Pontes interculturais

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Carlos Ribeiro | Consultor Projecto MGF | Adroana Cascais | Construir pontes interculturais através das emoções Carlos Ribeiro | Artigo para a LLine Magazine http://www.lline.fi/en Dezoito mulheres africanas participaram num Programa de sensibilização preventiva da Mutilação Genital Feminina e foram protagonistas de uma experiência pedagógica inovadora baseada na expressão criativa das emoções. O trabalho do grupo combinou exploração temática individual, jogo dramático e construção de um projecto colectivo. Funcionou nos últimos dois anos, no bairro popular da Madragoa em Lisboa, uma experiência de acompanhamento e aconselhamento a uma quinzena de mulheres da comunidade local. Juntos, equipa de animação pedagógica e o grupo de mulheres procuraram desenhar perspectivas sólidas e realistas para os projectos de vida das participantes, passando por cima das imposições dos sistemas convencionais de orientação ao longo da vida que obrigam a focar os apoios técnicos na procura de emprego ou na gestão dos benefícios da protecção social. Nesta intervenção seguiuse o princípio orientador segundo o qual são as próprias mulheres que estão nas melhores condições para definir o que devem ser as prioridades para a construção dos seus projectos futuros. Uma abordagem holística Tratouse, neste programa europeu denominado Power Pac, de dinamizar um processo de acompanhamento para promover a autonomia e o empowerment

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Artigos sobre a intervenção formativa e de apoio ao desenvolvimento de um Grupo de Mulheres de origem africana. Em Cascais, Adroana, numa acção de colaboração com a SEA - Agência de Empreendedores Sociais.

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Carlos  Ribeiro  |  Consultor      Projecto  MGF  |  Adroana    Cascais  |  

Construir    pontes  interculturais  através  das  emoções  Carlos  Ribeiro  |  Artigo  para  a  LLine  Magazine  

http://www.lline.fi/en  

 Dezoito  mulheres  africanas  participaram  num  Programa  de  sensibilização  preventiva   da  Mutilação   Genital   Feminina   e   foram   protagonistas   de   uma      experiência   pedagógica   inovadora   baseada   na   expressão   criativa     das  emoções.   O   trabalho   do   grupo   combinou   exploração   temática   individual,    jogo  dramático  e  construção  de  um  projecto  colectivo.  

Funcionou   nos   últimos   dois   anos,   no   bairro   popular   da   Madragoa   em   Lisboa,  uma   experiência   de   acompanhamento   e   aconselhamento   a   uma   quinzena   de  mulheres  da  comunidade  local.  Juntos,  equipa  de  animação  pedagógica  e  o  grupo  de   mulheres   procuraram   desenhar   perspectivas   sólidas   e   realistas   para   os  projectos   de   vida   das   participantes,   passando   por   cima   das   imposições   dos  sistemas   convencionais  de  orientação  ao   longo  da  vida  que  obrigam  a   focar  os  apoios  técnicos  na  procura  de  emprego  ou  na  gestão  dos  benefícios  da  protecção  social.  Nesta  intervenção  seguiu-­‐se  o  princípio  orientador  segundo  o  qual  são  as  próprias  mulheres  que  estão  nas  melhores  condições  para  definir  o  que  devem    ser  as  prioridades  para  a  construção  dos  seus  projectos  futuros.  

Uma  abordagem  holística  

Tratou-­‐se,   neste   programa   europeu   denominado   Power   Pac,   de   dinamizar   um  processo   de   acompanhamento   para   promover   a   autonomia   e   o   empowerment  

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das   mulheres   participantes,   privilegiando   uma   abordagem   holística,   ou   seja,  valorizando  dimensões   como  o  papel  na   família,   a   situação  de   trabalhadora  no  activo  ou  desempregada,  a  vertente  cidadã  e  a  participação  na  vida  comunitária,  a  condição  de  mulher  e  a  relação  com  os  preconceitos  sociais,  as  desigualdades  e    constrangimentos  no  quotidiano.  

 

 

Activar  as  competências  

A   metodologia   de   base     desta   intervenção,   cuja   finalidade   principal   era   a  activação  das  competências  das  mulheres  inscritas  no  Programa,  assentou  numa  combinação   de   acções   colectivas   e   individuais,   que   criaram   as   condições  necessárias   à   auto-­‐descoberta,   ao   surgimento   do   espírito   de   grupo   e   à   auto-­‐organização   das   participantes.   A   construção   da   autonomia   e   o   processo   de  empoderamento     do   grupo   tiveram  na   sua   base   iniciativas   relacionadas   com   a  gestão  do  tempo,  da  saúde,  do  dinheiro  e  das  relações  com  a  sociedade  em  geral.  Estes   objectivos   operacionais   foram   completados   com   Oficinas   sobre   a  redescoberta  do  corpo,  a  auto-­‐confiança;  o  domínio  do  olhar;  a  respiração;  a  voz  na  comunicação  com  os  outros;  a  imaginação  e  o  funcionamento  em  grupo.  

 

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Emoções  em  Oficinas  Teatrais  

Quando   a   intervenção   no   programa   preventivo   da  Mutilação   Genital   Feminina  (MGF)   se   colocou,   com   a   finalidade   de   contribuir   para   a   proactividade   e   o  espírito   de   iniciativa  de  uma  vintena  de  mulheres   guineenses,     foi     adaptada   a    metodologia   do   Power   Pac   ao   Programa   MGF     e   foi   desenhado   um   cenário  pedagógico   no   qual   se   enfatizava   o   trabalho   sobre   as   emoções   a   realizar   em  Oficinas  de  jogo  teatral.  

O   desafio   de   construir   pontes   socialmente   aceitáveis   entre   representações    culturais  seculares  da  imagem  e  da  função  da  mulher  na  sociedade  com  origem  nas  civilizações  dos  Grandes  Lagos  africanos  e  as  referências  dominantes  do  pais  de  acolhimento  ,  neste  caso  Portugal,  colocou  no  centro  do  processo  pedagógico  por  um   lado  a  questão  da  comunicação  persuasiva  em  contexto  multicultural  e  por  outro  o  desenvolvimento  de   competências   sociais   visando  a   construção  de  cumplicidades  e  de  formas  de  cooperação  informal  entre  os  membros  do  grupo  para  criar  condições  favoráveis  à  acção  conjunta  no  futuro.  

Percurso  pedagógico  

O  percurso  pedagógico  foi  concretizado  através  de  Oficinas  práticas  cujos  temas  e  acções  centrais  foram  as  seguintes:  

-­‐ Aprofundar   o   auto-­‐conhecimento   –   realização   de   jogos   de   exploração  relacionados  com  o  corpo,  a  voz,  o  movimento,  o  estado  de  espírito,  o  olhar;  

-­‐  Reapropriar-­‐se   dos   gestos   do   quotidiano   desconstruindo   os   estereótipos,   -­‐  realização  de  simulações  e  caricatura  de  situações  -­‐  tipo;  teatralização  de  “um  dia  na  vida”;  

-­‐ Construir   auto-­‐confiança   e     confiança   no(a)s   outro(a)s   –   concretização   de  exercícios  relacionados  com  a  entreajuda  e  a  cooperação;  

-­‐ Adoptar  o  grupo  como  campo  interactivo  para  a  expressão  individual  –  jogos  teatrais  de  descoberta  e  de  construção  de  histórias  em  colectivo;  

-­‐ Estimular   a   imaginação   e   a   expressão   das   emoções   –   jogos   de   estátua,  teatralização  de  situações  relacionadas  com  a  vida  profissional;  

-­‐ Utilizar  a  dança  como  base  de  partilha  de  ambientes,  de  cumplicidades  e  de  expressão  de  emoções  diversas  –  exercícios  de  dança  em  situações  teatrais;  

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-­‐ Desenvolver  colectivamente  um  trabalho  de  projecto:  produção  de  um  vídeo  promocional   de   serviços     (fictícios)   a   serem     realizados   pelas     mulheres  participantes  no  Programa.  

Os  exercícios  realizados  ao  longo  das  Oficinas  combinaram  formas  de  expressão,  corporal   e   verbal   numa   base   intercultural   procurando   fundir   de   maneira  equilibrada   o   sentido   europeu   e   africano   do   jogo,   da   dança,   da   expressão  dramática  e  da  construção  de  projectos  colectivos.    

   

 

Intervenção  criativa  nos  factores  emocionais  

Saliente-­‐se   que   desta   convergência   intercultural   resultou   um   processo   de  aprendizagem     para   todos   os   protagonistas   do   projecto.   Os   códigos   e   as  linguagens   são   profundamente   diferentes   e   as   tentativas   de   fusão  particularmente  arriscadas.  Mas  uma  conclusão  pode  ser  adiantada:  o  sucesso  na  mobilização   de   pessoas   para   a   mudança   em   domínios   fortemente   marcados  pelas  tradições  dos  povos  de  pertença  depende  da  capacidade  de  intervir  sobre  os  factores  emocionais  que  ligam  essas  pessoas  à  sua  cultura  de  origem.        

O  Programa  MGF  realizado  no  bairro  da  Cruz  Vermelha,  em  Cascais,  na  região  de  Lisboa   contou   com   outras   intervenções   nomeadamente   nas   áreas   da  alfabetização,  da  saúde  pública  e  da  gestão  de  projectos.  

Carlos  Ribeiro  

Links  

http://powerpac.wikispaces.com/Atelierdethéâtre  

http://youtu.be/1BysHTTWJsw  

 

 

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SE  A  ESCOLA  FOSSE  UMA  ROUPA  QUE  SE  COMPRA,  EU  GASTAVA  LOGO  DINHEIRO  NELA!  Marta  Guerreiro  |  Carlos  Ribeiro  para  INFONET  

www.infonet-­‐ae.eu  

São  dezoito  mulheres  guineenses  a  viver  no  Bairro  da  Adroana  em  Cascais,  perto  de   Lisboa,   que   em   Junho   de   2013   responderam   ao   desafio   de   aprender   a  escrever,   ler,   falar  e    perceber  melhor  o  português.  Através  da  participação  nas  acções  de    alfabetização  as  mulheres  do  projecto  Muda  Gosi  Fasil   lançam  novas  sementes  de  esperança  de  desenvolvimento  na  comunidade  local.  

Vieram   para   Portugal   para   ter   uma   vida  melhor   e   bem   diferente   daquela   que  tinham   na   Guiné-­‐Bissau.   A   maioria   nunca   andou   na   escola   e   em   vez   disso  trabalhavam  em  casa  e  no  campo  em  actividades  agrícolas  diferenciadas.  

 

 

Testemunho  vivo  das  dificuldades  e  dos  desafios  

Quando  se  conversa  com  os  elementos  do  grupo  fornecem  um  testemunho  muito  realista   das   condições   de   partida   e   das   barreiras   que   surgiram   ao   longo   dos  meses  de  formação:  

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“É   muito   complicado   para   alguém   já   velho   aprender;   os   nossos   filhos,   que   já  nasceram  depois  de  nós,   já   sabem  escrever,     sabem  falar,   sabem   ler  português.  Nós  temos  entre  30  e  50  anos,   trabalhamos  muitas  horas  como  empregadas  de  limpeza,   cuidamos   da   nossa   casa   e   família   (quase   todas   temos   três,   quatro,   e  cinco  filhos),  em  Portugal  e  também  na  Guiné,  e  a  cabeça  agora  está  muito  cheia!  A  escola  é  boa  quando  somos  pequeninos,  quando  não  pensamos  em  nada!  

Mas  temos  que  aprender,  porque  quem  não  sabe  escrever  está  como  cego!  E  se  a  escola  fosse  uma  roupa  que  se  compra,  eu  gastava  logo  dinheiro  nela!”  .  

O  MÉTODO  DE  EDUCAÇÃO  DE  ADULTOS  DE  PAULO  FREIRE  

“As   nossa   aulas   pautam-­‐se   pelo   método   de   Pulo   Freire,   pedagogo   brasileiro  pioneiro     da   pedagogia   de   autonomia,   que   altera   o   seu   foco   de   aprendizagem,  colocando  o  aluno  no  centro,  e  com  grande  tónica  na  oralidade.”,  adianta  Marta,  formadora  deste  grupo.  

“Partimos  da  palavra  para  a  sílaba,  trabalhamos  a  ligação  entre  o  ouvido,  a  voz  e  a  escrita;   ritualizamos  o  ato  de  dizer,  o  ato  de  escrever  a  data.  Neste  método  o  educador  é  um  facilitador  da  aprendizagem  que  procura  partir  das  experiências  dos   formandos  através  de  conversa   intencionalizadas”  sistematiza  a   formadora  que  trabalha  com  o  grupo  exprimindo-­‐se  na  maior  parte  das  vezes,  em  crioulo.    

“Temos  falado  sobre  a  família,  a  saúde,  a  cozinha,  coisas  que  gostamos  de  fazer,  tradições  etc””,  referiu  Mariama    

Cada  pessoa  tem  o  seu  ritmo  de  aprendizagem  e  o  equilíbrio  constante  entre  o  apoio  ao  grupo  e  apoio   individual,  e  a  motivação  dos  passos   intermédios  desta  longa  caminhada  de  aprendizagem  da  competência  da  escrita,  leitura  e  conversa  em  português  é  uma  grande  desafio!  

Algumas   afirmações   finais   das   mulheres   que   participaram   nesta   acção   de  educação  de  adultos:  

«Ler,  juntar  as  letras,  é  mais  difícil  que  escrever  …»  

«É   importante   saber   ler   e   falar   português,   para   responder   ao   patrão   e   ele  entender.»  «Uma  colega  e  eu  conseguimos  trabalhar  juntas,  como  ela  sabia  escrever  está  lá  há  cinco  anos.»