado entre SAMARCO e
ESCELSA, dos R$ 52 milhões pleiteados, foram autorizados R$ 45.700 mil, dos quais foram liberados
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efetivamente R$ 39.300 mil, e a única operação de transferência de direitos de crédito efetivamente autorizada
pelo ex-governador do Estado foi esta realizada entre SAMARCO e ESCELSA, e com respaldo na legislação
tributária vigente; m) não existe peculato sem dano, e, no caso em espeque, não ocorreu dano material ou
qualquer ato lesivo; n) a autorização do Governador para transferência de créditos foi condicionada
exclusivamente à doação social de R$ 9 milhões para o Programa Luz no Campo, sem qualquer referência à
verba ambiental. Na verdade, o então Governador ignorava qualquer suposta verba ambiental por ele não
autorizada e nunca recebida pelo Estado, tampouco conhecia a Fundação Augusto Ruschi; o) a menção
ministerial ao “caixa 2” do acusado é vazia e desprovida de fundamento, valendo destacar que, das cinco
denúncias propostas em desfavor de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, quatro foram arquivadas a pedido do próprio
Parquet; p) incompatibilidade entre quadrilha e crime continuado, por impossibilidade técnica; q) impossibilidade
de co-autoria entre condutas dolosas e culposas. No entanto, o Ministério Público, que é uno e indivisível, diz
nesta ação que JOSÉ IGNÁCIO agiu com dolo, e, em ação civil concernente aos mesmos fatos, que JOSÉ
IGNÁCIO agiu com culpa; r) não houve negociação fraudulenta de aquisição de ICMS; s) ausência de provas
nos autos contra o réu; t) não houve utilização de recursos públicos em eleições no Espírito Santo; u)
inocorrência de peculato.
O advogado constituído por RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO (fls. 2877/2965) e por
GENTIL ANTÔNIO RUY (fls. 2966/3036) alegou, preliminarmente: a) litispendência entre a presente causa penal
e o processo n° 024.010.113.124, que veicula os mesmos fatos, representando identidade de ações. Naquele
feito, os réus RAIMUNDO BENEDITO e GENTIL foram absolvidos pelo crime de quadrilha, encontrando-se o
feito em fase recursal perante o Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Há litispendência referente à imputação de
quadrilha, pois, apesar de os processos envolverem grupos distintos, o contexto fático é o mesmo. A
litispendência também se opera no tocante à imputação de lavagem de ativos, já que os fatos são únicos; b)
nulidade por violação à autodefesa, já que o réu RAIMUNDO, estando recluso, foi negado em seu direito de ser
conduzido para acompanhar a audiência realizada no dia 20/09/2010; c) cerceamento de defesa consistente no
indeferimento das diligências complementares requeridas em prol de RAIMUNDO ao final da instrução. No
mérito, sustentou o pedido de absolvição com os seguintes argumentos: d) natureza privada dos créditos de
ICMS transacionados em concreto, impossibilitando a incidência do tipo penal previsto no art. 312 do CP,
mormente por não estar evidenciada lesão ao patrimônio público, ou peculato-furto de dinheiro particular; e)
impossibilidade de RAIMUNDO BENEDITO concorrer para o crime de peculato, justamente por não ostentar a
condição de funcionário público; f) os réus RAIMUNDO e GENTIL RUY não concorreram nem para idealização
da operação de créditos de ICMS entre a SAMARCO e a ESCELSA, muito menos contribuíram para que fosse
subtraído o dinheiro da Fundação Augusto Ruschi, depositado na COOPETFES; g) a prova oral produzida
confirma que a transação foi operacionalizada no âmbito da SEFAZ-ES, ao passo que GENTIL RUY era titular
da Secretaria de Estado de Governo, com atribuições que não incluíam a emissão de parecer acerca de assunto
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envolvendo a Fazenda Pública. Inclusive a prova testemunhal foi unânime em excluir GENTIL RUY do quadro de
agentes envolvidos na transação de ICMS em causa; h) os participantes da transação atestaram que não houve
qualquer imposição do Governo do Estado na operação questionada nos autos, sendo, ao contrário, a operação
de interesse das empresas envolvidas; i) a transferência da doação recebida pela Fundação Augusto Ruschi
para a conta de RAIMUNDO BENEDITO ocorreu com a aquiescência da entidade ambiental, conforme
comprova a guia de transferência acostada à fl. 103 do apenso 16; j) o réu RAIMUNDO BENEDITO só tomou
conhecimento desses fatos posteriormente, na ocasião do exaurimento do crime, servindo de “laranja” para a
deflagrada operação financeira criminosa. A jurisprudência pátria exclui da prática de peculato terceiros
“laranjas” beneficiários de ilicitudes após a consumação do crime, como é o caso do réu RAIMUNDO
BENEDITO; k) não procede a alegação ministerial de que o dinheiro dirigido à Fundação Augusto Ruschi foi
depositado na COOPETFES para fazer funding aos empréstimos contraídos por RAIMUNDO BENEDITO, haja
vista que tais empréstimos datam do período de setembro de 1998 a fevereiro de 2000, ao passo que as
transferências de verbas públicas e do numerário decorrente de créditos de ICMS ocorreram de setembro a
dezembro de 2000; l) RAIMUNDO BENEDITO era uma referência no ramo cooperativista e prestou serviços à
COOPETFES, de modo que o mesmo podia, sim, contrair empréstimos junto àquela cooperativa; m) inexistência
do crime de formação de quadrilha ou bando, por não haver reunião estável e permanente entre os corréus, com
características de sociedade formada para a prática de crimes diversos; n) inocorrência de lavagem de dinheiro,
porque inexistiu o crime antecedente, já que a distribuição de dinheiro privado na campanha eleitoral de 2000
partiu de expressa autorização da Fundação Augusto Ruschi; o) além disso, não houve, por parte de
RAIMUNDO BENEDITO, qualquer atividade direta de ocultação ou dissimulação. Houve apenas o depósito do
valor nas contas de RAIMUNDO, para posterior distribuição, através de cheques repassados a outras pessoas
para financiamento da campanha eleitoral, à exceção dos cheques destinados a José Carlos da Fonseca Junior,
JOSÉ TASSO e JOSÉ CARLOS GRATZ, não tendo o réu RAIMUNDO participação na engenharia financeira
realizada pelos mesmos; p) RAIMUNDO restringiu-se a ceder sua conta bancária para financiamento de
campanha eleitoral, deixando um talonário de cheques com José Carlos da Fonseca Junior, mas a distribuição
de dinheiro correu à sua revelia, quando o réu estava viajando para o Maranhão; q) RAIMUNDO agiu sem dolo
de crime e preparou relatórios de distribuição de dinheiro para entregar a GENTIL RUY, a pedido deste, crendo
se tratar de distribuição de dinheiro privado com anuência da entidade beneficiada; r) no caso de GENTIL RUY,
a conclusão ministerial a respeito de sua suposta participação no crime de lavagem de dinheiro decorre apenas
do fato de terem sido encontrados em sua residência os relatórios de gastos da conta corrente de RAIMUNDO
BENEDITO. No entanto, os elementos dos autos comprovam que GENTIL tomou conhecimento de tais relatórios
somente após o término das eleições de 2000, em uma espécie de prestação de contas informal feita por
RAIMUNDO; s) a prova produzida na fase investigativa deve ceder à prova jurisdicionalizada, a apontar
seguramente que RAIMUNDO BENEDITO só teve ciência de tudo após o acontecido.
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Os documentos apresentados em anexo às alegações finais dos réus JOSÉ IGNÁCIO,
GENTIL ANTÔNIO RUY e RAIMUNDO BENEDITO foram juntados por linha em três volumes, conforme certidão
de fls. 3037.
Às fls. 3042/3045, a defesa de JOSÉ CARLOS GRATZ alegou que o réu sempre combateu o
tipo de transferência de créditos retratado na denúncia, chegando inclusive a legislar para impedir que outras
operações do tipo fossem realizadas. Ademais, o próprio MPF não conseguiu comprovar que JOSÉ CARLOS
GRATZ foi beneficiado pelos R$ 500.000,00 citados na denúncia e reconheceu isso em suas últimas alegações,
opinando pela absolvição do réu.
Fls. 3049/3086: juntada de FAC’s atualizadas dos réus.
É o relatório. Passo a decidir fundamentadamente, em conformidade com o que preceituam a
Constituição Federal (art. 93, IX) e o CPP (artigos 381, incisos III e IV, e 564, III, m).
FUNDAMENTAÇÃO
1. Preliminar: cerceamento de defesa em relação à prova pericial produzida
O advogado constituído por MARCELO DE ABREU E LIMA alegou cerceamento de defesa, no
tocante à decisão que indeferiu seu pedido de esclarecimentos periciais. Segundo a defesa, o fato de a parte
não ter indicado assistente técnico no momento oportuno não lhe impede de obter esclarecimentos após a
produção da prova. Por isso, solicitou a anulação do processo a partir da decisão que indeferiu seu pleito.
Rejeito a alegação. Não há nulidade, e sim nítido inconformismo da parte com a decisão que
indeferiu a repetição da prova pericial. Em momento algum a defesa foi cerceada; pelo contrário, na busca da
verdade real, ponderei a pertinência da prova com a tese defensiva e, por este exato motivo, deferi a realização
da perícia (fls. 2251), mesmo ante as dificuldades inicialmente encontradas para localizar a folha original de
cheque a ser periciada.
A ampla defesa garantida aos réus não lhes confere o direito de obter, sem fundamento
plausível, a anulação de todas as provas que contrariarem seus interesses. E, no caso, os frágeis argumentos
invocados para questionar a tecnicidade da perícia não são suficientes para justificar a formulação de novos
quesitos aos peritos.
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Quanto à indicação de assistente técnico, faculdade legal conferida às partes (CPP, art. 159,
§3°), a defesa teve bastante tempo para fazê-lo. Se não o fez, sua inércia não pode comprometer a prova
produzida em total conformidade com a legislação vigente.
2. Preliminar: ilegalidade das provas – quebra de sigilo fiscal de RAIMUNDO BENEDITO
A defesa de JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE invoca a inviolabilidade do sigilo bancário
para sustentar a ilegalidade da auditoria realizada nas contas mantidas pelo acusado RAIMUNDO BENEDITO
na COOPETFES, por não encontrar amparo em determinação judicial. Aduz a defesa que, além de tais provas
serem ilícitas desde seu nascedouro, foram entregues ao BACEN e ao GRCO e utilizadas indiscriminada e
maldosamente pelo órgão ministerial, inclusive com repasse do assunto à imprensa. Observa ainda que, com o
intuito de legitimar a investigação abusiva, o MPF, apenas em meados de novembro de 2001, requereu a quebra
de sigilo de RAIMUNDO BENEDITO nos autos do processo n° 2001.50.01.008406-0, induzindo em erro o Juízo,
que desconhecia o fato de o MPF já ter tido acesso indevido a tais dados sigilosos. A defesa sustenta que nem
ao auditor da COOPETFES (no caso, Paulo Sérgio Torres), nem ao BACEN, tampouco ao MPF é permitido
afastar o sigilo de dados em sede de investigações, conforme jurisprudência dos tribunais superiores.
Não assiste razão à defesa. Segundo declarado em Juízo pela testemunha Paulo Sérgio
Torres da Silva (fl. 1662), o mesmo iniciou auditoria interna na COOPETFES e, durante seus trabalhos, foi
incumbido, pelo BACEN, de realizar uma auditoria específica nas contas de RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA
FILHO e da Fundação Augusto Ruschi, em razão da notícia da volumosa transferência envolvendo as contas
citadas. Ao requisitar esse tipo de trabalho da testemunha, o BACEN exercia sua atribuição legal de fiscalizar as
instituições financeiras, nos termos do art. 10, inciso IX7, da Lei 4.595/64. Nisso, não há nada de ilícito. Pelo
contrário, a Lei Complementar n° 105/2001 explicita a não oposição do sigilo bancário ao Banco Central, quando
no desempenho das atividades inerentes ao seu poder de fiscalização e controle no âmbito do Sistema
Financeiro Nacional:
Art. 2o O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições. § 1o O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil: I – no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições financeiras; II – ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime especial.
7 Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil: [omissis] IX - Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas [...].
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§ 2o As comissões encarregadas dos inquéritos a que se refere o inciso II do § 1o poderão examinar quaisquer documentos relativos a bens, direitos e obrigações das instituições financeiras, de seus controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos, inclusive contas correntes e operações com outras instituições financeiras. [...]
A questão foi recentemente enfrentada pelo Mm. Juiz Federal Titular desta Vara nos autos da
ação penal n° 2001.50.01.008406-0, referente aos delitos financeiros praticados na gestão da COOPETFES:
“[...] Uma das atribuições do BACEN é justamente a de constituir comissões encarregadas da fiscalização das atividades financeiras desenvolvidas pelos controladores de cooperativas de crédito. Ademais, decidiu-se, à fl. 414, pelo afastamento do sigilo bancário de RAIMUNDO BENEDITO DE SOUZA FILHO [...]”.
Considerando que a auditoria realizada nas contas de RAIMUNDO BENEDITO e da fundação
ocorreu sob o amparo do poder legal de fiscalização do BACEN, não há que se falar em violação de sigilo
bancário.
Também não há ilicitude no repasse dessas informações (frise-se: obtidas regularmente pelo
BACEN) ao Ministério Público, por se tratar do órgão que, por disposição constitucional (art. 129 da CR), tem a
função de requisitar diligências investigatórias e de promover a ação penal pública, diante da presença de
elementos que denotem o cometimento de crimes, como no caso em análise. Ademais, a garantia ao sigilo
bancário serve como proteção à intimidade dos cidadãos, mas não como pretexto albergador de práticas
criminosas.
Por fim, esclareço que eventual vazamento de informações para a imprensa é censurável, mas
não contamina os elementos colhidos sob o amparo da legislação pátria.
Preliminar rejeitada.
3. Preliminar: nulidade por utilização de prova emprestada
A defesa do réu JOSÉ TASSO alega que a denúncia se reporta a provas colhidas no processo
n° 024.010.113.124 e na notícia crime n° 253/ES, elementos este que configuram prova emprestada e carreada
aos presentes autos em ofensa ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e ao juiz natural.
Ora, os processos mencionados pela defesa fazem parte de uma pluralidade de feitos
originados de um contexto fático bastante complexo, que envolve número amplo de pessoas. É verdade que as
investigações empreendidas em torno de fatos relacionados ao governo JOSÉ IGNÁCIO e à escusa utilização
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de cooperativas de crédito como a COOPETFES e a CREDITEL geraram vários processos, distribuídos a Juízos
diversos de acordo com as respectivas regras de competência. Isso não exclui a relação fática existente, em
maior ou menor grau, entre os núcleos de pessoas envolvidas e entre os feitos deflagrados no âmbito da Justiça
Comum e da Justiça Federal.
Em função disso, a alegação preliminar de “prova emprestada” perde todo o sentido, já que,
por questões óbvias, não haveria como separar, de forma estanque, o emaranhado de elementos que originou
autos processuais distintos.
Além disso, as partes tiveram oportunidade de acesso a toda a documentação que instrui os
autos, inclusive às cópias de documentos utilizados em outras ações penais, e a instrução probatória durou
tempo longo o suficiente para que a defesa, caso necessário, questionasse de forma específica as peças que
contrariassem seus interesses. Portanto, entendo que as garantias do contraditório e da ampla defesa foram
observadas em concreto.
Com esses argumentos, refuto a preliminar.
4. Preliminar: prescrição dos crimes imputados a JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA
A defesa de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA alega que todos os crimes imputados a seu cliente
estão prescritos, já que o prazo prescricional se reduz pela metade, em virtude da idade avançada do réu.
Com efeito, o art. 115 do Código Penal prevê a redução dos prazos de prescrição quando o
acusado for maior de setenta anos na data da sentença, e, ao que consta dos autos, o réu JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA, nascido em 18/05/1939, possui 72 anos de idade. A mesma situação se verifica quanto ao acusado
LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, que, nascido em 17/03/1939, também tem 72 anos de idade.
Isso significa que, para os dois réus citados, as respectivas imputações penais passaram a ter
os seguintes prazos de prescrição:
CRIME PENA ABSTRATA PRAZO PRESCRICIONAL REDUZIDO EM 1/2
Art. 312, §1°, do CPB 2 a 12 anos rec.
8 anos
IMPUTAÇÕES CONTRA O ACUSADO JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA
Art. 288 do CPB 1 a 3 anos rec.
4 anos
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Essa constatação não implica o reconhecimento da prescrição para todos os crimes
denunciados. Na verdade, a defesa constituída por JOSÉ IGNÁCIO fundamentou sua alegação em uma
premissa errônea: a de que os fatos em causa teriam seu dies a quo em 30/08/1998.
Todavia, basta uma leitura mais atenta da denúncia para compreender que, inicialmente, a
peça acusatória menciona trechos de outra denúncia8, na qual o Ministério Público Federal fizera um esboço do
contexto fático que envolveu o ex-governador JOSÉ IGNÁCIO e pessoas a ele relacionadas em várias ações
penais. Nesse viés, a data mencionada (30/08/1998) diz respeito ao momento em que RAIMUNDO BENEDITO
DE SOUSA FILHO abriu conta na COOPETFES, fato que daria respaldo ao posterior cometimento de muitas
irregularidades. A menção, portanto, teve o único fim de contextualizar os fatos, mas o Parquet foi preciso ao
esclarecer que, nestes autos, o ilícito denunciado diz respeito à transação realizada para financiamento das
eleições municipais de 2000. É o que consta à fl. 15, in fine.
Na presente ação penal, todos os fatos retratados remontam ao ano de 2000: a operação de
transferência de ICMS entre SAMARCO e ESCELSA foi articulada durante o ano 2000 e concretizada em
setembro do mesmo ano; o desvio de valores da conta da Fundação Augusto Ruschi para a de RAIMUNDO
BENEDITO e a subsequente pulverização de recursos também ocorreu em setembro de 2000; a suspeitosa
compensação do cheque de R$ 500.000,00 se deu em setembro de 2000; e até mesmo a acusação de
quadrilha, cuja natureza permanente não permite a identificação de uma data estanque, compreende pessoas
atuantes já na gestão de JOSÉ IGNÁCIO, ou seja, após o ano de 1999, quando o ex-governador tomou posse.
Ora, firmado o ano de 2000 como marco temporal de todas as acusações efetivamente
formuladas nestes autos, e considerando que os prazos prescricionais devem ser contados para cada crime
separadamente, concluo que a prescrição, no caso concreto, operou-se quanto à imputação de formação de
quadrilha ou bando, para os réus JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA e LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES.
Isso porque a denúncia só veio a ser recebida em 16/07/2007, perfazendo um lapso temporal superior aos
8 Trata-se da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal a partir da notícia crime n° 253/ES e convertida na ação penal n° 249/ES.
CRIME PENA ABSTRATA PRAZO PRESCRICIONAL REDUZIDO EM 1/2
Art. 312, §1°, do CPB 2 a 12 anos rec.
8 anos
Art. 288 do CPB 1 a 3 anos rec.
4 anos
Art. 1°, V, da Lei 9.613/98 3 a 10 anos rec.
8 anos
IMPUTAÇÕES CONTRA O ACUSADO LUIZ RENATO
TOMMASI SANTOS NEVES
Art. 10 da Lei 7.492/86 Rec.. de 1 a 5 anos 6 anos
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quatro anos aplicáveis à hipótese. Para o acusado LUIZ RENATO TOMMASI, a prescrição também ocorreu em
relação à imputação de crime financeiro (art. 10 da Lei 7.492/86), pois o prazo reduzido de seis anos foi
igualmente ultrapassado.
Em consequência, é forçoso reconhecer o transcurso do prazo prescricional pela pena
cominada in abstrato para os delitos e réus citados. A pena de multa também é alcançada pela prescrição, a teor
do disposto no art. 114, II, do CP.
Preliminar acolhida para declarar extinta a punibilidade em favor de JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA, quanto ao crime do art. 288 do CP, e em favor de LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, no
que concerne às imputações do art. 288 do CP e do art. 10 da Lei 7.492/86.
Acrescento que a falta de manifestação da defesa de LUIZ RENATO sobre o tema e o pedido
de JOSÉ IGNÁCIO no sentido de ver julgado o mérito da causa não interferem na presente decisão, pois se trata
de matéria de ordem pública, e o art. 61 do CPP prevê o reconhecimento ex officio da extinção de punibilidade.
5. Preliminar: inépcia da denúncia – descrição genérica e responsabilidade objetiva
JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA alega insistentemente que a denúncia é genérica, não descreve
qualquer fato típico imputável ao réu e ainda atribui ao mesmo responsabilidade objetiva, incabível na esfera
penal.
A alegação é improcedente. A peça acusatória descreveu os papéis supostamente exercidos
por cada réu no aludido contexto criminoso, bem como os pormenores que tornaram a operação suspeitosa e os
desdobramentos que denotaram o desvio de recursos destinados ao meio ambiente. No aspecto subjetivo, o
MPF apontou indícios suficientes de autoria, destacando, quanto ao réu JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, a atuação
positiva do mesmo na aprovação da transação de ICMS, nos moldes propostos pelo Secretário da Fazenda de
então, e a presença marcante de GENTIL RUY, cunhado e braço direito do ex-governador, em todo o esquema.
Além disso, a denúncia veio instruída com farta documentação, cujos elementos veiculam mais do que simples
indícios de envolvimento de JOSÉ IGNÁCIO, não havendo que se falar em inépcia, tampouco em ausência de
justa causa.
Diante disso, afasto a preliminar de inépcia.
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6. Preliminar: litispendência
A defesa de RAIMUNDO BENEDITO aduz litispendência quanto aos delitos de formação de
quadrilha e de lavagem de dinheiro. Em síntese, fundamenta sua alegação na unicidade do contexto fático
deduzido nesta ação penal e no processo n° 024.010.113.124, este já sentenciado e em fase de recurso na
Justiça Comum.
O tema não merece maiores considerações, pois a questão já foi apreciada e superada em
sede de habeas corpus pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Na oportunidade, a instância
superior soube identificar o fato específico em relação ao qual as ações penais citadas apresentaram real
identidade: a imputação de peculato. O acórdão do TRF da 2ª Região inclusive já transitou em julgado, conforme
peças de fls. 2076/2091. Portanto, nada me resta a prover.
A título de esclarecimento da parte, menciono trecho do voto do Relator, ressaltando que “a
identidade de ações penais tem por parâmetro os fatos imputados, a partir da conduta típica do agente. [...]
Dessas premissas, e malgrado seja correto afirmar que ambas as investigações – na Justiça Ordinária local e na
Justiça Federal – originaram-se de um esquema de fraude verificada nas permitidas operações de transferência
de créditos do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, por pessoas jurídicas exportadoras
sediadas no Espírito Santo e que não podem compensá-los diretamente com o Estado (Lei Kandir), são
autônomos e distintos, ao menos em parte, os fatos típicos imputados aos ora pacientes, num e noutro caso” –
(grifei).
Nessas condições, a preliminar deve ser refutada.
7. Preliminar: nulidade por violação à autodefesa do réu
A defesa de RAIMUNDO BENEDITO argumenta que o réu foi lesado em seu direito de defesa,
em virtude do indeferimento do pedido de condução do mesmo à audiência realizada no dia 20/09/2010.
Segundo a defesa, a lacônica decisão que refutou o pedido do réu, que se encontra preso, feriu seu direito de
presença aos atos processuais.
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Não assiste razão à defesa, pois a decisão questionada (fl. 2466), embora concisa, apresentou
fundamento legal para o indeferimento de sua postulação. De fato, o art. 191 do CPP9 prevê a realização dos
interrogatórios separadamente, sempre que houver mais de um acusado.
Portanto, nenhum prejuízo adveio ao réu ausente: a uma, porque ele não poderia assistir ao
reinterrogatório do corréu JOSÉ CARLOS GRATZ, realizado em 20/09/2010 (fls. 2469/2470); a duas, porque
naquela audiência, sequer houve inquirição de testemunhas, mas apenas o mencionado reinterrogatório; a três,
porque o réu estava devidamente representado no ato, por intermédio de seu defensor constituído10.
Inexistindo prejuízo para a parte, também inexiste nulidade, nos termos do art. 563 do CPP.
Preliminar rejeitada.
8. Preliminar: cerceamento de defesa – indeferimento de produção de prova
A defesa de RAIMUNDO BENEDITO ainda alega ter sido cerceada em relação às diligências
complementares indeferidas na fase do art. 402 do CPP. Em seu entender, a mudança de rito observada durante
o trâmite do processo prejudicou os interesses da parte, já que, no procedimento anterior, o réu apresentava
defesa prévia após o interrogatório, apenas com a indicação de testemunhas para serem ouvidas em Juízo e,
somente na fase do extinto art. 499 do CPP, seriam requeridas outras diligências.
A alegação não procede. As alterações processuais advindas da Lei 11.719/2008 não
alteraram a dinâmica das diligências de caráter complementar (antes previstas no art. 499 do CPP, agora
previstas no art. 402 do mesmo código), as quais continuaram vinculadas à necessidade decorrente da instrução
criminal.
Ora, na decisão de fls. 2650/2651, o indeferimento de diligências se deu exatamente porque o
fato que a defesa pretendia demonstrar já fazia parte de sua estratégia desde a primeira manifestação nos
autos, não sendo fruto da instrução processual. Além disso, considerando o prolongado período de tramitação
do processo e a natureza dos documentos solicitados (que inclui contratos de prestação de serviços
alegadamente firmados entre a COOPETFES e RAIMUNDO BENEDITO), a defesa também poderia ter
providenciado tais provas por seus próprios meios e juntado aos autos.
9 Art. 191. Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003). 10 Nesse sentido: “[...]- A presença do réu na audiência de inquirição de testemunhas não é indispensável, uma vez presente seu defensor, o que possibilita o exercício do contraditório e da ampla defesa [...]” – TRF da 3ª REGIÃO. ACR 200761810057252. 2ª Turma. Rel. JUIZ COTRIM GUIMARÃES. Fonte: DJF3 CJ1 DATA:14/12/2010 PÁGINA: 200.
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Preliminar rejeitada.
Passo ao exame do mérito.
9. Mérito: análise da imputação de peculato – art. 31211 do CP: � 9.1. Considerações sobre a figura típica: O caput do art. 312, CP, prevê duas modalidades de condutas típicas, conhecidas como
“peculato próprio” e identificadas, respectivamente, pelos verbos ‘apropriar-se’ e ‘desviar’. Apropriar-se significa
tomar como propriedade sua ou apossar-se o funcionário de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, do
qual o agente tenha a posse em razão de seu cargo, caracterizando o que a doutrina chama de peculato-
apropriação. Desviar significa alterar o destino ou desencaminhar o bem: é o chamado peculato-desvio.
No parágrafo 1° do artigo 312, a legislação codificada cogita do ‘peculato-furto’, que é uma
modalidade imprópria de peculato. Eis sua diferença em relação às outras figuras típicas, conforme comentários
da doutrina12: “Objeto material: É semelhante ao do caput, até mesmo quanto à indistinção entre bem público e
particular. Todavia, ao contrário do caput, o agente não tem a posse: embora não tendo a posse do dinheiro,
valor ou bem”. Neste caso, basta que, ao efetuar a subtração do bem ou colaborar para a subtração, o agente se
aproveite das facilidades proporcionadas pelo seu cargo. Quanto ao objeto jurídico, a repressão à prática ilícita
leva em consideração o interesse patrimonial e moral da Administração Pública.
Na modalidade em voga (peculato-furto), o elemento subjetivo é caracterizado pelo dolo,
consistente na vontade livre e consciente do agente de subtrair ou de concorrer para a subtração do bem; e o fim
perseguido é o “proveito próprio ou alheio”. Admite-se a modalidade culposa na hipótese do §2° do art. 312, CP.
A consumação ocorre com a efetiva subtração, “desde que mantenha a posse tranquila sobre a coisa, mesmo
que por curto espaço de tempo, tal como ocorre com a consumação do delito de furto”13.
11 Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
12 DELMANTO. Celso et alii. Código Penal Comentado. São Paulo: Ed. Renovar, 5ª ed., p. 554.
13 GRECO, Rogério. Código penal comentado. 4. ed. Niterói : Impetus, 2010. p. 821.
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� 9.2. Análise de materialidade: No caso concreto, atribui-se aos réus JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, JOSÉ CARLOS GRATZ,
JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE, RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI, MARCELO DE ABREU E
LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES a conduta de
terem concorrido para que fosse subtraída, em proveito próprio e/ou alheio, boa parte da quantia advinda da
doação ambiental efetuada pela empresa SAMARCO MINERAÇÃO S.A. durante uma operação de transferência
de créditos de ICMS à empresa ESCELSA – ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A.
O complexo contexto que envolve a imputação de peculato-furto pode ser subdividido em duas
etapas, para a melhor compreensão dos fatos: a) a efetiva obtenção da doação de cunho ambiental por parte da
Fundação Augusto Ruschi, como decorrência de operação de transferência de crédito de ICMS; e b) a subtração
da quantia creditada na conta da Fundação Augusto Ruschi, seguida da dispersão desses recursos em benefício
do ora acusado e de outras pessoas ligadas ao governo da época. Passo a descrever tais etapas nos tópicos
abaixo.
a) Obtenção da doação ambiental:
A transação realizada entre SAMARCO e ESCELSA, em si, nada teria de irregular. Aliás, como
as defesas técnicas acentuaram, trata-se de procedimento comum e realizado com frequência por empresas
com vocação exportadora, mormente a partir da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de
1996), que isentou do ICMS os produtos e serviços destinados à exportação (art. 3° da LC 87). Por ser o ICMS
um imposto não-cumulativo14, a nova normatização ensejou, para as empresas destinadas exclusivamente ao
mercado externo, o acúmulo de créditos de ICMS em face dos respectivos Estados da Federação, exatamente
por não haver meios de a empresa exportadora compensar o valor referente àquela isenção em outras etapas
da cadeia produtiva.
No Estado do Espírito Santo, a indigitada isenção foi repetida no texto da Lei Estadual n°
5.298/96, em seu art. 4°, inciso II15. E, por ser a economia estadual voltada precipuamente para a atividade
exportadora, surgiu um problema grave para os cofres públicos estaduais, consistente na acumulação de
portentosos créditos de ICMS, oponíveis contra o Estado.
14 Conforme art. 155, §2°, I, da Constituição Federal, e art. 19 da Lei Kandir, o imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
15 Art. 4° - O imposto não incide sobre: [...] II – Operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados e industrializados semi-elaborados, ou serviços; [...].
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Nesse impasse, uma solução viável às exportadoras é a transferência dos créditos
acumulados a outras empresas cuja atividade as tornasse grandes devedoras do mesmo tributo. A questão foi
objeto de regulamentação por meio do RICMS vigente à época dos fatos (Decreto n° 4373, título I, capítulo IX,
seção XI, artigos 115 e seguintes), que previu o procedimento de apuração e transferência dos créditos assim
acumulados.
Portanto, como a defesa alegou, nada há de ilícito na transferência de créditos de ICMS entre
empresas, com a autorização do Estado. Tanto é que o assunto foi objeto de legislação federal e estadual. Além
disso, como fazem prova os documentos de fls. 2189/2201 e 2279/2287, o procedimento em tela é pauta
frequente na Secretaria de Estado da Fazenda, e, só em relação à empresa SAMARCO, já foram concretizadas
dezenas de operações do tipo, desde que vigente a Lei Kandir. Quanto a isso, não há discordância entre as
partes.
Na verdade, a ilicitude focalizada nestes autos não diz respeito à transferência em si, mas às
manobras efetuadas para que houvesse indevida subtração de valores revestidos do escopo de doação social.
Tanto é que os representantes das empresas envolvidas (SAMARCO e ESCELSA) sequer chegaram a ser
denunciados. Estudemos os fatos.
Conforme o documento encartado à fl. 05 do apenso n° 28, em 10.01.2000, a SAMARCO
dirigiu à Receita Estadual um requerimento, informando o acúmulo de crédito de ICMS, em 31.12.1999, no
importe de R$ 75.067.727,55. Por certo, o Estado do Espírito Santo não dispunha de recursos para honrar o
pagamento desse crédito de imediato, haja vista a situação precária então enfrentada pelas finanças estaduais,
como relatado em Juízo pelo réu JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (fls. 967/971) e também pela testemunha João
Luiz de Menezes Tovar (fl. 2134).
Ao que tudo indica, a oportunidade de a SAMARCO ver parte de seus créditos concretizados
em seus balanços veio um pouco depois, com as negociações afetas à transferência dos mesmos em favor da
ESCELSA, tal como fora feito em épocas anteriores (nesse sentido, vide documentos às fls. 2190/2191).
Consta que as tratativas ocorreram entre ESCELSA, SAMARCO e Governo do Estado do
Espírito Santo, este representado pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEFAZ-ES). A concretização da
transferência interessava a todos os entes.
Era útil à ESCELSA, porque parte do crédito (R$9 milhões) seria doada pela SAMARCO ao
Projeto “Luz no Campo”, cuja implementação envolvia diretamente a concessionária do serviço de fornecimento
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de energia elétrica. Ou seja, esse montante sairia dos cofres da ESCELSA para um projeto de seu próprio
interesse, cujo desenvolvimento estava travado pelo fato de o Estado não dispor de recursos para arcar com a
parte que lhe cabia. É o que extraio dos depoimentos das testemunhas Francisco Luiz Sibut Gomide (fls.
1439/1449), então presidente da ESCELSA, e Antônio Correia de Almeida (fl. 1484), então Subsecretário da
Receita Estadual.
A operação também interessava à SAMARCO, que, apesar de abrir mão de uma fatia
relevante dos seus créditos (R$ 9.000.000,00, em prol do “Luz no Campo”, e R$ 6.300.000,00, como doação
ambiental), seria logo contemplada com o recebimento das vultosas quantias restantes, em vez de esperar, sem
qualquer previsão concreta, a tardia satisfação de seus créditos por parte do Estado. Segundo consta, a
SAMARCO também aproveitou parte dos valores transacionados para quitar suas contas de energia elétrica
junto à ESCELSA, o que era atraente para ambas as empresas envolvidas (nesse sentido, vide depoimento da
testemunha José Antônio Almeida Pimentel, que assessorava o presidente da ESCELSA na ocasião – fl. 2215).
Por fim, a operação em comento também interessava ao Estado do Espírito Santo, que estaria
livre de uma de suas contas de créditos acumulados a pagar e ainda seria beneficiado com duas doações.
Devo ressaltar, no entanto, que, à época dos fatos, o regulamento do ICMS vigente no Estado
do Espírito Santo não exigia contraprestação da empresa cedente, como ocorreu na hipótese vertente.
Transcrevo os artigos 129 a 136 do RICMS-ES, no texto vigente em agosto de 2000:
Subseção II
Da Formulação e da Apresentação Art. 129. O requerimento a que se refere o artigo anterior deverá ser formulado em 02 (duas) vias e dele constarão, no mínimo: I - a qualificação do requerente; II - a identificação do estabelecimento destinatário do crédito; III - a exposição completa e exata do pedido; IV - a indicação dos dispositivos da legislação que motivaram o pedido; V - a referência aos documentos necessários a sua instrução e apreciação, que deverão estar anexos; VI - a data e a assinatura do requerente, ou do seu representante legal ou procurador habilitado. Parágrafo único. Cada requerimento deverá referir-se a um só estabelecimento e a um só pedido, admitindo-se acumulação, numa mesma petição, apenas quando se tratar de questões conexas. Art. 130. O requerimento a que se refere o disposto no art. 129 será dirirgido ao Goveernador do Estado para fins de analise. (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99) § 1º No ato da entrega, a 2a via será devolvida ao interessado, com recibo e anotação da data em que foi protocolado o requerimento. § 2º O requerimento recebido, na forma do caput, será encaminhado à Coordenação de Tributação no 1º (primeiro) dia útil seguinte ao do recebimento.
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Parágrafo Único. No ato da protocolização, a 2ª via será devolvida ao interessado. (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99)
Subseção III Da Apreciação do Pedido
Art. 131. Estando o pedido devidamente instruído na forma do art. 129, poderá ser apreciado de plano pela autoridade competente. (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99) Art. 132. A autoridade competente, caso entenda necessário, poderá ouvir a Coordenação de Tributação, a fim de que a mesma emita parecer circunstanciado sobre o pedido, no prazo máximo de de 30 (trinta) dias. (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99) Parágrafo único. Não será apreciado o requerimento que não atender qualquer um dos requisitos do art. 129, ou que se enquadrar nos casos abaixo relacionados, sendo o fato comunicado ao requerente: . (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99) I - aquele que for feito por estabelecimento contra o qual tiver sido lavrado auto de infração, notificação de débito ou qualquer outra medida fiscal para apuração de fatos que se relacionem com a matéria requerida; II - aquele que se originar de estabelecimento que tenha débito do ICMS ou esteja inscrito em Dívida Ativa; III - aquele que estiver em desacordo com as normas deste Regulamento. Art. 133. As diligências e os pedidos de informação solicitados pela Coordenação de Tributação suspendem o prazo de que trata o artigo anterior. Art. 134. É vedada ao requerente a transferência, a retransferência e a utilização de crédito objeto do requerimento, antes do recebimento emitida pela autoridade competente. (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99) Art. 135. Em caso de deferimento ou indeferimento do pedido, a autoridade competente comunicará à Coordenação de Tributação, para que esta proceda às anotações e registros necessários. (Nova redação dada pelo Art. 1º do Dec. 4.535-N, de 23/11/99) Art. 136. Da resposta ao requerente será remetida cópia à Coordenação de Fiscalização e às coordenações regionais da Receita.
Ou seja, o procedimento estipulado em Lei não previa a imposição de condições, a exemplo
das doações, para que a transação em espécie fosse realizada. Exigia-se apenas a verificação de regularidade
do requerimento e da situação fiscal da empresa requerente.
Não obstante, as condições foram acordadas no caso concreto. Com relação ao Projeto “Luz
no Campo”, o encargo imposto à SAMARCO parece justificável.
A uma, porque se tratava de um programa federal que demandava a participação do Estado
do Espírito Santo, de modo que a negociação entre SAMARCO e ESCELSA, com contrapartida em favor desse
projeto, retiraria do governo estadual parte do ônus16 de galgar recursos para esse fim.
16 O Estado do ES acabou desembolsando recursos para esse programa, em valor menor: de um total de 15 milhões, 9 foram pela doação, conforme convênio celebrado posteriormente, cuja prova está no apenso 44.
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A duas, porque tal doação tornaria a aquisição de créditos mais interessante à fornecedora de
energia elétrica. É o que extraio do seguinte depoimento, com meus grifos:
Depoimento da testemunha arrolada pela defesa – FRANCISCO LUIZ SIBUT GOMIDE (fls. 1439/1449):
[...] Foi presidente da ESCELSA de 1995 até 2001. Assumiu a presidência quando a ESCELSA foi privatizada. Os novos donos convidaram o depoente para ser o presidente porque tinha sido, no passado, presidente da Copel, no Paraná. O depoente se informou sobre os fatos por ter sido arrolado como testemunha. “Aparentemente, houve uma negociação de ICMS do governo do Estado com a companhia que eu presidia, e essa negociação é absolutamente legal e normal. E com o deságio dado pelo governo do estado, pedindo que o beneficiado, que era a empresa Samarco, não vale a pena alongar isso, mas exportadoras têm créditos de ICMS que são de difícil recuperação. Então, normalmente, o governo do Estado pede um deságio para reconhecer esses créditos. E no caso, pediu o deságio na forma de uma doação da Samarco para o programa de eletrificação rural, que nós, da Escelsa, conduzimos. E outra doação para a Fundação Augusto Ruschi, que é uma fundação de excelente reputação na área ambiental. Então, nós, que pagávamos o ICMS, em vez de recolhermos o dinheiro para o governo do Estado, recolhíamos os créditos, e destinamos esses descontos, assim chamados, para o programa de eletrificação rural, e para a Fundação Augusto Ruschi”. O depoente confirma que a SAMARCO tinha crédito de ICMS de difícil recuperação, queria que esses créditos fossem reconhecidos pelo governo do Estado e, em contrapartida, o governo do Estado exigiu que fossem feitas doações. As doações foram feitas para a Fundação Augusto Ruschi, de meio ambiente, e a outra era uma conta que a ESCELSA abriu para o próprio governo do Estado, dentro da empresa concessionária, para financiar o programa de eletrificação rural. Esse programa de eletrificação era nacional, fortemente subsidiado pelo governo federal. E seria uma pena se o governo do Estado não conseguisse dar sua contrapartida, porque isso privaria o Estado de receber verbas federais que viabilizariam a total eletrificação rural do Estado. Então, naturalmente, todo mundo via, com muita simpatia, que o Estado, que não tinha dinheiro para financiar esse programa, reconhecesse os créditos que de resto ele não reconheceria. Só pode adquirir o crédito de ICMS quem paga ICMS. A companhia (ESCELSA) era o maior recolhedor de ICMS. Então, em vez de a ESCELSA recolher dinheiro, como normalmente, colocava notas de crédito. O lucro da ESCELSA com isso é que ela viabilizava um programa de eletrificação rural, que é do seu metier. A compensação não foi feita pela própria SAMARCO porque o governo do Estado queria reconhecer esses créditos com um deságio. “Ou seja, ‘X milhões de reais’, ele dizia, ‘eu só pago Y’. E não pôs o X na mão da SAMARCO, para depois receber dela. Esse dinheiro que você, SAMARCO, vai doar para o Estado do Espírito Santo, já deixa na concessionária, casado com o programa que está em andamento”. A ESCELSA só pagou a diferença desse crédito junto à SAMARCO. Os números eram em torno de 43 milhões de dólares de créditos, a que a SAMARCO tinha direito, e, desses 43 milhões, salvo engano, a contrapartida estadual no programa de eletrificação rural era de uns dez milhões, então já dá 33, e para a Fundação Augusto Ruschi eles doavam seis milhões e meio. Descontando os dez milhões, menos seis e meio, menos algum valor que o departamento financeiro entendeu como custos financeiros da operação, o depoente acredita que a ESCELSA pagou algo em torno de vinte e seis milhões e meio pelo crédito de 43 milhões. Algo assim. Isso em dinheiro para a SAMARCO, em troca dos 43 milhões em notas equivalentes de ICMS. Esses 43 milhões não cabiam na fatura de um mês, embora a ESCELSA fosse a maior recolhedora de ICMS. Então foi parcelado, por isso há um convênio entre o governo do Estado e a SAMARCO, e isso foi resolvido ao longo de um período. Ou seja, a ESCELSA não liberou aqueles 26 milhões para a SAMARCO de uma só vez. O negócio descrito pelo depoente foi partido em dez pedaços absolutamente equilibrados cada um de per si. Esses 26 milhões foram pagos em dinheiro, por meio de cheque da ESCELSA para a SAMARCO. Depois o depoente tomou conhecimento de que esse dinheiro teria tido outros destinos que não os devidos. Ouviu falar disso em relação à doação para a Augusto Ruschi, mas não se aprofundou no assunto, até porque coincidiu com a época em que o depoente voltou para o Paraná. A vantagem da ESCELSA nesse negócio foi colaborar com o Estado do Espírito Santo e evitar que o Estado, onde a ESCELSA era a concessionária, fosse o único que não tirasse proveito de um programa subsidiado de eletrificação rural federal. Se não falha a memória do depoente, o Espírito Santo talvez tenha sido o primeiro estado a atingir 100% de eletrificação na área rural. A eletrificação
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rural é um programa federal, com forte subsídio do governo federal, através da Eletrobrás, que exige uma contraparte do governo do Estado, que não tinha condições de dar, e cobra uma percentagem de 20 a 30% do próprio proprietário rural. Daí o programa é elaborado, implantado, e as pessoas que não tinham eletricidade no campo passam a ver ali cabos, linhas, transformadores, sabendo que ali tem 50% de presente federal, 25% de presente estadual e o proprietário só pagou 25%. Numa sociedade não subsidiada, o investimento seria feito integralmente pelo proprietário rural. No Brasil é que o governo federal inventa um programa onde diz: eu subsidiarei a ligação rural com tal percentagem, desde que o Estado dê tal percentagem, e assim o proprietário arcará com um quarto do custo. [...]
E de fato se firmou posteriormente um convênio entre ESCELSA e Governo do Estado do
Espírito Santo, com vistas à execução do programa nacional de eletrificação rural, fazendo referência expressa
aos nove milhões como parte dos recursos alocados pelo Governo Estadual para a implementação do projeto
(vide fls. 133/159 do apenso n° 44).
Já no que toca à verba doada com destinação ambiental, não vislumbro um interesse tão
urgente da parte do Estado, até porque não há indicativos de que essa condição tenha vindo acompanhada de
um projeto específico. Pelo contrário, nem os réus nem quaisquer das testemunhas envolvidas nas tratativas
entre SAMARCO, ESCELSA e SEFAZ-ES souberam explicar com precisão o motivo pelo qual a Fundação
Augusto Ruschi veio a ser selecionada para receber a doação ambiental, tampouco quem a escolheu. E, na
prova documental, as referências à doação de caráter ambiental são poucas, o que sugere o intuito de ocultar a
substanciosa quantia disponibilizada pela SAMARCO para esse fim.
Vejamos a sequência cronológica dos fatos que conduziram à concretização da transferência
de créditos acumulados de ICMS entre SAMARCO e ESCELSA, conforme elementos dos autos:
� 18.05.2000: Encaminhamento do projeto de lei n° 261/2000 por parte do Governador JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA ao Presidente da Assembléia Legislativa (à época, JOSÉ CARLOS GRATZ), solicitando o
empenho na aprovação do mesmo, que visava à autorização da transferência. O documento faz
referência expressa apenas ao Projeto Luz no Campo (fls. 06/08 do apenso 01).
� 06.06.2000: Requerimento do Líder do Governo, Deputado Camillo Araújo, direcionado ao Presidente
da Assembléia Legislativa, solicitando regime de urgência para o Projeto de Lei n° 261/2000, com
expressa referência ao Luz no Campo (fls. 12 do apenso 01).
� 28.06.2000: Requerimento da SAMARCO MINERAÇÃO S.A (processo 17392152), solicitando ao
Governador do Estado do Espírito Santo autorização para transferência de créditos acumulados de
ICMS para a ESCELSA, no montante de R$ 42.000.000,00. No requerimento da SAMARCO consta que,
desse montante, seria realizada a doação social ao Estado do Espírito Santo, no valor de R$
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9.000.000,00, para aplicação em obras do Programa Luz do Campo, e no valor de R$ 6.300.000,00, que
seriam doados a entidades que tivessem o escopo de pesquisa, recuperação e preservação do meio
ambiente no Estado do Espírito Santo (fls. 02 do apenso 01).
� 29.06.2000: Encaminhamento do Autógrafo de Lei n° 109/00, aprovado pela Assembléia Legislativa,
referente ao contrato de financiamento da eletrificação rural entre o Poder Executivo e a ESCELSA (Luz
no Campo) – fls. 13 e 15 do apenso 01.
� 29.06.2000: Lei n° 6.274/2000, autorizando: (i) a celebração de contrato de financiamento de
eletrificação rural com a ESCELSA, com a finalidade de atender propriedades rurais capixabas, dentro
das características do Programa Luz no Campo; (ii) a constituição de garantia para o cumprimento das
obrigações decorrentes desta Lei, com recursos provenientes do ICMS, podendo para tanto firmar os
documentos que se fizerem necessários, inclusive outorgar mandatos. Lei publicada no diário em
30.06.2000 (fls. 16 do apenso 01).
� 11.08.2000: Reiteração do pedido da SAMARCO, desta feita direcionado ao Subsecretário de Estado
da Receita, mas sem citar as doações a serem efetivadas (fls. 10 do apenso n° 28).
� 11.08.2000: Ofício subscrito pelo Secretário de Fazenda, JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR,
dirigido ao Governador JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, opinando favoravelmente à autorização solicitada e
propondo um cronograma de desembolso para a implementação da operação (fls. 03/04 do apenso 01).
� 11.08.2000: Deferimento, por parte do Governador JOSÉ IGNÁCIO, do pleito veiculado no processo
17392152, “nos moldes da proposta do Secretário de Estado da Fazenda, condicionando ainda que do
montante a ser transferido seja destinado, como doação social, o valor de R$ 9.000.000,00 (nove
milhões de reais) para aplicação em obras do Programa Luz do Campo, na forma de acordo a ser
celebrado entre a ESCELSA, a autorizada e o Estado do Espírito Santo, através da Secretaria de
Estado da Agricultura” (fls. 19 do apenso 01).
� 25.08.2000: Termo de operacionalização das transferências de créditos acumulados de ICMS,
firmado entre o Estado do Espírito Santo e a SAMARCO MINERAÇÃO S/A, contendo, em síntese: 1)
autorização para que a SAMARCO transferisse para a ESCELSA o montante de R$ 35.700.000,00,
referente a créditos acumulados de ICMS, vinculando a operacionalização e a utilização desses créditos
ao documento anexo; 2) previsão da contrapartida de R$ 9 milhões, como doação social, para o projeto
LUZ NO CAMPO, executado pela ESCELSA com supervisão da Secretaria de Agricultura; 3) previsão
de emissão de nota fiscal de transferência do crédito correspondente a ser compensado pela ESCELSA,
todos os meses, a partir de agosto de 2000; 4) compromisso da SAMARCO de transferir à ESCELSA os
créditos correspondentes à nota fiscal emitida; 5) previsão do pagamento à SAMARCO pela ESCELSA,
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a ser feito no dia do mês em que estiver obrigada a fazer o recolhimento do respectivo ICMS ao Estado
do Espírito Santo; 6) responsabilidade da Secretaria de Estado da Fazenda de controle e
acompanhamento da realização das transferências e utilização dos créditos na forma avençada,
inclusive com a aposição de visto no documento fiscal que efetivar a transferência de créditos (fls. 20/21
do apenso 01).
� 31.08.2000: proposta de transferência e pagamento de créditos de ICMS, com cronograma de
transferência dos R$ 35.700.000,00 e de doação dos R$ 9.000.000,00 (fls. 22 do apenso 01).
� 31.08.2000: comunicação dirigida à ESCELSA e subscrita por JOSÉ CARLOS DA FONSECA
JUNIOR, dando conta de que o Governo do Estado do Espírito Santo viabilizara sua contrapartida para
a efetivação do programa “LUZ DO CAMPO”, através do recebimento de doação da empresa
SAMARCO MINERAÇÃO S.A, no valor de R$ 9.000.000,00, decorrente de autorização de transferência
de créditos acumulados de ICMS no valor de R$ 35.700,00 (fl. 14 do apenso 28).
� 31.08.2000: nota fiscal n° 016239, emitida pela SAMARCO MINERAÇÃO S.A, transferindo à
ESCELSA crédito de ICMS no valor de R$ 6.300.000,00. Documento com assinatura de autorização do
então Governador JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (fls. 23 do apenso 01).
A documentação acima relacionada demonstra que a doação de caráter ambiental fez parte
das negociações preliminares, mas não constou expressamente do Termo de Operacionalização da
Transferência de ICMS entre SAMARCO e ESCELSA. No termo em questão, os R$ 6.300.000,00
correspondentes foram deduzidos dos R$ 42 milhões constantes do pedido inicial da SAMARCO. Entretanto, a
nota fiscal respectiva (nota n° 16239) foi emitida pela SAMARCO MINERAÇÃO S/A.
A concretização da transferência dos R$ 6.300.000,00 está demonstrada no documento de fls.
22 do apenso n° 28, datado de 31.08.2000. Na oportunidade, o diretor presidente da ESCELSA informou ao
Secretário da Fazenda que estava considerando efetivar a operação de aquisição de créditos de ICMS da
SAMARCO no valor de R$ 6.300.000,00, relativos à nota fiscal 016239, nos seguintes valores e prazos de
compensação:
PARCELA – VALOR DATA
R$ 1.000,00 15.09.2000
R$ 1.000,00 15.10.2000
R$ 1.000,00 15.11.2000
R$ 1.500,00 15.12.2000
R$ 1.000,00 15.01.2001
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R$ 800.000,00 15.02.2001
Por sua vez, a Fundação Augusto Ruschi, instituição ambiental beneficiária da generosa
doação, emitiu, um dia depois (01/09/2000), dois documentos: i) uma notificação17 dirigida à ESCELSA,
informando que recebera da SAMARCO MINERAÇÃO a nota de crédito de ICMS no valor de R$ 6.300.000,00 e
descrevendo-a como doação de caráter social (voltada ao meio-ambiente e educação) com a finalidade de
custear estudos e projetos da fundação, bem como a realização de obras de construção do Museu (para apoio à
pesquisa científica), reformas e melhorias na sede social; ii) um recibo18 assinado por Aloísio Sá dos Santos e
Dilma Marangoni Ruschi, atestando que a Fundação recebera a importância de R$ 5.000.000,00 da ESCELSA,
representada pelo cheque n° 568 e referente à aquisição de crédito de ICMS representada pela nota fiscal n°
016239.
Os elementos supra, somados à prova oral colhida em Juízo, levam-me a algumas conclusões:
� Apesar de o termo se referir apenas à transferência de R$ 35.700.000,00, a SAMARCO na
verdade transferiu R$ 42.000.000,00 em créditos de ICMS à ESCELSA, e tudo com a autorização do Governo
do Estado, conforme documentos de fls. 19/23 do apenso 01.
� Dos R$ 35.700.000,00 constantes no termo, a SAMARCO doou R$ 9 milhões ao Estado do
Espírito Santo. Ou seja, a ESCELSA deixou de pagar esse montante à SAMARCO e empregou-o no projeto “Luz
no Campo”, não como verba própria da empresa, mas como participação do Estado em tal projeto.
� Quanto aos R$ 6.300.000,00 restantes em crédito de ICMS, a ESCELSA os adquiriu da
SAMARCO, mas pelo preço de R$ 5.000.000,00. O considerável deságio de R$ 1.300.000,00 foi explicado em
Juízo como custo financeiro da operação, segundo depoimentos das testemunhas Francisco Luiz Sibut Gomide
(fls. 1439/1449) e José Antônio Almeida Pimentel (fls. 2215). A justificativa, embora desacompanhada de prova
documental, ressoa verossímil, pois alguma vantagem a ESCELSA deveria vislumbrar para concordar com o
imediato desembolso de milhões de reais em prol da instituição ambiental beneficiada com a doação da
SAMARCO.
17 Fl. 25 do apenso 01.
18 Fl. 24 do apenso 01.
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� A ESCELSA, em vez de entregar os R$ 5.000.000,00 à empresa que lhe transferira os
créditos, entregou-os diretamente à Fundação Augusto Ruschi, entidade à qual a SAMARCO já havia cedido a
nota de crédito correspondente.
� Embora o documento subscrito pela Fundação Augusto Ruschi à fl. 25 do apenso 01
mencione o recebimento de nota de crédito no valor de R$ 6.300.000,00, é fato que a entidade com escopo
ambiental recebeu apenas R$ 5.000.000,00, na data de 01/09/2000, conforme extrato à fl. 41 do apenso 01.
Assim, ou o documento aludido contém algum erro de cunho material, ou o caso esconde uma fraude relativa ao
deságio da operação, suspeita esta que, no entanto, carece de elementos probatórios consistentes.
Antes de prosseguir, abro parênteses para tecer alguns esclarecimentos sobre a natureza da
verba ambiental destinada à Fundação Augusto Ruschi. Em geral, as defesas constituídas se apoiaram
insistentemente na natureza privada dos créditos acumulados de ICMS titularizados pelo contribuinte, no intuito
de afastar a imputação de peculato.
Pois bem. Já foi feita uma breve explanação sobre essa figura típica e também sobre os
reflexos da Lei Kandir em casos como o presente. Todavia não é demais reiterar que a natureza do bem
subtraído não interfere na caracterização do crime de peculato-furto. Seja o bem privado ou público, importa,
para que haja adequação ao tipo do art. 312, §1°, do CP, que o agente público tenha se valido das facilidades
propiciadas por seu cargo a fim de subtrair ou colaborar para a subtração do bem.
Não obstante, apenas a título de esclarecimento das partes, externo meu entendimento no
sentido de que o montante indevidamente apropriado no caso em voga tem viés público.
Primeiro porque os créditos de ICMS são oponíveis contra um ente público: o Estado. Embora
seu titular seja uma empresa privada, o crédito em tela não decorre de um vínculo contratual ou particular, mas
sim de uma relação jurídica de direito público de natureza obrigacional: a relação jurídico-tributária. Tanto é que,
para que a empresa detentora do crédito o transfira a um terceiro interessado, faz-se necessária a autorização
do Estado. Portanto, a empresa cedente não tem livre disponibilidade sobre o crédito de sua titularidade, mas
depende de um ato do Poder Público que o valide para fins de eventual transação com outro(s) contribuinte(s).
Além disso, o uso do crédito perante o Estado é todo tratado em normas, o que acentua a vinculação pública do
saldo credor em comento.
É bem verdade que existe uma distinção entre o crédito tributário e o preço estipulado para
sua aquisição. Essa diferença sobressai na hipótese dos autos, já que o crédito oposto contra o Estado
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representava o montante de R$ 6.300.000,00, ao passo que a ESCELSA pagou efetivamente a quantia de R$
5.000.000,00 para adquiri-lo. Neste viés, os valores subtraídos corresponderiam ao preço do crédito, e não ao
crédito em si.
Mas ainda que se enxergue a quantia subtraída sob a ótica de um preço estabelecido para a
compra de determinada coisa (no caso, o crédito de ICMS), os notáveis R$ 5 milhões continuam impregnados de
um aspecto público, tanto em sua origem quanto em sua destinação. Além de decorrer de uma operação de
compra e venda de créditos de ICMS, esse montante foi revestido de destinação ambiental desde o início,
quando a SAMARCO requereu a autorização estatal para a transferência de créditos, assumindo o compromisso
de disponibilizar, como doação social ao Estado do Espírito Santo, as quantias a serem aplicadas no programa
“Luz no Campo” e em favor de entidades com escopo de pesquisa, recuperação e preservação do meio
ambiente no Estado do Espírito Santo.
Essa destinação ambiental constou expressamente da manifestação do Secretário de Fazenda
José Carlos da Fonseca Junior (corréu no feito desmembrado), que, em seu parecer favorável à operação,
acentuou o esforço conjunto dos setores público e privado para “promover, mediante doações sociais, a
eletrificação rural e a execução de projetos na área ambiental” (fl. 03 do apenso 01). Essa manifestação foi
integralmente aprovada pelo Governador da época, a despeito dos breves termos empregados no despacho de
deferimento (fl. 19 do apenso 01).
Ainda naquele parecer do Secretário de Fazenda, constava um cronograma de utilização dos
créditos, cujo somatório alcançava os R$ 42 milhões existentes no pedido inicial da SAMARCO. Nesse
cronograma de compensação (fls. 04 do apenso 01), observo a coexistência de duas cronologias paralelas: uma
totalizando os R$ 35.700.000,00 efetivamente formalizados mediante termo de operacionalização da
transferência; e outra somando exatamente os R$ 6.300.000,00 que ensejariam a contrapartida de R$ 5 milhões
por parte da ESCELSA e em favor da Fundação Augusto Ruschi (FAR). Transponho em forma de quadro a
proposta de compensação de créditos veiculada pelo Secretário de Fazenda da época:
Data prevista Parcela proposta por JOSÉ CARLOS DA FONSECA
Setembro de 2000 R$ 2,5 milhões
Setembro de 2000 R$ 1 milhão
Outubro de 2000 R$ 2,5 milhões
Outubro de 2000 R$ 1 milhão
Novembro de 2000 R$ 2,5 milhões
Novembro de 2000 R$ 1 milhão
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Dezembro de 2000 R$ 2,5 milhões
Dezembro de 2000 R$ 1,5 milhão
Janeiro de 2001 R$ 2 milhões
Janeiro de 2001 R$ 1 milhão
Fevereiro de 2001 R$ 800 mil
Fevereiro de 2001 R$ 3 milhões
Março de 2001 R$ 3 milhões
Abril de 2001 R$ 3 milhões
Maio de 2001 R$ 3 milhões
Junho de 2001 R$ 3 milhões
Julho de 2001 R$ 3 milhões
A partir de agosto de 2001, conforme o cronograma de execução do Projeto Luz no Campo
R$ 5,700 milhões
Obs: As células grifadas correspondem a valores que NÃO CONSTARAM do cronograma (fl. 22 do anexo 01) que posteriormente acompanhou o termo de operacionalização da transferência de créditos de ICMS.
O somatório constante do quadro acima coincide com o requerimento inicial da SAMARCO e
com os documentos que evidenciaram a transferência efetiva dos R$ 42 milhões, e não apenas de R$
35.700.000,00. Com base nessas duas cronologias, implicitamente aprovadas pelo Governador na frase “defiro o
pleito nos moldes da proposta do Secretário de Estado da Fazenda”, verifico que o Governo do Estado na
verdade fez duas exigências para autorizar a transferência de crédito: i) o investimento no Projeto “Luz no
Campo” (contrapartida de R$ 9 milhões), no que concerne à transferência de R$ 35.700.000,00; e ii) o
investimento em projetos ambientais, pertinente à transferência de R$ 6.300.000,00.
Em outras palavras, ainda que a doação social tenha sido empregada em prol de uma
fundação, e não em um projeto estatal, é certo que o governo exigiu, como condição para autorizar a
transferência do crédito de ICMS no valor de R$ 6.300.000,00, que o valor recebido pela SAMARCO fosse
doado a uma entidade com objetivos ambientais. E a testemunha que então atuava como presidente da
ESCELSA confirmou isso, dizendo que “o Governo do Estado exigiu que fossem feitas doações” (fls. 1442).
Vale frisar que não existiu uma distância temporal relevante entre as duas transferências ou
entre as respectivas compensações, de modo que se justificasse a formalização primeira da transferência de R$
35.700.000,00, com a reserva dos R$ 6.300.000,00 restantes para um momento posterior. Muito ao contrário:
enquanto o termo de operacionalização foi formalizado em 25/08/2000, a transferência dos R$ 6.300.000,00
ocorreu somente uma semana depois, em 31/08/2000, data da emissão da nota fiscal correspondente.
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Isso comprova que a inusitada separação dos dois montantes na verdade tinha uma
justificativa prática para os interessados no peculato-furto: manter às claras a doação ao “Luz no Campo”, por se
tratar de projeto federal que demandava uma posição do Estado, mas conservar às escuras a doação ambiental.
Entre as pessoas envolvidas na empreitada criminosa, certamente pairava um sentimento de segurança por
saber que a verba ambiental seria depositada na COOPETFES, em conta de confiança do governo da época, e
com a conivência e participação de diretores da fundação beneficiada, de modo que a movimentação desses
valores em princípio ocorreria sem suscitar maiores suspeitas.
Todos esses argumentos servem para afirmar o viés público do valor posteriormente subtraído.
E na hipótese em tela, foi essa aproximação da verba com o poder estatal que envolveu a ação dos acusados
enquanto agentes públicos, como abordarei mais adiante.
b) Da subtração de valores da conta da Fundação Augusto Ruschi:
Até então, a conjuntura não denotava irregularidade patente, mas apenas indícios fortes de
uma condução relativamente velada, no que tange à famigerada doação ambiental. Esses indicativos, porém,
ganham maior intensidade probatória ao verificarmos o “desaparecimento” quase que completo da quantia de R$
5.000.000,00 da conta da Fundação Augusto Ruschi na COOPETFES (conta n° 1325-0), logo no primeiro dia útil
após o respectivo depósito, ou seja, em 04/09/2000. Transcrevo dados do extrato em questão19:
SALDO ANTERIOR: 0,00
01/09 DEP. DIN 5.000.000,00
SALDO 5.000.000.,00
04/09 CH. AVULSO -598.200,00
04/09 DEB. C/C -4386.800,00
SALDO 15.000,00
06/09 C.P.M.F -14.955,00
SALDO CREDOR 45,00
SALDO COM CONTRATO 545,00
O cheque de R$ 598.200,00 foi destinado à conta da empresa BBS CONSULTORIA.
Considerando que a empresa tinha vinculação direta com a Fundação Augusto Ruschi20, vê-se que o ilícito
19 Fl. 41 do apenso 01.
20 Segundo consta das apurações pré-processuais, o diretor financeiro da Fundação – Aloísio Sá dos Santos já havia sido sócio da BBS e, na data dos fatos, a empresa pertencia a Flávio Quintanilha, sobrinho de Aloísio Sá dos Santos.
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contou com a colaboração e conivência dos integrantes da diretoria da Fundação, os quais inclusive foram
condenados por esses fatos no processo penal que tramitou em âmbito estadual21.
Já o débito de R$ 4.386.800,00 foi creditado nas contas de n°s 784-6 e 571-1, de titularidade
de RAIMUNDO BENEDITO, também condenado pelos mesmos fatos no indigitado processo perante a Justiça
Estadual. A remessa desses valores para as contas de RAIMUNDO, igualmente mantidas na COOPETFES, foi
identificada pelo auditor interno da cooperativa, Paulo Sérgio Torres da Silva, que analisou o resumo de
operações do dia 04/09/2000 e identificou a coincidência dos valores (nesse sentido, relatório à fl. 34 do apenso
01).
Em depoimento prestado na fase pré-processual (fls. 32 do apenso 01), Paulo Sérgio
esclareceu que foram feitos três depósitos, nos valores aproximados de R$ 2.000.000,00, R$ 440.000,00 e R$
1.946.800,00, todos em favor de RAIMUNDO BENEDITO e totalizando os exatos R$ 4.386.800,00 debitados da
conta da fundação. Suas afirmações estão comprovadas pelos documentos de fls. 35/38 do apenso 01 (guias de
depósito e relatórios de caixa). Em Juízo, Paulo Sérgio Torres confirmou o trabalho por si produzido durante a
auditoria na COOPETFES (cf. apenso 18). Destaco excertos de seu depoimento testemunhal:
Depoimento da testemunha arrolada pela acusação – PAULO SÉRGIO TORRES DA SILVA (fls. 1662):
[...] O depoente fez auditoria na conta de RAIMUNDO BENEDITO na COOPETFES, para averiguar irregularidades. O depoente trabalhava em escritório de contabilidade e foi contratado pela COOPETFES para fazer um trabalho específico de auditoria na instituição. No período em que estava fazendo o trabalho, o BACEN solicitou que a COOPETFES apresentasse um auditor para iniciar uma investigação nas contas específicas de RAIMUNDO BENEDITO e da Fundação Augusto Ruschi, acerca de uma transferência de um milhão de quatrocentos e noventa e oito mil (algo assim, salvo engano). O objetivo também era tentar levantar um projeto de recuperação financeira da COOPETFES, uma vez que seus créditos estavam muito altos e concentrados nas duas contas de RAIMUNDO BENEDITO. [...] A auditoria se concentrou em dois meses da movimentação das contas de RAIMUNDO BENEDITO e da Fundação Augusto Ruschi. O depoente relata que começou a fazer a auditoria em março (de 2000 ou 2001, não se lembra do ano exato) e, por volta de maio, foi requisitado ao depoente que fizesse a auditoria específica nas contas de RAIMUNDO e da Fundação. A movimentação levantada foi em relação ao mês de setembro (não se lembra do ano exato, mas está no relatório subscrito pelo depoente nos autos). Na realidade, havia mais cheques ainda do que consta do relatório. O volume foi bem maior. Mas a concentração de saques nos valores de cem mil, quinhentos mil reais, cento e cinquenta mil reais, isso se deu nessa conta num período bem curto. [...] O depoente confirma que, do dinheiro depositado na conta da Fundação Augusto Ruschi, uma parte foi repassada para a conta de RAIMUNDO BENEDITO, a outra parte para a BBS CONSULTORIA. O dinheiro da conta do RAIMUNDO BENEDITO posteriormente foi trocado no BANESTES. O depoente tem conhecimento disso porque foi ele próprio quem levantou esses dados. O depoente só viu a parte das transferências: da conta da Fundação para a de RAIMUNDO, e da de RAIMUNDO em diante. [...]A conta foi aberta recentemente, ou seja, dá para entender que a conta foi aberta para receber esse valor. Tanto é que depois a diretora da Fundação foi lá para fechar a conta. O dinheiro entrou na conta da Fundação e foi imediatamente transferido para a de RAIMUNDO [...].
21 Ação penal n° 024.010.113.124, que tramitou na 7ª Vara Criminal de Vitória/ES e atualmente se encontra em fase de apresentação de recursos, conforme informações extraídas do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Espírito Santo: [http://www.tj.es.gov.br/consulta/cfmx/portal/Novo/descricao_proces.cfm] – acesso em: 19.08.2011.
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Como se vê, a escolha da COOPETFES como instituição onde transitariam os valores
decorrentes daquela doação social não foi casual. Os documentos de fls. 41/45 e 47/48 do apenso n° 01
demonstram que a conta da Fundação Augusto Ruschi foi aberta inusitadamente na COOPETFES em
29/08/2000, às vésperas do recebimento da doação. Comprovam também que, após a milionária operação
aludida na denúncia, não houve nenhuma movimentação expressiva na conta da Fundação, ficando a mesma
com um saldo credor de apenas R$ 0,01 a partir de dezembro de 2000. Na fase pré-processual, a bancária
Marcele Machado Isidoro, que operava um dos caixas da COOPETFES, relatou que o encerramento da conta da
Fundação Augusto Ruschi foi solicitado ainda no ano de 2000 (fl. 257 do apenso n° 21). É dizer, essa conta foi
aberta unicamente com a finalidade de recepcionar os valores revestidos do escopo social.
Vale frisar que a conta foi encerrada sem que os diretores da instituição reclamassem junto à
cooperativa sobre o expressivo montante desviado, conforme relatou Paulo Sérgio Torres da Silva, às fls.
250/254 do apenso 21, e Gabriel dos Anjos de Jesus, à fl. 242 do mesmo apenso. Ora, em se tratando de
corpulenta quantia em tese destinada ao desenvolvimento de projetos de pesquisa científica, não posso
considerar comum tamanha inércia. Em verdade, a postura silente dos responsáveis pela fundação reforça a
fraude existente por trás da negociata e da subsequente subtração dos recursos. Isso inclusive foi afirmado pelo
mencionado auditor da COOPETFES, segundo o qual o gerente da cooperativa chegou a lhe dizer que os
dirigentes da Fundação Augusto Ruschi eram sabedores da transferência de valores para a conta de
RAIMUNDO BENEDITO (fl. 254 do apenso 21). E, em Juízo, o acusado RAIMUNDO disse que houve
autorização da Fundação Augusto Ruschi (FAR) para a transferência desses recursos. RAIMUNDO chegou a
afirmar ainda que, em sua concepção, “tal fundação foi ‘criada’ só para ganhar 12% dos cinco milhões [...];
depois que ‘explodiu o negócio’, a fundação foi na delegacia e disse que a COOPETFES transferiu recursos da
conta dela (Fundação Augusto Ruschi) sem autorização para fazer a transferência”22.
Outro ponto que acentua o viés ilícito do débito efetuado na conta da FAR é que em momento
algum foi possível identificar o verdadeiro responsável por autorizar a operação. Na fase pré-processual,
pessoas que de algum modo atuaram na COOPETFES23 disseram que o débito de R$ 4.386.800,00, realizado
em 04/09/2000 na conta 1325-0, foi regularmente autorizado, mas que, posteriormente uma das diretoras da
Fundação Augusto Ruschi provavelmente teria “sumido” com a respectiva autorização, já quando a operação
estava sendo investigada. Essa mesma versão foi dada em Juízo pelo réu RAIMUNDO BENEDITO, segundo o
qual tal autorização foi retirada da pasta da cooperativa por Dilma Marangoni Ruschi, diretora da fundação.
22 Interrogatório de RAIMUNDO BENEDITO às fls. 962/966.
23 Nesse sentido constam os depoimentos de Marcele Machado Isidoro – fls. 256/258 do apenso 21; e de Paulo Sérgio Torres da Silva – fls. 73/74 do apenso 16.
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Por sua vez, os diretores da fundação afirmaram que o débito jamais fora autorizado por
aquela instituição24. No entanto, consta dos autos apenas um aviso de débito sem a aposição de assinatura
autorizada (fls. 39/40 do apenso 01). Ora, a ocultação da assinatura prenuncia a intenção de se evadir de
eventual responsabilização, bem como reforça o intuito fraudulento que acompanhava a operação bancária.
Com esse pano de fundo ardiloso, o caso desvela o real motivo da escolha da COOPETFES:
tratava-se de cooperativa onde já funcionava o denominado “caixa 2” do Governo JOSÉ IGNÁCIO, o que se
estampa nos inúmeros documentos encartados aos apensos desta ação penal. O depoimento judicial de Caio
Marcos Cândido (fl. 1612), Delegado da Receita Federal que atuou na apuração do caso junto à Missão Especial
de Combate ao Crime Organizado no Espírito Santo, confirma que as contas mantidas por RAIMUNDO
BENEDITO na COOPETFES serviam ao pagamento de contas do governo, inclusive gastos pessoais do então
governador e de sua esposa. Afirmação comprovada pelos documentos bancários de fls. 59/62 do apenso 04,
que atestam o envio de valores por RAIMUNDO BENEDITO a JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, e também pelos
documentos de fls. 64/68 e 78/89 do apenso 04, que se referem a cheques e/ou valores recebidos de Maria
Helena Ruy Ferreira por parte de construtoras. O próprio JOSÉ IGNÁCIO, ainda que de forma cautelosa, acabou
por reconhecer em Juízo (fls. 967/971) que sua esposa repassava dinheiro a GENTIL RUY e que este, em
algumas ocasiões, repassou esses recursos a RAIMUNDO, para que o mesmo efetivasse o pagamento de
despesas pessoais do ex-governador e de sua esposa. Ainda que os recursos utilizados para esse tipo de
pagamento efetivamente pertencessem a JOSÉ IGNÁCIO, como este afirmou em sua autodefesa, e embora tais
fatos não constituam objeto da denúncia, eles servem para demonstrar que a conta de RAIMUNDO na
COOPETFES era terreno de confiança do governo.
Outrossim, RAIMUNDO BENEDITO tinha livre trânsito na COOPETFES, haja vista sua farta
experiência em cooperativas de crédito, e também por sua relação com o governo da época. Inclusive foi em
virtude das operações fraudulentas e temerárias realizadas nas contas de RAIMUNDO que a COOPETFES
chegou ao estado de insolvência. O maior devedor da cooperativa era RAIMUNDO, o qual, ao se deparar com
as cobranças decorrentes das apurações do BACEN, acabou admitindo que aquele débito era do Governo do
Estado. Extraio essas conclusões a partir dos depoimentos testemunhais de Paulo Sérgio Torres da Silva (fl.
1662), José Manoel Araújo Filho (fls. 1687/1688) e Sidney Valente de Matos (fls. 1718/1719).
Pois bem. Uma vez debitados da conta da Fundação Augusto Ruschi os valores de R$
598.200,00, em prol da BBS CONSULTORIA, e de R$ 4.386.800,00, para crédito nas contas de RAIMUNDO
BENEDITO, iniciou-se a pulverização desses recursos.
24 Nesse sentido, vide depoimento de Dilma Marangoni Ruschi, às fls. 74/75 do apenso 04.
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O primeiro montante beneficiou pessoas relacionadas à Fundação, e o segundo, ao que
consta, foi direcionado ao financiamento da campanha política para as eleições municipais de 2000. O auditor
interno da COOPETFES, mesmo ressalvando o reduzido tempo que teve para apurar a situação da cooperativa,
verificou a curiosa emissão de aproximadamente oitenta cheques assinados por RAIMUNDO BENEDITO em um
período pequeno (dois meses). No auto de entrega25 do material produzido pela auditoria da COOPETFES ao
Ministério Público Estadual (GRCO – Grupo de Trabalho para Repressão ao Crime Organizado), consta a
relação de saques realizados da conta corrente de RAIMUNDO BENEDITO na época dos fatos. Sintetizo no
quadro abaixo o total de saques efetivados por dia, logo após a subtração dos R$ 4.386.800,00:
Conta corrente n° 571-1 – Titular: RAIMUNDO BENEDITO DATA TOTAL DE SAQUES
04.09.2000 R$ 510.000,00 05.09.2000 R$ 426.537,00 06.09.2000 R$ 261.000,00 12.09.2000 R$ 447.000,00 13.09.2000 R$ 40.000,00
Conta corrente n° 784-6 – Titular: RAIMUNDO BENEDITO 12.09.2000 R$ 7.000,00
Tudo isso coincidiu com a época em que a corrida eleitoral se iniciou. A agenda do governador
da época (JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA), referente ao período de 26 a 30 de setembro de 2000 (fls. 162/165 do
apenso n° 40), incluiu viagens ao interior do Estado, elemento que corrobora que a campanha para as eleições
municipais foi deflagrada logo após a consumação do peculato-furto.
Além disso, a mesma testemunha antes referida disse que RAIMUNDO levou ao conhecimento
da auditoria documentos que associavam a numerosa emissão de cheques ao momento eleitoral em curso.
Segundo Paulo Sérgio, RAIMUNDO afirmou que muito daquilo foi para financiar campanha de candidatos a
prefeito. Vejamos mais alguns trechos de seu depoimento em Juízo:
Depoimento da testemunha arrolada pela acusação – PAULO SÉRGIO TORRES DA SILVA (fls. 1662):
[...] Indagado sobre possível denúncia feita por Celso José Vasconcelos, o depoente informa saber apenas que RAIMUNDO BENEDITO apresentou uma relação, que já fica fora do mérito da conta. O BACEN propôs ao depoente que ele construísse uma forma de recuperar e sanear a cooperativa, e o único caminho para isso era o recebimento das contas do RAIMUNDO BENEDITO. Aí a cooperativa tomou suas medidas cabíveis para fazer essa recuperação, e RAIMUNDO BENEDITO marcou uma reunião, onde apresentou uma relação de pagamentos feitos utilizando a conta que ele tinha na cooperativa. Nessa relação, havia pagamentos a comitês de campanha, de shows, de festa de aniversário, contas de apartamentos, ou seja, vários pagamentos. A reunião ocorreu na Praia da Costa, o depoente estava junto com Marcelo Gabriel (da COOPETFES), e na ocasião o Sr. Celso Vasconcelos pegou aquela relação diante da gravidade dos fatos (havia vários comitês políticos de processo eleitoral de vereadores e prefeitos). [...] – grifei.
25 Fls. 08/14 do apenso n° 20.
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As assertivas da testemunha em destaque coincidem com o interrogatório judicial de
RAIMUNDO BENEDITO, às fls. 962/966, confirmando que a transferência de recursos para a conta de sua
titularidade ocorreu com o objetivo de fazer face às despesas de campanha política de prefeitos e de vereadores
nas eleições de 2000.
Os elementos citados demonstram que a relação de despesas de campanha encontrada na
residência de GENTIL RUY (fls. 67/69 do apenso 01) não é um documento imprestável, como a defesa técnica
insiste em afirmar. Referida listagem totaliza o montante de R$ 4.224,801,00, em notável proximidade com o
valor subtraído da conta da FAR. Em igual sentido, encontramos extensa relação de pagamentos efetuados a
políticos no período de campanha municipal (fls. 70/76-verso do apenso 01), com expressa referência a alguns
denunciados (“TASSO” e “GRATS”, além de “ZÉ CARLINHOS”, em clara menção ao corréu no feito
desmembrado).
Reproduzo abaixo parte dos nomes listados à fl. 73 do apenso 01:
A validade desse documento foi muito questionada pelas defesas e por alguns réus, sobretudo
por não haver aposição de data, assinatura, nem identificação do nome completo das pessoas supostamente
beneficiadas com o pagamento das quantias. Além disso, os nomes em epígrafe contêm erros visíveis de grafia.
De fato, o documento, se considerado de forma isolada, pode ensejar dúvidas quanto à sua
autenticidade. Mas, tendo em vista as circunstâncias em que foi encontrado, não posso desprezar seu valor
probatório. Explico.
A documentação em tela foi apreendida na casa de GENTIL RUY em cumprimento a mandado
judicial de busca e apreensão. Não se trata de uma peça isolada, mas sim de um dos inúmeros papéis que
identificavam pagamentos efetuados durante o Governo JOSÉ IGNÁCIO e/ou durante a campanha eleitoral de
2000, além de outros documentos evidenciando tratativas referentes ao Governador e aos respectivos
interesses, em geral contando com a participação de GENTIL (cunhado do Governador e então Secretário de
Estado) e de RAIMUNDO.
Ok - CIRINHO 10.800.
Ok - TASSO 150 – 05.09
Ok - ZÉ CARLINHOS 150 – 05.09
Ok - MANDONATO 100.000
Ok - GRATS 500.000
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Os dados acima reproduzidos coincidem com as informações da tabela acostada por cópia às
fls. 68/69 do apenso 01, onde consta o nome de “J. CARLINHOS” acompanhado de correlata referência a
“100.000”. O nome “MANDONATO” (em tese se referindo ao advogado de sobrenome “MALDONADO”) também
se acha repetido nessa mesma tabela, com a mesma incorreção de grafia e a mesma referência à quantia de
“100.000”. Por sua vez, o nome de GRATZ também consta da tabela, com idêntica indicação do montante de
500.000, só que sem o erro gráfico verificado no documento de fl. 73 do apenso 01 (“GRATS”). O nome de
“TASSO” igualmente foi incluído na tabela em comento, acompanhado da indicação de “150.000”. Por fim, o
nome de “CIRINHO”, mencionado naquele papel, encontra lugar na tabela, com a mesma referência de valor
(10.800).
Além da identidade de informações apontadas acima, existem várias anotações à mão, com as
inscrições “JC”, “JT” e “G”26. Se essas siglas não servem para comprovar a efetiva obtenção de valores
indevidos pelos réus, servem ao menos para fortalecer as “coincidências” em pauta, bem como para demonstrar
que havia sim uma relação política envolvendo José Carlos da Fonseca Junior (já condenado em primeira
instância no feito desmembrado) e as pessoas de JOSÉ TASSO e GRATZ, diretamente interessados no
Governo JOSÉ IGNÁCIO.
Destaco que a mencionada lista de municípios e candidatos, acompanhada das siglas
JC/JT/G, é corroborada pela relação de candidatos às eleições municipais 2000, acostada às fls. 140/153 do
apenso n° 40, que evidencia a coincidência de diversos dos nomes listados.
Esses documentos, por sua vez, encontram reforço nas cópias de cheques emitidos por
RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO, às fls. 78 e 80 do apenso 01. Sintetizo abaixo os principais dados
constantes nesses títulos de crédito:
N° do cheque Valor Data de emissão Nominativo a Compensação
112.082 R$ 500.000,00 04.09.2000 Raimundo Benedito de S. Filho (emitente)
Endossado a Marcelo de Abreu e Lima e
compensado no Banco Santos Neves
112.083 R$ 150.000,00 05.09.2000 Ao emitente Compensado no Banestes, em 05.09.2000
112.084 R$ 150.000,00 05.09.2000 Ao emitente Compensado no Banestes, em 12.09.2000
112.098 R$ 100.000,00 06.09.2000 Hélio Maldonado Jorge
Compensado no Banestes, em 05.09.2000
26 Vide documentos de fls. 71/74-verso do apenso 01.
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Como se vê, os cheques são sequenciais, todos emitidos em setembro e a partir de
04/09/2000, data do desvio de valores. Desses títulos de crédito, apenas o cheque de R$ 100.000,00 foi emitido
nominalmente ao advogado Hélio Maldonado Jorge, em mais uma confirmação de veracidade das informações
constantes em tabelas e anotações apreendidas em poder de GENTIL RUY (“MANDONATO – 100.000”). Os
demais cheques foram emitidos ao próprio emitente (RAIMUNDO), em possível cautela destinada à ocultação
dos reais beneficiários. Aliás, embora esse pormenor não interfira na caracterização do peculato-furto, a
denúncia dá conta de que esses cheques teriam sido submetidos a esquemas de compensação fraudulenta, o
que será analisado oportunamente.
A título de confirmação judicial dos elementos em análise, recorro mais uma vez ao
depoimento de Paulo Sérgio Torres da Silva:
Depoimento da testemunha arrolada pela acusação – PAULO SÉRGIO TORRES DA SILVA (fls. 1662):
[...] A pesquisa específica do depoente ficou concentrada num período de dois meses, por causa do tempo reduzido que o depoente teve para fazer esse levantamento. Levantaram dois milhões e quatrocentos mil reais, em cheques compensados no período de um mês no BANESTES, contra as contas de RAIMUNDO BENEDITO na cooperativa. [...] A movimentação levantada foi em relação ao mês de setembro (não se lembra do ano exato, mas está no relatório subscrito pelo depoente nos autos). Na realidade, havia mais cheques ainda do que consta do relatório. O volume foi bem maior. Mas a concentração de saques nos valores de cem mil, quinhentos mil reais, cento e cinquenta mil reais, isso se deu nessa conta num período bem curto [...] O dinheiro transferido para a conta de RAIMUNDO BENEDITO originou vários cheques, nos quais o depoente concentrou sua verificação. [...] Havia pagamentos para o Dr. Hélio Maldonado, por exemplo. O depoente chegou a verificar esses cheques e conseguiu tirar algumas cópias. Os auditores do BACEN também tiraram cópias. O depoente pegou mais ou menos quarenta cheques, cerca de dois talonários. Havia mais cheques, mas o depoente não teve acesso a todos eles. Houve um cheque de R$ 500.000,00 que foi trocado no BANCO SANTOS NEVES. Esse cheque era destinado a uma pessoa de sobrenome LIMA, mas o depoente não se recorda do nome completo. Esse cheque foi compensado normalmente. [...]
A conjuntura exposta é melhor compreendida a partir do trabalho escrito produzido em sede
administrativa. Às fls. 04/05 do apenso n° 18 e às fls. 05/19 do apenso n° 02, há um resumo da movimentação
dos cheques da conta de RAIMUNDO BENEDITO (conta n° 571-1 – COOPETFES) durante o mês de setembro
de 2000. O relatório especifica a data de emissão, o número e o valor de cada um dos cheques, que somados
alcançam a quantia de R$ 3.189.856,00, valor que se aproxima do total debitado da conta da Fundação Augusto
Ruschi. Todos os títulos de crédito em comento foram emitidos a partir de 04/09/2000 (data da subtração). Vale
destacar que a averiguação da movimentação de cheques se deu com base em amplo levantamento
documental, constante do apenso n° 18, a partir das fls. 102.
Seguindo na análise da movimentação dos cheques emitidos por RAIMUNDO BENEDITO e
remetidos à compensação em setembro de 2000, há um relatório detalhado (fls. 06/10 do apenso 18),
identificando as pessoas físicas e/ou jurídicas a quem os cheques foram nominados, bem como os reais
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favorecidos pelas ordens de pagamento. Vários cheques foram desmembrados e revertidos em favor de
beneficiários diversos. Entre os favorecidos, merecem destaque alguns nomes, a saber:
a) Paulo Stefenoni Júnior, beneficiado com um cheque de R$ 18.800,0027, nos termos
descritos pela denúncia (fl. 30 destes autos);
b) Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância, entidade beneficiada com
os dois cheques de R$ 150.000,0028 acima aludidos e apontada na denúncia como instituição localizada na
cidade natal e reduto político do réu JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE. O MPF alega que a associação
por onde transitaram parte dos recursos subtraídos tinha como presidente, à época, Gilson Guilherme Oliveira
de Andrade, que é irmão de JOSÉ TASSO;
c) Auto Posto Contorno Ltda., beneficiado com um cheque de R$ 150.000,0029 e indicado na
denúncia como pertencente ao próprio JOSÉ TASSO;
d) Daniel Vantil30, beneficiado com um cheque de R$ 20.000,00 e dois cheques de R$
10.000,00, e incluído na listagem de pagamentos encontrada na residência de GENTIL RUY (fl. 67 do apenso
01);
e) Umberto Messias de Souza, beneficiado com R$ 50.000,0031 e incluído na listagem de
pagamentos encontrada na residência de GENTIL RUY (fl. 68 do apenso 01);
f) José Francisco Rocha, beneficiado com dois cheques de R$ 15.000,00 e igualmente incluído
na listagem de pagamentos encontrada na residência de GENTIL RUY, mas com a referência “José Rochinha”
(fl. 67 do apenso 01). Não obstante o apelido utilizado para identificar o candidato beneficiado, é de
conhecimento público que José Francisco Rocha foi eleito como prefeito de Águia Branca/ES e, na relação
apreendida, o nome “José Rochinha” vem acompanhando o município de Águia Branca, com referência ao exato
montante de R$ 30.000,00.
27 Fl. 09 do apenso 18.
28 Fl. 06 do apenso 18. 29 Fl. 10 do apenso 18. 30 Fls. 06 e 10 do apenso 18. 31 Fls. 06 do apenso 18. Umberto Messias de Souza foi condenado por esse fato pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na APn n. 472, em julgamento ocorrido em 1º.06.2011.
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(g) Celso José Vasconcellos, beneficiado com a quantia de R$ 30.000,0032, fruto do
desmembramento de um cheque de R$ 118.000,00, e também incluído na relação de pagamentos encontrada
em poder de GENTIL RUY (fl. 68 do apenso 01). Neste caso, embora Celso José Vasconcellos, ao ser ouvido
como testemunha, tenha declarado o desconhecimento sobre a vantagem pecuniária que supostamente teria
auferido, a auditoria em destaque, com análise do fluxo de recursos, serve para comprovar a veracidade de
muitas das informações veiculadas nos documentos apreendidos na casa de GENTIL RUY.
Como se não bastasse a minuciosa análise realizada em sede de auditoria, constam, às fls.
03/247 do apenso n° 03, inúmeros documentos bancários que embasaram as apurações e que comprovam o
desmembramento dos recursos de doação ambiental subtraídos da conta da Fundação Augusto Ruschi, bem
como a reversão desses valores em favor de políticos e pessoas envolvidas nas eleições municipais de 2000.
Trata-se de boletins de caixa, cópias de cheques emitidos por RAIMUNDO BENEDITO e doc’s, referentes ao
período de 14/09/2000 a 29/09/2000. Vários doc’s foram destinados a políticos ou a pessoas a estes
relacionadas, por exemplo: José Jardel Astolpho, de Guaçuí/ES (fl. 49 do apenso 3); Calomar Costa Soares, de
Dores do Rio Preto/ES (fl. 24 do apenso 3); Adelson José Fardin, de Vargem Alta/ES (fl. 22 do apenso 3); Luiza
Margareth Paganini, de Domingos Martins/ES (fl. 19 do apenso 3); Demetrio Tedesco, de Santa Leopoldina/ES (fl. 12
do apenso 3), Olívio Geraldo Altoé, de Jaguaré/ES (fl. 72 do apenso 3), Demerval Moreira, de Montanha/ES (fl. 99 do
apenso 3), Carvalho e Passos (fl. 99 do apenso 3), Elza Alves Portugal, de Pinheiros/ES (fl. 133 do apenso 3), Daniel
Vantil, de Presidente Kenedy/ES (fl. 173 do apenso 3), José Francisco Rocha, de Águia Branca/ES (fl. 174 do apenso
3), Leide de Oliveira Camizão, de Conceição da Barra/ES (fl. 238 do apenso 3) etc.
Muitos desses nomes coincidem com pessoas indicadas nas listagens que, segundo alguns
réus e suas defesas, não teriam validade probatória. Menciono os nomes acima com propósito exemplificativo,
apenas para confirmar que vários dos políticos relacionados às fls. 67 e seguintes do apenso 01 foram
comprovadamente alcançados com recursos oriundos da conta de RAIMUNDO BENEDITO. Isso, além de
corroborar a motivação político-eleitoral do peculato-furto ora identificado, confere maior autenticidade à listagem
tão questionada, que está longe de ser um documento fantasioso.
É verdade que há algumas divergências entre a indigitada relação de pagamentos a políticos e
a análise do fluxo das quantias movimentadas com cheques de RAIMUNDO. Por exemplo, na listagem escrita
consta que Umberto Messias seria contemplado com R$ 25.000,00, mas a análise de cheques demonstra que
lhe foram destinados R$ 50.000,00. Isso não desmerece o valor probatório das listas apreendidas. A uma,
porque parte da relação encontrada se referia a pagamentos efetuados até 20/09/2000, fato que pode explicar a
32 Fl. 08 do apenso 18.
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divergência de valores. A duas, porque as tabelas com repartição de recursos podem representar rascunhos
passíveis de alguma modificação pelo grupo envolvido, de acordo com as necessidades do momento político em
curso.
Com essas ponderações, reputo válidas as provas recolhidas na casa de GENTIL RUY,
sobretudo as listagens de pagamentos a políticos e as anotações concernentes aos nomes dos acusados JOSÉ
TASSO e JOSÉ CARLOS GRATZ.
Por conseguinte, convenço-me de que a proposta de doação ambiental não partiu da
SAMARCO. Muito mais condizente com o contexto acima retratado são as declarações da testemunha Aquiles
Gonçalves Coelho, gestor da unidade da SAMARCO no Espírito Santo à época dos fatos, no sentido de que a
doação ambiental surgiu de uma negociação com o Governo do Estado, sendo que a SAMARCO em momento
algum escolheu ou tomou conhecimento de qual seria a entidade de escopo ambiental beneficiada. Em
depoimento prestado no feito desmembrado (ação penal 2007.50.01.014709-5), a testemunha veiculou a mesma
versão dos fatos, chegando a especificar que o Governo do Estado pediu que houvesse a doação para uma
entidade de caráter ambiental33.
Essa mesma versão foi apresentada pela testemunha na fase pré-processual, em depoimento
perante o Ministério Público Estadual (fls. 129 do apenso 01). À época, o gerente administrativo da SAMARCO
declarou que foi o governo estadual que propôs a doação para o projeto Luz no Campo e na área ambiental,
tendo a SAMARCO aceitado a proposta. Falou também que “nenhum departamento da Samarco entregou ao
depoente projetos de educação ambiental elaborado pela Fundação Augusto Ruschi para ser fruto de
negociações com o governo; que somente tempos depois é que ficou sabendo que o crédito de R$ 6.300.00,00
fora destinado à Fundação Augusto Ruschi”.
Nos presentes autos, Aquiles Gonçalves Coelho confirmou os depoimentos que prestou em
sede de investigação e também em causa penal que tratava sobre os mesmos fatos. Cuida-se das peças
colacionadas às fls. 2454/2461, onde a testemunha, entre outras afirmações, revela que, na reunião realizada
para lavrar o termo de operacionalização da transferência de créditos de ICMS, não se discutiu a hipótese de
qualquer doação para área ambiental, mas sim da doação dirigida ao programa “Luz no Campo” (fl. 2458).
Relatou também que o pedido de emissão da nota fiscal em favor da Fundação Augusto Ruschi partiu do
Governo do Estado, na pessoa de RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI.
33 Declarações da testemunha nos autos da ação penal 2007.50.01.014709-5: “[...] A respeito das doações sociais colocadas como condições pelo governo do Estado, tratava-se de dois projetos: um era o projeto federal chamado “Luz no Campo”, e o Governo do Estado pediu também que fosse feita uma doação para uma entidade de caráter ambiental. Essas duas condições foram aceitas pela SAMARCO [...]” – fls. 674/675 daqueles autos.
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Agora em Juízo, a testemunha, ao esclarecer que a SAMARCO estudara a operação antes de
concretizá-la, afirmou que a empresa não aceitaria um pedido absurdo do governo. Destaco trechos de seu
depoimento judicial:
Testemunha arrolada pela acusação – AQUILES GONÇALVES COELHO (fls. 2462):
Foi gerente administrativo da SAMARCO e assessor da diretoria, mas não sabe precisar exatamente o período. Fazia uma das duas atividades na data dos fatos. Assessorava todos os diretores: o diretor presidente era o Penido, e os demais diretores eram Rubem Prenha e Valter Taveira. O depoente também atuava como procurador da SAMARCO. O depoente e os diretores atuavam como procuradores da SAMARCO em determinado nível. Todas as grandes empresas do Espírito Santo se enquadravam na Lei Kandir, e por isso o Governo do Estado tinha uma dívida para com essas empresas. A SAMARCO estava sempre procurando receber o crédito que tinha junto ao governo. A SAMARCO sempre procurou alternativas para obter esse dinheiro junto ao governo, até que houve essa operação. O crédito girava em torno de oitenta milhões. Aproximadamente, porque esse crédito crescia muito. A operação de compra de crédito de ICMS celebrada entre ESCELSA e SAMARCO alcançou em torno de quarenta milhões aproximadamente (a operação era de um determinado valor, mas foi interrompida). A ESCELSA pagou à SAMARCO esse valor de diversas formas: às vezes dava cheque, uma vez a SAMARCO emitiu a nota fiscal e entregou ao governo para que ele mesmo recolhesse junto à ESCELSA. Essa nota fiscal foi destinada a uma doação a entidade de fins ambientais. A SAMARCO em momento algum escolheu ou soube que entidade seria essa; indicar essa entidade não era da alçada da SAMARCO. No acordo, a SAMARCO falou com o governo que passava para eles esse valor (de R$ 6.300.000,00) para ter essa destinação ambiental. A SAMARCO atua na área de mineração e metalurgia (faz pelotas de ferro). O depoente não tem conhecimento do depósito desse valor de seis milhões e trezentos mil na conta da Fundação Augusto Ruschi na COOPETFES, nem tem conhecimento da atuação dessa cooperativa de crédito. O depoente confirma que a SAMARCO emitiu uma nota fiscal no valor de R$ 6.300.000,00 em prol da instituição ambiental, mas não sabe informar por que essa nota fiscal não refletiu o exato valor recebido pela instituição (R$ 5 milhões). O depoente não tem qualquer idéia do motivo pelo qual a ESCELSA teria ficado com a diferença de R$ 1.300.000,00. [...] Sendo lida boa parte do depoimento juntado às fls. 2460/2461 destes autos, o depoente confirmou as declarações ali prestadas. [...] Confirma os três depoimentos juntados aos autos, às fls. 2454/2461, cuja leitura o depoente fez nesta oportunidade. Confirma também suas assinaturas ali apostas. [...] O depoente esclarece que, quando fizeram a operação de transferência, já tinham estudado na SAMARCO até onde eles iriam. Por exemplo: “podemos apoiar o Luz no Campo? Sim, podemos, é um negócio sério. Podemos apoiar uma instituição de meio ambiente? Pode apoiar”. Se eles fizessem um pedido absurdo lá, a empresa não aceitaria. O assunto voltaria para dentro da empresa, estudariam e chegariam a uma conclusão de que isso não era aceito. Quando disse “engenharia da operação”, disse no sentido de que estudavam o assunto, tanto nas opções de investimento, quanto nos valores. Aí sentavam com eles e discutiam. Ou seja, era a negociação de como se daria a operação. Quem propunha o recebimento do crédito era a SAMARCO. Nessa negociação, nunca ninguém do governo propôs qualquer vantagem pessoal à SAMARCO. Se propusessem, a SAMARCO não aceitaria. O depoente pode falar pela SAMARCO. Nunca ouviu falar também de algo semelhante em relação à ESCELSA, mas não pode falar pela ESCELSA.
Tudo leva a crer que a doação ambiental foi estrategicamente incluída no deságio da
transação de créditos de ICMS, por iniciativa do governo. Para tanto, estudou-se um tipo de doação que não
suscitasse recusa da empresa. Para atender esse objetivo, nada melhor que a destinação ambiental,
principalmente porque a doação partiria de uma empresa cuja atividade poluente demanda frequentes esforços
reparatórios em prol do meio ambiente.
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A versão apresentada pela testemunha Aquiles coincide em diversos pontos com os relatos
feitos em Juízo pelo então presidente da ESCELSA. Vejamos:
Depoimento da testemunha arrolada pela defesa – FRANCISCO LUIZ SIBUT GOMIDE (fls. 1439/1449):
[...] A SAMARCO não podia ela mesma usar os créditos de ICMS, porque a Lei Kandir impede os exportadores de se creditar de toda a tributação do ICMS nas diversas etapas. O exportador então fica prejudicado. No caso, a SAMARCO precisava vender esses créditos, porque não tinha como usá-los. A venda de créditos de ICMS é uma operação normal no mercado. Tudo depende de o governo do Estado aceitar. No caso dos autos, o Estado lucraria, porque com isso ele deixaria de pagar quarenta e três milhões e só pagaria vinte e seis milhões. Então, a ESCELSA, conquanto tenha adquirido 43 milhões, usaria apenas os 26 milhões contra o Estado. No caso, de fato houve esse incremento na eletrificação rural, porque a própria ESCELSA aplicou esse dinheiro. Ou seja, em relação à doação para eletrificação rural, houve sim um acompanhamento da destinação dos valores, porque a ESCELSA fez o projeto, inaugurou as obras e prestou conta à agência reguladora. Em relação à doação ambiental para a Fundação Augusto Ruschi, o depoente pode apenas especular, porque se trata de uma negociação entre o credor e o devedor, na qual o devedor é o governo do Estado e o credor é a SAMARCO. O depoente especula, no sentido de que o governo tenha dito: ‘O senhor tem o direito de receber quarenta e três, mas eu só lhe dou vinte e seis. Porque, dos outros quarenta e três que eu deveria dar para o Senhor, eu vou aplicar dez em eletrificação rural, e seis em meio ambiente”. São coisas que naturalmente sensibilizam o governo: programas sociais e programas ambientais. Tudo funciona como se a transferência fosse do governo para a Fundação, mas, na verdade, o governo diz para a ESCELSA: “você vai receber esse dinheiro. Já emita o cheque para a Fundação’. Na verdade, quem ficou com o mérito de ter feito a doação, o que é verdade, foi a SAMARCO. “A SAMARCO é que abriu mão de um crédito que tinha, de difícil realização junto ao estado, para dar – reconheço que compulsoriamente – essa contribuição, essa doação para... Só se o fez através da única empresa que podia fazer. Que é quem de fato paga ICMS”. [...]
O acervo probatório em destaque me deixa convicto de que a subtração de valores da conta
da Fundação Augusto Ruschi na COOPETFES não se deu de forma aleatória: foi estrategicamente destinada à
conta de RAIMUNDO BENEDITO, conta “de confiança do governo”, a partir da qual os interesses políticos em
jogo poderiam ser atendidos sem maiores problemas, mediante a livre movimentação dos recursos ali contidos.
Interessante notar que, entre os favorecidos por quantias oriundas da conta de RAIMUNDO
BENEDITO, encontra-se a pessoa de José Antônio Pimentel, indicado à fl. 07 do apenso 18 como beneficiário
do montante de R$ 20.000,00. Embora a questão não esteja posta nos autos desse modo, tal referência sugere
se tratar do mesmo José Antônio Almeida Pimentel ouvido em Juízo como testemunha, por atuar como assessor
da presidência da ESCELSA na época da transação. Esse fato é, no mínimo, curioso, e leva-me a refletir sobre a
plausível possibilidade de que toda a tratativa exposta nestes autos tenha sido elaborada com o fim de disfarçar
o financiamento de campanhas eleitorais por parte de uma concessionária de serviço público: a ESCELSA. O
aparente envolvimento consciente da ESCELSA na presente trama ilícita poderia inclusive configurar um ilícito
eleitoral.
Contudo, por se tratar de uma conjectura que sequer foi ventilada na denúncia, atenho-me
apenas aos elementos de prova já analisados para concluir pela plena caracterização da materialidade delitiva
do delito de peculato-furto, nos moldes descritos na denúncia.
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� 9.3. Análise de autoria: Ao analisar as provas da materialidade, abordei vários elementos que denotam o envolvimento
voluntário e consciente de boa parte dos denunciados no peculato-furto em causa. Para fins de didática e
organização, apresento em subitens os elementos que formam meu convencimento para cada réu.
� JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA:
A conduta do réu não se limitou ao papel institucional de Governador do Estado, como ele
sustentou em seu interrogatório. Decerto a atuação de JOSÉ IGNÁCIO como líder de governo necessariamente
o colocaria a par da transação, pois, segundo consta dos autos, a autorização do Governador era então
obrigatória na operação em espécie. A informação, além de constar da prova documental carreada, foi
confirmada pelo corréu GENTIL RUY, segundo o qual “naquela época, a cessão de créditos de ICMS entre
empresas dependia de autorização do próprio governador” (fls. 957/961).
No episódio concreto, JOSÉ IGNÁCIO participou diretamente ao menos de três maneiras.
Primeiro, em 24/05/2000, encaminhou o Projeto de Lei n° 261/2000, que autorizava o Poder Executivo a celebrar
contrato de financiamento de eletrificação rural com a ESCELSA, para desenvolvimento do programa “Luz no
Campo”, garantindo o cumprimento de tais obrigações com recursos provenientes do ICMS (fls. 06/08 do apenso
01). Essa primeira participação do ex-governador não evidencia fraude ou ilicitude. Na verdade, o projeto em
questão sequer seria necessário para a viabilização da transferência de créditos, pois o ordenamento pátrio e a
legislação estadual já abarcam esse tipo de operação decorrente da Lei Kandir. Isso inclusive foi comentado por
algumas testemunhas em Juízo34.
Neste caso, parece-me que o referido Projeto de Lei, bem como a Lei Estadual respectiva (Lei
n° 6.274) tiveram como alvo respaldar a execução do “Luz no Campo” que, como já foi dito, era um programa de
execução necessária naquele momento.
Não se pode olvidar, porém, que, ao veicular o projeto em questão, JOSÉ IGNÁCIO
demonstrou estar ciente das tratativas já efetuadas para implementar o programa “Luz no Campo”, o que
certamente incluía a operação de transferência de créditos de ICMS entre SAMARCO e ESCELSA.
Em um segundo momento, JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA deferiu o pleito de transferência de
créditos, “nos moldes da proposta do Secretário de Estado da Fazenda” (fl. 19 do apenso 01). Neste ponto, vale
34 Nesse sentido: Antônio Correia de Almeida - fls. 1484; João Luiz de Menezes Tovar – fl. 2134.
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transcrever excertos da sentença prolatada nos autos da ação penal n° 2007.50.01.014709-5, oportunidade em
que abordei algumas relevantes peculiaridades do parecer do Secretário de Fazenda:
“[...] O parecer subscrito por JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR revela que o mesmo tinha consciência das duas doações a serem feitas pela SAMARCO com parte do crédito transferido à ESCELSA. Vejamos um trecho do documento dirigido ao Governador da época:
Parecer subscrito pelo réu JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR (fl. 03 do apenso 01):
[...] Em nosso melhor entendimento, portanto, a operação submetida à necessária aprovação de Vossa Excelência preserva o interesse financeiro do Estado e possibilita que, observados os padrões usuais de deságio praticado no mercado em se tratando de créditos tributários acumulados, o esforço conjunto dos setores público e privado vem promover, mediante doações sociais, a eletrificação rural e a execução de projetos na área ambiental. [...] – (grifei).
As expressões em destaque em princípio aparentam ser destituídas de qualquer intuito ilícito. No entanto, ao propor duas cronologias paralelas para a compensação dos créditos, JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR deixou escapar a intenção do desvio de recursos. Vale reler a cuidadosa separação encontrada no cronograma de desembolso proposto pelo acusado:
Parecer subscrito pelo réu JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR (fl. 04 do apenso 01):
[...] – 04 parcelas mensais parcelas de R$ 2,5 milhões, no período de setembro a dezembro de 2000; 03 parcelas mensais de R$ 1 milhão, no período de setembro a novembro de 2000; 01 parcela de R$ 1,5 milhão, em dezembro de 2000; 01 parcela de R$ 2 milhões, em janeiro de 2001; 01 parcela de R$ 1 milhão, em janeiro de 2001; 01 parcela de 800 mil em fevereiro de 2001; 06 parcelas mensais de R$ 3 milhões no período de fevereiro a julho de 2001; o saldo restante de R$ 5,700 milhões a ser compensado a partir de agosto de 2001, conforme o cronograma de execução do Projeto “Luz no Campo”. [...] – (grifei).
Repito: as parcelas grifadas demonstram precisamente os R$ 6.300.000,00 que viabilizariam a prática do peculato-furto. A separação proposital de parcelas paralelas para compensação desse montante revelava, desde o início, que as doações seriam feitas de forma independente, muito embora o pedido inicial da SAMARCO falasse simultaneamente nas duas contrapartidas. Note-se que a peculiaridade encontrada no documento assinado pelo réu não foi explicada em momento algum, nem mesmo em Juízo, provavelmente por se tratar de forte indicativo do envolvimento doloso do acusado que, se passasse despercebido aos olhos do julgador, poderia beneficiar o réu. Reitero que a doação ambiental cuidadosamente destacada pelo réu em sua proposta foi ocultada do termo de operacionalização da transferência de créditos, sem que houvesse explicação plausível para tanto. Na verdade, quando o peculato-furto veio ao conhecimento do público, um dos pontos do escândalo residiu no fato de a aprovação legislativa ter englobado somente o programa de eletrificação rural, sem qualquer menção ao repasse para a Fundação Augusto Ruschi35. Ainda assim, não foi apresentada em Juízo qualquer justificativa palpável para isso. [...]”
Ao adotar a proposta do Secretário de Fazenda, sem qualquer ressalva, JOSÉ IGNÁCIO
evidencia estar em pleno acordo com as duas contrapartidas ali especificadas por José Carlos da Fonseca
Junior. Note-se que, em seu despacho autorizador, o ex-governador teve o cuidado de, ao mesmo tempo, acatar
o parecer do Secretário (o que incluía as duas doações – para meio ambiente e para eletrificação rural) e
destacar apenas o Programa “Luz no Campo” como condição do deferimento, em uma estranha ocultação da
verba ambiental. Evidência nítida da colaboração consciente de JOSÉ IGNÁCIO.
35 Vide notícia jornalística à fl. 20 do apenso 31.
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Tanto é que, pouco depois, o réu assinou a nota fiscal n° 16239, emitida pela SAMARCO em
favor da ESCELSA, no específico montante de R$ 6.300.000,00 (valor da doação ambiental), confirmando ter
conhecimento também dessa parte da negociação. Ou seja, JOSÉ IGNÁCIO colaborou efetivamente na
negociação que, além de interessar ao Estado e às empresas credora e devedora de ICMS, propiciaria o
“desembolso” de uma verba útil à empreitada política que se aproximava.
Em Juízo, JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA tentou se evadir de sua responsabilidade penal,
conforme se depreende das afirmações abaixo:
Interrogatório – JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (fls. 967/971):
“[...] QUE como no Estado há várias empresas de grande porte que exportam seus produtos, tais empresas acumulam créditos de ICMS oriundos das operações de exportação; durante a minha gestão, tive de gerenciar sérios problemas de caixa que recebi do governo anterior, tendo inclusive, no início do governo, de contingenciar parte dos salários dos servidores; em, meio a este quadro, em determinada ocasião, o então Secretário da Fazenda, José Carlos da Fonseca Júnior, apresentou-me uma proposta de cessão de créditos de ICMS entre a Samarco e a Escelsa, proposta essa que parecia bastante razoável; QUE por sugestão do Secretário da Fazenda, na operação de cessão de créditos, pela SAMARCO R$9 milhões teriam de ser destinados ao Programa Luz no Campo (do Governo Federal); esta sugestão foi por mim aprovada; QUE pode ser que eu esteja equivocado, mas quanto aos R$6.300.000,00, eu não me referi expressamente a eles quando autorizei a transferência de créditos de ICMS entre SAMARCO e ESCELSA; QUE eu não conheço nem nunca tinha ouvido falar até então na fundação augusto ruschi; QUE quando eu tomei conhecimento dos fatos (a doação de parte do valor para a fundação augusto ruschi) eu fiquei surpreso e foi nesta ocasião que tomei conhecimento desta doação em favor da referida fundação (quando tais fatos vieram à tona); QUE quanto ao rumo final que tomaram tais recursos (doação a diversas pessoas em campanha política) eu não tive nenhuma relação com tais fatos e até então (quando tais fatos ocorreram) eu não sabia deles; QUE talvez por isto, a denúncia imputa a mim tais fatos de forma objetiva, ligando-os a mim pelo único fato de eu então ser o Governador; QUE a minha atuação restringiu-se à autorização da cessão dos créditos; a partir de então, não tomei conhecimento dos fatos que se seguiram àquela autorização; [...] QUE RAIMUNDO BENEDITO é amigo pessoal de GENTIL RUY (foram colegas no extinto BNCC); na ocasião da campanha de 1998, GENTIL trouxe RAIMUNDO para a campanha, mas ele não atuou nem como tesoureiro nem como articulador; QUE os pagamentos feitos por RAIMUNDO de contas pessoais, foram feitos com recursos meus e de minha esposa; tais recursos eram repassados ao GENTIL, por Maria Helena (minha esposa, irmã de GENTIL), que por sua vez, em algumas ocasiões, os repassou ao RAIMUNDO para que efetivasse os pagamentos. DADA A PALAVRA À PROCURADORA DA REPÚBLICA, ÀS SUAS PERGUNTAS RESPONDEU: pergunta: que na proposta de cessão de créditos levada pelo Secretário da Fazenda ao Sr., constavam expressamente os R$ 6.300.000,00 destinados à doação em favor do meio ambiente; por que o deferimento foi silente quanto a estes valores, embora tenha aprovado a proposta do Secretário da Fazenda? Resposta: dado o tempo decorrido, não sei precisar a resposta para tal pergunta; o que me recordo é que autorizei a destinação de R$9 milhões para o Programa Luz no Campo. QUE eu não tenho informações sobre as contas pessoais de RAIMUNDO BENEDITO na COOPETEFES; o que sei sobre tais contas foi a partir de quando tais fatos passaram a ser comentados pelo público, mesmo porque eu não tinha relações pessoais com RAIMUNDO BENEDITO [...]” - GRIFEI.
Como se vê, JOSÉ IGNÁCIO admitiu, em determinada medida, ter conhecimento da operação
retratada na denúncia. No entanto, não soube apresentar qualquer explicação para o curioso fato de ter
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ocultado, em sua autorização, a doação para fins ambientais. De outro lado, reconheceu a amizade existente
entre RAIMUNDO e GENTIL RUY, chegando a declarar que o pagamento de algumas contas suas foi feito por
intermédio de RAIMUNDO. Mas, em uma lógica no mínimo estranha, afirmou não ter relações pessoais com
este corréu, muito embora alguns pagamentos do ex-governador de ordem nitidamente pessoal tenham sido
delegados a RAIMUNDO.
As teses autodefensivas de JOSÉ IGNÁCIO não são convincentes, tampouco desmerecem o
valor probatório dos demais elementos reunidos contra si.
Enumero abaixo outros elementos que, em adição aos argumentos acima, corroboram a
autoria de JOSÉ IGNÁCIO quanto ao crime de peculato-furto:
a) O corréu RAIMUNDO BENEDITO confirmou em Juízo a existência de um comitê informal de
campanha relacionado à distribuição dos recursos subtraídos da conta da FAR, comitê este que era composto
por três Secretários de Governo (José Carlos da Fonseca Junior, JOSÉ TASSO DE ANDRADE, GENTIL RUY),
todos aliados de JOSÉ IGNÁCIO à época dos fatos. Aliás, GENTIL RUY era aliado político, cunhado do
Governador e braço direito do mesmo em sua gestão.
b) A relação pessoal e a parceria política existentes entre GENTIL RUY e JOSÉ IGNÁCIO
assumem relevo no episódio denunciado, principalmente se considerarmos que boa parte dos documentos
comprobatórios do crime em pauta foi encontrada na residência de GENTIL (já condenado em feito diverso pela
prática desse crime de peculato-furto). Destaco o documento encartado às fls. 10/11 do apenso n° 40, que
representa o rascunho de uma carta, apreendido na casa do co-denunciado GENTIL RUY e provavelmente de
autoria do mesmo. Tais escritos denotam a indignação do cunhado do ex-governador JOSÉ IGNÁCIO, ao
afirmar que a situação estaria tomando um rumo onde somente ele e Bené (RAIMUNDO BENEDITO) “pagariam
o pato”. Na suposta correspondência, o subscritor diz esperar do Governador JOSÉ IGNÁCIO “um ato de
gratidão” e, ao final, recomenda-lhe: “deixe esta fortuna”. É um indicativo de que JOSÉ IGNÁCIO e outras
pessoas ligadas à sua gestão estariam envolvidas nas fraudes e irregularidades que vieram à tona no decorrer
das apurações efetivadas em 2001, dentre elas o desvio dos R$ 5.000.000,00 destinados à Fundação Augusto
Ruschi. Nesse contexto, JOSÉ IGNÁCIO exsurge como uma das pessoas públicas envolvidas no crime em
espeque.
c) A testemunha Caio Marcos Cândido, então Delegado da Receita Federal no Estado,
participou da Missão Especial que investigou os fatos em causa e confirmou em Juízo (fl. 1612) que JOSÉ
IGNÁCIO movimentava um “caixa dois” na conta mantida por RAIMUNDO BENEDITO na COOPETFES.
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d) A testemunha Paulo Sérgio Torres da Silva (fl. 1662), responsável por auditar as contas de
RAIMUNDO BENEDITO na COOPETFES, confirmou em Juízo que, quando os fatos vieram à tona, ficou claro
que o governo da época tinha ciência das irregularidades perpetradas em tais contas: “[...] Sabe também que foi
solicitada uma reunião com o governador da época, JOSÉ IGNÁCIO, e sabe que o governo era ciente de que
devia esse dinheiro à COOPETFES através da conta de RAIMUNDO BENEDITO. E depois o próprio
RAIMUNDO BENEDITO declarou isso no jornal A Gazeta, dizendo que ele não era culpado: só tinha feito os
pagamentos que mandaram ele fazer [...]”.
e) A agenda do Governador (fls. 162/165 do apenso 40) nas proximidades das eleições
municipais (26 a 30 de setembro de 2000) incluiu visitas políticas a vários municípios, com indicação específica
de campanhas eleitorais. Isso acentua a posição política do réu, em nítido apoio a candidatos aliados. Alguns
candidatos incluídos na agenda do Governador inclusive constam da lista de pessoas favorecidas com parte dos
recursos objeto do peculato-furto, a exemplo das pessoas de Adelson Fardim e José Francisco Rocha.
Por óbvio, estar comprometido com os contornos da vida política em princípio não configura
nenhum ilícito. Mas esse contexto, conjugado aos demais elementos coligidos, desfavorece o réu, por acentuar a
real motivação existente por trás de sua conduta aparentemente institucional. Vale lembrar que a operação de
transferência de créditos em tela foi concretizada com traços políticos: a transação foi feita em período
imediatamente antecedente à campanha eleitoral. Além disso, toda a operação foi efetuada de forma muito
exígua, desde a tramitação do projeto de lei respectivo até a autorização e efetiva liberação de valores.
Outro ponto que desfavorece JOSÉ IGNÁCIO é a notável contradição entre o depoimento
judicial de Celso José de Vasconcelos (fl. 2134) e os fatos noticiados na época das investigações. Durante seu
depoimento, indagado pelo próprio JOSÉ IGNÁCIO (este atuando em causa própria), Celso Vasconcellos, em
referência à listagem de distribuição de recursos, afirmou que, ao tomar conhecimento daquele documento, fez
contato telefônico com JOSÉ IGNÁCIO, comunicando-o a respeito dessa relação. Confirmou também que,
naquela ocasião, JOSÉ IGNÁCIO, ao tomar conhecimento verbal da existência dos mencionados documentos,
disse ao depoente que deveria ocorrer uma completa investigação sobre os mesmos. Ainda segundo a
testemunha, o então governador lhe agradeceu a iniciativa e não teceu mais nenhum comentário sobre aquele
episódio.
Apesar de ter feito essas declarações sob o compromisso testemunhal, não posso
desconsiderar o fato de que, embora não denunciado, Celso José de Vasconcelos consta como um dos
beneficiários de parte dos recursos desviados, o que, de certo modo, torna suas declarações suspeitosas.
Portanto, suas declarações em defesa de JOSÉ IGNÁCIO não me ressoam convincentes, nem retiram minha
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convicção sobre a real atuação do ex-governador. Pelo contrário, os documentos acostados ao apenso n° 6, em
especial à fl. 05 (notícia veiculada no Jornal “A Gazeta”, em 10.07.2001, quando surgiu o escândalo da lista com nomes
de pessoas favorecidas com recursos da conta de RAIMUNDO BENEDITO) denotam o oposto. Conquanto se trate de
notícia da imprensa e com possibilidade de excessos, a veiculação se deu no calor dos fatos e com base em
entrevista coletiva cedida pelo próprio Celso José de Vasconcellos. Seguem alguns trechos de destaque:
“O vice-governador Celso Vasconcelos (PSDB) anunciou ontem ‘sua independência política’ do governador José Ignácio Ferreira (PSDB). Ele também revelou ter entregue à Procuradoria da República no Estado o dossiê com denúncias contra Ignácio e membros do Governo. O documento é uma relação de mais de 1,8 mil cheques da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Servidores da Escola Técnica Federal (Coopetfes), que teriam sido depositados em contas de pessoas e empresas do Estado. [...] Vasconcelos disse ter decidido entregar a relação à Procuradoria da República porque comunicou o teor do dossiê ao governador, mas, segundo o vice, Ignácio ‘se mostrou evasivo e sem esboçar qualquer reação para averiguar e esclarecer os fatos’. As declarações foram feitas na tarde ontem, em entrevista coletiva, em seu gabinete no Palácio Anchieta. [...] Ainda segundo o vice, Gabriel queria um ‘contato’ com o governador José Ignácio. Como Vasconcelos recusou mediar o encontro, o presidente da Cooperativa pediu que ele entregasse o dossiê ao governador. O vice contou que naquela mesma noite telefonou para Ignácio, mas ele ‘se mostrou desinteressado e com respostas evasivas [...]’”
A postura de JOSÉ IGNÁCIO acima descrita sugere que ele de fato tinha ciência do desvio de
recursos, o que coincide com as constatações feitas no presente tópico. Diante de tamanha confluência de
provas, reputo plenamente demonstrada a autoria delitiva de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA quanto ao crime de
peculato-furto.
Por fim, acrescento que a insuficiência de elementos comprobatórios de que JOSÉ IGNÁCIO
tenha recebido efetivamente parte dos recursos subtraídos da conta da FAR não interfere na incidência da
figura típica do peculato-furto. Desse modo, por bastar a demonstração de que JOSÉ IGNÁCIO colaborou para
a subtração mediante as facilidades inerentes à sua função pública, o mesmo deve ser condenado.
� JOSÉ CARLOS GRATZ:
Em seu interrogatório, JOSÉ CARLOS GRATZ foi enfático na tese negativa de autoria,
apoiando sua defesa principalmente em sua política contrária às permissões da Lei Kandir. Todavia, considero
esse argumento insuficiente para afastar os elementos desfavoráveis ao acusado, pelo simples fato de que um
posicionamento contrário a respeito do tema (no caso, transferências de créditos de ICMS) não impede que o
réu, em função de um interesse político específico e oportuno, venha a se beneficiar desse tipo de operação ou
facilitar sua concretização em virtude dos benefícios que ela pode lhe trazer.
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No caso de JOSÉ CARLOS GRATZ, o contexto probatório me convence de que o réu teve
participação no peculato-furto, mas soube se manter às escuras, a ponto de o próprio Parquet solicitar sua
absolvição em alegações finais. Não obstante, os autos acabam por trazer a lume a autoria delitiva inicialmente
atribuída a JOSÉ CARLOS GRATZ. Senão vejamos.
Os interrogatórios judiciais de JOSÉ CARLOS GRATZ (fls. 972/975 e 2469) podem ser
resumidos em uma grande negativa dos fatos denunciados, permeada de algumas colocações políticas do réu.
Em meio às assertivas de GRATZ, ele admitiu, embora em linhas transversas, a parceria mantida com JOSÉ
IGNÁCIO:
Reinterrogatório – JOSÉ CARLOS GRATZ (fls. 2469):
[...] O réu não tinha nenhum relacionamento com o governo JOSÉ IGNÁCIO até 2000, o réu não era aliado. Isso tudo é uma grande farsa de quem denunciou o réu. Quando as perseguições ao governo JOSÉ IGNÁCIO tiveram início em 2001, em uma aliança para tomar o governo (e realmente tomaram), surgiu essa denúncia. A denúncia foi provocada. A denúncia do presidente da Amunes, que é amigo do réu há quarenta anos, foi no seguinte sentido: o governador JOSÉ IGNÁCIO tinha feito uma transferência de 37 milhões e se esqueceu de repassar, nessa negociata, os 25% que pertencem aos municípios. Essa foi a denúncia, e o réu só tomou conhecimento da operação depois disso. O réu conhece MARCELO DE ABREU E LIMA desde que nasceu. Conhece muito os pais dele. No ano de 2000, o réu conseguiu um recurso oficial do grupo OTTO ANDRADE para o PFL e este valor foi entregue na mão do Sr. JOSÉ CARLOS DA FONSECA (presidente do PFL, partido do qual o interrogando era membro e também era presidente do diretório municipal) para fazer política nas eleições municipais. Na época, o réu não apoiou candidato a algum, e também não foi candidato a nada. Na época dos fatos, o réu não conhecia os seguintes denunciados: RAIMUNDO BENEDITO. Conhecia GENTIL RUY como Secretário de Estado, mas não tinha nenhum vínculo com ele. O réu não tinha vínculo com o governo até 2001. Virou aliado quando percebeu que havia uma trama para derrubar o governo JOSÉ IGNÁCIO. Tanto é que em 2000/2001, o governador JOSÉ IGNÁCIO tinha 60% nas pesquisas. Depois das denúncias feitas em 2001, relativas a essa transferência, o governo JOSÉ IGNÁCIO caiu. Até 2001, o governo JOSÉ IGNÁCIO era absoluto no Estado. O réu, portanto, não tinha relação com JOSÉ IGNÁCIO na época dos fatos. Virou defensor dele depois, por causa da trama de que tomou conhecimento, e o defende até hoje. [...]
Na versão do réu, sua aliança com JOSÉ IGNÁCIO só surgiu após ter conhecimento dos
escândalos envolvendo o nome do ex-governador, as quais, segundo GRATZ, eram infundadas e refletiam uma
perseguição política.
Pois bem. A prova documental e oral reunida demonstra à fartura que boa parte dos ilícitos
retratados na denúncia realmente ocorreram e que não se cuida de mera perseguição política. Além disso, seria
ingênuo acreditar na versão de que, em meio a um contexto de escândalos políticos envolvendo o chefe do
Poder Executivo Estadual, o Presidente da Assembléia Legislativa suscitasse uma aliança repentina e
desinteressada com o Governador, sem que antes tivesse existido qualquer vínculo político entre os mesmos.
Em verdade, o quadro fático exposto nos autos, tanto por documentos reunidos em auditoria (apensos 01, 02,
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03 e 20) quanto por notícias da imprensa (apensos 05 e 06), dá a entender que as apurações correram em
meio a uma crise política, momento obviamente desfavorável para novas alianças.
Por outro lado, o próprio JOSÉ CARLOS GRATZ reconheceu que já mantinha relações
políticas com José Carlos da Fonseca Junior (na época Secretaria de Estado e ainda aliado de JOSÉ
IGNÁCIO), inclusive relacionadas a campanhas eleitorais.
Portanto, convenço-me de que GRATZ já travara relacionamento político com JOSÉ IGNÁCIO
e pessoas envolvidas em sua gestão, fato que o liga subjetivamente ao grupo denunciado.
Alcançada essa primeira conclusão, passo à análise dos valores em tese destinados à pessoa
de GRATZ. Cuida-se do cheque de n° 112.082 (fl. 78 e 78-verso do apenso 01), emitido por RAIMUNDO
BENEDITO ao próprio emitente, no valor de R$ 500.000,00, datado de 04/09/2000 e compensado em
05/09/2000, conforme carimbo do Banco Santos Neves aposto em seu verso. Segue a cópia digitalizada do
cheque em referência:
Cheque n° 112.082 – frente
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Cheque n° 112.082 –
verso
Referido cheque foi submetido a um esquema fraudulento de compensação, conforme
abordarei no próximo tópico, destinado ao estudo da imputação de lavagem de dinheiro. Por ora, basta destacar
que, se os valores representados no cheque em tela sofreram um processo de ocultação, por certo foram
direcionados a alguém que desejava manter-se longe de possível persecução investigativa.
A seu turno, há indicativos nos autos de que JOSÉ CARLOS GRATZ seria o destinatário de R$
500.000,00 dos recursos desviados da conta da Fundação Augusto Ruschi. Essa informação consta em
documentos apreendidos na residência de GENTIL ANTÔNIO RUY, a saber: a) relação de despesas de
campanha eleitoral juntada às fls. 67/69 do apenso 01, destacando-se, à fl. 68 desse apenso, o nome de GRATZ
(escrito corretamente) acompanhado da referência a “500.000”, em total coincidência com o cheque em questão;
b) relação de pagamentos a políticos às fls. 71/76-verso do apenso 01, destacando-se, à fl. 73 in fine, o nome de
“GRATS” (desta vez com grafia incorreta), igualmente acompanhado da referência a “500.000”.
Além disso, as siglas “G” encontram-se espalhadas por toda essa lista de pagamentos e
distribuição de recursos em campanha, ao lado das siglas “JC” (José Carlos da Fonseca Junior) e “JT” (JOSÉ
TASSO). A sigla insinua o envolvimento de GRATZ, o que é verossímil, se considerarmos o razoável valor
destinado a esse réu e mencionado nas listagens em questão.
A versão esboçada na denúncia, além de encontrar respaldo nos documentos citados, ganha
força quando se constata que o indigitado cheque foi endossado por MARCELO DE ABREU E LIMA, conforme
assinatura constante no verso da cártula. E, consoante afirmado pelo próprio GRATZ (fls. 2469), MARCELO DE
ABREU E LIMA é filho de um amigo pessoal de GRATZ, e este réu alega conhecê-lo desde que nasceu. A
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menção, embora feita de forma rápida no reinterrogatório de GRATZ, sugere uma relação pessoal e de possível
intimidade, a justificar a escusa destinação dos recursos via endosso do corréu MARCELO.
Enfim, estou convicto de que esses elementos, longe de serem frágeis, atestam com
suficiência o envolvimento de GRATZ no peculato-furto, como beneficiário e colaborador no desvio
(“distribuição”) dos recursos.
Quanto às listagens antes referidas, já explanei, no item “9.2” - parte “b”, os motivos que
conferem validade probatória a tais documentos. Valho-me dos argumentos ali expendidos e tomo aquela
indicação (“GRATZ – 500.000”) como um elemento sustentador da autoria delitiva por parte de JOSÉ CARLOS
GRATZ.
Conquanto haja questionamentos defensivos relacionados à qualificação probatória daqueles
escritos, esclareço que a prova deve ser entendida como um elemento que traduz a aparência do fato.
Claramente não é possível exigir, como prova de autoria, algum documento, vídeo ou depoimento que revele o
exato ato pelo qual JOSÉ CARLOS GRATZ teria aderido à conduta dos demais envolvidos no peculato-furto e
posteriormente recebido alguma “recompensa” pecuniária. Essa prova é de produção praticamente impossível
em crimes dessa natureza, apenas viável em casos de ação controlada ou qualquer outro meio probatório que
envolva vigilância.
Também seria ingenuidade pensar que o nome do réu deveria constar em algum registro
formal de partilha dos valores indevidamente retirados da conta da Fundação Augusto Ruschi. Por mais que o
núcleo de pessoas denunciadas tivesse uma porção de autoconfiança na privilegiada tramitação de recursos
por meio da COOPETFES, como instituição que já se prestava a outras irregularidades, vemos que houve
algum cuidado na identificação dos destinatários finais dos valores. Tanto é que RAIMUNDO BENEDITO emitiu
vários cheques a si próprio. No caso do réu JOSÉ CARLOS GRATZ, uma pessoa pública, de notável força
política no Estado e com uma imagem a zelar, a ocultação da obtenção de valores por si seria realmente
previsível. Inclusive, na análise da prova oral, é intrigante perceber como vários corréus e testemunhas
pareceram temerosos de relatar algo que pudesse comprometer o acusado GRATZ. Em situações como esta,
muito mais valoroso deve ser o documento surpreendido em poder de um dos corréus, ainda que desprovido de
maior formalidade, pois o elemento “surpresa” da diligência evita em boa medida a manipulação de provas.
Acrescento que a dúvida em prol do réu não deve ser aquela que naturalmente deriva da
prova, a qual apenas é uma versão da realidade, mas sim aquela razoável, que abala a versão da acusação e
lhe retira a verossimilhança quanto aos elementos do tipo a serem demonstrados.
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Não vislumbro essa dúvida no presente caso. Ao contrário, os elementos probatórios que
vieram à tona em desfavor de JOSÉ CARLOS GRATZ devem ser interpretados como delatores de uma
colaboração velada do réu: ele agiu por trás da distribuição dos recursos subtraídos e em provável auto-
beneficiamento com boa parte desses valores.
Apenas para reforçar a pertinência de minha conclusão, menciono excertos do interrogatório
judicial de RAIMUNDO BENEDITO, em que o mesmo, após tecer um comentário duvidoso a respeito da
participação de GRATZ (“acho que José Carlos Gratz não fazia parte do comitê informal de campanha”...),
confirmou a validade da relação constante dos autos, com expressa referência à página 19 da denúncia (fl. 24
destes autos, onde foi indicado o nome de “GRATS”), e explicou que de fato se tratava da prestação de contas
informal entregue a GENTIL RUY, referente às eleições municipais recém realizadas:
Interrogatório – RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO (fls. 962/966):
“[...] QUE acho que José Carlos Gratz não fazia parte do comitê informal de campanha a que referi antes; QUE depois das eleições, eu entreguei a GENTIL RUY um “fechamento” da conta, uma prestação de contas informal, numa relação feita em computador onde mencionava os números dos cheques emitidos contra minha conta e os respectivos valores; QUE esta relação “confere” com as que constam nas páginas 19 e 24 da denúncia; QUE GENTIL RUY devia ter conhecimento da destinação destes recursos, já que eu entreguei a relação a ele [...]” - grifei.
Não há necessidade de maiores discursos para constatar a flagrante coincidência entre os
relatos de RAIMUNDO BENEDITO acima transcritos e os demais elementos já analisados neste tópico.
Por fim, esclareço que o fato de o Ministério Público Federal ter opinado, ao fim da instrução,
pela absolvição do réu não impede este Juízo de, no exame aprofundado das provas e no exercício de seu livre
convencimento, condená-lo, quando há elementos para tanto.
Diante da convergência de provas, reputo plenamente demonstrada a autoria delitiva de
JOSÉ CARLOS GRATZ quanto ao crime de peculato-furto. O réu deve ser condenado.
� JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE:
JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE, a exemplo de outros réus, manteve a tese negativa
de autoria. Transcrevo parte de seu interrogatório:
Interrogatório – JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE (fls. 1240/1242):
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“[...] QUE em nenhum momento eu participei de comitê eleitoral. Na época, eu era chefe da casa civil do governo José Ignácio, e também era presidente do PFL.Os recursos recebidos pelo PFL naquele ano eleitoral eram recursos de empresas privadas, regularmente doados, conforme a legislação eleitoral, com regular declaração pelo PFL à Justiça Eleitoral, sendo que as empresas também declararam as doações que fizeram. Em nenhum momento houve recebimento de recursos públicos. Os valores que o PFL recebeu como doação eleitoral naquele ano, foi empregado em gastos de campanha (combustíveis, camisetas, etc).O PFL também recebeu recursos da empresa SAMARCO; como ocorre em todo ano eleitoral, há ajuda de empresas, sendo que contatei a SAMARCO e conversei com o Sr. Presidente, Sr. PENIDO; houve a doação, regularmente contabilizada tanto pelo PFL quanto pela SAMARCO. Assumi como Chefe da Casa Civil no início de 1998, ou seja, no início do governo de José Ignácio Ferreira, e permaneci no cargo por dois anos e três meses. Quanto a Raimundo Benedito, vulgo Bené, eu apenas o conheço porque o mesmo transitava pelo palácio do governo, nunca tive qualquer relacionamento com o mesmo. Como chefe da casa civil, por acaso, estive presente na primeira reunião que houve na secretaria da fazenda, onde estiveram presentes representantes da SAMARCO e ESCELSA, e onde se iniciaram as tratativas relativas à operação de transferências de créditos de ICMS entre as referidas duas empresas. Também por ser chefe da casa civil, assisti à cerimônia de homologação da referida operação de transferência de crédito de ICMS ocorrida no palácio do governo. Registro que tal tipo de operação era estranha às competências da secretaria da casa civil, sendo matéria que competia exclusivamente ao governador de Estado e a secretaria da fazenda, sendo que o ato de homologação era de competência exclusiva do governador de Estado. Quanto aos dois cheques de R$150.000,00 referidos às fls.24/28 (item c.1 da denúncia) registro o que segue: mais uma vez, reitero que o PFL não recebeu recursos públicos; a CVRD, a SAMARCO e a ARACRUZ CELULOSE, dentre outras empresas, auxiliam entidades filantrópicas; eu, como vice-presidente da APAMI (associação de proteção e assistência à maternidade e a infância) solicitei à SAMARCO, uma doação para a referida associação; tal doação foi feita pela SAMARCO, sendo que este cheque de R$150.000,00 teve recibo, sendo regularmente declarado tanto pela SAMARCO, tanto pela APAMI, registro ainda que a SAMARCO concede ajudas a entidades filantrópicas que estão na linha de seu mineroduto, sendo que passa um mineroduto na cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Com relação ao alegado estorno de um cheque para o Posto Contorno Ltda. (segundo parágrafo de fls. 28), desconheço totalmente este alegado estorno. Sou sócio do referido Posto de Gasolina. O referido Posto forneceu combustíveis para a campanha eleitoral de 2000, sendo que o cheque referido foi para pagamento do combustível que foi fornecido. Registro que o Posto de Gasolina emitiu regularmente as notas fiscais para o PFL e o PFL prestou contas deste pagamento. Registro ainda que me preocupa o fato de a denúncia referir à existência de peculato, visto que o que houve foi regular doações de recursos privados, regularmente declaradas pelo PFL à Justiça Eleitoral [...]” – G.N.
No entanto, são muitos os elementos que contradizem essa tese de defesa e denotam a
participação de JOSÉ TASSO no esquema denunciado, notadamente quanto ao peculato-furto. Relaciono
abaixo esses elementos:
a) Relação de pagamentos políticos às fls. 67/76 do apenso 01, com destaques para: o nome
“TASSO” à fl. 68, acompanhado do valor de “150.000”; o nome “J. TASSO” à fl. 69, acompanhado do valor de
“100.000”; o nome “TASSO” à fl. 73, acompanhado do valor “150” e da data “05.09”; e as siglas “JT”, distribuídas
às fls. 71/74, ao lado das siglas “JC” e “G” e dos nomes de diversos políticos beneficiados com os recursos em
causa. Valho-me dos argumentos já expendidos (subitens “9.2” - parte “b” e “9.3”) para reafirmar a validade
probatória dos documentos apreendidos na residência de GENTIL RUY.
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b) Cheques n°s 112.083 e 112.084, à fl. 80 do apenso 01 e às fls. 119/122 do apenso 02,
emitidos por RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO ao próprio emitente e no valor de R$ 150.000,00 cada,
ambos compensados no BANESTES na data de 05/09/2000 (data coincidente com a indicação constante na
listagem citada). O relatório de auditoria realizado na conta de RAIMUNDO BENEDITO junto à COOPETFES
indica, como beneficiário desses cheques, a Associação de Proteção e Assistência, conforme documento à fl. 07
do apenso 02. Por sua vez, o próprio JOSÉ TASSO reconheceu ser vice-presidente da mencionada Associação
(APAMI) e justificou o cheque em questão com uma suposta doação da SAMARCO, que teria sido devidamente
registrada e declarada, tanto pela empresa quanto pela associação. Todavia, como o réu não comprovou
documentalmente suas alegações, não as considero pertinentes.
c) Cheque n° 165.577, emitido por RAIMUNDO BENEDITO, nominalmente ao Auto Posto
Contorno Ltda., no valor de R$ 150.000,00, e depositado na conta do referido posto em 26/09/2000, conforme
peças de fls. 11 do apenso 02 e fls. 159/163 do apenso 03. Em Juízo, JOSÉ TASSO admitiu ser sócio do
referido posto; reconheceu também que o posto forneceu combustível para a campanha eleitoral de 2000. Disse
ainda que o PFL (partido do réu) teria prestado contas regulares a respeito desse fornecimento. A assertiva não
convence, já que o cheque beneficiador do posto foi emitido por RAIMUNDO BENEDITO, junto às demais
cártulas representativas dos recursos subtraídos da conta da Fundação Augusto Ruschi. Portanto, concluo que o
réu JOSÉ TASSO foi, direta ou indiretamente, favorecido com a verba destinada ao auto posto de sua
propriedade.
d) Interrogatório judicial do réu RAIMUNDO (fls. 962/966), declarando o envolvimento de JOSÉ
TASSO no comitê informal de campanha e no desvio de recursos, mediante distribuição a candidatos, nos
seguintes termos: “QUE quanto ao depósito de R$ 4.389.800,00, transferidos da conta da Fundação Augusto
Ruschi na COOPETEFES para as contas por mim titularizadas, ele ocorreu com o objetivo de fazer face às
despesas de campanha eleitoral de prefeitos e de vereadores nas eleições de 2000; QUE havia um comitê
informal de campanha, que era composto por José Carlos da Fonseca Júnior, José Tasso de Andrade, Gentil
Ruy (acho que três Secretários de Estado, na época); eu não sabia da existência deste comitê informal; quem
me disse sobre a existência deste comitê foi o Helinho, gerente do BANESTES, que depôs na 7ª Vara Criminal
de Vitória; [...] QUE fui chamado para fazer a distribuição do dinheiro da campanha entre 25 e 30/08/2000; só
que não dava tempo para abrir conta, esperar talão de cheques, porque eu tinha viagem marcada e nem era
funcionário do Estado; QUE quem me chamou para fazer a referida distribuição de recursos para campanha foi o
José Carlos da Fonseca Júnior (então Secretário da Fazenda), José Tasso, o Jamir (subsecretário da fazenda) e
o pessoal da Escelsa (o assessor da diretoria José Antônio Pimentel, que era do PFL na época); isto ocorreu
numa reunião na ESCELSA (na Rua 7), onde fui chamado por uma das Secretárias do Palácio, sendo que
quando cheguei a reunião inclusive já havia sido encerrada”.
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e) Depoimento judicial da testemunha Aquiles Gonçalves Coelho (fls. 2462), gerente
administrativo da SAMARCO na data dos fatos, confirmando a presença direta de JOSÉ TASSO na negociação
relativa à transação de ICMS e apontando referido réu como um dos representantes do governo diante da
empresa. Aquiles, em contrariedade ao afirmado por JOSÉ TASSO, chegou a especificar que “JOSÉ TASSO,
JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR e RODRIGO STEFENONI participaram na engenharia dessa operação”.
A testemunha também confirmou as declarações acostadas por cópia à fl. 2458, em idêntico sentido.
Com espeque nessas provas, considero demonstrada a autoria de JOSÉ TASSO DE
OLIVEIRA ANDRADE em relação ao crime de no peculato-furto, como um dos articuladores políticos da
operação, como beneficiário e também como político atuante no desvio (“distribuição”) dos recursos subtraídos.
� RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI:
A defesa de RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI tentou afastar sua responsabilidade
penal alegando que a atuação do mesmo se restringiu a tarefas de cunho institucional. Segundo a defesa
técnica, o que existe nos autos é uma grande confusão entre as pessoas de Paulo Stefenoni, Paulo Stefenoni
Junior e o acusado RODRIGO STEFENONI. A defesa também apresentou comprovantes de que RODRIGO não
estava no Brasil no período de 06 a 10/09/2000 (fls. 239/240). Além disso, tentou afastar RODRIGO do contexto
político-eleitoral da época, por meio da certidão acostada à fl. 270736.
As alegações da defesa não retiram o valor das provas existentes contra o acusado
RODRIGO. Na verdade, o fato de o réu não estar presente no período de 06 a 10/09/2000 nada significa, haja
vista que, pelo acervo probatório, a atuação de RODRIGO se deu principalmente no período anterior à
concretização da operação. Vale lembrar que a nota fiscal n° 16.239 (doação ambiental) foi emitida em
31/08/2000, e o recibo da FAR foi datado de 01/09/2000. Por sua vez, a transferência da conta da Fundação
para a de RAIMUNDO BENEDITO ocorreu no dia 05/09/2000. Ou seja, todos esses episódios se sucederam
antes da viagem do réu.
Tudo indica que RODRIGO FERMO realmente atuou institucionalmente, como Chefe de
Gabinete do Governador, e, ciente da providencial utilidade que a doação ambiental exigida como contrapartida
da transação de ICMS poderia oferecer ao grupo político dominante, dispôs-se a colaborar com o núcleo
envolvido, desde as tratativas preliminares até a efetivação da doação com fins ambientais. Eis os elementos
probatórios respectivos:
36 Certidão da Justiça Eleitoral, afirmando que RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI não foi candidato nas eleições municipais de 2000 em Vila Velha/ES.
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a) Depoimento judicial da testemunha Aquiles Gonçalves Coelho (fls. 2462), confirmando a
presença direta de RODRIGO STEFENONI na negociação relativa à transação de ICMS e apontando referido
réu como um dos representantes do governo diante da SAMARCO. Aquiles, em contrariedade ao afirmado por
RODRIGO, chegou a especificar que “JOSÉ TASSO, JOSÉ CARLOS DA FONSECA JUNIOR e RODRIGO
STEFENONI participaram na engenharia dessa operação”. Além disso, esclareceu que a nota fiscal no valor de
R$ 6.300.000,00, concernente à doação para a FAR, foi entregue ao réu RODRIGO a pedido deste: “Confirma
que quem solicitou a emissão da nota fiscal de R$ 6.300.000,00 foi o réu RODRIGO STEFENONI. A nota fiscal
em questão foi entregue em mãos ao Dr. RODRIGO STEFENONI e a pedido deste” (grifei). Nessas condições e
considerando o viés ilícito que acompanhou a exigência da doação ambiental para a transferência de créditos de
ICMS, não há dúvida de que RODRIGO tinha conhecimento da real finalidade daquela verba, e, como pessoa de
confiança do governo, ficou encarregado de receber a nota fiscal correspondente e intermediar / agilizar a
concreta obtenção dos recursos.
b) A denúncia também menciona o montante de R$ 18.800,00 destinado a Paulo Stefenoni
Junior, em conformidade com as peças de fls. 10 do apenso 02 e fls. 126 do apenso 03. Em sua autodefesa,
RODRIGO FERMO apontou um equívoco na redação da denúncia, quando menciona o “Secretário Paulo
Stefenoni” e diz que a remessa de R$ 18.800,00 teria ocorrido em favor do filho do Secretário. Ora, o equívoco
indicado não prejudica a acusação, já que o próprio RODRIGO STEFENONI afirmou, em seu interrogatório (fls.
976/978), que Paulo Stefenoni Junior é seu irmão e foi vereador em Colatina/ES (ou seja, tem envolvimento
político). Admitiu também que Paulo Stefenoni é seu pai, nunca foi Secretário de Estado, mas já exerceu vários
cargos no Estado, inclusive o de Subsecretário de Estado da Educação, na época dos fatos denunciados (2000).
No relatório de auditoria (apenso 02, fl. 10), há identificação do cheque emitido por
RAIMUNDO (cheque n° 165.570) como ordem de pagamento dessa quantia específica (R$ 18.800,00), mas, ao
que consta, a cártula respectiva não foi localizada (apenso 03, fl. 14). Não obstante, se considerado em conjunto
com os demais elementos coligidos, em especial com o fato de Paulo Stefenoni Junior ser irmão do réu e
também ter colocação política, o cheque em comento deve ser tomado ao menos como um indício de que
RODRIGO STEFENONI também foi de algum modo beneficiado, ainda que indiretamente, através dos recursos
desviados da conta da FAR.
c) Depoimento da testemunha Antônio Correia de Almeida (fls. 1484), então Subsecretário da
Receita, confirmando que RODRIGO FERMO atuava nas proximidades do Gabinete do Governador.
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d) O réu confirmou em Juízo que cuidava da agenda do Governador, declaração que, em
conjunto com a agenda de compromissos encartada às fls. 162/165 do apenso n° 40, reforça a ciência de
RODRIGO quanto às viagens com viés político-eleitoral, realizadas pelo ex-governador logo após a consumação
do peculato-furto.
e) Às fls. 143/179 do apenso 04, constam diversas emendas ao relatório final da Comissão
Parlamentar de Inquérito criada na Assembléia Legislativa do Estado Espírito Santo. Merecem destaque os
relatos às fls. 147/149, dando conta do envolvimento direto de RODRIGO FERMO com lobistas intermediários
da transação de ICMS e com a cobrança de propinas no Palácio de Anchieta. Ou seja, não se tratava de pessoa
desinteressada e com mera atuação institucional.
e) A título meramente adicional, menciono parte do interrogatório de RAIMUNDO BENEDITO
DE SOUSA FILHO prestado nos autos da ação penal n° 024.01.011312-4, em trâmite no juízo da 7ª Vara
Criminal de Vitória/ES, cujo teor enfatiza a participação direta do acusado RODRIGO no esquema ilícito em
causa. Essas declarações, embora colhidas em feito diverso, constam dos anexos a esta ação penal, desde sua
deflagração. Seguem alguns trechos, com meus grifos:
Interrogatório de RAIMUNDO BENEDITO– ação penal n° 024.01011312-437:
[...] que suas relações com Gentil tiveram início ainda durante a Campanha Eleitoral ao Governo do Estado, quando o interrogando colaborou com a campanha, efetivando pagamentos de contas da campanha como também de ordem pessoal do então candidato ao Governo; [...] que quanto aos pagamentos alusivos à campanha eleitoral, são de natureza das mais diversas e compreendem mais de dezessete mil lançamentos contábeis; que, para a efetivação de todos os pagamentos, os valores necessários eram-lhe repassados pela pessoa de Gentil Ruy, não havendo qualquer valor de propriedade do interrogando; que para a efetivação de tais pagamentos, os recursos eram depositados em sua conta corrente existente no BANCOOB, via COOPETFES, e, dali, emitidos os cheques ou sacados os valores para aqueles pagamentos; que, em fins de agosto do ano de 2000, entre os dias 25 a 30, foi o interrogando convidado pelo Sr. Secretário de Estado da Fazenda, à época, Dr. José Carlos da Fonseca Junior, para uma reunião na ESCELSA, onde seria discutido assunto relativo a um repasse de valores a ser empregado na campanha eleitoral daquele ano; que, assim, esteve presente na reunião, na qual estiveram presentes o Secretário de Fazenda, o Sr. Subsecretário de pré-nome Jamir, o assessor de Presidência da ESCELSA, Sr. José Antônio Pimentel, e possivelmente a pessoa de Rodrigo Stefenoni; que, naquela reunião, ficou deliberado que a empresa repassaria determinado valor e que o interrogando ficaria encarregado de fazer a distribuição ou os repasses àquelas pessoas que receberiam ajuda para a campanha eleitoral, mediante as indicações que seriam feitas oportunamente; que, no entanto, dada a exiguidade do tempo para se providenciar a abertura de uma conta específica para tal fim, o interrogando cedeu a sua própria conta existente na COOPETEFES para ser utilizada para o depósito do valor que seria repassado pela ESCELSA e posteriores saques; que, no entanto, o interrogando, junto com sua família, viajou para São Luís do Maranhão no dia 2 de setembro e, dali, só retornou no dia 9 seguinte; que, no entanto, como sua conta seria utilizada, deixou talonários de cheques assinados; que tais talonários foram apanhados em sua casa por pessoa indicada pelos participantes da reunião; que, desse modo, no dia 4 de setembro foi efetivado o depósito em sua conta
37 Interrogatório acostado por cópia às fls. 211/214 do apenso n° 45.
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e, no dia 5, iniciaram-se os saques com a utilização do talonário que havia deixado assinado; que, mesmo retornando no dia 9, somente no dia 14 assumiu a “administração” de sua conta, fazendo os devidos repasses; que os repasses foram efetivados a partir de relações de beneficiários que lhe eram fornecidas pela pessoa de Gentil Ruy; [...]
Diante do exposto, reputo provada a autoria delitiva também quanto a RODRIGO FERMO
VIDIGAL STEFENONI, que se valeu de seu cargo para atender a interesses políticos escusos e viabilizar, dentro
da aparência de licitude, a doação ambiental que seria revertida em favor de candidatos e de articuladores do
esquema.
� DEMAIS ACUSADOS:
Deixo de analisar a participação de RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO e GENTIL
ANTÔNIO RUY no crime de peculato-furto, porque tal imputação foi excluída quanto a esses denunciados, em
virtude da litispendência.
No que concerne aos réus MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI
SANTOS NEVES e JOSE AUGUSTO DOS SANTOS NEVES, entendo que o conjunto probatório não traz
indicativos seguros de que os mesmos tenham, de alguma forma, atuado ou colaborado para a consecução do
peculato-furto. Pelo contrário, as acusações veiculadas na denúncia ministerial os posicionam em um contexto
muito mais próximo da lavagem de dinheiro, conforme estudaremos no tópico adiante. No tocante ao crime de
peculato-furto, esses réus devem ser absolvidos, por falta de provas.
10. Mérito: análise da imputação de lavagem de dinheiro38: � 10.1. Considerações sobre a figura típica: A Lei n° 9.613/98 veicula práticas delitivas em que o Estado (administração da Justiça) se
apresenta como vítima principal e, secundariamente, a pessoa que tenha sofrido prejuízo econômico decorrente
de crimes anteriores. Portanto, para que se configure a chamada “lavagem de dinheiro”, é necessário que tenha
ocorrido um crime antecedente e que esse delito tenha produzido algum resultado econômico. A lavagem ocorre
mediante etapas destinadas a desvincular o dinheiro de sua origem ilícita, dando-lhe aparência de regularidade.
O objetivo perseguido é que o lucro ilícito possa ser reaproveitado em negócios lícitos. A cada etapa da
lavagem, o dinheiro “sujo” se torna mais limpo, “branqueado”, fazendo com que sua origem espúria não seja
lembrada, caia no esquecimento ou se torne desconhecida. 38 Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: [...] V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos. [...]
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O tipo objetivo do delito de lavagem de capitais reclama a existência de um crime antecedente,
cujo rol está especificado na Lei n° 9.613/98, incisos I a VIII do artigo 1°. Além disso, é necessário demonstrar
que os réus tenham adotado providências tendentes a ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade dos bens, direitos ou valores que correspondem ao lucro criminoso.
� 10.2. Análise de materialidade e autoria: No caso dos autos, o crime antecedente apontado pelo MPF é o peculato-furto, que, por se
tratar de delito cometido em detrimento da Administração Pública (Título XI, Capítulo I, do Código Penal),
encontra previsão no respectivo rol legal (inciso V do art. 1º). Como já foi dito, os autos apresentam provas fartas
da materialidade do crime de peculato-furto. De todo modo, é necessário demonstrar ao menos uma das etapas
do “branqueamento” de capitais, pois “sem ocultação ou dissimulação, não há lavagem de dinheiro” (STJ, AP
458, Dipp, CE, m., 16.09.09)39.
Analisando as alegações ministeriais, vejo que o MPF identificou a lavagem de dinheiro em
alguns expedientes supostamente empregados pelos denunciados para conferir aparência lícita ao dinheiro
auferido mediante peculato. Cuida-se da utilização da COOPETFES, da Agência Central do BANESTES (onde
vários dos cheques emitidos eram compensados fraudulentamente) e da Corretora de Câmbio e Valores
Mobiliários César Santos Neves S/A (onde teria transitado o cheque de R$ 500.000,00), além da pretensa
beneficiária da doação, a Fundação Augusto Ruschi.
Em um primeiro momento, assevero que a doação destinada à Fundação Augusto Ruschi não
se enquadra ao tipo penal da lavagem de dinheiro. Ora, o crime em espeque exige a ocultação/dissimulação de
dinheiro que constitua produto de crime. Na hipótese vertente, ainda que a doação à FAR seja compreendida
como “doação simulada”, o fato é que, formalmente, os valores foram creditados a título de doação ambiental e
deveriam ter sido concretamente utilizados para esse fim. Apenas não o foram em virtude da subtração da
quantia. Neste caso, a escolha proposital da Fundação Augusto Ruschi (FAR) exsurge como estratégia utilizada
para viabilizar a consumação do peculato mediante a efetiva subtração dos valores. Ou seja, a doação à FAR
faz parte do iter criminis do peculato-furto, e não de possíveis etapas posteriores destinadas ao branqueamento
dos capitais indevidamente retirados da conta da fundação de cunho ambiental.
Quanto aos demais procedimentos fraudulentos em tese adotados para “lavar” o dinheiro
obtido de forma ilícita, vejo que se trata basicamente da compensação fraudulenta de cheques através de outras
39 Citado por: BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes federais. 6. ed. rev. e atual. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010. p. 610.
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instituições financeiras, ocorrida depois da subtração de recursos. Portanto, não se trata de post factum
impunível, como alegou a defesa do réu RODRIGO. Neste ponto, a acusação ministerial é verossímil e encontra
amparo no material probatório. Em verdade, a imputação de lavagem de dinheiro pode ser subdividida em dois
episódios: a) liquidação do cheque n° 112.082 (R$ 500.000,00) via Banco Santos Neves e Corretora César
Santos Neves; e b) compensação fraudulenta de cheques de RAIMUNDO na Agência Central do BANESTES.
Passo a analisá-los.
a) Primeiro episódio:
O cheque n° 112.082 foi emitido por RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO ao próprio
emitente, com data de 04/09/200040. O verso do título de crédito foi endossado por RAIMUNDO e depois por
MARCELO DE ABREU E LIMA. Também no verso do documento consta o carimbo de compensação do Banco
Santos Neves, com data de 05/09/2000.
A denúncia relata que a operação de compensação desse cheque não foi registrada nos
demonstrativos do Banco Santos Neves. Os acusados LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO, diretores do Banco,
apresentaram em Juízo a seguinte documentação:
� Fls. 1851/1882: documentação concernente à compensação eletrônica do Banco Santos Neves S/A –
movimento do dia 06/09/2000. Nessa documentação, há o registro do cheque de R$ 500.000,00 (doc n°
112.082), conforme consta à fl. 1851.
� Fls. 1883/1898: contrato de prestação de serviços e respectivos aditivos, firmados entre BANCO
SANTOS NEVES S/A e ATP TECNOLOGIA E PRODUTOS S/A a partir de 01.04.1997, tendo como objeto a
prestação de serviços de compensação de cheques e outros papéis.
O intuito da defesa, por certo, era o de comprovar que aquele cheque foi devidamente
contabilizado pelo Banco Santos Neves, por meio de serviços terceirizados de compensação eletrônica. LUIZ
RENATO (fls. 982/984) inclusive afirmou isso em Juízo, sustentando a impossibilidade de compensação sem
prévia escrituração contábil. Dessa forma, buscava afastar a imputação de crime financeiro, que abordarei
adiante.
Pois bem. A análise dos documentos juntados às fls. 1851 e seguintes destes autos revela
apenas uma referência ao cheque de RAIMUNDO BENEDITO, com os dados da conta de origem da cártula.
Vejamos:
40 Cópia do cheque à fl. 78 do apenso 01; original acautelado em Secretaria – certidão à fl. 2633.
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[trecho da tabela extraída da fl. 1851 dos autos]
Como se vê, a documentação trazida pela defesa não especifica a conta bancária na qual os
valores representados naquele cheque teriam sido creditados, nem esclarece se esse montante saiu do Banco
Santos Neves, tampouco como teria saído de lá. Neste caso, o registro apresentado pela defesa é incompleto e,
em vez de esclarecer e afastar a acusação deduzida, acaba corroborando o viés fraudulento, pois tudo leva a
crer que o referido registro foi feito somente pró-forma, para conferir algum respaldo ao carimbo de
compensação do Banco Santos Neves. No entanto, esses recursos (R$ 500 mil) nunca transitaram pelo Banco.
Extraio dos elementos coligidos o caminho provavelmente percorrido pelos R$ 500.000,00 em
voga, tal seja:
� O cheque n° 112.082, endossado por RAIMUNDO BENEDITO, foi apresentado para
compensação junto ao Banco Santos Neves, de propriedade dos denunciados LUIZ RENATO e JOSÉ
AUGUSTO. Carimbo do banco aposto no dia 05/09/2000.
� De acordo com a testemunha Paulo Sérgio Torres da Silva, que atuou como auditor da
COOPETFES, o cheque em questão foi compensado no Banco Santos Neves e acatado pela cooperativa. Ou
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seja, o BANCOOB provisionou o valor representado na ordem de pagamento, pois a conta emissora da ordem
possuía fundos para cobrir o cheque. Vejamos:
Depoimento da testemunha arrolada pela acusação – PAULO SÉRGIO TORRES DA SILVA (fls. 1662):
[...] Por exemplo: RAIMUNDO BENEDITO tem um cheque a COOPETFES (consta no cheque: COOPETFES – BANCOOB) e o utiliza para pagar determinada pessoa. A pessoa vai e deposita na conta corrente dela, igual ocorre normalmente, o cheque vai para o sistema de compensação. Aí o BANCOOB acata o cheque (é feita a provisão específica daquele valor contra o banco que ofereceu o cheque para o BANCOOB). Aí o BANCOOB devolve o cheque para a cooperativa. Observação: se o BANCOOB acatou o cheque, não significa que ele já pagou o cheque. Ele provisionou, porque o sistema de compensação leva mais de dois dias. Aí ele manda para a cooperativa, e a cooperativa olha e diz: “essa conta tem fundos; então, pague-se esse cheque”. Aí a cooperativa fica com o cheque e apenas manda a ordem para o BANCOOB autorizar a compensação. Então o BANCOOB transfere o dinheiro para o banco que lhe apresentou o cheque. Isso não aconteceu no caso dos cheques emitidos por RAIMUNDO BENEDITO: eles foram trocados no BANESTES, na tesouraria, autorizado pelo gerente da agência Praça Oito. Mas de qualquer forma o dinheiro saiu da COOPETFES. No BANESTES o responsável por isso era o gerente (Sr. Hélio Vasconcelos). O cheque de 500 mil foi compensado no BANCO SANTOS NEVES. Esse cheque era destinado a uma pessoa de sobrenome LIMA, mas o depoente não se recorda do nome completo. Esse cheque foi compensado normalmente. [...] Quanto ao cheque de 500 mil, o depoente esclarece: se o cheque está na cooperativa, é porque ela o acatou. Se o cheque voltou para a cooperativa, ela é responsável por guardar os cheques. No caso dos 500 mil, o cheque foi compensado, porque ele não voltou para o BANCO SANTOS NEVES. Ele ficou na cooperativa. Está dizendo que foi para o BANCO SANTOS NEVES. Quem pode identificar para onde esse dinheiro foi, a partir do SANTOS NEVES, é apenas através de uma apuração no SANTOS NEVES.
A operação foi concretizada de modo a manter a aparência de compensação via Banco Santos
Neves; inclusive foi isso que constou dos registros da COOPETFES e que chegou ao conhecimento da auditoria
realizada na cooperativa.
� Conforme peças de fls. 85/86 do apenso 01, o Banco Santos Neves providenciou um
depósito no importe de R$ 450.000,00 na conta corrente n° 420.001-0, da CCVM Cesar Santos Neves, no
mesmo dia 05/09/2000.
� Por sua vez, também no dia 05/09/2000, registrou-se a “coincidente” entrada de R$
450.000,00, a título de “CRED. REF. DEPOSITO EM DINHEIRO/CHEQUES”, na conta ° 07222-2, mantida por
MARCELO DE ABREU E LIMA junto à Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários Cesar Santos Neves. Eis o
extrato de movimentação da conta no mês de setembro de 2000 (fl.1942 destes autos e fls. 82/83 do apenso
01):
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[extrato extraído do apenso 01 – fl. 82]
� O extrato acima também demonstra a pluralidade de débitos ocorridos na conta de
MARCELO DE ABREU E LIMA em datas quase que imediatamente posteriores. Portanto, tudo indica que o
montante em causa foi pulverizado, para dificultar o rastreio desses valores.
Os elementos citados tornam plausível e palpável a tese ministerial. A proximidade do crédito
de R$ 450 mil com o substancioso valor do cheque não reflete mera casualidade. Reitero que MARCELO DE
ABREU E LIMA mantinha relacionamento com JOSÉ CARLOS GRATZ (provável destinatário do recurso), pois,
a despeito de ter negado isso em Juízo (fls. 979/981), o próprio GRATZ afirmou tal relação (fl. 2469). Isso explica
o “favor” prestado, com o empréstimo de sua conta de valores mobiliários.
Além disso, não posso ignorar o endosso aposto por MARCELO DE ABREU E LIMA no verso
do título de crédito. Neste ponto, mais uma vez as negativas de MARCELO não surtiram efeito probatório, pois
as perícias produzidas sobre a cópia do cheque e, posteriormente, sobre o documento original foram
esclarecedoras e uníssonas quanto à autoria da assinatura. Transcrevo alguns trechos dignos de destaque:
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Fls. 2581/2587: LAUDO DE PERÍCIA DOCUMENTOSCÓPICA realizado sobre a cópia reprográfica do
cheque n° 112.082, com as seguintes conclusões de destaque:
“[...] as Peritas concluem que o lançamento manuscrito questionado (rubrica), aposto na parte superior central do verso da cópia reprográfica da folha de cheque encaminhada ao exame e descrita na seção 1 do presente laudo, possui convergências gráficas no aspecto formal com os lançamentos gráficos encaminhados como padrão (fls. 326, 840 e 981 dos autos) e descritos na seção 3. Porém, as Peritas deixam de se pronunciar de modo conclusivo pelo fato de a rubrica questionada encontrar-se na forma de cópia reprográfica [...]”.
Fls. 2601/2605: LAUDOS DE PERÍCIA DOCUMENTOSCÓPICA realizados sobre o original do cheque
n° 112.082, com as seguintes conclusões de destaque:
LAUDO N° 097/2011 (fls. 2601/2605): “[...] Após os referidos exames foi verificado que quando do confronto do lançamento gráfico questionado (rubrica), aposto na parte superior central do verso da folha de cheque encaminhada a exame e descrita na seção 1 do presente laudo, com o material gráfico padrão da lavra de MARCELO ABREU E LIMA, descrito na seção 3, as Peritas evidenciaram convergências gráficas representadas pela forma, gênese, idiografismos, andamento gráfico, ataques e arremates [...]. O lançamento manuscrito questionado (rubrica), aposto na parte superior central do verso da folha de cheque encaminhada a exame e descrita na seção 1 do presente laudo, partiu do punho escriturador de MARCELO ABREU E LIMA, com base no material gráfico padrão da lavra encaminhado a exame e descrito na seção 3 do presente laudo. [...]”. LAUDO N° 098/2011 (fls. 2606/2613): “[...] O lançamento manuscrito questionado (rubrica), aposto na parte superior central do verso da folha de cheque encaminhada a exame e descrita na seção 1 do presente laudo, possui convergências gráficas com o material padrão da lavra de MARCELO ABREU E LIMA, descrito na seção 3, e partiu do punho escriturador de MARCELO ABREU E LIMA, com base no material gráfico padrão da lavra encaminhado a exame e descrito na seção 3 do presente laudo [...]”. LAUDO N° 122/2011 (fls. 2614/2620): “[...] O lançamento manuscrito questionado (rubrica), aposto na parte superior central do verso da folha de cheque encaminhada a exame e descrita na seção 1 do presente laudo, partiu do punho escriturador do autor dos lançamentos gráficos encaminhados como padrão (fls. 326, 840 e 981 dos autos) e descritos na seção 3 do presente laudo [...]”.
Quanto à divergência de R$ 50.000,00 entre o valor do cheque e a quantia creditada na conta
de MARCELO, entendo que essa diferença caracteriza mais uma etapa do processo de lavagem ao qual os
recursos foram submetidos. O deságio de R$ 50.000,00 evita a coincidência de valores e dificulta o rastreamento
desse recurso. A dificuldade se acentua, em razão de ter sido utilizada uma conta destinada à movimentação de
valores mobiliários, e não uma conta corrente bancária.
Por outro lado, não desprezo a possibilidade de que essa diferença de R$ 50.000,00 tenha
sido destinada aos réus LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO, como retribuição à benesse prestada por meio de
suas empresas, ou até mesmo ao corréu MARCELO, que igualmente disponibilizou sua conta para o trânsito dos
recursos. Vejamos a análise que o acusado JOSÉ AUGUSTO fez em torno da operação, sugerindo a
apropriação de R$ 50 mil por parte de MARCELO:
Interrogatório – JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES (fls. 985/987):
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“[...]QUE verificando os documentos do banco, eu vi o cheque, o endosso do MARCELO e o endosso do emitente do cheque; também vi o extrato da conta corrente do MARCELO; e neste cheque também havia o carimbo de compensação do banco Santos Neves; também aferi que, com o depósito do cheque de R$500 mil, ingressou na conta de MARCELO R$450 mil (acredito que ele, ao fazer o depósito de tal cheque, tenha efetivado no mesmo momento um saque de R$50 mil); QUE no ano 2000, eu era Vice-Presidente do Banco Santos Neves e Presidente da Corretora César Santos Neves; QUE em razão de minha função, não se inseria em minhas atribuições a função de conferir cheques; e naquela época, eu não tive contato com tal cheque; QUE registro que há mais de vinte anos eu tiro férias no período da semana da pátria (setembro) e viajo para os EUA; isto ocorreu também no ano 2000; não sei precisar, neste momento, o dia em que viajei e retornei naquele ano, mas tenho absoluta certeza de que naquele ano viajei no ano 2000; QUE JOSÉ CARLOS GRATZ não tinha nenhuma relação nem com o banco nem com a corretora; QUE CARLOS GUILHERME LIMA era cliente da corretora (e acho que era cliente do banco também); QUE MARCELO também era cliente da corretora (e acredito que também era cliente do banco). DADA A PALAVRA À PROCURADORA DA REPÚBLICA, ÀS SUAS PERGUNTAS RESPONDEU: QUE transações de maior vulto recebem uma atenção mais individualizada na Corretora, porque ela trabalha com mercado de risco (ações); QUE naquela época (2000), quinhentos mil reais eram considerados como sendo valor de vulto; QUE a conta da corretora pode receber depósitos de terceiros, e sob ordens do cliente também pode devolver recursos a ele mesmo; só não pode dar talões de cheques ao clientes (a corretora é operada por ordens de resgate e depósito, não por talões de cheques); QUE como já registrei antes, creio que quando houve o depósito do cheque, MARCELO teria feito um saque de cinqüenta mil reais em espécie; mas não sei informar quanto aos R$450 mil restantes (na aferição dos documentos, só vi a entrada de tais recursos na conta de MARCELO); QUE o nome do contador do Banco e da Corretora se chamava Sebastião (não me recordo o sobrenome); Sebastião era contador aposentado no BANESTES e veio trabalhar no nosso banco; hoje ele mora em Vila Velha e tem uma fazenda de café no interior (talvez eu tenha o telefone dele); QUE na viagem que fiz ao exterior no ano 2000, além de eu e meu irmão, não havia outros denunciados entre as demais pessoas que viajavam. DADA A PALAVRA À DEFESA, ÀS SUAS PERGUNTAS RESPONDEU: QUE embora quinhentos mil reais representassem, naquela época, valor de vulto, para a efetivação de um depósito de cheque de tal valor (R$500 mil) não era necessário que o caixa/gerente comunicasse à diretoria da Corretora; também não era necessário que o gerente comunicasse à diretoria quando um cliente quisesse fazer um saque de cinqüenta mil reais em espécie (isto era de alçada da gerência); QUE nas eleições do ano 2000, nem eu, nem meu irmão, nem a Corretora apoiamos algum candidato [...]” - GRIFEI.
Reconheço que a prova dos autos não me dá certeza de que o montante de R$ 50.000,00,
além de respaldar a ocultação do deslocamento de valores, tenha beneficiado efetivamente os réus que
viabilizaram a lavagem do cheque n° 112.082. Mas o contexto probatório insinua isso, o que serve como mais
um indício corroborante da fraude.
Há outro aspecto a ser sopesado, para fortificar a caracterização da lavagem nesse episódio.
É de conhecimento geral que a compensação de um cheque demora em torno de dois dias, mormente quando a
operação envolve valores de vulto. Isso foi ponderado pela testemunha Paulo Sérgio e também pelo réu JOSÉ
AUGUSTO (fls. 985/987), segundo o qual as transações de vulto merecem maior atenção da instituição
financeira.
Mas, nos fatos em análise, embora envolvendo três instituições distintas (COOPETFES, Banco
Santos Neves e Corretora), os recursos foram movimentados com notável rapidez (no mesmo dia!). Isso não
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seria possível sem a ingerência de pessoas que realmente detivessem o poder de mando nas entidades
envolvidas, como é o caso dos acusados LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO, no que concerne ao Banco e à
Corretora de sua propriedade.
Aliás, seria ingênuo considerar que a escolha de duas instituições pertencentes às mesmas
pessoas decorresse de mera coincidência. As instituições, além de estrategicamente viáveis para o
deslocamento ágil dos recursos, ofereciam a vantagem de ter, entre seus clientes, o corréu MARCELO como
pessoa próxima do provável favorecido (GRATZ).
Noutro giro, a concordância de experientes diretores de instituições financeiras com esse tipo
de manobra fraudulenta me leva a crer que LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO tinham conhecimento, ao menos
em parte, do esquema criminoso em curso. Do contrário, não cederiam suas empresas para aparentar a
compensação rotineira de um cheque, cujos vultosos valores sequer transitaram pelos cofres do banco
responsável pela compensação.
E, ainda que LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO não tivessem ciência de todos os detalhes
dos crimes engendrados pelos co-denunciados, a viabilização da compensação fraudulenta de uma ordem de
pagamento tão valiosa (R$ 500 mil) demonstra que esses réus, no mínimo, assumiram o risco da provável
origem ilícita dos recursos em trâmite. Cogito essa possibilidade apenas a título argumentativo, pois, como é de
conhecimento público, esta não foi a única empreitada ilícita na qual os diretores do Banco Santos Neves se
envolveram por intermédio de suas empresas.
Esclareço ainda que o fato de LUIZ RENATO e JOSÉ AUGUSTO estarem viajando nos dias
05/09/2000 (LUIZ RENATO, conforme fls. 1906) e 06/09/2000 (JOSÉ AUGUSTO, conforme fls. 1920) não é
incompatível com a responsabilidade dos mesmos pela famigerada operação bancária. A uma, porque eles, na
condição de diretores das instituições envolvidas na liquidação do cheque, certamente dispunham de pessoas
de confiança que pudessem concretizar a tarefa bancária em questão. Inclusive os próprios réus admitiram não
executar diretamente operações do banco ou da corretora. A duas, porque, conforme carimbo constante do
passaporte de JOSÉ AUGUSTO, o mesmo viajou para os Estados Unidos da América apenas no dia
06/09/2000, e isso poderia até mesmo justificar a rapidez com que a mencionada movimentação se deu na
véspera, no dia 05/09/2000. Ademais, vale lembrar que a viagem dos denunciados se deu nas proximidades de
feriados (nacional e local), não sendo difícil imaginar que os mesmos, como homens de negócio, deixassem
encaminhadas eventuais providências a serem tomadas em sua ausência. Ou seja, a ausência física dos réus
não é suficiente para lhes retirar a responsabilidade penal aqui identificada.
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Diante de todo o exposto, concluo que a liquidação do cheque n° 112.082 enquadra-se na
descrição típica da lavagem de ativos: a compensação do título ocorreu formalmente no Banco Santos Neves,
mas os valores correspondentes sequer chegaram a transitar pelo banco. Pelo contrário, foram creditados
diretamente em conta mantida na Corretora César Santos Neves, e com cuidadosa diferenciação de montantes
(deságio de R$ 50 mil), destinada a dissimular o deslocamento dos recursos fruídos mediante peculato-furto.
Portanto, a materialidade delitiva está suficientemente caracterizada.
Os autos também denotam com clareza a atuação de MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ
RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES na materialização dessa
curiosa operação bancária, e eles por isso devem ser condenados. Quanto a JOSÉ CARLOS GRATZ, a
despeito de haver evidências suficientes de que ele foi beneficiado ao menos com parte desses recursos, os
autos carecem de provas de que o mesmo tenha colaborado de alguma maneira no contexto específico e
autônomo da lavagem desses ativos. O réu, portanto, deve ser absolvido por insuficiência de provas.
Os demais acusados indicados às sanções da Lei de Lavagem de Dinheiro em geral não se
aproximam do contexto fático acima descrito. Analisarei suas condutas no contexto do episódio relacionado à
compensação fraudulenta de cheques via Agência Central do BANESTES.
b) Segundo episódio:
Também houve lavagem de dinheiro mediante ilícita troca de cheques na tesouraria do
BANESTES, com expedientes fraudulentos e desmembramento de quantias reveladores do propósito
dissimulador. Ao que consta, o branqueamento de boa parte dos recursos subtraídos da conta da Fundação
Augusto Ruschi ocorreu por ingerência direta de Hélio Vasconcelos, que então administrava a Agência Central
do BANESTES. Há informação nos autos de que Hélio Vasconcelos já é falecido41, mas isso não impede a
identificação da maneira como os cheques emitidos por RAIMUNDO BENEDITO eram facilmente revertidos em
quantias em espécie no âmbito da Agência Central do BANESTES, onde o emitente dos cheques sequer
mantinha conta bancária.
O processo de dissimulação desses valores é descrito com detalhes no relatório de auditoria
do BANESTES, constante às fls. 248/255 do apenso 03. Vale transcrever alguns trechos:
“[...] 2. FATOS Os exames realizados no período de 26/07/2001 a 22/08/2001, comprovados por meio dos documentos anexos, demonstram que no mês de setembro de 2000, transitou pelo BANESTES o montante de R$
41 Informação fornecida pela testemunha Fernando Wagner Costa Muritiba (fls. 2134).
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3.189.856,00 em cheques do Banco 756 – BANCOOB, Agência 4020 – COOPETFES, Conta Corrente 571-1, de titularidade de Raimundo Benedito de Sousa Filho que não possui conta corrente em nosso Banco. Dos quais, apenas R$ 198.355,00 foram movimentados nas Agências Alegre, Jardim da Penha, Praia do Canto e PAB Fórum de Vitória, cujos depósitos em contas de clientes, devidamente identificados e bloqueados pelo prazo normal da compensação, foram realizados em conformidade com os procedimentos regulamentares. O restante, ou seja, R$ 2.991.501,00, representados por 43 cheques, foram remetidos ao Serviço de Compensação, via Agência Central, sendo os procedimentos autorizados formalmente pelo Gerente, Sr. Hélio Carlos Fonseca de Vasconcellos, os seguintes:
• R$ 840.350,00: pagos em espécie, sob a expressão de próprio punho do citado gerente: ‘Pague-se’, seguida da respectiva assinatura;
• R$ 920.400,00: remetidos para outros Bancos, por meio de DOCs, sob o visto desse gerente; • R$ 1.216.761,00: em 65 depósitos distintos, sendo:
� R$ 781.761,00 em 57 depósitos realizados com fracionamento dos valores dos cheques; e � R$ 435.000,00 em 08 depósitos normais, realizados com os valores integrais dos cheques.
• R$ 10.000,00: não identificado; • R$ 3.990,00: apropriados na rubrica contábil 6786 – Rendas de Outros Serviços – Outras.
3. PAGAMENTOS EM ESPÉCIE E/OU REMESSA DE DOCs O procedimento do Sr. Hélio Carlos Fonseca de Vasconcellos consistia em entregar cheques do BANCOOB, emitidos pelo Sr. Raimundo Benedito de Sousa Filho aos seus subordinados, exercentes da função de Caixa, dando-lhes a seguinte ordem: registrar, durante o expediente, os recebimentos em espécie, oriundos de diversos clientes, como se fossem recebimentos em cheques, até aproximar ou atingir o montante expresso nos cheques do BANCOOB, em seu poder. Quanto ao pagamento em espécie, a rotina do procedimento do Caixa, consistia em, quando os valores recebidos em espécie, indevidamente registrados como cheques, atingissem o montante esperado, ou seja, o montante dos cheques do BANCOOB, comunicava o fato à responsável pelo setor de Retaguarda dos Caixas, Sra. Sônia Maria Bissoli Dias. A Sra. Sônia Maria emitia boletas e requeria o montante à Tesouraria, entregando o valor em espécie ao Sr. Hélio Carlos Fonseca de Vasconcellos que, de posse do dinheiro, dava a destinação final. Quanto às remessas de DOCs, o procedimento era similar, diferenciando-se apenas no fato de que, ao atingir o montante esperado, o valor era convertido em DOC pelo próprio Caixa. 4. DEPÓSITOS EM DIVERSAS CONTAS CORRENTES, COM UM ÚNICO CHEQUE O procedimento do Gerente Hélio Vasconcellos, de igual modo, consistia em dar ordens a seus subordinados, ocupantes da função de Caixa, após entregar-lhes determinado cheque do BANCOOB, conta corrente 571-1, emitido pelo Sr. Raimundo Benedito Sousa Filho, efetuarem depósitos fragmentados, em diversas contas correntes. Os nomes dos favorecidos e valores eram fornecidos pelo próprio gerente. Como o sistema de automação não permite a fragmentação de cheque de outro banco em diversos depósitos, os caixas, para atenderem à ordem recebida, registravam os depósitos como “Créditos Diversos” e encaminhavam uma segunda via do depósito para digitação na retaguarda, burlando assim os sistemas Contábil, Operacional e Eletrônico da Agência. Esse procedimento ocorreu habitualmente, durante o mês de setembro/2000. [...]”42
Esse relatório foi produzido pelos auditores Clovis da Rosa Nery, Júlio Cesar Gomes e
Fernando Wagner Muritiba, sendo que este depôs em Juízo, confirmando as artimanhas empregadas para
dificultar o rastreamento dos valores objeto do peculato-furto. Segue abaixo o resumo de suas declarações mais
relevantes:
42 Trechos constantes às fls. 248/249 do apenso 03.
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Depoimento da testemunha arrolada pela acusação – FERNANDO WAGNER COSTA MURITIBA (fls. 2134):
Não é parente ou amigo íntimo de nenhum dos denunciados. É bancário, trabalha no BANESTES há mais de 20 anos. Atualmente exerce a função de gerente da auditoria do BANESTES. É auditor interno do BANESTES S/A. Foi um dos auditores que apuraram a origem e a destinação dos cheques pagos pelo BANESTES. Essa apuração foi feita com base em fitas de caixa, onde você identificava os montantes e quais as contas de destino. É uma operação matemática simples: o destino, ou seja, o quanto você está pagando, e o quanto você está recebendo. O total bate. Esse processo todo foi passado para a administração do banco. E posteriormente a Justiça solicitou todo esse levantamento. Você tem uma demanda, e a auditoria pega informações desde a origem, desde o início. O processo de auditoria interna tem o levantamento das informações, tem o levantamento e a busca dos documentos de fitas de caixa, onde se caracterizam os cheques que foram pagos e, por aquele montante, as autenticações que representam os depósitos. Então assim se tinha a origem dos cheques e a destinação desses recursos. A operação feita com a Corretora SANTOS NEVES não é de conhecimento do depoente. O depoente tem conhecimento do que transitou pela agência central do BANESTES naquele período, em que o gerente era o Sr. Hélio Vasconcelos. Esses cheques não podem ser pagos, porque eles transitam pelo sistema de compensação. À época, pelo que o depoente lembra, pagavam-se esses cheques assim: o gerente dava ordem aos seus subordinados para pegar meios de pagamentos dos clientes que fossem em dinheiro (ou seja, como se fosse transformar esses cheques em dinheiro)e colocar esses cheques como se fossem um meio de pagamento dos clientes normais. Só que aí você tinha o cheque autenticando (pois tem que autenticar para passar pelo sistema de compensação), o valor recebendo, e os demais valores nos destinos respectivos. Por isso foi um trabalho investigativo, de levantamento realmente por parte da auditoria. Isso com base nos documentos que estavam arquivados no BANESTES. Então foram solicitados os movimentos dos dias, os cheques, as datas da compensação e os movimentos dos caixas, para identificar qual o caixa e os valores cuja soma batia com o valor total do cheque. Então esses cheques eram mandados para a compensação, mas não eram depositados na conta específica de um favorecido, de um cliente. Por isso até se desvirtuava, à época, quem era o favorecido do cheque. Na época, o Sr. Hélio foi até chamado pela auditoria e alertado sobre isso, mas ele não quis prestar nenhum tipo de esclarecimento ou declaração a respeito. O que ocorria era que se trocava o meio de pagamento: se eu tenho um meio de pagamento que é em dinheiro, pegava esse montante em dinheiro e colocava o cheque em substituição àqueles valores. Depois, o cheque iria para a compensação para ser pago pelo banco (no caso, o BANCOOB). Em resumo, não havia ali expresso a conta de depósito desse cheque. Ele trocava os meios e colocava na compensação. O depoente foi um dos auditores que assinou esse relatório. No relatório, o depoente e os demais auditores esclarecem o valor do cheque que está lá expresso, a origem dele (passou por qual caixa), que destino foi dado àquele recurso (que claramente são docs e depósitos em contas no próprio BANESTES), e seus favorecidos, que são os titulares das contas. O depoente não teve acesso às questões envolvendo o BANCO SANTOS NEVES; apenas ao BANESTES. O depoente soube que Hélio Vasconcelos faleceu. O depoente acredita que Hélio Vasconcelos tenha exercido a função de gerente do BANESTES por mais de quinze anos, aproximadamente. Era um cargo de carreira, comissionado, cargo de confiança. Caso a empresa não confiasse ou tivesse uma quebra de fidúcia, destituiria, como o fez posteriormente. Então Hélio foi colocado na posição de gerente pelo próprio BANESTES. Não houve prejuízo ao BANESTES com essas operações bancárias, porque todos os cheques foram pagos, ou seja, foram compensados. A demanda de apurar essas operações obscuras partiu do Sr. Clóvis Rosa Neri. Ou seja, ele, como gerente da auditoria do BANESTES, solicitou esse trabalho ao depoente. O depoente acredita que tenha sido a presidência do Banco que solicitou essa apuração ao Sr. Clóvis, mas o depoente não sabe afirmar isso; apenas Clóvis pode esclarecer esse ponto. Indagado sobre a possibilidade de um cheque compensado não ser escriturado, o depoente esclarece que não é perito, mas que, se houve compensação e não consta da escrituração do banco, pode-se imaginar que os registros tenham sido apagados possivelmente. O Banco Central recebe as informações das contas dos clientes, ou seja, a posição ativa dos bancos e passiva. Até por questões de lavagem de dinheiro (Lei 9.613, acredita que de 1998), existe uma regulamentação no sentido de que os bancos têm que fazer o controle dos depósitos efetivados em valor igual ou superior a dez mil reais. A instituição que recebe esse valor é que envia essas informações ao BACEN. Hoje esse envio é eletrônico e automático. À época, havia a política: “conheça seu cliente: qual a capacidade de pagamento dele e porque ele está movimentando aquele recurso?”. A instituição buscava essas informações e, sendo incompatível, comunicava ao BACEN, e este comunicava ao COAF. Em 2002 ou 2003 já existia esse tipo de controle.
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O depoente não se recorda do nome dos beneficiários dos cheques descontados no BANESTES, tampouco pode precisar se o nome de JOSÉ CARLOS GRATZ estava ou não entre esses beneficiários. Mas existe cópia de todo o processo no BANESTES. O banco não teve prejuízo, mas teve risco. E se esses cheques não tivessem sido compensados? Isso porque ele substituiu o dinheiro por um meio de pagamento que seria compensado na câmara ainda. Ou seja, se o outro banco não pagasse, quem ficaria com aquele prejuízo? O BANESTES, por ordem do gerente. Por si só isso já era suficiente para instaurar a apuração. Ou seja, não necessariamente houve uma denúncia para iniciar esse trabalho de apuração em vista dos beneficiários dos depósitos. O depoente se recorda que realmente havia candidatos entre os beneficiários. O colega que participou da apuração, em determinado, olhou a lista e disse: esses aqui são candidatos. Mas não era esse o objeto da apuração. A questão, para o BANESTES, era que ele substituía o dinheiro por cheque, ou seja, ele estava pagando sob o risco do banco a ser cobrado na compensação não pagar. O relatório produzido pelo depoente ao final de seu trabalho de auditoria foi entregue ao gerente da auditoria, que assina em conjunto com os auditores (ele tem todo o processo e todo o modus operandi), e depois foi entregue ao diretor presidente do Banco à época. O depoente já ouviu dizer que o Ministério Público havia solicitado essa auditoria. O depoente explica que, em princípio, não há como compensar um cheque de 500 mil reais e creditar apenas 450 mil. A não ser que alguém pague aquele cheque e desmembre, como aconteceu no caso do banco: entrou dinheiro, alguém substituiu os meios de pagamento, e aí sim, você vai ver vários depósitos oriundos com um cheque único. O depoente só pode falar isso do caso que apurou. No ano de 2000, as compensações eram feitas assim: a câmara de compensação é pelo Banco do Brasil, CESEC, onde você tem os prazos para troca de cheques de maior valor e de menor valor. Os maiores valores têm que ser trocados no mesmo dia, ou seja, contra os outros bancos e contra o banco depositante. Ao que o depoente saiba, quem fazia era o Banco do Brasil, na câmara de compensação (CESEC) aqui em Vitória.
De acordo com a testemunha em destaque, as operações realizadas na Agência Central do
BANESTES não ensejaram prejuízo para o banco. O motivo é óbvio: havia fundos para cobrir os cheques, mas
fundos ilícitos, oriundos do peculato-furto. Na verdade, o grande objetivo de fazer com que os inúmeros cheques
de RAIMUNDO BENEDITO transitassem pelo BANESTES não era acarretar perdas à instituição financeira, até
porque isso causaria problemas maiores ao gerente responsável pelas operações. A real finalidade disso tudo
era disfarçar a destinação escusa dos cheques (financiamento de campanha eleitoral com recursos subtraídos
indevidamente). Para isso, as cártulas eram trocadas na tesouraria do BANESTES e registradas nos caixas
como forma de pagamento de contas diversas. Ou seja: com um cheque, o Caixa cobria um universo de
pagamentos feitos naquela mesma data em dinheiro, por clientes do banco. O procedimento fraudulento só foi
descoberto por meio de um trabalho investigativo especializado e minucioso dos auditores do banco, conforme
extraio da extensa documentação carreada aos apensos 02 e 03, que inclui cheques, boletas de caixa, fitas de
caixa, doc’s etc.
A testemunha Paulo Sérgio corroborou a lavagem de ativos perpetrada via BANESTES:
Depoimento da testemunha arrolada pela acusação – PAULO SÉRGIO TORRES DA SILVA (fls. 1662):
[...] O dinheiro entrou na conta da Fundação e foi imediatamente transferido para a de RAIMUNDO. O dinheiro transferido para a conta de RAIMUNDO BENEDITO originou vários cheques, nos quais o depoente concentrou sua verificação. Esses cheques, emitidos por RAIMUNDO BENEDITO, foram trocados na tesouraria do BANESTES. Dá para ver lá que há carimbo de tesouraria e autorização do gerente (na época, Jorge Hélio Vasconcelos). Esses cheques eram trocados por dinheiro na
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tesouraria, sem passar por conta. Ou seja: não entrou na conta do destinatário e depois o destinatário foi lá e sacou. Não foi assim. Foi trocado direto na tesouraria. Geralmente, quando você tem carimbo no cheque compensado, trata-se de carimbo do caixa. No caso concreto não: o carimbo é da tesouraria. Portanto, isso foi retirado em espécie. Os cheques eram nominais. Havia pagamentos para o Dr. Hélio Maldonado, por exemplo. O depoente chegou a verificar esses cheques e conseguiu tirar algumas cópias. Os auditores do BACEN também tiraram cópias. O depoente pegou mais ou menos quarenta cheques, cerca de dois talonários. Havia mais cheques, mas o depoente não teve acesso a todos eles. [...] O que acontece com o BANCOOB? Como ele tinha feito a reserva do saque na conta da cooperativa, ele estorna o dinheiro e devolve o cheque para o banco de origem. Por exemplo: RAIMUNDO BENEDITO tem um cheque a COOPETFES (consta no cheque: COOPETFES – BANCOOB) e o utiliza para pagar determinada pessoa. A pessoa vai e deposita na conta corrente dela, igual ocorre normalmente, o cheque vai para o sistema de compensação. Aí o BANCOOB acata o cheque (é feita a provisão específica daquele valor contra o banco que ofereceu o cheque para o BANCOOB). Aí o BANCOOB devolve o cheque para a cooperativa. Observação: se o BANCOOB acatou o cheque, não significa que ele já pagou o cheque. Ele provisionou, porque o sistema de compensação leva mais de dois dias. Aí ele manda para a cooperativa, e a cooperativa olha e diz: “essa conta tem fundos; então, pague-se esse cheque”. Aí a cooperativa fica com o cheque e apenas manda a ordem para o BANCOOB autorizar a compensação. Então o BANCOOB transfere o dinheiro para o banco que lhe apresentou o cheque. Isso não aconteceu no caso dos cheques emitidos por RAIMUNDO BENEDITO: eles foram trocados no BANESTES, na tesouraria, autorizado pelo gerente da agência Praça Oito. Mas de qualquer forma o dinheiro saiu da COOPETFES. No BANESTES o responsável por isso era o gerente (Sr. Hélio Vasconcelos). [...] A maioria dos cheques tinha o nome do destinatário. Alguns cheques eram emitidos ao próprio emitente (RAIMUNDO BENEDITO) e eram trocados no BANESTES, o que era pior. Ora, se a pessoa dá um cheque contra si própria, tem uma conta no BRADESCO e desconta esse cheque no BRADESCO, tudo bem. Mas se a pessoa dá um cheque contra si própria, não tem conta no BANESTES e saca no BANESTES, dois problemas: conferência de assinatura (porque neste caso o BANESTES não tem o cartão de assinatura da pessoa, nem pode ter) e verificação do saldo (não tem como o BANESTES entrar no banco de dados do BANCOOB, por causa do sigilo bancário, para saber o saldo da cooperativa, muito menos o saldo do RAIMUNDO BENEDITO na COOPETFES). Ou seja, era uma operação altamente de risco e, de certa forma, fraudulenta. [...] Nessa auditoria da COOPETFES, o depoente trabalhou em conjunto com o Sr. Alexandre, e vieram também mais três auditores do Banco Central. Na verdade, o depoente estava passando relatório para eles semanalmente. Trabalharam um mês e meio aproximadamente, passando relatório para eles, até que eles chegaram. Eles estavam com problema de falta de pessoal para vir fazer a auditoria. O que o depoente fez foi um trabalho preventivo e de coleta de dados. Preventivo ou preliminar para eles, ou seja, antes do trabalho deles. Eles então fizeram a solicitação à cooperativa, a COOPETETFES apresentou o depoente, foi assinado um termo de responsabilidade ao BACEN, eles autorizaram a abertura das contas, a COOPETFES teve que autorizar a abertura das contas. O depoente ficou mais ou menos uma semana com os auditores do BACEN. [...] O BACEN propôs ao depoente que ele construísse uma forma de recuperar e sanear a cooperativa, e o único caminho para isso era o recebimento das contas do RAIMUNDO BENEDITO. Aí a cooperativa tomou suas medidas cabíveis para fazer essa recuperação, e RAIMUNDO BENEDITO marcou uma reunião, onde apresentou uma relação de pagamentos feitos utilizando a conta que ele tinha na cooperativa. Nessa relação, havia pagamentos a comitês de campanha, de shows, de festa de aniversário, contas de apartamentos, ou seja, vários pagamentos. A reunião ocorreu na Praia da Costa, o depoente estava junto com Marcelo Gabriel (da COOPETFES), e na ocasião o Sr. Celso Vasconcelos pegou aquela relação diante da gravidade dos fatos (havia vários comitês políticos de processo eleitoral de vereadores e prefeitos). O gerente do BANESTES estava junto; parece que era primo de Celso Vasconcelos. O depoente chegou a ser denunciado pelo Ministério Público em razão desses mesmos fatos, e a denúncia foi rejeitada. A apuração da compensação de cheques na tesouraria do BANESTES foi verificada pelo depoente quando de sua auditoria nos cheques. Via-se nos cheques que a compensação tinha sido feita no BANESTES com a autorização do gerente Vasconcelos. Depois, o próprio presidente do BANESTES, sabendo desses fatos, foi conferir a assinatura e verificou que os cheque de fato haviam sido compensados no BANESTES. Dos fatos denunciados, o depoente só conhece aqueles relativos à COOPETFES e também à listagem de pagamentos apresentada por RAIMUNDO BENEDITO, em uma espécie de relatório de caixa. Sabe também que a COOPETFES procurou RAIMUNDO BENEDITO, e este agendou, no Palácio do Governador, uma reunião, onde foi a diretoria da COOPETFES recebida pelo Sr. Jorge Hélio, que era o diretor do DER (que tinha dois milhões e meio depositados na COOPETFES), e estava presente o comandante da Casa Civil. Sabe também que os diretores da COOPETFES compareceram ao Palácio do governo, na tentativa de serem recebidos pela primeira dama, a fim de cobrar juntamente com RAIMUNDO BENEDITO a dívida concernente a esses vinte milhões (aproximadamente), e não conseguiram. Conhece também os cheques, que parte deles foi
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levantada pelo depoente (dois milhões e meio). Sabe também que foi solicitada uma reunião com o governador da época, JOSÉ IGNÁCIO, e sabe que o governo era ciente de que devia esse dinheiro à COOPETFES através da conta de RAIMUNDO BENEDITO. E depois o próprio RAIMUNDO BENEDITO declarou isso no jornal A Gazeta, dizendo que ele não era culpado: só tinha feito os pagamentos que mandaram ele fazer. [...] Até 1998 ou 1999, realmente a conta corrente de não funcionários era algo proibido. Ou seja, a abertura de correntistas que não trabalhassem na COOPETFES nessa época era proibida. Essa autorização do BACEN veio depois (2008 ou 2009), onde veio uma regulamentação mais forte. O depoente não auditou as operações de ICMS, nada disso, apenas as contas de RAIMUNDO BENEDITO e da Fundação na COOPETFES [...]”.
Na fase de investigações, a mesma testemunha prestou declarações perante a Procuradoria
da República no Estado do Espírito Santo, explicando como eram compensados os diversos cheques emitidos
por RAIMUNDO BENEDITO:
Termo de declarações de PAULO SÉRGIO TORRES DA SILVA perante o MPF (fls. 02 do apenso 52):
[...] era corriqueira a realização de operações no período de setembro/2000 a dezembro/2000 (época de campanha para prefeitos e vereadores) que envolviam a compensação de cheques do BANCOOB emitidos pelo Sr. Raimundo Benedito de Souza Filho, os quais frequentemente eram trocados na Agência Central do Banestes com autorização do próprio Gerente Geral, Sr. Hélio Carlos Fonseca de Vasconcellos; essa operação seria completamente irregular, na medida em que o sistema financeiro não admite semelhante espécie de operação, já que a instituição financeira recebedora do cheque (BANESTES) não dispunha de meios para verificar a autenticidade da assinatura e nem a existência de saldo, pondo pois em risco o próprio recebimento do valor pago pela tesouraria do Banestes, uma vez que o cheque poderia vir a ser recusado pelo BANCOOC; essa fraude se tornava possível porque o Sr. Hélio Carlos da Fonseca ordenava aos caixas que classificassem os valores recebidos em dinheiro como se fossem cheques, até que eles alcançassem o valor nominal dos cheques do BANCOOB, emitidos por Raimundo Benedito; uma vez atingido esse valor, fazia-se o repasse do montante apurado ao Sr. Raimundo Benedito, recebendo-se em troca um cheque; com relação à conta do Sr. Raimundo Benedito, o declarante constatou outros fatos que lhe causaram estranheza; exemplo disso é que, mesmo sendo o maior devedor da instituição financeira – mais de 90% da carteira de crédito da COOPETFES – o Sr. Raimundo obteve uma transferência de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões reais) para a sua conta corrente sem que fosse efetivado nenhum bloqueio por parte da gerência da cooperativa; [...] – grifei.
A indigitada fragmentação de cheques destinados a depósitos no BANESTES também consta
das tabelas representadas às fls. 17/19 do apenso 02, as quais merecem transcrição:
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[tabela à fl. 17 do apenso 02]
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[tabela às fls. 18/19 do apenso 02]
Na fase de apuração administrativa, funcionários do BANESTES (Jair Costa - fl. 63 do apenso
02, e Maria de Lurdes Moreira da Silva - fl. 66 do apenso 02) confirmaram a fraude na compensação dos
cheques emitidos por RAIMUNDO BENEDITO. Além destes, calha mencionar as declarações prestadas por
Sônia Maria Bissoli Dias, também na auditoria especial no BANESTES, em depoimento que, somado à farta
prova documental existente e também à prova oral citada, corrobora a materialidade da lavagem realizada nas
dezenas de cheques43 remetidos à Agência Central do BANESTES:
Termo de declarações de Sônia Maria Bissoli Dias perante a auditoria do BANESTES – fls. 53/55 do apenso 02.
“[...] que o Gerente Hélio mandava a empregada ‘fazer dinheiro’ para cobrir o cheque; que a depoente esclarece que ‘fazer dinheiro’ era autenticar em caixa valores pagos em dinheiro como pagos em cheque, até que a soma de dinheiro fosse igual ao cheque, e fosse possível registrar o cheque e a retirada do dinheiro; [...] que quando o Gerente Hélio avisava pela manhã que à tarde necessitava de dinheiro e passava o valor a ser retirado, solicitava a um dos caixas para registrar recebimentos em dinheiro como recebimentos em cheque até que completasse a soma solicitada, então a depoente mandava buscar o cheque, que sempre era do Raimundo Benedito, da conta do BANCOOB; que quando não era possível fazer dinheiro no montante solicitado faziam uma ficha contábil debitando a compensação de cheques e creditando o caixa, e em contrapartida uma invertida debitando o caixa, para conciliar, e tirar o cheque como dinheiro; que apesar de nem todos os cheques terem o visto do gerente todos eles foram passados pelo gerente Hélio, inclusive as fichas utilizadas para fechar a compensação possibilitando o saque do cheque de outro banco em dinheiro; [...] que o Gerente Hélio cobrou em alguns cheques do Bancoob emitidos por Raimundo Benedito, e sacados em dinheiro, uma comissão, a qual não sabe a porcentagem, mas sabe que estes valores eram lançados em uma rubrica de rendas da Agência Central; que não sabe que não pode receber cheque de outros bancos para passar DOC, mas o fazia por solicitação do Gerente Hélio [...]”.
43 43 cheques, segundo relatório de auditoria do BANESTES – fl. 248 do apenso 03.
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Enfim, está plenamente demonstrada a materialidade da lavagem de ativos também neste
episódio, seja pelas provas obtidas em fase pré-processual, seja pelas confirmações colhidas em Juízo.
Na análise da autoria, não tenho dúvidas quanto à responsabilidade de RAIMUNDO
BENEDITO DE SOUSA FILHO. Ele mesmo, em seu interrogatório, admitiu a relação mantida com o gerente
bancário Hélio Vasconcelos e reconheceu ter ido diversas vezes à Agência Central do BANESTES para
viabilizar materialmente o dissimulado deslocamento dos valores, endossando cheques para pagamento de
doc’s:
Interrogatório – RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO (fls. 962/966):
“[...]QUE fui chamado para fazer a distribuição do dinheiro da campanha entre 25 e 30/08/2000; só que não dava tempo para abrir conta, esperar talão de cheques, porque eu tinha viagem marcada e nem era funcionário do Estado; QUE quem me chamou para fazer a referida distribuição de recursos para campanha foi o José Carlos da Fonseca Júnior (então Secretário da Fazenda), José Tasso, o Jamir (subsecretário da fazenda) e o pessoal da Escelsa (o assessor da diretoria José Antônio Pimentel, que era do PFL na época); isto ocorreu numa reunião na ESCELSA (na Rua 7), onde fui chamado por uma das Secretárias do Palácio, sendo que quando cheguei a reunião inclusive já havia sido encerrada; então José Carlos da Fonseca Júnior me propôs que auxiliasse na distribuição de recursos de campanha, visto que o comitê era informal, não tinha registro na junta; QUE me chamaram porque eu gozava de confiança, por já ter atuado na campanha de 1998; QUE então expliquei que estava de viagem marcada e que não teria tempo suficiente, até o início da viagem, para abrir conta, pegar talões etc.; que até então pensei que tudo era normal, mesmo porque os recursos seriam da ESCELSA, da qual eu não suspeitava; em razão disto tudo, disponibilizei dois talões de cheques (de uma das minhas contas na COOPETEFES), os quais assinei (todos os cheques) e os deixei em casa; depois foram buscar (não sei informar quem pegou); QUE posteriormente, na ação penal da 7ª Vara Criminal de Vitória, disseram que eu não fui na ESCELSA naquele dia (o Pimentel, da ESCELSA, afirmou que eu nunca estive lá; a secretária dele também); [...] QUE depois que retornei de São Luís-MA (depois de 13/09/2000), o HELINHO, ficava me chamando, quase todo dia, no BANESTES, para que eu assinasse os cheques para pagar os “docs.”, para efetivação dos pagamentos em favor das pessoas que eram indicadas pelo referido “comitê informal de campanha” (segundo Helinho, ele foi chamado no Palácio, onde havia um comitê informal de campanha, sendo que este comitê que orientava quem devia receber os valores; acho que ele disse isto no depoimento que prestou na 7ª vara criminal de vitória); QUE naquela época eu prestava consultorias na área de cooperativismo (fui funcionário do Banco Nacional de Crédito Cooperativo; após sua extinção, passei a trabalhar com consultoria); [...]”.
Além de emitir os cheques que dariam início ao desvio de recursos subtraídos da conta da
FAR, RAIMUNDO BENEDITO tinha conhecimento da finalidade político-eleitoral daqueles montantes. Portanto,
não se tratava de mero “laranja”, conforme ele pretendeu sustentar.
RAIMUNDO ainda acentuou sua condição profissional de então, como ex-funcionário do
Banco Nacional de Crédito Cooperativo e consultor na área do cooperativismo. Isso o coloca como pessoa
experiente no sistema financeiro, o que torna insustentável a tese de que o mesmo, ingenuamente,
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desconhecesse a ilicitude das manobras realizadas na Agência Central para fragmentar os cheques por si
emitidos.
Na verdade, a defesa escrita pelo gerente Hélio Vasconcellos durante o processo de auditoria
(fls. 269/276 do apenso 03) sugere o contrário:
“[...] Através dos saques efetuados pelo Sr. Raymundo Benedito Souza Filho foram efetuados vários depósitos em conta corrente no próprio banco perfazendo um montante de R$ 781.761,00 e R$ 435.000,00 em 08 depósitos nominais realizados com valores integrais dos cheques. Foram passados vários doc’s perfazendo um montante de R$ 920.400,00. Ressaltado fica que todos os depósitos e doc’s efetuados foram para candidatos a prefeitos e/ou pessoas de sua confiança, conforme relação em anexo. Os saques em dinheiro eram, segundo o Sr. Raymundo Benedito Souza Filho, ou pessoa autorizada por ele, que endossava os títulos antecedentemente. Os saques efetuados em espécie, perfazendo um montante de R$ 840.350,00, gerou (sic) uma receita para o Banco de R$ 3.990,00, lançada na rubrica contábil 6786 – Rendas de Outros Serviços. Outras, cobriam 0,4748% ao dia, para não deixar o Banco com qualquer prejuízo. O valor de R$ 10.000,00 destacados no relatório como não identificado foi um doc efetuado e devolvido pela compensação como conta não existente, lançado na conta de pendência até a devolução do recurso para o Sr. Raymundo Benedito Souza Filho. [...]”
Esse elemento, embora obtido em sede administrativa, corrobora minha convicção no sentido
de que RAIMUNDO BENEDITO, longe de ser um “testa-de-ferro” utilizado como mero instrumento para viabilizar
as fraudes, atuou conscientemente na lavagem desses ativos, inclusive transmitindo ao gerente do BANESTES
as orientações necessárias à fragmentação dos recursos. RAIMUNDO BENEDITO tanto tinha ciência da
dinâmica do repasse de recursos que foi o responsável por elaborar a prestação de contas da campanha
eleitoral de 2000, fato confirmado em Juízo por RAIMUNDO e pelo corréu GENTIL RUY.
Em relação a GENTIL RUY, também reputo demonstrada a posição de liderança do mesmo no
esquema orquestrado para distribuir os recursos. Prova disso é que GENTIL foi o destinatário da referida
prestação de contas. Embora tenha negado o envolvimento no esquema, GENTIL afirmou conhecer o gerente
Hélio Vasconcellos. Este, por sua vez, era primo de Celso José de Vasconcellos44, o qual, até o conhecido
rompimento com o ex-governador JOSÉ IGNÁCIO, era seu aliado político na privilegiada posição de vice-
governador.
As citadas relações de proximidade acentuam a posição estratégica de Hélio Vasconcellos
como pessoa de confiança para operacionalizar a lavagem de dinheiro. Frise-se que, à época da distribuição de
44 Informação dada por Paulo Sérgio Torres Da Silva (fls. 1662).
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recursos, Celso Vasconcellos ainda não havia rompido com o grupo político do Governador. Assim, ao menos
em tese, o primo de Celso ainda inspirava confiança nos coordenadores do esquema em causa.
Voltando à figura de GENTIL RUY, destaco o fato de que grande parte da documentação que
desvelou os crimes em tela foi apreendida na residência de GENTIL, e este, em Juízo, não logrou êxito em
afastar sua vinculação pessoal e política com os fatos em causa, inclusive no que tange à dissimulação dos
recursos mediante manobras bancárias no BANESTES.
O documento de fls. 85/86 do mesmo apenso n° 40, endereçado por Benedito Enéas45 a
GENTIL RUY e a José Carlos da Fonseca Junior, faz referência a várias contas correntes e prefeituras de
municípios capixabas. O documento apreendido na casa de GENTIL RUY, apesar de não veicular informações
detalhadas, sugere a aproximação de GENTIL RUY e José Carlos da Fonseca Junior em questões políticas e
demonstra que o assunto em pauta dizia respeito à distribuição de valores por municípios em campanha.
Mais uma vez, é digno de nota o rascunho de carta provavelmente elaborado por GENTIL RUY
e apreendido em sua casa (fls. 10/11 do apenso 40): “Chega. A situação está tomando um rumo onde somente
eu e Bené pagaremos o pato”. A frase denota um desabafo de alguém inteirado e ativo em relação a toda a
conjuntura ilícita desenrolada na gestão JOSÉ IGNÁCIO. Revela também a cumplicidade de GENTIL e
RAIMUNDO no esquema.
Enfim, estou convicto da parceria mantida entre GENTIL RUY e RAIMUNDO BENEDITO, tanto
na concretização do peculato-furto (que, para esses réus, constitui objeto de outra ação penal), quanto na
distribuição dos respectivos recursos mediante processo de lavagem via Banco BANESTES. Por isso, ambos
devem ser condenados às penas da Lei 9.613/98.
Resta esclarecer que a análise das provas não me fez encontrar elementos suficientes para
apontar o real envolvimento dos acusados RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI, JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA e JOSÉ TASSO OLIVEIRA DE ANDRADE no contexto delituoso autônomo de lavagem de ativos.
Tudo leva a crer que a atuação de RODRIGO se deu de forma mais contundente na fase
inicial do peculato-furto, pois sua colaboração incidiu diretamente na estratégica transferência de créditos de
ICMS. Quanto ao caminho posteriormente percorrido pelos recursos assim obtidos, não há evidências da
ingerência direta desse réu.
45 Vale acrescentar que Benedito Enéas é um político que posteriormente, como deputado estadual, envolveu-se em escândalo relativo a esquema de propinas junto ao co-denunciado Gratz. Ou seja, ao que tudo indica, tratava-se de pessoa próxima ao núcleo político em jogo.
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Concluo o mesmo a respeito de JOSÉ IGNÁCIO e de JOSÉ TASSO, pois, apesar de
assumirem posição proeminente no grupo de pessoas envolvidas e beneficiadas com o crime, não encontrei nos
autos evidências que os ligassem de maneira segura aos expedientes fraudulentos pelos quais os cheques de
RAIMUNDO BENEDITO passaram.
Considerando que o processo penal não se contenta com suposições ou meras possibilidades,
concluo pela insuficiência de provas de que RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI, JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA e JOSÉ TASSO OLIVEIRA DE ANDRADE tenham agido efetivamente na prática de lavagem de
dinheiro, caso em que os mesmos devem ser contemplados com o benefício da dúvida e absolvidos no tocante
ao crime do art. 1°, V, da Lei 9.613/98.
11. Mérito: análise da imputação de crime financeiro:
� 11.1. Considerações sobre a figura típica: A denúncia veicula a imputação do crime de falsidade em demonstrativos contábeis, previsto
no art. 10 da Lei 7.492/86. O delito financeiro consiste em fazer inserir elemento falso (modalidade comissiva) ou
omitir elemento exigido pela legislação (modalidade omissiva) em demonstrativos contábeis da instituição
financeira ou equiparada a tal. O crime exige o dolo, inexistindo forma culposa. Embora o tipo não estabeleça
isto expressamente, pressupõe-se, pela natureza da infração, que a mesma seja cometida no âmbito de uma
instituição financeira (ou equiparada) e por um sujeito que detenha poder de mando na empresa.
� 11.2. Análise do caso concreto: Na hipótese dos autos, o Ministério Público Federal atribuiu essa prática delitiva aos
denunciados LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES, MARCELO
DE ABREU LIMA e JOSÉ CARLOS GRATZ. Os dois primeiros, como diretores do Banco Santos Neves e da
Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários César Santos Neves, teriam deixado de escriturar a operação
bancária que viabilizou a compensação do cheque n° 112.082, representativo do montante de R$ 500.000,00.
Por sua vez, MARCELO teria colaborado para a consecução desse crime financeiro, ao disponibilizar sua conta
na corretora para o trâmite desses recursos e ao endossar o cheque de R$ 500.000,00, viabilizando sua
liquidação fraudulenta. JOSÉ CARLOS GRATZ também foi enquadrado no crime financeiro em coautoria, muito
embora a descrição da denúncia o caracterizasse apenas como beneficiário dos recursos em questão (R$ 500
mil).
A despeito da classificação dada aos fatos pelo Parquet, a análise dos autos me leva a
entender que a compensação fraudulenta do cheque em questão, acompanhada da falta de escrituração da
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operação respectiva, faz parte da acusação de lavagem de ativos. Isso porque a alegada omissão da transação
bancária nos registros contábeis do Banco Santos Neves, no caso em concreto, coincide com as etapas de
ocultação e dissimulação dessa parte dos recursos auferidos mediante peculato-furto. Em suma, a finalidade de
eventual falta de registro seria apenas ocultar os valores oriundos do peculato.
Nessas condições, a imputação do crime financeiro em epígrafe resta absorvida pela lavagem
de dinheiro.
Quanto aos documentos apresentados pelos réus JOSÉ AUGUSTO e LUIZ RENATO às fls.
1851/1882 (compensação eletrônica do Banco Santos Neves – movimento do dia 06/09/2000), já afirmei que são
registros incompletos, pois fazem referência ao cheque n° 112.082, mas não especificam em que conta o
recurso entrou, se saiu e como saiu do Banco Santos Neves. Portanto, essa documentação não traz maiores
esclarecimentos à causa penal.
Em todo o caso, a concreta absorção da imputação do art. 10 da Lei 7.492/86 pela lavagem
demanda a aplicação do princípio da consunção, com a consequente absolvição dos réus JOSÉ AUGUSTO
DOS SANTOS NEVES, MARCELO DE ABREU LIMA e JOSÉ CARLOS GRATZ, quanto ao delito financeiro em
espeque. Deixo de mencionar o corréu LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, pois, para este, já se
encontra extinta a punibilidade.
12. Mérito: análise da imputação de quadrilha ou bando – art. 288 do CP: � 12.1. Considerações sobre a figura típica: No que concerne à figura típica do art. 288 do CPP, a doutrina46 ensina que “associar-se
significa reunir-se em sociedade, agregar-se ou unir-se. O objeto da conduta é a finalidade de cometimento de
crimes”. Neste caso, exige-se o número mínimo de “quatro pessoas, com caráter estável e permanente, visando
à prática de delitos, ainda que não os tenham efetivamente cometido”. Em síntese, para a caracterização da
quadrilha, os requisitos necessários são: reunião de quatro ou mais delinquentes (crime plurissubjetivo) e
permanência do vínculo associativo, objetivando a prática indeterminada de crimes.
A conduta típica só pode ser praticada a título de dolo. Ressalto, ainda, sua independência: “a
quadrilha é crime autônomo, que independe dos crimes cometidos pelo bando” (STF, RT 565/409).
46 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 4ª edição. Ed. RT, p. 801.
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� 12.2. Análise de materialidade e autoria: Quanto à imputação em epígrafe, vejo que a denúncia na verdade se limitou a descrever mero
concurso de agentes direcionado à prática específica do peculato e à subsequente pulverização dos recursos,
com dissimulação em sua distribuição, e não uma associação estável e permanente, destinada ao cometimento
de crimes, de modo a configurar a formação de quadrilha.
Explico: a unidade de desígnios foi detectada, ao que parece em torno do propósito de desviar
os valores creditados na conta da Fundação Augusto Ruschi e revertê-los em favor do grupo político dominante
à época. Mas não há indicativos consistentes de que os denunciados tenham se unido de forma permanente, a
ponto de caracterizar firme associação criminosa.
Neste caso, a conduta imputada é atípica47, impondo-se também a absolvição dos réus.
13. Conclusão Restou devidamente comprovado que os acusados JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, JOSÉ
CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO OLIVEIRA DE ANDRADE e RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI, como
funcionários públicos (Governador, Presidente da Assembléia Legislativa, Secretário de Estado da Casa Civil e
Chefe de Gabinete do Governador), cooperaram dolosamente para a concretização de doação ambiental como
contrapartida de transferência de créditos acumulados de ICMS, concorrendo assim para que essa quantia
viesse a ser subtraída em proveito próprio e/ou alheio, razão pela qual suas condutas configuram fato típico,
antijurídico e culpável, havendo subsunção das mesmas ao tipo penal previsto no art. 312, §1°, do Código
Penal.
Quanto aos acusados MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS
NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES, os elementos dos autos conduziram à respectiva absolvição
por insuficiência de provas da autoria no peculato-furto.
47 Nesse sentido:
“[...] IX - A conduta típica prevista no art. 288 do Código Penal consiste em associarem-se, unirem-se, agruparem-se, mais de três pessoas (mesmo que na associação existam inimputáveis, mesmo que nem todos os seus componentes sejam identificados ou ainda, que algum deles não seja punível em razão de alguma causa pessoal de isenção de pena), em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes (Luiz Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 3”, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, página, 606). A estrutura central deste crime reside na consciência e vontade de os agentes organizarem-se em bando ou quadrilha com a finalidade de cometer crimes. Trata-se de crime autônomo, de perigo abstrato, permanente e de concurso necessário, inconfundível com o simples concurso eventual de pessoas. "Não basta, como na co-participação criminosa, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado crime: é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura atuação em comum, no sentido da prática de crimes não precisamente individuados." (Nelson Hungria in "Comentários ao Código Penal - Volume IX, ed. Forense, 2ª edição, 1959, página 178). [...]” – grifei.
[STJ. DAPN 549. Processo 200602786980. CORTE ESPECIAL. Rel. Felix Fisher. Fonte: DJE DATA:18/11/2009 RSTJ VOL.:00217 PG:0006].
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Restou devidamente comprovado que os acusados MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ
RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES viabilizaram e cooperaram
para a dissimulação da origem e movimentação de parte dos valores provenientes do crime de peculato-furto,
consistente em um cheque de R$ 500 mil, razão pela qual suas condutas configuram fato típico, antijurídico e
culpável, havendo subsunção das mesmas ao tipo penal previsto no art. 1°, V, da Lei 9.613/98.
Restou devidamente comprovado que os acusados RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA
FILHO e GENTIL ANTÔNIO RUY viabilizaram e cooperaram para a dissimulação da origem e movimentação de
grande parte dos valores provenientes do crime de peculato-furto, representados em 43 cheques compensados
fraudulentamente no BANESTES, razão pela qual suas condutas configuram fato típico, antijurídico e culpável,
havendo subsunção das mesmas ao tipo penal previsto no art. 1°, V, da Lei 9.613/98, c/c art. 71 do CP.
Quanto aos acusados JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, JOSÉ CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO
OLIVEIRA DE ANDRADE e RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI, os elementos dos autos conduziram à
respectiva absolvição por insuficiência de provas da autoria na lavagem de ativos.
Em relação à imputação de crime financeiro, JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES,
MARCELO DE ABREU E LIMA e JOSÉ CARLOS GRATZ devem ser absolvidos pelo fundamento do art. 386,
inciso III (atipicidade de conduta). Para LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, houve prescrição pela pena
abstrata.
Por fim, também considero atípica a imputação de formação de quadrilha, devendo todos os
réus serem absolvidos, à exceção de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA e LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES,
para os quais já houve prescrição pela pena abstrata.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a acusação, para:
� Condenar JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, JOSÉ CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO
OLIVEIRA DE ANDRADE e RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI às penas do art. 312,
§1°, do CPB.
� Condenar MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES às penas do art. 1°, V, da Lei 9.613/98, pelo
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envolvimento dos mesmos no primeiro episódio de lavagem detectado na fundamentação
supra.
� Condenar RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO e GENTIL ANTÔNIO RUY às
penas do art. 1°, V, da Lei 9.613/98 c/c art. 71 do CP, pelo envolvimento dos mesmos no
segundo episódio de lavagem identificado na fundamentação supra.
� Absolver MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES e
JOSÉ AUGUSTO SANTOS NEVES da imputação do art. 312, §1°, do CP, pelo fundamento do
art. 386, inciso VII, do CPP.
� Absolver JOSÉ IGNACIO FERREIRA, JOSÉ CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO OLIVEIRA
DE ANDRADE e RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI da imputação do art. 1°, V, da Lei
9.613/98, pelo fundamento do art. 386, inciso VII, do CPP.
� Absolver JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES, MARCELO DE ABREU E LIMA e
JOSÉ CARLOS GRATZ da imputação do art. 10 da Lei 7.492/86, pelo fundamento do art. 386,
inciso III, do CPP.
� Absolver RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO, GENTIL ANTÔNIO RUY, JOSÉ
CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE, RODRIGO FERMO VIDIGAL
STEFENONI, MARCELO DE ABREU E LIMA e JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES da
imputação do art. 288 do CP, pelo fundamento do art. 386, inciso III, do CPP.
� Declarar extinta a punibilidade em favor de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, em relação ao
crime previsto no art. 288 do CP, com fulcro nos artigos 107, IV, 109, IV, 115 e 114, II, do
Código Penal, c/c art. 61 do CPP.
� Declarar extinta a punibilidade em favor de LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES,
em relação aos crimes previstos no art. 288 do CP e no art. 10 da Lei 7.492/86, com fulcro
nos artigos 107, IV, 109, III e IV, 115 e 114, II, do Código Penal, c/c art. 61 do CPP.
Passo à dosimetria das penas.
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1. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA
1.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a culpabilidade transbordou o comum em crimes dessa natureza,
por ser o réu, à época, Governador do Estado do Espírito Santo. Essa notável qualificação pública impõe maior
desvalor à sua conduta considerada criminosa, pois o réu exercia um cargo público de respeito e um mandato
que lhe fora outorgado pelo povo do Espírito Santo para representar a autoridade máxima do poder executivo
estadual. Ao contrário do que alegou a defesa, JOSÉ IGNÁCIO não foi condenado simplesmente por ser o
Governador na época em que o peculato ocorreu, mas sim em razão de seu envolvimento efetivo na trama
criminosa. Neste caso, a condição de Governador deve ser sopesada em seu desfavor na dosagem da pena, já
que cabia a ele representar o Estado e defender seus interesses em suas relações jurídicas, políticas e
administrativas, zelando pela promoção do bem comum e pelo respeito irrestrito à coisa pública. O aplicador da
lei penal deve obedecer às cláusulas de individualização da pena e de isonomia, segundo as quais desiguais
(leia-se, servidores públicos desiguais) devem ser tratados de forma distinta. No caso, a culpabilidade do réu é
sensivelmente maior do que a de um ocupante de cargo efetivo, sem poder de direção ou chefia, por exemplo.
Além disso, acrescento que JOSÉ IGNÁCIO, na condição de procurador de justiça aposentado e de advogado,
detém um nível superior de conhecimento do ordenamento jurídico, qualidade que lhe impunha, ainda com maior
força, o comprometimento com a preservação e devida aplicação das verbas públicas no cargo eletivo que
exercia. Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3049/3052 não apresenta condenação transitada em julgado.
Circunstância neutra48.
Conduta social: Apesar das boas referências contidas em depoimentos testemunhais, verifico
que a FAC de fls. 3049/3052 apresenta quatro incidências além deste feito: uma ação penal arquivada por
trancamento, uma investigação e duas ações penais em curso. Apesar do disposto na recente súmula n° 444 do
STJ, entendo que os registros consignados na FAC do acusado, embora não possam ser considerados maus
antecedentes criminais, colocam-no em posição diferenciada de réus que, por exemplo, não possuam nenhuma
incidência em sua ficha criminal. No caso de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, a existência de inquérito policial e
ações penais em andamento, a meu ver, é indicativa de conduta social inadequada. Meu entendimento encontra
48 Nesse sentido: “[...] 2. Somente devem ser consideradas como maus antecedentes criminais condenações com trânsito em julgado, excluídas as que configuram reincidência. Precedentes do STJ [...]”. STJ. HC - HABEAS CORPUS – 133798. Rel. ARNALDO ESTEVES LIMA. QUINTA TURMA. DJE de 13/10/2009.
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respaldo em julgado do STF em sentido similar49. Com esses fundamentos, afasto a incidência da orientação
sumular antes referida, para considerar os registros da FAC como demonstração de conduta social negativa.
Circunstância desfavorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: extraio dos autos que a motivação criminosa era, além de obter vantagem
econômica, beneficiar seus aliados políticos, inclusive no desdobramento da campanha eleitoral que se
aproximava, o que merece reprovação maior. Circunstância desfavorável.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: além da própria subtração pecuniária, o crime teve reflexos
negativos graves na situação financeira da COOPETFES, instituição financeira em que RAIMUNDO BENEDITO
manteve a contas corrente para movimentação dos valores tratados nessa ação penal, e que sofreu liquidação
extrajudicial, causando prejuízos imensos aos demais correntistas, conforme atestado por testemunhas (fls.
1687/1688 e fl. 1662). Circunstância desfavorável.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 312, §1°, do CPB, é: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
Diante da existência de quatro circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do
mínimo legal, em 7 (sete) anos de reclusão.
1.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes.
49 STF. AI 604041 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL. AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento: 03/08/2007. Órgão Julgador: Primeira Turma. DJe-092 DIVULG 30-08-2007 PUBLIC 31-08-2007. DJ 31-08-2007 PP-00030. EMENT VOL-02287-07 PP-01455. EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNÇÃO PRECÍPUA DO STF. INQUÉRITOS POLICIAIS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. MAUS ANTECEDENTES PARA FIXAÇÃO DA PENA. NÃO OFENDE AO PRINCIPIO DA INOCÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - Inexistência de argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada, que deve ser mantida. II - O Supremo Tribunal Federal deve, ante sua função precípua de guardião da Constituição, julgar se o acórdão recorrido deu ao texto Constitucional interpretação diversa da adotada pela Corte. III - Inquéritos policiais e ações penais em andamento configuram, desde que devidamente fundamentados, maus antecedentes para efeito da fixação da pena-base, sem que, com isso, reste ofendido o princípio da presunção de não-culpabilidade. IV - Agravo regimental improvido.
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Todavia, incide a circunstância atenuante disposta no art. 65, I, do CP, já que JOSÉ IGNÁCIO
FERREIRA tem, hoje, mais de setenta anos de idade. Por isso, reduzo a pena em 6 (seis) meses, alcançando a
pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
1.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
1.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade50, alcança-se o valor aproximado de 160 dias-multa. Considerando o nível da renda auferida
pelo réu enquanto Procurador de Justiça aposentado (fl. 967), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos51.
1.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de
reclusão e 160 (cento e sessenta) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à
época dos fatos.
1.6. REGIME: Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis e o quantum aplicado da
PPL, fixo, como inicial, o regime FECHADO (alínea ‘a’ do §2º, c/c §3°, do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pelos mesmos motivos
(art. 44, incisos I e II, CP).
2. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU JOSÉ CARLOS GRATZ
2.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a culpabilidade transbordou o comum em crimes dessa natureza,
por ser o réu, à época, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Essa notável
qualificação pública impõe maior desvalor à sua conduta considerada criminosa, pois o réu exercia um cargo
público de respeito e um mandato que lhe fora outorgado pelo povo do Espírito Santo para o fiel cumprimento da
constituição das leis e de promoção do bem comum, além, obviamente, do respeito irrestrito à coisa pública. As
características do caso concreto são suficientes para qualificar negativamente a culpabilidade do réu.
Circunstância desfavorável.
50 A pena de multa é obtida por meio de uma regra de três que considera o intervalo de PPL do crime em concreto e o intervalo da pena de multa, sempre de 350 dias-multa, e efetua o cálculo do valor equivalente de dias-multa ao marco de PPL fixado. Exemplo, se a PPL foi fixada na metade do intervalo previsto na lei, também deve ser a pena de multa, no montante de 185 dias-multa (10 dias-multa + metade do intervalo, equivalente a 175 dias-multa).
51 R$ 151,00 (cento e cinquenta e um reais), conforme Lei 9.971/2000.
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Antecedentes: A FAC de fls. 3059/3065 não apresenta sentença condenatória transitada em
julgado. Circunstância neutra.
Conduta social: A FAC de fls. 3059/3065 apresenta dez incidências além deste feito: uma
extinção da punibilidade, uma ação penal com suspensão condicional do processo e oito ações penais em curso.
Valho-me do entendimento exposto no item “1.1” supra (dosimetria da pena de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA)
para afastar a incidência concreta da súmula n° 444 do STJ e considerar os registros da FAC como
demonstração de conduta social negativa. Circunstância desfavorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: extraio dos autos que a motivação criminosa era, além de obter vantagem
econômica, beneficiar seus aliados políticos, inclusive no desdobramento da campanha eleitoral que se
aproximava, o que merece reprovação maior. Circunstância desfavorável.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: além da própria subtração pecuniária, o crime teve reflexos
negativos graves na situação financeira da COOPETFES, instituição financeira em que RAIMUNDO BENEDITO
manteve a contas corrente para movimentação dos valores tratados nessa ação penal, e que sofreu liquidação
extrajudicial, causando prejuízos imensos aos demais correntistas, conforme atestado por testemunhas (fls.
1687/1688 e fl. 1662). Circunstância desfavorável.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 312, §1°, do CPB, é: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
Diante da existência de quatro circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do
mínimo legal, em 7 (sete) anos de reclusão.
2.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto.
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2.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
2.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 180 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto aposentado e ex-presidente da Assembléia Legislativa (fl. 972), bem
como o disposto no caput do art. 60, do CP, fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à
época dos fatos52.
2.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 7 (sete) anos de reclusão e 180 (cento e
oitenta) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à época dos fatos.
2.6. REGIME: Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis e o quantum aplicado da
PPL, fixo, como inicial, o regime FECHADO (alínea ‘a’ do §2º, c/c §3°, do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pelos mesmos motivos
da fixação do regime.
3. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU JOSÉ TASSO DE OLIVEIRA ANDRADE
3.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a culpabilidade transbordou o comum em crimes dessa natureza,
por ser o réu, à época, Secretário de Estado da Casa Civil, a exemplo do já verificado em relação a outros
acusados. Essa qualificação pública impõe maior desvalor à sua conduta considerada criminosa, pois o réu
exercia um cargo público de respeito e, como figura atuante ao lado do Governador, JOSÉ TASSO tinha um
peso maior na obrigação de respeito irrestrito à coisa pública. Além disso, JOSÉ TASSO é advogado e tem
maior conhecimento do ordenamento jurídico, o que torna seu comportamento ainda mais censurável.
Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3066/3068 apresenta três incidências além deste feito, mas são
investigações sem notícia de evolução ou de eventual sentença condenatória transitada em julgado.
Circunstância neutra.
52 R$ 151,00 (cento e cinquenta e um reais), conforme Lei 9.971/2000.
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Conduta social: Sem registros. Circunstância neutra.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: extraio dos autos que a motivação criminosa era, além de obter vantagem
econômica em favor de interesses pessoais e/ou familiares, beneficiar seus aliados políticos, inclusive no
desdobramento da campanha eleitoral que se aproximava, o que merece reprovação maior. Circunstância
desfavorável.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: além da própria subtração pecuniária, o crime teve reflexos
negativos graves na situação financeira da COOPETFES, instituição financeira em que RAIMUNDO BENEDITO
manteve a contas corrente para movimentação dos valores tratados nessa ação penal, e que sofreu liquidação
extrajudicial, causando prejuízos imensos aos demais correntistas, conforme atestado por testemunhas (fls.
1687/1688 e fl. 1662). Circunstância desfavorável.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 312, §1°, do CPB, é: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
Diante da existência de três circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo
legal, em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de reclusão.
3.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto.
3.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
3.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 140 dias-multa. Considerando o nível da renda
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provavelmente auferida pelo réu enquanto advogado (fl. 1240), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos53.
3.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de
reclusão e 140 (cento e quarenta) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à
época dos fatos.
3.6. REGIME: Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis e o quantum aplicado da
PPL, fixo, como inicial, o regime FECHADO (alínea ‘a’ do §2º, c/c §3°, do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a
quantidade de pena aplicada (art. 44, inciso I, CP).
4. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI
4.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a culpabilidade transbordou o comum em crimes dessa natureza,
por ser o réu, à época, Chefe de Gabinete do Governador, a exemplo do já verificado em relação a outros
acusados. Essa qualificação pública impõe maior desvalor à sua conduta considerada criminosa, pois o réu
também atuava ao lado do Governador e tinha um peso maior na obrigação de respeito irrestrito à coisa pública.
Além disso, RODRIGO é advogado e tem maior conhecimento do ordenamento jurídico, o que torna seu
comportamento ainda mais censurável. Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3069 não apresenta nenhuma incidência além deste feito.
Circunstância favorável.
Conduta social: Sem registros. Circunstância neutra.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: Considerando que a atuação de RODRIGO FERMO se mostra menos
intensa que a dos demais acusados, inclusive sem indícios consistentes de que o mesmo tenha recebido valores
53 R$ 151,00 (cento e cinquenta e um reais), conforme Lei 9.971/2000.
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oriundos do peculato-furto, entendo que RODRIGO apenas aderiu à trama criminosa engendrada por JOSÉ
IGNÁCIO e seus aliados políticos, não externando uma motivação que excedesse a isso. Circunstância neutra.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: além da própria subtração pecuniária, o crime teve reflexos
negativos graves na situação financeira da COOPETFES, instituição financeira em que RAIMUNDO BENEDITO
manteve a contas corrente para movimentação dos valores tratados nessa ação penal, e que sofreu liquidação
extrajudicial, causando prejuízos imensos aos demais correntistas, conforme atestado por testemunhas (fls.
1687/1688 e fl. 1662). Circunstância desfavorável.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 312, §1°, do CPB, é: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
Diante da existência de duas circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo
legal, em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
4.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto.
4.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
4.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 90 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto advogado (fl. 976), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos.
4.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de
reclusão e 90 (noventa) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à época dos
fatos.
4.6. REGIME: Considerando o quantum aplicado da PPL e que o réu é primário, fixo, como
inicial, o regime SEMIABERTO (alínea ‘b’ do §2º do art. 33, do CP).
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Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a
quantidade de pena aplicada (art. 44, inciso I, CP).
5. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU MARCELO DE ABREU E LIMA
5.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a conduta do réu é reprovável, mas não transborda a culpabilidade
integrante do tipo penal. Circunstância neutra.
Antecedentes: A FAC de fls. 3070/3072 apresenta duas incidências além deste feito: uma
extinção da punibilidade e uma ação penal em curso, mas sem condenação transitada em julgado. Circunstância
neutra.
Conduta social: Com registros favoráveis, conforme prova testemunhal. Circunstância
favorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: Não há elementos para aferir com precisão. Circunstância neutra.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: Não há elementos. Circunstância neutra.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 1°, V, da Lei 9.613/98, é: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez)
anos, e multa.
Diante da inexistência de circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base no mínimo legal, em 3
(três) anos de reclusão.
5.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto.
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5.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
5.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 10 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto empresário (fl. 979), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos.
5.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-
multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à época dos fatos.
5.6. REGIME: Considerando o quantum aplicado da PPL e que o réu é primário, fixo, como
inicial, o regime ABERTO (alínea ‘c’ do §2º do art. 33, do CP).
5.7. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: Nos termos do inciso IV do art.
59 e tendo em vista o disposto no art. 44, ambos do CP, determino a substituição da pena privativa de liberdade
por duas penas restritivas de direitos, quais sejam:
(a) Prestação pecuniária a uma entidade filantrópica, a ser escolhida livremente pelo réu
dentre aquelas regularmente cadastradas junto a esta Seção Judiciária, no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais)
para cada mês de pena, com duração total idêntica à da pena cominada;
(b) Prestação de serviços à comunidade, à razão de 1 (uma) hora por dia de pena (30 dias por
mês e 360 dias por ano), cumpridas de acordo com a necessidade do estabelecimento a ser definido pelo juízo
da execução penal, com duração total igual à da pena privativa (três anos).
6. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES
6.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a conduta do réu é mais reprovável, por se tratar de diretor de
instituição financeira o qual, ciente da responsabilidade inerente a esse tipo de atividade, colocou duas
instituições de sua propriedade à disposição para o crime de lavagem de ativos. Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3073/3078 não apresenta condenação transitada em julgado.
Circunstância neutra.
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Conduta social: Apesar das boas referências fornecidas por testemunhas, verifico que a FAC
de fls. 3073/3078 apresenta sete incidências além deste feito, sendo que apenas um destes foi arquivado por
trancamento. Além disso, é de conhecimento deste Juízo que já há condenações em desfavor de LUIZ
RENATO, ainda que em grau de recurso. Assim, na linha de entendimento exposta anteriormente, afasto a
incidência da súmula n° 444 do STJ em concreto e considero os registros da FAC como demonstração de
conduta social negativa. Circunstância desfavorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: Não há elementos para aferir com precisão. Circunstância neutra.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: Não há elementos. Circunstância neutra.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 1°, V, da Lei 9.613/98, é: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez)
anos, e multa.
Diante da existência de duas circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo
legal, em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
6.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes em concreto. Todavia, incide a
circunstância atenuante disposta no art. 65, I, do CP, já que LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES tem,
hoje, mais de setenta anos de idade. Por isso, reduzo a pena em 6 (seis) meses, alcançando a pena de 4
(quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
6.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
6.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 65 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto advogado (fl. 982), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos.
JFESFls 224
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Processo nº. 0004975-61.2007.4.02.5001 Página 104 de 111
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL Av. Marechal Mascarenhas de Moraes, 1877, Bairro Monte Belo, Vitória-ES, CEP: 29053-245 e-mail : [email protected]. Tel.: (27) 3183-5284
6.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de
reclusão e 65 (sessenta e cinco) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à
época dos fatos.
6.6. REGIME: Considerando o quantum aplicado da PPL, fixo, como inicial, o regime
SEMIABERTO (alínea ‘b’ do §2º do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a
quantidade de pena aplicada (art. 44, inciso I, CP).
7. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES
7.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a conduta do réu é mais reprovável, por se tratar de diretor de
instituição financeira o qual, ciente da responsabilidade inerente a esse tipo de atividade, colocou duas
instituições de sua propriedade à disposição para o crime de lavagem de ativos. Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3079/3086 não apresenta condenação transitada em julgado.
Circunstância neutra.
Conduta social: Apesar das boas referências fornecidas por testemunhas, verifico que a FAC
de fls. 3079/3086 apresenta onze incidências além deste feito: um arquivamento por trancamento, uma
absolvição e os demais feitos em curso. Além disso, é de conhecimento deste Juízo que já há condenações em
desfavor de JOSÉ AUGUSTO, ainda que em grau de recurso. Assim, na linha de entendimento exposta
anteriormente, afasto a incidência da súmula n° 444 do STJ em concreto e considero os registros da FAC como
demonstração de conduta social negativa. Circunstância desfavorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: Não há elementos para aferir com precisão. Circunstância neutra.
Circunstâncias do crime: não há elementos. Neutra.
Consequências do crime: Não há elementos. Circunstância neutra.
JFESFls 225
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL Av. Marechal Mascarenhas de Moraes, 1877, Bairro Monte Belo, Vitória-ES, CEP: 29053-245 e-mail : [email protected]. Tel.: (27) 3183-5284
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 1°, V, da Lei 9.613/98, é: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez)
anos, e multa.
Diante da existência de duas circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo
legal, em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
7.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto. A
pena permanece no mesmo patamar.
7.3. TERCEIRA FASE: Também não há causas de diminuição nem de aumento de pena.
7.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 90 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto economista (fl. 985), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em 01 (hum) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos.
7.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de
reclusão e 90 (noventa) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1 (hum) salário mínimo vigente à época dos
fatos.
7.6. REGIME: Considerando o quantum aplicado da PPL, fixo, como inicial, o regime
SEMIABERTO (alínea ‘b’ do §2º do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a
quantidade de pena aplicada (art. 44, inciso I, CP).
8. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO
8.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
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Culpabilidade (do agente): a conduta do réu é mais reprovável porque o mesmo utilizou de
forma escusa sua influência no meio cooperativo e financeiro para viabilizar a compensação fraudulenta de
cheques no BANESTES. Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3053/3055 apresenta duas incidências além deste feito: uma ação
penal arquivada por trancamento e uma ação penal com sentença condenatória transitada em julgado em
02/12/2009, por crime de natureza tributária. Por se tratar de condenação com recente trânsito em julgado, o
registro não caracteriza reincidência, devendo ser sopesado neste item como antecedente desfavorável.
Conduta social: Apesar das boas referências fornecidas por testemunhas e das poucas
incidências constantes da FAC de fls. 3053/3055, é de conhecimento deste Juízo que RAIMUNDO BENEDITO
também foi condenado em âmbito estadual (processo n° 024.010.113.124 – controle processual às fls. 3090),
pelo peculato-furto descrito nestes autos, e em outro processo neste Juízo (2001.50.01.008406-0 – controle
processual às fls. 3087/3089), por crimes financeiros, mas ambas as ações ainda se encontram em andamento.
Além disso, há outra ação penal pendente, conforme peças de fls. 3091/3093, extraídas do sítio eletrônico do
TJES54. Na linha de entendimento exposta anteriormente, afasto a incidência da súmula n° 444 do STJ em
concreto e considero esses registros como demonstração de conduta social negativa. Circunstância
desfavorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: extraio dos autos que a motivação criminosa de RAIMUNDO BENEDITO era
beneficiar seu amigo GENTIL RUY e os respectivos aliados políticos, bem como conservar a projeção adquirida
entre o alto escalão do Governo da época, com livre trânsito no grupo político dominante. Circunstância
desfavorável.
Circunstâncias do crime: o crime foi praticado em circunstâncias de ocultação e ilicitude, em
afronta às regras de bom funcionamento do sistema financeiro nacional. No entanto, por se tratar de
circunstâncias que normalmente acompanham o contexto típico da lavagem de dinheiro, seu efeito na pena deve
ser neutro.
Consequências do crime: o crime não teve consequências além do tipo penal, porque não
impingiu prejuízos à instituição financeira utilizada (BANESTES). Circunstância neutra.
54 http://www.tj.es.gov.br/consulta. Acesso em: 29.08.2011.
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Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 1°, V, da Lei 9.613/98, é: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez)
anos, e multa.
Diante da existência de quatro circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do
mínimo legal, em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
8.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto.
8.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena. A pena antes
encontrada permanece no mesmo patamar.
8.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 170 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto contador (fl. 962), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em ½ (meio) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos.
8.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão e 170 (cento e setenta) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1/2 (meio) salário mínimo vigente à
época dos fatos.
8.6. REGIME: Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis e o quantum aplicado da
PPL, fixo, como inicial, o regime FECHADO (alínea ‘a’ do §2º do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a
quantidade de pena aplicada (art. 44, inciso I, CP).
9. DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU GENTIL ANTÔNIO RUY
9.1. PRIMEIRA FASE: Passo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP.
Culpabilidade (do agente): a culpabilidade transbordou o comum em crimes dessa natureza,
por ser o réu, à época, Secretário de Estado. Essa qualificação pública impõe maior desvalor à sua conduta, pois
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o réu exercia um cargo público de respeito e, como figura atuante ao lado do Governador, GENTIL tinha um
peso maior na obrigação de respeito irrestrito à coisa pública. Porém, utilizou sua posição influente de forma
negativa, para viabilizar a dissimulação de valores auferidos indevidamente no âmbito da gestão de seu
cunhado. Circunstância desfavorável.
Antecedentes: A FAC de fls. 3056/3058 não apresenta sentença condenatória com trânsito em
julgado.
Conduta social: Apesar das boas referências em prova testemunhal, observo que a FAC de fls.
3056/3058 registra quatro incidências além deste feito. Embora não conste da FAC referida, é de conhecimento
deste Juízo que GENTIL RUY também foi condenado em âmbito estadual, na mesma ação penal em que
RAIMUNDO fora condenado, que está em fase recursal (fls. 3090). Na linha de entendimento adotada, afasto a
incidência da súmula n° 444 do STJ em concreto e considero esses registros como demonstração de conduta
social negativa. Circunstância desfavorável.
Personalidade do agente: não há elementos. Neutra.
Motivos do crime: extraio dos autos que a motivação criminosa de GENTIL RUY era apoiar seu
cunhado JOSÉ IGNÁCIO e o respectivo grupo político, gerenciando desvios e outras irregularidades perpetradas
em “caixa 2”, e manter-se em posição de projeção política. Circunstância desfavorável.
Circunstâncias do crime: o crime foi praticado em circunstâncias de ocultação e ilicitude, em
afronta às regras de bom funcionamento do sistema financeiro nacional. No entanto, por se tratar de
circunstâncias que normalmente acompanham o contexto típico da lavagem de dinheiro, seu efeito na pena deve
ser neutro.
Consequências do crime: o crime não teve consequências além do tipo penal, porque não
impingiu prejuízos à instituição financeira utilizada (BANESTES). Circunstância neutra.
Comportamento da vítima: O caso concreto não contempla contribuição da vítima para o
cometimento da infração penal. Circunstância neutra.
A pena cominada ao crime do art. 1°, V, da Lei 9.613/98, é: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez)
anos, e multa.
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Diante da existência de três circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena base acima do mínimo
legal, em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
9.2. SEGUNDA FASE: Não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes em concreto.
9.3. TERCEIRA FASE: Não há causas de diminuição nem de aumento de pena. A pena antes
encontrada permanece no mesmo patamar.
9.4. DA PENA DE MULTA: Nos termos do art. 49, do CP e tendo em vista o critério da
proporcionalidade, alcança-se o valor aproximado de 135 dias-multa. Considerando o nível da renda
provavelmente auferida pelo réu enquanto engenheiro (fl. 957), bem como o disposto no caput do art. 60, do CP,
fixo o dia-multa em ½ (meio) salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos.
9.5. PENA DEFINITIVA: Fixo a pena definitiva em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de
reclusão e 135 (cento e trinta e cinco) dias-multa, sendo o dia multa fixado em 1/2 (meio) salário mínimo
vigente à época dos fatos.
9.6. REGIME: Considerando o quantum aplicado da PPL e que o réu é tecnicamente primário,
fixo, como inicial, o regime FECHADO (alínea ‘b’ do §2º do art. 33, do CP).
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a
quantidade de pena aplicada (art. 44, inciso I, CP).
10. RESUMO DAS PENAS:
RÉU
PENAS
REGIME INICIAL
SUBSTITUIÇÃO
1. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA Reclusão: 6 anos e 6 meses.
Multa: 160 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Fechado Não.
2. JOSE CARLOS GRATZ Reclusão: 7 anos.
Multa: 180 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Fechado Não.
3. JOSÉ TASSO OLIVEIRA DE
ANDRADE
Reclusão: 5 anos e 9 meses.
Multa: 140 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Fechado Não.
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4. RODRIGO FERMO VIDIGAL
STEFENONI
Reclusão: 4 anos e 6 meses.
Multa: 90 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Semi-aberto Não.
5. MARCELO DE ABREU E LIMA Reclusão: 3 anos.
Multa: 10 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Aberto Sim. Por:
1. Prestação pecuniária;
2. Prestação de serviços.
6. LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS
NEVES
Reclusão: 4 anos e 2 meses.
Multa: 65 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Semi-aberto Não.
7. JOSE AUGUSTO DOS SANTOS
NEVES
Reclusão: 4 anos e 8 meses.
Multa: 90 dias-multa;
dia-multa = R$151,00
Semi-aberto Não.
8. RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA
FILHO
Reclusão: 6 anos e 4 meses.
Multa: 170 dias-multa;
dia-multa = ½ x R$151,00
Fechado Não.
9. GENTIL ANTÔNIO RUY Reclusão: 5 anos e 6 meses.
Multa: 135 dias-multa;
dia-multa = ½ x R$151,00
Fechado Não.
11. DISPOSIÇÕES FINAIS:
Não é necessária a custódia preventiva dos réus condenados.
Custas pelos sentenciados.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se os réus.
Feitas as comunicações de praxe, dê-se vista ao Ministério Público Federal.
Após, publique-se no Diário Eletrônico da Justiça Federal, para intimação da defesa técnica.
Com o trânsito em julgado: a) lancem-se os nomes de JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA, JOSÉ
CARLOS GRATZ, JOSÉ TASSO OLIVEIRA DE ANDRADE, RODRIGO FERMO VIDIGAL STEFENONI,
MARCELO DE ABREU E LIMA, LUIZ RENATO TOMMASI SANTOS NEVES, JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS
NEVES, RAIMUNDO BENEDITO DE SOUSA FILHO e GENTIL ANTÔNIO RUY no rol dos culpados; b) oficie-se
ao TRE/ES para os fins do art. 15, III, da CRFB/88; c) expeça-se carta de execução de sentença.
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Após, dê-se baixa e arquivem-se.
Vitória/ES, 30 de agosto de 2011
DANIEL DE CARVALHO GUIMARÃES Juiz Federal Substituto da 1ª Vara Federal Criminal – SJES
Assinado Eletronicamente
Nos termos do art. 1º, § 2º, III, “a”, da Lei nº 11.419/06 e do art. 1º do Prov. nº 58/09 da Corregedoria-Regional da JF da 2ª Região
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