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Uma homenagem ao centenário de Manoel de Barros

Elton Luiz Leite de Souza (Org.)

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2018Viveiros de Castro Editora Ltda.Rua Visconde de Pirajá, 580 – sl. 320 – IpanemaRio de Janeiro – rj – cep 22420-902Tel. (21) [email protected] – www.7letras.com.br

© 2018 Elton Luiz Leite de Souza

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

Coordenação Editorial Isadora Travassos

Produção EditorialIsadora BertholdoJulia RoveriRodrigo FontouraVictoria Rabello

cip-brasil. catalogação na publicaçãosindicato nacional dos editores de livros, rj

p798

Poesia pode ser que seja fazer outro mundo : uma homenagem ao centenário de Manoel de Barros / organização Elton Luiz Leite de Souza. - 1. ed. - Rio de Janeiro : 7Letras, 2017.

isbn 978-85-421-0624-4

1. Barros, Manoel de, 1916-2014. 2. Literatura - História e crítica. I. Souza, Elton Luiz Leite de.

17-46193 cdd: 809 cdu: 82.09

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Sumário

Agradecimentos 7

Apresentação 9

primeira parte – A sabedoria que não vem em tomos

O cotidiano primordial de Manoel 17Samarone Marinho

Geopoética de Manoel de Barros, dois movimentos e um adagietto 32Paulo Domenech Oneto

Manoel de Barros e a desfilosofia 47Elton Luiz Leite de Souza

De Viena ao Pantanal: o (in)expresso do pensamento no sentido do poético 68Antônio Jardim

segunda parte – Uma didática da invenção

Devires e revires e de corpos e palavras ou do supremo valor da inutilidade 85Ieda Tucherman

Ensaio poético-imagético ou um porta-retrato 90Mariana Hilgert

Passarinhos de uma demolição 106Mário Bruno

Pequena abertura para o deserto 111Gabraz Sanna

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conclusão – O não lugar ocupado pela poesia de Manoel de Barros na literatura brasileira 113Luiz Henrique Barbosa

Sobre os autores 129

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Agradecimentos

Este livro foi precedido por um evento-homenagem que o inspirou. Sem o fundamental apoio de Paulo Oneto tal evento não teria sido pos-sível, registre-se nossa sincera gratidão ao Paulo. Nossos reconhecimen-tos igualmente às marcantes participações no evento do poeta Salgado Maranhão, do escritor Paulo Vasconcelos e do filósofo Alessandro Sales. Imprescindível foi o generoso apoio na organização de Flávia Campos, Valdea Lippi e Jaqueline Silva. Agradecemos os incentivos de José Mauro, Vladimir Sibylla, Mário Chagas, Cláudia Petrina ,Yanna Karla e Andrea Luchesi. Especial agradecimento aos amigos do Centro de Estudos Cláudio Ulpiano: Silvia Ulpiano, Renata Duarte, Marianna Kutassy, Marici Passini e Tânia de Martino. Gratidão aos alunos que, direta ou indiretamente, sem-pre nos deram força para os “voares fora de asa” manoelinos. Nosso mais sincero reconhecimento aos autores deste livro, sem os quais esse “aflora-mento de falas” não seria possível: Antônio Jardim, Gabraz Sanna, Ieda Tucherman, Luiz Henrique Barbosa, Mariana Hilgert, Mário Bruno, Paulo Oneto e Samarone Marinho. Por fim, nossos agradecimentos à FAPERJ e à editora 7Letras, cujo apoio tornou possível esta realização.

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Apresentação

Eu sou dois seres. O primeiro é fruto do amor de João e Alice.

O segundo é letral: É fruto de uma natureza que pensa por imagens,

Como diria Paul Valéry. O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu e vaidades.

O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades frases. E aceitamos que você empregue o seu amor em nós.

manoel de barros, Poemas rupestres

inventar aumenta o mundo

“Poesia pode ser que seja fazer outro mundo” é um verso do próprio Manoel.1 Mil sentidos podem ser extraídos dele, pois inesgotável é sua riqueza. Acreditamos que a ênfase deve ser colocada no “fazer”, no produzir, e não no mundo enquanto produto ou coisa pronta, tangível, reconhecível, etiquetável, prestes a virar propriedade de um dono. Sempre haverá mundo para a poesia fazer, a poesia mais necessária é prática de fazer outros mun-dos: mundos políticos, psíquicos, oníricos, semióticos, desejantes, enfim, mundos por fazer, sempre múltiplos. É da invenção fazedora de mundos que o poeta deseja ser o dono, não do mundo: “quem inventa é dono daquilo que inventa, quem descreve não é dono daquilo que descreve”,2 diz o poeta.

Se estivesse vivo, Manoel de Barros completaria 100 anos em 2016. Mais precisamente, no dia 19 de dezembro. Esse número tão expressivo parece contrastar com a imagem que o poeta imprimiu à sua obra. Não são as datas e a passagem do tempo que o interessam, mas “as origens que renovam”.3 Na ponta do meu lápis, diz o poeta, “há apenas nascimento”.4 Quanto mais

1 BARROS, Manoel de. Encontros: Manoel de Barros. Adalberto Müller (Org.). Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010. p. 68.

2 Entrevista concedida ao jornalista José Castello e publicada no site Jornal de Poesia, em 30 maio 2005.

3 Poema “Aprendimentos”. BARROS, Manoel de. Memórias inventadas – as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Editora Planeta, 2010. p. 109.

4 BARROS, Manoel de. Encontros: Manoel de Barros. Adalberto Müller (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2010. p. 135.

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o tempo passa, mais a obra de Manoel de Barros parece nos encantar como seus inauguramentos, seus exercícios de ser criança: “Quem é quando criança a natureza nos mistura com suas árvores, com as suas águas, com o olho azul do céu. Por tudo isso que eu não gostasse de botar data na existência”.5

Este livro nasceu de evento-homenagem ao poeta acontecido em outu-bro do presente ano, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tal como no evento, quisemos fazer um livro-homenagem também plural, transdisciplinar, reunindo filósofos, poetas, pesquisadores, enfim, profis-sionais que encontraram na obra do poeta um caminho para a invenção de ideias. Manoel foi para nós um intercessor. Um intercessor não nasce da intercessão de opiniões idênticas ou semelhantes, mas do produzir singu-larmente uma área de afeto onde não se diz mais “eu” ou “outro”: ousa-se dizer “nós”, mesmo que ainda em balbucio ou gaguejando. O intercessor--Manoel nos colocou em estado de embrião, como forma em rascunho, no limite de nós mesmos, desabrindo-nos. Somente dessa maneira pudemos, com Manoel, ousar um “afloramento de falas”.

Os artigos aqui presentes são testemunhos desse pôr-se em rascu-nho. Apenas assim, deslimitados, podemos tentar dizer, sendo muitos, o que Manoel disse sendo único. O que nos agencia é Manoel e sua poética sempre a nos surpreender a cada vez que a lemos, dado que sua poética é inseparável de uma empoética, isto é, de um “inventar comportamento”, inclusive o comportamento de produzir uma escrita que possa falar de um poeta que inventa tanto, como poucos. Como escrever sobre Manoel sem empoemar-se? Pois é isto o que Manoel nos propõe, brincativamente: uma empoética terapêutica, da linguagem e de nós mesmos.

Como ensinar sobre a invenção a não ser inventando? Para cada um de nós Manoel foi um agente coletivo de enunciação, de tal modo que cada artigo é um agenciamento. O agenciamento tem por raiz, raiz rizomática, o termo agente. Um agente é aquele que desencadeia, que promove, que suscita. Um agente não existe fora de um agenciamento. E todo agencia-mento é uma relação. O agenciamento não está nos polos de uma relação: ele é feito dos polos e mais o meio, o encontro, o contágio, a comunhão. O agente de um agenciamento nunca é um sujeito que se opõe a um objeto, tampouco um objeto que existe em si, objetivamente. O agenciamento manoelino consagra pré-coisas, desobjetos, sujeitos larvares, deslimites.

5 BARROS, Manoel de. Memórias inventadas – as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Editora Planeta, 2010. p. 113.

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É de se notar, hoje, a variedade de campos envolvidos nas produções acadêmicas que tomam o poeta como tema. Além da Teoria Literária, há estudos em Filosofia, Dança, Geografia, Psicologia, Pedagogia, Museologia, Teatro… Essa pluralidade expressa a riqueza de uma poética que ainda se oferece por descobrir, exigindo um rico trabalho de diálogo interdisciplinar em sua hermenêutica. Mas Manoel é arisco: a expressão reta não o apanha...

O livro deseja contribuir para a divulgação de um pensador originalís-simo de nossa cultura, com influência crescente nas mais diversas áreas da vida brasileira. Apesar do reconhecimento midiático, a poética de Manoel ainda é relativamente pouco conhecida e estudada, e falar dela também é, sem dúvida, pensar nossa sociedade, nossa linguagem e as formas plurais mediante as quais produzimos conhecimento. Essa é a originalidade do poeta: uma simplicidade sem pose, uma simplicidade múltipla, pois toda autêntica simplicidade é vária, com-plexa: múltiplas coisas estão dobradas e implicadas nelas.

manoel: pop’filósofo

O filósofo Gilles Deleuze intitula pop’filosofia a relação entre o pensar e o sentir, entre a ideia e a sensação, entre o conceito e a imagem. “Pop” como raiz ou prefixo de popular. O popular não é o massificado, o popular não é o que custa barato. Ao contrário, custa muito o popular: custa não em moeda ou capital, mas em modéstia e gosto. O popular não é o que vende muito: o popular é o que não se deixa vender, seja pelo mercado seja pela potesta do Estado. O popular não se opõe ao erudito. O popular não se confunde com classe ou gênero. O popular não é a classe C, D ou E. O popular é multiplicidade. Povo ao mesmo tempo nobre e menor, como a cartola do Angenor, como o sax de Pixinguinha, como o lápis de Manoel. Quem fala a partir de uma multiplicidade produz um “afloramento de falas”, pois é aflorando em múltiplas falas que a poética de Manoel se torna um agente coletivo de enunciação: “escreve-se em função de um povo por vir e que ainda não tem linguagem”.6

O livro está organizado em duas partes complementares: a primeira nos faz conhecer um Manoel Pensador, enquanto que a segunda parte reúne artigos diferentes entre si, cuja unidade está na riqueza com a qual a obra do poeta dialoga com as mais diferentes artes. Dito bem simples, as

6 DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34. p. 179.

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duas partes falam da ideia e da imagem, do pensamento e do corpo. Ao modo de Espinosa, podemos ainda acrescentar: o que em Manoel nos faz pensar é o mesmo que nos faz sentir, visto de uma perspectiva diferente; e o que nele nos faz sentir é o mesmo que nos faz pensar, visto de uma pers-pectiva diferente. É a junção dessas duas perspectivas que faz de Manoel um pop’filósofo.

A primeira parte busca no poeta o conceito ainda em rascunho, não mentado, nascido da artesania de Manoel: Uma sabedoria que não vem em tomos. Abrindo essa Primeira Parte se encontra o artigo de Samarone Marinho, O cotidiano primordial de Manoel de Barros. Samarone nos mos-tra, entre outras coisas, que a poética de Manoel se apoia em uma matéria: o cotidiano. Não o cotidiano da vida acostumada, “mesmal”. O cotidiano do poeta é um espaço de transfiguração e transvisão, no qual se descobre o valor do inútil e das desimportâncias. É nesse lugar, que também é um lugar de linguagem, que o poeta celebra as grandezas do ínfimo. O pensar do poeta não começa no Céu ou nas Abstrações, ele começa no cotidiano. E quem faz do pensar o seu cotidiano nunca mais pensa acostumado.

No artigo seguinte, Geopoética de Manoel de Barros, em dois movimen-tos e um adagietto, o filósofo Paulo Oneto descobre que o chão de Manoel não é o da pedra nua e fria, mas o da terra úmida, íntima do fluxo das águas, águas estas que animam o chão do pantanal, fazendo-o território liso afim aos nômades, como Espinosa, Deleuze, Nietzsche e, antes de tudo, ao próprio Paulo, que musica esse heterogêneo fluxo, essa heterogênese. Tal geografia dos fluxos constitui uma música dos elementos que o poeta reúne, sem totalizá-los ou sistematizá-los. Por isso, a imagem escolhida pelo autor: os movimentos ou andamentos musicais agenciados ao poeta--andaleço. Música naturante, barroca, barriana.

No terceiro artigo, Manoel de Barros e a Desfilosofia, propomos uma desfilosofia inspirada na poética de Manoel. A desfilosofia não é uma filo-sofia poética, tampouco uma poesia filosófica. A desfilosofia é filosofia, porém aberta à sua origem não conceitual, origem esta somente alcançável pela conexão com o prefixo “des”, aqui funcionando como um “agenciador conceitual” extraído da Oficina do poeta.

Fechando a Primeira Parte, no artigo De Viena ao Pantanal – o (in)expresso do pensamento no sentido do poético, o filósofo Antônio Jardim nos apresenta uma rica aproximação entre o filósofo Wittgenstein, um dos mais importantes pensadores da linguagem, e o nosso poeta. No diálogo