POLÍTICOS NO TWITTER: UMA ANÁLISE DOS PERFIS DOS...
-
Upload
vuongquynh -
Category
Documents
-
view
213 -
download
0
Transcript of POLÍTICOS NO TWITTER: UMA ANÁLISE DOS PERFIS DOS...
Práticas Interacionais em RedeSalvador - 10 e 11 de outubro de 2012
POLÍTICOS NO TWITTER: UMA ANÁLISE DOS PERFIS DOS CANDIDATOS A
PREFEITO DE SALVADOR NA PRÉ-CAMPANHA ELEITORAL 2012
Fernanda Simões Braga Araújo1
Resumo: Os sites de redes sociais têm se tornado um espaço de socialização cada vez mais presente na vida cotidiana, nos quais usuários interagem e compartilham informações sobre si. Deste modo, discute-se os conceitos de gerenciamento de impressões e auto-apresentação como base para o estudo de dois casos. São analisados os perfis no Twitter dos candidatos a prefeito de Salvador, ACM Neto e Mário Kértesz, na pré-campanha eleitoral 2012. Para o proposto, tem-se em mente uma construção dinâmica e colaborativa desses perfis.
Palavras-chave: políticos, Twitter, gerenciamento de impressões, auto-apresentação
Abstract: Social network sites have become a socialization space increasingly present in everyday life, in which users interact and share information about themselves. Thus, we discuss the concepts of impression management and self-presentation as basis for studying two cases. We analyzed the Twitter profiles of the Salvador mayor candidates, ACM Neto and Mário Kértesz, in the 2012 election pre-campaign. For this purpose, we keep in mind a dynamic and collaborative construction of these profiles.
Keywords: politicians, Twitter, impression management, self-presentation
Introdução
O presente artigo tem como objetivo produzir uma análise dos perfis no Twitter dos
candidatos a prefeito de Salvador durante a pré-campanha das Eleições 2012. Estudar a
participação de políticos em mídias sociais requer antes de tudo, o entendimento desses
espaços de internet como ambientes que favorecem performances de identidade e
gerenciamento de impressões. Cientes disso, muitos autores já têm dedicado atenção especial
para como usuários negociam auto-apresentações em Sites de Redes Sociais (SRS) e a
importância dessas práticas nas configurações sociais da contemporaneidade. Ao analisar
alguns desses trabalhos, Boyd e Ellison (2007) constatam que coletivamente esses estudos
mostram como práticas de rede refletem, suportam e alteram conhecidas práticas cotidianas,
1 Fernanda Simões Braga Araújo é jornalista, especialista em Gestão da Comunicação Organizacional Integrada e aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia.
2
especialmente no que diz respeito a como as pessoas representam (e escondem) aspectos de si
mesmos e se conectam com outras pessoas.
No âmbito do corpo disciplinar que tem se firmado em torno da pesquisa em SRS, a
análise em questão se insere na investigação de como os usuários administram as impressões
sobre si e as suas redes pessoais na ambiência digital. A problematização das concepções de
auto-apresentação e gerenciamento de impressões ajudará a entender por que as pessoas se
engajam em construir impressões de si mesmos e como as redes sociais digitais têm se
tornado um espaço propício para a expressão do self, tanto em termos narrativos quanto
visuais. Para Schlenker (2003), gerenciamento de impressão é a atividade dirigida a objetivos
de controle de informações, a fim de influenciar as impressões formadas por uma audiência.
Quando as pessoas tentam controlar as impressões sobre si, a atividade é chamada de auto-
apresentação. O autor afirma, portanto, que o conceito de auto-apresentação envolve uma
série de atividades que estão unidas pela ideia central de que o comportamento social é um
desempenho que simbolicamente transmite informações sobre si ao próximo.
Ao resgatar as primeiras pesquisas que se debruçaram sobre o tema, Schlenker (2003)
considera que o termo auto-apresentação surgiu como um tópico importante da Psicologia
Social nos últimos 25 anos. No entanto, reconhece que o conceito foi popularizado na
Sociologia por Erving Goffman no clássico The Presentation of Self in Everyday Life, de
1959. Conforme descreve, Goffman elaborou uma abordagem dramatúrgica do gerenciamento
de impressão, comparando encontros sociais a performances de palco em que as pessoas
enquanto atores sociais projetam suas identidades ou “faces” (fachadas) para os outros e se
engajam em atividades mútuas que são regidas por regras sociais e rituais. A partir dessa
perspectiva, Schlenker (2003) ressalta que a auto-apresentação pode ser guiada por uma
variedade de motivos, que pode incluir transmitir um retrato “autêntico” do self, aquele
percebido pelo ator no momento da interação, e não somente manipulação. Portanto, isso
atenua a concepção da auto-apresentação enquanto uma atividade apenas superficial ou
enganadora.
Sob essa ótica se amplia também a gama de situações em que a auto-apresentação tem
lugar. Segundo o autor, “(…); it occurs among friends, even in familiar situations; it occurs
even in long-standing relationships such as marriage; and it does not necessarily involve
conscious attention and control” (SCHLENKER, 2003, p. 494). Dito de outro modo, ele
sugere que a forma como as pessoas se apresentam pode envolver processos cognitivos
automáticos ou controlados, a depender da familiaridade do contexto social. Na vida diária,
scripts de auto-apresentação podem ser criados automaticamente, tornando-se hábitos e
3
padrão de comportamento, o que exige menos esforço cognitivo. Já quando as pessoas são
desafiadas a se apresentar de maneira diferente da habitual, isso exige maior esforço
cognitivo. O que vai definir uma identidade socialmente desejada, de acordo com Schlenker
(2003), depende de fatores relevantes para o ator, a audiência e a situação social.
Numa espécie de roteiro para o gerenciamento de impressões, Metts e Grohskopf
(2003) ilustram as habilidades interpretativas e comunicativas requeridas para realização dos
objetivos pretendidos com a criação, manutenção e reparação de impressões do self. Para elas,
as pessoas diferem em suas habilidades de gerenciamento de impressão; as que são mais
perceptivas e hábeis comunicadoras são capazes de reconhecer, adaptar-se e até mesmo se
antecipar às reações dos outros durante a interação social. Mas não só isso, uma estratégia de
gerenciamento de impressão pode ser mal executada por uma série de razões, como a escolha
de um repertório linguístico limitado, sobrecarga cognitiva, falta de cooperação dos outros,
falta de motivação, dentre outras. Nesse sentido, as autoras defendem que treinamento e
prática são importantes para dominar a arte de se apresentar para os outros. Em sua definição:
Self-presentation refers to the process by which individuals, more or less intentionally, construct a public self that is likely to elicit certain types of attributions from others, attributions that would facilitate the achievement of some goal, usually to acquire social rewards or advantages, or to prevent loss of self-esteem when future failure seems probable. (METTS e GROHSKOPF, 2003, p. 360)
Desde que foram introduzidas na vida cotidiana de um número cada vez maior de
pessoas, as mídias sociais têm se constituído em objeto de pesquisa para estudiosos da auto-
apresentação e gerenciamento de impressões. À semelhança de outros espaços sociais, SRS
estão inseridos em práticas diárias e requerem contato e/ou interação entre pessoas que podem
ser velhas conhecidas ou não. Para acessar esses sites, com maior ou menor diferença entre
seus tipos, é preciso criar um perfil auto-descritivo, que inclui dados pessoais, tais como
nome, idade, localização, interesses e, ainda, uma lista de contatos aos quais os usuários
tenham optado por associar-se publicamente. Os perfis e as exibições de conexões pessoais
são parte fundamental desses sites e fornecem informações sobre o usuário. Donath e Boyd
(2004) sugerem que demonstrações públicas de conexão servem como sinais de identidade
importantes que ajudam as pessoas a navegar no mundo em redes sociais, em que uma
extensa rede pode servir para validar as informações de identidade apresentadas nos perfis.
Neste ponto, as autoras observam que “the subject's profile may touch upon various
facets of his or her identity, and those who are displayed as links may know only some of
these” (DONATH e BOYD, 2004, p. 75). No entanto, e talvez por isso mesmo, a exibição
pública de conexões é vista como um sinal da confiabilidade reivindicada por uma identidade.
Em suma, perfis e conexões pessoais em SRS nos dizem muito sobre como os usuários
4
escolheram se representar. Mas cabe destacar que o gerenciamento de impressões em redes
sociais vai além de perfis estáticos de usuários; esses sites exigem atualizações frequentes de
status em forma de textos, links, fotos, vídeos e conteúdos derivados de aplicativos. Ao
estudar atualizações do feed de notícias do Facebook, Barash et al. (2010) afirmam que esse
tipo de contato contínuo com a rede social, semelhante ao observado em serviços de
microblogging como o Twitter, oferece a oportunidade de entender como as pessoas
administram as impressões como uma atividade secundária, quando estão se comunicando
com os outros.
Portanto, como referente conceitual, este artigo vai adotar a definição de Danah Boyd
(2011) ao tratar os SRS como um gênero de “públicos em rede”. Ela afirma:
In addition to being a site of self-representation, profiles are a place where people gather to converse and share. Conversations happen on profiles and a person's profile reflects their engagement with the site. As a result, participants do not have complete control over their self-representation. (BOYD, 2011, p. 43).
Essa perspectiva se aproxima da abordagem pós-moderna que toma o self como um
construto emergente da interação social e como um processo ao invés de uma entidade
definida. Ao recorrer a pensadores que tentam explicar as transformações que ocorreram no
mundo no final do século XX e suas implicações para o indivíduo, Burkitt (2008) afirma que
as fontes de nossas identidades já não são estáveis e seguras. “‘I’ is a pronoun within a
language, the purpose of which is communication between people, it is less clear to say ‘I
think therefore I am’ than to say ‘we communicate therefore I am’” (BURKITT, 2008, p.
166). Deste modo, não estamos aqui a procura de uma representação única e acabada dos
sujeitos definidos para análise. Para o presente artigo levaremos em conta para a pluralidade
de identidades do sujeito que é político, enquanto uma categoria socialmente construída. Não
há dúvidas de que esta categoria não é a única e nem mesmo construída sem contradições e
negociações com outras experiências. As representações expressas por esses sujeitos no
Twitter são uma extensão de experiências vividas por eles (sua trajetória de vida) e estão sob
o pano de fundo do contexto social no qual se inserem (seu lugar de fala).
Por fim, no âmbito do quadro conceitual aqui proposto, resta atentar para a inevitável
associação nos dias atuais da política, que sempre foi considerada uma atividade
eminentemente argumentativa, com os espaços de exposição e visibilidade típicos das redes
digitais de comunicação. No livro Comunicação e Política, Rubim (2000) já nos chama
atenção para as novas possibilidades da política em espaço eletrônicos, globalizados e que vão
além de uma convivência direta e imediata. Diante de uma Idade Mídia, o autor afirma que “a
mera existência física já não assegura um existir social” (RUBIM, 2000, p. 41-42). Com o
5
pressuposto colaborativo das ferramentas da Web 2.0, entre elas os SRS, a exigência de uma
“publicização de si” é sem dúvida acentuada. E assim como outras dimensões da
sociabilidade, a política se vê afetada por novas possibilidades de realização.
Análise dos perfis
Neste tópico, passaremos à análise dos perfis criados e mantidos pelos candidatos a
prefeito de Salvador no microblog denominado Twitter. Entendido como uma mídia digital do
tipo SRS, o Twitter é tomado no curso deste artigo como veículo onde circulam
representações de si geradas, re-produzidas e co-construídas discursivamente, à luz do
referencial teórico discutido acima.
O site Twitter foi lançado em 2006 e atingiu o ápice de sua expansão em 2009, quando
ultrapassou a marca de 11 milhões de usuários, segundo estudo da empresa de consultoria
Sysomos (apud SANTAELLA e LEMOS, 2010, p. 64). O funcionamento deste SRS depende
que os participantes postem atualizações de texto – tweets – de até 140 caracteres, que são
compartilhados com a rede de seguidores desse fluxo. Em sua página de apresentação, o
Twitter é definido como uma “rede de informação em tempo real, que conecta você com as
últimas histórias, ideias, opiniões e novidades sobre o que você achar interessante”. Portanto,
basta encontrar os perfis de interesse e seguir as conversas, sem qualquer exigência de
reciprocidade no vínculo de amizade.
É neste sentido que Marwick e Boyd (online) ressaltam o papel dinâmico do Twitter
em contraste com as homepages pessoais, consideradas as primeiras apresentações de
identidade multimídia online. As autoras caracterizam as páginas pessoais como altamente
gerenciadas e limitadas em alcance colaborativo, onde as pessoas tenderiam a se apresentar de
formas fixas, singulares e auto-conscientes. Por outro lado, o microblog Twitter
proporcionaria dinâmicas e interativas apresentações de identidade para audiências
desconhecidas. “Self-presentation on Twitter takes place through ongoing ‘tweets’ and
conversations with others, rather than static profiles. It is primarily textual, not visual”
(MARWICK e BOYD, online, p. 3). Esse entendimento reforça a tendência cada vez mais
visível do uso do Twitter como um espaço ativo para performances de identidades e ajuda a
entender a opção pela análise deste site.
Para fins de delimitação espaço-temporal, optou-se por analisar os tweets visíveis no
fluxo dos perfis dos candidatos a prefeito de Salvador entre os dias 5 de junho e 5 de julho de
2012. O período escolhido para a análise refere-se à fase da pré-campanha eleitoral, uma vez
que o calendário para o pleito municipal deste ano, divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral
6
(TSE), estabeleceu o dia 5 de julho como prazo para registro dos candidatos pelos partidos
políticos e coligações e a data seguinte como o início oficial da propaganda eleitoral. A
escolha por tal período pareceu oportuna, pois se supõe como consequência do impedimento
legal de campanha que os perfis destes candidatos estejam menos dominados por assuntos
políticos e mais diversificados em temáticas, permitindo a observação de várias facetas desses
selves.
Os candidatos inscritos no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) na disputa
pela capital são ACM Neto (DEM), Hamilton Assis (PSOL), Márcio Marinho (PRB), Mário
Kertész (PMDB), Nelson Pelegrino (PT) e Rogério Tadeu da Luz (PRTB). Aqui, como
objetos para observação empírica, foram selecionados os dois perfis com maior número de
seguidores no Twitter: ACM Neto (32,832 seguidores) e Mário Kertész (20,787 seguidores)2.
Tomamos esses dados como expressão do grau de inserção social em rede e expansão
cognitiva alcançada por esses usuários através desse site, desafios colocados para o uso hábil
do Twitter de acordo com Santaella e Lemos (2010)3.
Ao longo da pesquisa, adotou-se uma metodologia quantitativa, compreendida como o
levantamento do número de tweets no período e a frequência de suas publicações, combinada
a uma metodologia qualitativa. Nesta etapa do trabalho, os tweets foram analisados
identificando as interpretações de sentido aferidas de sua linguagem e conteúdo, de acordo
com algumas categorias pré-definidas. No aspecto linguagem procurou-se analisar
basicamente se o tom utilizado no tweet foi formal ou informal e se o tweet foi escrito em
primeira ou terceira pessoa. Já os conteúdos foram enquadrados de acordo com suas temáticas
em políticos4 e não políticos. Cabe ressaltar, porém, que essas categorias binárias apenas
atendem a necessidade de delimitação neste espaço de análise. Um mesmo tweet se observado
sob diferentes aspectos pode ser enquadrado em mais de uma temática e usado como exemplo
mais de uma vez.
A interação dos candidatos com os demais usuários do site também foi analisada,
através dos replies (respostas) e retweets ou RT (encaminhamento de mensagens). E por fim,
foi levada em consideração a interação com outras mídias, seja através da publicação de fotos,
vídeos e links externos. Após estas análises, definiram-se alguns pontos centrais do perfil
desses candidatos sobre os quais nos debruçamos. Antes, porém, de qualquer problematização
2 Dados coletados em 17 de julho de 2012.3 Os demais candidatos não chegaram a registrar 5 mil seguidores no momento da coleta dos dados. Os números foram considerados pouco representativos e, portanto, eles não entraram no corpus da análise.4 Embora qualquer mensagem possa ter cunho político, neste trabalho iremos considerar aquelas que trazem como principal referência nomes de personagens ou partidos políticos.
7
dos resultados encontrados, faz-se necessária uma breve apresentação dos candidatos como
forma de contextualizar cada um deles no cenário da política baiana.
@acmneto_25
Antônio Carlos Peixoto de Magalhães Neto ou ACM Neto tem 33 anos e entrou na
política pelas mãos do avô; ele é herdeiro político de Antônio Carlos Magalhães (ACM), que
foi governador da Bahia, senador e ministro das Comunicações. Em 2003, ACM Neto
assumiu o primeiro mandato como deputado federal pelo extinto Partido da Frente Liberal
(PFL). Reelegeu-se nas eleições de 2006 e 2010, estando, portanto, em seu terceiro mandato
consecutivo como deputado e pela segunda vez como o líder da bancada do Democratas
(DEM) na Câmara Federal. Nas eleições de 2012, ACM Neto disputa a prefeitura de Salvador
pela segunda vez. Na primeira em 2008, ele ficou em terceiro lugar no número de votos e não
chegou a disputar o segundo turno5. No Twitter, ele se apresenta como “Líder do Democratas
na Câmara dos Deputados e candidato a prefeito de Salvador”.
Dos dois candidatos analisados, ACM Neto é o com maior número de tweets
registrados no site (13,420), assim como o número de seguidores (32,832) e seguidos
(15,262)6. No período da análise, porém, foi o que apresentou menor número de atualizações
em seu fluxo. Foram 292 tweets entre 5 de junho e 5 de julho de 2012, sendo 276 publicados
a partir de seu perfil @acmneto_25 e 16 “retweeted by ACM Neto”. Os retweets incluem em
sua maioria assuntos políticos, a exemplo de mensagens de colegas e eleitores manifestando
apoio a sua candidatura e notícias de sua agenda. Observadas as ressalvas já feitas
anteriormente, apenas dois podem ser considerados não diretamente ligados a assuntos
políticos: a divulgação de um abaixo-assinado para o Instituto Eu Quero Viver e de uma foto
num forró de condomínio. A linguagem que predomina é a dos tweets originais, sendo uma
escolha do usuário “passar adiante”. A maioria utiliza um tom formal para internet, sem
abreviações ou erros gramaticais, embora em pelo menos seis deles haja o uso claro da
linguagem informal.
5 Informações de sua homepage http://www.acmneto.com.br.6 Dados coletados em 17 de julho de 2012.
8
No período analisado, a atualização do perfil do Twitter de ACM Neto manteve-se
quase que diária; o maior intervalo sem tweet é de dois dias consecutivos, 21 e 22 de junho. A
quantidade por dia é bastante variada, é possível observar dias em que há apenas uma
postagem e outros em que o número de postagens ultrapassa 10 tweets (no dia 15 de junho
são 22), não sendo possível estabelecer uma média representativa. Destes números, a
constatação que pode ser aferida é que o candidato procura manter contato constante com seu
fluxo de seguidores. Dos 276 tweets publicados a partir de seu perfil, 83 são replies ou
respostas. Em sua maioria, cerca de 48 tweets, há referências a assuntos políticos: mensagens
em que o candidato faz agradecimentos pelo apoio recebido ou tira dúvidas de jornalistas e
eleitores7.
Nota-se que a linguagem empregada por ACM Neto obedece às regras formais do uso
da língua portuguesa, muito embora predomine uma elaboração simples e direta, em primeira
pessoa. Durante as interações pelo Twitter, o perfil @acmneto_25 demonstra intimidade com
o interlocutor, chegando inclusive em alguns momentos a revelar interesse por seus assuntos
pessoais.
7
Para uma análise mais precisa seria necessário acompanhar o fluxo de todas as conversações empreendidas neste período, o que não está no escopo deste artigo.
9
Em outros momentos da interação, @acmneto_25 arrisca-se a mostrar um lado bem
humorado. Essa faceta de seu perfil parece estar em acordo com as dimensões – cool e
entertaining – percebidas por Barash et al. (2010) como altamente relevantes para o sucesso
da projeção da auto-imagem em atualizações de SRS.
Passando à analise das mensagens postadas por ACM Neto que não correspondem a
replies, há um total de 193 tweets, cuja autoria poderia ser reclamada para si como de “livre e
espontânea vontade”. A exceção aparece com 15 tweets assinados pela assessoria do
candidato, nos quais é empregada uma linguagem formal e em terceira pessoa, deixando claro
que não se trata de algo postado pelo próprio candidato, mas por sua equipe com o seu aval.
Dos tweets que não estão assinados pela Assessoria ou Equipe (178), a grande maioria
(122) traz como conteúdo manchetes de notícias, referenciadas com os links externos. O tema
que prevalece são as coligações políticas que antecedem o período da campanha eleitoral, mas
também podem ser encontradas referências a notícias sobre seca no sertão, risco de epidemia
de dengue, promoção de festas populares, inscrições para o ENEM, greve dos professores do
Estado da Bahia e outras paralisações. A linguagem mais uma vez está em terceira pessoa e
com escrita mais formal.
10
De resto, foram identificados 56 tweets de ACM Neto que podem ser considerados
mais pessoais, em que o candidato se permite expressar claramente opiniões sobre
acontecimentos do dia a dia e até compartilhar emoções vivenciadas por ele. Aqui, mesmo os
assuntos políticos são tratados sob uma ótica pessoal, o que parece reivindicar uma espécie de
“autenticidade” para as mensagens nesse formato. A linguagem é em primeira pessoa e alude
diretamente ao interlocutor.
Percebe-se que as mensagens nesse sentido, embora escritas dentro do padrão formal
da língua portuguesa, não fazendo uso de gírias ou do chamado internetês8, incorporam
recursos coloquiais que procuram afastar as impressões de pedantismo e/ou distanciamento do
interlocutor. Por conseguinte, o candidato também faz questão de inserir assuntos corriqueiros
a partir de seu perfil, a exemplo do futebol, uma temática recorrente em seus tweets mais
pessoais. ACM Neto chega a postar uma sequência de tweets durante uma partida entre
8 Bisognin e Finatto (2010) definem o internetês como uma forma de adaptação da escrita para a internet, que é normalmente usada por jovens na apressada comunicação pela Web.
11
Santos e Corinthians e, em uma partida do Bahia, seu time, até extrapola o uso mais formal da
linguagem.
Cabe registrar, ao final, que a análise do perfil de ACM Neto revela um usuário
adaptado à dinâmica do site de microblogging Twitter. O candidato manteve uma presença
online, atualizando o seu fluxo de mensagens, e equilibrou diferentes temáticas, visando a
manutenção do interesse da audiência. Adicionalmente, também houve a preocupação em
promover a interação com diferentes mídias, através da postagem de vídeos do Youtube,
compartilhamento de fotos em “tempo real”, links externos para notícias e trechos de
entrevistas em rádio e televisão.
@marioksz
Mário de Melo Kertész ou Mário Kertész tem 68 anos e também entrou na vida
política pelas mãos de Antônio Carlos Magalhães (ACM). Na primeira gestão de ACM como
governador da Bahia (1971-1975), Mário assumiu a Secretaria do Planejamento, Ciência e
Tecnologia, e, no segundo governo de ACM (1979-1981), foi prefeito nomeado de Salvador.
Em 1981, rompeu com o Carlismo e, em 1985, filiado ao PMDB, foi eleito prefeito de
Salvador na primeira eleição direta. Em 1992, Mário disse ter encerrado sua vida política e
12
passou a se dedicar à iniciativa privada. Desde então, mantém o Grupo Metrópole, que inclui
a Rádio Metrópole, o Jornal da Metrópole, o Portal da Metrópole e a TV Metrópole. De volta
à política em 2012, disputa sua segunda eleição para prefeito da capital9. No Twitter, ele se
apresenta como “Candidato a prefeito, Mário quer cuidar de Salvador. Devolver à cidade, a
efervescência cultural, econômica e social que você merece”.
Em relação ao candidato anteriormente analisado neste artigo, Mário Kertész
apresenta menor número de tweets (1,924) e de seguidores (20,787) e seguidos (114)
registrados em sua página10. No entanto, é o que apresenta maior número de atualizações no
período da análise, de 5 de junho a 5 de julho de 2012. São 661 tweets, dos quais 636
postados a partir de seu perfil @marioksz e 25 “retweeted by Mário Kertész”. Na maior parte
dos retweets predominam assuntos políticos, tanto em âmbito nacional como local: formação
de legendas e encontros políticos. Apenas em nove deles pode-se perceber um alargamento
das temáticas a partir de tweets que divulgam informações do trânsito, programação da rádio
Metrópole, vaga para estagiário no grupo Metrópole e fatos que estão acontecendo na cidade
de Salvador. As mensagens preservam a linguagem original; a maioria segue um padrão
formal de escrita, sem erros gramaticais. No entanto, em seis delas pode-se observar
abreviações ou uso coloquial da língua portuguesa.
A atualização do perfil de Mário Kértesz durante a análise é quase diária, somente não
são registrados tweets no dia 1º de julho e 23 de junho. O candidato procura, portanto, manter
contato constante com seus seguidores. Uma média de atualizações não é representativa, uma
vez que a variação é bastante elevada: enquanto no dia 30 de junho é registrado apenas um
tweet, no dia 5 de julho são 62. Do total de 636 mensagens postadas a partir do perfil
@marioksz, 95 são replies ou respostas. Dentre esses, em dez percebe-se alguma referência a
assuntos políticos e em 21 percebe-se referência a sua rotina de radialista. A maioria, cerca de
9 Informações de seu site de campanha http://www.salvadortemjeito15.com.br/.10 Dados coletados em 17 de julho de 2012.
13
50 tweets, são mensagens curtas, nas quais não é possível identificar o assunto das interações,
sem que haja um acompanhamento mais preciso do fluxo dessas conversações, o que não está
no escopo deste artigo.
Nota-se que os replies apresentam comentários ou respostas diretas a perguntas de
interlocutores, numa linguagem não informal. As mensagens não exibem abreviações ou erros
gramaticais. Em poucas interações, cerca de dez, Mário Kértesz parece mostrar intimidade
com o interlocutor.
Dos tweets postados por Mário Kértesz e que não se tratam de replies (541), é possível
perceber uma grande incidência (144) de mensagens com a hashtag #equipeMK ou
#salvadortemjeito, com algumas variações na escrita. As hashtags inseridas nessas mensagens
parecem indicar uma assinatura, que as diferenciam das demais por não terem sido postadas
pelo próprio candidato, mas por sua equipe com o seu aval. De fato, esses tweets apresentam
uma linguagem em terceira pessoa ou trazem citações do candidato entre aspas. Eles ocorrem
com mais frequência nas datas próximas à campanha eleitoral e transmitem informações de
14
sua agenda política. Muitas vezes, fazem a cobertura da participação do candidato num evento
até o seu término.
Os tweets não assinados pela equipe de Mário Kértesz podem ser divididos em dois
grandes grupos para análise. Como grupo de maior representatividade, destacam-se 287
mensagens que trazem chamadas de notícias, com os respectivos links externos. O maior
encaminhamento é para o Portal da Metrópole (www.metro1.com.br), mantido pela sua
equipe. Esses tweets são escritos em linguagem impessoal e formal, geralmente obedecendo
ao uso culto da língua portuguesa. Em pelo menos 105 deles é possível perceber referências a
assuntos políticos, guardadas as observações feitas anteriormente; os demais se referem a
acontecimentos da ordem do dia.
15
Em outro grupo são identificados 87 tweets que podem ser enquadrados em uma
perspectiva mais pessoal, uma vez que Mário Kértesz escreve em primeira pessoa e aborda
assuntos mais próximos do seu cotidiano. Destes, apenas 15 tratam de assuntos políticos,
dando conta de encontros com correligionários ou entrevistas, em que ora é ele quem
entrevista os políticos e ora é entrevistado enquanto candidato. Mas a grande maioria, pelo
menos 57 tweets desse grupo, trata dos convidados que serão recebidos pelo seu programa e
sua rotina como radialista.
Percebe-se que essas mensagens mantém o padrão formal de escrita da língua
portuguesa, mas numa linguagem simples que parece direcionada ao entendimento dos
interlocutores de Mário Kértesz. Independente do assunto, ele expressa seu ponto de vista ou
emoção sentida no momento. Uma temática recorrente em seus tweets que também parece
constituir uma faceta mais pessoal de seu perfil é a recomendação de produtos culturais, sejam
livros, filmes, documentários. Esses tweets estão intercalados em períodos de tempo e
geralmente trazem uma avaliação entusiasmada da obra.
16
A análise do perfil de Mário Kértesz também revela um usuário ambientado com a
plataforma Twitter. O candidato posta atualizações constantes em seu fluxo de tweets,
responde aos interlocutores e não se restringe a abordar apenas uma temática. Como
observado, muitas de suas mensagens são acompanhadas de links externos para notícias,
trailers, fotografias e arquivos de áudio. Rematando a proposta deste artigo, finalizamos com
algumas observações sobre o processo de identificação dos candidatos através do uso do
Twitter e suas formas de interação social em rede.
Considerações finais
De acordo com a análise empreendida, é interessante ressaltar que os dois candidatos
mostram-se inseridos na lógica de funcionamento do Twitter. Como assinalam Santaella e
Lemos (2010) tal dado pode ser compreensível por se tratarem de figuras públicas – um
deputado, outro radialista –, cuja inserção em rede é facilitada, uma vez que suas
comunidades de seguidores surgem espontaneamente. No entanto, as autoras acreditam que “o
uso pleno e avançado das possibilidades comunicacionais do Twitter exige determinado nível
de mestria em relação às funcionalidades e ao gerenciamento e manipulação dos fluxos
comunicacionais” (SANTAELLA E LEMOS, 2010, p. 80). Assim, a administração de um
perfil em rede é um processo inacabado e está condicionada, sobretudo, ao conhecimento da
mídia online, à natureza do conteúdo veiculado e aos anseios da audiência. Nesse sentido, os
dois candidatos também parecem navegar com desenvoltura, se tomarmos os aspectos
observados acima e a constância da afiliação aos perfis durante o período de análise.
Essa constatação, a princípio, rechaça a ideia altamente difundida de que a internet é
um campo privilegiado da juventude, contida na expressão “nativos digitais”. Há uma forte
tendência a imaginar que os jovens formados sob os preceitos das redes digitais e interação na
Web atuam com maior rapidez, concentram-se em várias tarefas ao mesmo tempo e, portanto,
têm melhor desenvoltura na atuação em blogs, microblogs e SRS. Don Tapscott (apud VAN
PEBORGH, 2010, p. 32), autor da primeira radiografia desta geração, assegura que seus
membros nasceram entre 1977 e 1996. O intervalo inclui o candidato ACM Neto, nascido no
ano de 1979, à condição de um nativo digital e exclui o candidato Mário Kértesz, nascido no
ano de 1944. A julgar por esta definição o candidato mais jovem seria também o mais atuante
17
e comprometido com o seu perfil online. Ao contrário, a nossa análise mostra que o candidato
Mário Kértesz é o que mais atualiza o seu perfil, com uma diferença considerável no número
de tweets no período.
Mas cabe aqui a ponderação na forma da máxima já bastante popular de que nem
sempre quantidade é sinônimo de qualidade. Medir o desempenho dos usuários em rede
apenas pelo número de tweets publicados por dia não é suficiente para aferir a condição de
seu relacionamento com aqueles aos quais estão ligados. A ideia de relacionamento tão cara
às redes sociais requer usuários que interagem, comentam, compartilham e se engajam em
prol de ações comuns. Claro que uma análise mais detalhada dos fluxos conversacionais dos
dois candidatos seria preciso para qualquer conclusão nesse sentido. No entanto, ACM Neto
parece administrar melhor esse relacionamento, na medida em que dosa o número total de
tweets publicados e aqueles em que mantém alguma relação com seus interagentes – apesar
de, ou talvez o que explique, uma maior audiência. Ele se arrisca a se aproximar mais de seus
seguidores, seja pelo emprego de uma linguagem mais direta ou pela abordagem de temáticas
que tradicionalmente interessam o público, a exemplo do futebol.
Já no Twitter de Mário Kértesz prevalece a postagem de notícias, acompanhadas de
links externos e escritas de forma impessoal. Ao interagir diretamente com os usuários, ele
muitas vezes utiliza mensagens curtas. É em sua faceta mais pessoal que mostra alguma
intimidade com o interlocutor e aposta na indicação de filmes, livros e outros produtos
culturais. Como vimos ao longo deste artigo, nada impede que essas performances, tanto a de
Mário Kértesz quanto a de ACM Neto, estejam revestidas por estratégias cuidadosamente
conscientes de auto-apresentação, em que os candidatos procuram equilibrar informações
pessoais, escolher os temas de abordagem e reivindicar autenticidade ao seu perfil. Mas assim
como a concepção de autenticidade é variada, a forma como os indivíduos se apresentam
muda de acordo com a maneira como são interpelados. “In other words, self-presentation is
collaborative. Individuals work together to uphold preferred self-images of themselves and
their conversation partners” (MARWICK e BOYD, online, p. 10).
Portanto, um perfil é construído nas interações e conversas com os outros, que estão
constantemente a acontecer. Aqui nos propomos a analisar a construção identitária dos
candidatos a prefeito de Salvador no Twitter, que de forma alguma pode ser considerada
como uma experiência acabada ou, simplesmente, estendida a outras experiências mesmo no
contexto das redes sociais. Como sugere Cancline, “a identidade é uma construção que se
narra” (CANCLINI, 1999, p. 163). Portanto, as representações que são expressas nesse SRS
pelos sujeitos políticos, enquanto uma categoria socialmente construída, só são possíveis
18
analisando a sua inserção num campo de significados e sentidos a partir do qual se
posicionam e se (re)constroem uns aos outros. Essa perspectiva suscita e deixa espaço para
reflexões sobre o papel do outro na construção de nossas próprias subjetividades. Ao mesmo
tempo em que os ambientes digitais trazem elementos para gerenciar isso de forma mais fácil,
oferecendo dispositivos técnicos para impressionar os outros, são um novo desafio na medida
em que revelam nossa condição de público em rede.
Referências
BARASH, Vladimir et al. Faceplant: Impression (Mis)management in Facebook Status Updates. Proceedings of the Fourth International AAAI Conference on Weblogs and Social Media, 2010.
BISOGNIN, Tadeu; FINATTO, Maria José. Escrita no orkut: vocabulário mais utilizado e aproveitamentos do internetês para o ensino de língua portuguesa. In: COUTO, Edvaldo Souza; ROCHA, Telma (org.). A vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais. Salvador: Edufba, 2010, p. 79-100.
BOYD, Danah; ELLISON, Nicole. Social network sites: Definition, history, and scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, 13(1), article 11, 2007.
BOYD, Danah. Social Network Sites as Networked Publics. In: PAPACHARISSI, Zizi (ed.). A Networked Self: Identity, community, and culture on Social Network Sites. New York: Routledge, 2011, p. 48-67.
BURKITT, Ian. Social Selves: Theories Of Self And Society. SAGE Publications Inc. Thousand Oaks, California, 2008, p. 162-186.
CANCLINE, Néstor. As identidades como espetáculo multimídia. In: Consumidores e cidadãos: os conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1999, p. 163-177.
DONATH, Judith; BOYD, Danah. Public displays of connection. BT Technology Journal, v. 22, n. 4, 2004, p. 71-82.
MARWICK, Alice; BOYD, Danah. I tweet honestly, I tweet passionately: Twitter users, context collapse, and the imagined audience. Disponível em: <http://nms.sagepub.com/content/early /2010/06/22 /1461444810365313>. Acesso em: 20 abr. 2012.
METTS, Sandra; GROHSKOPF, Erica. Impression Management: Goals, Strategies, and Skills. In: GREENE, John.; BURLESON, Brant. Handbook of Communication and Social Interaction Skills. Lawrence Erlbaum Associates, Publishers. London, 2003, p. 357-399.
19
SANTAELLA, Lucia; LEMOS, Renata. Inflow vs. outflow: Twitter & microdesign de ideias. In: Redes Sociais Digitais: a cognição conectiva do Twitter. São Paulo: Paullus, 2010, p. 63-130.
SCHLENKER, Barry. Self-Presentation. In: LEARY, Mark.; TANGNEY, June. Handbook of Self and Identity. The Guilford Press, New York, 2003, p. 492-518.
RUBIM, Antonio Albino. Comunicação e Política. São Paulo: Hacker Editores, 2000.
VAN PEBORGH, Ernesto. Odissea 2.0: las marcas en los medios sociales. Buenos Aires: La Crujía, 2010.