Políticas de Acesso Da Educação Superior - Concepções e Desafios

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  • 8/15/2019 Políticas de Acesso Da Educação Superior - Concepções e Desafios

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    MECMinistério da Educação

    INEPInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

    Brasília-DF2006

    Políticas de Acesso e Expansão da Educação Superior:concepções e desafios

    João Ferreira de Oliveira *Luiz Fernandes Dourado **Nelson Cardoso Amaral ***

    Sabrina Moehlecke **** Afrânio Mendes Catani *****

    *Doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP); professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal deGoiás (UFG) e diretor da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Seção Goiás.**Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); professor titular da Faculdade de Educação daUniversidade Federal de Goiás (FE/UFG); coordenador do Projeto Integrado de Pesquisa “Políticas de Expansão e Interiorização daEducação Superior em Goiás nos Anos 90”; pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq); ex-coordenador geral de Estatísticas Especiais do Inep e ex-diretor de Projetos Educacionais da Secretaria de EducaçãoBásica do Ministério da Educação (SEB/MEC).

    ***Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep); professor da Universidade Federal de Goiás (UFGO).****Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

    *****Doutor em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP);professor doutor dessa Faculdade e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da U SP.

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    COORDENADORA-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES (CGLEP)Lia Scholze

    COORDENADORA DE PRODUÇÃO EDITORIALRosa dos Anjos Oliveira

    COORDENADORA DE PROGRAMAÇÃO VISUAL

    Márcia Terezinha dos ReisEDITOR EXECUTIVOJair Santana Moraes

    REVISÃOAntonio Bezerra FilhoEveline de AssisMarluce Moreira SalgadoRosa dos Anjos Oliveira

    NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICARegina Helena Azevedo de Mello

    DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINALLuana da Silva CorrêaTIRAGEM1.000 exemplares

    EDITORIAInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]

    DISTRIBUIÇÃOInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFone: (61) [email protected]://www.inep.gov.br/publicacoes

    A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusiva responsabilidade dos autores.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

    Políticas de acesso e expansão da educação superior : concepções e desafios / João Ferreira de Oliveira ...[et al.]. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.

    71 p. : il. – (Série Documental. Textos para Discussão, ISSN 1414-0640 ; 23)

    1. Educação superior. 2. Financiamento da educação. 3. Expansão do ensino. I. Oliveira, João Ferreira de.II. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira III. Série.

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    SUMÁRIO

    Políticas de Acesso e Expansão da Educação Superior: concepções e desafios

    APRESENTAÇÃO..................................................................................................................................... 5

    1. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA POLÍTICA PARA AS INSTITUIÇÕESFEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR (Ifes)

    Introdução .................................................................................................................................. 7

    Parte 1 – O papel, o financiamento e a autonomia das Ifes: tensões,condicionantes e desafios .................................................................................... 91.1 Tensões históricas e contemporâneas na consitituição da natureza e na definição do papel das Ifes........................................................................... 91.2 Metamorfose e identidades institucionais em construção .................................. 141.3 A expansão do ensino superior e os limites impostos pela desigualdade social 161.4 O desafio do financiamento das Ifes ................................................................... 201.5 A função do Estado na educação superior e a autonomia universitária ............. 211.6 O financiamento das Ifes no período 1989-2002 ................................................ 28

    Parte 2 – Bases para a definição de diretrizes e ações ..................................................... 372.1 Questões e definições fundamentais .................................................................. 372.2 Um programa emergencial.................................................................................. 372.3 A autonomia universitária e a definição de um sistema de financiamento

    estável e permanente ......................................................................................... 382.3.1 Parâmetros para a distribuição de recursos entre as Ifes......................... 39

    2.4 O financiamento e a expansão das atividades ................................................... 412.4.1 A ampliação e a consolidação da universidade pública noturna ............... 412.4.2 A expansão da interiorização .................................................................... 42

    2.4.3 O ensino a distância e a formação de professores ................................... 422.4.4 A ampliação da base de produção do conhecimento no País ................... 432.4.5 A colaboração interativa por meio da extensão universitária ..................... 432.4.6 A interação universidade-empresa ............................................................ 44

    2.5 Os compromissos governamentais e o papel das universidades federais ........ 44

    Referências bibliográficas ......................................................................................................... 46

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    2. REFORMA E EXPANSÃO DO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR:BALANÇO E PROPOSIÇÕES.......................................................................................................... 49

    Introdução ........................................................................................................................... 49

    Demografia do ensino superior brasileiro ............................................................................ 50

    Propostas de reforma do ensino superior brasileiro............................................................ 53

    Experiências e alternativas: avanços e limites ................................................................... 55

    Cursinhos ................................................................................................................. 55Novos sistemas de ingresso .................................................................................. 56Interiorização............................................................................................................ 57Diversificação dos cursos ....................................................................................... 57Ensino noturno ......................................................................................................... 58Licenciaturas ............................................................................................................ 59Novas formas de financiamento............................................................................... 59

    Rumos e proposições ......................................................................................................... 60

    Referências bibliográficas ................................................................................................... 63

    Anexo: Tabelas .................................................................................................................... 65

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    O tema deste número traz para o debate dois artigos relacionados à reforma universitária deconceituados autores.

    No primeiro, “Desafios e perspectivas de uma política para as Instituições Federais de EnsinoSuperior (Ifes)”, João Ferreira de Oliveira, Luiz Fernandes Dourado e Nelson Cardoso Amaral ressaltamas distintas concepções sobre o papel e o financiamento da educação superior no Brasil. O objetivodos autores é

    [...] contribuir com o debate acerca de temas extremamente pertinentes à reforma da educaçãosuperior, a partir da análise de alguns dos condicionantes e das tensões presentes na definição

    do papel, do financiamento e da autonomia das Ifes; [...] [e] apresentar as bases, diretrizes eações de uma política para elas, considerando o atual estado dessas instituições, os desafioscontemporâneos da sociedade brasileira e as perspectivas existentes em termos de definiçõese tomada de posição político-acadêmica.

    Os autores consideram que a implementação de perspectivas promissoras para as Ifes,entendidas como instituição social, passam por mudanças no padrão de financiamento atual, pelaefetiva autonomia, pela desmercantilização institucional e pelo estabelecimento de processos de gestãoinstitucionais.

    Sabrina Moehlecke e Afrânio Mendes Catani, com o artigo “Reforma e expansão do acessoao ensino superior: balanço e proposições”, analisam as políticas de expansão para a educação superiorno País. Para os autores, o processo de privatização, diversificação e diferenciação desse nível deensino e a conseqüente “desresponsabilização do Estado” pelo financiamento das instituições públicasdentro do “projeto de expansão do ensino superior, ainda que permeado por confrontos e movimentosde resistência [...], foi bem-sucedido”, resultando em crise financeira nas instituições públicas eproliferação descontrolada de cursos e instituições privadas.

    Oroslinda Maria Taranto GoulartDiretora de Tratamento e Disseminação de Informações Educacionais

    APRESENTAÇÃO

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    1 Entre os documentos destacam-se: La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiencia , do Banco Mundial (Bird,1995);Documento de Política para a Mudança e o Desenvolvimento na Educação Superior , da Unesco (1995) e Anais da ConferênciaMundial sobre o Ensino Superior – Paris, 5 a 9 de outubro de 1998. (Unesco, Crub, 1999).

    Desafios e Perspectivas de uma Política para asInstituições Federais de Ensino Superior (Ifes)

    João Ferreira de OliveiraLuiz Fernandes DouradoNelson Cardoso Amaral

    INTRODUÇÃOO Grupo Assessor em Educação, do

    diretor geral da Unesco, integrado porespecialistas das diversas regiões do mundo,identificou, em 1995, grandes temas de debatesobre a educação superior, no final do século20. Os tópicos levantados pelo Grupo Assessorforam os seguintes: o papel das ciênciashumanas na discussão dos rumos da sociedade;integração entre o ensino e a pesquisa; democra-tização; qualidade; diversificação; relações como setor produtivo; educação continuada;independência intelectual e liberdade acadêmica;impactos da “globalização”; financiamento e anecessidade de abordá-lo com profundidade,devido ao fato de ele estar cada vez maiscomprimido em muitos países etc. (Bernheim,1995, p. 124-125).

    Estudos que analisaram a situação doensino superior no mundo fizeram críticas eapresentaram as perspectivas para o futuro

    desse nível de ensino.1

    As principais críticas e/ ou preocupações presentes nesses e em outrostextos internacionais (Udual, 1995) relacionam-se aos seguintes aspectos das instituições deensino superior: baixa relação aluno/professornas universidades públicas; subutilização dasinstalações físicas e das habilidades dosdocentes; duplicações desnecessárias deprogramas e carreiras; altas taxas de evasão;altas taxas de repetência; excessiva soma de

    recursos destinados à residência estudantil,restaurantes, bolsas, subsídios, etc.; objetivosque não concordam com as expectativas dasociedade; formação de profissionais nemsempre requeridos pelo mercado de trabalho;desenvolvimento de ações restritas a uma sóparte da população; orientação basicamenteintelectualizada e superespecializada; ênfase noacadêmico e não na redução do isolamento comrelação à sociedade e à vida; atuação quelegitima a estratificação social existente; açãoburocrática, autoritária e repressiva; passividadedo estudante e ação unidirecional por parte dosprofessores, que centram o ensino na infor-mação, na memorização, no conformismo e nahomogeneidade, e não na crítica, na inovação ena criatividade; uso de tecnologia atrasada emcomparação com a indústria; custos financeiroselevados e crescentes; ações escassas paradesenvolver a consciência social e o espírito desolidariedade humana.

    Muitos desses temas apresentados peloGrupo Assessor da Unesco quanto às críticas/ preocupações presentes em diversos textosforam objeto de estudos e debates no interior dasinstituições universitárias e na sociedadebrasileira, na última década. Debateu-se sobreas normas que devem reger a autonomiauniversitária, refletiu-se sobre a estruturaorganizacional das instituições e sua interaçãocom a sociedade, especulou-se a respeito dasfontes que podem financiar as suas atividades e

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    PARTE I

    O PAPEL, O FINANCIAMENTO E AUTONOMIA DAS IFES:TENSÕES, CONDICIONANTES E DESAFIOS

    1.1 Tensões históricas e contemporâneas naconstituição da natureza e na definiçãodo papel das Ifes

    Ao longo da história, as instituições deensino superior têm se mostrado, em grandeparte, refratárias às pressões externas e resistemàs transformações radicais que as façam sofrermudanças bruscas. É natural que elas se com-portem dessa maneira pela perenidade de suasatividades, pelo importante papel de promotorasdo conhecimento novo, pela diversidade epluralidade de pensamento existente em seuinterior e pelo imprescindível ambiente deliberdade intelectual que deve permear o processode produção do trabalho acadêmico. Entretanto,as atividades que a sociedade exige que asuniversidades desenvolvam vêm sendo alteradasao longo do tempo, significando, quase sempre, aexpansão das funções e a modificação do jeitode ser e de agir dessas instituições.

    Assim, as funções perenes das univer-sidades, até a década de 1960, seriam:“transmissão da cultura; ensino de profissões;investigação científica e educação dos novoshomens de ciência”. A partir do final da décadade 60, os “três fins principais da universidadepassaram a ser a investigação, o ensino e aprestação de serviços”. Em 1987, a OCDEdetectou uma grande explosão de atividades nasuniversidades (Santos, 1999, p. 188-189):

    [...] educação geral pós-secundária;investigação; fornecimento de mão-de-obraqualificada; educação e treinamentoaltamente especializados; fortalecimento dacompetitividade da economia; mecanismode seleção para empregos de alto nívelatravés da credencialização; mobilidadesocial para os filhos e filhas das famíliasoperárias; prestação de serviços à região eà comunidade local; paradigmas deaplicação de políticas nacionais (ex.

    igualdade de oportunidades para mulherese minorias raciais); preparação para ospapéis de liderança social.

    Essa explosão de atividades provocouuma maior interação das instituições com os maisdiversos organismos presentes na sociedade,propiciando uma oportunidade de intervençãodireta nos problemas sociais, científicos,econômicos e culturais dos países. Por outro lado,

    gerenciar os muitos e intensos conflitos queadvêm do desenvolvimento simultâneo de todasessas funções e envolvimentos passaram a serum desafio institucional, por gerar dúvidas,angústias e indefinições quanto ao papel dasinstituições em cada um de seus aspectos epossibilidades. Esse espectro tão amplo deatividades provocou ainda a imputação àsinstituições de ensino superior de um papel eresponsabilidade perante as nações que vão alémde suas condições de intervenção. Exem-

    plificamos essa extrapolação, no caso do Brasil,com a constante cobrança feita por alguns setoresda sociedade de que cabe à universidadebrasileira apresentar soluções para os maisdiversos problemas sociais existentes no Brasil.

    Como as atividades das instituiçõesestatais são financiadas com recursos do fundopúblico,2 há uma pressão de setores dasociedade no sentido de verificar se osinvestimentos são economicamente viáveis.Instala-se, então, o debate entre a função utilitarista(Chauí, 1999, p. 6) das instituições e a sua funçãocultural (Conceição et al., 1998, p. iii).

    A Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (LDB – Lei nº 9.394/96) em seu artigo43 estabelece as finalidades da educação superiorbrasileira para todas as instituições, seja públicaou privada, seja universidade ou faculdadeisolada, o que evidencia a amplitude do papel dasInstituições de Ensino Superior (IES):

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    O fundo público de um país reúne os recursos financeiros colocados à disposição dos seus dirigentes – Poderes Executivo eLegislativo – para implantarem políticas públicas.

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    a) estimular a criação cultural e o desenvol-vimento do espírito científico e dopensamento reflexivo;

    b) formar diplomados nas diferentes áreasde conhecimento, aptos para a inserçãoem setores profissionais e para aparticipação no desenvolvimento dasociedade brasileira, e colaborar na suaformação contínua;

    c) incentivar o trabalho de pesquisa einvestigação científica, visando aodesenvolvimento da ciência e da tecnologiae da criação e difusão da cultura, e, dessemodo, desenvolver o entendimento dohomem e do meio em que vive;

    d) promover a divulgação de conhecimentosculturais, científicos e técnicos queconstituem patrimônio da humanidade ecomunicar o saber através do ensino, depublicações ou de outras formas decomunicação;

    e) suscitar o desejo permanente deaperfeiçoamento cultural e profissional epossibilitar a correspondente con-cretização, integrando os conhecimentosque vão sendo adquiridos numa estruturaintelectual sistematizadora do conhe-cimento de cada geração;

    f) estimular o conhecimento dos problemasdo mundo presente, em particular osnacionais e regionais, prestar serviçosespecializados à comunidade e estabelecercom esta uma relação de reciprocidade;

    g) promover a extensão, aberta à participaçãoda população, visando à difusão dasconquistas e dos benefícios resultantes dacriação cultural e da pesquisa científica etecnológica geradas na instituição.

    A tensão entre aqueles setores dasociedade que valorizam mais a função utilitaristada universidade e os que reivindicam a fortepresença da função cultural resulta, ao longo dotempo, em ações concretas que levam asinstituições a afastarem-se de seu objetivo maiorde ser um lugar de “preservação do saberhumano”; um lugar de “transmissão do saber àgeração jovem”; um lugar de “acréscimo e de enri-quecimento do saber” e um lugar de “assimilação

    espiritual e da digestão intelectual do saber”(Berchem, 1990, p. 15-17), que encontram forteabrigo nas finalidades estabelecidas pela LDBpara a educação superior.

    Para cumprirem suas tarefas com êxito, ouseja, cumprirem suas finalidades culturais econseguirem amenizar as pressões imediatistas,as IES precisam gozar de ampla “autonomiaintelectual, isto é, o direito de determinar os temase os conteúdos da pesquisa e do ensino, de formaindependente, sem pressão exterior” (Berchem,1990, p. 28). Entretanto, o exercício dessaautonomia não pode se desvincular do fato dainstituição estar inserida em um país comcarências de toda ordem e nem de ter que prestarcontas de suas ações e prioridades aos órgãos

    oficiais, aos poderes instituídos constitucionalmentee nem aos mais diversos organismos constituintesda sociedade. Entretanto há que se perceber aestreita vinculação entre a autonomia intelectuale a autonomia de gestão financeira das instituições.

    A dependência do financiamento éresponsável pela existência de amarras àliberdade acadêmica das instituições. O que senota, nas instituições públicas e, portanto,financiadas com recursos do fundo público, é a“tentativa ou a tentação do controle estatal, a fim

    de obrigar a universidade a cumprir seus deverescom a sociedade” (Berchem, 1990, p. 28-29). Nasinstituições privadas, a dependência financeirarevela-se no “quase-mercado”3 educacional, pormeio das mensalidades dos estudantes e doscontratos com a iniciativa privada. Nesse caso, omercado é que tende a fazer o controle dos rumosdas atividades acadêmicas da universidade.

    Quando o financiamento com recursos dofundo público revela-se insuficiente e asinstituições públicas dirigem-se fortemente àsatividades de prestações de serviços,oferecendo cursos, assessorias e consultoriasremuneradas, elas passam, então, a enfrentardois pólos de controle: o estatal e o do mercado;cada um deles, a seu modo, influencia fortementena produção do trabalho acadêmico, o que acabapor tolher boa parte da liberdade acadêmica.

    3 “Quase -mercados são mercados porque substituem o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade de fornecedoresindependentes e competitivos. Sãoquase porque diferem dos mercados convencionais em aspectos importantes” (Afonso, 2000, p.115). Em outros termos, ocorrem diferenças no “quase-mercado” em relação ao mercado livre tanto do lado da demanda como daoferta. As características dos “serviços educacionais” ou da “mercadoria educacional” são diferentes das dos serviços e

    mercadoriastípicas. Os maiores controle e regulação do poder público sobre os “fornecedores” e os próprios “serviços” educacionaissão muito mais estritos e normatizados.

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    continuidade de recursos financeiros para amanutenção e desenvolvimento das instituições.A obrigatoriedade do financiamento público ficouestabelecida em instrumentos legais da época,sem, entretanto, definir-se concretamente como

    seria o cumprimento dessa norma em termos deautonomia universitária, o que as tornou, desdede a sua origem, bastante dependentes do Estado.

    A situação hoje não é muito diferente; asinstituições não possuem patrimônio e fundosque gerem recursos financeiros relevantes,quando comparados com os seus orçamentos.A LDB também estabeleceu, em seu artigo 55,que “Caberá à União assegurar, anualmente, emseu Orçamento Geral, recursos suficientes paramanutenção e desenvolvimento das instituiçõesde educação superior por ela mantidas”, emboranão tenha definido concretamente a forma de seestabelecer o montante de recursos queassegurem a manutenção e o desenvolvimentodessas instituições.

    A garantia da autonomia de gestãofinanceira, isso é, o financiamento das atividadesdo meio universitário, é vital para as definiçõesdas suas políticas de ensino, pesquisa e deinteração com a sociedade. A ComissãoParlamentar de Inquérito, instituída em 1967 peloCongresso Nacional para discutir a forma deorganização jurídica das universidades públicas,colheu depoimento de Zeferino Vaz sobre a opçãoentre as formas de autarquias ou fundações. Oentão reitor da Unicamp posicionou-se dizendoque a questão mais séria não era a forma deorganização jurídica, mas sim, o “quantum que ogoverno põe à disposição” da universidade:

    O problema não é ser autarquia oufundação, mas é o quantum que oGoverno põe à disposição [da uni-versidade]. A função da universidade éproduzir cultura e não dinheiro. O dinheirodeve ser suprido pelo Governo e hoje ésuprido pelo Governo mesmo nas maisricas universidades do mundo. Asuniversidades de Harvard, de Columbia,da Califórnia, que são consideradasuniversidades riquíssimas e que têmpatrimônio imenso, acumulado porséculos, hoje vivem sobretudo dassubvenções do Governo Federal dosEstados Unidos e crescem cada vez mais.

    Portanto, é indiferente a estrutura defundação ou autarquia. Não adianta ser

    fundação, se da dotação orçamentária deNCr$ 15 milhões o Governo entende dedar NCr$ 10 milhões (CPI, apudSguissardi, 1993, p. 62).

    A discussão a respeito da autonomia

    universitária sempre teve como um dos pontosfundamentais o financiamento das atividadesinstitucionais, tanto de manutenção como dedesenvolvimento. Ao longo do tempo esse foium ponto de disputa entre vários agentes docampo acadêmico (Andifes, Andes-SN, Fasubra,UNE) e governantes.

    Com a determinação constitucional de1988 que em seu artigo 207 estabeleceu aautonomia universitária, esperava-se quehouvesse, efetivamente, a discussão de váriosproblemas das IES públicas, tais como a faltade autonomia para as mais simples açõesadministrativas e orçamentárias; a crônicaescassez de recursos para o financiamento desuas ações e expansão do sistema; e ainexistência de ações colaborativas entre elas.Entretanto, a partir de 1990, os presidenteseleitos iniciaram, no Brasil, a implantação daspolíticas presentes em orientações que foramelaboradas após a crise do Estado de Bem-EstarSocial europeu. Na economia, foram implantadas

    reformas que privatizaram empresas estatais,congelaram salários, protegeram o sistemafinanceiro e abriram o mercado nacional paraprodutos estrangeiros. No ensino superior, o quese viu foi, no contexto do “quase-mercado”educacional, uma pregação em favor doeficientismo, da competição entre as instituições,da implantação de um gerenciamentoadministrativo/acadêmico que seguisse padrõesde empresas privadas, e da procura por fontesalternativas de financiamento junto ao mercado

    que complementassem as do fundo público.Nesse cenário, a Unesco, em suaConferência Mundial sobre o Ensino Superior,realizada em Paris, de 5 a 9 de outubro de 1998,elaborou os documentos “Declaração Mundialsobre Educação Superior no Século 21” (Unesco,Crub, 1999) e “Marco referencial de açãoprioritária para a mudança e o desenvolvimentodo ensino superior”, em que se faz uma análisedos compromissos e funções da educaçãosuperior. Sobre o aporte de recursos finan-

    ceiros para a manutenção e o desenvolvimentodo ensino superior, a Conferência concluiu que

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    “o financiamento da educação superior requerrecursos públicos e privados” (p. 29):

    O Estado mantém seu papel essencial nessefinanciamento. O financiamento público daeducação superior reflete o apoio que a

    sociedade presta a esta educação e deve,portanto, continuar sendo reforçado, a fimde garantir o desenvolvimento da educaçãosuperior, aumentar a sua eficácia e mantersua qualidade e relevância. Não obstante, oapoio público à educação superior e àpesquisa permanece essencial, sobretudocomo forma de assegurar um equilíbrio narealização de missões educativas e sociais.

    No caso brasileiro, o Estado tem um papelmuito significativo, dado o conjunto dasinstituições por ele mantidas. As Ifes, em 2003,se constituíam em um conjunto de 40universidades, oito faculdades e cinco centrosfederais de educação tecnológica, localizadas em25 Estados da Federação e no Distrito Federal.

    A abrangência nacional das Ifes constitui-se importante fator de redistribuição da riquezanacional, por permitir a formação de profissionaisaltamente qualificados em todo o territórionacional, além de desenvolver atividades depesquisa e de extensão locais, o que contribui

    para a redução da desigualdade tecnológica entreas regiões do País e a dependência dos Estadosque se encontram em um estágio de formação depesquisadores, em relação àqueles que já conse-guiram consolidar as atividades que possibilitama geração e absorção de conhecimento. O fatode as instituições públicas de ensino superiorbrasileiras serem responsáveis pela maior parteda produção científica do País mostra a suaimportância no conjunto de ações a seremrealizadas visando ao desenvolvimento

    econômico e social brasileiro.

    O número de alunos das Ifes, publicadopela Andifes emIndicadores de desempenho dasIfes (1995-2000) , é o da Tabela 1.

    Ocorreram expansões no número dealunos da graduação (26%) e no número de alunosde pós-graduação: stricto sensu , 125% e latosensu , 201%. O número de alunos dos colégiostécnicos diminuiu 8,8% e o número de alunos doscolégios de aplicação diminuiu 4,7%. O que levouas instituições a aumentarem o número de alunosmesmo sem a ampliação dos recursos financeiros?Devemos ressaltar ainda que essa expansãoocorreu, entretanto, com a redução no número deprofessores, uma vez que, pelos dados da Andifes,existiam 48.439 docentes, em 1990, e esse númerocaiu para 41.900, em 2000.

    Outros fatores de pressão poderiamcolaborar para explicar a série crescente no númerode estudantes: 1) a implantação de fórmulasdependentes da produtividade individual queobjetivam justificar a alocação dos recursosfinanceiros para as instituições, com fortedependência do número de alunos das Ifes; 2) apressão existente pelo aumento na quantidade dealunos devido ao fato do baixo porcentual brasileiroda população de jovens com idade entre 18 e 24anos, matriculados no ensino superior; e 3) aimplantação da Gratificação de Estímulo à Docência(GED) que incentivou a elevação da carga horáriados professores, sobretudo, em sala de aula.

    Não se pode, entretanto, falar de um con- junto de instituições de ensino superior públicasde um país, sem antes falar do que se esperadesse conjunto de instituições. Em geral, o maiscomum, e o que ocorre em países que conse-guem elevados índices de desenvolvimento, éesperar que essas instituições possam contribuir

    para o país enfrentar com êxito os desafios

    Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos TotalAno Graduação stricto sensu lato sensu Colégios Colégios de

    Técnicos Aplicação alunos1995 394.024 23.352 17.091 35.334 13.034 482.8351996 408.684 34.477 21.097 36.768 13.124 514.1501997 421.553 37.839 26.714 38.656 14.515 539.2771998 426.295 41.101 32.258 35.146 13.269 548.0691999 452.019 48.587 45.393 30.723 12.452 589.1742000 497.657 52.506 51.433 31.040 12.418 645.054

    Fonte: Adifes: Indicadores de desempenho das Ifes (1995-2000)

    Tabela 1 – Evolução do alunado das Ifes (1995-2000)

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    presentes na sociedade, no que diz respeito tantoao desenvolvimento social, econômico e cultural,quanto à contribuição para assegurar a compe-titividade técnica da economia nacional, no con-texto da integração econômica global (Berchem,

    1990, p. 9; Conceição et al., 1998, p. iii).1.2 Metamorfose e identidade institucionais

    em construçãoAs políticas de educação superior

    implementadas na década de 90, destacando-se as mudanças no padrão de gestão efinanciamento, também acentuaram maiorcompetição entre as IES, particularmente entreas universidades federais, a partir de elementosque marcavam a lógica identitária e a distinção

    institucional. No caso das Ifes, isso ocasionou:a) um crescimento generalizado dos

    indicadores de produtividade , especial-mente a partir de 1997, mormente pormeio da expansão de cursos degraduação, o que contribuiu, de algumaforma, com a política de expansão emassificação da educação superior;

    b) uma disputa em torno dos recursosfederais por meio da concorrência

    estabelecida pela nova matriz dedistribuição entre as Ifes, adotada peloMEC em 1999 que, ao ampliar os recur-sos para uma instituição, os diminui,conseqüentemente, para outra.

    Ganharam importância, também, ospleitos das universidades federais em torno dosaportes adicionais dos programas especiais,criados, em grande parte, pelo próprio MEC,fazendo com que os convênios se tornassemuma fonte fundamental para manutenção e

    desenvolvimento dessas instituições.A lógica reformadora das universidades,

    pautada em grande parte na mercantilização daprodução do trabalho acadêmico, passou a jogarcom a idéia da diferenciação como inerente ànatureza dessas instituições, uma vez que, emgeral, a distinção, o prestígio e a legitimidadecientífica mobilizam e movimentam os agentesacadêmicos do campo científico-universitário.

    Assim, além daquelas políticas,

    basearem-se na lógica da diversificação e dife-renciação institucional, as universidades federais

    começam a diferenciar-se, cada vez mais,devido em grande parte, às relações com oscontextos local e regional, uma das formas desobrevivência institucional, que pode alterar signi-ficativamente o ideário e o comprometimento com

    o projeto de nação , com o desenvolvimentoestratégico do país e com a produção deconhecimento e dealta cultura .

    As universidades vêm se diferenciandotambém em razão das alterações nos padrões degestão e de produção acadêmica que ocorremcotidianamente, dificultando sua identificação peloconjunto dos agentes acadêmicos. Nesse contexto,as condições materiais de sobrevivênciainstitucional e dos docentes evidenciam relaçõesde subordinação e de precarização do trabalhoacadêmico, implicando em uma maior concordânciae indiferença ao processo de reorganização dosistema e de ajustamento das universidadesfederais, sem um projeto articulado do conjuntodessas instituições. Trata-se, conseqüentemente,da quebra de uma lógica de organicidade dosistema público, especialmente, o federal, o que po-de ocasionar o rompimento com princípios quevinham constituindo esse sistema, a exemplo dagestão democrática, da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, do partilhamento dos recursosdo fundo público, entre outros.

    As mudanças nas universidades públicas,efetuadas nos últimos anos, indicam amplo processode modelação organizacional , centrado em uma ló-gica cuja racionalização evidencia a adoção de umparadigma contábil , que objetivou torná-las maiságeis, flexíveis e produtivas, sob a ótica do mercado,como evidencia os dados dos censos de educaçãosuperior publicados a partir de 1998. Nesse processode ajustamento, de sobrevivência e de desen-

    volvimento institucional, as universidades foramassumindo um perfil mais funcional e pragmático, oque vem distanciando-as paulatinamente doideal deuniversidade como instituição social que se pauta,sobretudo, pela natureza das suas atividades (pelacultura e história institucional e pelo papel que desem-penham no processo de democratização eemancipação da sociedade), aproximando-se dalógica da universidade operacional, pragmática(Chauí, 1999).

    Desde o início da reforma, a partir da

    segunda metade da década de 90, as uni-versidades públicas, especialmente as federais,

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    foram sofrendo alterações significativas comoevidenciam os seguintes dados:

    a) Ampliou-se a oferta de cursos de gra-duação, apesar da diminuição cons-tante no número de professores e ser-vidores técnico-administrativos. Deacordo com dados da Andifes:Entre os anos de 1995 e 2000, apesar dadiminuição dos [...] recursos humanos efinanceiros, o que até hoje [...] ocasionaproblemas, como a redução do [...] quadrode técnicos e professores, como a dificuldadede manutenção de [...] prédios, bibliotecas elaboratórios, o Sistema Federal de EducaçãoSuperior aumentou a oferta de vagas emseus cursos de graduação (26%), em seuscursos de graduação noturnos (100%) e emseus programas de pós- graduação (154%)(Panizzi, 2003).

    Se, por um lado, isso pode apresentarmelhoria na relação custo-aluno e no acesso aoscursos de graduação, por outro, pode ter interfe-rido negativamente nas identidades e nos proje-tos de desenvolvimento institucional;

    b) intensificaram-se os processos deflexibilização curricular dos cursos degraduação, objetivando dinamizar a

    formação acadêmica e ajustá-la, emgrande parte, às exigências do mer-cado de trabalho, de acordo com cadaárea profissional;

    c) ampliaram-se as atividades de exten-são, especialmente na forma daprestação de serviços remunerados, oque passou a redirecionar boa parte docusteio das instituições e dopagamentocomplementar de professores e funcio-nários, ocasionando também mudanças

    nas atividades acadêmicas paraviabilizar a prestação desses serviços;d) deu-se maior relevância às múltiplas

    demandas locais e regionais, sobretudopor intermédio de convênios e contratosde prestação de serviços remunerados,permitindo suprir algumas das lacunasocasionadas pelas constantes reduçõesorçamentárias ocorridas no período(Amaral, 2003);

    e) agilizou-se a prestação de serviçosremunerados por meio de fundações

    de apoio às atividades acadêmicas,redundando na criação de novasfundações dessa natureza e que, emgrande parte, tem servido para um no-vo processo de privatização interna da

    universidade por meio deste ente jurídico de natureza privada;f) ampliou-se a oferta de cursos pagos de

    especialização, quecomplementam ossalários dos professores, mas absor-vem tempo e energia dos docentes,notadamente daqueles com maiortitulação;

    g) expandiram-se os cursos de mestradoprofissionais, que objetivam oautofinanciamento;

    h) procurou-se modernizar e modelarorganizacionalmente as universidades,especialmente por meio doenxuga-mento de estruturas acadêmicas e daimplantação de sistemas gerenciais deinformação, que objetivam ampliar aeficiência na gestão e estimular aprodutividade dos serviços e bensacadêmicos resultando, em algunscasos, na mera eliminação de departa-mentos e na instituição de políticas defragmentação de unidades acadêmicasque as tornaram endógenas;

    i) desenvolveram-se mecanismos de ava-liação e controle do trabalho acadêmico,enfatizando uma concepção produtivistadocente e institucional com ênfase noensino e secundarização das atividadesde pesquisa, como evidencia a pon-tuação da GED e o aumento da cargahorária de aulas, sobretudo, nos cursos

    de graduação.As mudanças na organização do tempo-espaço do trabalho acadêmico consubstanciaramum processo de metamorfose na identidade ins-titucional das universidades, na perspectiva detorná-las mais operacionais (Chauí, 1999). Essalógica reformadora (contábil e produtivista), pautadana busca constante de uma dada eficiênciaadministrativa e de produtividade, vem conseguindoalterar a configuração institucional existente e omodus operandi do trabalho acadêmico, ampliando

    paulatinamente a subordinação da gestão e daprodução da universidade, o que se constitui em

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    risco efetivo para a universidade pública brasileiraem termos de perda de autonomia e de liberdadeacadêmica de produção, sobretudo se temos porbase a constituição de uma universidade autônomae democrática, ou seja, uma universidade com-prometida com a resolução dos problemas queafetam o povo brasileiro.

    1.3 A expansão do ensino superior e os limitesimpostos pela desigualdade social

    No processo de metamorfose que atingiua educação superior pública brasileira na últimadécada, a diversificação das instituições e a ex-pansão no número de matrículas foram duasconseqüências importantes desse processo.

    O Brasil já possuía uma grande diversi-ficação em seu sistema de ensino superiormesmo antes da Constituição de 1988. Essadiversificação se aprofundou a partir da apro-vação da Lei nº 9.394, de 20/12/96 (LDB). Dadosdo MEC/Inep/Seec, do Censo das Instituiçõesde Ensino Superior de 2002, mostram que osistema possui 1.637 instituições; dessas, 162(9,9%) são universidades, 77 (4,7%) são centrosuniversitários, 105 (6,4%) são faculdadesintegradas, 1.240 (75,7%) são faculdades,escolas e institutos e 53 (3,2%) são centros deeducação tecnológica (Inep, 2003). Predomina,portanto, nesse cenário, um conjunto deinstituições que prioritariamente desenvolvematividades relacionadas ao ensino de graduação.

    Das 162 universidades, 43 (26,5%) são fe-derais, 31 (19,1%) são estaduais, 4 (2,5%) sãomunicipais e 84 (51,9%) são privadas. Da totali-dade dos centros universitários, apenas um é fe-deral e dois são municipais; os outros 74 são pri-vados. Das 105 faculdades integradas, três sãomunicipais e 102 são privadas. Das 1.240 facu-ldades, escolas e institutos, sete (0,6%) são fede-rais, 25 (2,0%) são estaduais, 48 (3,9%) são mu-nicipais e 1.160 (93,5%) são privadas. Dos 53centros de educação tecnológica, 22 são federais,nove são estaduais e 22 são privados (Inep, 2003).

    O número de universidades particularessaltou de 39 para 84, de 1989 a 2002, um aumentode 115,4%; as municipais são apenas quatro, em2002; um aumento de 88,% ocorreu entre asestaduais, e o número de universidades federais

    aumentou de 35 em 1989 para 43 em 2002 (MEC/ Inep/Seec). Nota-se, então, dois importantes

    movimentos com esses dados: primeiro, umagrande expansão do setor privado que atua nosegmento das universidades e, segundo, umgrande crescimento no número de universidadesestaduais. Nesse quadro algumas instituições

    federais que se configuravam como faculdadestransformaram-se em universidades, além dacriação da Universidade Federal do Tocantins.

    A legislação brasileira, após a aprovaçãoda LDB e legislação complementar ampliou aheterogeneidade do sistema, facilitando aindamais a diversificação e diferenciação da edu-cação superior. A LDB, prevê, em seu art. 45,que: “A educação superior será ministrada eminstituições de ensino superior, públicas ou pri-vadas, com variados graus de abrangência ouespecialização ” (grifos nossos).

    Para regulamentar este e outros artigosda LDB, o governo federal emitiu, em 19 de agos-to de 1997, o Decreto nº 2.306, que estabeleceu,em seu art. 8º:

    Quanto à sua organização acadêmica, asinstituições de ensino superior do SistemaFederal de Ensino classificam-se em: I –universidades; II – centros universitários;III – faculdades integradas; IV – faculdades;

    V – institutos superiores ou escolassuperiores.

    Esse mesmo decreto caracterizou apenasas universidades como instituições em que há aindissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.Os centros universitários, que em 2002 já eram 77,foram caracterizados como “instituições de ensinosuperior pluricurriculares, abrangendo uma ou maisáreas do conhecimento, quese caracterizam pelaexcelência do ensino oferecido ” (grifos nossos).

    A naturalização da diversificação das insti-tuições e a ampliação das instituições privadasforam os caminhos apresentados para solucionarum dos graves problemas da educação superiorbrasileira: o baixo porcentual da população de jovens com idade entre 18 e 24 anos, que estámatriculado na educação superior e a necessi-dade de, no mínimo, triplicá-lo em uma década.

    Entretanto, se a diversificação e a ampliaçãodas instituições privadas colaboram para oferecerà população uma maior oportunidade de acesso

    ao ensino universitário, por outro lado, deixam comoresultados outros problemas a serem resolvidos:

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    1) o grande porcentual de estudantes degraduação matriculados em instituiçõesprivadas: em 2002 foi de 69,8% do total,isto é, 2.428.258 de um total de3.479.913 estudantes; e

    2) a enorme quantidade de instituiçõesisoladas atuando nesse nível de ensino – em 2002, das 1.637 instituições deensino superior existentes no Brasil,1.293 eram estabelecimentos isolados eapenas 62 eram universidades.

    Algumas comparações internacionaismostram a realidade relacionada ao primeiroproblema. No Brasil, em 2001, a população de jovens entre 18 e 24 anos era de 22.940.218(IBGE, 2001), e o número de estudantes naeducação superior era de 3.030.754 (Inep, 2002),resultando um porcentual de 13,2%. No Chile,esse porcentual era de 20,6%, na Venezuela,26%, e na Bolívia, 20,6%. A situação daArgentina, com um porcentual de 40%, é especiale precisa ser ressaltada: “configura um caso àparte, uma vez que adotou o ingresso irrestrito,o que se reflete em altos índices de repetência eevasão nos primeiros anos” (Brasil. PNE, 2001).5

    Além disso, verifica-se uma explosão de

    demanda pelo ensino superior no Brasil,conseqüência do aumento no número de alunosmatriculados e concluintes no ensino médio. Essa

    elevação da demanda provoca uma violentapressão da sociedade pelo aumento de vagasna educação superior.

    Uma grande expansão do ensino superiorbrasileiro ocorreu entre 1989 e 2002. O númerode estudantes saltou de 1.518.904 para 3.479.913,ou seja, um aumento porcentual de 129,1%.Foram efetivadas 1.961.009 novas matrículas.Para esse total, as instituições federaiscontribuíram com 11,3%, isto é, com 216.351 ma-trículas novas; as instituições estaduais com11,3%, isto é, com 221.872 matrículas novas; asinstituições municipais chegaram a reduzir o nú-mero de matrículas e, no período, expandiramapenas 29.018 matrículas; e as instituiçõesprivadas contribuíram com 76,2% desse au-

    mento, isto é, com 1.493.768 matrículas novas.A Tabela 2 mostra essa expansão e o grandedesequilíbrio entre o número de estudantes nasinstituições públicas e nas instituições privadas.

    Nota-se, nos últimos anos, uma grandeexpansão na educação superior privada: de 1995para 2002, o crescimento foi de 129,3%, contra44,7% no setor público federal e 73,7% no setorpúblico estadual.

    Desse conjunto de informações, pode-se

    concluir então que: a) se quiséssemos alcançar ameta – prevista no PNE – de 30% dos jovens comidade entre 18 e 24 anos matriculados na educação

    Tabela 2 – Evolução do alunado no ensino superior (1989-2002)

    Fonte: MEC/Inep/Seec.

    Ano Federais Estaduais Municipais Privadas Total1989 315.283 193.697 75.434 934.490 1.518.9041990 308.867 194.417 75.341 961.455 1.540.0801991 320.135 202.315 83.286 959.320 1.565.0561992 325.884 210.133 93.645 906.126 1.535.7881993 344.387 216.535 92.594 941.152 1.594.6681994 363.543 231.936 94.971 970.584 1.661.0341995 367.531 239.215 93.794 1.059.163 1.759.7031996 388.987 243.101 103.339 1.133.102 1.868.5291997 395.833 253.678 109.671 1.186.433 1.945.6151998 408.640 274.934 121.155 1.321.229 2.125.9581999 442.562 302.380 87.080 1.537.923 2.369.9452000 482.750 332.104 72.172 1.807.219 2.694.2452001 502.960 357.015 79.250 2.091.529 3.030.7542002 531.634 415.569 104.452 2.428.258 3.479.913

    5 Deve-se ressaltar que esse modelo, na Argentina, pode apenas ter transferido o processo seletivo para o interior nas instituições, uma

    vez que o número de formandos no país, passados seis anos após a implantação da reforma, sofreu um aumento muito pequeno(Sheehan, 1996, p. 28).

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    superior, precisaríamos ter matriculados nesse níveleducacional, em 2002, no mínimo 6.882.065estudantes (30% de 22.940.218); e b) ter 6.882.065estudantes matriculados e, simultaneamente, fazercrescer o porcentual de estudantes matriculados em

    instituições públicas que provoque, por exemplo,uma inversão de porcentuais – 70% nas públicas e30% nas privadas – exigiria uma substancialelevação dos recursos públicos aplicados nessenível de ensino, pois o número de alunos nasinstituições públicas passaria dos atuais 1.051.655para 4.817.445, o que corresponderia a quasequintuplicar o número de estudantes; isso resultariaem um custo muito elevado para a atual riquezanacional, expressa por seu PIB. Vê-se, portanto, quesão objetivos a serem alcançados no longo prazo, oque deverá contar com decisivas opções de políticapública e com a existência de longos períodos dedesenvolvimento do País – crescimento contínuodo PIB e de sua rendaper capita .

    O conjunto de dados explicitadosanteriormente parece levar-nos à conclusão que seatingiria a meta de 30% dos jovens, com idade entre18 e 24 anos, matriculados no ensino superior,apenas ampliando o número de vagas nas escolasprivadas, uma vez que o presidente FernandoHenrique Cardoso vetou a meta prevista no PlanoNacional de Educação (PNE), que planejava aexpansão do ensino superior público: “Ampliar aoferta de ensino público de modo a assegurar umaproporção nunca inferior a 40% do total de vagas,prevendo, inclusive, a parceria da União com os

    Estados na criação de novos estabelecimentos deeducação superior.” Atingir essas metas significariater 6.882.065 estudantes nesse nível de ensino,desses, 40% (2.752.826) matriculados eminstituições públicas – o que quase triplicaria a

    quantidade atual de alunos que é de 1.051.655 (Inep,2003) – e 60% (4.129.239) matriculados nasinstituições particulares. É preciso, entretanto, queessa meta seja retomada para que o País possa,ao procurar atingi-la, minimizar a desproporção entreo número de estudantes matriculados nasinstituições públicas e nas instituições privadas; issoserá possível se houver a derrubada aos vetospresidenciais impostos ao PNE.

    A efetiva ampliação da educação superiorpública justifica-se pela garantia do direito àeducação e ainda pela limitação ao crescimentodo número de alunos no setor privado, impostapela renda per capita brasileira e pela enormedesigualdade social em nosso País – 10% maisricos possuem 50% da riqueza e 50% mais pobrespossuem 10% da riqueza (Neri, 2000, p. 22).

    O setor privado sofreu uma grandeexpansão entre 1994 e 2002 – as vagasoferecidas passaram de 396.682 para 1.477.733,um aumento de 272,5%. Entretanto, o porcentualde vagas do exame vestibular não-preenchidasnas escolas públicas não tem passado dos 7%nos últimos anos, enquanto que nas escolasprivadas esse porcentual que era estável, emtorno de 20%, em 2002 foi de 37,4 %. A Tabela 3

    Fonte: MEC/Inep/Seec.

    Tabela 3 – Porcentual de vagas não-preenchidas no vestibular (1989-2002)

    Públicas Privadas Públicas Privadas Públicas Privadas1989 148.630 318.164 125.003 257.218 15,9 19,21990 155.009 347.775 126.139 281.009 18,6 19,2

    1991 162.506 354.157 142.857 283.701 12,1 19,91992 171.048 363.799 149.726 261.184 12,5 28,11993 171.627 377.051 153.689 286.112 10,5 24,11994 177.453 396.682 159.786 303.454 10 23,51995 178.145 432.210 158.012 352.365 11,3 18,51996 183.513 450.723 166.494 347.348 9,3 22,91997 193.821 505.377 181.859 392.041 6,2 22,41998 205.725 570.306 196.365 454.988 4,6 20,21999 218.589 675.801 210.473 533.551 3,7 21,12000 245.632 970.655 233.083 664.474 5,1 31,52001 230.496 1.034.679 221.017 723.140 4,3 30,12002 295.354 1.477.733 280.491 924.649 5 37,4

    Vagas não-preenchidas (%)Ano

    Vagas oferecidas Ingressos por vestibular

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    mostra o porcentual de vagas nas instituiçõespúblicas e privadas, que não foram preenchidaspelos vestibulares nesse período.

    Esse duplo movimento, um pequenoporcentual de vagas não-preenchidas naspúblicas e um elevado porcentual de vagas não-preenchidas nas privadas estaria indicando quea sociedade não está conseguindo pagar asmensalidades nas instituições privadas? Estariasendo atingido o limite para as famílias brasileiraspagarem mensalidades, em função da enormedesigualdade social brasileira? Ou seja, existiriauma exaustão no ensino superior privado? Háque se lembrar ainda do porcentual elevado deinadimplência presente nas instituições privadas,o que preocupa os dirigentes desse setor e lhesimpõe sérias dificuldades para planejar asatividades acadêmicas a serem desenvolvidas.A inadimplência seria, também, mais um

    indicador de exaustão das famílias brasileiras emfinanciar os estudos universitários de seus filhos.

    A desigualdade na distribuição de renda doBrasil mostra números alarmantes (IBGE, 2001):17.223.794 de brasileiros residem em domicíliosem que o rendimento mensal domiciliar é de atéum salário mínimo; 29.823.684 moram em domicíliocuja renda é de um a dois salários mínimos. Umporcentual elevado da população, 62,9%, mora emdomicílio cuja renda domiciliar mensal é de até cincosalários mínimos. Apenas 4,9% das pessoas vivemem domicílios em que a renda domiciliar é maiordo que 20 salários mínimos.

    A Tabela 4 mostra esse perfil dedesigualdade, onde vive um total de 168.438.539

    pessoas (idem, 2001).Os rendimentos médios mensais desses

    moradores estão na Tabela 5. É possível crer que

    Tabela 5 – Rendimento médio mensal das famílias residentes em domicílios particulares (R$)Classes de rendimento mensal domiciliar em

    Salário mínimo (SM) Valor em R$ (1) Até 1 SM 137Mais de 1 a 2 SM 281Mais de 2 a 3 SM 450Mais de 3 a 5 SM 707Mais de 5 a 10 SM 1.266Mais de 10 a 20 SM 2.503Mais de 20 SM 6.629

    Fonte: IBGE, 2001.doméstico

    ou parente do empregado doméstico.2. Exclusive os moradores cuja condição no domicílio era pensionista, empregado doméstico ou parente do

    empregado doméstico.

    1. Exclusive os rendimentos dos moradores cuja condição no domicílio era pensionista, empregado

    1 2

    Tabela 4 – Moradores em domicílios particulares, por classe de rendimento mensalClasse de rendimento mensal domiciliar de

    Salário mínimo (SM) Até 1 SM 17.223.794 10,2Mais de 1 a 2 SM 29.823.684 17,7Mais de 2 a 3 SM 25.147.733 14,9Mais de 3 a 5 SM 33.778.223 20,1Mais de 5 a 10 SM 32.235.487 19,1Mais de 10 a 20 SM 15.589.014 9,3Mais de 20 S.M. 8.217.244 4,9Sem rendimentos 2.574.794 1,5Sem declaração 3.848.566 2,3

    Total 168.438.539 100,0Fonte: IBGE, 2001

    Doméstico ou parente do empregado doméstico.2. Exclusive os moradores cuja condição no domicílio era pensionista, empregado doméstico ou parente

    do empregado doméstico.3. Inclusive os domicílios cujos moradores receberam somente benefícios.

    1. Exclusive os rendimentos dos moradores cuja condição no domicílio era pensionista, empregado

    Moradores %1

    2

    3

    todas as fontes

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    somente aquelas famílias com renda a partir de10 salários mínimos poderiam dirigir porcentuaisem torno de 20% a 25% para efetivarem opagamento de mensalidades para seus filhos.

    Examinando a Tabela 5 e supondo umvalor médio de R$ 400 para a mensalidade deum curso superior e que a família possa gastar,então, entre 20% e 25% de sua renda mensalpara pagar uma mensalidade, podemos inferirque aqueles que ganham até 10 salários mínimosnão poderiam pagá-la, pois gastariam, em média,31,6% do seu rendimento com tal despesa. Issopoderia então justificar a premissa de que apenasa família com renda mensal superior a 10 saláriosmínimos estaria em condições de pagarmensalidades.

    Para encontrar o número de jovens comidade entre 18 e 24 anos, que somam22.940.218, capazes de pagar seus estudos,estimaremos quantos deles estão entre asclasses de renda acima de 10 salários mínimos.

    Consta da Tabela 4 que 23.806.258pessoas residem em domicílios com renda nafaixa de 10 a 20 salários mínimos, o querepresenta 14,2% da população total de168.438.539.

    Considerando essa mesma proporção,14,2%, podemos encontrar, do total de jovens comidade entre 18 e 24 anos, quantos fazem partedessas duas classes de renda mais elevadas.

    Calculando 14,2% de 22.940.218, que éo número de jovens na faixa etária em estudo,encontramos 3.257.511 pessoas que poderiampagar o ensino superior privado. Esse númerode pessoas que poderiam pagar mensalidadesfoi obtido considerando-se como responsável

    pelo pagamento um esforço de toda a família,pois a renda considerada é a renda totaldomiciliar, o que certamente faz com que eleesteja superdimensionado.

    O Censo Educacional do EnsinoSuperior apresentou, em 2002, um total de3.479.913 estudantes; desses, 2.428.258(69,8%) estudavam em instituições privadase 1.051.655 (30,2%) em instituições públicas.

    O número de estudantes que poderiam

    pagar estaria, portanto, se aproximando do limite.Para atingir a meta de termos 6.882.065 de

    estudantes no ensino superior dependeria, então,fundamentalmente, da expansão de vagas nosetor público.

    Essa análise reforça ainda mais anecessidade da existência de ações gover-namentais para que ocorra uma vigorosaexpansão do ensino superior público e, para isso,é fundamental que os vetos ao PNE sejam der-rubados. O restabelecimento das metas de ex-pansão previstas no PNE movimentaria os gove-rnantes, os parlamentares e mobilizaria as IES ea sociedade para que elas fossem alcançadas.

    1.4 O desafio do financiamento das IfesUm desafio existente no financiamento

    da educação superior pública federal é responderà seguinte pergunta: quais seriam os “recursossuficientes para manutenção e desenvolvimento”das instituições mantidas pela União? Estapergunta é feita em vista do que está contido noartigo 55 da Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (LDB), que afirma: “Caberáà União assegurar, anualmente, em seuOrçamento Geral, recursos suficientes paramanutenção e desenvolvimento das instituiçõesde educação superior por ela mantidas” (grifonosso).

    Encontrar o mecanismo de financiamentoque responderia satisfatoriamente a essequestionamento é uma das mais complexastarefas a ser enfrentada na implantação daautonomia prevista no artigo 207 da ConstituiçãoFederal.

    Diversos autores classificam em quatroos mecanismos que os Estados utilizam parafinanciar o ensino superior (Conceição et al.,1998; Velloso, 2000; Jongbloes, Maassen,1999): 1) Financiamento Incremental ou Inercial;2) Financiamento por Fórmulas; 3) FinanciamentoContratual; 4) Financiamento por subsídios àsmensalidades dos estudantes.

    No financiamento incremental ouinercial , os recursos financeiros a seremestabelecidos num determinado ano baseiam-se nos recursos do ano anterior. A definiçãodo novo valor que é estabelecido unilateralmentepelo governo, ou negociado entre o governo e ainstituição ou, simplesmente, especificado umporcentual de incremento ano a ano.

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    No financiamento contratual seestabelece, entre a instituição e o Estado,materializado num contrato, um acordo em quea IES se “compromete a concretizar umdeterminado programa ou a atingir determinados

    objetivos, recebendo para isso uma contrapartidado Estado” (Conceição et al., 1998).No financiamento por subsídios às

    mensalidades dos estudantes, utilizam-se oscheques educacionais. Esse método consiste noseguinte (Conceição et al., 1998):

    [...] a parcela de receitas que o Estadocobra em impostos e destina à educação édividido em cheques, estes são repassadosaos estudantes para freqüentarem asuniversidades que entenderem. Desta forma

    as universidades que têm que competirentre si, sujeitando-se exclusivamente àsregras de mercado, dependentes apenasda escolha dos estudantes. Emboraadmitida freqüentemente como metodologiade financiamento, a dificuldade em preveras conseqüências da alteração da relaçãoaluno/universidade resultantes daimplementação do conceito tem limitado asua concretização (grifo nosso).

    O financiamento por fórmulas dá-se peloestabelecimento de variáveis/indicadoresinstitucionais que participam de uma expressãológica que indica no final qual porcentual ou valordeve se direcionar para cada instituição queparticipa da distribuição. Velloso (2000, p. 49)exemplifica essa metodologia:

    [...] podem envolver a combinação de umlargo espectro de variáveis, relativas àmanutenção da instituição, como o númerode docentes e de alunos em cadainstituição, até indicadores tidos como dedesempenho, como a relação entre

    matrícula nova e o quantitativo dediplomados, passando por índices tidoscomo de eficiência, a exemplo dasrelações médias aluno/docente, poruniversidade ou área do conhecimento.

    A programação financeira das Ifes dá-sepor uma sistemática que mistura a dofinanciamento incremental ou inercial e a dofinanciamento por fórmulas . Os recursosfinanceiros a serem estabelecidos numdeterminado ano baseiam-se nos recursos do ano

    anterior; o volume de recursos é estabelecido pelogoverno federal e aprovado pelo Congresso

    Nacional, sem nenhuma consulta sobre as reaisnecessidades das instituições. O MEC determina,separadamente, o volume de recursos para opagamento de pessoal e o volume paramanutenção e investimentos. No caso da

    distribuição dos recursos de manutenção einvestimentos entre as Ifes, elas já vêm, há algunsanos, exercitando um modelo de financiamentopor fórmulas , implantado em um acordo entre oMEC e a Associação Nacional de Dirigentes dasIfes (Andifes). Esse modelo considera parâmetrosque procuram medir necessidades e desempenho(Andifes, 1994). Apesar de todas as deficiênciaspresentes inicialmente em tal modelo e na suareformulação ocorrida em 1999, o que exigerevisão e aprimoramentos, a sua implantação

    procurou deixar claras as “regras do jogo” parase obter recursos de manutenção e investimentos,abandonando-se regras desconhecidas quepoderiam possibilitar negociações clientelistas.

    1.5 A função do Estado na educação superior e a autonomia universitária

    Com relação ao papel do Estado, naeducação superior, a orientação predominante apartir de 1989 foi sempre a de que este deveriaser reformulado, transformando-se em norma-tizador, fiscalizador e avaliador, ao invés deexecutor. As instituições de ensino superiordeveriam possuir maior autonomia, e esta estariasujeita às ações de governo: credenciamento,recredenciamento, avaliação, fiscalização, etc.

    O Plano Diretor da Reforma do Estado,apresentado no início do governo FernandoHenrique Cardoso, faz um diagnóstico queaponta para diminuição do Estado como agenteeconômico e planejador da economia e, também,para a necessidade de sua minimização no quetange à produção de bens econômicos e ofertade serviços, uma vez que estes poderiam seroferecidos com mais eficiência pela iniciativaprivada. Assim, o Estado assume umaperspectiva gerencialista no sentido de maiorregulação e fiscalização das regras que garantama competitividade estabelecida pelo mercado.

    A chamada crise do Estado é definida, noPlano Diretor, como (Brasil. Mare , 1995a, p. 15):

    1) uma crise fiscal, caracterizada pelacrescente perda de crédito por parte do

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    Estado e pela poupança pública que setorna negativa;

    2) o esgotamento da estratégia estatizantede intervenção do Estado, a qual se re-veste de várias formas: o Estado do Bem-Estar social nos países desenvolvidos, aestratégia de substituição de importaçõesno Terceiro Mundo, e o estatismo nospaíses comunistas; e

    3) a superação da forma de administrar o Es-tado, isto é, a superação da administraçãopública burocrática.

    Apresentam-se como inadiáveis políticasque promovam (Brasil. Mare, 1995a, p. 16): oajuste fiscal; reformas econômicas que ressaltemo papel do mercado; condições para o País inserir-se na competição mundial; reforma previdenciária;a implantação eficiente de políticas públicas, etc.

    Propõe-se, então, transferir para o setorprivado todas as atividades produtivas, e paraum chamado “setor público não-estatal aprodução dos serviços competitivos ou nãoexclusivos de Estado, estabelecendo-se umsistema de parceria entre Estado e sociedadepara seu financiamento e controle” (Brasil. Mare,1995 a). Nessa definição, o Plano Diretor incluiuos serviços educacionais e, aí, as universidades.

    O setor chamado de público não-estatalpelo Plano Diretor materializar-se-ia por meio daschamadas organizações sociais (Brasil. Mare,1996):

    Pessoas jurídicas de direito privado,constituídas sob a forma de fundações oude sociedade civil sem fins lucrativos, àsquais será atribuída a prestação de ser-viços sociais de natureza pública sobnovas bases, compreendendo autonomiafinanceira e administrativa e novosinstrumentos de controle e avaliação de

    desempenho, permitindo que o cum-primento de sua missão seja realizadocom maior eficiência e eficácia.

    A fundação ou sociedade civil, de direitoprivado, habilitar-se-ia a administrar os recursoshumanos, as instalações e os equipamentospertencentes ao poder público e a receber osrecursos orçamentários para seu funcionamento.Seriam celebrados contratos de gestão com oPoder Executivo para a execução da parceriaentre o privado e o público. Um Conselho de

    Administração definiria objetivos e diretrizes deatuação da entidade.

    O contrato de gestão dar-se-ia após uma“convergência dos interesses mútuos” (Brasil.Mare, 1995b, p. 7) da instituição privada e dopoder público. Seria efetivado um

    [...] diagnóstico preciso do contexto emque a instituição atua, da sua capacidadede desempenhar o papel que a sociedadeespera, do seu papel de instrumento depolítica governamental global e setorial,de seu desempenho histórico, de seuspontos fracos e fortes e, principalmente,dos fatores restritivos ao seu bomdesempenho (Brasil. Mare, 1995b, p. 7).

    A continuidade/rescisão do contrato degestão se daria pela avaliação do ministériosetorial envolvido na parceria,

    da pertinência ou não da continuidade doContrato de Gestão ou, através denegociações com a Organização Social,a definição das medidas necessárias àcorreção do andamento da execução doreferido contrato,em convergência com osinteresses do governo federal (Brasil. Mare,1995b, p. 11, grifos nossos).

    Vinculada à discussão sobre a função doEstado na educação superior está a polêmicasobre a normatização da autonomia universitária.

    Em outubro de 1991, o governo Collorencaminhou ao Congresso Nacional uma propostade emenda constitucional (PEC nº 56/91) queprocurava alterar vários artigos da Constituição,incluindo-se o artigo 207, que estabeleceu aautonomia universitária. São alguns pontos dessaPEC: as universidades passariam a gozar,também, de autonomia para gerir seus recursoshumanos; aqueles que trabalham nas univer-sidades teriam regime jurídico especial, ficando,portanto, excluídos do Regime Jurídico Único(RJU), Lei nº 8.112, de 1990; as universidadesseriam entidades de natureza jurídica própria; asuniversidades receberiam porcentuais fixos dosrecursos destinados constitucionalmente àeducação e nos seus orçamentos, não poderiamser destinados mais do que 80% dos recursos aopagamento de pessoal.

    O MEC explicitava suas propostas naimprensa, em reuniões com reitores e emdiscussões com uma Comissão da Andifes

    especialmente constituída para debater essaquestão:

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    1) dos 18% dos recursos alocados para aeducação no orçamento da União, 50%seriam dedicados ao ensino superior;

    2) as universidades gerenciariam umorçamento global, com liberdade detransferir recursos de pessoal paracusteio e capital e vice-versa;

    3) para efetivar a distribuição de recursosentre as Ifes seria desenvolvido ummodelo que consideraria número deformandos, número de mestres edoutores, conceito Capes para a pós-graduação, área física, etc.;

    4) as dívidas trabalhistas deveriam tertratamento especial; e

    5) a implantação dar-se-ia a partir de 1993.Em março de 1992, no documento para dis-

    cussão na Andifes “Algumas observações sobre aautonomia universitária”, a comissão criada paranegociar com o MEC apresentava sua desconfiançaem relação às propostas governamentais e faziamas seguintes análises (Andifes, 1992):

    Existe considerável desconfiança no seioda comunidade universitária sobre as reaisvantagens de se efetivar, de imediato, aautonomia das Ifes. A desconfiança éplenamente justificada, considerando-se onível de incerteza que tem caracterizadoa vida financeira das Ifes nos últimos anos.Orçamentos não são cumpridos, recursossão contingenciados, repasses de verbassão absolutamente irregulares e a própriaexecução orçamentária tem sofrido osprejuízos inevitáveis decorrentes dos gran-des atrasos na aprovação e sanção doorçamento geral da União (grifo nosso).

    Com o impeachment do presidente Collor,em 1992, toda essa discussão foi interrompida.

    Nessa época, elaborava-se a nova LDBem que também se abordava o tema daautonomia universitária. Entretanto, nenhuma daspropostas contemplava objetivamente osassuntos relacionados a orçamento, finanças epessoal. Ações políticas realizaram-se para tentara viabilização de uma lei complementar quepudesse regulamentar pontos importantes parao real exercício da autonomia, nos termos da

    Constituição brasileira. Participaram do processoo deputado Ubiratan Aguiar, que apresentou o

    Projeto de Lei Complementar nº 119, de 1992, eo deputado Florestan Fernandes, como relator.

    Apresentavam-se os seguintes pontos nadiscussão (Crub, 1992):

    1) a dotação global para as Ifes deveriaser definida a partir do porcentual dareceita de impostos vinculados àmanutenção e ao desenvolvimento doensino;

    2) a dotação global para cada instituiçãodeveria assegurar recursos parapessoal e outros custeios e capital, detal modo que estes equivalessem, nomínimo, a 25% daqueles;

    3) uma parcela de 10% dos recursos

    totais de OCC seria alocada ao MEC,com a finalidade de fomentar odesenvolvimento institucional;

    4) a repartição dos recursos entre asIfes utilizaria critérios que consi-derariam dimensão e desempenho;

    5) haveria isonomia de carreiras e pisossalariais, com a possibilidade dediferenciação de remuneração,financiada com recursos financeirosobtidos pela instituição, além daquelesdo fundo público Federal;

    6) seriam fixados quadros de pessoal,em articulação com o MEC, de acordocom critérios de áreas, habilitações edimensão; seriam estabelecidasrelações obrigatórias entre dimensãodo corpo técnico-administrativo ecorpo docente (no máximo igual a 1,5)e de despesas com ambos os corpos(no máximo igual a 1);

    7) as contratações adicionais tem-porárias ou atribuições adicionais deregime de trabalho deveriam serfinanciadas por outras fontes distintasda dotação global, etc.

    A indefinição de porcentuais de recursospara a manutenção e desenvolvimento dasinstituições; a utilização de critérios empresariaispara a alocação de recursos; a objetividadematemática na determinação do quadro técnico-administrativo e docente; e a sinalização da ida ao

    mercado à procura de recursos complementares,entre outras, fizeram com que essas discussões

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    não prosperassem. Há que se lembrar ainda que opresidente Itamar Franco havia assumido aPresidência da República para um mandato de doisanos, tempo insuficiente para implantarem-semudanças substanciais no que se refere às normas

    pertinentes ao quadro de pessoal.Para evitar mudanças mais profundas, oMEC constituiu, pela Portaria 350/94, umaComissão Nacional responsável pela AgendaAutonomia/94, que trabalhou com membros daSecretaria de Ensino Superior do MEC (SESu/ MEC), Associação Nacional das UniversidadesParticulares (Anup), Associação Brasileira dasUniversidades Estaduais e Municipais (Abruem),Federação das Associações de Servidores dasUniversidades Brasileiras (Fasubra) e Asso-

    ciação Nacional dos Dirigentes das InstituiçõesFederais de Ensino Superior (Andifes), e que seencarregou de apresentar proposta de desre-gulamentação de instrumentos que dificultam oexercício da autonomia. Foram tratados temasrelacionados à nomeação e contratação depessoal; cessão, redistribuição e transferênciade pessoal entre as Ifes; capacitação de pessoal;expansão de vagas; transformação de cargos;afastamentos para estudos ou missões noexterior; concursos públicos para níveis nãoiniciais da carreira de técnico-administrativos;Sistema Integrado de Administração de Pessoal(Siape); registro de diplomas; estatuto eregimento; revalidação de estudos e mobilidadedo aluno; administração de recursos próprios;licitação; empréstimos e aplicações financeiras;gestão financeira; pagamentos de pró-labore;fundações, etc.

    Entretanto, mais uma vez, poucas açõesde desregulamentação foram implementadas.

    Com a posse de novo governo, no ano de

    1995, tendo à frente o ex-senador FernandoHenrique Cardoso, foi apresentado o documento Apolítica para as Instituições Federais de EnsinoSuperior (Brasil. MEC, 1995), contendo os seguintespontos “essenciais da política a ser implantada”:

    1) Promover a plena autonomia de gestãoadministrativa e financeira das univer-sidades federais, preservando sua condiçãoatual de entidades de direito público.

    2) A autonomia de gestão administrativadeverá incluir o poder de cada universidade

    decidir autonomamente sobre sua políticade pessoal, incluindo contratações e

    remunerações, observando parâmetrosmínimos comuns de carreira docente e depessoal técnico-administrativo.

    3) O governo federal definirá a cada ano umorçamento global para cada universidade,que será repassado em duodécimos eadministrado autonomamente por cadauma delas.

    4) O governo federal manterá pelo menos nosníveis reais atuais o gasto anual com asuniversidades e demais instituições deensino superior.

    5) O Ministério da Educação, ouvidos osreitores das Universidades Federais, fixaráos critérios para a distribuição dos recursosentre as instituições, levando em consi-deração a avaliação de seu desempenho e

    buscando estimular o aumento da eficiênciana aplicação dos recursos públicos e aampliação do atendimento à população.

    6) As universidades serão estimuladas abuscar fontes adicionais de recursos juntoa outras esferas do poder público e àiniciativa privada para ampliar oatendimento a outras demandas sociaisque não o ensino.

    7) Nas instituições públicas federais oscursos de graduação, mestrado edoutorado serão gratuitos.

    8) Os hospitais de ensino serão subordinadosacademicamente às universidades, masgozarão de autonomia administrativa comgestão profissional.

    As instituições deveriam decidir sobrepessoal – contratações e remunerações; osorçamentos seriam globais, ou seja, os recursospoderiam ser transferidos de pessoal paramanutenção e investimentos e vice-versa; nãohaveria aumento dos recursos financeiros do FPFpara as Ifes; os recursos seriam distribuídosutilizando-se critérios que buscassem a eficiênciae ampliação de atividades; as instituições deve-riam procurar fontes adicionais ao FPF; os cursosde especialização e extensão deixariam de sergratuitos e os hospitais de ensino seriam,administrativamente, separados das instituições.

    No início do governo Fernando HenriqueCardoso, com o firme propósito de transformaras Ifes em organizações sociais, sob aconfiguração apresentada até aqui, o Mare deu

    conhecimento à comunidade universitária dedocumento contendo 12 “etapas para viabilização

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    da aplicação da Lei de Organizações Sociais narecriação de Universidade Pública a seradministrada por Contrato de Gestão”.

    Ocorreram muitos questionamentos aessa reestruturação das Ifes e, aparentemente,a idéia foi abandonada pelo governo federal. Épreciso dizer aparentemente, pois, nas propostasapresentadas pelo MEC para estabelecer regraspara o funcionamento da autonomia universitária,aparecerá recorrentemente a idéia de implantar-se um contrato de gestão, instrumento que ser-viria, como diz o próprio texto do Mare, paraestabelecer uma convergência entre osinteresses do governo federal e da organizaçãosocial.

    No documentoPropostas de reformaconstitucional , apresentado em outubro de 1995,o MEC propõe uma alteração para o artigo 207da Constituição do Brasil, que acrescenta a ex-pressão “na forma da lei” ao texto constitucional.Grande reação a essa desconstitucionalizaçãoda autonomia universitária fez com que aproposta não obtivesse êxito.

    A partir da rejeição à proposta do governo,instala-se uma grande discussão nas diversasinstâncias relacionadas à questão: MEC, Andifes,

    Crub, Anup, Abruem, Fasubra e UNE. O primeiroembate dá-se em torno da auto-aplicabilidade doartigo 207, e divergências de interpretaçãoapresentam-se em toda a extensão dadiscussão.

    O caminho seguido pela Andifes foi o pro-posto por José Alfredo de Oliveira Baracho(1996), em “Autonomia Universitária: questõesconstitucionais e legais à auto-aplicabilidade doartigo 207”, parecer fornecido à Andifes sobreaspectos da autonomia universitária:

    Diante deste quadro, embora sendo des-necessária a regulamentação, é legítimaa idéia de uma Lei Orgânica das Univer-sidades, que venha melhor definir aautonomia, evitando que uma lei comconteúdo indesejável seja votada pelo Con-gresso diante da ausência de participaçãodas Universidades neste processo, sendoque para sua elaboração não é necessáriaa alteração do texto constitucional.

    Trabalhando nessa perspectiva, em

    1996, a Andifes apresentou ao MEC a propostade um anteprojeto de Lei: “Lei Orgânica das

    Universidades”, aprovado em João Pessoa (PB),em 1º de outubro de 1996, contendo regula-mentação sobre (Andifes, 1996):

    1) a natureza jurídica das universidades;2) em que consiste a autonomia

    didático-científica, a autonomia admi-nistrativa e a autonomia de gestãofinanceira e patrimonial;

    3) a existência de um Sistema Federalde Ensino Superior;

    4) o regime jurídico dos professores etécnico-administrativos;

    5) as regras para o financiamento, etc.Com relação ao item sobre o financia-

    mento das Ifes, a Andifes conduziu-se comcautela. Nas estaduais paulistas, a implantaçãoda autonomia deu-se com um aumento dosporcentuais de recursos que se destinavam,historicamente, às universidades. Os valorestotais, até 1986, ficavam em torno de 5% do ICMSpaulista; o valor de 1987, foi de 7,73% e o valorde 1989, quando da implantação da autonomia,foi de 8,4%. Em 1992, ele passou para 9% e hojeele é de 9,57%, sendo que, em 1998, discutia-sea elevação desse porcentual para 11%. Essesdiversos aumentos em apenas oito anosaconteceram depois de longas discussões queenvolveram os dirigentes, a comunidade uni-versitária, as entidades sindicais, os PoderesExecutivo e Legislativo, e justificaram-se tantopela necessidade da melhoria das condiçõessalariais e de trabalho quanto pela expansão dasatividades de ensino, pesquisa e extensão.

    Um fato gravíssimo na implantação daautonomia das universidades paulistas foi ainclusão do pagamento dos aposentados nosrecursos que se dirigiam a cada universidade.Na Unicamp, por exemplo, em 1989, 66% doorçamento destinava-se ao pagamento desalários – incluindo-se os dos aposentados – e,em 1998, esse porcentual chegou a 95%. É claroque não só o pagamento de aposentados éresponsável por essa situação; o aumento daqualificação dos professores, que elevou de 48%para 86% o quadro docente com o título de doutor,fez também aumentar as despesas com a folhade pagamento de pessoal (Tavares, 1998).

    Admitindo-se que o orçamento das Ifes sejaglobal, a experiência paulista nos indica que as

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    questões básicas a serem debatidas com relaçãoao financiamento são:

    1) como definir o montante de recursos aser distribuído?

    2) como tratar os fundos, como o FEF,que faz uma desvinculação orça-mentária dos recursos para aeducação?

    3) como garantir a suficiência dosrecursos ao longo do tempo?

    4) quais os critérios a serem utilizadospara distribuir entre as Ifes o montantede recursos? e

    5) como efetuar o pagamentos dosaposentados?

    Nova postura do MEC, entretanto, mudouo rumo das discussões; de uma discussão sobrea autonomia das universidades brasileiras, comoestava em debate, passou-se a regulamentarapenas a autonomia das Ifes, ou seja, somentedas instituições públicas federais. A partir dessadecisão, o ponto central da definição do finan-ciamento das Ifes passa a se situar no esta-belecimento de um Fundo de Manutenção eDesenvolvimento do Ensino Superior como umporcentual dos recursos vinculados à educação,e sob a gerência da União. Essa discussão deu-se por meio do Projeto de Emenda Constitucional

    nº 370, apresentado pelo governo ao CongressoNacional.

    O próprio nome do Fundo gera polêmica,pois a manutenção e desenvolvimento do ensinosuperior deixam-no aberto ao financiamento decrédito educativo, repasse para as instituiçõesestaduais, municipais, etc. Define-se que ele seriaconstituído de 75% dos recursos vinculados àeducação e que fazem parte do FPF. Seriasuficiente? Permitiria a expansão do sistema?Como incluir os recursos desvinculados pelosfundos como o FEF?

    A série histórica dos recursos do FPF e dosrecursos das Ifes, excluindo-se os recursos próprios,deixa um pouco mais clara a discussão. A Tabela 6mostra como foi esse porcentual ao longo do períodode 1990 a 2002, simulando a existência do Fundo.

    Vê-se que não seria possível manter opagamento das despesas das Ifes utilizando-se75% dos recursos do FPF para a educação; emgeral os gastos das Ifes foram superiores aos queseriam os recursos do Fundo de recursos. Seretirarmos o pagamento de inativos, pensionistase precatórios, encontramos os dados da Tabela 7.

    Em todas as propostas do MEC estavapresente a retirada do pagamento de inativos epensionistas do cálculo do montante a ser des-tinado ao financiamento das instituições. Vê-se

    Fonte: Primeira Coluna: Cálculos deste estudo. Segunda Coluna: Execução Orçamentária da União –www.camara.gov.br.*Considerando o retorno de recursos como os do FEF, incluindo-se os valores pagos a aponsentados,pensionistas excluindo-se os recursos próprios.

    Tabela 6 – Simulação do fundo de recursos para as Ifes*Valores em R$ milhões, com preços de janeiro de 2003 (IGP-DI/FGV)

    Ano75% dos recursos mínimos para a educação,

    Gasto com as %sem a existência do FEF,Ifes (A) (A)/(B)que a União destinaria ao Fundo (B)

    1990 9.660 10.369 107,31991 7.240 8.058 111,31992 4.369 7.119 162,91993 8.067 9.049 112,21994 10.930 10.990 100,51995 9.349 12.325 131,81996 9.078 11.185 123,21997 9.443 11.088 117,41998 10.587 10.855 102,51999 10.848 11.024 101,62000 9.704 10.393 107,12001 10.141 9.488 93,62002 9.654 9.689 100,4

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    na Tabela 7 que, a partir de 1997, passaria a existiruma certa folga em relação ao porcentual de 75%.

    Entretanto, um ponto decisivo para a inter-rupção da discussão sobre a subvinculação derecursos para um fundo que financiaria as Ifes ocor-reu quando o governo apresentou a proposta deque o fundo composto de 75% dos recursosvinculados constitucionalmente à União deixaria deexistir após dez anos. Imediatamente, os apoios àproposta de constituição do fundo esvaíram-se.

    O MEC apresentaria, ainda em 1999, umaoutra proposta que exigiria a aprovação de umContrato de Desenvolvimento Institucional, a partirdo qual se determinaria o montante de recursos aser alocado em cada Ifes, e uma relativização daautonomia, existindo diversos graus de autonomia.Essa proposta nada mais é do que a implantaçãode uma espécie de contrato de gestão, como estavaprevisto na proposta das organizações sociais.

    Essa nova proposta também recebeu fortereação contrária da comunidade universitária.

    Portanto, no que se relaciona ao cumpri-mento do artigo 207 da Constituição Federal, queestabelece a autonomia universitária, não houvenenhum avanço de 1989 a 2003. Primeiro, acomunidade universitária, incluindo os seusdirigentes, é permanentemente temerosa e críticaem relação às propostas emanadas do Poder

    Executivo e, depois, o próprio governo parece nãoquerer abrir mão do poder que ele detém sobre asinstituições, quando gerencia os seus orçamentos.

    Nas diversas propostas apresentadasdurante o governo FHC, aparece recorrentementea idéia de implantar-se um contrato de gestão – àsvezes “travestido” de Plano de DesenvolvimentoInstitucional (PDI) que deveria ser convergente“com os interesses do Governo Federal” (Brasil.Mare, 1995b, p. 11).

    Os planos de desenvolvimento institucio-nais, quando elaborados com a participação eenvolvimento daqueles que o executarão, semimposição – principalmente sob a coação dofinanciamento – de metas a serem alcançadas,constitui-se um valioso instrumento da gestão uni-versitária, por estabelecer princípios, diretrizes,metas a serem alcançadas e responsabilidades;o PDI, nessas condições, colabora para que osrumos estabelecidos para a instituição sejam“perseguidos” por todos os que possuemresponsabilidade em sua execução. Seria umgrande risco para o País que o seu maior sistemade ensino sup