POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM MATO GROSSO: O ENSINO...
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM MATO GROSSO: O ENSINO PRIMÁRIO
EM DESTAQUE
Mato Grosso desde os anos de 1927 vem sofrendo transformações para adequar o
ensino primário as determinações educacionais brasileiras. Contudo a realidade do
Estado não se constituía de maneira semelhante as demais localidades do país, pois sua
vasta área territorial era composta de comunidades rurais. Assim, o Regulamento da
Instrução Pública Primária de 1927 foi implantando com a intenção de minimizar as
diferenças, trazendo para Mato Grosso modelos escolares como as Escolas Reunidas,
singular aos grupos escolares, mas de baixo custo em sua criação. Os Grupos Escolares,
majestosas construções, foram criados desde 1910 no estado, mas não podiam ser
instalados em todas as localidades, somente nas áreas urbanas. As escolas isoladas não
davam conta de uma educação de qualidade, pois ensinavam somente o rudimentar. Por
isso, o modelo reunido seria uma opção plausível, por suprimir várias escolas isoladas
consideradas ineficientes pelos governantes e não custariam aos cofres estaduais o
mesmo que os grupos escolares custavam. Atrelado a estes fatos, havia a problemática
da faltam de formação da maioria dos professores primários, pois Mato Grosso chegou
nos 1960 com 62% de professores leigos, sem habilitação para o magistério, que tinham
a experiência cotidiana de sala de aula, mas lhes faltavam saberes sistematizados pelas
instituições de formação docente. Dessa forma, não seria apenas mudar a legislação
primária e estipular parâmetros educacionais para os modelos escolares vigentes no
Estado, mas as mudanças deveriam ocorrer também no quadro docente e no fazer
pedagógico cotidiano.
Palavras-Chave: Políticas Educacionais, Ensino Primário, Escolas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8387ISSN 2177-336X
ESCOLAS REUNIDAS MATO - GROSSENSES: AS PRERROGATIVAS
EDUCACIONAIS EXPRESSA NO REGULAMENTO DE 1927
Elton Castro Rodrigues dos Santos
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP
Convencido da necessidade urgente de cuidarmos do
futuro da instrucção popular, base fundamental de todo o
verdadeiro progresso social, que é tanto mais solido
quanto mais diffundida ella se acha; e convencido
tambem que o primeiro passo a dar para esse fim é a
formação de bons professores, mandei contractar dois
normalistas em S. Paulo, com o fim de crear aqui um
Escola Normal, de que havemos mistér para a realisação
desse importante objectivo [...]. (RELATÓRIO, 1910, p.
1).
Em 1910 presidente do estado Pedro Celestino Corrêa da Costa ressaltava que a
educação primária em Mato Grosso precisava urgentemente de novas medidas para que
assegurasse a qualidade e atendimento da demanda da educação primária no estado.
Para isso mandou buscar dois normalistas de São Paulo para a implantação dos Grupos
escolares em alguns municípios de Mato Grosso, começando por Cuiabá. Dessa forma,
Gustavo Kuhlmann e Leowigildo de Mello orientaram a elaboração do Regulamento da
Instrução Pública Primária de Mato Grosso, sancionado por meio do Decreto n. 258, de
20 de agosto de 1910.
Anteriormente a esse Regulamento só havia em Mato Grosso as escolas isoladas
e a nova Lei educacional traria para o cenário educacional os grupos escolares, modelo
de qualidade educacional em outros estados como São Paulo e Rio de Janeiro. De
acordo com Reis (2005, p. 128) o primeiro Grupo Escolar de Mato Grosso denominava-
se Escola Modelo, “[...] uma instituição de ensino primário que serviu de „oficina
pedagógica‟ para os alunos da escola normal, além de ser o „modelo‟, para demais
escolas primárias do estado” e foi implantado no prédio do Palácio da Instrução
(Ilustração 01).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8388ISSN 2177-336X
Figura 1- Palácio da Instrução Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, 1940.
A Escola Modelo era “[...] destinada à prática pedagógica dos alunos dos 2º e 3º
anos do curso Normal e servirá de modelo para todos os grupos escolares e escolas
isoladas do Estado.” A Escola Modelo seguia as disposições do Regulamento da
Instrução Pública de 1910 e o regime interno dos grupos escolares (REGULAMENTO
DA ESCOLA NORMAL, 1910, Art. 141, p. 169), e recebeu o nome de Escola Modelo
Barão de Melgaço.
Os grupos escolares eram um modelo educacional que custava muitos
investimentos, pois demandava edifícios construídos nos centros urbanos das principais
cidades e tinham uma proposta pedagógica baseada nos modernos métodos
determinados pelos Regulamentos de 1910. Com relação aos Grupos Escolares, esses
faziam parte da realidade urbana e “fundaram uma representação de ensino que não
apenas regulou o comportamento, reencenando cotidianamente, de professores e alunos
no interior das instituições escolares, como disseminou valores e normas sociais (e
educacionais)” (VIDAL, 2006, p.9). Essas escolas eram consideradas instituições
escolares que davam resultados qualitativos, em termos educacionais, mas não havia
como Mato Grosso expandir esse modelo de instituição, porque os cofres públicos não
possuíam verbas para custear tal feito e ainda esse modelo não atenderia a demanda
geral da população escolar mato-grossense, ou seja, as classes com menor recurso
financeiro.
Os professores segundo o Regulamento de 1910 (Art.2º, p. 7) estariam divididos
em professores normalistas para o grupo escolar e de “um Professor adjunto para cada
Escola Primaria de cidade ou vila, cuja freqüência exceder de quarenta alunos”. Não se
expressa nas Leis educacionais desse período qual seria a formação dos professores das
escolas primaria. Como eram escolas localizadas em vilas e lugarejos, acredita-se que
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8389ISSN 2177-336X
esses professores eram leigos, pessoas da comunidade que tinham o ensino primário
completo ou ainda incompleto, mas que sabia ler, escrever e contar. Requesitos básicos
para se assumir uma classe nas escolas da vila.
O depoimento da professora relata como nessas escolas uma precariedade de
condições para exercer a docência e atender as necessidades do alunado: Na “época não
havia luz e a merendeir[...] tinha uns pé de árvores grossos... ela, debaixo...num fogão
de lenha feito no chão...fazia mingau, arroz doce e canjiquinha que vinha pronto em
uma sacola, era só desmanchar no fogo, fazia almoço, galinha com arroz e
macarronada” (DEPOIMENTO, AMORIM, 2012).
As condições que as professoras dessas escolas enfrentavam, eram mínimas, por
isso improvisavam materiais e outros recursos como merenda, para que os alunos
permanecessem na escola. Pode-se considerar, pelos estudos de Freidson (1923, p.
2000) que essas professores desempenhavam a profissão por consideração aos alunos e
ao ato educativo e faziam a diferença na localidade em que a escola se situava. Segundo
esse autor:
Existem algumas tarefas que quase todo mundo, numa dada
sociedade, num dado momento da historia, pode realizar pelas simples
condição de ser um adulto possuidor de competências convencionadas
da vida comum do dia-a-dia, como, por exemplo, ser capaz de discar
um número de telefone ou de guiar um carro, e há outras que só
podem ser realizadas após um breve treinamento ou instrução.
Mas, há outras tarefas que “[...] exigem ou um extenso treinamento, ou
experiência ou ambos e, neste caso, os realizados são verdadeiros especialistas com
competência e conhecimento – isto é, com expertise” (FREIDSON, 1923, 2000). Os
professores leigos que ministravam aulas nas escolas isoladas não possuíam saberes,
sistematizados, advindos de uma escola predatória para a docência.
Acredita-se que os professores das escolas primárias que não tinham formação
específica para o magistério, possuíam, segundo os estudos de Tardif (2010, p. 48)
saberes experienciais, “[...] adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão e
que não provêm das instituições de formação e nem dos currículos. Estes saberes não se
encontram sistematizados em doutrinas ou teorias”. Esses saberes segundo o autor:
São saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática
para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes
constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de
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representações a partir das quais os professores interpretam,
compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em
todas as suas dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura
docente em ação.
Os saberes experienciais são sujeitos a condicionantes que estão ligados a “[...]
situações concretas que não são passíveis de definição acabadas e que exigem
improvisações e habilidade pessoal, bem como a capacidade de enfrentar situações mais
ou menos transitórias e variáveis” (TARDIF, 2010, p. 49).
As escolas isoladas se localizavam a mais de 3 quilômetros da sede municipal,
predominante em Mato Grosso, pois não necessitava construções de prédios e número
maior de professores. Essas instituições funcionavam na “casa do professor ou outra
residência alugada, entendidas como modalidade escolar na qual o professor ensinava
sozinho a uma turma de até 60 alunos distribuídos em graus diferenciados de
desenvolvimento [...]” (SÁ; SÁ, 2011, p.50).
A situação das escolas primárias que não eram grupos escolares continuava
precária. A solução para o problema não dependia somente do “aumento do numero das
escolas, mas principalmente da efficiencia vistas dos administradores. Agir de outro
modo será onerar indevidamente os cofres públicos” (CORRÊA, 1921, p.22). A
preocupação do Presidente do Estado pode ser entendida, quando se observa o número
de Grupos Escolares e Escolas Isoladas em Mato Grosso, no período de 1920 a 1923.
Tabela 1: Número de Grupos Escolares e Escolas Isoladas em Mato Grosso.
Classificação 1920 1921 1922 1923
Grupo Escolar 04 04 04 04
Escolas Isoladas 148 154 160 160
Fonte: Mensagens de Presidente de Mato Grosso, entre 1920 e 1923.
Os dados numéricos mostram que enquanto a implantação de Grupo Escolar
estagnou, talvez por requererem mais investimentos e se localizarem em áreas urbanas,
o número de escolas isoladas, durante quatro anos, aumentou significativamente. Ao
pensar nisso percebe-se também que aumentou o número de professores leigos no
Estado.
Se o Regulamento de 1910 não trazia exigências de qualificações para o
professor assumir uma escola primária, o de 1927 trouxe modificações significativas,
mais ainda não contemplou os professores das escolas isoladas.
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Regulamento da Instrução Pública de 1927
Mato Grosso queria se enquadrar nos moldes de São Paulo, em termos de
qualidade educacional, para isso, teria que solucionar os problemas de ensino, instituiu
um modelo de escola que não demandassem tantas reservas como os grupos escolares.
Para realizar tal feito organizou uma comissão para elaborar um novo Regulamento da
Instrução Pública e que contemplasse modelos de escolas de baixo custo, mas eficiente
no ato educativo, já que para os governantes as escolas isoladas eram ineficientes e seu
ensino considerado nulo. A comissão foi formada por pelo Dr. Cesário Alves Corrêa,
Diretor Geral da Instrução Pública, Jayme Joaquim de Carvalho, Isác Povoas, Júlio
Muller, Franklin Cassiano da Silva, Rubens de Carvalho, Philogonio Corrêa, Fernando
Leite Campos, Nilo Póvoas e Alcindo de Camargo.
O novo Regulamento da Instrução Pública foi sancionado pelo Decreto nº 759,
de 22 de abril de 1927, trouxe nas disposições gerais, em seus Artigos 1º e 2º, que em
Mato Grosso o ensino era dividido em duas categorias: primário e secundário. Sendo o
ensino primário “gratuito e obrigatório a todas as crianças normais, analfabetas, de 7 a
12 anos, que residirem até 2 quilômetros de escola pública” (REGULAMENTO, 1927,
p. 1). Outra mudança expressiva implantada pelo Regulamento de 1927 foi o
desmembramento das escolas isoladas em Escolas isoladas rurais, Escolas isoladas
urbanas, Escolas isoladas noturnas, manteve os Grupos escolares e criou uma novo
modalidade de escola primária, as Escolas reunidas. Esse novo modelo de escola
primária, nasceu da nasce da junção de duas ou mais escolas isoladas em um único
prédio, com divisões de classe e professores.
As Escolas Reunidas possuíam as mesmas determinações dedicadas aos grupos
escolares e sua criação, de acordo dom o Regulamento (1927, Art. 21) visa “melhorar as
condições pedagógicas e higiénicas das salas escolares; classificar os alunos pelo nível
de desenvolvimento intelectual; facilitar e intensificar a inspeção”. Como o próprio
nome sugere, as Escolas Reunidas se constitui em um agrupamento de três ou mais
escolas, que tivessem uma frequência de 80 alunos, com máximo de 07 e mínimo de 03
classes. (MATO GROSSO, 1927). Ilustração 02:
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Figura 2- Escolas Reunidas Rio-Pardo, MT – 1936.
Fonte: APMT, 2012
Era previsto construção de prédios para as Escolas Reunidas, mas o que se
percebe nas fontes documentais é que a instalações destas instituições escolares em
prédios alugados, com provimentos estaduais. Outra problemática é que se as Escolas
Reunidas não conseguissem atingir seus objetivos educacionais, elas poderiam ser
extinta, um dos casos seria “quando se verificar a efetiva insuficiência de matrícula para
a manutenção de 3 classes, tendo por base o mínimo estabelecido para o funcionamento
das escolas isoladas. (REGULAMENTO, 1927, p.167).
Caracterizar as Escolas Reunidas foi uma opção para se chegar a problemática
dos professores que ministravam aulas nessas instituições, pois as normativas era de que
seria idêntico aos grupos escolares, ou seja, formados em escolas Normais: “Art. 37 –
Serão admitidos ao magistério efetivo somente os professores formados em escolas
normais do Estado”. Já os interinos tinham como normativa que as pessoas deveriam ser
“maiores de 16 anos, para o sexo feminino e 20 para o masculino, sem moléstia ou
defeito que o impossibilite para o exercício do magistério” (REGULAMENTO, 1927, p.
168). Quanto a formação exigida para ministrar aula nas Escolas Reunidas deveria ter: o
curso do Liceu Cuiabano, ou ter realizado parte do curso normal e/ou curso
complementar.
O Liceu Cuiabano foi uma instituição de ensino secundário “fundado em 13 de
dezembro de 1879, através de Lei nº. 536, [...] onde ocorreu a junção de dois
estabelecimentos, a recém criada instituição o Lyceu Cuiabano e a já instalada Escola
Normal criada em 1875” (ROCHA, 2011, p. 2). Com relação ao curso complementar
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era considerado como pré-profissional e profissional e poderia ser realizado após o
ensino secundário.
Já a Escola Normal, foi criada a partir da “[...] necessidade da profissionalização
dos docentes num tempo de institucionalização da instrução pública no mundo moderno
que se construía sob o signo da ordem social burguesa” e visava Escola a formação do
povo (SCHAFFRATH, 2008, p. 146). Esse requesitos parece que permaneceram
somente expressos nos documentos oficiais, pois as Escolas Reunidas por serem
implantadas em lugares em que não existia o Grupo escolar e por reunir escolas isoladas
em sua composição abarcava em sua maioria professores sem formação como a
professora Amorim. Leiga, ministrava aulas nas escolas reunidas da comunidade de
Cachoeira Rica. O Distrito de Cachoeira Rica fica a 30 km do município de Chapada
dos Guimarães – MT é uma comunidade rural, que nasceu, como outros povoados de
Mato Grosso, a partir do estabelecimento de garimpos na região.
Na comunidade de Cachoeira Rica os moradores viviam da agricultura de
subsistência, do garimpo manual e do trabalho em fazendas vizinhas. Na época (1938) a
região contava com aproximadamente 300 famílias, por isso, houve necessidade de
implantar uma escola naquela localidade (MATO GROSSO, 2010). Nessa localidade
não tinha Grupos Escolares.
Essa escola atendia a demanda de alunos das fazendas visinhas e ofertava
somente o ensino primário até 2005. Profª. Amorim, ex-diretora da instituição de ensino
em foco, ressalta que a estrutura do prédio da escola era precária, de adobe, não
suportou a ação do tempo e desabou, obrigando alunos e professores a retonarem para
uma casa improvisada de sapé.
Figura 3 - Escolas Reunidas de Cachoeira Rica – MT, 1978.
Fonte: AMORIM, 2012.
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Em nada essa estrutura escolar se assemelhava aos grupos escolares, pois, De
acordo com Amorim (2013, p. 71) que entrevistou a Profa. Neide:
A vida na escola na zona rural era difícil, as escolas ficavam em
muitos casos distantes do local de moradia dos estudantes e eram
privadas de diversos materiais didáticos. Entretanto, foi espelhada na
mesma maneira em que foi alfabetizada, que ela, mais tarde, atuou em
sala e ensinou seus alunos nas escolas rurais em que ministrou aulas.
Percebe-se que a professora Neide não atendia nenhuma das especificações
expressas no Regulamento de 1927 para contratação de professores para a escola
Reunida. Essa professora ressalta que utilizava os materiais de familiares que eram
docentes para ministrar aula: “mas por causa de meu avô e de minha tia serem
professores, tinha muito coisa deles lá. Aí eu aproveitava. E também, a Escola Rural
Mista era tudo junto. Aí eu sentia dificuldades no primeiro ano. Aí no segundo ano em
diante, já fui ganhando mais experiência” (AMORIM, depoimento, 2012)
Percebe-se que a professora em questão ia adaptando sua prática docente as
questões que ocorriam no cotidiano de sala de aula. Tardif (2010, p. 14) aponta outros
elementos sobre o trabalho do professor em sala de aula:
Um professor raramente tem uma teoria ou uma concepção unitária de
sua prática; ao contrário, os professores utilizam muitas teorias,
concepções e técnicas, conforme a necessidade, mesmo que pareçam
contraditórias para os pesquisadores universitários. Sua relação com
os saberes não é de busca de coerência, mas de utilização integrada no
trabalho, em função de vários objetivos que procuram atingir
simultaneamente.
Isso porque, segundo Gauthier (1998, p.20), “ao contrário de vários outros
ofícios que desenvolveram um corpus de saberes, o ensino tarda e refletir sobre si
mesmo”. Por isso, pode não haver entendimento de pesquisadores universitários sobre
as ações do professor em sala de aula. O autor acrescenta que:
Confinado ao segredo da sala de aula, ele resite á sua própria
conceitualização e mal consegue se expressar. Na verdade, mesmo
que o ensino já venha sendo realizado há séculos, é muito difícil
definir os saberes envolvidos no exercício desse oficio, tamanha é a
sua ignorância em relação a si mesmo.
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O cotidiano de quem ministrava aulas nas escolas reunidas também passava por
adversidades. Um exemplo é as Escolas Reunidas de Santa Claudina, de 1948. No
tempo das águas, para chegar a localidade somente de barco e na estiagem das chuvas à
cavalo, ou ultrapassando barreiras nas trilhas. Essa escola oferecia curso primário (1º
ano A, B, C – 2º, 3º e 4º), a professora residia na escola e pagava uma importância de
Cr$ 400,00, à área ocupada pela escola perfazia um total de 10.000,00 m², construída de
alvenaria e telhas comuns, as Escolas Reunidas Santa Claudina possuía 02 salas de aula
e era considerada uma escola típica da zona rural. (ESTATÍSTICA DO ENSINO
PRIMÁRIO GERAL, 1948).
A professora Marques (depoimento, 2012) relata que a Escola Reunidas de Santa
Claudina não se diferia de uma escola isolada rural, os professores se desdobram para
ministrar aula em uma única sala para diferentes níveis de ensino, não havia carteiras
para todas as crianças, por isso utilizavam bancos e mesas para compor mobiliário
escolar. O ensino de diversas matérias fazia com que o professor dessa escola tivesse
que planejar meios de socializar o conhecimento. “Mas quem ensina sabe muito bem
que, para ensinar, é preciso muito mais do que simplesmente conhecer a matéria,
mesmo que esse conhecimento seja fundamental” (GAUTHIER, 1998, p.20).
Sobre o conhecimento da matéria Gauthier (1998, p.20) acrescenta:
Quem ensina sabe que deve também planejar, organizar, avaliar, que
também não pode esquecer os problemas de disciplina, e que dever
estar atento aos alunos mais agitados, muito tranquilos, mais
avançados, muitos lentos, etc. em suma, quem mergulha diariamente
nesse ofício sabe muito bem que, apesar de grande importância de se
conhecer a matéria, isso não é suficiente por si só. Pensar que ensinar
consiste apenas em transmitir um conteúdo a um grupo de alunos é
reduzir uma atividade tão complexa quanto o ensino a uma única
dimensão aquele que é mais evidente, mas é sobretudo negar-se a
refletir de forma mais profunda sobre a natureza desse ofício e dos
outros saberes que lhe são necessários. Numa palavra, o saber do
magister não se resume apenas ao conhecimento da matéria.
Percebe-se que “os saberes profissionais também são variados e heterogêneos
porque não formam um repertório de conhecimentos unificados”, conhecimentos que
não se restringem a matéria (TARDIF, 2000, p. 14), mas de todos os acontecimentos
envolvendo o contexto escolar.
Sobre as escolas Reunidas, percebe-se que apesar de ser um modelo que trazia
economia aos cofres públicos do Estado, pois suprimia escolas isoladas de baixa
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qualidade educacional e as reuniam em um único prédio, esse modelo parece ter servido
para as aspirações dos governantes como mola propulsora para expansão dos grupos
escolares, pois varias escolas reunidas quando tinha uma regularidade de matriculas de
250 alunos anuais, eram transformadas em Grupo Escolar.
Considerações finais
As reflexões realizadas apontam que mesmo sendo assegurado pelo
Regulamento de 1927 que as Escolas Reunidas deveriam ter professores formados nas
Escolas Normais de Mato Grosso, esse fato não ocorria na prática. Esse modelo escolar
se assemelhava as escolas isoladas sem provimento de estruturas físicas e pedagógicas.
As professoras citadas neste trabalho tinham estratégias para atender as necessidades
educacionais dos educandos, até dividir os conteúdos para que contemplasse o ano
letivo como um todo.
As docentes não tinham saberes apreendidos na Escola Normal para formação de
professores, mas possuíam saberes experienciais advindos de vastos anos de ofício
educacional nas escolas.
Reunidas de Mato Grosso. As análises indicam que a implantação das Escolas
Reunidas apesar de serem o modelo que vinha ao encontro com as necessidades de
contenção de gastos do estado, pois poderia reunir em um só prédio três ou mais escolas
isoladas, extinguindo - as e contratando um número menor de funcionários comparado
aos grupos escolares.
Mesmo que os grupos escolares se constituíssem em um projeto educacional que
vinha mostrando melhores resultados no ensino no Brasil e em Mato Grosso, não se
conseguia criar esse modelo em diferentes municípios do estado, por isso, investir nas
Escolas Reunidas justificava-se por ser um projeto semelhante de baixo custo, sem, no
entanto, exigir a ostentação de prédios e número grande de funcionários escolares,
podendo assim, ser instaladas nas pequenas localidades.
Referências:
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educação e Memória da universidade Federal de mato Grosso – GEM. Cachoeira Rica
Distrito de Chapada dos Guimarães – MT, 2012.
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8397ISSN 2177-336X
AMORIM, Rômulo Pinheiro de. PROFESSORAS PRIMÁRIAS EM MATO GROSSO:
trajetórias profissionais e sociabilidade intelectual na década de 1960. Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Educação da
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APMT. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, Leis e Decretos. Cuiabá – MT, 1940.
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tradução Celso Mauro Paciornik. São Paulo – SP. Editora da Universidade de São Paulo,
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GAUTHIER, Clermont. ENSINAR: Ofício Estável, Identidade Profissional Vacilante. In.
GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporânea sobre
docente. [et al.]; trad. Francisco Pereira - Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998. -- 547p. (coleção
fronteiras da educação)
MATO GROSSO. Relatório apresentado ao Secretario do Estado. Arquivo Público de
Mato Grosso – APMT, Cuiabá – MT, 1910.
____,____. Relatório apresentado ao Diretor Geral da Instrução Pública do Estado, Dr.
Cesário Alves Corrêa pelo diretor do Grupo Escolar de Poconé Pedro Paes de Barros, em 15
de novembro de 1921.
____,____. Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso –
Referente ao ano de 1935. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, Cuiabá – MT, 1936.
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Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, Cuiabá – MT, 1910.
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<http://www.each.usp.br/ixsnhm/Anaisixsnhm/Comunicacoes/1_Rocha_I_Presen%C3%A7
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8399ISSN 2177-336X
AS DETERMINAÇÕES DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE 1960
PARA PROFESSORES LEIGOS DE MATO GROSSO
Marineide de Oliveira da Silva
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP
Um dos principais obstáculos ao plano
desenvolvimento do povo brasileiro encontra-se na
extrema precariedade da rede nacional de ensino,
destinada à preparação da infância e da juventude.
O progresso experimentado pelo País, nos últimos
dez anos, tornou mais nítida a incapacidade do
nosso sistema de educação (BRASIL, 1987, p. 356).
No Brasil em meados dos anos de 1950, a educação estava atrelada ao processo
de desenvolvimento nacional e por isso, o governo brasileiro, como estratégia, buscou
direcionar a criação de um planejamento da educação nacional atrelado ao planejamento
econômico. A proposta, implementada pelo governo de João Goulart estabelecia ênfase
nos acordos firmados pelo governo federal na Conferência de Punta del Este, prevendo
a criação e execução de programas nacionais de desenvolvimento econômico e social
(FERREIRA, 2010).
Franchini Neto (2005, p. 2) explica que a “Conferência de Punta Del Este, teve
grande repercussão na política brasileira. Poucas vezes a opinião pública brasileira
mobilizou-se em assuntos de política internacional como o fez em janeiro de 1962”.
Isso porque nos anos findos de 1950 e início de 1960, com a “Revolução Socialista em
Cuba, os Estados Unidos colocaram em prática uma política externa que abrangesse
suas influências na América Latina, de forma a combater a possibilidade de um avanço
socialista na região” (AMORIM, 2012) e o Brasil participou desse movimento.
O entendimento de que o planejamento da educação nacional deveria estar
atrelado ao planejamento econômico se fez presente em três diferentes concepções para
determinar os rumos da política educacional brasileira: uma que estava relacionada com
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a compreensão do plano de educação, atrelado a visão liberal presente no Manifesto dos
Pioneiros da Educação de 1932. A segunda articulava o planejamento educacional e
planejamento econômico, juntamente com o planejamento social global, destacados nas
conferências internacionais de educação no período e a terceira que se referia a
construção de normas para distribuição de recursos públicos para educação (HORTA,
1982).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, Lei nº 4.024,
aprovada em 20 de dezembro de 1961, pelo Conselho Federal de Educação – CFE, “que
estabeleceu que os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino pelo
art. 169 da Constituição de 1946, fossem distribuídos em Fundos para cada setor,
atribuindo ao Conselho Federal de Educação a competência de elaborar o plano de
aplicação de cada fundo” (FNE, 2011, p. 9), reforçava as implicações das resoluções
debatidas na Conferência de Punta del Este e efetivava a terceira concepção, a
construção de normas para distribuição de recursos públicos para educação como sendo
a que prevaleceria no plano educacional do Brasil.
Para João Goulart, a educação do ensino primário brasileiro era considerada
precária “apenas pouco mais da metade da população escolarizável, de 7 a 11 anos de
idade, recebe instrução primária. A deficiência das instalações escolares é, em regra,
alarmante” e necessitava de mudanças urgentes (BRASIL, 1987, p. 355).
Como a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDBEN apregoavam determinavam que a “educação é um direito; que a
educação primária é obrigatória; que a educação ulterior à primária deve oferecer acesso
ao maior número possível de educandos”. A distribuição de recursos deveria ser
coordenada pelo governo federal e, distribuída para que os Estados e municípios os
aplicassem na educação.
De acordo com Horta (1982) os acordos internacionais referentes a educação,
firmados pelo Brasil na reunião em Punta del Este, deveriam ser incluídos nas metas a
serem alcançadas pelo plano nacional até o ano de 1970. Sobre as metas a serem
alcançadas no Plano Educacional estava a efetivação de matrícula no ensino primário,
até a quarta série de “[...] 100% da população escolar de 7 a 11 anos de idade, e
matrícula, nas quintas séries, de 70% da população escolar de 12 a 14 anos”
(PASQUALE, 1966, p. 15).
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Segundo o João Goulart, havia urgência em “[...] reorientar a educação brasileira
para o atendimento das necessidades do sistema produtivo. Se a escola primária é
inadequada, nos cursos de nível médio é ainda mais evidente essa inadequação”
(BRASIL, 1987, p. 358). Para efetivar tal feito, as propostas para mudar o setor
educacional e torná-lo de qualidade deveriam estar presentes também no Plano Trienal
de Desenvolvimento Econômico e Social de 1963. Dentre as propostas, pode-se citar:
Construir e equipar 3.000 escolas integradas e 3.474 grupos escolares,
num total de 40.500 salas de aula que assegurarão mais de dois e meio
milhões de novas matrículas; recuperar 5.000 prédios escolares em
condições precárias de conservação e reequipar 50.000 salas de aula;
assegurar subsídios aos estados e municípios, para a manutenção,
expansão e aprimoramento de suas redes de ensino, no montante de 36
bilhões de cruzeiros; contribuir com 5 bilhões de cruzeiros para a
implantação, nos centros urbanos, da 5a e 6ª séries primárias, sendo a
última delas equivalente à primeira ginasial; construir e equipar 18
grandes centros de formação e especialização do magistério primário e
utilizar a rede nacional de escolas normais para formar, no triênio,
48.000 professores e 10.000 supervisores que, por sua vez, ministrarão
cursos intensivos de aperfeiçoamento a 69.000 professoras leigas
(BRASIL, 1987, p. 362).
A proposta de expansão do ensino primário só teria sucesso, segundo os
governantes brasileiros, se estivessem atreladas ao aumento do número de professores
desse nível de ensino, melhoria na formação dos professores, com a criação do cargo de
especialistas em educação e dos supervisores do ensino primário para atuarem no
aperfeiçoamento da maioria dos professores primários leigos estavam em exercício nas
escolas em todo o país.
Para Amorim (2012, p. 50) a perspectiva do governo federal para a educação no
citado período “[...] passou a ganhar impulso quando houve a convocação do
economista Celso Furtado para elaboração do Plano Trienal de Desenvolvimento
Econômico e Social para o triênio de 1963 a 1965”.
No Plano Trienal de Educação o magistério estaria dividido em três grupos: “as
normalistas, diplomadas no segundo ciclo do nível médio, os regentes, diplomados no
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primeiro ciclo de nível médio e os chamados „leigos‟, sem formação regular, na sua
maioria provinda da escola primária” (BRASIL, 2011).
No Plano Trienal de Educação compartilhava também com os objetivos do
Plano Nacional de Educação de 1962 que previam investimentos em estrutura física das
escolas, aplicação de um programa de aperfeiçoamento do magistério com o objetivo de
“recuperação” professores leigos e criação de Centros de Treinamento do Magistério em
várias regiões do Brasil. Os Centros de Treinamento do Magistério seriam criados em
“São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do
Sul, Mato Grosso, Goiás, Espírito Santo, Ceará, Alagoas, Maranhão, Pará, Paraíba e
Brasília”, até os nãos de 1965 (BRASIL, 2011, p. 163).
Anísio Teixeira (1958, p. 01) já havia sinalizado em anos anteriores que a
formação dos professores precisaria de modificações e para tal o surgimento dos
professores-supervisores e dos especialistas em educação seria uma das ações para
efetivação dessa mudança. Para o autor “o trabalho de classe, ou seja, o ensino, sempre
compreendeu tarefas administrativas e de planejamento, tarefas de ensino propriamente
dita e tarefas de orientação. O professor administra a sua classe, ensina a seus alunos e
os orienta na vida e nos estudos”. A ideia de Teixeira era que houvesse meios para que
os especialistas em educação pudessem contribuir na formação dos professores primário
nas áreas de administração escolar, planejamento, currículo, supervisão e orientação.
Assim, ao se implantar um o processo para divulgação de novas metodologias
educacionais aos demais professores, principalmente os que necessitavam serem
recuperados, os especialistas seriam como disseminadores de novos conhecimentos.
Mato Grosso frente às determinações dos Planos Nacionais de Educação dos
anos de 1960
Nos anos de 1961, Mato Grosso era governado por Fernando Corrêa da Costa,
médico, ampliou o número de estabelecimentos educacionais que atendiam ao nível de
ensino secundários em alguns municípios do estado, criou a escola normal em Corumbá
e a Escola Técnica do Comércio chamada de “Joaquim Murtinho” e para debater sobre a
educação em Mato Grosso, visando modificá-la e atender os preceitos do Plano
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Nacional de Educação, organizou um Congresso Mato-Grossense de Educação e Saúde
no estado (MARCÍLIO, 1963).
Marcílio (1963) esclarece que o primeiro Congresso Mato-Grossense de
Educação e Saúde foi realizado em Cuiabá, no Palácio da Instrução para que se
pudessem debater questões referentes à educação e à saúde do estado. Na ocasião
estavam reunidas autoridades políticas como prefeitos municipais, deputados estaduais
e federais, médicos, professores, engenheiros sanitaristas, líderes educacionais, diretor
do Departamento de Saúde, diretor do Departamento de Educação e o governador e o
secretário de educação Hermes Rodrigues de Alcântara.
Os governantes mato-grossenses tinham como metas consolidadas no I
Congresso de Educação de Mato Grosso, elevar o nível de formação dos professores em
1962. Para isso determinaram os professores leigos, sem formação para o magistério,
somente exerceriam suas funções através da apresentação de certificado de habilitação a
uma comissão especial (MARCÍLIO, 1963). O que os qualificavam a permanecerem na
docência em Mato Grosso.
A exigência por certificação se efetivou porque mais de 60% dos professores em
Mato Grosso eram leigos, sem a formação necessária para atuarem no magistério. Os
professores leigos eram considerados pelos governantes mato-grossenses como um
problema que impedia o estado de cumprir as prerrogativas contidas no planejamento
educacional. A justificativa para “recuperar” esses professores pautava-se na explicação
de que “tendo-se em conta os conhecimentos gerais que possam possuir esses
professores, jamais estarão eles em condições de exercer integralmente as suas funções
de mestres, sem os conhecimentos especializados da profissão” (MARCÍLIO, 1963, p.
214).
Ao se pensar sobre a carreira docente, nessa perspectiva envolvendo os
professores leigos, uma questão principal emerge das reflexões: como se torna
professor? Maurice Tardif (2014) enfoca elementos importantes para desvelar essa
problemática. Segundo autor, o professor se torna “professor” a partir do conjunto de
saberes que vai apreendendo ao longo de sua vida. Dentre esses, estão os saberes pré-
profissionais e os profissionais que abarcam as dimensões indenitárias e de socialização
profissional. Por isso, o autor esclarece que esse processo é composto de fases e
mudanças que perpassam a vida docente:
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Em suma, tudo leva a crer que os saberes adquiridos durante a
trajetória pré-profissional, isto é, quando da socialização primária e
sobretudo quando da socialização escolar, têm um peso importante na
compreensão da natureza dos saberes, do saber-fazer e do saber-ser
que serão mobilizados e utilizados em seguida quando da socialização
profissional e no próprio exercício do magistério (TARDIF, 2014, p.
70)
Entender como esses saberes perpassam a carreira profissional docente é
importante para se refletir, tendo como parâmetro a perspectiva de Tardif (2014), que
tinha professores leigos tinham os saberes pessoais provenientes do ambiente familiar,
saberes provenientes da formação escolar anterior (pré-profissional), nesse caso do
ensino primário, mas não possuíam saberes sistematizados apreendidos na formação
para o magistério, por isso acredita-se que reproduziam o fazer pedagógico de acordo
como foram ensinadas enquanto alunos de nível primário.
De acordo Tardif (2010, p. 36) os saberes docentes podem ser categorizados da
seguinte forma: saberes profissionais, saberes disciplinares, saberes curriculares e
saberes experienciais. Assim esses saberes podem ser considerados como um saber
plural, “sua prática integra diferentes saberes, como os quais o corpo docente mantém
diferentes relações”, ou seja, formado por conjunto de saberes (saberes profissionais,
saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais) que culmina na
prática cotidiana do professor em sala de aula.
Com relação aos saberes profissionais, estes podem ser classificados como “[...]
o conjunto de saberes transmitidos pelas intuições de formação de professores (escolas
normais ou faculdades de ciências da educação)” (TARDIF, 2010, p. 36). Sobre as
Escolas Normais, estas podem ser caracterizadas, “como locus especializado em formar
professores para o ensino primário, têm sua história perpassada por toda uma conjuntura
sócio-política, que como se pode perceber, vai além de questões de cunho meramente
pedagógico” (SCHAFFRATH, 2009, p. 146).
Outro tipo de saberes os disciplinares decorre dos “[...] diversos campos de
conhecimentos, aos saberes de que dispõe nossa sociedade, tais como se encontram hoje
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integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no interior de faculdades e de
cursos distintos” (TARDIF, 2010, p. 38).
Os saberes experienciais, os quais este trabalho considera importante para
entender problemática inicial do objeto de estudo proposto, tendo em vista os estudos de
Maurice Tardif, os quais as professoras leigas podiam contar em sua jornada laboral
cotidiana na escola, já que não dispunham de saberes profissionais, disciplinares e
curriculares. Os saberes experienciais “brotam da experiência e por ela são validados.
Eles incorporam - se à experiência individual e coletiva sob forma de hábitos e
habilidades de saber-fazer e saber-ser” (TARDIF, 2010, p. 39).
Percebe-se que os professores leigos não tinham acesso aos saberes provenientes
da formação profissional para o magistério e dos saberes provenientes dos programas e
livros didáticos usados no trabalho e sim, dos saberes provenientes de sua própria
experiência na profissão, por isso, o Curso de Férias se constituiu em uma importante
oportunidade para formação profissional.
Essa falta de um certificado para o magistério acarretava dificuldades para
permanecer no quadro docente do Estado e cumprir as metas governamentais mato-
grossenses e para isso, os professores leigos não tinham escolhas, pois se não dispusesse
a ser “recuperado” no curso de formação implantado em Mato Grosso intitulado -
“Curso de Férias para Professores Leigos”, seria eliminado da folha de pagamento
estado.
De acordo com Amorim (2013) as professoras que ministravam o Curso de
férias tiveram uma formação proveniente do Programa de Assistência Brasileiro –
Americana ao Ensino Elementar - PABAEE, cujas aulas tinham como prerrogativa o
aprendizado das técnicas e dos métodos avançados de ensino de maneira que poderia ser
capaz de ofertar conhecimentos necessários para que os cursistas elevassem o nível de
qualidade no ensino primário brasileiro, uma vez que o foco central da formação no
citado programa consistia no aprimoramento da prática docente e no processo de
ensino-aprendizagem (PAIVA e PAIXÃO, 2002).
Por isso, ao retornarem para Cuiabá os professores que estudaram PABAEE
estariam aptos a multiplicarem esses conhecimentos e ministrariam aulas no CTM –
Cuiabá no Curso de Férias, pois de acordo com a política educacional do momento,
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8406ISSN 2177-336X
tinham que “recuperar” os professores leigos para que estes pudessem permanecer
frente às turmas de ensino primário em diferentes localidades do país.
Criado em 16 de agosto de 1963, segundo Amorim (2012, p.7), o Centro de
Treinamento do Magistério de Cuiabá possuía a “[...] finalidade de fornecer a
oportunidade de “recuperação” dos professores leigos do estado, de se qualificarem,
bem como introduzir as modernas técnicas de ensino ao professorado de Mato Grosso”.
O Curso de Férias em Mato Grosso para Professores Leigos
Em 1963, a formação de professores ganhar destaque em Mato Grosso, quando o
número de professores e localidades com escolas aumentaram. Isso porque, Costa
(MENSAGEM, 1963, p. 161) explanou em Mensagem à Assembleia de Mato Grosso
que um dos problemas que desafiava sua administração, era o extenso número de
professoras leigas efetivadas no Estado. “Por força de decisão judiciária, o trato diário
com os problemas educacionais evidenciou, desde cedo, a necessidade de uma
recuperação daquelas professoras que, embora efetivadas, não possuíam, contudo, um
grau suficiente de conhecimento e de capacitação profissional.” Esse fato pode ser
constatado pelos números apresentados pelo governador relativos à formação dos
professores que ministraram aulas e participaram do Curso de Férias para:
Tabela 02
Curso de Férias para Professores Leigos
Rede de Pertencimento dos Professores
Nome do
Município Estadual Municipal Particular Total de Professores
Aquidauana 56 02 10 68
Cáceres 49 06 09 64
Campo
Grande
70 02 01 73
Corumbá 63 02 05 70
Cuiabá 95 – – 95
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Dourados 58 01 09 68
Guiratinga 35 04 08 47
Três Lagoas 65 02 01 68
Total 491 19 43 553
Fonte: MENSANGEM - APMT, 1963, p. 160.
Referenciando os números apresentados na tabela, infere-se que Cuiabá (93)
Campo Grande (73) e Corumbá (70) foram cidades que tiveram maior quantidade de
participantes, e Guiratinga o menor. Observa-se também que era maior a concentração
de professores vinculados à rede estadual (491), com a presença de docentes da rede
privada (43). Dos 553 professores inscritos no Curso de Férias, 396 só tinham o curso
primário, o que está em consonância com o que vem sendo discutido neste trabalho: o
fato de que nas escolas primárias mato-grossenses, principalmente nas rurais, a maioria
do professorado era leiga, sem formação específica para o exercício da docência.
Isso porque as escolas rurais se localizavam em lugares longínquos de difícil
acesso, sem estrutura física e pedagógica, em sua maioria um docente para ministrar
aulas para diferentes níveis de conhecimento e series. Por isso, a escola rural tornou-se,
no mais ruinoso fator de desagregação do meio, visto ser considerado aparelho de
instrução deficiente e entregue à incompetência de professores que desconheciam os
problemas magnos do ensino rural, servindo, muitas vezes, de centro de conversação
política onde nas urnas, em dias de eleição, encontravam guarida nem sempre segura
(LEITE, 1942, p. 5).
Este fato ocorria porque, em Mato Grosso, a força política influenciava nas
indicações para integrar os quadros das instituições públicas, eles “[...] se revezavam no
comando do poder mato-grossense: ora eram eleitas personalidades ligadas ao PSD, ora
da UDN, que estendiam suas lideranças por todo o interior do então Estado de Mato
Grosso uno”. (SIQUEIRA, 2002, p. 202).
O balanço total apresentado por Fernando Corrêa da Costa, governador de Mato
Grosso, mostra a quantidade de professores que realizou o Curso de Férias e os lugares
onde eles ocorreram: “Em 1962, um curso de férias ministrado em Três Lagoas,
preparou 47 professores primários. No mês de junho, em Várzea Grande, 50 professores
receberam os certificados de conclusão do curso de higiene escolar, ali ministrado.”
(MENSAGEM, 1963, p. 100).
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A oferta do Curso de Férias para professores leigos nos anos de 1960 tinha como
justificativa o fato de que, no estado, mais de 60% dos professores em Mato Grosso
eram leigos, sem a formação necessária para atuarem no magistério. Percebe-se que os
governantes consideravam esses professores como um problema para o Estado, pois
“tendo-se em conta os conhecimentos gerais que possam possuir esses professores,
jamais estarão eles em condições de exercer integralmente as suas funções de mestres,
sem os conhecimentos especializados da profissão” (MARCÍLIO, 1963, p. 214).
Em 1964 a situação não parece ter mudado, pois outro dado importante foi
ressaltado por Costa: “Das 240 mil crianças mato-grossenses em idade escolar, estima-
se que 180 mil frequentaram escolas em 1963, sendo 150 mil nas escolas públicas
estaduais e o resto nas escolas federais, municipais e particulares”, sendo que 60 mil não
frequentaram escola alguma (MENSAGEM, 1964, p. 105). O problema do levado
número de crianças fora da escola, segundo o governador, devia-se a diferentes fatores,
entre eles a falta de normalista para as escolas, como o mesmo ressalta:
1º - Temos um grande déficit de salas de aulas nas principais cidades e
vilas.
2º - A dispersão da população rural dificulta ao governo criar escolas
para todos os filhos de serviculas já que não é possivel criar uma
escola para cada família e é nêsse meio que está a grande massa em
idade escolar sem frequentar escola.
3º - Temos uma grande carência de normalistas que teriam condições
pedagógicas de atender a um maior número de escolares e
principalmente de evitar a sua evasão.
4º- Razões sociais e econômicas locais impedem que as famílias
matriculem todos os seus filhos. (MENSAGEM, 1964, p. 105).
Percebe-se que nos anos de 1960 a população rural continuava desprovida de
escolas e uma das causas apontadas pelos governantes era a grande extensão de terras
constitutivas de Mato Grosso e a rala distribuição de sua população. Outro fato
ressaltado na fala de Costa foi o de que, por questões sociais e econômicas, as famílias
não colocavam todos os filhos na escola, porque a maioria residia em áreas rurais e
dependia da mão de obra de todos os membros familiares para ganha o sustento da casa,
inclusive a das crianças.
Em todo Estado havia 2.167 escolas; destas, somente 799 salas de aulas eram
próprias, com 17.734 carteiras. “Logo, somente 33% das novas escolas possuem salas
próprias, as demais funcionam em barracões, choupanas ou pequenas salas alugadas ou
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cedidas, sem carteiras, quadro negros, sem água, sem sanitários e, portanto, com
pequena capacidade e menor rendimento.” (MENSAGEM, 1964, p. 107).
As escolas nesse período estavam distribuídas em escolas modelos (04), grupos
escolares (84), escolas reunidas (84) e 1.959 escolas rurais mistas. Com relação aos
professores, dos 5.214 docentes, 1.162 eram normalistas e 4.052 leigos, existindo ainda
alguns que não possuíam cursos primários. Assim, as escolas rurais eram as que
comportavam a maioria de professores leigos ou sem o curso primário (MENSAGEM,
1964, p. 133).
Sobre a expansão do ensino primário em Mato Grosso, não se tratava, segundo
Costa (MENSAGEM, 1965, p. 145), de um problema simples e nem de atendimento à
população escolarizável, “não se trata, nem mesmo de se estimar o Ensino Primário
como simples escolarização de determinada faixa etária, mas, de engajá-lo na
deflagração de um progresso que atinja múltiplas áreas [...]”. Para o governador, a
expansão do ensino primário deveria ser a base de renovação da educação mato-
grossense.
Dessa forma o governo de Mato Grosso ao implantar o CTM-Cuiabá e enviar
normalista para se especializarem, talvez desconsiderasse os saberes que os professores
leigos obtiveram ao longo de sua jornada na docência. Desconsideravam também a
capacidade e autonomia de agir, modificar e crescer por conta própria, por isso, os
documentos sempre trazia que eles teriam de ser “recuperados”.
Até mesmo, de acordo com Freidson (1923, p. 201), “[...] o especialista, que
realiza o mesmo trabalho dia após dia, pode achar que a própria especialização é
incapacitante, porque ele tem o potencial de fazer muitas coisas, mas faz apenas aquela
única: suas preocupações tornam-se estreitas e limitadas”. Talvez por isso, os
professores leigos se sentissem “diminuídos” frente aos professores normalistas e
especialistas. Aceitando, com isso o fato de necessitarem passar por uma recuperação e
assim, estariam aptos a continuem em sala de aula. Dessa forma,
[...], será possível conceber uma sociedade em que as pessoas não
sejam especialistas em tempo integral? A resposta é óbvia: as pessoas
podem fazer tudo por si mesmas, sem depender de especialistas para a
satisfação de toda a gama de suas necessidades somente quando suas
necessidades são muito modestas e seu modo de vida, muito simples.
Muito antes da Revolução Industrial, o padrão de vida aceito e a
complexidade e tamanho dos grandes centros urbanos praticamente
exigiam expertise especializada (FREIDSON, 1923, p. 201).
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Tornar os professores leigos capacitados e/ou recuperados talvez não fosse
exatamente o que ocorreu, a maioria desses professores tinham mais de 20 anos de
profissão, pois iniciaram sua carreira com menos de 19 anos de idade. Tinham um
cotidiano simples, em que cotidiano das áreas rurais influenciava na rotina da escola e
determinava as prioridades. Sejam no tempo de coleta, em que os alunos não
compareciam à escola, seja no tempo de chuva, em que chegar a escola era algo
complexo de ser realizar ou no tempo de estiagem, em que os afazeres rurais tomavam
conta da comunidade (SILVA, 2012).
Considerações finais
Percebe-se um dos problemas ressaltados como maior gravidade entre os anos de
1950 e 1960 em Mato Grosso, era a grande quantidade de professores leigos no estado,
lotados, em sua maioria, nas Escolas Rurais. Estas escolas consideradas de pouca
qualidade educacional tinham como principal explicação para o baixo rendimento o fato
de seus professores não terem formação para exercerem o magistério (leigos). Na busca
de sanar tal problema, a administração estadual instituiu que os professores leigos
deveriam obrigatoriamente frequentar o curso de férias, caso contrário seriam
exonerados. Os cursos de férias para as professoras leigas eram ministrados
normalmente nos meses de janeiro, fevereiro e julho, período de férias no calendário
letivo das escolas mato-grossenses.
Os professores leigos tinham outra problemática a ser enfrentada para
permanecer no quadro docente, a rotatividade dos políticos no poder. Com a entrada e
saída de governantes em Mato Grosso, o quadro docente mudava, pois o partido
perdedor das eleições, também seria aquele o qual os professores ligados a ele, seriam
exonerados.
Percebe-se que o Curso de férias foi uma maneira paliativa de amenizar a
situação e ter números para apresentar ao governo central que cobrava melhorias na
educação, já que essa parecia ser requisito para que o país galgasse patamares de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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desenvolvimento. Os professores leigos passaram a serem professores diplomados, mas
não se sabe ainda se o curso influenciou significativamente no cotidiano desses
professores, já que as escolas rurais não ofertavam condições física, estruturais e
pedagógicas para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8413ISSN 2177-336X
A INFLUÊNCIA DO PABAEE NA PRÁTICA DE ENSINO EM MATO GROSSO
NOS ANOS 1960
Rômulo Pinheiro de Amorim
Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD
Resumo
Os anos 1960 foram marcados pela elaboração de planejamentos educacionais
realizados por iniciativas do governo federal e, em articulação com os governos
estaduais, com o intuito de expandir a escolarização para a população brasileira, bem
como efetivar uma política que propiciasse o aprimoramento pedagógico dos
professores que exerciam o magistério nas escolas primárias do país. Nesse sentido, o
estado de Mato Grosso fez parte desse processo, quando o governo estadual, em
parceria com o governo federal, criou o Centro de Treinamento do Magistério de Cuiabá
e enviou professoras para a realização de cursos de especialização em educação no
PABAEE, em Belo Horizonte, no início dos anos 1960. Deste modo, o objetivo deste
texto é compreender as influências do PABAEE nas práticas de ensino das professoras
primárias de Mato Grosso nos anos 1960, tendo como base os relatos de um grupo de
docentes que atuaram no campo educacional do estado nessa época. O estudo procurou
entender como os novos conhecimentos pedagógicos advindos do PABAEE
influenciaram nas práticas de ensino dos professores no estado. A abordagem teórica
adotada para elaboração desse texto foi a concepção de profissionalização docente
apresentado por Antônio Nóvoa (1995), que define esse processo a partir das relações
entre os professores e o Estado, quando o poder estatal procura padronizar o perfil
profissional dos professores. Para realização desse estudo foram consultadas as
produções em História da Educação relativa ao tema, assim como documentos do
Arquivo Público de Mato Grosso e de depoimentos de professoras que exerceram o
magistério nesse período. As analises indicam que a prática de ensino das professoras
leigas em Mato Grosso nos anos 1960 sofreram algumas alterações advindas da
influência dos conhecimentos pedagógicos do PABAEE.
Palavras – chave: PABAEE. Prática de ensino. Ensino primário.
Introdução
Os anos 1960 foram marcados pela elaboração de planejamentos educacionais
realizados por iniciativas do governo federal e, em articulação com os governos
estaduais, com o intuito de expandir a escolarização para a população brasileira, bem
como efetivar uma política que propiciasse o aumento do número de professores
habilitados para o exercício do magistério.
As mudanças que governo federal objetiva implantar no campo educacional do
país teve repercussões no cenário educacional de Mato Grosso nos anos 1960, pois o
governo estadual buscou em parceria com a gestão federal, implantar no estado as
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prerrogativas dos planejamentos educacionais de âmbito nacional. Deste modo, as
decisões dos governantes estaduais sofriam a influencia advinda das diretrizes federais e
dos acordos internacionais que governo brasileiro realizou com outros países.
Uma das parcerias internacionais que governo brasileiro realizou na área da
educação foi com os Estados Unidos. Essa parceria resultou na elaboração do Programa
de Assistência Brasileiro-Americana para o Ensino Elementar – PABAEE, que foi
criado em 1956 e perdurou até o ano de 1964.
O acordo realizado com os EUA refletia os interesses apontados nos Planos
Educacionais do Brasil, a partir da organização de uma rede formação de professores
em diferentes regiões do país. Para que esse feito se realizasse, era necessária a
formação de uma equipe de profissionais especializados na área educacional, que
atuasse na coordenação de cursos de formação e de aperfeiçoamento de professores,
bem como na criação de uma equipe de professores formados a partir dos novos
conhecimentos pedagógicos, considerados na época como os mais modernos, com o
objetivo de se tornarem multiplicados desses conhecimentos educacionais em diversas
partes do país.
Deste modo, além de aumentar a escolarização da população do país, havia o
interesse de melhorar a eficiência do ensino brasileiro, a partir da adoção de novas
técnicas de ensino por parte dos professores que exerciam o magistério. Dessa forma, o
aperfeiçoamento dos professores normalistas e dos professores leigos (docentes que não
possuíam habilitação para o magistério) era um dos objetivos dos governos federal e
estaduais.
Para que tal objetivo se concretização, os Centro de Treinamentos do Magistério
foram criados em várias regiões do país. Essas instituições seriam locais de formação e
aperfeiçoamento de docentes normalistas e leigos, bem como para formação de
professores supervisores, que seriam responsáveis para ministrarem as aulas para esses
professores leigos e normalistas.
Nesse sentido, o estado de Mato Grosso fez parte desse processo, quando o
governo estadual, em parceria com o governo federal criou o Centro de Treinamento do
Magistério, em Cuiabá, bem como enviou professoras para a realização de cursos de
especialização em educação no PABAEE, em Belo Horizonte, no início dos anos 1960.
Deste modo, o objetivo deste texto é compreender as influências do PABAEE
nas práticas de ensino das professoras primárias de Mato Grosso nos anos 1960, tendo
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como base os relatos de um grupo de docentes que atuaram no campo educacional do
estado nessa época.
O estudo procurar entender como os novos conhecimentos pedagógicos
advindos do PABAEE influenciaram nas práticas de ensino dos professores no estado.
A abordagem teórica adotada para elaboração desse texto foi a concepção de
profissionalização docente apresentado por Antônio Nóvoa (1995), que define esse
processo a partir das relações entre os professores e o Estado, quando o poder estatal
procurar padronizar o perfil profissional dos professores.
Para realização desse estudo foram consultadas as produções em História da
Educação relativa ao tema, assim como documentos do Arquivo Público de Mato
Grosso e de depoimentos de professoras que exerceram o magistério nesse período.
1 O Planejamento educacional e o ensino primário em Mato Grosso nos anos 1960
A educação primária em Mato Grosso nos anos 1960 apresentava uma quadro de
dificuldades em relação a eficiência do ensino nas escolas primárias, bem como na
qualidade dos professores que estavam ministrando aulas nessas instituições escolares.
Nesse sentido, as dificuldades enfrentadas pelo governo do estado estavam
relacionadas a pouca oferta do ensino normal no estado, bem como a grande quantidade
de professores leigos exercendo o magistério em Mato Grosso.
Esses problemas eram semelhantes aos enfrentados pelo governo federal em
relação a educação nacional, pois havia a preocupação governamental relativo ao ensino
ofertado pelos professores normalistas, bem como pelos professores leigos que existiam
em grande número no país.
O Plano Trienal de Educação de 1963 evidenciava em seus objetivos não
somente o aumento da oferta do ensino primário no país, mas a criação de instituições
responsáveis pelo aperfeiçoamento dos professores normalistas e de docentes leigos.
Também amplo será o programa de recuperação e aperfeiçoamento do
magistério. Com a criação dos Centros de Treinamento do Magistério,
a serem mantidos pela União, procura-se institucionalizar o esforço
pelo aperfeiçoamento do magistério primário e médio e criar,
definitivamente, a figura do professor supervisor. Cada um destes
supervisores terá a seu cargo trabalho escolar até o máximo de dez
classes primárias, cujos mestres serão por ele assistidos e treinados
(BRASIL, 2011, p. 163).
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8416ISSN 2177-336X
O aperfeiçoamento dos professores leigos e normalistas estava atrelado ao
processo de difusão de novas técnicas de ensino que deveriam ser realizados nos Centro
de Treinamento do Magistério e pelo trabalho de supervisão do ensino primário, que
tinha a responsabilidade pela orientação pedagógica dos professores leigos em diversas
localidades do país.
A situação do ensino em Mato Grosso, nos anos 1960, retratava uma grande
quantidade de professores leigos exercendo o magistério primário, pois mais de 60 % de
professores do estado eram leigos (MARCÍLIO, 1963).
Além disso, o governo estadual tinha que enfrentar a situação de pouca
quantidade de escolas normais no estado, conforme relatório do secretário de educação
do ano 1963: “Para 64 municípios em que se acha dividido o Estado de Mato Grosso,
apenas 12 possuem Escolas Normais. Das 15 Escolas Normais que servem a Mato
Grosso, 7 (sete) são particulares, uma municipal e das 7 pertencentes ao Estado, uma
não se encontra em funcionamento” (ALCÂNTARA, 1964, p. 49).
Os problemas relativos ao ensino mato-grossense se estendiam para a prática
pedagógica dos professores formados pelas escolas normais do estado, conforme a
mensagem do governador Fernando Corrêa da Costa, à Assembleia Legislativa, em
1964. A mensagem evidenciou que a formação das normalistas estava prejudicada por
causa do uso de uma pedagogia arcaica nas aulas, com professores desatualizados e
decorebas (MENSAGEM, 1964, p. 108).
Diante dessas problemáticas educacionais, o governo estadual, associado com o
governo federal procurou promover a organização de uma nova formação e
aperfeiçoamento docente a partir da criação do Centro de Treinamento do Magistério de
Cuiabá. O CTM – Cuiabá foi inaugurado em 16 de agosto de 1963, sendo que o seu
funcionamento ocorreu no Educandário dos Menores Abandonados, prédio que foi
designado pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores ao governo de Mato Grosso
(MARCÍLIO, 1963).
Além dessa medida, o governo de Mato Grosso procurou formar uma equipe de
especialistas em educação, com o intuito de possuir um quadro de profissionais capazes
de organizar uma nova formação docente no estado e de promover a difusão de novos
conhecimentos pedagógicos aos professores leigos e normalistas.
Deste modo, um grupo de 56 professores normalistas foram convocados, no ano
de 1963, para realizarem cursos de especialização na área do ensino primário no
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8417ISSN 2177-336X
Programa de Assistência Brasileiro-Americana para o Ensino Elementar na cidade de
Belo Horizonte (O ESTADO DE MATO GROSSO, 14/07/1963).
O processo de profissionalização docente se evidencia pela ação do poder estatal
na criação de instituições educacionais com o objetivo de elaborar e difundir novas
técnicas de ensino. Além disso, o Estado, por meio dessas instituições, procura
transmitir saberes profissional como forma de manter o controle do perfil dos
professores, ao oferecer o aprimoramento docente (NÓVOA, 1995).
O envio de um grupo de professoras normalistas para realizarem cursos de
especialização evidenciou o interesse do governo estadual, articulado com o governo
federal, em promover o aperfeiçoamento dos professores primários do estado.
2 O PABAEE e as suas repercussões na prática de ensino dos professores
primários de Mato Grosso nos anos 1960
O PABAEE foi criado por meio da implantação da assistência técnica realizada
pelo Programa Ponto IV. O discurso de posse do presidente Truman, em 20 de janeiro
de 1949 é que originou o nome do programa, em função do quarto ponto do discurso do
referido presidente. Deste modo, a economia dos países subdesenvolvidos receberia o
auxílio no campo do conhecimento técnico para elevar o nível de suas economias.
A criação do PABAEE se efetivou por meio de um acordo entre Brasil e Estados
Unidos, que foi assinado em 22 de 1956 pelo Ministro da Educação, pelo governador de
Minas Gerais e pelo diretor da United Satates Operation Misson to Brazil – USOM/B
(PAIVA E PAIXÃO, 2002, p. 07).
O acordo firmado entre os dois países para criação do PABAEE definiu os
objetivos principais, estabelecidos em junho 1956:
1 Formar quadros de instrutores de professores de Ensino Normal
para diversas Escolas Normais mais importantes do Brasil.
2 Elaborar, publicar e adquirir textos didáticos tanto para as Escolas
Normais como para as Elementares.
3 Enviar aos Estados Unidos, pelo período de um ano, na qualidade
de bolsistas, cinco grupos de instrutores de professores de ensino
normal e elementar recrutados em regiões representativas do Brasil,
que, ao regressarem, serão contratados pelas respectivas Escolas
Normais para integrarem os quadros de instrutores de professores
pelo período mínimo de 2 anos (PAIVA E PAIXÃO, 2002, p. 77).
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A necessidade de treinamento de supervisores de ensino e de estudos relativos
ao currículo motivou a secretaria de educação de Minas Gerais e de vários estados do
país a realizarem uma solicitação ao PABAEE, para que o programa expandisse suas
ações educacionais para as questões solicitadas pelas secretarias estaduais.
A partir das solicitações das secretarias, o PABAEE foi expandindo suas
atividades para além dos objetivos inicias do programa, que era somente trabalhar com a
orientação educacional dos professores normalistas. Deste modo, com um dos
problemas da educação nacional era a grande quantidade de professores leigos atuando
no magistério, os governos federal e estadual direcionaram as suas solicitações junto ao
programa, visando o aperfeiçoamento dos docentes leigos do país, com os novos
conhecimentos pedagógicos (PAIVA E PAIXÃO, 2002).
O PABAEE enfatizava em seus cursos de aperfeiçoamento a utilização de
ferramentais manuais, como forma de melhorar o processo de ensino aprendizagem.
Nos cursos do PABAEE, as aulas eram ilustradas por farto material e
pela projeção de filmes didáticos americanos. Ensinava-se também
como produzir variados recursos audiovisuais e como ensinar
utilizando-o como suporte. As bolsistas deveriam, até o final do curso,
construir um conjunto desses materiais adequados ao ensino em suas
áreas de especialização, para a utilização posterior em suas tarefas nos
Estados. Ensinava-se a metodologia das matérias do ensino primário
associadas à construção de materiais. A importância dos recursos
audiovisuais e de materiais didáticos marca a perspectiva tecnicista.
(PAIVA; PAIXÃO, 2002, p. 156).
O aprendizado das cursistas do PABAEE estava relacionado à produção de
materiais pedagógicos, com base em uma fundamentação pedagógica de como utilizar
esses materiais no processo de ensino-aprendizagem. Deste modo, as mesmas
aprendiam sobre o manuseio de matérias didático e a utilização de recursos audiovisuais
no planejamento e execução das aulas.
Essas professoras cursistas do PABAEE, ao retornarem para os seus respectivos
estados, deveriam utilizar esses conhecimentos apreendidos no curso oferecido pelo
programa, para auxiliar as atividades pedagógicas das professoras leigas nos cursos de
treinamento ofertados em diferentes estados brasileiros.
Nesse sentido, o governo de Mato Grosso procurou enfrentar os problemas
educacionais do estado, ao utilizar as professoras que realizaram o curso de
especialização em Supervisão do Ensino Primário, no PABAEE, na difusão dos novos
conhecimentos educacionais apreendidos no referido programa, quando essas
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8419ISSN 2177-336X
professoras supervisoras ministravam aulas para as docentes leigas, no curso
denominado de “Curso de Férias”, bem como na realização de cursos de
aperfeiçoamento para professores normalistas do estado no Centro de Treinamento do
Magistério de Cuiabá.
Para Nóvoa (1995), as relações estabelecidas entre o Estado e os professores são
marcadas pela ação do Estado na organização do aperfeiçoamento das técnicas
pedagógicas e das normas da profissão docente.
Sendo assim, o governo estadual propiciou que as professoras supervisoras
exercessem o papel de difusora dos novos conhecimentos educacionais, por meio dos
cursos oferecidos no CTM – Cuiabá, bem como na realização do trabalho de supervisão
do ensino primário em várias escolas do interior do estado. O trabalho de supervisão era
realizado por uma professora supervisora, que atuava na orientação pedagógica das
professoras leigas em exercício do magistério.
Conforme o relato da professora leiga que participou do aperfeiçoamento
destinado as docentes leigas: “aprendi esse plano de aula, ela escrevia a palavra, o que
você ia falar, sobre o que, aí vinha o planejamento, o que você ia falar, o que você ia
fazer para o aluno”. (PROFESSORA 1, Chapada dos Guimarães 08/05/2012).
O planejamento das aulas deveria fazer parte do cotidiano profissional das
professoras leigas do estado, pois refletir sobre as aulas, a partir de um tema relacionado
ao conteúdo a ser ministrado, bem como planejar como o conteúdo deveria ser ensinado
aos alunos foi se tornando uma característica da atividade docente.
Já outra professora leiga que participou do curso de férias relatou sobre a
utilização de recursos materiais no processo de ensino-aprendizagem com os seus
alunos na escola primária.
Aquele de flanela que colocava para colar os cartazes, fizemos lá... era
enfeitada a flanela, a gente colocava os cartazes ali para explicar para
as crianças aprenderem vendo. A gente pedia para eles trazerem
cartolina, e a gente fazia... tinha o flanelógrafo... e colocava o que era
para fazer e eles faziam. Fazia o mesmo, as crianças gostavam
(PROFESSORA 2, Alto Paraguai 30/04/2012).
O uso do flanelógrafo como técnica de ensino consistia na fundamentação de
uma base revista de flanela ou feltro, era nessa base que eram coladas as gravuras,
números, palavras e letras.
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A utilização de recursos didáticos como suporte para ensinar os alunos era uma
das formas pelo qual o PABAEE enfatizou em seus cursos. Deste modo, nota-se que a
professora apreendeu tal ensinamento no curso de férias, bem como a exercia como
atividade pedagógica junto aos seus alunos. O flanelógrafo propiciava aos alunos um
aprendizado com base na visualização dos conteúdos, pois esse recurso didático
evidência o conteúdo a ser ensinado.
A professora 3 evidenciou em seu relato um dos aspectos que deveriam ser
alterados na prática de ensino dos professores das escolas primárias do estado. Era “[...]
para tirar a decoreba de tudo. História, geografia, ciências, estudos sociais, tudo foi
mudada só em explicação, explicar o que é, o entendimento, não a decoreba”
(PROFESSORA 3, Chapada dos Guimarães 18/05/2012)
Umas práticas docentes realizadas pelas professoras leigas antes do
aperfeiçoamento pedagógico ministrado pelas professoras supervisoras, com base nos
conhecimentos advindos do PABAEE era ensinar os alunos a memorização dos
conteúdos. Essa prática deveria deixar de ser utilizada pelas professoras em suas aulas,
conforme foi evidenciado no relato da professora 3, pois a explicação da matéria, por
meio do uso dos materiais pedagógicos era maneira que iria propiciar aos alunos
entendimento sobre o conteúdo que se estava sendo estudando.
A partir dos relatos das professoras leigas verificaram-se algumas influências do
PABAEE na prática de ensino das docentes do ensino primário do estado de Mato
Grosso, pois suas práticas pedagógicas indicam novas formas de exercerem o
magistério.
Considerações finais
Os anos 1960 foi uma época em que os governos federal e estadual atuaram na
organização do ensino no país, por meio da implantação de planejamentos educacionais.
Essas ações evidenciaram a ingerência do Estado na educação brasileira, pois a meta era
ampliar a escolarização e oferecer um aperfeiçoamento pedagógico aos professores que
lecionavam nas escolas primárias.
Para Nóvoa (1995), o Estado exercer a função de comandar o aprimoramento
das técnicas pedagógicas e dos valores da profissão docente, bem como tem o papel de
atribuir autorização aqueles que atuariam como professores. Nesse sentido, a atuação
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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estatal em relações aos professores foi marcada pela criação de instituições responsáveis
pela formação e aperfeiçoamento docente.
A criação do PABAEE tinha o objetivo de ser a instituição que possuía a tarefa
de trazer os novos os conhecimentos pedagógicos aos professores do país, enquanto a
criação do Centro de Treinamento do Magistério tinha o objetivo de oferecer o
aperfeiçoamento pedagógico aos professores mato-grossenses com as novas técnicas de
ensino.
A partir dos relatos das professoras leigas que participaram do processo de
aprimoramento docente oferecido pelos governos federal e estadual em Mato Grosso
nos anos 1960, verificou-se que conhecimentos educacionais advindos do PABAEE,
por meio do trabalho de supervisão do ensino primário realizado pelas professoras
supervisoras junto as docentes leigas refletiram em algumas mudanças na prática de
ensino dessas professoras, pois as mesmas ressaltaram que ao exercerem o magistério
buscaram atuar com base em um ensino mais técnico, com uso de recursos didáticos em
detrimento de um ensino que priorizava a memorização dos conteúdos.
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PAIVA, Edil Vasconcellos; PAIXÃO, Léa Pinheiro. PABAEE (1956-1964): a americanização
do ensino no Brasil? Niterói: EdUFF, 2002.
PROFESSORA 1. Entrevista concedida em 08/05/2012.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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