Poesia - tríptico - II - Herberto Helder
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Transcript of Poesia - tríptico - II - Herberto Helder
Poesia
Plural 9, Raiz Ed, p. 293
Herberto Helder,
A Colher na Boca, 1990
Tríptico -II
René Magritte (1898-1967), La Page Blanche
Não sei como dizer-te que minha voz te procurae a atenção começa a florir, quando sucede a noiteesplêndida e casta.Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsosse enchem de um brilho preciosoe estremeces como um pensamento chegado. Quando,iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocadopelo pressentir de um tempo distante,e na terra crescida os homens entoam a vindima- eu não sei como dizer-te que cem ideias,dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim , te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstrato
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.
1. O sujeito poético não sabe como se declarar à pessoa amada nem como transmitir o amorque sente. Sente falta da presença dela.
1.1. A anáfora “não sei” transmite a dificuldade do sujeito poético em transmitir os seus sentimentos.
2. Ao longo do poema, surgem palavras dos campos lexicais de natureza e de universo que conferem ao amor uma dimensão natural, animal e simultaneamente cósmica, como se o amor fosse o elo de ligação entre o homem e o cosmos, aquilo que dá um sentido maior à condição humana.
Campo lexical de natureza:
Florir, campo, centeio, terra, vindima, folhas, semente, primavera, trevos, água, girassol. Fruto, pedra, ave, leite.
Campo lexical de universo:
Astros, espaço, luas, sol.
Campo lexical de tempo:
Noite, dia, tempo, sol, primavera.
Recursos expressivos:
Adjetivação: “esplêndida e casta”;
Comparação: “ tu arrebatas os caminhos da minha solidão/ como se toda a casa ardesse pousada na noite”;
Metáfora: “ o coração é uma semente inventada”;
Recursos expressivos:
Hipérbole: “eu não sei dizer-te que cem ideias, /dentro de mim te procuram”;
Anáfora: “ – eu não sei” … “ não sei”
Enumeração: “o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor,”
FIM