POLÍTICAS CULTURAIS: AÇÕES DE GOVERNO E CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS E IDENTIDADES URBANAS.

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1 POLÍTICAS CULTURAIS: AÇÕES DE GOVERNO E CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS E IDENTIDADES URBANAS. Cláudia Engler Cury Doutoranda da Faculdade de Educação da Unicamp/ Av. Lins de Vasconcelos, 1944 - apto.92 - Vila Mariana, São Paulo - cep. 01 538001, f (11) 549 8619, e-mail : [email protected] RESUMO: Primeiramente apresentaremos, em linhas gerais, a discussão acerca das políticas culturais através de um breve histórico da posição do Estado Brasileiro em relação à preservação do patrimônio histórico e cultural a partir de 1937 e as referências mais contemporâneas estabelecidas pela Constituição de 1988, que passaram a nortear as ações do MinC desde então. Situaremos os Museus de Bairro na cidade de São Paulo, neste contexto, apresentando suas características que apontam para uma forma específica de ação pública de valorização cultural das memórias e identidades urbanas. Por fim, indicaremos algumas questões que nos parecem significativas para se pensar a pesquisa sobre a cidade como espaço de construção de memória e identidades urbanas. PALAVRAS-CHAVE: Cidade-Memória; Museus de Bairro; Políticas Culturais. As discussões acerca das políticas públicas da cultura 1 são relativamente recentes no Brasil. Os estudos culturais como área de pesquisa começam a ganhar espaço no final dos anos setenta estendendo-se ao longo das décadas de oitenta e noventa deste século. Gradativamente questões ligadas ao processo de democratização das políticas de preservação do patrimônio cultural vêm trazendo um número cada vez maior de pesquisas envolvendo antropólogos, sociólogos, historiadores, arquitetos que pretendem compreender as chamadas ações de governo ou políticas públicas 2 com enfoque na cultura. Temos uma gama de trabalhos que pensaram as questões do patrimônio cultural no Brasil a partir da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em 1937 3 e do papel exercido pelos intelectuais na conformação daquilo que poderíamos chamar de uma política cultural . Começam a se delinear lentamente pesquisas que tentam dar conta da inter-relação entre as chamadas ações de governo e os grupos sociais envolvidos por estas ações. Como é o caso deste projeto que estamos acompanhando na cidade de São Paulo - Os Museus de Memória de Bairro ou Museus de Rua como também são chamados.. 1 Há uma considerável polêmica sobre a mais adequada denominação: políticas públicas de cultura ou simplesmente política cultural. Ver mais sobre o tema em A História da Política Cultural, Philippe Urfalino in : Para Uma História Cultural , Nova História, Estampa, 1998, Lisboa. 2 Política pública entendida a partir da relação entre Estado e sociedade portanto diferenciando-se da noção mais restrita de política estatal. 3 O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) foi criado em 1937, durante o Estado Novo, sob o comando de intelectuais envolvidos com o projeto modernista que instauraram uma política cultural para o Brasil que manteve hegemonia durante mais de trinta anos.

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RESUMO: Primeiramente apresentaremos, em linhas gerais, a discussão acerca das políticas culturais através de umbreve histórico da posição do Estado Brasileiro em relação à preservação do patrimônio histórico e cultural a partir de1937 e as referências mais contemporâneas estabelecidas pela Constituição de 1988, que passaram a nortear as açõesdo MinC desde então. Situaremos os Museus de Bairro na cidade de São Paulo, neste contexto, apresentando suascaracterísticas que apontam para uma forma específica de ação pública de valorização cultural das memórias eidentidades urbanas. Por fim, indicaremos algumas questões que nos parecem significativas para se pensar a pesquisasobre a cidade como espaço de construção de memória e identidades urbanas.

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POLÍTICAS CULTURAIS: AÇÕES DE GOVERNO E CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS E IDENTIDADES URBANAS.

Cláudia Engler Cury

Doutoranda da Faculdade de Educação da Unicamp/ Av. Lins de Vasconcelos, 1944 - apto.92 - Vila Mariana, São Paulo - cep. 01 538001, f (11) 549 8619, e-mail : [email protected] RESUMO: Primeiramente apresentaremos, em linhas gerais, a discussão acerca das políticas culturais através de um breve histórico da posição do Estado Brasileiro em relação à preservação do patrimônio histórico e cultural a partir de 1937 e as referências mais contemporâneas estabelecidas pela Constituição de 1988, que passaram a nortear as ações do MinC desde então. Situaremos os Museus de Bairro na cidade de São Paulo, neste contexto, apresentando suas características que apontam para uma forma específica de ação pública de valorização cultural das memórias e identidades urbanas. Por fim, indicaremos algumas questões que nos parecem significativas para se pensar a pesquisa sobre a cidade como espaço de construção de memória e identidades urbanas. PALAVRAS-CHAVE: Cidade-Memória; Museus de Bairro; Políticas Culturais.

As discussões acerca das políticas públicas da cultura1 são relativamente recentes no

Brasil. Os estudos culturais como área de pesquisa começam a ganhar espaço no final dos anos

setenta estendendo-se ao longo das décadas de oitenta e noventa deste século. Gradativamente

questões ligadas ao processo de democratização das políticas de preservação do patrimônio

cultural vêm trazendo um número cada vez maior de pesquisas envolvendo antropólogos,

sociólogos, historiadores, arquitetos que pretendem compreender as chamadas ações de governo

ou políticas públicas2 com enfoque na cultura. Temos uma gama de trabalhos que pensaram as

questões do patrimônio cultural no Brasil a partir da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN) em 19373 e do papel exercido pelos intelectuais na conformação

daquilo que poderíamos chamar de uma política cultural. Começam a se delinear lentamente

pesquisas que tentam dar conta da inter-relação entre as chamadas ações de governo e os grupos

sociais envolvidos por estas ações. Como é o caso deste projeto que estamos acompanhando na

cidade de São Paulo - Os Museus de Memória de Bairro ou Museus de Rua como também são

chamados..

1 Há uma considerável polêmica sobre a mais adequada denominação: políticas públicas de cultura ou simplesmente política cultural. Ver mais sobre o tema em A História da Política Cultural, Philippe Urfalino in : Para Uma História Cultural , Nova História, Estampa, 1998, Lisboa. 2 Política pública entendida a partir da relação entre Estado e sociedade portanto diferenciando-se da noção mais restrita de política estatal. 3 O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) foi criado em 1937, durante o Estado Novo, sob o comando de intelectuais envolvidos com o projeto modernista que instauraram uma política cultural para o Brasil que manteve hegemonia durante mais de trinta anos.

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Tomaremos como referência inicial, a título de localização do tema - política cultural -

dois trabalhos que discutem a trajetória da política federal de preservação do patrimônio no Brasil.

O Patrimônio em Processo4 de Maria Cecília Londres Fonseca e, A Retórica da Perda de

Reginaldo Santos Gonçalves.5 Os dois autores concordam que há dois momentos que podem ser

destacados pelo papel fundamental exercido pelos intelectuais na trajetória da política oficial de

patrimônio cultural no Brasil. Um primeiro momento chamado de fundador localizado no final

dos anos trinta, neste período os intelectuais contaram com franca autonomia e hegemonia apesar

de inseridos em um regime de perfil autoritário - o Estado Novo. Um segundo momento chamado

de renovador localizado na segunda metade da década de setenta e início dos anos oitenta deste

século. Nesta fase os intelectuais que estavam na direção do SPHAN tiveram que enfrentar o

processo de redemocratização do país e as várias demandas exigidas pela sociedade

Os autores indicam também, uma estreita relação entre a formação dos Estados Modernos

e uma preocupação com os patrimônios históricos culturais firmando manifestações e símbolos

de caráter nacional em espaço público. Como afirma FONSECA (1997: 11)

“ Nesse sentido, as políticas de preservação se propõem a atuar, basicamente, no nível

simbólico, tendo como objetivo reforçar uma identidade coletiva, a educação e a

formação de cidadãos. Esse é, pelo menos, o discurso que costuma justificar a

constituição desses patrimônios e o desenvolvimento de políticas públicas de

preservação.”

O texto de Reginaldo trata dos discursos do patrimônio cultural no Brasil elaborados

pelos intelectuais que estiveram à frente da implementação de políticas oficiais ligadas à

preservação de patrimônio histórico cultural neste país, especificamente da década de 30 até os

anos oitenta deste século. Interessante salientar que neste texto o autor mapeia a “invenção”da

noção de patrimônio histórico e procura demonstrar como os discursos instauradores estão

pautados por uma idéia de perda de bens culturais. E ainda, que se tem a intenção de produzir

falas que recuperem algo que, na visão destes intelectuais, a nação estaria perdendo por

4 FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro; Ed. UFRJ:IPHAN:1997. 5 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda : os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro; Ed. UFRJ:Ministério da Cultura : IPHAN : 1996.

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desvalorizá-lo - o “seu” patrimônio cultural. Nação e identidade nacional são categorias

recorrentes nos discursos e ações oficiais com ênfase em seu caráter homogeneizador. Como nos

alerta GONÇALVES ( 1996:33 )

“ Nesse sentido, as narrativas nacionais sobre o patrimônio não apenas ilustram a

existência da nação enquanto uma busca por uma identidade cultural original e

contínua apesar de ameaçada, mas ‘são’ essa busca. O patrimônio é concebido, numa

relação metonímica, como sendo a própria realidade que ele expresa. Desse modo,

preservar o patrimônio é preservar a nação. As ameaças ao patrimônio são ameaças à

própria existência da nação como uma entidade presente, auto-idêntica, dotada de

fronteiras bem delimitadas no tempo e no espaço.”

A bibliografia examinada até o momento destaca o papel do Estado como guardião e

agente do processo de criação da cultura e responsável por uma espécie de ação de caráter

pedagógico no que se refere aos valores culturais que deveriam ser valorados pela sociedade

como um todo. Vejamos por exemplo, este fragmento da Mensagem apresentada ao Congresso

Nacional pelo Presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas6, na abertura da sessão

legislativa/1952, por considerá-la significativa na explicitação do que indiquei anteriormente:

“ A união íntima e profunda entre a cultura e a política é uma condição imprescindível

do progresso social. Pois, se é a cultura que estabelece o contato entre a política e a vida, entre

os homens de Estado e as realidades sociais que eles se propôem satisfazer, por outro lado, é a

política, são as instituições e os atos de governo que criam o ambiente indispensável às

expansões da cultura e permitem a livre eclosão das forças sociais, criadoras de valores

espirituais e morais. Onde não existe essa cooperação, esa harmonia entre o Estado e a

cultura, não pode haver vitalidade no Estado nem progresso na civilização.(...) Por isso

mesmo, tudo o que criamos, nas letras, nas artes, nas ciências, na política, tem um fim social e

uma causa social: e tanto por esta como por aquele, penetramos no campo da ordem política,

6 MEC/INEP. A Educação nas mensagens presidenciais: no período de 1890-1986.V.1, Brasília, DF: INEP.2v.249. Não podemos esquecer que foi com o governo Vargas que se criou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - 1937- na vigência do Estado-Novo nas mãos dos intelectuais comprometidos com o projeto modernista

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que não pode divorciar-se da cultura, mas tem o dever de ampará-la de todos os modos,

proporcionando-lhe os meios eficazes de desenvolvimento. “

No decorrer dos anos oitenta, período de redemocratização do país, as categorias de

referência para as ações de governo na área cultural começam a ser repensadas. A Constituição

de 1988 traz uma terminologia que amplia, por exemplo, a concepção de patrimônio histórico e

artístico que permaceu desde a legislação de 1937 muito concentrada no patrimônio edificado

passando então, a ser chamado de patrimônio cultural. A Constituição considera os diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira e incorpora as formas de expressão como parte do

patrimônio cultural, bem como, a memória dos grupos. Cito o texto constitucional no seu artigo

216, Seção II - DA CULTURA :

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade , à ação, à

memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem :

I- as formas de expressão,

II- os modos de criar, fazer e viver,

III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas,

IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico

Analisando alguns “documentos oficiais” identificamos um dos braços de orientação das

políticas culturais do MinC (Ministério da Cultura) a chamada Educação Patrimonial incluída no

ítem Parcerias e Premiação do IFHAN ( Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

De acordo com o organograma do Ministério podemos dizer que o IFHAN concentra as ações de

formulação da política cultural atuando conjuntamente com a Secretaria do Patrimônio, Museus e

Artes Plásticas. O IFHAN conta com catorze Superintendências Regionais que atuam em todo

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Brasil. Segundo o texto do Ministério, estas Superintendências Regionais seriam responsáveis por

fazer a ponte entre a instância federal e as instituições e comunidades locais.

A implantação de um Programa de Educação Patrimonial passou a ser prioridade para o

IFHAN a partir de 1997. Cito texto de criação deste fórum fornecido pelo MinC :

“ O grupo de técnicos do IPHAN reunidos em Brasília no período de 6 a 8 de maio de

1997, a convite da Coordenação de Intercâmbio do DEPROM, para discutir assuntos relativos à

Educação Patrimonial, apresenta as seguintes recomendações e considerações:

Considerando que a preservação do patrimônio cultural não constitui um fim em si

mesma mas uma garantia do direito à memória individual e coletiva, elemento fundamental do

xercício da cidadania. (...)” O texto prossegue e recomenda em linhas gerais, o seguinte :

• Haja uma efetiva implementação deste programa buscando-se meios e recursos para isso.

• Montagem de um Guia Básico de Educação Patrimonial que propõe o conteúdo do mesmo

da seguinte forma :

Princípios e objetivos da Educação Patrimonial

1. Critérios

2. Objetivos

3. Estratégias de Ação

4. Estudos de Caso

5. Inserção no Currículo

6. Bibliografia

• Que o Deprom ( Departamento de Promoção que faz parte da diretoria do Ifhan) indique a

formulação de ações de educação patrimonial tendo como referência o Guia Básico.

• Ao Deprom caberá também fazer um levantamento de projetos nesta área tendo como

objetivo a criação de um banco de dados sobre projetos e bibliográfico. O Deprom ficará

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responsável também pela assessoria técnica e difusão das ações para as demais unidades e

braços do IFHAN.

Estamos verificando como no caso do Município de São Paulo 7 esta vertente da

Educação Patrimonial tem se desenvolvido. Sabemos por exemplo que, o Projeto de Memória

dos Bairros Mais Antigos de São Paulo está incluído entre as preocupações da Educação

Patrimonial e esta foi uma das razões que nos levou a selecioná-lo como ponto de partida para

o trabalho de campo e desta forma estamos realizando uma análise mais detalhada deste

projeto.8Nos parece que o acompanhamento deste projeto atenderia algumas das aspirações

desta pesquisa. Uma delas, percorrrer outras formas de concepção de patrimônio cultural a partir

de 1988; articular instâncias de ações de governo ( federal, estadual e municipal ) no que diz

respeito a política cultural; questões ligadas a constituição de memórias e identidades urbanas e

finalmente interferências ou não, da população neste universo de constituição de sua memória e

identidade urbana.9

Em que consiste o projeto de Museu de Bairro :

Trata-se de uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo10em “convocar” a

população dos mais bairros mais antigos da cidade a contarem a sua história. Depois dessa

coleta inicial organiza-se o material que será exposto em alguma praça do bairro ou área de

circulação dos moradores, através de painéis fixos ao chão com reproduções de fotografias,

7 A prefeitura de São Paulo possui um órgão específico para tratar da questão da preservação - o CONPRESP ( Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo). Lendo o texto apresentado pelo MinC em sua homepage sobre tombamento e patrimônio ficamos sabendo que o texto do Ministério é uma versão reduzida do texto municipal sobre o mesmo tema ( a referência de fonte é fornecida pelo próprio MinC). 8 No atual estágio da pesquisa de campo tenho mantido um foco mais apurado sobre os trabalhos que envolvem os Museus de Bairro mas já localizamos outras formas de intervenção do Estado no espaço público . Como é o caso do projeto denominado Reservatório Cultural : “ O Reservatório Cultural é uma iniciativa do Governo do Estado, que com a participação das Secretarias de recursos Hídricos Saneamento e Obras, Cultura e esportes está transformando a área doas reservatórios da Sabesp em espaços culturais abertos à população. Pintura, desenho, música, teatro e diversas atividades esportivas e de lazer, além de bibliotecas permanentes com espaço para leitura ao ar livre. As atividades, totalmente gratuitas, já estão acontecendo nos reservatórios da Vila Mariana, do Araçá e da Vila Mascote. Agora é a vez da Freguesia do Ó ter o seu Reservatório Cultural “(material distribuído durante a visita que fizemos ao Reservatório da Freguesia do Ó em maio de 2000) 9 Uma das possibilidades de apreensão da leitura que os moradores dos bairros, cuja memória se pretende construir, pode estar sendo (re)elaborada no espaço escolar. Por isso, nos interessa saber se as escolas locais estão ou não, se apropriando deste material para desenvolver trabalhos de história local, por exemplo. 10 Secretário de Estado da Cultura - Marcos Mendonça; governador Mario Covas.

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documentos e depoimentos de moradores. Até o momento foram os bairros do Cambuci,

Pinheiros, Pompéia, Freguesia do Ó e Santana os selecionados para “ganhar” o Museu de Rua.

Uma das dificuldades enfrentadas pelo projeto depois de pronto e exposto durante algum

tempo para a população local é : O quê fazer com os painéis? Na entrevista realizada com a

diretora do DEMA ( Departamento de Museus e Arquivos do Estado de São Paulo ) senhora

Marilda Suyama Tegg responsável pela viabilização dos Museus de Rua lamentou a falta de

interesse da população local, em ficar com o material que seria disponibilizado pela Secretaria de

Cultura. Sabemos que no caso do Museu de Santana o material estava circulando pelas escolas

públicas do bairro. Importante salientar que este projeto foi terceirizado pela Secretaria de

Cultura e entregue as cuidados e coordenação do arquiteto e museólogo Júlio Abe Wakahara. O

quê pode indicar uma certa desresponsabilização por parte do Estado com relação à cultura ou

um alinhamento com a política federal com relação à concepção do papel do Estado.11

“Ao convidar a população para relatar suas memórias e abrir velhos baús e álbuns de

fotografia, cria-se um importante processo de reflexão e discussão da importância da

preservação do patrimônio hist órico da cidade. Inspirado em iniciativas de décadas

passadas, o Museu de Bairro Itinerante pretende estabelecer vínculos com a comunidade à

qual se refere.” ( Marcos Mendonça - Secretariode Cultura do Estado de São Paulo )12

A inspiração de décadas passadas, como mencionou o senhor secretário de cultura,

vincula-se entre outras iniciativas ao fato que, o município de São Paulo in stituiu desde 1965 uma

premiação para Monografias sobre a História dos Bairros de São Paulo ( Lei n. 8248, de 7 de maio

de 1965) promovido pela divisão do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura.

Prêmio mantido ao longo de todos estes anos contando até o momento, com vinte e nove

monografias publicadas.13A comparação desta produção com os Museus de Rua será objeto de

11 Segunda a diretora do DEMA trata-se de falta de verba para contratação de pessoal (...) 12 Revista Cultural, Ano II - n. 13 - Maio/2000 - Publicação Mensal da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo. 13 Nos volumes publicados há definições sobre a noção de bairro. Selecionei uma destas definições que tem um caráter de exaltação do papel dos bairros na formação da grande cidade futura e que é recorrente nos outros volumes da coleção : “ Por isso, o fenômeno da abairramento tardou em alcançar o mecanismo da instituição político-administrativa, desnvolvida na plenitude da ação de sues habitantes.Conferida essa liberdade ao povoador ela mesma acabaria por ser a coadjutora da formação jurídica da municipalidade. O bairro, consequentemente, não seria, o mero somatório de indivíduos reunidos num conjunto numérico de moradias, ou então sujeitos às condições tópicas de vida num ou noutro local. Ele teve por base real o grupalismo social, adstrito a posição geográfica, à categoria laboriosa dos seus constituintes e ao

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análise de nossa parte, na medida em que, em ambos os casos trata-se de iniciativas de governo

com o objetivo de elaborar memórias sobre os bairros e cujos “agentes” desta produção são os

próprios moradores dos bairros14 em questão.

Cidade-Memória :

A possibilidade de compreender as várias leituras que os moradores de uma cidade fazem

dela, a partir do narrar a cidade, torna a área de contato entre memória e história um desafio para

o historiador . O texto - Imagens de São Paulo : Estética e Cidadania15 articula as relações entre

as imagens da cidade e seus vestígios materiais e nos auxilia na tarefa de enfrentar este desafio :

“ As cidades trazem em si camadas superpostas de resíduos materias : elementos da

arquitetura, recorte das ruas ou monumnetos. Poucas vezes mantidos em sua integridade,

sobrevivem na forma da fragmentos, resíduos de outros tempos, suportes materiais da

memória, marcas do passado inscritas no presente. Configuram em sua singularidade uma

marca, uma imagem da cidade. (...) É esse vínculo que nos interessa aqui perseguir. Vínculo

que forma a identidade urbana e pelo qual os homens se reconhecem em sua natureza ‘política’

( no sentido de viver em conjunto ). Vínculo que resiste, quase escapa, a análise de tipo

racional, e que na forma de comunicação simbólica recorta na cidade lugares singulares,

lugares dos habitantes, não coincidentes com as divisões geográficas ou adminsitrativas, algo

mais próximo da verossimilhança, aparentado portanto a uma lógica de opinião.”

(BRESCIANI:1996)

A(s) memória(s) sobre as cidades se constrói e (re)constrói no interior de um processo

dinâmico que move os indivíduos em um universo alimentado pelas relações afetivas, de trabalho,

correspondente viço e vigor econômicos. “ ATHAYDE JORGE, Clóvis de. Santa Efigênia - História dos Bairros de São Paulo: SP, DPH/Arquivo Histórico Municipal “ Washington Luís “, vol. 23, 1985. 14 Raquel Rolnik faz uma interessante discussão sobre a conformação dos bairros na história da urbanização de São Paulo em A Cidade e a Lei. São Paulo, Studio Nobel: Fapesp, 1997. 15 BRESCIANI,Maria Stella. Imagens de São Paulo : Texto da conferência de abertura do XIII Encontro da Anpuh - São Paulo, setembro de 1996 (mimeo).

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de lazer e de sensibilidades das mais diversas ordens.16A memória das cidades apreendida através

do olhar de seus moradores relaciona-se com um movimento de construção e (re)construção das

identidades urbanas que os sujeitos vão engendrando ao longo de sua história como moradores

de um bairro ou uma cidade. Os estudos históricos sobre cidades têm procurado problematizá-las

numa infinidade de possibilidades que discutem as tensões no interior do tecido urbano, as

representações sobre a relação tempo/espaço, os dicursos que condicionam, criam e recriam as

práticas sociais, as lacunas e vazios que também engendram universos simbólicos de convivência

social. Destacaria no conjunto de estudos sobre cidades aqueles, entre os quais pretendemos nos

situar, que levam em consideração a multiplicidade de leituras e tensões que o tecido urbano

proporciona aos seus habitantes seja, através dos discursos e ações oficiais implementadas pelo

Estado em nível municipal, estadual e federal seja, nas inúmeras interpretações e reinterpretações

que os moradores de uma cidade fazem no seu viver cotidiano especialmente no que diz respeito

as práticas sociais ligadas ao universo cultural - tema de invetigação deste trabalho de pesquisa.

Como salientou Antonio Augusto Arantes em livro recentemente lançado :

“ Os habitantes da cidade deslocam-se e situam-se no espaço urbano. Nesse espaço

comum, que é cotidianamente trilhado, vão sendo construídas coletivamente as fronteiras

simbólicas que separam, aproximam, nivelam, hierarquizam ou, numa palavra, ordenam as

categorias e os grupos sociais em suas mútuas relações. Por esse processo, ruas, praças e

monumentos transformam-se em suportes físicos de significações e lembranças

compartilhadas, que passam a fazer parte da experiência ao se transformarem em balizas

reconhecidas de identidades, fronteiras de diferença cultural e marcos de ‘pertencimento’ (...)”

17

Tomamos como referencial cronológico a década de oitenta com o “novo” texto

constitucional e, para análise em São Paulo, a administração de Luiza Erundina na prefeitura da

cidade, por ter sido uma gestão na qual uma das prioridades de campanha e depois de governo foi

.16 Uma das primeiras formas de problemtaização da cidade engendrada no final do século XIX refere-se à construção de concepções urbanísticas que estavam articuladas com projetos de modernização da malha urbana e de higienização das cidades.

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a cultura. Durante este período sob a orientação da Secretária de Cultura, Marilena Chauí,

estabeleceu-se um fórum de debate denominado Congresso Internacional Patrimônio Histórico e

Cidadania promovido pelo Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de

Cultura de São Paulo, entre os dias 11 e 16 de agosto de 1991. Segundo palavras de - Maria

Clementina Pereira da Cunha - organizadora do volume de textos resultante dos debates

empreendidos durante o Congresso; o slogan do cartaz do evento - O direito á memória - logo

transformou-se em objeto de debate entre os especilaistas presentes.

Tendo como parâmetro que, pelo menos com relação aos discursos institucionais, a

memória é vista como um direito dos cidadãos selecionamos como um dos eixos norteadores

desta pesquisa a compreensão das apropriações que a sociedade faz dos chamados “bens

culturais” através da construção da memória de um dos espaços cotidianos de viver - o bairro.

Na cidade de Sâo Paulo como em tantas outras cidades deste país, o bairro tem indicado

um lugar de pertencimento e de construção de identidade urbana bastante sigin ificativo, na

medidia em que, recorta na imensa malha urbana micro/macro universos de

sobrevivência/convivência social e portanto, de universos simbólicos.18 A pesquisa encontra-se

em andamento e pretende dirigir-se agora ao acompanhamento de todo o processo que envolve a

escolha, coleta de objetos, seleção de imagens e exposição do Museu de Bairro em São Paulo.

Esperamos encontrar outros pesquisadores envolvidos com o tema A História Da Cidade Como

Palco de Intervenções para que possamos estabelecer um diálogo que nos auxilie em nossa tarefa

de pesquisadores.

17 ARANTES NETO, Antonio Augusto. Paisagens Paulistanas : transformações do espaço público. Campinas, Editora da Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficial, 2000 ( p.p. 106) 18 Nos grandes centros urbanos a pergunta sobre em qual bairro as pessoas moram é quase imediata como indicador de uma série de informações, entre elas, a do lugar sócio-econômico; proximidade de áreas de lazer; qualidade de vida e outras. Em São Paulo pertencer aos bairros mais antigos da cidade indica também espaços de agrupamentos migratórios/imigratórios e conhecimento de uma parte da história da cidade que é compartilhada por aqueles que ali estão desde os primórdios da criação do bairro.