Política, Classe e Singularidade - Antonio Teixeira

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Política, classes e singularidade TAGS:  psicanálise O confronto entre a singularidade subjetiva e as classificações nos autoriza a falar de uma política lacaniana? Antônio Teixeira  Essa sombra feliz, essa foolery fundamental, eis a meus olhos o que constitui o valor do intelectual de esquerda Lacan – Seminários 7:  A ética da psicanálise Para aquele que concebe a política ao modo de um pensamento estruturado como um cálculo sobre o coletivo, soa formalmente contraditório falar de uma política lacaniana. Do momento em que a  práxis freudiana, renovada por acan, sempre se primou por determinar , a partir da sin!ularidade do su"eito, o alvo de sua interven#$o, a própria id%ia de uma teori&a#$o do coletivo parece deslocada com rela#$o ao eixo do pensamento lacaniano . 'eria, aliás, ocioso retomar aqui a (nfase que se dá, na psicanálise de orienta#$o lacaniana, ) dimens$o do caso *nico ou irreprodutível, da experi(ncia ímpar que n$o se repete. +alase sempre do caso a caso, do um a um, estáse continuamente ) espreita daquilo que o sintoma comporta como solu#$o sub"etiva incalculável, assim como da resposta que cada um tra& a problemas para cu"a saída n$o -avia coordenadas previstas. abe, contudo, tomar um certo cuidado para que a exorta#$o desse princípio n$o coloque a perder a sua inteli!ibilidade. /unca % demais lembrar que a exalta#$o do sin!ular, topos rom0ntico por excel(ncia, tra& mui freq1entemente consi!o uma certa recusa da demonstra#$o, como se o procedimento demonstrativo viesse dissipar o  frisson po%tico da inven#$o sub"etiva na aride& do formalismo acad(mico. Assim como, para 2e!el, a filosofia deve se !uardar de ser uma prática edificante, diríamos, por nossa parte, que a psicanálise deve se !uardar de ser uma prática exortatória. A psica nálise, bem o viu acan, % fil-a do discurso científico, e por isso mais afeita ) demonstra#$o do que ) exorta#$o. 3la n$o pode ficar indiferente ao problema da formali&a#$o que se r equer de cada caso sin!ular, e deve, por conse!uinte, encontrar um modo de articula#$o da sin!ularidade sub"etiva ao universal do discurso em que sua solu#$o se transmite. 3u proporia, nesse sentido, pensar o tema da sin!ularidade a partir de no#4es extraídas da teoria dos con"untos, conforme os termos, ali  presentes, de re presenta#$o e de apresenta# $o. Para di&(lo concisamente, de ntro dos fins aos q uais aqui nos propomos, entendase somente que um determinado elemento de uma situa#$o nela se encontra representado quando se pode fixálo como unidade pertencente a uma classe, conforme a atribui#$o de um predicado que o inclui numa cole#$o5 ter, por exemplo, mais de 6,78m, % um dos  predicados que desi!na a po ssibilidade de se pertencer ) !ua rda imperial brit0nica. Di& erseá, pelo contrário, sin!ular, a dimens$o sub"etiva que se apresenta, no sentido em que ela pertence, de forma imanente, a uma dada situa#$o, mas que permanece fora dos a!rupamentos, ou se"a, que n$o se encontra indexada por nen-um tipo de representa#$o. Psicanálise como resposta à difícil adequaço de classe 9as se"a qual for o valor que a psicanálise atribui a essa dimens$o do sin!ular, ela ainda assim sup4e a dimens$o política, porquanto admite que n$o existem apenas sin!ularidade s, no que tan!e ao ser falante. A psicanálise n$o descon-ece que -á a!rupamentos, multiplicidades que fa&em cole#$o, tanto mais que ela responde ao fato de que as assim c-amadas sociedad es disciplinares, nas quais ela encontrou o seu meio de ori!em, or!ani&aramse mediante práticas classificatórias que visavam incluir o indivíduo em !rupos identificáveis pelo poder estatal. /$o -á nada, aliás, de  propriamente exorbita nte no ense"o d e uma prática clas sificatória. 9uito pelo co ntrário, o !esto classificatório parece ser a atitude mais espont0ne a do pensamento -umano. :asta a"untar elementos numa classe sobre a base de uma propriedade definida ;  x % P , desde que se construa,

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Política, classes e singularidadeTAGS:  psicanálise

O confronto entre a singularidade subjetiva e as classificações nos autoriza a falar de uma política

lacaniana?Antônio Teixeira

 Essa sombra feliz, essa foolery fundamental, eis a meus olhos o que constitui o valor do intelectual

de esquerda

Lacan – Seminários 7:  A ética da psicanálise

Para aquele que concebe a política ao modo de um pensamento estruturado como um cálculo sobreo coletivo, soa formalmente contraditório falar de uma política lacaniana. Do momento em que a

 práxis freudiana, renovada por acan, sempre se primou por determinar, a partir da sin!ularidade dosu"eito, o alvo de sua interven#$o, a própria id%ia de uma teori&a#$o do coletivo parece deslocadacom rela#$o ao eixo do pensamento lacaniano.

'eria, aliás, ocioso retomar aqui a (nfase que se dá, na psicanálise de orienta#$o lacaniana, )dimens$o do caso *nico ou irreprodutível, da experi(ncia ímpar que n$o se repete. +alase sempredo caso a caso, do um a um, estáse continuamente ) espreita daquilo que o sintoma comporta comosolu#$o sub"etiva incalculável, assim como da resposta que cada um tra& a problemas para cu"asaída n$o -avia coordenadas previstas. abe, contudo, tomar um certo cuidado para que a exorta#$odesse princípio n$o coloque a perder a sua inteli!ibilidade. /unca % demais lembrar que a exalta#$odo sin!ular, topos rom0ntico por excel(ncia, tra& mui freq1entemente consi!o uma certa recusa dademonstra#$o, como se o procedimento demonstrativo viesse dissipar o frisson po%tico da inven#$osub"etiva na aride& do formalismo acad(mico.

Assim como, para 2e!el, a filosofia deve se !uardar de ser uma prática edificante, diríamos, por

nossa parte, que a psicanálise deve se !uardar de ser uma prática exortatória. A psicanálise, bem oviu acan, % fil-a do discurso científico, e por isso mais afeita ) demonstra#$o do que ) exorta#$o.3la n$o pode ficar indiferente ao problema da formali&a#$o que se requer de cada caso sin!ular, edeve, por conse!uinte, encontrar um modo de articula#$o da sin!ularidade sub"etiva ao universal dodiscurso em que sua solu#$o se transmite. 3u proporia, nesse sentido, pensar o tema dasin!ularidade a partir de no#4es extraídas da teoria dos con"untos, conforme os termos, ali

 presentes, de representa#$o e de apresenta#$o. Para di&(lo concisamente, dentro dos fins aos quaisaqui nos propomos, entendase somente que um determinado elemento de uma situa#$o nela seencontra representado quando se pode fixálo como unidade pertencente a uma classe, conforme aatribui#$o de um predicado que o inclui numa cole#$o5 ter, por exemplo, mais de 6,78m, % um dos

 predicados que desi!na a possibilidade de se pertencer ) !uarda imperial brit0nica. Di&erseá, pelocontrário, sin!ular, a dimens$o sub"etiva que se apresenta, no sentido em que ela pertence, de formaimanente, a uma dada situa#$o, mas que permanece fora dos a!rupamentos, ou se"a, que n$o seencontra indexada por nen-um tipo de representa#$o.

Psicanálise como resposta à difícil adequaço de classe

9as se"a qual for o valor que a psicanálise atribui a essa dimens$o do sin!ular, ela ainda assimsup4e a dimens$o política, porquanto admite que n$o existem apenas sin!ularidades, no que tan!eao ser falante. A psicanálise n$o descon-ece que -á a!rupamentos, multiplicidades que fa&emcole#$o, tanto mais que ela responde ao fato de que as assim c-amadas sociedades disciplinares, nasquais ela encontrou o seu meio de ori!em, or!ani&aramse mediante práticas classificatórias que

visavam incluir o indivíduo em !rupos identificáveis pelo poder estatal. /$o -á nada, aliás, de propriamente exorbitante no ense"o de uma prática classificatória. 9uito pelo contrário, o !estoclassificatório parece ser a atitude mais espont0nea do pensamento -umano. :asta a"untarelementos numa classe sobre a base de uma propriedade definida ; x % P , desde que se construa,

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exteriormente a ela, a classe sem tal propriedade como limite5  n$o % P. <ma diferen#a essencial,no entanto, deve ser destacada, quando se trata de a!rupar su"eitos5 as classes cujos elementos s!o

 sujeitos n!o se encontram fundadas sobre nenhuma propriedade represent"vel . De maneira que,muito embora se"a possível desi!nar indivíduos mediante um determinado tra#o predicativo ; o que

 pode, aliás, ser uma marca inscrita no próprio corpo, como no caso "udaico da circuncis$o ;, n$o -ánada que "ustifique, a priori, a inclus$o de su"eitos numa determinada classe simbólica. 3xiste

somente o proferimento do si!nificante para desi!nar a inclus$o do su"eito numa determinada classesimbólica, de modo que a propriedade que l-e % assim atribuída se encontra constantemente enviadaa sua nomea#$o.

9as ainda que os a!rupamentos, assim determinados pelo proferimento dos nomes, produ&amincontestavelmente efeitos sobre os seres falantes, o fato % que nin!u%m conse!ue alienarseinte!ralmente nessas representa#4es. 'e a psicanálise se v( ent$o convocada no contexto políticodas práticas classificatórias, ela n$o se encontra, como c-e!ou a pensar +oucault, em continuidadecom as disciplinas derivadas da prática de controle que visa ) representa#$o do indivíduo nos!rupos definidos pelo 3stado. A psicanálise sur!e antes enquanto resposta ao malestar !erado peladificuldade, que experimenta o su"eito, em se adequar ) unidade da classe em que ele se nomeia. 2á

sempre al!um resto de exi!(ncia pulsional que resiste a ser inte!rado na unidade da representa#$o,manifestando a cis$o inerente ) apresenta#$o sub"etiva nas forma#4es do inconsciente.

=uando acan afirma, portanto, que a cura psicanalítica se dá mediante o declínio dasidentifica#4es sub"etivas, % por conceb(la ao modo de uma opera#$o que visa "ustamente desalo"aro indivíduo da classe que o representa. Ao fa&(lo, a psicanálise exp4e, em sua apresenta#$oessencialmente cindida, o que o su"eito comporta enquanto sin!ularidade n$o classificável. > quedi&er, por%m, a respeito de nossa prática, quando fa&emos uso dos termos dia!nósticos? /$oestaríamos, por nossa ve&, a!rupando su"eitos em classes simbólicas ao selarmos um dia!nóstico,quando afirmamos se tratar, por exemplo, de um caso de -isteria, de neurose obsessiva ou de

 psicose? Para escaparmos a essa ob"e#$o, % essencial lembrar que, quando recorremos aodia!nóstico, estamos inevitavelmente lidando com o que @.. 9ilner qualifica de classes

 paradoxaisB. 9as deixemos um pouco de lado a aride& das defini#4es formais e expliquemos o quevem a ser isso pela via coloquial dos exemplos.

!"emplos

Cma!inemos apenas ; a situa#$o n$o % t$o inverossímil assim ; que em al!um servi#o de psiquiatria, um diretor bem intencionadoB, tomado de ímpeto !erencial, propon-a otimi&ar ofuncionamento dividindo o servi#o em alas separadas para as -ist%ricas, para os obsessivos, para os

 psicóticos etc. 'e isso nos fa& rir, % porque de certo modo sabemos que os termos dia!nósticos n$oconvocam, na clínica psicanalítica, nen-um a!rupamento. 3les formam classes paradoxais namedida em que nomeiam a maneira obsessiva, -ist%rica ou psicótica que tem um su"eito de serina!rupável, dessemel-ante de todo outro. Por esse motivo, a vacila#$o da clínica analítica, que

 primeiramente orienta a apresenta#$o do caso pela necessidade da representa#$o no dia!nóstico, para em se!uida retornar ) sin!ularidade do caso no que ele se apresenta de radicalmente diverso,lon!e de ser acidental, % o que verifica a sua própria ess(ncia. por ela que se pode di&er que osu"eito excede, em sua apresenta#$o cindida, a toda classifica#$o representável.

'e considerarmos que uma psicanálise deve produ&ir um psicanalista, e que o processo analíticoconsiste, conforme di&íamos, na destitui#$o de todo predicado pelo qual se desi!na o pertencimentodo indivíduo a uma classe, fica evidente em que sentido a classe dos analistas se reali&a como umaclasse paradoxal. Podemos inclusive entender, fora de toda perspectiva escatoló!ica, o que acantem em mente quando afirma que o analista deve advir a seu destino de de"eto5 assumir esse destinoimplica fa&er parte da classe dos inclassificáveis, daqueles que n$o podem ser incluídos numa

cole#$o representável. Eale mesmo di&er que o proferimento %tico da psicanálise requer, da parte dosu"eito, a constitui#$o sin!ular de uma classe paradoxal. , aliás, nessa vertente que a %tica da

 psicanálise deixase conceber, se quisermos nos emancipar da exorta#$o de sua dimens$o trá!ica, a

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 partir da estrutura formal do c-iste. Dentre os vários exemplos con-ecidos, os mel-ores se devem aFrouc-o 9arx, que se recusava a fa&er parte de um clube que o aceitasse como sócio, assim comoao persona!em 2arry, do filme -omônimo de Goody Allen, cu"a aventura se reali&a em torno davia!em que ele fa& para receber uma -omena!em da escola que o expulsou. >utro exemploemblemático % o c%lebre apólo!o dos tr(s prisioneiros que se encontra no escrito sobre o tempoló!ico, antítese lacaniana de #uis $los, cu"a classe se funda na descoberta !erada ao termo de um

movimento que antes visava ) dispers$o de seus elementos. 9as embora a classe paradoxal se"aconcebível atrav%s de exemplos, ela vale somente por seu ineditismo. > sentido que se trata decaptar só vale como interpreta#$o de um dese"o se estiver apto a desestabili&ar, no di&er do su"eito,o que at% ent$o encontravase classificado na representa#$o do discurso.

+ace, contudo, a essa instabilidade da verdade, a essa falta de representa#$o discernível para oacontecimento sin!ular, n$o causa surpresa que o su"eito vacile, recue e por fim renuncie ao dese"o.Pode ser que ele -esite em ir adiante ao captar, na dispers$o suscitada por um tra#o contin!ente, aexperi(ncia sin!ular do encontro que l-e intimaria a tudo rever. 3 se n$o -ouver, per!untase ele,nada a recon-ecer al%m do que se deixa representar? 3 se n$o existir na realidade dese"o al!um, mast$o somente demandas? 3 se, finalmente, n$o -ouver na verdade nen-um real, mas somente

realidades? Pois se % sabido que o encontro com o real, mesmo se acaso se der, n$o tem dura#$odefinida, que sentido fa& propor para si mesmo al!o que n$o % sequer representável, destituído dequalquer perman(ncia?

Pois % no espa#o dessa inquietude que se prontificam aqueles que se dedicam a suprimir todo efeitode dispers$o que a experi(ncia do sin!ular acarreta, com vistas a asse!urar a perman(ncia dasrepresenta#4es sociais. 3m !eral, eles correspondem )s pessoas amáveis e socialmente estimadasdas quais fala Adorno, em sua 9inima moralia, as quais, em nome da coes$o coletiva, desculpam-umanitariamente qualquer inf0mia e repelem inflexivelmente toda emo#$o n$o convencional comosentimentalB, proclamando, em coro, que só vale a representa#$o coesa dos a!rupamentos. De fato,di&em eles, n$o -á nen-um real5 -á somente realidadesH % mel-or se contentar com as demandas,com o que se deixa comunicar. 3 "á que nada se apresenta, n$o existem tampouco su"eitos. 2á

somente indivíduos, comportamentos e condutas. 3m breve5 só % di!no de valor o que % socialmenterepresentávelI

A atitude canal#a a funço social da $esteira

> nome que dá acan a essa paix$o conformista, que assim se estabelece, % a canal-ice, a paix$o da própria ren*ncia ao dese"o. > proferimento %tico de n$o ceder sobre o dese"o ali se v( substituído pela obstina#$o a n$o ceder sobre a demanda, "ustificando toda vilania que visa ao maior proveitoem nome de um realismo calculado. A atitude canal-a % antes de tudo uma atitude realista, nosentido n$o do real, mas de uma ne!ocia#$o com as representa#4es coesas da realidade. 'euexemplo mais próximo, t$o freq1ente em nossa triste %poca, % o pequeno canal-a oportunista eambicioso, que somente recon-ece a experi(ncia reversível do sucesso Jdemanda satisfeitaK e dofracasso Jdemanda insatisfeitaK. 9as se"am quais forem seus representantes, n$o -á como ne!ar queo realismo canal-a nos libera da inquietude que, conforme vimos, vem marcar o encontro do su"eitocom a verdade do dese"o. 'ua fun#$o de evitar, a qualquer pre#o, a experi(ncia dispersiva doencontro, fixando o su"eito na estabilidade da representa#$o, !arantel-e uma reputa#$o social

 perene. Csso n$o impede, contudo, que a constitui#$o social dos canal-as, em bando, vá desembocar,como di& acan, numa besteira coletiva. Pois o que % a besteira, que acan nos instrui a concebercomo corolário da posi#$o canal-a, sen$o o fator pelo qual se estrutura a estabilidade mesma dola#o social?

A"a em todas as circunst0ncias como se nen-uma sin!ularidade se apresentasse, re&a a máxima besta, solidamente apoiada, em sua funda#$o canal-a, sobre o axioma de que n$o -á corte que

desfa#a o la#o das representa#4es. 'ua fun#$o de manter a sub"etividade no plano indiferenciado dosenso comum se tradu& no !esto automático de consentir sem pensar. 3 uma ve& que o sensocomum fornece previamente o "ul!amento e a decis$o, n$o resta nen-uma responsabilidade para o

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su"eito. 3m seu campo, nada se sin!ulari&aH ela % surda a todo si!nificante que desata. 'ua mat%rias$o as id%ias reificadas que se depositam no espírito -umano e nele permanecem por efeito dein%rcia. '$o os lu!ares comuns ou as id%ias prontas, de cu"a impossível lista!em +laubert tentaráconstituir, desde sua adolesc(ncia, o famoso dicionário das id%es reçues. /elas n$o -á reflex$o, massomente um envio da lin!ua!em sobre si mesma, ficando elidida, de sua presen#a, toda refer(nciaao su"eito da enuncia#$o.

on!e, contudo, de corresponder meramente a um estado de priva#$o, a besteira, politicamentefalando, consiste numa for#a positiva, estável e triunfante. :asta li!ar a televis$o para perceber oquanto o seu triunfo encontrase asse!urado na realidade. Pois a realidade, enquanto domínio dasrepresenta#4es coesas, % de fato o que mais resiste, por estrutura, a todo efeito de dispers$o. GoodyAllen vem outra ve& ilustrar o que se poderia c-amar de uma adequa#$o besta do su"eito ) realidade,na tra"etória da persona!em Lobin, de seu filme $elebridades. De especialista solitária em poesiado s%culo 6M, ela alcan#a o t$o alme"ado sucesso abandonando sua pesquisa apaixonada para setornar uma f*til entrevistadora de televis$o. A fun#$o que doravante l-e !arante recon-ecimentosocial % de fa&er per!untas a quem n$o tem absolutamente nada a di&er. onforme notava @. oli,nada mel-or demonstra o desespero de Goody Allen, diante desse fenômeno de ades$o coletiva )

realidade, do que o clamoroso help escrito com fuma#a, no início e no final do filme, que em poucos se!undos se dispersa no c%u.

%lau$ert

que de fato somos impotentes contra a besteira. Cmpossível estar imune a ela, recon-ecia +laubert,ao se dar conta de ser ele mesmo obri!ado a utili&ar frases feitas, ainda que se trate de denunciar a

 besteira. A ra&$o % que todo discurso exi!e, da parte do su"eito, que ele fale em nome de al!um la#ocoletivo para se fa&er entender. Por esse motivo as institui#4es, se"am elas quais forem, requereminevitavelmente de seus adeptos um certo consentimento do!mático ) besteira. onv%m inclusivesab(lo, adverte @. . 9ilner, para n$o resistir ) besteira al%m da medida, a ponto de sucumbir nasmanias da anacorese intelectual. abe antes consentir ao mínimo de besteira necessário para se

manter o la#o institucional, recon-ecendo sua fun#$o ima!inária pelo que ela %. Dito de outro modo,conv%m prestarse ) besteira, mas sem a ela se dedicar.

Diante da impossibilidade de se resistir a esse aspecto estrutural da fun#$o besta, restaria inda!ar se% ao menos possível dela se servir inteli!entemente. 'abemos, por interm%dio de @eanPaul 'artre,que desde cedo +laubert "á -avia lan#ado m$o de um recurso que poderíamos qualificar de bom usoda besteira5 ele consiste na ast*cia de tratar o mal pelo mal, recorrendo ) própria besteira comorecurso contra a fun#$o besta. Assim, ao ser intimado por seu pai a se!uir a carreira m%dica,+laubert teria escapado a essa in"un#$o pondose a a!ir sistematicamente como um retardado. +oi

 por conse!uir se prestar, de modo convincente, ao papel do Cdiota da família, que Fustave se tornou+laubert, na sin!ularidade em que o nome próprio o desi!na. Do mesmo modo que Descartesrecorrera ) d*vida radical, para se livrar da d*vida c%tica, +laubert prop4e, de sua parte, um usometódico da besteira -iperbólica para afrontar a besteira que l-e causa o"eri&a. > pro"eto de seuDicionário de frases feitas consiste, por assim di&er, em atacar a besteira ao expôla em suama!nitude, fa&endo com que ela se denuncie por suas próprias frases. 3is, a título de ilustra#$o, emordem alfab%tica, al!uns de seus mel-ores verbetes5

 Academia francesa: &epreci"'la, mas procurar fazer parte dela, se possível(

 Bosque: )r*prio para inspirar versos( +o outono, quando se passeia neles, deve'se dizer

-&esnudam'se os nossos bosques etc(.(

Clássicos: &eve'se fingir conhec/'los(

 Diletante: #omem rico, assinante de *peras(

 Época (atual): 0evoltar'se contra ela( 1 &eplorar que n!o seja po%tica( 1 $ham"'la de %poca de

transiç!o, de decad/ncia(

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Filosofia: &evemos sempre escarnec/'la(

Aos quais poderseia acrescentar um outro, contempor0neo, de uso freq1ente no meio psicanalítico5

Goo: &izer que % preciso barr"'lo, quando n!o mais se sabe o que fazer com o paciente(

Toda quest$o que ent$o define, de forma conseq1ente, a política da sin!ularidade, em acan, di&

i!ualmente respeito ) possibilidade de lan#ar m$o, na experi(ncia psicanalítica, de um bom uso da besteira, mas seu desenvolvimento necessitaria do espa#o em um próximo arti!o. 3u avan#aria t$osomente que +reud "á salientava, na nomea#$o do sintoma do pequeno 2an&, a dimens$o de uma

 besteira J &ummheit K  por assim di&er constitutiva da fobia, extensiva )s demais forma#4es doinconsciente. embraria, al%m disso, que acan "á vislumbrava, em 6NO8, a fun#$o subversiva do-omem n%scio, di&endo ser de sua boca que saem verdades cu"a efetividade depende "ustamente desua tolice e sublin-aria, finalmente, que para nos livrar da tolice deplorável das frases feitas quedeclinamos quando tentamos parecer inteli!entes, acan prop4e pensar a via da associa#$o livre,a!ora em 6NQ, como uma experi(ncia que nos en!a"a a di&er ri!orosamente besteira. Ao passo quenos demais discursos a besteira tanto mais se manifesta quanto dela se busca fu!ir, seria ent$o ocaso de di&er que a psicanálise nos revela a possibilidade de dela fa&er um uso sublime?