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Poemas de Martín López-Vega Tradução de Ronaldo Costa Fernandes M artín López-Vega nasceu numa pequena aldeia do norte da Espanha, em Po de Llanes, Asturias, em 1975. Embora o fundamental de sua obra esteja em espanhol, também escreveu em lín- gua asturiana um volume autobiográfico, Parte Meterolóxicu pa Arcadia y Redolada (2005) e os livros de poemas reunidos no volume bilíngue Otra Vida (2008). Sobre sua poesia em castelhano escreveu o poeta e crítico Javier Rodríguez Marcos que é “uma obra poética em que se enquadra bem uma palavra que raramente deve ser tirada do escuro: livre”. Sua obra poética inclui títulos como Travesías (1997), La Emboscada (1999), Mácula (2002), Elegias Romanas (2004), escrito durante o tempo que morou em Roma, Gajos (2007) ou Adulto Extrajero (2010), além do poema longo Extracción de la Piedra de la Cordura (2005), em palavras de Julián Rodríguez “um dos melhores livros de sua geração, e, mais ainda: um dos livros de poemas fundamentais na virada do século”. Publicou ainda dois livros de versões poéticas de outras línguas como Equipaje de Mano (2000) e Raíz de Fresno Infeliz: una Antología de Poe- sía Primitiva (2009), além de uma peculiar trilogia de crônicas de via- gem composta por Cartas Portuguesas (1999), Los Desvanes del Mundo (2001) e Libre para Partir (2009). Tradutor do inglês (Charles Simic), do italiano (Manlio Sgalambro) e do português (Almeida Garrett, Jorge de Sena, Eugênio de Andrade), foi ainda jornalista, livreiro e atualmente é diretor editorial de Vaso Roto Ediciones. 285 Poesia Estrangeira Poeta, ensaísta e ficcionista. Ganhou vários prêmios, entre eles, o APCA e o Casa de las Américas. Publicou cinco livros de poesias. Viveu nove anos na Venezuela. Publicou a novela escrita em espanhol Notícias del Horto (Monte Ávila). Ganhou o prêmio de poesia 2010 da ABL com seu livro mais recente A Máquina das Mãos (7Letras, 2009).

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Poemas de Martín López-Vega

Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

Martín López-Vega nasceu numa pequena aldeia do norte daEspanha, em Po de Llanes, Asturias, em 1975. Embora o

fundamental de sua obra esteja em espanhol, também escreveu em lín-gua asturiana um volume autobiográfico, Parte Meterolóxicu pa Arcadia yRedolada (2005) e os livros de poemas reunidos no volume bilíngue OtraVida (2008). Sobre sua poesia em castelhano escreveu o poeta e críticoJavier Rodríguez Marcos que é “uma obra poética em que se enquadrabem uma palavra que raramente deve ser tirada do escuro: livre”.

Sua obra poética inclui títulos como Travesías (1997), La Emboscada(1999), Mácula (2002), Elegias Romanas (2004), escrito durante o tempoque morou em Roma, Gajos (2007) ou Adulto Extrajero (2010), além dopoema longo Extracción de la Piedra de la Cordura (2005), em palavras deJulián Rodríguez “um dos melhores livros de sua geração, e, mais ainda:um dos livros de poemas fundamentais na virada do século”.

Publicou ainda dois livros de versões poéticas de outras línguascomo Equipaje de Mano (2000) e Raíz de Fresno Infeliz: una Antología de Poe-sía Primitiva (2009), além de uma peculiar trilogia de crônicas de via-gem composta por Cartas Portuguesas (1999), Los Desvanes del Mundo(2001) e Libre para Partir (2009). Tradutor do inglês (Charles Simic),do italiano (Manlio Sgalambro) e do português (Almeida Garrett,Jorge de Sena, Eugênio de Andrade), foi ainda jornalista, livreiro eatualmente é diretor editorial de Vaso Roto Ediciones.

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Poes ia Estrange ira

Poeta, ensaísta eficcionista.Ganhou váriosprêmios, entreeles, o APCA eo Casa de lasAméricas.Publicou cincolivros de poesias.Viveu nove anosna Venezuela.Publicou a novelaescrita emespanhol Notíciasdel Horto (MonteÁvila). Ganhou oprêmio de poesia2010 da ABLcom seu livro maisrecente A Máquinadas Mãos (7Letras,2009).

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Danziger Straße 23

Chi sono?Il saltimbanco dell’anima mia.Aldo Palazzeschi

Comprei um caderno feito com papel de arrozpara anotar aquilo que venha a aprender com a vida.Cansado de ser o saltimbanco de minha alma,as exceções se revelam contra a regra.Eu sou mais eu quando tu és tu.A vespa dá voltas em torno de nós,mas sem chegar a nos ferroar.Aprendemos a morder a língua.

Primeira lição: também os presságiossão responsabilidade nossa. A luz entragratuitamente pela janela, mas és tuquem escolhe a música. E o que queroé te convidar a morar comigonuma canção de Jovanotti.

Segunda lição: quando acorde a sombra negra,não te assustes, não trates de afugentá-la,atrai-a para ti, acaricia-a,faz-lhe saber que tu és a casa dela,alimenta-a e dá-lhe o tanto que precisepara que não arranhe nem uive.

Primeira prática:de volta a casa no M1 apoias tua cabeça no meu ombro.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Danziger Straße 23

Chi sono?Il saltimbanco dell’anima mia.Aldo Palazzeschi

He comprado un cuaderno de papel de arrozpara apuntar aquello que aprenda de la vida.Cansado de ser el saltimbanqui de mi alma,las excepciones se revelan contra la norma.Yo soy yo pero más cuando tú eres tú.La avispa revolotea en torno nuestro,pero sin llegar a picarnos.Hemos aprendido a morderle la lengua.

Primera lección: también los presagiosson responsabilidad nuestra. La luz entragratuitamente por la ventana, pero eres túquien elige la música. Y lo que quieroes invitarte a vivir conmigoen una canción de Jovanotti.

Segunda lección: cuando despierte la negra sombra,no te asustes, no trates de ahuyentarla,atráela hacia ti, acaríciala,hazle saber que eres su casa,aliméntala y dale cuanto necesitepara que no arañe ni aúlle.

Primera práctica:de vuelta a casa en el M1 apoyas tu cabeza en mi hombro.

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Logo passeias nua pela casacomo a amazona do postal que comprei.O que a pele não é capaz de dizeré inútil que o diga o pensamento.O relógio de Alexanderplatzcontinua batendo todas as horas do mundo,mas a nossa está fora do tempo.

Prática segunda:um menino vagava de sala em sala pelo museuprocurando ansioso o tesouro de Príamo.Tu te fixavas nos relevos egípcios, em que semprea mulher abraça o homem. Imitava-as.Mas tu pões no pescoço o elefantino de Bernini 1

e ris de como os antigos pintavam os leões.

Três: faz doze anos,apenas a três quadras2 mordidas daqui,olhava pela janela os bondes repletos de gentee procurava meu lugar no contexto,ainda não te conhecia.O planetário dormia do outro lado da ruaE, acredita em mim, todas galáxias doíam como feridas siderais.

Tema de prova. Ainda com o cheirode ter dormido juntoste levantas para preparar café e torradas.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

1 O “elefantino de Bernini” é uma estátua de elefante paramentado na Piazza della Minerva. (N. do T.)2 Manzana pode ser traduzida como maçã ou, na definição do dicionário da Real Academia, como “espa-ço urbano, edificado ou destinado à edificação, geralmente quadrangular, delimitado por ruas por todosseus lados”. (N. do T.)

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Poemas de Martín López-Vega

Luego paseas desnuda por casacomo la amazona de la postal que compré.Lo que no es capaz de decir la pieles inútil que el pensamiento lo diga.El reloj de Alexanderplatzsigue dando todas las horas del mundo,pero la nuestra está fuera del tiempo.

Práctica segunda:un niño vagaba de sala en sala por el museobuscando ansioso el tesoro de Príamo.Tú te fijabas en los relieves egipcios, en que siemprela mujer abraza al hombre. Las imitabas.Pero tú llevas al cuello el elefantino de Bernini,y te ríes de cómo pintaban los leones los antiguos.

Tres: hace doce años,apenas a tres manzanas mordidas de aquí,miraba por la ventana los tranvías repletos de gentey buscaba mi lugar en el contexto,no te conocía aún.El planetario dormía al otro lado de la calley créeme, todas las galaxias dolían como heridas astrales.

Tema de examen. Aún con el olorde haber dormido juntoste levantas para preparar café y tostadas.

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Vejo aqui da cama teu ir e vir,ponho a primeira música do dia.Chove, o bonde não faz barulho,as árvores se dobram com o vento.O café está quentee em tua boca ainda fica uma vontade da minha boca.

E todo o resto, todo o tempo tudo é apenas resto.Queria te levar a esse restauranteque só visito em sonhose que se parece ao Pasternak,falar contigo aí, servir-te o coração cru,palpitante, sem tempero, prova-o,é preciso que o proves.A felicidade dos terrícolas é complexa.

Mas passamos a tarde na camae logo escutamos músicas de Gainsbourg,e, se a alma canta, as perguntas dormem.Não faças barulho, não te mexas, shhh,não saias do meu lado, fecha essa porta,shhh, não as acordes.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Te veo ir y venir desde la cama,pongo la primera canción del día.Llueve, el tranvía no hace ruido,los árboles se inclinan con el viento.El café está calientey a tu boca aún le queda una gana de la mía.

Y está todo lo demás, todo el tiempo todo lo demás.Me gustaría llevarte a ese restauranteque sólo visito en sueñosy que se parece al Pasternak,hablarte allí, servirte el corazón crudo,palpitante, sin aliñar, pruébalo,es preciso que lo pruebes.La felicidad de los terrícolas es compleja.

Pero nos pasamos la tarde en la camay luego escuchamos canciones de Gainsbourg,y si el alma canta las preguntas duermen.No hagas ruido, no te muevas, shhh,no te vayas de mi lado, cierra esa puerta,shhhh, no las despiertes.

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Retrato de Copista

Andar por um museu pequeno de um país pequenosem saber muito de sua história– por todas as partes os mesmos romanos,as mesmas múmias roubadas do mesmo Egito,raras turistas a contragosto da eternidade,os mesmos dourados medievais, idênticos juízos finais,este empenho em ressaltar diferenças tão, tão pequenas...

No estrangeiro deves amar uma estudante de Históriaque te explique quem carregava essas armaduras aladasenquanto na cadeira da moça que vigia a saladorme a palavra-cruzada apenas começadacom três ou quatro palavras que não entendes.

Uma menina copia minuciosamenteum quadro medíocre com uma paisagem bucólica.Em que ela pensará, penso, enquanto acrescenta águaà água do riacho, enquanto esfarelao branco de uma nuvem, enquanto fechaa porta de uma casa em que nunca estarei.

Quando percebe que a olho, sorri. Não lhe digoque esqueça sua cópia, que venha comigo,que vamos colocar as armaduras aladaspara conquistar países de dentroe do alto e imediatamente, e vou embora

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Retrato de Copista

Caminar por un museo pequeño de un país pequeñosin saber mucho de su historia– por todas partes los mismos romanos,las mismas momias robadas en el mismo Egipto,raras turistas de la eternidad a su pesar,los mismos dorados medievales, idénticos juicios finales,este empeño en resaltar diferencias tan, tan pequeñas...

En el extranjero debes amar a una estudiante de historiaque te explique quiénes llevaban esas armaduras aladasmientras en la silla de la vigilante de saladuerme el crucigrama apenas comenzadocon tres o cuatro palabras que no comprendes.

Una muchacha copia minuciosamenteun cuadro mediocre con un paisaje bucólico.En qué pensará, pienso, mientras añade aguaal agua del arroyo, mientras desmigajael blanco de una nube, mientras cierrala puerta de una casa en la que no estaré nunca.

Al descubrirme mirándola sonríe. Yo no le digoque olvide su copia, que se venga conmigo,que vamos a ponernos las armaduras aladaspara conquistar países de dentroy de lo alto y de luego, y me voy

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Irir

qualquer coisa menos ficar ou voltar

deixando para trás rapidamente paisagens, múmias,capitéis, armaduras aladas,contagiado sem remédio por este tempotão vulgar, alérgico a qualquer épica.

Falam os Mortos do Orto Dei Fuggitivi1

Nem ossos, nem um retalho de pano da toga,menos ainda carne, sangue, sêmen:quanto restou de nós é o ocodo nosso corpo na lava, e não digaisque isso nos salva: pois nos condenaa morrer eternamente nossa morte instantânea.

Nem sequer pensareis muito em nós:vosso século requer um culpadopara lembrar-se dos mortos.

Permanecemos porque de nósnada permanece: essa é a verdade.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

1 “Jardim dos fugitivos” expõe a fuga de camponeses petrificados pela lava do Vesúvio que atingiu as ci-dades de Pompeia e Herculano. (N. do T.)

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Poemas de Martín López-Vega

Irir

cualquier cosa menos quedarse o volver

dejando atrás a toda prisa paisajes, momias,capiteles, armaduras aladas,contagiado sin remedio de este tiempotan vulgar, alérgico a cualquier épica.

Hablan los Cuerpos del Orto dei Fuggitivi

Ni huesos, ni un retal de tela de la toga,menos aún carne, sangre, semen:cuanto quedó de nosotros es el huecode nuestro cuerpo en la lava, y no digáisque eso nos salva: pues nos condenaa morir eternamente nuestra muerte instantánea.

Ni siquiera pensaréis mucho en nosotros:vuestro siglo requiere un culpablepara acordarse de los muertos.

Permanecemos porque de nosotrosnada permanece: ese es el hecho.

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Imagem recortada de um grande Juízo Final,a natureza quis imitar a artee usou conosco seu próprio método:aprisionar o humano num moldecom vãs aspirações de cifrar o real.

O gás nos imobilizou enquanto trabalhávamosno campo, nos deixou para semprenuma agonia aprisionada, duplamente agônica.Não fornicando, não dormindo, não passeando –trabalhando, agonizando. Enquanto tudo desapareciano barulho do fim, nósentrávamos asfixiados no grande silêncio.

Fugitivos somente da fugacidade,para sempre congelados no momento da agoniae não em outro que melhor nos tivesse definido

o barulho de uns passos entrando n’áqua –o gosto de uns lábios na tarde cheia de presságios –um aroma de lavanda e um frescor de tormento –a sombra propícia de uma oliveira –

De nossas mortes sabereis tudo.de nossas vidas, absolutamente nada.Contemplar-nos é perda de tempo. A única moralé tão evidente que não vale uma metáfora:neste incêndio apenas serve ser a chama.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Imagen recortada de un gran Juicio Final,la naturaleza quiso imitar al artey usó con nosotros su mismo método:encerrar lo humano en un moldecon vanas aspiraciones de cifrar lo real.

El gas nos inmovilizó mientras trabajábamosen el campo, nos dejó para siempreen una agonía detenida, doblemente agónica.No fornicando, no durmiendo, no paseando –trabajando, agonizando. Mientras todo se sumíaen el ruido del fin, nosotrosentrábamos asfixiados en el gran silencio.

Fugitivos sólo de la fugacidad,para siempre congelados en el momento de la agoníay no en otro que mejor nos hubiera definido

el ruido de unos pasos entrando en el agua –el sabor de unos labios en la tarde llena de presagios –un aroma de lavanda y un frescor de tormenta –la sombra propicia de un olivo –

De nuestras muertes lo sabréis todo.De nuestras vidas, absolutamente nada.Contemplarnos es en vano. La única moralejaes tan evidente que no vale una metáfora:en este incendio sirve sólo ser la llama.

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Situla de Vacê1

Pensa no poeta que desejas ser.

– Aquele que faz falar as figuras antigaspara explicar sua história, guerreiros, sacerdotes.– Por que não, e que fale tambémalgum dos animais mágicos. Mas não é suficiente.

– Aquele que se fixa num detalhe(uma espada, um vestido de cerimônia)para reconstruir uma lição sobre o mundo.– Pode ser, mas não qualquer detalhe,e que seja uma pergunta o encontrado,não uma resposta.

– Aquele que se quer artista contemporâneoe muda as figuras da jarra por outras atuais:guerreiros por cantores,parturientes por apresentadoras de TV.– Muito divertido, vamos brincar com isso também.

– Aquele que se olha no todo e em partecomo num espelho em que ao finalpode entender algo de si mesmo.– Claro, vamos nos aproximando.

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1 Vaso de bronze com aproximadamente 2.500 anos de idade, símbolo da Eslovênia. (N. do T.)

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Poemas de Martín López-Vega

Sítula de Vacê

Piensa en el poeta que quieres ser.

– El que hace hablar a las figuras antiguaspara explicar su historia, guerreros, sacerdotes.– Por qué no, y que hable tambiénalguno de los animales mágicos. Pero no basta.

– El que se fija en un detalle(una espada, un vestido ceremonial)para reconstruir una lección sobre el mundo.– Puede ser, pero no cualquier detalle,y que sea una pregunta lo encontrado,no una respuesta.

– El que se quiere artista contemporáneoy cambia las figuras de la jarra por otras actuales:guerreros por cantantes,parturientas por presentadoras de tv.– Qué divertido, juguemos también a eso.

– El que se mira en el todo y la partecomo en un espejo en el que por finentender algo de sí mismo.– Desde luego, nos vamos acercando.

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– O camponês que enfia suas mãos na terrae extrai dela, como um presente extraterrestre,uma velha taça que atravessou intacta os séculos,sem conhecer a palavra sítula nem ter muito claroquem foram os celtas, e limpa-a e contempla-ana sua alheia beleza, como se a moçamais bonita da Eslovênia fosse de repente suapor uma incompreensível errata do cosmos.

– Esse, especialmente, quero ser.

Contra o Sentido

Deixa-me, Sentido, não me dês nenhuma distânciapara ver melhor, quero apenas guardaro bonito que foi a noite em que nos roubaram tudo.Quero guardar a lua sobre o mar e as luzes, de longe,de um edifício feio que nos ancorava a terra.O silêncio como a cordapara estender as confidências,o murmúrio do mar e do álcool compartilhado,tua calculada timidez ao cobrir os seiosquando estávamos n’água,olhando-me para ver se te olhava.

Deixa-me, Sentido, sei que quem nos roubou tudoenquanto nos abraçávamos de noite no mar,nos deu um presente. Quem nos fez caminhar nuspor Barcelona até encontrar uma cabine telefônica

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

– El campesino que hunde sus manos en la tierray extrae de ella, como un regalo extraterrestre,una vieja copa que ha cruzado intacta los siglos,sin conocer la palabra sítula ni tener muy claroquiénes fueron los celtas, y la limpia y la contemplaen su ajena belleza, como si la muchachamás hermosa de Eslovenia fuese de repente suyapor una incomprensible errata del cosmos.

– Ese, sobre todo ese quiero ser.

Contra el Sentido

Déjame, Sentido, no me des distancia ningunapara mejor ver, quiero sólo guardarlo hermosa que fue la noche que nos lo robaron todo.Quiero guardar la luna sobre el mar y las luces, a lo lejos,de un edificio feo que nos anclaba a la tierra.El silencio como la cuerdaen la que tender las confidencias,el arrullo del mar y del alcohol compartido,tu calculada timidez al cubrirte los pechosmientras entrábamos en el agua,mirándome para ver si te miraba.

Déjame, Sentido, sé que quien nos lo robó todomientras nos abrazábamos de noche, en el mar,nos hizo un regalo. Quien nos hizo caminar desnudospor Barcelona hasta que encontramos una cabina

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de onde se podia chamar a polícia, enquanto passavao caminhão de lixo. Quem te roubou o iPodnos deu de presente escutar no meu Perfect Day.

No meu caderno está escrito com tua letra:O dia perfeito.Estávamos na praiae não tenho muito das coisas que tinhae tenho um pouco de frio.Eu queria um cigarrinhomas Martín me dá um beijoe está tudo bem.Na praia tudo acontece como tem de ser.É assim que eu gosto.Se não tem roupa, não tem roupa, pronto.

Deixa-me, Sentido, que tu não sabes e eu, sim, seique algo que tu não explicasme foi revelado àquela noiteem que andávamos nus por Barcelonamortos de frio, assaltados, indigentes, incomunicáveis,sem poder parar de rir,absurda e definitivamente felizes.

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Poemas de Martín López-Vega

desde la que llamar a la policía, mientras pasabael camión de la basura. Quien te robó el iPodnos regaló que escuchásemos en el mío Perfect day.

En mi cuaderno está escrito con tu letra:El día perfecto.Estábamos en la playay no tengo muchas de las cosas que teníay tengo un poco de frío.Me gustaría un cigarritopero Martín me da un besoy eso está bien.En la playa todo pasa como hay que ser.Así me gusta a mí.Si no hay ropa, no la hay.

Déjame, Sentido, que tú no sabes y yo sí séque algo que tú no explicasse me reveló aquella nocheen que íbamos desnudos por Barcelonaateridos, asaltados, indigentes, incomunicados,sin poder parar de reír,absurda y definitivamente felices.

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Epifania da Poesia

Miséria,Incurável miséria da poesia:

Tentar um poema que descrevaque gosto tem o gosto de água.

JOSÉ EMILIO PACHECO

A água sabe, como a alma,ao lugar por onde ela passa: a rocha e solse bebida num riacho de montanha,gosto de metal e cloro lançada pelos canos,gosto de vidro num copo, gosto de barro numa moringa.

A água, como a alma, nasce transparentee leve com ânsias de elevar-se, evaporar-se.Somente o caminho as turva e tornasuas bocas amargas.

(E ainda assim às vezeso milagre: tua alma feita água chega a mimtransparente para elevar-me, evaporarmo-nosaté o céu das bocas-almas).

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Epifanía de la Poesía

Miseria,Incurable miseria de la poesía:

Intentar un poema que describaA qué sabe el sabor del agua.

JOSÉ EMILIO PACHECO

El agua sabe, como el alma,a por dónde pasa: a roca y solsi bebida en un arroyo de montaña,a metal y cloro arrojada por la cañería,a vidrio en un vaso, a barro en un botijo.

El agua, como el alma, nace transparentey leve en ansias de elevarse, evaporarse.Sólo el camino las enturbia y vuelvesus bocas amargas.

(Y aun así a vecesel milagro: tu alma hecha agua llega a mítransparente para elevarme, para evaporarnosal cielo de las bocas-almas).

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Abandonar uma Ilha

Crianças correm atrás da bola,de alguma forma corro com elas ao olhá-las,sorrio e se alguém me perguntasse: O que te falta?uma só palavra seria a resposta.

Quanto podia esperar, a ilha me deu:a amizade de uns poucos e o álcool feliz de seus sorrisos,a calma com frequência e o ardor sempre que o pedi.Pode ser que tenha faltado o amor, mas não o sexo;nem sempre comi manjares,mas nunca deixei que me faltasse o que levar à boca.Não direi que tenha sido feliz, mas não fui desventurado.

Tantas vezes andei da mesma maneiraque com gosto rio de quem diz que não é possívelfugir da gente mesmo. Cada vez que regressoencontro os restos do que teria sido,e quem sabe qual é o norte verdadeiro.

Limpo a gaiola do canário, embora já não exista canário.Durmo meia hora e logo outra meia hora,já é hora de ir embora. Três e quinze da madrugada.Nuvens negras nas montanhas de minha infância: para quem?Tormentas de pó agitam todos os lugares em que estive.Sou uma árvore, não uma rocha – é o que de mim precisas saber.

Adeus, ilha; olá, Ilha.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Abandonar una Isla

Unos niños corren tras la pelota,de alguna forma al mirarlos corro con ellos,sonrío y si alguien me preguntase: ¿Qué te falta?una sola palabra sería la respuesta.

Cuanto podía esperar, la isla me lo ha dado:la amistad de unos pocos y el alcohol feliz de sus sonrisas,la calma a menudo y el ardor siempre que lo he pedido.Puede que haya faltado el amor, pero no el sexo;no siempre he comido manjares,pero nunca he echado en falta qué llevarme a la boca.No diré que haya sido feliz, pero no he sido desdichado.

Tantas veces marché de la misma maneraque con gana me río de quien dice que no es posiblehuir de uno mismo. Cada vez que regresoencuentro los restos del que hubiera sido,y quién sabe cuál es el norte verdadero.

Limpio la jaula del canario, aunque ya no hay canario.Me quedo dormido media hora y luego otra media,ya es hora de marchar. Tres y cuarto de la madrugada.Nubes negras en las montañas de mi infancia: ¿para quién?Tormentas de polvo sacuden todos los lugares en que he estado.Soy un árbol, no una roca – es cuanto de mí necesitas saber.

Adiós, isla; hola, Isla.

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Neve

Em frangalhostudo quanto poderia ter acontecidocai sobre nósque temos proibida a queixa.

As vozes que se ouvemda cama, ainda meio adormecidos(e não sonhamos com nada estas noites)vêm de muito mais longe que a rua– já não as reconhecemos.

Amanhecemos tardee teu corpo é nevedentro da minha cama,um frio de dar cãibra.

Ao sair, os dois um pouco crianças,mas sem a tristeza ou com mais tristeza.Que não volte a noite,que não volte em seguidapara nos deixar às escuras em branco.

Beijar-te é ir pela água do poçoe encontrá-la gelada.

Tu põe uma laranja, põe uma maçãna neve. Um autorretrato.

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Tradução de Ronaldo Costa Fernandes

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Poemas de Martín López-Vega

Nieve

Hecho jironescuanto podría haber ocurridocae sobre nosotrosque tenemos prohibida la queja.

Las voces que se oyendesde la cama, medio dormidos aún(y no soñamos con nada estas noches)vienen de mucho más lejos que la calle– ya no las reconocemos.

Amanecemos tardey tu cuerpo es nievedentro de mi cama,un calambre de frío.

Al salir, los dos un poco niños,pero sin la tristeza o con más tristeza.Que no vuelva la noche,que no vuelva enseguidaa dejarnos a oscuras en blanco.

Besarte es ir a por agua al pozoy encontrarla helada.

Tú pon una naranja, pon una manzanaen la nieve. Un autorretrato.