Política Contemporânea - Módulo VIII
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Módulo VIII - Relações Executivo-Legislativo no Brasil
Ao final deste Módulo VIII, o aluno deverá ser capaz de:
Identificar a centralidade do Presidente da República no sistema político
brasileiro e seus efeitos no processo legislativo;
conhecer o papel do Poder Legislativo, como e onde ele mais atua;
avaliar o debate sobre delegação x ação unilateral, onde a discussão
sobre o maior papel do Poder Executivo se deve à ação estratégica dos
parlamentares ou a uma usurpação de poder pelo Presidente;
analisar o papel dos partidos políticos e como eles se organizam para
formar as coalizões;
nomear as críticas ao presidencialismo de coalizão brasileiro.
Introdução
Neste Módulo, vamos ilustrar que o regime político brasileiro é o
presidencialista, baseado na existência dos poderes executivo, legislativo e
judiciário, autônomos e independentes entre si.
No Brasil, o presidente tem muitos poderes. Entretanto, ele não governa sem o
Congresso, não governa isoladamente. As relações executivo-legislativo no
Brasil são determinadas por um tipo de arranjo institucional em que o
presidente é a figura central. A maioria das leis são de origem do executivo e
são aplicadas através de medidas provisórias. Para uns, trata-se de uma
usurpação dos poderes do legislativo pelo executivo. Para outros, constata-se
uma delegação de poderes capaz de dotar o sistema de maior eficiência e
governabilidade.
Além da prerrogativa de legislar, também é prerrogativa do Congresso Nacional
fiscalizar e controlar as ações do poder executivo.
Vive-se hoje no Brasil um presidencialismo de coalizão cujas decisões são
tomadas conjuntamente por ambos os poderes, executivo e legislativo.
Para compreender melhor as coalizões governativas, sugerimos o texto 'Notas
sobre coalizões políticas e democracia: diz-me com quem andas...', de Fátima
Anastasia e Magna Inácio, disponível na Biblioteca deste curso, em 'Textos
complementares'.
Unidade 1 – Considerações Acerca das Relações Executivo-
Legislativo no Brasil
O regime político brasileiro é o presidencialista, baseado na existência de
poderes autônomos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e independentes entre
si. Entretanto, muitas de suas prerrogativas não são exclusivas, e a competição
entre os poderes é um elemento-chave para que cada um possa controlar
excessos possíveis dos demais poderes. Tal sistema favorece a ideia de
controle (checks and balances), mas ao mesmo tempo cria mais barreiras, ou
pontos de veto. Ou seja, a governabilidade é mais difícil em tal sistema. Essa
ideia foi bem desenvolvida por Montesquieu, na França, e pelos “pais
fundadores” (líderes políticos que participaram a Declaração de Independência
ou da redação da Constituição dos Estados Unidos onze anos mais tarde), no
qual o nosso sistema também se baseou.
As relações executivo-legislativo no Brasil são determinadas por um tipo de
arranjo institucional em que o presidente é a figura central. De fato, segundo a
literatura, o presidente brasileiro é considerado um dos mais poderosos do
mundo. Ele tem o poder de legislar (cerca de 85% das leis são de origem do
Poder Executivo) e o faz, frequentemente por meio de medidas provisórias.
Além disso, o presidente tem iniciativa exclusiva em diversas matérias – como
o Orçamento Público, o qual pode, também, contingenciar (ou seja, suspender
os gastos) unilateralmente. No Brasil, o presidente também tem poderes para
influenciar a agenda legislativa.
Essa capacidade do presidente de legislar e de alterar a pauta do Congresso
leva a uma primeira discussão, sobre a produção legal no Brasil.
Como acontece essa influência?
Por exemplo, ao solicitar urgência constitucional, que suspende os prazos do
processo legislativo (embora todas as etapas sejam mantidas). Com isso,
constata-se que os projetos de interesse do presidente “andam” com mais
velocidade do que os projetos de iniciativa dos próprios parlamentares.
Para se aprofundar no entendimento sobre as particularidades da relação
entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil, sugerimos a leitura do texto
INTEGRAÇÃO DOS PODERES NO PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO, de
Gustavo Henrique Fideles Taglialegna. Acesse o conteúdo clicando no título.
Pág. 2
Por que o presidente legisla mais? As teorias da ação unilateral x
delegação parlamentar
Quem legisla?
Os dados mostram que o Congresso tem muitas iniciativas, mas poucos
projetos viram lei. Por outro lado, o Executivo edita medidas provisórias, que
têm força de lei no nascimento e, consoante às regras constitucionais e
regimentais, acabam tendo prioridade sobre os demais projetos.
Os estudiosos se dividem:
Uma corrente afirma que sim, o presidente está usurpando uma prerrogativa
que seria essencialmente do Poder Legislativo – é a corrente da ação unilateral
do presidente.
Outra corrente diz que o que parece ser a “supremacia do poder executivo
sobre o poder legislativo” não passa de delegação dos próprios parlamentares.
Esses delegam ao presidente a iniciativa das leis, abrindo mão do seu “direito”
elementar, por cálculo estratégico: ao abrir mão de buscar informações,
formatar leis e negociá-las entre os pares e com setores da sociedade, ganham
tempo precioso para levar adiante projetos e ações mais próximos de suas
bases eleitorais – e ainda evitam ser, futuramente, culpados por uma política
considerada ruim. Além disso, o parlamento é naturalmente fragmentado – sua
formação visa a representar a pluralidade social e política – e detém poucas
informações sobre todos os temas.
Esse debate, cabe dizer, sobre a preponderância do presidente não se dá
somente no Brasil. Ele é também bastante forte dos EUA e em outros países
presidencialistas, a maioria deles localizada na América Latina.
Para se aprofundar no entendimento sobre as particularidades do sistema
democrático no mundo contemporâneo, sugerimos a leitura do texto
GLOBALIZAÇÃO, SEPARAÇÃO DE PODERES E TEMPO LEGIFERANTE, de
Renato Casagrande e Roberto Freitas Filho. Acesse o conteúdo clicando no
título.
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Como o presidente negocia com o legislativo?
É fato que o presidente, no Brasil, formalmente – e, muitas vezes, na prática -
prepondera. Mas ele não pode governar isoladamente. Daí surge uma segunda
discussão oriunda da assimetria entre poderes no Brasil - como o presidente irá
negociar com o Poder Legislativo. Ou seja, embora a Constituição e outras
normas o dotem de poderes formais, ele precisa aprovar matérias no
Congresso – as medidas provisórias, o orçamento, as reformas constitucionais
etc.
Como isso é feito?
Para se compreender como o sistema funciona, é fundamental entender o
formato do nosso sistema partidário. Existe uma alta taxa de fragmentação no
sistema partidário brasileiro. De fato, desde 1988 o Brasil tem sido governado
por presidentes minoritários, pois seus partidos não obtêm sequer 20% das
cadeiras de cada Casa do Congresso Nacional. Nenhum presidente obteve
acima deste percentual, desde 1988. Nos projetos ordinários, o presidente
necessita da maioria de votos, que pode ou não ser absoluta. Maioria simples é
a maioria dos presentes. Maioria absoluta é a maioria da Casa (41 no Senado,
257 na Câmara dos Deputados). Nas reformas constitucionais, a situação é
ainda mais crítica. No Brasil, a Constituição não trata somente de regras gerais
ou de um arcabouço filosófico-moral para a sociedade, mas também trata, às
vezes minuciosamente, de políticas públicas, que mudam a cada governo.
Assim, em tese, todos os governos, se pretenderem reformas mais profundas
no País, necessitarão alterar a Constituição. E para se aprovar uma emenda
constitucional é preciso ter 60% dos votos de cada Casa do Parlamento em
dois turnos de votação em cada uma delas. Portanto, com uma minoria e com
uma ampla fragmentação do Congresso (muitos partidos ali representados),
como faz o Executivo? Ele constrói uma coalizão com outros partidos – o
famoso presidencialismo de coalizão, expressão cunhada por Sergio
Abranches no fim dos anos 80, com forte tom crítico, mas que hoje está
assimilado no vocabulário e no comportamento político do país. Ela significa
que o presidente é minoritário (seu partido não tem maioria), mas ele atrai para
sua base, para apoiá-lo, outros partidos. Desde o primeiro governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995), as coalizões tem sido estáveis.
A coalizão no governo Fernando Henrique Cardoso teve quatro grandes
partidos no espectro de centro-direita; a coalizão no governo Lula teve nove
partidos, com o maior grau de heterogeneidade das alianças, já verificado
desde 1988 (direita-esquerda), e o governo Dilma manteve as mesmas
características.
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A construção da base de apoio ao presidente no Brasil
Como é construída a coalizão?
Diz a literatura que, basicamente, com o compartilhamento do gabinete
ministerial e a liberação de emendas orçamentárias para a base parlamentar.
Segundo Amorim Neto (2007), existe uma certa proporcionalidade entre o
número de cadeiras de um determinado partido e sua alocação em pastas
ministeriais. Ou seja, há uma redistribuição de poder na coalizão – não
somente o partido do presidente que governa, mas também aqueles que se
juntam para fazer maioria. Esse é um resultado da elevada fragmentação
partidária. É muito semelhante ao que ocorre em sistemas parlamentaristas
multipartidários (Itália, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Israel). Entretanto, ele
favorece o surgimento de crises políticas – e, de fato, elas já surgiram na nossa
História – quando a proporcionalidade não foi respeitada. Também gera o
problema de crises internas, já que as coalizões podem ser mais ou menos
homogêneas. Se as plataformas partidárias são semelhantes, tende-se a ter
menos conflito dentro do governo. Se forem distintas – e mesmo opostas – a
tendência é haver mais conflito dentro do governo.
Na mesma linha, a liberação de verbas pelo Poder Executivo – que detém a
chave do cofre – está, de certa forma, atrelada aos apoios que recebe no
Congresso, embora não seja exclusivamente ligada ao fator lealdade dos
votos. Muitos estudos têm demonstrado a relação liberação de recursos –
manutenção da base de governo.
Esses dois mecanismos – formação do ministério e alocação de recursos –
pode ser considerada uma forma de redução da assimetria de poderes entre
Legislativo e Executivo, já que, formalmente, o executivo concentra poderes
exacerbados no que tange ao gerenciamento de recursos políticos. Ou seja,
partilhar o poder executivo com partidos que detêm bancadas no Congresso, e
desembolsar verbas orçamentárias em projetos priorizados pelos
parlamentares é uma forma de se reduzir o poder do Presidente.
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Críticas ao presidencialismo de coalizão
Os críticos do sistema elencam uma série de problemas. Alguns exemplos
seriam:
brigas de jurisdição entre pastas ministeriais (uma defenderia a política
X, enquanto outra a Y, até mesmo contraditória);
paralisia decisória, causada pela heterogeneidade das alianças –
partidos distintos da coalizão “brigando” para que o governo tome
caminhos diferentes;
necessidade de negociações constantes, ponto por ponto, de políticas,
acima de identidades ideológicas ou programáticas já existentes;
custo moral que representaria um sistema baseado na barganha
constante, sem âncora em projetos de longo prazo - isso geraria
irracionalidade da produção normativa e, consequentemente, de
políticas públicas.
Ou seja, o Legislativo, fragmentado partidariamente, com partidos de baixa
densidade ideológica e altamente fluídos (por causa da constante troca de
partidos, a famosa “dança das cadeiras”), colocaria um alto preço ao sistema. A
solução viria com uma reforma política, especialmente do sistema eleitoral e
partidário, que reduzisse o número de partidos e concedesse a eles mais
poder, em detrimento de um sistema hoje considerado altamente individualista.
Tal reforma daria também mais controle dos eleitores sobre os eleitos, por meio
do voto. Essa reforma do sistema eleitoral implicaria no fim do sistema
proporcional – ou, no mínimo, o uso de listas fechadas no mesmo sistema de
voto proporcional –, e a sua substituição pelo sistema de voto distrital, que
facilitaria a identificação do candidato eleito.
Já os defensores do nosso sistema apontam para a governabilidade e
estabilidade que ele representa – ao contrário do que haviam apontado Linz e
Valenzuela, em estudo que afirmava ser o sistema presidencialista, com sua
dupla legitimidade (eleições isoladas para Congresso e Presidência, mais as
prerrogativas concorrentes), fadado à ingovernabilidade – e, portanto,
suscetível a rupturas e golpes.
Para alguns autores, apesar dos grandes poderes formais do Presidente, o que
importa é que existe uma agenda subjacente no Congresso que coincide com a
do executivo. Assim, a clivagem importante seria a de governo-oposição, mais
uma vez similar a um sistema parlamentarista, com ênfase nos interesses da
maioria versus da minoria, não sendo tão relevante a questão partidária. Isso
porque os grupos se reúnem em blocos, as mudanças de partido ocorrem
dentro do mesmo espectro ideológico e os partidos, embora muitos, seguem
suas lideranças no voto. Com isso, não há ameaças e o Brasil vem sendo
administrado, ao menos nos últimos 18 anos, com bastante estabilidade,
permitindo mudanças estruturais e a consolidação democrática.
O trabalho do consultor legislativo do Senado Federal, Fernando Bittencourt,
aborda aspectos relevantes do processo de negociação de decisões entre o
Executivo e Legislativo, no texto RELAÇÕES EXECUTIVO-LEGISLATIVO NO
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO. Acesse o conteúdo clicando no título.
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O papel do controle dentro do presidencialismo de coalizão
Além da prerrogativa de legislar, também é prerrogativa do Congresso Nacional
fiscalizar e controlar as ações do poder executivo. Para tanto, ele (o
Congresso) tem diversos instrumentos:
a) as Comissões Parlamentares de Inquérito,
b) os Requerimentos de Informação,
c) o poder de convocar autoridades para prestar informações,
d) as propostas de fiscalização e controle,
e) as audiências públicas (ocasiões em que se "cobra” do poder executivo o
cumprimento de metas, os eventuais desvios), dentre muitos outros.
O Senado, além desses instrumentos, é ainda responsável por autorizar o
endividamento de Municípios, Estados, Distrito Federal e União – ou seja,
pedidos de empréstimos internacionais devem ser aprovados pelos senadores
-, e também é responsável por aprovar inúmeras autoridades indicadas pelo
Executivo: diretores do Banco Central, embaixadores, ministros do Supremo
Tribunal Federal, juízes de tribunais superiores, diretores de agências
reguladoras etc.
Essa atividade também é afetada pela dinâmica do presidencialismo de
coalizão. Estudos têm apontado para achados contraditórios: de um lado, como
seria de se esperar, a oposição sempre exerce mais atividades de controle
(apresenta mais requerimentos de informação, mais propostas de CPI etc) do
que os partidos da base do governo; entretanto, dadas algumas situações, se
vê justamente o contrário: partidos da base do governo apresentando muitas
iniciativas de controle. Segundo os estudiosos, isso pode ser o resultado da
diversidade de partidos na base (e nem todos são de fato muito próximos do
governo, podendo variar com as circunstâncias políticas); mas também, dado o
grande número de partidos, uma forma desses se afirmarem junto ao Poder
Executivo.
Nesse sentido, torna-se essencial considerarmos a importância de se avaliar a
representação política no Brasil. Como reflexão final do nosso curso,
sugerimos a leitura do texto DESEMPENHO DO PODER LEGISLATIVO:
COMO AVALIAR?, de Magna Inácio e Fernando Meneguin. Acesse o
conteúdo clicando no título.
Conclusão
Vimos neste Módulo que, no sistema presidencialista, em contraposição ao
parlamentarista, tende-se a ter mais conflito, porque muitas prerrogativas são
concorrentes entre os poderes.
No Brasil, o presidente tem muitos poderes, e de fato é considerado por muitos
estudiosos como a força gravitacional do sistema político – é quem mais
legisla. Entretanto, ele não governa sem o Congresso. Em vista disso, existe
um debate sobre se os maiores poderes presidenciais se devem a uma
usurpação do presidente ou a uma ação estratégica dos parlamentares.
Os presidentes no Brasil são minoritários (não têm maioria no Congresso). Isso
porque o sistema partidário é bastante fragmentado. Portanto, precisam formar
uma base de apoio. Normalmente, fazem um governo compartilhado, como em
sistemas parlamentaristas multipartidários: dividem os ministérios conforme os
apoios no Congresso. Segundo estudiosos, a base aliada também compartilha
a forma de administrar o orçamento.
Os críticos ao sistema fazem a defesa da reforma política, para que haja mais
governabilidade (menos partidos); os defensores afirmam que o
presidencialismo de coalizão não necessita de reformas, porque se mostrou
estável e governável. Além da atividade legislativa, também a atividade de
controle é afetada pela dinâmica do presidencialismo de coalizão.
Parabéns! Você chegou ao final do Módulo VIII do curso de Política
Contemporânea.
Como parte do processo de aprendizagem, sugerimos que você faça uma
releitura do mesmo e resolva os Exercícios de Fixação. O resultado não
influenciará na sua nota final, mas servirá como oportunidade de avaliar o seu
domínio do conteúdo.