POLÍTICAS HOSTIS COM O BÁRBARO: O CASO DE...

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66 PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 24-1: 66-81, 2018. POLÍTICAS HOSTIS COM O BÁRBARO: O CASO DE MEDEIA * Fábio de Souza Lessa ** Guilherme Lemos Nogueira *** Resumo: Neste artigo objetivamos analisar a vulnerabilidade do es- trangeiro, com base na obra euripidiana Medeia. Assim, discutimos também a noção de etnicidade helênica e o ethos da heroína Medeia, que rompe com o modelo esperado para a mulher ideal na Grécia clássica. Apesar das versões para o mito dessa personagem, a tragédia euripidiana é a responsável por consolidar na literatura o infanticídio como vingança contra o ex-marido Jasão. Ela, que deixara sua pátria para segui-lo, foi abandonada com os filhos e estava sem família e amigos em uma terra estrangeira. Palavras-chave: Grécia clássica; Eurípides; etnicidade; Medeia. HOSTILE POLICYICS WITH THE BARBARIAN: MEDEA’S CASE Abstract: In this article we aim to analyse the vulnerability of the foreigner, based on Euripides’ work Medea. This way, we also discuss the notion of Hellenic ethnicity and the ethos of the heroine Medea, who breaks with the expected model of the ideal woman in Classical Greece. Despite the many versions for this character’s myth, the Euripidean tragedy is responsible for consolidating in literature the infanticide as an act of revenge against * Recebido em: 15/12/2017 e aceito em: 30/01/2018. ** Professor associado de História Antiga do Instituto de História (IH) e dos Programas de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) e de Letras Clássicas (PPGLC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Laboratório de História Antiga (Lhia)/UFRJ e membro colaborador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra. *** Professor substituto de Língua e Literatura Grega na Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrando em Língua Grega do Programa de Pós-Graduação de Letras Clássicas (PPGLC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a orientação da professora Glória Braga Onelley.

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  • 66 PHONIX, Rio de Janeiro, 24-1: 66-81, 2018.

    POLTICAS HOSTIS COM O BRBARO: O CASO DE MEDEIA

    *

    Fbio de Souza Lessa**

    Guilherme Lemos Nogueira***

    Resumo: Neste artigo objetivamos analisar a vulnerabilidade do es-trangeiro, com base na obra euripidiana Medeia. Assim, discutimos tambm a noo de etnicidade helnica e o ethos da herona Medeia, que rompe com o modelo esperado para a mulher ideal na Grcia clssica. Apesar das verses para o mito dessa personagem, a tragdia euripidiana a responsvel por consolidar na literatura o infanticdio como vingana contra o ex-marido Jaso. Ela, que deixara sua ptria para segui-lo, foi abandonada com os filhos e estava sem famlia e amigos em uma terra estrangeira.

    Palavras-chave: Grcia clssica; Eurpides; etnicidade; Medeia.

    HOSTILE POLICYICS WITH THE BARBARIAN: MEDEAS CASE

    Abstract: In this article we aim to analyse the vulnerability of the foreigner, based on Euripides work Medea. This way, we also discuss the notion of Hellenic ethnicity and the ethos of the heroine Medea, who breaks with the expected model of the ideal woman in Classical Greece. Despite the many versions for this characters myth, the Euripidean tragedy is responsible for consolidating in literature the infanticide as an act of revenge against

    * Recebido em: 15/12/2017 e aceito em: 30/01/2018.

    ** Professor associado de Histria Antiga do Instituto de Histria (IH) e dos Programas de Ps-graduao em Histria Comparada (PPGHC) e de Letras Clssicas (PPGLC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Laboratrio de Histria Antiga (Lhia)/UFRJ e membro colaborador do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra.

    *** Professor substituto de Lngua e Literatura Grega na Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrando em Lngua Grega do Programa de Ps-Graduao de Letras Clssicas (PPGLC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a orientao da professora Glria Braga Onelley.

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    the former husband Jason. She, who had left her homeland to follow him, was abandoned with the children and was without family or friends in a foreign land.

    Key-words: Classical Greece; Euripides; ethnicity; Medea.

    Introduo

    No pouco admirada a influncia que Medeia, com sua fria e altivez, exerceu na literatura grega. Contrapondo-se a Jaso, ela uma personagem muito ambgua, que ousou afrontar a misoginia predominante na sociedade grega. Para o mundo grego, no qual as mulheres, no plano da idealizao, eram educadas para serem mes, submissas e reclusas no gineceu, o ethos da herona representa um significativo distanciamento dessa idealizao.

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    O prprio xito da vingana corrobora esse distanciamento. Desse modo, luz da sua fragilidade enquanto uma me abandonada em terra estrangeira, pretende-se discorrer sobre a pea de Eurpides Medeia, para evidenciar quo vulnervel pode ser um estrangeiro em terra brbara.

    Assim sendo, buscaremos analisar, ainda que em linhas gerais, a noo de etnicidade para os gregos a partir da personagem euridipiana. Veremos que a noo de brbaro serve tambm para afirmar a prpria identidade helnica. Alm disso, o teatro pe em relevo o Outro, pois os persona-gens brbaros sempre tiveram espao significativo nas peas gregas.

    Como se sabe, o mito de Medeia reapropriado por Eurpides no per-odo clssico (sculos V e IV a.C.). Logo, algumas verses para o mito da personagem sero por ns estudadas. Em algumas passagens da Odisseia e da Teogonia, por exemplo, encontramos o mito de Jaso e Medeia. E, sobretudo em fragmentos preservados em esclios, verificamos algumas verses para o infanticdio que ganha destaque no referido mito. Contudo, na pea euripidiana que Medeia consolida sua histria.

    Assim, mostraremos que todo o cidado era cruel () e azedo () com a herona, que, por sua vez, estava expatriada () e sozi-nha (): sem me ( ), irmo ( ) ou parente ( ). No toa que o Coro de Corntias assente vingana engen-drada (vv. 267-9). A fama da herona a precede: ela terrvel e implacvel. Apesar do grave crime que veio a cometer, Medeia sai de Corinto impune, na companhia de uma divindade.

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    Helenos e a noo de etnia

    Quando uma determinada sociedade, reunindo caractersticas em co-mum, forma uma identidade, estabelece, ao mesmo tempo, sua diferena com as demais. Com isso, a noo de etnicidade de um grupo, que se vincula s relaes de identidade e de alteridade,

    2 no parece ser esttica, na medi-

    da em que construda gradualmente: dessa forma tambm ocorreu com os gregos. Ainda assim, eles, os que se identificavam com esse nome coletivo, tinham plena conscincia dos que constituam o ns/gregos e os Outros/no-gregos. Tal qual a maioria dos grupos tnicos no decorrer da histria, os gregos souberam a diferena entre o ns e eles, como realidades so-cioculturais distintas, reconhecendo a tradio e a histria que partilhavam.

    As obras literrias mais antigas de que se tem conhecimento so a Ilada e a Odisseia.

    3 So percebidos, nelas, alguns termos intercambiveis que, de

    modo geral, serviam para designar os gregos: Aqueus, Aquivos, Acaios ou Dnaos por exemplo, tem-se na Ilada (I, vv. 2 e 42): e . Esses habitavam Argos ou Acaia respectivamente, e .

    Jonathan Hall (2001, p. 216) afirma que apenas em Xenfanes sc. VI a.C. que ser possvel encontrar o primeiro emprego do termo Helas significando sem ambiguidades o que chamaramos de Grcia ou ento para ser mais precisos mundo grego. At ento, o termo 3Ella/v indica-va apenas uma pequena parte do que viria a ser a Grcia: como na Ilada (II, v. 683), durante a enumerao de algumas regies, uma, entre elas, foi a , Hlade rica em belas mulheres.

    Hall indica ainda que o sculo VI a.C. seria o perodo em que a identi-dade grega teria se cristalizado, sugerido pelo poema fragmentrio, prova-velmente do sculo VI a.C., Catlogo de Mulheres.

    4 Nele, o heri Heleno

    teve trs filhos: Doro, Xuto e olo; Xuto, por sua vez, Aqueu e on. Essa rvore familiar funciona, simbolicamente, para representar os principais grupos da Grcia. Os drios, que habitavam o Peloponeso, o sul do Egeu, Creta e o sudoeste da sia Menor, eram representados pelo Doro. Os e-lios, que habitavam a Grcia central, a Tesslia e a Becia, pelo olo. Os jnios, que ocuparam Atenas, a tica, a ilha da Eubeia, as ilhas Cclades e a costa da Anatlia, pelo on. Os Aqueus, que se acreditava terem habi-tado ao longo da costa sul do Golfo de Corinto, pelo Aqueu. Assim, todos esses povos que supostamente teriam um ancestral em comum, o Heleno, parecem representar, no poema, populaes independentes que procura-

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    ram firmar laos tnicos em comum. Essa gradual construo tnica sugere que a identidade helnica foi construda de forma agregativa por meio da percepo de similaridades com grupos de pares (HALL, 2001, p. 218-9).

    Vale destacar que as ltimas dcadas tm se dedicado reflexo acerca das discusses sobre etnicidade. Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart (1998, p. 86) chamam a ateno para o fato de que, para alguns autores, a etnicidade refere-se a um conjunto de atributos ou de traos tais como a lngua,

    5 a religio, os costumes, o que a aproxima da noo de cultura, ou

    ascendncia comum presumida dos membros, o que a torna prxima da no-o de raa. Outros estudiosos a definem em termos de comportamentos, de representaes ou de sentimentos associados pertena, ou ainda em termos de um sistema cultural; sendo a cultura entendida como simultaneamente um aspecto da interao concreta e o contexto de significao desta mesma interao... (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 86 e 109-10).

    O conceito deriva do termo grego thnos. H certa unidade em suas de-finies. A. Bailly (s.v.) o traduz como raa, povo, nao, tribo. Liddell & Scott (s.v.) acrescentam s tradues anteriores mais uma noo, a de nme-ro de pessoas vivendo juntas. J Pierre Chantraine (s.v.) opta por traduzi-lo como grupo mais ou menos permanente de indivduos, pessoa estrangeira, brbara ou ainda estrangeiro ao gnos, famlia. A literatura grega conce-de dicotomia entre helenos e brbaros um destaque relevante, em especial, a dramtica. Edith Hall (2004, p. 3-4) sublinha que o gnero trgico no sculo V a.C. demarcava os gregos do resto do mundo atravs da polaridade gregos versus brbaros. Nesse sentido, Eurpides um testemunho singular, pois ... a sua noo de estrangeiro mais geral, representada por um conjunto de elementos estereotipados, que sobretudo produzem com o modelo grego pontos de divergncia e conflito (SILVA, 2005, p. 18).

    Podemos afirmar que os brbaros adquiriram uma imagem, em geral, pejorativa, designando todos aqueles que no eram gregos. Contrapon-do-se s excelncias helnicas, o brbaro

    6 vivia e agia norteado por

    uma cultura pouco refinada, o que ressaltava sua expresso rude e sel-vagem. Nesse aspecto, vemos que designa a linguagem brbara ou incorreta, e que , falar grego de um modo brbaro. Essas palavras cognatas denunciam o modo de ser antagnico ao ideal de civilidade concebido na Grcia: era o estrangeiro por oposio a .

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    No teatro os brbaros passam a ser representados como cruis e sem moderao; esse esteretipo negativo foi uma maneira de representar a identidade helnica atravs da sua oposio, ou seja, estabelece-se a iden-tidade pela diferena. Concordando, Hall (2001, p. 220) afirma que a iden-tidade grega passou a ser definida em termos das diferenas percebidas e em oposio a grupos externos de brbaros.

    Algumas verses para o mito de Medeia

    Nesses termos, a herona Medeia, homnima da pea euripidiana, uma dessas personagens centrais brbaras.

    7 No verso 256, ela lamenta por

    estar esquecida em uma terra brbara, . A obra uma das poucas de Eurpides

    8 que sobreviveram at a contemporaneida-

    de; foi composta cerca de 431 a.C. no concurso teatral das Grandes Dio-nsias, que lhe rendeu o terceiro e ltimo lugar, perdendo para o ganhador Euforion, hoje desconhecido, e para Sfocles, que ficou em segundo.

    O mito sobre Jaso e Medeia anterior ao tragedigrafo. As expedies do heri so referenciadas na Odisseia (X, 134; XI, 256-9, XII, 59-72). Essas passagens, contudo, no mencionam propriamente a Medeia, que citada na Teogonia (vv. 956-62 e 992-1002). Ao contrrio do marcante feminicdio que lhe incutiu uma imagem criminosa, as primeiras refern-cias em Hesodo mostram, sobretudo, uma figura extraordinria: ela des-cendente de Hlios por parte de pai e de Oceano por parte da me, sendo tambm sobrinha da feiticeira Circe.

    No que tange ao infanticdio, Lusa de Nazar Ferreira (1997, p. 62) ressalta que um fragmento da poesia atribudo a Eumelo Korinthiaka , e preservado em um esclio a Pndaro, diz ter Hlios oferecido a cidade de Corinto a Aetes. Recuperando os versos de Eumelo, posteriormente, conta-mos com o testemunho de Pausnias (II.3.10) na sua descrio de Corinto.

    Medeia teve filhos e, cada vez que dava um luz, levava-o para o templo de Hera, a fim de o esconder, convencida de que, ocultando--os, eles se tornariam imortais; por ltimo, compreendeu que as suas expectativas haviam falhado, e, sendo ao mesmo tempo surpre-endida em flagrante por Jaso que no teve perdo para os seus rogos, mas antes embarcou para Iolcos e se foi embora por essa razo, Medeia tambm partiu, depois de entregar a Ssifo o poder.

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    Pausnias acrescenta que seus habitantes proclamaram Medeia a sua rainha, de modo a permitir que Jaso se tornasse soberano nessa terra, o que oferece uma outra verso para o infanticdio (FERREIRA, 1997, p. 62). Defendemos que essa verso pica aborda um infanticdio menos frio e cruel, visto que visava conferir imortalidade s crianas, diferente da tra-gdia euripidiana, que aponta o crime como uma vingana contra seu ex--marido Jaso.

    Em sua pesquisa, Lusa de N. Ferreira (1997, p. 63-64) expe outras verses acerca do infanticdio. O esclio ao verso 264 de Medeia apresenta duas verses diferentes, atribuindo a autoria do infanticdio aos Corntios. A primeira verso a do gramtico Parmenisco e enfatiza a ao das mu-lheres de Corinto, que, no desejando ser dirigidas por uma mulher brbara e perita em venenos, revoltaram-se e mataram-lhe os filhos. J a segunda de Ddimo, que, com base no testemunho de Crefilo de Samos, afirma que no seria Medeia a autora do crime de infanticdio.

    Dessa forma, so conhecidas pelo menos trs verses do mito de Me-deia: (i) ela mata os filhos abandonados no templo de Hera; (ii) as mulheres de Corinto matam seus filhos por ela ser brbara e para vingar a morte de seus soberanos (CANDIDO, 2006/7, p. 29); e (iii) a verso que afirma ter Medeia matado apenas Creonte, cujos parentes teriam se vingado matando os filhos dela. J em Eurpides, coube Medeia a autoria dos crimes, como um gesto desesperado e voluntrio de uma mulher trada e abandonada pelo marido, pois ele merecia uma severa punio. Essa foi a pea que consolidou a imagem da Medeia inegavelmente infanticida. Em primeiro lugar, impera o sentimento de traio (vv. 16-23):

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    nu~n d e0xqra\ pa/nta, kai\ nosei~ ta\ fi/ltata.prodou\v ga\r au9tou~ te/kna despo/tin t e0mh\n ga/moiv 0Ia/swn basilikoi~v eu0na/zetai,gh/mav Kre/ontov pai~d, o4v ai0sumna|~ xqono/v.Mh/deia d h9 du/sthnov h0timasme/nhboa|~ me\n o3rkouv, a0nakalei~ de\ decia~vpi/stin megi/sthn, kai\ qeou\v martu/retaioi3av a0moibh~v e0c 0Ia/sonov kurei~.

    O amor adoece agora,instaura-se o conflito, pois Jasodeitou-se com a filha de Creon.

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    Rebaixa a prpria esposa e os descendentes.Medeia amealha a messe da misria, soergue a destra, explode em jura, evocao testemunho dos divinos: eisa paga de Jaso com o que lucra!

    O exato momento descrito por nu~n, o momento presente, um perodo de inimizade (e1xqra) e enfraquecimento de relaes amigveis (nosei~ ta\ fi/ltata). Essa a realidade que a herona passava: uma situao miser-vel (du/sthnov) causada pela desonra (h0timasme/nh) que sofrera. Trada por Jaso, Medeia sofre na pele a dor de ter abandonado sua terra.

    11 E, como

    soluo, desperta nela uma vontade de vingana, vejamos (vv. 37-45):

    de/doika d au0th\n mh/ ti bouleu/sh| ne/on:barei~a ga\r frh/n, ou0d a0ne/cetai kakw~vpa/sxous: e0gw|]da th/nde, deimai/nw te/ ninmh\ qhkto\n w1sh| fa/sganon di h3patov, sigh|~ do/mouv e0sba~s, i3n e1strwtai le/xov, h2 kai\ tu/rannon to/n te gh/manta kta/nh|,ka1peita mei/zw sumfora\n la/bh| tina/.deinh\ ga/r: ou1toi r9a|di/wv ge sumbalw\ne1xqran tiv au0th|~ kalli/nikon oi1setai.

    Tremo s de imaginarque trame novidades. Sua psiquecircunspecta suporta mal a dor.Conheo-a de longa data e nodescarto a hiptese de que apunhale o fgado, depois que entrou sem voz, rumo ao leito ou ser que mata o reie o marido, agravando o quadro mais?Ela terribilssima. Ningum que a enfrente logra o louro facilmente.

    Esse excerto ainda o monlogo da Nutriz, que abre a pea apresen-tando algumas caractersticas gerais. Entre algumas conjeturas feitas, ela, a Nutriz, tem certeza que a psique da Medeia no suporta a dor. Mas a pa-lavra grega usada foi frh/n, que possui uma acepo menos transcendente que yuxh/: indica as membranas que envolvem os rgos do corpo e, sobre-

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    tudo, as vsceras. Esse emprego delimita bem que a dor sentida por Medeia era visceral e que ela no a guardaria para si. Um daqueles que causaram tal dor foi o rei Creon, que no verso 42, apesar de a traduo ter optado por rei, o tirano (h2 kai\ tu/rannon ... kta/nh|).

    A frgil condio de Medeia

    Independentemente da verdadeira autoria do infanticdio que disputam as verses, como a de Parmenisco quando aponta que o crime contra os filhos de Medeia teria sido cometido pelas mulheres de Corinto, todas essas ver-ses concordam com o autoexlio da herona. Sendo estrangeira, sua posio mostra-se sempre pouco estvel, obrigando-a a ser sempre solcita durante sua permanncia em Corinto (vv. 11-13 nem ela viveria com os filhos / o marido no exlio de Corinto / sempre solcita com os daqui). Ela sabia, pelas situaes hostis que tinha de enfrentar, que sua continuidade em Corinto seria breve e que, enquanto permanecesse ali, estaria abandonada.

    Desse modo, enquanto estrangeira e desonrada pelo marido, os versos 30-6 testemunham a misria que a personagem est sofrendo por, suposta-mente, ter trado sua ptria:

    h2n mh/ pote stre/yasa pa/lleukon de/rhn au0th\ pro\v au9th\n pate/r a0poimw/ch| fi/lonkai\ gai~an oi1kouv q, ou4v prodou~s a0fi/ketomet a0ndro\v o3v sfe nu~n a0tima/sav e1xei.e1gnwke d h9 ta/laina sumfora~v u3pooi[on patrw|/av mh\ a0polei/pesqai xqono/v.stugei~ de\ pai~dav ou0d o9rw~s eu0frai/netai.

    quando regira o colo ensimesmado,alvssimo, em lamrias pelo pai,pelo pas natal, que atraiooupor quem sem honra a tem agora. Aprendeo quanto custa renegar o stio natal. Ao ver os filhos, tolda o cenho com desdm

    Esses versos pertencem Nutriz, que, como dito, inicia a pea com um monlogo que serve para aludir a episdios anteriores e a questes centrais na pea, como caracterstico das obras de Eurpides. Deve-se enfatizar a

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    frgil posio em que se encontra a personagem: sem honra, economizando para a comida e com os filhos desdenhados numa terra que no sua. E a razo do seu sofrimento justificada por dois versos que se contrapem em momentos distintos: no verso 32, o particpio aoristo de prodi/dwmi, prodou~s, tendo trado a prpria terra (gai~an oi1kouv), constitui o motivo de ela vir a sofrer no presente; assim, segundo o verso 33, ela havia prefe-rido o marido que, depois, a teria desonrado (nu~n a0tima/sav e1xei). Medeia foi injustiada e nada a fazia levantar do seu pranto (vv. 25-6).

    A Nutriz teme, ento, no apenas o mal no qual se encontra Medeia, mas tambm as coisas terrveis que poderiam acontecer, principalmente quando comunica sua preocupao ao Pedagogo (vv. 89-95):

    i1t, eu] ga\r e1stai, dwma/twn e1sw, te/kna. su\ d w9v ma/lista tou/sd e0rhmw/sav e1xekai\ mh\ pe/laze mhtri\ dusqumoume/nh|.h1dh ga\r ei]don o1mma nin tauroume/nhntoi~sd, w3v ti drasei/ousan: ou0de\ pau/setaixo/lou, sa/f oi]da, pri\n kataskh~yai/ tina.e0xqrou/v ge me/ntoi, mh\ fi/louv, dra/seie/ ti.

    Sugiro que entre j os dois garotos!Melhor mant-los, pedagogo, longeda mater mestra, que os olhava h poucotarivoraz, quem sabe com intentoinconfessvel. Se a conheo bem,sua fria s alivia se fulminaalgum que, espero, no seja um amigo.

    A Nutriz, que parece conhecer claramente (sa/f oi]da) a herona, te-mendo que algo pudesse acontecer com os meninos, adverte o Pedagogo que eles no deveriam ficar perto da me. Afinal, por conhec-la, garante que sua clera (xo/lov) implacvel. O verso 95, que espera que ela aja (dra/seie/) contra um inimigo (e0xqrou/v) em vez de um amigo (mh\ fi/louv), assemelha-se com a mxima da herona no verso 809: Amor ao amigo, rigor contra o inimigo, barei~an e0xqroi~v kai\ fi/loisin eu0menh~. Depois de trazer as crianas, o Pedagogo conta Nutriz os boatos que correm pela cidade acerca da expulso, pelo rei Creon, de Medeia e de seus filhos (vv. 67 a 73). Prossegue a discusso nos versos 74 a 77:

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    TROFOSkai\ tau~t 0Ia/swn pai~dav e0cane/cetaipa/sxontav. ei0 kai\ mhtri\ diafora\n e1xei;

    PAIDAGWGOSpalaia\ kainw~n lei/petai khdeuma/twn,kou0k e1st e0kei~nov toi~sde dw/masin f i/lov.

    NUTRIZJaso aceita a punio dos filhos,embora em litgio com Medeia?

    PEDAGOGONpcias novas destroem o liame antigo;ele malquisto neste domiclio.

    Esse dilogo, alm de alertar para o rumor da expulso de Medeia e dos filhos, expe a indiferena de Jaso em relao a eles. E o prprio desam-paro em que se encontram as crianas outro fato preocupante. Sem ter amparo, a personagem pensa, pelo menos, duas vezes em se matar uma nos versos 144-7 e outra, nos 225-7 ; mas desiste desse plano que cede lugar vontade de vingar sua honra e fazer com que os envolvidos paguem pelo ultraje que est passando.

    Em meio s dores, dirige algumas preces a Tmis, me da Dike (vv. 160-7), pedindo que seja vista a vergonha que ela tem sofrido, revelando tambm o quanto fora difcil abandonar sua ptria: ptria de onde parti com o estigma do oprbrio (v. 166).

    Como temos visto, sua condio de estrangeira fragiliza sua honra, que agravada ainda aps ter sido desamparada pelo marido, ficando sozinha com os filhos. Dirigindo-se s mulheres de Corinto, alude fragilidade so-cial da mulher em relao condio dos homens (vv. 250-1): Empunhar a gide di muito menos que gerar um filho) e vontade de morrer por causa do marido (vv. 227-9): Que eu morra / pois o ente at ento primeiro e nico / tornou-se-me execrvel: meu marido!). Contudo, o que no falta em seu discurso o desapreo que os nativos tm por ela em meio s suas crises pessoais (cf. vv. 222-7).

    Alm da perda do brilho de viver devido arrogncia dos nativos, desmotiva-a tambm a falta dos familiares, das amizades e de uma exis-

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    tncia mais plena: o que, talvez, justificaria o verso 222. Este, literalmente, deve ser traduzido por necessrio que o estrangeiro tenha, fortemen-te, aliana com a cidade. Assim, a noo de aliana evocada pelo verbo prosxwrw~ no ocorre factualmente com a herona. Ao contrrio, aqueles cidados so cruis (au0qa/dhv) e azedos (pikro/v).

    O fato de sentir-se s, como uma presa em terra brbara (vv. 252-8), sem aglomerao ou cidade que a acolha, uma lstima recorrente sua condio social frgil. O exlio era algo muito difcil de ser vivido. Os versos 332 a-b do Corpus Theognideum concordam com essa fragilidade do estrangeiro:

    Ou0k e1stin feu/gonti fi/lov kai\ pisto\v e9tai~rov:th~v de\ fugh~v e0stin tou~t a0nihro/taton.

    No h amigo e companheiro fiel para o exilado; do exlio, isso o mais penoso.

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    Dessa forma, essa era a situao de Medeia: expatriada (a1poliv) e so-zinha (e1rhmov), sem me (ou0 mhte/r), irmo (ou0k a0delfo/n) ou parente (ou0xi\ suggenh~). O Coro de mulheres assente vingana engendrada, nos versos 267-9: justo que pretenda se vingar / do esposo. No estranho que lamente / o destino. Em seguida, o rei de Corinto, Creonte, vai at Medeia pronunciando palavras speras e forando o exlio (vv. 271-6):

    se\ th\n skuqrwpo\n kai\ po/sei qumoume/nhn, Mh/dei, a0nei~pon th~sde gh~v e1cw pera~n fuga/da, labou~san dissa\ su\n sauth|~ te/kna,kai\ mh/ ti me/llein: w9v e0gw\ brabeu\v lo/goutou~d ei0mi/, kou0k a1peimi pro\v do/mouv pa/lin,pri\n a1n se gai/av termo/nwn e1cw ba/lw.

    Teu rosto fosco, a raiva contra o esposo, ordeno que os remova para longe,sem esquecer a dupla que pariste!Some daqui! O autor da lei sou eue s retorno ao pao quando passes o marco que demarca o meu reinado

    O rei Creonte pretende personificar a figura da lei, como lhe permiti-

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    do. Desse modo, ordena o exlio imediato de Medeia e dos seus filhos, de-marcando o seu reinado; e, para ter xito, garante que apenas vai entrar no palcio quando ela sair. Perguntando o motivo do exlio, o rei responde que (vv. 284-5): Motivos no me faltam para o medo: / sabes como arruinar algum. Afinal, claras so as palavras dele s bem-dotada de nascena (v. 285): em grego, sofh\ pe/fukav. Diversas so as passagens que Medeia descrita como sofh/ e deinh/, sbia e terribilssima.

    Ressaltamos que, luz dos valores da sociedade grega, o ato de Jaso imperdovel porque ele quebrou os juramentos de fidelidade. Ele apenas teria o direito de fazer isso caso a unio tivesse sido estril. Contudo, a princesa brbara dera-lhe dois meninos e, por isso, no poderia ser expulsa nem trada. por esse motivo que ela, em sua fria, engendra vingana contra Jaso e o rei de Corinto.

    Sabendo que o rei de Atenas, Egeu, que tinha idade avanada e no possua filhos, desejava ter um sucessor, ela solicita hospitalidade ao rei ateniense em troca da promessa de descendncia (vv. 709-18). Certamente Egeu desconhecia as verdadeiras intenes de Medeia de destruir a famlia real, caso contrrio, no a receberia em Atenas. Para ento garantir sua ida para Atenas, ela o obriga a jurar em nome da Terra, do Sol e dos deuses.

    Concluso

    A ttulo de concluso, o vigor heroico de Medeia, quando ela convence o rei Creonte a permanecer mais um dia em Corinto para que, assim, pu-desse cumprir a sua vingana, quase insupervel. Quase porque, em muito, ela compartilha semelhanas com heris picos. Um excerto do crtico Bernard Knox

    13 resume a frgil condio de me e estrangeira em

    contraposio sua personalidade heroica:

    Essa apresentao em termos heroicos de uma esposa estrangeira rejeitada, que viria matar a nova esposa de seu marido, o pai da noiva e finalmente os prprios filhos, deve ter deixado a plateia que viu a pea pela primeira vez em 431 a.C. algo incomodada. Heris, como se sabia muito bem, eram seres violentos e, como vivessem e morressem pelo simples cdigo ajude os amigos e prejudique os inimigos, era de esperar que suas vinganas, quando se sentissem injustamente tratados, desonrados, diminudos, fossem monumen-

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    tais e fatais. Os poemas picos realmente no questionam o direito de Aquiles causar a destruio do exrcito grego para se vingar dos insultos de Agammnon, nem a carnificina que Odisseu promove de uma jovem gerao inteira da aristocracia de taca. (...) Mas Medeia uma mulher, esposa e me, e tambm uma estrangeira. Ainda assim, ela age como se combinasse a violncia crua de Aquiles com o frio calculismo de Odisseu, e, o que mais, nestes termos que as palavras da pea de Eurpides apresentam-na. No queiram ver em mim, ela observa, um ser fleumtico/ou flbil. Tenho outro perfil. Amor/ ao amigo, rigor contra o inimigo; / eis o que sobreglorifica a vida! Esse o credo pelo qual os heris homricos e sofoclianos vivem e morrem.

    Medeia , sobretudo, uma herona que subverte os valores sociais de seu tempo. nos versos 244-66 que ela denuncia a misoginia que, alm de destinar s mulheres tarefas especficas, como as domsticas, tinha a presuno de supor que suas vidas eram mais seguras. Na verdade, segun-do a voz da herona, o que impera, para o homem, uma vida repleta de liberdade, visto que apenas eles saem com amigos sempre que querem. Segundo ela, nem as mes so menos corajosas que os guerreiros: afinal, preciso a coragem de um heri em guerra para parir uma criana. Ela uma herona que, de acordo com as habilidades guerreiras, como as dos heris homricos Aquiles e Odisseu, tem uma fria implacvel e usa seus recursos frmacos para se vingar de seus inimigos, tal como norteia a m-xima heroica amor ao amigo e rigor contra o inimigo (vv. 808-9). Ela terribilssima (v. 44): deinh\ ga/r.

    Os versos 32 e 33, como j analisados, aludem ao risco de se entregar a uma paixo. A herona trai a terra natal para acompanhar o homem por quem estava apaixonada. Se pode haver uma concluso, a mais provvel que: viver em terra estrangeira, ainda que para satisfazer uma paixo, pode ser um terrvel contrassenso. Aos que esto sem amigos e sem cidadania, nem as leis teriam vigor. Seria, ento, necessrio uma fora heroica, tal qual a de Medeia, para suplantar essa triste condio.

    Documentao escrita

    EURPIDES. Medeia. Trad. Trajano Vieira; comentrio de Otto Maria Carpe-

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    Notas1 Para a questo do feminino no mundo antigo grego, ver Lessa (2010).

    2 Sobre as dinmica das relaes de identidade e de alteridade, ver Aug (1998) e

    Hall (2002).3 No entraremos nas discusses, sempre profcuas e acaloradas, acerca dos poss-

    veis recortes temporais para a localizao de Homero. Porm, neste artigo, adotare-mos o sculo VIII a.C., conforme a anlise de S. Sad (2010, p. 99-126). A helenista apresenta-nos uma srie de fatores que embasam o seu posicionamento, inclusive o fato de a poesia homrica no ter ignorado os jogos e os santurios pan-helnicos (p. 114). Na Ilada (XI, vv. 697-701) temos a referncia de uma disputa hpica em Olmpia. Na Odisseia temos menes ao orculo de Delfos (VI, 161-62; VIII, 79-81) e ao santurio de Apolo, tambm em Delfos (VI, 161-62). Para uma discusso mais aprofundada sobre a datao das obras homricas e, em especial, da Ilada, e sua vinculao com a escrita, ver: West (2001, 2011 e 2014). 4 Trata-se do fragmento pseudo-hesidico Hes. 23a Merkelbach-West, que um

    poema bastante fragmentrio. Ele dividido em cinco livros, dos quais o Livro I dedicado aos decendentes de Deucalio: Heleno, Doro, Xuto e olo.5 Dentre os diversos fatores nesse quadro de oposies entre gregos e brbaros, te-

    mos a lngua a marcar a diferena e a distncia: ... no critrio helnico, o brbaro, ao mesmo tempo que articula sons que obedecem a uma cadeia incompreensvel, realiza um processo mental que o distingue do grego (SILVA, 2005, p. 15). Ver tambm Hall (2004, p. 3-4).

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    6 Remete ao verbo , que significa ser brbaro e ser ininteligvel (EUR-

    PIDES. Or., v. 485; SFOCLES. Ant., v. 1002); e tambm ao verbo , que significa tremer de susto ou de frio, estalar os dentes e balbuciar (Antologia Palatina 5, 273; TEMSTIO. 56a).7 O termo aparece somente quatro vezes na pea, empregado por Medeia,

    nos versos 256 e 591, e por Jaso, nos vv. 536 e 1330.8 Acerca da sua biografia, sabe-se muito pouco. Boa parte do contedo referente

    sua vida provm de dados anedotrios, graas, sobretudo, ao personagem cmico Eurpides na obra de Aristfanes. Nasceu na ilha de Salamina, em 480 a.C., e morreu em 406 a.C., logo depois de ter se transferido para Macednia, a convite do rei Arquelau, em 408 a.C. Antes dessa transferncia, no desfrutou de muito prest-gio entre os atenienses, que eram muito hostis a ele. Estreou num concurso em 455 a.C., ano da morte de squilo. Obteve poucas vitrias, apenas quatro ao todo, sendo a mais antigo em 441 a.C. aos 40 anos de idade, o que levou alguns estudiosos a jus-tificarem seu autoexlio para a Macednia. So atribudas a ele cerca de 93 peas, das quais sobreviveram apenas 18, como, por exemplo, Alceste (438 a.C.), Medeia (431 a.C.), Hiplito (428 a.C.), As troianas (415 a.C.), Helena (412 a.C.), Orestes (408 a.C.), Ifignia em ulis e As bacantes (405 a.C.). As peas compostas na Macednia foram representadas postumamente em Atenas pelo seu filho de mesmo nome, tais como Ifignia em ulis e As bacantes.9 Traduo de Maria Helena da Rocha Pereira (2018, p. 244).

    10 Todas as citaes da tragdia Medeia foram traduzidas por Trajano Vieira (2010).

    11 Ela da Clquida, no Cucaso. L, ela ajuda Jaso na sua expedio, foge com

    ele e vai para Corinto.12

    Traduo de Glria Braga Onelley (2009, p. 134).13

    Ver: KNOX, Bernard. The Medea of Euripides. Yale Classical Studies, 1977, p. 25 (apud EURPIDES, 2010, p. 183-4).