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XII Decreto-lei n. o 8.940, de 26 de janeiro de 1946 - Altera o dis- posto no art. 6. o e respectivo parágrafo único, do Decreto- lei n.? 3.532, de 21 de agôsto de 1941 . Decreto-lei n. o 8.872, de 24 de janeiro de 1946 - Dispõe sô- bre os Departam9Iltos do Serviço Público nos Estados .... , Decreto-lei n.o,8.974, de 13 de fevereiro de 1946 - Restaura os Conselhos Administrativos . ., , , . Decreto-lei :1,0 S, 953, de 28 de janeiro de 1946 - Altera o .art , 15 do Decreto ~. o 3,695, de 6 de fevereiro de 1939' ..... Págs. ;1 458 458 459 459 DOUTRINA DEFESA, GUARDA E RIGIDEZ DAS CONSTITUIÇÕES PONTES DE MIRANDA SUMÁRIO: Capítulo I: Técnica da defesa da Constituição - 1. Con- ceito de deies e- 2. Fu vçiio d » det ese; esperitice; Capitulo 11: Técnica da guarda da Constituição - 1. Meios de guarda - 2, Trer=cenc êncie da função de guarda - 3. Guarda pelo Poder Judiciário ou por órgão especial? Muito se tem tratado da defesa, da guarda e da rigidez das regras constitucionais. Não, porém, com o vigor e os resultados de pesquisa científica. Daí permanecerem os estudes corno. que à su- perfície, sem baixarem à natureza e estrutura dos fatos . O jurista examinou-os sem consultar a sociolcgia c a psicologia; aos psicoló- gos nunca lhes ocorreu que êsses problemas pudessem interessar- lhes; e os sociólogos,pcr sua deficiência de conhecimento científico do direito, sempre relegaram aos juristas tais investigações. Foi essa a causa maior de se haver descurado a investigação da rigidez extra-técnica das Constituições, vaie dizer, por exemplo. da rigidez constitucional britânica, a despeito de se tratar de Cons- tituição não rígida. Para espíritos afeitos à indagação da verdade, êsse paradoxo bastaria para os incentivar nas pesquisas, a fim de superá-lo . Mas, para mal, da ciência, o esfôrço dos juristas e polí- ticos continuava mais literário, jurídico ou partidário, do que cien- tífico. No entanto, se há problema que estava a reclamar a atividade metódica, a probidade de informes e a isenção de ânimo na classi- ficação dos fatos. era êsse, o da defesa, principalmente, da guarda e rigidez das Constituições. Nós, brasileiros. que tanto carinho pu- semos no resolvê-Ia Iegislativamente em 1824, 1891 e 1934, ternos hoje' a experiência do que significa - onde falta ao povo a rigidez extra-jurídica - a retirada' da rigidez técnica. Experiência bem dura,

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Decreto-lei n. o 8.940, de 26 de janeiro de 1946 - Altera o dis-posto no art. 6. o e respectivo parágrafo único, do Decreto-lei n.? 3.532, de 21 de agôsto de 1941 .

Decreto-lei n. o 8.872, de 24 de janeiro de 1946 - Dispõe sô-bre os Departam9Iltos do Serviço Público nos Estados .... ,

Decreto-lei n.o,8.974, de 13 de fevereiro de 1946 - Restaura osConselhos Administrativos . . , , , .

Decreto-lei :1,0 S, 953, de 28 de janeiro de 1946 - Altera o .art ,15 do Decreto ~. o 3,695, de 6 de fevereiro de 1939' .....

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DOUTRINA

DEFESA, GUARDA E RIGIDEZ DASCONSTITUIÇÕES

PONTES DE MIRANDA

SUMÁRIO: Capítulo I: Técnica da defesa da Constituição - 1. Con-ceito de deies e - 2. Fu vçiio d » det ese; esperitice; Capitulo 11:Técnica da guarda da Constituição - 1. Meios de guarda -2, Trer=cenc êncie da função de guarda - 3. Guarda pelo PoderJudiciário ou por órgão especial?

Muito se tem tratado da defesa, da guarda e da rigidez dasregras constitucionais. Não, porém, com o vigor e os resultados depesquisa científica. Daí permanecerem os estudes corno. que à su-perfície, sem baixarem à natureza e estrutura dos fatos . O juristaexaminou-os sem consultar a sociolcgia c a psicologia; aos psicoló-gos nunca lhes ocorreu que êsses problemas pudessem interessar-lhes; e os sociólogos,pcr sua deficiência de conhecimento científicodo direito, sempre relegaram aos juristas tais investigações.

Foi essa a causa maior de se haver descurado a investigaçãoda rigidez extra-técnica das Constituições, vaie dizer, por exemplo.da rigidez constitucional britânica, a despeito de se tratar de Cons-tituição não rígida. Para espíritos afeitos à indagação da verdade,êsse paradoxo bastaria para os incentivar nas pesquisas, a fim desuperá-lo . Mas, para mal, da ciência, o esfôrço dos juristas e polí-ticos continuava mais literário, jurídico ou partidário, do que cien-tífico.

No entanto, se há problema que estava a reclamar a atividademetódica, a probidade de informes e a isenção de ânimo na classi-ficação dos fatos. era êsse, o da defesa, principalmente, da guardae rigidez das Constituições. Nós, brasileiros. que tanto carinho pu-semos no resolvê-Ia Iegislativamente em 1824, 1891 e 1934, ternoshoje' a experiência do que significa - onde falta ao povo a rigidezextra-jurídica - a retirada' da rigidez técnica. Experiência bemdura,

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.."

conceito- de defesa da Constituição é mais largo do que o de:~uMda e o de rigidez. Abrange-os. E. há expedientes de defesa quenão são guarda; nem são rigidez. Precisarem-se os três conceitos éindispensável :0.0 técnico e a quem procure entender o mecanismoe a função das Constituições na ordem estatal.

A provisão ne conhecimentos (ciêncIa) para se porem e seresolverem, no plano teórico, os problemas de defesa, de. guardae rigidez, e de técnica para se obterem os resultad8s que se dese-jam, é uma das mais importantes conquistas do homem contem-

porâneo. 'Supomos conhecida a distinção, que é fundamental em direito

constitucional, entre pOd.er estet el, podei c=stituinte e poderes

constituídos.O' E~tado é sempre construção, cujos tijolos são, principal-

mente, relàÇõ'es ~jtirídicas. Não há Estaco antes de construir-se eaparecer; iorn e deptro, Isto é : na ordem !..,terest::.tal. ou na ordemsupra-estatal; e na ordem interna ou intraestatal. Ao poder de seconstruir Estad8 chama-se poder estatal. Outra coisa é o poder deconstituir-se, Todo Estado tem a sua Constituição, lato sensu . Querdizer: tem princípio ou pr.ncipios para a sua ordem iriterria . Aopoder de se constituir o Estado chama-se poder constituinte: e êsseadmite atividade constituidora diferida, que é o poder reformador .Quando o. poder constituinte discr:mina poderes, dizem-se ôssespoderes constituídos

Cs assuntos que 'se versam neste trab:dho são restritos à Cons-tituição feita, _ como guardá-Ia, corno razê-la rígida, como de-

fendê-la .Para que exista Constituição é preciso que alguém a faça, e

as Constituições reveladas forem reveladas por a.gu:::m, A maissimples distinção é entre a Constituição ditada a) por um, a' Cons-tituição ditada b) por alguns e a ditada c ) pe la mal Cria (outodos). Quem a dita tem o poder constituinte. 1::s3e poder, no pas-sado, se identificava com o poder estatal. No presente, não ~ mais

identificá-Ios.O poder estatal é pnus em. relação ao poder constituinte. Pelo

menos. nos nossos dias, a existência de Estados está ligada, paraquem se ache no plano do direito das gentes, ao conceito do poderestatal como direito auto-regulador do povo. De modo que se aceitaseja a C:mstituição feita' por outro poder que o poder popular'(Constituição outorgada), como se existisse o princípio. da legitimi-dade por assentimento, segundo o qual se interpreta como assen-,tirnento a estabilidade contra a qual o povo náo se manifestou.Qualquer reserva mental é irrelevante. A evolução a operar-se :--no plano do direito das gentes - é no sentido de se exigir ou oplebiscito ou a aprovaçáo por poder constituinte às. Constituições

3.

_ outorgadas," ou a elabor.ação por poder constituinte. Desgraçada-me~te, nao se chegou, ainda. agora, a essa explicitude, continuando·

", ~, stados com a: margem de apreciação, própria para os' reconhe-. cunentos·.· '

CAPÍTULO I

.f Técnica da Defesa da Constituição

A Constituição, pelo fato de existir é lei Como lei' -As lei -, fri id ,., tm poe-se ,d is ou sao l~ rm,gl a~ pelos indivíduos, ou pelos próprios órgãosCO Es~a~o.: Defendê-Ia e um dos propósitos técnicos. A defesa da

~nStitulçao ?€,:,e passar à frente de qualquer outra lei por ser alei que constitui o Estado, depois do construido Além' d dfendida contra ; l-C: ~ --, -, _. -, e ser e-. _ as vio açoes, reage a Constituição contra as tenta-nvas de mucanca que não "renderam a's rezras sôb f._ __... ~ • .....51.:::.0 re re ::lrma_ 1. Conceito de defesa - A técnica da defesa da Constitui-

çao comp,ort3. _prob!emas ,d!versíssimos, como o problema da õuerdeda Constituiçiio e o da rigidez constitucionaL aquêle lizado a"" 'r~-deie " " ' ,- ~ '''' o "ao

tu,nslvo e esse ao coeitctenie de estabilidade das reérss ,-on':tiCIonaIS. b _ •.)-

A rigidez d ,., tituicô_ , ~..!~~ as ,--ons 1 urçoes depende da dificuldade (absoluta?u relatIva) d~ sue mudança; da resistência que ela opõe aos atos;n~onstltuc~o~als que a tentam mudar; e da re~istência que opõe àseIS que a mrrmgern .

. As Constituições. no sentido estrito, apenas gozam em I -as outras leis d ' .' ida "re açao. '. := maior aueor: ade , Essa maior autoridade se fazefe~va pela rigidez, psicologicu, ideológica, ou técnica aue se lhec~n e:E:. ~o sentIdo, lato, Constituição é a fonte mes~~ da ~rga-mza~o, estatal, a unidade jurídica do Estado, confundindo-se como propno Estado" no ,:;eu presente e no seu futuro previsto.

. As duas definições acima podem ser encaradas por outropnsma: ~a, com~ :' definição das Constituições antes de se0I?~W:,a diferenciação l.e~n:ca entre leis constitucionais e leis ordi-~' ?ut::a, corno definiçâo das Constituições depois da referida

: erenciaçao . Quando ja se assentou a distinção, a primeira defini-~o pas~ a ser sobr~vi,v~ncia conceptual, algo de pré-técnico , Ahier~qwa de regras jurídicas, que a existência de Constitui -sentid trit . r ' icao, nocis.doro es 1 o~ lm,p ica, teen de ser baseada em elemento diferen-(té '.' ~ue. nao e sempre, como se pensava, de ordem jurídica

ecruco,' .a' d Quando .a elemt;nto diferenciador técnico. jurídico, aparece,~ a se. c,ontmua a linha de evolução no sentido de levar ao má-

~o ~ n~ldez constitucional. No fundo, no sentido de mais estreitaelimitaçâo das competências, mais eficiente contrôle do quanto

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, ti, d s fôrças que - s~m essas delimitacões precísaa e re-$1 t nto - operariam sàltas, livres, como simples vetores e tenso-r de física social. 'há d Seja tec~icameEte r~gida, ou não, a Constituiçã:J. alguém se

" ~ mcurnbir de, guarda-Ia. Quer dizer: de velar por sua obser-vancia, ,pele: respeito que se lhe deve, Naturalmente. velar pelasua aphcaça?, ~r parte dos juizes, ou pela sua obrigatoriedade!~an!o, ~os cldadaos: é men~s,;10 que velar pela sua supremacia em

açao as outras Ieis , AqUI ja se 3up~";a que el f" , id1 ' "'", a osse rizr a queos e~!sla~ores se contivessem nos traçados que dela result 'a(~~eIs, vlOl~ndo-as, ou, fôssem ineficazes. ou nulas, ou ine~~~~~:

es coricertos que adianta examinaremos).

Mas a Con~tituição pede ser defendida sem ser Dela guardae ;;err; ser pela rigidez. ~or ,exemplo: pelo ensino cívico, pela sua"~~usao, J1ela demon3traçao das suas vcntsgens .

'as obstáculos técnic -. ,,,- d . : , os que se opoeli1 a rerorrna cC:lstitucionalsao ete~a da ConstItUIção. mas defesa que se exerce no plano daelab,?raç"o ,da regra constituci::mal, Não ~e r.onfundeciacao da 'nc~~st·t·,~;o al.d d . I' com a apre-fito' de mud~r v~' Co~;;it:~c:~: ~:~s.,Áme:s." oJI,uando não tern essas o

C "- ,',' ~ <O. , -- _. eI que sena acorde coma onstrtuícão se a !nterT'-'Ot~r: ;: -v '" , 'em v d . _ ~:-~c '-'-~ -' .:l \..&2 ;:;..':'....till arr gO :c~~e a certa,

ez a l11terpretacao b levanta questâo prejudi , I d 'tacâo, que se ,,;; ; o,,:, c;ç;~' • • , .••• ~ reta e mterpre-

- ~ Ií I • '- •• c.•.=:l •.. ..:_1:.._ .•.~•...~ corn a Q2' :::..::::::": .~!..:cion.::lEj~ée., .:.\.!.amterpret:::<;ão da Constituição ::50 é in~('not:"'_:c~_te errada. ~~. - .oCO_. "tU

Díverg in r- ; ti' '"" • - .. _.a en re el ordinária e texto constitucional não supõeerro, nem ,.entatIva de mudar a Constitu.cão vai "f ' , ~'~" - 1 contra ela ln-nnge-lhe alguma regra. é inconstitucion-l' ' .R' . ><!,

erdorma irritua! ou incurial de texto c::m.:;tituciona1 cede nãoser crI';: a :10 que di '. , . . .

, ", I,Z respeito a lnter;:::-etação da Constituicãomas e sempre mccnst:tucional '1'" '';- .. d " "ciaI d ' -.: - ~m[k .. , 31 e e ocorrer prejudí-naria e mte_rpreta~ao, porem _esse acidente de modo nenhum ter-

f questao de mterpretaçao a de 141C::nstituci:malidade da Re- 'orrna ,

2. Função da defesa especíHca -, Tôda lei tende a 'perma-necer, desde que não tr t d, , se a a a regra para o caso concreto tal~~:~ ~:tstIaao tempo da indistinçâo entre lei e ato admi~istréi~ivo,Se as e ,se~t:nça, ou ,en~re lei, ato admini.:;trativo e sentenca.

C.onstltu:çoes Se satlsflzessem corn essa tendência das leis ~m~:~~' so ~ objeto delas as_discriminaria das outras leis , Em ver-

, porem, as Constitui coes - salvo atraso da té ,cional _' ',.. a l crnca ccnstitu-sec A d recls~m de ter maior coeficiente de segurcnca extrín-pro~iema ~ée:::ic~l~da quanto à mudança, tem de ~er estudada como

"'", ,."\";

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a) A defesa pode ser própria (e. LI.'0 a rigidez constitucional,que é qualidade, plus; da Constituição' que a tem), ou alheia.("guarda") •

Desde que se concebe a Constituição como lei superior àsoutras leis, é mister defendê-Ia para que se lhe assegure essa supe-rioridade. Crê-Ia superior sem o aparelho de defesa. é deixar talconceituaçâo de prevalência no plano puramente doutrinário, in-telectual.

b) A guarda da Constituição supõe que se prevejam crises.Não se guarda sem haver risco. Tôdas as Constituições, por issoque o poder constituinte e, com mais forte razão, o poder estatal,não' se exercem de uma vez e para sempre, passam por perigos decair, o que é diferente de serem violadas. ,A guarda não se concebecontra o titular do poder estatal, nem ccntra outro poder consti-tuinte que nasça daquele. Só se refere às fôrças derrubantes, ou --,violadoras, que não tenham tão insigne procedência. O preceitoconstitucional que cogitasse da guarda da Constituição a propósitode revolução popular vitoriosa, se o poder estatal pertence ao povo,seria ineficaz, além de contraditório. Povo deu, povo tira. Omesmo raciocínio havemos de fazer quanto à guarda contra nõvopoder ccnstituinte, que se origine de titular do poder estatal, Areforma, sim, tem de obedecer ao rito e outros critérios fixadosna Constituição, pode e deve ser vigiada, guardando-lhe as regrasde cabimento, de oportunidade e de processo.

c) É vulgar confundir-se, ou identificar-se de propósito, aincompatibilidade ~ lei ordinária com alguma regra constitucionale a aplicação da lei ao caso concreto. Nada têm de comum. Ali,não há choque lógico, contradição; aqui, faz-se efetiva a subsun-ção. Aqui, aplica-se ao caso a lei que nêle incidiu, ou deve terincidência e aplicação contemporâneas. Ali, uma lei elimina aoutra, no terreno lógico, como a lei nova, que contradissesse a velha,eliminaria, no tempo, a essa, e a lei do Estado adquirente do terre-no eliminaria, no espaço, a lei do Estado perdente ou cedente.

A capitulação das leis ordinárias diante de regra constitucio-nal passa-se no plano de princípio de contradição; mas há o plus,a maior' fôrça da Constituição, que faz resolver-se em proveito dessaa colisão de normas. Por isso mesmo, não é verdade que a compe-tência para sentenciar sôbre tal preponderância da regra constitu-cional esteja, contida na de aplicar leis. Isto é:' que seja simpleslincidente, na vida judiciária, o contrôle judicial , Se êsse não existe,o juiz semente pode invocar princípios de interpretação das leis ede direito intertemporal.

d) A rigidez da Constituição dá-lhe valor extrínseco acimadas outras leis; portanto, é relativo êsse valor. Valor extrínsecoabsoluto, é, o de tôda lei pelo fato de ser regra de conduta. O valor-

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íntríns o é outra coisa. Êsse corresponde ao ser ecertedo a deci-são que se toma; aquêles, ao se ter tornado a decisâo , Quem diz"Tome-se decisão, qualquer que seja", "Certo ou errado, é precisofazer alguma coisa", só está vendo a valor extrínseco. Não assimquem pára para refletir.;. "Devo tomar o caminho certo; não me-devo apressar: mais vale não decidir que decidir mal". A reali-dade obriga-nos, quase sempre, a pôr o problema duplo: decidir jé;e .decidir bem. A lei há de ter os seus dois valeres.

CAPÍTULO II

Técnica da Guarda da Constituição-- ..o problema da guarda da Constituição consiste 1) em se-

assentar a quem se há de confiar a guarda das regras constitucio-nais. Depois 2), em como se há de realizar essa guarda, De ma-neira nenhuma se confunde com o problema da imutabilidade teó-rica, ou da difícil mutabilidade das regras constitucionais: se bemque ambos caibam na técnica da defesa da Constituição. A expo-sição deles ganha em serem tratados separadamente, a fim de se-compor, depois, a solução global da defesa.

1. Meios de guarda - Quem pensa em guarda pensa emquem guarde e em como há de guardar. São os problemas 1) e2), acima referidos.

A priori, uma das guardas mais eficientes seria a supre-estetel,se o cerne, pelo menos, das Constituições fôsse objeto de. verifica-ção da sua compatibilidade com princípios supra-estatais e existisseórgão supra-estatal para as questões prejudiciais ou as causas deverificação relativas a quaisquer preceitos constitucionais. ou aalguns dêles. 1tsse órgão não existe; nem tampouco se caracterizousuficientemente a supra-estatidade de alguns princípios.

O problema, portanto, pertence, ainda hoje, ao; direito interno.No plano, do, direito interno é que temos de encará-Io . Nêle,

tem-se procurado conseguir a invulnerabilidáde das Constituições'mediante diferentes soluções quanto ao problema 1): '

a) A guarda da Constituiçiio é deixada aos cidadãos, E' asolução psicológica. Supõe-se a contínua vigilância de todos. Mas'nem'. todos têm a mesma convicção e o mesmo interêsse de guar-dá-Ia;. talvez. nem mesmo a maioria, ou a minoria preponderante( e .If., em alguns, países, as classes armadas) o tenha. De modo'

que os resultados, dependem da preponderância de fôrças favorá-veis. Somente pode ter bom êxito a guarda da Constituição pelos.

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cidadães .. em geral, se o matiz das suas convicções fôr no sentido.de guardá-Ia (rig;dez psicolog.ce, fa vorável ao" prmcipios idota-dos na Constituição, caso típico do povo da Grã-Eretanh-) ;(,u 'Sealguma. doutrina. política constitui cerne const.tuciona., o:e ~art;":'do ou partidos fortes, sustentem (rigidez ideologics; ravcrável aprincípios adotados na Constituição, caso típico da Rússia soviética,com o partido comunista). Logo se vê por aí, que a solução a) ésolução necessária, e· não técn.ica, uma vez que apenas enunciateorema de. preponderância de fôrças isvo-éveis: e é insuficiente,pais somente da preponderância e favorabilidade dessas fôrças poderesultar a rigidez constitucional, seja psicológrca, seja ideológica(religiosa. filosófica). '

As Constituições francesas, de 1830 e 1848, as da cidade deDanzique, de 15-17 de novembro de 1920-14 de junho de 1922:,art. 87, e a da Grécia, de 2 de junho de 1927, art. 127, ficaramr"" solução a), que não chega, em verdade, a ser solução.

b) A guarda da Constituiçéo é deisede à minoria, Tal solu-ção supõe a convicção dessa minoria, a preponderância dela deacôrdo ou contra a maioria; portanto, está nas mesmas condiçõesda solução a): é sempre necessário, no plano da própria físicasocial, que- a minoria preponderante esteja "do lado da Constitui-çâo": porém.. como se viu, a respeito da maioria, não é suiicierüecporque depende da rigidez psicológica ou ideológica da ditáminoria.

As chamadas aristocracias (oligocracias ou oligarquias, emverdade) foram formas larvares de guarda' da Constituição pelaminoria preponderante, assaz restrita.

c) A guarda da Constitniciio é deixada ao Chefe de Estado.Solução que supõe convicções de tal pessoa investida das, funçõesestatais e ao mesmo tempo pr cpósitos de proteçâo da Constituição.No fundo, o arcas, de que vem a palavra monexouie, - sobrevi-vência republicana das formas monárquicas e monocráticas, comoda conservação do culto religioso pelo peter . O parriarcalismo res-salta, Não há negar que a -deficiência de tal solução concorreu paraque se passasse, na Alemanha, deslizando-se quase, da Constitui-ção de 1919· para a forma nacional-socialisra; destruidora da, Coas-tituição mesma ..

d) A guarda da Constituição é deixada ao Poder Legisletivo ,No século XIX foi a solução européia. nos países democráticos;não.se passou daí. até que, após a primeira guerra mundial, se ela-boraram:' algumas Ccnstituiçôes que se. preocuparam com a sclu-ção é}._"':",

e) 'H guarda, da Constituição é entregue ao Poder Judiciá--rio. Atribuir à Justiça a função de examinar as questões. sôbre ia-

~-,

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c:on titu 1011 Iidade das leis não é confiá-la a um corpo, mas apenasum dos Poderes. Por isso mesmo, além da solução e), há outra

olução a que ch-rmarernos f), quando há corpo especial, judiciá-rio ou não, com ,u função de guarda.

J

f) A guarda da' Constituição é confiada, tnincipelmeote, acerto corpo especial. Naturalmente, onde há a divisão dos poderesem três, êsse corp~ ou pertence ao Poder Executivo, ou ao PoderLegislativo, ou 2.0 Poder J udiciário ,

Eforato Iacedernônio, os "conservators of 'Iiberty" e "conser-vators of the Charter" do círculo de Harrington, o "Sénz t conser-7ate:.;r" da Constituição francesa do 1799 e outros corpos serne-ihantes foram exemplo da solução f), Desde o Tribunal de Jus-tiça CQ.l.stituci'Joal da Constituição saxônica de 1831 até à Côrtede jl!s:iça Co~~itucioz:!al austríaca de 1920, outro não foi o pen-serneruo ,

2. Transcendência da função de guarda - O exame dos atos,,":;~~tãis,inclusive leis e outras normas jur idrczs perante as regrasconstitucionais, é necessàriamente transcendente quanto à atividade~. órgão estatal cujo ato se examina, Mas essa transce ndencia deordem objetiva e restrita, de modo nenhum deve ser entendida emtêrmos de supremacia judicial de ordem subjetiva e geral. A con-cepção da supremacia conduz a abusos de que foram vítimas asSupremas Côrtes dos Estados Unidos da América, do Brasil e deoutros Estados americanos, quando, à fôrça de se afirmarem "vozda Const.tuíção'', acabaram por decidir questões puramente políticas.dificultando a evolução do direito ordinário, ou tentando judicializara solução de controvérsias políticas (e. g), extensão do hebeascorpus aos inve~t,dos de runçoes eletivas; CI. nessa ti storia e Pra-tica do Hebeas, Corpus, 165 s.; Fundernentos atuais do DireitoCcnstitucionni, 116), Exemplo contrár:o. de Irenamento, teve-seaa resistência da Suprema Côrte dos Estados Unidos da América àlegislação do trabalho e outros temas legislativos típicos :ia sé.culo XX. Não deve haver supremacia (Sistema, I 466 s.); devehaver defesa da Constituição, por todos os poderes, precipuamentepelo órgão especial.

Em 1932~.(Fundamentos, 116), frisamos que entre a concep-ção européia. clássica; da não-aprecIação da compstibilidade da leicom a Constituição e a concepção do judicial control, há de existir~êrmo intercalar, ou superior, que pode ser descoberto".

Os males da concepção clássica, há muito superada, são co-nhecidos de todos. O mal da outra concepção, explicávamos nós,está em que se permite à Côrte Suprema Ir até a auestsio politice,- obrigando os juízes a certo criptoconstitucionalismo, para 'que

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" a. sua solução se apresente como se fôsse solução jurídica. Nofundo,. falsificação raciocinante.. consciente ou não.

Pertence~, ou não, à Justiça o corpo que decide as questões'ou. causas prejudiciais de incompatibilidade das leis e outr?~ aioeestatais com a Constituição, é problema que envolve o da, téctuceda jusiice: Porém o poder dar-se tal função a corpo especla~, q,u-enunca. r~solve sôbre outras questões ou ações, mostra que ~ ==:da defesa da Constituição é perfeitamente separáv~l da técnica de-justiça, ainda quando os métodos aparentemente sejam os mesmos.

Se a função de apreciação da incompatibilidad~, com a Cone-tituicâo é entregue a tàda a Ju~tiça, apenas se perrmtíu ~u se esta-bele;eu a cumulação objetiva. A3 questões e ações de mcon~titu-cionalidade, se restritas à verificação da consistência entre a lei, ?u'outro ato estatal, e o texto constitucional, são distintas de ~ual:-quer outras controvérsias, bem como diferentes o métod? de Julg~Ias e o métedo de julgamento das demais. Chamemos aquele me-todo método de ordenacão constituciorusl e observemos, desde logc,que entra no método de ccdeneciio estatal, ao lado do método deotdeneçêo legal e até regulamentar, pelo qual se confere com a leiordinária o regulamento, o decreto, o aviso, a circular, a portar:a.ou com o' regulamento, o decreto, o aviso, a portaria. A aprecia-Ç!3.0 de qualquer dêsses atos conforme aquêle a que deve obedecerainda pertence ao método de ordenação estatal.

Se não se juntaram as duas funções de julgar, o tendência C:2

Justiça e a do corpo especial é para permanecer no seu campo ;n<'-todolégico, ao lado da tendência a exorbitar do seu campo ?:J;2-tivo. Se se juntaram, há' certa confusão de métodos,- que cr.t.ra-mos em 1933 (Fundame-ntos, 117), como a de se recorrer, na apre-ciacão da constitucicaalidade, à eqiiidede, que nada' tem a fazeremraís questões e causas: no Brasil de 1891-1930, "o eqüidade",dizíamos, "nunca serviu de fundamento a decisões que apreciavaminccnstitucicnalidade de lei; se bem que se houvessa usado e abu-sado da regra da irretroatividade das leis, que se achava na Cor:~-tituicão de, 1891 e permaneceu ainda, golpeada por decretos die-cricicnários, sem qualquer base jurídica, sob a ditadura de 1930"._

3. Guarda pelo Poder Judiciário ou por' órgão especial? -Politicamente, isto é, como técnica da feitura da Conetituicêo. aentrega da crdenação ccnstitucional ao Poder Judiciário, obser-vados 03 seus graus, ou feitas certas fixações funcionais (e. g" ra-curso extraordinário, per sa!tum), ou é propositel ; ou ccasional. Aentrega a um só' dos graus, ou órgãos, é necessàriamente proposi-tal. O, que ocorreu nos Estados Unidos da América foi, a. despeitodo que se pensa, entrega ocasional (assín. H. TRIEPELj Wesetl

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und Entwicklung der Steetsgeticbtsberkeit, Verolientlichungen;v., 26). Verdade é que, ocasional a atribuição, os Estados Unidos«escobriram e construíram essa solução. Diz-se, lá e alhures, que5 guarda da Con- : .içâo foi entregue à Suprema Côrte. Ora, por-que ela>é supren.a 2ld tudo que julga. suprema também é no apre-ciar a compat.biJi<..lauecom a Constituiçáo; porém isso não signi-'fica que se lhe tenha confiado tal função como a corpo especial. daJustiça.

A Áustria, após a primeira guerra mundial, criou corpo «Ó, àparte, a que tiveram de ir as questões de apreciação constitucionaldas leis e regulamentos, por iniciativa de outros órgãos do Estado,.nclusive tribunais perante os quais 3e objetava contra a compati-bilidade da lei ou regulamento com os princípios e regras da Cons-

" tituiçâ.. " Também o. criou a Checoslováquia . Por êsse tempo _enquanto a Irlanda. a Grécia. a Baviera, a Estônia, a Lituânia e aRornênia adotavam o juaiciel control - a Polônia, impermeabili-zada aos séculos XIX e XX pela casta dominante - estatniu queos tribunais não eram competentes para examinar a validade dasleis "regularmente publicadas"!

Na história do direito positivo. o que mais interessa, nos nos-sos dias, é pesar as conveniências e as inccnven:ências da guardaentregue ao Poder judiciári:J e as conveniências e as inconveniên-cias da :juarda. entregue ao corpo especzal, judicial ou não. Cem-eretamente, optar entre a solucão americana e a solucão austríacade 1920. Entre elas há solucõ~s :nterméd:as. como a -brasileira da.çonstítuição de 1934, art , 179: "Só por maioria absoluta de votosda totalidade dos seus juizes poderão os tribunais declarar a in-comtitucionalidade de lei ou de ato do poder oúblíco".

Quanto à solução austríaca. ou qualquer outra, é de bom. mé-fado separar dos outros problemas o da apreciação da compatibili-dade com a Constituição: ,

a) Na Áustria de 1920. permitiu-se ao govêrno geral o vetodas leis locais, que lhe pareçam prejudiciais aos interêsses gerais

- (§ 98, 2). Ora,' conforme mostramos em 1932 (Fundamente».119), não se: trata- de verificação da c~mpatibilidade, e sim de aiopolltico ; E'~'de.veto, como.qualquer outro, que se. cogita. Problema.de' técnica' da: elaboiação da lei locsl, e não de conferencia. delaco~.:a,. Ccnseítuíçâo federal. -,

b} Também se permitiu o recurso para a Alta Côrte Admi-nistrativa contra atos da adrninistracâo local lesivos dos interesses-gerais'(Áustria'~,§"129, 3•. b), em ~téría de competência-para-o-regulamento- e-execuçâo , Ainda ato político" a: despeito da forma-de- recurso, se"bem que- possa. ocorrer- a questão- juridice ,

"'.-:,--~) -:.-Ã~~~:qi~tões sôbre. competência das unidades, políticas~iados-~êmbtos •.Províncias). são questões constitucionais, ainda

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.quando não. ~nvclvam. exame-de ato' estatal já praticado. A Áustria·.atribuiu. a" competência à Alta Côrte Constitucional. _ .

A especialização do corpo judicante obedeceu, na Áustria, aopropósito de se atender à concepção kelseniana das três ordens -:-a totel, a do centro ou geral (feaeral) e a das unidades componen-tes,,.parcial (estadual ou provincial) .. ~ ?::;vidade estaria em quese- não identificaria o ordenamento ]urIdICO global, Gesamirecbi-sordmmg, o ordenamento jurídico central e o de cada unidade, quetem, a mais,. o elemento da divisão territorial entre cada uma e' asoutras unidades. Se é' principal, não é total , A cisura não se jus-:tificaria entre três ordens. se ela fôsse total: justifica-se, se é prin-cipal. Total ela não. é, porque não pre.e~che tudo. Pe.lo .simpt:sfato de proceder a operação de repartiçao de competências naose totaliza, não abrange outras ordens jurídicas". O ~~unciad~."Existem direito constitucional, direito federal e direito local" mos-tra que se dividiu todo o direito interno e que há três ordens. Totalseria "direito interno" e não "direito constitucional".

A concepção austríaca das três ordens jurídicas, uma das qU.IÍ8total, pretendeu que êsse enunciado de eXlsténcia. importasse emse dever' criar a Côrte ccnstitucicnel , Mas sem razão. Primeiro,porque a separação dos órgãos não é necessária, tanto que podehaver' dualidade Jegislativa (Iegislaçâo federal. legislação local ) eunidade de justiça, e até, como é a regra, trielideâe Iegi~<1tiva (1:-gislação constitucional, legislação ordinária federal, legislação ord~-'nária local), e unidade de justiça ccnstitucional e federal, ou um-odade de justiça constitucional, federal e local. Segundo, o problemada Côrte constitucional é o problema da guarda da Constituiçéo;entregue a corpo especial. Não está necessàriarnente ligado ao da.rigidez da Constituição, nem ao da existência de três ordens. Aescola austríaca quis estabelecer que existe correspondência entre-a rigidez das. Constituições e a guarda delas, entregue a corpo espe-cial; e essa correspondência não existe.

·Reagimos,. desde cedo, contra a distinção entre a ord em cons-titucional: e a ordem federal .•.que apenas resultaria de Car~a.maior-

. d~testaõÜidade daquela, inclusive de' meios de guarda.. Confusão,.t1iS3einoS~entre- principelidede e totalidade: ••~.. as Constituições;nãô:~fica~-no terreno puramente' político-jurídico. Digam ou não.

':;:digalIf-qu~ Deus; está' presentes, que as, juraram. os, constituintes. ou;es-povosc.ponham, ou.não, em relêvo os- dedos,'morais- que- as pree-.

~1jgj~,;elas~nascem e, precisam:nasce~'com.: elementos. extrajurídi-.. cos!~;,~A:{.eriação.de' estabilizadores téCDlCOS,:,dentro?do. direito, corno- .

0$ dÍfieultamento. da- revisão- E!! o' judicial: conirol.: operou como. ele-- _<.t~"

- -meirto:.iCieiItífico-queose- inoculoir. Três· graus, de leis, não se- Rode-_.,",~:-=>. neg:ar":eXiStãin: nos EStados. federais: a: Ief constitucional .(federa~; I!"c:-;,:". ' •.

lócalJ",.af·lI~i:ord:inária federal,. a-Ieí, ordinária estadual O\4'pro~">: ""

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eial . Não, porém" três ordens, uma total e duas; percuue (Fun.·dementos, 122): "A Constituição é principal, porque prevalece,porque exterioriza, na ordem jurídica, as suas propriedades "esta-bilizantes, que a doutrina do direito público colheu no complexo

"social de dado'; religiosos e morais, que cercavam, de regra, asConstituições" . >

Não há três classes de regras jurídicas, - constitucional, fe-deral e local. Há duas: federal e local. A classe das regras jurí-dicas federais abrange a legislação constitucional federal e -a ordi-nária federal; a classe das regras jurídicas locais abrange a legis-lação constitucional local e a ordinária local. Todo o vício da con-cepção das três ordens assenta em considerar, à parte do Estado edas unidades federais, o laço e o direito "federais". Não tem cornoelemento do todo estatal o cordáo federativo que ata aquelas uni-dades.

(Continua)

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DOUTRINA

DEFESA, GUARDA E RIGIDEZ DAS CONSTITUIÇÕES

PONTES DE MIRANDA

·SU:\l.ARIO: - Capítulo III - Técnica da rigidez constitucional -1. Rig!áe:: na elaboração e lUZ incidêilcia - 2. Rigidez lUZ -p-oste-ridade ; Capítulo IV - Técnica da posteridade constitucional '-1. Os poderes e a posteridade constitucional - 2. A sorte IÚI. leiillconsiitucional - 3. Natureza IÚI. sentença sôbre lei inconstitu-cional - 4. Exemplijicaçãee - 5. Precisão de conceitos - 6. Ato"dos poderes públicos - 7. Conclusões; Capítulo V - Técnica dereforma e emenda da .Constituição - 1. Mutabilidade das COIU-

t uuiçõcs - 2. Poder Constituinte e Poder Reformador - 3. }fu-tações da Constituição - 4. Procedimento para a reforma.

CAPÍTGLO III

1-Dentro do Estado, três fatos são capitais: a) o poder estatal,

quer dizer o poder de estruturar, no mais largo sentido, o Estado;poder que se diz. de ordinário, poder constituinte, porém que é priusem relação a esse; l.J) a Constituição, que êsse poder suscitouatravés do .poder constituinte; c) a diferença entre a mutabílídade(ou ímutabilidade teórica) dos preceitos dessa Constituição e a mu-tabílídade dos preceitos das leis não-constítucíonaís, chamadas leisordinárias. Diz-se rigidez constitucional a menor mutabilidade oua'. ímutabílídade teórica da Constituição. Por' exemplo': a revisãoconstitucional só se permite por dois terços dos membros do PoderLcgislativo, que então é poder constituinte permanente, eventual; arevisão 56 se pode fazer iniciando-se numa legíslatura, que apontaas alterações desejadas, e levando-se a outra, que as note.

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o ,\ pruncira parte d~e estude encontra-se às págs. 1-12 do vol. IV' delta· Rensta.

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rigidez constitucional, nos tempus modernos, foi, em parte,invenção técnica dos Estados Unidos da América .. A mesma rigi-.dez, porém, não técnico-jurídica, e sim psicológica, baseada na cul-tura e convicções do povo, tem a Grã-Bretanha. Rigidez ideológi-ca é a que ocorre na Rússia so:\riética. •

A técnica da rigidez constitucional faz parte da técnica da de-fesa da Constituição, porque aquela não exaure essa, se bem quetambém a rigidez defenda a Constituição.

Na Assembléia Constituinte francesa de 1789, não se descobriua rigidez técnica da Constituição. Ainda se pensava eIJ!. respeito,algo de prestígio moral, e se confundia rigidez constitucional comvedação de interpretar: " ... ceux qui seront chargés de maíntenirleur exécution soient obligés de s'attacher rigoureusement à la- lettre,et ne se permettent jamais de les interpréter", escrevia Mouníert Noucelles Obsercations, 200). Ora, a técnica lançou mão de enun-ciado contrário: deu ao Poder Judiciário o interpretar a Constitui-ção e fez inferiores a essa própria interpretação as leis ordinárias.Em todo o caso, mais adiante (2.70-:272) cogitou de tornar mais di-fícil a revisão ou emenda, aludindo J. necessidade de ser aprovadaem dois períodos legislativos diferentes.

1. Rigidez na elaboração e na incidência

A técnica da rigidez ou se refere iL elaboração da Constituiçãoou das regras constitucionais, ou se refere à sua posteridade Querdizer: concerne ao fazer-se, ou à regra ou Constituição iá feita. Atécnica da elaboração constitucional abrange a técnica da atividadedo poder constituinte e a técnica da atividade do poder reformadorou revisor, dois conceitos que adiante teremos de precisar. Demodo que há, em verdade, três técnicas ordenadas no tempo, emvez de duas:, a) a técnica da atividade do poder constituinte; b) atécnica da posteridade das regras constitucionais (ineficácia, não--incidência; ou não-aplicação das outras regras que as violem), que'é técnica da infringência; c) a técnica da reforma ou revisão daConstituição ou das regras constitucionais. Estão. assim, marca-das as três espécies de técnica da rigidez. Mas a primeira é cria-dora, em vez de ser técnica da rigidez mesma: existe técnica daelaboração sem técnica da rigidez. porque Constituições não-rízrdas

.são também Constituições. ::J

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-3-.0.A.rigidez absoluta supõe que os homens não mud~~. O l~-

lador constituinte crê, então, que tudo fêz, e de umso Jacto. Naoadmite reforma, nem retoques. A Constituição espanhola de 1876cria-se eterna, imutável. Em vez disso, a adoção de regras de re-visão expllcitamente permite que se dê aos futuros legisladores apossibilidade de mudar os textos sem ofensa à. Constituição, obede-cendo a ela quanto ao processo de os mudar.

Arígidez das regras constitucionais ou é consegllidá., p~r fat~extra;urídico (rigidez de menta~dade primi~va o~ 'p~leopslqwca, 11.-

gidez psicológica, rigidez i~eologica ou uDlp~dana, qual a c~n-ferida pelo dogmatismo catolico ou pelo marxista) ; ou p~r ~a~o tt:-rídico (técnico). Vulgarmente, quando se fala-de_Constituiçao 11.-

gida (expressão elíptica), só se entende a Constituição tecnicamen-te rígida.

Se tomamos como tese a monocracia, que, de regra, era abso-lutista, e até certo ponto as oligocracias, e como antítese a li~e le-.rulação pelo povo (Constituição não-rígida, Parlamento ODl?oten-fe ), temos de considerar a Constituição rí,gida como a SIntes..e.Através dessa evolução observam-se a formação e a tr:msformaçaodo Estado nacional, ao mesmo tempo que se prossegue nas técní-cas da liberdade, da igualdade e da democratização. Essas trêstécnicas dizem respeito às relações interindividuais, bem como entreo indivíduo c o poder público: posição (=liberdade)" tratamento(=igualdade) e colaboração dos indivíduos (=democracia).

A técnica da defesa da Constituição é diferente: toca às rela-ções entre os poderes e a regra constítucíonal. ou às r~lações entreregras. É, portanto, nomológíca (técnica da lei como lei ou norma).

Certa resistência a mudanças, certo apêgo a alguns princípiosou leis funciona como elemento estabilizado!, de tal maneira queesses princípios ou essas leis parecem ser superio~es aos.-demaís prin-

.cípios ou leis. Tudo· isso pode passar:se~ tOdaV1~ s~me~~eAno. pla-no dos fatos puros, e não no plano do díreíto. DaI a ímportãncia ~psicologia social no tocante à Constituição de cada ~Ov?,. se aqueleelemento estabilizado! não é, de si mesmo, de ordem [uridíca, Nemsempre houve Constituições tecnicamente rígidas, mas sempre hou-ve fatores que enrijeceram as Constituições. Não é o caso da. Grã':-Bretanha o único, pôsto que seja o mais notável. .

O, elemento estabilizador, de ordem juridica, depende de des-.coberta pelo legislador constitucional e da técnica. juríâica pano fa':

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zê-Io funcionar. Então, o texto prescinde do elemento estabiliza-dor extrajurídico ,

Se descemos ao passado, vemos que a rigidez sócio-psicológica- principalmente religiosa - atuava profundamente para frenar todoo sistema jurídico. Pode-se dizer que os povos primitivos confe-riam essa rigidez a quase todo o seu direito, sendo então sem al-cance, por isso mesmo, qualquer distinção entre direito constitucio-nal e direito não-constitucional. A. díferenciaçâo iposterior tendeu,e tende, a reduzir o todo constitucional a princípios fundamentaise a proceder, como veremos, a nova diferenciação dentre esses prin-cípios, tornando alguns dêles "teoricamente inalteráveis".

No estado presente da investigação científica, sabemos que:

1) Se o enunciado legal é de origem religiosa, porém essa in-fluência religiosa passou, perde êle a rigidez sócio-psicológica. Sea religião ainda domina e o faz rígido, ainda que o sistema jurídicoestatal não o tenha por tecnicamente rígido, éle resiste às mudan-ças, pela rigidez sócio-psicológica, tal como acontece no Brasil como casamento indissolúvel, ainda sob Constituição que o não impu-sesse. Por onde se vê a cxtrajuridicidade da rigidez de certasregrp.s.

2) Não é a rigidez de procedência religiosa a única rigidez ex-trajurídica. Procedemos, desde 1925, à díscrirninação científica dosvalores de estabilidade quanto aos principais processos sociais deadaptação. Se o religioso é o mais frenante, não é o único. Frena,também, o processo moral. Frena o próprio processo artístico, deque são exemplos permanências de regras legais ou de conceitosjurídicos somente por sua beleza estílístíca. .Para além da religião(rigidez sócio-psicológica), estão as tendências psicológicas huma-nas e as ínfra-humanas, desde a convicção ética ou científica do povoàs reações animais, que, com o auxílio das religiões e das regras ju- .rídcias, retêm, em sua estabilidade transformante, sacudida pelascrises cíclicas, o processo econômico.

3) Sendo instável o processo político (Introdução à SociologiaGeral),êle, porsi, não pode conferir estabilidade às regras jurídicas:A- estabilidade, que elas têm; ou. são: criação político-metaHsica oucríação jurídica. A estabilidade oriunda de educação ou do caráterdo povo não entra naquela ou nessa classe; é psicológica.

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i· ...::. ,.2. RigideZ na posterida~e

Urna coisa é a resistência contra as outras leis anteriores e con-. temporâneas, outra, a resistência quanto l mudança. Ambas são,porém, relativas ao que se passa, depois de feita a regra constí-·tucional.

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CAPÍTtJLO IV

TÉC:\'ICA D,\ POSTERIDADE CO~STITUCIO)<AL

. Chamamos posteridade constitucional a tôda a vida da Cons-títuícão, ou das rezras constitucionais. desde que se prómulgou aCon;tituiç:io. 0lão

oimporta qual tenha sido o poder constituinte,

_ .rnonocrátíco, oligocrático, ou democrático. A Constituição de·mocrátíca também nade ser não-rígida; e a monocrática ou a oligo-

t' d dê técrátíca, rígida. Uma vez que se abstrai a proce encia, a ecmcada posteridade constitucional é a mesma.

1. Os poderes e a posteridade constitucional

A posteridade constitucional é encarável ou pelo lado da ativi-dade do Poder Legíslatívo, ou' pelo lado da atividade do Poder Exe-cutivo, ou pelo belo ela atividade do Poder Judiciário. Tudo se re-solve em se saber como e por que órgãos reage a Constituição, ou. arezra constihlcicnal, diante do ato de outro poder que a viole.UJ'üo se confundam ciolação e mudança. A reação u. violação fun-·ela-se na suposiciio de que o órgão víolador não nega, nem tenta. ~l-terar a regra constitucional; apenas a infringe. A tentativa. de:.mu-dança é, pois, muito diferente da infração, ainda quando se dísfar-ce em interpretação do texto constítucíoeal cogente, como se fôssedispositivo, ou do texto constitucional cogente ou dispositivo comoínterpretatívo, ou em interpretação errada).

Quando o ato do Poder Legislativo, contrário à regra ou parteda regra. da Constituição, prevalece, a técnica da posteridade iden-·tifica-se com a técnica da mudança ou reforma: a Constituição nãoé rígida. Basta, por exemplo, que se exija, para a mudança; quese dê o nome ou o número de ordem das leis constitucionais (corno-ocorreu no Brasil desde 1937), para se romper a. identificação' entrea técnica da posteridade e a técnica da reforma, ainda que' o. foco

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-0-I gislativo seja o mesmo para as regras constitucionais e para as re-gras ordinárias.

A reação a respeito de atos do Poder Executivo incompatíveiscom a Constituição ou é nenhuma e então não há distincão entre atolegislativo (constitucional) e ato executivo, ou o ato ex~cutivo ced/(ineficácia, não-aplicação, não-incidência).

A reação a respeito de atos do Poder Judiciário incompatíveiscom a Constituição ou é nenhuma (e.g., o Poder 'Judiciário é su-premo intérprete da Constituição e os seus julgados se impõem, umavez proferidos, como assentos), ou é nenhuma mas só in casu, ou ép.ositiva, por existir órgão judiciai especial ou extrajudicial que apre-CIe os atos do Poder Judiciário contrários à Constituição. o

2. A sorte da lei inconstitucional

Um dos problemas de mais relêvo prático e mais elegante que sepossa encontrar, hoje, em direito constitucional é o da concepção danatureza da sentença sôbre anticonstitucionalidade da lei no tocanteà sua eficácia. Supomos nos leitores o conhecimento da classifica-ção das sentenças em cinco espécies (declarativas, constitutivas, con-denatórías, mandamentais, executivas), largamente exposta em nos-sos Comentários ao Código de Processo Civil. Costuma-se dizer,sem grande meditação, que a sentença que diz ser contra a Consti-tuição alguma lei é declarativa. Porém isso, pelo lISO de um nome,pre-elídíría questão séria.

Sôbre a função da Justiça na apreciação da inconstitucionalidadedas leis, tem-se dito : a) que é instituição acima da federação e dasunidades políticas, e tal fük a tese de H. Kelsen; b) que é ínstí-,tuição especificamente federal.

Não há dúvida que o instituto independe de ser federal, ou não,o Estado. Mas isso longe está de criar terceira. ordem jurídica es-tatal. Por outro lado, o "pacto federal", ou a "divisão em Estados--membros", que foi, na realidade, o que aconteceu com o Brasil em1889, apenas acrescenta à apreciação da inconstitucionalidade dasleis' novas questões, que, por' estarem separados os hoje Estados--membros; não poderiam ocorrer; ou que não no poderiam por- nãohaver entre os hoje Estados-membros qualquer discordância.

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-7-3. Natureza da sentença sôbre lei inconstitucionai

A sentença ou parte da sentença sôbre inconstitucionalidade dalei não é, em si, sentença declarativa, a despeito da ambígua (se

.tnão equívoca) expressão "declaração de inconstitucionalidade".Quem tenha lentes lógicas para ver rente aos fatos, desde logo dis-tingue o que haveria de contradição nos conceitos: "declaração deexistência (ou inexistência) da lei" e "ínconstítucíonalídade" (istoé, dessa qualidade da' lei), se inconstitucionalidade' e inexistêncianão se equivalessem. Se a sentença de inconstitucionalidade, querproferida em ação, quer em exceção, ou em per saltum, é de natu-reza declarativa, ou constitutiva, depende do ~nceito de lei incom-patível com a Constituição no sistema jurídico dê que "se trata.

As soluções técnicas possíveis são as ligadas aos conceitos pos-síveis. Antes, porém, de mostrá-Ias, esbocemos algumas considera-ções prévias.

I. A verificação da compatibilidade com a Constituição équestão pre;udicial, cuja natureza índepende da natureza da açãoproposta, que pode ser declarativa, constitutíva, condenatória, exe-cutiva, ou mandamental : porém isso não obsta a que se a concebacomo causa preiudíciai ou ação autônoma e sem finalidade concreta.

Pergunta-se ao juiz ou se o texto da lei existe como lei, ou se otexto de lei existe mas é nulo, ou se o texto de lei existe 1lUlS é, nocaso: ineficaz.

Por onde se vê que a verificação da compatibilidade, ainda con-cebida como ação autônoma e sem finalidade concreta - isto é,ação para que se "diga" inconstitucional a lei, ainda se não .tem oautor caso concreto para apontar (actio popularis) -, não implica

.declaratividade ou constitutividade da sentença de acolhimento.. Aeficácia da sentença poderia ser constitutiva erga omnes, ou de coi-sa. julgada material, sendo parte as pessoas sujeitas à lei nacional,legitimadas no proponente da. ação popular, ou ser eficaz contra a.eficácia da lei, aspecto que será objeto das nossas pesquisas e onde,veremos, está a solução, científica do delícadissímo problema técnico.

Já aí se nota que: 1) sendo a questão concemente- à e:rist~n-'cfa 'da lei, a declaratividade. se impõe, e a verdadeira formulação,lógica, .da questão, na. prejudicial, seria: "Existe, entre- o autor ou .excípíente ou suscitador do per saltum e o Estado.. relação [urídíea,tal q~e o tenha de subordinar à incidência daquele texto?" ;. se, em

ie

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vez disso: 2) a quescao recai na nulidade da lei' seia ipso iureseja dependente de suscítamento, não há questão' de' inexistênci~(não-íncídêncía ), mas de desconstituicão ou desincidência· se emvez de 1) e de 2) : 3) a questão v~rsa sôbre a aplicaçã;in' casus:(eficácia individualizada), não há questão de existência, nem deConstituição negativa, e sim de decretaç-ão de ineficácia.

São lugares comuns de doutrina constitucional americana e bra-sileira que não se julga "nula" a lei inconstitucional ; apenas, na apli-cação judicial, não se atende a ela. Uma vez que ela infringe a

_ Constituição, e não há poder constitucional acima dos outros, o Po-~, der Judiciário deixa de aplicá-Ia, porque seria nezar aplicação à lei. acima dela, que é a Constituição. Êsses lugare~ comuns não são,

todavia, princípios a priori . São proposições tautológícas nos siste-mas jurídicos em que há independência dos poderes, verificação dainconstitucionalidade das leis e não expansão erga O7ni1es da. sen-tença que diz inconstitucional a lei. Abstenhamo-nos, por agora,de classificar tal sentença, própria dos sistemas jurídicos em que háuquêles lugares comuns.

Il , A. verificação da inconstitucionalidade, para ser concebidacomo conteúdo de ação declarativa da ínexistêncía da lei, exige:. quehajapoder acima do Poder Legíslatívo, que lhe aprecie 05 atos comoinexistentcs, o que é mais do que os apreciar como eivados de nuli-dade (existem, porém são nulos) ; que nunca se dê incidência dotexto ínconstítucional, de modo que as próprias sentenças que osaplicaram fiquem na mesma condição que o texto inconstitucional,feito por um dos poderes (o Poder Judiciário estaria no mesmo pla-no) ; que a declaratividade se refira à relação entre o autor ou réue o Estado quanto ao texto inconstitucional (não bastària a declara-vtívídade concemente ao decisum de sentença- declarativa em que ainconstitucionalidade. foi questão prejudicial, pois essa poderia ser-de outra natureza, e. g., questão prejudicial constítutiva em açãodeclarativa) .

. Para ser concebida como sentença de Constituição negativa ade-verificação de inconstitucionalidade que- acolheu o pedido, é pre-ciso' que se tenha tal sentença. como desconstitutiva. do ato estatal,

.-: <iue seja para' êle. como a sentença que acolhe o pedido, de nulí-dàde ou de' anulação do: casamento é para. o ato, privado do casa-mento.. A eficácia, de tal sentença: seria ertia amnes' como é erea

b .' ~

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-u-omnes a sentença que' acolhe o pedido de nulidade ou anulaç-ão do

casamento.. Se, em vez do que se disse acima, a sentença não nega a exis- .'tência. da lei, nem lhe decreta a nulidade, mas apenas a deixa deaplicarin casu, então há declaratividade da ineficácia, expressõeselípticas q;.re estão por "declaração de não-existência de relação ~:subordinação do autor à regra legal examinada, no caso exposto ..\. eficácia de tal resolução judicial, em questão prejudicial, ou emcausa prejudicial, ou em ação autônoma, é iater partes, porque é aeficácia da coisa julga da material.

lU. Se conceb~ssemos princípio constitucional como êsse-: ~.\lei inconstitucional não é lei; as sentenças que a aplicarem são íne-xistentes ; a ação ou a exceção, ou o per salium-é declarativo", te-ríamos que tôda apreciação de inconstitucionalidade seria procurade enunciado de existência (existe ou não existe lei), e que não seprecisaria de ação rescisóría para se impugnar qualquer sentença,trànsita fornlalmente em julgado, que' houvesse aplicado o texto in-constitucional, nem estaria a declaratória prescrita nos cinco anosque se marcam à ação rescisória. É fácil notar que esse princíp,io

. não é o do direito brasileiro, ainda desde 1891, quando adotamos aaprc'ciação judicial da constitucionalidade das leis. .

A partir de 1919, nos Estados Unidos da América, alguns Esta-dos-membros admitiram declaratonj ;udgmentpara a apreciação deinconstitucionalidade dé lei ou de outro ato estatal. Para resumir,podemos dizer que se mantinha a atitude hostil, exigindo-se a. vio-lac;.ão da relação jurídica de direito material, ou se buscava. soluçãointermédia, que era a de ser preciso existir a questão, o litígio efe-tivo (dizia-se), para que a justiça se pronunciasse, ainda que não.se tratasse. de violação (assim, noutros têrmos, interpretava o jul-zado no Muska: Case; 219 U .S. 346, Charles Evans Hughes), ou~e permitia a ação autônoma (declarativa"?) da i.nconstitucio~-dade, sem litígio comum efetivo entre partes' particulares. Note--se, desde: logo, que' o poder ser: intentada ação autônoma não bas-taria para se entender declarativa a ação; mas [uízes e. juristas bara-

lhavam os conceitos,No. C'dSO Nashwille o. Wallace, 52. Sup. Ct. Bep., 343, sem haver

o litígio efetivo, isto, é, sem ter sido cobrad~ ~ impôs~o. ou a' ~ul~ a.Suprema Cô.rte dos Estados Unidos da América admitiu a açao, dita:

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':declaratória". :'lIas a lei de 30 de agosto de 1935 emendou a leifede:-al sô?re julgamentos declaratórios, no tocante a taxas e impos-tos federais. Tem-se dito que é contraditório admitir-se a senten-ça decla~a.tória quanto às leis e atos estaduais e municipais, e não;se permitir no tocante a leis e atos federais. Mas há realmentede claratí vida de dêsses julgamentos? É necessàriamente declarató-ria _a decis~o que se profere em processo no qual não se alega YÍO-

l~ça.o de 1:1 ~u.~e c?_ntrato, em suma - ofensa à relação jurídica dedireito materiar > Não são os que pensam afirmativamente vítimas,d~ velhas _e erradas idéias sôbre classificação das sentenças? Nãoha .confl~sao e~ ch~mar declaratórío todo julgamento que não é pro-fe~Ido sobre 1\'1olaça~ de :ontrato, ou inadimplemento de obrigaçãoonunda de Gec!ar~çao um lateral de vontade, ou de lei? O simplesf~to, de se aclrnítír a ação de inconstitucionalidade das leis, antesue dano c,l~sada ou ameaça de dano pela aplicação delas, tor-na declaratórío o futuro julgado de acolhimento') A' , tá. _ _. o c : ~ e que es aa questao. e nao fOI posta nesses têrrnos. ao que saibamos, até hoje.

Se a sentença defere o pedido por ser ílezal ou inconstitucional.• • b

a eXIgencü ce r;uesnonário oficial para fins de taxa ou impôsto,como ac?rrer:! no caso D.yson cersus Attornev General (1911), oupor Ser inconstítucional a exigência de certa licenca. como no casoErwin cersus Bruclmer (156, Tennessee, 2.7.'3.300: S. W. 565), talsentença é necessariamente declarativa? Afirrnú-Io revela que setomam c:omo declaratividade (qualidade ou classe de eficácia) aa~tononua do processo c a não-condenatoríedadc da sentença. Setodas as sentenças de cognição, não-condenatórias, fôssem necessà-riamente declarativas, seria verdadeira a resposta afirmativa. Po-rém nem tôdas as sentenças não-condenatórias são declarativas; po-dem .ser, por exemplo, constítutivas. Portanto, o fato de se ter~colhido , o pedido de jUlgamento da inconstitucionalidade; antes eindependentemente de qualquer ato estatal de constrangimento, de~odo tenhum basta

lpa~a se dizer declarativa a sentença. ' Os juízes

n~o tem o poder ue fazer declarativa a sentença constítutiva, ou1)l.~e-versa ; e a razão é muito simples : a classe da sentenca de aco-~~nto depende da classe de pretensão à tutela. [urídíca, Não éa lei sôbre Julgamentos declarativos, seja qual fôr a sua: fonte, quepode.mu~ em declarativo o que é constitutivo, ou vice"versa-. Tal~nsmutaçao, tal desclassificação, somente- resulta de nova eoncep-ç:.lO ,da pretensão, fazendo pretensão à constitutividndeo que' era

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pretensão à declaração, ou pretensão à d'e~laração· o que era pre-tensão à constitutividade.

4. Exemplificações

Tomemos como base de estudo a ação da lei n.° 221, de 20 denovembro de 1894, art. 13, pr. (dita ação de nulidade de ato da Ad-ministração ), fundada "na lesão de direitos individuais por atos oudecisões das autoridades administrativaS'da União". Somente com-pete ao ofendido ou seus sucessores (lei n.? 221, art. 13, 1.°). Açãoconstitutiva negativa; com elemento condenatório que pode, em cer-tos casos, passar à frente e torná-Ia, por isso mesmo, condenatória.Porém, quando é constitutiva --negativa,' não apanha o ato da lei,apanha apenas o ato da Administração. A apreciação da ínconstí-tucionalidade da lei, nos casos da ação fundada no art. 13, pr., dalei n.? 221, é sempre questão prejudicial, de modo que não confereJ. ação toda, J. ação autônoma que ela é, a natureza da prejumcial.Se buscarmos as fontes lógicas de tal ação contra entidades públicas,vamos encontrá-Ias em exceção ao solve et repete. Não foi, nemé mais do que isso. Quando alguma lei só admite a ação do deve-dor paGa antes a dívida, ou concede o executivo sem defesa, ou sem

b d •ampla defesa, deixando margem a futura ação, no caso e perda' epagamento, a defesa ou a ação do devedor supõe que se peça re-petição do soluto, e não declaração de não-dívida. Pospõe-se à so-lução a ação. A lei n." 221 teve a' função de inverter a ordem detais fatos: o autor postula antes de ter solvido. Não houve qual-quer mudança de natureza da.uçâo . Pela mesma razão, quando seadmite outra ação antes de haver a conflito efetivo, nem por isso setransforma, sempre, em ação declarativa a ação que antes cabia.

Quando, nos Estados Unidos da América, a lei de 30 de agôstode 1935 excluiu dos declaratory judgments as questões relativas ataxas ou impostos federais,- claro que apenas restaurou; a prática dosolve et repete, com que o Estado se armou de; excepcional potrai-mento das ações contra êle, quando credor.

No caso Baumann Ve1'SUS" Baumanrr (250; N,.Y., 382.0 165~ N .E..19--), a autora pediu a declaração de; não se ter vàlidamente dívor-eíado no México o seu marido- kformulação; assim" éembara .•.çante. Dá. a parecer q!le se propôs ação constitutiva negativa: para~se anular a sentença mexicana. de dívórcío i. porénr isso' seria; im-possíve~ por faltar à: justiça ~o Estado de Nova. York qualquer com-

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I' 1 11I11, 1111 ,,1111I0 do dito das gentes, para ações. de impugna-11 rI, I nllll 'li '[rungeiras·. Pode-se impugnar a eficácia elobjul_

"du di 111111'0 E tudo, n~o o' julgado mes!D0. O que a autora po-,111 I)11,1 I er I II cl Iaração da existência do seu casamento a des-))(1 (o da s nt n a !itrangeira de divórcio. Entre nós, dar-se-ia o1111 "tO. EIlH ~to não se homologasse a sentença. estrangeira, te-I 111110 I d onsid rar existente o casamento da autora e"do réu. A

Jl '( O d tal ação como ação constitutiva negativa,. ou como"t,!' llIllndamcntal negativa íría contra a díscríminacão s tI ti d'l ,. '_: • upra-esta-

mpete~clas. A açao tinha de ser declarativa; por ondeI v q L1 os I glsladores do. direito processual não têm arbítrio puro

I 11 Il. mudarem. em declarativas quaisquer ações, nem tornar cons-I IldIVU!i,condenatórias, mandamentais, ou executivas, as declara ti-VIII. A natureza das coisas (aí, a natureza da pretensão) deter-nllnn n única ou as possíveis concepções secunde a pretensão de1/\1 li trata. o

.·0 caso Multnomah Country Fair Association oersus LangleyUTI t Attornev, ° autor pediu a declaração de legalidade das ~or-

I~fns. de ca~alo, tal como as conduzira, sendo réu o Procurador dot tnto , No~a-se. aí, a inversão: o acusado vem a juízo para afas-

(ar, de antemao: 3S conseqüências da ação de condenação. . O ele-rn nto, raro porem não Incxplícável, de ser réu o Procurador do Dís-rl~, não. tira .'~ ação declarativa a sua natureza. O' julgado, entre

autor e n:.u, somente poderia. ter eficácia da coisa julgada material,portanto, intcr partes.

5. Precisão de conceitos

Tem-se pretendido flue é declaratórío o-julcramento sempre queo pedido foi feito em abstrato; e.g .> se a classe A de comerciantes~ti sujei~ ao pag~mento de certa taxa, ou se qualquer emissão debllJ1e.tes,de .banco e válida infringindo a. lei' B. No primeiro caso;a açao c declarativa. e somente tem eficácia. quanto ao' autor (um.dos comercia~te~ da. classe A), e não para tôda a, classe; salvo se,:onforme o direito positivo, fôsse parte a classe- tôda, o' que não é-a1 U; no gundo caso, disfarça-se em ação declaratíva. a: ação

fi ti tu tívn, Ou n condenat6ria constitutiva, difícil de' ser, admitida1, . r fuJlllt II t rmínação do sujeito ativo e do objeto.. Ter-se-ia.lum 10 lide toJo. fi 1 i d be - '., cone r ti nçuo como proposta peloli!" lido ('11I /(t! fH nlnnn rnl ~ o ft)lIs f (tu, com o objeto. de

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anularas emissões .feitas e declarar a relação jurídica entre' o emis-sor (ou a entidade autorízante ) e o autor, se há tal relação.

Muito se discutiu, no século passado, quanto à Constituiçãodos Estados Unidos da América, e nesse século, quanto àquelas e'as' Constituições republicanas do Brasil e os países de verificaçãojudicial da constitucionalidade das leis, se a lei inconstitucional énula, ou não. Não se apurou, contudo, como fôra de mister, oconceito de inconstítucionalidade, de modo a afastar-se tôda equí-vocídadeou ambigüidade.

Tecnicamente, a inconstítucionalídade ou importa inexistência,ou incalidade ou ineficácia. Ao direito positivo cabe escolher aconceituação ; uma vez escolhida, tem-se a solução in iure condito,com as suas conseqüências. Portanto, tôda investigação cientí-fica ~ e honesta - em tal matéria tem de partir, porém desgraça-damente não partiu, nem no Brasil, nem alhures, da pergunta : ~Qualo conceito que se adotou ?"

As diferenças entre as ações e as sentenças de acolhimento, tra-tando-se de atos administrativos inconstitucionais, e as ações e assentenças de acolhimento, tratando-se de leis ínconstítucíonais, está,dír-se-á, em que, naquelas ações c naquelas sentenças, se pode apre-ciar o ato, portanto todo o fato produzido pelo Poder Executivo,exaurindo-o, mas, nessas ações e nessas sentenças, apenas se exami-na a. eficácia da lei (inconstitucional) in casu. Não são conside-rações de iure condendo, e até pensamos que essa concepção estávirtualmente. superada pelos fatos e as tendências do nosso tempo;são considerações de iure condito, principalmente de direito ameri-cano c brasileiro. Dentro, porém, de tais sistemas jurídicos, tem-'-se de atender a que o ato do Poder Executivo, que se pode subme-ter ao exame judicial (e. g., contrato de emprêsas de telefones)pode ser considerado nulo ipso iure ou ser anulado, o que dá à.ação e à sentença de acolhimento a natureza. de ação constitutiva

. negativa. Em todo caso, se o ato é legiforme, como Q regula-mento, escapa a essa desconstituição por' sentença. A sua sorte ésemelhante à, sorte da. lei ; e o Poder- Judiciário só lhe aprecia a efi-cácia, só o deixa de aplicar; por ter de aplicar a. lei ou a, Constitui-ção que êle infringiria. Por- onde se vê que. os atos própríos doPoder Legíslatívo apresentam homogeneidade que longe estão deter os atos do Poder Executivo, dadas certas funções legiferantes ejudicantes que lhe- ficaram na, transição' dos. governos absolutos paraos governos liberais-democráticos .

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Tôda questão prejudicial e tôda ação (causa J que" tem;: Comoconteúdo a apreciação de fuconstitucionalidade das leis é- questãoou ação concernente à eficácia, porque não declara ínexístente-a-Iei

. examinada, nem a anula, nem lhe proclama a nulidade, ipsõ:: iUre;apenas não aaplica . ~~3'-

As questões prejudiciais e as .ações que têm como conteúdõ: aapreciação da ínconstítucíonalídade ou lezalídade de atos doé Poder

o" I:> .. _.Executivo ou de atos executivos dos outros Poderes, apreciá~~~:ju-dícialmente. podem ser constitutívas negativas (e. g., ações-de 'nu-lidade de negócios jurídicos contratuais do Poder Executivo ),oumandamentaís (e, g, mandados com alegação de ínconstítucíona-lidade de reguJamentàs), ou declarativas (e. g., ações declaratóriascontra a Fazenda Pública).

6. Atos dos poderes públicos

Questão-que se tem de resolver antes de se classificar a ~çã~,'aquestão prejudicial; ou o per saltum de inconstitucionalidade, é'-ã-de-ser declarativa ou- mandamental a. ação ou questão concernente àeficácia. dos .atos' estatais (leis, sentenças, atos administrativos).Algo .de comum existe nas apreciações de inconstítucíonalídade, nasações de modiiícação (Código de Processo Civil. art, 289, II) e nasexceções. de coisa, jujgada (não nas ações rescisórias com funda-mento na ofensa à coisa julgada, conforme o Código de ProcessoCivil, art .. 798. I, b, em que a apreciação. da eficácia da sentença équestão prejudicial da resolução constitutiva negativa).

O problema está em se saber se a discriminação da eficácia. dalei quanto.à incidência, a discriminação da eficácia da. sentençaquanto à. lei aplicada e a discriminação da. eficácia da sentença..emrelação à. sentença.posteríor, que há. de respeitar aquela, são, ~nteú-dei de. ações. deelaratívas ou- de ações mandamentaís. Se- tôdàsesãodeclarativas;' -as.ações declarativas- abrangem as declarativas' dã':~ns-tência- ou inexístência de relações jurídicas. e as declarativas. da::exis-tência- ou, inexistência da eficácia de-atos estatais. Ocorre; porém,que' a, exceção- de coisa julgada apresenta certo elemento manda-

;.' mental.' em~ora antes do- segundo julgado; quC"vai' crescer d~ponto·nas~ações.,decmodificação. Tal elemento, pelo menos nas. exceçõesde's'OiS~jiítgada e:.nas apreciações de inconStitucionalidade t~6digo

..de- ProcessÓ'·~CiVil~::art.:'861:), aínda, em prejulgados e- no'. pér4iáltum_. (C?~tituiÇãõ·_dc~~34, =....),não: chega: a serc predomüíante;

:-"~':~.~~~t~~.i·"-;~?:·',J ':•.•.,..!.•.."''''''~' - .....~~::..;::. --~ .!!..~

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_:::;_;.;~.:p;':.an~o;:n~o f>asta para os classificar. Quanto às ações de modifi- _ .'-';." -.' caçãor o-=assunto Complica-se um pouco mais.

'''::A''i~sp~lto d~ nulidade de negócios jurídicos em que fOi-part:-o-'Poder~Executivo ou outro Poder, cumpre distinguir: a) a nulí-

-dade- do- negócio [uridico devida à infração de .lei; constitucional~ ÓU, não; casos em que' não há apreciação de constitucionalidade doato estatal em si; b) a infração da Constituição pelo ato mesmo(e. g., falta de atribuição por parte do Poder Executivo): c) anulidade, resultante, em segundo grau, da ínconstítucíonaltdade deiei ou outro ato estatal, que serviu de norma ou base .ao negócio ju-rídico (questlio prejudicial de i..'1constitucionalidade!. Nos ca~?sa) e b), não há prejudicialidade: a infração da lei e o que se cus-cute na causa; nos casos c), a questão prejúdicial versa sôbre aeficáci~ da lei ou do ato estatal, e o elemento constitutivo negativo,que- há em a) e b), desaparece, pelo' menos do primeiro plano,

Assim, a solução elo problema de 'se saber qual a natureza das c

acões, das questões. prejudiciais e do per saltam de inconstituciona-!idade e:dge conclusões. precisas sôbre a existência ou, inexistêncíade' ações declarativas da' eficácia elos atos estatais, em vez de =.ples ações decIarativasda existência ouinexistência de relaçõ:s ju.-.ridicas, oúda autenticidade ou falsidade de: documentos. Nao se .trata de declaracão da existência da lei. o <pie; nos sistemas jurídi-cos corno o nosso, não seria questão de inconstihlcionalidade._ \1:':5de Jeclaracão dá eficácia ou da ineficácia ." (Observe-se que,. se'algum sistema jurídico. admitisse que a lei inconstitucionarnüo exis-tisse, tôda questão de inconstitueionalidade seria questão de ine-xistência da lei, segundo foi dito antes (cp. LI).

Passemos a, exemplo de iegislação constitucional positiva. .';".->A- Constituição' austríaca. de 1920, §§ 139,. 2,,140, 3, adotou o _..jul~~~nto, eonstitntívo- negatívov a) da i~carlstitucWnalidaa: =: =:.'

regttlizmentos; quando, estatuin: que. a' autoridade: competente .e.obn~zadâ ,ã:publiear,,imediatamente,_a, sentença; e que .a; anulação produ:efeitos 'a datar do dia- da. publicação .;'b.) da. "Ínconstitucionalidâ,dé ,-das: leis, quando deu a..mesma incumbência aov'chancelêr federar··~·,ou~ao presidente do País (unidade' política" interna) . A fôrça d::::_: ..decisão- é; EOrtanto,. iwcasu-' (provàvelmente-: 110" pret1~!..~)'?2~ ..~ :(;;_ ....c:'~"'~~ ,.,:' .conseqüência de se- não aplicar por nula, e>'er71lUnC; q\lll!lto a:le~ ,'": '~:",~:":,~;, ".em~si,~nesma._-·'·.,. ,: ~:., ,_.j_:";'~'\~':~!~-)-::..

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I (,I-lk WJ:2 ql1 le'iÍ~()$ (:ritjC;.ldo ;t solução austríaca <lu dic;'lÓ;,-

constítutiva negativa ex nunc: a anulação entra em oigor, diz o- §139, 2, a datar do dia da publicação. "A parte que pusemos em letragrifa é desaconselhada", escrevíamos (Os Fundamentos, 120); "ouera ilegal (o regulamento), e nesse caso sempre o foi; ou não noera; a nnulaçâo a partir da publicação não se compreende.

i.' , ConclusõesEm conclusão:

A. ::\os sistemas jurídicos em que o Poder J udiciário não de-clara a inexísténcía da lei inconstitucional, nem decreta a sua nuli-dade (sentença que-1eria constítutíva negativa), e apenas deixa deaplicá-Ia (fnefícácía ), é êrro falar-se de ação declaratóría da íne-xístência da lei. ou da ação de nulidade da lei (aliter, quanto aosatos ndmínistratívos, a ação da lei n.? 221),

B. 0:os sistemas jurídicos, de que acima falamos, os juízessentencie m sobre a inaplicabílidade da lei, A eficácia, separada daincidência, é que é apreciada.

A melhor solução técnica é a da nulidade, a que correspondasentença constítutíva negativa, com eficácia ex tunc . (De passagemobservemos que a afirmação de W. Kisch de que sàmente se podemconsiderar sentenças constitutivas as de eficácia ex nunc foi postade lado pela ciência. Confusão entre a natureza das sentenças-declarativas, constítutivas, condenatórias, rnandamentais, executivas- e o tempo de início da sua eficácia}. Assim: mantém-se o res-peito dos atos dos outros Poderes, enquanto tais atos não são julga-dos; atende-se a que a inconstitucionalidade é caso de anulação enão seria lógico o mesmo ato, inccnstitucional ex lujpothesi, ser tidocomo eficaz até a publicaç-ão do julgamento e ineficaz depois, tantomais quanto, no caso em exame, apanha a época em que se formoua relação de direito, res in iudiciuni deducta .

Por que não é melhor a solução técnica da ínexístêncía. a quecorresponda a sentença declarativa? Tal solução implica a super-posição de Poder (Côrte constitucional) que tenha mais do que afunção de verificar a constitucionalidade das leis, decretos ou regu-lamentos, e de decretar a anulação, isto é, que declare não ser lei,ou decreto, ou regulamento o Gotado outro Poder. Seria a. cons-truir-se tal técnica; não seria a melhor, deixaria de lado o princípio

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dI; mrlhar-supoctçã», isto t,. o prim'ípio _s~gulldo () (1[1:11 :l lei c oregulamento, como os demais atos estatais, se supõem acordes coma Constituição e só o exame pelo órgão competente pode deseonstí-tuí-los ou negar-lhes eficácia , Em vez disso, a necessidade de açãoconstitutiva negativa, ou de questão prejudicial com tal eficácia,atende a outro princípio. que é o princípio da criaticidade do atoestatal: o ato e criado, ainda que, por ser nulo, possa serclesconstituído.

Admitindo-se que a lei inconstitucional não incidiu, nem tecequalquer atuação (conceito mais largo que o de incidência, e abran-gente desse), vai-se contra aquêle princípio de melhor-suposição,porque a negação de qualquer atuação é negação dêsse princípio.

Conceptualmente, a) a lei ínconstitucional nilo incidc. masú) é ato estatal, criado. embora com a ciw de inconstitucionali-dade, c) a· lei perde eficácia, pela resolução jurídica constitutivallegati\·8.. in caSII, e 1) deixa ele ser ato estatal pela resolução ju-dicíal com eficúcia ('r~a OIllI1CS, a) desde a publícação da resolu-S·;tü (solução austríaca), lJ) ou ex (I/11C, isto é. desde sua própriapublicação (soiU~':-iOmais científica), ou 2) de mero precedente(solução americana), Teremos ensejo de mostrar que a solução 1)b) traz em si o problema das sentenças proferidas e trúnsitas vemjulgado entre o início do vigor da lei inconstitucional e a publica-<,:0 da resolução judicial constitutíva negativa. A solução tem deconciliar o tratamento da coisa julgada formal das resoluções judi-ciais anteriores (pri1lcípio da prcciusão') e a eficácia ex tUIlC dasentença constitutiva ne;;ativa.

C. De iurc covuletulo, a concepção dos sistemas jurídicos emque não se declara a inexístência, nem se decreta a nulidade da lei,também (: criticável; revela mesmo certo distanciamento em rela-ção a ideal ele técnica jurídica da plenitude lógica ou construçãointeiriça dos ordenamentos jurídicos.

Estatuíudo-se que apenas se não aplique a lei ínconstítucíonal,admite-se que ela tenha, incidido . Exemplo: a Constituição vedao imposto a; a lei adotou-o. Em verdade, ao fazer- a lei, o PoderLegíslatívo exorbitou, e o seu ato, sendo contra a Constituição, nãoé lei. Os sistemas jurídicos que estamos a criticar reputam-no lei"íneonstítucional" quando, em boa l6gica, a "lei inconstitucional"não seria lei. Ora, ou a) a lei inconstitucional não incidiu, por-que incidira a Constituição, ou lJ) se deu a, revogação da Constí-

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IIÍ~a()p.h I~i, () qllt' é absurdo, ou c) houve duas incidências d.lei contrárias, e caímos na mais grave das contradições in adiecto.

Bastariam essas considerações para se assentar que a técnica cons-titucional tem de ser aperfeiçoada até se evitar o absurdo e a contra-dição, causa de antinomías que aparecem na doutrina e são peculia-res aos sistemas juridicos do tipo "somente se deixa de aplicar a leiínconstítucional' .

Seriam ele bom êxito as seguintes regras constitucionais:

Os tribunais e juizes tem de conhecer da inconstitucíonalidadedas leis, a pedido dos interessados ou de ofício, Aos membros doMinistério Público cabe o dever de argüi-Ia ou de defender o textoatacado.

A resolução judicial do Supremo Tribunal Federal afirmativasôbre a inconstitucionalidade das leis tem de ser publícada pelosjornais em que o texto apreciado foi oficialmente publicado, ou emque teria de ser publicado a lei que a rc\'o:;;asse, no mesmo lugarem que se inserem as leis, Daí em (;ialJtc n.io mais !~. preciso le-vantar-se a questúo da inconstitucionalid.ule .

As sentenças proferidas antes de Sé!' puolicada a resolução ju-dicial afirmativa da inconstitucionaliciade sào rescindiveís por vio-lação de direito em tese, no prazo de cinco anos

CAPITú'LO v

Alguns legisladores acreditavam em que fôssem eternas as leisque haviam ouvido em revelação (e,g" os "Dez Mandamentos"},ou. êles-mesrnos. haviam feito, Ainda há os que pensam existir epoderem ser- descobertas regras eternas, Se atendemos a que êsseadjetivo eternas se refere à existência do homem e não à da vida, ,e a que a vida mesma pode acabar, já vemos quão relativo é o seuconteúdo, Em todo caso, uma vez que há algo de imutável nohomem, é possível que algumas regras sejam - enquanto existamhomens - as melhores para eles, O mal da escola do direito natu-ral não foi o· de pesquisar êsse algo, o que teria sido trabalho de al-tíssimo valor; mas o de postular, falsamente, que muitas normas se-riam universais e perenes.

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1. Mutabilidade das Constituições I~.~H," J~~" .

A regra é que as leis mudem e possam mudar. Os legislado-res que diziam eternas as Constituições que redigiram, cedo mos-traram terem sido vítimas de intemperante otimismo. . Tôdas elascaíram,

Pimenta Bueno, no seu Direito Público Brasileiro (1857), dizia(485 s.) : "As melhores e mais perfeitas leis são obras dos homens,e por isso mesmo serão imperfeitas como seus autores. Embora se-jam as mais apropriadas às circunstâncias da sociedade, ao tempoem que são decretadas, essas circunstâncias mudam; a ação dotempo opera revoluções mais ou menos lentas, porém importantes,nas idéias, costumes e necessidades sociais, revoluções que é im-possível obstar, Se um ou outro princípio pode e deve ser ímutá-vel, outro tanto não acontece com o todo das disposições constitu-cíonaís". Viu bem a diferença entre o ceme imutável e as outrasregras constitucionais. Viu também que o não se cogitar da re-forma ou revisão constitucional somente deixaria "o recurso fataldas revoluções",

Pode parecer que se deveria dizer que se reforma a Constitui-ção quando se lhe alteram, no máximo, todos menos um dos enun-ciados constitucionais (regras jurídicas constitucionais), Porém, sese lhe mudam todos êles. reforma ainda há, e não supressão seguidade outra Constituição,

Observe-se, ainda, que a reforma de todos os preceitos da Cons-tituição, com a mudança da regra sôbre reforma, não equivale à su-pressão, porque a regra da reforma foi seguida e se assegurou. adespeito da alteração total, a çontínuídade. Reforma e revisão sãosinônimos, (A distinção entre reforma das regras constitucionais ereforma da Constituição seria equívoca; porque Constituição é oconjunto das suas regras, ainda que tôdas venham a ser diferentes- uma vez que se tenha observado a sua regra de reforma ou derevisão -, inclusive se se alterou, de acôrdo com a Constituição,essa mesma regra.)

A reforma ou revisão pode ser total, se o poder reformador(constituinte de segundo grau) é dado, no momento, mudar tôdasas regras jurídicas constitucionais, ou parcial, se só se lhe conferiumudar alguma regra ou algumas r~gras, Tem-se chamado à re-forma parcial emenda.

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2. Poder Constituinte e Poda' l{~fo.,maaor.

Alguns juristas identilicam o poder constituinte em senso es-trito e o poder de reiorma ou de emenda da Constituição (A). Talconfusão é danosa. O poder constituinte nunca seria acoímável deemitir regras ínconstítucionaís. Tudo que êle elabora é Constitui-ção, uma vez que o elaborou com êsse propósito. Muito diferenteé o qu~ se passa com o poder. recisional ou reformado r, ou: emenda-dor. Esse está adstrito a regras concernentes à reforma ou à emen-da, bem como, quase sempre, a limitações do objeto da reforma ouda emenda. Não se pode, todavia, a pretexto de se repelir essaequiparação, ir ao extremo oposto B) de considerar atividade leais-o1

• Datice simples a atividade do poder reformador ou emendador.

Com a opinião A), W. Hildesheimer, Über dic Recision mo-derner Staatsceriassungeti (Sôbrc a revisão das modernas Constitui-çôes. estatais), 75. Com a opinião B), Carl Schrnídt, Verfassun-gslehrc, 98.

Em verdade, trata-se de poder constituinte de segundo grauC). .A sua competência foi resubda pela Constituição e, prova-velmente, pela deliberação que serviu de iniciativa da reforma ouda emenda (determinação do tempo e objeto ela reforma ou daemenda) .

;3. J[utaçôes da Constituição

Desde que se estabeleceu a Constituição, pode ocorrer:

li) _Destruição, no tempo, do poder estatal, que é mais do quedestruição do poder constituinte. Por exemplo: se ao pavo cabeo poder estatal, como' em teoria está. assente no direito das zentesocontemporâneo e, pOli plebiscito, ele o entrega à oligarquia (ditaaristocracia), conservando a intervenção plebiscitária ; mas, se a oli-garquia o despoja do poder de intervenção plebíscítáría, dá-se adestruição do poder. estatal popular, a: favor do poder estatal olieo-crata. Assim, o fechamento da Assembléia Constituínte.. sem bsetirar ao povo· o direito de criar' outra Assembléia. Constituinte, bdestruição do poder Constituinte sem destruição do poder estatal.Se e quando os princípios supra-estatais forem precisos e suficíen-t~mente ríg~dos; nenhum caso a) poderá. ocorrer; porque será ine-f~c~z, ,?U num.ou ínexístente, perante o dire.!~~das gentes. O prín-CIpIO O poder esta:ta~ pertence ao povo" eiíste no direito das gen-

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tes., mas faltam-lhe g/UlJ'fja. eficiente y rigidez. Euquauto não se. estabelece essa guarda e essa rigidez, a distinção entre os casos a)

e osccasos b) é possível, o que tem escapado aos tratadistas da teo-ria da Constituição, por não serem rigorosamente científicos, prin-cipalmente não. serem baseados em lógiC3. contemporânea, os seusestudos.

b) Destruição, no tempo, do poder const-ituinte: a existetitiafluens da Constituição, que é o poder constituinte em sua projeçãodo passado para o presente, e do passado e do presente para o fu-turo, ou cessa, ou se desfaz, desde o passado (ex tune). Não hámais, ou não houve Constituição, porque o poder mesmo, que aditou, estancou, desde agora, ou se diluiu desde o nascedouro, nopassado. Donde ser possível a destruição do poder constituinte,desde o presente (ex rumc], ou desde algum momento anterior aoato destrutivo (ex tunc], não sendo necessário que se opere desde

. o início da sua atividade legislativa constitucional , Trata-se, por-tanto, de nomatornia, radical quanto ao órgão do poder estatal, mas,temporalmente, ou radical (in prieteruum'), ou não-radical (desdecerto momento no passado, posterior à incidência, ou desde agora).

c:) Supressão da Constituição, desde agora, ou no pretérito,sem destruição do poder constituinte, a fortiori do poder estatal:a.) pela, adoção de outra Constituição. por ato do próprio poderconstituinte; b) pelo golpe de Estado, convocando o poder cons-tituinte que fizera a Constituição. O poder constituinte subsiste.Hú.. pois, descontinuidade de Constituição e continuidade do poderconstituinte. Tal C3.S0mostra que se pode suprim.ir a Constituição,

- p.ortanto agir incol1stitucionalmente, se bem que se não suprima opoder constituinte (separaçio entre o produto do órgão e o órgão).

d) Reforma ou. revisão ctmstitucionai da Constituição, isto é,de acôrdo com as regras jurídicas da. Constituição mesma quanto à.reforma ou revisão, ou com violação delas (reforma ou revisão in-constitucional da Constituição).

.. A reforma ou revisão tem a sua técnica, que vai a }, do simplespro€edimento para a. elaboração das leis ordinárias, de modo que' adistinção ."lei constitucional - lei ordinária" depende da adjetivaçãoque se deu às regras elaboradas ou da sua. atuação intertemporalem. relação aos textos constitucionais anteriores, até :::) à- formaçãode. outra Assembléia. ~enstituinte' (poderes para total revisão), des-

- .~,,~-

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" 4. ' Procedimento. para a reiorma: .

, ',_-;;,:':6~:;~()J;procedimento para~~ reformar: da- ~?nStituiçã(y<I'od~t eS?r. pre~,-,-~_, :, : ,-;J~,:,;.:~~tif>oud-eguJado;- ou- não' estar prevístó-nemt regulâdõ. -r ",;~: ",~~~~J:~

..._; ,- ._ ~ .. .~..a-.':...._ .....;a) É simplesmente previsto quando alguma:, regra constitucio--' ..,-' ,~i

nal. alude, por exemplo, à. .Iei especial que, fixe. o qúorum. para. a te- ,forma. Nesse caso,. não se pode reformar a, Constitui ção; sem que.primeiro, se legisle sôbre o quorum- para aI reforma ....

A regra constitucional é dado referir-se a outras normas. quedevam er formula . ,.,çomo a. fusão das Câmaras para a reformaI'l lU m ndu. .. ou se i parn 9.l'lll la, ou 11 111 o-Ius: n, ou ~ 10J lar

- 22 -

do qu se não suprimiu a Constituição, Antes de z ) está!J){ queé o caso da "assembléia nacional", que se reúne para reformar parteda Constituição, Nenhum dos casos de a) a z) pode ser 'conce-bido com o lapso constitucional, isto é, com algum momento dedescontinuidade constitucional entre a nova regra constitucional oua nova Constituição e a Constituição anteriormente vigente.,,'

1. ~:•.. ::. r

Por" isso, mesmo é costume dizer-se que, se houve reforma ourevisão, ainda, que. nenhuma expressão reste da anterior Constitui-ção, a Constituição é a mesma, reformada (a mesa de estílo-a.quese substituíram, uma a uma, tôdas as peças ou pedaços, continuariade ser a mesma mesa), A regra de reforma, tendo sido respeitada,ass,~~_~_,~_~permanência da: Constituição.

a) , Uma das: variáveis para a gradação de a) a z ) é o--proce~dimento para a convocação da Assembléia reformadora; e, g., pro-posição por dois terços das duas Câmaras, ou pelos corpos legisla-tivos de dois terços dos Estados-membros (Constituição dos Esta-dos Unidos da América de 1787, art. V), .

b) Segunda variável é o procedimento para a iniciativa da re-forma,. que ora se associa ao procedimento para a convocação daassembléia reformadora "deliberante", ora não.

c) Outra variável é a ratificação, quer pela mesma assembléia(noutro momento, ou no mesmo), quer por: outro corpo, inclusive oPresidente da República, se pode vetar a reforma, ou ° povo, peloplebiscito ou, referendo (Constituição suíça de 29 de maio de 1874"arts., 118, li9, 123), '

d) Outra, variável é ainda a exigência, de quorum para. a re-~ forma, (não se' confunda com a exigência de quorum para a. inicia-

tiva, ou pàraiit"Conv'bcação ;' maioria. absoluta; dos dois terços, 'repe-: .. '~~.tiç~g,,~..;..vota·~~nli;~omentos:, separados; votação, global e- parcíal.,", ", unanímídade- (Íó~~pr~entes, etc: )~, ,', ' "; ,-- ~.

. . -_. : .'-"

e) Nos Estados. federais, a, alteração de parte> ou· de tôda- aConstituição 'pode- dar=se sem reforma do laço federal. Não se mo-~dífíca; portanto,. a.estrutura externa do Estado, não se sobe ao-plano.do direito das. gentes, onde, se há um só' Estado" não se oé. o. que'r rt nce à ordem jurídica interna, Se a. reforma. implica a do laçof fi 1, ou 1) se marcha para. o Estado unítárío., ou' 2) se man-r ,no pn to f r I, pluralídad d •S (J: que serv a xi-

--.;...::' .

-23 -

~gê~C:ia:·de participação autônoma na reforma, ou 3) já. se-estava.em concepção da federação somente de técnica constitucíonal' fu~tema. Se 3), então ou o laço, federal era cerne inalterável, expres-são que adiante estudaremos (regra ou regras' teoricamente irnutá-

. veis), e' no plano dos fatos "mudou", supressa. a Constituição, ou era., norma, constitucional reformável e foi reformada , .

- f) Suspensão da Constituição ou de algumas das suas regras~Ou, a suspensão é contrária à Constituição mesma e então há, su-pressão, temporária, sem destruição do poder constituinte e, a [ortiori;do poder estatal; ou a suspensão é na conformidade de alguma oualgumas regras constitucionais, e então apenas consiste em aplica-çàQda Constituição mesma. ---.,.. .,' ~.. '

g ) Viol.ação ela- Constituição ou, melhor, das regras jurídiCasconstitucionais: - a) In casu . Aqui, não se nega a Constituição,ou. alguma das suas regras, infringe-se, Não há supressão da Cons-tituição, nem de qualquer dos seus textos; mas apenas infração nocaso, ou nos casos determinados. b ) A título de interpretação,Isto é, quando se legisla, ou se julga, ou se executa, como se a Cons-tituição dissesse o que se exigiria para se poder legislar, ju1gar~.ouexecutar, como se legislou, julgou ou executou. A diferença entre.a) e b) repousa em que, em a), não se nega a regra da Constituição,ao passo que, em b), a afirmação da existência-da regra ou da ine- .xistência da regra importa em negação da Constituição tal como de-veria ser interpretada: infringe-se em geral; no fundo, altera-se- aConstituição sem se observar o que ela mesma estatuiu para. seralterada.

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- 24-• ,tíva, a vitabilidade, a dupla ou tripla votação na mesma ou em duasou trés ou mais sessões legislativas, ou com intervalo maior.

b) O procedimento diz-se regulado quando a Constituiçãomesma estabelece o que é de mister para ser reformada ou. emen-dada .. Enquanto, nos casos de procedimento simplesmente- previs-to, a infração da regra de procedimento é infração da lei- e, pois,ilegal a reforma ou emenda, a infração da regra de procedimentoinserta na Constituição é infração da Constituição mesma. A dis-tinção tem conseqüências práticas quando, por exemplo, a infraçãoda lei pode ser apreciada por todos os tribunais e a infração da re-gra constitucional somente por algum dêles, ou por outro corpo in-curnbido da guarda da Constituição, ou sujeita a trâmites ou outrasexigencias especiais it apreciação.

c) Se a Constituição não prevê nem regula o procedimentopara a reforma ou emenda, somente a formação e funcionamentode outra assembléia idêntica à assembléia constituinte pode assegu-rar a identidade da Constituição, como todo, através do tempo.Po~ isso mesmo, sempre que a Constituição é lacunosa a respeito,se há de entender que· só se continua a projeção temporal do poderconstituinte e se confirma :1 identidade da Constituição quando setem como "previsto e regulado" o procedimento que serviu para aformação e funcionamento da assembléia constituinte. Isso nãoquer dizer, porém, que, ainda nesses casos, a assembléia reforma-dora seja "poder constituinte", no sentido estrito.

Do que acima se enunciou resulta: 1) que, tendo sido poderconstituinte o monocrata ou a oligocracia (e. ,;., Constituição brasi-leira de 1937), se ela não houvesse previsto nem regulado o proce-dimento para a reforma, o órgão reformador seria o- monocrata oua oligocracia. Uma vez que o previu' e regulou. a reforma ou emen-da da Constituição por pác do parlamento ou assembléia - ainda .que deita essa. ou aquele, sob os mais estritos princípios da eleição-popular - é apenas mantença do ato monocrata ou da. oligocracia.Ou se- transfere 'para o povo o poder constituinte ou se prossegue norespeito do ato monocrátieo ou oligocrático: o povo continua: rele-gado à segunda plana; ainda deposto- o monocrata, ou: eliminada: a,oligocraci~ não foi restituído ao povo o poder estatal.

Ainda. na prática, enquanto-· subsiste at:',€bnstituição' rnonocrá-tíca 011 oligocr:itiC:.l~.a, monocracia- respira; .es de outras ffgllras,•....

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i;._

-25 -II1,I!

ou..3.; oligocracia ligeiramente modificada permanece, mediante com-·promíssos- secretos ou mal disfarçados . Foi o .qu,e se. deu com a so-brevivência. dos restauradores do trono portugues ditos restaurado-.res. de Pedro I (continuístas de 1831), a despeito do 7 de setembrode 1822. A Constituição outorgada de 1824 fôra transação entrePortugal e· Brasil, contra a Assembléia Constituinte, isto é, contraa entrega do poder estatal ao povo, o que só se deu em 1891 e 1934.A revolução de 1930 e o golpe de 1937 reproduzem 1824 (re-

gressões)- .O golpe de 1945 foi a forma disfarçada do contímnsmo de 1831,

com a díferenea de ser, em 1831, a continuidade monoctática e em1945 a oligo;ática. No fundo, o mesmo: a luta contra o povo,através de dança de quadrilha tipo imperial em que aos change;:;ele place e aos balancez não faltaram, sequer, os visos de verdadedos insultos recíprocos combinados e a aparência das discordâncias.

A solução a), que apenas prevê procedimento especial para areforma da Constituição, denuncia imperfeito conhecimento da téc-nica constitucicnal por parte do legislador constituinte, porque talcompetência para reformar ou emendar não é, de modo algum, idên-tica à competência para fazer leis. A solução b) já corrige essa. de-ficiência e tem por assunto constitucional o que constitucional é.Bastaria isso (ajustamento entre o dado e o construído) paro. se re-comendar como solução melhor. Quanto à solução c), ressalta-lheo caráter de lacuna da Constituição, com tôdas as diliculdades deinterpretação.

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