Ponte Rio-Minas - A Bossa Nova Em Minas Geraes - Sheyla Castro Diniz

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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARTES, FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PARA ALÉM DA ZONA SUL CARIOCA: A BOSSA NOVA EM MINAS GERAIS SHEYLA CASTRO DINIZ

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Bossa NovaMinas GeraisAnos 1960Belo HorizontePacífico MascarenhasRoberto Guimarães

Transcript of Ponte Rio-Minas - A Bossa Nova Em Minas Geraes - Sheyla Castro Diniz

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA FACULDADE DE ARTES, FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS

    GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS

    PARA ALM DA ZONA SUL CARIOCA: A BOSSA NOVA EM MINAS GERAIS

    SHEYLA CASTRO DINIZ

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    SHEYLA CASTRO DINIZ

    PARA ALM DA ZONA SUL CARIOCA: A BOSSA NOVA EM MINAS GERAIS

    Monografia apresentada ao curso de graduao em Cincias Sociais da Faculdade de Artes, Filosofia e Cincias Sociais da Universidade Federal de Uberlndia (UFU), como exigncia parcial para obteno do ttulo de bacharel em Cincias Sociais, sob a orientao do prof. Dr. Adalberto Paranhos.

    Uberlndia/MG, maro de 2010

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    DINIZ, Sheyla Castro (1985). Para alm da Zona Sul carioca: a Bossa Nova em Minas Gerais. DINIZ, Sheyla Castro Uberlndia/MG, maro de 2010. 85 fls. Orientador: Dr. Adalberto de Paula Paranhos. Monografia (Bacharelado) Universidade Federal de Uberlndia, Curso de Graduao em Cincias Sociais. Inclui Fontes, Referncias e Anexo.

    Palavras-chave: Sociologia, Histria, msica popular brasileira, Bossa Nova.

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    Banca examinadora:

    _______________________________________________

    Prof. Dr. Adalberto Paranhos (orientador)

    _______________________________________________

    Prof. Dr. Joo Marcos Alem

    _______________________________________________

    Prof. Dr. Hermilson Garcia do Nascimento

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    Dedico esta monografia Perclia, minha me, grande amiga, incentivadora e companheira.

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    AGRADECIMENTOS

    Conceber esta monografia (pois dizem por a que quando elas ficam prontas equivale a um parto!) significou para mim cumprir o ltimo requisito exigido pelo curso de Cincias Sociais. Quando relembro o passado esses anos todos como discente desse curso , vislumbro vrias pessoas que dividiram comigo suas experincias, influindo direta ou indiretamente neste trabalho, sem que nem sempre eu tivesse, contudo, a chance de agradec-las e dizer o quanto elas foram importantes para minha formao acadmica e pessoal. Por isso, achei propcio aproveitar este momento.

    Em primeiro lugar, sou grata ao professor Dr. Adalberto Paranhos, no unicamente por ter me apresentado a Bossa Nova nas Geraes e me confiado esta pesquisa, mas igualmente pelas aulas de Poltica Brasileira. Dentre inmeros assuntos, compreender que a poltica no somente privilgio dos grandes e que os fenmenos histricos, culturais, polticos e sociais so e no so ao mesmo tempo me foi algo incrivelmente significativo. Agradeo com satisfao e carinho suas rgidas e perspicazes observaes/correes de meus relatrios e artigos, abarcando tanto valiosos comentrios sobre questes de contedo como problemas ortogrficos e gramaticais. Agradeo sua amizade, sua compreenso e suas orientaes sempre bem humoradas, entre uma e outra (ou constante) aluso ao So Paulo Futebol Clube, s suas viagens mundo afora e a Joo Gilberto, tudo, por sorte, se encaixando perfeitamente ocasio. Tambm a ele sou grata pelo ttulo que me concedeu de miss Patrocnio...

    Agradeo ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), que contemplou o meu projeto Histria e historiografia da msica popular brasileira: ponte Rio-Minas a Bossa Nova nas Geraes, com bolsa de iniciao cientfica por dois anos consecutivos (2006-2007 e 2007-2008). Em meu plano de trabalho, que esteve vinculado ao projeto do professor Adalberto, Histria e historiografia da msica popular brasileira, constavam os pormenores das investigaes s quais me dediquei, objetivando a elaborao desta monografia.

    Agradeo a todos os professores do curso de Cincias Sociais com os quais tive a chance de estudar, principalmente os que me foram mais prximos: Joo Marcos Alem, pelas aulas de Etnologia Brasileira, por ter sido o primeiro a escutar minhas inquietaes sobre a Bossa Nova e se dispor a participar da banca examinadora deste trabalho. Paulo Albieri, por sua figura despojada e acolhedora, com quem me deparei em meu primeiro dia de aula. Eliane Schmaltz, pelo rigor necessrio com que nos apresentou os trs porquinhos das Cincias Sociais: Durkheim, Marx e Weber. Antnio Michelotto (in memoriam), pelas aulas de

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    Religio e Sociedade conduzidas com a sabedoria e a simplicidade de um perito. Joo Batista, por me fazer entender, mesmo a contragosto, que os sujeitos sociais so inevitavelmente auto-interessados. Mnica Abdala, pela amizade e orientao de monitoria. Hermilson Garcia (Budi), professor do curso de Msica, por chamar a minha ateno para alguns aspectos interessantes da anlise musical e por ter aceitado prontamente ler o texto que aqui segue. E o secretrio do curso de Cincias Sociais, Lourival (Loro), por me ajudar, na medida do possvel, para a soluo de pendncias burocrticas, ele que dizia sempre que a Sheylinha e a Sisterolli so as que me do mais trabalho.

    Agradeo aos colegas de graduao (da Msica tambm), que, ocupados com tantos afazeres, tornaram-se grandes amigos durante essa jornada, e aos quais eu aprendi a amar:

    s Alines (Costa e Soares), pelas conversas e pelo colcho (da Soares) que custei a devolver. Ana Clara Sisterolli, pessoa to atenciosa, companheira de mltiplas e interminveis conversas, amiga de projetos, de viagens, de choros e alegrias. Agradeo desmedidamente sua presena e partilha em horas difceis e em horas nada difceis das nossas pelejas e regalias em Cuba ou no Brasil. Eis uma cientista social humanista com quem poderei contar por toda a vida. Ao Gleydes Pamplona, pelos conselhos sempre francos e pela insistncia em matricular-nos no curso de espanhol (apesar de ele t-lo abandonado...). Um inquieto e questionador cientista social, mas de um abrao rechonchudo e tranqilizador. Kely Alves, pelo carinho, pela hospitalidade, pelos chazinhos das cinco e, claro, por me dar o privilgio de ser titia de um beb to lindo como o Miguel. Outra cientista social batalhadora e admirvel.

    Ao exmio msico flautista Paulo Agenor, por nossos longos dilogos de madrugada e seus questionamentos a respeito da Bossa Nova, colocando em xeque as minhas afirmaes e dando vrios palpites em meus escritos. Agradeo sua amizade em momentos de alegrias, de travessuras, de tdio, de angstias e tambm de seriedade. Peo que se lembre de mim quando estiver na Europa, ou me leve junto... Ao futuro mestre em Cincias Sociais Pedro Barbosa, vulgo Pedro, por me mostrar o lado racional de muitas coisas, por seu estilo prtico, informal e s vezes engraado, por tantos quebra-galhos e por me distrair quando a saudade apertava no intercmbio que realizamos em Cuba. Suyane Thas, pela amizade, pela troca de idias e pela companhia em ocasies de rejbilos e brindes. Ah... e tambm pela inveja que causou turma inteira, em 2006, por ter logrado nota 100 em Poltica Brasileira. Ao Wesley Melo, talentoso estudante de teatro, por seu enorme corao e sua graciosidade que me proporcionou inmeras gargalhadas. Aos amigos do curso de Histria, Alusio Brando,

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    Fernanda Nogueira e Roberto Camargos, pelas discusses e aprendizados, principalmente durante os minicursos sobre msica popular que ministramos.

    Aos meus queridos pais Leonardo e Perclia e meu irmo Lucas, pessoas fundamentais em minha vida. minha av Benedita e aos incontveis tios, primos e amigos patrocinenses que, de longe (bem, no to longe assim...), sempre rezaram por mim.

    E, de maneira especial, agradeo e dedico esta monografia aos artistas belo-horizontinos que prontamente se dispuseram a me conceder entrevistas, realizadas num clima agradvel e amistoso. Em minhas viagens a Belo Horizonte, com o propsito de entrevist-los, eu pude adentrar um pouco em suas memrias e comungar de seus afetos e apreo pela Bossa Nova. Ao Pacfico Mascarenhas agradeo sua boa-vontade, entusiasmo e pelo prazer com que discorreu sobre as turmas da Savassi e do Sambacana, pelos materiais impressos, pelo banner com fotos da revista O Cruzeiro e pelos vrios CDs com que me agraciou, pelo incentivo e por uma palinha de Pouca durao ao piano de cauda de sua casa. Ao Roberto Guimares, por seu Amor certinho (a msica e o CD), sua ateno e cuidado em me mostrar e explicar sobre discos, livros e fotografias, enquanto, ao fundo, escutvamos Joo Gilberto. Por sua gentileza, hospitalidade e pelo apetitoso almoo em famlia para o qual me convidou juntamente com sua esposa Tereza. Sem Pacfico e Roberto a Bossa Nova nas Geraes no seria possvel, e conseqentemente muito menos estas linhas.

    Igualmente agradeo queles que levaram a Bossa Nova em Minas Gerais adiante, acrescentando sua marca pessoal. A Bob Tostes, pelo CD Sesso dupla-novas bossas e pelo singelo Cavalinho azul, pelo refinamento e sensibilidade de seus relatos e reflexes, pelas contribuies via e-mail um verdadeiro gentleman. Ao Juarez Moreira, por sua disponibilidade, suas impresses e importantes informaes acerca da cena artstica atual de Belo Horizonte e do Brasil. Ao Renato Motha, por sua linda voz que abrilhantou muitas composies suas, de Pacfico e de Roberto , pelo maravilhoso disco Dois em Pessoa e por suas experincias musicais compartilhadas na tranqilidade mstica de seu apartamento. E ao Fernando Brant, que me recebeu em sua casa e me prestigiou com suas declaraes entrecruzando a Bossa Nova feita em Minas e o Clube da Esquina. A todos, de corao, muito obrigada!

    Hum... j ia me esquecendo. Acho que vlido agradecer tambm ao meu primeiro namorado, pelo simples fato de ter me presenteado, aos treze anos, um CD da coleo Millennium com msicas de Tom Jobim, o qual acendeu em mim o meu interesse pela Bossa Nova (e no pelo namorado...). Detalhe: a primeira faixa era Chega de Saudade.

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    RESUMO

    Este trabalho busca colocar em evidncia a Bossa Nova produzida por msicos belo-horizontinos que, na virada dos anos 1950/60 e ao longo da dcada de 1960, foram responsveis por construir uma ponte musical entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Seguindo, em alguma medida, na contramo de determinados clichs histricos sobre o movimento bossa-novista, pretende-se explorar ao menos uma pequena parte do lado B da histria1 (dessa histria) e avanar um pouco no tempo para avaliar sua repercusso, valendo-se da anlise de documentos bibliogrficos, sonoros e orais.

    Palavras-chave: Sociologia, Histria, msica popular brasileira, Bossa Nova.

    1 Expresso utilizada por PARANHOS, Adalberto. Vozes dissonantes sob um regime de ordem-unida: msica e

    trabalho no Estado Novo. ArtCultura, v. 4, n. 4, Uberlndia, Edufu, jun. 2002, p. 91.

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    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................09

    CAPTULO I Ponte Rio-Minas: as aspiraes modernas, o consumo e a produo de Bossa Nova nas Geraes......................................................................14

    CAPTULO II Eu gravo at em disco a Bossa Nova das Geraes: anlise da produo discogrfica dos anos 1960.........................................................43

    CAPTULO III A produo recente e a herana esttica da Bossa Nova nas Geraes.............................................................................................57

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................73

    FONTES Bibliogrficas.................................................................................................................76 Discogrficas..................................................................................................................77 Orais................................................................................................................................78 Eletrnicas......................................................................................................................78

    REFERNCIAS Bibliogrficas.................................................................................................................80 Discogrficas..................................................................................................................81

    ANEXO Canes bossa-novistas mineiras citadas.....................................................................82

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    INTRODUO

    Todo mundo foi afetado pelo acontecimento denominado Bossa Nova, que atravessou todo o espectro cultural brasileiro.2

    Um dos desafios mais penosos para quem, de fato, pretende trilhar uma carreira acadmica aparece no processo de definio do tema de monografia ou trabalho de concluso de curso, bem como na formulao de uma problematizao em torno dele, o que para muitos acaba se tornando, literalmente, um grande problema.

    Como estudante de Cincias Sociais e posteriormente tambm discente do curso de Msica da Universidade Federal de Uberlndia, a escolha da msica popular, e especificamente da Bossa Nova como temtica de pesquisa, curiosamente me foi sugerida por um dos trs pilares da Sociologia clssica: Max Weber. A conceituao weberiana a respeito do recorte do objeto sociolgico fez-me perceber que eu poderia estabelecer uma relao com os valores, desde que, os resultados do trabalho garantissem certa objetividade no-valorativa, apesar de a seleo do material investigado ser subjetivamente orientada. Ao concluir, a despeito de Weber, que o caminho da neutralidade axiolgica passvel de questionamentos no fazer cientfico, passei a considerar louvveis os esforos do pesquisador que sabe se guiar entre a razo e a paixo.3

    Privilegiando meu gosto pela Bossa Nova, msica recebida com estranhamentos diversos no final da dcada de 1950 e que, a propsito, tambm inquietou os meus ouvidos pr-adolescentes j nos recentes anos 1990, motivei-me a buscar vertentes do movimento bossa-novista ainda no perscrutadas pelos pesquisadores, tanto no campo especfico da msica quanto nas mltiplas reas de estudo das cincias humanas. E para essa busca contei com o apoio e ajuda fundamentais do pesquisador e professor Dr. Adalberto Paranhos.4

    Alm de detectar olhares contraditrios sobre o estilo musical em questo5, os quais sero detalhados no primeiro captulo, concentrei o foco de anlise na contramo do que

    2 VELOSO, Caetano. Apud PARANHOS, Adalberto. Novas bossas e velhos argumentos: tradio e

    contemporaneidade na MPB, Histria & Perspectivas, n. 3, Uberlndia, UFU, jul.-dez. 1990, p. 95. 3 Cf. COHN, Gabriel (org.). Max Weber: Sociologia. 2. ed. So Paulo: tica, 1982, cap. 3.

    4Em linhas gerais e de modo sucinto, o tema a que me dedico foi abordado por PARANHOS, Adalberto. Ponte Rio-Minas: a Bossa Nova nas Geraes. Proceedings of the Brazilian Studies Association Brasa , Ninth Conference. New Orleans: Brasa, 2008. Disponvel em . 5 Diga-se de passagem que, inicialmente, a Bossa Nova no foi encarada como um gnero musical e sim como

    uma forma de se tocar o samba. Esta posio, sustentada ainda hoje por Jos Ramos Tinhoro, o mais conhecido crtico da cano bossa-novista, tambm corroborada por Joo Gilberto, considerado o inventor do ritmo e/ou o sintetizador dos elementos que deram origem Bossa Nova. Contudo, Tinhoro acredita que essa nova forma de se tocar o samba foi pervertida pelo acrscimo de elementos que no pertenciam sua tradio. Cf. GARCIA, Walter. Bim bom: a contradio sem conflitos de Joo Gilberto. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 105.

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    costumeiramente se esperaria, ou seja, na Bossa Nova consumida e produzida na capital de Minas Gerais, no trmino da dcada de 1950 e no decorrer dos anos 1960. Nesse perodo, a cidade de Belo Horizonte estabeleceu com o Rio de Janeiro uma ponte musical bossa-novista, por onde transitaram diferentes msicos. No lado mineiro da ponte, destacaram-se a princpio os compositores Pacfico Mascarenhas e Roberto Guimares, bem como o Conjunto Sambacana, liderado pelo primeiro.

    O termo contramo, utilizado no pargrafo anterior, justifica-se pela viso generalizada, na esfera do senso-comum e em grande parte dos setores acadmicos, de que a Bossa Nova rima quase exclusivamente com o Rio de Janeiro e com determinados segmentos da classe mdia branca. Essa cultura atrelada Bossa Nova, constantemente massificada pelos meios de comunicao, assim como o prprio termo (cultura) em sentido geral, com sua invocao confortvel de consenso, pode distrair nossa ateno das contradies sociais e culturais, das fraturas e oposies existentes dentro do conjunto.6 Atenta a isso, optei ainda por confrontar distintas perspectivas reveladas nos debates que colocam em xeque certa integridade nacional da Bossa Nova e, igualmente, problematizar essas fraturas ao trazer tona, com este trabalho, a Bossa Nova produzida nas Geraes.7

    Em meio a isso, preciso atentar igualmente para o aspecto expansivo da Bossa Nova, que se disseminou de vrias formas para alm dos anos de sua maior efervescncia, entre 1958 e 1963. Uma tica reducionista costuma engess-la entre essas datas, ao se insistir na afirmao de que ela no teria conseguido ultrapassar o estreito crculo da camada e da poca em que foi produzida.8 Entendo que, como msica surgida num momento em que se almejavam novos rumos para a cano popular, a Bossa Nova foi capaz de sintetizar o tradicional e a influncia externa, reunindo inovaes esparsas de vrios elementos musicais que vinham sendo experimentados anteriormente e ainda modificar e atravessar, como frisou Caetano Veloso, todo o espectro cultural brasileiro.9 Se ela, em termos gerais, carecia de propostas polticas em sentido estrito, um dos ganchos nos quais se agarram os seus crticos, por outro lado estava plena de propostas poticas e esttico-musicais que impulsionaram a cultura brasileira, o que foi bastante significativo tendo em vista o papel central que nela desempenha a msica popular. 6 THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. So Paulo: Companhia

    das Letras, 1998, p. 17. 7 Geraes remete maneira como o Estado de Minas Gerais era grafado no passado. O termo foi usado como

    ttulo de um LP de Milton Nascimento, lanado pela Emi-Odeon e datado de 1976. 8 Para maiores informaes, ver: TINHORO, Jos Ramos. Msica popular: um tema em debate. 3. ed. So

    Paulo: Editora 34, 1997, p. 36-47. 9 VELOSO, Caetano, op. cit., p. 95. Esse o entendimento presente em vrios autores, a exemplo de

    PARANHOS, Adalberto, op. cit., esp. p. 18-44 e 79-85.

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    Complementando a fala de Caetano Veloso, Luiz Tatit (msico e pesquisador que se dedica ao estudo da semitica na cano), problematiza o que viria a ser Bossa Nova extensa, que tem por objetivo nada menos que a construo da cano absoluta, aquela que traz dentro de si um pouco de todas as outras compostas no pas.10 Justamente por essa razo, inclu em meu trabalho algumas consideraes acerca do Clube da Esquina, que, apesar de suscitar outros desdobramentos aos quais eu no me dedicarei11, tem registradas em sua pr-histria as contribuies da Bossa Nova concebida em Minas Gerais.

    Definido meu objeto de pesquisa, retomo os objetivos que persigo h cerca de quatro anos.12 Por se constituir em um processo dinmico, o estudo teve seus horizontes ampliados durante esse perodo, sem que, contudo, eu perdesse o foco da questo central que me propus investigar. Comecei lanando olhares sobre a historiografia e a histria da msica popular brasileira, explorando dimenses pouco usuais a respeito da Bossa Nova, a fim de recuperar em meio ao processo de apropriaes e reapropriaes as interaes musicais entre Rio de Janeiro e Minas Gerais no ambiente artstico dos anos 1950 e 1960. Em seguida, estreitei a anlise e me empenhei na pesquisa da produo musical de Pacfico Mascarenhas, de Roberto Guimares e do grupo Sambacana, que se constituram nos principais referenciais da Bossa Nova em Minas Gerais. Por fim, busquei identificar, na produo musical de outros artistas mineiros, traos bossa-novistas que marcaram sua formao, como foi o caso dos integrantes do Clube da Esquina.

    Ressalto ainda que o recurso a contribuies provenientes da rea de Histria no diminui a relevncia de um trabalho oriundo das Cincias Sociais. Afinal, so inteiramente plausveis a conjugao dos campos13 do conhecimento e o exerccio da interdisciplinaridade de modo consciente, o que s faz enriquecer os processos analticos e os resultados a serem obtidos.

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    TATIT, Luiz. O sculo da cano. Cotia: Ateli, 2004, p. 179. 11

    Alm de absorver inovaes decorrentes da Bossa Nova, s quais me referirei mais adiante, o Clube da Esquina, surgido em Belo Horizonte na dcada de 1960 e tendo Milton Nascimento como figura principal, caracterizado pela fuso de elementos regionais mineiros (muitos de origem africana), jazz, rock (com destaque para as influncias de The Beatles) e msica hispnica. Em relao postura poltica, a obra do Clube da Esquina, inserida num contexto de ditadura militar, se comprometeu principalmente com a valorizao do homem (em sentido universal) e da cultura como formas de resistncia. 12

    Esta monografia fruto de reflexes e investigaes iniciadas em 2006, no decorrer da elaborao de um projeto de pesquisa para a obteno de bolsa de iniciao cientfica junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq). Meu plano de trabalho obteve a aprovao desse rgo por dois anos consecutivos, sendo ele vinculado ao projeto do professor Dr. Adalberto Paranhos, Histria e historiografia da msica popular brasileira. 13

    Sobre a definio de campo, ver: BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Rio de Janeiro: Difel/Bertrand Brasil, 1989, p. 27-28 e cap. 3.

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    Durante muito tempo, a cano popular foi desdenhada no plano acadmico, uma vez que era vista mais como uma forma de entretenimento do que como um objeto de estudo e conhecimento. Porm, com a valorizao de novos objetos, ela, ao lado das fontes visuais, foi se constituindo um desafio para os investigadores, medida que estes passaram a enxergar nessas novas fontes uma enorme riqueza de informaes. Esse processo contou, inclusive, com a iniciativa de pesquisadores que se lanaram na empreitada de convencer os colegas da dignidade do seu objeto, na dupla frente das cincias sociais e dos saberes musicolgicos.14 Sendo assim, pude valer-me, entre outros, das contribuies dos socilogos Jos Roberto Zan15 e Santuza Cambraia Naves16, do antroplogo Hermano Viana17 e do cientista poltico e historiador Adalberto Paranhos.18

    Inspirada por esses autores e em outros que compuseram o meu referencial terico, a postura adotada implicou o tratamento da letra, da msica e da performance como elementos indissociveis da anlise da cano, considerando-os portadores de diversos significados, que ora se complementam, ora se contrapem e por vezes se autocomentam.19 Para tanto, recorri

    audio de registros fonogrficos originais, grande parte gravada em LPs e, posteriormente, relanada em CDs.

    Organizei meu trabalho em trs captulos. No primeiro, comeo por esboar uma sntese do movimento bossa-novista, apontando, em breves linhas, o contexto do seu surgimento e das polmicas desatadas em torno dele, procurando questionar algumas idias cristalizadas, a principal delas o envolvimento ou quase confinamento da Bossa Nova ao ambiente carioca. Por pretender desmontar tais clichs, trago tona, no mesmo captulo, a explorao da cena musical belo-horizontina das dcadas de 1950 e 1960, com a inteno de mostrar como a cano bossa-novista ganhou corpo em Minas, tendo como sujeitos mais destacados as turmas da Savassi e do Sambacana. Para dar viabilidade a esse empreendimento, alm de discutir com a reduzida bibliografia existente a respeito disso, realizei entrevistas com Pacfico Mascarenhas e Roberto Guimares, agentes fundamentais que compuseram, em Minas, o

    14

    TRAVASSOS, Elizabeth. Pontos de escuta da msica popular no Brasil. In: OCHOA, Ana Maria e ULHA, Martha (orgs.). Msica popular na Amrica Latina: pontos de escuta. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005, p. 95. 15

    ZAN, Jos Roberto. Do fundo do quintal vanguarda: contribuio para uma histria social da msica popular brasileira. Tese de doutorado em Cincias Sociais. Campinas: Unicamp, 1996. 16

    NAVES, Santuza Cambraia. O violo azul: modernismo e msica popular. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1998, e Da Bossa Nova Tropiclia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 17

    VIANNA, Hermano. O mistrio do samba. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/Editora UFRJ, 1995. 18

    Por exemplo, PARANHOS, Adalberto. O Brasil d samba?: os sambistas e a inveno do samba como coisa nossa. In: TORRES, Rodrigo (org.). Msica popular en Amrica Latina. Santiago de Chile: Fondart, 1999. 19

    Cf. idem. A msica popular e a dana dos sentidos: distintas faces do mesmo. ArtCultura, n. 9, Uberlndia, Edufu, jul.-dez. 2004.

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    quadro da Bossa Nova dessa poca. Baseando-me nas tcnicas de entrevista oral, tentei deixar meus entrevistados livres para exporem suas memrias, guiando-os apenas por perguntas pontuais, para que, assim, o foco da conversa no se perdesse, mas sem que eu interferisse demasiadamente em suas falas.

    A necessidade das entrevistas, em primeiro lugar, se deu pelo fato de elas permitirem a discusso de temas dos quais outros documentos disponveis (musicais e textuais) no conseguiam dar conta, haja vista a precariedade e escassez de referncias ao movimento bossa-novista mineiro na bibliografia especializada da rea de msica popular brasileira. Contudo, a utilizao dos depoimentos prestados no se processou de maneira desarticulada, uma vez que preciso saber interpretar as reminiscncias e [...] combin-las com outras fontes histricas para descobrir o que ocorrera no passado.20 Dessa maneira, alm das entrevistas, da bibliografia e dos materiais sonoros, apelei igualmente para outros tipos de fontes, como, por exemplo, internet, capas de LPs e CDs, revistas, dicionrios de msica e enciclopdias, sempre com o propsito de estabelecer comparaes crticas entre os variados documentos usados.

    No segundo captulo, a anlise dos discos do Sambacana ocupa lugar privilegiado, especialmente aqueles gravados na dcada de 1960, que abrigam, a meu ver, correspondncia direta com as experincias cariocas. J no terceiro captulo, optei por lanar mo de outras fontes sonoras, englobando tanto a produo musical de alguns personagens que surgiram em decorrncia das primeiras iniciativas da Bossa Nova em Minas Gerais, como as gravaes de entrevistas com os artistas Bob Tostes, Juarez Moreira e Renato Motha, e ainda o letrista do Clube da Esquina, Fernando Brant.

    20

    THOMSON, Alistair. Recompondo a memria: questes sobre a relao entre a Histria Oral e as memrias. Projeto Histria, So Paulo, n. 15, 1997, p. 52. necessrio ainda ponderar que, como ressalta uma experiente entrevistadora, Santuza Cambraia Naves, procuro no tratar as suas consideraes [dos entrevistados] como a palavra final sobre determinado assunto, ou, como reza uma tradio bastante ingnua de textos biogrficos e autobiogrficos, a verdade definitiva sobre Fulano, a sua trajetria e o seu tempo. Orientada por um entendimento diferente, procedo no sentido de conceber os textos dos entrevistados como verses relativas a algum ou a alguma coisa. NAVES, Santuza Cambraia. A entrevista como recurso etnogrfico. Matraga: Estudos Lingsticos e Literrios, v. 14, Rio de Janeiro, UERJ/De Letras, jul.-dez. 2007, p. 162.

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    CAPTULO I

    Ponte Rio-Minas: as aspiraes modernas, o consumo e a produo de Bossa Nova nas Geraes

    A Bossa Nova que a gente fazia aqui era a mesma. S que era l no Rio de Janeiro que tinham as gravadoras. Eles [os msicos de l] tinham mais facilidades por causa disso: a Odeon, RCA Victor, Philips, as grandes gravadoras e os artistas todos tavam l... E aqui em Belo Horizonte, nessa poca, a gente praticamente no tinha gravadora. Ento, pra gente gravar tinha que ir pro Rio.21

    Em fevereiro de 1959, chegou s lojas de discos o long-play (LP) Chega de Saudade22, gravado por Joo Gilberto com arranjos e direo musical de Tom Jobim. No ano anterior, o msico havia participado como violonista do disco Cano do amor demais23, de Elizeth Cardoso, com composies de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e gravado as canes Chega de saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendona) e Bim bom e H-ba-l-l (de sua autoria) em dois 78 rotaes (rpm).24

    Esses acontecimentos marcaram, no meio musical brasileiro, o surgimento da Bossa Nova, que comemorou seus 50 anos em 2008 com tributos por todo o pas. Nas palavras do maestro Jlio Medaglia, o aspecto que de incio chamou a ateno do ouvinte foi o carter coloquial da narrativa musical.25 Joo Gilberto trazia uma interpretao despojada, e, para os ouvintes acostumados com grandes vozes, ele estaria quase que se anulando como cantor, por reproduzir uma espcie de canto-falado, intimista, mais natural e relaxado. Em relao ao acompanhamento nas performances bossa-novistas, em vez de servir de background para o solista, com grandes introdues e finais sinfnicos, era, ao contrrio, camerstico, econmico e muito transparente. Os instrumentos acompanhantes se integravam

    discretamente ao canto, com intervenes esparsas.26 No entanto, o aparecimento desse tipo de cano, que despertou dios e amores e ainda

    suscita discusses diversas, no se deu da noite para o dia. Situada num momento de

    21Primeira entrevista com Pacfico Mascarenhas, concedida autora exclusivamente para esta pesquisa. Belo Horizonte, 9 jun. 2007 (durao de 60 min.). 22

    Joo Gilberto. LP Chega de saudade. Odeon, 1959. 23

    Elizeth Cardoso. LP Cano do amor demais. Festa, 1958. 24

    Joo Gilberto. 78 rpm. Odeon, 1958 (lado A: Chega de saudade, lado B: Bim bom); (lado A: H-ba-l-l, lado B: Desafinado). 25

    MEDAGLIA, Jlio. Balano da Bossa Nova. In: CAMPOS, Augusto de. (org.). Balano da Bossa e outras bossas. 3. ed. So Paulo: Perspectiva, 1978, p. 75. 26

    Idem, ibidem.

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    importantes mudanas econmicas e estticas, em meio a crescentes preocupaes com a modernizao e a modernidade,27 a Bossa Nova foi capaz de mesclar tradio musical (em especial aquela que provinha do samba), elementos considerados eruditos28 e a msica norte-americana, particularmente o jazz.

    Resguardadas as suas especificidades, possvel estabelecer um paralelo entre os ideais dos artistas envolvidos na Semana de Arte Moderna de 1922 e a Bossa Nova, j que ambos os movimentos embora o segundo no fosse to intencional quanto o primeiro , significaram um marco, um divisor de guas [...], inserindo-se ostensivamente na tradio de ruptura [...] a idia de modernidade, e que pe acentuada nfase na oposio entre o velho e o novo.29 No caso da cano bossa-novista, assim como a maioria dos grandes marcos, ela representou um processo calcado na convivncia dialtica entre a tradio e a novidade, rompendo com e ao mesmo tempo reproduzindo, de forma reelaborada, parmetros do passado.

    A Bossa Nova, ao realizar, no universo tido como popular, alguns anseios dos modernistas de 192230, redefiniu os caminhos da msica brasileira ao apresentar, entre outras coisas, letras mais prosaicas e coloquiais associadas, na verso la Joo Gilberto, ao cultivo

    27

    Uma das mudanas econmicas e estticas da dcada de 1950 apontava para a projeo e construo de Braslia, cidade arquitetada sob a tica moderna de Oscar Niemeyer e Lcio Costa, e que integrou o projeto desenvolvimentista encabeado pelo presidente Juscelino Kubitschek. Para maiores informaes, ver: HOLSTON, James. Premissas e paradoxos. In: A cidade modernista: uma crtica de Braslia e sua utopia. So Paulo: Companhia das Letras, 1993, e QUEIROZ, Ana. O Plano Piloto de Braslia e a busca da cidade ideal: utopia, arte e mitologia. ArtCultura: Revista de Histria, Cultura e Arte, v. 9, n. 14, Uberlndia, Edufu/CNPq/Capes, jan.-jun. 2007. Esta constatao no tem a inteno de situar a Bossa Nova como uma conseqncia das propostas do governo JK, porm chama a ateno para as diversas expresses modernas compartilhadas por uma gerao. A vinculao da Bossa Nova poltica do 50 anos em cinco no deixa de exprimir, contudo, certa viso de setores nacional-populistas da poca, que enxergavam nessa relao um catalisador comum, isto , a subordinao do pas ao imperialismo estadunidense. 28

    Para aqueles que porventura possam estranhar essa associao entre a Bossa Nova e determinadas prticas musicais eruditas, convm recordar que o maestro soberano Tom Jobim era admirador das dissonncias e ambigidades tonais do alemo Arnold Schoenberg, do francs Claude Debussy e dos brasileiros Heitor Villa-Lobos e Radams Gnattali (do qual chegou a ser parceiro na fase inicial de sua carreira). Alis, Radams Gnattali tido como um dos principais intermedirios culturais ao desenvolver um trabalho de aproximao entre o erudito e o popular. Sobre o assunto, ver: NAVES, Santuza Cambraia. Da bossa nova tropiclia: conteno e excesso na msica popular. Revista Brasileira de Cincias Sociais, v. 15, n. 43. So Paulo, Anpocs, jun. 2000. Ainda respeito das imbricaes entre o popular e o erudito na msica brasileira num perodo bem anterior Bossa Nova, ver: WISNIK, Jos Miguel. Sem receita: ensaios e canes. So Paulo: Publifolha, 2004. 29

    Idem. O coro dos contrrios: a msica em torno da Semana de 22. 2. ed. So Paulo: Duas Cidades, 1983, p. 63. Sobre a importncia da Bossa Nova na consolidao da chamada MMPB (moderna msica popular brasileira), que passou a ser reconhecida somente por MPB (msica popular brasileira), ver: NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a cano: engajamento poltico e indstria cultural na trajetria da msica popular brasileira (1959-1969). Tese de doutorado em Histria Social. So Paulo: USP, 1998, cap. 1. 30

    A Bossa Nova teria, espontaneamente, despoetizado a linguagem literria para aproximar-se da lngua falada em parte do Brasil (cf. PARANHOS, Adalberto. Novas bossas e velhos argumentos: tradio e contemporaneidade na MPB. Histria & Perspectivas, n. 3, Uberlndia, UFU, jul.-dez. 1990, p. 54), maneira de Mrio de Andrade, que freqentemente desprezou regras gramaticais bsicas e o portugus culto para escrever, por exemplo, as pginas de Macunama. Ver: ANDRADE, Mrio de. Macunama: o heri sem nenhum carter. So Paulo: Martins, 1965.

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    de um estilo antiestrelismo de intrprete, celebrao de harmonias dissonantes e a uma batida diferente ao violo, chamada por seus crticos de violo gago.31 Quanto a isso, Walter Garcia indica a dupla filiao que essa batida comporta:

    organiza-se articulando ritmicamente a regularidade do baixo e a no-regularidade dos acordes. A contribuio do jazz claramente notada no princpio e na forma do primeiro elemento, em concordncia, todavia, com o baixo tradicional do samba-cano; j sobre o segundo, sua ascendncia, embora grande, apenas de superfcie: so ensinamentos jazzistas a simplificao dos desenhos e a antecipao em sncope dos acordes, mas ambos se submetem, na bossa, a um princpio herdado do samba, estando a servio da criao e da variao de uma base que deriva do padro alterado desse ritmo.32

    Na contramo de perspectivas reducionistas, interessa-me ressaltar que, do ponto de vista social, um dado relevante a considerar embora muitas vezes negligenciado pelos estudiosos que, transbordando os limites da Zona Sul carioca, a Bossa Nova foi marcada tambm pela presena de msicos oriundos da Zona Norte. Nesta regio da cidade surgiu, por exemplo, o Sinatra-Farney F-Clube (SFFC), em 1949, com o intuito bvio de reverenciar dolos de uma parcela da juventude33 (basicamente adolescentes residentes no bairro da Tijuca, que no tinha a aura e o glamour de Copacabana).

    Uma das finalidades do SFFC era organizar apresentaes musicais, nas quais se incluam as famosas jam sessions (sesses de jazz), que comeavam a fervilhar nas casas de shows do Rio de Janeiro. Entretanto, a novidade na formao desse f-clube encontrava-se, propriamente, em alguns de seus integrantes, que, apesar de pertencerem a uma classe social de baixo poder econmico, tiveram seus nomes estreitamente ligados histria da Bossa Nova, o que vai ao menos em parte de encontro s afirmaes de Tinhoro quanto ao carter indiscutivelmente elitista e branco do movimento bossa-novista.34 Visto que todo associado do SFFC deveria ter habilidade com algum tipo de expresso artstica, promoviam-se testes dos quais participaram os ainda adolescentes Joo Donato (acordeo), Paulo Moura (clarineta) 31

    Entre os estudiosos do tema, h o consenso de que Joo Gilberto foi responsvel por dar o retoque final ao ritmo da Bossa Nova. Tal originalidade admitida, inclusive pelo mais ferrenho detrator do movimento bossa-novista, Jos Ramos Tinhoro, ao falar desse baiano que se acompanhava ao violo com uma batida de bossa realmente nova. TINHORO, Jos Ramos. Pequena histria da msica popular: da modinha cano de protesto. 3. ed. Petrpolis: Vozes, 1978, p. 224-225. Por outro vis, Santuza Cambraia Naves identifica o processo criador de Joo Gilberto com o mito do engenheiro delineado pelo antroplogo Lvi-Strauss na obra O pensamento selvagem. O engenheiro seria um sujeito que busca e utiliza as matrias-primas de seu projeto com base em medidas justas, no se valendo do excesso. Ver: NAVES, Santuza Cambraia. O violo azul: modernismo e msica popular. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1998, p. 189-202. 32

    GARCIA, Walter. Bim bom: a contradio sem conflitos de Joo Gilberto. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 96. 33

    Sobre o Sinatra-Farney F-Clube, ver: CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a histria e as histrias da Bossa Nova. 3. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1990, cap. 1. 34

    Ver: TINHORO, Jos Ramos. A bossa nova e a cano de protesto. In: op. cit.

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    e Johnny Alf (piano).35 Os dois ltimos atestariam, mais tarde, suas contribuies negras Bossa Nova, embora tais msicos no houvessem se fixado num nico modelo/gnero musical.

    Nessa mesma perspectiva, destaque-se tambm a atuao do maestro Moacir Santos (negro) e do violonista Baden Powell (mulato da Zona Norte do Rio de Janeiro), que, apesar de no se filiarem ao SFFC, deixaram marcas significativas no processo de criao e consolidao da Bossa Nova. Baden Powell, dono de uma ampla liberdade composicional, registraria em muitas das suas msicas o trao marcante de elementos afro (de que so a maior expresso os afro-sambas compostos em parceria com Vinicius de Moraes36), enquanto a contribuio do polivalente maestro Moacir Santos (que passou pela Bossa Nova sem se ater a ela37) estende-se por toda sua trajetria musical.

    Nada disso nega, evidentemente, que o ambiente carioca no qual floresceu a Bossa Nova localizava-se na noite bomia da Zona Sul, acima de tudo em Copacabana, onde se situava o Beco das Garrafas.38 Como lembra Maria Izilda Matos, Copacabana era um espao bomio diferente [...]. Boates como Vogue eram freqentadas pela nata da sociedade e da intelectualidade, o high-society, os cronistas da imprensa, a turma da msica popular, paulistas ricos em frias.39 Tudo isso convergia para que jovens cantores e instrumentistas percebessem nesses espaos oportunidades de reconhecimento.

    Independentemente disso, contrariando determinados clichs, o histrico LP Chega de Saudade, por exemplo, obteve, em princpio, maior aceitao junto a segmentos da juventude paulista que assimilaram a nova musicalidade. Em So Paulo, de 1959 em diante, abriram-se espaos privilegiados de veiculao e difuso da Bossa Nova, seja na tev, no rdio ou, mais tarde, no Teatro Paramount, considerado o templo da Bossa.40 A repercusso do movimento bossa-novista na capital paulista se fez sentir em ambientes universitrios e disseminou-se por um sem-nmero de casas noturnas.

    35

    No to adolescente assim, Johnny Alf, nascido em 1929, j tinha seus 20 anos na poca do Sinatra-Farney F-Clube. 36

    Baden Powell e Vinicius de Moraes. LP Os afro-sambas. Forma/Philips, 1966. 37

    No LP Luiza. RCA Victor, 1964, o maestro Moacir Santos respondeu pela produo e pelos arranjos, e o disco exibiu um repertrio exclusivamente bossa-novista. 38O Beco das Garrafas, uma lendria travessa sem sada na Rua Duvivier, abrigava diversas boates ou casas de shows nas dcadas 1950 e 1960. Famoso por trazer ao pblico msicos que experimentavam sonoridades jazzsticas (como o brasileiro Johnny Alf), o lugar funcionou como uma espcie de manjedoura das idias da Bossa Nova (no Rio de Janeiro), assim como o apartamento de Nara Leo e outros locais. Ver: MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experincias bomias em Copacabana nos anos 1950. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 17-51. 39Idem, ibidem, p. 41. 40Cf. MEDAGLIA, Jlio. Msica impopular. So Paulo: Global, 1988, p. 200-201.

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    Todavia, o que desejo salientar neste trabalho, acima de tudo, que a Bossa Nova no ficou confinada ao Rio de Janeiro, nem a So Paulo. Belo Horizonte tambm passou a figurar no mapa da Bossa Nova, mesmo que na capital mineira o movimento no assumisse a proporo que alcanou em outros lugares. Jovens belo-horizontinos como Pacfico Mascarenhas e Roberto Guimares e o Conjunto Sambacana, protagonistas desse processo, estabeleceram, nessa poca (final dos anos 1950 e comeo da dcada de 1960), uma ponte musical entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. E esses personagens, apesar disso, foram e so muitas vezes sistematicamente ignorados inclusive por pesquisadores da msica popular brasileira. Basta dizer que eles no so sequer citados, em verbetes parte, ao longo dos mais de 3.500 verbetes da Enciclopdia da msica brasileira.41

    A Bossa Nova produzida nas Geraes, mais do que provar o carter abrangente do movimento, desvendou um vasto leque de possibilidades cena artstica de Belo Horizonte, exercendo influncia sobre diversos projetos musicais que igualmente despontariam no final dos anos 1960, como, por exemplo, o Clube da Esquina, e na trajetria individual de outros artistas mineiros para alm dessa dcada.

    *******

    A Bossa Nova, nascida carioca, encontrou condies propcias para, mais ou menos na mesma poca, frutificar em Belo Horizonte. A realidade dos msicos do Rio de Janeiro que, na dcada de 1950, ansiavam por leveza, naturalidade, sofisticao e sutileza na msica popular foi compartilhada por jovens provenientes da capital mineira, igualmente sintonizados com as diferentes sonoridades que permeavam o meio musical, advindas, em grande parte, das incurses pelo cool jazz42 e pelos sambas-canes mais elaborados.43

    Os artistas cariocas, ou mesmo os paulistas, que se envolveram com a Bossa Nova

    elegeram, desde uma fase seminal, lugares informais de encontros destinados ao intercmbio de informaes e composies, onde a convivncia permitia que as amizades se

    41

    Enciclopdia da msica brasileira: popular, erudita e folclrica. 2. ed. So Paulo: Art Editora/Publifolha, 1998. 42

    Flertando com a utilizao harmnica e instrumental da msica erudita, o cool jazz sofisticado, contido, anticontrastante. No procura pontos de mximos e mnimos emocionais. O canto usa a voz da maneira como normalmente [se] fala. No h sussurros alternados com gritos. Nada de paroxismos. BRITO, Brasil Rocha. Bossa Nova. In: CAMPOS, Augusto de (org.), op. cit. p. 18-19. Em relao s improvisaes, estas conservam alguns parmetros do be-bop (subgnero anterior) ao utilizar escalas cromticas (notas seqenciadas de meio em meio tom) e tenses (notas estranhas superpostas aos acordes simples de trs sons). 43

    Adalberto Paranhos ousa afirmar que o samba-cano no que tinha de harmnica e melodicamente mais avanado representou, por assim dizer, uma espcie de ante-sala da Bossa Nova. Ver: PARANHOS, Adalberto, op. cit., p. 24-26.

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    consolidassem. So exemplos desses espaos o Sinatra-Farney F-Clube, o apartamento de Nara Leo, o Beco das Garrafas, muitas boates de Copacabana e residncias de msicos que participaram desse processo. Da mesma forma, alguns jovens belo-horizontinos interessados em msica contavam, inicialmente, com a Praa Diogo de Vasconcelos ou, como mais conhecida, a Praa da Savassi. Situada no cruzamento das avenidas Cristvo Colombo e Getlio Vargas, no bairro dos Funcionrios44, relativamente prximo ao centro da cidade, seu entorno j abrigava, naqueles tempos (anos 1950), um considervel aparato comercial que atraa estudantes e moradores locais.

    A Savassi no tinha esse nome no [...]. O nome veio da Itlia, encarnado em Hugo Savassi, que estabeleceu na Praa Diogo de Vasconcelos, nos anos 1930, uma padaria com o seu sobrenome [...]. A clientela, com o tempo, cuidou de sedimentar o nome. Contribuio importante para Savassi ganhar asas e avanar sobre os seus prprios limites deram os jovens [...] que se reuniam s portas da padaria. A terrvel e temida turma da Savassi ficou famosa devido a sua rebeldia moda James Dean.45

    A turma da Savassi era composta basicamente por jovens do sexo masculino na faixa entre 15 e 22 anos, fato provavelmente explicado pelo maior protecionismo familiar que cercava as mulheres da mesma idade. Vivenciando o seu auge na dcada de 1950, o grupo, segundo Pacfico Mascarenhas, teria passado a ser reconhecido na cidade por suas vrias peripcias.

    A turma da Savassi uma turma que a gente tinha, fazia ponto na Padaria Savassi. A gente saa dos colgios quando acabava a aula e se reunia na porta da Savassi; reuniam-se at 60 pessoas, jovens. A gente ficava ali parado, vendo o movimento, esperando a hora do almoo, e de tarde a gente voltava de novo. amos pro Cine Pat, que a cada dia passava um filme diferente. A gente mudava o letreiro do Cine Pat, mudava o letreiro todo e punha o nome que a gente queria. Colocvamos palavras assim... pornogrficas com os ttulos que estavam l no cinema. A gente subia pela grade, trocava de madrugada, da de dia o pessoal passava de bonde l e via aquilo... E foi uma poca de anos dourados praticamente, anos 50 [...]. E a gente ia a muita festa. Ns tnhamos um amigo que trabalhava l na Brahma, da ele ligava pra gente na Savassi e falava assim: , eu mandei trs barris de chope pra Rua Carangolas, 721, e a gente ia l de penetra... Era uma

    44

    O bairro dos Funcionrios hoje mais conhecido por Savassi, o que demonstra a importncia que a praa adquiriu para a sociabilidade local. 45

    Beag Savassi, ano 1, n. 1, Belo Horizonte, 9-15 jun. 2007, p. 2. O ator norte-americano James Dean considerado um influenciador do comportamento rebelde da juventude dos anos 1950, que se espelhava em seu jeito de vestir, seu gosto por carros e velocidade e em suas atitudes subversivas em relao aos bons costumes. Entretanto, pelo que pude perceber nas entrelinhas das declaraes de Pacfico Mascarenhas, a turma da Savassi no era totalmente repudiada pela sociedade belo-horizontina, o que carece, porm, de maiores investigaes em outros tipos de fontes, trabalho ao qual eu no me propus.

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    turma de penetra. A gente tinha esse informante l na Brahma que ia dizendo pra onde que ele tava mandando a bebida... (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Outra atividade que marcou boa parte dos agitadores da Savassi teve como idealizador o ento jovem Pacfico Mascarenhas. Originrio da classe mdia e bem situado do ponto de vista social46, ele embalava, com os amigos, modernas serenatas calcadas em um repertrio de sambas-canes.

    A gente gostava de fazer muita serenata de noite, nas casas das namoradas. Alguns da turma gostavam de participar das serenatas que a gente fazia. E outros gostavam de msica. A gente fazia at um torneio: cada um escolhia uma msica e apresentava. Mas essas serenatas eram umas serenatas assim mais modernas, no essas antiqssimas, no. A gente pegava os sambas-canes, a msica que estava em evidncia na poca, aquelas do Lcio Alves, Dick Farney. Da a gente tinha um grupo que gostava de msica, e comeava a cantar, e a gente ensaiava um vocal e cantava. Quem levava jeito pra msica na turma era eu, tinha o Z Guimares, que era um seresteiro mais antigo, o Ruy Franca, que tocava acordeom, tinha um que a gente chamava de Paganini, porque tocava violino... Ns chegamos a fazer at uma serenata com um piano no caminho; a gente levava o piano e tocava em conjunto. J fizemos serenata com aquela caamba que levanta terra: na porta da casa, punha um violino, uma pessoa tocando acordeom e o cantor, e levantava assim quase na altura da janela. A gente era especialista... E essas molecagens a gente fazia ali na Savassi. A Savassi sempre foi musical (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    De acordo com Walter Garcia, o ritmo bossa-novista, mais precisamente o pulsar do baixo do violo de Joo Gilberto (considerado o seu inventor ou sintetizador), estaria ligado aos procedimentos de mesma natureza adotados para o samba-cano tradicional das dcadas de 1930 e 1940 e igualmente tcnica de violo no acompanhamento do samba-cano moderno da dcada de 1950.47 Acrescento que, alm do aspecto rtmico, os sambas-canes modernos que fizeram sucesso principalmente nas vozes de Dick Farney e Lcio Alves , escolhidos para serem entoados durante as atividades musicais dos componentes da turma da Savassi, revelavam certa sofisticao estilstica presente inclusive nas letras no to trgicas e na interpretao menos dramtica e menos impostada, caractersticas que os diferenciavam dos sambas-canes tradicionais. Essa escolha explicada por Pacfico como prticas mais modernas, afirmao que nos fornece um pouco da idia que era partilhada por determinados msicos de Belo Horizonte a respeito das msicas antiqssimas. Essas, em especial, foram

    46

    A posio social um tanto quanto privilegiada de Pacfico Mascarenhas um dado importante que se reflete em suas iniciativas, nas dcadas de 1950 e 1960, de bancar a produo de alguns discos gravados por ele. 47

    Cf. GARCIA, Walter, op. cit., p. 39-43.

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    deixadas de lado para a celebrao e a busca tambm por meio de composies da cano moderna, alvo ansiado simultaneamente por compositores do Rio de Janeiro que eram fs de Dick Farney e Lcio Alves, sempre apontados como precursores da Bossa Nova, sobretudo por seu canto mais intimista.

    Por outro lado, como que a atestar uma esttica ancorada, dialeticamente, na tradio e na modernidade, o samba-cano moderno, responsvel por subsidiar em parte o surgimento da Bossa Nova, conviveu com o passado, constatao que pode ser exemplificada, no contexto mineiro, pela fala de Pacfico, quando ele sublinha a presena de um seresteiro mais antigo nas serenatas do grupo.

    Da convivncia entre os mineiros da Savassi nasceram composies que pretendiam dar conta da realidade em que estavam inseridos esses rapazes, expressa nas temticas e na musicalidade dessas obras. Pacfico Mascarenhas foi um dos que se destacaram na tentativa de traduzir em canes os sentimentos da turma, atividade responsvel por incentivar o aprendizado e a troca de experincias no decorrer da aquisio de habilidades com os instrumentos musicais, processo inerente s relaes de sociabilidade.

    Nessas serenatas eu encontrei um amigo meu l na porta do Colgio Izabela, que era um internato feminino. Ele tava fazendo uma serenata l. Chamava-se Alceu Tunes. A ele acabou de cantar e comeou a cantar outra msica. A eu falei: oh, Alceu, mas que msica bonita essa? Ele falou: fui eu que fiz. A eu falei: mas num possvel. Voc fez uma msica? Uai, Alceu, voc vai l em casa amanh pra eu ver que histria de msica essa que voc fez. Eu t impressionado de voc ter feito uma msica. Eu nem imaginava que pudesse fazer uma msica.... Na hora que ele foi l em casa com uma msica dele, eu j fiz uma letra, uma msica que chamava Pam-pam-pam: Pam-pam-pam/ meu bem, cheguei. Pam-pam-pam era a buzina do carro. Anda depressa/ que moleza essa/ eis meu carro, meu violo/ ouo daqui seu corao. Da ele deixou essa msica, eu fiz essa letra, fiz outra e depois eu peguei o jeito como era, como que fazia msica. Eu j tocava piano. O violo j tava aprendendo. Foi por meados da dcada de 50, meados de 1955. A eu peguei o jeito e comecei a fazer uma srie de sambas-canes, esse gnero que at hoje o pessoal continua gravando, tipo a msica Anos Dourados do Tom Jobim e do Chico. Eu notei tambm que tinha muita coisa que a gente queria falar pras moas e pras nossas namoradas, coisa que no tinha msica ainda. Ento eu inventava, por exemplo: Se eu tivesse ao menos coragem/ de dizer que te amo e te quero, ento tudo que a turma sentia, eu ia fazendo melodias, com as letras falando nesses assuntos (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    A composio primognita de Pacfico Mascarenhas, Pam-pam-pam, feita em parceria com Alceu Tunes, est registrada no LP Um passeio musical, gravado no Rio de

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    Janeiro em 1958, nos estdios da Companhia Brasileira de Discos (hoje Universal).48 Organizado com 14 msicas, sendo as sete ltimas instrumentais, o disco foi custeado por Pacfico autor de todas as faixas , e que, segundo o seu relato, representou a primeira produo independente do Brasil. Os msicos convidados para tocar eram conhecidos no cenrio belo-horizontino, como, por exemplo, o pianista e arranjador Paulo Modesto e o cantor Gilberto Santana. Eles formaram para a ocasio o grupo Paulinho e Seu Conjunto, tratando de explicitar uma tendncia pr-bossa-novista demarcada pelo hibridismo de gneros musicais, tais como o samba, o jazz, o choro, o bolero e o samba-cano, mescla que sinalizava a busca por algo novo. Desde essa poca, perceptvel a ousadia de Pacfico na inveno de aparatos relacionados s confeces de seus discos, como, nesse caso, a criao de um selo para identificar o LP depois de pronto.

    Em 1958 eu preparei um disco com um msico que tocava aqui no Minas Tnis Clube, que se chamava Paulo Modesto, e com outro msico tambm que tinha uma orquestra, o Gilberto Santana. Fizemos uma seleo e comeamos a ensaiar pra gravar l no Rio de Janeiro. Em 1958, ns fomos pro Rio gravar esse disco que foi o primeiro disco independente do Brasil. Eu gravei l na Companhia Brasileira de Discos, que depois veio a se chamar Philips, Polygram [...] e hoje Universal. Ns alugamos o estdio e l gravamos, mas o msico que era o violonista no apareceu pra viajar com a gente, deu o bolo; da prejudicou a parte em que ia aparecer mais o negcio de violo, aquela coisa toda [...]. Os msicos ficaram muito nervosos na hora da gravao, mas enfim saiu esse disco com um selo que eu inventei, que chamava Pampulha. Da, fizemos mil cpias pra vender aqui em Belo Horizonte, e em uma semana vendemos tudo. Um amigo nosso, o Srgio Luiz, ia pra televiso aqui de Belo Horizonte e se apresentava l, falava da turma da Savassi, cantando as msicas do disco. E o disco, sucesso, sucesso... E eu com muito contato com o violo, j aprendendo aquelas msicas l do Rio de Janeiro, do Jobim principalmente (1 entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Um passeio musical era mais samba-cano mesmo, foi antes da Bossa Nova, alis, foi na poca que ela estava surgindo. Eu, at nesse dia que a gente foi pro Rio gravar, eu tinha convidado o Joo Gilberto (que eu j tinha conhecido l em Diamantina), mas ele tambm no foi... que o violonista que tinha ensaiado no apareceu [...]. Eu fiquei chateado.49

    A realizao de Um passeio musical foi a primeira oportunidade que Pacfico Mascarenhas teve de registrar, fonograficamente, as composies que integravam as serenatas da turma da Savassi e tambm daquelas que retratavam outras experincias. Pam-pam- 48

    A Companhia Brasileira de Discos, que em 1960 mudou seu nome para Philips, travou, segundo Ruy Castro, uma acirrada disputa com a Odeon (maior gravadora da poca) pelos artistas da Bossa Nova. Cf. CASTRO, Ruy, op. cit., p. 259-261. 49

    Segunda entrevista com Pacfico Mascarenhas concedida autora exclusivamente para esta pesquisa. Belo Horizonte, 22 jul. 2008 (durao de 60 min.).

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    pam, por exemplo, faixa de abertura desse LP, fala de maneira espontnea sobre o momento em que o namorado, de carro, espera pela namorada na porta da casa de sua amada. Distante de derramamentos dramticos, essa cano est afinada com o cotidiano dos autores e o de seus amigos, apaixonados por carros, por violo e pelas mulheres.

    Pam-pam-pam/ meu bem cheguei/ pam-pam-pam/ anda depressa/ que moleza essa?/ eis o meu carro/ meu violo/ ouo daqui teu corao/ toda semana pensei em ti/ se no me engano/ pensastes em mim/ vamos ao cinema ou ento danar/ nada de teima, viu?/ meu bem vem c/ abre logo a porta/ vem me abraar/ agora pouco importa o tempo passar.50

    O arranjo instrumental empregado nessa cano base de piano, baixo acstico e bateria mostra uma aproximao com standards jazzsticos, reservando um longo espao para improvisaes de blocos de acordes ao piano, que comentam a melodia. A voz, numa entonao descontrada e natural, faz jus ao contedo jovial e singelo do texto que, de certa forma, antecede as temticas musicais da Jovem Guarda, que s surgiria em meados da dcada de 1960.51

    Um passeio musical traz tambm a composio Turma da Savassi, um samba-choro que exibe at grias para contar as aventuras da turma, com direito a assovio na introduo. importante ter em mente que muitas das msicas selecionadas para esse disco no foram necessariamente compostas em 1958, pois, de acordo com as informaes de Pacfico Mascarenhas, o hbito das serenatas e o incio das suas atividades de composio data de 1955 em diante. Dessa forma, Turma da Savassi, registrada por um coro de vozes do qual participou o cantor Luiz Cludio (mineiro que era uma das estrelas do cast da Rdio Nacional do Rio de Janeiro), exemplifica a liberdade literria com que esses rapazes de Belo Horizonte concebiam suas canes numa fase anterior Bossa Nova.

    50

    Pam-pam-pam (Alceu Tunes e Pacfico Mascarenhas) Paulinho e seu conjunto. LP Um passeio musical. Companhia Brasileira de Discos, 1958. 51

    A Jovem Guarda, por sua vez, teria representado, segundo os crticos tradicionalistas, o ponto culminante (que teve incio com a Bossa Nova) da importao da msica (o rock transformado em i-i-i) e, conseqentemente, da cultura estadunidense. Nessa linha de pensamento, ver: TINHORO, Jos Ramos. Histria social da msica popular brasileira. So Paulo: Editora 34, 1998, p. 323-349. Constantemente acusada de copista e despolitizada por certos pesquisadores, deve-se levar em conta que o movimento artstico-musical da Jovem Guarda, baseando-se em frmulas juvenis, questionou alguns padres socioculturais pr-estabelecidos da sociedade brasileira, envolvendo tipos de vesturio, vocabulrio e comportamento. Vale destacar ainda que Augusto de Campos e Jlio Medaglia apontaram mais afinidades entre Joo Gilberto e Roberto Carlos (cone da Jovem Guarda) do que nos gorjeios dos que se pretendem sucessores do bossanovismo. MEDAGLIA, Jlio. Balano da Bossa Nova. In: CAMPOS, Augusto de (org.), op. cit., p. 120, e CAMPOS, Augusto de. Da Jovem Guarda a Joo Gilberto. In: idem, ibidem.

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    A turma mala, esculachada, d pernada/ de tudo, n de nada/ a turma briga, d pancada/ bebe whiskie, at cachaa/ e pra dar azar no ameaa/ ningum pe banca com a Turma da Savassi/ por que turma assim de cancha/ no se mete com essa classe/ o povo sabe que essa turma diferente/ conquista todo mundo/ e no d bola pressa gente/ por isso mesmo vai aqui nosso lembrete/ quando derem um banquete/ e a ns no convidar/ nunca esquecendo que essa turma de apetite/ com entrada ou sem convite/ no seu lar vai penetrar.52

    Sobre a letra, Pacfico Mascarenhas explica que

    antigamente, a palavra mala era o contrrio de hoje. A turma mala, quer dizer a turma espetacular. Esculachada: no ligava pra nada... D pernada: a gente tinha mania de ficar dando pernada... (2. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Contudo (e recuando um pouco mais no tempo), antes da gravao de Um passeio musical um fato interessante marcaria a vida do jovem Pacfico Mascarenhas, em 1956. A passeio em Diamantina, onde sua famlia possua uma tecelagem, ele soube que um baiano chamado Joo Gilberto (ainda no anonimato), que gostava de msica e tocava violo, estava passando uma temporada na casa de uma irm. Crente na possibilidade de fazer um amigo, e quem sabe encontrar um parceiro musical para aquelas frias, Pacfico foi procur-lo. O encontro, que no rendeu muita coisa, seria lembrado mais ou menos dois anos depois53, quando Joo Gilberto estava se afirmando no mundo artstico, em decorrncia das suas primeiras gravaes em 78 rpm, em 1958. Aps alguns shows do msico em Belo Horizonte (em 1958 e 1959), Pacfico pde estreitar seus laos com Joo Gilberto e, inclusive, visit-lo no Rio de Janeiro.

    Ao relembrar esses fatos, Pacfico relata:

    Um dia, eu tava l em Diamantina, a um pessoal falou que tinha um camarada do Rio l. A eu fiquei conhecendo o Joo Gilberto l antes dele ter gravado o primeiro disco. O cunhado dele tava l em Diamantina, fazendo um trecho da estrada Rio-Bahia. Eu no sei por que, eles ento se alojaram l em Diamantina, e ele ficou morando l com a irm dele que se chamava Dadainha. E nessa poca eu conheci ele. Eu tive assim pequenos contatos com ele: ele muito tmido e tal. E depois, mais tarde, minha amizade com ele aumentou no Rio de Janeiro. A eu j procurei ele no Rio

    52

    Turma da Savassi (Jos S. Guimares, Pacfico Mascarenhas e Luiz Mrio Barros) Paulinho e seu conjunto, op. cit. Alm de fazer parte de um CD mais recente dedicado a Belo Horizonte, Turma da Savassi ganhou uma nova roupagem instrumental jazzstica no disco em que o pianista estadunidense Cliff Korman, ao lado do Quartet Bossa Jazz, gravou 19 msicas de Pacfico Mascarenhas, em 2001. Ver: Pacfico Mascarenhas. CD Belo Horizonte que eu gosto. S./ grav., 2003, e Cliff Korman. CD Quartet Bossa Jazz, v. 1. S./ grav., 2001. 53

    Esse relato referendado por CASTRO, Ruy, op. cit., p. 145-146.

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    de Janeiro, j freqentava a casa dele, j fui pegando o jeito. E tive a oportunidade de ver at a gravao que ele fez, quando gravou seu segundo 78 rotaes: de um lado a msica Desafinado e, do outro lado, Bim bom (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Em 1959, em umas das visitas de Pacfico Mascarenhas a Joo Gilberto no Rio de Janeiro, os dois foram convidados para uma reunio musical no apartamento do pianista Ben Nunes, onde seria realizada uma entrevista sobre Bossa Nova, para compor a edio de 13 de fevereiro de 1960 da famosa revista O Cruzeiro. Nas fotos da matria possvel visualizar a figura de Pacfico entre consagrados msicos bossa-novistas, como Luiz Bonf, Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronaldo Bscoli, Sylvia Telles, Nara Leo, irmos Castro Neves, Luiz Ea, Luiz Carlos Vinhas, Srgio Ricardo e at Ary Barroso, alm de Joo Gilberto, obviamente.54 Foi nessa ocasio, por sinal, que se registrou uma emblemtica fotografia na qual aparece evidenciando a simbiose entre a tradio e a modernidade Ary Barroso no alto (como a aprovar o movimento bossa-novista) e, ordenados abaixo dele, Tom Jobim, Ronaldo Bscoli e Carlos Lyra (como a comprovar e a transcender o passado de onde vieram). O compositor de Aquarela do Brasil, samba-exaltao considerado um modelo de ufanismo via glorificao da natureza e do componente tnico mestio do Brasil, teria ento aparentemente reconhecido a importncia da nova esttica musical que se formava.

    54

    Cf. Idem, ibidem, p. 236-237.

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    Ary Barroso (alto), Tom Jobim, Ronaldo Bscoli e Carlos Lyra. Imagem digitalizada de idem, ibidem, p. 232

    Devido a todos esses contatos e trocas, as msicas de Pacfico Mascarenhas foram adquirindo uma conotao predominantemente bossa-novista, e o ideal de modernidade musical, passou a ganhar prestgio atravs dos sambacanas, encontros que comearam a ocorrer no incio da dcada de 1960 na capital mineira.

    Pondo de lado, por ora, o Conjunto Sambacana, faz-se necessrio mencionar outro compositor belo-horizontino de Bossa Nova que despontou ainda no final dos anos 1950. Originrio do bairro de Santo Antnio e tambm amante de serenatas, o jovem Roberto Guimares no participava da turma da Savassi, mas nem por isso deixou de estar atento s novidades musicais que chegavam do Rio de Janeiro.

    Eu sempre gostei de msica desde pequeno. Mas foi a minha irm que ganhou um violo. S que ela no levou a coisa adiante, ento eu peguei e comecei a tocar. E na poca a gente tocava era aquelas msicas brasileiras do momento, mais samba-cano, n? Eram msicas da dcada de 50, eu t

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    falando em termos de 1956, por a... 57 [...]. A eu aprendi tocar violo, e tocava mais essas msicas... Eu sempre fui muito ligado, inclusive em msica clssica, e gostava de jazz tambm. E eu ouvia mais em rdio, porque naquela poca eu no tinha muito acesso aos discos, e no tinha nem dinheiro pra ficar comprando. Aqui em Belo Horizonte pegava a Rdio Nacional, a Rdio Jornal do Brasil...55

    Percebe-se, na fala de Roberto, que a sua predileo era pelos sambas-canes modernos, e tambm pelo violo, que, de instrumento marginalizado e masculino, passaria a ser, de certo modo, mais bem aceito entre as boas famlias, e at empunhado por mulheres, j na metade do sculo XX.56 Os primeiros contatos de Roberto Guimares com a Bossa Nova, conforme seu depoimento, aconteceram por intermdio da Rdio Nacional, que, em 1958, tocava o primeiro 78 rpm gravado por Joo Gilberto (com Chega de saudade no lado A), e tambm pela amizade com seu primo Mrcio Guimares, que morava no Rio de Janeiro e tinha aulas de violo na academia de Carlos Lyra.57

    A o Mrcio veio passar umas frias em Belo Horizonte e ficou hospedado na minha casa, na casa dos meus pais. O Mrcio comeou ento a me passar alguma coisa, aqueles acordes novos de Bossa Nova, e eu me encantei com aquilo. Mas o meu primeiro contato realmente com a Bossa Nova foi na minha casa, na casa do meu pai. Eu tava saindo de casa, na sala tinha um rdio, esses rdios grandes RCA, e a eu comecei a ouvir Joo Gilberto cantando Chega de Saudade, e aquilo foi como se fosse um soco na minha cara, n?; a sensao que eu tive foi essa. E falei: qu que isso, hein? Nunca tinha ouvido nada parecido, em termos de ritmo, de jeito de cantar, de emisso de voz. E aquilo, eu fiquei parado, mas que coisa maravilhosa! O Joo Gilberto tinha lanado um 78 rpm, que de um lado era Chega de Saudade e, do outro lado, H-ba-l-l (1. entrevista com Roberto Guimares).

    Paulatinamente, Roberto Guimares, que j compusera alguns sambas-canes, empenhou-se em criar canes com ares de Bossa Nova, observando as caractersticas que o impressionaram aps tomar contato com essa nova concepo musical. Ao assistir a uma

    apresentao de Joo Gilberto no Minas Tnis Clube, em Belo Horizonte, em 1959, ele no

    55

    Primeira entrevista com Roberto Guimares, concedida autora exclusivamente para esta pesquisa. Belo Horizonte, 9 jun. 2007 (durao de 90 min.). 56

    O violo, tido inicialmente como instrumento de capadcios e prprio de desocupados, passou, no decorrer do sculo XX, por um processo de valorizao. Heitor Villa-Lobos, por exemplo, exaltou seu uso nos solos e na msica erudita. Para maiores esclarecimentos sobre a importncia da obra violonstica de Villa-Lobos, ver: SANTOS, Turbio. Villa-Lobos e o violo. Revista do Brasil, v. 4, n. 1, 1988. O momento de maior prestgio do violo se deu justamente no perodo de consolidao da Bossa Nova, em que os msicos, com destaque para Joo Gilberto, elegeram o instrumento, por sua acessibilidade e suas caractersticas acsticas, como um dos smbolos do movimento, casando-o perfeitamente com suas propostas estticas mais intimistas. 57

    Sobre a academia de violo de Carlos Lyra, montada em parceria com Roberto Menescal, ver: CASTRO, Ruy, op. cit., p. 127-137.

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    imaginaria que, alguns meses depois, ouviria sua cano Amor certinho58 na voz de seu dolo.

    L na minha turma, na turma da minha rua, tinha umas moas que eram de Diamantina. Elas eram amigas minhas. E, por coincidncia, o Joo veio aqui a Belo Horizonte com a Astrud Gilberto, a mulher dele na poca. A Astrud carioca, o pai dela acho que descendente de alemo, e a me descendente aqui desse pessoal de Diamantina [...]. A, quando acabou o show que o Joo Gilberto deu aqui, as minhas amigas de Diamantina falaram assim: , Roberto, o Joo e a Astrud vo l pra casa da nossa tia (que era a dois quarteires do Minas). Voc quer ir l conosco?. Falei: Vamos, uai. A chegamos na casa da tia delas, o Joo j tava l na sala sentado no sof com a Astrud e as tias delas todas. Eu j conhecia a famlia. E a elas entraram e me apresentaram pro Joo e pra Astrud: Esse aqui o Roberto Guimares, um amigo nosso, faz serenata, compositor, cantor, tem umas msicas a que ele queria te mostrar. Mas a gente no tinha combinado nada disso. Nunca tive essa veleidade de achar que eu ia cantar pro Joo Gilberto. Mas a pegaram o violo do Joo, porque eu no tava com violo, e botaram na minha mo, eu peguei e cantei. Cantei umas cinco msicas que eu tinha pro Joo, e o Joo no se pronunciava. Eu cantava e ele s ficava olhando. A acabou, ele falou assim comigo: Canta aquela segunda de novo (era o Amor certinho). Eu cantei, n? Ele pegou, falou assim: Canta de novo, eu cantei de novo. A ele pegou o violo, tirou a harmonia toda, pediu pra eu escrever a letra e falou assim: Eu vou gravar a sua msica. Eu quase ca pra trs, mas como bom mineiro eu acreditei e no acreditei, n? (1. entrevista com Roberto Guimares).

    De fato, Amor certinho foi gravada por Joo Gilberto, ao lado de Samba de uma nota s (Tom Jobim e Newton Mendona), no LP O amor, o sorriso e a flor.59 Roberto Guimares acredita que sua composio tenha sido uma das ltimas, seno a ltima cano escolhida para fazer parte do disco. Segundo alguns analistas, esse LP foi responsvel por consolidar a Bossa Nova no Brasil e pelo comeo de sua carreira no exterior, visto que as msicas nele inseridas foram aproveitadas em outro LP Brazils brilliant60 que chegou s lojas dos Estados Unidos em 1962, contando, cada uma, com um resumo em ingls na contracapa. Na verso inglesa Amor certinho recebeu o ttulo de True love.

    Esse disco, O amor, o sorriso e a flor, saiu em maio de 60. E quando o Joo teve aqui, no final de 59, esse disco j tava sendo feito. O Tom que fez todos os arranjos. Ento, quando o Joo falou comigo que ia gravar, na verdade minha msica deve ter entrado com o disco j quase pronto (1. entrevista com Roberto Guimares).

    58

    Amor certinho figura no quinto volume do Songbook Bossa Nova. Ver: CHEDIAK, Almir. Songbook Bossa Nova, v. 5. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994, p. 32. 59

    Amor certinho (Roberto Guimares) Joo Gilberto. LP O amor, o sorriso e a flor. Odeon, 1960. 60

    Joo Gilberto. LP Brazils brilliant. Capitol, 1962.

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    Entretanto, a msica de Roberto Guimares, antes da gravao de Joo Gilberto, foi registrada em 45 rpm por Jonas Silva61, ex-integrante do conjunto vocal Garotos da Lua, a pedido do prprio Joo Gilberto, que tambm atuou no grupo. No disco de Jonas Silva, Amor certinho identificada como samba, e so mencionados como autores Roberto Guimares e Campos de Pinho, que na realidade o nome completo de Roberto... Junto a ela, no lado A, est Felicidade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) e, no lado B, Rapaz de bem (Johnny Alf) e Se voc soubesse (Walmurio).

    E eu fui ao Rio ficar na casa do meu primo, o Mrcio. Da eu liguei pro Joo e falei: Joo, eu t aqui no Rio (isso antes de sair o disco), e ele: Roberto, passa aqui em casa que ns vamos l na casa de um amigo meu, o Jonas Silva. O Jonas tava gravando um disco e o Joo ensinou pra ele o Amor certinho, e ele pegou e gravou antes do Joo (1. entrevista com Roberto Guimares).

    Nota-se que a cano Amor certinho foi, para o seu compositor, a porta de entrada no cenrio artstico da Bossa Nova, pois o disco teve grande repercusso dentro e fora do Brasil. A partir de ento, as histrias de Pacfico Mascarenhas e Roberto Guimares se entrecruzaram, revelando-os como pioneiros e os principais compositores bossa-novistas em Minas Gerais. Eles e outros msicos belo-horizontinos, como Alceu Tunes, Gilberto Pinas Mascarenhas e alguns aficionados da turma da Savassi, passaram a se reunir em ambientes mais caseiros, para tocar seus instrumentos e conversar. A esses encontros, realizados, na sua maioria, no stio do pai de Pacfico Mascarenhas (situado na Cidade Industrial, em Belo Horizonte), convencionou-se cham-los de sambacanas, ou seja,

    reunies na base de samba e caldo de cana, nas quais eram mostradas as novas composies aos amigos [...]. Nessa poca [...] ns promovamos em Belo Horizonte muitas reunies nas casas das amigas e dos amigos [...] e tambm no stio do meu pai [...]. A gente ficava na sala, todo mundo cantando com o violo, todo mundo sentado no cho... e ia cantando as msicas. Isso se chamava sambacana, um ttulo que eu inventei [...]. E toda semana a gente tinha um lugar pra ir, pra ficar tocando violo, cantando. A gente fazia aqueles grupos, fazia corinhos, ficava aquela empolgao. A msica de Bossa Nova tava no auge e todo mundo aprendendo as msicas (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    61

    Jonas Silva. Compacto duplo, Fonogrfica Brasileira, 1959 (lado A: A felicidade e Amor certinho, lado B: Rapaz de bem e Se voc soubesse).

  • 31

    Algumas referncias esparsas ao Sambacana so encontradas em Chega de saudade, de Ruy Castro.62 O autor, como demonstra o subttulo de seu livro (a histria e as histrias da Bossa Nova), na tentativa de abarcar o maior nmero de fatos e pessoas envolvidas no processo de criao e expanso da Bossa Nova, deixa escapar alguns detalhes importantes desse grupo mineiro, levando-se em conta que, conforme Pacfico, as turmas da Savassi e do Sambacana, situadas em perodos diferentes, no eram compostas, em regra, pelos mesmos integrantes.

    No tinha ningum da Savassi que era do Sambacana, alis, alguns s... A turma da Savassi era muito grande, e fazia mais era serenata. Mas eu levava alguns amigos da Savassi s reunies do Sambacana. Quando eu fazia uma msica, a turma da Savassi, alguns deles, decoravam as letras, sabe? Gostavam, ficavam cantando, faziam corinho; eles tinham interesse em decorar as letras dessas msicas, da eu chamava alguns l pro stio do meu pai (2. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Alceu Tunes, por exemplo, j citado anteriormente como cantor de serenatas e co-autor de Pam-pam-pam, integrou-se s reunies do Sambacana, que, diferentemente daquelas da turma da Savassi, aconteciam com uma finalidade especfica: a msica e, prioritariamente, a Bossa Nova. J Gilberto Pinas Mascarenhas (que no era da rapaziada da Savassi), segundo Pacfico, poderia ter sido o primeiro a gravar Garota de Ipanema.

    Eu tinha ido ao Rio e aprendi a msica l com o Luiz Cludio, que era amigo da turma l, o Luiz Cludio de Castro. Ele era um cantor de Belo Horizonte que mudou pro Rio, cantava na Rdio Nacional, tinha uma voz maravilhosa, tipo Dick Farney, Lcio Alves (depois deu alguma coisa nele, que ele resolveu parar cedo de cantar). E o Luiz Cludio tinha um gravador; nessa poca era raro ter um gravador. E ele, por ser um cantor muito bom, freqentava muito a casa do Jobim, do Vinicius de Moraes. A eu aprendi essa msica, e vim pra Belo Horizonte e mostrei pro Gilberto e pro Dirceu, que era dono da gravadora Bemol aqui em Belo Horizonte. O Dirceu arrumou um maestro (que morava na Avenida do Contorno) pra fazer o arranjo e foram pra So Paulo gravar. Eles gravaram o arranjo sem pr a voz, mas a o Gilberto no foi l pr a voz (parece que o pai ou a namorada dele no deixou) (2. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Depois dessa tentativa frustrada de gravao, em 1962 foram concebidos trs compactos em 33 rpm (novidade na poca), que registraram fonograficamente, e pela primeira vez, a cano bossa-novista gravada em Minas Gerais. Entre os trs compactos destaca-se Para os namorados (que teve como crooner o cantor Carlos Hamilton), que lanou trs msicas de

    62

    Ver: CASTRO, Ruy, op. cit., p. 178 e 396.

  • 32

    Pacfico Mascarenhas no lado A (Pouca durao, Quantos anos e Olhos feiticeiros) e trs de Roberto Guimares no lado B (Menina da blusa vermelha, Para haver amor e Sem dizer mais nada).

    A ns gravamos um disco de Bossa Nova, com o Agnaldo Rabello, que era o diretor da Rdio Mineira. E o Alceu Tunes tambm gravou um outro com umas msicas que ele tinha de Bossa Nova [...]. Eu fui Companhia Industrial de Discos, que eu acho que existe at hoje, e conversando l com o Zukerman, que era o dono [...], eu falei pra ele: , Zukerman, voc vai colocar isso em 33 rpm, pra fazer um disco que era de 45 virar de 33. Da ele falou assim: , eu no me responsabilizo pelo som, no; se voc quiser fazer, eu vou fazer, mas no me responsabilizo, no. Foi uma novidade: ningum nunca tinha mudado a rotao de 45 pra 33, e essa idia foi pra gente pr mais msicas, e pusemos seis. E tambm foi nessa srie que eu gravei o Para os namorados, com o Roberto Guimares. Nessa poca ns chegamos a gravar trs discos (2. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Para interpretar as canes de Para os namorados, produo custeada por Pacfico Mascarenhas e gravada nos estdios da TV Itacolomi em Belo Horizonte, foram convidados o cantor da Rdio Inconfidncia Carlos Hamilton, o flautista, pianista e maestro Moacir Fortes, que era funcionrio da mesma rdio, e o violonista Chiquito Braga. Segundo Roberto Guimares, com o propsito de favorecer a vendagem do disco, Pacfico bolou uma historieta para ser impressa na contracapa, a qual citava os nomes de mais de 50 pessoas ligadas turma da Savassi, turma do bairro Santo Antnio (onde morava Roberto Guimares), alm de fazer meno a locais e personalidades influentes da sociedade belo-horizontina.

    Oi, al, o Carlos Hamilton est? ele mesmo quem fala. o Alceu? No, o Roberto (sou eu), tudo bem? Tudo ok, o qu que h de novo? que eu, Palhano (amigo l da minha turma), Ricardo (meu irmo), ngelo, Lo, Tadeu, Aurlio (esses todos eram da minha turma do Santo Antnio; a gente se reunia atrs da Igreja de Santo Antnio, com todo respeito...) estamos aqui na casa do Flvio (que era outro amigo meu) pensando em fazer uma serenata, o que voc acha? timo, eu at j tinha combinado com o Pacfico, o Clinton (que primo do Pacfico) [...], Parola (so pessoas da Savassi, do Minas Tnis Clube, da turma que a gente conhecia), Roberto Frateli (concunhado do Pacfico), Cid Horta (era um arquiteto famoso que tinha aqui e que j morreu). Quem vai com voc? Bom, na minha caminhonete o Alvinho (era um cara l do Minas), Chiclete (que era meu vizinho l no Santo Antnio), Marcos Lcio (gente do Minas), Caio [...], Chiquinho, mas cabem mais dois. Ento voc passa na hora-danante na casa da Vera Frana e pega o Chiquito [Braga] com o violo, o Z Luiz e o Ildeu, que esto tocando l, e avisa o Mauro pra pegar o Marcos [de Castro] e o resto da turma que tambm est l. Quem? (aqui j vem a Turma da Savassi) Jacar, Rodrigo, Lannes, Limes, Gouthier, Marcinho, Clber,

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    Maurcio Vasconcelos, Fernando Gomes e Afonso Humberto. Humm!... Esto l esperando. Encontramos meia-noite no El Rancho, combinado? (El Rancho era uma churrascaria que tinha aqui.) Est bem, at logo. Quando samos do El Rancho, encontramos o carro do Lud vindo do Iate (o Iate Clube) com o Eduardo, Tuca, Clorinho, Yey, Urbano e Fernando Pavan, que aderem turma. A primeira serenata foi para a Maria Ins. Piscou a luz, chegou janela. Depois fomos Barroca cantar para a namorada do Mrcio [...] e do Milton Vilas. Voltando para o bairro dos Funcionrios, a pedido do Carlinhos e do Zeca, msica para [...] Madalena, Duducha, Regina, Amlia e Marly. Mais tarde fomos casa das paulistas. Z Morais, Roberto Mattias, Ceci, Arturzinho, Otvio Formicida e Ronaldo Botelho estavam l serenatando para as meninas. Para terminar algum sugeriu a casa da Terezinha Dolabela. P.S. A serenata saiu espetacular. O Junior levou o gravador de pilha. Tdas as msicas cantadas na serenata esto a no disco. SO PARA VOC TAMBM MOA.63

    Fictcias ou no, essas informaes fazem aluso interao desses jovens na prtica das serenatas, comuns no incio dos anos 1960, e que serviram de meio para a distribuio do compacto que abrigava msicas bossa-novistas. Essas e outras canes, muitas vezes ensaiadas na casa dos integrantes do grupo e principalmente no stio do pai de Pacfico Mascarenhas, impulsionaram a produo dos amigos do Sambacana, que passaram a contatar os artistas que iam se apresentar em Belo Horizonte.

    Quando vinham aqui artistas do Rio de Janeiro, por exemplo, o Dick Farney vinha aqui, da a gente ia l no clube, s vezes no Minas, e na hora que acabava o show a gente convidava ele pra participar das serenatas. E nessa hora a gente aproveitava pra ensinar as nossas msicas. Da ele ouvia as msicas que a gente tava fazendo, e muitos deles gravaram.64 Ns fizemos isso com o Cauby, Luiz Cludio, Lcio Alves... todos que vinham aqui em Belo Horizonte. E as serenatas eram uma desculpa que a gente tinha para cantar nossas msicas (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Uma vez foi o Tamba Trio l no stio. O Luiz Ea e aquele pessoal todo. O Srgio Ricardo tambm foi. A gente era um grupo, tnhamos piano, bateria, tinha tudo armado l no stio do meu pai. Os artistas vinham fazer algum show aqui na Sociedade Mineira de Engenheiros, no Automvel Clube, da de dia eles no tinham nada pra fazer, e a gente os convidava. E depois noite eles iam fazer show em algum clube. s vezes a gente fazia at umas serenatas depois do show, e no sbado a gente ia pro stio, levava umas cervejas, tocava, ficava l (2. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

    Numa dessas ocasies, Roberto Guimares, que de certa forma era reconhecido por sua composio que figurou no LP de Joo Gilberto, ensinou sua cano Serenata branca a

    63

    Texto extrado da contracapa do compacto Para os Namorados. S./ grav., 1962. Os comentrios entre parnteses so falas de Roberto Guimares na segunda entrevista concedida autora exclusivamente para esta pesquisa. Belo Horizonte, 17 maio 2008 (durao de 150 min.). 64

    Muitos deles gravaram certamente um exagero.

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    Srgio Ricardo, que a gravou, com voz e piano, em seu LP Depois do amor, de 1961.65 Ademais, a notoriedade dos bossa-novistas mineiros a fez ganhar espao na mdia impressa: baseando-se na matria sobre Bossa Nova de O Cruzeiro (em cujas fotos aparecia Pacfico Mascarenhas, em 1959), a revista belo-horizontina 3Tempos divulgou o Sambacana em 1963, valendo-se de entrevistas que foram coletadas durante as reunies do conjunto no stio do pai de Pacfico.

    Eram oito rapazes que se encontravam para um bate-papo nas horas de folga, entre um estudo de Qumica e Fsica. Um violo quase sempre se intrometia na conversa e a msica vinha quente e batida no ritmo bossa nova. De vez em quando, algum vinha assoviando msica nova de sua autoria. E a idia surgiu assim, de estalo, ningum sabe de quem: um conjunto prprio para tocar suas composies. A coisa era fcil: todos tocavam alguns instrumentos. O grupo, da em diante, passou a reunir-se num stio distante, na Cidade Industrial. Bateria, vibrafone, piano e violo em cadncia nova de gente moa. E muita dor de cabea para colocar tudo dentro de msica de conjunto. Vai dia, vem noite, Pacfico Mascarenhas, Roberto Guimares, Alceu Tunes, Gilberto [Pinas] Mascarenhas, Marcos, Nielson, Ricardo e Carlos Toms acharam que o conjunto estava no ponto. E agora lanam SAMBACANA, uma reunio musical na base de samba e caldo de cana, na qual so lanadas, para os amigos, suas novas composies e tambm as msicas de Tom, Vinicius, e toda essa gente boa. Quem quiser msica doce, msica quente, msica bem brasileira, s pedir SAMBACANA.66

    A matria de 3Tempos foi idealizada pelos prprios msicos do Sambacana, no intuito de difundir suas atividades. Num texto ao mesmo tempo informativo e informal, apresentam-se a biografia artstica dos principais compositores da turma, letras de canes e fotografias das conversas e ensaios. Em uma das fotos, v-se, de cima para baixo, Pacfico Mascarenhas, Roberto Guimares, Alceu Tunes e Gilberto Pinas Mascarenhas numa disposio vertical e ordenada que remete clssica foto publicada em O Cruzeiro, com Ary Barroso, Tom Jobim, Ronaldo Bscoli e Carlos Lyra. Tal inteno ilustra o dilogo musical existente entre Rio-Minas, que ser reafirmado com as gravaes dos discos intitulados Sambacana.

    65

    Srgio Ricardo. LP Depois do amor. Odeon, 1961. 66

    Texto extrado da revista 3Tempos, ano 2, n. 38, Belo Horizonte, 13 jan. 1963, s/p. A reportagem de Fbio de Castro. Na capa dessa edio consta a foto do jogador Garrincha, com a chamada O bal de Garrincha.

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    Pacfico Mascarenhas (alto), Roberto Guimares, Alceu Tunes e Gilberto Pinas Mascarenhas. Imagem digitalizada da revista 3Tempos, idem, ibidem.

    Com o mesmo esprito empreendedor, Pacfico Mascarenhas criou, em 1963, um mtodo de cifras de violo para ser reproduzido na contracapa do prximo LP que planejava gravar. A tcnica consistia em posicionar nmeros acima das letras das canes, os quais correspondiam aos acordes reproduzidos em uma tabela ao lado. A idia era vlida, pois a harmonia havia sofrido um considervel rearranjo luz da Bossa Nova, e o pblico amador supostamente se interessaria por aprender aquelas posies novas, invertidas, repletas de notas adicionadas e com um resultado quase sempre dissonante, um tanto quanto estranho aos ouvidos da poca. Patenteada no Departamento Nacional de Propriedade Industrial (DNPI), Pacfico foi mostrar sua inveno aos diretores da gravadora Odeon.

    Eu inventei um negcio pra ficar na contracapa do disco, que o acompanhamento de violo com as posies desenhadas. A eu tirei a patente disso, em 1963 [...]. A no Rio de Janeiro eu fui l na Odeon, mostrei isso ao Z Ribamar: olha aqui o que eu inventei l. O Milton Miranda tambm era diretor da Odeon: olha a inveno que eu fiz aqui, a patente que eu patenteei pra ficar na contracapa de disco (1. entrevista com Pacfico Mascarenhas).

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    Autor de muitas canes fiis ao estilo bossa-novista, amigo de personalidades da msica carioca e por ter agradado a Odeon com a apresentao de uma esttica diferente para a embalagem do disco, Pacfico foi convidado por essa gravadora para assinar um contrato que acordava a realizao de dois LPs. Assim, de reunies musicais o sambacana se transformou em discos. No entanto, a srie Sambacana, que at 2006 somou sete volumes, conheceu variaes na constituio do grupo de msicos: em cada um, dadas as circunstncias, mudava-se a formao do conjunto, permanecendo, entretanto, o nome. Isso uma coisa individual minha ter feito essa srie Sambacana, afirmou Pacfico Mascarenhas na primeira entrevista que me concedeu.

    O primeiro LP da srie, Conjunto Sambacana67, datado de 1964, se estendeu por 14 faixas e contou com o trabalho de Roberto Menescal (arranjos e violo), Hugo Marotta (arranjos e vibrafone), Eumir Deodato (teclados), Joyce e Toninho (vocais), sendo todas as composies de Pacfico Mascarenhas, algumas em parceria com Gilberto Mascarenhas Curi (sobrinho de Pacfico), em Olhando as estrelas do cu, Ubirajara Cabral, em nibus colegial, e Augusto M. Guimares em Bolo. A participao dos msicos cariocas, principalmente de artistas de proa como Menescal e Deodato, salienta as relaes da Bossa Nova produzida no Rio e nas Geraes. Ambas, apesar de algumas especificidades temticas que sero apontadas mais adiante, fizeram parte de uma mesma matriz e nsia por modernidade. J a adolescente Joyce, convidada por Menescal para atuar nas gravaes, colocava pela primeira vez sua voz em disco, ela que pouco mais tarde se tornaria uma referncia como cantora e que cultivaria a Bossa Nova em diferentes momentos de sua carreira.68

    E esse disco que eu tinha gravado, a gente [do Sambacana] cantava e divulgava pra todo lado: clubes e ambientes menores, fechados, tipo bares [...]. Eu at convidei o Roberto Menescal pra grava