Poemas de Matilde Campilho

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MATILDE CAMPILHO POEMAS DE MATILDE CAMPILHO Príncipe no roseiral Escute lá isto é um poema não fala de amor não fala de cachecóis azuis sobre os ombros do cantor que suspende os calcanhares na berma do rochedo Não fala do rolex nem da bandeirola da federação uruguaia de esgrima Não fala do lago drenado na floresta americana Não diz nada sobre a confeitaria fedorenta que recebe os notívagos para o café da manhã quando o dia á virou !sto é um poema não fala de comoç"es na missa das sete nem fala da percentagem de mulheres que se espantam com a imagem do marido aparando a barba no ocaso Não fala de tratores quebrados na floresta americana não fala da ideia de norte na cidade dos revolucionários Não fala de choro não fala de virgens confusas não fala de publicitários de cotovelos gastos nem de manadas de cervos Escute só isto é um poema não vai alinhar conceitos do tipo liberdade igualdade e fé Não vai aeitar o cabelo da menina que trabalha com afinco na caixa registadora do supermercado Não vai melhorar Não vai melhorar isto é um poema escute só não fala de amor não fala de santos não fala de #eus e nem fala do lavrador que dedicou $% anos a descobrir uma visão quase mística do homem que canta e atravessa

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MATILDE CAMPILHO

POEMAS DE MATILDE CAMPILHO

Príncipe no roseiral

Escute lá

isto é um poemanão fala de amornão fala de cachecóisazuis sobre os ombrosdo cantor que suspendeos calcanharesna berma do rochedoNão fala do rolexnem da bandeirolada federação uruguaiade esgrimaNão fala do lago drenadona floresta americana

Não diz nada sobrea confeitaria fedorentaque recebe os notívagospara o café da manhãquando o dia á virou!sto é um poemanão fala de comoç"esna missa das setenem fala da percentagemde mulheres que se espantamcom a imagem do maridoaparando a barba no ocasoNão fala de tratores quebrados

na floresta americananão fala da ideia de nortena cidade dos revolucionáriosNão fala de choronão fala de virgens confusasnão fala de publicitáriosde cotovelos gastosnem de manadas de cervosEscute sóisto é um poemanão vai alinhar conceitosdo tipo liberdade igualdade e féNão vai aeitar o cabelo

da menina que trabalhacom afinco na caixa registadorado supermercadoNão vai melhorarNão vai melhoraristo é um poemaescute sónão fala de amornão fala de santosnão fala de #euse nem fala do lavradorque dedicou $% anosa descobrir uma visão

quase místicado homem que cantae atravessa

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a estrada nacional &&'para chegar a casaou a algum lugarpróximo de casa(

)

Época da colheita de lã

*az hoe um ano e meio que inundaram o canal de #anesdale para dar passagem + procissão dos castores(

 ,inda estou sem saber como é que se faz um poema mas pelo menos á sei dobrar a roupa( -enho.me

recusado a falar sobre aquelas coisas habituais/ como o coração de #eus/ a corrida dos gaiatos/ a visão

macroscópica que incide sobre a dobra dos calç"es do atleta/ o cílio do peixe preto que todos os dias roça o

peito do mergulhador das manhãs/ o resultado da partida de baseball no 0onnecticut ou a forma mais

correcta de escrever baseball( ,cho que o esporte é uma coisa reconfortante porque se realiza sempre

sobre um solo fértil e também porque o posso abandonar a qualquer instante ou voltar a ele em qualquer

instante( *red ainda está vivo/ ainda limpa o balcão do bar com o pano encardido e sei que sempre queregressar + cidade posso entrar no bar/ sentar.me ao balcão e perguntar.lhe sobre a performance de 1an2 

 ,aron( *red sabe tudo sobre o voo( #escobri in3meros elementos transformadores da vontade/ mas

também não vou distender.me aqui em palavr"es ou frases demasiado compostas só para encontrar um

sentido no decorrer da sentença( 4 melhor pianista do país morreu esta tarde e tinha os cabelos

iluminados de fogo( 56nia diz que ele fazia lembrar erupç"es de querubins no asfalto/ Eric não para de

chorar( , amendoeira do canal foi rasgada a canivete mas o desenho gravado não é de todo a tatuagem

mais feia do mundo( Etc( Etc( Etc(

)

Badland 

Não sei se sou homem á não sei se souhomemse sou bestase tenho olhos azuisou mesmo se vistocamisa azul(-ambém á não seise seguro um tocomeio ardido/ aqui sentado

na esplanada desta cidadecuo nome é -aviz2am(Não sei se sobre meu ventrefoi depositada uma concha/ há uns&777 dias atrás(Não sei se sou automático/ se devotrabalhar/ pagar o revólver a prestaç"es/fazer remo/ correr na calçada/ usarcamisa esquadrinhada/ escrever emcedro esquadrinhado( Eu não seise possuo uma barca/ se possuoossos que podem apodrecera qualquer hora( Eu não sei os nomes

dos poetas todos mas sei que os poetastodos são os novos roqueiros( Eu nãosei/ só sei que antes ulguei que

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os poetas eram escavadores(

 ,quele amoraquele que eu penseique se despedaçaria comoum meteorito no 8innesota

9uma coisa assimestrondosa abusivagritante maravilhosaestilhaço prolongadocheio de uivos:afinal caiu silenciosocomo um aviãozinho de papelpasseando em !taparicaem dia da apanha dos morangos(

Não sei se sou homem/se sou mulher( 8as esteé o caminho do estio

e por perto passam os bois(

)

Explicaão do sopro

5éculo ;;!( 0ertos homens se fecham em quartos de hotel porque nos lugares an6nimos é muito possível

ficar encostado numa parede branca vendo a água correr no chão do chuveiro( #ois rapazinhos pegam as

 bicicletas e pedalam quatrocentos e vinte quil6metros até achar a costa( ,o alcançá.la/ tiram suas roupas e

não mergulham< só encostam a zona lombar na areia e repetem até ao infinito a ladainha da tabuada do

sete( =m bombeiro termina seu turno de vinte e quatro horas e entra no boteco unto + estátua de 5ão

-arso( >ede um conunto de sete pães de queio e nos espaços entre cada um dos pães ele fica procurandoum pedaço da t3nica de #eus( 4 motorista do 6nibus sabe perfeitamente que dentro da mala da senhora

de rosto limpo tem uma caixa de óias que contém uma caixa de medicamentos que contém uma caixa de

anel que contém uma bala( 4 tocador de 2alimba está muito consciente de que hoe o mantra nasce da

mistura de um c?ntico de procissão com o latir do cachorro/ e está consciente também de que todo o

desenho acha sua ac3stica perfeita nas pequenas eremitas( ,quele que pinta a natureza/ o ladrão de ossos/

sabe que deve empreender seu trabalho em posição horizontal/ de corpo muito unto ao chão( E se por

acaso o observarmos no processo por mais de oito minutos/ podemos reparar que sua caixa torácica

constantemente toca a tela/ sempre na mesma cad@ncia( >orque ele/ herdeiro de todos os impressores e

selvagens/ sabe que só tem uma forma de desenhar as flores< na terra( , moça de vinte e sete anos ainda

está sentada ao toucador/ de frente para o próprio rosto/ absolutamente indecisa sobre qual dos obetos

escolher( Entre o baton alaranado/ a carabina calibre &A/ o pó de arroz e o crucifixo em miniatura vai uma

dist?ncia de dois passos a galope(

)

!"r

  com cara de Bhitmanfoi assim que voc@ pensou que eu viria ao mundofoi assim que que voc@ me viu na florestafoi assim que voc@ me viu pendurado no poste elétricosempre pendurado num ramo qualquer/ sempre usandoo verão(

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 voc@ se lembra daquele verão no Croo2linem que ficámos perseguindo os bombeirosdurante todo o dia apenas para veruma vez e depois outra vezo leque aquático que se abria sobre o fogoD voc@ citava poetas h3ngaros mas nesse tempo

eu só queria saber de inventar uma línguaque não existisse( voc@ se lembra do concierge que nos recebiana pensão do Croo2lin como se nuncanos houvesse visto antesDe não havia semana que passasseem que nós não dormíssemospelo menos uma madrugadana pensão do Croo2lin(me lembro dos dólares amassadosque eu semanalmente tirava do bolsopara pagar a #ougeu sabia o nome de #oug

o #oug nos tratava disfarçadamentepor menina e menino( voc@ falava que os dólares vinhamsempre com uma forma diferenteeu adoro como você consegue tirar um coelho do bolsoeu adoro como você consegue tirar uma lâmpada do bolsoeu adoro como você consegue tirar a Beretta 92fs do bolso

foi assim que voc@ pensou que eu ficariano mundocom corpo de besta vestidausando um lápis pousado na orelha

foi assim que voc@ me viupedindo tr@s ovos para 8iss Elsiea senhora da mercearia na 0ourt 5treetela me deu oito ovosporque ela sempre dava alguma coisaela me achava uma graça e ela não acreditavaem n3meros ímpares( eu também não(me lembro de voc@ na merceariado Croo2ln

 voc@ costumava ficar lá atrás brincando na secção das ferramentas(se eu tivesse mais do que um coelho/

uma l?mpada ou uma pistolaeu teria te comprado um Clac2 nF #ec2ereu acho que voc@ seria a pessoa mais feliz da ilhacom um Clac2 nG #ec2er enfiado no cinto(

foi assim que voc@ pensou que eu ficaria no mundo/usando flores em meu cabelo negro/sempre escondidas no emaranhado dos cachossempre escondidas no emaranhado do caosde minha cabeça negra(

só voc@ sabia quantas flores eu usavaporque agora eu á sei

que voc@ dedicava as noites+ contagem( #eus não dormee voc@ também não(

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9publicado originalmente na página HIiscoH/ do Jornal O Globo:

)

O#it"$rio de %& Anderson Pritt' pela (ão da )i*)a

um pedaço de açoD. vai lá e rouba(a entrada da barcaça no KangesD. vai lá e rouba(os dentes do aguar apon@sD. vai lá e rouba(coraç"esD pele/ pelo/ retinaD. vai lá e rouba(o efeito supralunar de aneiroD. vai lá e leva(a receita mágica do refrigerante ouo mecanismo do relógio de cordaD

. vai lá e rouba(a hora do despertar do mongeD

. vai e usa(anel de ouroD. todo seu(setenta e oito braçadas do salmãoque agora á sabe onde é a fozD. vai lá e rouba(a canção tradicional da ilhaentalada entre meridianosD. vai lá e rouba(o farolim do carro armadoD. leva/ para o que der e vier(

o desenho fosforescente suspensona parede colombianaD. vai lá e toma(o fantoche que João o carpinteirolevou anos para esculpirD. vai lá e rouba(constelaç"es desmanteladasfora da orbita terrestreD. vai lá e abusa(a cautela previsivelmente vencedora/ loteria de NatalD. vai lá e rouba(pulseira de palha do discípulo

naturalD. vai lá e rouba(

8orreu sozinho e pobreraspando farpa por farpaa lasca presa no coraçãode #imas/ o santo a quemno céu chamaram Ia2h(

)

Piscinão #l"e

the real reason Lh Le never umped into the pool Las Lell fredd never Las a good umper bett never Las agood sport aunt am alLas tal2ed about tea pots and

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tea plates and spoons and her lost loving pomegranatesand dad 2ept draLing leopards on ever Lall of our houseplease donFt as2 about mom or momFs dress made of floLersmade of sil2 made of ever shade of desmondFs fearslittle timm sang a song about our onl friend 2aza2alim Lhose s2in Las dar2 Lhose blood Las dim Lhose chest

 Las shin as the Looded flute that father used to cleanever morning ever midda ever night and ever daLnas mother danced around the oa2 tree Lhich surel didcontain a bird contain a Lhale contain a stac2 of all our tears

)

I+ll ha)e ,hat she+s ha)in-

nunca vou ser bom para tiquero dizeri tal2 to ou for M hoursand then i canFt sleep

 veo a meg ranand then i canFt sleepsou a cara do bill crstaland then i canFt sleepisto aqui não é manhattanand then i canFt sleepacho que o teu cortede cabelo faz lembrar vagalumes no sanguedo menino Emanuelque como eu disseera feito de veiasperfume e ossos

campo elétrico uniformei tal2 to ou for M hourssobre genética divinasobre genética humanasobre eum e urologiaand then i canFt sleepporque fico pensandoem #eus no filho de #eusnos filhos de #eusnos cachos amareladosnas camisas de colarinho blueno espadachim do ano tortona estrada para =mba3ba

na barraquinha defran2furters and rollsand then i lose m glassesand then i canFt sleepe tenho o rosto coberto de pó

)

O acro#ata

! am too late for the birth of birds but have come ust in time for theopening of a red chocolate bar

)

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Learnin- to (a.e /ire

etFs go bac2 into Lriting/ Ed( No more bro2en bones and throLn out arroLs( Ouit/ ou and !/ the

 Lounded driving/ the electric Let lanes/ the shame of beards( -here is no greater prince than the prince of 

solidit( !Fve been eating tLo apples a da< one at daLn and one in bed/ as ! Latch the boats cast out the

nets( Crilliant night visions/ all made of fruit and fish( *lashlights ma2e perfect compasses/ 2id( Iage

doesnFt( ! still 2eep our tapestr underneath the Looded bed/ Lhenever the structure is moved the rug is

ta2en Lith it( 5orr about the Lord rug/ sorr about the misspelling of lessons/ sorr for not telling ou

about the rain or the effects of rain and ells all mixed together( No greater doom( Ket our stuff/ Ed(

Nature is distressingl perfect around here(

)

Des(e(#ra(ento de "( se(icírc"lo

0erto que nos dedicamos

a místicas peregrinaç"es(

Exercitamos a respiração/

lutamos brigas orientais/

praticamos uma e sete vezes

a tradução do poema chileno(

8as no fundo sabemos

que o que importa mesmo

é roçar a superfície negra

da pele do peito do ano

que está vivo

que não dorme(