Poesia de bolsob2011

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Soneto da reconstrução ( em homenagem a Machado de Assis) Minha construção sou eu Eis o que me faz agora viver A mim mesmo todo refazer Achar a fé no peito ateu Mas não renego esse mundo Nem dele agora me desfaço Pois é da tua luz que me refaço Tornando-o terreno bem fecundo E espremendo do coração Tudo que não era verdade Escorreu primeiro a paixão Depois vi sair muita saudade Que não passava de ilusão Casca da falsa felicidade 1

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Soneto da reconstrução ( em homenagem a Machado de Assis)

Minha construção sou euEis o que me faz agora viverA mim mesmo todo refazerAchar a fé no peito ateu

Mas não renego esse mundoNem dele agora me desfaçoPois é da tua luz que me refaçoTornando-o terreno bem fecundo

E espremendo do coraçãoTudo que não era verdadeEscorreu primeiro a paixão

Depois vi sair muita saudadeQue não passava de ilusãoCasca da falsa felicidade

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GLADIADORES

Os gladiadores entram na arena.Não têm mais espadas nas mãos,nem lanças, nem redes, nem escudos.Também perderam os capacetes dourados.

A multidão grita ruidosamente.Xingam os gladiadores.Aplaudem.

No meio deles uma bola de couro,mas que parece de aço,é intermediária da violência naturalque permeia o coração dos Homens.

Viva o futebol!

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VIVA A PREGUIÇA!

Um homem sábio teve uma idéiae construiu uma casa.

Um homem valente teve uma idéiae conquistou terras.

Um homem prático teve uma idéiae inventou um moinho.

Um homem ambicioso teve uma idéiae instituiu a escravidão.

Um homem preguiçoso teve duas idéias:escreveu um poema e compôs uma canção.

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A PALAVRA

De todas as coisasque o homem inventoua mais bonita,a mais justa,a mais certa,a mais perfeita,a mais complexa,a mais resistente,a mais flexível,a mais clara,a mais completa,a mais lógica,a mais indispensávelde todas as coisasfoi a PALAVRA.

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A CRIAÇÃO

No primeiro dia,Deus criou o rosto e os cabelos da mulher.

No segundo dia,Deus criou o corpo,os braços e os seios.

No terceiro dia, criou o colo.

No quarto dia, criou as pernas e os pés.

No quinto dia, a fez sorrir.

No sexto dia, Deus criou tudo mais que existe no mundo.

No sétimo dia, descansou.

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A LUA

A Lua que vejoda janela do meu quartoé a mesma que minha avó vêdo banco do avarandado.O meu quarto fica em Minas,o avarandado de minha avó, na Bahia.

A lua que vejoda calçada de minha ruaé a mesma que um menino magro e nu vê do terreiro de sua tribo.Minha rua fica no Brasil,a tribo do menino, na África do Sul.

A lua que vejoda praia do meu paísé a mesma que um pescador vê do mar da Indonésia.Meu país fica na América,a Indonésia, na Ásia.

A lua me faz sentirtão perto de minha avó,do menino magro e nu,do pescador,tão perto de todo mundo.

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INSÔNIA

Ouço um cão latindo na Coréia do Norte.

Um tiro estourando na Irlanda.

O choro de um menino com fome na África.

A ânsia de uma baleia ferida no Pacífico.

Uma bomba explodindo em Israel.

Uma mãe chorando na Palestina.

Cristais se partindo na Rússia.

Uma mulher pedindo socorro no Afeganistão.

Um suicida cortando os pulsos no Japão.

Um nariz aspirando cocaína em Hong-Kong.

Um fantasma louco berrando na Alemanha.

Um bêbado cuspindo em Nova Iorque.

O som de um velho tambor na China.

Uma flauta triste no Peru.

Um índio chorando no Amapá.

Uma árvore caindo na Amazônia.

Os passos de um rato em São Paulo.

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A SANTA

De todas as oraçõesque subiam para o céuano após ano,dia após dia,nasceu uma bela santaque antes não existia.

E ela ficou tão comovidapor tanta fé que haviaque começou a fazer os milagresque o povo lhe pedia.

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MENINO

Com os olhos de menino vejo o mundo bem melhorfica tudo tão mais claroe o sonho bem maior.

Com os olhos de meninoAlegro meu coraçãofico mais perto da vidae longe da solidão.

Com os olhos de menino Vejo a lua mais bonita fica tudo tão mais raroe minha alma infinita.

Com os olhos de meninoaprendi a caminhara contar no céu estrelaspara o homem descansar.

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A MULATA

A mulata que balança as ancasque balança a rua,que balança a cidade,que balança o país,que balança o mundo;bate cartão na fábrica de tecelagemàs cinco horas da manhã.

A mulata que se alimenta de sol e sambaque mora numa caixa de sapato,que nunca foi a um salão de beleza,que nunca entrou numa banheira,que não toma leite;fabrica misteriosamentea carne mais luxuosa do mundo.

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PALAVRA DE POETA

Se o seu nome for Carolinapor favor não me diga.Por favor...

Esse nome me encantamais que o seu corpo,mais que os seus olhos,a sua voz, a sua boca.

Se você disser o seu nomenossa amizade estará perdidae mais um amorbrotará no meu peito já dilacerado.E já são tantos...

Mas não acreditese eu disser : te amo.É tudo mentira.É que os poetasvivem mais de palavrasdo que da própria vida.

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EX-ROMÂNTICO

Nunca mais irá ao cinema.Tampouco escutará música.Evitará os quadros, as florese não olhará mais para a lua.

Nunca mais lerá poesia.Não entrará em teatrosnem beberá vinho.

Não quer mais saberdessa gente loucalembrando-lhe do amorque pulsa e latejapor baixo da pele,dos gestos, dos olhos,noite e dia.

O amor não existe!

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POETA ANTIGO

Sua casa era de papelassim como os móveis,os animais de estimaçãoe as plantas do jardim.

Seu terno era de papelassim como seu automóvel,seu espelho, seus sapatose seus óculos.

Seus amigos eram de papelassim como sua amante,sua cadeira, sua mesae seu perfume.

Sua alma era de papelassim como a sua cruzseu cavalo, sua espadae seu escudo.

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O FUTURO

Meninos de alumíniobrincam de matar borboletas de metalque pousam sobre flores de borracha.

Mulheres de siliconeconversam sentadas em bancos de acrílicoe sorriem, mostrando os dentes de resina.

Homens de fibra de vidroandam para lá e para cásem terem o que fazer.

Os automóveis são blindados;as casas são blindadas;os corações são blindados.

Ninguém respira mais pelo nariz;todos têm um aparelho de oxigênioimplantados no lugar de pulmões.

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MIRAGEM

Tudo em sua volta é desassossego.As pessoas se espremem,automóveis se empurram,prédios brotam do asfalto,a fumaça sufoca,a solidão aumenta,a miséria se multiplica,o tempo fica nervoso,o dia perde tamanho.

Mas a igreja não perde sua calma.No meio desse turbilhãoela exibe a sua paciênciacom tanta lucidez e serenidadeque mais parece uma miragem.

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O ANJO DA POESIA (para Carlos Drumond de Andrade)

Um anjo azulde asas cor de rosasobrevoa a cidade de ferro.

Leva em uma das mãosuma rosa amarelae na outra, uma lilás.

Ninguém acredita no que vê.Só um menino raquíticode olhos miúdos,mãos vacilantes ,de nome Carlos acredita.

O anjo lhe joga as rosas;ele as recolheplantando-as no seu coração.

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HUMANISMO

A tua dor dói em mimtalvez mais do que em ti.

A tua fome me enfraquecetalvez mais do que a ti.

A tua tristeza me entristecetalvez mais do a ti.

O teu frio me faz tremertalvez mais do que a ti.

O teu sorriso me alegratalvez mais do que a ti.

Ser humano dói!

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O MUSEU

Uma bola Uma bonecade meia. de pano.

Uma atiradeira.

Um pedaço Um soldadinhode corda. de chumbo

Uma gangorra .Um cavalinho Um carrinho de pau. de rolimã .

Uma finca.

Uma caixinha Um boizinho de música. de barro.

Uma caneta esferográfica.Uma folha de papel.

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AUTÔMATO

Enquanto dormesuas células se multiplicam.

Enquanto sofreseu sangue transporta oxigênio.

Enquanto duvidaseus glóbulos brancos fagocitam.

Enquanto chorasuas unhas crescem.

Enquanto se arrependeseus ossos acumulam cálcio.

Enquanto planejaseus neurônios morrem.

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ANJO NEGRO ( para Pixinguinha)Lá vai o anjo negrode terno branco e chapéu de palhatocando sua flauta.

Todos param para ouvi-loe tudo se transforma por onde passa.As flores vivas ficam mais vivas,as flores mortas ressuscitam ,doentes se curam,casas tristes ficam alegres,crianças pobres sorriem,homens maus ficam bons,mulheres cansadas se animam.

Lá vai o anjo negrode terno branco e chapéu de palhasubindo para o céu,acompanhado por uma orquestra de outros anjos.O mundo para por um minuto de girar.

O PALHAÇO

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Fez uma cidade inteira sorrirapenas com um belo escorregão.Conhece muito bem todo segredoque existe para abrir um coração.

E sabe pintar um sorrisonos lábios de uma pessoa .Não importa se velho ou meninose triste, se não ri à toa.

As cores que pintam seu rostopintam bem mais sua vida.Só sai da pele , não da almaque anda pela rua colorida.

“E o palhaço o que é... o que é ? “ “O palhaço é ladrão de mulher”.A cara do palhaço está felizmesmo se o homem não estiver.

ORAÇÃO PARA SÃO FRANCISCO

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São Francisco me empresta tuas sandáliaspara eu aprender o caminho,tuas vestes para eu aprender a ser simplese teu cordão para eu amarrar o meu desejo.

São Francisco me empresta tua bocapara eu aprender a falar sem ofender,teus olhos para eu aprender a ver sem desejare tuas mãos para eu aprender a dar.

São Francisco me empresta tuas chagaspara eu aprender a suportar a dor,tua alma para eu aprender a ser humildee teu coração para eu aprender a ser santo.

Amém.

A SOLIDARIEDADE PERFEITA

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A solidariedade dos dentesA solidariedade dos dedosA solidariedade dos olhosA solidariedade das mãos A solidariedade das pernasA solidariedade dos seiosA solidariedade das letrasA solidariedade das palavras

O AMOR DE DEUS

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Encontrei Deussentado na grama do jardim,triste, prostrado, inconformado;chorando a morte de uma formiga.Depois de enxugar as lágrimasEle a ressuscitou.

QUARENTA ANOS

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Nem doce nem salgado.Nem alegre nem triste.Nem sol nem sombra.Nem rio nem lama.Nem pedra nem flor.Nem satisfeito nem faminto.Nem moço nem velho.Nem no começo ou no fim.

Somente no meio da vida,no meio da morte.

A VIDA

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A febre, a tosse, o nariz escorrendoe o menino crescendo, crescendo.

O verme, a pereba, a dor de gargantae o menino sozinho já se levanta.

A queda, o corte doendo e sangrandoe o menino danado aparece andando.

A caxumba a bronquite, o peito chiandoe o menino teimoso já está falando.

A gripe, o sarampo, a dor de ouvidoe o menino já passa do vestido.

E chegou o dia da primeira comunhão,ninguém pode com a vida. Não!

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A METRÓPOLE

A cidade de longe parece brinquedo;de perto enche de medo.

A cidade de longe parece bonita;de perto ela é triste e aflita.

A cidade de longe parece chamar;de perto só faz recusar.

A cidade de longe parece tão calma;de perto tortura a alma.

A cidade de longe parece que cresce;de perto somente apodrece.

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LEGIÃO

Homero ficou cego;Camões perdeu olho;Cervantes foi cobrador de impostos;Pessoa se dividiu;Drumont ficou mudo;Murilo perdeu a fé;Nava não suportoue uma Legião de desconhecidoscaminham com as almas dilaceradas,famintas e sedentas de poesia.

Então, anda, levantae escreve o poema que (te) acordouno meio da noite.Senão amanhã não poderáolhar nos olhos do seu filho.

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