Poesias Cecilia

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Coletânea de poesias de Cecília Meirelhes

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Balada das dez bailarinas do cassinoDez bailarinas deslizampor um cho de espelho.Tm corpos egpcios com placas douradas,plpebras azuis e dedos vermelhos.Levantam vus brancos, de ingnuos aromas,e dobram amarelos joelhos.

Andam as dez bailarinassem voz, em redor das mesas.H mos sobre facas, dentes sobre florese com os charutos toldam as luzes acesas.Entre a msica e a dana escorreuma sedosa escada de vileza.

As dez bailarinas avanamcomo gafanhotos perdidos.Avanam, recuam, na sala compacta,empurrando olhares e arranhando o rudo.To nuas se sentem que j vo cobertasde imaginrios, chorosos vestidos.

A dez bailarinas escondemnos clios verdes as pupilas.Em seus quadris fosforescentes,passa uma faixa de morte tranqila.Como quem leva para a terra um filho morto,levam seu prprio corpo, que baila e cintila.

Os homens gordos olham com um tdio enormeas dez bailarinas to frias.Pobres serpentes sem luxria,que so crianas, durante o dia.Dez anjos anmicos, de axilas profundas,embalsamados de melancolia.

Vo perpassando como dez mmias,as bailarinas fatigadas.Ramo de nardos inclinando floresazuis, brancas, verdes, douradas.Dez mes chorariam, se vissemas bailarinas de mos dadas.(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)

GargalhadaHomem vulgar! Homem de corao mesquinho!Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.Dobra essa orelha grosseira, e escutao ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!Ah! Ah! Ah! Ah!

No vs? preciso jogar por escadas de mrmores baixelas de ouro.Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,vergar a lmina das espadas e despedaar esttuas,destruir as lmpadas, abater cpulas,e atirar para longe os pandeiros e as liras...

O riso magnfico um trecho dessa msica desvairada.

Mas preciso ter baixelas de ouro,compreendes? e colares, e espelhos, e espadas e esttuas.E as lmpadas, Deus do cu!E os pandeiros geis e as liras sonoras e trmulas...

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!Ah! Ah! Ah! Ah!

S de trs lugares nasceu at hoje essa msica herica:do cu que venta,do mar que dana,e de mim.

TimidezBasta-me um pequeno gesto,feito de longe e de leve,para que venhas comigoe eu para sempre te leve...

mas s esse eu no farei.

Uma palavra cadadas montanhas dos instantesdesmancha todos os marese une as terras mais distantes...

palavra que no direi.

Para que tu me adivinhes,entre os ventos taciturnos,apago meus pensamentos,ponho vestidos noturnos,

que amargamente inventei.

E, enquanto no me descobres,os mundos vo navegandonos ares certos do tempo,at no se sabe quando...

e um dia me acabarei.