Poesia Santa
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Transcript of Poesia Santa
Finalmente Ouvir
Não poderia mesmo suspender os cantos,
estiveram esperando por tanto – e nada além
do próprio além: lentamente subindo.
/cavaram por tanto/
Carregavam suas facas cegas, e
batiam na pedra com força, que ia cedendo,
no passar dos dias
em que não viam o sol,
o transporte dos translúcidos chega ainda cedo,
via as feras passarem vazias –
os vórtices distantes
(sinto mesmo esta saudade do olhar fixo),
dos repousos nas cavernas anteriores –
/ os cristais da velhice deitam sobre a luz /
da eterna juventude ;
Havia feito a unidade deste poema,
e agora, apaga-lo não seria suficiente –
seguir adiante, deixa-lo para trás, não
podemos vencer a unidade – não
podemos fecha-lo em um / copo
em um gesto, em página.
Trouxe o reflexo apenas para a mesa, não
aguentaria ver pela frente – ver o certo
faria desabar, sem retorno. Carvão comido
todo sujo, garoto jogado pelos cantos /
O romântico partiu em um cavalo sem pernas,
relinchavam no luar, amargurados –
nem mesmo as uvas confortavam,
ou as brechas no espaço que traziam o frio.
Travessões guardavam o lodo,
venderam-o por muito, agora bebem da terra –
vestidos de relva,
no sobressalto de júpiter deitavam atordoados.
Iniciantes seguiam os guias,
imitar o que faziam, dando um novo brilho
ao já gasto – viravam ao avesso as camisas,
tirando os sapatos –
os pés cravavam o raio
que herdaram antes mesmo de nascer,
observavam de cima, iam soprando ao acaso –
quase pensava ser o pensamento,
comer logo cedo pela manhã – o rim do poeta,
congelado no lago deste jardim ;
/
/
/
Que atentem aos recortes,
pensamos sempre na direção
do buraco – voltar ao princípio .
/////////////////////////////////////////////////////
Dê Lírios à seus amores,
que crescem no peito como ervas-daninhas
já dentro do túmulo – tumultuados
cantavam a voz, o Mal d’Aurora, o conde
que cresce como amora, ele
que segurava o copo firme -
antes de cair duro como sorvete
com os manuscritos na mão,
papéis cheios de marcas de ontem
que nunca encontraram os edifícios
deste céu alheio à nossa vontade
/
talvez usar do vermelho
destes pincéis negros & trombetas,
- que diremos aos anjos de ferro
que batem em nossas janelas -
seres que serpenteiam no quarto escuro
procurando a última dose humana:
o alimento dos santos em estado
de violenta decomposição.
Não me venha com migalhas,
estou farto de tudo que é resto:
passei a navalha em suas coxas pela última vez –
agora andarei sozinho,
verterão as flores da pele – caíremos das pontes,
a febre me fez homem, agora desfaleço:
rumo as carruagens do destino, lá cravaremos
a lança em chamas – lá
lançaremos as chamas
de volta ao jardim primeiro,
onde eva encontrou
o amor /
Lili a serpente erguia-se acima do mar
e sua estrela brilhava
soterrando este mundo vazio.
O crepúsculo entoava seu nome,
oh grande mãe
de toda tentação .
Não falo da realidade, ou da Phantasia,
sou mesmo o mensageiro da febre –
da testa efervescente,
das colunas quebradas.
Lá onde samambaias transam paredes
vi uma velha senhora a fiar, tinha nas mãos
o grande globo do amanhã – e um mapa
de formas puras,
incensos queimavam & flechas envenenadas
rompiam a barreira do real,
as vozes já guiavam – seria o vaso do outro
a ser preenchido pela eternidade
com areias, com gozo divino, ou
qualquer substância fervente
como zinco ou ferro,
arrancavam doces gemidos
de nossa trêmula carne em prantos
somos urros de prazer, gritais //////////////
Não sou um velho poeta caindo aos pedaços,
já gagá, com corpo de diamante e rugas fundas
marcadas pelo ócio do álcool, não,
não sou um velho metido a besta ou intelectual –
que brinca com as palavras, com as varas
com as larvas – não, não sou um bom amante,
muito mais que um poeta distante – ou
melancólico profeta que sobrevoa vales de
depressão & caralhos estarrecidos, nosso
sangue é de ferro, nosso sangue é o ferro
que lhe enverga o sexo,
negro sangue do inverno – que escorre
pelas pernas trêmulas,
oh tentação,
minha irmã,
oh ilusão –
frágil brilho
da manhã /
No jardim dos crânios nasceu a flor da extinção .
Página de HaiKais
Rasguei o vento
nos bambuzais
da eternidade
*
Bonecos enfileirados
derretem
feito neve fervida
*
A inocência
foi a primeira
a sumir
*
Montanhas de tinta
cedem à umidade
das vaginas do amor
*
Marte segue
perambulando
pela via do leite
Nuvens de poeira dançam lá fora,
vejo os morcegos lambendo as próprias asas –
pregos e veias de morfina em sonhos desejantes,
o quarto delira enquanto dormem os santos –
no prato quente do destino
ferviam vísceras e outros atos humanos,
como os índios que comeram os europeus
antes de morrerem envenenados,
restaram as estátuas de pedra,
os budas sem cabeça queimando o espaço –
faixas rápidas adentrando veias murchas,
escolher o lado – o caminho que se parte –
O chão engole nossos pés cansados
e cospe negras vênus enfurecidas, não esqueças
do tempo dos vulcões, das magistrais erupções –
festas em que bailarinas faziam o inferno,
dentro das caixas de sapatos surgia o infinito –
reticente vazio entre o hoje e o amanhã /
Ruído/s/em Dó – Sustentar a paixão
Desta vez Dante tocou o piano
extraindo dele a voz dos que purgam
ansiosos pela continuação do exílio,
preciosas irmãs – pobres irmãs. Ora Tao
Estas almas abortadas que pedem a voz, pobres espíritos perdidos e solitários
em busca dos dedos frágeis do carnaval,
é lá que pulam para a vida, na terra ensaiam
A festa das linces e todas as viúvas vestindo
estes velhos vestidos cobertos por terra e pó
fragmentos e memórias das núvens do paraíso –
Colher as essências extraídas do mais profundo
do círculo primeiro anterior à criação,
voltaremos ao reino dos vagões subterrâneos.
Tremeliques
No interior de apartamentos sujos Allen &
seus amigos psicopatas faziam odes
ao absurdo, caíam sem pretensão de ascender
encenando Blake perpetuamente drogados,
sexualizando a luz do luar – profanando
as pestes e a doença, goteiras e baldes furados –
os cabelos já caídos, as genitais já frágeis, louvar /
Usuários da escrita
com suas máquinas de escrever penhoradas,
vendiam tudo por uma linha de liberdade ou
a prisão, enfiavam fundo na pele já intolerantes,
a dor, o amor e outras sobras de cheeseburgers,
passear pelas lojas furtando livros de defuntos –
influentes & sofredores que engolimos inteiros,
juntos à pastilhas de menta & remédios para o vício, as heroínas idolatravam,
Estas lindas borboletas que alucinavam comedidas a dizer:
“queremos a dose final”
Telas Cheias de Nada
A memória é mesmo feita
por estes espaços fundos e sem cor,
que quase não se tem acesso –
as fotos que ventavam no subúrbio
lembravam da maneira como ela caminhava,
não sinto falta alguma – amei-a o suficiente
para vê-la partir. De que importa se os pássaros cantam pela manhã, se não poderias ouvir?
Estes parvos que nos contavam as histórias
das ruínas soterradas pelo oceano, noites inteiras
de viagens catatônicas e visões atreladas aos céus – tomavam estrelas e abismos
bolachas com polpa de fígado e rins vesgos –
Os libertinos paladinos saladinos
que bailavam sobre cordas não saíriam jamais
desta memória traumática – vespas maltrapilhas,
faziam colmeias explosivas logo antes do acordar.
Desovar
Estes úteros cheios de fetos saltitantes,
prestes a nascer ainda nadavam / na placenta –
o alimento é a gosma dos seres frágeis,
estes fetos já viciados, mães & pais viciados,
nasciam na fumaça dos cigarros, em banheiras
alcóolicas, já nasciam prontos para o fim,
fetos fétidos fervendo frestas – não havia culpa,
não poderiam parar, senão com a interrupção
absoluta –
Neste arco-íris sagrado nasciam os abortados,
com seus rostos deformados, entoando pragas,
vudus perfeitos e garrafas de vinho azedo –
O que poderíamos fazer para ajuda-los?
bater o tambor dos deuses, comer o peyote,
nada tem efeito, senão a caneta cravada no peito
Este lindo nascedouro por onde paira o Urubu.
Hospício & Curandeiros
Tinham a certeza da sanidade,
mas desta vez os levaram a força –
ficaram os chocalhos, as ervas
e o fervor – agitavam as cabaças,
andarilhos sem rosto pelos corredores a navegar.
Reuniam-se à noite e entoavam cantos de cura,
em meio a internação acenderam uma fogueira
e logo viram as paredes subir – batiam o tambor
com força, batiam o tambor – a força, alí pairava
logo cedo fizeram um círculo com o poder –
os doutores viram o fogo e logo seguiram o ritual,
choravam desvairados pela culpa de seus
ancestrais,
Uma águia de gelo cruza a superfície da manhã,
atraída pela fumaça, bica as chagas
deste falso curador .
////////////////////////////////////////////////////
Batecum-Jurere-Batecum-Jurere
Agora livres faziam a visão da sagrada
poesia – este deus raposa vacilante,
dando lambidas no útero de sua amante –
gemidos ecoando nos túneis ocos da terra,
Apreciadores do agora vestindo as peles
esvaziadas de um passado muy distante –
couraças rompendo a virgindade da mata,
o gozo das montanhas descia em água pura,
O corvo ainda pela manhã gritava alto,
os xamãs brigavam no plano espiritual –
estes doendes safados pregando peças,
O pajé entoava o cálice onde centopéias
rasgavam o véu da realidade, agora
tive a certeza do mistério da vida –
No qual nenhum homem adentrará .
21/12/2015