Política Habitacional No Brasil

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Política Habitacional no Brasil: Do Regime Militar a Nova Republica 1° texto: De Vargas a Collor Em 1964, após o Golpe Militar que derrubou o governo João Goulart o novo governo que se estabeleceu criou o Sistema Financeiro de Habitação juntamente com o Banco Nacional de Habitação (SFH/BNH) com a missão de “estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda”. O BNH teve como aporte inicial um montante de 1 bilhão de cruzeiros antigos, e mais um crescimento garantido pela arrecadação compulsória de 1% da folha de salários sujeitos à Consolidação das Leis Trabalhistas do país, o que demonstra que a habitação popular fora eleita um dos “problemas fundamentais” do governo Castelo Branco. O SFH tem a sua importância aumentada em 1967, já sob o governo de Costa e Silva, quando o BNH recebe a gestão dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e com a implementação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos, o que ampliou significativamente o capital do banco fazendo com que este se tornasse uma das principais instituições financeiras do país8 e a maior instituição mundial voltada especificamente para o problema da habitação. Para termos uma ideia da importância do BNH é só observarmos a soma que constituiu o ativo do Banco em 1974, superior a 30 bilhões de cruzeiros, o que asseguraria a importância das funções e poderes do banco. O BNH, portanto, teria a priori totais condições de ser o grande impulsionador da superação do déficit habitacional brasileiro durante a ditadura militar. Mas esta não era a realidade revelada já no relatório anual da instituição de 1971, como podemos analisar na observação feita por Bolaffi: Segundo o relatório anual do BNH de 1971 ‘os recursos utilizados pelo Sistema Financeiro da Habitação só foram suficientes para atender a 24 por cento da demanda populacional’ (urbana). Isto significa que, seis anos após a criação do BNH, toda a sua contribuição para atender ou diminuir o déficit que ele se propôs eliminar constituiu em que esse mesmo déficit aumentasse em 76 por cento. De acordo com as previsões do BNH, em 1971 o atendimento percentual teria sido de 25,3 por cento e, embora deva aumentar ligeiramente em cada ano até 1980, o déficit deverá exceder 37,8 por cento do incremento da necessidade. A realidade revelada demonstrava a incapacidade de superação do déficit habitacional por parte do SFH/BNH, o que, se for observado em uma primeira olhada, parecerá extremamente contraditório, afinal de contas como pode um sistema capaz de aferir um montante significativo de recursos para ser aplicado em projetos habitacionais, coordenados e impulsionados pela maior instituição mundial voltada especificamente para o problema da habitação, se demonstrar ineficiente já nos

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A trajetória da Politica Habitacional do Brasil a partir da criação do Banco Nacional da Habitação ate a Nova republica com as programas assistencialistas.

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Poltica Habitacional no Brasil: Do Regime Militar a Nova Republica1 texto: De Vargas a CollorEm 1964, aps o Golpe Militar que derrubou o governo Joo Goulart o novo governo que se estabeleceu criou o Sistema Financeiro de Habitao juntamente com o Banco Nacional de Habitao (SFH/BNH) com a misso de estimular a construo de habitaes de interesse social e o financiamento da aquisio da casa prpria, especialmente pelas classes da populao de menor renda.

O BNH teve como aporte inicial um montante de 1 bilho de cruzeiros antigos, e mais um crescimento garantido pela arrecadao compulsria de 1% da folha de salrios sujeitos Consolidao das Leis Trabalhistas do pas, o que demonstra que a habitao popular fora eleita um dos problemas fundamentais do governo Castelo Branco.

O SFH tem a sua importncia aumentada em 1967, j sob o governo de Costa e Silva, quando o BNH recebe a gesto dos depsitos do Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) e com a implementao do Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimos, o que ampliou significativamente o capital do banco fazendo com que este se tornasse uma das principais instituies financeiras do pas8 e a maior instituio mundial voltada especificamente para o problema da habitao. Para termos uma ideia da importncia do BNH s observarmos a soma que constituiu o ativo do Banco em 1974, superior a 30 bilhes de cruzeiros, o que asseguraria a importncia das funes e poderes do banco.

O BNH, portanto, teria a priori totais condies de ser o grande impulsionador da superao do dficit habitacional brasileiro durante a ditadura militar. Mas esta no era a realidade revelada j no relatrio anual da instituio de 1971, como podemos analisar na observao feita por Bolaffi:

Segundo o relatrio anual do BNH de 1971 os recursos utilizados pelo Sistema Financeiro da Habitao s foram suficientes para atender a 24 por cento da demanda populacional (urbana). Isto significa que, seis anos aps a criao do BNH, toda a sua contribuio para atender ou diminuir o dficit que ele se props eliminar constituiu em que esse mesmo dficit aumentasse em 76 por cento. De acordo com as previses do BNH, em 1971 o atendimento percentual teria sido de 25,3 por cento e, embora deva aumentar ligeiramente em cada ano at 1980, o dficit dever exceder 37,8 por cento do incremento da necessidade.

A realidade revelada demonstrava a incapacidade de superao do dficit habitacional por parte do SFH/BNH, o que, se for observado em uma primeira olhada, parecer extremamente contraditrio, afinal de contas como pode um sistema capaz de aferir um montante significativo de recursos para ser aplicado em projetos habitacionais, coordenados e impulsionados pela maior instituio mundial voltada especificamente para o problema da habitao, se demonstrar ineficiente j nos primeiros anos de existncia? A lgica do prprio BNH se encarregou de responder esta questo.

O BNH desde a sua constituio teve uma lgica que fez com que todas as suas operaes tivessem a orientao de transmitir as suas funes para a iniciativa privada. O banco arrecadava os recursos financeiros e em seguida os transferia para os agentes privados intermedirios. Algumas medidas inclusive demonstravam que havia ao mesmo tempo uma preocupao com o planejamento das aes de urbanizao aliada aos interesses do capital imobilirio. Exemplo disto foi medida que obrigou as prefeituras a elaborar planos urbansticos para os seus municpios, o que era positivo, mas a condio de serem qualificadas para a obteno de emprstimos junto ao Servio Federal de Habitao e Urbanismo era de que estes deveriam ser elaborados por empresas privadas. At mesmo as cobranas das prestaes devidas estavam a cargo de uma variedade de agentes privados, companhias habitacionais, iniciadores, sociedades de crdito imobilirio, entre outros, que alm de reterem uma parte dos juros, conservavam os recursos financeiros provenientes das prestaes recebidas durante um ano antes de o devolverem ao BNH.

Assim, o SFH/BNH era na verdade um eficaz agente de dinamizao da economia nacional desempenhando um importante papel junto ao capital imobilirio nacional, fugindo do seu objetivo principal, pelo menos o que era dito, de ser o indutor das polticas habitacionais para superao do dficit de moradia. Bolaffi nos mostra que este objetivo no era precisamente a prioridade deste sistema, afinal tudo indica (...) que o problema da habitao.(...) apesar dos fartos recursos que supostamente foram destinados para a soluo, no passou de um artifcio poltico formulado para enfrentar um problema econmico conjuntural.Qual seria este problema? Conter e reduzir as presses inflacionrias que afetavam o Brasil profundamente no final do governo Joo Goulart, ativando a construo civil. Quando, a partir de 1967, a economia brasileira foi reativada, a construo civil foi substituda em sua funo de acelerador da economia pela indstria de bens de consumo durvel, especialmente, a indstria automobilstica.

Este fato fez com que o BNH reorientasse seus investimentos para as camadas sociais com maior poder aquisitivo, deixando de lado a construo de habitaes populares. Maricato, baseado nos pronunciamentos da direo do prprio BNH em janeiro de 1975, onde foi anunciada a reformulao do financiamento, fixa em cinco salrios mnimos a renda limite para se tornar um beneficirio dos financiamentos do banco, o que exclua, portanto, a maioria da populao assalariada que era a principal afetada pelo dficit habitacional. Kowarick confirma a ideia:

(...) elucidativo mostrar que 80% dos emprstimos do Banco Nacional de Habitao foram canalizados para os estratos de renda mdia e alta, ao mesmo tempo, que naufragavam os poucos planos habitacionais voltados para as camadas de baixo poder aquisitivo. contrastante neste sentido que as pessoas com at 4 salrios mnimos constituam 55% da demanda habitacional ao passo que as moradias colocadas no mercado pelo Sistema Financeiro de Habitao raramente incluam famlias com rendimento inferior a 12 salrios.

Kowarick relaciona, ainda, o montante de recursos destinados com o seu destino afirmando que o BNH, entre 1964 e 1977, aplicou a no desprezvel soma de 135 bilhes de cruzeiros financiando 1.739.000 habitaes, que foram destinadas, de modo particular, a famlia com rendimentos superiores a 12 salrios mnimos, assim como explica o autor:

(...) o Banco Nacional de Habitao (BNH) no s se tornou um poderoso instrumento da acumulao, pois drenou uma enorme parcela de recursos para ativar o setor da construo civil recursos por sinais advindos em grande parte de um fundo retirado dos prprios assalariados (FGTS) como tambm voltou se para a confeco de moradias destinadas s faixas de renda mais elevadas.

Apesar de ter o seu objetivo desvirtuado (pelo menos o que era dito com tal), esta no foi a principal razo para a extino do SFH/BNH pelo governo Sarney. As razes para esta extino devem ser buscadas a luz do prprio funcionamento deste que se revelou frgil com relao s flutuaes macroeconmicas dos anos 80.Santos observa justamente esta questo:

(...) o desempenho do SFH dependeria fundamentalmente de dois fatores bsicos: a capacidade de arrecadao do FGTS15 e do SBPE16 e o grau de inadimplncia dos muturios. Em outras palavras, essa dependncia significava que, apesar da sofisticao do seu desenho, o SFH, como de resto qualquer sistema de financiamento de longo prazo, era essencialmente vulnervel a flutuaes econmicas que afetassem estas variveis (...).Talvez a principal (dadas as suas implicaes polticas) entre as vulnerabilidades do SFH fosse o fato de que flutuaes macroeconmicas que implicassem quedas nos salrios reais necessariamente diminuiriam a capacidade de pagamento dos muturios, aumentando a inadimplncia e comprometendo o equilbrio atuarial do sistema.

Portanto, o SFH/BNH no resistiu a grave crise inflacionria vivenciada pelo Brasil principalmente nos primeiros anos da dcada de 1980, onde a inflao atingir ndices de 100% ao ano em 1981 e em 1982 (a partir de ento no cessar de crescer mais chegando aos 1770% em 1989). Esta crise levou a uma forte queda do poder de compra do salrio, principalmente da classe mdia, o pblico que havia se tornado alvo das polticas habitacionais deste sistema.

Isto explica o fenmeno do Movimento dos Muturios da casa prpria, na sua maioria ligados classe mdia brasileira, que buscavam renegociar as suas dividas, que apesar de no constituir de forma alguma um movimento social organizado marcou profundamente os anos 1980.Alm da inadimplncia um outro fenmeno que devemos considerar como um dos responsveis pela ineficincia do SFH/BNH foram os constantes casos de corrupo verificados ao longo de sua existncia. Nesse sentido, importante especificar o prprio Movimento dos Muturios, pois ao lado de setores que perderam o seu poder aquisitivo com a forte recesso e a crescente inflao que dominou o pas aps o fracasso do Milagre Econmico, tambm, havia aqueles que se utilizaram da inadimplncia como uma forma de mascarar prticas de corrupo.

Tentando resolver o problema o governo Sarney tomou uma medida que acabou se mostrando ineficaz, a concesso de um elevado subsdio para os muturios do sistema em 1985. Seria a ltima tentativa de segurar um sistema que se mostrava falido.

Portanto, esta foi conjuntura vivenciada no Brasil, no tocante habitao, quando, a partir do Decreto n 2 291 de 21 de novembro de 1986, o presidente Jos Sarney decretou o fechamento do Banco Nacional de Habitao. Este acabou sendo incorporada pela Caixa Econmica Federal, tornando a questo habitacional uma mera poltica setorial para esta instituio que no possua qualquer tradio com relao ao tema. Abria-se uma nova etapa para a poltica urbana e habitacional brasileira caracterizada por uma forte confuso institucional provocada por constantes reformulaes nos rgos responsveis pelas polticas habitacionais.Segundo Santos:

Em um perodo de apenas quatro anos, o Ministrio do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), criado em 1985, transformou-se em Ministrio da Habitao, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MHU), em Ministrio da Habitao e Bem-Estar Social (MBES) e, finalmente, foi extinto em 1989, quando a questo urbana voltou a ser atribuio do Ministrio do Interior (ao qual o BNH era formalmente ligado).As atribuies na rea habitacional do governo, antes praticamente concentradas no BNH, foram pulverizadas por vrios rgos federais, como o Banco Central (que passou a ser o rgo normativo e fiscalizador do SBPE), a Caixa Econmica Federal (gestora do FGTS e agente financeiro do SFH), o ministrio urbano do momento (formalmente responsvel pela poltica habitacional) e a ento Secretaria Especial de Ao Comunitria, a responsvel pela gesto dos programas habitacionais alternativos.

Como consequncia desta confuso, tivemos o fortalecimento de programas alternativos do SFH, destacando-se o Programa Nacional de Mutires Comunitrios voltados a famlias com renda inferior a trs salrios mnimos. Com um bom aporte de recursos a fundo perdido este programa propunha financiar cerca de 550 mil unidades habitacionais, mas a ausncia de uma poltica clara para o programa acabou levando-o ao fracasso, avaliando o programa conclui-se que menos de um tero do previsto acabou sendo executado.

Podemos aliar a isto ainda o forte desmanche na rea social do Sistema Financeiro Habitacional, juntamente com o enfraquecimento das COHABs (Companhias Estaduais de Habitao), principais responsveis pelo atendimento s demandas do SFH at ento, que tiveram seus financiamentos bastante restringidos pelo governo central, a pretexto de contribuir para diminuio do endividamento de estados e municpios com a Unio.Isto fez com que as COHABs passassem de agentes promotores (tomadores de emprstimos do FGTS e executores de obras) a meros rgos assessores, diminuindo assim a capacidade de atuao dos estados e municpios na questo habitacional.

2 texto: A QUESTO DA HABITAO NO BRASIL: POLTICAS PBLICAS, CONFLITOS URBANOS E O DIREITO CIDADE.

Com o golpe militar, em 1964, a FCP foi extinta, sendo criado o Plano Nacional de Habitao, o primeiro grande plano do governo militar. Para alm das aes diretamente relacionadas habitao, o Plano buscava a dinamizao da economia, o desenvolvimento do pas (gerao de empregos, fortalecimento do setor da construo civil etc.) e, sobretudo, controlar as massas, garantindo a estabilidade social. No que tange concepo de poltica urbana do governo militar, o planejamento era a soluo para o caos urbano e para controlar o crescimento das favelas e ocupaes irregulares.Prolifera-se, ento, a elaborao e a implementao de planos diretores, que, todavia, ignoravam as necessidades e problemas da cidade real (que inclua a cidade informal).

Portanto, a poltica da habitao desse perodo centrou-se na produo de moradias e obras de infraestrutura na cidade legal (formal) (MARICATO, 2000). Assim, a partir de 1964, as aes pblicas voltadas para as vilas e favelas so sufocadas; os movimentos sociais e as associaes so reprimidos, lanados na ilegalidade e impedidos de atuar; os favelados, bem como suas ocupaes e associaes, passam novamente a ser tratados como problema de polcia.

Para concretizar essa concepo de cidade e de poltica para habitao, o Banco Nacional de Habitao (BNH) se torna o principal rgo da poltica habitacional e urbana do pas. Prioritariamente, ele deveria orientar, disciplinar e controlar o SFH, para promover a construo e a aquisio de casa prpria, especialmente pelas classes de menor renda. (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 61). A trajetria do SFH e do BNH no foi linear e pode ser dividida em trs fases. A primeira delas, de 1964 a 1969, foi a de implantao e expanso do BNH e das COHABs, com um considervel financiamento de moradias para o mercado popular (40% dos investimentos), convergindo com o objetivo do governo de se legitimar junto s massas. A segunda fase, de 1970 a 1974, consistiu em um esvaziamento e uma crise do SFH, sobretudo devido perda do dinamismo das COHABs, que se tornavam financeiramente frgeis devido inadimplncia causada, principalmente, pela perda do poder de compra do salrio mnimo, situao que atingia seus principais muturios, oriundos das camadas pobres. Isso fez com que os financiamentos passassem a ser, cada vez mais, destinados s famlias de classe mdia, uma vez que os juros para essa camada eram mais altos e o ndice de inadimplncia, se comparado com o das classes mais pobres, era menor.

Inicia-se, ento, a terceira fase do SFH (1975 a 1980), caracterizada pela reestruturao e pelo revigoramento das COHABs, com aumento do nmero de moradias produzidas, a grande maioria destinada classe mdia. Desse modo, as alternativas encontradas pelas famlias pobres eram as favelas e os loteamentos clandestinos das periferias das capitais e das cidades das regies metropolitanas.

Consequentemente, houve, na dcada de 1970, um grande crescimento dos loteamentos clandestinos nas periferias, pois a possibilidade de acesso moradia na cidade consistia na combinao entre compra de lotes ilegais ou irregulares (que eram mais baratos) e autoconstruo. O quadro de flexibilizao das leis e ausncia de fiscalizao dos loteadores das reas no centrais, que permanecia desde a dcada de 1940, comeou a se modificar no final da dcada de 1970, fazendo com que os lotes na periferia encarecessem. A isso, somou- se a inflao crescente e a consequente perda do poder de compra do salrio, situao que levou, na dcada de 1980, queda da produo e da compra de lotes nas periferias e, concomitantemente, ao crescimento do nmero de favelas e ao aumento das j existentes (LAGO; RIBEIRO, 1996).

Na tentativa de conter esses processos e compensar a distoro das COHABs, o governo federal criou programas para oferecer uma alternativa habitacional dentro do Sistema Financeiro de Habitao quelas pessoas marginalizadas dos programas habitacionais das COHABs (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 104) e, consequentemente, tentar conter o crescimento das favelas. Esse o caso do Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB), criado em 1975 com o objetivo de fornecer condies de saneamento e infraestrutura bsica, reservando ao muturio a responsabilidade de construir sua habitao de acordo com suas disponibilidades financeiras e prioridades pessoais (Idem, p. 104).Todavia, houve forte rejeio a esse Programa, pois os lotes eram muito afastados dos centros urbanos, o que dificultava e/ou impedia o acesso cidade e aos seus servios.Na dcada de 1980 a crise financeira compromete mais gravemente os investimentos do SFH, culminando na extino do BNH em 1986, que transfere para a Caixa Econmica Federal suas funes. Entre 1964 e 1986 (ano de sua extino), o SNH financiou cerca de quatro milhes de moradias, nmero bastante expressivo para a realidade do pas.

Porm, os investimentos atingiram predominantemente a classe mdia emergente, alijando da poltica de financiamento da casa prpria os trabalhadores que recebiam menos de um salrio mnimo. Do total de moradias produzidas, 35% foram destinadas ao mercado popular, com comprometimento de apenas 13% de todos os recursos investidos pelo BNH.

Dois anos aps a extino do BNH houve uma queda drstica nos recursos destinados s COHABs e os financiamentos se concentraram ainda mais na classe mdia. Para tentar minimizar essa situao, o governo federal lanou, em 1987, o Programa Nacional de Mutires Habitacionais, da Secretaria especial de Ao Comunitria (SEAC), que tinha como objetivo financiar habitaes para famlias com renda inferior a trs salrios mnimos. Apesar de sua grande importncia (comparando ao baixo nmero de unidades financiadas pelas COHABs), o Programa no alcanou suas metas, pois, alm da alta inflao do perodo, no tinha uma poltica e uma gesto bem definidas.

importante destacar o processo de mobilizao do movimento pela reforma urbana por ocasio da Assembleia Nacional Constituinte. Apesar das tmidas conquistas (BED, 2005), tal mobilizao fortaleceu a concepo de que as questes da cidade devem ser tratadas de maneira integrada. Alm disso, a Constituio Brasileira de 1988 consolidou o processo de descentralizao das polticas pblicas de planejamento urbano, que ficou a cargo dos municpios. Por um lado, esse processo possibilitaria gesto local ampliar a eficcia, a eficincia e a democratizao das polticas. Mas por outro, pesquisas recentes apontam para efeitos perversos, em que, sem uma definio institucional de competncias e de redistribuio de recursos, os municpios mais pobres tendem a ficar alijados do acesso s ofertas de financiamento. (CARDOSO, s/d, p. 9).

3 texto: Poltica econmica: Um olhar sobre a atual situao da poltica habitacional no Brasil

Com o golpe militar, em 1964, a FCP foi extinta, sendo criado o Plano Nacional de Habitao, que fazia parte do Plano de Ao Econmica do Governo (PAEG), o primeiro grande plano do Governo militar. Para alm das aes diretamente relacionadas habitao, o Plano buscava a dinamizao da economia, o desenvolvimento do Pas e, sobretudo, controlar as massas, garantindo a estabilidade social.

Em meados da dcada de 60, no mbito de uma reformulao geral do Sistema Financeiro Nacional, foi criado, pela Lei n 4.380, o Sistema Financeiro da Habitao (SFH). A mesma lei instituiu a correo monetria, com o objetivo de abrir o mercado para a colocao de ttulos do Governo e viabilizar os financiamentos de longo prazo. A correo monetria foi fundamental para o financiamento habitacional, ento limitado a pouqussimas operaes realizadas pelas Caixas Econmicas e pelos Institutos de Previdncia existentes na poca, e s quais somente poucos privilegiados tinham acesso.

De um lado, incentivou, especificamente, a poupana voluntria atravs dos depsitos em caderneta de poupana; por outro, viabilizou o crdito imobilirio. A primeira fase do SFH, que vai de sua criao at a segunda metade dos anos 70, foi o perodo ureo do Sistema. Os depsitos em caderneta de poupana cresceram, chegando a ocupar o primeiro lugar entre os haveres financeiros no monetrios. Os recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Servio (FGTS) tambm se expandiram, como resultado do aumento do nvel de emprego e da massa salarial do Pas; surgiram as Sociedades de Crdito Imobilirio e as Associaes de Poupana e Emprstimo, formando o Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo (SBPE), integrado por instituies financeiras especializadas na concesso de financiamentos habitacionais, tendo como fontes de recursos os depsitos em caderneta de poupana e repasses dos recursos do FGTS pelo Banco Nacional da Habitao (BNH). Alm de administrar o FGTS, o BNH tambm era o rgo regulador e fiscalizador do SFH, incluindo as instituies do subsistema SBPE.

Do lado dos financiamentos habitacionais, foram introduzidos alguns mecanismos, para dar, nos primrdios do Sistema, tranquilidade aos tomadores dos financiamentos habitacionais, Um desses mecanismos foi a criao do Fundo de Compensao de Variaes Salariais (FCVS), mediante o qual a obrigao do muturio que tivesse pago todas as suas prestaes cessava depois de decorrido o prazo contratual do financiamento, e o Fundo absorveria eventuais saldos devedores residuais, provocados pelo descompasso entre a periodicidade de aplicao dos ndices de correo monetria aos saldos devedores e s prestaes e dos ndices de reajuste dos saldos devedores e prestaes. Entretanto, ao final dos anos 70, com o advento da segunda crise do petrleo e, em seguida, o da dvida externa, a inflao disparou no Brasil. As aes judiciais promovidas pelos muturios multiplicaram-se, visando compatibilizar as prestaes da casa prpria com a evoluo do salrio dos muturios.

Ambos resultaram em um aumento brutal do descasamento entre os ndices de correo dos saldos devedores j concedidos que seguiam indiretamente os ndices de inflao e o das prestaes desses financiamentos muitos dos quais atrelados evoluo dos salrios. As diversas tentativas do Governo de reduzir a inflao atravs de medidas heterodoxas, como aplicao de tablitas s prestaes (no Plano Cruzado) e congelamentos, na segunda metade da dcada de 80, s agravaram a situao.

As Associaes de Poupana e Emprstimo e as Sociedades de Crdito Imobilirio foram gradativamente substitudas, ainda na primeira metade da dcada de 80, pelos bancos mltiplos na concesso de novos financiamentos. O Banco Nacional de Habitao foi extinto em 1986 e suas atribuies passaram a ser desenvolvidas pelo Banco Central do Brasil, pela Caixa Econmica Federal e pelo Ministrio da Fazenda.

Esse perodo coincidiu com o vencimento de boa parte dos contratos de financiamento habitacional concedidos com prazos de 15 a 20 anos, na fase urea do SFH, e deixaram tanto os bancos como o Governo com um enorme rombo o do FCVS. A dcada de 90 teve incio com a reteno, pelo Governo da poca, de boa parte dos recursos da poupana (e de outros ativos financeiros), afetando seriamente o setor da construo civil e de crdito imobilirio.

Por outro lado, os depsitos de poupana sofriam uma forte concorrncia por parte dos fundos de investimento. Alm disso, o volume dos financiamentos imobilirios diminuiu significativamente, e os financiamentos realizados com recursos dos depsitos do FGTS tambm registraram uma queda nesse perodo. Apesar disso, a dcada de 90 foi muito promissora para o crdito imobilirio como um todo. O Governo e as instituies financeiras trabalharam com afinco para resolver a questo da dvida do FCVS para com as mesmas, sendo os crditos dessas instituies substitudos por ttulos do Tesouro Nacional.

Paralelamente, a Associao Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e Poupana (ABECIP) e as instituies financeiras analisaram vrios modelos de financiamento imobilirio praticados no exterior e apresentaram uma proposta para o Governo, para o Congresso e para o setor da construo civil, a fim de revigorar o crdito imobilirio no Brasil. Surgiu assim o Sistema de Financiamento Imobilirio.

Por outro lado, a estabilizao da economia brasileira ao longo da dcada deu um novo nimo ao SFH. As taxas de juros aplicadas ao financiamento caram. As baixas taxas de inflao permitiram, ainda, s empresas e s famlias fazerem um planejamento de mdio e longo prazo e a assumir compromissos de mais longo prazo.

4 texto: Poltica habitacional no Brasil: uma nova abordagem para um velho problema

Logo no comeo do regime militar houve uma iniciativa importante: a criao, em 1964, do Sistema Financeiro de Habitao (SFH) e do Banco Nacional de Habitao (BNH), responsvel pela execuo das polticas habitacionais. Trata-se do rgo que financiou 4,5 milhes de unidades residenciais durante a sua existncia, entre 1964 e 1986, o que representou 24% de todo o mercado habitacional produzido (Bonduki, 2004). Apesar de responsvel pelo financiamento de uma quarta parte das unidades residenciais construdas durante seus 22 anos de existncia, o BNH no enfrentou adequadamente a questo da moradia popular. O principal motivo residia no no reconhecimento de que a moradia popular precisava ser subsidiada, no devendo ser tratada da mesma forma como se operava o financiamento da habitao para a populao que constitua demanda solvvel. O no enfrentamento da questo da moradia popular levou a parcela mais carente da populao a produzir suas prprias casas irregularmente, quase sempre em locais no utilizados pelo mercado formal e pouco apropriados para o estabelecimento de moradias. Os recursos do BNH eram provenientes de trs fontes: a poupana compulsria (Fundo de Garantia por Tempo de Servio FGTS), a poupana livre (Sistema Brasileira de Poupana e Emprstimo SBPE), e a poupana induzida (constituda de recursos prprios dos agentes financeiros ou dos adquirentes). Trata-se de recursos que precisam ser remunerados, o que levou crescente alocao dos recursos nos mercados de mdia renda. Nunca demais lembrar que estava em vigor o instituto da correo monetria, onerando o financiamento para alm da taxa de juros que remunerava a captao dos recursos. Ademais, o BNH tornou-se tambm o agente financeiro do plano de saneamento e de urbanizao, financiando os governos municipais e estaduais nessas duas polticas.

Cabe destacar, ainda, que a criao do BNH foi apresentada como poltica em prol da produo da moradia; no entanto, visava outros dois importantes objetivos. O primeiro foi estimular comportamentos conservadores dos novos adquirentes da casa prpria, objetivo que fica claro no discurso do ministro Roberto Campos na inaugurao do banco. Segundo ele, proprietrio no se mete em arruaas (Haddad & Cintra, 1978). O segundo remete ao apoio j tradicional do governo aos empreendimentos da cadeia produtiva da construo civil, setor que, alm de ser caracterizado pela forte presena do capital privado nacional, usa 6 intensivamente o recurso trabalho. E mais: intensivo em trabalho pouco qualificado, o que se coadunava com o interesse em inserir os significativos fluxos de migrantes de baixa escolaridade no mercado de trabalho urbano.O regime militar preocupava-se menos com a proteo daquilo que viria a ser identificado como direito moradia do que com os outros objetivos subjacentes sua poltica habitacional. Como j mencionado, durante o Estado Novo tinha entrado em vigor uma legislao que congelava os aluguis. Essa foi uma inovao que comprometeu a dinmica do mercado imobilirio visando produo de moradia para aluguel, que era ento a modalidade de acesso moradia popular que prevalecia nos mercados das grandes cidades. Tal legislao foi modificada e passou a vigorar nova lei, que institua a chamada denncia vazia, em face das facilidades introduzidas para a retomada dos imveis pelo locador. Esta foi considerada uma medida legal necessria para estimular a produo imobiliria, mas dirigida ao investidor em busca de oportunidade de renda e no para solucionar problema de acesso moradia popular. A criao do BNH e sua progressiva transformao em agente da poltica habitacional e urbana, combinada com alteraes na legislao do inquilinato, tiveram por consequncia a grande vitalidade do mercado imobilirio em fins da dcada de 1960 e, sobretudo, ao longo dos anos 1970. Ao fim dessa dcada, no entanto, diante da evidncia de que a no soluo da falta de moradia popular estava levando ao agravamento do problema, o governo resolveu introduzir inovaes voltadas para esse segmento. Assim, foram lanados os programas de urbanizao de favelas, de autoconstruo e de lotes urbanizados (Taschner, 1997). Essa mudana de rumo na poltica habitacional e urbana veio, no entanto, num contexto marcado pela deflagrao de forte crise econmica internacional, cujos desdobramentos afetaram negativamente o Pas, comprometendo a viabilidade da poltica de sustentao da marcha forada da economia brasileira com investimento pblico (Castro & Souza, 1985). Uma das manifestaes do impacto negativo foi o recrudescimento da inflao, dificultando a sustentao da poltica de crdito habitao. A inflao tambm afetou a renda dos trabalhadores, que no acompanhou a desvalorizao monetria, com impacto na sua capacidade de arcar com o financiamento moradia. O descompasso entre renda e a prestao da casa prpria foi enfrentado mediante o artifcio de corrigir as prestaes ao ritmo dos aumentos salariais. Essa soluo, no entanto, cobrou seu preo sobrecarregando o Fundo de Compensao de Variao Salarial (FCVS), que deveria ser quitado ao fim dos prazos de contrato dos financiamentos. O resultante 7 aumento da inadimplncia contribuiu para comprometer a estrutura da poltica habitacional baseada no BNH, que, ao ser extinto, em 1986, teve suas atividades assumidas pela Caixa Econmica Federal. Esta acabou por subsidiar os devedores que haviam acumulado muito saldo no FCVS ao permitir que suas dvidas fossem quitadas pela metade do valor daquele saldo ou pela multiplicao do nmero de prestaes que faltava pagar pelo valor dessas prestaes (Azevedo & Ribeiro, 1996). Nunca demais lembrar que a maioria dos beneficirios desse subsdio foram os adquirentes dos mercados de rendas mdia e alta, uma vez que constituam a maioria dos que tiveram acesso aos financiamentos habitacionais sob o regime do SFH. Assim, o BNH no cumpriu as promessas daqueles que o criaram: acabar com o problema da falta de moradia no Brasil. Apesar de seu forte impacto no mercado imobilirio, no mitigou o problema relativo moradia popular, um segmento que no deve ser confundido com o segmento do mercado habitacional com demanda solvvel. Sua extino em novembro de 1986, como parte do Plano Cruzado II, deu-se em circunstncias de agravamento da crise inflacionria e social, que no seria resolvida por nova alterao na legislao do inquilinato com limitao dos reajustes dos aluguis em at 80% do INPC. Ao contrrio, a proteo ao inquilinato combinada com a extino do BNH desorganizou o mercado imobilirio, que sofreria ainda com o corte do crdito como medida de poltica de controle inflacionrio. A partir de ento, o Pas deixou de ter poltica habitacional, assim como outras polticas de mdio e longo prazo. A crise econmica iria afetar muito mais do que apenas os financiamentos imobilirios, levando focalizao da ao governamental no objetivo de controle da inflao. Ao recuar de seu papel de orientar ou intervir diretamente no processo de desenvolvimento, foi criada uma situao propcia disseminao do debate, j em curso no cenrio internacional, a respeito das reformas de Estado (Pereira, Wilheim & Sola, 1999; Restrepo, 2006). 5 texto: Poltica Habitacional no Brasil: balano e perspectivas

O perodo BNH O modelo de poltica habitacional implementado a partir de 1967 pelo Banco Nacional de Habitao baseava-se em um conjunto de caractersticas que deixaram marcas importantes na estrutura institucional e na concepo dominante de poltica habitacional nos anos que se seguiram. Estas caractersticas podem ser identificadas a partir dos seguintes elementos fundamentais: Criao de um sistema de financiamento que permitiu a captao de recursos especficos e subsidiados (apoiado no Fundo de Garantia de Tempo de Servio e no Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo), chegando a atingir um montante bastante significativo para o investimento habitacional; Criao e operacionalizao de um conjunto de programas que estabeleceram, a nvel central, as diretrizes gerais a serem seguidas, em nvel descentralizado, pelos rgos executivos; Criao de uma agenda de redistribuio dos recursos, que funcionou principalmente a nvel regional, a partir de critrios definidos centralmente; e Criao de uma rede de agncias em nvel local (principalmente estadual), responsveis pela operao direta das polticas. O perodo BNH, encerrado tragicamente em 1986, deixou como herana algumas concepes ainda hegemnicas, ou pelo menos relevantes, sobre o contedo e o formato a ser adotado na poltica habitacional, como por exemplo, a concepo de que os recursos do FGTS so as nicas fontes para o investimento habitacional, reiterando a dependncia dos governos locais em relao iniciativa do governo federal, e, ainda, a viso de que fazer poltica habitacional refere-se to somente a construir conjuntos, que persiste entre muitos tcnicos do setor. Por outro lado, permanece ainda de p, embora em circunstncias bastante fragilizadas, a estrutura tcnico-administrativa burocratizada e com pouca iniciativa dos rgos estaduais. Em todos estes pontos, pode-se verificar que este modelo revela-se, hoje, completamente inadequado. Desde que se revelaram os primeiros resultados das aes do BNH, ainda na dcada de 70, vrios autores os avaliaram criticamente, estabelecendo um conjunto de elementos que podem nos auxiliar a construir os princpios relevantes para pensarmos as polticas habitacionais hoje. Um primeiro elemento diz respeito ao que talvez seja a questo central nas crticas atuao do BNH: sua incapacidade em atender populao de mais baixa renda (entre 0 e 3 salrios mnimos). Essa incapacidade decorria das contradies intrnsecas aos dois grandes objetivos da poltica habitacional: o de alavancar o crescimento econmico e o de atender demanda habitacional da populao de baixa renda. Ao priorizar o financiamento para as camadas de mais alta renda, que se configuravam como demanda efetiva e que atraam a preferncia dos setores empresariais ligados rea, a atuao do Banco conseguiu de fato produzir um novo boom imobilirio, gerando efeitos multiplicadores relevantes. J o financiamento s camadas de menor renda revelou-se inadequado para as populaes mais empobrecidas (faixas de at 3 salrios mnimos) e gerou uma inadimplncia sistemtica nas camadas de renda que conseguiram acesso aos recursos, comprimido pelo gargalo representado pela ausncia de subsdios combinada ao arrocho salarial e exigncia de correo real dos dbitos, dado o alto custo da moradia em relao aos nveis de rendimento. A favelizao e o crescimento das periferias so apontados como consequncia do fracasso e da ineficcia da ao do BNH. A dificuldade de atender aos estratos inferiores da populao foi o principal fator que levou adoo, a partir da Segunda metade da dcada de 70, dos chamados programas alternativos, baseados na autoconstruo, considerada mais eficaz. Essa inflexo acompanha as crticas e sugestes de especialistas internacionais como Abrams e Turner, formuladas ainda na dcada anterior (Abrams, 1967; Turner, 1968). Esta concepo foi largamente disseminada pelos organismos internacionais de fomento, como o Banco Mundial, ressaltando que estes programas visavam principalmente dar uma resposta poltica imediata s necessidades habitacionais das famlias de baixa renda. preciso no esquecer, todavia, que, a par das necessidades financeiras e da necessidade de aumentar a eficcia da ao do rgo, a adoo de prticas alternativas atendia tambm a outros objetivos. A experincia de remoo de favelas, por exemplo, alm dos custos polticos e sociais envolvidos, no atingiu seus objetivos, j que se identificou uma substituio dos moradores dos novos conjuntos por populaes de renda mais elevada e um retorno da populao s favelas (Valladares, 1978). Ressalta-se, nesta crtica, a questo da acessibilidade ao emprego, como fundamental para a manuteno das famlias e, ainda, as redes de sociabilidade popular, que contribuem para a estabilidade social e que se constituem como importante fator auxiliar de subsistncia. Os novos conjuntos construdos sofreram tambm crticas do ponto de vista de sua adequao s necessidades dos seus usurios, apontando-se a autoconstruo com alternativa mais interessante, j que permitiria uma evoluo no tempo, acompanhando as mudanas e os ciclos familiares. Todas essas razes contriburam para a tendncia apontada acima, de valorizao das prticas alternativas, que incluam a urbanizao das favelas, a regularizao fundiria e os programas de lotes urbanizados. Apesar disso, a avaliao sobre os resultados quantitativos da ao do BNH, segundo Azevedo, no so inteiramente desfavorveis. Aps duas dcadas de poltica habitacional foram produzidas cerca de 4,5 milhes de unidades, com 48,8% do total destinadas aos setores mdios, e 33,5% formalmente destinadas aos setores populares. Nova Repblica e Collor Na segunda metade dos anos 80, a crise do Sistema Financeiro de Habitao e a extino do BNH criaram um vcuo com relao s polticas habitacionais, atravs de um processo de desarticulao progressiva da instncia federal, com fragmentao institucional, perda de capacidade decisria e reduo significativa dos recursos disponibilizados para investimento na rea. Assim que, entre 1986 (data da extino do BNH) e 1995 (quando tem incio uma reestruturao mais consistente do setor), a poltica habitacional foi regida por vrios rgos que se sucederam ao longo perodo, sem que se conseguissem resultados efetivos (ARRETCHE 1996:81): Na verdade, na assim chamada Nova Repblica, as reas de habitao e desenvolvimento urbano percorreram uma longa via-crcis institucional. At 1985, o BNH era da rea de competncia do Ministrio do Interior. Em maro de 1985, foi criado o Ministrio do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente MDU, cuja rea de competncia passou a abranger as polticas habitacionais, de saneamento bsico, de desenvolvimento urbano e do meio ambiente. Em novembro de 1986, com a extino do BNH e a transferncia de suas atribuies para a Caixa Econmica Federal CEF, a rea de habitao permanece vinculada ao MDU, mas gerida pela CEF que, por sua vez, no est concernida a este Ministrio, mas ao Ministrio da Fazenda. Em maro de 1987, o MDU transformado em Ministrio da Habitao, Urbanismo e Meio Ambiente MHU, que acumula, alm das competncias do antigo MDU, a gesto das polticas de transportes urbanos e a incorporao da Caixa Econmica Federal. Em setembro de 1988, ocorrem novas alteraes: cria-se o Ministrio da Habitao e do Bem-Estar Social MBES, em cuja pasta permanece a gesto da poltica habitacional. Em maro de 1989, extinto o MBES e cria-se a Secretaria Especial de Habitao e Ao Comunitria SEAC, sob a competncia do Ministrio do Interior. As atividades financeiras do Sistema Financeiro da Habitao SFH e a Caixa Econmica Federal CEF passam para o Ministrio da Fazenda. Os programas desenvolvidos pela Secretaria de Ao Comunitria (SEAC), implementaram linhas de financiamento a fundo perdido, a partir de recursos oramentrios, para atendimento populao com renda at 3 salrios mnimos, utilizando sistemas alternativos de produo (mutiro, lotes urbanizados, etc.). O modelo institucional adotado pela SEAC privilegiava a iniciativa de estados e municpios, deixando de estabelecer prioridades alocativas. Esse modelo permitiu maior autonomia dos governos estaduais e municipais, que deixam de ser apenas executores da poltica. Todavia, segundo AZEVEDO (1996:83), A experincia histrica brasileira mostra que sempre que um programa habitacional altamente subsidiado permite um grau muito alto de liberdade na alocao dos recursos, as regies menos desenvolvidas e os estados com dificuldades polticas junto ao governo central terminam altamente prejudicados (...). As anlises acentuam o surgimento, nesse perodo, de um novo padro de poltica, baseado no atendimento ad hoc s demandas locais conforme alianas instveis visando objetivos de curto prazo do Executivo Federal (MELLO, 1980:461). 6 texto: VINTE E DOIS ANOS DE POLTICA DE HABITAO POPULAR (1964-86): Criao, Trajetria E EXTINO DO BNH.

Aps a chegada do governo militar em 1964, ao poder, a Fundao da Casa Popular passou a ser considerada pelas autoridades como uma instituio irrecupervel, em virtude de sua ligao visceral com o antigo regime. E 22 anos depois, com a redemocratizao do pas, as novas autoridades utilizariam alguns argumentos similares para justificar a extino do Banco Nacional da Habitao.Ainda que o BNH, na poca de sua criao em 1964, tenha sido apresentado como uma nova instituio, sem qualquer ligao com o que havia sido feito anteriormente, as influncias do passado eram evidentes. Embora as diversas tentativas de mudana na FCP tenham fracassado por se chocarem com a lgica do populismo, algumas das sugestes de reforma foram recuperadas pelos mentores do BNH por ocasio de sua implantao e apresentadas como solues originais e, portanto, imediatas (indexao das prestaes, receitas prprias, captao de poupana e flexibilidade organizacional, entre outras).A marca do passado estava igualmente presente na repulsa ideolgica das novas autoridades s proposies que defendiam a necessidade de subsdios pblicos para o enfrentarnento da carncia de habitao popular. Como reao ao populismo em geral e FCP em particular, as novas autoridades rejeitaram, no nvel do discurso, toda a prtica governamental anterior a 1964 e tentaram implantar para os setores de baixa renda uma poltica em moldes "empresariais". A experincia se encarregaria de mostrar as fragilidades e a inviabilidade dessa nova poltica para as classes populares.

2. O Banco Nacional da Habitao: um retrospecto historicoA motivao principal para a criao do Banco Nacional da Habitao foi de ordem poltica. Segundo os mentores do BNH, o desempenho marcante na produo de casas populares deveria permitir ao regime militar emergente obter a simpatia de largos setores das massas que constituram o principal apoio social do governo populista derrubado em 1964. Nesse projeto, igualmente encontrava-se implcita a ideia de que a casa prpria poderia desempenhar um papel ideolgico importante, transformando o trabalhador de contestador em "aliado da ordem.A criao do BNH, alm de colaborar na legitimao da nova ordem poltica, previa inmeros efeitos positivos na esfera econmica: estmulo poupana; ab- soro, pelo mercado de trabalho, de um maior contingente de mo de obra noqualificada; desenvolvimento da indstria de material de construo; fortalecimento, expanso e diversificao das empresas de construo civil e das atividades associadas (empresas de incorporaes, escrit6rios de arquitetura, agncias imobilirias, etc.).Parecia ainda possvel, para os idealizadores desse projeto, compatibilizar os objetivos sociais e o desempenho econmico do Banco, atravs das novas diretrizes governamentais para a chamada administrao indireta (autarquias e empresas pblicas e de economia mista), que preconizavam a adoo da racionalidade empresarial com vistas reduo de nus sobre o errio nacional. 5 Se, por um lado, esta orientao permitiu ao BNH, em comparao FCP, apresentar resultados amplamente positivos no referente quantidade de unidades habitacionais construdas, aos recursos disponveis, ao retomo do capital aplicado, ao desenvolvimento de atividades urbanas complementares e ao seu fortalecimento institucional, por outro, no resultou satisfatria no tocante aos objetivos sociais preconizados por ocasio de sua criao e perseguidos atravs dos programas tradicionais de habitao popular.A fim de garantir fontes estveis e permanentes de financiamento, criou-se o Sistema Financeiro da Habitao (SFH), que utilizou poupana tanto compulsria (FGTS) quanto voluntria (caderneta de poupana/letra de cmbio). Da mesma forma, para evitar a descapitalizao do Banco, como ocorreu com seus predecessores (Fundao da Casa Popular e carteiras imobilirias dos institutos de aposentadoria), instituiu-se uma "moeda forte" imobiliria (unidade-padro de capital, UPC), sobre a qual se baseavam todas as operaes realizadas, e institucionalizou- se a correo monetria das prestaes e dos saldos devedores dos muturios finais.A nova poltica materializou-se atravs da implantao de uma completa rede de agncias pblicas e privadas que funcionava sob a gide do BNH. Paulatinamente, o Banco limitou seu papel ao de um rgo normativo e de superviso, deixando a seus diferentes agentes especializados a aplicao de sua poltica. O mercado imobilirio foi estratificado segundo nveis de renda dos muturios (popular, econmico e mdio), cada qual sob a responsabilidade de um agente promotor e com legislao especfica.A expanso deste aparelho institucional teve como consequncia a transformao progressiva do BNH em um verdadeiro banco de desenvolvimento urbano, atravs da agregao das atividades de saneamento bsico, financiamento de materiais de construo, transporte, pesquisa etc. O custo desta transformao foi a"exportao" de concepo e modos de ao empresariais para estes novos servios.Assim, por exemplo, certas atividades de saneamento bsico abastecimento de gua e implantao de rede de esgoto sanitrio - que eram tradicionalmente administradas por governos locais, quando sob o controle do BNH passaram a cobrar tarifas capazes de custear seus investimentos e sua operao. Isto, evidentemente, trouxe, como consequncia direta, conflitos entre os objetivos sociais e o estilo empresarial que nortearam a criao do Banco. Contudo, falso imaginar que o BNH, ao longo de sua hist6ria, tenha logrado pr em prtica uma poltica puramente empresarial.Desde a criao do Banco, estava prevista, na legislao oficial toda uma gama de vantagens para os compradores das casas populares em relao aos muturios de renda mais alta. As diversas medidas destinadas a facilitar a compra da casa prpria, inclusive a adoo de subsdios diretos e indiretos, mostram a necessidade da interveno do poder pblico no sentido de viabilizar o acesso ao mercado habitacional, sobretudo para as classes populares.O pr6prio formato institucional dos programas populares favorecia sobremaneira esta clientela, ao prever a constituio de companhias habitacionais (Cohab) como agentes promotores. As Cohab, empresas mistas sob o controle acionrio dos governos estaduais e/ou municipais, desempenham, na promoo pblica de construo de moradias para os setores de baixa renda, um papel anlogo ao dos incorporadores imobilirios na produo de residncias para as camadas de renda alta. As Cohab compete coordenar e supervisionar o trabalho das diferentes agncias pblicas e privadas que participam da edificao das casas populares, reduzindo o preo das unidades produzidas. Essa reduo explica-se pela inexistncia do "lucro do incorporador", que, em geral, eleva substancialmente o preo final da residncia6 enquanto que as Cohab, mesmo buscando o equilbrio financeiro, so remuneradas por uma taxa de administrao.Em segundo lugar, tanto as verbas destinadas a pagar a construo das casas populares (capital de circulao) quanto os recursos para o financiamento do imvel ao muturio provm da "poupana compulsoria" (Fundo de Garantia por Tempo de Servio - FGTS) do Sistema Financeiro da Habitao, que formado por um capital sub-remunerado. Desde sua implantao em 1967, atravs da Lei n 5.017, e durante quase dez anos de contexto fortemente inflacionrio, a formula de clculo da taxa de juros e correo monetria sub-remunerava o FGTS, do qual o BNH era o 6rgo gestor. A correo monetria e os juros para remunerao do FGTS eram calculados em funo do saldo do ltimo dia do ano anterior, ou seja, com 12 meses de atraso. Isto prejudicava todos os assalariados, mas atingia principalmente os setores de baixa renda, que apresentavam tradicionalmente Uma grande rotatividade no trabalho. Devido a diversas aes judiciais com ganho de causa, a partir de 1975 passou-se a calcular a indexao deste fundo ao final de cada trimestre, com base no saldo mnimo do perodo. Apesar da melhoria qualitativa desta medida, os setores de alta rotatividade e aqueles que trabalhavam pela primeira vez passaram a beneficiar-se desta correo s6 no trimestre seguinte ao da contratao. No se trata de questionar a utilizao de linhas de crdito sub-remuneradas pois esta tem sido uma exigncia na maioria das economias de mercado, para dinamizar a produo habitacional. O importante analisar quem paga e quem beneficiado por essa linha de crdito especial. No caso patente que a massa de assalariados quem financia a produo de habitaes. Como a maior parte do FGTS provm daqueles de mais alta remunerao - apesar de numericamente minoritrios - os assalariados de mais altos rendimentos subsidiam, em termos absolutos, os muturios de baixa renda. Entretanto devem ser ressaltados o esforo e o custo indireto que representa, para a massa de assalariados de baixos rendimentos do pas, esta sub-remunerao da poupana compulsria. Em termos de equidade, a situao apresentou-se mais problemtica durante certas fases da trajetria do BNH, especialmente entre 1969 e 1974, quando os investimentos em habitao popular foram irrisrios e decrescentes, sendo o FGTS utilizado prioritariamente em investimentos em outras atividades (infraestrutura, mercado financeiro, outros programas habitacionais, etc.).Evidentemente, a existncia dessa linha de crdito especial formada por capital desvalorizado que permitiu ao BNH conceder, aos adquirentes de casas populares, em comparao aos outros muturios do Sistema, vantagens considerveis em relao aos juros e prazos de financiamento.Outro fator que colabora significativamente para o barateamento relativo das casas populares o mecanismo de transferir para outras agncias pblicas o nus de certos subsdios indiretos. Assim, os custos das obras de infraestrutura dos conjuntos que, normalmente, no so repassados aos muturios finais correm geralmente por conta das prefeituras; estas em alguns casos doam ou repassam, por preo abaixo do mercado, terrenos de sua propriedade.O custo reduzido dos projetos arquitetnicos, obtido atravs de uma relativa padronizao das plantas residenciais, e a inexistncia de despesas de comercializao (publicidade e corretagem), uma vez que, geralmente, a demanda supera em muito a oferta, so outros fatores que colaboram para a reduo dos preos das unidades produzidas pelas Cohab, em comparao a casas similares vendidas no mercado sob o patrocnio de outros agentes.A realidade encarregou-se de mostrar que os objetivos sociais e econmicos no eram nem harmoniosos, nem coerentes entre si. Desta forma ainda que os objetivos sociais tivessem paulatinamente perdido a amplitude e a importncia, devido sua incompatibilidade com a l6gica financeira do BNH este se viu, na prtica, levado a fazer outras inmeras concesses ret6rica "empresarial" para garantir certo grau de eficcia no seu desempenho junto aos setores de baixa renda.Nessa perspectiva, pode-se citar a criao (e posterior modificao a favor do muturio) do Fundo de Compensao das Variaes Salariais (FCVS), com o objetivo de cobrir os possveis saldos devedores dos adquirentes ao fim do perodo de financiamento, a ampliao do prazo para amortizao da casa pr6pria e a diminuio das taxas de juros nos contratos de aquisio de moradias populares.Apesar de todos os esforos realizados, o BNH no conseguiu atingir satisfatoriamente os setores de renda mais baixa atravs dos programas tradicionais. Ressalte- se que o Banco tinha como clientela prioritria as farrullas de renda mensal entre um e trs salrios mnimos.Fatores ex6genos aos propsitos sociais do Banco e fora de seu controle direto contriburam para esse resultado. Por exemplo, a poltica de "arrocho salarial", implantada pelo regime militar sob a alegao de resolver os problemas econmicos da poca, significou uma diminuio progressiva dos salrios reais das classes de baixa renda. Durante um perodo de, aproximadamente, 10 anos, o salrio mnimo real no parou de diminuir, provocando o agravamento das condies de vida de grande parte dos setores populares urbanos. Nessa conjuntura, apesar dos subsdios, as prestaes da casa prpria apresentavam-se para os muturios das Cohab cada vez mais pesada, relativamente s suas necessidades. Isto acarretou um crescimento considervel da inadimplncia, que se refletiu na situao das Cohab.Estas, em sua esmagadora maioria, entraram em grave crise financeira.Pode-se dizer que o elevado ndice de inadimplncia entre os muturios de baixa renda, durante os primeiros anos de atividade do BNH (1964-69), colocava em questo o prprio estilo de atuao do Banco. A sada da "crise" dar-se-ia por uma reformulao completa da poltica habitacional de interesse social ou pela utilizao de mecanismos de autodefesa institucional do Banco, atravs da reduo do papel dos investimentos populares e uma redefinio de suas prioridades de ao. As condies polticas do incio dos anos 70 (governo Mdici), que no privilegiavam a necessidade de maior respaldo popular, acabaram por favorecer a opo pela segunda alternativa.Entre 1970 e 1974, enquanto o problema de inadimplncia dos muturios das Cohab continuava a se agravar, a poltica adotada foi a de reduzir consideravelmente os investimentos para as famlias de baixa renda e aumentar substancialmente as aplicaes no chamado "mercado mdio" (classe mdia e alta), assim como em certas atividades recorrentes (material de construo, infraestrutura, saneamentos, etc.) e, sobretudo, em algumas operaes financeiras, tais como investimento em ORTN.8A partir de 1975, a inadimplncia - principal problema das Cohab na poca - comeou a se resolver, e os investimentos em habitaes populares voltaram a crescer. Este perodo coincide com o incio do processo de "abertura", atravs da qual o governo buscou uma base mais ampla de legitimao poltica inclusive entre os setores populares - como aconteceu tambm nos primeiros anos de funcionamento do BNH (1964--69). Em resumo, pode-se afirmar que, durante o regime militar, os perodos de maior investimento em habitao para as camadas de menor renda e de maior sensibilidade aos problemas das casas populares foram justamente aqueles em que o governo pretendia expandir sua legitimidade poltica. Entretanto, deve-se ressaltar que a influncia da conjuntura poltica no foi direta, mas se materializou atravs das respostas dadas s crises enfrentadas pelo BNH, decorrentes, principalmente, de polticas econmicas globais que penalizavam as clientelas real e potencial do Banco.Se a situao poltica do incio dos anos 70 tomava possvel enfrentar a "crise" do Sistema Financeiro da Habitao pelo mtodo relativamente simples de esvaziamento do ento chamado "mercado popular", em contrapartida, a vontade de incrementar a construo de casas populares a partir da "abertura" exigia medidas mais complexas. Para aumentar os investimentos, foi necessrio sanear financeiramente as Cohab e diminuir drasticamente os ndices de inadimplncia. evidente que os meios escolhidos para fazer face a esta situao no foram "neutros"; pelo contrrio, eles marcaram de maneira inequvoca a evoluo posterior da poltica de habitao popular.Embora uma interao de fatores e medidas tomadas pelo BNH tenha influenciado a transformao do "mercado popular", a mais importante delas parece ter sido a opo das Cohab de privilegiar as famlias com renda mensal acima de trs salrios mnimos. Assim, o "preo pago" pelo saneamento das Cohab pode ser considerado elevado do ponto de vista dos propsitos sociais do Banco, pois significou, na prtica, abandono de sua clientela-meta prioritria.Essa estratgia das Cohab foi facilitada pelo comportamento do mercado imobilirio, a partir de meados da dcada de 70. A especulao imobiliria, que atingiu sobretudo as cidades mdias e as metrpoles, diminuiu consideravelmente as alternativas habitacionais de grandes segmentos da baixa classe mdia. Estes setores, que anteriormente no se sentiam atrados pelos conjuntos habitacionais, passaram a encar-los como uma possibilidade de resoluo de seus problemas de habitao.Nessa conjuntura de crise habitacional geral e da opo das Cohab por setores de maior renda, outras vantagens oferecidas na poca pelo governo tornaram as casas populares ainda mais atrativas. A primeira facilidade diz respeito ampliao do prazo de ressarcimento do financiamento (de 20 para 25 anos) e a segunda se refere diminuio dos juros para o setor popular, ambas objetivando a reduo do valor real das mensalidades. Alm disso, na f6rmula de clculo das prestaes, o governo voltou a generalizar o uso da tabela Price que, em comparao aos demais sistemas de amortizao existentes - Sistema de Amortizao Constante (SAC) e Sistema de Amortizao Mista (SAM) - significa mensalidades iniciais bastante inferiores.Ainda nesse mesmo penado, dois outros fatores favoreceram o revigoramento e a estabilizao do mercado popular. O primeiro refere-se inflexo da curva do salrio mnimo, que iniciou a recuperao de parte do seu poder de compra aps uma diminuio contnua durante quase 10 anos. O outro fator diz respeito ao incio de um processo de menores correes das prestaes. Em outras palavras, de 1965 at 1972, os reajustes das prestaes acompanharam as variaes do salrio mnimo, e de 1973 at 1982, as prestaes foram indexadas abaixo da correo do salrio mnimo.Assim, enquanto as aplicaes no mercado popular se fortaleceram ocorreu uma mudana qualitativa na caracterizao s6cio-econmica dos muturios, em relao aos primeiros anos de funcionamento do BNH. A clientela das Cohab passou a ser formada principalmente de famlias com rendimentos reais superiores a trs salrios mnimos, sendo que, em sua maioria, os novos muturios vinculavam-se ao setor formaI da economia (secundrio e tercirio). Os dados atuais disponveis para diversas cidades mdias e metr6poles no confirmam esta tendncia como indicam que, entre os muturios de renda familiar acima de trs salrios mnimos, aproximadamente a metade (ou 1/3 do total da clientela das Cohab) encontra-se acima do teto legal definido pelo governo (cinco salrios mnimos) para os postulantes a casas populares. As caractersticas socioeconmicas dos moradores atuais dos conjuntos habitacionais no deixam qualquer dvida em relao posio minoritria ocupada pela clientela inicial das Cohab. Em outras palavras, a participao dos trabalhadores de menor renda e de dbil insero no mercado de trabalho (empregados no qualificados, biscateiros, diaristas, etc.) nos programas tradicionais de habitao p0 pular apresenta uma tendncia decrescente, muito embora este seja o setor numericamente majoritrio da populao urbana. Ressalte-se, ainda, que o processo de mudana da clientela no ocorreu somente atravs da seleo dos novos muturios.Tomando-se as casas populares competitivas, houve tambm um forte processo de revenda desses im6veis (repasse de financiamento) para setores de maior renda, recebendo o antigo proprietrio um gio por essa operao.Em virtude das mudanas operadas em meados da dcada de 70, a inadimplncia caiu a nveis bastante baixos. Esta situao manteve-se at o incio da presente dcada, quando a crise econmica voltou a afetar profundamente os assalariados.Ainda que o governo tenha procurado minimizar os efeitos da crise atravs de maior reajustamento de salrios para os setores mais carentes, o aumento de desemprego e os mecanismos de rotatividade de mo de obra utilizados pelos empresrios como forma de diminuio de custo fizeram com 'que os ndices de inadimplncia voltassem a subir, agora em todas as faixas de atuao do BNH. Esta situao agravou-se de forma abrupta em 1983, quando, pela primeira vez na histria do BNH. as prestaes subiram acima do salrio mnimo.Entre todos os muturios do BNH, os vinculados s Cohab foram os menos afetados.Isto se explica em virtude de o programa possuir uma clientela, em grande parte, com um nvel de renda superior prevista originalmente. Assim, os que no perderam emprego lograram, na sua maioria, enfrentar a crise habitacional, apesar do encarecimento da prestao.O reclamo maior partiu dos muturios da classe mdia-alta, financiados atravs do Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo (SBPE), pois, alem de ter seus salrios corrodos violentamente pela crise do incio dos anos 80, pagavam maiores prestaes em funo do alto preo dos imveis produzidos pelo mercado. O reajuste das prestaes em 1983, normalmente superior ao aumento real dos salrios desses setores, engendrou a criao de inmeras entidades de defesa dos muturios e a entrada macia, na justia, de processos contra as agncias financiadoras.Outro setor muito afetado foi o dos muturios de cooperativas, pois, formado por uma clientela com nvel de renda no muito superior ao das Cohab, participa de um programa com menores subsdios e que, por motivo de deformaes advindas do formato institucional, passou a produzir habitaes com preos finais relativamente mais caros que os previstos em seus objetivos iniciais. Em suma, as unidades habitacionais produzidas pelas Cohab apresentavam, em relao s construdas pelas cooperativas, maior competitividade. Isto fez com que os muturios das primeiras tivessem melhores condies de enfrentar a crise do que os destas ltimas.A reao ao aumento de 1983, capitaneada pelos muturios do SBPE com p0- der relativamente alto de mobilizao da opinio pblica e presso sobre o governo, fez com que o BNH terminasse por oferecer, ap6s vrias outras medidas (mudana do sistema de amortizao, extenso de financiamento, etc.), um abono de emergncia e uma indexao extremamente favorvel para aqueles que optassem pelo reajuste semestral. Estes subsdios, que beneficiaram enormemente todos os muturios, tornaram as prestaes das casas populares bastante acessveis. Em contrapartida, isto significou um agravamento violento do dficit do Sistema Financeiro da Habitao. O BNH, que vinha sendo, ao longo de sua trajetria, questionado sobre seu desempenho social, com o desastre financeiro do Sistema, entrou em profunda crise institucional.3. A Nova Repblica e a extino do BNH: balano e perspectivasAs formas pelas quais as crises de produo de casas populares foram enfrentadas ao longo da trajetria do BNH tiveram, como uma das consequncias mais importantes, o alijamento das camadas de baixa renda. Apesar dos subsdios embutidos nos programas populares, a situao econmica das famlias com renda inferior a trs salrios de tal maneira precria que no St2porta a contrapartida exigida dos muturios. Esta uma situao que no especfica do Brasil, atingido a maioria dos pases em desenvolvimento, e mostra o trade-off existente entre o econmico e o social. Em outras palavras, alm das especificidades da produo de habitao, que dificultam o seu barateamento, a poltica habitacional enfrenta constrangimentos referentes ao nvel de renda de amplos setores da populao que extravasam, em muito, suas fronteiras, no podendo, portanto, ser por ela equacionados.Sabe-se que a opo habitacional para a maioria da populao pobre, formada por desempregados e trabalhadores eventuais, so os cortios, favelas e bairros clandestinos localizados na periferia das metrpoles e grandes cidades. Nessas circunstncias, a autoconstruo espontnea torna-se a soluo possvel para amplas camadas populares resolverem seus problemas habitacionais. Devido escassez de recursos e de tempo disponvel, essas construes prolongam-se por um largo perodo de tempo e se caracterizam pelo tamanho reduzido, baixa qualidade dos materiais empregados, acabamento precrio e tendncia deteriorao precoce.Apesar da quantidade nada desprezvel de unidades financiadas pelo BNH nos seus 22 anos de existncia - quase 4,5 milhes, como se pode observar pela tabela.1 - calcula-se, em funo de dados comparativos dos dois ltimos censos, que somente 27,66% das moradias construdas se beneficiaram de alguma linha de financiamento oficial. 12 Entre as unidades financiadas pelo BNH apenas 33,5 foram formalmente destinadas aos setores populares.Como os programas tradicionais de habitao popular oferecido pelo Sistema Financeiro da Habitao absorviam apenas uma pequena parte da clientela-alvo, fundamentalmente aquela de mais alto rendimento, a partir de 1975 o BNH iniciou uma srie de projetos alternativos baseados na autoconstruo e destinados aos segmentos mais carentes. Estes programas surgiram justamente no momento em que, devido reestruturao e saneamento das Cohab, os setores de menor renda estavam sendo paulatinamente preteridos nos programas tradicionais. Os dados disponveis indicam baixo desempenho quantitativo dessas iniciativas no convencionais.Menos de 6% das unidades financiadas foram destinados aos chamados programas alternativos. Entre as moradias populares financiadas, somente 17,6% so oriundas desses programas especiais.Por outro lado, quase metade das unidades financiadas (48,8%) foi destinada aos setores de classe mdia de altos rendimentos (mercado mdio). A distoro ainda maior se levarmos em conta que o custo da unidade habitacional popular muito menor do que o dos demais nveis de renda.Por ocasio da instalao da Nova Repblica havia consenso sobre a crise do Sistema Financeiro da Habitao e a necessidade de reestruturao do mesmo. O governo tomou diversas medidas iniciais que indicavam uma predisposio a uma profunda reforma. Foi criada uma comisso de alto nvel para propor sugestes e, posteriormente, sob o patrocnio federal, e com o apoio da Associao dos Arquitetos do Brasil, desenvolveram-se debates regionais sobre as propostas em pauta, envolvendo setores universitrios, entidades de classe e associaes de muturios.Os temas abordados eram os mais variados possveis: discutiam-se desde medidas de descentralizao do BNH, com fortalecimento das delegacias regionais, at mudanas no sistema de financiamento, operao e receita do Sistema. Algumas das sugestes apontavam para a criao de um banco social, com a separao do Sistema Financeiro de Poupana e Emprstimo. Concomitantemente a este processo, a prpria Associao dos Funcionrios do BNH desenvolvia seminrios a fim de recolher subsdios para a reformulao do SFH.A maioria das propostas girava em torno de temas como descentralizao, prioridade social e criao de instrumentos de equilbrio financeiro, atravs da modificao da legislao em vigor. Em funo da complexidade da questo, da forma de encaminhamento das discusses e dos diferentes interesses envolvidos, estava-se ainda longe de se alcanar consenso sobre pontos bsicos da reforma, quando o governo decretou a extino do Banco.A forma como se deu essa deciso foi motivo de surpresa para as entidades envolvidas na reformulao do SFH, uma vez que ocorreu de maneira abrupta e sem margem para contrapropostas. Este procedimento se chocava com as declaraes de intenes e encaminhamentos anteriores feitos pelo prprio governo. No referente ao contedo, a perplexidade foi ainda maior, j que quase nada se incorporou do controvertido processo de discusso ento em curso.A maneira como o governo incorporou o antigo BNH Caixa Econmica Federal toma explcita a falta de proposta clara para o setor. Em outras palavras, nenhuma soluo foi encaminhada para os controvertidos temas que permeavam o debate anterior. Nesse sentido, a pura desarticulao institucional do Banco, sem o enfrentamento de questes substantivas, somente tende a agravar os problemas existentes. Constrangimentos como o do desequilbrio financeiro do sistema no foram sequer tocados. Continua-se, para usar o jargo popular, sem saber quem vai "pagar a conta". Ainda que se possam imaginar inmeras solues para reequilibrar o sistema, algum ter que cobrir esse dficit. Haver uma socializao desses subsdios atravs da utilizao de verbas oramentrias? Sero os futuros muturios penalizados com uma carga financeira maior, a fim de sanear o Sistema?Qualquer das opes mencionadas apresenta efeitos "perversos" bastante evidentes.Claro est que, teoricamente, poderia haver meios de obrigar os setores mais aquinhoados da sociedade a suportar esse nus. Entretanto, com que justificativa se poderia exigir, de um setor social, sacrifcios para a resoluo do problema habitacional de um grupo especfico da sociedade, ou seja, os muturios do BNH?Caberia ainda questionar se haveria condies polticas para medidas nessa linha.A extino do BNH, sem qualquer tentativa de equacionamento dos problemas concretos, pareceu ser uma estratgia do governo para angariar respaldo poltico num momento em que se evidenciava o fracasso do Plano de Estabilizao Econmica e se propunham medidas econmicas corretivas extremamente impopulares.Neste sentido, o fim do BNH, instituio vista por boa parte da opinio pblica como dispendiosa, de eficincia discutvel e identificada com o regime anterior, seria a contrapartida do governo aos sacrifcios exigidos populao. Serviria como um exemplo da disposio de conter os gastos pblicos.A desativao do BNH, sem uma estratgia definida de ao, pode acarretar riscos para o desempenho futuro do poder pblico na rea habitacional. Ressaltasse que o processo de absoro dos ex-funcionrios do BNH pela Caixa Econmica Federal tem levado um nmero paulatinamente crescente de tcnicos de maior especializao a buscar outras atividades e ocupaes. A soluo institucional implementada tambm se apresenta como sem criatividade e inadequada s necessidades do setor.A incorporao das atividades do BNH Caixa Econmica Federal fez com que a questo urbana e especialmente a habitacional passasse a depender de uma instituio em que estes temas, embora importantes, so objetivos setoriais. Do mesmo modo, ainda que considerada como agncia financeira de vocao social, a Caixa possui, como natural, alguns paradigmas institucionais de um banco comercial, como a busca de equilbrio financeiro, retomada do capital aplicado, etc.Nesse contexto, toma-se muito difcil, por exemplo, dinamizar programas alternativos, voltados para os setores de menor renda e que exigem elevado grau de subsdios, envolvimento institucional, desenvolvimento de pesquisas, etc.Evidentemente, pode-se argumentar que a poltica urbana e habitacional estar a cargo do ministrio respectivo, atuando a Caixa apenas como rgo gerenciador do Sistema. Vale lembrar, entretanto, que tambm no passado recente a poltica urbana e habitacional esteve vinculada formalmente a outros rgos (Serfhau, CNDU, Ministrio do Desenvolvimento Urbano). Apesar disso, na prtica, por ter controle sobre recursos crticos, coube ao BNH definio e implementao correta da poltica. No h porque supor que, na atualidade, com a Caixa Econmica ocorra uma situao diferente. possvel que, a mdio prazo, o agravamento dos problemas urbanos e habitacionais, aliado inadequao da atual estrutura organizacional para enfrent-los, leve o governo a repensar a questo institucional. Qualquer que seja o encaminhamento futuro importante tentar resgatar a experincia institucional anteriormente adquirida, de modo que se possa partir de um patamar mais alto, sem repetir exemplos negativos do passado.Recorde-se que por ocasio da extino da Fundao da Casa Popular e criao do BNH, pouco se aproveitou do acervo acumulado durante o perodo populista.Naquela poca, tanto a dimenso quanto a importncia da FCP eram bem menores quando comparadas hoje com a do seu sucessor. Oxal nada de parecido ocorra com o esplio do BNH, entre outras razoes porque essa experincia institucional custou excessivamente caro ao pas.Este padro, que viria a se aprofundar durante o perodo do governo Collor, corresponderia, ainda, a uma conjuno de interesses entre Executivos municipais, a burocracia central e grupos privados que atuam na prestao de servios de intermediao (MELLO, 1980:461-462).