POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro...

271
POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges 1

Transcript of POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro...

Page 1: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

1

Page 2: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 3: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

Valter da Rosa Borges

Poemas de minha juventude

Recife Edição do autor

2017

Page 4: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

Copyright © 2017, Valter da Rosa Borges

Capa e projeto eletrônico-editorial: Salete Rêgo Barros

Textos atualizados de acordo com o Novo Acordo Ortográfico da

Língua Portuguesa

B732p Borges, Valter da Rosa, 1934 - Poemas de minha juventude: 1950-1954 [recurso eletrônico] / Valter da Rosa Borges. – Recife: Ed. do Autor, 2017. 270p. http://www.valterdarosaborges.pro.br ISBN 978-85-909345-5-4 1. POESIA BRASILEIRA – PERNAMBUCO. I. Título. CDU 869.0(81)-1 CDD B869.1 PeR – BPE 17-565

Edição eletrônica: Novoestilo Edições do Autor

Rua Luiz Guimarães, 555, Poço – Recife-PE www.culturanordestina.com.br

Fone: 55 (81) 3243-3927

Page 5: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15

............................................................................................................ 17

NOITES TROPICAIS .......................................................................................... 19

ALGUÉM NA MINHA VIDA .............................................................................. 20

............................................................................................................ 23

PANTEÍSMO .................................................................................................... 25

FELICIDADE ..................................................................................................... 27

FRAGMENTOS ................................................................................................. 29

INFÂNCIA ........................................................................................................ 32

SOLIDÃO ......................................................................................................... 33

OLHOS ............................................................................................................. 35

SÓ ................................................................................................................... 36

ABRE A JANELA ............................................................................................... 37

MANHÃ NA FAZENDA ..................................................................................... 38

SONHO DESFEITO ........................................................................................... 39

ESTRELA .......................................................................................................... 40

CONFISSÃO ..................................................................................................... 41

SAUDADES DA INFÂNCIA ................................................................................ 42

ÊXTASE ............................................................................................................ 43

REDIVIVO ........................................................................................................ 44

Page 6: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

6

ABANDONO .................................................................................................... 45

O POEMA DAS HORAS .................................................................................... 46

O SOLITÁRIO ................................................................................................... 47

NA PRAIA ........................................................................................................ 48

NOSSO AMOR ................................................................................................. 50

DOLOR NATURAE ............................................................................................ 51

TU ................................................................................................................... 52

INCERTEZA ...................................................................................................... 54

SE TU SOUBESSES... ........................................................................................ 55

A CAIXA DE PANDORA .................................................................................... 56

QUEIXAS ......................................................................................................... 57

PELA ESTRADA DA VIDA ................................................................................. 58

A VIDA ............................................................................................................. 60

AQUELA CASINHA ........................................................................................... 61

SÚPLICA .......................................................................................................... 62

QUANTO TE AMEI...! ...................................................................................... 64

BUSCA ............................................................................................................. 65

PAPAI NOEL .................................................................................................... 66

NATAL ............................................................................................................. 67

DOMINGO CHUVOSO ..................................................................................... 68

PRIMAVERA DA VIDA ...................................................................................... 69

METAMORFOSE .............................................................................................. 71

UM LUSTRO DE GLÓRIA .................................................................................. 72

NO BAILE ......................................................................................................... 75

ÚLTIMO REFÚGIO ........................................................................................... 78

Page 7: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

7

O CRIME DE AMAR ......................................................................................... 80

............................................................................................................ 81

A UM FETO ..................................................................................................... 83

MÁRTIR ........................................................................................................... 84

SONETO DAS HORAS ...................................................................................... 85

VERÃO............................................................................................................. 86

UMA HISTÓRIA DE AMOR ............................................................................... 87

CISMAS ........................................................................................................... 91

NÃO! ............................................................................................................... 93

CONFISSÕES DE UM NABABO ........................................................................ 96

PÁGINA ROTA ................................................................................................. 97

AO DOCE ACORDE DAQUELA VALSA... ........................................................... 98

ASTRAL .......................................................................................................... 101

SIMBOLISMO ................................................................................................ 102

HIMENEU ...................................................................................................... 103

CAÇOADA LATINA ......................................................................................... 104

POR QUÊ?! .................................................................................................... 105

ARQUIVOS D’ALMA ...................................................................................... 106

A VELHA ÁRVORE .......................................................................................... 108

ALELUIA À CARNE ......................................................................................... 110

NOTURNO ..................................................................................................... 112

DEVANEIO ..................................................................................................... 113

DESENCANTO ............................................................................................... 114

SENSUS ABSUNT VERBO ............................................................................... 115

Page 8: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

8

SOMENTE O SONHO ..................................................................................... 116

POETA ........................................................................................................... 117

SAUDADE ...................................................................................................... 118

INVERNO ....................................................................................................... 119

EVOCAÇÃO ................................................................................................... 120

CONTRIÇAO .................................................................................................. 121

HARMONIAS ................................................................................................. 122

A UMA CORRESPONDENTE .......................................................................... 123

POEMA DA MADRUGADA ............................................................................ 125

AULA DE AMOR ............................................................................................ 127

ROMANTISMO .............................................................................................. 128

TIMIDEZ ........................................................................................................ 129

APENAS UMA LEMBRANÇA .......................................................................... 130

AO HOMEM .................................................................................................. 131

POESIA À MULHER QUE PASSOU ................................................................. 133

MULHERES .................................................................................................... 134

A TUA SOMBRA ............................................................................................ 135

PERSEGUIÇÃO ............................................................................................... 136

SUBLIME PECADO ......................................................................................... 137

SUGESTÃO DO MEIO-DIA ............................................................................. 139

RUA AUGUSTA .............................................................................................. 140

ESTES VERSOS ............................................................................................... 142

ETERNO CULTO ............................................................................................. 143

CONFISSÃO ................................................................................................... 144

AO LUAR ....................................................................................................... 145

Page 9: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

9

PASSADO ...................................................................................................... 146

CORPOS ........................................................................................................ 147

ESPERA .......................................................................................................... 148

IMAGEM DO NATAL...................................................................................... 150

.......................................................................................................... 151

AO RECIFE ..................................................................................................... 153

POEMA DAS IGREJAS .................................................................................... 154

SONETO DOS GESTOS ................................................................................... 155

CINZAS .......................................................................................................... 156

AMEMO-NOS ................................................................................................ 157

A UM SUICIDA .............................................................................................. 158

POEMA DOS ROSTOS .................................................................................... 159

PREDESTINAÇÃO........................................................................................... 160

A BILAC ......................................................................................................... 162

SONETO DAS MÃOS AUSENTES .................................................................... 163

OTIMISMO .................................................................................................... 164

A DANÇA DOS FANTASMAS .......................................................................... 165

AGOSTO ........................................................................................................ 168

ETERNO TEMA .............................................................................................. 169

FELICIDADE ................................................................................................... 170

RÉQUIEM ...................................................................................................... 171

A MANGUEIRA .............................................................................................. 173

SERENATA ..................................................................................................... 174

VAMPIRO ...................................................................................................... 175

Page 10: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

10

TARDE ........................................................................................................... 176

NOITE ............................................................................................................ 177

RUA DA NOITE .............................................................................................. 178

TRISTE VENTURA .......................................................................................... 179

FOGES NA LUZ DO MEU OLHAR ABERTO... .................................................. 180

A CAÇADA ..................................................................................................... 181

PUNIÇÃO ....................................................................................................... 182

FLOR SILVESTRE ............................................................................................ 183

SENSUALISMO .............................................................................................. 184

ÍCARO ............................................................................................................ 185

LONGE... ....................................................................................................... 186

AS DUAS SOMBRAS ...................................................................................... 187

SONETO À PSICOLOGIA ................................................................................ 188

CONTRASTE .................................................................................................. 189

A UMA MULHER ........................................................................................... 190

INFELIZMENTE .............................................................................................. 191

ABISMO ........................................................................................................ 192

NOITE DE INVERNO ...................................................................................... 193

DÚVIDA ......................................................................................................... 194

GÊNIO ........................................................................................................... 195

PARA QUANDO VOCÊ FÔR EMBORA... ......................................................... 196

QUANDO EU ESTOU SÓ ................................................................................ 197

PAPAGAIO DE PAPEL .................................................................................... 199

POEMA DO RECIFE MODERNO ..................................................................... 200

NERVOSISMO................................................................................................ 201

Page 11: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

11

POEMA ORIENTAL ........................................................................................ 202

QUARTA-FEIRA ............................................................................................. 204

MANHÃ COLONIAL ....................................................................................... 205

AUSÊNCIA ..................................................................................................... 206

INSTANTANEO DO RELÓGIO – I .................................................................... 207

INSTANTÂNEO DO RELÓGIO – II ................................................................... 208

CAIS DA SAUDADE ........................................................................................ 209

A MERETRIZ .................................................................................................. 211

RESTA LEMBRAR ........................................................................................... 212

AS CONTAS ................................................................................................... 213

SONETO DO SONO ........................................................................................ 214

SONETO DO SONO ........................................................................................ 215

SONETO DO SONO ........................................................................................ 216

ELA E A CANÇÃO ........................................................................................... 217

O LENÇO ....................................................................................................... 218

SONETO EM S ............................................................................................... 219

CHUVA .......................................................................................................... 220

CALVÁRIO ..................................................................................................... 221

ALELUIA ........................................................................................................ 222

VANIDADE..................................................................................................... 223

SÓ PORQUE NÃO VIESTE .............................................................................. 224

UMA SOMBRA NO RIO ................................................................................. 226

MENINO POBRE ............................................................................................ 227

PIRATARIA ..................................................................................................... 228

O BAILE ......................................................................................................... 229

Page 12: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

12

GERMINAL .................................................................................................... 230

PRESSENTIMENTO ........................................................................................ 231

ILUSÃO DO NATAL ........................................................................................ 232

NOIVA ........................................................................................................... 233

BOATE ........................................................................................................... 234

O BAÚ ........................................................................................................... 235

SE OLHARES NOS MEUS OLHOS!... ............................................................... 237

A VASSOURA ................................................................................................. 238

A INVASÃO .................................................................................................... 239

.......................................................................................................... 241

O MENINO .................................................................................................... 243

“OS BRINQUEDOS” ....................................................................................... 244

CAPITÃO RICARDO ........................................................................................ 245

TÁ QUENTE OU FRIO?! ................................................................................. 246

É HORA?! ...................................................................................................... 247

A DANÇA DA CARRANQUINHA ..................................................................... 248

MARIA DO COCO .......................................................................................... 249

MENINO DOS DEDOS SUJOS ......................................................................... 250

POEMA INTERPRETANDO AS OUTRAS FLORES ............................................ 251

O QUADRO NEGRO ....................................................................................... 252

BALADA DO HOMEM TRISTE ........................................................................ 253

A FOTOGRAFIA ............................................................................................. 254

LAMENTAÇÃO ............................................................................................... 255

OS BRINQUEDOS .......................................................................................... 256

Page 13: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

13

SONETO DA TARDE ....................................................................................... 257

FILHO DA RUA ............................................................................................... 258

POEMA QUASE PATÉTICO ............................................................................ 260

PERPETUAÇÃO .............................................................................................. 261

POEMA DA METAMORFOSE ......................................................................... 262

ANTECIPAÇÃO .............................................................................................. 263

OBSESSÃO ..................................................................................................... 264

POEMA TRISTE .............................................................................................. 265

NOTURNO DO ENCONTRO ........................................................................... 266

POEMA DO AMOR IMPOSSÍVEL.................................................................... 267

ABSTRAÇÃO .................................................................................................. 268

BIOGRAFIA DO AUTOR ................................................................................. 269

PUBLICAÇÕES DO AUTOR ............................................................................. 270

Page 14: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 15: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

15

INTRODUÇÃO

Resolvi resgatar todas as poesias que produzi no período de minha juventude, entre 16 e 20 anos.

Uma pequena parte delas foi publicada, em 1954, no meu pri-meiro livro Os Brinquedos, que mereceu elogios de intelectuais da época, como Mário Melo, Evangelina Maia Cavalcanti, Augusto Bor-doux, Milton Souto, Paulo Matos, Durval Mendes e Edmundo Morais, entre outros.

Então, indaguei-me: por que deixar no anonimato aquelas poe-sias da época que, por motivos financeiros, não puderam ser publica-das no meu primeiro livro?

Foi uma fase de poesias românticas, sensuais, algumas de pre-ocupações sociais, místicas e filosóficas, compatíveis com aquela fase de formação da minha personalidade.

Orgulho-me delas, porque representam a minha iniciação na vida literária e me fazem recordar inesquecíveis momentos da minha juventude.

Espero que o leitor também compartilhe essa emoção daqueles bons tempos idos e intensamente vividos.

Valter da Rosa Borges

Page 16: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 17: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 18: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 19: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

19

NOITES TROPICAIS O céu escampado De estrelas mescladas É o manto azulado Das noites de estio. A lua vagando, No espaço brilhando, Reflete, dourando, Sua imagem no rio. O luar se espalma Dos bosques, na calma, E infunde em noss’alma, Amor, Poesia. O aroma das flores Matiza de cores Da noite os albores De melancolia. Cessaram murmúrios De pobres tugúrios E os langues augúrios Das aves noturnas. O som das cascatas, No bojo das matas, Dedilha sonatas Em vozes soturnas.

Page 20: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

20

ALGUÉM NA MINHA VIDA Que belo prazer De sempre te ver Ó minha querida. Tu és os meus sonhos, Meus dias risonhos Que alegram-me a vida. Sem ti, solitário, Qual em campanário Sou sino a gemer. Tão tristes badalos Só podem formá-los Meu langue viver. Às vezes, sozinho, Procuro o carinho Na tua lembrança. Volvendo a pensar Além, para o mar, Procuro a esperança. E não a encontrando, Retorno, chorando, Ao mundo real. Desfez-se a quimera E o tédio da espera Lhe apaga o cristal.

Page 21: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

21

Porém se tu voltas Ressurgindo as mortas Raízes do amor, A árvore levanta Suas frondes e canta Hino em teu louvor.

Page 22: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 23: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 24: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 25: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

25

PANTEÍSMO Eu amo a noite estrelada, Lívida e assim sossegada, Cheia de mago esplendor. Amo a lua – círio errante – Na arcada do céu, brilhante, Tingida em leve rubor. Amo o luar – doido artista – Que entre as folhagens se avista, Traçando montes no chão. Amo da rua deserta A solidão que desperta Anelos no coração. Amo o silêncio da praça, Quando inda mais se adelgaça Da noite o túmido véu. Amo da aurora que nasce, O rubor que envolve a face Da noiva augusta do céu. Amo a beleza do campo, Do céu, o cerúleo escampo, Amo a natureza enfim. Amo o regato que corre, O chorar da luz que morre Lá no acaso de carmim.

Page 26: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

26

Do mar – a quente ardentia; Da terra – a verde alegria; Da noite – o frio palor; Amo-as todas e as exulto, Em cada coisa há um culto De glória ao criador.

Page 27: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

27

FELICIDADE Felicidade Só a possui Quem não conhece O que é a vida. Quem entre as trevas Da ignorância Tem a cabeça Adormecida. A vida é como Um mar parado Que, sossegado, Cintila ao sol. À superfície, É calmo e lindo, Um sonho infindo, Meigo arrebol. Mas, ai, no entanto, Quem num segundo, Busca, no fundo, Lhe conhecer. O que é que encontra? Somente lodo. E sujo, todo, Não pode mais Feliz viver.

Page 28: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

28

Retorna à tona, Mas tudo em vão. Traz lodo e fel No coração. Viver feliz Assim resume Como na flor Viver o perfume Passar na vida Sem procurar Nos seus arcanos Se aprofundar. Felicidade, Se tal existe Assim consiste Em não pensar. Deixar a vida Correr, passar, Viver, vivendo, Sem meditar.

Page 29: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

29

FRAGMENTOS O luar plangente e frio È fantasia que crio, Nas noites de inspiração, Vendo as estrelas miúdas, Indiferentes e mudas A cintilar na amplidão. Eram belas e fagueiras, Foram minhas companheiras, Quando amava a um certo alguém Mas este alguém foi embora E estas estrelas, agora, Me abandonaram também. ************* Ouve, querida: quando a noite desce E lá fora do espaço se debruça a lua, E pouco a pouco se projeta e cresce, Iluminando a solitária rua. Quando no espaço fulgem as estrelas E a brisa canta dentre os palmeirais, Eu fico triste só assim por vê-las E a ti, querida, não te ver jamais. ************ Oh, que saudade, quando a noite desce! Oh, que tristeza, quando o dia morre! Triste daquele que jamais se esquece

Page 30: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

30

Do amor que, cedo, pra o passado corre. ****************** Naquelas noites, quando a flor silvestre Cerrava os cílios, meigos, pequeninos, E sobre a imensa solidão terrestre Brilhavam vagalumes purpurinos. Quando a campina o seu regaço abria Para a aleluia nívea dos amores, E em cada canto uma ânsia si escondia, Fulgindo entre as pétalas das flores. Tu me apertavas ao teu corpo e, langue, Um beijo ardente minha voz tomava. Era um desejo que me delirava E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava, Naquele tempo alegre que vivi. Somente a voz da carne suplicava Que nunca, nunca, fôssemos dali. Somente as vozes deste amor ditavam Palavras doces que, sonhando, ouvi, Somente os lábios de nós dois tocavam Ventura imensa que não mais senti. Mas certo dia (sempre o certo dia, Que nos extingue toda uma ilusão) Perdi a estrela que em meu céu luzia, Fugiu-me crença deste coração.

Page 31: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

31

E aquelas noites que eram meu delírio, E a lua meiga – meu divino encanto, Tem nesta lua a palidez de um círio, E nas estrelas – lágrimas de um pranto. *************** Hoje só vivo meu amor, de sonho. A noite inteira a te beijar, sonhei. E tão feliz me vi, e tão risonho, Que inda pensei sonhar, quando acordei. Mas, doido sonho. Pelo azul descerra A claridade rúbida da aurora. E enquanto o dia nasce sobre a terra, A tua imagem vai-se, lenta, embora. Chamo-te em vão. Parece não me ouvires, Quando a retina, aos poucos, te escondeu. E toda a noite, assim, sem pressentires, És tu a causa do delírio meu. Oh, volta ainda, tu não sabes quanto Tenho sofrido pela ausência tua. Vem enxugar dos olhos meus, o pranto, E reflorir minha existência nua.

Page 32: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

32

INFÂNCIA N’alguma parte deste imenso espaço Habita um gênio divinal e belo, Gênio bondoso que menção não faço, Nem dizer posso: foi o meu anelo. Viveu em mim. Seguiu-me passo a passo. Velou-me os sonhos de extremoso zelo. Juntou-me a vida aos sonhos, num abraço. Mas, certo dia, quando quis retê-lo. Me abandonou. E as asas encurvando Se despediu de mim, num vão sorriso, E pelo espaço azul partiu cantando. Quantas venturas minha vida tinha! Tu foste a luz de um sol de Paraíso, Gênio formoso e meigo – infância minha.

Page 33: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

33

SOLIDÃO A solidão! A solidão que me atormenta O pobre ser em lágrimas saudosas. Quanto mais punge, mais me assedenta Em relembrar as quadras luminosas. Imagens vejo, Como a brotarem pela alcova inteira, Impulsionadas pela mão edênea Do desejo. Sonhos passados. Ilusões que atingem o fulgente cúmulo; Outras já mortas, sepultadas da memória No túmulo; Outras que vivem, que ainda vivem, E agora Vão como as outras, silenciosas e leves, Embora. Quadros da infância. Visões primaveris. Os primeiros beijos do primeiro amor Febris. Noites serenas, Dias sempre claros, sem os tormentos destes bens avaros Do amor. Um vil rostinho, um “sim”... e a eternidade. Depois o claustro vil da soledade - Primeiro laivo da dor. Um novo sol que brilha. A nuvem passa,

Page 34: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

34

Resplende o amor no céu do coração. E choro e exulto, ao relembrar, saudoso, Ventura imensa, desespero infindo De um sonhar tão lindo, Desprezado então. E enquanto penso, caindo em gotas Lágrimas quentes A formar visão.

Page 35: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

35

OLHOS Estes olhos tão cheios do pó de pecados, Recolhido co’amor desde as eras ridentes, Sem fulgor, hoje são dois fanais apagados. Portador de lembranças jocosas e ardentes. Já colheu-lhe a retina mil sonhos gozados, Vislumbrou entre rendas mil pomos frementes. E nos céus da quimera viveram pousados, Dando a carne volúpia das mais veementes. De tristeza vibraram, de amor, de alegrias. E sorveram belezas de um corpo despido, Sôbre os leitos pomposos, nas longas orgias. E pecaram, pecaram, por fim conheceram Que tais loucos haviam pra sempre perdido As sublimes virtudes que outrora esqueceram.

Page 36: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

36

SÓ Olhando a neblina que molha a calçada, Dos olhos da noite rolando macia; Eu vejo, querida, na forma do nada, Visão do passado, vagando erradia. Do vento que passa na verde ramada, Eu ouço um sussurro de voz fugida. És tu que me falas, és tu, minha amada, Por quem a quimera de um sonho vivia. Os ventos que bramem, a chuva que molha, Sozinho me encontram, imerso na dor, Carpindo a saudade que o tempo desfolha. Nos meus pensamentos tu’imagem se escoa, E sinto a natura chorar nosso amor, Nas lágrimas frias da tênue garoa.

Page 37: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

37

ABRE A JANELA Acaso escutas, na noite fria, A melodia de uma canção? Acaso chegam aos teus ouvidos Uns sons doridos de violão? Sou eu quem chora, na serenata, Paixão que mata, sorriso teu. Olhares meigos que o amor resume, Todo o perfume que a flor verteu. Oh, vem, me escuta; o dorido canto, Ungido em pranto à janela tua. Deixa fitar-te o semblante lindo, Lírio se abrindo no clarão da lua. Se não escutas, este seresteiro Que o amor primeiro cercou de abrolhos, Deixa, chorando, teu doce abrigo, Leva consigo teus lindos olhos. Mas se me escutas o triste apelo E ao recebê-lo me aceite então, Farás feliz quem mais te adora, Quem se descora, te amando em vão. Abre a janela, Linda donzela, Ó, minha eterna Inspiração.

Page 38: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

38

MANHÃ NA FAZENDA Neste silêncio profundo, Imerjo o olhar deslumbrado, Pela verdura do prado De solo negro e fecundo. Quanta beleza! O sobrado Onde em sol e luz me inundo, Parece o topo do mundo, Onde o contemplo, sentado. Ao longe, o campo semeado; Mais perto, o curral, o gado Serenamente pastando. Que singeleza! Parece Do vento, ao sopro, na messe, A voz de Deus nos falando.

Page 39: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

39

SONHO DESFEITO Abrindo o livro do passado um dia, Nalguma página esquecida vejo Alguém que outrora foi minha alegria, Meu divinal e cândido desejo. E tão saudoso relembrar queria Aquele tempo calmo e benfazejo, Aquele tempo em que feliz vivia Ao doce alento de teu terno beijo. Perdoa, amor, esta quimera louca De relembrar os beijos de tua boca, De namorar a luz de teu olhar. Deixa-me assim, a arquitetar castelos, Vivendo apenas destes vãs anelos, Vivendo apenas deste vão sonhar.

Page 40: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

40

ESTRELA Lá, bem do alto, uma estrela me fitou E pareceu que me escutava o pranto, Por me julgar (que sabe?) algum pierrô, Cuja amargura lhe abafou o canto. Depois fugiu-me, quando o gázeo manto Da nuvem meiga a face lhe ocultou, Mas pra maior torpor do meu espanto, Durante a noite nunca mais voltou. Tu foste, assim, amor, na minha vida, Qual esta estrela que brilhava agora, Me iluminando a noite enegrecida. Depois fugiste do meu céu risonho, Como ao raiar do dia vai-se embora Um pressuroso e deslumbrante sonho.

Page 41: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

41

CONFISSÃO

Oh, ver-te, ouvir-te, eis meu anseio mudo. Beijar teus lábios – minha aspiração. Mas, ó, tristeza, sinto que me iludo, Que, embalde, pulsas, pobre coração. Oh, bem quisera que na vida tudo. Não fosse mais que fúlgida ilusão, Do que fitar em teu olhar sisudo A indiferença de um terrível “não”. Mas no silêncio em que te cerco, penso Poder, um dia, declarar-te o imenso Amor, que o sangue por teu corpo freme. E apaixonado, te escutando a fala, Assim dizer-te, sob um céu de opala, Todas as ânsias deste amor estreme.

Page 42: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

42

SAUDADES DA INFÂNCIA Oh, que saudade, quando acaso fito Aquele grupo amigo onde estudei, Sinto no peito um derradeiro grito Chorar os tempos em que ali passei Meus belos dias e onde, agora, aflito, Os olhos corro a procurar, não sei, Talvez retalhos do meu céu bonito, Da minha infância que não mais verei. Oh, que saudade! Nos meus olhos voam Recordações daqueles tempos idos, Que a minha vida, sem querer, magoam. Oh, que saudade esta visão me traz! Em relembrar os entes mais queridos Daqueles tempos que não voltam mais.

Page 43: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

43

ÊXTASE Sinto envolver-me no esplendor sidéreo, Na pompa augusta dos celestes mundos. E mais a mais librar-me no mistério, Que envolve o azul dos báratros profundos. Somente o anseio, neste azul cinéreo, De perlustrar os orbes errabundos, É que me impede, neste vôo etéreo, Correr o espaço em fulgidos segundos. Aqui cintila um astro; além cintila, No resplendor da lúcida pupila, Sirius ou Vênus, dentre o gázeo véu. E vou correndo espaço a fora. E vejo Que divaguei apenas no desejo, Pois deslumbrado estou, fitando o céu.

Page 44: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

44

REDIVIVO De volta ao baile, vou seguindo a toa, Por entre as ruas frias e silentes, E, sem querer, meu pensamento voa, Transpõe do espaço as gazes transparentes. Busca o passado que no céu revoa: Recife antigo das canções ardentes, E aos meus ouvidos uma trova soa Das débeis cordas de violões plangentes. Caminho mais. Em cada esquina passa A multidão de sombras erradias, Como indizível rolo de fumaça. Aos poucos vai-se a pávida visão. Vive o Recife antigo entre as vazias Horas da noite, sob o pó do chão.

Page 45: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

45

ABANDONO Ah! Chega o inverno. Como em noites frias Meu coração será um campo inculto. Longe de ti, amor, vivo sepulto Na solidão lutuosa destes dias. Já não mais sinto o juvenil tumulto Vibrar-me ao sangue, pois as alegrias Desprezaram-me o peito onde vivias Eternamente, neste estranho culto. Tudo hoje é gelo, solidão, neblina. E já não brilha o sol pela campina, Me iluminando a tarde denegrida. Somente o tédio, as mágoas, o abandono Serão as causas deste meu outono, Se não voltares para mim querida.

Page 46: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

46

O POEMA DAS HORAS O poema das horas (quem diria!) O relógio a rezar seu tic-tac. Tic-tac, a marcar doce alegria E tristeza a marcar no tic-tac. Tic-tac, nas horas sonolentas, Quando a noite se encobre no seu fraque. Doidos sonhos voltejam pelos ares. Dorme o tempo. E o relógio, tic-tac. Tic-tac, nos dias de bonança, Tic-tac, nas noites hibernais. Tic-tac, ponteiros que não voltam, Saudosos tempos que não voltam mais.

Page 47: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

47

O SOLITÁRIO Teus olhos falam da tristeza imensa, Que vela a campa de um sonhar que é morto. És como um barco sob a bruma intensa, Buscando embalde o desejo porto. Não tens destino. Plácido e absorto. Teu ser emerge na falaz descrença. Pobre campônio, que destino torto Guardou-te a vida, numa estrada extensa! Já trabalhaste tanto. Mas agora Que envelheceste as mãos, o corpo inteiro, Perdeste o pão que te alentava outrora. Ninguém te ampara. És só. E o teu desgosto É não sentir no instante derradeiro, Da esposa, a lágrima, orvalhar-te o rosto.

Page 48: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

48

NA PRAIA Que soberbo quadro – o mar! Imensa estrada de prata, Ao som de estranha sonata A dançar. Que langue anseio, que mágoa, Batendo de frágua em frágua O equóreo ser a chorar. Na oração – um queixume, Em cada flor – um perfume, Em cada lábio – um cantar. De cada ramo – um gemido, Em cada flor – um ruído, Do orvalho frio a rosar. Que quadro soberbo – o mar! O vago marulho parece Tênue murmúrio de prece De mãe piedosa a rezar. Que segredo majestoso Esconde o teu seio undoso, Na placidez destas ondas? Onde guardas, onde escondes Os arcanos tenebrosos Destas vagas hediondas?

Page 49: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

49

Não respondes Agora em voo breve passa o zéfiro a cantar, Roçando as asas, de leve, Nas ondas de um mar de neve, Polvilhado de luar. Ao longe, gemem coqueiros Nênias tristes, ao luar, Carpindo dos jangadeiros Saudades dos companheiros, Que se perderam no mar. Um momento após, e a lua Qual donzela do Oriente Esconde a face medrosa Na nuvem transparente E sem resposta assim fico Na noite fria a vagar, Olhando as horas que passam No seio verde do mar.

Page 50: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

50

NOSSO AMOR Nosso amor: um riso apenas, Um vão delírio que se acabou. Não foi amor, foi como vento: Passou na vida por um momento. - Rebento triste que não vingou.

Page 51: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

51

DOLOR NATURAE O vento ruge com furor lá fora E a chuva à terra desce lentamente. Será saudade que a Natura sente? Ou é de tristeza que a Natura chora? Não sei. Parece que a Natura mente Quando ao raiar esplêndido da aurora, Enxuga os prantos e de albor se cora, Mostrando a face meiga e sorridente. Assim, também, no mundo, há tanta gente Que embalde, esconde a dor que lhe devora, Na mansidão de um rosto sorridente. Ah! Natureza! Já não mais agora Posso chorar assim, discretamente, A dor pungente que em meu peito mora.

Page 52: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

52

TU Tu foste a volúpia Das noites passadas, Das brisas tocadas Por doido arrepio, Das noites tranquilas, Da mata deserta, Da lua entreaberta Nas dobras do rio. Das mãos desejosas, Dos seios arfantes, Dos beijos cortantes No anseio do amor. Das frases que os lábios Não falam, murmuram E as brisas auguram Num leve rumor. E assim, num delírio, Julguei-te, ó, tristeza! A própria pureza Do amor que seduz Mas eras a imagem Do amor imperfeito, Do sonho desfeito Em gotas de luz.

Page 53: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

53

Só eras desejo Da carne incontida, No anseio de vida, Buscando outro ser. Assim me deixaste Sozinho, no mundo, Sem que um segundo Te possa esquecer.

Page 54: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

54

INCERTEZA Amor oculto que na vida tenho, Amor oculto que no peito trago, Amor que levo qual pesado lenho, Que fere e punge, mas que a rir, afago. Amor que luto com tamanho empenho Por um sorriso deslumbrante e mago. Que me é a vida, meu sublime engenho - Perdida estrela a deslizar num lago. Ah, se algum dia, deste amor, alguém, Que tanto adoro num delírio mudo, Também soubesse deste amor, também, Que me diria deste anseio louco? Recusaria deste anseio; tudo, Ou me daria deste amor um pouco?

Page 55: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

55

SE TU SOUBESSES... Se tu soubesses quanto sofro, quanto, Por não saber se sou ou não amado, E conservar-me deste amor, calado, Eternamente preso ao teu encanto. Em contemplar, ao longe, enamorado, Teu lindo vulto, causa do meu pranto, De te prezar assim, sem que, no entanto, Hajas pra mim o teu olhar voltado. Ah! Anseio vão. Ah! Quimera a minha, De te seguir, na sombra, os leves passos, Qual pobre servo atrás de uma rainha. Ah! Ânsia augusta, sinto de assim tê-la Eternamente presa nos meus braços, Na face algente de uma linda estrela.

Page 56: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

56

A CAIXA DE PANDORA Da mocidade a caixa de Pandora Trêmulo abri, em busca de aventura. Mas o que vejo desta caixa, agora, É um rosário imenso de amargura. Tento fechá-la. A dor que me devora Detém-me os olhos sobre a tampa escura, Enquanto o tempo, aos poucos, se evapora Em desengano atroz e desventura. Porém nem tudo ainda terminara: Uma figura feminil – a Iara Dos meus anseios – para mim avança. Era você, amor, que a minha vida Trouxe a ventura tão apetecida, A derradeira e pálida Esperança.

Page 57: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

57

QUEIXAS

Encosta a fronte no meu peito e deixa Eu ser feliz por um momento assim. Ouve, querida, minha triste queixa De não pensares um minuto em mim. Meu dia é triste, triste qual madeixa De teus cabelos – um negror sem fim. Deixa que eu viva nos teus seios, deixa, Foi de tão longe que adorar-te vim. Ah, não me escutas e eu te adoro tanto! Se choras – sofro, se te alegras – canto Um lindo canto em que de amores ardo. Se por instante o teu olhar sublime Me fita, a dor do meu sofrer redime. Escuta as queixas deste triste bardo.

Page 58: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

58

PELA ESTRADA DA VIDA Deitei-me à sombra do meu Destino E repousei a fronte no tronco milenar Da árvore da Vida. Um sol de juventude, purpurino, Me iluminava os tempos a brilhar Na Manhã apetecida. Ao meu redor, zumbiam as Venturas – Febris abelhas deste vão sonhar – Da louca Mocidade. Mirei a senda por onde andei – meu Passado; E a que andarei ainda – meu Futuro –, Deitado no Presente. Tudo hoje é luz, é sol, é juventude. Oh, queira Deus que nada disto mude, Quando a velhice chegar. Vou prosseguir no meu caminho agora, Vou pela estrada do Porvir embora, Outros sonhos buscar. Meu Deus quanto Espinho, quanta Rosa! Um fere aqui; outra, mimosa, Com seu perfume faz-me a dor passar. Aqui, neblina; ali, o sol resplende. É a vida. É a estrada que ninguém entende, Mas sempre por ela a passar.

Page 59: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

59

Os sonhos passam como os passarinhos, Cantando alegres ao redor do ninho, Fugindo de quem quer os alcançar. São vaporosos como as primaveras, Que se desfazem logo a começar. Vou caminhando. Que me importa a sorte?! Bem sei que um dia encontrarei a morte, Na mesma estrada em que a sós palmilho. Posso encontrar o amor na encruzilhada, E então minh’alma a outra alma entrelaçada Seguirem juntas pelo mesmo trilho. Vou caminhando, calmo e esperançoso. A vida, agora, é resplendor e gozo E a mocidade canta nos meus braços. Confio em Deus e em tudo que Ele encerra. E o meu porvir e o meu viver na terra, À boa estrela que me guia os passos.

Page 60: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

60

A VIDA A vida é tudo o que sentimos. Passa, Sem que possamos, entretanto, vê-la. Vive na luz, na nuvem, na fumaça. Na flor, no sol, no lago, numa estrela. Habita em nós e aos poucos se adelgaça, Buscando os anos que se afastam dela. Sente-a melhor aquele que a desgraça Da Morte, a Vida, seu dulçor revela. A vida é tudo: as emoções, as dores, O sentimento, as ilusões, amores O inconcebível que o universo tem. É tudo aquilo que se almeja e sente Pulsar no sangue, tumultuoso e quente, É um pedacinho de você, também.

Page 61: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

61

AQUELA CASINHA Ah! Se me lembro! Foi aqui, há tanto Há tanto tempo que morei contigo, Nesta casinha, que primor! Que encanto! Era meu terno e divinal abrigo. Mas certo dia, sem saber, no entanto, Abandonaste nosso lar amigo. E desde então a vida foi-me um pranto De desespero, que hoje, a sós, maldigo. E nas tardinhas, quando passo triste Por nossa casa triste e solitária, Lembrando o tempo em que de nós fugiste, Eu cuido ver, chorando, aqui de fora, Na solidão das pedras centenárias, A triste sombra deste amor de outrora.

Page 62: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

62

SÚPLICA Vai. A luz esquece a rosa emurchecida, No seio umbroso da floresta imensa. Que importa a crença, se me foge a vida, Que importa a vida, se perdi a crença?! Eras na vida tudo o que adorava. Eras meu Deus, a minha luz, meu guia. Eras a infância meiga que sorria – Perdida estrela que em meu céu brilhava. Eras meu Deus nas horas de amargura, Onde afogava o pranto em seu regaço. Que me cingia ao seu, num longo abraço, Meu corpo exausto que hoje a dor tortura. Eras a luz que em meu porvir brilhava, Fanal singelo neste mar de abrolhos, Que me guiava o barco e iluminava Aquele abismo, com seus belos olhos. Eras o amor sublime, a excelsitude Daquele sonho primoroso e lindo. Miragem bela onde o olhar se ilude, Rosas douradas no meu céu se abrindo.

Page 63: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

63

Mas tu fugiste como o doce arpejo, Vibrado em cordas de inspirada lira. Levou-te a brisa. Foste como o beijo Que vibra n’alma, mas que cedo expira. Outro roubou-te. Foi um céu formoso. Eu fui o vale lúgubre e tristonho. Foi ele um dia de esplendor e gozo, Fui eu a noite de passado sonho. Já do meu peito sofredor, deserto, Não pulsa mais o coração ferido. Embora longe, sinto-te ainda perto, Embora morto, sinto o amor vivido. Embora lute assim, para olvidar-te, Jamais me esqueço deste amor tão santo. E vejo o vulto teu em toda a parte, E vejo o teu olhar em todo o canto. Vai. Vai pra bem longe dos meus olhos. Deixa Que um dia possa deste amor viver. Ah, não reparas neste olhar, a queixa, Que vela os anos deste padecer?! Oh, tem piedade. Foge dos meus olhos. Deixa que eu viva mais feliz então. Sou como um barco dentre um mar de abrolhos, Tu és a luz da minha salvação.

Page 64: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

64

QUANTO TE AMEI...! Invoca o tempo em que passei chorando, Por nosso amor tão curto e passageiro. Invoca os beijos que te dava, quando Sentia as ânsias deste amor primeiro. Invoca as noites que passei sonhando Um lindo sonho pra nós dois, faceiro. Invoca as frases que dizia, quando Dormia à sombra deste amor primeiro. Invoca o aroma da roseira, ainda, Naquela noite fulgurante e linda, Quando, tristonho, o nosso amor findou. Invoca tudo deste amor tão santo, E saberás então, querida, quanto Meu coração só pelo teu pulsou.

Page 65: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

65

BUSCA

Quem nesta vida o facho da Esperança Não traz aceso dentro de seu peito, Talvez não veja, dentre um céu desfeito, Tremeluzir as luzes da Bonança. Porém a Gloria que o Desejo cansa De procurá-la, nunca traz proveito Ao desgraçado, louco de despeito, Que encara a vida com desesperança. Mas todo aquele que à existência traga, No peito, a fé, como fanal singelo, Fugindo às Penhas que o Batel lhe esmaga, Há de encontrar um dia (que ansiedade!) O desejado Porto, o doce anelo, A que chamamos nós: Posteridade.

Page 66: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

66

PAPAI NOEL Papai Noel, doce encanto, Naquele dia festivo Que nas tristezas revivo, Lembrando teu nome santo. Naquele tempo, cativo Não era eu deste pranto Que agora me aflige tanto, Que luto, mas não me esquivo. Oh, doce ilusão aquela De ver surgir à janela O rosto do bom velhinho. Papai Noel, peço agora: Minh’alma sozinha chora, Traz-lhe um amor, um carinho.

Page 67: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

67

NATAL Natal. Que amor! Que alegria! Meu coração reverdece, Lembrando a primeira prece Da minha infância. Eu pedia: - Papai Noel, neste dia Que todo o mundo enaltece, Que bom se você me desse Aquela bola. Queria... E assim ficava rezando, O meu presente esperando, Nos doces tempos de outrora. Deixava aberta a janela. Cantavam sinos lá fora, Naquela noite singela.

Page 68: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

68

DOMINGO CHUVOSO Eis um domingo que perdi. Lamento Ter sido o tempo nebuloso e frio. E à solidão de um quarto, assim, perdi-o, Em lentas horas de constrangimento. Ó ternas noites cálidas de estio! Não dispersei de vós um só momento. Agora vejo, neste esquecimento, Quanto lateja um coração vazio. Chuva, parai! Assim não posso vê-la. Oh, bem quisera, nesta noite escura, Brilhasse o facho de perdida estrela. E eterna lua pelo céu vagasse... Pra que pudesse, divinal figura, Num beijo humano, macular-te a face.

Page 69: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

69

PRIMAVERA DA VIDA Chega o verão. Pelo espaço Se estende o manto opalino. Há luzes em cada passo E em cada passo – um Destino. Em cada flor, escondido, Há um desejo a florir, E pela selva azulada O ardor tenaz do existir. Em todos os peitos se acende Um júbilo saturnal, Desde os seres humanos Ao rústico vegetal E há virações perfumosas, Correndo pelos jardins, Levando polens dourados Aos langorosos jasmins E tudo se agita e freme E tudo canta e sorri. Aqui suspira um Desejo, Se acende um desejo ali. E a natureza se expande Em som, em luz, em calor, Vertendo em tudo e em torno A sede imensa do amor.

Page 70: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

70

Assim, também, dentro em nós, Há seiva pura de vida, Quando o verão, de arrebóis, Rebenta-se, abre-se em sóis, Clamando a noite perdida. E os seres que em nós pululam Nossos instintos açulam, Numa ânsia de louco amor. E em nosso sangue se agitam, Querem viver, e palpitam, E expandem mais seu calor. Então sentimos que agora À nossa vida se aflora A própria razão do viver. E somos flores se abrindo, E somos veigas florindo, Para a eclosão de outro ser. Primavera, Juventude. Não há na vida quem mude A sua própria razão. São dois formosos sinônimos, São dois agentes anônimos Que dizem: Fecundação.

Page 71: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

71

METAMORFOSE “Nada se perde tudo se transforma.” Célebre frase em que Lavoisier Fez na crendice radical reforma, Do que o que morre tende a se perder. “Nada se perde, tudo se transforma.” Não sei por que tal frase me faz crer Que, palpitando na imprecisa forma, Há um mundo estranho procurando ser. Do chão que piso, na poeira; creio Que tais detritos do passado veio, E escuto vozes, num murmúrio vago. Então me iludo que à poeira assoma Os majestosos coliseus de Roma, E as toscas ruas da infeliz Cartago.

Page 72: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

72

UM LUSTRO DE GLÓRIA À associação dos ex-alunos da Escola Rui Barbosa

Primeiro lustro. Um passo ainda... e a Glória. Mais uma pagina épica na História Desta nação amiga e hospitaleira. Mais um rebento que viceja e cresce, Primeiras flores da futura messe, Que aos poucos medra em terra brasileira. Raios de sol filtrando-se entre bruma; Róseo botão que ainda não perfuma; Frágil casulo quase a rebentar. Porém mais tarde, um sol que o céu transmonta; Rosa purpúrea que no hastil desponta; E borboleta colorida a voar. Assim, também, és tu, por quem deploro Não ter um plectro aquele som canoro, Com que pudesse teu porvir cantar. Um sonho d’ouro que se concretiza, Uma promessa que se realiza, Mais uma estrela no cerúleo altar. Vai, Tu que caminhas num trilhar seguro, Que tens os olhos fitos no futuro, Cheio de vozes para te exaltar. Não se detém quem traz como patrono,

Page 73: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

73

Quem já possui na eternidade um trono, E quem teus passos há de iluminar. Foi Rui Barbosa o gênio brasileiro Que da tribuna, calmo e sobranceiro, Soube elevar o nome do Brasil. Foi o varão que embora pequenino De compleição, minúsculo e franzino, Quem mais mostrou ter gabo varonil. A Águia de Haya, foi este o cognome, Que mais ainda lhe emprestou renome E o projetou no palco universal. Também lutou, sofreu, pra que tivesse, Entre as figuras da passada messe, Sua figura excelsa, colossal. E o consegui. Porém com que esforço Não viu em pedra esculpir o torso, Uma nação inteira, agradecida. E a humanidade lhe cobrir de louros, E a eternidade lhe legar tesouros, Glorificando tão penosa lida. E assim, também, és tu, nesta jornada, Pelas auras da labuta, bafejada, Para a luta epopeica do vencer Caminhar, caminhar, é este o lema, Até os visos da fronteira extrema, Os sublimes limites do saber. Mas vencerás. E à sombra de teu manto As gerações futuras, num só canto, Hão de elevar um hino em teu louvor.

Page 74: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

74

Mas inda é cedo. Um passo mais... e a Glória. E o nome teu a fulgurar na História, Pendão augusto de beleza e amor.

Page 75: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

75

NO BAILE Dançava contigo, Talvez por castigo, Senti Tão grande ventura Que nunca tão doce Vivi. Teu corpo em meus braços, Ah, quantos abraços Te dei. Sentindo o perfume De teu corpo lindo, Sonhei. Ouvi que disseste Palavras celestes A mim. Meu peito pulsava Jamais eu vibrava Assim. Ah, doce delírio Nos giros da valsa, Meu Deus. Meus olhos risonhos, No lago dos sonhos Dos teus.

Page 76: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

76

Porém neste instante, A valsa brilhante Findou. Teu corpo formoso, O meu, langoroso, Soltou. Senti que te amava, Senti que encontrara Por fim, Alguém que fizesse Castelos de sonhos Pra mim. Busquei-te na sala. Queria falar-te De nós Mas não encontrei-te Fiquei num recanto, A sós. Queria falar-te Contar-te esta minha Paixão. Dizer por quem choro, Dizer que te adoro Em vão. Falar dos meus sonhos Dos dias tristonhos Sem ti. Dos meus devaneios, Dos tempos que nunca Vivi.

Page 77: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

77

Adeus! Foste embora. Porém teu perfume Ficou. E a tua lembrança À luz dos meus olhos Guardou.

Page 78: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

78

ÚLTIMO REFÚGIO Oh! Quem és tu, escravo da matéria, Que maculando tua essência etérea, Os olhos ergues, procurando Deus? - Eu já fui o homem que descreu da vida, Que trazendo a alma podre e corrompida, Buscou refugio pra os delitos seus. Outrora moço, não cuidei que o mundo Fosse tão vil, hipócrita profundo, Inspirador de sonhos infelizes. Agora trago, na velhice extrema, De pecador – o tétrico diadema, Da mocidade – as fundas cicatrizes. Ah! Como doe o relembrar passados! Pensar nos sonhos todos tão gozados, Quando a volúpia o nosso ser domina. A vida é a carne, meditava, crente, E então vivia plácido e contente, Gozando as ânsias que a paixão ensina. Exagerei, porém, o meu ofício. Agora vejo quanto malefício Me trouxe à vida este gozar insano, Pois esgotado todo o mel, a vida Perdeu-me o viço, qual a flor pendida, Quase esfolhada no tapiz serrano.

Page 79: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

79

Desesperado, quase no declínio De minha vida, sobre um rude escrínio, Busquei consolo para os males meus. E consegui, de novo, o que faltava, Na luz da crença, no saber e em Deus.

Page 80: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

80

O CRIME DE AMAR Proscrito Adão, também, deixei um dia Aquela terra amiga e venturosa, O Paraíso, que somente o goza, Quem conserva a alma, de ambições, vazia. E como Adão, por causa da enganosa Felicidade que não conhecia, Perdi a terra onde vivi. Perdi-a, Por um sorriso de mulher formosa. Ah! Foste tu, doce Eva do meu Sonho, Que transformaste num paul medonho, Meu sossegado lago da existência. Que me ofertas-te o fruto bom, proibido, - O Amor – que fez-me desde então banido Do meu pomar risonho da Inocência.

Page 81: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 82: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 83: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

83

A UM FETO Delito horrendo, crime tenebroso, Roubar a vida deste humilde ser, Mãe que repele do uterino pouso O fruto estreme do carnal prazer, Negando a vida e um seio caridoso A este pobre ente que, se a fez sofrer, Bem poderia, num porvir ditoso, Ser-lhe um amparo neste atroz viver. E neste crime contra a Natureza É que por vezes, sob o mar do Nada, Se ocultam jóias cheias de beleza. Quantos talentos morrem nos alcouces! Semente humana à terra despojada, Talvez um gênio luminoso fosses.

Page 84: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

84

MÁRTIR À memória do meu saudoso tio Henrique Rodrigues da Silva,

falecido a 15 de janeiro de 1952. Eis que chegaste ao termo da jornada! Descansa, agora, em teu funéreo abrigo Da sorte má que sempre andou contigo, Tornando-te a existência desgraçada. Hás de encontrar, enfim, no teu jazigo, A paz terrena que, tão desejada, Só procurou-te, quando ao caos do nada, Te abriu a terra o seio vasto e amigo. Descansa, pois, que o teu labor é findo. Tu que na vida padeceste tanto, Sem um lamento, sem um ai, sorrindo, Toda a ventura que há no céu mereces, E esta coroa de saudade e pranto Que ofertamos-te em lágrimas e preces.

Page 85: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

85

SONETO DAS HORAS Lembrança amarga de passados dias, Horas que passam compassadamente, A relembrar ao coração da gente Castos amores, ternas alegrias. Mágoa que vive presa eternamente Por estas horas lúgubres, vazias, A murmurar um nome docemente, Sob o compasso das pancadas frias. A murmurar um nome docemente... A recordar um tempo que, no entanto, Voltar a nós não pode novamente. Passam-se as horas, passa o Tempo e a Vida. Só não se passa de quem ama tanto Esta saudade funda e dolorida.

Page 86: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

86

VERÃO As aves voltam, procurando os ninhos Que abandonaram ao chegar o inverno. Quanta alegria esparsa nos caminhos! A Natureza é um sorriso eterno. O sol derrama capitosos vinhos Da taça rubra, num delírio averno, Banhando em luz os matagais vizinhos, Que a brisa beija num murmúrio terno. Os ninhos vibram de canções suaves. Das ribanceiras, nas esconsas naves, Estranha prece reza o ribeirão. A natureza é um sorriso eterno. Foram-se as nuvens últimas do inverno, Abrolha em cada peito uma ilusão.

Page 87: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

87

UMA HISTÓRIA DE AMOR Era uma vez... Assim sempre começa Alguma história dolorosa e triste. Assim, também começa a minha história De um grande amor que já não mais existe. De um grande amor que foi a minha vida, Meu doce sonho, minha mocidade, E que se resume, hoje em dia, apenas Numa palavra de amargor – saudade. Saudade amarga por que vivo agora A recordar aquele amor tão santo. Saudade amarga – o meu verso triste; Saudade amarga – meu dorido canto. Recordo bem: foi numa linda noite, Formosa noite de segunda-feira. O baile houvera já chegado ao auge, Quando nos vimos pela vez primeira. Vi-a. E meus lábios sem querer falaram. Meu coração pulsou inda mais forte; Mais parecia que previsto houvera Daquele amor a desgraçada sorte. Dançamos juntos pela noite inteira, Ardentes juras, a sorrir, trocamos. Já não se ouvia o rumor das salas Na vez primeira em que nos adoramos.

Page 88: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

88

Na despedida: dois olhares ternos. Pequena pausa... e logo um beijo ardente. O tempo havia para nós, parado; O mundo inteiro era nós dois, somente. Veio outro dia e outros depois vieram, Naquele ardente e divinal delírio. Era um minuto que passamos longe Um ano inteiro de cruel martírio. E nas primícias deste amor tão caro, Oh, quantas vezes juras suspiramos! Que fale a cinza deste amor sagrado, Naquele tempo, quanto nos amamos! Que fale a mágoa que curti sozinho E as cicatrizes que este amor deixou, Se alguém venturas como eu já teve, Se alguém um sonho igual ao meu sonhou. II Passou, no entanto, esta estação florida. Nada germina nesta vida ingrata. Deserto adusto que acalenta a planta Do amor e um dia sem piedade, a mata. Um dia, a morte lhe tornou nos braços O corpo lindo que eu amava tanto. Nada valeram minhas preces fervidas, Valeu de nada meu vertido pranto.

Page 89: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

89

Pálida e fria, sobre o esquife branco, As mãos cruzadas sobre o virgem seio, Mais parecia a própria Formosura Adormecida, do rosal, no meio. Cingindo a fronte descorada e branca, Uma capela inda mais branca, ainda, Dava-lhe ao corpo divinal e belo Toda a aparência de uma santa linda. Os olhos belos, divinais, cerrados, Qual meiga infante num feliz sonhar, Talvez dissessem que su’alma cândida Fosse pra longe, além do Azul, morar. Depois partiu num ataúde branco. Acompanhei-a ao derradeiro abrigo. Não a teria mais em noites belas, Entre os meus braços a sonhar comigo. Não mais veria aquele rosto meigo, Aquele rosto de divino encanto, Abrir os lábios e dizer: “- Querido, Como te quero; como te amo tanto!” Já não teria mais ardentes beijos, Nem um intento pelo qual lutasse, Somente magoas pela vida inteira, Somente rugas de amargor na face. Se houver, na terra, um outro amor tão santo Que já trouxesse tão acerba dor, Talvez não chegue pra suprir a mágoa Da perda imensa deste grande amor.

Page 90: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

90

Teu coração – palácio iluminado – Onde os requintes do esplendor impera, Refulge ao sol do meu amor, tornado Numa impossível, mas audaz Quimera. O seu recinto (sempre deslumbrado, Retendo uma ânsia que me desespera) Constantemente vejo engalanado, Aberto aos homens da mais alta esfera. No teu delírio de grandeza sonhas A vida cheia de ilusões risonhas, A ti somente a veleidade importa. Mas, que farás no declinar da Vida, Quando sentires n’alma corrompida Do teu palácio a resplendência morta?!

Page 91: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

91

CISMAS Quando minh’alma abandonar meu corpo, Serei eu morto para o mundo, então?! Não mais terei as emoções queridas Que tanto faz pulsar o coração. Que tanto adora a vida e vibra tanto Por um sorriso ou um olhar qualquer, E se extasia ante a visão ardente De um desejado corpo de mulher?! Não mais terei nas mãos enregeladas A maciez de um seio feminino, Nem uma voz zelosa que relembre As minhas traquinadas de menino?! Não sorverão meus lábios de outros lábios, Num beijo ardente, o vinho embriagador, O doce vinho que assedenta aos corpos, O vinho doce que se chama – amor?! Não mais verão meus olhos estes quadros, Cheios de encanto e de tanta poesia: O rio, o bosque, a cachoeira, tudo o Que nossa mente encanta e fantasia?!

Page 92: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

92

Não pensarei, nem sentirei mais nada, Já confundido pelo pó do chão, E retornando o pó de donde viera, Viver à sombra do que eu sou, então?!

Page 93: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

93

NÃO! Não deve ser a Morte o fim de tudo, Mas da Existência a perfeição suprema, Jogando ao chão o fardo que a comprime, Quebrando os elos da carnal algema. Não deve ser um fim, mas um começo, A liberdade de um destino atroz, A purgação do crime primitivo Que se repara, aqui, na Terra, e após. Cumprida a pena que lhe foi importa, Deixando o Mundo e os vis delitos seus, O corpo morre, mas a alma, liberta, Libra-se ao espaço, procurando Deus. Mas uma coisa me preocupa, ainda: Não morre o Amor na morte da matéria? Ou ele, na verdade, é imortal Fazendo parte desta essência etérea? Talvez o Amor a própria Essência seja. Mas se matéria, só matéria for? Então, melhor será viver na Terra, Carpindo mágoas, mas gozando o Amor.

Page 94: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

94

Por que temer a morte que te espera? Não é natural que morras? Portanto, Por que manchar nas águas de teu pranto O teu lindo rosal de Primavera?! Tem paciência! A vida é uma Quimera, U’a miragem de infinito encanto, Treda, falaz, mas que também, no entanto, Traz-nos, às vezes, afeição sincera. És moço ainda! A mocidade vibra! Distende o coração fibra por fibra A soluçar uma canção de amor. Esquece as mágoas que o porvir te espera, E despetala nesta primavera As lindas rosas do teu sonho em flor.

Page 95: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

95

O homem vive, ama, também sofre, um dia, Eis que a morte lhe embargando os passos, O arrebata, impiedosa, nos seus braços, Priva-lhe a vida calma em que vivia. Morre. Desfaz-se sob a terra fria O corpo seu no terrenal regaço. Tempos depois, sob o azulado espaço, Nasce uma planta onde uma campa havia. É u’a ressurreição. A planta cresce, Alimentada pela seiva humana Que sob a terra, aos poucos, apodrece. Homem! Não chores teu final na lousa. Antes te orgulha de na morte insana Servires sempre para alguma coisa.

Page 96: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

96

CONFISSÕES DE UM NABABO Sou rico, bem vês. Minha vontade Não encontra limites. Se desejo Uma mulher formosa, é, com vaidade, Que a vejo entregue no primeiro beijo. Jamais usei de tola gravidade Pra conquistar a dama que eu cortejo, Pois todas elas com lubricidade Cedem-me o corpo sem temor ou pejo. E sou feliz assim, sendo invejado, Pois tendo ouro, mulher, tudo o que quero, Desfruto a inveja de um sorrir forçado. Mas ninguém sabe a dor de que me exalço: Por não ser pobre e ter amor sincero, Do que ser rico e ter amor tão falso.

Page 97: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

97

PÁGINA ROTA Aquela casa solitária e escura Onde hoje o musgo do abandono encobre, Já foi morada, outrora, da ventura, Já teve lumes de um casario nobre. Naquela alcova de sutil pintura, Cuja janela aberta em par, descobre, Morou o gênio da falaz ternura... Naquela casa solitária e pobre. Hoje ela é triste, mas já foi, outrora, Um templo aberto onde rezar, senhora, Ornei de flores teu sublime encanto. Porém o tempo é bem mesquinho e avaro. Morreu-me a crença deste amor tão caro, Fechou-se o templo deste amor tão santo.

Page 98: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

98

AO DOCE ACORDE DAQUELA VALSA... O doce acorde desta valsa lenta Quanta saudade despertar-me vem! Recorda os sonhos que gozei outrora, Mas lembra as mágoas que sofri, também. Ó tu que vibras dentre estes acordes, Ó ser volátil que se agita ao vento, Serás acaso aquela que adorava, Ou és miragem só do pensamento?! Não és delírio que esta valsa asperge, Não és figura que a ilusão formou?! Indago o peito, o coração se cala, Nada responde se sonhando estou. Creio que isto é ilusão, mas sinto O teu perfume que o aposento exala. Estais, querida, junto a mim, agora, Ouço o murmúrio de tua voz que fala: Sinto o contato de teu corpo quente E a maciez de tua tez queimada. Sinto na fronte aqueles lábios mornos, Concha de amor, ardente e nacarada.

Page 99: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

99

Sonho que vivo no passado, gozo O doce anelo de estar junto a ti. Recordo os beijos deste amor tão falso Naquele tempo em que a sonhar vivi. Tens a cabeça sobre mim, pousada. Deliro e sonho – quão feliz eu sou! Mas de repente, foges de meus braços... Tudo se esvai... A valsa terminou.

Page 100: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

100

Pediste-me um soneto que falasse De mim, de ti, do nosso amor de outrora, Do pranto ardente que molhou-te a face, Da dor imensa que em teu peito mora. Também pediste que nele contasse Se eu sou feliz no meu viver de agora, Se ao relembrar aquele amor fugaz, Lamento o sonho que hoje é morto, embora. Pediste-me um soneto, mas no entanto, Como dizer-te posso, em poucas linhas, Tão grande mágoa que me aflige tanto?! Mas... eis cumprido o que pedido tinhas: Guarda estes versos que reguei de pranto, Neles afoga umas saudades minhas.

Page 101: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

101

ASTRAL Passaste em minha vida num segundo. Mas este pouco instante em que te vi, Não sei que cega adoração senti, Ante a beleza deste olhar profundo. Astro fugido de ignoto mundo, Que tanto amei em louco frenesi, Por que tão cedo teu amor perdi, Por que tão cedo nesta dor me imundo?! Cometa errante que cruzaste os ares, Quando de novo por aqui passares, Lembra de alguém que embalde te adorou. Para um instante teu trilhar incerto, Brilha, formoso, no meu céu deserto, Onde a ventura há muito abandonou.

Page 102: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

102

SIMBOLISMO Ó mãos tristes, geladas, sem ternura, Sem carícias, sem ânsias, sem desejos! Rubros lábios de imácula candura, Sem sorrisos, sem frases e sem beijos. Níveos seios de heráldica brancura Que não falam volúpia, nem ensejos! Fria estátua de pálida criatura Tão alheia à linguagem dos arquejos! Triste ser de um temor impenitente, Cujo sonho de Amor lhe foi frustrado, Já não sonha, já não vive e não sente. Ó, criatura impassível, eu vos vejo: Espantalho, no Mundo, acorrentado, A se embalar aos Ventos do desejo.

Page 103: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

103

HIMENEU Unindo os sonhos de donzela ardente À deslumbrante e doce realidade, Espera o instante, impacientemente, De realizá-los todos, de verdade. E enquanto cisma, pelo corpo, sente, Ao se romper o véu da castidade, Vibrar o sangue, de volúpia, quente, Num largo anseio de felicidade. Agora, juntos, busca, inebriada, Na tibiez da erótica vertigem Em que, aos poucos, vai sendo tomada, Gozar no espasmo último que vier O derradeiro instante de uma virgem, No seu primeiro instante de mulher.

Page 104: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

104

CAÇOADA LATINA Querendo um dia ser nominativo De teus carinhos que não queres dar, Busquei nas manhas falsas do ablativo Do teu esquivo amor me aproximar. Mas conhecendo logo o acusativo Dos meus desejos, antes de os falar, Tu me negaste o amor do genitivo E nos dativos foste te ocultar. Agora, só, usando com tristeza Meus vocativos, tenho mais certeza Que inutilmente te amarei. E assim, Em todos casos da declinação Busquei embalde achar teu coração, Que terminei perdendo o meu latim.

Page 105: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

105

POR QUÊ?! Por que lutamos, padecemos tanto E inutilmente, pela vida inteira, Se ao vir a morte perde a vida o encanto, Nada mais somos do que cinza e poeira?! Por que sempre o homem há de erguer um canto A uma alegria rara e passageira, Alimentando uma esperança, enquanto A vida passa em ilusões, ligeira?! Por que sorrimos, quando padecemos?! E confiamos num futuro em que Tudo é incerto e disso bem sabemos?! Por que noss’alma no que sonha, crê?! Por que no mundo a padecer, vivendo?! Por quê?! Por quê?! Por quê?! Por quê?! Por quê?!

Page 106: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

106

ARQUIVOS D’ALMA À memória de uma companheira de infância

Quando morre alguém que prezo e que estimo Caio em mim numa cisma colossal, Se este alguém que morreu, vindo do limo, Voltou ao seu estado original, Ou se vaga perdido como um sonho, Numa forma imprecisa, diafanal, Ou se sumiu pra sempre no medonho Redemoinho da ilusão final. Eu penso, às vezes, quando assim me ocorre Uma esperança pálida e esmagada De que volvendo em pó a carne, em nada A minha essência, o eu de mim, não morre. Mas que destino tomarei após?! Eternamente vagarei no espaço, Longe da vida, deste mundo, a sós, Como uma sombra, como um som, um traço?! Não! Porque a morte deve ser talvez Alguma causa do mais alto intento, Que nos transcende o próprio pensamento, Fugindo às regras das humanas leis.

Page 107: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

107

Assim, pensando, gozo de um conforto Que a crença aumenta e que a razão deprime, E de incertezas vago sem um porto Neste dilema que minha’alma oprime. Viver, morrer, depois... o Nada. È triste Saber que um dia tudo findará, E quem prezamos já não mais existe - Foi como um sonho que hoje morto está. Por isto choro a tua morte, entanto, Aqui teu nome revelar não quero, Somente um verso que te leve um pranto De uma saudade e de um amor sincero. Que estes meus versos te relembrem tudo Da nossa infância tão gostosa e calma, E seja, enfim, como um correio mudo Que nos fale de um’alma para outra alma.

Page 108: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

108

A VELHA ÁRVORE Sou uma arvore velha, sem frutos; sem flores, Sem sementes, sem nada, na Veiga da vida. Já há muito passou a estação dos amores, Já me sinto aos vigores do inverno, abatida. Que importa este sol que ilumina-me a fronde, Que importa este rio, serpeando a meus pés, Se a vitalidade de outrora se esconde! Em meu cerne mal passa esta seiva nutriz. Minhas folhas caíram, meu tronco secou, Foi-se a frágil quimera de um tempo feliz. Já não ouço os gorjeios das aves de outrora. Todas elas se foram, nem voltam jamais. E meu tronco caído (colossal, outrora) Já nem sombra e abrigo oferece... não mais... Sinto, enfim, que morreu-me à ilusão, mas, contudo, Inda trago no peito uma terna alegria: É de ver que fui útil na vida conquanto Nada tenha de mim. Oh, que amarga ironia! Junto a mim os meus filhos que crescem, risonhos, Procurando bem alto o ideal de subir. Mocidade que dorme nas harpas dos sonhos, Sem cuidar das rijezas ferais do porvir.

Page 109: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

109

Mocidade! Os meus ramos cansaram de ti! Mocidade! Que serve esta tola vaidade! Vem após a velhice, te expulsa daqui E nos deixa na vida a morrer de saudade.

Page 110: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

110

ALELUIA À CARNE Que importa o vento que me corta o rosto E enregela o coração?! Este Inverno frio, Esta Noite pejada de chuva e de horrores, Se estás em meus braços?! Se eu tenho junto ao meu O teu seio palpitante?! Se me aqueces com teu amor, Se me confortas com tua carne?! Nada mais quero. Alem de ti, o mundo nada mais vale. És a própria Vida! Primaveras da Mocidade Vagam pelos montes de teus seios, Pelo vale de teu regaço. Aquece teu corpo Este sol de Desejo, Que provoca, Que insinua, Que convida. Deixa que a vida passe, Que o tempo passe, Que tudo passe. Quero-te apenas junto a mim, Sentindo o teu corpo, Gozando o nosso amor, Unindo nossas vidas. Ainda chove! Não receeis,

Page 111: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

111

Se o mundo não entende o nosso amor. Se ele é profano, Se é devasso, Que importa?! É o nosso amor. Assim nos fez a Vida. Vamos! Abracemo-nos mais. Por que temer? Amanhã um novo Dia surgirá. A aurora virá, cantando, Iluminar os campos escurecidos da madrugada. As névoas fugirão. Ao calor de um novo Sol O Inverno se irá. É a Primavera que volta. E a Vida recomeçará para nós, Bela, sempre bela, esplendidamente bela. Então seremos esquecidos. O Mundo se esquecerá de nós. E poderemos gozar, Sem temor algum, Este amor ardente que nos querem privar. Ouves?! Já os galos se amiúdam Nos terreiros umedecidos. É o Dia que nasce. Abracemo-nos de novo. Quero que a alvorada nos encontre juntinhos, Como duas conchas no fundo do oceano.

Page 112: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

112

NOTURNO Ah! Quem dirá o encanto sugestivo Que vem das noites calmas, enluaradas?! A sombra cúmplice, o perfume ativo Que exalam flores?! Confissões veladas De eterno amor, no instante fugitivo Das ânsias de volúpia consumadas, Que as brisas trazem como um lenitivo, Como um consolo às almas desprezadas?! Ah! Quem dirá o encanto que a paisagem Noturna invoca ao coração da gente, Ardentes sonhos, quando, entre a folhagem, A lua entorna seu luar albente, E a flor perfuma, na sutil aragem, Toda a ternura que noss’alma sente?!

Page 113: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

113

DEVANEIO Por entre a névoa de um cigarro, enquanto Mergulho os olhos na sutil fumaça, Eu cuido ver teu vulto, este quebranto, Que lentamente por meus olhos passa. Primeiro o rosto de sereno encanto, Depois, os seios, de indelével graça, Enfim o corpo escultural, recanto De devaneio e sedução devassa. Ó tenras carnes, que apalpei, arfante! Mulher querida, fruto desejoso, Mais cobiçado quando está distante. Fustigas-me o desejo, e indiferente Passas por mim, fantasma nebuloso, A açular-me a volúpia docemente.

Page 114: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

114

DESENCANTO Sentir que aos poucos foge-me a esperança De estreitá-la, de novo, no meu peito, Notar em cada gesto meu despeito Por saber que de mim ela se cansa; Conhecer que jamais sua lembrança De mim se apartará e, contrafeito, Sentir que ficarei sempre sujeito As suas faceirices de criança; É conhecer-se escravo a vida inteira De uma esperança ingênua e traiçoeira Que só amargas ilusões me faz. É ver-se assim, sonhando a cada instante Embora ansioso que a razão espante Esta saudade que sua ausência traz.

Page 115: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

115

SENSUS ABSUNT VERBO Não há no verso uma só rima exata Para exprimir um bem que não se alcança, Uma ilusão fugaz, uma esperança, Doida quimera que a razão nos mata. Não há uma só rima, por mais grata, Que nos expresse uma alegria, a mansa Recordação dos tempos de criança, Que a nossa mente em viva cor retrata, Não há uma só rima predileta Que exprima os gritos desta voz secreta, Filhos diletos de um oculto drama, A saudade, o amor, toda a ilusão malvada, Que nos embalam a alma atormentada, Que ri, que sonha, que padece, que ama.

Page 116: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

116

SOMENTE O SONHO Já não me queixo mais do mundo, embora Muitos blasfemem contra o seu grilhão. Se já sofri, se fui feliz, agora Conservo calmo e limpo o coração. Ah! quantas dores a razão deplora! A vida é curta, curta é a ilusão. Só a esperança do sonhar minora Todos os golpes que os fados dão. Que vale a vida? Que beleza encerra? Luta-se tanto por viver e, um dia, Tudo se finda ao som da pá na terra. Que vale o pranto que nos vem do olhar, Se nesta vida de ideais, vazia, Só paga a pena de viver, sonhar?!

Page 117: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

117

POETA

Vontade de viver, vontade imensa De propagar ao mundo esta alegria Que me transborda n’alma a melodia, Cheia de sons e vibração intensa! Vontade de chorar, negra descrença! Oh, desespero! Oh, magoa! Oh, nostalgia! Parece-me que a vida se condensa Nesta apagada e pálida poesia. Vontade de fugir... Loucos desejos... Sonhos, lamentações, vozes confusas, Crepitações de sangue em doces beijos. . Mundos a vibrar... Ânsia secreta... Ó, minh’alma, ó, minh’alma, como abusas Do coração sensível do poeta.

Page 118: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

118

SAUDADE Olha este instante que passou. Agora Detém os olhos no que vem após. Vê como a vida passa de hora em hora, Irredutível, nesta marcha atroz. Recorda os beijos que me deste outrora, Recorda as juras que te fiz depois. Onde estão eles, onde está, senhora, Aquele amor ardente de nós dois?! Oh! Tudo passa com a chama ardente Que muito brilha, mas que logo apaga, Ficando a cinza desta luz. Na gente, Quando um amor o nosso peito invade E brilha e morre, fica sempre a vaga Cinza gelada desta luz – Saudade.

Page 119: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

119

INVERNO É o tempo em que das nuvens A caravana vem vindo; E a poeira do seu tropel Vai pelas veigas do céu O dia claro encobrindo. É o tempo em que o vento Geme lá fora em degredo, Fugindo de algo, de alguém, Fugindo, sempre fugindo, De algum terrível segredo. É o tempo das noites longas, Do silêncio e da quietude, Da solidão que atormenta, Das horas tristes, da chuva, Sem que este quadro se mude. É o tempo das noites frias, De tudo gelado em torno. De historiazinhas bonitas Que a preta velha contava Ao doce calor do forno De lendas de almas penadas, De casas mal-assombradas, Cheinhas de assombração. De passos dentro da noite Que a gente cuidava ouvir, Com pulos no coração. É o tempo dos negros crimes E de outras coisas a mais. Inverno tempo sombrio... Dá-nos um medo... um vazio... E é um tempo como os demais.

Page 120: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

120

EVOCAÇÃO Aqui neste recinto enluarado, Onde o sonho ao amor uniu seus laços, Aqui repousa sempre embalsamado O vulto de quem tive nos meus braços. Ele conserva sempre os mesmos traços Da inesquecível noite do passado, Daquele sonho bom, sempre lembrado, E que me segue, pelo Tempo, os passos. Aqui neste lugar, que hoje revejo Nasceu-me a flor do meu primeiro beijo, Na veiga virgem do primeiro amor. Aqui, neste lugar, amplo e deserto, Pulsou meu coração de um outro, perto, Juntos, bem juntos, como o orvalho e a flor.

Page 121: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

121

CONTRIÇAO Perdoai-me, Senhor, se eu ansioso busco A luz que ao longe cintilar prevejo. Quanto mais vivo ainda mais desejo Achar-vos antes do meu lusco-fusco. Amparai-me, Senhor, se, incréu, fraquejo, Também perdoai-me se, num gesto brusco, Os raios puros da Razão ofusco, E contra Vós, tão justo e bom, trovejo. Vêde, Senhor, só basta ser humano Para se errar; e pela vida inteira Viver eternamente deste engano. Errei, confesso, mas não sei se é crime Tentar romper das trevas a barreira E achar em Vós a luz que me redime.

Page 122: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

122

HARMONIAS A música é a porta do Passado. Entremos. Cada acorde, cada arpejo, Sugere um mundo nunca então sonhado, Desperta sonhos de sutil desejo. Entremos. Seu recinto iluminado Acorda um tempo que passou. Prevejo Que soluçando por aquele lado, Vaga o fantasma de um perdido beijo. Andemos mais. Pelo caminho quantas Recordações gentis, enquanto cantas, Ó, violino, esta canção que embala! Mas que tristeza, no final arpejo. Ao se esvair esta visão que vejo, Quando esta voz tão divinal se cala!

Page 123: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

123

A UMA CORRESPONDENTE Muitas vezes o amor transpõe fronteiras E vai longe, muito longe, além, buscar Alguém que sonha que ele espera e anseia, E que só pode em sonho imaginar. A forma vaga que ele adora, os gestos Da criatura que criou, distante, E que somente as letras de uma carta Podem dizer da vida desta amante. Delírios d’alma, bem dirão os tolos. Porém quem pode desvendar o arcano Dos sentimentos todos que se agitam Dentro do estranho coração humano?! Quem pode descrever seus desvarios, Os seus desejos loucos, incontidos, Que vão de encontro à própria consciência E torna os homens sãos em pervertidos?! Que subverte em mau, quem era bom. Que faz de um homem justo – um assassino, Que torna em sonho a vida de um descrente, E faz um sábio se tornar cretino?! O amor é planta rara e singular. Nasce de um pranto, de um olhar, de um riso. Nasce de um ódio até, de tudo enfim, E brota n’alma sem nenhum aviso.

Page 124: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

124

Portanto, que surpresa pode haver Se em nós nascer o amor, sublime enlevo, Das cartas fervorosas que me escreves, Das fervorosas cartas que te escrevo?!

Page 125: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

125

POEMA DA MADRUGADA A noite envelhecida. Uma por uma As estrelas morriam como os sonhos. A própria lua já não tinha aquele Brilho nitente das passadas horas. A noite envelhecia. Os seus cabelos Brancos se enovelavam pela linha Quase apagada e cinza do nascente. Amanhecia. A morte... e o frio... o gelo... Da morte a brisa pervagava errante. Era um gemido frio que gelava O sangue e o coração parar fazia. A noite envelhecia. Já as cores De seu semblante, aos poucos, desbotavam De uma palidez que as luzes da alva Tornavam mais solene e mais tristonha. Era de vê-la, assim, morrer aos poucos, Sem aquele esplendor da meia-noite Que eu pensei em nós, no nosso amor, Que ainda é chama, que ainda é fogo e abrasa. Em nós que somos jovens e que amamos, Cheia de sol a vida e o sangue cheio De abrasadores sóis de mil desejos. E pensei em nós, nos nossos beijos, Nos nossos sonhos que são belos e onde O nosso amor é centro do sistema Que rege o nosso ser e a nossa vida. Pensei em nosso amor... pensei em tudo, Comparando-os à noite que morria. Quando formos velhos! Ah! Quando este sangue

Page 126: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

126

Já não pulsar de gozo e de ansiedade, Morrer o amor, e o coração querido Gelar dentro do peito, embalsamado! E a mocidade, enfim, que o ser anima Murchar as suas rosas prediletas, Que será de nós velhos e sem sonhos, Sem este amor carnal que nos exalta E é consolo e sombra e sonho e vida?! Desesperei. Contudo, estranha voz Bradou-me dentro em mim: “- és jovem ainda! Esquece esta aflição e dorme e sonha. Que importa o teu futuro, se ainda tens Tua cabeça imersa no presente?! Que fazes tu, pensando?! A mocidade Não se fez para negros pensamentos. O amanhã? Ora, o amanhã... só Deus sabe O que será de nós. Portanto dorme, Sonha e espera.” E adormeci, pensando No amanhã tão sonhado que terei Nos meus braços, tremendo de ansiedade, O teu corpo que adoro e que desejo.

Page 127: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

127

AULA DE AMOR Silêncio, meu amor. Não quebres com palavras Todo este instante inefável. Calemo-nos. O silêncio é mais expressivo. Nossas mãos, Nossas bocas, Nossos corpos, Sabem melhor exprimir a linguagem do coração. São mais sugestivos; Falam melhor de amor. Silêncio... Ele significa tudo. Por que falar, Arquitetar frases num momento como este?! Deixe que os lábios falem por si, Digam palavras tolas, sem nexo, Sejam elas apenas murmúrios, Suspiros, desejos, aspirações Dos nossos corpos que se amam, Das nossas almas que se fundem numa só. Eu sou teu, és minha, o mundo é nosso... Lá fora – a Vida; E aqui dentro – o Amor. Nós dois sozinhos: Eu, tu, nosso amor... Nosso silêncio, E os gestos...

Page 128: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

128

ROMANTISMO Nos meus sonhos de jovens te dei certo dia A coroa de versos que a ti dediquei, Como reino te dei minha vida vazia E depus aos teus pés o meu manto de rei. Entreguei meu Destino que a ti pertencia Desde quando te vi, e sem normas nem lei, Governaste em meu peito com tal tirania.… Foi um tempo bem longo que eu mesmo não sei. Já cansada, talvez, de tão longo reinado, Me entregaste a coroa de rei destronado E partiste sorrindo de mim. Desde então, Eu sozinho, sem Sonhos – meus guardas de outrora – Hoje choro a desdita da vida de agora E o castelo em ruínas do meu coração.

Page 129: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

129

TIMIDEZ O meu silêncio e o teu silêncio. Eis tudo Que nos confrange e oprime o nosso anseio. Não sei por que esta paixão me veio E a minha timidez tornou-me mudo. Só sei que te amo; e que tu me amas, creio. Tenho certeza de que não me iludo. E assim animo esta paixão, contudo Não nego, meu amor, tenho receio. A nossa timidez é o nosso drama. E sofremos, assim, inutilmente, Fugindo desta voz que em vão nos chama. Por que todo este medo inútil, vão?! Vivamos nosso amor que é tão ardente, Gozando os novos dias que virão.

Page 130: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

130

APENAS UMA LEMBRANÇA Convém dizer neste soneto o quanto Inutilmente a te esperar vivi?! E as esperanças todas que, no entanto, Uma por uma a se acabar senti?! Vale contar o negro desencanto E as amarguras todas que sofri, Ao conhecer que já te amava tanto E não podia mais viver sem ti?! Vale evocar o sonho que hoje é morto?! E reviver o amor, transfigurado Pelo abandono, no funéreo horto?! Não! Pois somente vale esta lembrança De que te amei e nunca fui amado E que vivi apenas de esperança.

Page 131: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

131

AO HOMEM Reprime as ânsias do prazer mundano! E crê que o amor que te avassala o peito É uma minaz doença e, em teu proveito, Nos teus amores passa um negro pano. Vê quantas magoas! Quanto desengano! Quanto delírio nunca satisfeito, Num coração minado de despeito Pelo veneno de um amor cigano! Crê na ilusão de amar e em teu silêncio Vence este amor fugaz, terrível, vence-o Numa atitude de senhor, risonho. E indiferente, sufocando a dor, Vejas passar num halo de esplendor O funeral pomposo do teu Sonho.

Page 132: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

132

Felizes os homens que não pensam, Que vivem a vida como um ser à parte, Vazia a mente e o coração tranquilo E o sangue frio de emoções mais altas. Felizes os que não sentem dentro em si O borbulhar de mundos, E o anseio de vomitar aquilo Que sentem palpitar no cérebro. Felizes o que não pensam, nem indagam O por quê das cousas que os rodeiam, Que não têm sensações, nem sentem n’alma O delírio sublime dos êxtases. Felizes os que não pensam e que vegetam À sombra de algum roble gigantesco E comungam de uma fé que desconhecem. Felizes os que não sentem a mente arder Na gestação de mundos, de visões, Nem sentem nas longas noites de insônia A voz misteriosa de seu gênio. Felizes os que não têm um só momento A loucura que se eleva à divindade, Nem sentem a carne desfazer-se em brumas, Nas sensações sublimes de infinito. Felizes os que creem porque não sabem, Nem indagam a si mesmo por que creem, Que vivem a vida em função da vida, Tendo por única aspiração Satisfazer as ânsias do seu sexo Na intimidade da mulher amada. Felizes os que não pensam, os que não sentem. Piedade, porém, para estes homens, Estes pobres homens que não vivem.

Page 133: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

133

POESIA À MULHER QUE PASSOU O teu vestido desenhou tuas formas E realçou a natureza de carne palpitante Que se exubera em ti, Cheia de vales e de montes, De contornos sensuais E veladas reentrâncias. Passaste ... Ao compasso rítmico de teus passos A natureza inebriada Agitava teus montes... Acentuava teus contornos... E o meu olhar te seguiu, Grudado as tuas formas, Numa visão de volúpia, Acompanhando o teu vulto, afastando-se No cadenciamento de teus passos.

Page 134: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

134

MULHERES

Quantas mulheres há por este mundo De uma beleza e perfeição sem par, Que mais relembra com seu ar jucundo Uma lendária Vênus milenar. Quantas mulheres há, mas que, no fundo, Só têm beleza e distinção no olhar; Cujo fascínio lembra num segundo O alumbramento do fulgor solar. Mulher formosa – fruto do progresso Da veleidade tola que o processo Da moda ingênua faz-se seu senhor. Tua beleza não me engana mais. E Deus me livre de inda crer no amor De ti, mulheres artificiais.

Page 135: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

135

A TUA SOMBRA Quisera a persistência de uma sombra Para alcançar o tudo quanto almejo, Enquanto houvesse luz que refletisse A sombra de teu vulto – o meu desejo. Quisera ser a sombra de teu vulto Para viver contigo eternamente. Viver na tua vida e fazer parte De ti e tu de mim, completamente. Quisera ser a sombra de teu vulto A fim de te imitar todos os gestos. Dormir no mesmo leito em que tu dormes, Ouvir de tua voz meigos protestos. Quisera ser a sombra de teu vulto Para saber de perto os teus segredos, E desejar teu corpo, embora, esquiva, Negues teu corpo à sanha de meus dedos. Quisera ser a sombra de teu vulto Para seguir-te, assim, por toda a vida, Como a sombra de teu vulto que hoje trago Sobre a minha existência, refletida.

Page 136: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

136

PERSEGUIÇÃO Tu não podes fugir de mim, conquanto Lutes contra mim, galhardamente, E assim te faças fria e indiferente Ao meu olhar que te dirijo tanto. Que não me amas eu sei; e, francamente, Tenho raiva de ti, do teu encanto. Mas que culpa tenho eu, se este quebranto Se apoderou de mim, completamente?! A culpa é tua, não lamentes pois Se eu te persigo, já que és a razão Desta comédia inútil de nós dois Não tentes mais fugir: não dou-te ensejo. Por mais que te debatas é em vão, Contra os fortes grilhões do meu desejo.

Page 137: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

137

SUBLIME PECADO Não foi loucura aquele breve instante, Sublime instante de incontido anseio, Em que tua boca, palpitando, veio Unir-se a minha, louca e palpitante. Se foi loucura de dois loucos, creio Não haver outra igual e tão vibrante Que dentro d’alma mais ardente cante E faça o coração parar no seio. Bendigo esta loucura que me anima E faz com que meu sonho paire acima Das regiões da luz que além prevejo. Bendigo o nosso amor e a ti, querida, Que conservas virtuosa minha vida, No sublime pecado do teu beijo. .

Page 138: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

138

Os versos têm vida como a gente E como a gente, vivem e também morrem. De sua curta estância resta apenas Uma inscrição – assim como as pessoas – Sobre a folha branca de um papel. Há outros, porém, que à semelhança De pessoas humildes, obscuras, Morrem no olvido. - São às pessoas que não tiveram nome - São os versos que não se escreveram.

Page 139: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

139

SUGESTÃO DO MEIO-DIA Quando se morre e se transforma em pó O coração que já pulsou um dia E se mistura com a terra fria, Naquele exílio, amargurado e só. Não morre junto àquela massa inerme O grande amor que ele levou da vida, Nem apodrece, como a carne infida, O sentimento que o não rói o verme. Ele perdura sempre eternizado No seio-mater que na terra o aquece E vai chorar, no germinar da messe, Toda a ventura de um viver passado. E ao meio-dia, no auge das paixões, Quanto se agita a terra em vibrações, Reverberando em luz de serra em serra, Parece até que as vibrações dest’hora São vibrações de um grande amor de outrora, Nos corações que pulsam sob a terra.

Page 140: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

140

RUA AUGUSTA Rua Augusta, Velhos sobrados Do meu Recife menino. Batidinha de sol Como uma velhinha a cochilar. Como eu gosto de ti! Ai, passei a melhor parte minha infância, Correndo por tuas calçadas, Brincando no meio da rua, Quase coberta de um capim verdinho Que a Prefeitura sempre mandava arrancar. Como eu gosto de ti! Rua Augusta, Pedaço de minha infância; Onde eu brincava, Onde eu sonhava Meus doces sonhos de criança! Cadê teu menino, Rua Augusta, Que brincava dentro ti E que te amava tanto como eu te amo?! Ele fugiu de nós, Do tempo, E se foi esconder bem dentro de mim. Às vezes eu o ouço soluçar... É quando chega o Natal; Talvez lembrando de ti... Ah! Naqueles tempos, Saudosos tempos, quando eu cria ainda em Papai Noel!... Era ali,

Page 141: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

141

Juntinho daquele porte, Que conversávamos, Eu e meus amigos, Dos presentes da noite. Ah! Minha boa amiga, Como eram belos aqueles tempos! Hás de bem recordar... Eu, por mim, nunca os esquecerei. Hei de sempre ver, ao passar por ti, A figura daquele garoto, Traquina e arrogante, Brincando de artista, Correndo por tuas calçadas, Este garoto que um dia Se escondeu, dentro de mim.

Page 142: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

142

ESTES VERSOS São meus pobres versos mal escritos, sei, Que não dizem nada... mas que dizem tudo, Porque os nomes guardo, no seu contendo, Das mulheres todas que com ânsia amei.

Page 143: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

143

ETERNO CULTO Velho tema de amor! Antiga crença Que quanto mais o Tempo a envelhece, Mais confiança e fé nos oferece, Qual uma velha catedral imensa. Velho tema de amor! Quanto parece A majestosa pompa de Florença, Sempre adornada de uma glória intensa Que o homem e o tempo inda mais enaltece. Velho tema de amor! Fontes perenes De inspiração eterna, renovada Como existência da lendária Fênix. Templo de luz, onde minh’alma ardente Celebra um culto a deusa idolatrada E a ela implora um sonho, eternamente.

Page 144: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

144

CONFISSÃO Matei, confesso, foi um crime horrível. Matei sem compaixão e sem piedade... E ainda por muito que pareça incrível Matei quem mais amava de verdade. Um dia a conheci. Fiz-lhe amizade. Era bela e eu, feliz... era infalível Que a tal desvairo de felicidade Houvesse a sombra de outro alguém, visível. Foi meu último amor... hoje ela é morta. Não amarei jamais, porém que importa?! Sozinho viverei. Ó, solidão, Sê tu a cela deste criminoso Que em prol da vida de prazer, de gozo, Matou no peito a última Ilusão.

Page 145: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

145

AO LUAR Esta luz que me cobre o semblante parado E acelera a paixão que em meu peito se estua, Foi a tênue cortina de um sonho gozado Que juntou num só corpo a minh’alma e a tua. Bem relembro, hoje só, este estranho passado, Esta doida ilusão que não mais continua, O teu corpo macio, o teu beijo molhado, Nossos passos ferindo o silêncio da rua. Mas já tudo passou. Entretanto a lembrança Que ainda guardo de ti é tão grande e tão forte, Que inda sonho contigo e ainda tenho esperança. É loucura bem sei, mas que a mim não importe Ser tão grande este amor que minh’alma não cansa, Pois comigo ele irá aos domínios da morte.

Page 146: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

146

PASSADO

Tudo se passa em nossa vida como Um sonho bom ou mau. Só o Passado É a realidade do que fomos, Na evocação dos sonhos já gozados. Tudo o que seremos e o que somos São quadros de uma vida, começados; Mais uma folha a se escrever no tomo De algum viver ainda continuado. Só o passado existe. O mais se passa Como o delírio de uma mente insana. E tudo é sonho, uma ilusão, fumaça... Presente, que és tu?! Traços sem norte Por sobre a tela da existência humana Só concluída, enfim, depois, na morte.

Page 147: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

147

CORPOS Ó corpos de mulheres, brancos, macios, A provocar volúpia e a dar ensejos. Tão brancos como a neve sobre os rios; Quentes – da chama viva dos desejos. Ó corpos de mulher, nevados, vi-os, A se entregar às ânsias dos cortejos, Estremecer em breves arrepios À sensual carícia dos meus dedos. Ó corpos de mulher, níveo teclado, Onde meus dedos interpretam, lentos, A melodia quente do Pecado. Como inspirai baladas e sonetos! E faz-me lembrar-me de sensuais momentos Com certa dama de cabelos pretos.

Page 148: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

148

ESPERA A solidão desenha as tuas formas E em meu silêncio, em vão, tento buscar-te. Onde estais que meu gesto não te alcança, Se te pressinto em mim, em toda a parte?! Há muito que partiste, mas teu corpo De mim não se afastou e embora ausente, Eu te desejo mais, quando estais longe, Do que perto de mim, se estais presente. Eu te desejo imensamente como Deseja o monge a solidão da cela. Na tua carne eu me conforto e aqueço, Esqueço o mundo, se estou junto dela. Há perfumes de alcova no teu corpo, E nos teus olhos – noites de Pecado – Quando cerras dos olhos a cortina Para o gozo do amor, inacabado. Se estais longe de mim, quanto te adoro! Quanta tristeza tua ausência traz! O meu corpo te quer, o amor reclama, Tremo de medo que não voltes mais. Se não voltares!... Ah! Se não voltares!... Há de queimar-me o sangue este desejo. Vem acalmar o incêndio que me lavra, Na chama inda mais quente do teu beijo.

Page 149: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

149

E como custas! Meu olhar é fogo. E em todo canto eu te observo, ansioso. Não tardes muito, traz contigo a chave, Que abre esta noite de loucura e gozo. Quantas poesias eu rasguei, pensando Seguir da Natureza o exemplo são, De entre os seus filhos ir selecionando Os que sua essência representarão. E há muito tempo, assim, ando tentando Neste mister, achar a perfeição, Embora saiba sempre estar trilhando Por um caminho quase inútil, vão. Busco esconder as falhas do meu gênio, Matando os filhos fracos que produzo, Como a Natureza que há mais de um milênio Seleciona os frutos mais risonhos, Mas que também (e tal me faz confuso) Produz, às vezes, aleijões medonhos.

Page 150: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

150

IMAGEM DO NATAL Naquele tempo, uma formosa estrela, Iluminando o céu de argêntea luz, Guiava os homens para o humilde berço, Onde nascera o Salvador, Jesus. Aquela estrela de fulgente brilho Era o prenúncio, enfim, das profecias, Que anunciava o santo nascimento Do desejado Salvador, Messias. Assim, também, há tanto tempo espero De teu amor o mago nascimento, Que me liberte desta louca espera E deste anseio, enfim, que é meu tormento. E nos teus olhos, nos teus gestos, busco Uma esperança que me aplaque a dor - Formosa estrela da ilusão querida, Que me conduza para o teu amor.

Page 151: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 152: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 153: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

153

AO RECIFE

Impressão de uma viagem à Barreiros Nasci à sombra do cimento armado, Sentindo o cheiro cru do combustível, Tendo por vida este labor terrível Que suga o corpo do civilizado. Nasci, portanto, assim, longe, afastado Da Natureza, mas, por ser sensível, Tentei compô-la em mim, o mais possível, Tal qual a havia sempre imaginado. Hoje a conheço, enfim, mas entretanto Amo-a discreta e moderadamente, Enfeitiçado pelo seu encanto. Amo as belezas todas quanto vi, Mas, todavia, sinto que somente Amo a cidade inquieta onde nasci.

Page 154: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

154

POEMA DAS IGREJAS Eu gosto destas igrejas,

Velhas, Solenes,

Pintadas de Eternidade, Impregnadas de Tempo, Cheirando a Passado;

Estas igrejas antigas Do meu Recife menino.

Eu gosto destas igrejas, Santo Antônio, São Pedro, Carmo,

Que sabem contar história Dos tempos dos holandeses.

Estas igrejas que os homens Têm medo de demolir.

Eu gosto destas igrejas, velhinhas, encolhidinhas, no seu xale de pedra,

com medo dos edifícios, dos edifícios modernos,

que vivem o tempo todo brincando de pegar o céu.

Eu gosto destas igrejas, Humildes no seu aspecto, Mas grandes no coração, Igrejas que ainda guardam, Nas suas velhas paredes,

O meu Recife menino Dos tempos da escravidão.

Page 155: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

155

SONETO DOS GESTOS A sinfonia lenta dos teus gestos, A sinfonia que em teu ser habita, Parece vir de todos os protestos Da lassidão que envolve o sibarita. Às vezes tem acentos tão funestos, De uma languidez tão inaudita, Que parece evocar os manifestos De uma alma cristã de carmelita. Às vezes os teus gestos são audazes. São catapultas musicais de sonhos, Das sensações que dentro d’alma trazes. São ritmos de carne, transformados Em rodopios múltiplos, medonhos, Nas expressões de todos os bailados.

Page 156: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

156

CINZAS Meu coração, no Carnaval, deu festa. Abriu as velhas portas emperradas, Iluminando as salas empoeiradas Da claridade que a esperança empresta. E as ilusões entraram mascaradas Uma por uma na mansão modesta... E por três dias me encantaram nesta Breve loucura de horas bem gozadas. Mas, findo o Carnaval, elas partiram. Nada restou, pra meu maior espanto, Das Ilusões alegres que fugiram, Só me restando ao coração, destarte: Serpentinas de sonhos em cada canto, Confetes de ilusão por toda a parte.

Page 157: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

157

AMEMO-NOS Esqueçamos, amor, a nostalgia Da vida que se arrasta num arquejo, O desengano atroz de cada dia, Na doce comunhão de cada beijo. Amemos, meu amor. Toda a alegria Da vida se resume no desejo, Num êxtase febril que anestesia, Exaltando o delírio deste ensejo. O instante do amor é toda a vida. E a Noite é o grande leito misterioso, Para o himeneu da carne enlouquecida. Amemos, pois, antes que o dia nasça, Antes que a noite fuja e, luminoso, O sol nos chame à vida, na vidraça.

Page 158: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

158

A UM SUICIDA

Irrefletido, num minuto apenas Eliminaste o teu viver magoado. Naquele gesto louco e inesperado Jogaste à imensidão as tuas penas. Mas que valeu teu gesto tresloucado?! Foi de atingir as regiões serenas Onde o rumor eterno das arenas Do mundo não se escuta o horrendo brado?! Que engano enorme! A vida não tem fim. A Vida é a Morte e a Morte a própria Vida, Ambas são um todo; uma é de outra, afim! Foges de uma, mas a outra não te acalma, Pois a extinção do corpo teu, suicida, É o holocausto, enfim, da própria alma.

Page 159: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

159

POEMA DOS ROSTOS Amor de dois rostos juntinhos nas águas, Nas águas paradas do Capibaribe. Amor de dois rostos na rua da Aurora, Olhando pra as águas do Capibaribe. As noites, contudo, morreram no tempo... Os vultos seguiram caminhos diversos... Porém os dois rostos ficaram boiando Nas águas paradas do Capibaribe.

Page 160: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

160

PREDESTINAÇÃO A noite é gelo. E o silêncio é pedra. Minha cabeça com vigor trabalha. Ouço indistintos ruídos de metralha Sobre a inquietude que minh’alma medra. Por que será que a noite não termina?! Sinto, da vida, o cavalgar fremente Dentro em meu sangue, latejante e quente, Como o passar de uma hoste beduína. Algo me diz que a noite não tem termo, Que tudo é treda e funda escuridão, Que o Dia apenas é tênue ilusão, Frágil miragem na amplidão de um ermo. Que a luz é Sonho e que o Real é Treva, Que o homem busca em sua Noite enorme, Ver através do negro desconforme A eterna Luz que a mente humana eleva. Por isto a Noite não findou, nem finda. O Dia – o sonho visual – de leve, Vai-se formando, aos poucos, cor de neve, Por sobre a Noite que persiste ainda. O dia nasce. Que contraste enorme! Dia lá fora; escuridão cá dentro. E quanto mais meu cérebro concentra Mais sinto a escuridão negra, disforme.

Page 161: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

161

Só vejo guerras, traições, miséria. E a viuvez, esta mendiga errante, Batendo em cada porta, soluçante, Deixando em cada leito a luz funérea. Visão terrível por meus olhos passa, Um pesadelo horrível me consome, Ouço na treva o soluçar de um nome, Entre o estertor do fogo e da fumaça. Tinir de balas, repicar de sinos, Em convulsões finais de Apocalipse. Há sobre a terra um demorado eclipse, Escurecendo a rota dos Destinos. E toda a Terra em convulsões se agita, Há cataclismos no Universo inteiro, O Tempo escuta em seu passar ligeiro Um grito enorme: a Humanidade grita. O fim do Mundo... o fim de tudo... a Luz... Desfez-se a Noite, enfim, a noite humana. O dia nasce. Em tudo a Luz se irmana. E sobre a paz do Mundo se ergue a Cruz.

Page 162: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

162

A BILAC Bilac amigo, só agora entendo O que estrelas dizem lá no espaço. E muitas vezes, diminuindo o passo, Fico a escutar o que estarão dizendo. Falam de amor. E se o olhar volvendo, Contemplo-as todas lá no azul regaço, Vejo-as sorrirem no seu brilho, vendo A minha inquietação, meu embaraço. Pois certa noite, do meu quarto, atento, Escutei vozes vindas da amplidão, Qual se trazidas fossem pelo vento. Maravilhado, corro e abro a janela. E a noite toda ouvi a multidão De estrelas a dizer o nome dela.

Page 163: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

163

SONETO DAS MÃOS AUSENTES Ausência de tuas mãos nos meus sentidos Presença de outras horas já passadas, Onde estas mãos plasmaram madrugadas, Constelando-as de sonhos esquecidos. Presença dos momentos mais queridos Na ausência destas mãos, refugiadas No silêncio das horas relembradas E nos beijos de amor, acontecidos. Ausência de tuas mãos em meus momentos. Agitação de mãos pelos espaços Como invisíveis sinos sonolentos. Presença destas mãos no instante exato Em que meu ser te acorda os leves traços, Nos sonhos de carícias do meu tato.

Page 164: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

164

OTIMISMO Vem arejar a casa de tua alma E iluminar seus mínimos recantos. Banir a treda ronda de fantasmas Que pela noite de teu ser arrasta Os pesados grilhões do desespero. Deixa que o sol penetre nas janelas E apague as sombras que tua alma envolve. Por que fugir da luz de tantos Dias E te envolver na noite de ti mesmo?! A noite chegará naturalmente, Quando o sol da Mocidade, no declínio Da tua vida se apagar aos poucos. Ainda assim te apega as derradeiras Réstias de luz que, tênues, vão fugindo Pela janela aberta de tua alma. Depois... que a noite chegue e acenda as Sombras E te povoe de tétricos fantasmas. Que importa?! Abre a janela. Olha as estrelas. São os teus sonhos todos que deixaste Na noite do Passado que te envolve.

Page 165: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

165

A DANÇA DOS FANTASMAS A música começou. Os primeiros acordes de sinfonia Arabesqueiam no ar, Indecisos, vacilantes, Como sombras diáfanas ao nascer do sol. Os violinos choram... Uma dormência comprida se estende... Se estende... Como um lençol invisível de emoções horizontais. A sinfonia na penumbra! Sugere mundos... Visões fantásticas de fantasmas brancos... De sombras prolongadas que se agitam no espaço. O ambiente se povoa de gestos, De contorções expressionais. Súbito... a musica desenrola-se. Os fantasmas se contorcem, Se requebram, se agitam, Revolteiam, Giram, giram, dão volteios. Pulam, fogem, Serpenteiam, Numa dança desvairada Que parece não ter fim. Há porém certos momentos Que os fantasmas se repelem, Se incorporam, criam formas, São visões materiais. Passam lentos, desfilando, Dizem cousas, mostram cousas,

Page 166: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

166

São promessas sensuais. Novamente se acelera Seu rítmico bailado, Contorções de gestos langues Já num lúbrico final. E após... A música é um suspiro... Um cansaço universal de seres e de causas. Os violinos coloqueam à meia voz. O ar está parado, Pesado, Saturado dos gestos que morreram. Abandono... Os fantasmas fugiram. Apenas um quadro branco, Muito branco, Como as louças de um cemitério. Cemitério... cemitério... A paz é a morte. Os corpos se agitam. Ressurgir... viver... Os violinos se revoltam. Os arcos serram com furor as cordas Para soltar a musica. A música! A Vida! As sombras voltam. Na negra floresta de acordes perdidos, Há cheiro de faunos em busca das ninfas, Há corpos desnudos nas vascas do amor. Depois um desvairo nos arcos ligeiros Em gritos, blasfêmias, gemido, estertor, Há sombras que passam ligeiras, correndo, Na louca carreira dos ventos irados, Que as sombras se fundem,

Page 167: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

167

Que as sombras se apagam, Que as sombras se perdem No caos delas mesmas. Depois um barulho, terrível, gigante, Comendo os silêncios de todos espaços... E vai num crescente, subindo a tal ponto, Que o Tempo se faz de matéria pesada, Que as horas chuviscam granitos de gelo. E tudo crescendo num rolo cerrado, Crescendo, subindo, rolando, fugindo, Parece chegado o Juízo Final. Após uma pausa... E ao longe, Uma trompa, Num toque que encerra a dor o universo, Nos conta que o mundo voltou ao seu caos, Ao mudo silêncio perpétuo do Nada. Findaram-se os tempos, Quando a sinfonia Lançou de seu ventre O acorde final.

Page 168: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

168

AGOSTO A flor do Tempo, então, despetalava A derradeira pétala de agosto, Quando eu a vi, sem nunca ter suposto Que esta visão minh’alma escravizava. Jamais supunha que daquele rosto D’onde a paixão ardente se emanava. Uma alegria falsa disfarçava A negra realidade de um desgosto. Porém o tempo desbotou-me a crença Naquele amor, gerado da pretensa Felicidade que tão longe estava. E ele morreu na calma de um sol posto... A flor do Tempo, então despetalava A derradeira pétala de agosto.

Page 169: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

169

ETERNO TEMA Meditai neste corpo que aqui jaz No regaço do Nada, adormecido; Preferiu o sossego, a eterna paz Do silencio de um túmulo esquecido. Não viveu num momento. Foi batido Pela Morte. E esta vida não foi mais Que um gemido tênue e impressentido De uma vaga batendo contra o cais. Pois sua alma, talvez, temesse a vida, Ou libertada fosse no momento De cumprir sua pena sobre a terra. Oh! Segredo que aos homens intimida! Quem pode arquitetar um pensamento, Ante o silêncio que este corpo encerra?!

Page 170: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

170

FELICIDADE Eu vi a Felicidade Dar adeus E ir-se embora, Vestida de azul-marinho. Só porque a Felicidade É o corpo da minha amada. Porque ele está cheio de promessas E a sua carne semeada de desejos. Porque seus gestos prometem noites Consteladas de amor e de carícias. Porque seus dedos são violinos, Interpretando acordes de Pecado. Porque seus lábios são maduros, Carregados de frases e de beijos. Por isto eu amo a Felicidade. Por isto eu pego na felicidade, Dou muitos beijos na Felicidade, Até que ela parte, Graciosa e gentil, Prometendo-me outra noite Bem igualzinha a esta. E é por isto que fico triste, Quando você, Felicidade, Vai embora.

Page 171: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

171

RÉQUIEM Ah! Quem pode escutar o dobre lento O sonolento dobre de finado, Em que meu coração, num ai magoado, A minha triste magoa solta ao vento! Ah! Quem pode entender o meu tormento, Como um frade na cela enclausurado! Quem escutar já pôde o triste brado Que expulsá-lo da minh’alma tento! E a minha vida, agora, está vazia! O meu sonho de amor!... morreu tão cedo!... Naquela tarde lúgubre e sombria. Dobrai meu coração, chorai por ela, Pela minha ilusão, que eu tenho medo De dizer neste verso o nome dela.

Page 172: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

172

Havia cheiro e presença do Rio de Janeiro Em sua fala, Em seus gestos, Em suas maneiras. Cabarés e anúncios luminosos Nas cintilações do seu olhar. Agitação de trânsito Nas suas expressões simultâneas, Civilizadamente espontâneas. Ritmos de cabaré, Sugestões de volúpia, No cosmopolitismo de sua voz. Mas principalmente havia o cheiro, A presença e a personalidade do Rio de Janeiro Materializando os seus sentidos, Escravizando o seu pensamento Ao próprio pensamento da cidade, De sentimentos estéreis e vazios Como os arranha-céus.

Page 173: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

173

A MANGUEIRA Não me pergunte, mas indague àquela Velha mangueira que nos viu, outrora, Ambos juntinhos, pela rua em fora Ou sob a sombra acolhedora dela, Que sentimento oculto ela revela Daquele tempo que se foi embora, Quando uma vez a mais a noite estrela E o orvalho frio de seus ramos chora. Indague se ela sente como nós A saudade das noites que passamos (a mangueira, também, tem sua voz!) E escutarás, por certo, compassadas, Palavras de saudade pelos ramos, Num soluço de folhas agitadas.

Page 174: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

174

SERENATA “- Ah! Que saudade tenho das serestas... De um violão chorando em minha porta!... Ah! Que saudade que o meu ser transporta, De um tempo que passou, quando por estas Formosas noites de luar ouvia, Com emoção mais louca e mais fremente, A conhecida e mesma melodia Que me fazia o coração contente!... Ah! Que saudade tenho do passado! Do meu amor... desta ilusão tão grata!...” Assim falou-me com o olhar parado, Fitando o firmamento, comovida, Como a escutar a antiga serenata De um violão chorando em sua vida.

Page 175: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

175

VAMPIRO Notivagando pela vida inteira Tentas fugir da luz como o vampiro, Buscando a negra noite em teu retiro, Na mais completa e lúgubre cegueira. Buscas achar no teu noturno giro Restos de amor no corpo da rameira, Tentando dar ao teu triste suspiro Toda a expressão de uma ânsia verdadeira. E nestas rondas, pelas horas mortas, Vives da noite, pelas negras portas, Na tua vida tão vazia e triste. Inútil vagarás triste e sozinho E morrerás, um dia, no caminho, Sem contemplar a luz que nunca viste.

Page 176: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

176

TARDE A frieza da tarde em meus sentidos! A tristeza da tarde na minha’alma! Povoada de sombras cismadoras Debruçadas de todos os espaços. A pisada de gelo dos minutos, Enterrando na neve os pensamentos. E uma saudade sem jeito E um medo inútil De perder a visão dos meus anseios, Só porque dilui-me nesta tarde E a tarde fria diluiu-se em mim.

Page 177: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

177

NOITE A noite penetrou nos meus sentidos. Povoou de fantasmas pavorosos Os minutos sombrios, tenebrosos, E saturou o tempo de gemidos. Depois... os pensamentos convertidos Em múltiplos receios fabulosos. A lembrança dos sonhos consumidos Nos anos que passaram, nebulosos. E a procissão de sombras e visões Desfilou pelas ruas da Memória, Ressuscitando antigas Emoções. E a noite, em seu passar, silente e fria, Uma noite sem Tempo e sem História... Oh! Quando raiará, meu Deus, o Dia?!

Page 178: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

178

RUA DA NOITE Beijos da noite, frios e gelados, Carícias de luar e de neblinas, Quanta volúpia gélida propinas Aos pobres corações desconfortados! Sonhos de amor chorando nas esquinas, Perdidos nos cafés iluminados. Tontura dos prazeres consumados Na gestação das formas femininas. Brisas da noite, vagabundas brisas, Que se arrastam, gemendo, pelas ruas, Beijando as lajes das paredes lisas!... Que negra inquietação! Que desconforto! Pareces carregar nas rondas tuas O pesado caixão de um sonho morto!

Page 179: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

179

TRISTE VENTURA À memória do meu pai, falecido em 20/06/1953

Feliz daquele que jamais na vida Teve um momento de felicidade, Uma ilusão sequer uma ansiedade. Que lhe acordassem a alma adormecida. Feliz daquele que na humana lida Enrijeceu-se na adversidade, Nem conheceu o espinho da saudade, Nem lamentou uma ilusão perdida. Feliz daquele que não teve um bem, Porque se nunca foi feliz, no entanto, Tão funda magoa não sentiu, também, De conservá-lo tanto, com desvelo Para depois sofrer o desencanto Da maior desgraça de perdê-lo.

Page 180: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

180

FOGES NA LUZ DO MEU OLHAR ABERTO... Na alcova da retina em que tu moras, Na janela da pálpebra dormente, Sonho contigo um mundo diferente, Feito de luz e de visões sonoras. Vives comigo nas noturnas horas, Nas madrugadas frias, tão somente Nas gazas do meu sonho inconsistente, Foges na luz dourada das auroras. Na alcova dos meus olhos, prisioneira, És toda minha; e pela noite inteira Sinto o teu corpo do meu corpo, perto. Mas... eis que acordo. E os olhos entreabrindo, Vejo o teu vulto que me vai fugindo, Por entre a luz do meu olhar aberto.

Page 181: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

181

A CAÇADA A trompa da Saudade, bem distante, Ecoou na floresta da Memória. Era um gemido triste de vitória, Num grito de derrota, delirante. A caçada, afinal! Naquele instante Havia no ar uma visão de glória. A caçada, afinal! Louca e vibrante Ao Tempo que fugiu da minha História. Tropel dos Dias... galopar dos Anos... Sonhos... Tristezas... frágeis Alegrias, Juntos no pó dos mesmos Desenganos. E ao longe... num gemer plangente, A soluçar por entre as ramarias, A trompa da Saudade eternamente.

Page 182: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

182

PUNIÇÃO Sou Prometeu, bem sei, e a minha sina É viver na Ilusão acorrentado, A pagar meu tristíssimo pecado, Na Saudade cruel que me assassina. Um dia – era feliz – um sonho ousado De tê-la junto a mim. Tão repentina Foi esta aparição que, na surdina, Julgava ver meu sonho realizado. Mas trai-me a sorte e condenado sou Ao exílio fatal da soledade Deste penhasco onde amarrado estou. E a vida inteira sofro a punição Do desgraçado abutre da Saudade A devorar-me sempre o coração.

Page 183: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

183

FLOR SILVESTRE Como num cofre de lembrança a gente Guarda a emoção de uma saudade grata, Que perfuma os instantes do presente No aroma do passado que desata, Assim eu guardo, terno e confidente, Neste soneto a perfeição exata Daquela a quem adoro e, suavemente, Nas linhas destes versos se retrata. Daquela cuja vida concebeu Um pouco de ilusão a quem descria, Daquela flor silvestre que nasceu, Tão espontânea e meiga e tão singela, Num canto de parede, certo dia, De uma esquecida e rústica janela.

Page 184: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

184

SENSUALISMO O luar do teu corpo irradiava Uma luz de lúbrica delícia. Um desejo de amor e de carícia As tuas carnes quentes agitava. Havia no ambiente uma propícia Inquietação no vento que passava; E todo o céu olhava com malícia Pela janela onde o luar entrava. Depois abriste teu roupão em meio... E entre as nuvens de renda transparente, As duas brancas luas do teu seio Surgiram. Todo o espaço, então, pasmado, Contemplou teu corpo nu, alvinitente, Como se fosse de luar formado.

Page 185: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

185

ÍCARO Também como Ícaro ansiei um dia, Nas asas de um amor que tive outrora, Subir à glória imensa que queria, Galgando a imensidão, à luz da aurora. E ora galgando cordilheiras, ora Pairando sobre mar, pela ardentia, Quis vislumbrar de perto a luz do dia E fui subindo, tonto, espaço a fora. Ébrio de amor, em busca do meu sonho, Vi, de repente, com pavor medonho, As minhas asas brancas derretidas. E da amplidão a que subira tanto Caí no mar sem fim do Desencanto, No mar das ilusões de tantas vidas.

Page 186: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

186

LONGE... Longe... tu vais tão longe... e eu te seguindo... Aos poucos vejo me fugir a estrada, A luz a vacilar, quase apagada, Pelas sombras da noite se encobrindo. Longe... já vais tão longe... quase nada Diviso agora. Vejo-te fugindo Nas derradeiras luzes que a noitada Vai no seu véu de trevas confundindo. Já a noite desceu de todo. E a lua Banha de luz a senda em que caminhas, Por esta estrada desolada e nua. Vais tão distante agora, te sumindo!... Contigo vão-se as esperanças minhas... Longe... já vais tão longe... e eu te seguindo...

Page 187: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

187

AS DUAS SOMBRAS Indaguei minha sombra, certo dia: - quem poderá mudar a nossa sorte?! Quem teu destino ao meu separaria, Quebrando o nosso vínculo tão forte?! E ela sorrindo, com altivo porte, Me respondeu com rara galhardia: “– O que nos une, nada me faria Separar-me de ti; só mesmo a morte.” Mas, certo dia, sem saber, no entanto, Alguma coisa de sublime encanto Veio em minha’alma uma ilusão abrindo, Pois na surpresa de um milagre olhava Que a tua sombra me seguindo estava E a minha sombra estava te seguindo.

Page 188: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

188

SONETO À PSICOLOGIA O poema universal do Psiquismo, Das sensações de tédio, nas neuroses. A procissão de todas as psicoses À imensa catedral do pessimismo É a incerteza atroz do nervosismo Na assembléia fatal de estranhas vozes, De ocultas lutas, no paroxismo, Nestas secretas duvidas atrozes. Eis o sonho, enfim, da Atualidade, À tradução de todos os pensamentos, De todas as sensações. Eis na verdade, A bíblia da Ciência – a nova estrada – Um lenitivo a todos os tormentos Da pobre humanidade amargurada.

Page 189: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

189

CONTRASTE Fernão Dias Paes Leme, o teu destino Ao meu está ligado intimamente: Se pela selva andaste inutilmente Em busca do teu sonho esmeraldino Também busquei, assim, ardentemente, Achar um louco sonho peregrino, Sofrendo como tu a dor pungente De uma desilusão, de um desatino Ambos sofremos esta dor terrível De procurar um bem que no entretanto Está longe de nós e inatingível. Mas se deixaste o nome teu na história, Venceu teu sonho; mas o meu, no entanto, Morreu no olvido sem renome e glória.

Page 190: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

190

A UMA MULHER É preciso, mulher, ser muito forte, Ter mesmo muita força de vontade, Para esconder de ti esta ansiedade, Esta tremenda confusão de sorte Que não macule a tua honestidade E ao mesmo tempo, é claro, me conforte. Quando te vejo assim, fico sem norte Neste desejo enorme que me invade. E é preciso conter esta ânsia louca De palavras de amor que, como ovelhas, Me vão saindo, aos pulos, pela boca; E reprimir os lúbricos anseios Das minhas mãos que voam como abelhas Para as duas colméias dos teus seios.

Page 191: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

191

INFELIZMENTE Já não serás, por certo, o que eras antes, Já não serei, por certo, o que antes fui. No curto espaço de fatais instantes; Quanto castelo poderoso rui! Quantos sonhos de amor agonizantes Onde o veneno do despeito atue! Ah! não serás, amor, o que eras antes, Já não serei, por certo, o que antes fui. Ambos feridos pela mesma espada, Amargaremos pela vida inteira O corte desta lâmina aguçada. E embora o sangue que nossa alma alaga Cesse, sare a ferida, está primeira E funda cicatriz jamais se apaga.

Page 192: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

192

ABISMO Aberta ao sol, cheirosa e provocante, A festa de volúpia feiticeira. Atrai o inseto a planta carniceira, Aberta ao sol, cheirosa e provocante. Na tentação do pólen, fascinante, Num convite de posse a vez primeira, A abelha cede ante a visão traiçoeira E entrega-se ao prazer daquele instante. Tarde, porém, do engano, então, se ocorre Tenta fugir inutilmente e em vão, Ali se prende, se debate e morre. Ah! Quantas almas fascinadas vão Morrer no abismo onde a volúpia escorre Da carniceira flor de uma ilusão!

Page 193: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

193

NOITE DE INVERNO Noite fria de inverno... Abro os meus braços Para abraçar a saudade do teu corpo. Estou só. Na noite e no silêncio Sinto-te presente aos meus sentidos. Como custastes!... Como teu perfume Exilado da tua cabeleira Vem me falar das horas que passamos, Das horas venturosas que se foram Tudo fala de ti. Tudo me diz Que não estou só, Que estais comigo, Presente na saudade deste instante. Mística ilusão. Tudo me recorda A lembrança das horas mais felizes Sinto que vens de mim Porque é em mim Que vive minh’alma com tu’alma. Quanta saudade! Até o espaço frio Apagou a presença das estrelas. E na loucura deste breve instante Sinto que és vento e chuva, enfim, que és tudo Tudo o que me cerca e rodeia. Noite fria de inverno... abro os meus braços Para abraçar a saudade do teu corpo.

Page 194: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

194

DÚVIDA Feliz aquele que seguiu a estrada. Pobre do que ficou na encruzilhada

Page 195: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

195

GÊNIO Ah! Como eu entendo o teu viver magoado A tua sede secular; insana, Para beber toda ciência humana E enfim morrer sedento e sufocado. Ah! Como entendo o revoltante brado, Esta blasfêmia tétrica; vesana, De triste Prometeu que não se ufana De ter o fogo olímpico roubado. Ah! Como entendo a tua mágoa infinda! Ah! Como entendo o teu pesar profundo Que além da morte te persegue ainda! Ò, Gênio! Gênio! Eu bem te entendo, louco: A natureza quer de ti um mundo, Embora, em troca, dê-te, enfim, tão pouco.

Page 196: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

196

PARA QUANDO VOCÊ FÔR EMBORA... Este soneto que saudoso fiz É para quando você for embora, Para quando chegar a inútil hora A que minh’alma, sem querer, maldiz. Nele, somente, relembrar-lhe quis O nosso amor e tudo quanto, outrora, Sentiu minh’alma e onde a saudade, agora Vem-me dizer o quanto fui feliz. É pra quando você, já longe, enfim, Tiver saudade de um feliz passado E relembrar-se, meu amor, de mim. É para o instante em que a tristeza aflora... Para um tempo feliz, sempre lembrado... É para quando você for embora...

Page 197: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

197

QUANDO EU ESTOU SÓ Quando eu estou só eu nunca sou o mesmo. Apenas sou um organismo humano Imóvel, num torpor sobre a cadeira. Quando eu estou só eu nunca sou o mesmo. Nunca estou no presente nem no instante. Estou longe de mim – nem sou o mesmo – Emigrado de mim para outras plagas. Qual meu destino?! Não o sei jamais. A estátua do Passado está quebrada... Como poderei ver o que serei, Se não posso saber o que antes fui?! Folhas soltas ao leu... como colhê-las Sem faltar uma só, uma sequer, Para de novo recompor a copa Da árvore a que chamei – o meu Passado?! Ah! busca inútil de volver a Origem!... Os dias mortos nunca poderão Ressuscitar dos túmulos do Tempo. Resta lembrar somente os mais felizes E venturosos dias que passamos E enfeitar de flores seus jazigos, Num preito de lembrança e de saudade. E rogarmos que o tempo – este coveiro – Não apague a inscrição das suas lápides. Quando eu estou só, Eu nunca sou o mesmo...

Page 198: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

198

Não me procurem porque estou bem longe, Levando flores para o Cemitério, Para enfeitar as campas dos meus mortos.

Page 199: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

199

PAPAGAIO DE PAPEL Fiquei solto no Tempo Como um papagaio de papel que fugiu da linha. Sem espaço e sem época Me tornei indiferente à passagem das datas. Depois... eu fui voando, Voando... Colorido e brilhante pelo espaço vazio, Indiferente à Molecada que corria lá embaixo. - O papagaio! Pega o papagaio! Senti-me livre das mãos imundas Dos moleques do Mangue. Fugia dos homens, Do mundo. Senti-me longe, Tão longe, Que me senti ausente da matéria. E fui voando, Voando, Sendo matéria e longe do mundo, Até que cai bem distante, Num lugar que eu mesmo não sei, Mas longe, Bem longe, Dos moleques perversos de mãos sujas.

Page 200: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

200

POEMA DO RECIFE MODERNO

As ruas comeram progresso E engordaram... A cidade, então, Produziu uma geração De gigantes arranha-céus. Não mais as ruas raquíticas E estreitas, Os prédios pessimistas e entediados, Barbados de musgo... A claridade míope dos lampiões... O ar dorminhoco de colônia... As ruas, antes pacatas, ficaram faladeiras. E as artérias se enriqueceram de inúmeros glóbulos. Movidos a gasolina. E o Recife engordou.

Page 201: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

201

NERVOSISMO Esta incerteza!... Esta inquietação!... Sinto-me perigoso Para estar a sós comigo mesmo Por muito tempo. Quero fugir de mim para bem longe. Para que não me sinta, Para que não possa interferir Nas minhas próprias ações. Quero estar bem longe Para entender meus pensamentos, Sem intenção de usá-los. Só quero voltar, quando for o mesmo. Pois hoje estou perigoso E não quero ficar a sós, Comigo mesmo, Por muito tempo.

Page 202: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

202

POEMA ORIENTAL Vem, mulher e deixa-me deitar Minha cabeça sobre o teu regaço, Exaurindo o perfume provocante Que habita o teu corpo. Vem... E deixa-me sonhar Um sonho diferente e oriental, feito de huris E de perfumes caros, De manjares deliciosos E bebidas excitantes. Vem! Deixa que o luar penetre Pela janela E invada o aposento. Este luar bagdálico e romântico, Presente nestas horas de carícias. Vem! Sobre as almofadas E os tapetes persas Deixa rolar a taça em que juntos bebemos O mesmo vinho. Deixa-me sonhar, assim, de manso, Na fantasia quente do teu corpo,

Page 203: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

203

Um sonho de califa enamorado. Deixa-me sentir o sabor do teu beijo, De tua carícia simplesmente oriental. O aposento está deserto. Somente o luar namora os góticos das janelas. Fala-me de amor; Deixa que as tuas mãos contem aos meus cabelos Uma história gostosa de carícias. Estamos sós... Bagdalicamente apaixonado Deixa-me sonhar, Assim... Assim... A cabeça pousada em teu regaço, Um sonho diferente e oriental.

Page 204: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

204

QUARTA-FEIRA Senti naquele instante o amargor Da terrível descoberta. Papai Noel eu descobrira... O meu Natal Perdeu toda a beleza... A minha vida, agora, era deserta.

QUINTA-FEIRA Olhei a vida e não entendi. Todos me olhavam. Acho que chorei, Também não sei se sorri. Mais tarde, a Procissão dos Passos. Quanta alegria! Naquela tarde sem saber por que, Nem para que, Eu nascia.

SEXTA-FEIRA Tinha de ser... A tentação da carne, Um corpo quente. Escada que subi... Naquela noite Eu conheci a vida de repente.

Page 205: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

205

MANHÃ COLONIAL Manhã colonial. Eu vou seguindo De fraque e de cartola, transformado Num cidadão egresso do Passado Ao Presente no qual vivo existindo. Um trecho de passado nesta rua... Nos velhos sobradões já carcomidos A lembrança dos anos consumidos Que a estas sujas paredes insinuam. Vozes de longe. Gastas ressonâncias Dos passos que viveram nas calçadas. Ó, sensação de coisas desgastadas, Impregnando os gestos das distâncias. Manhã colonial. Vejo ao postigo Do velho casarão o vulto antigo De um ancião, sereno, debruçado, Como se fosse a imagem do Passado, Um simbolismo humano da cidade Dos velhos tempos coloniais de outrora. E é nesta rua cheia de saudade Que o meu Recife do passado mora. Manhã colonial. Eu vou seguindo De fraque e de cartola, transformado Num cidadão egresso do Passado Ao Presente no qual eu vivo agindo.

Page 206: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

206

AUSÊNCIA Assentai-vos, Maestro, eis o teclado Deste meu piano estranho e diferente, Cheio de inúteis sons que, no Passado, Viveu fechado permanentemente. Tocai! Tocai! Hás de encontrar, por certo, Umas notas, talvez, jamais ouvidas. Uns acordes febris num tom incerto Das emoções de amor de duas vidas. Vamos! Tocai! Todo o teclado anseia. A sensação das notas que eu encubro Quer vos contar o Amor que me incendeia. Dedos! Meu coração pede um arpejo. Tocai! Tocai! Neste teclado rubro A ausência musical de alguém que almejo.

Page 207: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

207

INSTANTANEO DO RELÓGIO – I Hoje, por certo, fugirei do Tempo. Quebrarei a prisão dos Mostradores E ficarei liberto De pêndulos, De números e tic-tacs. Hoje, por certo, fugirei do Tempo, Embora saiba que esta fuga é inútil, Pois sempre arrastarei por onde andar As pesadas correntes dos Minutos. Hoje, não, mas algum dia, Alguém, por certo, abolirá o Tempo, Libertando esta pobre Humanidade Que vive eternamente acorrentada Aos grilhões de dois Ponteiros.

Page 208: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

208

INSTANTÂNEO DO RELÓGIO – II Então pensei que as horas voltariam. Que o ponteiro iludisse o calendário E o passado voltasse ao presente. E tive uma ilusão. Mas, do relógio, Numa resposta compassada, O pêndulo, Como implacável dedo Disse não.

Page 209: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

209

CAIS DA SAUDADE Cais da Saudade. Estou ansioso e triste, Olhando no Horizonte da Esperança Um sonho que se foi, deixando o Cais. Como é vazio o mar! Nem sequer Um ponto negro se destaca ao longe Pra dizer que um navio está de volta. Quantos partiram deste Cais! Oh, quantos Não se arrojaram neste Mar imenso Em busca da Ilusão... e não voltaram! Quantos não partiram! Inda vislumbro Os fumos dos seus últimos adeuses, Acenando da porta do Horizonte. Alguns voltaram, sim, mas tão mudados, Tão quebrados pelos desenganos, Pelas intempéries deste Mar imenso, Que quase não os reconheci. E aqui aportaram. E se deixaram ficar acordados A gemer... a gemer... No eterno soluço das velhas cordoalhas.

Page 210: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

210

Cais da Saudade! E o coração ainda Confiado na ilusão das águas verdes, Continua a enviar, sempre a enviar, Os Navios do Sonho ao Mar imenso. Meio dia. Sol a pino. Corpo quente. Um beijo de calor meu corpo enlaça. E eu não sei bem se esta aflição fremente Que por meu sangue como fogo passa. Vem do calor do sol, donde rebenta Uma canção de fogo, no mormaço, Ou se vem do teu corpo, na violenta Pressão dos nossos corpos, num abraço. Meio dia. Sol a pino. Que calor! Que desejo terrível, inquietante, Que sol quente, este sol chamado amor! Teu corpo junto ao meu. Oh! Quem diria! Sufoca-me a razão e num instante Estragos faz que nem o sol faria.

Page 211: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

211

A MERETRIZ “- Que queres tu?! Já dei-te o que podia: A minha vida e todo o meu passado. Troquei a virgindade do meu dia Pela noite maldita do pecado. Que queres tu?! Teu riso de ironia Me faz gelar o corpo já cansado. Oh, não te basta a triste hipocrisia Do meu viver infame e malfadado?! Que queres mais?! Meus seios já secaram. Também perdeu meu corpo o viço antigo Dos micróbios do amor que alimentaram. Que queres, pois?!”E a morte olhando-a, calma: “- Quero somente o que ficou contigo e Que o homem não manchou – quero tu’alma.”

Page 212: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

212

RESTA LEMBRAR Resta lembrar somente o que passou Desenterrar de cada lábio um beijo Que germinou florindo num desejo, Mas que a incerteza fria sepultou. Resta lembrar apenas o que passou Tirar do coração um velho arpejo Que envelheceu na boca do realejo De uma velha canção que se acabou. Resta lembrar somente o que passou Lembrar somente, nunca revivê-lo, Como um sonho feliz que se sonhou. Sentir em cada coisa, em cada canto Um sorriso, um olhar, um doce apelo... A presença de alguém que se amou tanto.

Page 213: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

213

AS CONTAS Uma por uma as contas vão passando Entre os dedos das velhas a rezar. E cada conta, conta a velha história No seu contínuo e lento desfilar. Sonho que passou, morta esperança, Um desejo que nunca volta mais. Vão passando um por um, vão desfilando... Quanta lembrança este rosário traz. E os dedos vão ouvindo aquela história, Na linguagem de prece, murmurada. E as contas vão passando, vão passando, Em procissão de coisas esquecidas, Enquanto as velhas rezam, apertando Nas contas, esperanças encardidas.

Page 214: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

214

SONETO DO SONO I Fecha as portas dos olhos para o mundo E transpõe o palácio das quimeras. Aqui reside o sonho; o que antes eras Esquecerás de tudo num segundo. Aqui não rugem traiçoeiras feras, Aqui não mora o vício, o charco imundo Não exala seu hábito iracundo, Nem polui o frescor das primaveras. Cerra bem forte o trinco das pestanas Para que as hordas das paixões humanas Que gritam lá de fora, exasperadas, Não penetrem jamais em seus salões Para que assim as tuas Ilusões Não sejam brutalmente assassinadas.

Page 215: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

215

SONETO DO SONO II E quando o olhar se fecha, surdamente, Reboa em festa o gongo da pupila. E a sala da Ilusão, antes tranquila, Se agita num rumor. E lentamente Da sala da Retina vai chegando A corte dos desejos, convidados Para a festa dos sonhos malogrados Que vivem nos olhares se ocultando E no esplendor fantástico da orgia Uma onda de prazer o olhar invade, Enquanto dura sono e em vindo o dia, Ante o clarão das pálpebras abertas, Os sonhos fogem pela claridade E as salas, sem rumor, ficam desertas.

Page 216: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

216

SONETO DO SONO III – ÚLTIMA FESTA E pela última vez fechou-se a porta. E a morte – este porteiro- erguendo a chave Jogou-a para longe, austera e grave, E cerrou para sempre o olhar da morta. Não mais o sol da Vida penetrando Pelas portas das pálpebras fechadas, O delírio dos Sonhos terminando Ante o esplendor das salas aclaradas. Não mais... Não mais... A morta eternamente Ficará na Retina enclausurada, Sem retornar ao mundo novamente E nela ficará prisioneira Da traição do Sono, deslumbrada A sonhar, mesmo morta, a vida inteira.

Page 217: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

217

ELA E A CANÇÃO Teu corpo se entranhou na melodia E te fizeste em música de ausência Teu gesto então ficou na inconsistência Da canção foliã que outrora ouvia. E se te quero ver, basta um arpejo. Uma nota somente e, então, maviosa, Vejo-te surgir em sons, na milagrosa Orquestração sonora de um desejo. Ficaste na Canção e eu te adivinho Maravilhosamente musicada Em acordes de amor e de carinho. E se firo uma nota, uma sequer, Vens de Saudade toda fantasiada, Num misto de Canção e de Mulher.

Page 218: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

218

O LENÇO Então busquei no lenço, ansiosamente, Achar algum vestígio do Passado, A imagem do teu beijo avermelhado Na seda branca de um instante ausente. E machuquei no lenço teu perfume, Quebrando-o em pedaços de tua ausência E procurei teu corpo com ciúme Em beijos de procura e de demência. Nada encontrei do beijo avermelhado, Do beijo que vestido de batom Deixou-me à boca um gosto de Pecado. Nada encontrei. O lenço traidor Evanesceu este vestígio bom De um beijo, de um perfume, de um amor.

Page 219: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

219

SONETO EM S Se, se pudesse a mim que sou mortal Ser conferida a graça da Poesia, Somente um só instante, eu te faria Sublime num só verso magistral. Se, se pudesse a mim que sou mortal Ser conferida a graça da Poesia, Saquearia os templos da Harmonia Seria um vil larápio musical. Se, se pudesse a mim que sou mortal... Sacudiria os céus, num empurrão, Só para dar-te os astros da amplidão. Sucumbisse depois de esforço tal, Sorriria na Gloria da Ilusão, Se, se pudesse a mim que sou mortal.

Page 220: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

220

CHUVA Que hipocrisia estar chovendo agora! Que hipocrisia! O céu calmo e azulado. Porém, no entanto, a Natureza chora Num sorriso de chuva, disfarçado. Que hipocrisia desta chuva inútil Sob um céu tão azul de nuvens raras! Por que chorar, quando o teu pranto é fútil, Quando os teus lábios falsos escancaras?! Ah! Quanta gente hipócrita no mundo, Que finge a dor e chora de aflição, Quando a alma vibra num prazer profundo. O pranto falso e vão não me comove, Como este dia lindo de verão De céu azul... E que, no entanto, chove.

Page 221: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

221

CALVÁRIO ... E com um beijo ela vendeu minh’alma, Entregando-a, sem dó, ao Desatino. E só por trinta moedas meu destino Ela vendeu indiferente e calma. E partiu... E se foi... Mas, entretanto, Queimou-lhe as mãos estas moedas vis. E ela quis voltar, lavar com pranto O assassinato de um viver feliz. Mas encontrou minh’alma sobre a cruz. No topo do calvário, prisioneira, Já morta, da tardinha à meia luz. E exasperada, qual se Judas fosse, Reproduziu o drama da figueira E no próprio Remorso ela enforcou-se.

Page 222: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

222

ALELUIA Mas na Aleluia, enfim, dos sonhos mortos A minh’alma se ergueu da tumba fria. E com olhares meigos e absortos De novo contemplou a luz do dia. E a saudade rasgou seu roxo manto E o tempo do amor tirou seu luto. Um sorriso feliz matou o pranto E a tristeza morreu num só minuto. Aleluia! Aleluia! Ao longe vinha A mensagem de fé de uma Esperança, Pois minh’alma ressurgido tinha. E do Judas traidor resta a memória Do crime hediondo que minh’alma lança Do calvário da Dor ao Céu da Glória.

Page 223: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

223

VANIDADE

Não podes reviver o que está morto Meu amor já morreu desde o instante Em que teu corpo belo e provocante Só lhe trouxe amargor e desconforto. Não podes reviver o que está morto E não podes fugir da Dor, durante O velório de um Sonho delirante Que breve o esquecerás no funéreo horto. Meu amor! Ei-lo que vai todo enfeitado De flores e lembranças no ataúde, Levado ao Cemitério do Passado Chorar por ele?! Para que?! É vão. O teu choro febril já não o ilude, Nem teus soluços o despertarão.

Page 224: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

224

SÓ PORQUE NÃO VIESTE Hoje, tanto luar perdeu-se pela estrada, Pelo caminho em que juntos passeamos Só porque não vieste. O céu gastou as luzes das estrelas; A terra enfeitou-se de flores e de perfumes; E derramou-se tanta poesia em vão Na Natureza, Para o nosso amor E tu não vieste Meus gestos, Fantasiados de carícias Para a festa dos nossos desejos Despiram suas vestes E adormeceram. Ficou apenas meu olhar, Vigiando na esquina, O início do nosso encontro. E tanto luar perdeu-se, Em vão, Na noite... O Céu, Todo iluminado, Tinha a tristeza de um baile suntuoso

Page 225: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

225

Que chegou ao fim. Mas o nosso nem sequer começou. Nem sequer machucaste com a tua presença A ingênua poesia do nosso encontro. De uma desejada virgindade De noiva que morreu antes das núpcias, Só porque não vieste.

Page 226: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

226

UMA SOMBRA NO RIO Não sei por que Mas tenho a impressão De que ficarás na minha vida Como uma sombra, À tona de um rio Cujas águas, No seu passar continuo, Jamais arrastam.

Page 227: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

227

MENINO POBRE

Tu és um sonho de menino pobre Na vitrine do Mundo; este brinquedo Que a minha vista de volúpia cobre Sem que o possa alcançar do meu degredo. O vidro deste mundo nos separa E eu te contemplo no infantil receio. E tu não vês, bem sei, és coisa cara, O rosto triste do menino feio. Não ter o teu amor não me doe tanto Pois ver-te, não há nada mais divino Ao meu olhar escravo ao teu encanto. Mas o que doe é conhecer que um dia Alguém te levará do meu Destino E esta Vitrine ficará vazia.

Page 228: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

228

PIRATARIA Um corsário, um dia, Roubou tua presença Dos mares da minha vida. E escondeu tua lembrança, Longe da minha memória, Numa ilha deserta e perdida. Roubou sonhos preciosos Que levavas contigo. As nossas ilusões, Poucas das quais, Guardei comigo. Roubou beijos, abraços e carinhos. E com maldade, Enterrou-os num lugar ignorado Da praia da Saudade.

Page 229: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

229

O BAILE Aquele baile tinha de existir Pra nossa própria infelicidade Para em minh’alma, sem querer, florir, Mais uma rosa da cruel Saudade. Aquele baile tinha de existir: Foi um ditame da fatalidade, Que as nossas almas, veio, assim, unir, Por um momento louco de ansiedade. Ah! Como doe a nossa descoberta! É tarde! É tarde! Para o amor, agora... Antes ficasse esta afeição incerta, Pois a certeza, agora, nos consome. Esquece o amor que não te dei, outrora, Que na minh’alma esconderei teu nome.

Page 230: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

230

GERMINAL Temeste a luz – disseste. E não nasci. Desta eclosão não dei sequer indício. Temi crescer e, inútil, me perdi, Quando o sol, que eras tu, era propício. Só agora avalio o malefício Do tempo vão em que raiz vivi Oculto, sem cuidar do meu ofício De crescer e subir, me erguendo a ti. Mas este amor é grande e estas raízes Germinação o sonho que sonhamos, Sob a luz de outros dias mais felizes. Nada as deterão. De que te acanhas?! Pois crentes na ilusão que nos amamos, Elas, crescendo, rolarão montanhas.

Page 231: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

231

PRESSENTIMENTO Disseste que este sol já se apagou. Mas como posso crer, se todo o inverno Jamais será eternamente eterno E o sol que outrora no verão brilhou, Não volte novamente a iluminar O céu, a terra, a natureza enfim, Se quando deitas teu olhar em mim Vejo dois sóis brilhando em teu olhar?! Ah! Não me enganes, quando eu bem pressinto Por entre as brumas deste inverno enorme Raios de sol ocultos, quando sinto Que nesta terra fria inda há calor, Que nada enfim morreu, que tudo dorme, Para hibernar o nosso grande amor.

Page 232: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

232

ILUSÃO DO NATAL Papai Noel... Esperança... (Que tristeza em mim se expande!) Pobre ilusão de criança, Mentira de gente grande, Que o tempo, com inclemência, Destrói a meiga tolice, Na aurora da adolescência Ou quando chega a velhice. Mas no Natal (coisa bela) No meio da noite calma, Um sapatinho à janela E outro dentro da alma. Uns que pedem brinquedos, Outros que sonhos reclamam, Para a ilusão dos folguedos, Para a ilusão dos que amam. Papai Noel... Esperança... (Que tristeza em mim se expande!) Curta ilusão de criança, Mentira de gente grande.

Page 233: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

233

NOIVA Toda de branco, trajada, Eu sinto, se assim a vejo, Na catedral do meu Sonho, A noiva do meu Desejo.

Page 234: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

234

BOATE Vem, Vamos seguir a vereda dos compassos Deste “fox-blue”, no estranho bosque Da boate, à meia luz, das luas sonolentas. Como nos velhos tempos medievais, Dois amantes à sós, pela florestas. Vem, Estreitamente unidos e abraçados, Ouvindo a voz dos pássaros metálicos, Vamos pisando em sons despreocupados, Entre flores de ritmos e de acordes. Ao luar destas luas pequeninas, Verdes, vermelhas, roxas e azuis, Vamos seguindo nesta noite estranha Por esta estrada musical do “dancing”. Falemos de amor, Que estamos sós, Entre os pares que dançam também sós. Como num filme colorido Vamos Reproduzir as cenas amorosas. De uma revista musical americana, Cantando ao teu ouvido, Apaixonado, A letra deste “blue” que tanto gostas.

Page 235: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

235

O BAÚ Mas... Quanto troço dentro da minh’alma, Velho baú das minhas emoções!... Pedaços de paisagem, Trapos de lembranças, Cacos das horas de uns amores fúteis, Umas frases de amor amareladas E outras virgens, No celibatário, Das palavras que nunca foram ditas. E tantas conchas de beijos Onde inda soa como um eco eterno O marulho suave de dois lábios. Velhos retratos de gestos aventureiros À conquista dos desejos, Outras íntimas recordações irrelevantes, Ocultas bem no fundo do baú. E um rosário já velho e encardido Da constância dos dedos sonhadores Na oração perpétua da esperança. Também algumas páginas coloridas, Arrancadas do livro do Tempo. E quanta coisa a mais neste baú!

Page 236: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

236

Algumas já tão rotas e imemoráveis Que nesta singular arrumação Eu vou jogando fora, E quando o fecho, por fim, Ainda fica no Presente o cheiro forte do Passado.

Page 237: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

237

SE OLHARES NOS MEUS OLHOS!... E tu não viste um desejo Debruçado nos meus olhos, Como o orvalho indiscreto No olhar de uma flor. E tu não viste que eras tu, Essa moça recatada Que mora no meu olhar. Se olhasses nos meus olhos!... Ver-te-ias dentro dele, Sorrindo para ti, Quando sorris para mim, E então compreenderias O quanto te amo.

Page 238: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

238

A VASSOURA

Onde está essa gente Que a Vassoura do Tempo Varreu das ruas da história?! Onde está essa outra gente Que a Vassoura das altas horas Varreu da paisagem urbana Para casa?! Somente andam na noite O guarda, O bêbedo, A meretriz, Farrapos do lixo universal Que a Vassoura não varreu.

Page 239: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

239

A INVASÃO

Na invasão triunfal dos edifícios Senti o grito secular das ruas, Dos velhos casarões e das esquinas. A gula do urbanismo devorando A tristeza das ruas obscuras, O romantismo arcaico das janelas Dos velhos sobradões coloniais, E a revolta calada das igrejas Na majestade dos arranha-céus. Vi os tratores do progresso abrindo A virgindade histórica das ruas E o machado do tempo abatendo Os carvalhos senis da tradição. E antes de tudo senti angústia, Na invasão dos bárbaros de concreto. E uma impressão de tudo diferente: De viver entre estranhos noutra pátria, De viver num presente sem passado.

Page 240: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 241: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 242: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,
Page 243: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

243

O MENINO Então me procurei pelo Passado E me encontrei menino com brinquedos, Soldadinhos de chumbo, urso de molas E um mundo que eu criei dentro da sala. Castelos de pedrinhas que eu erguia E quebrava com as mãos sujas de tédio. E sorri do menino que brincava Com um mundo de mentira e de brinquedos. E esqueci o menino que ainda sou, Dos múltiplos brinquedos coloridos, Com que vivo a brincar a vida toda, Dos castelos de Sonho que edifico Com as pedrinhas de armar do meu Desejo E que como o menino do passado, Destruo-os com as mãos sujas de tédio. E me esqueci do mundo que formulo, Sem salas, sem bonecos, sem brinquedos, No tema de um olhar mais demorado, De um sorriso furtivo ou de uma frase, Ou de um gesto, ou de um beijo mais discreto Que são neste mundo extraordinário Os brinquedos, enfim, mais preferidos E me esqueci que era menino ainda E que brincava com meus Sonhos tolos Todo sujo de Amor no chão da Vida.

Page 244: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

244

“OS BRINQUEDOS” São os sonhos com que brinca A minh’alma distraída, Como um menino inocente No chão da Vida.

Page 245: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

245

CAPITÃO RICARDO Capitão Ricardo “o tal”... Eu mandava em seu destino: Era o herói mais afamado Do meu mundo de menino Era valente e anojado, Perseguiu bandidos, Amou muitas mulheres, Escapou de morrer tantas vezes (pois eu sempre o protegia) E muita gente matou. Fez misérias Esse tal capitão Ricardo. Era um soldado de chumbo Que comprei a 1 tostão (muito caro!) No Mercado. Teve um destino bonito Esse tal Capitão Ricardo! No meu mundo de menino Eu protegi seu destino (eu era o Deus daquele mundo!) E dei fama e posição E fiz a felicidade Daquele soldado de chumbo Mas... no mundo desta vida Em que afinal nada sou, Terei eu a mesma sorte Do meu Capitão Ricardo?!

Page 246: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

246

TÁ QUENTE OU FRIO?! - Tá quente ou frio?! E Maria Respondia: - Tá quente! E eu achava o que ela escondia De repente. Era boa a brincadeira Do meu tempo de menino, Mas o Destino Quis brincar de outra maneira. E escondeu a Felicidade, Bem escondida, Num lugar ignorado Da minha vida. - Tá quente ou frio?! No entanto, Por mais que assim a procure Por tantos anos a fio, Escuto sempre o Destino, A responder–me, implacável. - Tá frio!

Page 247: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

247

É HORA?! Gostavas de brincar de se esconder E quando dizias: - É hora! Saía eu a procurar-te Pelo quintal a fora. E assim naquela tolice Brincamos na meninice Mas certo dia, entretanto, Quando te amava deveras (qual o motivo não sei) Tu te escondeste de mim, Busquei-te, em vão, tudo inútil, Pois nunca mais te encontrei.

Page 248: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

248

A DANÇA DA CARRANQUINHA “A dança da Carranquinha É uma dança deliciosa Que pondo o joelho em terra As moças ficam formosas”. Ah! Como Antônia gostava Da dança da carranquinha Que brincava com as amigas Dês de manhã à Tardinha! “A dança da Carranquinha”... E lá se ia a pobre Antônia, Cantando o doce refrão Para ficar bonitinha. Mas pobre dela, coitada! Nem os anos, nem o encanto “da dança deliciosa” Deixaram que a pobre Antônia Pudesse ficar formosa.

Page 249: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

249

MARIA DO COCO Maria do coco que faz tapioca com coco e suor. Maria do coco que faz tapioca ralando tristeza, tristeza de longe, mais velha que ela. Maria do coco que faz tapioca com coco e tristeza. Maria do coco que faz tapioca com sua alma branca, branquinha, tão branca, que parece coco. Maria do coco que faz tapioca com alma e com coco. Por isso, Maria, tua tapioca tem gosto de vida.

Page 250: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

250

MENINO DOS DEDOS SUJOS Menino dos dedos sujos que brinca com lama, vestido de trapos, vestido de sujo, menino tão sujo dos dedos de lama. Menino tão sujo dos dedos tão sujos, com a alma, coitada tão suja de lama. Menino tão sujo dos dedos tão sujos, com a alma tão suja da lama da rua.

Page 251: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

251

POEMA INTERPRETANDO AS OUTRAS FLORES Como uma flor de angústia a mão se abriu e murchou e perdeu. Mas novamente no seu braço mirrado floresceu outra mão, outra flor feita de fome. Quem vê beleza nesta flor mendiga que desabrocha, quando nós passamos?! Quem se apieda destes ramos murchos e destas flores sem jardins exatos?! Destas plantas sem chão e permanência abrindo suas flores nas calçadas?! Foi quando me lembrei das outras flores que se abrem simplesmente por vaidade.

Page 252: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

252

O QUADRO NEGRO E pensei que o coração Fosse como o quadro-negro Da minha sala de aula Que a gente escrevia um nome E que depois apagava. E escrevi o teu nome No meu coração Com o giz inspirado Da paixão Mas... Depois... Quis apagá-lo Com a esponja Do esquecimento. E...Oh! Milagre! O teu nome Me ficou no coração, Exposto aos meus sentidos, Na sala do pensamento.

Page 253: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

253

BALADA DO HOMEM TRISTE Havia sangue na voz do homem triste Que morava nas horas do Dia, Numa ponte, Numa escada Ou nos degraus de uma igreja, Com as mãos vazias de fome, Abertas à chuva parca do dinheiro; Do homem que morava principalmente Nas horas do Dia E dormia incertamente N’algum lugar da Noite. Havia sangue na voz do homem triste, Do homem que breve morrerá Sem se saber de que. Talvez nem nome deixe num jornal Pois nem nome talvez tenha este homem Que só sabe que vive porque sofre, Pois que a dor é sua única identidade.

Page 254: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

254

A FOTOGRAFIA Nosso amor não foi mais que a negativa De uma foto esquecida no passado. E viveu num clarão da objetiva De um instante, talvez, jamais lembrado, Pois se o nosso desejo foi filmado, Na sua forma mais perfeita e esquiva, Presa ficou a imagem fugitiva... Mas nosso amor deixei irrevelado.

Page 255: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

255

LAMENTAÇÃO

Chorou, quando notou que estava morto e não sabia. Nos lábios frases murchas e esmaecidas, flores sem perfumes, almas de beijos, boca sem beijos... vazia... Olhos que não eram mais sinônimos de esperança, quase fechados, como dois velhos e esquecidos portos. Olhos mortos, Imundas poças, Onde bóiam em decomposição Cadáveres de sonhos. Chorou, quando notou que estava morto e não sabia. Que todo o corpo era um deserto inútil, Onde já não floresciam mais carinhos E que com as primeiras neves a embranquecer-lhe a fronte, Ao cansaço do inverno nos seus gestos, As aves dos desejos emigraram Para as terras de verão do seu passado. E chorou, quando notou que estava morto, Embora a sua alma inda o alentasse, Prisioneira talvez, talvez perdida Por entre as neves de seus cabelos brancos.

Page 256: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

256

OS BRINQUEDOS E me fiz fabricante de brinquedos... Então usei as tintas coloridas Das emoções talvez desconhecidas, Dando aparência e cor aos meus segredos. Depois eu fabriquei bonecos raros, Vestidos das mais ricas fantasias, Bordadas de ilusões, bonecos caros, Feito na fôrma dos felizes dias. Também fiz uns brinquedos esquisitos. Outros feios até, sem forma e cor, Feitos dos meus mais íntimos conflitos. E embebido que fui nestes folguedos. Convenci-me, por fim, que era inventor E me fiz fabricante de brinquedos.

Page 257: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

257

SONETO DA TARDE A tarde era um desejo cor de rosa E as horas transcorriam nos teus braços. Tinhas no corpo os indecisos traços Da tarde que murchava, langorosa. Vinhas, por certo, errante, dos espaços, Sem presença na tarde luminosa, Somente luz de ocaso, vaporosa, Sem o calor de febre dos mormaços. Vazia estava a sala e então teus dedos Tocaram ao piano uma saudade, A mais doce canção dos teus segredos. Foi quando te entendi. A noite vinha. Tu ficaste nas luzes da cidade, Já que morreste em sombras na tardinha.

Page 258: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

258

FILHO DA RUA Gosto de você, filho da rua, Que passa a vida na rua, Porque trabalha na rua, Porque a rua é sua casa, Porque a rua é seu mundo, Porque a rua é a mulher Que anoitece mais depressa Para o amor somente matéria. Você que engraxa sapatos, Você que vende sorvetes, Você que vende verduras, Você que vende modinhas Nas festas de algum lugar, Você que toca instrumentos, Você que engana o povinho Com remédios milagrosos Que fazem até pedras falar, Você que também pede esmolas Por não poder trabalhar. Gosto de você, filho da rua, Que passa a vida na rua, Porque a rua é o seu lar Você que fala uma língua Bem gostosa e brasileira, sem as tolas exigências Da sintaxe portuguesa. Gosto de você, filho da rua, Que mora dentro da rua,

Page 259: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

259

Que vive dentro da rua, Que morre dentro da rua, Porque nasceu (não sabe o dia) Nalguma parte da rua. Você que vive vestido Com a poeira das calçadas. Gosto de você, filho da rua, Porque você, sem saber, É o sangue que circula Nas artérias da cidade.

Page 260: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

260

POEMA QUASE PATÉTICO Ficaste tão presente em mim Que me perdi. Já não sei se o que penso É o que você pensa, Já não sei se o que digo É o que você diz. Ficaste tão presente em mim Que me perdi E não posso encontrar-me comigo mesmo, Porque nem sei ao menos onde estou. Meus gestos, Minhas maneiras, Já não sei se são meus Ou se os plagio de você. Apenas sei que me tornei um espelho Onde você se reflete. Olha, amor, Ouve um instante: - Onde é que você me escondeu?

Page 261: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

261

PERPETUAÇÃO

O nosso amor, enfim, é milenar, Pois te conheço há muito e esta afeição Tem o sabor de uma ressurreição, Antiga como o céu e como o mar. Conheço o teu carinho remoçado, Pintura antiga com retoques novos, E embora traços herdes de outros povos Conservas todo o ser unificado. Das formas que tomamos noutras eras. Não consegues lembrar-te e nem consigo, Destas reencarnações esferas. Sei que mudei. Mudaste. Todavia Existe em nós aquele amor antigo Que noutros tempos entre nós havia.

Page 262: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

262

POEMA DA METAMORFOSE

Os lábios virgens se fizeram rosas E abriram numa tarde de verão A procura dos beijos transviados Pelo instante jamais acontecido. E o mistério da noite sucedeu... Ó, rosas, que eram lábios e eram virgens! Tinham o frescor das coisas desvendadas, Tinham beijos de orvalho nas corolas.

Page 263: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

263

ANTECIPAÇÃO Morreste amanhã E eu não pude te chorar Porque hoje inda não soube. Somente ontem ficarás comigo, Porque hoje de mim estais ausente E amanhã não posso salvar.

Page 264: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

264

OBSESSÃO É um disco a rodas Na eletrola do cérebro. A voz dela, As palavras dela, As mentiras dela, Esta agulha não se gasta?! É uma saudade de cristal. E a mesma voz. E a mesma voz. E a mesma voz. E a mesma voz. Por que não mudam este disco?! Minha discoteca é tão grande! Onde estão os outros discos?! E a voz dela: - Meu amor! Me falando, Me mentindo, Como um disco, Como um disco, A rodar dentro de mim.

Page 265: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

265

POEMA TRISTE A tragédia anônima das folhas Amarelas e secas na calçada... Lágrimas velhas Desta arvore velha... E o meu olhar está verde, Carregado de lágrimas verdes, Até que o sol as queime, Até que o vento as carregue. Enfim... Só restarão depois somente folhas, Folhas somente secas e amarelas No calçamento do meu rosto triste.

Page 266: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

266

NOTURNO DO ENCONTRO Schubert sem querer fez esta música Para vestir tua presença. Quando escuto este noturno... Marco contigo um novo encontro Na esquina sentimental De um disco que roda.

Page 267: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

267

POEMA DO AMOR IMPOSSÍVEL Estrela, Antes que a luz do teu amor me alcance, Vencendo os anos da distância, enorme, Eu já serei, por certo, um mundo morto, Um planeta vazio, A viajar prisioneiro na minha órbita, No sistema da vida.

Page 268: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

268

ABSTRAÇÃO Paisagem sem tradução, Imagens sem história, Porque não estou neste momento, Porque eu fugi dos meus olhos E eles ficaram espelhos.

Page 269: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

269

Biografia do autor

Valter da Rosa Borges nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1934. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco em 1959. Ingressou no Ministério Público de Pernambuco em 1963 e se apo-sentou como Procurador de Justiça em 1993. Foi professor de Direito Civil na Universidade Católica de Pernambu-co e professor de Sociologia na Universidade Federal de Pernambuco. É livre-pensador, parapsicólogo, filósofo, poeta, escritor, conferencis-ta e autor de livros e artigos, que versam sobre os mais diversos assuntos. Fundou as seguintes instituições: Grêmio Cultural Joaquim Nabuco (1950), Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas (1973) e a Aca-demia Pernambucana de Ciências (1978). Em 1968, criou, dirigiu e apresentou, na TV Universitária Canal 11, da Universidade Federal de Pernambuco, o programa O Grande Júri, o primeiro programa cultural e científico do Brasil e que teve a duração de quatorze anos, terminando em 1982. Em 1972, foi considerado, pelo Jornal de Letras, uma das dez Perso-nalidades da Cultura de Pernambuco. É membro da União Brasileira de Escritores, da Academia de Letras e Artes do Nordeste, da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, da Parap-sychological Association e da Associación Iberoamericana de Parapsicologia. Foi agraciado com o título de Melhor Produtor de Televisão de Per-nambuco de 1977, conferido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão de Pernambuco. Recebeu o Prêmio de Poesia "Lyra e César" (1995) concedido pela Academia Pernambucana de Letras, ao seu livro “O Ser, o Agora, o Sempre”. E o Título de História Viva do Recife (1999), outorgado pelo Museu da Cidade do Recife, da Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes.

Page 270: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,

POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges

270

Publicações do autor

Os Brinquedos. 1954. Introdução ao Paranormal. 1976 Só a Busca é Definitiva. 1983. Manual de Parapsicologia. 1992 A Realidade Múltipla. 1995. O Ser, o Agora, o Sempre. 1996 Grêmio Cultural Joaquim Nabuco (Memória de um Bairro). 1998 A Saga do Existir. Ensaio. 1999 A Realidade Transcendental (Uma Introdução à Transcendentologia). 1999 A Parapsicologia em Pernambuco. 2000 Fenomenologia das Aparições. Parapsicologia. 2001 Meditações do Entardecer. 2003 O Instante sem Fim. Recife. 2005 A Realidade e as Questões Existenciais. 2005 O Grande Júri. Uma experiência cultural e científica em TV Educativa. 2006 A Medida do que Somos. 2007 O observador. 2009 Agenda da Vida. 2010 Deus: realidade ou mito? 2011 A Correnteza. 2013 Poesia em dois versos. 2013 Os olhos da solidão. 2014 A mente mágica. 2015 Caminhos do tempo. 2017 Em co-autoria Os Cinco Dedos. Ensaio. Recife. 1981 (Com Everaldo Moreira Véras, Reinaldo de Oliveira, Nicolino Limonji e Waldênio Porto) Parapsicologia: um Novo Modelo (e outras teses). Recife. 1986. (Com Ivo Cyro Caruso) A Escola de Parapsicologia de Pernambuco. Recife. 2004. (Com Ronaldo Dan-tas e Ivo Cyro Caruso).

Page 271: POEMAS DE MINHA JUVENTUDE Valter da Rosa Borges DE MINHA... · SONETO À PSICOLOGIA ... meiro livro Os Brinquedos, ... E palpitava dentro do meu sangue. Ninguém o idílio nosso perturbava,