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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE TEOLOGIA NATALINO DAS NEVES O STATUS APOCALÍPTICO E SOCIOECONÔMICO DE JOEL: LITERATURA DE RESISTÊNCIA AO IMPERIALISMO GREGO CURITIBA 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE TEOLOGIA

NATALINO DAS NEVES

O STATUS APOCALÍPTICO E SOCIOECONÔMICO DE JOEL: LITERATURA DE

RESISTÊNCIA AO IMPERIALISMO GREGO

CURITIBA

2016

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NATALINO DAS NEVES

O STATUS APOCALÍPTICO E SOCIOECONÔMICO DE JOEL: LITERATURA DE

RESISTÊNCIA AO IMPERIALISMO GREGO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia, linha de pesquisa em Bíblia e Evangelização, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi

CURITIBA

2016

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ATA DA SESSÃO PÚBLICA DE EXAME DE TESE

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BANCA EXAMINADORA

Professor Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi

Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR (PPG - Teologia)

Presidente

Professor Dr. Vicente Artuso

Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR (PPG - Teologia)

Examinador

Professor Dr. Luiz José Dietrich

Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR (PPG - Teologia)

Examinador

Professor Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira

Universidade Metodista de São Paulo (PPG – Ciências da Religião)

Examinador

Professor Dr. José Adriano Filho

Faculdade Unida de Vitória

Examinador

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NEVES, Natalino das. O status apocalíptico e socioeconômico de Joel: literatura de

resistência ao imperialismo grego, Pontifícia Universidade Católica do Paraná –

PUC-PR, 07 de novembro de 2016, 231p.

Resumo A partir do século V a. C. a história caminha em ritmo acelerado para a sua

ocidentalização. Dá-se uma reorientação da vida socioeconômica em direção ao

Mediterrâneo. Este ocidente, que é grego por excelência, impõe-se econômica e

politicamente muito tempo antes das conquistas macedônias sob Alexandre em 333

a. C. Esta expansão grega pode ser caracterizada no livro de Joel. Percebe-se que a

expansão grega faz parte do contexto pós-exílico. São aos gregos que os filisteus,

os fenícios e os comerciantes do litoral da Palestina vendem como escravos os

filhos de Judá e de Jerusalém (Jl 4.6). Uma nova lógica econômica de arrecadação

de tributos parece que está nascendo no horizonte. Um novo mecanismo de

acumulação mais aperfeiçoado que os anteriores e, por isso mesmo, mais violento.

Sob o Império Grego tributa-se o próprio corpo; o ventre das mulheres pobres é

necessário para gerar escravos e escravas para o Império; um espírito comercial

escravista próprio ao estilo grego. Até que ponto essa influência atingiu a literatura

pós-exílica, principalmente o livro do profeta Joel? Deve-se levar em conta que são

duas mentalidades antinômicas pelo menos em sua origem. Mas certamente em

algum momento há um processo de hibridismo cultural. Esta pesquisa apresenta

uma proposta de estrutura para o livro de Joel, demonstrando que os resíduos e

fragmentos epistemológicos, culturais, socioeconômicos (escravismo) e políticos da

sociedade helenística, bem como os últimos acréscimos redacionais ajudam a reler

o livro de Joel a partir do gênero literário apocalíptico. Assim, o livro de Joel recebe a

datação da ultima redação no período do final do III e início do II século a. C. e a

classificação, por meio de suas indicações textuais, como um apocalipse histórico.

Palavras-chave: Livro de Joel, Literatura Apocalíptica, Apocalipse, Imperialismo,

Helenismo.

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NEVES, Natalino das. The apocalyptic and socioeconomic status of Joel: resistance

literature to the Greek imperialism, Pontifical Catholic University of Paraná - PUC-PR,

November 7, 2016, 231p.

Abstract

From the fifth century B.C. history moves at a fast pace for its Westernization. This

causes a reorientation of socioeconomic life into the Mediterranean. This Western

part of the world, which is Greek for excellence, imposes itself economically and

politically long before the Macedonian conquest under Alexander in 333 B.C. This

Greek expansion can be characterized in the book of Joel. It is perceived that the

Greek expansion is part of the post-exilic context. It is to the Greeks that the

Philistines, the Phoenicians and the traders of Palestine coast sell into slavery the

children of Judah and Jerusalem (Joel 4.6). A new economic logic of tax collection

seems to be rising on the horizon and also a new and more enhanced accumulation

mechanism than the previous ones and, therefore, more violent. Under the Greek

empire the body itself is taxed up; the wombs of poor women is needed to generate

male and female slaves for the Empire; a commercial slave spirit peculiar to the

Greek style. To what extent this influence reached the post-exilic literature, especially

the book of the prophet Joel? One should take into account that there are two

antinomic mentalities at least in its origin. But certainly at some point there is a

cultural hybridity process. This research proposes a framework for the book of Joel,

demonstrating that the residues and epistemological, cultural, socioeconomic

(slavery) and political fragments of Hellenistic society, as well as the last additions,

help to reread the book of Joel from the apocalyptic literary genre. In this sense the

book of Joel receives the dating of the last essay at the end of the period of the third

and beginning of the second century B.C. and its classification, through its textual

indications, as a historical apocalypse.

Keywords: Book of Joel, Apocalyptic Literature, Revelation, Imperialism, Hellenism.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS:

Figura 1 – Organização da pesquisa ......................................................................... 23

Figura 2 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Wolff ..................................... 28

Figura 3 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Prinsloo................................. 29

Figura 4 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Garrett .................................. 30

Figura 5 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Barton ................................... 31

Figura 6 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Sweeney ............................... 32

Figura 7 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Traiana e Bauer .................... 33

Figura 8 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Nogalski ................................ 34

Figura 9 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Lyons .................................... 36

Figura 10 – Subunidades básicas do livro Joel propostas por Thomas Lyons .......... 37

Figura 11 – Distribuição de comandos imperativos no livro Joel - Thomas Lyons .... 38

Figura 12 – Estrutura do livro de Joel proposta pelo autor ...................................... 168

QUADROS:

Quadro 1 – Posição dos principais autores latino-americanos sobre questões

introdutórias de Joel .................................................................................................. 11

Quadro 2 – Diferenças básicas entre profecia e apocalíptica ................................... 75

Quadro 3 – Modos de produção .............................................................................. 115

Quadro 4 – Tradução literal e livre do texto de Jl 2,26-27. ...................................... 173

Quadro 5 – Tradução literal e livre do texto de Jl 4,4-8 ........................................... 175

Quadro 6 – Relação intertextual entre Jl 4,4-8 e outros profetas ............................ 176

Quadro 7 – Tradução literal e livre do texto de Jl 4,18-21 ....................................... 179

Quadro 8 – Relação intertextual entre Jl 4,18-21 e outros profetas ........................ 180

Quadro 9 – Recorrência de expressões apocalípticas em Joel............................... 201

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BBLA Bibliografia Bíblica Latino-Americana

BH Bíblia Hebraica

BHS Bíblia Hebraica Stuttgartensia

BTC Bibliografia Teológica Comentada del Área Iberoamericana

Dodekaprofheton Livro dos Doze Profetas Menores

DOZE Livro dos Doze Profetas Menores

ISEDET Instituto Superior Evangélico de Estudios Teológicos

JBL Journal of Biblical Literature

JETS Journal of the Evangelical Theological Society

JSOT Journal for the Study of the Old Testament

LXX Septuaginta

p. Página

PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná

TM Texto Massorético

VT Vetus Testamentum

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO .................................................................................. 15

1.2 HIPÓTESE ................................................................................................... 16

1.3 OBJETIVOS ................................................................................................. 17

1.3.1 Objetivo Geral ............................................................................................. 17

1.3.2 Objetivos Específicos ................................................................................ 17

1.4 JUSTIFICATIVA............................................................................................ 18

1.5 METODOLOGIA ........................................................................................... 19

2 APROXIMAÇÕES AO LIVRO DE JOEL ...................................................... 26

2.1 APROXIMAÇÃO ESTRUTURAL E SINCRÔNICA AO LIVRO DE JOEL ...... 27

2.1.1 A estrutura e a unidade do livro ................................................................ 27

2.1.2 Leitura sincrônica do livro de Joel ............................................................ 36

2.2 LEITURA DIACRÔNICA DO LIVRO DE JOEL ............................................. 41

2.2.1 O problema com a datação do livro .......................................................... 41

2.2.2 Datação pré-exílica e exílica ...................................................................... 42

2.2.3 Datação pós-exílica .................................................................................... 45

2.2.4 Redação apocalíptica no período tardio do helenismo ........................... 50

2.3 A RELAÇÃO DO LIVRO DE JOEL COM O LIVRO DOS DOZE ................... 54

2.3.1 O livro dos Doze: o estado da arte ............................................................ 54

2.3.2 O livro dos Doze e o livro de Joel ............................................................. 59

3 APROXIMAÇÕES À LITERATURA APOCALÍPTICA ................................. 65

3.1 INTRODUÇÃO À LITERATURA APOCALÍPTICA ........................................ 65

3.1.1 Conceitos, expressões e classificação da literatura apocalíptica. ........ 66

3.1.2 A origem da literatura apocalíptica ........................................................... 71

3.2 CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO LITERÁRIO APOCALIPSE .................. 79

3.2.1 Características quanto ao meio da revelação .......................................... 81

3.2.1.1 Pseudonímia ................................................................................................. 81

3.2.1.2 Visões e simbolismo ..................................................................................... 84

3.2.1.3 Interpretações das escrituras ....................................................................... 85

3.2.2 Características quanto ao conteúdo da revelação .................................. 86

3.2.2.1 Visão da história ........................................................................................... 86

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3.2.2.2 Caráter esotérico .......................................................................................... 88

3.2.2.3 As duas idades ou eras ................................................................................ 88

3.2.2.4 Clímax escatológico ...................................................................................... 89

3.2.2.5 Dimensão cósmica ....................................................................................... 90

3.3 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NA LITERATURA JUDAICA ..................... 93

3.3.1 A influência persa na literatura judaica .................................................... 93

3.3.2 A influência grega na literatura judaica .................................................... 98

3.4 O LIVRO DE ENOQUE COMO PRIMEIRA LITERATURA APOCALÍPTICA

JUDAICA ................................................................................................................. 102

4 APROXIMAÇÕES ÀS RELAÇÕES ENTRE A SOCIEDADE JUDAICA E A

SOCIEDADE GREGA ............................................................................................. 107

4.1 DA DECADÊNCIA ESTATAL JUDAICA À CHEGADA DO HELENISMO ... 108

4.1.1 A queda da monarquia e do modelo histórico-escatológico ................ 108

4.1.2 O modo de produção tributarista persa ................................................. 114

4.2 A ASCENSÃO E O DECLÍNIO DO IMPÉRIO GREGO ............................... 121

4.2.1 O mundo grego até a ascensão de Alexandre, o Grande ..................... 121

4.2.2 A ascensão rápida e a morte precoce de Alexandre, o Grande. .......... 125

4.2.3 O reinado helênico dos ptolomeus e selêucidas e o judaísmo ............ 131

4.3 MODELO HEGEMÔNICO E ESCRAVISTA DO IMPERIALISMO GREGO 136

4.3.1 O modo de produção escravista grego .................................................. 137

4.3.2 A revolução camponesa e o modo de produção escravista ................. 143

5 O LIVRO DE JOEL COMO LITERATURA APOCALÍPTICA E CONTRA-

HEGEMÔNICA AO IMPÉRIO GREGO (REINADO DOS PTOLOMEUS E

SELÊUCIDAS) ........................................................................................................ 151

5.1 O STATUS SOCIOECONÔMICO E O APOCALIPTICISMO EM JOEL ...... 152

5.1.1 O apocalipticismo e os grupos sociais .................................................. 153

5.1.2 O livro de Joel e os primeiros escritos apocalípticos ........................... 158

5.1.3 O Dia do Senhor como releitura de grupos apocalípticos em Joel ...... 160

5.1.4 Os grupos sociais por trás da redação do livro de Joel ....................... 163

5.2 ESCATOLOGIA APOCALÍPTICA: UMA ANÁLISE ESTRUTURAL E DA

REDAÇÃO FINAL DE JOEL .................................................................................... 167

5.2.1 Proposta de estruturação para o livro de Joel ....................................... 168

5.2.2 A proposta de estrutura e as últimas adições redacionais .................. 172

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5.2.2.1 Jl 2,26b-27: promessa de eliminação das práticas desumanizadoras ........ 172

5.2.2.2 Jl 4,4-8: Acusação aos patrocinadores do modo de produção escravista .. 175

5.2.2.3 Jl 4,18-21: Promessa de salvação escatológica para os injustiçados ........ 179

5.2.3 O contexto redacional .............................................................................. 182

5.3 O LIVRO DE JOEL COMO GÊNERO LITERÁRIO APOCALIPSE

HISTÓRICO ............................................................................................................ 190

5.3.1 Joel, um apocalipse quanto ao meio da revelação ................................ 192

5.3.1.1 A pseudonímia no livro de Joel ................................................................... 193

5.3.1.2 Visões e simbolismo no livro de Joel .......................................................... 194

5.3.1.3 As interpretações das escrituras em Joel ................................................... 195

5.3.2 Joel, um apocalipse quanto ao conteúdo da revelação ........................ 195

5.3.2.1 A visão da história no livro de Joel ............................................................. 195

5.3.2.2 O caráter esotérico no livro de Joel ............................................................ 196

5.3.2.3 As duas idades ou eras no livro de Joel ..................................................... 197

5.3.2.4 O clímax escatológico no livro de Joel ........................................................ 198

5.3.2.5 A dimensão cósmica no livro de Joel .......................................................... 200

5.3.3 Indicações textuais do gênero apocalipse histórico no livro de Joel .. 201

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 205

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 211

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1 INTRODUÇÃO

A finalidade deste projeto é pesquisar o status apocalíptico que surgiu a

partir das relações entre os impérios estrangeiros e a sociedade judaica no período

pós-exílico, com ênfase para a relação entre a sociedade helênica e a sociedade

judaica, particularmente na, interferência socioeconômica, política, cultural,

ideológica e literária da primeira em relação à segunda. A pesquisa procura abordar

as múltiplas relações entre certo tipo de mentalidade escravista e comercial, que

provavelmente exerceu uma sensível ingerência na ideologia judaica do pós-exílio.

A pesquisa tomará como objeto o status apocalíptico nos livros proféticos,

mais especificamente, no livro de Joel, que caracteriza as mudanças de mentalidade

na literatura judaica do pós-exílio, com destaque para a crítica do modo produção

escravista como forma da manutenção hegemônica do sistema imperialista grego.

O livro de Joel não é muito conhecido no âmbito bíblico-teológico latino-

americano e, consequentemente, pouco se tem escrito a respeito deste livro. Godoy

(2003, p. 30-68) em sua tese de doutorado, no capítulo I “O livro de Joel – estado

atual da pesquisa”, fez um levantamento bibliográfico sobre as produções de

pesquisas no livro de Joel. Utiliza como fonte a Bibliografia Bíblica Latino-Americana,

que é um projeto de pesquisa do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião

da Universidade Metodista de São Paulo, idealizado pelo Dr. Milton Schwantes, em

1988. Outra fonte utilizada é a Bibliografia Teológica Comentada del Área

Iberoamericana (BTC), que não é especificamente bíblica, mas que abrange várias

áreas do currículo teológico. Oferece uma listagem da maioria das publicações das

principais revistas teológicas da América Latina, Espanha e Portugal, publicadas

entre 1976 e 1996. A BTC teve como seu primeiro editor J. Severino Croatto.

A pesquisa identificou no âmbito latino-americano somente dois trabalhos

acadêmicos e um livro: a) a tese doutoral de Pablo Andinãch “I Imaginar caminos de

liberacion: uma lectura de Joel”, de 1992, defendida no Instituto Superior Evangélico

de Estudios Teológicos - ISEDET, em Buenos Aires; b) a dissertação de mestrado

de Pedro J. Triana Fernández “Caminar hacia la esperanza: una lectura de Joel 3.1-

5”, defendida na Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, em 1994; c) o livro

de Luiz Alexandre Solano Rossi “Como ler o livro de Joel”, um comentário pastoral,

publicado pela Editora Paulus, em 1998. Outro resultado é a identificação de alguns

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artigos sobre o livro de Joel, escritos até o ano de 2003: a) “La economía en el libro

de Joel” de Carlos A. Dreher; b) quatro artigos (“Joel: la justicia definitiva”, “Dios

escucha el clamor”, Joel: El día de Yavé; Joel: Su mensaje) de Pablo Andiñach; c)

“Las langostas del libro de Joel a la luz de los textos de Mari” de Jose Severino

Croato; d) “Joel profetizando em tempos de crise” de Archibald Mulford Woodruff.

A tabela abaixo apresenta um resumo das afirmações dos principais autores

citados neste estado da arte até 2003 com relação às questões introdutórias do livro

de Joel e seu gênero literário, que são pontos importantes para identificação do

problema e elaboração da hipótese desta pesquisa.

Quadro 1 – Posição dos principais autores latino-americanos sobre questões introdutórias de Joel

AUTOR DATAÇÃO UNIDADE LITERATURA

APOCALÍPTICA

ANDIÑACH Período persa,

entre os anos 539 a 332 a.C.

Possui ao menos duas partes independentes, sendo a redação final

localizada entre os anos 515 a 332 a.C.

O livro apresenta traços da literatura apocalíptica (proto-

apocaliptico).

TRIANA-FERNÁNDEZ

Período do Império Persa, após a

reforma de Esdras e Neemias em 450

a.C.

O livro é uma unidade.

O livro apresenta traços da literatura apocalíptica.

Vê em Joel um profeta apocalíptico, servindo de ponte entre a literatura

profética clássica e a literatura apocalíptica nascente.

ROSSI Período do Império Persa – começo do

século IV a.C. -x-

O livro apresenta traços da literatura apocalíptica (proto-

apocaliptico).

DREHER Período do Império Persa – metade do

século IV a.C.

O livro é uma unidade.

Aceita como acréscimo somente Joel 4,4-8.

Não faz relação do livro com a literatura apocalítica.

CROATO Pós-exílio -x-

Linguagem metafórica das pragas dos gafanhotos – possibilidade de leitura na perspectiva apocalíptica.

Fonte: o autor

Para dar continuidade à pesquisa sobre o estado da arte nas pesquisas

sobre o livro de Joel foram consultadas as novas publicações a partir do ano de

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2003. Tomando por base a Bibliografia Bíblica Latino-Americana1 atualizada até

2012, somente aparece um novo artigo sobre Joel: “Uma linguagem da resistência

diante do poder imperial – O dia de Javé em Joel”. Artigo publicado na RIBLA em

2004 por Pablo Andiñach.

O único livro publicado em português sobre Joel após a pesquisa de Godoy,

identificado nesta pesquisa, foi “O anúncio do Dia do Senhor: significado profético e

sentido teológico de Joel 2,1-11”, publicado pela Editora Paulinas, em 2014, e de

autoria de Leonardo Agostini Fernandes e que propõe a concepção unitária da

temática do “Dia do Senhor” (yôm YHWH), no livro de Joel. Para atingir sua

proposta, o autor faz prevalecer a abordagem sincrônica, considerando o texto dos

doze profetas menores em seu estado final e canônico na Bíblia Hebraica (BH).

O autor supra citado por meio da pesquisa sobre o Yôm YHWH em alguns

escritos entre os profetas menores e maiores, destaca que naqueles a incidência do

tema é maior. O Yôm YHWH contém tanto “oráculo de condenação”, se não houver

conversão, como “oráculos de salvação”, para os conversos. Por isso, Fernandes

(2014, p. 20) afirma que “seriam mais bem compreendidos se fossem vistos como

um ‘oráculo de juízo’”, um evento “ligado à manifestação de YHWH como juiz e

senhor da história”, uma manifestação da soberania de YHWH sobre Israel, como

também os demais povos do mundo. Portanto, um dia de condenação para o ímpio

e de salvação para aquele que for considerado “justo”.

Fernandes (2014, p. 17-27) afirma que quanto ao estudo sobre a natureza,

origem e valor escatológico do tema (Dia do Senhor), na história da exegese

predominam três nomes (GRESMANN, 1905, p. 147; MOWINCKEL, 1956, p. 132;

VON RAD, 1959, p. 97-108) e suas respectivas teses, reconhecidas pelos

especialistas como principais:

[...] (a) H. Gressmann, inspirando-se na mitologia babilônica, na qual uma catástrofe final ocasionaria o surgimento de um novo mundo, colocou o Yôm YHWH no âmbito da escatologia profética; (b) S. Mowinckel, a partir da festa mesopotâmica do ano-novo, aplicando-a à festa da entronização de YYWH, propôs o Yôm YHWH com sentido cultual e escatológico; (c) G. von Rad, reconhecendo que YHWH combatia as batalhas a favor do seu povo

_______________ 1 Esta catalogação contempla Artigos de Bíblia das três Revistas: REB - Revista Eclesiástica

Brasileira: do v.26, fasc.1 (1966) ao v.72, fasc.287 (2012); RIBLA - Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana: n. 1 a 61; EB - Estudos Bíblicos: n. 1 a 115. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/223255195/Artigos-Biblicos-Em-REB-EB-RIBLA-Ate-2012#scribd>. Acesso em: 01 mai. 2015.

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contra os seus inimigos, associou o Yôm YHWH com a tradição da “guerra santa”.

Com relação ao papel do “Dia do Senhor” nos escritos proféticos, Fernandes

destaca que os estudos surgidos nos últimos vinte anos buscam “um indício

plausível que seja capaz de demonstrar que o Dodekaprofheton2 foi idealizado para

ser um ‘único livro’”. A unidade dos “Doze Profetas Menores”, portanto, fica

vinculada ao “Dia do Senhor”, que é apontado como um dos principais termos-chave

e temas condutores do corpus. Unidade que seria assegurada pela ordem canônica

dos livros na BH. O “Dia do Senhor” é apresentado como fio condutor para o livro de

Joel, bem como sua relação com os doze profetas menores.

Após pesquisa na Bibliografia Bíblica Latino-Americana, bibliotecas virtuais

dos principais programas de pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião

(Biblioteca Virtual da PUC-PR, PUC-RJ, PUC-MG, UMESP), principais eventos e

revistas da área (ABIB, SOTER, ANPTECRE, ORÁCULA, PISTIS & PRAXIS), na

internet por meio de palavras-chave e nas referências das obras encontradas foram

identificadas as principais referências para o estudo sobre o livro de Joel e os Doze

relacionadas no final desta pesquisa.

A originalidade desta pesquisa se justifica pelo fato de que nas obras

consultadas sobre o livro, conforme citado anteriormente, quando se fala sobre a

presença do gênero apocalíptico em Joel, pouca ênfase é dada sobre a relação

entre a literatura apocalíptica e o livro de Joel. Aliado a isso, outro fato interessante é

que o “modo de produção escravista grego” parece não chamar atenção dos

pesquisadores, mesmo daqueles que posicionam a datação do livro de Joel mais

próximo do período do Império Grego. A leitura do livro de Joel sob a perspectiva

apocalíptica e com ênfase para a interferência do modo de produção escravista no

status socioeconômico produzirá uma estrutura atualizada de Joel, pois representará

essa nova releitura do livro de Joel.

A abordagem desta pesquisa prioriza o status apocalíptico e busca

argumentos para caracterizar o livro de Joel como literatura apocalíptica, além de

destacar o modo de produção escravista grego como uma das piores formas de

opressão e desumanização e principal motivação para redação final do livro.

_______________ 2 O Livro dos Doze Profetas Menores.

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Todavia, o modo de produção escravista não é um pressuposto da literatura

apocalíptica, ele é mais um complicador importante dentro do contexto apocalíptico

de opressão e desumanização radical, que inibe as esperanças de libertação. Por

isso, a abordagem ao modo de produção escravista pode ser inovadora e de grande

relevância para a pesquisa científica e acadêmica. Ela contribui para o

desenvolvimento da interpretação teológica e bíblica do livro de Joel, principalmente

no contexto latino-americano que possui poucas pesquisas sobre o tema, bem como

para entendimento de algumas perícopes dos demais livros proféticos que contém

traços da literatura apocalíptica. Além de contribuir para uma leitura anti-imperialista

tanto para a época da escrita, como para os dias atuais, outra contribuição

significativa é a vasta bibliografia relacionada na pesquisa.

Esta pesquisa é importante para os estudos bíblicos, pois facilitará o

entendimento e o aumento das pesquisas acadêmicas sobre o livro de Joel. Além de

maior aplicação pastoral, uma vez que devido a ausências de informações do livro,

justamente pela sua característica apocalíptica, tem dificultado o interesse pelo

estudo do livro, assim como a escolha do livro para aplicações em sermões e

homilias. Ela contribuirá também para uma espiritualidade anti-imperialista, de

extrema importância para uma leitura descolonizadora da bíblia, da teologia e do

cristianismo. Enfim, uma leitura apocalíptica como a voz dos mártires e vítimas do

imperialismo.

Além do livro de Joel, contribuirá para o aumento do interesse pela literatura

apocalíptica, bem como pela conscientização da importância deste assunto para os

estudos sobre o judaísmo e o cristianismo. A pesquisa contribuirá para a

sensibilização do impacto negativo sobre a hermenêutica teológica que o

desconhecimento da literatura apocalíptica provoca. No ambiente neopentecostal e

pentecostal o impacto será maior, pois nestes grupos a interpretação predominante

é de que o livro trata de uma narrativa histórica de fatos que ocorreram no século IX

a. C. Escrita por um profeta deste período e de uma única vez, que também

prenunciou sobre fatos que ocorreriam na época da igreja primitiva (descida do

Espírito Santo no dia de Pentecostes) e que ainda irão acontecer, comparando

textos de Joel, principalmente os eventos cósmico e escatológico com textos do livro

do Apocalipse de João. Ainda, a interpretação comum nestas denominações de que

os gafanhotos do primeiro capítulo de Joel são figuras de demônios, que “devoram”

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os bens dos fiéis que não dizimam ou não contribuem satisfatoriamente conforme

alguns líderes desejam. Afirmo isso, por experiência própria, pois sou pastor de uma

igreja pentecostal e convivo com essa interpretação nos púlpitos de nossas igrejas.

Uma interpretação que não consegue perceber que os gafanhotos de Joel não são

demônios, mas sim figura de uma nação inimiga de Israel, como os grandes

impérios que oprimiram este povo por tantos séculos, explorando os bens e

escravizando as pessoas.

A leitura do livro de Joel sob a perspectiva da literatura apocalíptica, bem

como o ensino e a prática do seu conteúdo, permitirá que o leitor se coloque no

lugar do redator apocalíptico que, conforme já mencionado, é participante de um

ambiente de crise, de sofrimento e de injustiças, praticadas e protegidas pela

ideologia dominante, seja ela governamental ou religiosa. Considerando que estas

práticas são acentuadas no cenário latino-americano, os teólogos latino-americanos

deveriam ser os principais usuários e beneficiários da mensagem do profeta Joel. No

entanto, o resultado das pesquisas atuais demonstra o maior interesse no tema

pelos teólogos americanos e da Europa, que representam mais o lado do

imperialismo do que dos oprimidos.

Portanto, a divulgação e aplicação desta pesquisa contribuirão para o

exercício pastoral com a mensagem de esperança para um povo, que em muitas

situações, não vê solução e quem possa vencer os impérios. O redator de Joel

apresenta um Deus que acompanha a situação dos oprimidos, não faz vistas

grossas, mas que tem o controle e intervirá em favor daqueles e para punir os que

usam o poder para o exercício da desumanização, como no contexto social, político,

econômico e ideológico de Joel.

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO

O livro de Joel tem sido considerado por vários autores uma expressão

tardia da literatura profética e preferem duvidar de que haja verdadeira linguagem

apocalíptica no conteúdo do livro. Arens (2007, p. 110) afirma que devido à

proximidade do gênero apocalíptico com a profecia, eles são confundidos.

Exatamente por isso, existe a necessidade de correlacionar o contexto social,

político, econômico e ideológico gerador da literatura apocalíptica de graves

dificuldades pelas hostilidades e pelas perseguições das potências imperialistas e

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opressoras, em especial a helênica a partir do século III a.C. com a data da redação

final de Joel.

A literatura apocalíptica se apresenta com toda a sua força a partir do

período helenístico (finais do século IV ao I a. C.) e a datação do livro de Joel tem

sido um problema para a interpretação do livro. Os especialistas sugerem datas que

vão desde o século IX ao século I a. C., preferencialmente no período compreendido

entre o século V ao século IV a.C. (ANDIÑACH, 1992, p. 9). Portanto, considerando

que a chave de leitura para se entender Joel é eminentemente apocalíptica, será

possível identificar o contexto social, político, econômico e ideológico e as

características do livro que justifiquem a utilização desta chave de leitura para Joel?

1.2 HIPÓTESE

Esta pesquisa está baseada em alguns pressupostos. O redator final do livro

de Joel pertence ao período do Império Grego, após a morte de Alexandre e antes

do domínio de Antíoco IV sobre a Palestina, uma vez que ele não é mencionado no

livro de Joel. O redator final retoma ou toma como seus textos já utilizados por

outros profetas do período pré-exílico e exílico para inserir textos que destacam a

opressão sofrida, principalmente por meio do modo de produção escravista.

Entendo que as indicações textuais levam na direção dessa época do

Império Grego, diferente do que afirma a maioria dos especialistas, que defendem a

data para o século V e mais tardar o século IV. Na época do helenismo é possível

constatar um aprofundamento do conflito econômico e social se comparado com o

período de Esdras e Neemias. A mutação da supremacia dos Persas aos Gregos

trouxe uma série de mudanças políticas, econômicas e sociais para a Palestina do

pós-exílio.

Será inevitável, na análise dos resultados, assumir posição contrária a

algumas pesquisas (FERNANDEZ, 1994, ANDINACH, 1992) que parecem sugerir

que “escravos e escravas” em Joel indicariam o fim de uma sociedade tributarista

que propicia a existência da escravidão e da exploração dos mais fracos. Não há

como negar a escravidão e a exploração dos mais fracos. Todavia, contraponho à

sociedade tributarista uma sociedade escravista. Dessa forma, Joel não estaria

sugerindo o fim de uma sociedade tributarista. Na verdade, seu confronto e conflito

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se davam a partir de um novo mecanismo de opressão: o controle e posse do corpo

dos pobres. A Palestina tornou-se uma terra que produzia e exportava escravos ao

encontro das necessidades do mundo grego. O sistema tributário é mantido pelos

gregos, mas complementado pelo modo de produção escravista que passa a ser a

principal fonte para a economia.

Portanto, esta pesquisa partirá da hipótese de que: a redação final do livro

de Joel é mais recente do que a maioria dos especialistas afirma, localizando entre o

século III e século II a.C., reforçando assim, a caracterização do livro como literatura

apocalíptica, cujo gênero predominante é do tipo apocalipse histórico, uma

resistência ao modo de produção escravista, que sustentava o modelo hegemônico

de opressão do imperialismo grego.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Apresentar uma proposta de estrutura para o livro de Joel, demonstrando

que os resíduos e fragmentos epistemológicos, culturais, socioeconômicos

(escravismo) e políticos da sociedade helênica, bem como os últimos acréscimos

redacionais ajudam a reler o livro de Joel a partir do gênero literário apocalíptico.

1.3.2 Objetivos Específicos

Os objetivos específicos são:

a) Aproximar a datação provável aos principais temas presentes no livro de

Joel;

b) Descrever a gênese e as características da literatura apocalíptica e sua

influência na formação da literatura judaica;

c) Localizar o provável contexto social, político, econômico e ideológico em

que o redator final do livro de Joel estava inserido;

d) Elaborar uma proposta de estrutura para o livro de Joel, destacando as

últimas inserções redacionais.

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e) Caracterizar o livro de Joel como pertencente ao gênero apocalipse

histórico por meio de indicações textuais do livro de Joel.

1.4 JUSTIFICATIVA

A conquista do Oriente Próximo por Alexandre Magno, nos anos de 333 a

331 a.C., deu início ao período helenístico do Oriente e de todo o mundo antigo em

torno do Mar Mediterrâneo. O judaísmo palestinense ficou sob o domínio helenístico

e foi influenciado pela cultura mundial helenística.

Tradicionalmente, defende-se a concepção de que os eventos ocorridos ao

redor de 333 não fariam mais parte da temática de uma história do povo de Israel

(DONNER, 2006, p. 497). Para essa corrente, a mudança de Israel para o judaísmo,

do estado para a comunidade, da religião cultual para a religião baseada em livro,

ocorrida nos dois primeiros séculos pós-exílicos seria mais fundamental, mais

profunda e mais ampla do que todas as mudanças que o judaísmo possa ter

experimentado. No entanto, a entrada do judaísmo no período helenístico possui

contornos até agora pouco investigados, requerendo, por isso mesmo, uma

investigação mais rigorosa e circunstanciada das consequências desse encontro.

A definição do que deveria ser aceito como Palavra de Deus era prerrogativa

da elite, que detinha o poder. A literatura apocalíptica muda essa situação, uma vez

que o escritor apocalíptico, geralmente membro de um grupo social marginal da

sociedade, passa a se utilizar de uma figura importante do passado, fazendo novas

revelações de textos já consolidados pelo poder dominante. O novo método

interpretativo apocalíptico se constitui em uma forma de legitimar a visão recebida

diretamente de um mediador ou por meio de viagens sobrenaturais aos céus. Como

afirma Nogueira (2016, p. 52) “eles procuram apresentar suas revelações em nome

de outros cuja autoridade é indiscutível”. Dessa forma, a nova interpretação na visão

apocalíptica se iguala em autoridade à “Palavra de Deus” já legitimada pelo grupo

dominante (elite).

Considerando o contexto social, político, econômico e ideológico defendido

no livro de Joel é possível perceber que a cultura dos impérios mundiais que

dominaram o povo judaico teve um impacto significativo e sem volta sobre a sua

cultura e com consequências na sua literatura. Uma atenção especial às

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interferências dos persas e dos gregos, sobretudo à influência da cultura helênica

mantida pelo tráfico humano e o modo de produção escravista grego. Assim, a

literatura apocalíptica tem um papel significativo no surgimento de vários textos

judaicos no pós-exílio até à formação da literatura canônica e não canônica do

cristianismo. Portanto, a leitura do período histórico, cultural, socioeconômico e

político é de fundamental importância para o entendimento do judaísmo tardio, bem

como do próprio cristianismo.

Outra questão importante é a escassez de produção científica sobre o livro

de Joel no âmbito latino-americano, o que não desmerece a importância do livro,

mas desperta ainda mais o interesse em estudá-lo. O livro de Joel abrange um

período com conteúdo significativo para a literatura bíblica, pois se situa entre a

transição da profecia bíblica para a consolidação final da literatura apocalíptica. A

releitura considerando o livro como uma literatura apocalíptica traz “revelações” que

possibilitam um despertar de esperança para os leitores do livro, diante das

inúmeras crises a que a humanidade está sujeita.

1.5 METODOLOGIA

Com objetivo de buscar respostas ao problema desta pesquisa foi planejada

a investigação de acordo com as normas de metodologia científica (GIL, 2009, p. 17,

41; OLIVEIRA, 2002, p. 118). Esta pesquisa tem como objetivo principal o

aprimoramento de ideias e a descoberta de intuições e pode ser classificada como

exploratória (GIL, 2009, p. 41).

Para elaboração do referencial teórico foi elaborado um levantamento

bibliográfico, explícito nas citações dos capítulos, conforme as referências elencadas

ao final desta pesquisa (LAKATOS E MARCONI, 1991, p. 57). Quanto à abordagem,

a pesquisa utilizada nesta tese é qualitativa, pois dependerá da subjetividade do

autor e de quem a utiliza. Esta pesquisa não tem a pretensão de que o

conhecimento gerado tenha aplicação imediata, mas busca a construção da

realidade voltada para as ciências sociais em um nível de realidade que não pode

ser quantificado, sujeita à subjetividade do universo de crenças, valores, significados

e outros construtos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

(CALEFE, 2006, p. 71; OLIVEIRA, 2002, p. 115; MINAYO, 2003, p. 16-18). Diante do

exposto, esta pesquisa quanto aos objetivos é classificada como exploratória;

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quanto à sua abordagem metodológica como qualitativa, e quanto à tipologia como

pesquisa básica (pura).

Para a realização dessa pesquisa, devido à sua característica de análise de

um livro bíblico, foi necessária a consulta, além da fonte primária do livro de Joel,

demais comentários em artigos, dissertações, teses, livros entre outros recursos

bibliográficos sobre o livro e seu contexto social, político, econômico e ideológico.

Portanto, uma pesquisa essencialmente bibliográfica, presente em qualquer

processo de pesquisa (SANTOS, 1999, p. 75-76), como fonte essencial para coleta

de dados para o alcance do objetivo geral desta pesquisa que é “apresentar uma

proposta de estrutura para o livro de Joel, demonstrando que os resíduos e

fragmentos epistemológicos, culturais, socioeconômicos (escravismo) e políticos da

sociedade helênica, bem como os últimos acréscimos redacionais ajudam a reler o

livro de Joel a partir do gênero literário apocalíptico”.

Para a leitura hermenêutica de Joel foi adotada uma abordagem histórica e

sociológica. Uma aproximação do método histórico-crítico e o método sociológico,

com vistas compreender o texto por meio de uma análise crítica da história, das

relações, das instituições e dos conflitos sociais explícitos e implícitos no livro. O

método histórico-crítico foi precursor das abordagens e investigações críticas sobre

a Bíblia e a análise sociológica “nasceu no horizonte analítico do método histórico-

crítico”. Portanto, uma leitura relativamente recente, “fruto do avanço das ciências

sociais dos últimos dois séculos” (LARA, 2009, p. 55). Esses métodos se tornaram

“ferramentas fundamentais na pesquisa e expressão da Teologia da Libertação,

principalmente no campo da interpretação dos textos bíblicos” (LARA, 2009, p. 68).

Croato (1986, p. 10) assevera que “a exegese crítica rompeu, em primeiro

lugar, com as leituras ingênuas, historicistas e concordistas da Bíblia, as quais, [...]

despistam o sentido real do texto”. Segundo Lara (2009, p. 57), o método sociológico

“visa reconstruir o comportamento coletivo típico das relações humanas em suas

estruturas, conflitos e funções”. Ele assevera que “independente do uso que se

possa fazer da abordagem sociológica da Bíblia” é importante “desfazer

preconceitos que a interpretação dogmática produziu ao ler os textos sem considerar

as intenções originais de seus autores” (LARA, 2009, p. 17). Contudo, os

qualificativos histórico e social não são necessariamente equivalentes, pois apesar

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da aproximação entre as duas ciências: história e sociologia, cada uma tem seu

específico e indispensável ponto de referência (ELLIOT, 1993, p. 11).

Gottwald (1987, p. 42) afirma que o método histórico é diferente do método

sociológico, “mas são compatíveis entre si para reconstituir a vida e o pensamento

do antigo Israel”. SILVA (2007, p. 81) corrobora ao afirmar que “toda abordagem

sociológica de um texto histórico é também uma abordagem histórica”.

Complementa que além de colaborar, a leitura sociológica serve também para

complementar e corrigir a leitura histórico-critica. Lara (2009, p. 57) reforça ao

especificar que “o método sociológico é complemento da análise histórico-crítica,

pois quer perceber a sociedade como um todo que está por detrás do texto e que se

deixa captar no próprio texto”.

Dessa forma, uma leitura com a contribuição do método histórico-critico,

associado à leitura sociológica, considerando o texto bíblico como produto

socioliterário possibilita perceber a tradição oral no texto e evita a leitura ingênua dos

textos bíblicos. A utilização do método histórico-crítico irá auxiliar, em especial, na

percepção da tradição oral no texto, da multiplicidade de autores e redatores e das

circunstâncias específicas que delinearam a redação final do livro de Joel. Dentre as

principais tendências do método sociológico (sociologia científica, sociologia

funcionalista de Émile Durkheim, sociologia compreensiva de Max Weber e

sociologia de Karl Marx) a referência será a sociologia de Karl Marx, em especial os

conceitos de modo de produção e ideologia. Segundo Lara (2009, p. 62), o primeiro

é “a categoria-chave no modelo de interpretação da sociedade em Marx”. Conceito

que permite “entender as outras categorias que descrevem o modo como se dão as

relações sociais, políticas e ideológicas no conjunto dinâmico da realidade social”. O

segundo conceito como uma forma de reproduzir a ordem do sistema social sob a

ótica daqueles que têm o poder dominante:

As ideias dominantes são ideologias dominantes, na medida em que visam mostrar apenas a realidade que convém às classes dominantes, no intuito de negar ou camuflar os conflitos reais, ou ainda de esconder por que razão de fato tais conflitos existem, a saber, devido às desigualdades de classes oriundas da apropriação privada dos meios de produção geradora da injusta divisão social do trabalho (LARA, 2009, p. 63).

Esta pesquisa não se propõe a aprofundar nos dois métodos, mas promover

um diálogo entre o método histórico-crítico e o sociológico, como forma de releitura

de Joel na perspectiva apocalíptica. Sem a pretensão de atender todo o rigor do

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método, será realizada a leitura dos quatros lados sugerida pelos precursores da

análise sociológica na América Latina: Ana Flora Anderson e Frei Gilberto Gorgulho,

visando avaliar a utilização da chave de leitura apocalíptica do livro de Joel

(ANDERSON E GORGULHO, 1987, p.6-10; TOSAR, 1987, p. 71-74; LARA, 2009, p.

69-72). Assim como a abordagem de outro usuário do método sociológico, Pablo

Richard, que traz importantes contribuições pela abordagem que privilegia as

relações de poder presentes nos textos bíblicos e as estratégias alternativas dos

grupos oprimidos frente aos seus opressores, como ocorre em Joel.

Para isso, será analisada a sequência histórica diacrônica e complementada

com a análise da interação social sincrônica do contexto social, político, econômico

e ideológico, considerando a limitação de informações sociológicas do livro de Joel.

Em alguns casos, serão explorados apenas fragmentos e vestígios do texto, que é

um produto de interesses de grupos, comunidades ou setores da sociedade que,

provavelmente, fizeram parte do contexto do processo redacional. Daí a importância

de informações extrabíblicas, principalmente sobre o período do imperialismo grego.

Nesta pesquisa será considerada a estruturação dos capítulos do livro de

Joel segundo o Texto Massorético que indica quatro capítulos, diferente da

Septuaginta (LXX) e da Vulgata que dividem o livro em três capítulos, anexando o

capítulo terceiro ao segundo. Se for necessário citar as duas formas de divisão de

capítulo: TM e LXX/Vulgata, a segunda será identificada por [ ].

O estudo está organizado em seis capítulos, incluindo a introdução e as

considerações finais, conforme descrito na figura 1.

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Figura 1 – Organização da pesquisa

Fonte: o autor, 2016.

No capítulo um é apresentada uma introdução à pesquisa, com a

problematização, hipóteses, objetivos gerais e específicos, argumentos que

justificam a realização e a contribuição desta pesquisa para o meio acadêmico e

pastoral, além da metodologia utilizada para atingir os objetivos propostos.

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O segundo capítulo traz algumas aproximações ao livro de Joel. Inicia com a

estruturação do livro que auxilia a leitura sincrônica do livro. As dificuldades de

datação e do levantamento do processo de redação de Joel são apresentadas por

meio do levantamento de referencial teórico sobre o assunto. Por fim, destaca-se a

relação existente entre o livro de Joel e o Livro dos Doze, que auxilia na

aproximação à datação e propósito da escrita do livro.

O capítulo três proporciona uma breve introdução à literatura apocalíptica,

classificando os tipos de literatura apocalíptica e sua gênese. Com objetivo de

visualizar no livro de Joel traços que o identifiquem como do gênero literário

apocalipse são descritas as características do gênero apocalíptico, quanto ao meio

de revelação e quanto ao seu conteúdo. Também é destacada a influência

estrangeira na literatura apocalíptica judaica e a gênese do livro de Enoque como

primeira literatura apocalíptica judaica.

O quarto capítulo é dedicado a uma aproximação ao contexto histórico,

cultural, socioeconômico, político e ideológico do Império Grego e sua relação com a

Palestina (Judá e Jerusalém) com objetivo de identificar características deste

período que poderão auxiliar na datação e na identificação do status

socioeconômico do livro de Joel. A descrição aborda desde a chegada do helenismo

com Alexandre, o Grande, até a sua decadência e sucessão por meio de seus

generais em um império dividido, com ênfase para o modo de produção escravista

que favoreceu a dispersão de judeus para todas as regiões e em condições

desumanas e parece ser uma das principais preocupações do redator final do livro

de Joel.

O quinto capítulo é o mais importante desta pesquisa. Nele são absorvidas

as informações anteriores, complementadas com outras específicas, com objetivo de

localizar a data provável do livro de Joel comparando o contexto do século III e II a.

C. com o conteúdo do livro. Também é apresentada pesquisa sobre os possíveis

grupos que poderiam ter influenciado a escrita do livro. Além disso, é apresentada

uma proposta inédita de estrutura do livro de Joel, considerando o processo

redacional do livro, com destaque para as últimas inserções no livro que evidenciam

o contexto do modo de produção escravista. Por fim, são identificadas as

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características da literatura apocalíptica presentes no texto do livro de Joel, com

objetivo de caracterizá-lo como literatura do gênero apocalipse histórico.

Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre o resultado da

pesquisa e as referências utilizadas como referencial teórico para elaboração das

hipóteses levantadas e para alcançar os objetivos propostos.

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2 APROXIMAÇÕES AO LIVRO DE JOEL

O livro de Joel contém pouca informação a respeito do protagonista do livro.

O redator não menciona nada sobre a pessoa do profeta nem em que época que ele

atuou. Ele é um homem sem antecedentes familiares, religiosos, políticos e

econômicos. A sua vida pessoal não é mencionada, a não ser a menção do nome de

seu pai, Petuel/Fatuel. Ele não é citado em nenhum outro livro do AT.

O nome de Joel é uma composição de uma forma abreviada do nome de

Deus, acrescido da palavra hebraica el, que juntos significam “Yahweh é Deus”.

Rossi (1998, p. 9) afirma que o significado do livro de Joel é uma forma de

“proclamação de fé no Deus de Israel”, e enfatiza que o profeta “traz consigo uma

certeza que fará diferença na crise em que ele e o povo estão envolvidos”. Joel, não

é um nome comum no Antigo Israel, embora seja mencionado em textos como 1 Sm

8,2; 1Cr 5,4.8; 1Cr 11,38; 1Cr 15,7.11; 1Cr 27,20.

Na leitura do livro é possível identificá-lo como judeu e que atuou em

Jerusalém (SICRE, 2008, p. 325). Por inferência, ele pode ser identificado como

alguém próximo do templo e suas atividades devido ao seu interesse por Jerusalém

e pelas cerimônias do templo (1:9; 1:13ss; 2:14-17,32). Sicre (2008, p. 325) afirma

que devido a esse interesse pelo templo “muitos o consideram um profeta cultual, na

mesma linha de Habacuc ou Naum”. Esta proximidade com o culto, o templo e os

sacerdotes fica evidente nos textos do livro, o que pode realmente dar esse

entendimento. Joel se demonstra uma pessoa preocupada com a manutenção das

formas de culto. Ele menciona que o retorno da prática de sacrifícios, que havia sido

interrompida pela praga e pela seca (1,9-16), será uma das bênçãos da fertilidade

que seguiria o período da seca (2,14). Além disso, reconhece os sacerdotes como

ministros eleitos por Deus para representar o povo na intercessão e liderança das

práticas cultuais (1,9-14; 2,17). Ele também demonstra apreensão com o bem-estar

religioso do povo de sua terra (1,13,14; 2,13-17,23-27). Se o povo não estivesse

bem, ele também não estaria, pois esse povo é propriedade particular de Yahweh e

Yahweh é o Deus desse povo.

Entretanto, esta proximidade não necessariamente é do protagonista do

livro, mas pode ser do redator final do livro. Como mencionado o nome de Joel

significa “Yahweh é Deus”, que pode sugerir um nome fictício ou emprestado de um

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profeta da antiguidade para designar uma situação, como era costume dos

escritores hebreus, em especial, os autores apocalípticos. A falta de informações

sobre o protagonista ou autor do livro corrobora com essa possibilidade.

As ausências de informações não param somente no protagonista ou redator

do livro. O contexto, a data da escrita, unidade do livro, quantidade de autores, entre

outras informações importantes para interpretação e compreensão do livro são

questões que tem provocado dúvidas e muitas suposições sobre a mensagem de

Joel.

Para contribuir para o entendimento destas questões serão realizadas

algumas aproximações ao livro de Joel sob o ponto de vista sincrônico, para verificar

as questões de estrutura e unidade do livro, e sob o ponto de vista diacrônico, com

vistas identificar como se deu a escrita/redação do livro ao longo do tempo.

2.1 APROXIMAÇÃO ESTRUTURAL E SINCRÔNICA AO LIVRO DE JOEL

A discussão sobre a unidade e estrutura do livro de Joel tem sido uma

constante desde 1872, quando pela primeira vez foi questionada por Maurício

Vernes em sua obra: “Le Peuple d’Israël et ses espèrances relatives à son avenir

depuis les origins jusqu’a l’èpoque persane”. Nela surgem novos aspectos como a

possibilidade de acréscimos posteriores à primeira escrita do livro. A partir de então,

as discussões seguem duas linhas principais: a) o livro como uma unidade; ou b) o

livro como obra da mão de um redator que por meio de acréscimos posteriores faz a

última compilação final (GODOY, 2003, p. 82).

2.1.1 A estrutura e a unidade do livro

Lyons (2014, p. 84-85) afirma que uma forte e bem elaborada estrutura não

garante uma boa interpretação, mas estrutura mal elaborada pode comprometer a

interpretação de um livro. A definição da estrutura auxilia também na identificação da

unidade ou não de um texto, por isso os dois temas caminham juntos. Segundo

Lyons, a estrutura e a unidade de Joel tem sido motivo de discussões por mais de

um século, desde os primeiros estudos, que além de Maurice Vernes já citado,

acrescenta mais dois autores como os principais pioneiros: a) Johann Wilhelm

Rothstein, nas suas anotações em 1896, páginas 333 a 334, na tradução da obra de

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Samuel Rolles Driver: Einleitung in die Literatur des Alten Testaments; b) Bernhard

Duhm, por meio dos comentários em 1911, páginas 161 a 204, da obra:

“Anmerkungen zu den Zwölf Propheten”.

Lyons (2014, p. 85) apresenta uma lista, embora não exaustiva, de alguns

nomes, os quais ele identifica como exemplos representativos de entendimento

estrutural do livro de Joel: Hans Walter Wolff (1975), Willem S. Prinsloo (1985),

Duane A. Garrett (1985), John Barton (2001), Marvin A. Sweeney (2003), David A.

Bauer e Robert R. Traina (2011), e James D. Nogalski (2011). Ele tem o cuidado de

identificar os autores representativos de cada grande entendimento estrutural do

livro de Joel. A lista indicada por Lyons será utilizada para analisarmos a estrutura e

unidade de livro de Joel.

Hans Walter Wolff já foi citado na introdução como um dos principais

influenciadores dos autores latino-americanos, o que demonstra sua importância

para o estudo de Joel. Wolff (1975, p. 7) defende um texto unificado e uma estrutura

simétrica para o livro de Joel, cujo centro da estrutura está em Jl 2,17 e 2,18.

Segundo ele, se respeitada esta centralidade poderá ser percebida uma simetria

quase perfeita entre as duas partes do livro, dando sentido ao livro como um todo. A

figura 2 demonstra o pensamento de Wolff sobre a estrutura de Joel.

Figura 2 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Wolff

Fonte: Wolff (1975, p. 7) - Adaptado.

Na figura acima é possível perceber a simetria sugerida por Wolff. A

perícope de Jl 1,4-20, que aborda o lamento sobre a escassez de oferta, está

relacionada com Jl 2,21-27, que contempla a promessa divina de provisão

abundante. Enquanto Jl 2,1-11 (anúncio da catástrofe escatológica para Jerusalém)

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relaciona-se com Jl 4,1-3 e 4,9-17 (anúncio da reversão em prosperidade para

Jerusalém). A perícope de Jl 2,12-17 (convocação do povo para retornar à Yahweh)

está relacionada com Jl 3,1-5 (derramamento do espírito e a libertação dos

enfraquecidos e excluídos). No centro, apresenta a reversão radical de um

julgamento para uma provisão entre Jl 2,17 e Jl 2,18.

Lyons (2014, p. 86-87) critica a proposta de Wolff, apresentando algumas

falhas na estrutura apresentada e chama a “simetria quase perfeita” de Wolff de

enganosa. Assevera que para assegurar essa estrutura seria necessária uma

reorganização do texto, questionando a relação equilibrada entre 2,12-17

(necessidade de momento) e 3,1-5 (necessidade escatológica). Além disso, as

perícopes: 4,4-8 e 4,18-21 são desconsideradas. Para ele, uma proposta insuficiente

para explicar a estrutura geral do livro de Joel. Por outro lado, a desconsideração

destes textos (4,4-8 e 4,18-21) pode significar acréscimos posteriores que não se

encaixaram perfeitamente no “arranjo” anterior. Watson (2013, p. 6) confirma esta

hipótese ao afirmar que Wolff, um dos principais defensores do livro de Joel como

produto de um único autor, reconhece que Jl 4,4-8 é resultado do trabalho de um

editor tardio.

Prinsloo (1985, p. 122-127), por sua vez, entende que a estrutura do livro

deve ser analisada passo a passo, considerando que a intenção é apresentar o tema

de forma progressiva. Dessa forma, a cada perícope o leitor se aproxima do clímax

do livro, que no caso deste modelo é a última perícope (4,18-21). A figura 3

apresenta a estrutura proposta por Prinsloo.

Figura 3 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Prinsloo

Fonte: Prinsloo (1985, p. 122) - Adaptado.

Na figura pode se perceber a sequência progressiva e ao final a conexão

com o todo. Dessa forma, também fica evidente a progressão no entendimento do

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“Dia de Yahweh”, apontado por muitos autores, entre eles Leonardo Agostini

Fernandes citado na introdução, como tema central do livro. No entanto, Lyons

(2014, p. 88) critica que Prinsloo não considera a mudança dramática na direção do

texto em 2,18. Afirma: “o seu modelo, embora representando um movimento no

texto, negligencia a transição essencial”. Reconhece que o modelo tem recursos

interessantes e uma boa distribuição das perícopes, mas critica a identificação da

última perícope (4,18-21) como o clímax do livro, por entender que Prinsloo estaria

negligenciando “o clímax da tristeza refletida nas perguntas retóricas de Joel na

primeira metade do livro”.

Garrett (1985, p. 289-297), introduz uma concepção diferenciada das

anteriores. Para ele, a estrutura de Joel segue uma série de chiasmos interligados,

conforme figura 4.

Figura 4 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Garrett

Fonte: Lyons (2014, p. 88) - Adaptado.

A estrutura proposta deixa algumas lacunas. Lyons (2014, p. 88-89)

questiona a independência de algumas perícopes, cujas delimitações são

naturalmente claras, como 1,15-20 (Garret considera como integrante de 1,2-20) e

4,18-21 (Garret considera integrante de 4,1-21). Enquanto que o oposto ocorre com

2,20 que fica isolado de seu contexto (2,18-27 ou 2,21-27). Outra preocupação é a

ligação criada entre o exército apocalíptico de 2,1-11 com o exército do norte em

2,20. Além disso, este modelo de duplo quiasmos desmonta a correlação entre os

dois primeiros capítulos e os dois últimos.

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Barton (2001, p. 3-36) apresenta uma estrutura com base na concepção

diacrônica da história composicional e considera configurações sócio-históricas.

Dessa forma considera a forma final de Joel como uma consequência histórica, sem

interferência de um redator com a intenção de montar uma estrutura global ou

unitária, mas simplesmente enxertando textos isolados na segunda parte do livro,

conforme figura abaixo.

Figura 5 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Barton

Fonte: Lyons (2014, p. 89) - Adaptado.

A proposta parece uma colcha de retalhos, tendo a primeira parte (1,2-2,28)

como uma unidade mais consistente, sendo 1,2-2,17 organizado em dois ciclos de

lamentos paralelos, seguidos da atenção e resposta divina como aceitação da

atitude de reverência e humilhação do povo (2,18-27). Enquanto que a segunda

parte (3,1-4,21) como uma “miscelânea de coleção de oráculos, montada sem

nenhuma ordem em particular” (BARTON, 2001, p. 14).

A figura demonstra que Barton defende o primeiro ciclo de lamento (1,2-20)

como modelo para o segundo (2,1-17), entretanto com estruturas desproporcionais,

principalmente se compararmos a perícope 1,15-20 com 2.17bc. Lyons (2014, p. 90)

afirma que a interpretação dos dois primeiros capítulos parece convincente, porém

destaca que a independência de 2,17bc é forçada. Destaca positivamente a

intepretação de 2,18, como uma resposta divina e com foco para o futuro.

Entretanto, questiona a afirmação de que os dois capítulos finais são formados por

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enxertos de uma coletânea de oráculos. Ele assevera que esta afirmação pode ser

invalidada, se comprovada a coesão entre as duas partes do livro de Joel.

Sweeney (2003, p. 137-140) revoluciona na sua proposta da estrutura, se

comparada com as demais propostas anteriores. Ele prioriza o método sincrônico e

ignora a maioria dos modelos de divisão das unidades do livro de Joel. Sweeney

rejeita a divisão do livro em duas partes, justificando por meio da forma linguística

textual sincrônica, e tendo como base os motivos mais básicos do livro como

julgamento e restauração para uma mensagem unificada.

Figura 6 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Sweeney

Fonte: Lyons (2014, p. 90) - Adaptado.

Sweeney identifica as características linguísticas nos comandos imperativos

de "ouça isso, ó anciãos" (1,2) e "tocai vós o shofar em Sião" (2,1 e 2,15) como

marcadores retóricos para formação das principais unidades da estrutura do texto.

Por exemplo, o imperativo de "tocai vós o shofar em Sião" em 2,15, paralelo de 2,1,

que tem o mesmo comando, marcam início de uma unidade (SWEENEY, 2003, p.

138-140). Lyons (1975, p. 91) questiona também esta proposta, por estar baseada

em um comando imperativo específico. Afirma que o segundo comando (2,15) não

marca uma nova unidade, mas faz parte de uma série de comandos imperativos que

coletivamente reiteram comandos dados ao longo da primeira parte do livro.

Traiana e Bauer (2011, p. 93) apresentam uma proposta de estrutura mais

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recente. Eles utilizam o livro de Joel para exemplificar como discernir uma estrutura

e o “movimento” existente dentro dos textos por meio das principais unidades e

subunidades, capturando as grandes mudanças que ocorrem.

Figura 7 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Traiana e Bauer

Fonte: Traiana e Bauer (2011, p. 93) - Adaptado.

Várias divisões coincidem com as já apontadas por Prinsloo, com exceção

das perícopes 1,2-20 e 4,1-21. Enquanto Traiana e Bauer defendem estas divisões,

Prinsloo destaca duas mudanças de ênfase em 1,15 e 4,18. As duas perícopes

citadas, Prinsloo separa em quatro: 1,2-14; 1,15-20; 4,1-17 e 4,18-21, conforme

figura 3.

Traiana e Bauer dividem o livro em duas partes, sendo 3,1 o inicio da

segunda parte. A escolha é justificada pela mudança de uma abordagem sobre

preocupações históricas para uma abordagem sobre um julgamento cósmico futuro,

com condenação para as nações e salvação para os justos. Eles não tratam o texto

como um quadro explicitamente escatológico, mas o tratam como uma realidade

futura com proporção cósmica ainda não realizada.

Lyons (1975, p. 91) critica a divisão do livro com base em 3,1, bem como na

justificativa da mudança na expansão cósmica do Dia do Senhor. Ele prefere a

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mudança mais geral para o futuro que já aparece em 2,18. Todavia, elogia a

contribuição de Traiana e Bauer quanto á compreensão do caráter temporal para o

avanço na compreensão do texto, assim como do livro como um todo (unidade).

Nogalski, notadamente reconhecido pelas suas pesquisas sobre o Livro dos

Doze, tem também sido referência para o livro de Joel. Ele domonstra interesse por

esse livro em suas pesquisas e escritos, devido à sua influência na teologia dos

demais livros do conjunto dos Doze. Nogalski (2000, p. 92) defende uma leitura

sincrônica dos Doze e sugere que o livro de “Joel foi compilado por um redator final

especificamente para o Livro dos Doze e, posteriormente, serve como ‘âncora

literária’ para os Doze, servindo como a chave interpretativa para unificar os

principais tópicos literários nos Doze".

A figura 8 expõe a compreensão de Nogalski da estrutura de Joel.

Figura 8 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Nogalski

Fonte: Nogalski (2011, p. 203) - Adaptado.

A estrutura proposta por Nogalski é interessante e significativa para esta

pesquisa. Ele divide o livro de Joel em duas partes, sendo a primeira até 2,18.

Todavia, em sua proposta de estrutura, além da introdução do primeiro versículo, ele

separa em sete principais unidades, sendo a última subdividida em quatro

subunidades. A sétima parte (4,1-4,21) se sobressai por apresentar os dois lados do

Dia de YHWH, especialmente para esta pesquisa pelo destaque, que não aparece

nas demais propostas, da prática do tráfico de escravos e o julgamento divino sobre

as nações opressoras. Estas, de fontes geradores e de manutenção do modo de

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produção escravista se tornam objeto desse modelo socioeconômico (os traficantes

de escravos se tornam escravos).

A perícope de Jl 4,4-8 é considerada adição posterior por vários

pesquisadores do livro e esta hipótese também é defendida por esta pesquisa.

Surpreende o fato da importância deste texto para demonstrar a intenção do redator

na escrita deste livro. Considerando a datação posterior, fica evidente que o redator

final tinha a prática do tráfico de pessoas, que alimentava o modo de produção

escravista, um tema central para o propósito da redação final. Esta constatação será

explorada com mais profundidade capítulo cinco por meio de uma aproximação

bíblica e sociológica desta perícope e a apresentação de proposta de estruturação

do livro de Joel elaborada pelo autor desta tese.

Lyons (2014, p. 94-99), com o privilégio de conhecer todas as estruturas já

propostas até 2014, data de sua obra, propõe uma estrutura alternativa. Ele divide o

livro em duas partes, mas de forma diferente da maioria, que divide o livro por

motivos temáticos básicos (julgamento e restauração). Lyons efetua a divisão em

duas etapas: a primeira com base em uma análise da forma linguística textual

sincrônica, que incide sobre marcadores distintos no texto (Dia de YHWH, o uso

estratégico de voz e imperativos e uma estrutura sequencial); a segunda parte por

meio do movimento semântico do texto identificando as relações estruturais entre as

várias unidades e subunidades. Ele tem como objetivo reforçar as unidades

identificadas e auxiliar na compreensão de Joel como um todo unificado.

Como resultado apresenta a estrutura exposta na figura 9.

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Figura 9 – Estrutura para o livro de Joel proposta por Lyons

Fonte: Lyons (2014, p. 99) - Adaptado.

As propostas de Nogalski e de Lyons parecem mais adequadas e coerentes

com a hipótese e para o alcance do objetivo desta pesquisa. Portanto, elas serão as

principais referências, sem deixar de considerar ideias das demais estruturas

apresentadas, para a proposta de uma estrutura inédita e que será desenvolvida no

capítulo cinco.

2.1.2 Leitura sincrônica do livro de Joel

A leitura sincrônica do livro de Joel permite perceber o vínculo entre os

capítulos por meio de marcadores literários. Nessa metodologia não se tem como

preocupação principal a datação dos textos, mas sim o texto final canonizado e a

coerência de sua mensagem. Lyons (2014, p. 94) fornece uma boa sugestão de

marcadores literários que auxilia a leitura sincrônica do livro de Joel e será tomada

como base para essa seção: Dia de Yahweh, o uso estratégico de imperativos e uma

estrutura sequencial.

a) Dia de Yahweh

O Dia de Yahweh como tema central no livro de Joel é inegável. Esta

expressão na Bíblia Hebraica se repete por 15 vezes, sendo que nos profetas

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menores aparece 13 vezes, destas 5 vezes no livro de Joel: 1,15; 2,1; 2,11; 3,4 e

4,14 (JEREMIAS, 2012, p. 78; LYONS, 2014, p. 94). Portanto, em Joel o marcador

“Dia de Yahweh” incide em 1/3 de toda a ocorrência na Bíblia Hebraica. Essa

constatação não pode passar despercebida em um estudo bíblico sério. Ela é

simples, mas significativa e demonstra a importância do estudo desta expressão

para compreender a estruturação dos livros dos doze e do livro de Joel, conforme já

mencionado na introdução. Para reforçar a importância da expressão, se faz

necessário destacar que o livro de Joel contém mais seis registros de citação

indireta por meio do termo “yôm”: a) 1,15 - “’o dia”; 2,2 - “dia de trevas e de

escuridão” e “dia de nuvens e densas trevas”; b) 3,2 e 4,1 – “naqueles dias”; e c)

4,18 - “naquele dia”. Esta distribuição fica mais clara com a figura elaborada por

Lyons:

Figura 10 – Subunidades básicas do livro Joel propostas por Thomas Lyons

Fonte: Lyons (2014, p. 95).

A partir da visualização da distribuição do tema “Dia do Senhor” é possível

perceber certa lógica para uma possível divisão de unidades e subunidades. Outro

destaque que pode ser percebido no conteúdo é a diferença na interpretação do

tema, o que Nogalski destaca em seu modelo de estrutura: “um Dia de Yahweh

diferente” e “os dois lados do Dia de YahWeh”. Na primeira metade do livro (1,2-

2,17) o “Dia de Yahweh” é visto como forma de julgamento e destruição, enquanto

que na segunda metade (2,18-4,21) o “Dia do Senhor” visto como efusão indistinta

do Espírito para todas as pessoas e grupos sociais, bem como o julgamento dos

ímpios e a salvação das pessoas consideradas justas.

Esta progressão no desenvolvimento do tema é destacada por Prinsloo

(1985, p. 122-127), que vê o direcionamento do redator para o clímax da mensagem

de esperança para os justos, no final do livro. Dessa forma, o Dia de Yahweh, se

constitui como um fio condutor da mensagem que o redator final do livro se propõe a

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entregar. Nesse desenvolvimento do tema, a figura do escravo se destaca como

sendo a principal beneficiada pelo ato de Yahweh, é quem dará o maior “respiro” de

alívio com a mudança de situação proposta na parte final do livro.

b) O uso estratégico da voz e imperativos.

O leitor do livro de Joel vê saltar do texto uma mudança radical quando a

leitura chega em Jl 2,18: “Javé teve ciúmes da sua terra e se compadeceu do seu

povo”. A alteração é nítida, o que marca uma nova fase na estruturação do livro.

Wolff (1975, p. 7) ressalta que o texto serve como ponto de apoio para toda a

estrutura do livro. A linguagem de catástrofes e crises, acompanhada de tensão com

relação às incertezas quanto ao futuro muda de imediato, e uma nova linguagem,

que mantém o julgamento, todavia o direciona para um público de inimigos históricos

do povo do profeta Joel. Para Judá e Jerusalém, as notícias começam a mudar de

tom, a libertação e esperança passam a ser expectativas que sobressaem. Lyons

(2014, p. 96) destaca que muito se tem analisado essa mudança, mas “pouca

atenção tem sido dada à mudança gramatical de voz e tom que parece mudar no

texto em torno deste ponto”. Lyons, de forma didática, exibe na figura 11 a sucessão

de comandos imperativos.

Figura 11 – Distribuição de comandos imperativos no livro Joel - Thomas Lyons

Fonte: Lyons (2014, p. 96).

A figura evidencia a intensidade de ocorrências de comandos imperativos

antes de Jl 2,18. A desproporcionalidade fica evidente quando se compara com a

segunda parte do livro (2,18-4,21). Na primeira parte (1,1-2,17) a incidência é bem

superior (30 imperativos) do que na segunda parte do livro (13 imperativos). Esta

percepção clarifica como foi organizado o livro e como a primeira parte gira em torno

desses imperativos.

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Se estratificarmos ainda mais, é possível perceber que em Jl 1,2-14 a

concentração de imperativos é mais alta, se comparado ao restante do texto da

primeira parte do livro. Desse modo, destaca o momento mais crítico em que a

ênfase é dada ao chamado de Joel para o povo lamentar o ocorrido, em especial as

consequências da praga de gafanhotos. Na próxima perícope (1,15-20) ocorre outra

mudança significativa, pois o imperativo coletivo se transforma em um lamento

pessoal. Nesta perícope ocorre pela primeira e única vez na primeira parte do livro o

uso da primeira pessoa. Lyons (2014, p. 97) ressalta que o uso da primeira pessoa

neste contexto deixa “claro que este é o profeta chorando, e não a divindade”. O

profeta sofre junto com o povo com o resultado da praga de gafanhotos.

Em seguida (2,1-11), um par de comandos imperativos anuncia o surgimento

de um exército temível e poderoso, cujos resultados são semelhantes aos resultados

catastróficos deixados pela praga de gafanhoto. Naturalmente, surge uma nova

perícope com um novo comando imperativo, agora exigindo arrependimento (2,12),

seguido por uma série de imperativos em ordem invertida, visando reiterar

comandos da perícope anterior. Lyons (2014, p. 97) enfatiza a relação com os

comandos imperativos anteriores: “Note-se como a maioria dos comandos em 2,13 e

2,15 correspondem a comandos em cada um dos intervalos anteriores de

subunidades numa sequência invertida”. As setas da figura da distribuição de

comandos imperativos demonstram esta interação. Segundo Lyons (2014, p. 97),

“essa ordem invertida de comandos está reiterando e resumindo o que o profeta

disse até este ponto. Intercaladas entre estes comandos finais está uma série de

três perguntas retóricas em 2,11; 2,14 e 2,17, que servem como a culminação deste

lamento”.

Os imperativos dão uma pausa abrupta em 2,18 e voltam na segunda parte

do livro em apenas dois blocos isolados. A partir de 2,19b a voz divina do orador

passa a ser em primeira pessoa, com exceções para as subunidades 2,21-24 e 4,9-

16, que inclusive são as únicas da segunda parte do livro que voltam a utilizar

comandos imperativos. Segundo Lyons (2014, p. 98), a primeira subunidade pode

ser uma interjeição da voz humana do orador com relação à declaração divina de

benção e salvação para o povo. Enquanto, a segunda perícope (4,9-16) contém o

comando para ações futuras do profeta.

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A avaliação do uso estratégico de imperativos demonstra uma mudança

radical na voz de imperativos modais na primeira metade do livro e instruções

declarativas na primeira pessoa para o futuro, na segunda metade do livro.

c) Estrutura sequencial

Conforme já verificado, a primeira metade do livro é organizada em torno de

comandos imperativos, a segunda metade é organizada por paralelos sequenciais

perfeitos, que apresentam a resposta divina em três teofanias em tempos futuros

diferentes: a) o futuro imediato Dia de Yahweh (2,19b-27); b) o futuro Dia de Yahweh

(3,1-4,17); c) o resultado final do Dia de Yahweh (4,18-21).

A libertação e restauração prometida na primeira unidade (2,19b-27) estão

relacionadas com a vida presente dos ouvintes do profeta. Enquanto a segunda

unidade, iniciada com Jl 3,1, introduz a volta do Dia de Yahweh de uma forma mais

expandida da abordagem na primeira parte do livro (1,1-2,17), cuja ênfase era o

julgamento e destruição, agora é oferecida a salvação para os arrependidos e

mantido o julgamento para os que não se arrependeram.

A prática que Deus abomina e julgará é o desrespeito com as coisas

sagradas e, em especial, a prática desumanizadora do tráfico de pessoas. A

vingança contra a prática desumanizadora do tráfico de pessoas está expressa na

voz do próprio Deus, como a lei de talião/teologia de retribuição, pois na sentença

proclamada os traficantes de escravos se tornam os escravos dos povos explorados.

A conversa sai do âmbito interno, Judá e Jerusalém. Yahweh agora é apresentado

com um Juiz Supremo, julgando “toda a carne”. O profeta proclama um oráculo de

julgamento sobre eles (4,9-17). Por fim, é descrito o resultado tão esperado, o

clímax do Dia de Yahweh (4,18-21). Lyons (2014, p. 99) sugere que o texto “tenha

sido organizado de forma intencional para uma finalidade específica”. Esse

argumento é essencial para a defesa de uma redação intencional e final do livro.

Lyons (2014, p. 101) faz um resumo das observações sobre a estrutura de

Joel:

Na primeira unidade principal, 1,2-2,17, o lamento constrói em intensidade passando de condições atuais para futura destruição e culminando nas três perguntas retóricas em 2,11; 2,14 e 2,17. Como observado anteriormente, em meio a estas perguntas é uma série de imperativos em 2,13 e 2,15 que resume as chamadas em toda a unidade. Na segunda unidade maior, 2,19b-4,21, a resposta divina constrói a partir de libertação imediata, a

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futura libertação e bênção, e clímax em 4,18-21. Nesta medida, Prinsloo estava certo ao observar 4,18-21 como um clímax.

O livro de Joel apresenta uma progressão da crise para uma esperança

cósmica e escatológica a ser realizada. Na primeira parte do livro (1,2-2,17) o Dia de

Yahweh é sinônimo de destruição e julgamento. A partir de 2,18 a situação começa

a se reverter, o julgamento é direcionado para os inimigos do remanescente fiel de

Judá e Jerusalém e estes são beneficiados com a misericórdia de Deus, mas não

somente estes, mas todos aqueles que eram excluídos (3,1-5). Os crimes a serem

julgados no Dia de Yahweh são anunciados, com ênfase do tráfico humano, o

profeta proclama o julgamento e a condenação (4,9-16), Yahweh anuncia o lugar de

seu trono para governar e julgar (Sião) e o resultado final de benção contínua, o

retorno ao paraíso (4,18-21).

A Leitura estrutural e sincrônica do livro de Joel permite visualizar a coesão

e coerência do texto. Entretanto, isso é suficiente para dizer que o livro foi escrito por

uma única pessoa? O comparativo com uma análise diacrônica poderá auxiliar na

resposta a esse questionamento.

2.2 LEITURA DIACRÔNICA DO LIVRO DE JOEL

Uma das maiores polêmicas ou problemas do livro é situá-lo historicamente.

Sicre (2008, p. 325) inicia o comentário sobre o profeta Joel com a seguinte

afirmação: “Na etapa final da profecia israelita podemos incluir um livro de datação

muito difícil, o de Joel”. Dentre os especialistas, as proposições de datação vão do

século IX a. C. até o século II a. C.

Desse modo, identificar no texto de Joel ou fora dele, informações que

aproximem de uma data definitiva se constitui em um grande desafio e, ao mesmo

tempo, uma grande contribuição às pesquisas do livro.

2.2.1 O problema com a datação do livro

Rossi (1998, p. 9) ressalta que “todo profeta tem um tempo. Nasce, vive e

morre. Possui um passado, participa do dia-a-dia e, consequentemente, vislumbra o

seu futuro e do seu povo”. Joel não é diferente, ele está ligado a grandes temas da

comunidade de sua época, bem como estava envolvido com as principais crises,

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que eram constantes na vida da comunidade judaica. A mensagem do redator é

endereçada aos seus contemporâneos, dessa forma conhecê-los é de fundamental

importância para entendermos a mensagem do livro. Mas qual era esse tempo?

Segundo Andiñach (1992, p. 9), a chave de leitura para Joel é externa ao

texto bíblico, pois “a interpretação do livro se desenvolve em função da datação”.

Portanto, fica evidente a importância da datação do livro para a aproximação da

mensagem do redator final do livro. Entretanto, o livro de Joel tem como uma de

suas peculiaridades a dificuldade para uma definição exata da compilação final.

Todavia, não tem como identificar a datação sem considerar o texto para validar a

hipótese.

Outro fator importante são os textos paralelos do redator final com outros

profetas como Amós, Zacarias, Isaías e Ezequiel, entre outros. Os defensores da

datação pré-exílica afirmam que os demais profetas dependem de Joel, enquanto

que os defensores da datação pós-exílica afirmam que é Joel que depende dos

demais profetas, que foram anteriores a ele. Antes de ser definida a opção pela

datação serão descritas as argumentações para cada proposição.

2.2.2 Datação pré-exílica e exílica

Ridderbos (1952, p. 126) é um dos reconhecidos defensores da datação pré-

exílica. Seus argumentos foram reproduzidos por outros pesquisadores. A seguir

serão descritos os argumentos utilizados pelos seus principais defensores.

Um dos argumentos mais antigos é o da posição que o livro de Joel ocupa

entre os Doze Profetas Menores na Bíblia Hebraica, entre os livros de Oséias e

Amós, como o segundo da lista dos Doze. Ridderbos (1952, p. 122-126) defende

essa proposição. Este argumento é muito simplista e não se sustenta. Por exemplo,

no cânon hebraico os profetas Naum e Habacuque precedem ao profeta Sofonias,

enquanto que cronologicamente este profeta atuou aproximadamente um século

antes daqueles. Isto já basta para demonstrar que os livros na Bíblia Hebraica não

estão em ordem cronológica. Além disso, na Septuaginta Joel é o quarto livro entre

os Doze.

Outro argumento é a interpretação de Jl 4,19 como sendo a invasão de

Sisaque (1Rs 14,25) e a revolta de Edom contra Jorão (2 Rs 8,20). Todavia, a

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rivalidade entre os egípcios e edomitas com os judeus continua durante o exílio e no

período posterior. Interpretação semelhante é utilizada por Deere (1962, p. 819), em

favor da datação pré-exílica, quando se refere aos fenícios e filisteus como inimigos

pré-exílicos de Israel, que como no caso anterior dos egípcios e edomitas, também

continuam sendo inimigos no exílio e período pós-exílio.

A ausência da menção de nome de reis e ao sistema monárquico é

justificado como o período em que Joás havia sido ungido rei, quando em sua

minoridade e o reino era praticamente conduzido pelo sumo sacerdote Joiada. No

entanto, o reinado de Joás, desde sua minoridade, é abordado normalmente como

qualquer outro reinado no livro e nas crônicas dos reis (2 Rs 11,21; 12,1; 2 Cr 24,1).

A introdução do livro de Joel é bem diferente de outros profetas da época da

monarquia, que faziam questão de registrar o nome dos reis (Is 1,1; Jr 1,1-2; Ez 1,2;

Os 1,1; Am 1,1; Mq 1,1; Sf 1,1). Sem mencionar, que a figura de Joiada também não

é mencionada, citação que seria esperada em se tratando da principal figura o reino,

no caso da interpretação de Ridderbos. Ainda, na relação daqueles que choravam

por causa da calamidade causada pela praga dos gafanhotos não é mencionado

além de rei, nenhum nobre ou funcionário real, como seria óbvio na época da

monarquia (1,5-14; 2,16). Portanto, um argumento que seria favorável ao período

pós-exílio é utilizado para justificar um período pré-exílico, o que parece a busca de

informação no texto bíblico para justificar uma posição já definida previamente.

Outra questão é a intepretação de Jl 4.2-3, que Ridderbos, como é normal para os

defensores da data pré-exílica, interpreta o texto como uma predição da destruição

de Jerusalém em 587 a.C., uma profecia antecipada de fatos que estavam por

acontecer. O que poderia ser aceitável como profecia ex-eventu, o redator pós-exílio

de Joel relatando um fato já ocorrido por ocasião do exílio.

Outro defensor da data pré-exílica é Bic (1960, p. 106-108), que faz uso de

material extrabíblico para justificar a época. Trata-se da utilização de mitos ugaríticos

como uma crítica do culto à Baal. Ele identifica em Jl 1,8 (contexto da lamentação

pela praga dos gafanhotos) o mito ugarítico de Anat chorando a morte de Baal. Em

Jl 2,9 (chegada dos gafanhotos em Jerusalém) o mito ugarítico de Mot, entrando no

templo de Baal. Outro argumento que não se sustenta, pois se Jl 1,8 e 2,9 fossem

uma referência às práticas idolátricas de adoração à Baal, certamente teria alguma

evidência específica de condenação como no exemplo dos profetas Oseias (2,8;

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4,13; 9,10) e Jeremias (2,8; 7,9; 19,5), dentre outros.

Keller (1965, p. 103-104), com base em Jl 4,1-8, localiza o ministério de Joel

entre 630 e 600 a.C. Justifica esta datação e a ausência de menção direta aos

assírios devido ao declínio desse império nesse período e o não surgimento dos

babilônicos e os persas ainda como potenciais dominantes. Ele associa, ainda, Jl

4,19 com a invasão da Palestina por Faraó Neco e a, consequentemente morte do

rei Josias, em 609 a.C. Complementa, relacionando Jl 4,1-3 com as invasões dos

filisteus e fenícios. Contudo, o relato de Joel demonstra um impacto (dispersão

judaica e divisão de suas terras) muito maior do que estas invasões. Além do mais,

se fosse assim, Joel os acusaria pelo ataque e não por receber e vender judeus

como escravos.

Rudolph (1967, p. 193-198) situa o livro de Joel para período imediato a

tomada de Jerusalém em 597 a.C., ocasião em que não havia destruído ainda a

cidade, muro e o templo. Rudolph menciona o profeta Jeremias (Jr 26 e 36),

relacionando com Jl 2,16 com intuito de comprovar que a reunião do povo no pátio

do templo não significa, necessariamente, que abrangia todo o povo ou até mesmo

uma pequena comunidade. Ele considera o profeta Joel como um profeta de paz

para Jerusalém e não de condenação, diferente de Jeremias (Jr 28). Os argumentos

de Rudolph deixam algumas brechas que desestabilizam sua defesa. Por exemplo,

se Joel era um profeta de paz para Jerusalém como interpretar a praga de

gafanhotos e a seca como julgamento de Deus e com exigência de arrependimento?

E se o texto é localizado após um ataque como o de 597 a.C., como justificar a

ausência de menção aos babilônicos como o fazem os profetas Habacuque,

Jeremias e Ezequiel?

Mariès (1950, 121-124) defende a datação de Joel para o período que segue

o exílio babilônico. Ele vê semelhanças entre os profetas Joel e Ezequiel, por isso,

defende que eles são contemporâneos. Situa Joel como um profeta que tinha como

destinatários os remanescentes que haviam ficado em Jerusalém, por ocasião do

exílio. Entretanto, o que Mariès não justifica é a presença do templo no livro de Joel

(1,9.13; 2,17), sendo que havia sido destruído pelos babilônicos em 587 a.C.

Portanto, essa datação também será descartada como provável data de escrita do

livro de Joel.

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2.2.3 Datação pós-exílica

Esta pesquisa é favorável à datação pós-exílica. Por isso, abaixo seguem as

principais constatações do livro que auxiliam na localização da escrita do livro de

Joel no período pós-exílio, conforme lista abaixo:

a) Não se menciona nenhum rei ou aristocrata;

b) Referências aos sacerdotes (1,9.13) e anciões (1,2.14);

c) Uso frequente da expressão “Dia do Senhor”, que pode significar uma

ação de justiça de Deus sobre seu povo e, especialmente, sobre povos estrangeiros

e opressores. Esta que é ênfase dada no livro de Joel, na primeira parte a expressão

está voltada para Israel, mas na segunda parte para os estrangeiros numa

linguagem escatológica e apocalítica;

d) Não são mencionados os assírios e nem os babilônicos, que são

tradicionais inimigos de Israel no período pré-exílico e exílico, respectivamente;

e) O chamado ao arrependimento (2,12) não menciona os pecados

específicos denunciados pelos profetas pré-exílicos: idolatria, sensualidade e

opressão. Bright (2003, p. 531) afirma que a idolatria, no período do segundo

templo, logo deixou de ser um “problema dentro da comunidade judaica”, um

contraste ao comportamento pré-exílico.

f) Identificação dos destinatários como Judá e não como Israel, que era

peculiar do período pós-exílio. Segundo Rossi (1998, p. 7) o profeta não tem seu

interesse voltado para o reino do Norte (4:1-2), mas voltado para Judá e Jerusalém

(4:1,6,19);

g) O Templo (1,9.13.14.16.2,17; 4,5) e seu ritual (1,9.13; 2,14) são

consideradas como elementos muito importantes da religião, em contraste aos

profetas que criticaram ritualismo pré-exílico;

h) Uma catástrofe nacional já havia ocorrido, o povo de Judá havia sido

dispersos e a terra dividida entre os estrangeiros (4,2);

i) Há pelo menos vinte e sete paralelos com outros escritos do Antigo

Testamento;

j) O vocabulário do profeta é tardio e inclui alguns aramaísmos como em Jl

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1,8 e Jl 2,20 (SMITH; MAUCHINE, 1963, p. 506; EISSFELDT, 1965, p. 394-395)

k) Não é mencionada a prática de idolatria ao deus Baal, comum nos livros

escritos no período pré-exílio.

l) Javé aparece como Deus único, de todos os povos e de todo o universo

(a teologia pós-exílica do poder cósmico).

Eissfeldt (1965, p. 394-395) localiza Jl 1,1-2,27 no período pós-exílio, mas

não especifica em que data. Justifica sua argumentação pela ausência da menção

da corte real e os aramaísmo em Joel. Rendtorff (1998, p. 26-27) ao comentar sobre

o cânone hebraico afirma que os livros proféticos abrangem um tempo longo que vai

do século VIII até o século IV a.C. e que nesse bloco literário destaca os seguintes

livros como pertencentes ao período pós-exílio: Joel, Jonas, Terceiro Isaías, Ageu,

Zacarias e Malaquias. Crenshaw (1995, p. 23-25) não apresenta uma evidência

histórica, mas defende que o livro foi escrito no século V.

Não há um acordo entre os estudiosos se é Joel que depende de profetas

anteriores ou se outros profetas citam Joel. Rossi (1998, p. 8) afirma que a

tendência é para a dependência literária de Joel em relação a profetas que atuaram

antes dele. Reforça, que dentre os profetas citados por Joel “aparece também

Malaquias 2,11; 3,4 e Malaquias 3,2.23”, dessa forma, “pode-se pensar que Joel

tenha escrito o seu livro depois dele”. Konings (2011, p.90-91) apoia esta afirmação,

citando a utilização de expressões idênticas entre Malaquias e Joel (Jl 2,11 = Ml 3,2;

Jl 3,4 = Ml 3,3.23) e destacando que “como Malaquias e Abdias, exprime rejeição às

nações estrangeiras”, posiciona estes textos para o período após a restauração do

culto em 515 a.C., na época de Neemias e Esdras devido à mentalidade

predominante.

Outra sugestão é que o livro tenha sido escrito depois da conclusão do

templo e depois de Ageu e Zacarias, por volta de 500 a.C. Um dos defensores é

Jones (1964, 135-138), ele justifica essa afirmação pela semelhança da

preocupação com o templo entre os três profetas, sendo Joel de um período anterior

ao descaso popular com o sacrifício do templo que é denunciado por Malaquias (Ml

1,1-14). Entretanto, Thompson (1974, p. 460) discorda e afirma que “[...] É mais

provável que Joel, que reflete o zelo popular para sacrifícios apropriados, veio

depois de Malaquias e depois das reformas religiosas de Esdras e Neemias”.

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Thompson (1956, p. 732-733) defende a datação para o período próximo de 400

a.C., com os seguintes argumentos:

a) O povo de Sidon ainda não havia sido julgado (4,4), o que ocorreu

somente em 345 a.C., quando Artaxerxes III destruiu a cidade e vendeu

seus habitantes como escravos;

b) A ausência de menção da Pérsia, como em Malaquias, pode indicar um

tempo durante a administração benevolente persa antes da expedição de

Artaxerxes III, em 345 a.C. contra a revolta na Síria.

c) Em um estudo sobre os paralelos de Joel a outros profetas, Thompson

ressalta que as variações da expressão "e sabereis que eu sou o Senhor

vosso Deus" ocorrem mais de cinquenta vezes em Ezequiel, e, aponta

Joel (4,17) como usuário do texto de Ezequiel. Reforça que Joel também

cita Obadias e Malaquias, como escritos de século IV e, assim, justifica a

datação de Joel para cerca de 400 a.C.

A datação do livro para cerca de 400 a.C. é reforçada por Bourke (1959, p.

191-212) e Chary (1955, p. 190-196), eles destacam a influência escatológica

recebida por Joel de Amós, Jeremias, Deuteronômio e Ezequiel. Kraeling (1966, p.

125), Harrison (1969, p. 876-879), Cole (1970, p. 716) e Weiser (1967, p. 106), sem

trazerem novos argumentos, também estão de acordo com a datação entre 400 a

350 a.C. Enquanto que Wood (1968, p. 439-443), também defensor desta datação,

acrescenta a referência aos gregos como compradores de escravos e não como

conquistadores, como uma data antes da batalha de Issos, em 333 a.C. e das

conquistas de Alexandre sobre a Síria-Palestina.

Wolff (1969, p. 2-4) também defende a datação de Joel para um período

após a reconstrução dos muros de Jerusalém por Neemias em 445 a.C., com base

em Jl 2,7-9, e antes da destruição de Sidon por Artaxerxes III, cerca de 345 a.C., já

citada anteriormente. Localiza a atuação de Joel para a primeira metade do século

IV a.C. Acrescenta uma justificativa quanto à localização do livro de Joel no cânon

hebraico. Segundo ele, Joel foi colocado antes de Amós não por razão cronológica e

sim devido aos paralelos literários: Jl 4,16 = Am 1,2; Jl 4,18 = Am 9,13. Justifica,

também, que Joel é posicionado na quarta posição entre os profetas menores do

livro na LXX por estar entre os três profetas sem data definida, além de Obadias e

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Jonas. Triana Fernández (1994, p. 10) também afirma que o livro de Joel foi escrito

durante o período em que Judá estava sob o domínio do Império Persa, após a

reforma de Esdras e Neemias, por volta dos anos 450 a.C. Portanto, ainda no século

V a. C.

Ainda dentro do período do Império Persa, Konings (2011, p. 89) relaciona a

datação de Joel com o período do Dêutero-Isaías, que exaltou o rei Ciro por certa

liberdade que proporcionou aos judeus exilados, após ter derrotado os babilônicos,

até então algozes do povo judeu. Uma forma do redator “ensinar, os judeus exilados,

que as façanhas desse rei não devem ser atribuídas a outro Deus senão a YHWH”.

Portanto, situando o livro no período do Império Persa. Momento, inclusive, segundo

ele, em que surgem alguns escritos apocalípticos como a perícope do Primeiro

Isaias (Is 34-35), conhecida como o “pequeno apocalipse de Isaias”, que juntamente

com Abdias/Obadias, que também faz menção aos edomintas que aplaudiram o

saque de Jerusalém em 586 a.C. De acordo com Konings (2011, p. 89-91) além

destes textos que são do mesmo período do Dêutero-Isaias, os últimos capítulos de

Ezequiel também pertencem ao mesmo período e neles são encontrados “visões

apocalípticas”. Afirmações que corroboram com uma datação de Joel para um

período pós-exílio, bem como identifica já escritos apocalípticos na época. Konings

(2011, p. 91) reforça, também, a utilização do gênero apocalíptico no livro de Joel e

de uma datação ainda vindoura ao afirmar que “os capítulos 3 e 4 são notavelmente

apocalípticos e, talvez, posteriores”.

Alguns autores fazem uso da astronomia para defender a autoria pós-exílica.

Um deles é Stephenson (1969, p. 224-229), ele afirma que Jl 3,4 e 4,15, que

mencionam o escurecimento do sol se refere a um eclipse presenciado

recentemente pelo autor. Afirma que entre 1130 a 300 a.C. ocorreram somente dois

eclipses totais e visíveis em Jerusalém: em 29 de fevereiro de 357 a.C. e 4 de julho

de 336 a.C. Assevera, ainda, que o eclipse ocorrido em 763 a.C. foi parcial e,

provavelmente, o que foi mencionado em Amós (Am 8,9). O eclipse ocorrido em 402

a.C. foi total, mas na Galileia e não em Jerusalém. Thompson (1974, p. 461)

concorda com os argumentos de Stephenson no que se refere a interpretação do

escurecimento do sol como a ocorrência de eclipse, mas discorda de que seja um

evento já ocorrido, uma vez que em Joel está se referindo a um sinal futuro do dia

do Senhor, assim como Isaias faz menção ao escurecimento do sol como um sinal

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de julgamento de Deus (Is 13,10; 24,23; 50,3).

Outras datas mais recentes para o livro de Joel também já foram defendidas.

Rinaldi (1959, p. 129-131) localiza Joel logo após a decadência do Império Persa e

no início do período grego. Enquanto que Treves (1957, p. 149-56) vai mais longe.

Ele defende a datação para logo após 312 a.C. Seu argumento principal está na

interpretação de que Jl 4,2 está se referindo à captura de Jerusalém por Ptolomeu I

Soter, em 312 a.C., quando os judeus foram deportados para o Egito, na primeira

ocupação da Palestina por Ptolomeu.

Eissfeldt (1965, p. 394-395), data os dois últimos capítulos de Joel (3,1-4,21)

para o quarto ou terceiro século. Datação que é reforçada por Kraeling (1966, p.

125), porém é mais específico ao datar a perícope para cerca de 300 a.C. Ele

concorda com Rinaldi (1959), que localiza Jl 4,2-6 que fala da escravidão e divisão

da terra dos judeus com a ocupação da Palestina por Ptolomeu I Soter, entretanto

relaciona o evento com a segunda ocupação e não a primeira.

Thompson (1974, p. 462) questiona esse argumento, justificando que Joel

não atribui ao Egito a ação de espalhar os judeus e dividir suas terras (4,2), além de

mencionar que os gregos comercializavam os escravos judeus com os fenícios e

Filisteus. Acrescenta, ainda, que essa datação contradiz Jl 4,4-8, que parece ser

uma previsão de futura punição à Tiro e Sidon, sendo que nesta data Alexandre já

tinha tomado Tiro e Sidon, tendo matado ou escravizado o povo de Tiro. Sobre o

derramamento de sangue judeu inocente pelos egípcios, Thompson identifica com a

vitória do Faraó Neco sobre Josias, em 609 a.C., que fora lamentada pelos judeus

nos tempos pós-exílio (2 Cr 35,25).

Dessa forma, são várias as possibilidades de autoria pós-exílica. Todavia,

não há um consenso quanto a uma data específica. Não obstante, além desta, ainda

resta a possibilidade de datação mais recente, no período tardio do helenismo. Esta

pesquisa considera o termo helenismo sob o ponto de vista de Martin Hengel, ou

seja, a helenização não como uma influência cultural exclusivamente grega, mas

sincrética com tradições orientais como a persa, egípcia e mesopotâmica (COLLINS,

2005, p. 21-22; COHEN, p. 35-37).

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2.2.4 Redação apocalíptica no período tardio do helenismo

Andiñach (1992, p. 14) amplia o período possível da compilação final do livro

ao citar a proposta de Bernhard Duhm, que defende a existência de algumas partes

do livro para o período pré-exílio e outras para o período pós-exílio. A primeira parte

1,1 a 2,17, com exceção de 1,15; 2,1b-2a, como pertencente a um excelente poeta

pré-exílico que descreve a praga dos gafanhotos, enquanto a segunda parte 2,18-

4,21 seria uma produção de um cantor sinagogal da época dos Macabeus, que teria

incluído na primeira parte, trechos apocalípticos. Portanto, localizando a compilação

final do livro por volta do sec. II a. C.

Grande parte do profetismo pós-exílico tardio foi formado a partir da inserção

da tradição oral como de literatura mais antiga, sendo que seus redatores finais

“tornam-se profetas”:

Ao passo que antigamente os profetas de Israel eram mensageiros carismáticos de Deus, diminuem agora a indisponibilidade e a contextual idade da palavra profética, e, por fim, terminam por completo. Em lugar disso, ganha crescente importância um traço que, embora já estivesse pré-formado na era clássica do profetismo, não estava ainda totalmente desenvolvido: os profetas aparecem como intérpretes de uma tradição sagrada já existente, uma tradição que há muito tempo e de modo crescente se havia fixado nos textos. A interpretação tem, como antes, a pretensão de ter a autoridade divina. A autoridade de Javé, originalmente localizada de forma direta na palavra pronunciada pelo profeta, se desloca para o texto sagrado. Trito-Isaías (Is 56-66) e Dêutero-Zacarias (Zc 9-14) fornecem exemplos impressionantes desse profetismo que interpreta o texto (DONNER, 2006, p. 495).

O livro de Joel, como a maioria dos livros bíblicos, também sofreu um longo

processo de edição. Sendo assim, o processo contempla desde as “primeiras

experiências históricas que geraram as primeiras palavras-testemunhas, até a

redação definitiva do texto que temos hoje e que também está imbuído do tempo

histórico em que se cristalizou” (ANDIÑACH, 1992, p. 7-8). Portanto, no livro estão

presentes culturas diferentes que podem dificultar o entendimento da mensagem do

livro, mesmo que seja feita uma releitura pelo compilador final. Este de posse de

informações de sua época, mais atualizadas do que os primeiros detentores da

informação, entretanto em contextos diferentes. Andiñach reforça que durante esse

processo, antes da compilação final, foram feitas sucessivas releituras, com

modificações influenciadas por cada época, que ampliaram a mensagem do livro.

Godoy (2003, p. 82-83) defende o livro de Joel como um produto literário

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intermediário entre o estilo profético e o estilo profético-apocalíptico e avalia alguns

elementos para considerar o livro formado em duas partes:

O livro apresenta, nos dois primeiros capítulos, uma proximidade grande com os antigos profetas judeus. Nesses capítulos Joel fala ao povo, aos sacerdotes e aos anciãos. Ele os convoca diretamente à conversão, a prática do jejum e a se arrependerem com gemidos (2,12-13). Já nos capítulos 3 e 4 há mudança de linguagem. Aqui ganha destaque o dia de Iahweh, agora numa perspectiva messiânica, acompanhado de expressões que descrevem manifestações cósmicas, 3,3-4, chegando-se até a destruição das nações no vale de Josafá, Joel 4,1-3.9-16. Também, nesses capítulos é mencionada a exaltação do povo de Deus, Joel 4,17, onde se inclui o início da era messiânica, descrita através de algumas imagens da história do paraíso, Joel 4,18.

A ausência de dados biográficos e históricos do protagonista do livro aliado à

utilização de outros escritos veterotestamentários, em especial, dos escritos

proféticos e sapienciais, permite a localização do livro de Joel, pelo menos, em dois

momentos históricos diferentes. A utilização de critérios de ordem literária para

identificar conteúdos e terminologias de cada bloco de textos. Dessa forma, Joel

pode ser identificado com livros como Isaias e Zacarias, que contém redatores de

épocas diferentes. Um editor final pode ter feito uma releitura do texto mais antigo e

inserido novos textos, mantendo a coerência e coesão do livro como um todo por

meio de temas centrais para uma mensagem principal aos destinatários do livro.

Essa unidade foi vista na leitura sincrônica do livro, quando foi discutida a estrutura,

a unidade e os elementos favoráveis à coesão e coerência da mensagem do livro

como um todo.

Godoy (2003, p. 80) reforça a diversidade de autoria como períodos distintos

de releitura do livro ao afirmar que “sem fazer alusões a fatos históricos específicos,

o livro de Joel tem sido localizado em diversos contextos e considerado fruto das

mãos de mais de um redator, inclusive em mais de um período histórico.

Provavelmente foi assim mesmo”. Triana Fernández (1994, p. 10-11), por sua vez,

defende a unidade do livro de Joel, entretanto deixa em aberto o questionamento se

os quatro capítulos do livro são da mão do mesmo autor ou não, mesmo

argumentando que as diferenças de estilo comprovem a diversidade de autoria.

Reforça a dependência de profetas anteriores e a singularidade de mensagem de

Joel: “a dependência literária dos profetas anteriores por Joel é outro aspecto que se

discute. De qualquer maneira, definir quem era Joel pode contribuir para entender o

porquê de sua Palavra e a singularidade de sua mensagem” (TRIANA FERNÁNDEZ,

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1994, p. 26). Um profeta escatológico que escreve profecia e ao mesmo tempo

utiliza o gênero literário apocalíptico. Gênero literário, que segundo Soggin (1999, p.

358-359) surge no final do Império Persa e início do Império Grego-Macedônico:

O último período persa e o começo do macedônico são testemunhas do progressivo esgotamento e da extinção do que tinha sido um dos movimentos mais característicos e fecundos do hebraísmo antigo: a profecia; em seu lugar aparece, ainda que compartilhassem a cena, outro movimento, de fundo esotérico e de conteúdo especulativo: a apocalíptica.

A forma do texto e os gêneros literários podem mudar radicalmente a leitura

de dados históricos ocorridos na narrativa do povo de Israel como o exílio e as

diásporas. Diante disso, Andiñach (1992, p. 10) relaciona o gênero apocalíptico com

Joel para delimitar um período para datação do livro: “sabemos que a literatura

apocalíptica se apresenta com toda sua força a partir do período helenístico – fins do

século IV a I a. C., o que nos leva a pensar nesta data”.

A expansão grega pode ser caracterizada no livro de Joel. Percebe-se que

ela faz parte do contexto pós-exílico. São aos gregos que os filisteus, os fenícios e

os comerciantes do litoral da Palestina vendem como escravos os filhos de Judá e

de Jerusalém (Jl 4.6). Uma nova lógica econômica de arrecadação de tributos

parece que está nascendo no horizonte. Um novo mecanismo de acumulação mais

aperfeiçoado que os anteriores e, por isso mesmo, mais violento: sob o Império

Grego tributa-se o próprio corpo. O ventre das mulheres pobres é necessário para

gerar escravos e escravas para o Império. Um espírito comercial escravista próprio

ao estilo grego. O Império Grego se torna hegemônico e espalha seus tentáculos

pelas demais regiões no 4º século a.C.

Até que ponto essa influência atingiu a literatura pós-exílica, principalmente

o livro do profeta Joel? Deve-se levar em conta que são duas mentalidades

antinômicas pelo menos em sua origem. Mas certamente em algum momento há um

processo de hibridismo cultural. Afinal, como compreender o sistema binário

presente na literatura pós-exílica? A oposição entre o bem e o mal, por exemplo, não

é próprio da mentalidade judaica. Na verdade, a binariedade parece estar

completamente ausente diante da mentalidade coletiva representada pela literatura

pós-exílica. O que dizer ainda da forte tendência econômica presente nesse

período?

A cultura material, o traçado da cidade, as construções de prédios públicos

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correspondem àquilo que se pode encontrar em todo o âmbito do mar Mediterrâneo.

Uma influência ocorrida principalmente sobre os grupos abastados e cultos. Na

comunidade cultual de Jerusalém, os sumos sacerdotes usavam nomes oficiais com

forte apelo helenístico, tais como: Jasão e Menelau. Parece que o comércio se torna

uma das possíveis chaves de leitura para esse período. Principalmente o comércio

de escravos, que segundo Hengel (1981, p. 42) no início do século III a. C. teve um

grande impacto econômico na Palestina.

A análise do livro de Joel será feita simultaneamente à análise do universo

simbólico utilizado no livro, bem como a análise da sociedade grega. Talvez somente

seja possível realizar uma leitura apocalíptica em contexto grego a partir de uma

aproximação sociológica do surgimento da apocalíptica (que será desenvolvida no

capítulo cinco). A linguagem profética já não serve para explicar a vida em meio a

uma realidade de opressão e marginalidade crescentes institucionalizada pelo

sistema de dominação dos impérios dominantes que não respeitavam os profetas de

Yahweh. Faz-se necessário uma nova ordem simbólica com o objetivo de substituir a

antiga. Caso contrário, a vida do cotidiano se precipitaria num verdadeiro caos. Um

retorno à pré-criação! A nova experiência de marginalização – através de mãos

gregas – vivida pelo povo de Deus está no nascimento de uma literatura

apocalíptica, própria das situações de crise e, portanto, somente poderiam ser

analisadas a partir desse contexto.

Por isso, a origem e características da literatura apocalíptica e o contexto do

surgimento, auge e decadência do Império Grego serão tratados nos dois próximos

capítulos, com vistas identificar a possiblidade da hipótese de uma data mais

recente de Joel, mais próximo do ápice da literatura apocalíptica. Um período pouco

pesquisado e que poderia ser o ambiente do redator final do livro de Joel, entre a

morte de Alexandre e o aparecimento de Antíoco IV, rei selêucida que oprimiu o povo

de Israel de forma sem precedentes. O período é limitado até o aparecimento de

Antíoco IV, conforme já mencionado anteriormente, pelo fato dessa figura não ser

mencionada no livro de Joel. Pois, se Joel fosse escrito após esta figura, ela

certamente seria citada, no caso da literatura apocalíptica, provavelmente de forma

simbólica, como o faz o redator de Daniel.

Mediante as argumentações favoráveis para o período pós-exílio, esta

pesquisa defende a datação para esse período. Todavia, além desses argumentos,

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na sua maioria contrapondo o texto com a história, no capítulo cinco serão

acrescentadas argumentações com base no aspecto literário. Será anlisado o

surgimento dos primeiros escritos apocalípticos, que complementará as defesas

para um período pós-exílio. Assim, será possível uma aproximação à proposta de

uma data específica durante o Império Grego (Ptolomeus e/ou Selêucidas).

2.3 A RELAÇÃO DO LIVRO DE JOEL COM O LIVRO DOS DOZE

Para a concretização do objetivo desta pesquisa se faz necessário analisar a

relação entre Joel e os Doze Profetas Menores. Nesse sentido, existem

convergências que auxiliam a identificação aproximada da data da redação, unidade

de Joel com os Doze, bem como a questão o gênero literário apocalipse. Esse

gênero, segundo autores que serão apresentados nesta seção, também está

presente no conjunto dos Doze.

A ausência de informações do livro de Joel, citada no início deste capítulo,

torna a pesquisa sobre esse livro ainda mais interessante. Uma tarefa difícil, mas

atraente. Esse é um dos motivos que levou Mason (1994, p. 98) iniciar o comentário

sobre Joel afirmando que ele é o mais “emblemático” e “problemático” de todos os

livros do conjunto dos Doze.

2.3.1 O livro dos Doze: o estado da arte

Lima (2007, p. 195) afirma que o interesse pelo estudo dos Doze começou já

no início do século passado com K. Budde que apontava a redação final do livro dos

Doze para próximo do século III a. C.

Partindo da observação de incongruências presentes nestes escritos, em artigo de 1921, K. Budde as atribui a um trabalho consciente de redação que procurou criar, a partir dos diversos pequenos profetas, um único livro, a fim de apresentá-lo como escritura sagrada em contraposição a grupos que aceitariam somente a Torah. A redação final ter-se-ia dado antes da introdução na coleção do livro de Jonas e da tradução grega da Septuaginta, sendo datada em torno do século IV-III a.C.

Acrescenta informações sobre o estudo dos Doze com outra pesquisa

realizada por Wolfe, 14 anos mais tarde, que define o livro como uma unidade e fruto

de um processo redacional múltiplo de longo período (século VII a 225 a.C.).

Em 1935, R.E. Wolfe afirma a tese de que os doze chegaram a formar um único livro em razão de um trabalho redacional múltiplo que, através da

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inserção de material, criou conexões entre os diversos escritos. A partir da distinção entre material autêntico e secundário e de sua comparação, estabelece diferentes fases de crescimento da coleção, que se daria da metade do século VII até 225 a.C., ou seja, antes da aceitação dos Doze como livro sagrado, quando então se excluiria qualquer outro acréscimo (LIMA, 2007, p. 195).

Estes dois estudos, segundo Lima (2007, p. 195), por falta de comprovação

de suas hipóteses não despertaram novas pesquisas sobre o tema. Talvez, por isso,

a retomada do interesse pelo tema somente após a década de setenta, conforme

resumo da pesquisa elaborada por Lima (2007, p. 195-198):

a) 1977 - R. Clements, sob a perspectiva canônica, defendeu a unidade de

mensagem dos Doze sob diferente perspectiva, de corte redacional;

b) 1979 - Tese doutoral de D. Schneider: “The Unity of the Book of the

Twelve”. Esta tese não foi publicada e passou a ser conhecida por meio

de referências de outros autores. Nela ele procurou reconstruir a

formação do conjunto em quatro fases redacionais. O tema alcançou

outros âmbitos geográficos e foi aprofundado na década de oitenta, em

teses doutorais e artigos especializados: “Tragedy and Comedy in the

Latter Prophets” publicada na Semeia 32 (1984); “The Canonical Unity of

the Scroll of the Minor Prophets”, tese doutoral defendida por LEE, A. Y.

em 1985 e não publicada; “The Twelve Prophets. In The Literary Guide to

the Bible”, de H. MARKS (1987); destaque para o artigo de P. Weimar:

“Eine redaktionskritische Analyse”, de 1985, que, comparando a última

redação do livro de Abdias com textos secundários dos outros profetas

menores, conclui que a forma final daquele escrito profético se encontra

ligada à redação dos Doze.

c) 1987 - o estudo de E. Bosshard (“Beobachtungen zum

Zwölfprophetenbuch”) ampliou as perspectivas ao comparar a redação

dos Doze com o livro de Isaías, chegando à conclusão de que ambos

foram frutos de um mesmo grupo de redatores.

A década de 90 do século passado foi um caso à parte, pois foi nesse

período que aconteceu um grande florescimento da literatura em torno do livro dos

Doze, considerando um profeta no conjunto dos doze ou o conjunto dos doze. Estes

estudos buscam indícios para comprovar a unidade do livro, desenvolver uma

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metodologia de trabalho apropriada, bem como descrever a história da formação do

conjunto. Lima (2007, p. 196-197) aponta as principais obras desse período:

a) 1990 – “The Unity of the Book of the Twelve”, de P.R. House,

b) 1993 - Dois livros de J. Nogalski: “Literary Precursors to the Book of the

Twelve” e “Redactional Processes in the Book of the Twelve” que terão

grande influência nos pesquisas sobre o tema. Nesta data, outra obra

importante é a de T. Collins: “The Mantle of Elijah: The Redaction of the

Prophetical Books”. Ela tem como tema os profetas de uma forma geral,

mas traz significativa contribuição para o estudo dos Doze com sua tese

de que Isaias, Jeremias, Ezequiel e os Doze formam uma unidade

interna, defendendo a coesão destes por meio da afirmação de que

começam e terminam com os mesmos temas.

c) 1995 - Tese doutoral de B. A. Jones (“The Formation of the Book of the

Twelve: A Study in Text and Canon”) e dois livros que, como os livros de

Nogalski (1993), se tornam referências para o tema: R. Rendtorff: “How

to Read The Book of the Twelve as a Theological Unity”; e P. Reddit:

“The Production and Reading of the Book of the Twelve”.

d) 1996 – obra de Steck: “Die Prophetenbücher und ihr theologisches

Zeugnis”. Da mesma forma que T. Collins, não trata especificamente do

tema dos Doze, mas aborda o processo do desenvolvimento dos livros

proféticos como um todo, afirmando que esse incremento ocorreu não

por simples adições, mas por releituras ao longo de sua formação. Utiliza

como principais exemplos o livro de Isaías e o livro dos Doze.

e) 1998 – “Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs”, de A. Schart, que

também marcou seu espaço entre as principais publicações sobre o

tema.

f) 2000 a 2003 – principais obras do período, segundo as pesquisas de

Lima (2007, p. 198) são: J. D. Nogalski – M. A. Sweeney (ed.), “Reading

and Hearing the Book of the Twelve” (2000); “Society of Biblical

Literature. Seminar Papers 41” (2002); P. Reddit – A. Schart (ed.),

“Thematic Threads in the Book of the Twelve” (2003).

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Redditt e Schart (2003, p. 3) asseveram que "os Dozes passaram por um

processo de crescimento que resultou em uma coleção coerente tão merecedora de

ser chamado um livro como Isaías, Jeremias, Ezequiel", reforçando assim o livro dos

Doze como uma unidade. Afirma, ainda, que o livro dos Doze foi formado como

resultado de uma revisão de pesquisas de tópicos temáticos dos próprios livros dos

doze individualizados, por isso a grande relação de intertextualidade. Ressalta, que

a soma das partes, ou seja, o livro sendo considerado como uma unidade traz

melhores resultados do que considerados individualmente. Lyons (2014, p. 80-81)

afirma que esta tese não é incontestável e cita entre os principais críticos: Ehud Ben

Zvi (1997, p. 433-459), que considera os doze livros como independentes,

separados entre si.

Esta pesquisa considera os argumentos favoráveis a uma unidade dos

profetas menores por meio de um processo redacional mais coerentes, devido aos

seguintes indícios temáticos e formais:

a) Indícios temáticos:

O conjunto apresenta uma mensagem unificada em torno dos temas

pecado – punição – restauração (HOUSE, 1990, p. 71-73). Um dos

pontos fundamentais da teologia dos Doze é o tema da restauração

(destaque na parte final de Joel), que sucede o retorno ao Senhor e

está relacionada à concepção do “dia do Senhor” e da renovação do

povo, pontos que interligam o conjunto dos Doze. Coggins (1994, 57)

apresenta outros temas unificadores: palavras de juízo (Os, Am);

oráculos contra as nações estrangeiras (Na, Hab, Sf); e palavras de

esperança (Ag, Zc, Ml).

Presença de temas que transcorrem pelo conjunto dos Doze: como: a)

a relação de Israel com os povos estrangeiros (tendência a uma

generalização do poder hostil sem uma identificação concreta); b) a

atitude em relação ao culto (mensagem de condenação à comunidade

de Yahweh, sucedida pela conversão e celebração de culto purificado)

– (COGGINS, 1994, p. 57-68);

Repetições de expressões no inicio e fim das seções dos diferentes

livros: aliança e eleição; fidelidade – infidelidade; afastamento –

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retorno; a justiça e a misericórdia de Deus; o reinado de Deus; o lugar

da morada de Deus (no templo, em Sião); as nações estrangeiras

como inimigas ou aliadas. Conforme T. Collins (1993, p. 65);

Moldura global identificada pela relação entre a metáfora de pai-filho

no inicio da coleção (Oséias 11,1-2) e final do conjunto (Ml 1,6-7).

Conforme T. Collins (1993, p. 81);

O emprego de temas de transição. Exemplo: Miquéias termina com a

destruição da Assíria e Habacuc anuncia a vinda de Babilônia

(REDDIT, 2000, 398).

b) Indícios formais:

Relações de intertextualidade entre os livros dos Doze gerados a partir

do trabalho de redação final. Nogalski (1996, 102-104) aponta quatro

tipos de intertextualidade com indícios formais: a) citação: repetição

textual de uma frase ou parágrafo existente em outra fonte; b) alusão:

ligação com outros textos evocada por termos comuns; c) palavras

gancho: utilização de termos significativos para ligação imediata de

textos, geralmente (embora não exclusivamente) textos seguidos, no

final de um livro e no início de outro, e que servem para dirigir a leitura;

d) elementos emolduradores: elementos literários colocados em

posição de moldura (títulos, gêneros literários, estruturas paralelas,

palavras gancho, alusões). Para Nogalski, as palavras gancho é que

trazem maior contribuição para essas relações, considerando-as como

inserção proposital do redator final ou como palavras pré-existentes,

criando relação entre os escritos já existentes, bem como influenciando

na ordem entre o conjunto dos Doze.

Titulo dos livros – os títulos são apresentados como elementos

emolduradores, considerados seguros pela maior evidência de terem

sua origem nos editores, que permitem fundamentar a unidade e a

formação da coleção dos Doze (RENDTORFF, 2000, 420-432;

FREEDMAN, 1997, p. 367-382). Segundo Albertz (2002, p. 213-233),

com exceção do livro de Oséias, que por questões teológicas foi

colocado antes de Amós, os quatro profetas menores datados (Oséias,

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Amós, Miquéias e Sofonias) foram alocados em uma ordem

cronológica e formam o que ele chama de: “livro dos quatro”. Defende

sua tese, argumentando que estes livros apresentam uma redação e

teologia comum, tendo como centro o tema do juízo como purificação.

Outro argumento significativo é o textual, em que se considera a crítica

textual como indicador de uma atividade literária e editorial. Um dos autores que

utiliza deste argumento é Jones (1995, p. 6-7), que compara a ordem dos livros no

cânon hebraico, na LXX e em um manuscrito encontrado em Qumran (4QXIIa). O

rolo 4QXIIa é um dos mais antigos (datado paleograficamente para o século II a.C.)

dos sete fragmentos dos Doze descobertos em Khirbet Qumran e contém partes dos

livros de Zacarias, Malaquias e Jonas. Jones afirma que os manuscritos hebraicos e

gregos encontrados são datados por volta de 150 a 100 a.C. Jones chega a

conclusão de que as diferenças encontradas devem ser atribuídas à atividade

redacional dentro do processo de formação do cânon do AT e não por questões de

ordem crítico-textual.

Fuller (1996, p. 86-101) corrobora com a utilização da tradição manuscrita

como recurso para entendimento da formação do conjunto dos Doze. Para ele, há

uma inter-relação entre a história e a transmissão destes textos. Cita o manuscrito

4QXIIa&b como comprovação de que a coleção em hebraica dos Doze já estava

completa no século II a.C.

Segundo Lima (2007, p. 196-197), os primeiros profetas individuais que

foram estudados em relação ao conjunto dos Doze foram: Abdias, Malaquias e

Jonas; Naum, Oséias, Ageu, Zacarias, Habacuc e Sofonias; Miquéias, Amós e Joel.

Para efeito desta pesquisa, entender a relação do profeta Joel com o conjunto dos

Doze, será importante para verificar a possibilidade de datação do livro no século III

a. C.

2.3.2 O livro dos Doze e o livro de Joel

Lyons (2014, p. 80) afirma que nas últimas duas décadas, o Livro dos Doze

tem sido sugerido como o novo objeto de estudo dos estudiosos do Antigo

Testamento, sendo o livro de Joel o centro temático dos Doze. Afirma que a maioria

dos grandes volumes sobre os Doze da última década tem dedicado um artigo sobre

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o livro de Joel. Segundo Lima (2007, p. 198), uma das instituições que mais tem

contribuído para o estudo sistemático sobre os Doze é a Society of Biblical Literature

(SBL)3.

Conforme já citado anteriormente, Nogalski (2000, p. 92) sugere que o livro

de “Joel foi compilado por um redator final especificamente para o Livro dos Doze e,

posteriormente, serve como ‘âncora literário’ para os Doze, servindo como a ‘chave

interpretativa para unificar os principais tópicos literários nos Doze”. Coloca o livro de

Joel na categoria de “escrito por meio do qual todos os principais temas do ‘Doze’

devem passar” (NOGALSKI, 2000, p. 105).

Esta pesquisa não tem a intenção de comprovar a unidade do livro dos

Doze, mas considera que não há como negar a grande relação entre o livro de Joel

e os Doze. Entende-se que mesmo que haja a relação estreita entre os livros, não

se pode afirmar que o todo foi elaborado com o desígnio de formar uma unidade

completa. Lima (2007, p. 214) afirma que “os elementos comuns entre os doze,

mesmo se proviessem de uma mesma redação não constringem à conclusão de que

o todo forme uma unidade estritamente coesa”.

No entanto, a releitura das tradições nesse processo de formação é

inegável, bem como a proeminência do livro de Joel em relação aos temas

recorrentes no conjunto. Um dos exemplos já citados e que se destaca entre o livro

de Joel e os Doze é o tema do “dia de Yahweh”, que foi relido por várias vezes pela

tradição em diversos momentos históricos, socioeconômicos, culturais e teológicos.

A interpretação desse tema ao longo do conjunto dos Doze evidencia também essa

diferença de momentos, como acontece também dentro do próprio livro de Joel,

conforme já citado. Textos que apresentam uma abertura de significado, viabilizando

reinterpretações em momentos posteriores, em novas circunstâncias, sem a

necessidade de vincular os escritos de épocas diferentes, mas como um

“empréstimo” de termos já utilizados que podem ser contextualizados em momentos

diferentes e com novo significado.

_______________ 3 A Sociedade de Literatura Bíblica (SBL) foi fundada em 1880 como a "Sociedade de Literatura

Bíblica e Exegese". Ela foi a primeira associação interdenominacional dedicada aos estudos bíblicos na América do Norte e tem como carro forte o “Journal of Biblical Literature”, que iniciou suas publicações em 1881.

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O cuidado de considerar os demais livros do conjunto, bem como outros

livros proféticos correlacionados, quando se estuda um dos livros dos Doze, é

sugerido por Lima. Ele recomenda “não isolar um texto ou um livro do conjunto,

primeiramente dos doze, mas também, em outro nível, da literatura profética como

um todo e, por fim, dos escritos bíblicos em sua totalidade” (LIMA, 2007, p. 215).

Nogalski (1993b, p. 23) afirma que “Joel apresenta inúmeras conexões para outras

partes do Livro de Doze”. Ele, em seu livro “Redactional processes in the Book of the

Twelve”, destaca duas perícopes (1,1-14 e 4,1-2) para demonstrar esta relação, que

serão utilizadas por serem adequadas para o objetivo desta pesquisa.

A perícope 1,1-14, que descreve a praga dos gafanhotos, é a mais notável

de todas as relações de Joel com os Doze, em especial Jl 1,6f que desempenha um

papel significativo na ligação Naum-Habacuque. Naum (3,15) faz uma magistral

descrição metafórica da destruição da grande e poderosa Assíria por gafanhotos.

Ele zomba (3,17) dos assírios, temíveis e comparados com grande exército de

gafanhotos, não podem evitar a própria destruição. De forma semelhante,

Habacuque (1,9) utiliza da mesma figura, mas agora contra os inimigos imperialistas

de sua época, os babilônicos. Estes que haviam derrotados os Assírios, portanto

ainda mais poderosos e temíveis do que aqueles. Considerando este contexto,

Nogalski (1993b, p. 23) afirma que “dentro do maior movimento do Livro dos Doze,

Joel 1-2 prepara o terreno literário para a expectativa de uma horda de destruição

que vem contra Jerusalém”.

Nogalski como um dos defensores de leitura do livro dos Doze como um

único trabalho literário, afirma que a descrição magistral de um exército invasor

semelhante a uma praga de gafanhotos em Joel permanece viva. Acrescenta ainda

que a segunda parte de Joel (Jl 2-4) faz paralelo com o oráculo contra os babilônicos

de Isaias 13, e que o leitor dificilmente pode evitar a percepção da metáfora

gafanhoto-exército de Joel nestes livros (Isaias, Naum e Habacuque), no que se

refere à história de Judá e Jerusalém (NOGALSKI, 1993, p. 23).

Conforme já citado anteriormente, a praga de gafanhotos era bem conhecida

do povo de Israel, bem como de outros povos vizinhos, como no conhecido “mito

ugarítico de Anat, chorando a morte de Baal”. A comparação de praga de

gafanhotos com exércitos, como já visto, também era uma linguagem comum para o

povo, bem como a própria experiência literal da praga e das devastações que

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deixavam para o povo. Nas duas referências paralelas de Joel citadas: Naum

(3,15.17), Habacuque (1,9) e Isaias (13) os inimigos são identificados, o que não

acontece em Joel (1,1-14). No caso de Joel, isso dá margem para várias

interpretações, pois dependendo da datação que é atribuída ao livro, os

especialistas identificam seus inimigos. Outra interpretação possível, como Joel não

identifica uma data específica, é a praga de gafanhotos simbolizando os inimigos

imperialistas que invadiram Jerusalém ao longo do tempo. Portanto, como figura

universal que representa os inimigos imperialistas que oprimiram o povo de Israel

em qualquer época. Esta pesquisa segue esta última interpretação, como um

recurso da literatura apocalíptica da periodização da história, que será aprofundado

no capítulo cinco.

Outra conexão comum em Joel e nos Doze que reforça esta interpretação,

apesar de não ser exclusiva deste conjunto, é a descrição botânica das

consequências da praga dos gafanhotos em Jl 1,5-7:

5 Acordem, bêbados e chorem! Gemam, beberrões, porque lhes tiraram o

vinho da boca. 6

Pois um povo poderoso e sem conta invadiu minha terra. Seus dentes são como de leão e sua goela como de leoa.

7 Deixou minha

vinha arrasada e as figueiras reduzidas a galhos secos. Comeu-lhes até a casca e os galhos ficaram brancos (NOVA BÍBLIA PASTORAL, 2014, p. 1122).

Segundo Nogalski (1993b, p. 24) esta linguagem botânica aparece em

quase todas as conexões dos livros dos Doze, entretanto não é suficiente para

provar que todo o conjunto é um único trabalho literário, mas facilita a consistência

literária dos Doze.

Nogalski (1993b, p. 24) ao falar sobre a composição de Joel e a conexão

entre Jl 1,1-14 e Oséias 14,2ss, destaca a perícope de Jl 1,2-4:

2 Ouçam isto, anciãos; prestem atenção, habitantes da terra! Já terá

acontecido coisa igual no tempo de vocês ou no tempo de seus pais? 3

Contem tudo isso a seus filhos; depois, eles contarão para os filhos deles, e estes irão contar para a geração seguinte.

4 Aquilo que o gafanhoto cortador

deixou, o gafanhoto destruidor devorou; aquilo que o destruidor deixou, o gafanhoto saltador devorou; aquilo que o saltador deixou, o gafanhoto descascador devorou (NOVA BÍBLIA PASTORAL, 2014, p. 1122).

Estes versos, para Nogalski, aparecem somente em Joel e não são citados

no texto paralelo de Oséias. Justifica esta inclusão em Joel, argumentando que o

texto tem o papel meramente redacional e literário, com especial destaque para os

gafanhotos. Nogalski considera o texto como uma introdução literária ao gênero

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apocalipse. Destaca que a maioria dos comentaristas interpretam Jl 1,4 como uma

série de ataques de gafanhotos e Jl 1,6 como um inimigo político. Enquanto 1,3 é o

comando para se repetir a mensagem do livro para as gerações seguintes. A

devastação do presente servindo como alerta para salvação no futuro, condicional

ao bom relacionamento com Yahweh. Para Nogalski (1993b, p. 24), “este relato tem

lugar literariamente com a incorporação de vários escritos proféticos no Livro dos

Doze”.

Outra perícope em que Nogalski (1993b, p. 26) estuda as conexões,

conforme já citado, é Jl 4,1-21. Ele considera o capítulo quatro como uma unidade

de redação, contendo quatro unidades individuais:

a) 4,1-3: introdução;

b) 4,4-8: oráculo contra Tiro, Sidon e a Confederação Filisteia;

c) 4,9-17: chamada para o julgamento escatológico;

d) 4,18-21: promessa escatológica de restauração.

Conforme já visto na seção que trata da estrutura do livro de Joel, o capítulo

4 retrata em uma imagem escatológica, os efeitos de longo prazo da resposta de

Yahweh à oração e penitência dos sacerdotes de Jl 2,17. Os três primeiros versos

do capítulo 4 (4,1-3) introduzem as últimas perícopes do livro:

A - A chegada da restauração de Judá e de Jerusalém (4: 1)

Β - Julgamento das nações no vale de Josafat (4: 2)

C - A escravidão do povo de YHWH (4: 3)

C '- A escravidão do povo de YHWH (4: 4-8)

B '- Julgamento das nações no vale de Josafat (4: 9-17)

A '- A chegada da restauração de Judá e de Jerusalém (4: 18-21)

Segundo Nogalski (1993b, p. 26-27), Joel 4,1-21 é o mais recente bloco de

material que foi incluído no livro. Sua composição literária, introduzindo as três

unidades restante do capítulo, demonstra unidade e não deve ser analisada

independente da forma canônica atual. Isso, “sem necessariamente implicar que o

capítulo inteiro foi composto especialmente para o livro”. Enquanto Bergler (1988, p.

342) afirma que o modelo da compilação dos primeiros capítulos (1-2), “demonstra

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uma quantidade considerável de adaptação de material pré-existente, bem como a

simples incorporação de poemas pré-existentes no contexto com pouca mudança”.

O capítulo quatro apresenta esse mesmo uso de blocos pré-existentes (4,4-8 e 4,9-

17), em conjunto com blocos de composição no início e fim da unidade (4,1-3,18-

21).

Plöger (1968, p. 100-105) e Wolff (1975, p. 5-7) argumentam que a perícope

de Jl 3,1-5 foi inserida entre 2,27 e 4,1. Ressaltam que a fórmula introdutória em 3,1

e 4,1 favorece para uma ordenação cronológica dos eventos, onde 4,1-21 reflete o

ocorrido na perícope anterior e explica a mudança de orientação a partir de então.

Enquanto Yahweh move em direção da libertação em Jerusalém (3,5; 4,1), ele

também reúne as nações (4,2) para serem julgadas pelo seu tratamento para Judá e

Jerusalém, mas em Joel a salvação é estendida para além do território dos judeus,

para “toda carne”. Diferente de outras passagens nos Doze, como Zacarias (8,20-

23) e Malaquias (1,11-14), que oferecem libertação somente dentro dos territórios de

Judá e Jerusalém. Por outro lado, o julgamento contra as nações contido em Joel

4,1-21 estabelece uma relação com os oráculos contra as nações em Amós (1-2),

embora Joel seja mais orientado escatologicamente (ver Jl 4,16 e Am 1,2), o que

pode demonstrar a releitura apocalíptica de um texto profético.

No capítulo cinco será apresentada uma proposta de estrutura para o livro

de Joel com considerações a respeito das possíveis últimas três inserções do livro

de Joel (Jl 2,26b-27; 4,4-8; 4,18-21). Antes, porém, será feita uma aproximação à

literatura apocalítica e ao contexto político, socioeconômico, cultural e ideológico em

que possivelmente estava inserido o redator final do livro de Joel.

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3 APROXIMAÇÕES À LITERATURA APOCALÍPTICA

Neste capítulo serão abordados alguns temas que permitirão uma

aproximação sobre a literatura apocalíptica, com intuito de possibilitar a

caraterização do livro de Joel por meio da identificação do gênero apocalipse a partir

das indicações textuais do livro.

3.1 INTRODUÇÃO À LITERATURA APOCALÍPTICA

De início, para o estudo da literatura apocalíptica, merecem ser destacados

os principais nomes que contribuíram para a pesquisa sobre o tema. Ana Valdez

(2002, p. 55-56), ao comentar sobre as principais contribuições cita obras como: a)

The Anchor Bible Dictionary, que oferece uma introdução ao tema com artigos de

fundo de grandes especialistas da área; b) “The Rediscovery of Apocalyptic” de K.

Koch (1970), “The Dawn of Apocalyptic” de P. Hanson (1975) e “The Relevance of

Apocalyptic” de H. Rowley (1944), publicado também no Brasil pela Editora Paulinas

em 1980 sob o título “A importância da Literatura Apocalíptica”, que “marcaram uma

época ao reavivarem o interesse por um tema há muito esquecido e posto de parte

pelos estudiosos bíblicos”; c) Volume 14 da Semeia editado por J. J. Collins (1979) e

“The Encyclopedia of Apocalypticism”, editado também por J. J. Collins (1998).

Obras que iniciaram “então uma nova era nos estudos bíblico-teológicos” sobre o

tema. Portanto, autores como Klaus Koch, P. Hanson, H. Rowley e J. J. Collins são

importantes para entendermos o andamento da pesquisa sobre a literatura

apocalíptica.

A importância do estudo da literatura apocalíptica judaica e o aumento do

interesse já foram enfatizados por Rowley (1980, p. 11) em sua obra “The Relevance

of Apocalyptic”, no prefácio do livro (p. 10) que teve sua primeira edição em 1943. O

interesse foi evidenciado também nas últimas décadas (COLLINS, 2010, p.17;

SOARES, 2006, p. 99; ANA VALDEZ, 2002, p.55). Entretanto, Rowley (1980, p. 11-

14) destaca que dentre os escritos apocalípticos, os dois que foram canonizados

(Daniel no AT e Apocalipse no NT) são os mais consultados. Mesmo assim, os

textos mais emblemáticos são preteridos pela parte histórica, como exemplo, ao

comentar a respeito do interesse sobre o livro de Daniel, cita que “as visões da

segunda metade do livro despertam menor atenção, pelo que são ignoradas”. Além

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disso, reforça que textos apocalípticos são menos familiares, considerados

espiritualmente de menor importância e mal interpretados por muitas pessoas. Logo,

este é mais um dos motivos que fortalecem a necessidade de disseminação dos

estudos desta literatura.

Segundo Käsemann (1969, p. 40) a apocalíptica é considerada a mãe de

toda teologia cristã. Esta afirmação demonstra a importância do estudo desta

literatura para o entendimento da própria teologia que permeou boa parte do período

pós-exílio, principalmente, o chamado período do segundo templo e na era da igreja

primitiva.

Para iniciar o estudo da literatura apocalíptica se faz necessário conhecer a

classificação, algumas expressões peculiares, bem como a origem desta literatura.

3.1.1 Conceitos, expressões e classificação da literatura apocalíptica.

Collins (2010, p. 20) afirma que a maioria das literaturas apocalípticas não

foi reconhecida como pertencente a esse gênero antes do cristianismo. Segundo

ele, “a primeira obra introduzida como um apokalypsis é o Apocalipse de João, do

Novo Testamento, e mesmo assim não está claro se a palavra denota uma classe

especial de literatura ou se é utilizada, em sentido mais geral, como revelação”. Por

ser considerado um produto do judaísmo tardio, marginal e contra cultural, o gênero

apocalíptico teve seu valor minimizado em relação a outros escritos bíblicos por

alguns teólogos do século XIX, como Julius Wellhausen e Emil Schürer (COLLINS,

2010, p. 18).

O gênero apocalipse aparece em momentos de crise e como resposta para

superação de situações limite. Possui características peculiares que, conforme

citado anteriormente, tem dificultado o entendimento de seu conteúdo e sua

mensagem. Por isso, a necessidade de conhecer alguns conceitos desta literatura e

da identificação de termos que causam certa confusão nos estudantes desse tipo de

literatura. Existem três termos que precisam ser clarificados, são eles: “os

apocalipses”, “o apocalipticismo” e “o pensamento apocalíptico”, também conhecido

como “apocalíptica” ou “escatologia apocalíptica”.

Segundo Hanson (1976, p. 27-34), esta tríade deve ser utilizada, levando em

consideração que se trata de um fenômeno judaico antigo, ou seja, que no contexto

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original, os autores não distinguiam rigidamente entre gênero, ideologia e

perspectiva. Por isso, o cuidado que se deve ter com a integridade e complexidade

dessa composição. Para melhor entendimento esses termos ou expressões

merecem um detalhamento maior.

1) Apocalipse (gênero)

O termo utilizado para definir a literatura apocalíptica é “apocalipse”. O termo

grego “Apokalypsis”, de forma simplificada, significa “revelação”. Como afirmado na

introdução, não existe um consenso com relação ao período que vai da origem ao

desaparecimento desse gênero literário. A concordância é que inicialmente se

tratavam de escritos judaicos que também foram apropriados pelos cristãos. Mesters

e Orofino (2008, p. 52) esclarecem que além das demais formas de expressão

literárias utilizadas pela igreja primitiva (história em Atos dos Apóstolos, cartas e

epístolas como nos escritos paulinos, cânticos, evangelhos escritos, entre outros)

cada uma na sua função, o apocalipse tem como propósito “anunciar a Boa-Nova de

Deus aos pobres em época de perseguição e de perplexidade”.

O modelo de estrutura típica para definição do gênero literário apocalipse é

definido a partir dos primeiros versículos do “Apocalipse de João”: a) revelação dada

por Deus; b) utilização de um mediador; c) mensagem a um visionário; d) previsão

de eventos futuros. Collins traz a seguinte definição para o gênero literário:

Um gênero de literatura revelatória com estrutura narrativa, no qual a revelação a um receptor humano é mediada por um ser sobrenatural, desvendando uma realidade transcendente que tanto é temporal, na medida em que deslumbra salvação escatológica, quanto espacial, na medida em que envolve outro mundo, sobrenatural (COLLINS, 2008, p. 22).

Apocalipse, portanto, se refere a um gênero literário caracterizado por uma

revelação de Deus, mediada por um ser sobrenatural, que envolve também o

cosmos. Enfatiza o interesse pelo mundo celestial e a influência deste na história

judaica e no destino do mundo cósmico, principalmente no relacionamento do povo

judeu e seus opressores, numa relação de resistência à atuação destes.

Collins (2010, p. 23-25) classifica o gênero literário em dois tipos: a)

apocalipses históricos; b) apocalipses de jornadas sobrenaturais ou de viagens a

outro mundo.

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a) Apocalipses históricos

Os apocalipses históricos são caracterizados pelo interesse no

desdobramento da história em várias épocas (NOGUEIRA, 2016, p. 51). A visão de

um sonho simbólico (Dn 2 e 7), a epifania, o discurso de um anjo, o diálogo de

revelação, o midraxe, o pesher e o relato de revelação são os meios de revelação.

As ênfases do conteúdo da revelação são: a profecia ex-eventu (periodização da

história e da profecia relativa a reinado) e as predições escatológicas. Um contexto

de crise, conflito e sofrimento, mas que apresenta uma esperança no fim. Uma

mensagem que incentiva a resistência por um pouco mais, pois a salvação está

próxima. Este tipo de apocalipse desvenda a resposta divina a uma crise iminente

ou em andamento de perseguição e cataclismos, conduzindo ao final da ordem do

mundo atual por meio do julgamento dos injustos e salvação dos justos. Neste tipo

de apocalipse, a periodização da história se torna uma característica básica, tendo

como ápice a revelação do que acontece próximo do último período histórico.

Gottwald (1998, p. 547) assevera que a armação do palco do tempo do fim

parte da “‘revelação’ acerca da história passada na forma de profecia-após-o-evento

(assim denominada vaticinia ex eventu) relatada a partir do ponto de vista do antigo

destinatário”, como exemplo cita o livro de Daniel. Outros exemplos de apocalipses

históricos: 2 Baruque, 4 Esdras, Jubileus, Apocalipse das Semanas, Apocalipse

Animal.

b) Apocalipses de jornadas sobrenaturais ou de viagens a outro mundo.

Este tipo de apocalipse tem sua ênfase nas especulações cosmológicas,

como no exemplo clássico do Apocalipse de João. A transposição do visionário e a

narrativa de revelação são os meios de revelação e o conteúdo da revelação está

relacionado a coisas reveladas, visões das moradas dos mortos, listas de vícios e

virtudes, cenários de juízo e visões de trono. As jornadas sobrenaturais são

classificadas de acordo com sua escatologia: 1) uma revisão da história (aparece

somente em Apocalipse de Abraão); 2) escatologia pública, cósmica ou política (ex.:

1 Enoque, 2 Enoque, Testamento de Levi 2-5, Livro dos Vigilantes, Livro

Astronômico e Similitudes); 3) ênfase no julgamento individual dos mortos (ex.: 3

Baruque, Testamento de Abrãao e o Apocalipse de Sofonias).

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Nogueira (2016, p. 51) afirma que os dois tipos de apocalipses (histórico e

de jornada sobrenaturais) compartilham algumas características básicas como

“revelações sobrenaturais mediadas por um anjo ou algum ser sobrenatural, o foco

no fim dos tempos e história, que, de forma geral, envolve a transformação deste

mundo”. Ela reforça que “comumente, os apocalipses são textos escritos que

reivindicam ser tanto inspirados quanto antigos”.

Segundo Gottwald (1998, p. 541) um apocalipse pode ser exclusivamente

histórico (revelação temporal), exclusivamente de jornadas sobrenaturais (revelação

espacial), bem como pode ser constituído da mescla dos dois tipos (exemplo de Ap

4-11). Reforça, também, a independência do gênero na sua formulação literária, pois

“um apocalipse funcional pode ser somente parte de composição mais extensa”,

como exemplo do livro de Daniel, em que a parte apocalíptica do livro (Dn 7-11)

complementa a parte “não apocalíptica” (Dn 1-6). No entanto, sua composição, o

livro de Daniel é considerado como pertencente ao gênero literário apocalipse.

Gottwald ressalta que para uma visão completa de livros do gênero apocalipse, “faz-

se necessário olhar para a forma resultante da combinação de materiais de outros

gêneros com apocalipses segundo definidos estritamente”.

2) Apocalipticismo (ideologia)

Ester termo ou expressão se refere a um movimento social e religioso

influenciado pelo pensamento apocalíptico. A ênfase é para o estudo do contexto

socioeconômico, político e ideológico das comunidades de onde surgiram os autores

dos apocalipses, os chamados grupos apocalípticos. Ana Valdez (2002, p. 58)

afirma que estamos “perante um universo simbólico que rege a sua atuação, ou

seja, estamos frente a frente com um movimento histórico”. Esse movimento é uma

visão de mundo que surgiu como resposta aos problemas gerados durante o período

de opressão sob os impérios helênico e romano (COLLINS, 2000, p. 157). Não

existe unanimidade entre os especialistas se o apocalipticismo é anterior ou

posterior ao gênero apocalíptico. Segundo Ana Valdez (2002, p. 59), nas pesquisas

atuais prevalece a posterioridade dessa visão (apocalipticismo) “visto ser entendida

por analogia com o gênero”. Ela conclui que:

Sendo assim, o apocalipticismo não é apenas o universo, é o meio onde é possível conjugar a identidade apocalíptica e sua interpretação da realidade, ou seja, algo bem mais complexo. É exatamente por causa desta

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última questão, que estes movimentos não precisam ser comunitários, podendo ser de caráter individual (ANA VALDEZ, 2002, p. 59).

Como visto essa definição não é tão simples, pois considerando que esses

movimentos não precisam necessariamente ser comunitários, implica que obras

apocalípticas de caráter individual podem surgir de universos não apocalípticos.

Enquanto, existem comunidades consideradas apocalípticas, como os essênios, que

segundo Ana Valdez (2002, p. 59), “não implica que toda a sua obra seja

apocalíptica”. Portanto, segundo essa afirmação, existem comunidades

apocalípticas que produzem escritos apocalípticos e não apocalípticos, bem como

autores apocalípticos que possuem a visão de mundo apocalíptico, mesmo não

pertencendo a uma comunidade apocalíptica.

3) Escatologia apocalíptica, apocalíptica ou pensamento apocalíptico

(perspectiva)

O termo se refere à perspectiva religiosa específica do plano final de Deus

com relação à história da humanidade, ou seja, sua intervenção no processo de

opressão e oprimidos. A escatologia não é exclusiva do gênero apocalíptico, mas

esteve presente na literatura da antiguidade. A escatologia foi ao longo do tempo um

recurso do gênero profético, que com a evolução do pensamento profético para o

apocalíptico, da visão histórica do fim dos tempos, que foi frustrada no período pós-

exílio, para uma visão cósmica (HANSON, 1979, p. 8-12). A evolução da escatologia

profética para a escatologia apocalíptica é um dos argumentos de alguns

especialistas para demonstrar a origem da literatura apocalíptica. Para Gottwald

(1998, p. 542), “numa descrição fenomenológica, o coração do pensamento

apocalíptico é recapitulação e avaliação radicalmente novas da história como tendo

percorrido o seu curso”. Neste pensamento, o pessimismo e otimismo em relação à

história interagem, pois o “pessimismo radical a respeito do significado da história

funde-se com o otimismo radical no sentido de que a história está prestes a

extinguir-se antes do reino divino”.

Segundo Collins (2010, p. 18), em pesquisas acadêmicas mais recentes, o

termo “apocalíptica” tem sido abandonado como um substantivo. Estas pesquisas

fazem distinção entre “apocalipse como um gênero literário, apocalipticismo como

uma ideologia social e escatologia apocalíptica como um conjunto de ideias e

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motivos literários que também podem ser encontrados em outros gêneros literários e

contextos sociais”. No entanto, não é uma tarefa fácil fazer esta distinção, como

afirma Gottwald (1998, p. 540): “[...] Discussões deste fenômeno, complicadas desde

início pela singularidade da forma e do conteúdo, frequentemente malograram em

fazer distinção, adequadamente, entre os aspectos literários, ideológicos e

sociológicos da pesquisa”.

Para entender melhor a literatura apocalíptica se faz necessário conhecer

sua origem e quais as características que a identifica e diferencia dos demais

gêneros literários.

3.1.2 A origem da literatura apocalíptica

Croato (1990, p. 14) afirma que as origens da apocalíptica “são tributárias de

um contexto histórico-político-cultural e religioso que emerge do pós-exílio”.

Acrescenta que os grupos apocalípticos surgem “como uma forma de protesto, e às

vezes, de resistência, contra um sistema opressor, centralizador do poder,

ideologicamente discriminador, religiosamente monopólico, etc., que de fato os

marginaliza”. Arens assevera:

O gênero apocalíptico está aparentado com o profético, razão pela qual os dois costumam ser confundidos. Para entendê-lo, é necessário conhecer sua origem. O gênero apocalíptico floresceu e era popular especialmente em momentos em que o judaísmo e, em seguida, o cristianismo experimentavam graves dificuldades pelas hostilidades e pelas perseguições por parte dos poderes pagãos. O livro de Daniel foi composto em tempos de perseguições sob Antíoco IV (167-164 a. C.), e o apocalipse de João, quando os cristãos eram vítimas de multiformes hostilidades em tempos do imperador Domiciano (década de 90). Sob estas circunstâncias, muitos se colocavam a lógica pergunta pela presença/ausência de Deus e de sua justiça, pois o mal parecia sair vitorioso. Seus autores assumiram papel semelhante ao dos profetas (de certo modo tomaram sua postura; 1Mc 9,27 afirma que a profecia havia cessado); (ARENS, 2007, p. 110).

O contexto socioeconômico, político e ideológico que formou o ambiente

apocalíptico no período posterior ao cativeiro babilônico foi fortemente influenciado

pelos povos indo-europeus (chue-chi, ários, persas, medos, hititas, gregos, itálicos,

celtas e germanos). Esses povos, segundo Dal´Pupo (2005, p. 28-33), eram povos

guerreiros e dominadores que construíram grandes impérios como o medo-persa,

helênico e romano. O apocalipticismo se estende, aproximadamente, do exílio

babilônico até os primeiros séculos da era cristã, período em que o povo israelita

esteve debaixo do domínio estrangeiro, sem uma monarquia estabelecida e com

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várias diásporas. Momento em que Israel perde o domínio sobre sua terra, seu

templo, que era o grande símbolo de sua crença e as muralhas que protegiam a

“cidade santa”, bem como a figura do líder da nação, o “ungido” de Deus, o rei.

A linguagem apocalíptica deu continuidade à linguagem profética.

Provavelmente poderíamos considerá-la como uma filha da primeira hora e herdeira

da defesa das vítimas da história. Uma linguagem para as vítimas interpretarem a

história e persistirem diante da violência dos mais diferentes impérios. Um

contraponto à propaganda imperialista de uma falsa salvação do bem, da paz e do

progresso. Nesse sentido, a linguagem apocalíptica utiliza uma revelação no

passado para desvelar a situação presente de crise, uma leitura da história dos

impérios a partir das vítimas por meio de figuras de bestas, guerras terríveis, fome,

calamidades, alterações cósmicas, entre outras. A linguagem do gênero apocalipse

é figurada e “em boa medida inspirada na linguagem figurada dos profetas de

antigamente, com a qual se pintam quadros que, portanto, têm sentido quando são

vistos como totalidades”. O contexto de hostilidades produz uma visão pessimista do

mundo “que terá de ser destruído por Deus para inaugurar um mundo novo, livre de

todo mal, paradisíaco para os seus fiéis” (ARENS, 2007, p. 111).

Houve uma transição da predominância da profecia para a apocalíptica na

história do povo de Israel. Os fatos ocorridos na história do povo de Israel foram

conduzindo a mudança de opção de gênero literário, uma vez que o novo ambiente

gerado, principalmente com o cativeiro babilônico, fez emergir novos intermediários

entre Deus e o povo. A forma de crer e se relacionar com Deus também são

afetadas, pois a decadência da monarquia e a perda da terra, considerada santa e

propriedade dada por Deus, trazem conflitos à fé desse povo.

O período profético, anterior ao exílio, era caracterizado por um mensageiro

que tinha certo controle da situação. A ação do profeta era dentro do “seu espaço”,

ou seja, no seu próprio país e com líderes que eram, de certa forma, influenciados

pela teologia nacional. Desse modo, o povo que vivia dentro deste território, desde o

monarca até os camponeses, podia ser convocado e cobrado, pois professava a

mesma religião, fazia parte da mesma nacionalidade e, acima de tudo, tinha a fé no

mesmo Deus (MESTERS e OROFINO, 2008, p. 16-17). Os profetas falavam a uma

nação independente ou com certa independência, com religião e Deus próprio. A

palavra de Deus era concedida livremente, sendo possível até um camponês iletrado

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e sem tradição profética ou formação oficial como Amós possuir a autoridade de

falar em nome de Deus.

Nesse período, os reis eram considerados pessoas escolhidas por Deus,

privilegiadas e com autoridade legitimada pela própria religião. Muitos reis,

aproveitando dessa situação, não agiam com justiça e buscavam interesses

próprios. Alguns sacerdotes e profetas, durante esse período, prestaram serviço aos

reis, que detinham o poder político. Todavia, nem todos tinham esse

comportamento, ao contrário denunciavam o comportamento da monarquia, bem

como dos líderes religiosos que o apoiavam, além de exortá-los ao arrependimento,

caso contrário, seriam julgados e condenados pelo próprio Deus.

Mesters e Orofino (2008, p. 17) destacam a ação de Elias e outros profetas

como Amós, Joel4, Sofonias e Jeremias, que em um período que ficou bem claro o

desvio da monarquia, sendo destemidos, denunciavam e cobravam dos reis a

fidelidade à Aliança com Yahweh. Os profetas e profetisas incentivavam o povo a

confiar na presença de Deus e na construção contínua de seu projeto para a nação,

cobravam a observância da Lei e prática da justiça às pessoas que, teoricamente,

deveriam estar debaixo da mesma aliança, a Aliança com Yahweh. “O Plano de

Deus ia surgindo desta prática. Por isso, os responsáveis pela condução da história

(reis, sacerdotes, nobres e sábios) eram criticados e convocados para assumir o seu

papel na construção do Projeto de Deus” (MESTERS e OROFINO, 2008, p.17).

Esta situação mudou após o exílio babilônico, pois o povo que foi exilado e o

povo que ficou na terra de Israel passaram a responder diretamente ao autoritarismo

dos impérios dominantes. Não havia mais um rei que tivesse o controle da terra, da

produção e da vida do povo. As autoridades judaicas eram submissas ou eram

alinhadas ao soberano estrangeiro e subjugavam os habitantes da terra. Segundo

Schreiner (2004, p. 422), nesse período o povo já declarava a ausência de profetas

(Sl 74.9). No período pós-exílio que surgem os textos apocalípticos, expressos

habitualmente em forma de prosa, narrados com uma linguagem enigmática para

“esconder” o sentido das palavras, dando preferência para parábolas, alegorias e

símbolos. O exílio havia passado, mas o povo continuava sendo oprimido. Como diz

_______________ 4 Os autores caracterizam Joel como literatura eminentemente profética e equivocadamente atribuem a Joel uma atuação crítica contra reis, uma vez que essa figura não é mencionada no livro.

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Schwantes (2007, p. 13) “igualmente horrível era viver oprimido na própria terra”, e

acrescenta “na Bíblia, exílio não é somente deportação ou fuga para terra estranha,

é também opressão e vida indigna na própria terra, no país que nasce”.

O autor profético atua de forma diferente do autor apocalíptico. O texto

profético, expresso habitualmente em forma poética, destaca um orador que fala de

forma clara e chama “pelo nome as coisas, os acontecimentos e as pessoas, porque

querem ser entendidos em tudo pelos seus ouvintes” (SCHREINER, 2004, p. 422).

Enquanto que os textos apocalípticos, expressos habitualmente em forma de prosa,

narrados com uma linguagem enigmática para “esconder” o sentido das palavras,

dando preferência para parábolas, alegorias e símbolos. Assim sendo, o profeta fala

abertamente, denuncia a prática de opressão e injustiça de pessoas que fazem parte

da mesma nacionalidade, pertencentes à mesma religião e crenças, enquanto que o

apocalíptico, que está debaixo do domínio de um opressor estrangeiro, se obriga a

falar não de forma clara, mas enigmática para transmitir uma mensagem subliminar

aos seus destinatários.

No período do segundo templo a Palavra de Deus passa a ser monopólio

dos líderes e sacerdotes do templo. A autoridade para falar em nome de Deus é

centralizada no poder central e urbano. Nesse período a Palavra de Deus,

legitimada pelas autoridades centrais, está escrita e definida, por isso as visões

passam a ser uma alternativa marginal. Dessa forma, a literatura apocalíptica surge

como uma forma de legitimar a revelação que o autor apocalíptico teria recebido por

um mediador que não pertencesse ao grupo centralizado no templo. Nesse caso, a

mediação não ocorria por meio da Palavra, mas por meio de sonhos e visões que se

faziam presente mesmo por quem não sabia ler ou por membros dos grupos

marginalizados pelo poder central.

Mesters e Orofino, ao introduzir o assunto do fenômeno apocalíptico fazem

uma comparação interessante sobre o tratamento atual que é dado a uma pessoa

considerada profeta com o tratamento dado a uma pessoa considerada apocalíptica.

Eles fazem as seguintes considerações:

Quando dizemos: “Fulano é um sujeito apocalítico!”, costumamos indicar uma pessoa que só fala em desastres e fim do mundo. Quando dizemos: “Fulana é uma profetisa!”, indicamos uma pessoa, cuja palavra tem uma mensagem importante para os outros. Como explicar esta diferença? Profecia e apocalipse não são ambas manifestações do mesmo Espírito para o mesmo povo de Deus? Muitas vezes se diz: “Temos que ser

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profetas!” Nunca se diz: “Temos que ser apocalípticos!” Pelo contrário! A palavra apocalíptico parece ter uma apreciação negativa. As igrejas até costumam reagir para manter fora de casa os ares aparentemente confusos e incômodos do movimento apocalítico. Mesmo assim o movimento pentecostal-apocalíptico cresce em toda a parte, sobretudo entre os mais pobres e excluídos (MESTERS e OROFINO, 2008, p. 15).

O surgimento da apocalíptica tem muito a ver com o movimento profético.

No Antigo Testamento, no período conhecido como dos reis, que corresponde

aproximadamente ao período entre 1000 a.C. (surgimento dos primeiros monarcas

de Israel) e 587 a.C. (última leva dos judeus para o cativeiro babilônico), os profetas

faziam parte da vida cotidiana do povo, quer sejam da corte real como dos

camponeses. Após esse período o povo já declarava a ausência de profetas, como

visto no Sl 74.9. Segundo Mesters e Orofino (2008, p. 16), a história chegou a ser

dividida em dois períodos: “o período em que havia profetas, e o período ‘em que já

não havia mais profetas’ (1Mc 9.27). Falava-se de antigos profetas (Zc 1.4; 7.7).

Coisa do passado!”. Neste momento surge o movimento apocalíptico, a transição do

movimento profético para o movimento apocalíptico.

Fialho (2009, p. 76) apresenta algumas diferenças básicas entre profecia e a

apocalíptica:

Quadro 2 – Diferenças básicas entre profecia e apocalíptica

APOCALÍPTICA PROFECIA

Produto do parsismo (Irã e Pérsia)

dualista.

Produto do período do Israel Monarquico

É através da destruição cósmica do

mundo que se origina o novo mundo.

O humano é o sujeito da transformação

do mundo quando ele próprio parte para

o cumprimento.

O juízo de condenação é evento

irrevogável.

O juízo de condenação não é

irrevogável, pode haver arrependimento.

A história é universal e Israel reflete

esta história.

A história centraliza-se em Israel.

Os apocalípticos só escrevem. Os profetas atuam na história além de

escrever sobre ela.

Fonte: Fialho (2009, p. 76) – adaptado.

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Apesar de ser uma adaptação, foi mantida na íntegra a última característica

da apocalíptica descrita por Fialho: “os apocalípticos só escrevem”. No entanto,

merece ser destacado que os “apocalípticos” não são somente escritores. Dentre os

apocalípticos existem grupos passivos que se sentem incapazes de reagir diante

das atrocidades a que estão submetidos e aguardam uma ação divina. Por outro

lado, há os grupos de resistência que atuam até com força bélica em busca da

libertação e mudança de sua própria história, como o caso dos Macabeus, zelotes,

entre outros. A profecia com atuação no âmbito nacional e local tem como Deus

Javé, o Deus nacional de Israel. Por outro lado, a apocalíptica com atuação no

âmbito “universal” e cósmico, Yahweh passa a ser o único Deus de todo universo e

de todos os povos. Destaque para a influência persa na cosmovisão religiosa

dualista de um só Deus para o bem (Ahura Mazda) e uma “divindade” para o mal

(Harimã), além das figuras dos anjos e demônios, entre outras crenças, como será

visto em seção específica sobre a influência estrangeira na literatura judaica. A

diferença entre esses dois grupos será abordada com mais detalhes na próxima

seção, que tratará das características do gênero literário apocalipse.

Collins (2010, p. 43) comenta que uma expressiva literatura acadêmica de

estudo sobre as origens da apocalíptica, ao longo dos anos, se dividiu entre: a) os

defensores de que a apocalíptica tenha surgido da profecia; b) os defensores da

origem estrangeira (dualismo persa); e c) os defensores da origem apocalíptica da

sabedoria (literatura sapiencial), tendo como principal defensor von Rad (2006, p.

723-729). Collins (2010, p. 44-45) afirma que os apocalipses têm influências de

todas essas fontes. Com relação ao dualismo persa, argumenta que apesar de

historicamente essa hipótese ter sido exagerada no passado, não deve ser

desconsiderada. Relativamente à hipótese de von Rad, da derivação da sabedoria,

ele é mais crítico, ao reconhecer que os apocalipses apresentam um tipo de

sabedoria, mas que “não é do tipo indutivo, como encontramos em Provérbios”

(COLLINS, 2010, p. 45). Afirma que a proposta de von Rad tem contribuído mais no

sentido de “reconduzir a atenção àqueles aspectos dos apocalipses que são

cosmológicos e especulativos, em vez de escatológicos” (COLLINS, 2010, p. 45).

Portanto, fica claro que houve uma mudança significativa na cosmovisão de mundo

dos judeus, que gerou o desenvolvimento de um novo gênero literário.

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Schreiner, partindo desse pressuposto, situa a transição da profecia para a

apocalíptica a partir de Zacarias.

Nas sete visões noturnas de Zacarias (Zc 1-8) já se realiza uma primeira passagem da profecia para a apocalíptica. A sua mensagem se reveste de imagens singulares, fantásticas e estimulantes. Aparecem cavalos e cavaleiros, cornetas e ferreiros, carros entre montanhas de bronze, lâmpadas e oliveiras, um enorme rolo volante e a impiedade como uma mulher fechada em um grande recipiente. A pessoa se os objetos são símbolos de situações e acontecimentos. O vidente não pode explicá-los para si mesmo; mas um anjo se encarrega disso (SCHREINER, 2004, p. 421).

Entretanto, ele afirma que o texto apresenta temática e conceitos de cunho

apocalíptico, mas ainda sem a forma estritamente do gênero apocalipse. Para

Hanson a literatura apocalíptica é proveniente de um sincretismo das literaturas

profética, escatológica das mais diversas tradições teológicas e sapiencial. Ele

afirma que o gênero literário apocalipse foi influenciado pela mentalidade mais vasta

e complexa do Antigo Oriente e seu reino mítico dos deuses. Na busca de

elementos apocalípticos nos profetas, ele classifica o Dêutero-Isaías como o

protótipo da apocalíptica (séc. VI); Isaías 24-27, 34-35, 60-62 e Zacarias 12-13 como

apocalíptica intermediária (primeira metade do séc. V); a estrutura do Trito-Isaías

(exceção de Is 60-62), e Zacarias 11 como apocalíptica plenamente desenvolvida,

considerando o período de 475 a 425 a.C. (RUSSELL, 1997, p. 41-42). Croato

(1990, p. 8) inclui Joel 3-4 como apocalíptica intermediária.

Gottwald (1998, p. 544) traz uma importante contribuição que pode servir de

uma síntese do que foi comentado sobre a origem da literatura apocalíptica:

Em todos os exemplos anteriores a Daniel (ou às seções mais primitivas de Henoc 1 que podem antedatar Daniel), estes elementos manifestamente apocalípticos deixam de congelar-se no modelo literário-conceitual integrado acima delineado, que articula o mundo celeste ou anuncia o iminente fim da história. Parece, pois, que formas e conteúdos proto-apocalípticos dispersos, oriundos da profecia, tiveram vida de cerca de quatro séculos no meio de Israel antes de se fundirem na massa crítica de revelações radicais do tempo do fim. Quase o mesmo desenvolvimento prolongado pressupõe-se, caso se acentuar a contribuição de sabedoria para a apocalíptica em termos de fascínio da sabedoria pela ordem cósmica, o determinismo, a teodiceia e as interpretações de sonhos. Associações de sabedoria com apocalíptica são patentes, porém, elas geralmente dizem respeito à forma da apocalíptica em vez de ao conteúdo talvez também à experiência visionária profética.

A origem profética e sapiencial da apocalíptica foi evidenciada nos

comentários anteriores e complementada pela citação de Gottwald. Todavia, a

formação prolongada utilizada por Gottwald para caracterizar os escritos anteriores a

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Daniel como proto-apocalípticos, em especial com relação incompatibilidade parcial

destes escritos com o modelo “que articula o mundo celeste ou anuncia o iminente

fim da história”, como também pela ausência da “massa crítica de revelações

radicais do tempo do fim” não parece apropriada. Conforme descrito na seção

anterior os escritos apocalípticos se classificam em apocalípticos históricos e de

jornadas sobrenaturais, devido a diferença de abordagem, entretanto, ambos

apocalípticos. Com relação a ampliação da radicalidade das revelações do tempo do

fim, isso pode demonstrar uma evolução de uma literatura (apocalíptica), sem

necessariamente deixar de pertencer ao gênero. Este argumento auxilia na

identificação da literatura do livro de Joel como literatura apocalíptica, que será

descrita no capítulo cinco.

Schreiner (2004, p. 419) afirma que o período que antecedeu o surgimento

do Novo Testamento, a fé na intervenção divina no futuro do povo judeu teve uma

remodelação por meio da escatologia apocalíptica. Segundo ele, a apocalíptica

trouxe “um novo olhar para o futuro e da última forma de falar das esperanças

referentes ao fim. A escatologia apocalíptica é a derradeira grande expressão

teológica do antigo espírito israelítico”.

Richard (2006, p. 139) afirma que “na literatura apocalíptica, o tema central é

a oposição aos impérios”. No entanto, o autor apocalíptico não podia expressar

abertamente sua “revelação”, pois estaria sujeito a sanções e perseguições. Para

compreender a mudança de expressão escrita do autor profético para o autor

apocalíptico, se faz necessário conhecer melhor o contexto social, político,

econômico e ideológico em que o este autor estava inserido. Dessa forma, pouco

depois do cativeiro, esse tema passa a ser predominante e impactante na vida do

povo judeu, em especial no período em que este povo esteve sob a maior opressão

e sofrimento, como na época em que estiveram sob o domínio dos impérios persa,

grego e romano.

Este assunto será abordado no próximo capítulo, que tratará da relação da

sociedade judaica com as sociedades estrangeiras e opressoras, com destaque

para a relação com a sociedade grega. Por enquanto, veremos quais as principais

características da literatura judaica apocalíptica.

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3.2 CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO LITERÁRIO APOCALIPSE

A literatura apocalíptica apresenta algumas características que lhes são

peculiares como uma série de revelações de segredos do plano divino revelados a

um profeta por meio de visões, de sonhos ou de raptos fora do mundo real.

Revelações expressas por meio de uma linguagem figurada, geralmente inspirada

em uma figura profética da antiguidade (ARENS, 2007, p. 111). Como visto, esta

nova composição é que dá a característica apocalíptica para a obra completa. O

ponto de partida para a análise da presença ou ausência de características de um

gênero é o texto da fonte primária a ser pesquisado. Gottwald (1998, p. 540) afirma

“uma vez que nossa prova mais sólida é textual, um esclarecimento literário de

apocalíptica é o lugar para começar”. Para tanto, serão analisadas as características

da literatura apocalíptica para identificarmos no texto canônico final do livro de Joel a

presença ou não destas características (capítulo cinco).

Para Ana Valdez (2002, p. 57) o gênero literário “se reflete num grupo de

textos que contém um conjunto de características que os permite reunir por

afinidade”. Koch (1972, p. 28-33) apresenta 08 características, que na sua opinião,

podem ser distribuídas de forma uniforme pelos mais diversos escritos do gênero

apocalipse: 1) insistente expectativa de iminente destruição de todas as condições

terrestres num futuro imediato; 2) o fim por meio de uma imensa catástrofe cósmica;

3) a relação entre o tempo do fim e a história antecedente da humanidade e do

cosmos; 4) presença anjos e demônios; 5) catástrofe seguida por salvação; 6) a

entronização de Deus e a vinda de seu reino; 7) o aparecimento de um mediador

com funções reais; 8) a glória da era futura.

Não existe uma lista única, mas algumas características são comuns.

Russell (1964, p. 105) é outro que apresenta uma lista ampla de características, que

segundo ele servem para demonstrar o modo particular e de crença do gênero: o

transcendentalismo; a mitologia; a descrição cosmológica; a descrição histórica

pessimista; o dualismo; a divisão do tempo em períodos; a doutrina das Duas Eras;

a numerologia; o pseudo-êxtase; as reivindicações artificiais de inspiração; a

pseudonímia; o esoterismo; a unidade da história; a concepção da história cósmica

relativa a terra e céu; a ideia da originalidade das revelações desses escritos

concernentes à criação e queda dos homens e dos anjos; a fonte do mal no universo

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e a parte desempenhada nele por influências angelicais; o conflito entre bem e mal

(luz e trevas, Deus e Satanás); o surgimento de uma figura transcendental chamada

“o Filho do Homem”; o desenvolvimento da crença em vida após a morte em seus

vários compartimentos (como Inferno, Geena, Paraíso e Céu, ressurreição e juízo).

Considerando somente os aspectos literários, sem considerar o conteúdo da

mensagem, Russell (1964, p. 107-139) relaciona 04 características. Textos:

1) de caráter esotérico (revelações de segredos divinos por meio de sonhos

ou visão à indivíduos ilustres);

2) formulados por escritos (registro de mensagem escrita em um passado

distante para ser preservada por várias gerações, escondida para ser

revelada próximo do fim iminente);

3) escritos com linguagem simbólica (cenas dramáticas mais acentuadas do

que as utilizadas na prosa comum; figuras extravagantes, exóticas,

fantásticas e bizarras);

4) pseudonômicos (utilização de grandes nomes do passado como Enoque,

Moisés, Daniel, entre outros).

Arens (2007, p. 111) resume a característica do gênero apocalíptico como

aquele que:

[...] se apresenta como produto de uma série de revelações de segredos (seu nome, do grego apokálypsis – revelação) e de planos divinos a um “profeta” (porta-voz), seja por meio de visões, de sonho, seja de raptos fora deste mundo. O mais notório é sua linguagem: cheia de imagens e de símbolos que hoje em dia nos resultam obscuros ou incompreensíveis (monstros, astros, catástrofes, cores, cifras). É uma linguagem figurada, em boa medida inspirada na linguagem figurada dos profetas de antigamente, com a qual se pintam quadros que, portanto, têm sentido quando vistos como totalidade.

Definir conteúdos próprios de uma literatura apocalíptica não é uma tarefa

fácil, pois muitas características são também comuns a outros gêneros. Ana Valdez

(2002, p. 57) afirma que “há escritos claramente apocalípticos que não têm todas as

características comuns a esse gênero”. Defende que diferente de escritos

puramente apocalípticos como o Apocalipse do NT, outros, como exemplo o

conhecido livro de Daniel, apenas em partes de seu texto reúne as características do

gênero. Ressalta que isto quer dizer “que este último tipo de texto é do tipo

compósito, ou seja, congrega vários gêneros literários, o que se pode transformar

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numa grande dificuldade para quem os lê”. Guimarães (2015, p. 56) corrobora com

essa afirmação ao comentar sobre as características de literatura apocalíptica de I

Enoque: “nele encontramos cenas proféticas referentes ao fim, inauguração de uma

nova ordem celeste em que tudo se fará novo e promessa de paz após Deus

exercer seu juízo. Contudo, ele não possui exclusivamente elementos do gênero

literário apocalíptico”.

A análise crítica das formas auxilia na identificação de vários elementos

constitutivos do Gênero apocalíptico, tanto no que se refere à forma como ao

conteúdo da revelação (GOTTWALD, 1998, p. 540). Villanueva (1992, p. 193)

defende que a literatura apocalíptica "deve ser definida não só pelo seu conteúdo,

mas também pelo seu gênero ou seus símbolos típicos”. Em sua pesquisa sobre as

características da literatura apocalíptica chega a conclusão de que o eixo temático

dessa literatura é a revelação e suas características gira em torno desse eixo. Desse

modo, afirma que resta analisar as características quanto ao meio e o conteúdo da

revelação. Proposta que será utilizada como referência para esta pesquisa,

acrescentando comentários de redatores mais recentes.

3.2.1 Características quanto ao meio da revelação

Quanto aos meios de revelação, Villanueva (1992, p. 195-205) apresenta

três características: 1) pseudonímia; 2) visões e simbolismo; 3) interpretação das

escrituras.

3.2.1.1 Pseudonímia

Uma das peculiaridades dos autores apocalípticos judaicos é de não se

identificarem nos seus escritos, mas fazerem uso de grandes nomes que receberam

revelações em passado remoto da história do povo para lhes atribuírem autoria.

Russell (1964, p. 127) afirma que os escritos apocalípticos do Antigo Testamento

são todos pseudonômicos, inclusive aqueles que se encontram inclusos nos livros

proféticos. Entretanto, a pseudonímia não é uma exclusividade da literatura

apocalíptica.

Villanueva (1992, p. 196-199) relaciona algumas razões para utilização da

pseudonímia: a supremacia da Lei, imitação, personalidade corporativa,

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identificação, medo, para dar uma determinada localização histórica à obra e para

dar maior autoridade à obra. O autor apocalíptico pode acumular algumas dessas

razões, dependendo de suas motivações e condições contextuais (política, religião,

economia, extrato social, entre outras).

a) A supremacia da Lei

A supremacia da lei a coloca como soberana e forma final de revelação de

Deus para a época pós-exílica. Considerando que o cânon profético foi encerrado no

século II a. C., os escritos posteriores a esse período devem ser datados em período

anterior, quando a Palavra de Deus “estava” com o poder centralizado e urbano,

para serem incluídos entre esses livros. Charles (1963, p. 198) afirma que esta foi a

justificativa para a inclusão do livro de Daniel no cânon.

b) Imitação

Histórias anônimas em que o autor apocalíptico inclui visões para identificar

com o texto original. Rowley (1980, p. 37) sugere o livro de Daniel como precursor

desta aplicação.

c) Personalidade Corporativa

Ocupa um papel central na pseudomínia. Os autores tomam por “direito de

herança” a tradição apocalíptica que se remonta aos grandes heróis da antiguidade

como Enoque, Moisés, Esdras, entre outros, não com o objetivo de enganar seus

leitores, mas para se apresentar como interpretes daqueles. Russell (1964, p. 133;

1973, p. 114) utiliza o termo “extensão da personalidade” para expressar essa

mesma ideia.

d) Identificação

Tem relação direta com a personalidade corporativa, pois neste caso o

autor define o nome a ser dado a autoria por identificação com seu “herói” do

passado. O nome escolhido dava efetividade e autoridade a sua obra, mas as ideias

são identificadas entre redator e suposto autor escolhido. Collins (1977, p. 72)

apresenta dois exemplos: o livro de Daniel e o livro de Deuteronômio. No primeiro

exemplo, o autor depois de apresentar o suposto autor do livro e seu contexto,

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apresenta visões na primeira pessoa, como suas. No segundo exemplo, que não

sendo escrito por Moisés, o autor faz referências a eles por identificação com o

personagem.

e) Temor

Devido aos conflitos, opressão e aplicações de represálias de conotação

política, que é natural no ambiente apocalíptico, o autor faz uso da pseudonímia

para não se expor aos perigos de retaliação (HANSON, 1979, p. 252). Por outro

lado, algumas obras apocalípticas destacam o martírio como algo benigno à

reversão da situação de opressão e ao propósito divino, como ocorre nos capítulos

onze e doze do livro de Daniel.

f) Para dar uma determinada localização histórica à obra

A efetividade da pseudonímia depende do quanto o autor apocalíptico

conhece sobre a história, ou seja, sua visão da história (HARTMAN, 1966, p. 25).

Vale ressaltar que, em alguns casos, a exatidão histórica não é o que realmente o

autor quer mostrar, mas sim o fato relatado com objetivo de passar uma mensagem

específica.

g) Para dar maior autoridade à obra

O autor apocalíptico faz uso da autoridade de determinada personalidade

da antiguidade por ser respeitada como receptora de revelação divina, re

reconhecida pela sua comunhão com Deus e sabedoria para lidar com as mais

diversas situações limite.

Os autores apocalípticos não tinham a mesma preocupação do que os

autores atuais, que se inquietam com a possibilidade de perder a paternidade ou os

direitos autorais de determinada obra (COLLINS, 1977, p. 74). Segundo Villanueva

(1992, p. 201), os autores apocalípticos não tinham interesse em fraudar a autoria,

pois provavelmente seus leitores sabiam que se tratava de pseudonímia e tinham

conhecimento da utilização de parte de obra da antiguidade. Além disso, os nomes

dos “heróis” do passado tinham um profundo significado para eles, tanto em relação

ao caráter como à relação a determinado grupo ou família. “O autor justificava o uso

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do nome de seu herói em virtude das afinidades existentes e a continuidade da

tradição”.

3.2.1.2 Visões e simbolismo

A visão é a forma mais comum de revelação na literatura apocalíptica e varia

entre as que ocorrem nos céus com as que ocorrem na terra, em geral,

acompanhadas de epifanias. Conforme já mencionado, essa nova forma de

revelação servia para contrapor ao modelo do poder central e dominante, que

“controlava” a autoridade para falar em nome de Deus.

O autor apocalíptico não utiliza uma linguagem comum e rotineira, mas faz

uso de imagens e visões e, às vezes, desconhecidas de seus leitores,

principalmente quando o tempo entre a escrita e os receptores é muito longo. As

visões do Apocalipse de João são estranhas, fora do comum, irreais, principalmente

para os receptores atuais. Segundo Mesters e Orofino (2008, p. 55-58), as visões e

símbolos trazem uma série de ensinamentos possíveis com esta característica,

como exemplo: trazer conforto e coragem na luta; transformar a saudade em

esperança; comunicar ao povo o poder de Deus; defender-se contra os opressores

do povo; fazer-se entender pelo povo das comunidades; uma chave para ler a

realidade de outra maneira.

As visões também são comuns no gênero profético, entretanto tem função

diferente. Enquanto as visões proféticas representam a mensagem que os profetas

querem transmitir, as visões apocalípticas são simbólicas e o entendimento de sua

mensagem depende de interpretação externa (VILLANUEVA, 1992, p. 200-201).

Os símbolos utilizados nos apocalíticos também têm origem na simbologia

profética, entretanto não é a única fonte. Delcor (1977, p. 111) e Russell (1964, p.

123) comentam sobre a utilização da mitologia babilônica pelos apocalípticos. Como

exemplo pode ser citada a evolução na utilização de textos do AT do antigo mito

babilônico do combate entre o criador e o monstro marinho (Jó 7,12; 9,13; 40,15-24;

Is 27,1) para os textos apocalípticos (1 Enoque 60,7-9; 2 Esdras 6,49-52; 2 Baruque

29,24).

As visões e simbolismo podem ser utilizadas como formas de literatura ou

como expressão de experiências. Às vezes, são utilizadas como forma literária para

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expressar pensamentos familiarizados pelo autor e leitores. “Mas, também, é notável

que, de vez em quando, especialmente quando chegar a visões noturnas ou sonhos,

estão apresentando experiências muito vivas e reais para eles” (VILLANUEVA,

1992, p.201). O desafio hermenêutico é entender a mensagem real que o autor quis

trazer, sem radicalizações ou fundamentalismo.

Quanto às epifanias, elas estão presentes em vários textos do AT: relatos

dos patriarcas (Gn 20,3; 31-24), história de Israel (1 Re 3,5; 9,2), como nos profetas

(Ez 1-2). As epifanias eram comuns também nos mitos dos cananeus e em todo

Oriente Antigo.

3.2.1.3 Interpretações das escrituras

Uma característica dos escritos apocalípticos é a interpretação dos escritos

proféticos para transmitir sua mensagem (RUSSEL, 1964, p. 178; COLINS, 1984, p.

9-10; HARTMANN, 1966, p. 108-109). Russel (1964, 184-187) propõe um modelo

que entende ser seguido pelos escritos apocalípticos:

a) Processo da interpretação.

Tanto a interpretação da profecia como dos escritos apocalípticos são

resultado da reflexão teológica e literária. Reinterpretação tanto de livros proféticos

(Jr 25 e Dn 9) como apocalípticos anteriores (Dn 7 e 4 Esdras 12,11-14).

b) Apresentação da interpretação.

Tem um papel significativo na pseudonímia. História passada é apresentada

em forma de profecias com algumas partes já cumpridas e outras ainda não

cumpridas e que terão sua realização no tempo presente da escrita ou revelação do

livro.

c) Valor da interpretação.

Reinterpretação apocalíptica de antigas promessas proféticas com seu

verdadeiro significado para o contexto do tempo do fim. Interpretação comum aos

documentos de Qumran. Exemplo: Documento Zadoquita 1,5-12; 20,14-15.

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d) Instrumentos utilizados na interpretação.

Utilização de maneira livre da mitologia e simbolismo dos povos vizinhos, em

especial da Babilônia e Pérsia. Por exemplo, a relação de Zc 6 e Ap 6, utilizam os

mesmos símbolos (cavalos coloridos), mas com significados diferentes (DELCOR,

1977, p. 121).

e) A numerologia na interpretação.

A simbologia por meio da numerologia tem um impacto significativo nos

escritos apocalípticos. Como exemplo pode-se citar a interpretação dos setentas

anos de Jeremias pelo redator de Daniel.

3.2.2 Características quanto ao conteúdo da revelação

Quanto ao conteúdo da revelação, Villanueva (1992, p. 205-217) apresenta

cinco características: visão da história; caráter esotérico; as duas idades ou eras;

clímax escatológico; dimensão cósmica.

3.2.2.1 Visão da história

Conforme já citado anteriormente, uma das características da literatura

apocalíptica é utilizar determinado contexto histórico para que autor apresente sua

visão da história, com base na situação em que vivia. Como referenciado na seção

anterior, o pensamento e o mundo do profeta era bem diferente do mundo do autor

apocalíptico.

a) Posição do autor.

Enquanto o escritor profético questionava o presente por meio do passado e

futuro, os autores apocalípticos se localizavam no contexto histórico de seu “herói”

do passado e, a partir daí, relatavam os eventos do passado na forma de revelações

de Deus. O interesse do autor apocalíptico está voltado para o futuro, quando

acontecerá a solução dos problemas do passado, presente e futuro.

b) Periodização da história

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A história não é vista de forma contínua, mas dividida em blocos de acordo

com o plano determinado de Deus. A concepção determinista da história na

mentalidade judaica, provavelmente foi influência dos persas. A periodização ocorre

por meio da profecia ex-eventu em que o conteúdo da revelação é desvelada

simbolicamente em blocos como em Daniel 2 e 7.

c) Valorização da história.

Uma visão pessimista da história, uma permanente decadência como

verificado no capítulo dois de Daniel, onde a decadência da história é explicitada

pela desvalorização dos metais que representa. Entretanto, o autor coloca o

momento presente como o momento da intervenção de Deus e mudança do rumo

histórico. Neste esquema, todos os acontecimentos são interligados e estão sob a

direção e soberania de Deus, o controlador da história. Para o apocalíptico a história

está sobre o controle de Deus e é única no sentido humano, cosmológico e

espiritual. Um plano único sob o comando de Deus, entendido como o único Deus

de todo o universo.

Nos escritos apocalípticos o tempo do passado, presente e futuro se

confundem, às vezes o texto dá a impressão de estar falando do futuro, quando na

verdade é história do passado ou mesmo do momento presente. Ao comentar sobre

o livro de Apocalipse, Mesters e Orofino (2008, p. 60), afirmam que na época da

escrita desse livro a igreja vivia um tempo de crise e de perseguição, sem

perspectiva de solução. O autor apresenta uma história do passado conhecida de

seus leitores, o plano inicial de Deus, a partir deste visualiza o que já ocorreu, o que

está ocorrendo e o que faz parte do plano final de Deus. O presente é mostrado

como algo imediatamente antes do fim. Surge a esperança. Como exemplo prático,

sugerem imaginar-se em uma corrida ou uma caminhada em que você não vê o fim,

está cansado (a), as forças estão se acabando, de repente, alguém avisa “falta

pouco, daqui a poucos metros é a chegada”. Palavras que servem para reanimar as

forças daqueles que estão à beira do desânimo e/ou da desistência. Assim se

apresenta o Apocalipse, como uma esperança em meio a sofrimentos e tempos de

crise.

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3.2.2.2 Caráter esotérico

Os relatos históricos como as visões são codificados e nem todos

conseguem descodifica-los. Visões são seladas e segredos são pedidos (Daniel

8,26; 12,9; 1 Enoque 1,2; 81,2). O contexto social, político, econômico e ideológico

debaixo de perseguição e opressão, do ambiente apocalíptico produz uma literatura

de protesto só poderia ter uma mensagem codificada (FROST, 1952, p. 4).

Nos escritos apocalípticos o “mistério” passa a ser predominante e com

sentido teológico bem definido, ou seja, o segredo escatológico é o que vai

acontecer no futuro predeterminado por Deus. O desvelamento ou revelação dos

segredos divinos é um tema preponderante na literatura apocalíptica. O caráter

esotérico dos escritos apocalípticos não é despretensioso, mas pertence a grandes

sistemas teológicos e construções doutrinárias. Basta perceber a influência deste

caráter esotérico nos escritos neotestamentários.

3.2.2.3 As duas idades ou eras

Nesta concepção a idade ou era que vivemos não está na mesma linha e de

forma contínua com a era que está por vir. O fim da linha desta era finaliza na

eternidade, que é atemporal, incomensurável e transcendente (VILLANUEVA, 1992,

210). A era atual do apocalíptico é tempo de injustiça, espera-se por uma nova era

estabelecida por Deus. O dualismo pragmático, diferente do metafísico é uma das

características primárias da literatura apocalíptica, chamado de “dualismo histórico”

por North (1953, 138). A era presente vista com pessimismo devido às crises e

sofrimentos e uma nova era, uma nova criação com novos céus e nova terra, um

novo Éden restaurado.

O reino de Deus como uma esperança de uma destruição catastrófica do

mundo presente e o surgimento de um novo passa a dominar o pensamento judaico.

Segundo Russell (1991, 351), a visão da história passa a ser compreendida a partir

de uma visão dualista do mundo (tensão entre a visão cósmica e a realidade), a

doutrina dos dois eóns: eón presente que se contrapõe ao eón futuro. Nesta nova

concepção a mudança não virá de uma ação humana, mas de uma ação direta,

catastrófica e radical de Deus na história, único capaz de realizá-la. A instauração do

reino de Deus, onde Deus se apresenta como o rei universal que domina os reinos

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humanos, assume o controle e dá um fim nas práticas opressoras e,

consequentemente, nos sofrimentos e angústias do povo oprimido. A implantação de

uma justiça que salva o justo e pune os injustos e ímpios, inclusive com a realização

de ressurreição (Dn 12,2). O reino de Deus como um reino indestrutível e

intransferível, instaurado por mão do Deus único sem qualquer intervenção humana

(Dn 2,34-44).

3.2.2.4 Clímax escatológico

A escatologia apocalíptica foi um dos grandes diferenciais do movimento

apocalíptico em relação aos demais movimentos judaicos. Segundo Villanueva

(1992, p. 212) a escatologia apocalíptica tem duas origens: a mítica, oriunda dos

povos vizinhos (Mesopotâmia, Egito, Ugarit) e a origem cultual. Com relação à

origem mítica com influência dos povos vizinhos, provavelmente seja somente no

que se refere ao vocabulário, dados as diferenças entre as perspectivas judaicas e

dos povos vizinhos, como afirma Mowinckel (1975, p. 141).

[...] demostra que a "profecia" no sentido bíblico da palavra, não existia no mundo antigo e, portanto, também a mensagem de esperança futura, especialmente em sua visão da história. Se a história se desenvolvia ciclicamente não havia lugar para a escatologia, no verdadeiro sentido da palavra

.

A escatologia apocalíptica tem duas principais características:

a) Os sinais do fim – são sinais da entrada para uma época de crise, mas

com objetivo de preparar os ouvintes para uma nova era de salvação, que se segue.

Os sinais do fim são representados por fenômenos naturais e transformações

cósmicas, que também estavam presentes nos relatos de teofanias do AT como

forma de julgamento sobre Israel, mas diferentes destas, na literatura apocalíptica a

abordagem é mais abrangente, inclui um julgamento sobre os pecadores,

independente de nacionalidade. Arens (2007, p. 111) afirma que a apocalíptica não

tem o propósito de vaticinar ou anunciar como e quando acontecerá o fim, mas

“assegurar aos fiéis sofredores que, no final, seriam eles que triunfariam, e as forças

do mal seriam destruídas, pois Deus é absolutamente fiel: o que ri por último ri

melhor”.

b) A descrição de juízo – o ponto chave é a entronização do juiz e a

execução judicial, que pode ser de caráter final (1 Enoque 1,7,9; 62,2; 69,27; 4

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Esdras 7,33) ou parcial (1 Enoque 10; 61,8). O juízo recai sobre os ímpios e

pecadores, que na maioria dos apocalípticos tem o sentido coletivo (nações e povos)

e não individual. Portanto, os “justos” não teriam o que temer em relação ao juízo.

c) Iminência do fim – a literatura apocalíptica que nasceu e se desenvolveu

em ambiente de crise tem consigo a missão de alimentar as esperanças e,

consequentemente, criar expectativas de que o fim da situação limite era iminente. O

autor apocalíptico escrevia suas obras com a segurança de quem estava vivendo os

“últimos dias” (Dn 8,17.19; 12,13).

A escatologia apocalíptica se apresenta na esfera transcendente, diferente

da escatologia profética que aguardava uma salvação iminente e dentro da história e

flagrou-se frustrada em seus objetivos. A esperança agora não é de uma

transformação voltada somente para Israel, mas uma transformação cósmica e que

abrange toda raça humana.

3.2.2.5 Dimensão cósmica

Não se pode negar o elemento nacionalista da literatura judaica. Entretanto,

como já foi comentado, ela tem como característica o transcendente. Considera

Israel, mas não exclui o resto da criação. (FROST, 1952, p. 8; ROWLEY, 1980, p.

11-53). Os eventos preditos para o fim abrangerão não somente a humanidade, mas

o cosmos corrompido por Satanás e seus anjos, como descrito em alguns

apocalípticos como em 1 Enoque 6-11.

Surge a figura do messias como instrumento de Deus para execução de seu

propósito. Neste contexto surge a figura do “Filho do Homem”, que segundo

Villaneuva (1992, p. 216) representada na esfera transcendente e como instrumento

da ação divina. Ao comentar sobre o assunto, Rowley (1980, p. 29-32) afirma que

“em todo o livro de Daniel, não encontramos a figura do messias, embora achemos o

termo exatamente como o encontramos por todo o Antigo Testamento” e quanto se

refere ao “filho do homem” que “em Daniel não é uma figura individual”, mas

coletiva. Reforça que “não há evidência de que o filho do homem fosse identificado

com o messias até o tempo de Jesus”. Villanueva (1992, p. 216) concorda que em

Daniel essa relação não está clara, como ocorre no livro de Enoque.

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Nos escritos apocalípticos é apresentado um Deus universal, que comanda

não somente uma região tida como dos eleitos, mas um Deus soberano sobre toda a

humanidade e sua criação. Villanueva (1992, p. 217) termina seu artigo rebatendo

as críticas de que a literatura apocalíptica devido à sua visão cósmica perde seu

objetivo para a realidade:

Tem sido frequentemente sugerido que a apocalíptica é uma espécie de mecanismo de fuga, em que o homem levanta os olhos ao céu para escapar de sua situação histórica. No entanto, embora seja verdade que o apocalíptico levanta os olhos ao céu, seus pés estão firmemente instalados no chão.

A história demonstra que a apocalíptica tem servido como uma literatura de

resistência contra os impérios opressores e que serviu para transformar as situações

limite e proporcionar por meio de insurreições e protestos pelo próprio povo oprimido

a libertação, ainda que temporariamente. No entanto, não se pode negar a utilização

desta literatura como fuga da história, como já aconteceu e continua acontecendo

nas mais diversas interpretações teológicas das variadas religiões.

A teologia apocalíptica tem como centro o confronto entre um povo oprimido

e um império opressor (poder bestial e desumano), portanto de caráter político

(RICHARD, 1990B, p. 22). Maia (2011, p. 40) afirma que o conceito do reino de Deus

é uma expressão politica para designar o poder de Deus sobre os reinos humanos:

O conceito de Reino de Deus nasce no contexto em que a prática da justiça é suprimida, portanto é uma expressão política que está diretamente vinculada ao campo e emprego do “poder” – está em jogo uma expressão política para designar o agir de Deus, que, no entanto, refere-se de imediato ao senhorio dos homens sobre homens, visto que em consequência, o agir de Deus expressa-se com o conceito segundo analogia humana (cf. as bem-aventuranças). O poder político de Deus é o Reino.

Essa teologia produz esperança no povo oprimido, a expectativa da

destruição do poder opressor por meio do juízo de Deus, a vitória do reino de Deus

sobre o império humano e injusto, finalizando com a história de sofrimento e o

estabelecimento de um período de paz, inclusive com a presença de todos santos

que morreram, vítimas da opressão do império opressor e ressuscitadas pelo poder

do rei Yahweh (RICHARD, 1990A, p. 23-30). A esperança em tempos de crise e

profundo desespero é um dos principais propósitos da literatura apocalíptica,

segundo Arens (2007, p. 111):

O propósito fundamental dos escritos apocalípticos era infundir esperança em uma situação sentida como desesperadora, dar ânimo quando parecia melhor renunciar, afirmar a fé em momentos em que há dúvidas sobre a

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justiça divina, assegurando aos seus leitores (mediante os quadros que pintavam, onde se contrasta o mau, com o bom, as trevas com a luz) que no final desse túnel escuro está a luz salvadora para os que permanecem fiéis ao Senhor, apesar de todas as adversidades. A apocalíptica não tinha como finalidade vaticinar ou anunciar, com todo o luxo de detalhes, o final do mundo e os resplendores da ‘nova Jerusalém’, de modo que possamos antecipar como e quando acontecerá esse fim.

Esta definição do propósito dos escritos apocalípticos pode dar uma dúbia

interpretação com relação aos seus autores ou aos grupos a que estes pertencem.

De um lado, os autores podem ser identificados com grupos passivos a espera de

uma ação divina para resolver seus problemas, sem a necessidade de medidas para

mudar a situação de opressão vivida. Por outro lado, os autores podem ser

identificados com grupos de resistência que se inspiram na proteção do “Deus

Guerreiro” e que tomam a força bélica como uma mão divina à sua disposição para

se libertar da opressão estrangeira. Estes grupos podem fazer parte de um grupo

judaico elitizado, com condições de “fazer acontecer” com relação aos escritos, ou

um grupo oprimido, fora do poder estatizante e com “condições” de elaborar um

escrito com as características do gênero apocalíptico. A alternativa vem com a

possibilidade de um acordo entre os grupos judaicos da elite e do grupo dos

desfavorecidos, com vistas a um benefício comum, quando se trata de poder

opressor estrangeiro. Essa problemática será tratada no capítulo cinco, que

caminhará obrigatoriamente com a análise da origem dos escritores apocalípticos

(grupos ou pessoas influenciadas pela mentalidade apocalíptica).

Arens (2007, p. 542) afirma que não existe consenso evidente a respeito de

uma caracterização apropriada de apocalíptica, bem como do “alcance exato do

corpus apocalíptico de escritos”. A descrição fenomenológica do mundo de

pensamento apocalíptico influencia para “se chegar a especificação diferente de

escritos apocalípticos ‘verdadeiros’ distinguíveis daqueles que foram simplesmente

atingidos por maneirismos literários ou ideias isoladas”. Por isso, a proposta de

utilização dos critérios apresentados nesta seção como parâmetro para identificar as

características literárias presente no livro de Joel será apresentada no capítulo

cinco.

Estas características literárias demonstram que a mudança entre a forma

literária anterior à apocalíptica foi influenciada por cultura estrangeira. Mas até que

ponto foi essa influência? Quais e de quem vieram essas influências? Qual a

importância de avaliarmos esse tema? É o que veremos na seção seguinte.

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3.3 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NA LITERATURA JUDAICA

Davies (1989, p. 245) afirma que “se a rede for lançada, como se deveria,

para além do mundo judaico, encontrar-se-ão excelentes exemplos no Egito (a

Crônica Demótica) e na Babilônia (existe uma série de ‘apocalipses acádicos’), para

nada dizer da Grécia e de Roma”. A relação do povo da Palestina com outros povos

não teve consequências somente no ambiente político, mas também cultural e

literário. Lara (2009, p. 27) afirma que as relações do povo de Israel com os diversos

povos antigos (egípcios, sírios, assírios, filisteus, babilônios, persas, gregos e

romanos) “influenciaram sua linguagem, seus símbolos, e conceitos de fé”.

Na perspectiva apocalíptica, Richard (1990, p. 6) afirma que o maior desafio

não é o confronto político-militar, mas o confronto cultural, ético e religioso:

A literatura apocalíptica tem como contexto histórico fundamental a confrontação Povo de Deus-Império. Não se trata tanto de um confronto político-militar e sim de uma confrontação cultural, ética, espiritual e teológica [...] Quando a terra parece destruída e ameaçada de morte, quando as maiorias pobres e oprimidas são cada dia mais excluídas das possibilidades de vida, então, se torna imperioso reconstruir na consciência o projeto de Deus, oculto aos poderosos, mas revelado aos humildes (Mt 11,25-26). A Apocalíptica é a conquista da consciência para a transformação da terra.

A literatura apocalíptica forma não somente a consciência política de seus

leitores, mas também a consciência cultural e religiosa. Neste contexto de influência

cultural e religiosa na formação da literatura apocalíptica judaica, dois impérios se

sobressaem: o Império Persa e o Império Grego.

3.3.1 A influência persa na literatura judaica

Segundo Fialho (2009, p. 75) “com a escola germânica temos a ideia da

origem da apocalíptica num ambiente extrabíblico, no contexto do parsismo5 –

religião ou cultura persa”. Rowley (1980, p. 18) defende que a profecia foi o berço da

literatura apocalíptica, mas concorda com a escola germânica sobre a importância

do período em que Israel esteve sob o domínio persa e a influência que esse povo

teve sobre a cultura israelita.

_______________ 5 Parsismo é sinônimo de zoroastrismo, masdaísmo e masdeismo. Termos atribuídos à religião fundada na antiga Pérsia pelo profeta Zaratustra, conhecido pelos gregos por Zoroastro. Entre suas principais crenças estão: paraíso, ressurreição, juízo final e a vinda de um messias.

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Pouco se conhece a respeito dos persas no período anterior ao século VI

a.C. “A primeira tribo persa aparece em 836 a.C. Em 713 a.C. foram mencionados os

príncipes medos que, mais tarde, conquistaram o Império Assírio” (LEITE FILHO,

1994, p. 119). Em 559 a.C., um príncipe chamado Ciro se torna rei de uma tribo no

sul da Pérsia e, em cinco anos, governador de todos os persas. Conhecido na

história como Ciro, o Grande, um dos maiores conquistadores. “Dentro do pequeno

espaço de vinte anos, fundou um império maior que qualquer outro que jamais

existira” (DAMIÃO, 2003, p. 83). O império compreendia a região do Índico ao

Mediterrâneo, das mesetas da Ásia Central às cataratas do Nilo. A vitória de Ciro

sobre a Babilônia dá aos persas um império com duração de aproximadamente dois

séculos (538 a.C. até 333 a. C.). Os persas introduzem nova forma de administrar os

povos dominados, bem como impõem uma nova cultura e influência religiosa.

Segundo Leite Filho (1994, p. 119), o reino persa sob o comando de Ciro,

“surgiu das ruínas do reino medo, que exerceu fortes influências culturais e

religiosas sobre o novo reino”. O sistema de administração implantado pelo Império

Persa (divisão em satrapias, centralização com forte sistema de comunicação nas

mais diversas regiões, criação de grandes estradas, canais, serviços postais,

aumento do número de hospedarias) favoreceu a disseminação da religião persa.

Fohrer (1982, p. 442) aponta duas influências estrangeiras na religião

judaica no período pós-exílico tardio: a religião cananeia e a religião persa. A ênfase

é dada na influência persa, pois os perigos da religião cananeia eram os cultos

sexuais e práticas antigas já conhecidas dos judeus. A religião persa introduziu

novos conceitos religiosos que influenciaram profundamente a visão de mundo do

povo judaico, com destaque para o agudo dualismo entre o bem e o mal, conceito de

julgamento após a morte e a apoteose final do mundo no reino de Deus. Fohrer

(1982, p. 442) chega a afirmar que “a religião persa destruiu uma religiosidade

puramente cultual como aquela que predominava em Jerusalém. Assim, o javismo

parecia estar em perigo mortal em Jerusalém”. No entanto, Gerstenberger (2014, p.

81) afirma que “a história da religião da antiga Pérsia não é fácil de ser reconstruída.

Como todas as religiões, também a iraniana sofre desenvolvimentos de longo prazo

e revoluções”.

O pensamento apocalíptico, com seu forte dualismo cosmológico, teve sua

origem na religião persa de Zaratustra (Zoroastro). Segundo Blank (2008, p. 39-40),

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Zaratustra viveu em torno de 570 a 500 a.C., contemporâneo de Ciro, Cambises e

Dario, que estabeleceu uma teologia monoteísta e apresentou pela primeira vez a

perspectiva apocalíptica. Blank sintetiza a teologia da história em três princípios que

influenciaram “profundamente o surgimento do pensamento apocalíptico em Israel”:

1. A história é uma luta entre o princípio do bem e um princípio do mal;

2. Haverá um juízo sobre essa história, e esse juízo será um holocausto

cósmico;

3. Haverá um julgamento individual após a morte e um julgamento universal

do cosmo, após a ressurreição.

Entre os muitos profetas da religião persa, Zoroastro, forma grega derivada

de Zaratustra, se destacou. Leite Filho (1994, p. 122) comenta que estudos sobre

Zaratustra apontam parentesco com o imperador persa Ciro e sua relação com a

aristocracia persa:

Segundo estudos feitos por Herzfield, analisando e comparando informações contidas nos Gathas, Zaratustra era filho de Atossa (Hutosa no Avesta) e neto de Ciro. Seu protetor, Vishtaspa, cujo nome aparece nos Gathas, era pai de Dario. Zaratustra era kavi, isto é, membro das famílias aristocráticas do país. Ele fora desterrado por um edito de Cambises. Fugiu para Tosa, onde Vishtaspa era sátrapa. Casou-se com Hvogva, sua terceira mulher, filha de Frashaostra, ministro da corte de Vishtaspa; com isso, o edito foi anulado. O filho de Zaratustra casou-se com a filha de Giamaspa, outro ministro daquela corte.

Após a morte de Zaratustra foram organizados o sacerdócio e o sistema de

doutrinas do zoroastrismo, que previa um complexo sistema de anjos e demônios.

Segundo Damião (2003, p. 89) “o centro de adoração no sistema do zoroastrismo

era o ‘fogo santo’ e o dia do julgamento foi marcado para três mil anos após a morte

do profeta”.

As informações sobre a religião persa antiga são extraídas quase que

exclusivamente dos livros de Avesta, uma coleção de composições religiosas de

diferentes épocas. A língua em que foram escritos os livros também é chamada de

Avesta. Os estudos sobre a religião persa foi organizado a partir dos fragmentos da

literatura avéstica. Segundo Leite Filho (1994, p. 121) o Avesta atual se divide em

cinco partes: Yasna, Visperedd, Vendinad, Yasth e Khorda Avesta. O Vendidad (Ante

os Deuses), o livro XIX do Avesta, contém: ritos de purificação, prescrições legais e

sanções eclesiásticas. De acordo com Leite Filho (1994, p. 121) o Vendidad era “o

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Levítico dos Persas e compõe-se de 22 capítulos (fargards); todos, exceto os dois

primeiros, que se referem à criação à lenda de Yima (o Noé dos persas), são

consagrados às regras que se devem observar nas diversas circunstâncias da vida”.

O zoroastrismo tem como base a existência de dois princípios antagônicos e

inimigos, representados por espírito bons e maus. O supremo representante do bem

é Ormuz (originalmente conhecido como Ahura Mazda), o “deus onipotente, criador

do céu, da terra, dos homens e tudo quanto é bom e agradável no universo”. Além

de criador, Ormuz era conhecido como “juiz, tanto do destino da alma individual após

a morte como no final do tempo terreno do mundo” (LEITE FILHO, 1994, p. 123).

Este deus tem uma legião de divindades menores, sendo o mais importante Mitra

(deus da luz e do fogo - sol), que o auxilia na tarefa de governar o mundo. Ormuz

era representado pelo fogo e o culto oferecido para ele era simples, não exigia

templos nem ídolos. Eram mantidos altares geralmente nas montanhas com fogos

constantemente acessos, onde eram feitas ofertas e sacrifícios de animais, sob a

coordenação de magos. Do outro lado, o representante supremo do mal é

Harimã/Ahriman, representado por uma serpente. Harimã é reconhecido como o

criador do mal: trevas, mentira, dor, crime, seca, doenças, pecado, entre outros. Ele

vive no deserto, entre as sombras eternas, e também tem seus auxiliares, uma

infinidade de demônios (daevas).

Segundo essa crença, o ser humano reproduz em si essa dualidade que luta

entre si, o bem e o mal. Para servir Ormuz deveria buscar o que era justo, manter

uma vida honesta e pensamento puro, caso contrário estaria agradando ao seu

inimigo, representante do mal, Harimã (DAMIÃO, 2003, p. 89). A religião persa

defendia que no final dos tempos o príncipe do mal, Harimã, e toda sua criação

malvada seria aniquilada e, na sequência, instaurado um reino de paz, quando

Ormuz se revestiria da eternidade. Leite Filho (1994, p. 123) adverte que essa

eternidade não pode ser compreendida como a cristã, pois “refere-se a um futuro

sem final, e não a um passado sem começo”.

O ser humano deveria se preocupar com a sua alma e a luta interna entre o

bem e o mal, pois a religião persa defendia a imortalidade da alma e seu julgamento

na eternidade. O comportamento do ser humano, com seu livre arbítrio, definiria seu

destino eterno: mundo dos justos (paraíso), mansão dos pesos iguais (espécie de

purgatório) ou às regiões da escuridão eterna (espécie de inferno). Os corpos dos

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mortos eram deixados expostos ao céu aberto, em altas torres. Não poderiam ser

sepultados, queimados e nem atirados ao rio, pois a terra, o fogo e a água eram

considerados sagrados e não poderiam ser profanados. Acreditava-se que os corpos

dos justos, quando expostos nas altas torres, se secariam como sinal de salvação,

enquanto que os corpos dos injustos seriam devorados pelas aves de rapina, sinal

de condenação (DAMIÃO, 2003, p. 90; LEITE FILHO, 1994, p. 125-127). O

pensamento escatológico era marcante na religião persa. A vida após a morte levava

em consideração a composição física e psíquico-espiritual do ser humano e um

julgamento para recompensa ou condenação:

O corpo perdia sua força vital com a morte, o que originava a decomposição do corpo; na ressurreição, o corpo seria restaurado de forma transfigurada. A parte psíquico-espiritual era composta de: 1) alma (urvan), princípio espiritual que permite vida após a morte da pessoa; 2) daena, modo de pensar, consciência; 3) baodah (no Avesta recente), faculdade perceptiva, conhecimento sensorial possível também após a morte; 4) kehpp, corpo e figura ou forma, não ligado ao corpo terreno, tal como os espíritos protetores dos mortos. [...] Aquele que fizesse o bem e venerasse a religião de Mazda seria recompensado na vida futura; os maus teriam uma sorte tenebrosa. [...] Acreditava-se na existência de uma ponte – cin-vat – que unia este mundo ao outro, e que é mencionada três vezes no Gathas. O mentiroso sentiria medo e inquietude ao atravessar a ponte. Os fiéis a atravessariam seguros (LEITE FILHO, 1994, p. 127).

A religião persa contemplava também o mito da criação, onde o primeiro

casal Machya e Machoi se deixa influenciar pela mentira de Harimã, Ahura

Mazda/Ormuz continua os protegendo, entretanto “o pecado fez necessária a vinda

de Zaratustra, a confissão de pecados, a purificação e as penitências”. O escrito

persa Bundahish descreve também uma espécie de apocalipse, que descreve uma

série de acontecimentos, antes da vinda do terceiro filho de Zaratustra, o Saushyant:

Antes disso, ocorreriam coisas estupendas no mundo: os homens voltariam aos seus costumes primitivos e depois ressuscitariam os mortos; este veriam seus atos bons e maus; sobre a terra serão ao final separados; a serpente Gokcihr difundirá o terror na terra; um rio de metais ardentes correrá pela terra, levando bons e maus ao sofrimento. Os bons o atravessarão cantando. Os Maus sairão do rio purificados. Saushyant sacrificará o touro Hadayosh e, com sua banha e o aroma, fara uma bebida que dará a imortalidade a todos os homens. Ahura Mazda e suas hostes vencerão Ahriman e seus espíritos do mal, reinando no próprio inferno e fazendo com que o mal desapareça para sempre; toda a criação viverá eternamente feliz, louvando a Ahura Mazda (LEITE FILHO, 1994, p. 129).

Segundo Damião (2003, p. 90), “o zoroastrismo jamais desapareceu, com

seguidores ainda hoje em países como Irã, Índia e Paquistão”. Teve como uma de

suas ramificações o mitraismo, que tinha como principais rituais a queima de

incenso, cânticos sagrados (os Gathas) e a guarda de dias santos (domingo e 25 de

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dezembro – dia do nascimento do sol), que originou o maniqueísmo, uma mescla do

dualismo masdeísta com as doutrinas cristãs, que fora defendido por Agostinho,

antes de sua conversão ao cristianismo. Segundo Leite Filho (1994, p. 119), o

maniqueísmo surgiu durante o último Império Persa, o dos sassânidas (224-729

d.C.).

O zoroastrismo deu origem também ao gnosticismo, bem conhecido na

época da igreja primitiva em que seus membros se julgavam como detentores

exclusivos de uma secreta sabedoria espiritual de revelação divina, com práticas

esotéricas e ocultas somente para iniciados (DAMIÃO, 2003, p. 90).

Portanto, ficam evidenciadas várias semelhanças entre as crenças dos

persas, que certamente influenciaram a forma de pensar da sociedade judaica após

a ascensão do Império Persa, como era costume durante o domínio dos grandes

impérios sobre os povos dominados. Com a queda dos persas, surge um novo

império, ainda mais poderoso, que em seu relacionamento com a Palestina também

deixou sua marca.

3.3.2 A influência grega na literatura judaica

O estudo da helenização da Palestina dá um salto com o historiador alemão

Martin Hengel. Ele afirma que todo o judaísmo a partir do século III a. C. deve ser

considerado helenizado no sentido estrito do termo, desfazendo, assim, as

diferenças entre o judaísmo palestinense do judaísmo da diáspora. Hengel entendia

que, como os demais povos conquistados pelos gregos, os judeus não tinham como

rejeitar a influências cultural e ideológica do poder dominante (HENGEL, 1981, p.

311-312). Esta pesquisa irá demonstrar que a influência socioeconômica, política,

cultural e ideológica grega realmente foi abrangente na sociedade judaica. No

entanto, com todo respeito ao renomado historiador, não se pode concordar com

Hengel de que não há diferenças entre o judaísmo palestinense e o judaísmo da

diáspora. Há que se destacar que as convergências ocorriam somente com o

judaísmo praticado por parte da elite aliada ao governo grego, que facilitava a

implantação do helenismo em troca de benefícios pessoais.

A comunidade judaica palestinense regida pelo monoteísmo conservador do

templo desde o início da dominação grega ficou dividida, pois os sacerdotes e a

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aristocracia tinham certa simpatia com a cultura grega, enquanto os sacerdotes do

campo ofereceram resistência ao sincretismo religioso helenístico. O helenismo era

uma fusão de costumes gregos, persas, egípcios e mesopotâmicos e era o oposto

da crença religiosa e costumes judaicos. No entanto, os líderes mais conservadores

não conseguiram manter os judeus distantes da influência helênica, principalmente

aqueles que faziam parte da diáspora. Segundo Gunneweg (2005, p. 250):

“[...] O helenismo, mais do que uma mescla de culturas, é uma metamorfose dos componentes que nela se encontram […] O helenismo era uma moda e, ao mesmo tempo, uma necessidade civilizacional onipresente. Quem almejava riqueza e um modo de vida superior precisava abrir-se a ele e, pelo menos aprender grego”.

Com o surgimento do Império Grego, aos povos dominados é imposta uma

estrutura sociocultural (sistema educacional, administração em parte herdada dos

persas, arquitetura, sincretismo religioso, entre outros) que influenciava o modo de

viver e pensar. Os últimos séculos do judaísmo antigo ocorreram durante o império

de Alexandre Magno e seus sucessores. Por volta do século IV a. C., a comunidade

judaica estava à mercê de uma cultura não judaica que dominava o mundo

mediterrâneo e além, a cultura helenística. O general Alexandre foi bem-recebido

pelos judeus quando chegou à Jerusalém. Após sua morte, seus sucessores

continuaram com o plano do antecessor de helenizar o mundo conquistado, por

meio da língua, da cultura e da filosofia grega. Lara (2009, p. 86) afirma que esse

“novo império vai dar o contorno dos acontecimentos mais importantes do judaísmo

antigo e da literatura produzida nesse período (333-63 a.C.)”.

A disseminação da cultura helênica, apesar da manutenção das instituições

religiosas e suas tradições entre os povos, causou certo desconforto, principalmente

para os judeus na Palestina, devido à sua influência na forma de vida dos povos

conquistados. Na Grécia clássica, assim como na Roma republicana, o sagrado se

encontrava em toda parte, tendo primazia nos acontecimentos mais importantes da

vida humana, “do nascimento à tumba”. Essa familiaridade com o sagrado transmitia

aos cidadãos confiança nos favores das divindades. Acreditava-se que a presença

de conquistadores estrangeiros em terras nacionais demonstrava uma quebra no

relacionamento com a divindade ou mesmo a derrota das divindades nacionais pelas

estrangeiras, o que geralmente gerava uma crise religiosa (MARROU, 1980, p. 46).

A queda da independência da Pólis (πολις) e o surgimento da monarquia

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universalista6 leva ao declínio o sentimento antigo do coletivo da cidade e o foco

passa a ser o indivíduo. Comportamento que Lévêque (1987, p121) chama de

“individualismo” e Marrou (1980, p. 47) chama de “personalismo”. Surgem diversas

filosofias que incentivavam a busca da felicidade pessoal por meio de práticas

ascéticas para o desprendimento da alma. Com a desconfiança dos favores das

divindades em favor do coletivo e da ordem interna das cidades, as expectativas

religiosas se voltam para as filosofias que apresentavam respostas às questões

individuais (VEYNE, 1987, p. 9), bem como aos cultos populares e filosofias

soteriológicas em busca de relação com as divindades e a salvação da vida após a

morte. Outra opção, no sentido oposto (ceticismo), que surge é a prática do culto à

deusa da fortuna: Tykhê. Enquanto outros apostam definitivamente da crença nos

serviços divinos (VERNANT, 1987, p. 26). Surge, também, o culto aos soberanos

(idealizados como deuses), que outrora eram destinados aos deuses antigos

(MARROU, 1980, p. 48; HOPKINS, 1981, p. 232).

Os ritos iniciáticos e cultos de mistérios (Isis, Deméter, Mitra, Perséfone,

entre outros deuses e deusas), anteriores ao século VI a.C., surgem como

complementação das crenças oficiais, alternativas às religiões oficiais do

Mediterrâneo antigo, como auxílio na manutenção da ordem social interna e da

unidade da cidade. Os praticantes buscavam os favores das divindades para a vida

presente e proteção para a vida após a morte, que eram condicionados ao

cumprimento dos interditos e condutas morais prescritos pela divindade a ser

adorada, uma troca de favores divinos pela conduta de submissão e obediência

humana. Essa relação proporcionava certa tranquilidade e paz em relação às

angústias populares (BURKERT, 1991, p. 97). Entre alternativas às religiões oficiais

destacam-se: o cinismo, o epicurismo e o estoicismo.

O humanismo tinha uma forte marca na religião politeísta grega, em que os

deuses possuíam características humanas e de deuses. Os heróis gregos,

considerados como semideuses, devido à crença de que eram os filhos de deuses

gerados pelo relacionamento com seres humanos e mortais. Zeus era considerado o

deus principal, seu nome no grego antigo tinha o significado de “rei divino”, a ele era

_______________ 6 Para maiores detalhes sobre a queda da independência da Pólis (πολις) e o surgimento da

monarquia universalista, ver o capítulo quatro desta tese.

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atribuído o título de deus dos deuses, comandava todos os demais do topo do monte

Olimpo. Além de Zeus, o deus principal, e outro deuses gregos, também se

destacam: Atena (deusa das artes), Ártemis (deusa da caça e protetora das

cidades), Afrodite (deusa do amor, do sexo e da beleza corporal), Deméter (deusa

das colheitas), Apolo (deus do Sol), Hermes (mensageiro dos deuses). A

transmissão dos ensinamentos da religião grega era fundamentada em uma rica

mitologia. Os gregos tinham por prática buscar orientações sobre questões da vida

cotidiana, bem como revelações de acontecimentos futuros por meio de consultas

aos deuses nos oráculos de Delfos.

O judaísmo palestinense, com exceção de parte da elite, lutava contra a

influência da religião grega, enquanto os judeus dispersos ao redor do mundo, em

especial, aqueles que moravam em Alexandria, no Egito, tiveram uma forte recepção

da cultura, bem como a influência da religião. No início do período helenístico o

centro do judaísmo palestinense estava situado na Judéia, mais especificamente,

em Jerusalém. A rivalidade existente entre os reinos norte e sul de Israel, que fora

acentuada com a tomada do reino norte pelos assírios no século VIII a. C., provocou

a separação dos seguidores da fé javista que residiam na região norte do judaísmo

centralizado em Jerusalém, sendo formada uma comunidade própria chamada de

comunidade dos samaritanos, cujo centro cultual era o monte Garizim, perto de

Siquém. Essa comunidade tinha como canônicos somente os cinco livros da Torá

(DONNER, 2006, p. 491-493).

As culturas grega e judaica entram em um processo de fusão,

principalmente, com os judeus que estavam fora da Palestina. Os judeus da

Diáspora passaram a falar grego, o que resultou na tradução das escrituras

hebraicas para o grego, que passou a ser conhecida como Septuaginta (LXX),

tornando conhecidas as escrituras judaicas não somente aos judeus, mas também

aos não judeus, que agora poderiam ler a literatura judaica em grego. (BRIGHT,

2003, p. 494-495) comenta sobre o impacto da tradução da LXX na fusão das duas

culturas:

A existência das Escrituras em grego representava um tremendo desenvolvimento, não só abrindo novos horizontes de comunicação entre os judeus e os gentios, como também preparando o caminho para um impacto maior do pensamento grego sobre a mentalidade judaica. E, naturalmente, viria facilitar grandemente a difusão do cristianismo.

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Por conta da influência do pensamento grego, alguns judeus se tornarem

famosos como filósofos, como o exemplo de Filo de Alexandria (século I a.C.), que

apresentava um judaísmo com uma releitura por meio do pensamento e filosofia

grega. Segundo Konings (2011, p. 10), neste período se encontram “as raízes do

judaísmo rabínico e do cristianismo, vivos até hoje” e que estes (judaísmo antigo e o

judaísmo rabínico) para fins de estudo não podem ser separados. O fim do Império

Persa, em que os judeus sofriam opressão dupla, tanto dos estrangeiros como das

oligarquias judaicas foi comemorado pelos judeus e a chegada do Império Grego é

recebida pelos judeus como certa esperança. Entretanto, quando os sucessores de

Alexandre tomam o poder o tom também muda (KONINGS, 2011, p. 100).

Segundo Lara (2009, p. 35), no período helenista “predominou a literatura

sapiencial e, nos momentos de maior crise política, eclodiu a literatura apocalíptica”.

A literatura judaica esteve apoiada nas bases da literatura helenística. A utilização da

língua grega e a influência do pensamento grego irão influenciar na formulação dos

escritos judaicos e do cristianismo, como será apresentado na seção seguinte.

3.4 O LIVRO DE ENOQUE COMO PRIMEIRA LITERATURA APOCALÍPTICA

JUDAICA

Para entender o pensamento judeu que predominou na época dos escritos

apocalípticos, devem ser considerados os chamados livros pseudoepígrafos7 e os

livros apócrifos8, em especial, o livro de 1 Enoque. A maioria dos apocalípticos faz

parte dos livros considerados apócrifos ou pseudoepígrafos. Segundo Collins (2010,

p. 50), eles não foram considerados como apocalipses antes do cristianismo, o que

_______________ 7 Os pseudepígrafos, ao contrário dos apócrifos, são escritos judaicos que só eram estimados dentro

de determinados grupos, embora tenham surgido quase na mesma época que os apócrifos. Os pseudepígrafos não gozaram do mesmo favor que os livros do Cânon, nem na Igreja do Império Oriental nem também na Igreja ocidental. Pelo contrário: esta literatura só foi conservada por uma parte bastante limitada da Igreja ocidental da Idade Média, como no caso do Pseudo-Fílon; ou em regiões periféricas da cristandade, como, p. ex., Henoc e outros, entre os abissínios, os coptas e as igrejas da Síria, mas, mesmo aí, fora do Cânon, e isto apesar de a Carta de Judas, no Novo Testamento, trazer uma citação da Assunção de Moisés, no v. 9, e uma de Henoc, nos vv. 14-15, e o final do Codex Alexandrinus conter os Salmos de Salomão.

8 Os apócrifos são escritos judaicos surgidos em parte na Palestina e em parte na Diáspora, durante o período que vai do século III a.C. até o século I de nossa era e que, provavelmente, só foram excluídos do grupo de livros permitidos no seio da comunidade judaica, depois de terem sido incorporados ao Cânon grego do Antigo Testamento por parte da comunidade cristã (ROST, 1980, p. 23). Os livros apócrifos receberam esse nome pelas Igrejas Reformadas. Lutero afirma que estes livros não podem ser equiparados aos livros da Bíblia Sagrada, entretanto considerava a sua leitura proveitosa para entendimento dos textos bíblicos.

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demonstra que o gênero apocalipse é um construto moderno.

Na época em que foram produzidos os livros apócrifos e pseudoepígrafos

ainda não havia um cânon único aceito por todos como diz a Mixná Yadayim, fixado

por volta de 100 d.C. A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em particular os

que foram encontrados nas cavernas de Qumran, escritos durante o período de 150

a.C. até 70 d.C. evidencia que “não havia distinção rigorosa entre Escritura sagrada

e menos sagrada” (ROST, 1980, p. 14). Não existe uma lista única destes livros.

Collins (2010, p. 51-52) afirma que os primeiros apocalipses se encontram

em 1 Enoque. A figura de Enoque é “moldada como Enmeduranki, fundador da

guilda de barûs, os adivinhos babilônicos”. As descobertas de Qumrã serviram

também para retificar a data da escrita do livro. Foi possível constatar que as cópias

das seções mais antigas de 1 Enoque foram escritas por volta do sec. III a.C.,

portanto, antes da revolta dos Macabeus. A atribuição do livro de 1 Enoque como

primeira literatura apocalíptica judaica escrita em um período anterior à insurreição

macabaica tem uma importância significativa para o desenvolvimento desta

pesquisa.

Outro livro que não pode deixar de ser citado como exemplo de literatura

apocalíptica é o Livro de Daniel (Dn 7-12). Ele diferente dos demais citados foi

incluso no cânon. Este é o livro que recebeu mais atenção do que qualquer outro

livro apocalíptico judaico. Mesters e Orofino (2008, p. 61-62) afirmam que da mesma

forma que ocorre no livro de Apocalipse de João, o autor de Daniel também utiliza

figuras de animais monstruosos para representar alguns impérios mundiais. No

capítulo 7 ele descreve alguns desses animais: leão com asas de águia (Dn 7.4),

urso com três costelas entre os dentes (Dn 7.5), onça com quatro asas e quatro

cabeças (Dn 7.6), uma fera medonha e terrível (Dn 7. 7-8). O Dia de Iahweh também

aparece como julgamento divino (Dn 7.9-10), onde Deus é apresentado na figura de

um ancião vestido de veste branca como a neve e os cabelos como a branca lã.

Mesters e Orofino (2010, p. 154) destacam que o trono divino cercado por miríades

de anjos e um rio de fogo “lembra a visão de 1 Enoque 14.22 e sugere que os

visionários apocalípticos beberam de tradições em comum”.

Esta seção tem o propósito de localizar parte do livro de Enoque (Livro dos

Vigilantes – 1 Enoque 1-36), antes do período de dominação dos ptolomeus, para

demonstrar que a literatura apocalíptica precede a esse era, ou seja, antes da

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datação de Joel proposta nesta pesquisa. Destaque para 1 Enoque 1-6, uma

releitura de Gênesis 6,1-4 para abordar a origem do pecado na esfera humana. O

texto apresenta uma etiologia do mal inteiramente sobrenatural, na qual os anjos e

os gigantes são considerados culpados, mas também uma tensão em que a

humanidade compartilha desta culpa. O contexto de transmissão do mito dos

Vigilantes está relacionado com as guerras dos generais de Alexandre e dos seus

descendentes no período helenista (NICKLSBURG E VANDERKAM, 2004, P. VII).

Assim, se torna possível relacionar a datação do livro de Joel para o século III a. C.

com a sua caracterização como literatura apocalíptica. No entanto, não se tem a

pretensão de comparar o conteúdo do livro de Enoque com Joel, mas somente

comprovar a existência de textos apocalípticos antes dos ptolomeus.

Guimarães (2015, p.16-17) em sua recente pesquisa sobre a relação entre

Jesus com o escrito de I Enoque afirma que este escrito é uma das literaturas mais

fascinantes do Segundo Templo devido à sua contribuição para a compreensão da

crença e cultura do AT, bem como do NT. Black (1985, p. 1) e Charlesworth

(BOCCACCINI, 2005, p. 440-441) chegam a equipará-lo a Daniel em questão de

qualidade de literatura apocalíptica, no caso de Charlesworth, até superior.

Guimarães (2015, p. 18) afirma que “grandes estudiosos consideram I Enoque a

mais importante obra literária produzida na época do Segundo Templo”. Esta

literatura que era leitura comum entre os cristãos até o século IV d. C., momento em

que o Concílio de Laudiceia o tirou do cenário teológico. No entanto no século XVIII

o interesse por esse escrito retorna à comunidade científica. Dentre os

pesquisadores de referência estão J. B. Migne, R. Laurence e R. H. Charles. Nas

últimas décadas tem despertado interesse tanto de cristãos como de judeus

(BOCCACCINI, 2005, p. 441).

O Livro de Enoque é uma excelente fonte para conhecer o mundo judaico

que antecedeu o cristianismo (SACHI, 1981, p. 423). Os livros de Enoque foram

produzidos em um período não inferior a três séculos (CHARLESWORTH, 1981, p.

98). Boccaccini (2005, p. 451) assevera que não devemos “rotular todos estes textos

como representantes de algo como um movimento, eles representam um ciclo de

pensamento que se dedicava a reflexões fundamentadas e atribuídas a Enoque”.

Segundo Collins, a publicação recente de fragmentos de Enoque em aramaico, que

foram encontrados em Qumrã, despertou o interesse para o aprofundamento da

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literatura apocalíptica e trouxe contribuições significativas quanto à história do livro

de Enoque, o que justifica uma citação direta das conclusões:

[...] Na verdade, 1 Enoque não é apenas uma obra, mas uma grande coleção de escritos apocalípticos. Há tempos se distinguem cinco composições separadas: o Livro dos Vigilantes (caps. 1-36), as Similitudes (caps. 37-71), o Livro Astronômico (caps.72-82), o Livro dos Sonhos (caps. 83-90) e a Epístola de Enoque (caps. 91-108). Dentro da epístola, o Apocalipse das Semanas (93,1-10; 91,11-17) aparece como uma unidade distinta. O corpus completo de 1 Enoque só existe em etiópico. Porções substanciais da primeira e quinta partes e uma passagem da quarta foram descobertas em grego. Nos anos recentes, fragmentos aramaicos de todas as partes, exceto as Similitudes, foram encontrados em Qumrã. Nos rolos de Qumrã, o Livro dos Gigantes foi copiado no lugar das Similitudes. O editor dos fragmentos aramaicos, J. T. Milik, argumentou que os cinco livros que formam 1 Enoque constituíam um Pentateuco Enóquico, que era uma contraparte do Pentateuco Mosaico (COLLINS, 2010, p. 75).

Na caverna de Qumran de número quatro foram encontrados 15.000

fragmentos que correspondem a 530 manuscritos diferentes. Destes fragmentos,

140 estão relacionados aos livros de Enoque. Na caverna quatro de Qumran não

foram achados fragmentos do “Livro das Parábolas” ou “As Similitudes”

(GUIMARÃES, 2015, p. 40-41). Este livro desperta interesse dos acadêmicos pelo

tema desenvolvido a respeito do “filho do homem”. Apesar de não ter sido

encontrado nenhum fragmento deste livro em Qumran, pelo menos o conceito antigo

de que ele foi escrito em grego foi superado, uma vez que a partir da descoberta se

percebeu que os textos gregos não eram originais, mas se tratavam de tradução

(KNIBB, 1978, p. 6-15). Os livros de I Enoque não eram exclusividade da

comunidade de Qumran, além de influenciarem vários outros escritos, como

exemplos: o livro dos Jubileus, o livro dos Gigantes, o livro Eslavo de Enoque, dentre

outros. Outro aspecto que demonstra sua influência e autoridade entre a

comunidade judaica em geral é a preocupação dos judeus em traduzi-lo para o

grego (KNIB, 2008, p. 6).

Os fragmentos em aramaico são as evidências mais antigas de I Enoque,

como é o caso do Livro dos Vigilantes e o Livro Astronômico, ambos do século III a.

C. Portanto, antes do período dos Macabeus, defendido pelos estudiosos antes das

descobertas de Qumran como o período inicial da literatura apocalíptica (REED,

2005. p. 3; VANDERKAM, 1995, p. 17-26). Quando se analisa as teorias sobre a

origem redacional do livro a data retrocede ainda mais. Não se sabe o local em que I

Enoque foi redigido, mas a antiga hipótese de que a redação tenha sido fora de

Palestina está superada. A dúvida é se no reino norte ou no sul. Charlesworth (1998,

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p. 441) trabalha com a hipótese de que seja no reino norte, afirma que “talvez na

Galileia”, perto do monte Hermon. Afirma que eles começaram a compilação e

escrita “provavelmente em algum momento após a conquista de Palestina, por

Alexandre o Grande, no final do século IV a. C.”. Segundo ele, esse grupo “atribuiu

suas ideias e reinvindicações de novas revelações” ao Enoque antediluviano.

Nicklsburg e Vanderkam (2004, p. vii) afirmam que “I Enoque é uma coleção de

textos apocalípticos que foram compostos entre o final do quarto século a. C. e a

presente era [...] a escrita judaica mais importante que tem sobrevivido desde o

período greco-romano”. Asurmendi (2004, p. 525) corrobora com a data anterior ao

século III a.C. ao argumentar que os textos encontrados em Qumran não eram

originais, com isso a data dos primeiros escritos deve ser retrocedida

cronologicamente. Uma época bem anterior à insurreição macabaica.

Guimarães (2015, p. 53), discorda de Charlesworth devido a “ausência de

um chão teórico sólido”, com base já na palavra “talvez na Galileia” e na

argumentação fundamentada na narrativa de que os Vigilantes desceram no Monte

Hermon. Ele defende que a origem dos livros de I Enoque é originária de uma região

mais próxima do Mar Morto no sul da Palestina, região onde foram encontrados os

manuscritos em aramaico de I Enoque. Defende que I Enoque, em especial a

tradução grega, tenha sido amplamente divulgado na região da Galileia, mas não o

contrário. Ele afirma ser difícil “uma comunidade tão sectária como os essênios, tão

ligada às tradições judaicas, estaria interessada em materiais provenientes da

Galileia, lugar de habitação de gentios e em que o helenismo alcançou maiores

proporções”.

Portanto, será tomado como base para o desenvolvimento desta pesquisa a

datação do livro original de Enoque no século IV a.C. e a autoria por um integrante

de algum grupo da região sul da Palestina.

O que este contexto da formação literária apocalíptica, em especial do livro

de 1 Enoque, tem a ver com o tema desta tese? Para entendermos, primeiro,

precisamos conhecer um pouco melhor o provável contexto social, político,

econômico e ideológico do livro de Joel, com vistas uma comparação entre sua

formação literária e contexto com as características da literatura apocalíptica e seu

contexto.

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4 APROXIMAÇÕES ÀS RELAÇÕES ENTRE A SOCIEDADE JUDAICA E A

SOCIEDADE GREGA

Neste capítulo será abordada a relação entre a sociedade helênica e a

sociedade judaica, particularmente a influência da primeira em relação à segunda,

universo em que estavam inseridos os escritores apocalípticos. Aproximação que

possibilita o entendimento do pano de fundo gerador das literaturas apocalípticas e o

porquê das características peculiares dessas literaturas. Possibilita compreender

melhor o motivo que estes autores, devido ao ambiente de opressão e ausência da

liberdade de expressão, faziam uso de imagens e símbolos, uma fuga da realidade

para uma perspectiva cósmica e sobrenatural.

Os grupos apocalípticos, conforme já mencionado na introdução, surgem

como forma de protesto e resistência contra o sistema imperialista centralizador e

opressor. Um contexto socioeconômico que se inicia com o cativeiro babilônico, mas

que se intensifica no período do grandioso Império Grego e sua cultura

influenciadora. Um grupo dos judeus busca uma nova mensagem para alimentar sua

esperança.

O mundo grego, necessariamente, precisa ser analisado em dois períodos:

antes de Alexandre e depois de Alexandre. O seu surgimento marcou a história

grega e também da humanidade devido ao impacto que causou. A conquista e a

ação militar agressiva dos gregos proporcionaram uma “expansão sem paralelo dos

empreendimentos comerciais gregos”. A cultura helênica foi utilizada como potente

instrumento ideológico, “tanto para justificar como para promover a subjugação e

exploração das nações conquistadas”. Os judeus tiveram que se posicionar ante a

cultura grega. Os regentes gregos favoreciam quem era receptivo ao seu sistema,

por outro lado, eram intensos com quem não se adaptava à nova realidade

helênizada (CERESKO, 2004, p. 36).

A literatura bíblica foi construída a partir de relações de ordem social,

econômica, política e cultural. Segundo Rossi (2005, p. 28) “isso implica em dizer

que a construção da literatura bíblica está indelevelmente marcada pelo tipo de

economia e de sociedade em que as pessoas viviam”. Neste capítulo iremos

analisar algumas questões políticas, culturais, socioeconômicas e ideológicas

ocorridas durante o Império Grego, por entender que essas questões influenciaram

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na compilação final do livro de Joel.

Rossi (2005, p. 30) afirma que “nem sempre a base econômica tem o papel

dominante num determinado Modo de Produção. Muitas vezes outras estruturas

terão esse papel. Mas será sempre a economia que determinará o Modo de

produção”. Nesta pesquisa, será dada uma atenção especial ao modo de produção

escravista, haja vista o pronunciamento divino de julgamento sobre as nações que

haviam vendido os judeus como escravos. O livro de Joel coloca como tema

principal um Deus incomodado com as nações dominadoras que se aproveitavam da

situação para promover as práticas desumanizadoras da época, que marcaram a

história e a mudança da forma de produção.

4.1 DA DECADÊNCIA ESTATAL JUDAICA À CHEGADA DO HELENISMO

Antes de falarmos sobre a relação entre a sociedade judaica com o

helenismo, se faz necessário entender a construção histórica e religiosa do povo de

Israel, incluindo a transformação do seu pensamento com o advento do exílio

babilônico e sua relação com o Império Persa, que antecedeu o Império Grego.

A história do povo de Israel é construída por meio da crença em um Deus

presente na rotina diária da nação e com promessas para um mundo real, que

produzia uma esperança concreta. A perda da independência e a estrutura de

opressão produzida pelo modo de produção tributarista assírio, babilônico e persa

mudaram a forma judaica de pensar e ver Deus, o embrião para o surgimento da

apocalíptica.

Na judéia pós-exílica redesenha-se a fé israelita e surge o judaísmo com

Esdras, mas essa tradição é desafiada com a chegada do helenismo e sua atraente

e envolvente cultura.

4.1.1 A queda da monarquia e do modelo histórico-escatológico

De início a crença do povo era em Deus presente na história e não um Deus

espiritualizado e inatingível. Um Deus que incomodava os poderosos, inclusive os

detentores do poder religioso, e que se coloca ao lado dos pobres, indefesos, fracos

e oprimidos. Que age no desenrolar da vida de seu povo de forma concreta e produz

uma esperança, da mesma forma, concreta e histórica. Uma divindade presente nas

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lutas desse povo, que caminha com ele e, independente das adversidades, o conduz

para um futuro melhor. Esse contexto marca a visão de mundo de um significativo

período da história do povo de Israel. O povo de Israel apoia-se na sua história e ao

mesmo tempo em um Deus presente que se interessa em atender seus anseios

concretos. Blank (2008, p. 12), que não é um biblista e, por isso, segue um esquema

cronológico e interpretativo numa visão teológica libertadora, mas bastante literal,

em seus comentários demonstra o que a teologia oficial propagava como fé a ser

seguida:

Apoiando-se na história concreta do povo, ela se apoia ao mesmo tempo em Deus, de tal maneira que nunca se abre aquela dicotomia trágica entre o mundo e Deus, que tanto marca o pensamento dualista do Ocidente. Desde o início, Deus está presente no mundo, e a esperança do povo para uma vida bem-sucedida é sempre esperança em Deus. Este Deus é histórico, presente na caminhada do povo, presente nas suas vitórias e nos seus fracassos, e a esperança nesse Deus, desde o início da história do povo, é assim esperança concreta, ligada a vida concreta.

A dinâmica da esperança do povo de Israel na época do pré-exílio, desde a

história dos patriarcas até a última leva dos judeus no exílio babilônico, ocorrida

aproximadamente em 587 a.C. demonstra esta visão de mundo e de história dos

judeus, refletida na literatura do período. Blank (2008, p. 13) comenta como ocorre

essa dinâmica da esperança, que começa com a revelação de um Deus que

promete terra e um lugar para viver a um homem chamado Abraão e sua

descendência. Esperança desenvolvida por meio da promessa de um filho a um

homem casado com uma mulher estéril. Sem filho não haveria continuidade, não

haveria futuro. “A promessa concreta de Deus, respondendo a um anseio concreto,

acende uma esperança concreta” (BLANK, 2008, p. 13).

Após um período de opressão em terra estrangeira (Egito) surge a promessa

que desperta a esperança numa libertação sociopolítica, que se concretiza com a

libertação da opressão (Ex 3,6-10). Um ato salvífico de Deus, conduzindo-os para a

terra prometida. Durante a caminhada no deserto com a certeza da presença de

Deus junto ao seu povo, surge a esperança messiânica de ter relacionamento

especial com Deus, pois nesta nova terra “Deus realizará o seu Reino com o seu

povo escolhido” por meio da conquista e da “formação de um sistema igualitário das

doze tribos” (BLANK, 2008, p. 15). Então, surge a última das grandes promessas: a

promessa da paz. Após a conquista da terra por meio de conflitos, lutas e

sofrimento, o grande anseio passa a ser a paz. Anseio que Deus promete realizar e

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neste contexto “o reinado de Davi aparece como grande promessa histórica no

horizonte” (BLANK, 2008, p. 16).

Portanto, a história do povo de Israel vai se formando por meio de

promessas formuladas em situações adversas e cujas realizações são esperadas

para a realidade histórica concreta, base para a fundamentação da esperança

judaica. No entanto, Blank (2008, p. 19) afirma que essa esperança não é uma

atitude passiva e inativa, mas “baseada nas promessas de Deus, ela se torna o

motor que incentiva o agir”. Deste modo, uma esperança transformadora que

impulsiona o povo a realizar o que é prometido por Deus, como sujeitos da história,

superando as situações-limite impostas pelos seus inimigos.

Todavia, com o reinado de Davi as promessas são parcialmente

concretizadas. O povo conquista terra e respeito e vivem em certa liberdade e paz.

Situação que passa a ser lembrada em várias oportunidades na história futura deste

povo. Com a concretização parcial das promessas vem a estagnação e comodismo

do povo, surgindo os abusos humanos no domínio do poder. Nesse contexto, Blank

(2008, p. 22) afirma que “a dinâmica da esperança cede lugar à instituição que se

julga cada vez mais autossuficiente”, a realeza. O fracasso desta instituição culmina

com a destruição dos muros da grande cidade de Jerusalém, seu majestoso templo,

na dispersão do povo e na deportação da elite judaica para a Babilônia em 587 a.C.

Fohrer (1982, 381) afirma que a queda do Estado de Judá foi o evento que

teve maior efeito de transformação sobre o javismo (destruição do templo e muros

da cidade, fim da monarquia, cessação do oferecimento de sacrifícios, deportação

da elite da população para terra estrangeira). Um dos reflexos foi na literatura

judaica. Fohrer (1982, 383) assevera que a grande fonte de literatura desse período

foram as lamentações (05 lamentações) e alguns salmos (salmos de lamentações

comunitárias – 60,74,123; salmos de lamentações individuais – 77,1-15, 102).

Segundo Donner (2006, p. 439), pouco se sabe sobre a Palestina nesse período. No

entanto, assegura que na região do derrotado Reino de Judá “de modo algum era

um deserto escassamente habitado por pastores e agricultores pobres, como certas

manifestações poéticas do AT poderiam crer”. Afirma que não tem como negar que

a guerra havia sugado praticamente o país: perda das lideranças intelectuais e

políticas, dependência econômica, tributos indiretos (Lm 5.4s), corveia (Lm 5.13) e a

falta de proteção (Lm 5.9) frustravam a esperança do povo. Porém, Donner (2006, p.

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441) afirma que passada a impressão imediata da catástrofe sofrida, “o tempo do

exílio foi uma fase de reflexão e renovação espiritual” na Palestina (Reino de Judá).

Como resultado surge a “forma primitiva e a primeira configuração da Obra

Historiográfica Deuteronomista”.

Com o advento do exílio, “a voz do profetismo não emudeceu totalmente na

Palestina”. Enquanto o Dêutero-Isaías atuava no exílio, “na terra natal atuou um

profeta do qual são transmitidas anonimamente três visões extáticas no Livro de

Isaías: Is 21.1-10, 11-12, 13-17”, prevendo a futura queda da Babilônia (DONNER,

2006, p. 441). Em todo esse período, os profetas são instrumentos de orientação e

exortação do povo para a manutenção da fidelidade à aliança com Iahweh, com

vistas a concretização da esperança que move a comunidade judaica. A teologia

preponderante até este momento da história do povo de Israel é de um Deus que

age e controla a história, um senhor absoluto, cujo projeto escatológico é construído

dentro do próprio tempo contínuo do mundo, mediante a fidelidade de Iahweh com a

aliança firmada com o seu povo. Toda a caminhada histórica deste povo é marcada

pela esperança que este Deus se fará presente, caminhará junto e os conduzirá

para um final feliz. Um Deus que no tempo determinado agirá com juízo sobre os

opressores de Israel e estabelecerá seu reinado dentro da história.

Entretanto, o episódio do exílio babilônico, no entendimento dos judeus, põe

à prova o poder de Iahweh e a fidelidade com seu povo. Onde está o Deus presente,

que caminha e protege seu povo?

Donner (2006, p. 442) afirma que “o exílio babilônico foi uma época de

miséria e opressão, mas também de mudança e reflexão”. Os profetas têm um papel

importante para apresentar respostas. Eles que constantemente lembram tanto a

elite judaica como o povo sobre como ocorre o processo da realização do projeto de

Deus, condicionado ao agir do próprio povo. Aos profetas cabem demonstrar qual é

a dinâmica na realização do projeto escatológico de Deus. Eles deixam claro em

seus oráculos e escritos que a realização do projeto de Deus não é linear, mas

ocorre na história de forma dialética, podendo haver progressos e retrocessos,

aceleração e estagnação. Os resultados não são condicionais à ação de Deus, mas

sim ao agir do povo.

Esta mentalidade ou visão de mundo que permeia por toda essa era pré-

exílica continua na exílica, porém em um processo de mudança, acompanhando os

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novos acontecimentos da história do povo israelita. Os profetas continuam

lembrando o povo da aliança com Iahweh, exigindo conversão de rumo, visando a

concretização do plano de Deus. Eles promovem uma conscientização da

responsabilidade quanto ao resultado na busca dos anseios da comunidade.

Todavia, a cultura que passa a predominar é a da desconfiança, pois grandes

impérios da Mesopotâmia surgem com controle inclusive sobre a Palestina. Essa

alteração na forma de pensar é explicitada em alguns textos bíblicos como exemplo

de Sofonias 1,12b “[...] homens que, concentrados em sua borra, dizem em seu

coração: ‘Iahweh não pode fazer nem o bem nem o mal”.

Fohrer (1982, p. 384), citando Sf 1,12, comenta que provavelmente o povo

israelita sempre teve dúvidas sobre Iahweh, mas com a queda de 587 a.C. foram

intensificadas: “Os acontecimentos pareciam-lhes dirigidos por um destino cego que

sobrevinha ao inocente: ‘Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos

embotaram-se’ (Jr 31,29; Ez 18,2).” Fohrer afirma que o sincretismo e a

multiplicidade de cultos florescem na Palestina, a ponto da religião cananeia

prevalecer sobre o javismo, Iahweh passa a ser mais um dos deuses a serem

adorados. Ressurgem práticas que tinham sido secretamente preservadas e

transmitidas como práticas de magia. Fohrer comenta que os que ficaram em Judá

adotam até cultos nativos. Ele afirma que “mesmo nos anos finais do período pré-

exílico, depois da morte de Josias, tais cultos tinham sido permitidos, uma vez mais,

até no Templo de Jerusalém, como pode ser determinado através de Ez 8 e outras

informações”. Assim, ocorre neste período a queda da popularidade da teologia

profética9 devido às mudanças no curso da história do povo judaico.

Apesar das catástrofes e sofrimento, ainda se manteve, mesmo que num

circulo menor, o genuíno javismo. Neste círculo a catástrofe é vista como um

julgamento de Deus que havia sido predito pelos profetas. O que surge é o

questionamento da duração deste juízo de Deus (Sl 74,9-10; 102,14). Fohrer (1982,

p. 385) afirma a possibilidade da manutenção de oferecimento de sacrifícios nas

ruínas do Templo, considerado ainda um lugar sagrado, entretanto sem informações

sobre a regularidade e da existência de um altar no local. Ele comenta:

_______________ 9 Provavelmente, este fato dá início ao desenvolvimento da escatologia apocalíptica (apocalíptica ou pensamento apocalítico) como uma evolução do pensamento profético para o apocalíptico, da visão histórica do fim dos tempos, que foi frustrada no período pós-exílio, para uma visão cósmica.

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Há apenas uma menção de homens que vinham a Jerusalém, procedentes do que fora o território do norte de Israel, trazendo oferendas de cereais e incenso (Jr 41,5-6). Visto que o local sagrado era também o lugar de lamentação (1 Rs 8,33), as lamentações rituais que faziam dali em diante eram prescritas, como as festas, para certas datas (cf. Zc 7,5). De acordo com Zc 8,19 (cf 2Rs 25,1.8-9.25), esses ritos deviam ser observados quatro vezes ao ano: no quarto mês, por causa da conquista de Jerusalém (junho/julho); no quinto mês, por causa do incêndio do Templo (julho/agosto); no sétimo mês, por causa do assassínio de Godolias (setembro/outubro); no décimo mês, por causa do início do sítio de Jerusalém (dezembro/janeiro).

Momentos de crise são momentos de questionamentos, bem como

oportunidades de crescimento e amadurecimento. Os mensageiros da esperança,

como no caso dos profetas, têm desafios maiores para enfatizar a fidelidade de um

Deus que muitas vezes tem seu poder questionado diante da crença popular da

condução das lutas entre as nações pelos deuses, sendo estes responsáveis pelo

sucesso ou fracasso. Portanto, mediante esta crença, Yahweh havia sido derrotado

pelos deuses do império inimigo opressor. Dessa forma, os profetas agora têm a

incumbência de enfatizar a fidelidade de Deus, apesar de tudo o que estava

acontecendo, e resgatar uma nova esperança. Blank (2008, p. 31-38) chama esse

momento de “esperança apesar de tudo”, inclusive identifica os apocalipses como

“esperança apesar de tudo”. No entanto esses profetas, no período do exílio,

continuam enfatizando uma esperança de concretização do projeto de Deus dentro

da história concreta, do mundo real em que viviam, “nunca compreendem essa nova

situação como sendo uma vida eterna num mundo totalmente outro, fora da história”.

A obra histórica deuteronomista, que surge após o exílio babilônico, faz

severas críticas à monarquia, agora extinta e que não conseguiu responder as

expectativas e fé do povo de Israel. Neste contexto da queda da monarquia e

destruição do Templo10, surge uma nova expectativa, motivada por meio das

literaturas do período. A crença passa a ser em um Deus que assume a posição de

um rei-general (Sl 24,8), soberano e comandante do rei terreno (Sl 2,6ss), à frente

das questões de guerra e julgamento dos povos opressores, em proteção dos

oprimidos, viúvas, órfãos, prisioneiros e famintos.

Os profetas conseguem manter, ainda, a esperança do povo em Iahweh,

entretanto, apesar de todo esforço, o modelo histórico-escatológico não poderia ser

_______________ 10

O Templo era considerado como local de culto ao Deus Iahweh, que até então se acreditava ser o condutor divino e presente na história concreta do povo.

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mantido como modelo predominante. Os protagonistas da história judaica mudam e

a nova tendência hierocrático-sacerdotal começa a predominar sobre o movimento

profético-popular. Com a dominação estrangeira dos grandes impérios que vão

surgindo e, consequentemente, com a imposição de suas culturas, aliada ao

enfraquecimento da cultura dos povos dominados, como no caso da Palestina,

ocorre uma mudança na cultura e na forma de produção literária. A literatura judaica

começa a sofrer alterações nos textos que passam a ser produzidos principalmente

no período pós-exílio, em que ocorrem mudanças mais radicais. A perspectiva

escatológico-histórica, que predominava no período pré-exílio, passa a ser

substituída paulatinamente pela perspectiva apocalíptica.

Yahweh, de um Deus nacional e exclusivo do povo israelita passa a ser um

Deus universal, apresentado pelo Dêutero-Isaias como o único Deus e não mais

como o rei dos deuses, como senhor do rei Ciro e de todos os reis do mundo (Is

44,6; 45,1). O Rei Yahweh soberano e misericordioso, que perdoa o pecado de seu

povo (Is 40,2; 43,25) e que irá libertar e salvar seu povo, conduzindo-os de volta

para Jerusalém, que passará a ser o centro de seu reinado mundial (Is 43,14ss;

52,7ss). Segundo Croato (1990, p. 14), a decepção do povo pelo não cumprimento

desta expectativa popular judaica ainda no período do Império Persa,

provavelmente, seja o motivo da radicalização da escatologia profética para uma

escatologia estritamente apocalíptica, exigindo uma nova reinterpretação do reino de

Deus, como algo totalmente novo, um futuro diferente e não como resultado de um

processo contínuo dentro da história.

Uma das formas de opressão sobre o povo judaico e motivo de

desesperança eram os modos de produção impostos pelos impérios dominadores,

que variava de acordo com a troca dos opressores.

4.1.2 O modo de produção tributarista persa

O modo de produção é uma representação simplificada das diversas formas

de organização social, um instrumento de análise e interpretação de uma

determinada realidade social. A forma hegemônica de organizar a produção da vida

material que molda a organização social, política e jurídica, sustentada por uma

ideologia que justifica o status quo. Consiste no conjunto de atividades econômicas

predominante em determinada época. Segundo Rossi (2005, p. 30), para se

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identificar o modo de produção é necessário identificar três elementos da base

econômica: a) a mão de obra; b) os meios de produção; c) Quem se apropria do

produto gerado. “Destes três fatores e de sua articulação irá depender toda a

organização social, política e ideológica de uma determinada sociedade”.

No mundo bíblico existiram três modos de produção: a) o tribal; b) o

tributário; c) o escravista. O quadro abaixo resume os três modos de produção:

Quadro 3 – Modos de produção

MODO DE PRODUÇÃO TRIBAL

MODO DE PRODUÇÃO TRIBUTARISTA

MODO DE PRODUÇÃO ESCRAVISTA

Economia de partilha;

Troca de serviços;

Não há comercialização de produtos;

Valorização do coletivo;

Terra como um bem comum;

Apropriação do produto em base igualitária;

Intercâmbios comerciais quase inexistentes;

Sem estrutura de classe;

Excedentes de produção são revertidos em favor do povo;

Terra, pastagens e rebanhos são propriedades do clã ou da tribo;

Condição para uso dos meios de produção: pertença à comunidade.

Baseado em impostos e tributos;

Economia dominada pelos reis, dignatários da corte, chefes do exército, sacerdotes chefes do templo, grandes comerciantes e proprietários de terra;

Exercício da política e da economia a partir da cidade, com apoio do exército e do templo;

Maneiras de pagamento de impostos: produtos, moeda ou dias de trabalhos forçados;

Excedente da produção pertence a minoria dominante;

Divisão de classe (exploradores e explorados), sem que exista propriedade privada da terra.

A cidade não controla a força de trabalho nem os meios de produção de modo direto.

Economia que reduz tudo a mercadoria;

Surgimento da classe de homens livres que não trabalham e têm a subsistência garantida;

Mão de obra permanente de escravos;

Terra como propriedade privada;

Excedente de produção pertence aos proprietários de terra;

Economia mercantil suficientemente desenvolvida, inclusive de escravos;

Intercâmbios comerciais com outras regiões (excedente);

O valor do escravo tem como base o corpo e a capacidade de produção.

Fonte: ROSSI, 2005, p. 27-29; DREHER, 1988, 11-14 – Adaptado.

Mesters e Orofino fazem um pequeno resumo das mudanças que ocorreram

para o povo judeu com o exílio babilônico, que quebrou o sistema sociopolítico em

que o povo vivia no tempo da monarquia pré-exílica.

Em 598, a elite (rei, sacerdotes, profetas, nobres e chefes) foi levada para o exílio (2 Rs 24,10-17). Dez anos depois, em 587, o pouco que restava da liderança foi preso e morto (2Rs 25,1-21). Jerusalém, a capital, junto com o Templo, o santuário do rei, foi destruída. Todos ficaram sob o domínio do poder estrangeiro, sem mais nenhum recurso para poder controlar a situação. Já não eram Estado nem Nação, mas apenas uma comunidade

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étnica, dispersa num império multirracial, sem independência política, sem exército, sem rei (MESTERS e OROFINO, 2008, p.18).

No período que sucedeu ao exílio babilônico os sistemas de arrecadação

tornam-se obsoletos, em face da nova “ordem mundial”. Não há mais templo e seu

papel de principal instrumento arrecadador de tributos havia chegado ao fim.

Contudo, se o templo perdera sua função arrecadadora, a cobrança de tributo ainda

continuava sendo um expediente de expropriação dos pobres.

Neste período o povo judeu foi subjugado pelos persas, que com uma

aparente liberdade religiosa dada aos povos conquistados, buscavam também o

interesse dos monarcas, que colocavam pessoas na liderança, como Zorobabel,

Esdras, Neemias, e outros, mas não perdiam o controle sobre eles e nem do

cumprimento de suas determinações. Donner evidencia a diferença da linha oficial

da política persa e o que acontecia na prática:

[...] política de equilíbrio que Ciro II implementou na Babilônia: ele não apenas se portou como zeloso adorador dos deuses babilônios, tendo à frente Marduque e Nabu, mas também procurou eliminar as consequências do favorecimento unilateral de Sin e Shamash por Nabonid, mandando devolver estátuas de deuses e utensílios cúlticos aos templos originais. Seu filho e sucessor Cambises, temido como déspota brutal e tenebroso, não procedeu de modo diferente depois da conquista do Egito (525). É verdade que lemos na tradição grega que ele teria sido um tirano religioso, teria mandado matar o touro de Apis e queimar a múmia do rei Amasis. [...] Existe um decreto de Cambises no qual ele diminuiu drasticamente os rendimentos dos sacerdotes dos templos do Egito. [...] A realidade era bem diferente da propaganda (DONNER, 2006, p. 447-448).

Para auxiliar na compreensão da forma como os judeus estavam submetidos

neste período é importante e benéfico conhecer um pouco mais sobre esse povo, os

persas.

O modo de produção tributarista caracterizava a forma de organização social

dos persas. Os persas, povo de origem indo-europeu, por volta do século VI a.C.

eram vassalos dos medos, outro grupo indo-europeu. Em aproximadamente 550

a.C., sob o comando de Ciro, os persas se rebelaram com sucesso contra os medos.

Isso dá início a uma onda de conquistas, inclusive da Babilônia, cuja população

também era composta por judeus, trazidos cativos de Judá (ROSSI, 2009, p. 112;

GIORDANI, 2012, p. 338). Segundo Rossi (2009, p. 112-113), “o sucesso de Ciro é

creditado ao seu discernimento militar, ostensivo suborno e uma campanha

publicitária enérgica realizada em toda a Babilônia, que o retratava como um

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soberano calmo e religiosamente tolerante”. Ele tinha como política libertar os

cativos e reconstruir templos.

No reinado de Dario, 521-486 a.C., após conter algumas revoltas locais, ele

efetuou várias reformas administrativas, com divisão do império em regiões

denominadas satrapias, conduzidas pelos sátrapas (GIORDANI, 2012, p. 339).

Cazelles (1986, p. 218) afirma um fato interessante ao comentar sobre as

quantidades das satrapias durante o reinado de Dario: “Podiam-se contar 31 no fim

de seu reinado, mas, por volta de 450, Heródoto só conhece 20. A Judéia nunca

aparece nessas listas, nem mesmo Samaria”. Essa afirmação demonstra que nessa

época tanto a Judeia como Samaria eram consideradas insignificantes diante da

grandeza do Império Persa. Os sátrapas tinham certa autonomia, entretanto eram

severamente fiscalizados pelos comandantes militares persas. Estes fixavam a

quantia de impostos em moedas de acordo com a região e supervisionavam o seu

pagamento, bem como reprimiam as possíveis rebeliões. Os comandantes militares,

que compunham um grupo significativo de inspetores itinerantes, respondiam

diretamente ao soberano persa (ROSSI, 2009, p. 113).

Na região de Judá, que era eminentemente agrícola os “suprimentos

agrícolas eram extraídos do campo para sustentar tanto a elite urbana quanto a

infraestrutura persa mais ampla” (CARTER, 2003, p. 408). Não bastasse isso, os

persas exigiam o pagamento dos impostos e taxas em moeda, assim os

camponeses tinham que transformar seus produtos e animais em dinheiro para

pagar a tributação que lhes era imputada. Rossi (2009, p. 118) afirma que “essa

necessidade de vender os produtos gerados no campo somente aumentava a

capacidade de exploração a que eram submetidos os camponeses”. Além disso, o

dinheiro do rei era mais valorizado do que as moedas locais, cunhadas em prata

(TUNNERMANN, 2001, p. 25-6).

Rossi (2009, p. 116) afirma que “no início e durante grande parte do período

persa, Judá foi o mais pobre, o menos populoso e o mais isolado dos territórios ao

redor”. Judá estava na categoria da satrapia “além do rio”, obrigada a pagar tributo,

além de fornecer ao Império taxas fixas de cereais, animais, armas, recursos

humanos e alimentação para tropas do exército persa. O povo tinha certa liberdade

religiosa, mas era subjugado com pesados tributos e taxas para manter o poder

central do Império Persa (ROSSI, 2009, p. 114-116). Tünnermann (2001, p. 142)

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afirma que as filhas empenhoradas pelas dívidas, citadas em Neemias 5:1-5, eram

abusadas sexualmente e humilhadas pelos poderosos. Situação originada pelo

sistema injusto de cobrança de tributos do Império Persa.

Na época do Império Persa, especialmente durante a reconstrução de

Jerusalém a exploração dos camponeses era dupla: dos próprios governantes

persas (externa) e líderes religiosos judaicos (interna). Segundo Leith (1998, p. 285),

o Império Persa tinha um padrão de tolerância religiosa e de tradições culturais dos

povos conquistados. No entanto, de forma inovadora para a época, os líderes

religiosos eram obrigados a pagar taxas que eram requeridas de suas comunidades

subordinadas. Demonstrando que essa prática não significava respeito pelas

crenças dos povos dominados, mas sim uma forma de fortalecer o império e os

interesses próprios dos governantes persas.

A segunda exploração que a comunidade judaica sofria se dava por meio

dos ricos comerciantes ligados às famílias dos chefes dos sacerdotes que

controlavam o templo e eram responsáveis por arrecadar os impostos, estipulados

em ouro e que deviam ser pagos em moeda. Os camponeses eram obrigados

utilizar esse sistema de câmbio para transformar seus produtos em moeda para

pagamento dos impostos (ROSSI, 2005, p. 14-15; 2008, p. 25-37). Segundo

Tünnermann (2001, p. 27-30), a tolerância religiosa e cultural dos persas favorecia a

aproximação e a cumplicidade dos líderes e religiosos das nações subjugadas,

cúmplices da exploração que levou um significativo número de pessoas da

população à pobreza, miséria e escravidão.

Fica evidente que os líderes religiosos da comunidade tinham interesse no

sucesso do sistema, pois, segundo Rossi (2008, p. 37), nesse período o templo

passou a ser o centro econômico, político e religioso do país, fazendo dos seus

controladores cada vez mais poderosos. Além dos tributos repassados ao Império

Persa, ainda retinham uma parte para o próprio templo, onerando ainda mais os

camponeses e o povo em geral. Rossi (2008, p. 36), afirma também que “[...] o

Império Persa sugava a vida do povo”, e como os líderes do dogma da retribuição

participavam do sistema, eram além de cúmplices, executores dessa política de

morte. Portanto, sustentavam uma teologia que era contra a vida, em nome de

Deus. Ainda de acordo com Rossi (2009, p. 118), pelo controle do templo, os sumos

sacerdotes e familiares se tornavam cada vez mais poderosos e dominadores. Eram

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os executores das diretrizes ditadas pelo Império Persa, mantendo uma parte dos

produtos arrecadados no próprio templo e a outra parte era vendida para pagamento

de tributo aos persas.

O Livro de Neemias (Ne 5) descreve a situação de miséria desse período,

que resultou em um protesto generalizado dos pobres e miseráveis, principalmente

das mulheres judias, que precisavam vender seus próprios filhos como escravos,

para poderem se alimentar. Tünnermann (2001, p. 142) aborda a importância desta

perícope para a compreensão da construção social neste período: “[...] é um texto

importante como fonte para o período pós-exílio, pois apresenta a realidade

socioeconômica de Judá na metade do século V a. C. O texto narra a reforma social

realizada por Neemias e apresenta um resumo da sua conduta como governador de

Judá”. Rossi (2009, p. 119) afirma que o principal problema dos camponeses era o

tipo de relação comercial com o rico, que emprestava dinheiro ao pobre com juros

exorbitantes, levando-o à situação de miserabilidade e fome: “o papel do tributo foi

só o de revelar e acelerar o que já existia no contexto específico das relações de

classe da sociedade judaica”. Uma grave crise social surge em Judá, onde os

pequenos camponeses estavam perdendo suas casas e se aprofundando em

endividamentos, a ponto de perderem seus próprios filhos que estavam sendo

sujeitados à escravidão e opressão.

Nos dois primeiros versículos do capítulo cinco de Neemias, aparece um

grupo ainda mais oprimido e indignado, as mulheres: “Ora, o povo, homens e

mulheres, começou a reclamar muito de seus irmãos judeus. Alguns diziam: nós,

nossos filhos e nossas filhas somos numerosos; precisamos de trigo para comer e

continuar vivos” (Ne 5.1-2). Segundo Tünnermann (2001, p. 142), “[...] A menção das

mulheres não deve ser considerada uma simples casualidade, especialmente

porque na obra de Esdras-Neemias elas estão em segundo plano”. Para entender a

indignação das mulheres, numa sociedade na qual elas não tinham voz, é

necessário analisar o ocorrido durante a construção do muro de Jerusalém, em que

os homens haviam sido convocados para o trabalho e as mulheres ficaram sozinhas

e na miséria, sem comida e com os filhos e filhas sendo penhorados pelas dívidas.

A prática educacional da época, coordenada pelos representantes da

teologia tradicional sapiencial, servia a interesses do sistema dominante, do qual

faziam parte os comerciantes ricos, os sacerdotes e familiares. Uma educação que

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não tolerava ser questionada, evitando assim transformações da situação vigente e

dominadora, conduzindo os dominados ao adestramento (NEVES, 2013, p. 27-31). A

ideologia persa foi sustentada pela educação mantida e divulgada pelos

representantes da religião judaica, dando sustentação para a teologia tradicional

sapiencial e ao dogma da retribuição. Nesse período também ocorre a redação final

da Torá como legitimação da teocracia judaica. A ideologia não muda somente a

situação política e socioeconômica do povo, mas também a situação e as práticas

religiosas, transformando os ricos e poderosos em justos e abençoados por Deus (o

deus do dogma) e os pobres doentes e sofredores em injustos, pecadores e

amaldiçoados (ROSSI, 2005, p. 14-15; 2008, p. 20-21, 38).

Neemias, após ouvir o clamor do povo oprimido e sofredor, convoca os

nobres e magistrados, responsáveis pela causa da extorsão das pessoas por meio

da agiotagem, para uma assembleia geral, na qual é definida uma anistia total como

forma de contornar a situação e conquistar (calar) a população explorada

(TÜNNERMANN, 2001, p. 141-159).

Dessa forma, fica bem evidente a situação de pobreza, doença e opressão

que sofriam os camponeses judeus neste período, vítimas de um sistema

dominante, um modelo de produção tributarista sob o controle do Império Persa,

auxiliados pelos líderes religiosos judeus, que mantinham uma ideologia de controle

por meio da educação teológica sapiencial11. O povo precisava de uma resposta à

sua angústia.

Se a redação final do livro de Joel fosse concluída neste período como

afirmam a maioria dos estudiosos sobre o tema nos últimos anos, certamente a

atuação desleal acentuada dos líderes religiosos e a falta de disposição para ouvir

os profetas seriam apontadas pelo redator, o que não aparece no conteúdo do livro.

Por isso, se faz necessário conhecer melhor o período que sucedeu o Império Persa

para entendermos a principal diferença de gestão entre os impérios: persa e grego.

_______________ 11

Para mais detalhes sobre a utilização da educação no adestramento e desumanização do ser humano, baseada na teologia da retribuição, neste período do Império Persa, sugiro a leitura do meu livro “Educação Cristã Libertadora”, lançado em 2013 pela Fonte Editorial, que também faz parte das referências desta tese.

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121

4.2 A ASCENSÃO E O DECLÍNIO DO IMPÉRIO GREGO

A força do povo grego começou a aparecer já no período de dominação do

Império Persa. Entretanto, como império surge com Alexandre, chamado o Grande,

que era macedônio e aproveita da rivalidade das principais poleis (πολεις) gregas e

unifica o poder e rapidamente conquista a maior parte do mundo conhecido. A

dominação grega é mantida por mais de dois séculos, até ser substituída pela

romana no século I a. C. Todavia, sua influência foi tão grande que a cultura

helenista continua conquistando povos, mesmo durante o Império Romano.

4.2.1 O mundo grego até a ascensão de Alexandre, o Grande

Segundo Koester (2005, p. 1-2) “a expansão das colônias gregas começou

muitos séculos antes das conquistas de Alexandre”. A civilização grega (Grécia

Antiga ou Hélade) surgiu entre os mares Egeu, Jônico e Mediterrâneo, formada por

meio da migração de tribos nômades de origem indo-europeia (aqueus, jônios,

eólios e dórios). Os gregos eólios se estabeleceram na costa setentrional da Anatólio

ocidental já no século XII ou XI a. C. Enquanto os gregos jônios fundaram muitas

cidades na região central da costa ocidental da Anatólia: Esmirna, Éfeso e Mileto.

Estas cidades se tornaram importantes para o mundo grego. Como exemplo, Mileto

foi o berço dos primeiros e famosos filósofos como Tales, Anaximandro, Anaxímenes

e Hecateu. Na época era a cidade mais importante do mundo grego em termos

culturais e contribui para o futuro processo de helenização de outras cidades da Ásia

Menor. No século VI a. C., quando a Anatólia foi conquistada pelos persas, grande

parte de seu território ocidental e todas as ilhas do Egeu eram gregas.

Na região da bacia do Mar Egeu existia duas importantes civilizações: a

Cretense e a Aqueana ou Micênia. Essas civilizações já detinham o conhecimento

da escrita, utilizavam armas e instrumentos de bronze, além de terem a agricultura e

artesanato desenvolvidos. A civilização Aqueneana (aqueus), que ficava ao sul da

Península Balcânica, foi conquistada pelos dórios. Os quatrocentos anos que se

seguiram à chegada dos dórios (séc. XII a VIII a.C.) é uma época obscura devido à

carência de informações escritas sobre o período. O que se tem são os poemas

épicos escritos por Homero: a “Ilíada” e a “Odisséia”. Por isso, o período entre o

século XII e XI é chamado de “homérico”. Segundo Funari (2011, p. 222), a leitura

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dos poemas de Homero é obrigatória para “quem quiser ter um conhecimento direto

da religiosidade grega”. Além de religião, os poemas de Homero revelam

informações importantes sobre comportamento, cultura, fatos históricos, mitologia

grega e a sociedade da Grécia Antiga. O poema épico grego Ilíada, considerado o

mais antigo da literatura ocidental, tem esse título derivado do nome grego da cidade

de Tróia. Ele contém 15.693 versos que narram os acontecimentos do último ano da

Guerra de Tróia. Enquanto, que o poema Odisséia contém 24 cantos que narram a

viagem de volta do herói grego Odisseu (Ulisses) da Guerra de Tróia. São 10 anos

de aventuras até chegar à Ilha de Ítaca, onde era rei.

A sociedade da época era formada por reis e nobres, senhores de terras e

rebanhos. Os nobres defendiam a perenização de suas famílias por meio da união

de membros por laços de parentesco consanguíneo e/ou religioso. A sociedade era

dividida em “genos”, que era uma espécie de clã familiar, em torno do qual se

estruturava o “oikos”, o universo habitado, unidade econômica que compreendia

terras, casas, ferramentas, armas e gado, dos quais dependia a sobrevivência do

grupo. As atividades desenvolvidas pelos membros dos genos e escravos eram de

pastoreio, agricultura de cereais, legumes e frutas, produção de óleo e vinho, fiação

e tecelagem. Algumas funções consideradas mais nobres como de ferreiros,

carpinteiros, videntes e médicos eram ocupadas pelos demiurgos, que eram

trabalhadores livres e prestavam serviços aos nobres, com direito de participar de

suas assembleias, desde que somente como ouvintes. Existia, ainda, um grupo

considerado inferior aos demiurgos composta pelos tetes, homens sem posses e

sem especialização que prestavam serviços em troca de alimento ou roupa. Aos

nobres restava a responsabilidade pelas guerras praticadas contra os vizinhos ou

inimigos externos, realizadas por meio de lutas individuais entre guerreiros

fortemente armados, cujo objetivo era essencialmente a aquisição de escravos e

metais que não eram produzidos em seus respectivos oikos. Segundo Chaniotis

(2005, p. 57) a guerra era elemento basilar da ideologia do rei helenístico que

ressaltava tanto a sua função como general como sua função política.

Por volta do século VIII a.C. a figura do rei desaparece e é substituída por

magistrados eleitos e por conselhos de nobres. Um significativo número de

comunidades dominadas por grupos de famílias aristocráticas proprietárias das

melhores terras, cuja “autoridade” era justificada por herança de antepassados, às

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vezes na figura de um suposto herói do passado, ou mesmo um deus. Os povoados

passam a se instalar nos arredores das antigas fortificações micênicas, sempre com

a presença da praça de mercado (comércio) e templo (religião). As casas dos gregos

eram pequenas e eles gostavam de reunir nos parques e nas praças das cidades

para um bom diálogo e troca de ideias. Koester (2005, p. 2) afirma que nesta época

“colônias gregas foram fundadas em quase todas as regiões do Mediterrâneo e do

mar Negro”. Colônias gregas são fundadas na região da Trácia, na parte sul da

Península Itálica e na região da Ásia Menor e na costa da Líbia no norte da África,

sendo o mar Mediterrâneo sua principal via de comunicação.

A maioria das novas cidades gregas eram apoikiai (formadas com a

emigração de parte da população da cidade fundadora), que mantinham vínculos

políticos e econômicos com sua cidade-mãe (metrópole). Essas cidades, com o

tempo foram se tornando independentes, tendência que fora reforçada por

conjunturas políticas. Surge a figura das cidades-Estado que passa a caracterizar a

vida política dos gregos. As poleis eram uma espécie de um pequeno “país”

independente, elas tinham sua própria forma político-administrativa, organização

social e deuses protetores. Esparta e Atenas eram as duas poleis mais importantes

da Grécia. “As cidades-Estado gregas divididas, mas não totalmente diferentes entre

si, haviam desenvolvido, pelo menos inicialmente, um poder econômico

extraordinário e estendiam sua influência cultural muito além de suas fronteiras”

(KOESTER, 2005, p. 3).

Os dois séculos que antecederam Alexandre foram marcados pelos conflitos

entre os gregos e persas, motivados por aspectos políticos e econômicos. “Grécia e

a Pérsia eram de fato fundamentalmente diferentes”. Como exemplo, na Ásia Menor,

quando a administração dos reis lídios foi substituída pelos sátrapas persas, tanto as

metrópoles como suas colônias foram privadas da antiga liberdade concedida pelo

regime grego. A Pérsia, um vasto império sob a administração centralizada no rei,

controlava grandes áreas por meio de força militar, embora várias satrapias

conservassem sua herança cultural e religiosa. Enquanto a Grécia, neste período,

era um pequeno país, pobre em termos agrícolas, dividido em vários Estados

democráticos, oligárquicos e aristocráticos. Os Estados gregos “existiam lado a lado,

com relações tensas, raramente amigáveis e quase sempre abertamente hostis”

(KOESTER, 2005, p. 3).

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Os persas, em poucos anos, conquistaram a Síria, a Palestina, o Egito e a

Ásia Menor, inclusive as cidades gregas. Entre 500 a 494 a.C. ocorreu uma revolta

fracassada dos jônios, mas a tentativa persa de estender seu domínio para o

território grego não obteve sucesso. Os gregos resistem em defesa de seu território

e sua vitória marcou profundamente a mente grega, pois o sucesso ficou expresso

na literatura grega (tanto na poesia quanto na ficção). Segundo Koester (2005, p. 3),

“a crença da superioridade da educação grega, da cultura grega e dos deuses

gregos modelou não apenas a mente helênica, mas também a de outras nações,

mais tarde dos próprios romanos”.

O período clássico (séc. V E IV a. C.) ficou marcado por guerras gregas

externas e internas. Em 492 a.C., os gregos tiveram que se defender do ataque dos

persas direto à Grécia continental. Os persas foram derrotados pelos atenienses nas

batalhas de Maratona (490 a.C.). Anos depois, houve uma nova investida dos

persas, que foram novamente derrotados por Atenas na batalha naval de Salamina,

em 480 a.C., e na batalha de Plateia pelas forças coligadas de Atenas e Esparta.

Para evitar possíveis novas invasões persas nas poleis do mar Egeu e da Ásia

Menor, Atenas organizou uma liga de cidades sob sua liderança, denominada Liga

de Delos (477 a.C.). O tempo passou e o perigo dos ataques persas diminuiu,

entretanto, Atenas não permitiu que qualquer cidade se retirasse da Liga, tornando-

se, assim, uma cidade imperialista.

Todavia, “a idade de ouro da Grécia Clássica do período de Péricles chegou

a um fim lastimável nos trinta anos da guerra do Peloponeso (433-404 a. C.)”. Os

conflitos entre as duas principais poleis gregas, Esparta e Atenas, apesar da vitória

de Esparta trouxe prejuízos para as duas, pois ambas perderem sua posição como

poderes dominantes. Com a desunião política a condição dos Estados gregos foi

deteriorando-se progressivamente e “as tentativas de substituir a antiga hegemonia

de Esparta e Atenas por repúblicas federais tiveram pouco êxito” (KOESTER, 2005,

p. 3-4). A vizinha Macedônia, aproveitando do enfraquecimento grego, impõe seu

domínio por meio de mais guerras, culminando na destruição da famosa cidade de

Tebas (cidade citada no livro de Joel) por Alexandre em 335 a.C. Apesar da

continuidade do processo de industrialização começado no século V, do aumento da

produção da indústria manufatureira com a mão de obra escrava, do

desenvolvimento da indústria naval, da expansão do sistema bancário, a situação

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econômica se agravou no século IV. Segundo Koester:

Escavações arqueológicas revelaram que a Síria, o Egito e as colônias gregas nas costas do mar Negro e em outras partes do mediterrâneo ocidental substituíram por seus próprios produtos as mercadorias que antes importavam da Grécia. O segmento da construção civil nas cidades gregas sofreu redução; grandes projetos de construção foram muitas vezes interrompidos, só sendo retomados mais tarde, depois de Alexandre ou durante o período romano (KOESTER, 2005, p. 4).

Como consequência houve um “desiquilíbrio na balança comercial externa”,

aliado ao aumento do contraste entre ricos e pobres com o aumento populacional,

agravamento do desemprego e o empobrecimento de uma porção significativa da

“classe” média, bem como os exércitos passaram a depender cada vez mais do

recrutamento de mercenários. Enquanto isso, o Império Persa gozou de certa

prosperidade e unidade. Na costa sírio-palestina as poderosas cidades mercantis

dos navegantes fenícios abasteciam a Pérsia com suas forças navais, junto com as

províncias de Jerusalém e Samaria, também desfrutavam desse período de paz e

prosperidade.

A Grécia estava em decadência, enquanto a Pérsia gozava de relativa paz e

prosperidade. Todavia, os Macedônios começam a sair da obscuridade da história

clássica helênica, com o surgimento de um novo líder que seria apresentado para a

história da humanidade, Alexandre, filho de Felipe II, o rei macedônico.

4.2.2 A ascensão rápida e a morte precoce de Alexandre, o Grande.

A macedônia era uma nação fortemente vinculada aos gregos, todavia,

ocupou apenas papel secundário na história clássica dos estados helenos. A

Macedônia possuía uma estrutura geográfica unificada, ostentava planícies

litorâneas férteis com grandes rios, tornando acessíveis os vales mais remotos e as

montanhas não impediam o acesso às regiões do interior. Diferente da Grécia, não

dispunha de bons portos naturais e nem cidades orientadas primariamente para o

mar, mas era economicamente autossuficiente e não dependia do comércio externo,

que como visto anteriormente foi uma das causas da decadência da Grécia. A

Macedônia era regida por um rei, comandante de um exército recrutado em todo

país, e que tinha as famílias nobres sob seu controle, embora também houvesse

conflitos entre elas, mas longe dos constantes conflitos entre os governos que

assombravam as cidades gregas.

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A partir de 338 a. C., após a vitória do rei macedônico Filipe II sobre Atenas

e seus aliados em Queronéia, a história da Macedônia não seria mais a mesma.

Filipe II, aproveitando do enfraquecimento e dos conflitos entre as cidades gregas

conquista a poderosa Atenas, que perdeu definitivamente sua hegemonia sobre a

Grécia. Restava agora derrotar a poderosa Pérsia para solidificar seu reinado.

Koester (2005, p. 9) cita uma célebre frase de Isócrates, então com seus noventa

anos, prevendo o sucesso de Filipe: “depois de submeteres os persas ao teu

domínio, nada mais resta senão tornares-te um deus”. Filipe II estava preparando o

mundo para receber o que seria um dos maiores líderes da história da humanidade,

seu filho, Alexandre, o Grande.

Alexandre coloca em prática o plano de seu pai e leva a cultura grega a todo

o oriente. Filipe II foi assassinado em 336 a. C. e seu exército proclamou Alexandre

como o rei dos macedônios. Imediatamente Alexandre comanda o exército para dar

continuidade na conquista da Trácia, que fora iniciada por seu pai. No mesmo ano,

os gregos o confirmam também como seu general comandante. Em 335 a. C., ele

obtém expressiva vitória sobre uma insurreição grega liderada pela cidade de Tebas,

cidade importante que ficou totalmente destruída e, no mesmo ano, cruza a Ásia

Menor e derrota o exército persa em Granico. No ano seguinte liberta as cidades

gregas da Jônia do domínio persa. No entanto, somente em 333 a. C. em Isso,

Alexandre tem uma vitória decisiva sobre o rei Persa Dario III. Este tenta um acordo

sem sucesso com Alexandre, propondo-lhe a metade ocidental do império. Durante

sua campanha militar contra a Pérsia, Alexandre fez um desvio para o sul. Ele não

teve dificuldade para tomar o resto da Síria, a Fenícia, Samaria e Jerusalém.

Diferente da cidade fenícia de Tiro (citada no livro de Joel), onde foi necessário um

cerco prolongado para a conquista (BRIGHT, 2003, p. 491-492; KESSLER, 2009, p.

214; JARDÉ, 1977, p. 95).

O primeiro encontro de Alexandre com os judeus foi registrado no Talmude

da Babilônia (Yoma 69a) e no Livro da Antiguidade do historiador judeu Flávio

Josefus (XI, 321-47). O sumo sacerdote do Templo em Jerusalém saiu ao encontro

de Alexandre antes que ele chegasse à cidade, temendo que ele a destruísse.

Alexandre, ao avistar o sumo sacerdote judeu, desmontou de seu cavalo e inclinou-

se perante ele, justificando sua atitude com um sonho que haveria tido, onde

visualizara a figura do sumo sacerdote. Desse modo, ele estaria inclinando perante a

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autoridade que havia constituído o sumo sacerdote, o seu Deus. Alexandre

interpreta a visão como um bom presságio e poupa Jerusalém. Provavelmente,

trata-se de uma narração lendária. GONZÁLEZ ECHEGARAY (2000, p. 232) afirma

que o relato do Talmude da Babilônia sobre o encontro de Alexandre com as

autoridades judaicas não faz nenhuma referência à narração de Josefo. Além do

mais, o Sumo Sacerdote que encontra com Alexandre citado é Simeão, o Justo.

Informação incongruente, pois este viveu um século após o referido encontro. Não

há registro da narrativa do encontro em outras fontes, além das duas citadas. Bright

(2003, p. 492) de forma objetiva resume o encontro de Alexandre com os judeus:

No decorrer dessas campanhas, o interior da Palestina, incluindo Judá e Samaria, ficou sob o controle de Alexandre. Exatamente como isso aconteceu não sabemos. A narrativa de Josefo (Ant XI, VIII) é muito cheia de detalhes lendários para inspirar confiança, enquanto a Bíblia, salvo uma ou duas alusões muito incertas, não o menciona. A probabilidade é de que os judeus, vendo pouca escolha entre o novo senhor e o antigo, tenham-se rendido pacificamente.

Após a conquista de Jerusalém, o Egito cai aos pés de Alexandre,

submetendo-se pacificamente ao seu comando, chegando a saudá-lo como filho de

Zeus-Amon no templo líbio de Amon, em Siva. No Egito foi fundada a cidade de

Alexandria, que seria o símbolo dos novos tempos culturais. Em 331 a. C., Samaria

não teve o mesmo desfecho do encontro de Alexandre com Jerusalém, pois seus

habitantes se revoltaram e queimaram vivo a Andrômaco, governador da Celessíria.

Como represália, Alexandre destruiu a cidade e substituiu seus habitantes por

colonos macedônios e estabelece Samaria (Sebaste) como a primeira cidade

helenista na região. Neste mesmo ano, Alexandre obtém a vitória final sobre Dario

em Gaugamela, a leste do Alto Tigre, com isso, consegue acesso às regiões centrais

do reino persa e após longa campanha militar conquista a região (BRIGHT, 2003, p.

492). Em 327 a. C. chega à Índia, onde hoje está o moderno Paquistão. Antes de

chegar ao rio Ganges, o exército de Alexandre o forçou a recuar. A expedição à Índia

e ao Golfo Pérsico foi analisada pelos historiadores e apesar do recuo foi

considerada positiva:

Historiadores avaliaram o significado político dessa expedição à Índia de várias formas, como também a passagem subsequente da frota de Alexandre através dos rios Hidaspes e Indo e mais além pelo mar da Arábia até o Golfo Pérsico. Entretanto, essas missões de exploração foram um estímulo muito forte, tanto para o desenvolvimento da ciência grega como para a imaginação literária, com efeitos que perduraram durante muitos séculos (KOESTER, 2005, p. 9-10).

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Alexandre tem um difícil regresso ao território persa através do deserto de

Gedrósia. Depois de conhecer Babilônia a transforma na capital de seu império. Ele

tenta reorganizar o imenso império conquistado, mas tem sérias dificuldades devido

à abrangência e complexidade do império. Outro fator complicador era certos

aspectos difíceis de sua própria personalidade, conforme elencado por Koester

(2005, p. 11): “sua sinuosidade política, frequentemente associada com um desejo

de moderação; sua crescente imprevisibilidade”. Aliado a isso, “a simultânea

alienação da nobreza persa e dos seus conselheiros e generais macedônios; e

finalmente a política mal concebida de fusão das populações greco-macedônia e

persa”. A campanha militar de Alexandre durou 12 anos e levou seu império a 15 mil

quilômetros de distância, até o Rio Indo, na Índia. Somente a exaustão de seu

exército e a morte precoce de Alexandre aos 32 anos pôs fim à conquista helênica

do mundo conhecido (BRIGHT, 2003, p. 493). Com isso, Alexandre consolida um

vasto domínio político e faz significativas alterações na estrutura da sociedade

Antiga, em especial na sociedade grega (perda da independência da pólis (πολις) e

a extinção do homem livre com a monarquia universalista).

Hengel (1981. p. 12) afirma ser importante ressaltar que o processo de

helenização, entendido num sentido amplo de acomodação à literatura, à arte, à

filosofia, ao sincretismo religioso com os gregos, não aconteceu imediatamente após

a vitoriosa expedição de Alexandre. Conforme já citado anteriormente, os

mercenários gregos já eram conhecidos pelos habitantes da Palestina séculos antes

da expedição de Alexandre. Entretanto, não tem como negar, que o mundo já não

era mais o mesmo depois das conquistas de Alexandre e a imposição da cultura

grega. A incorporação da cultura grega pelos conquistados foi diferente de todos os

impérios que antecederam o império helênico. A cultura dos impérios anteriores foi

facilmente superada:

A cultura grega era a cultura dos conquistadores, dos governantes, dos exércitos e da nova elite comercial. O grego era a língua da administração, dos negócios e do comércio. A literatura grega era tida como modelo supremo para todo tipo de produção literária. A cultura grega era a cultura do novo tempo, e quem quisesse fazer parte da nova elite teria necessariamente de adotá-la. As línguas e os costumes das velhas culturas da Pérsia, Síria, Judéia e Egito não gozavam do mesmo prestígio porque eram culturas de povos conquistados, de populações que não tinham sido capazes de resistir ao poderio superior de Alexandre e de seus sucessores (SKARSAUNE, 2004, p. 20).

A principal estratégia de promoção da cultura helenística foi a fundação das

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cidades helênicas, ou poleis. O sistema educacional para expandir a cultura, a

instrução e a formação grega foi a chamada Paidéia, que às vezes, tem sido

vulgarmente traduzido simplesmente por educação. O termo surgiu pela primeira vez

no século IV a. C. para designar a criação dos meninos e posteriormente o

significado foi ampliado para indicar todas as formas de criação espiritual e da

tradição grega. A sua essência era fundada nos valores coletivos. A Paidéia clássica

tinha o papel de formar o ser humano, em especial o homem, para participar da

política e da sociedade. Werner (2002, p. 17) esclarece que paidéia tem um

significado mais abrangente do que educação, pois compreende o conjunto de

cultura, instrução e formação. No entanto, a formação educacional não era a mesma

para todas as pessoas, os gregos livres tinham uma educação mais elitizada,

enquanto as demais pessoas uma educação direcionada e inferior.

Nos últimos anos de Alexandre aparecem indícios da origem do culto divino

ao imperador. Em 324 a. C., Alexandre exige a veneração a Heféstion, seu amigo

falecido, como herói divino, além de determinar que os embaixadores gregos

comparecessem diante dele com coroas que eram utilizadas em cultos de adoração.

Segundo Koester (2005, p. 11), “aceita-se atualmente que o culto ao imperador não

derivou de conceitos ‘orientais’ importados para a cultura grega, mas foi um

desenvolvimento genuíno de ideias gregas sobre a presença do divino em pessoas

extraordinárias”. No entanto, o culto oferecido aos heróis era tributado a alguém já

morto. Por isso, Koester (2005, p. 37) afirma que “não existe relação direta entre o

culto ao imperador e o culto ao herói”. Comenta, porém, que essas práticas podem

ter sido influenciadas pelos egípcios (KOESTER, 2005, p. 11). Todavia, antes de

Alexandre, governantes e generais haviam recebido honras divinas ainda em vida,

por influência de filósofos como Platão, Xenofonte e Aristóteles. Estes filósofos nos

tempos das crises da pólis grega difundiram a ideia de que “somente um indivíduo

com dons divinos seria capaz de restabelecer a paz, a ordem e a prosperidade”

(KOESTER, 2005, p. 37).

Contudo, o grande conquistador teve uma vida curta. Em 323 a. C., antes de

completar 33 anos, adoece e morre na Babilônia (KESSLER, 2009, p. 215).

Alexandre não deixou herdeiro e nem sucessor. O seu filho com a princesa bactriana

Roxane e seu irmão mais novo, Filipe Arridaio, não tinham capacidade de liderança

para assumir o comando do império conquistado. Todavia, após sua morte, não

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houve ameaça externa que comprometesse o vasto império conquistado. A forma de

administração persa foi mantida e foram nomeados sátrapas e administradores

financeiros, gregos e macedônios, com exceção no leste que também foram

nomeados persas. Contudo, os generais que tinham as antigas províncias persas

sob seu comando não mantiveram uma unidade.

O exército da Macedônia, estabelecido na capital provisória da Babilônia,

teve a prerrogativa de definir os sucessores de Alexandre, chamados de diádocos

(KESSLER, 2009, p. 215). Inicialmente, Perdicas, que já havia servido ao pai de

Alexandre, foi confirmado como regente da parte asiática do império; Antígono

Monoftalmo, um dos generais mais antigos de Alexandre, recebeu as partes central

e meridional da Ásia Menor (Frígia, Panfília e a Lícia); Lisímaco, outro general

veterano, recebeu a Trácia; Ptolomeu, que pertencia à geração de Alexandre,

recebeu o Egito. Houve vários conflitos entre os diádocos pelos motivos mais

variados: ambições egoístas; manutenção de uma formação de reinos separados

bem definidos; reunificar o império; manutenção do vínculo com a pátria mãe, a

Grécia; entre outros. Com isso, alguns diádocos foram substituídos. Da mesma

forma, houve conflitos na definição de sucessões de alguns diádocos, como no caso

de Antipatro, que havia assumido o lugar de Perdicas e indicou Polipercão como seu

sucessor e não seu filho Cassandro. Conflitos que, ao final, resultou na morte de

Arridaio, irmão mais novo de Alexandre, e Eurídice, neta de Filipe II, envenenados

pela mãe de Alexandre, Olímpias. O jovem filho de Alexandre e sua mãe foram

assassinados pelo próprio Cassandro, que assume o poder (KOESTER, 2005, p. 13-

15). Após várias tentativas sem sucesso de reconstituir o império de Alexandre pelos

diádocos, por fim, a última ocorreu em 304 a. C. Porém, os conflitos entre os

governantes continuaram e a situação da Grécia se mantinha conturbada.

No Oriente Médio foram mantidos os dois impérios gregos: os Ptolomeus no

Egito e os Selêucidas na Síria. Esses impérios eram rivais e Israel ficava na fronteira

entre eles. Israel, inicialmente estava sob o controle dos Ptolomeus, mas em 198 a.

C., depois da Batalha de Panias tem sua subordinação transferida para os

Selêucidas. Durante o Império grego, a grande maioria dos judeus permaneceu fiel

ao judaísmo, entretanto, grande parte da elite da sociedade judaica abraçou a

cultura helênica. A rejeição do helenismo pelos judeus fiéis ao javismo era vista

pelos gregos como uma rebelião e muitas vezes tratada com hostilidades. Conhecer

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131

como ocorreu o relacionamento do reinado helênico dos ptolomeus e selêucidas

com os judeus é fundamental para entendermos a literatura apocalíptica e influência

grega no judaísmo.

4.2.3 O reinado helênico dos ptolomeus e selêucidas e o judaísmo

Após a morte de Alexandre, seus generais disputaram a sucessão do reino

conquistado por ele, sendo que algumas das batalhas entre eles ocorreram

precisamente na Palestina. Segundo Russel (1967, p.16), os ptolomeus foram os

primeiros a tomar posse da Palestina, que fazia parte da província de Síria e

Fenícia, e a anexou definitivamente à satrapia do Egito em 301 a.C. Enquanto, que a

parte oriental do império que fora de Alexandre (Pérsia, Babilônia e Armênia) ficou

sob a administração de Selêuco e seus sucessores.

O helenismo continuou em ascensão mesmo após a morte de Alexandre. Os

Ptolomeus tinham a Alexandria sob seu domínio, onde estava a maior comunidade

judaica da diáspora (mais de cem mil judeus). Esta cidade era considerada um

importante centro para disseminação da cultura helênica e os judeus domiciliados

nela, mantinham uma vida adaptada à cultura helênica. Enquanto na Judeia a

cultura helênica não tinha a mesma recepção. Esta região, mesmo sendo uma

importante rota de passagem para o comércio, no início não despertou interesse

proporcional à sua importância. No entanto, não ficou imune ao helenismo. Os

Ptolomeus fizeram mudanças mínimas no sistema administrativo que os gregos

herdaram dos persas. O governo dos Ptolomeus era conhecido pelo respeito às leis

locais de seus dominados, mediante a cobrança de tributos, para isso escolhiam

pessoas adaptadas aos costumes gregos. No período desse governo, na Judeia, o

clã dos Tobíadas foi escolhido para implantar o helenismo, a ponto de um dos

membros desse clã, chamado José, natural de Jerusalém, tornar-se um banqueiro

(ARMSTRONG, 2000, p. 135; BRIGHT, 2003, p. 493).

Os ptolomeus governaram sobre a Palestina aproximadamente durante um

século, período em que os judeus experimentaram o maior período de paz de sua

história. Porém, o preço para essa paz foi de um tempo de exploração econômica

muito aperfeiçoada. Segundo Hengel (1981, p. 19), todo o território do reino era

considerado como uma propriedade pessoal do rei. Ele “dirigia o estado como a sua

própria casa”. Os gregos introduziram cidades helenísticas na região da Palestina,

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algumas já do período de Alexandre como é o caso de Samaria e Gérasa

(Transjordânia), colonizadas por soldados macedônios, que recebiam terras e

tinham certa autonomia de governo, ao estilo das cidades gregas. Outro exemplo foi

Ptolemaida que foi o principal centro de toda a província da Síria e Fenícia, entre

outras colonizadas por soldados ou cidadãos civis gregos. Os ptolomeus, por meio

dessas cidades, podiam controlar a população nativa e explorar mais intensamente

a agricultura. Essas cidades eram governadas por uma minoria de cidadãos livres,

únicos que podiam possuir terras e viviam nas cidades. A maioria era formada por

escravos domésticos e produtivos, estrangeiros dedicados a diversas atividades,

que não tinham voz nos assuntos políticos e nem direitos à propriedade de terra. Ao

redor das cidades existia um vasto território com as melhores terras, propriedade do

rei e administrado pelos funcionários do Estado.

Como ocorria nas demais regiões dos reinos helenísticos, Jerusalém se

tornou uma cidade sacerdotal. Os sumos sacerdotes assumiam funções

administrativas no governo Ptolomeu e eram assessorados por um conselho de

notáveis chamado “gerusia”. Esse conselho, a partir de Herodes passou a se

chamar Sinédrio, termo bem conhecido no Novo Testamento. O sumo sacerdote

tinha seus privilégios, mas em troca era obrigado levantar grandes somas de

dinheiro para o Estado, administrado por uma grande, mas eficiente burocracia

(BRIGHT, 2003, p. 494). Durante o governo dos ptolomeus, a província da Síria e da

Fenícia se tornaram uma área agrícola muito rica e produtiva. A paz era reconhecida

pela sociedade, mas o custo desta paz também era um peso para ela, pois o novo

sistema administrativo mudou toda a rotina dos habitantes da Palestina:

A nova modalidade de produção agrícola, especialmente nas terras das cidades helenísticas, destruiu a antiga vida das aldeias e proletarizou os camponeses nativos. De agricultores livres, cujas autoridades imediatas eram os anciãos de seu povoado, tornaram-se diaristas sobre as terras alheias sem nenhuma participação nos assuntos públicos. A situação das terras submissas a Jerusalém pode não ter sido tão ruim. Também é possível, nos territórios do rei, alguma medida de sobrevivência das aldeias (PIXLEY, 1989, 106).

Esta prática continuou nos séculos seguintes, cidades de latifundiários

trazidos de outras partes e que não tinham respeito pelos habitantes nativos. Em

meados do século III, conforme já citado, um dos maiores latifundiários, chamado

Tobias, pertencente a uma distinta família judaica da Transjordânea, consegue firmar

contrato com o Rei Ptolomeu III Evergetes para manter seu filho, chamado José,

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como coletor de impostos para toda a província da Síria e da Fenícia de 239 a 217

a. C. Não obstante a exploração dos latifundiários e a humilhação dos judeus

nativos, outro elemento perturbador para a sociedade judaica foi a prática helênica

de recrutamento para o exército. Muitos jovens judeus eram recrutados à força,

enquanto outros entendiam ser uma alternativa atraente fazerem parte

voluntariamente como mercenários do exército grego, considerado o melhor do

mundo da época pelo reconhecido espírito de equipe e disciplina (ARMSTRONG,

2000, p. 135; PIXLEY, 1989, 106-110).

O reino selêucida abrangia uma área imensa, estendendo-se da Bactriana

ao leste até a Anatólia ao oeste. Entretanto, a província da Síria e da Fenícia, que

incluía a Palestina, muito interessava aos selêucidas e a disputa pelo domínio

dessas regiões ocupou todo o século III a. C., no início do segundo século os

selêucidas conquistam o controle sobre a região, quando o reino selêucida estava

sob o comando de Antíoco III - 223-187 a. C. (KOESTER, 2005, p. 28-32). No final

da 5ª Guerra Síria (201-200/198), em 198 a. C., Antíoco III derrotou o general

ptolomaico Scopas na batalha de Pâneas e restabeleceu a soberania sobre a Síria e

Fenícia (DONNER, 2009, p. 503). Os Selêucidas mantiveram o controle sobre a

região até 167 a. C., ano do levante de Matatias e seus filhos, que conquistaram

certa autonomia aos judeus12.

O controle sobre a Palestina passa dos ptolomeus para os selêucidas, mas a

exploração continua e no governo de Antíoco IV Epífanes (175-163 a. C.) se acentua

como nunca visto. Durante este governo, a compra de cargos por famílias

proeminentes de Israel permanece sendo uma prática comum. Neste período, os

sumos sacerdotes que deveriam promover a justiça, fizeram esforço para fundar em

Jerusalém uma cidade helenística, a qual foi dada o nome de “Antioquia em

Jerusalém”. Donner (2006, p. 505-506) afirma que não tem como definir com

precisão os efeitos da helenização sobre a comunidade cúltica jerosolimita e no

judaísmo palestinense. No entanto, assevera que “não podemos supor que uma

comunidade cultual cujos sumos sacerdotes usavam nomes oficiais como Jasão e

Menelau tenha permanecido intocada pelo espírito helenístico”. De acordo com

Hengel (1981, p. 299) a política de Jasão era converter Jerusalém em uma polis

_______________ 12

Maiores detalhes sobre a insurreição liderada por Matatias e seus filhos serão dados na seção específica, neste mesmo capítulo.

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grega. Bickerman (1979, p. 85-88) corrobora com essa afirmação e acrescenta

Menelau como sucessor dessa política, buscando melhorar a convivência e

confraternização com os gregos. Todavia, Tcherikover (1961, p. 169) destaca que

quando eles são citados nos textos bíblicos fica mais clara suas intenções. Elas não

são nas áreas culturais e religiosas, mas sim política e busca de benefício

econômico. O único interesse é tirar vantagem politica e econômica do

relacionamento com os gregos.

O grande promotor da helenização da cidade, inclusive com construção de

ginásio e outras práticas gregas, foi o sumo sacerdote com nome grego de Jasão.

Segundo Russel (1967, p. 40), ele com o apoio dos tobíadas e aproveitando a

ausência de Onias, comprou a nomeação de sumo sacerdote por um alto preço.

Jasão vai além, com apoio da maioria dos sacerdotes de Jerusalém e das famílias

dos nobres obtém o controle da admissão à cidadania da nova cidade, bem como

promulga leis no estilo grego que também eram aplicáveis como lei para os judeus.

Na sequência, Menelau também compra o cargo de sumo sacerdote e

continua apoiando as medidas helenizantes de Antíoco e o sicretismo religioso,

permitindo a adoração ao Deus de Israel em associação com outros deuses.

Inclusive, sendo omisso quanto à profanação do Templo de Jerusalém em 167 a. C.

e a dedicação do Templo Samaritano do monte Garizim (RUSSEL, 1967, p. 41-42).

Sua preocupação era manter o bom relacionamento e manutenção do poder político

e benefícios econômicos.

Os selêucidas conquistaram a província da Síria e da Fenícia em 198 a. C.,

porém não souberam manter sistema administrativo dos ptolomeus, considerado

eficiente em benefícios aos gregos, extraindo da Palestina grande excedente para

cobrir seus déficits permanentes. Nesse ambiente que surge a insurreição judaica

conhecida como a guerra dos Macabeus e a instauração da monarquia hasmoneia,

que marcou a história de certa independência de Israel no período de 167 a 63 a. C.

Em 169 a. C., Antíoco IV Epífanes, já conhecido por sua ganancia pelo

poder, após o seu retorno de uma fracassada campanha no Egito, saqueia o templo

de Jerusalém. “Dois anos mais tarde, voltou a Jerusalém, saqueou, queimou e, em

seu interior, edificou Akra, uma cidadela fortificada que teria importante papel nos

acontecimentos futuros (1 Mc 1,29-35)” (PIXLEY, 1989, p. 113). Antíoco IV consagra

o Templo de Jerusalém ao Zeus do Olimpo, inclusive introduzindo uma estátua deste

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deus grego (1 Mc 1,54; Dn 9,27; 11,31; 12,11) e dedica o Templo de Garizim ao Zeus

Hospitaleiro (2 Mc 6,1-2). Não obstante isso, ainda proibiu uma das práticas mais

conservadas pelo judaísmo, a circuncisão das crianças, além de obrigá-los a

oferecer sacrifícios em honra ao seu aniversário (2 Mc 6,3-11), medidas que visavam

humilhar os judeus (DONNER, 2006, p. 506-507; KESSLER, 2009, p. 215-216;

RUSSEL, 1967, p. 41-42).

Em resposta a essas medidas vexatórias que entra em cena a família dos

hasmoneus, primeiro por Matatias, que matou em Modin um judeu que fazia

sacrifício proibido pela fé javista e o emissário do rei que o comandava (2 Mc 2,24-

25). Matatias toma seus filhos e outros valentes voluntários e foge para as

montanhas para se organizarem e lutarem contra os selêucidas, como também

contra os judeus que haviam se submetido às práticas helênicas e abandonado as

tradições antigas da religião judaica.

O motivo para a insurreição macabeia parece óbvio. Skarsaune (2004, p.17)

assevera que “a insurreição dos Macabeus representava a autodefesa do judaísmo

contra a ‘helenização’ forçada implementada por Antíoco. A revolta macabeia tornou

explícita a incompatibilidade entre judaísmo e helenismo”. Entretanto, o próprio

Skarsaune afirma que o conflito entre o judaísmo e o helenismo era muito mais

complexo do que afirmado anteriormente. O conflito judeu era intramuros, “por isso

os Macabeus empunharam inicialmente suas armas, sobretudo contra seus próprios

compatriotas, e não contra os representantes do rei selêucida (1 Macabeus 2.43-46;

3.5-9)”. Ele cita o estudo de Bickerman13, para afirmar que até os guerreiros

Macabeus achavam-se profundamente influenciados pelo helenismo (SKARSAUNE,

2004, p. 18).

As conquistas da família dos hasmoneus e seus aliados são assombrosas.

O sucesso de um povo subjugado e enfraquecido pelos opressores, com intuito de

restaurar a nação de Israel segundo o modelo davídico e a prática da observância

da lei do Sinai, conseguem prevalecer diante de um povo com um exército

poderoso. Todavia, também é de se admirar, como os interesses individuais ou

_______________ 13 Estudo, considerado clássico, do especialista alemão de origem judaica: Elias J. Bikerman, Der

Gott der Makkabäer (Berlin: schocken, 1937), ed. Em inglês: The God of the Maccabees: studies on the meaning and origin of the Maccabean revolt, Studies in Judaism in late antiquity 32 (Leiden: E. J. Brill, 1979).

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familiares acabam por superar o interesse coletivo. Durante o período do governo

hasmoneu houve intrigas e morte entre os próprios familiares. Donner (2006, p. 511)

afirma que a degeneração na família dos hasmoneus ficou evidenciada pela primeira

vez com Aristóbulo I (104-103):

Aristóbulo colocou na prisão sua mãe, que João Hircano havia designado sua sucessora, deixando-a morrer de fome aí. Colocou atrás das grades também três de seus irmãos e assassinou um quarto. Ele assumiu o título de rei e obrigou os itureus à circuncisão.

Outra questão que fica evidente nesse período é o conflito entre os próprios

judeus. De um lado, aqueles que haviam assumido o estilo de vida helênico em

detrimento aos costumes tradicionais, do outro lado, os que continuavam fiéis ao

judaísmo antigo. A insurreição macabaica inicia com a violência contra um judeu

obrigado a oferecer sacrifício idólatra, considerado abominável pelos tradicionais.

Nesse período que surgem alguns grupos judeus menos elitistas, os fariseus e os

essênios, que também se opuseram às atitudes da família hasmoneia quanto ao

exercício sacerdotal. O primeiro (fariseus) não aceitava a necessidade de lutar pelo

poder nacional, e “conformando-se em levar uma vida privada de rigorosa

observância da lei do Sinai” (PIXLEY, 1989, p. 117). O segundo (essênios) se retira

para os conventos e desertos para se dedicarem a uma vida comunitária centrada

no trabalho e no estudo das escrituras. Eles buscavam chaves de leitura para os

últimos tempos e a restauração do sacerdócio aarônico. Eles esperavam a

destruição de todos os impuros numa intervenção de Deus. Ambiente propício para

a proliferação da literatura apocalíptica, como aconteceu.

A literatura judaica do período hasmoneu foi diferenciada, pois uma

quantidade significativa de literatura apocalíptica acaba não sendo aceita no cânon

judaico, com exceção para o livro de Daniel. Dentre os livros produzidos entre os

judeus da Palestina estão: 1 e 2 Macabeus, Daniel, e vários documentos das

comunidades essênias, com destaque para o Documento de Damasco e o manual

de Disciplina (PIXLEY, 1989, p. 118).

No aspecto socioeconômico, o modo de produção escravista estava bem

consolidado, conforme será visto na seção seguinte.

4.3 MODELO HEGEMÔNICO E ESCRAVISTA DO IMPERIALISMO GREGO

O grande sistema de dominação grego, que tinha a economia como um

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ponto forte, não poderia ser manter sem o modelo escravista e desumano imposto

sobre os dominados. O modo de produção escravista se constituía em um modelo

hegemônico que mantinha o sistema opressor e empobrecia o camponês livre. Este

poderia se tornar escravo por endividamento ou como prisioneiro de guerra. As

guerras tinham como um de seus principais objetivos a escravização dos povos

conquistados.

4.3.1 O modo de produção escravista grego

A economia doméstica era predominante na Grécia entre o século XII até o

século VIII a.C. Entre os séculos VIII e VII a. C., com a luta pela colonização o

comércio e a agricultura se desenvolvem, ainda que de forma tímida, momento em

que surge a moeda metálica. Essa realidade tem sua maior alteração entre os

séculos V e III a. C., com o novo contexto histórico favorável com o crescimento

populacional e o conhecimento de novos mercados via meio marítimo, nesse

ambiente a economia de trocas passa a ser predominante. O predomínio da vida

grega na área urbana e a importância da agricultura para a economia das poleis

geravam a necessidade de mão de obra para os serviços agrícolas. Esta mão de

obra era suprida por pessoas escravizadas, na sua maioria por dívidas ou como

prisioneiros de guerra. Segundo Cazelles (1986, p. 220) a expansão grega foi “de

caráter econômico e artístico, antes de ser político”. Argumenta que os israelitas

eram pouco conhecidos dos gregos no século V. Para justificar, ele cita o comércio

de escravos israelitas citado em Jl 4,6 e afirma que “até o século V, Heródoto,

viajante que é, não mostra interesse por eles” (CAZELLES, 1986, p. 221).

Segundo Ceresko (2004, p. 101) os reis ptolemaicos do Egito deram

seguimento ao procedimento anterior dos persas. Eles se apossavam das riquezas

dos povos dominados e mantiveram o sistema fiscal que explorava principalmente

os camponeses com cobranças de porcentagens sobre a colheita e rebanhos ovinos

e bovinos. Os judeus da elite e líderes religiosos colaboravam com a exploração e a

distância entre os pobres camponeses e a rica classe aristocrática aumentava cada

vez mais. Períodos de seca, redução de chuvas e pestes contribuíam ainda mais

com a situação de miséria do povo. Ceresko (2004, p. 101) afirma que com a

sequência da exploração persa pela dos nobres ptolemaicos “[...] os fazendeiros e

pastores despossuídos agora trabalhavam a terra como meeiros e diaristas”.

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Pessoas e famílias do mesmo grupo eram separadas pelos diferentes estratos

econômicos. Os valores e padrões éticos foram se esvaindo e os valores

materialistas tomaram cada vez mais força e as pessoas não podiam mais

compreender o mundo em que estavam inseridos, nem vislumbrar um futuro para

suas vidas. O livro de Joel está inserido neste contexto de crises, desespero e

incertezas. Como levar a vida neste ambiente? A quem recorrer? Onde está a

esperança? Onde está Deus em tudo isso?

Marx e Engels (1982, XII; 1984, p. 32-33) desenvolveram o conceito de

modo de produção para designar a maneira pela qual determinada sociedade se

organiza visando garantir a satisfação das suas necessidades, condicionada ao nível

de desenvolvimento de suas forças produtivas. O modo de produção permite

compreender a maneira pela qual a sociedade produz, utiliza e distribui os seus

bens e serviços. O modo de produção é formado por suas forças produtivas e pelas

relações de produção existentes em determinada sociedade. Desse modo, as

relações de produção se constituem no centro organizador de todos os aspectos da

sociedade. Assim, o modelo de produção permite a análise criteriosa das formações

sociais existentes em uma determinada sociedade, bem como a comparação entre

as diferentes sociedades formadas ao longo da história.

Para Marx e Engels (1984, p. 56): “As idéias da classe dominante são, em

todas as épocas, as idéias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material

dominante da sociedade, é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante”.

Gorender (1988, p. 9-10) complementa que a "Economia Política é a ciência dos

modos de produção, de todos em geral e de cada um em especial, de sua sucessão

e das transições de um para o outro" e que a imposição político-ideológica não seria

capaz de criar por si só um modo de produção ou uma ordem econômica

reprodutível.

O modo de produção escravista ocorre quando a economia tem como base

a comercialização da mão de obra escrava por ser a principal fonte de produção.

Neste ambiente ocorre a separação da pessoa escravizada de sua própria

sociedade, sendo levada para um novo ambiente no processo de dessocialização e

despersonalização. As pessoas são tratadas como se fossem coisas, objetos.

Ribeiro afirma que o modelo de produção escravista interfere na forma de convívio

social da sociedade:

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O núcleo do social identificava-se com a escravidão. Propriedade adquirida por fatores de hereditariedade, captura, aprisionamento em guerras, mercantilização, venda dos genitores, abandono de recém-nascidos, rapto, pirataria ou quitação de dívidas. Por meio dela o homem era convertido num bem ou numa propriedade privada móvel (RIBEIRO, 2008, p. 80).

Nesse modelo ocorria o pleno desenvolvimento da propriedade privada e a

exploração de uma classe por outra. De um lado estavam os donos de escravos e

dos meios de produção (terras e instrumentos de produção) e, de outro lado,

estavam os escravos, mão de obra de produção de bens, tratados simplesmente

como objetos, máquinas humanas. O Escravo era considerado como qualquer outro

instrumento de produção (animal ou ferramenta). Dessa forma, no modelo de

produção escravista, as relações de produção eram de domínio e de sujeição, onde

os proprietários das terras e instrumentos produção dominam e os escravos se

sujeitam aos seus donos. Os escravos não tinham direito a nada e o produto do

trabalho era todo dos proprietários, dos dominadores.

Existem indícios de que alguns grupos na pré-história já utilizavam o

trabalho escravo, impondo trabalho compulsório a outros grupos nômades,

conquistados por meio de lutas em conflitos. Os vencedores apoderavam-se dos

perdedores, submetendo-os ao processo de produção, enquanto aqueles

administravam os bens e serviços de produção gerados. Grandes civilizações da

antiguidade como a egípcia, persa, grega e romana utilizavam do trabalho escravo

obtidos das mais variadas formas como guerra por domínio territorial, pagamentos

de dívidas, inclusive por opção pessoal como meio de sobrevivência, mesmo numa

sujeição escrava. A maioria das antigas civilizações obrigavam seus escravos a

abandonarem seus rituais religiosos. No entanto, a utilização do trabalho escravo

em larga escala surgiu com os gregos e romanos, inclusive com a realização de

feiras de comercialização de escravos (homens, mulheres e crianças) para os mais

variados fins, sujeitos as práticas desumanizadoras. Os grupos dominantes das

antigas sociedades detinham a centralidade privada da propriedade com auxílio de

um controle social fortemente militarizado (RIBEIRO, 2008, p. 77).

A antiguidade clássica sempre foi exaltada por sua sofisticação filosófica,

política, artística e arquitetônica, porém esse período, infelizmente foi marcado pelo

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modo de produção escravista. Os famosos filósofos: Platão14, Aristóteles15, dentre

outros, defendiam uma superioridade “natural” dos gregos em relação aos bárbaros

(outros povos). A estrutura social na sociedade escravista era classista e

expansionista. Na época de Aristóteles existiam para cada trabalhador livre dois ou

três outros escravos (KRADER, 1987, p. 299). Aristóteles defendia a prática

escravista, entendendo a submissão do escravo ao seu “proprietário” como uma

prática comum. Um ambiente marcado pela abundância de cativos, uma escravidão

em forma plena, onde os indivíduos já não são donos de si, mas propriedade de

alguém. Uma ideologia cultural mantida por meio dos discursos dos defensores do

sistema de dominação. Eurípedes explicita essa forma de pensar dos gregos: “O

heleno tem o direito de comandar o bárbaro. Os bárbaros são todos escravos”

(MORAES, 1998, p. 55). Uma ideologia que justifica a dominação de um povo por

outro, como afirma Anderson e Gorgulho (1987, p. 6): “a ideologia é o ápice da

codificação que se apresenta como justificativa e cimento para o conjunto das

relações sociais”.

Segundo Ribeiro (2008, p. 81), o modelo de produção escravista foi

impulsionado pela economia grega:

A impulsão a esse modo de produção veio com a transição da economia de subsistência à economia de produção, que possibilitou a realização de excedentes vendáveis. Na Grécia antiga a escravidão foi patriarcal durante a idade homérica. Sequencialmente a esse período, deu-se a transição à fase das Guerras Greco-Pérsicas, quando já se configurava a finalidade empresarial orientada ao laborar dos setores agrícolas, mineralógicos, artesanais, navais e comerciais; contexto de rentabilidade que fez aparecer a classe social dedicada ao aluguel do escravo, por tempo ou empreita.

As poleis gregas tinham um forte caráter marítimo, com centro econômico e

político. Tinham uma grande diversificação econômica: agricultura, artesanato e

comércio. Entretanto, a base da economia era o comércio de escravos, e sua

utilização como mão de obra para a geração da produção do campo. Os antigos

agricultores migram do campo para a área urbana e os serviços desprezíveis da elite

_______________ 14 Platão nasceu em Atenas, em 428/427 a. C. Ele foi discípulo de Sócrates, cuja morte marcou

profundamente sua vida e os encaminhamentos de sua posição teórica. Platão travou diversos embates políticos e em 347 a. C. morreu em Atenas (REALE, 1994, p. 126).

15 Aristóteles nasceu em Estagira, Macedônia. Foi discípulo de Platão na Academia. Preceptor de Alexandre Magno. Funda sua própria escola, conhecida como Liceu, localizada perto de um bosque dedicado a Apolo Lício, quando atingiu os 50 anos de idade. Os seus alunos eram chamados de peripatéticos devido à sua forma de ensino (ensinava caminhado). Seus últimos anos são entremeados de lutas políticas. Aristóteles se exila na Eubéia, onde morre (JAPIASSU; MARCONDES, 1993, p. 25).

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eram realizados pelos escravos. Em Atenas, o novo contexto gera o que Aristóteles

chamaria de “ócio produtivo”, um rompimento radical entre a produção intelectual e a

produção técnica e o surgimento da Democracia. Na oligárquica Esparta o modelo

era diferente, pois o escravo era propriedade do Estado e o tempo livre de grande

parte da população foi dedicado integralmente a arte militar, com objetivo de novas

conquistas e, consequentemente, aquisição de mais mão de obra escrava.

Ribeiro apresenta o novo cenário geográfico com a mudança introduzida

com o modelo de produção escravista:

1) Divisão cidade-campo: intenso discernimento entre o trabalho comercial e industrial do trabalho agrícola; 2) Divisão urbana-urbana: distinção entre atividades voltadas às indústrias e atividades orientadas ao comércio exterior no plano urbano; 3) Divisão rural-rural: segmentação social e econômica entre homens livres e escravos; 4) Divisão forças produtivas-relações de produção: ao lado da complexificação social pesou do mesmo modo à dissolvência da sociedade escravista a mordaça que se acreditava ser um colar, amarrada a sociedade que estava a uma postura guerreira e expansionista que sobrelevou as atividades belicosas à qualidade produtiva da relação agrícola-camponesa, criando-se paradoxos entre necessidade de subsistência/concentração de terras/crescimento das trocas/economia monetária/conquistas territoriais e agregações populacionais (RIBEIRO, 2008, p. 86).

Durante o governo de Péricles (460 – 429 a. C.), Atenas atingiu o apogeu de

sua vida política e cultural com a sua democracia e crescimento econômico,

tornando-se o centro da civilização grega. As principais fontes de sua prosperidade

eram as contribuições cobradas dos membros da Liga de Delos e da geração de

renda por meio da mão de obra escrava, cada vez mais em expansão. Os escravos

executavam os trabalhos que os gregos consideravam degradantes (serviços

públicos e domésticos, atividades de campo, mineração, artesanato, entre outras).

A democracia ateniense permitia a participação direta de todo cidadão

masculino acima dos 18 anos na Assembleia Popular, exceto os escravos, os

estrangeiros e as mulheres. As reuniões da Eclésia eram realizadas na Ágora e

ocorriam pelo menos quatro vezes em cada 36 dias. Os oradores faziam suas

preleções com seus pontos de vista sobre questões públicas e as decisões eram

tomadas por meio de voto aberto, pelo levantamento das mãos. Com a perda de

independência das poleis gregas, o declínio do sistema democrático e a implantação

de uma monarquia universalista, idealizada por Alexandre, a realidade muda. A

monarquia universalista muda todo o cenário territorial, econômico, político e cultural

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no Mundo Antigo (WERNER, 2002, p. 16). A Grécia se reduz a mais uma província

dentre as demais da Cosmópolis, sob o domínio dos macedônicos:

Estamos numa época em que o homem é considerado cada vez mais como elemento, não da pólis, mas da Cosmópolis. Com o domínio dos Macedônicos o quadro tradicional da pólis altera-se. As decisões já não provêm fundamentalmente dos cidadãos, mas passam a depender em última análise de um soberano que não pertence a pólis (FERREIRA, 1992, p. 241).

A nova realidade provoca uma crise nos ideais formativos e políticos

fundamentais da sociedade grega clássica. Os elementos que definiam a atuação do

homem enquanto cidadão e do filósofo enquanto político são modificados. Nesse

novo quadro, as decisões do reino não estão sujeitas às criticas, nem à deliberação

de seus súditos. Segundo Châtelet (1973, p. 168), “o filósofo se acha confinado seja

à teoria pura, seja à predicação simplesmente moral, desde o instante em que a

política, a mais alta forma da práxis para os gregos, cessa de depender dela para

depender de um amo estrangeiro”. O poder de decisão passa a ser exclusivo do

monarca, com isso a cidade perdia sua autossuficiência do ponto de vista

econômico e político. Dessa forma, a vida dos cidadãos agora estava na mão do

monarca (GUAL, 2006, p. 19-23; GUAL & IMAZ, 2008, p.19).

Ribeiro (2008, p. 79) reforça a mudança de tratamento dado por Alexandre,

bem como o tratamento diferenciado dependendo da região, dentro do mesmo

império helênico:

Pelo comando político-espacial central de Roma se definiam táticas e estratégias de produção e circulação de riquezas nos espaços secundários, como quaisquer planos de defesa e expansão territorial. Prova disso foi a dominação de o Grande Alexandre sobre o Império Persa, ao conjugar o modo de produção antigo e escravista greco-romano ao modo de produção predominante em Ásia (modo de produção asiático), cujas peculiaridades condiziam com a monarquia absoluta (ao invés das cidades-Estado) e com populações que não eram formadas nem por camponeses livres e nem por escravos (segundo o formato greco-romano). A Grécia clássica não deve ser afastada do debate, pois uma pluralidade de mundos do trabalho nela igualmente existia: enquanto na Atenas dos séculos V e IV a.C. vigorava o modo de produção escravista, noutras cidades-Estado mais fronteiriças (como Esparta, Tessália, Etólia, Ilíria e Macedônia) não era ele o predominador.

Os escravos recebiam tratamento diferenciado nas regiões econômicas da

Grécia onde o modo de produção era escravista, caracterizadas, conforme já

mencionado, pela propriedade privada da terra e pela supremacia do controle das

cidades-Estado. Segundo Ribeiro (2008, p. 79) “o cerne do poder está na cidade. A

partir dela se organiza o todo econômico envolvente e os territórios circundantes”.

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Acrescenta que a sociedade escravista “era expansionista, dinâmica e mutante –

diferindo, portanto, da sociedade oriental ‘fechada’”. Situação que pode ser

percebida na região da Palestina, com pleno funcionamento do modo de produção

escravista, principalmente no período selêucida, explicitado nas literaturas da época,

conforme descrito na seção seguinte.

4.3.2 A revolução camponesa e o modo de produção escravista

No período em que a Palestina estava sob o governo dos selêucidas, qual o

maior impacto que os camponeses sentiam em sua comunidade? Qual foi o maior

choque em sua vida comunitária e, principalmente, familiar? Será que tinham

saudades do modelo de produção tribal, que privilegiava o clã e a família,

instituições tão importantes para os judeus? Questões que podem auxiliar na

compreensão do verdadeiro motivo da revolução macabeia contra a radicalização na

implementação do helenismo na região da Judeia durante o reinado dos selêucidas.

Se “a construção da literatura bíblica está marcada pelo tipo de economia e de

sociedade em que as pessoas viviam”, conforme afirma Rossi (2005, p. 27), qual era

a economia e modelo da sociedade na época dos Macabeus? Rossi, a partir dessa

constatação, faz uma interessante e coerente relação do modo de produção

escravista com a revolução dos Macabeus:

Desenvolveu-se (modo de produção escravista) a partir do domínio grego à época de Alexandre. O avanço da cultura escravista da sociedade abalou sensivelmente a vida do povo da Bíblia, tão ligado às tradições clânico-familiares, deixando-o como estrangeiro em sua própria terra. O abalo na sociedade é tão sensível que entre 167-142 a.C. encontramos aquilo que é denominado de insurreição macabaica, uma ousada tentativa de impedir o avanço da cultura grega e do escravismo, em detrimento das tradições clânicas (cfe 1 Macabeus 2.19-28). A linguagem religiosa do texto bíblico julga negativamente a dominação grega (ROSSI, 2005, p.33).

A frase “deixando-o como estrangeiro em sua própria terra” é forte. Imagine

como sentiria um ser humano que tivesse sua casa invadida e sua liberdade sendo

privada e, como se não bastasse, fosse obrigado a trabalhar para manter as

despesas da casa, enquanto o invasor, além de não trabalhar dá ordens e não

aceita questionamento. Essa era a situação do povo da Palestina, que teve sua terra

invadida e fora tomado como escravo, tendo seus familiares, em especial crianças,

sendo vendidas como escravas, e suas mulheres sendo tratadas como fábricas em

pleno desenvolvimento de uma linha de produção escravista. É possível imaginar a

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dor de uma mãe, ao ver seu filho tomado para ser vendido para ser um futuro

escravo, sem perspectivas alguma de vida, a não ser servir a um império estrangeiro

opressor. Não bastasse isso, Hengel (1981, p. 178, nota de rodapé 72) afirma que

os escravos não circuncidados tinham maior valor para os gregos, provavelmente

para serem vendidos para prostituição aos egípcios, com base em Jl 4,3. Dessa

forma, além de serem vendidos, os judeus eram desvalorizados, pois a grande

maioria era circuncidada.

Os gregos mantinham um oficial responsável em supervisionar o processo

econômico desde a menor das vilas, a partir da produção agrícola através do

comércio e da taxação. O crescimento da safra produtiva (trigo, oliveiras, vinho)

trouxe maiores lucros e foi encorajado. Os métodos agrícolas foram incrementados

(terraplanagem, irrigação) com o objetivo de aumentar o campo produtivo (HENGEL,

1981, p. 42). O comércio foi incrementado e um grande sistema de taxação foi muito

além, multiplicando-se em comparação com os tempos do império Persa. A nova

economia grega tinha como eixo central o comércio que passou a exigir mercadoria

excedente para exportação. Para a produção de mercadorias excedentes era

necessário cada vez mais trabalho, que por sua vez, não era executado pelo

cidadão livre como já abordado na seção anterior. Então, quem iria produzir essas

mercadorias? Evidentemente que seriam os escravos, pois segundo Konzen e

Walker (1988, p. 49), “o homem livre não trabalha ou então trabalha o mínimo

possível. Cabem-lhe coisas mais ‘nobres’, como ao cultivo do saber (filosofia), da

beleza (arte), do lazer (esporte) etc”.

Essa nova realidade entrava em conflito com os vínculos familiares e de

parentesco, fundamentais para a nação judaica:

No âmbito dessa nova economia de mercado em expansão, valores e relacionamentos mais antigos fundados nos vínculos familiares e de parentesco se viram ameaçados. Esses vínculos haviam promovido a ajuda e o apoio mútuos entre membros de grupos familiares e de parentesco. Mas agora pessoas do mesmo grupo familiar ou de parentesco se viam em estratos econômicos diferentes e opostos. Com a potência regente estrangeira e seus agentes, valores e padrões éticos mais antigos baseados na lealdade e na compaixão humana cederam lugar a medidas mais materialistas de riqueza e de influência (CERESKO, 2004, p. 36).

Muitas pessoas não davam conta do que estava por trás da nova economia

grega, pois estavam deslumbradas com o avanço econômico e comercial. Uma

coisa é certa, com exceção da elite judaica, os demais judeus sabiam pela prática

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que a helenização trazia consigo o aumento da escravidão e desumanização. Como

asseveram Konzen e Walker (1988, p. 49), a escravidão “era inevitável. Vinha junto

com o ‘pacote’ da nova economia”. Os pobres camponeses judeus percebiam na

própria pele, ou melhor, na própria família, no dia a dia de suas vidas. Vítimas de

constantes visitas dos inimigos, em especial no período dos selêucidas. “Os pobres

o sentiam na carne, embora muitos só viam brilho na nova economia” (KONZEN &

WALKER, 1988, p. 49). A força militar dava suporte para a manutenção do modelo

econômico do soberano selêucida:

Economia e comércio caminham pari passu. No começo de 167 a. C., Antíoco IV envia a Jerusalém um determinado Apolônio, comandante das tropas mísias, com forte contingente militar. A ação é devastadora: assassinatos em massa e escravidão. As muralhas da cidade são destruídas e edifica-se uma poderosa fortaleza militar em Jerusalém, conhecida, em grego, como Acra = cidadela. Esta cidadela funcionava como sede de uma guarnição e estava encostada no Templo. Durante aproximadamente 25 anos a Acra será o braço armado selêucida em Jerusalém, verdadeiro espinho atravessado na garganta dos judeus (ROSSI, 2005, p. 35).

A sociedade grega considerava a guerra como um artifício cultural, social,

étnico e econômico. Considerava a guerra como o princípio de todas as coisas, pois

por meio dela alguns se tornavam escravos, enquanto outros homens livres. A

guerra era utilizada para fortalecer a demarcação das fronteiras culturais. Para os

gregos um meio de identificar o bárbaro como aquele pertencente a uma cultura

inferior, considerada como uma ignomínia para o grego e que necessitava ser

transformada pela cultura helênica. Candido (2001, p. 47) cita os poetas trágicos

gregos para demonstrar como a guerra fazia parte integrante da cultura helênica:

Relatos sobre a guerra sempre fizeram parte da cultura grega como a narrativa de Homero sobre a guerra de Tróia, Ésquilo com a tragédia histórica os Persas onde encena a vitória de Atenas contra os persas e Heródoto que relata os acontecimentos políticos das guerras médicas (CANDIDO, 2001, p. 47).

A nova cultura e economia grega fascinavam os povos, que aceitavam

voluntariamente sua inserção nos seus territórios invadidos pela helenização. Uma

cultura universal favorecia o comércio, principalmente se fosse uma cultura

“superior” como era considerada a dos gregos. Quanto mais universal fosse a

língua, os costumes, a religião, cultura e valores, entre outros, melhor para a

consolidação do helenismo, que deslumbrava os povos. Dessa forma, tudo o que se

opusesse a essa nova economia, mantida pelo modo de produção escravista, era

considerado uma ameaça ao sistema. Para os selêucidas não havia dúvida, as

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ameaças ao sistema devem ser dissipadas, o sistema não pode ser comprometido.

Um motivo a mais para promoção da guerra e, consequentemente, para movimentar

ainda mais o sistema, ou melhor, o comércio de escravos. Para a perenidade do

sistema helênico era necessário o modo de produção escravista, pois como afirma

Dreher (1988, p. 13) “[...] Decisivo é que a sociedade escravista não subsiste sem a

existência de escravos. Toda a economia, a organização do trabalho, e a própria

existência daquela classe de homens livres dependem de sua base, ou seja, do

trabalho escravo”.

Como inserir nesse contexto um povo exclusivista, que não abria mão de

costumes como o exemplo da circuncisão, considerada rude pelos gregos, uma

mutilação do corpo? Como adequar uma nação que valorizava “religiosamente” a

genealogia das tribos e famílias, se as famílias eram “esquartejadas” com o modo de

produção escravista? Apesar dos muitos judeus que haviam aderido ao sistema

helênico, ainda existiam muitos judeus que mantinham sua tradição e a fé javista,

portanto, um povo que incomodava os senhores do sistema grego. Para prevalecer

sobre o sistema helênico precisava aniquilar com o modo de produção escravista,

que não poderia subsistir sem a disponibilidade de escravos, principal “mercadoria”

desse modo de produção16.

Para entender a relação entre o reinado grego dos selêucidas, o povo judeu

e o modo de produção escravista, os dois livros de Macabeus17 tem muito a

contribuir. Um dos exemplos é a descrição histórica de 2 Mc 8,8-11:

Filipe, vendo este homem chegar pouco a pouco ao sucesso e cada vez mais solidamente progredir nas vitórias, escreveu a Ptolomeu, estratego da Celessíria e da Fenícia, para que viesse em socorro dos interesses do rei. Este escolhe sem demora a Nicanor, filho de Pátroclo e um dos primeiros amigos do rei, confiando-lhe o comendo de não menos de vinte mil gentios de todas as raças, e enviando-o com a ordem de exterminar todo o povo dos judeus. Mas associou-lhe também Górgias, general de profissão e experimentado em assuntos de guerra. Nicanor tinha-se proposto, por seu turno, com a venda dos judeus a serem aprisionados, levantar a quantia de dois mil talentos, que era o tributo devido pelo rei aos romanos. Sem demora, por isso, mandou mensageiros às cidades do litoral, convidando-as a virem comprar escravos judeus, chegando a prometer noventa cabeças

_______________ 16 Após a queda do Império Grego, o modo de produção escravista não somente continuou como foi

ampliado, pois atendia perfeitamente para a manutenção do governo tirano dos romanos. 17 Os dois livros dos Macabeus não faziam parte do cânon escriturístico dos judeus, mas foram

reconhecidos pela Igreja Católica como inspirados (livros deuterocanônicos). Referem-se à história das lutas travadas contra os soberanos selêucidas para obter a liberdade religiosa e política do povo judeu. Seu título provém do apelido de Macabeu dado ao principal herói desta história (1 Mc 2,4) e estendido depois a seus irmãos (BIBLIA DE JERUSALÉM, 1980, 785).

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por um talento. É que ele não contava como castigo que deveria alcançá-lo da parte do Todo–poderoso (Bíblia de Jerusalém, 1980, p. 855).

Konzen e Walker (1988, p. 46-47) nos trazem informações sobre os

principais personagens dessa perícope. Nicanor e Górgias eram dois assessores do

rei da Síria, Antíoco IV; Ptolomeu era o subgovernador que cuidava da região da

Celessíria e Fenícia, sob o domínio do rei; Filipe era uma espécie de

superintendente em Jerusalém. Eles estavam preocupados com o avanço da

resistência ao projeto de helenização da Judéia, liderado por Judas Macabeus, “o

homem” citado no verso 8, que representava uma série ameaça para os interesses

do Império Grego. O principal objetivo político era “exterminar todo o povo dos

judeus”, ou seja, o foco da resistência. Mas, por trás da organização dessa guerra

estavam os interesses econômicos. Konzen e Walker (1988, p. 47) listam dois deles:

“1) arrecadar dinheiro com a venda dos prisioneiros de guerra e assim pagar a

‘divida externa’ aos romanos; 2) aumentar a mão de obra escrava da qual a

organização econômica dos gregos precisava”. Os romanos já aparecem como uma

grande potência em ascensão, a dívida se refere ao tributo imposto pelos romanos

ao rei grego da Síria, quando derrotado pelos romanos em 198 a. C.

No Primeiro Livro dos Macabeus também encontramos tentativas dos

selêucidas em converter os judeus em escravos, em especial mulheres e filhos (1

Mc 1,32; 1 Mc 3,29-41; 1 Mc 4,25; 1 Mc 5,13). Destaque para 1 Mc 3,29-41, que é

outra versão dos ataques descritos em 2 Mc 8,8-11, que no seu versículo 41 faz a

seguinte descrição: “os comerciantes do país, ao tomarem conhecimento da sua

vinda trazendo consigo prata e ouro em grande quantidade, além de se munirem de

grilhões, vieram ao acampamento para comprar os filhos de Israel como escravos”.

Deste modo, além do interesse grego de destruir os focos de resistência, falava mais

alto o interesse econômico, ou seja, a venda dos judeus como escravos. Todavia, os

judeus sofriam uma perseguição maior do que os demais povos dominados devido à

resistência dos judeus tradicionais com relação à cultura helênica. Ao ler sobre o

interesse dos comerciantes em “comprar os filhos de Israel”, tendo em mente o

objetivo desta pesquisa, a mente automaticamente se remete para Jl 4.4-8.

Konzen e Walker (1988, p. 48), após analisarem os textos citados acima,

fazem suas conclusões:

De todos estes textos, podemos agora tirar algumas conclusões importantes:

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1. Eles nos dão notícias seguras de que havia, pelo menos, tentativas de escravização de judeus, em grande número. 2. Essa escravização (ou tentativa) não era o primeiro objetivo da expedição militar dos gregos contra os judeus. O objetivo principal era acabar com um grupo de judeus mais radicais que não aceitavam o novo sistema de vida dos gregos promovido na Judéia, e que se organizaram inclusive militarmente para essa defesa das tradições judaicas. Esse grupo era liderado por Judas Macabeu e se tornou um problema pra os interesses dos gregos da Judéia. 3. Os textos deixam claro também que havia um mercado fértil para os judeus que seriam aprisionados na guerra. Havia grande procura de escravos nas ‘cidades da planície’, já bem integrada ao helenismo. Dá a impressão de que a nova economia introduzida pelos gregos precisava de escravos. A guerra seria ocasião de aumentar o número deles.

Eles nos trazem conclusões interessantes, entretanto até que ponto é

aceitável a afirmação de que o objetivo principal era acabar com os grupos de

judeus mais radicais? A revolta era uma consequência, mas a causa principal era o

objetivo de manter o sistema dominante alimentado pelo modo de produção

escravista. Da mesma forma que por trás da justificativa religiosa da resistência dos

judeus está a preocupação de manutenção da genealogia dos judeus, em especial a

descendência davídica e sacerdotal. Sem essa descendência, comprometeria a fé

judaica em uma restauração para o povo de Israel, restauração de sua história e de

sua religião. Para qualquer pessoa, mas em especial aos judeus, era o ápice do

sofrimento humano a perda dos filhos, esperança de continuidade daquela geração,

para povos estranhos e opressores.

Ao final do artigo, as afirmações Konzen e Walker parecem ser mais

pertinentes à proposta desta pesquisa, pois afirmam:

Qual é, então, o significado da ‘guerra dos Macabeus’, com relação à escravidão? É uma guerra radicada num integralismo religioso. De defesa da religião judaica contra a deturpação do sincretismo que provinha de introdução do sistema de vida dos gregos. Essa guerra, porém, desmascara o sistema grego revelando uma de suas características fundamentais: a escravidão. Foi uma luta contra a escravidão. Talvez isso não fosse claro para eles mesmos. Não importa. Certo é que eles perceberam que havia veneno naquela adaptação aos gregos. Havia traição ao Deus de Israel (KONZEN & WALKER, 1988, p. 50).

Destaque para a frase “[...] Essa guerra, porém, desmascara o sistema

grego revelando uma de suas características fundamentais: a escravidão. Foi uma

luta contra a escravidão”. Com a morte dos judeus que resistiam ao sistema

helênico, a venda das mulheres e crianças judias para estrangeiros, como poderia

ser mantido o judaísmo? A luta dos Macabeus era pela manutenção da

descendência daquela geração e, consequentemente, do judaísmo, pois se

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continuasse aquele sistema, principalmente no que se refere ao modo de produção

escravista, como ficaria a linhagem dos judeus? Eles já estavam próximos de

encerrar uma história (enterro), mas nesse momento ressurge uma esperança. A

história desse povo poderia ressurgir da esperança na ressurreição, como afirmam

Konzen e Walker:

Quando os gregos organizaram o enterro da resistência, esta se sentiu desafiada e reagiu com força surpreendente para os próprios adversários. Os pobres revelaram uma força escondida, brotada de sua própria história e de sua própria crença. O planejado enterro se tornou semeadura e plantação, não é significativo que justamente no contexto da luta dos Macabeus cresceu muito a esperança na ressurreição? (KONZEN & WALKER, 1988, p. 51).

Konzen & Walker (1988, p. 52) afirmam que “a luta dos Macabeus contra o

sistema escravizador dos gregos se fez a partir das convicções religiosas dos

judeus. Parece que nem tinham clara consciência do caráter antiescravista de sua

luta”. Rossi, ao questionar os argumentos em favor de motivos religiosos e culturais,

também corrobora com a defesa na ênfase de motivos econômicos e na defesa dos

laços de parentesco:

Têm-se colocado as razões religiosa e cultural como motivo para a helenização da Judéia e a consequente resistência macabéia. Contudo, a lógica que parecia estar imperando naquela época era a da economia. Afinal, parece que os conflitos com os Macabeus não têm objetivos tão somente religiosos. Contudo, esse conflito será transmitido a partir da simbologia religiosa que tentará exprimir os interesses igualitários dos camponeses. [...] Os Macabeus líderes da resistência judaica, saem em defesa da manutenção dos laços de parentesco e da solidariedade étnica contra a instalação do regime da pólis em Jerusalém. [...] Pode-se dizer, então, que há motivos econômicos para o conflito (ROSSI, 2005, p. 34).

Otzen (2003, p. 44) comenta que não somente os selêucidas tinham

interesse econômico, mas mesmo os representantes da resistência: “o

desenvolvimento do governo dos Macabeus e, mais tarde, dos hasmoneus, tornou-

se exemplo de que o poder corrompe”. Afirma que eles acabaram por desenvolver

um governo secularizado e tirânico “que rapidamente se afastou dos ideais de luta

pela liberdade e passou a buscar apenas lucro e prestígio”. Será que depois de

tantos anos debaixo do helenismo, que era sustentado pelo modo de produção

escravista, mantendo os judeus como estrangeiros e escravos em sua própria terra,

eles não tinham consciência de sua prática desumanizadora?

Uma coisa é certa, o autor do livro de Joel percebia essa situação, a ponto

de registrar em Jl 4:4-8 esta prática de humilhação dos filhos de Israel. Ele coloca na

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boca de Deus o julgamento sobre as nações que exploravam o seu povo com a

prática do modo de produção escravista para manter o sistema econômico que lhes

dava privilégios, mesmo com o preço da desumanização das pessoas. Um sistema

que tirava das mães judias, fábricas de escravos, a liberdade de ver os filhos

crescerem, pois eram tomados de suas mãos para entregar aos traficantes de

pessoas. Que prazer tinha uma mãe em uma gravidez como essa? Este contexto

tem muito a ver com o conteúdo e mensagem do livro de Joel. Interessante que os

estudiosos deste livro não tenham se atentado para o modo de produção escravista

como a principal fonte de motivação da redação final do livro de Joel, como será

demonstrado no próximo capítulo.

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5 O LIVRO DE JOEL COMO LITERATURA APOCALÍPTICA E CONTRA-

HEGEMÔNICA AO IMPÉRIO GREGO (REINADO DOS PTOLOMEUS E

SELÊUCIDAS)

A tendência do leitor comum dos textos bíblicos é atribuir a um só autor uma

determinada obra literária, sobretudo se nos primeiros versos é citado um nome

como se fosse o autor, como geralmente ocorre com os livros proféticos. Entretanto,

a citação do nome não garante a autoria do livro ou de todo o livro, como ocorre na

pseudonímia. Um exemplo prático de parceria de autoria é o livro do profeta

Obadias. Um livro com uma única página de vinte e um versículos, que por

consenso dos especialistas, no mínimo os versículos 19 a 21, escritos em prosa,

pertencem a outro autor que pode ter inserido séculos após a escrita do texto

original. Se a mensagem profética mais curta de toda a Bíblia já é questionada

quanto ser produto de uma única autoria, o que dizer de textos maiores. O caminho

percorrido até que a palavra original do profeta, proferida diretamente diante de um

público específico seja documentada por escrito pode ser muito longo. Um exemplo

explícito está registrado em Jr 36,1-4; 28-32.

Outra forma de escrita que ocorria é da atuação de discípulos e seguidores

de alguns líderes, como os profetas. Eles contribuíam redigindo biografias dos

mestres (Am 7,10-17), reelaborando alguns dos oráculos originais (Is 28,1-4 + 28,5-

6) ou inserindo novos oráculos, as chamadas adições posteriores (Is 24-27; Zc 9-

14). Gradl e Stendebach (2001, p. 157-160) ao comentarem sobre a terceira

coletânea do Proto-Isaias (Is 24-27), conhecida como “Apocalipse de Isaias”, como

também da perícope de Is 34-35 chamada de “pequeno Apocalipse de Isaias”,

situam os textos no século II a. C, considerando essa data como “os primórdios da

apocalíptica do judaísmo primitivo”. Comparam a diferença entre o pensamento dos

profetas pré-exílicos que “aguardam e anunciam o futuro dentro do âmbito da

história”, enquanto que no período pós-exílico a ênfase era para uma esperança

“que conta com a salvação definitiva, prometida por Iahweh, para além da história”.

O livro de Joel dificilmente ficaria fora deste modelo. Os seguidores podem

ser uma comunidade de fé que reinterpreta textos originais do passado para a sua

realidade presente, produzindo inclusive escritos como resposta para própria

comunidade ou comunidades futuras. Campo fértil para a literatura apocalíptica, uma

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releitura de textos antigos que marcou a era do segundo templo, bem como o início

do cristianismo.

Este capítulo buscará observar as pluriformidades socioliterárias da Bíblia

Hebraica, conforme recomenda Gottwald (1998, p. 562):

É assaz evidente que a Bíblia Hebraica, longe de apresentar um corpo de ideias ou doutrinas religiosas fixas, proporciona-nos reflexão teológica inserida em situações sociais historicamente mutáveis e articuladas em gêneros literários concretos e em conjuntos de gêneros. A teologia da Bíblia Hebraica é assim não só ‘teologia de luta social’, mas também ‘teologia de imaginação social’. Não há ‘mensagem’ nenhuma da Bíblia Hebraica que possa ser levantada fora dos seus contextos sociais e formas literárias, sem perda irreparável tanto do seu significado original como de sua potência para falar de maneira significativa para nós.

Na sequência serão desenvolvidas argumentações visando demonstrar que:

a) o status social da redação final do livro de Joel tem como pano de fundo o período

helênico do governo ptolomaico e o livro um produto de grupos sociais ou indivíduo

apocalíptico (apocalipticismo); b) a redação final do livro de Joel foi influenciada pela

escatologia apocalíptica; c) o livro pertence ao gênero literário apocalipse e pode ser

classificado como um apocalipse histórico devido à motivação da redação final.

5.1 O STATUS SOCIOECONÔMICO E O APOCALIPTICISMO EM JOEL

No início deste século III a. C., começam as intermináveis guerras entre

Lágidas (Egito) e Selêucidas (Síria) pelo controle da Palestina (Samaria e Judá),

importante corredor comercial entre os três continentes: Europa, Ásia e África. Em

poucos anos, a Palestina mudou de governo quatro ou cinco vezes. Esta pesquisa

defende a hipótese de que a redação final do livro de Joel foi realizada neste

período. Todavia, especificamente, na época em que a Palestina estava sob o

domínio dos ptolomeus (Egito). Os ptolomeus estavam em constante disputa com os

selêucidas (Síria), nas chamadas guerras sírias. Segundo Mesters e Orofino (2003,

p. 30) estas guerras foram travadas na Palestina e o povo apenas assistia às lutas e

delas sofria as terríveis consequências, sem poder interferir.

O contexto da literatura apocalíptica, conforme já visto, é de opressão

extrema que propicia a esperança de uma libertação sobrenatural. Dentro deste

ambiente se espera que os autores deste tipo de literatura emerjam dos grupos

sociais menos favorecidos, todavia alguns especialistas defendem que o escrito

apocalíptico também pode ter origem entre pessoas do poder dominante, que foram

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preteridas em determinada situação.

Neste contexto, considerando o exposto anteriormente, existem pelo menos

três possibilidades quanto aos grupos de possíveis redatores: 1) grupos da elite que

defendiam posições contrárias entre os ptolomeus e selêucidas que possam ter

sofrido retaliações devido seus posicionamentos; 2) Grupos dos excluídos, que de

certa forma foram privados de liberdade, com suas aspirações frustradas ou

marginalizadas na política ou na religião oficial judaica, que despontam seus

protestos e mensagens por meio da visão apocalíptica e seu simbolismo; 3)

indivíduos apocalípticos, independentes de grupos sociais específicos, mas

influenciados pelo pensamento apocalíptico.

5.1.1 O apocalipticismo e os grupos sociais

O apocalipticismo é o meio onde é possível conjugar a identidade

apocalíptica e sua interpretação da realidade. Uma ideologia social que pode ser

identificada com um movimento social ou mesmo de caráter individual. Fialho (2009,

p. 85) afirma que “o contexto social-político-religioso do apocalipcismo é sempre a

experiência de um grupo frente às estruturas dominantes que ameaçam seus

princípios e valores, e é fruto da decorrente sensação de impotência em relação à

mesma”. Köester (2005, p. 232) reforça que “o apocalipticismo foi fator decisivo em

movimentos de protesto, renovação e libertação em formas posteriores tanto do

judaísmo como do cristianismo”.

Richard (1999, p. 23-24) situa o início do movimento apocalíptico a partir da

queda de Jerusalém, em que os principais referenciais para a fé do povo judaico

foram destruídos:

[...] no ano de 586, todo este mundo desmorona, e o povo da terra fica sem qualquer referência econômica, política, cultural ou religiosa. Nesse momento nasce a apocalíptica que busca reconstruir a consciência criando símbolos e mitos novos que tornam possível a reconstrução do povo. [...] O objetivo do movimento apocalíptico é a restauração do templo e do culto, seja através de Israel ainda que não seja fundamentalmente, a partir das estruturas, mais da reconstrução da própria identidade povo e da lei.

Otzen (2003, p. 81) afirma que não se pode negar a “relação recíproca entre

fatores sociais e políticos, de um lado, e correntes religiosas e inovações, de outro”.

Quanto fala de “inovações” se refere ao pensamento e literatura apocalíptica: “a

apocalíptica, que representa a inovação verdadeira dentro do judaísmo da

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Antiguidade” (OTZEN, 2003, p. 87). Assevera que as mudanças mais significativas

são do período de dominação grega que acentuou o crescimento da estratificação

social e a proletarização de certos segmentos do povo.

Arens (2007, p. 386) ressalta a atenção que se deve dar às formas literárias

e aos modos humanos de pensar presentes nos textos bíblicos, “muitos dos quais

são frutos de uma elaboração que se estendeu por longos períodos de tempo, e que

leva a marca de situações históricas bastante diversas”. Lara (2009, p. 29), por sua

vez, afirma que os textos bíblicos representam a “memória religiosa de eventos

passados que são atualizados mediante interesse específicos de quem escreve no

presente, além de ser também testemunho de fé que projeta esperanças para o

futuro” por meio de “linguagens bem diferentes umas das outras”. Essas situações

históricas envolvem necessariamente grupos sociais e comunidades de fé que

viveram essas realidades históricas e, em busca da compreensão da ação divina,

fizeram suas releituras de textos escritos ou tradições orais já existentes, de acordo

com sua realidade. A literatura apocalíptica certamente é fruto dessa realidade

histórica, como afirma Lara (2009, p. 29): “A Bíblia pode usar tanto a linguagem

mítica quanto a linguagem apocalíptica para falar da História ou qualquer outro tipo

de gênero narrativo”.

Otzen (2003, p. 86) ao comentar sobre o início do processo de definição dos

escritos normativos e de autoridade (cânon) afirma que os “judeus que cultivavam os

escritos apocalípticos não foram colocados no centro da sociedade judaica; na

verdade, alguns deles foram separados da comunidade do templo”. Ele (2003, p.

145) afirma que “não é surpresa que as distinções entre as várias visões religiosas

acompanhassem de certa forma as diferenças que separavam os diversos grupos

sociais”. Por trás dos textos bíblicos estão instituições, cargos ou papéis sociais, de

forma isolada ou por combinação, que lhes deram origem. O cânon foi definido

politicamente pelos grupos com mais poder, enquanto a literatura apocalítica, que

somada quase daria outra “Bíblia” e ficou fora do cânon, fazia parte da teologia

marginal.

Encontramos uma pergunta interessante em Gottwald (1998, p. 544): “quem

eram estes apocalipcistas?” Segundo ele, com base nos elementos da tradição na

apocalíptica os redatores podem ser percebidos como “profetas desafeiçoados” ou

como “homens sábios desiludidos”. Por outro lado, se for considerado o pensamento

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apocalíptico da comunidade do Mar Morto associado às preocupações sacerdotais,

eles podem ser percebidos como “sacerdotes insatisfeitos com o culto em

Jerusalém”. Portanto, ligados à profecia, à sabedoria ou ao sacerdócio. No entanto,

ele afirma que é duvidoso que os círculos apocalípticos eram homogêneos na sua

composição. Ele assevera que “muito provavelmente eram de qualidade de

membros misturados, incluindo pessoas sem nenhum papel ou status sociorreligioso

anterior”.

Davies (1989, p. 243-245) ao comentar sobre o mundo social dos escritos

apocalípticos também faz uma pergunta interessante: O que são exatamente

“escritos apocalípticos” e de que maneira se relacionam, se é que se relacionam,

com determinado mundo social? Ele elabora a pergunta devido a variação de

respostas sobre o assunto. Para ele, a maioria dos apocalipses foi escrita por

indivíduos apocalípticos. Davies defende que os apocalipses judaicos foram

produzidos por diferentes grupos em diferentes situações e épocas, não por um

movimento apocalíptico exclusivo. Para Davies a definição dos grupos que estão por

trás dos escritos apocalípticos está relacionada com a capacitação para escrita e o

conflito entre os grupos elitizados e os grupos dos oprimidos:

O contexto social do escrito apocalíptico assim proporcionado é descrito mais plenamente e documentado mais precisamente pela atividade de escribas pertencentes politicamente ao “establishment” e culturalmente cosmopolitas do que pela atividade de conventículos visionários do contra-establishment. Parafraseando dito bem conhecido, ‘o manticismo foi o pai da apocalíptica judaica’; o que determina a produção de literatura apocalíptica não e uma postura milenarista nem um predicamento de perseguição, embora possam ser fatores que contribuem. É a convenção de escribas. [...] Os estudos acadêmicos oferecem, pois, duas matrizes para a origem e evolução do escrito apocalíptico na Palestina judaica (ou para a Diáspora judaica, quanto a este assunto). Estes escritos foram chamados de ‘profecia’ e ‘sabedoria’, mas estes termos são simplistas e também impróprios para descrição social. O argumento verdadeiro refere-se ao periférico versus central, conventículo versus aberto, paroquial versus cosmopolita (DAVIES, 1989, p. 254-255).

Asurmendi (2004, p. 526-527) e Collins (1991, p. 11-32) reforçam que a

literatura apocalíptica foi gerada por vários movimentos de épocas diferentes, não

necessariamente atrelados entre si. Asurmendi afirma que na Palestina do século III

a. C. existiam certos grupos que representavam uma situação de enfrentamento

cultural, religioso e político ao sistema helenístico como os essênios, os fariseus, os

saduceus e a comunidade de Qumran. Todavia, com mais ênfase no período dos

Macabeus. Assevera que é “impossível determinar um único ambiente para todos

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Apocalypses. [...] temos poucas informações sobre o contexto social específico em

que eles nasceram e, acima de tudo, sobre os grupos que os produziram”. Schubert

(1979, p. 57) esclarece que os grupos dos essênios, fariseus, saduceus e a

comunidade de Qumran, na realidade surgem no século II a. C. Os fariseus,

essênios e comunidade de Qumran poderiam ser compreendidos como dissidentes

dos assideus, mais especificamente do grupo apocalíptico dentre os assideus.

Afirma, ainda, que dentre aqueles grupos marcados por certa radicalidade

apocalíptica: “os essênios provém do movimento dos assideus apocalípticos, do qual

são a continuação radicalizada”.

A identificação dos grupos apocalípticos com a passividade ou com a

atividade revolucionária também é outra questão sem consenso. Asurmendi (2004,

p. 527) afirma que o contexto social da apocalíptica, com perseguição ou sem ela, é

de resistência passiva. Assegura que a época macabaica foi um período de

desentendimento entre os apocalípticos, pois condenam a ação direta, sobretudo

militar, na resolução de problemas. Aponta como exemplo a divergência das vias

ideológica e teológica entre os livros de Daniel e dos Macabeus. Outro exemplo

citado é a diferença das opções dos membros da comunidade de Qumran com

relação aos membros dos grupos dos zelotas e sicários (grupos nacionalistas) na

primeira guerra judia com os romanos. A finalidade social do apocalipse é de manter

e resistir por meio da esperança na eliminação final da situação de opressão e

sofrimento por meio de uma ação divina.

A identificação dos grupos apocalípticos com grupos sociais também é outra

questão sem consenso. Não se pode afirmar que somente as pessoas

empobrecidas e do grupo dos camponeses faziam parte dos grupos apocalípticos.

Gottwald (1998, p. 546) ao comentar sobre a teoria da privação relativa, que aborda

sobre a formação de ideologia para enfrentar as privações que podem surgir em

todos os níveis sociais, faz a seguinte afirmação:

A suposição frequente no sentido de que só pessoas muito empobrecidas seriam apocalípticas é socavada pela prova evidente a partir da teoria da privação relativa. Pessoas sofrendo qualquer espécie de prejuízo sério, como cortesãos judaicos em governos estrangeiros ou no governo de Judá, os quais fossem expulsos do cargo ou que fossem perdedores em importantes batalhas da política (grifo do autor), poderiam ser candidatos fáceis para qualidade de membros em grupo apocalíptico.

Koester (2005, p. 232) afirma que “o apocalipticismo inspirou a revolta dos

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Macabeus, deu origem e manteve a comunidade dos Essênios”. Segundo Ceresko

(1996, p. 309) os Essênios representavam uma ala do partido dos assideus (“leais”

ou “fiéis”). Gottwald (1998, p. 545) assevera que com “frequência se afirma terem

sido os produtores do livro de Daniel o ‘partido’ assideu que apoiava as guerras

macabaicas”. Tem essa hipótese como “razoável”, mas argumenta que infelizmente

“sabemos pouco sobre as origens dos assideus”. Para Gottwald, mais que um

partido os assideus se tratavam de uma “coalizão de tradicionalistas anti-helênicos”,

que dentre os pontos de vistas representados, estava o pensamento apocalíptico.

Comenta que o livro de Daniel demonstra afinidades com tradições sapienciais por

meio de judeus a serviço de governos estrangeiros logo no início do livro e identifica

a ressurreição de justos para verem o reino de Deus como ‘os sábios’. Ele interpreta

esta descrição como sendo o retorno dos judeus da Dispersão para a Palestina

durante a insurreição macabaica.

Ceresko (1996, p. 310) afirma que o inicio da comunidade de Qumran se

deu com cinquenta membros do “partido” dos assideus, que na época da

composição do livro de Daniel ou pouco depois, foram liderados por uma

personagem anônima chamado de “O Mestre da Justiça” ou “O Mestre Justo”. Eles

se retiraram para a árida região deserta da Judeia, no leste de Jerusalém e

“fortemente se opunham a qualquer compromisso com os costumes gregos e a

qualquer acomodação a eles”. A partir de 1947 foram encontradas obras como

exemplares da regra de conduta dentro desta comunidade e outros comentários

bíblicos feitos pelos seus membros “demonstram que sua vida comunitária e sua

organização eram moldadas e totalmente influenciadas pela mentalidade

apocalíptica”.

Ainda que grupos estejam por trás dos escritos apocalípticos não se pode

limitar a utilização das ideias apocalíptica a determinados grupos. Collins (2007, p.

611) ao comentar sobre o desenvolvimento da apocalíptica comenta que “a

escatologia não pode ter sido confinada a conventículos sectários, mas deve ter sido

amplamente aceita como parte integral da fé judaica”. Portanto, o pensamento

apocalíptico perpassou por todos os grupos sociais, representantes da fé judaica.

Assim, a identificação dos redatores de alguns escritos apocalípticos se torna um

grande desafio.

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158

5.1.2 O livro de Joel e os primeiros escritos apocalípticos

Considerando a hipótese da redação final do livro de Joel ter sido realizada

no século III a. C., entre os primeiros apocalípticos, se faz necessário identificar

quais foram os primeiros escritos apocalípticos e seus possíveis redatores.

Conforme já mencionado em capítulo anterior, dentre os escritos

apocalípticos estão os que foram canonizados (Daniel e Apocalipse) e os que não

foram canonizados (pseudepígrafos e apócrifos). Durante longo período foi

considerado que o livro de Daniel, escrito no período dos Macabeus, seria o primeiro

de todos os apocalipses, por isso a datação dos apocalipses entre o séc. II a.C. e II

d. C. Todavia, como visto no segundo capítulo desta pesquisa, especialistas na

literatura apocalíptica nos últimos anos, com a descoberta dos manuscritos do Mar

Morto, reconhecem que parte do primeiro livro apocalíptico de Enoque foi escrita

antes do livro de Daniel, entre o século IV a.C. e o século III a.C.

O resultado das novas pesquisas sobre o livro de I Enoque auxilia a hipótese

desta pesquisa. A datação deste conceituado escrito da literatura apocalíptica para o

final do século IV a. C., com redação na região sul da Palestina, contribui para a

argumentação favorável de uma possível redação final apocalíptica do livro de Joel

para o século III a. C., no período do reinado dos ptolomeus. Guimarães (2015, p.

56) traz também uma afirmação que corrobora com esta hipótese: “a maioria dos

estudiosos prefere situar I Enoque na categoria de literatura apocalíptica, apesar de

parte do livro ter sido escrita em uma época anterior ao próprio período apocalíptico,

contendo tradições mais antigas do que esta fase”. Portanto, a datação serve como

um importante referencial para identificação do seu status social e definição do

gênero. Todavia, sem a pretensão de comparar o escrito apocalíptico de Enoque

com Joel, mas apenas demonstrar que a literatura apocalíptica já era uma realidade

presente no período dos ptolomeus.

A partir dessas observações, esta pesquisa reforça a afirmação de que a

redação final do livro de Joel devido à sua forma literária pertence ao período

helenista. Todavia, delimita o tempo deste período, ou seja, defende a hipótese de

que a redação final do livro foi realizada no período de dominação dos ptolomeus,

em que já existia a primeira literatura apocalíptica (parte do Livro de Enoque).

Portanto, uma das iniciativas é a identificação de grupos que poderiam ser

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potenciais influenciadores na elaboração da literatura apocalíptica da época.

Segundo Boccaccini, a comunidade essência de Qumran teve sua origem

antes da formação da própria comunidade qumranita. Antes do movimento dos

Macabeus existiu uma ramificação exclusiva do judaísmo chamada de “Judaísmo

enoquita”, de onde a comunidade qumranita veio a surgir. Outro defensor do termo

“judaísmo enoquita” é Jackson (2004, p. 49) que o menciona ao se referir aos

compiladores e editores dos livros de Enoque encontrados nas cavernas de

Qumran. Esse grupo, após a insurreição macabaica passou a se denominar de

“essênios” (BOCCACCINI, 2005, p. 449).

Boccaccini (1998, p. 170; 2007, p. 301-328) defende que a comunidade de

Qumran era formada por três grupos: a) Essênios ou Enoquitas de Qumran; b)

Essênios Urbanos; e c) Enoquitas. Estes dois últimos (movimento majoritário

enoquita-essênico) defendiam a crença no livre-arbítrio, enquanto o primeiro grupo

acreditava no determinismo e na predestinação do indivíduo. Boccaccini acredita

que o cerne do pensamento de Qumran surgiu com o primeiro grupo, antes da cisão

com o movimento majoritário enoquita-essênico.

Boccaccini elabora sua tese com base no conflito entre o judaísmo enoquita

e o judaísmo zadoquista (formação dinástica de sumo sacerdotes que governaram

as atividades do Templo de Jerusalém até a véspera da insurreição macabaica). A

base para elaboração da tese de Boccaccini é considerada incoerente por Knibb

(2008, p. 23), por entender que o período do segundo Templo não pode se resumir

no conflito de apenas dois grupos antagônicos (judaísmo enoquita e judaísmo

zadoquista). Ele afirma que a pesquisa de Boccaccnini é tendenciosa, insinuando

que ele participa de um projeto maior que tem por objetivo mudar as percepções do

estudo sobre o desenvolvimento do judaísmo antigo para o judaísmo rabínico.

Charlesworth (1981, p. 98-99) defendia que os textos do livro de Enoque (1, 2 e 3

Enoque) faziam parte de “um ciclo de pensamento que se dedicava a reflexões

fundamentadas e atribuídas a Enoque” e que não podiam ser rotulados como

representantes de um movimento específico.

Guimarães (2015, p. 37) ao pesquisar sobre as teses destes autores chega

a conclusão de que não se pode negar a existência de grupos interessados e

influenciados por reflexões oriundas do escrito de 1 Enoque, todavia “admitir que se

tratava de um movimento totalmente independente, exclusivamente dedicado ao

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escrito enoquita; uma sociedade separada, como sugere Boccaccini, é um passo por

demais ousado”.

Desse modo, não se pode afirmar que existiu um grupo específico

responsável pelos escritos apocalípticos, mas sim a influência do pensamento e da

literatura apocalíptica em vários grupos sociais judaicos, mesmo entendendo que

esta literatura seja mais interessante para os grupos marginais da sociedade. O

propósito desta literatura também poderia interessar a determinada grupo da elite

judaica, dependendo da situação de relação com o poder estrangeiro dominante na

data do escrito apocalíptico.

5.1.3 O Dia do Senhor como releitura de grupos apocalípticos em Joel

Pettus (1992, p. 1-46) destaca que dentre um conjunto de problemas para

um intérprete bíblico sério está a “incapacidade” de datação do livro de Joel, que

impossibilita alcançar o significado original da obra e a falta de consenso sobre a

conexão entre a praga de gafanhotos e o Dia do Senhor.

Em sua pesquisa, Pettus (1992, p. 47-101) aborda os resultados da

utilização do método crítico canônico, comparando as opiniões de dois estudiosos:

Brevard Childs e James Sanders. Childs defende a autoridade da forma canônica

final do texto e na transmissão formal da comunidade de fé. De outro lado, Sanders

rejeita o significado único no processo de tradição normativa de uma comunidade de

fé e defende a busca de todos os significados obtidos por meio do processo

hermenêutico desenvolvido pelas comunidades de fé ao longo do tempo. Desse

modo, seu método é aplicado às várias fases do livro de Joel (pré-exílio, exílio e pós-

exílio) e não somente no texto na fase final. Destaca-se, assim, os significados que o

Dia do Senhor recebe de acordo com as comunidades de fé que o interpretam.

Dessa forma, o Dia do Senhor passou de um dia de maldição por quebra da aliança

com Yahweh (exemplificadas pela praga de gafanhotos) para um dia escatológico

que precederia a salvação apocalíptica de Judá e Jerusalém. Todavia, Pettus reforça

que o método crítico canônico não resolve o dilema hermenêutico, pois é

dependente do método histórico-crítico.

A crítica canônica de Sanders auxilia no entendimento de que as tradições

da Bíblia, historicamente, não foram compreendidas somente dentro de seu contexto

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original, mas foram aplicadas aos novos e atuais contextos, mesmo dentro da

própria Bíblia. O texto canônico de Joel não deve ser ignorado, bem como a unidade

do texto no que se refere ao seu conteúdo, linguagem, estrutura e forma. Entretanto,

não devem ser ignorados os avanços do método histórico-crítico, como exemplo

para identificar as releituras e as inserções que estão presentes nos mais diversos

textos, inclusive no de Joel.

Esta pesquisa toma como base que o livro de Joel também passou por um

processo de redação que foi finalizado no período do segundo templo, uma seleção

de vários oráculos proféticos, além de inserções de pequenas partes em um texto

mais elaborado, como partes integrantes de releituras de comunidades de fé ou

grupos sociais. Não considerando apenas o texto na forma final, desconsiderando as

fontes utilizadas, como parece recomendar o modelo teórico de Childs. Será levado

em conta que houve interpretações e reinterpretações do próprio texto bíblico, antes

de sua forma ou redação final por um grupo ou redator apocalíptico. Da mesma

forma, como acontece com outros livros proféticos como Isaias e Zacarias, que

segundo Souza (2013, p. 74), foram “lidos e relidos por este movimento, servindo de

base para outras produções posteriores”.

O método de Sanders apresenta a análise do Dia do Senhor e seus

subtemas (drama cultural, guerra santa, teofania, bênçãos, pacto, lamento, oráculos

contras as nações) de forma diacrônica, nas diversas comunidades de fé, e como

essas releituras refletem na formulação final do texto canônico do livro de Joel

encontrado no processo canônico (PETTUS, 1992, p. 102-174). Sanders analisa

parte original do livro que aborda sobre a praga de gafanhotos, a seca e a fome que

conduzem a comunidade de fé a uma lamentação cultual e a consequente promessa

divina de restauração. Uma releitura da tradição mosaica, o anúncio do Dia do

Senhor como consequência pela quebra da aliança com Yahweh. Em cada etapa do

processo canônico do livro de Joel, as comunidades de fé interpretavam as tradições

e os temas relacionados como o Dia do Senhor e as bênçãos e as maldições

decorrentes deste. As releituras pelas comunidades de fé tinham como objetivo a

compreensão de suas próprias vidas em sociedade e individual (PETTUS, 1992, p.

176-221). Os membros das últimas comunidades a fazerem suas releituras poderiam

ser os redatores dos textos apocalípticos, quem redigiria em forma escrita o que era

propagado oralmente e/ou reproduzindo partes já escritas do que já era uma prática

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de vida e crença de determinado grupo social. Conforme Marcus (1994, p. 56-67),

em Joel existem quarenta paralelos diretos de fraseologia com outros doze livros

bíblicos: Amós, Êxodo, Ezequiel, Isaias, Jeremias, Jonas, Malaquias, Miqueias,

Naum, Obadias, Salmos e Zacarias.

O tema da literatura apocalíptica era relevante e deve ter ocupado a atenção

de um ou mais dos principais grupos atuantes na Palestina. Conhecer os grupos que

tinham mais proximidades com as ideias apocalípticas auxilia na identificação de

qual grupo estaria por trás das produções literárias apocalípticas, em especial a

redação final do livro de Joel. A literatura apocalíptica como recurso contra a

hegemonia da ideologia helenista e instrumento de preservação e continuidade do

judaísmo. Para Asurmendi (2004, p. 525-526) “a apocalíptica é uma literatura

dualista e de confrontação” entre dois grupos antagônicos. Entretanto, a oposição e

enfrentamento, nestas circunstâncias, ocorrem somente no imaginário do grupo

oprimido, sem necessariamente corresponder com a realidade. Acrescenta que é

uma literatura de clandestinidade e crítica e surge em um grupo de oposição ao

poder. Mesters e Orofino (2008, p. 31-32) afirmam que no contexto de opressão da

dominação estrangeira, em especial no conflito judaico-helenístico, surge o ideal de

resistência e de lealdade à religião judaica, campo fértil para se espalhar as ideias

apocalípticas entre as camadas mais pobres e oprimidas do povo indefeso.

Segundo Gradl e Stendebach (2001, p. 181) o livro de Joel pode ser

“interpretado com uma oposição, baseada na profecia mais antiga e a ela referente,

contra uma comunidade cultual teocrática, que corre o risco da estabilidade estéril e

da autoconfiança religiosa”. Se eles estiverem certos, o redator final de Joel deve ser

um grupo ou indivíduo apocalíptico que denuncia esta comunidade. No entanto, o

texto de Joel não parece demonstrar essa rivalidade, mas ao contrário demonstra

certa proximidade entre a figura do “profeta Joel” e os lideres do sacerdócio e

anciões. Todavia, se considerarmos o distanciamento entre a comunidade cultual

central e a comunidade cultual descentralizada, isso pode ser aplicável.

Apesar da literatura apocalíptica ter surgido antes do período de domínio

macabaico, como já visto, o período compreendido entre o século II a. C. ao século

II d. C. é considerado como a era áurea da literatura apocalíptica nos círculos

judaicos. Kvanving (2004, p. 834) afirma que “vários desses trechos foram

vinculados a grupos separatistas como, por exemplo, a comunidade puritana de

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Qumran”. No período helenístico surgiram vários grupos judaicos como os fariseus,

saduceus, essênios e grupos nacionalistas. Junto com os grupos também uma

inundação de livros. Russel (1992, p. 19) ao comentar sobre Ecl 12,12 afirma que “o

autor tinha sem dúvida em mente a produção do mundo grego pelos fins do século

III a. C.; mas podem-se aplicar suas palavras também à literatura judaica que nos

séculos seguintes fluiu de muitas penas”.

Alguns destes grupos tiveram sua origem no século III a. C., ou antes,

formados por meio de um conjunto de ideias expressas na cosmovisão coletiva.

Dentre eles pode estar o redator final do livro de Joel.

5.1.4 Os grupos sociais por trás da redação do livro de Joel

Surge a pergunta: é possível identificar um grupo social e/ou religioso

judaico como redator final do livro de Joel? Com certeza existe influência de

determinada formação social por trás dos textos bíblicos, mas como identificar este

grupo no caso da redação final de Joel? Muitos grupos diferentes tiveram

participação nos processos redacionais dos escritos judaicos, fazendo suas

releituras de textos mais antigos diante da realidade histórica e leitura teológica

influenciada pelos fatos ocorridos, principalmente, durante as ocupações

estrangeiras da chamada “terra santa”. A busca pela identificação de grupos que

estejam por trás do processo redacional do livro de Joel, no mínimo, contribui para o

conhecimento dos grupos que atuaram no período helênico e que tiveram suas

influências na formação social, política, cultural e religiosa do judaísmo tardio.

Deist (1988, p. 63-79), nesta busca pela compreensão do processo

redacional do livro de Joel, desenvolve uma teologia do Dia de Yahweh. Segundo

ele, os capítulos 1 e 2 de Joel representam uma situação original pré-exílica, que foi

relida em momentos posteriores como o exílio babilônico e o pós-exílio, tendo

promessa de bênçãos de fertilidade como literal. Nesse sentido, conforme visto no

capítulo anterior, o desenvolvimento no processo produtivo na área agrícola no

período do governo dos ptolomeus pode ter despertado essa esperança.

Pettus (1992, p. 156-179; p. 188-221) corrobora com esta interpretação

(releitura de textos antigos) como hermeneuticamente revitalizada pela comunidade

intertestamentária no livro de Joel (parte final do livro), com vistas ao cumprimento

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de libertação de proporções messiânicas. A hermenêutica da parte original de Joel

era essencialmente um oráculo contra Judá, um Dia de Yahweh que visa disciplinar

o povo judaico. Por outro lado, as leituras comunitárias posteriores são solidárias

com Judá e Jerusalém e com promessas de bênçãos de restauração. A comunidade

cristã é uma comprovação desta prática de releitura do livro de Joel. Em faz uma

releitura de Joel 3 para justificar o evento do pentecostes registrado em Atos 2.

Pettus (1992, p. 227) defende a redação final de Joel como uma leitura mais

holística dos profetas inspirados com as expectativas messiânicas do Dia do Senhor,

no período Intertestamental tardio por uma comunidade que ele denomina de

“Targumica intertestamentária”. Todavia, não identifica de forma específica que

comunidade seria essa.

Otzen (2003, p. 145-146) afirma que Josefo ao escrever para o público

romano defendia que o judaísmo da época estava subdividido em três “filosofias” ou

escolas filosófico-religiosas: os saduceus (apoio da elite, que sofreu alteração

significativa devido à relação com o imperialismo no período de 200 a.C. a 70 d.C.),

fariseus (apoio popular) e os essênios (partido sacerdotal que buscou o afastamento

do templo e restante do sacerdócio) e uma quarta representada pelos grupos

rebeldes ou os chamados “nacionalistas religiosos”. Os saduceus eram mais abertos

às mudanças dos imperialismos, enquanto os grupos nacionalistas eram mais

agressivos e os essênios e a comunidade de Qumran eram mais evasivos, preferiam

se isolar ao enfrentamento direto com os opositores. Os fariseus preferiram priorizar

a manutenção do seu status político e garantir os direitos religiosos por meio de uma

adaptação parcial ao sistema dominante, sem abrir toda a guarda. Otzen (2003, p.

147-206) classifica os saduceus como pertencentes à elite, os fariseus ao que seria

um grupo intermediário, os nacionalistas e os essênios aos grupos dos pobres.

O que dificulta a identificação de um grupo social específico como redator

final do livro de Joel é o fato de que as correntes e os movimentos apocalípticos não

pertenciam a grupos específicos, mas eram permeados pelos grupos sociais e

religiosos existentes:

[...] voltaremos nossa atenção para as correntes e os movimentos apocalípticos. Estes conseguiram uma posição independente em relação aos quatro grupos de Josefo; em certo grau, encontraram adeptos entre todos os grupos em questão. É significativo que Josefo descreva certas figuras da apocalíptica, os ‘falsos profetas’ e os pretensos messias, mas não menciona diretamente os apocalípticos, nem sequer como um grupo delimitado. Também não podemos falar de um ‘partido político’; o fenômeno

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é mais bem caracterizado com uma forte subcorrente religiosa que causou muita agitação na época (OTZEN, 2003, p. 146).

Todavia, o fato do movimento apocalíptico não ser exclusivo e sim mesclado

em vários grupos não o desmerece. Pelo contrário, a influência das ideias e

conceitos apocalípticos era penetrante e influenciava a forma de vida das pessoas.

Otzen (2003, p. 146) afirma que as pessoas que eram cativadas “pelas ideias da

apocalíptica tinham de passar por uma mudança completa quanto à compreensão

da existência, de Deus, do mundo e do futuro”.

Dentre os grupos, um grupo com tendência de maior rejeição à literatura

apocalíptica são os saduceus, devido à sua relação mais próxima com a elite judaica

e, consequentemente, com o poder dominante estrangeiro. As especulações

apocalípticas poderiam incentivar ações dos movimentos populares contra as

autoridades constituídas. Além de crenças apocalípticas como ressurreição dos

mortos, anjos e demônios, contrárias aos conceitos dos saduceus. Como afirma

Otzen (2003, p. 152): “a liberalidade dos saduceus tinha seus limites no que dizia

respeito às questões religiosas, eles procuraram manter o status quo e, assim

sendo, faziam o que podiam para desencorajar a renovação do judaísmo”.

Entretanto, conforme afirmado anteriormente, as ideias apocalípticas

invadiram todos os grupos sociais e religiosos judaicos, todavia alguns eram mais

propensos a aceitar as inovações. Os fariseus podem ter suas origens no grupo dos

assideus. Ainda, que Otzen (2003, p. 154) afirme que a formação do movimento

farisaico não está totalmente clara, bem como os essênios e o grupo nacionalista,

pelas suas características apresentam mais proximidade com as ideias

apocalípticas. Outra característica interessante no farisaísmo é sua proximidade com

os escribas. Otzen afirma que os escribas eram os “principais ideólogos dos

fariseus”.

As características dos grupos sociais e religiosos judaicos no período

helênico auxiliam em uma aproximação de uma possível autoria e redação do livro

de Joel. Entretanto, não fornecem elementos substanciais para uma afirmação direta

a um dos grupos. Uma coisa é certa, por trás do livro de Joel, há um movimento

social e religioso influenciado pelo pensamento apocalíptico.

Souza (2013, p. 76-77) em sua pesquisa sobre os grupos ou escolas

herdeiros do movimento apocalíptico coloca os assideus como principal grupo por

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166

trás da revolta macabaica e data sua origem para um período anterior à dominação

helênica. Defende que também estavam por trás dos escritos apocalípticos: “eles

estavam ligados a escolas de sacerdotes e de escribas que se dedicavam à tarefa

de copiar livros proféticos antigos e, também, produzir literatura apocalíptica nova”. A

frustação com os líderes da revolta os coloca à margem, e em oposição ao culto

oficial do templo.

Outro grupo significativo na época eram os saduceus, pertencentes ao grupo

de famílias de sacerdotes com origem hereditária no sacerdote Sadoc, da época de

Davi e Salomão. Por isso, a defesa de que deveriam ser os sucessores legítimos

dos sumos sacerdotes com base em escritos de Ezequiel e Esdras (Ed 7,2; Ez

40,45-46; 43,19). Essa legitimidade era questionada pelos que haviam se isolado em

Qumran. Os saduceus não aceitavam os escritos proféticos como “manifestações de

autoridade”, apesar de não os rejeitarem. Por outro lado, rejeitavam a tradição oral

e não aceitavam “nenhuma ideia teológica que não estivesse documentada na lei

escrita”. Segundo Souza (2013, p. 77), eles “aparecem como os fiadores do estrito

cumprimento da legislação do templo, do culto e da lei escrita”.

Souza (2013, p. 77-81) afirma que a origem dos fariseus, cujos membros

eram oriundos de todas os níveis sociais, sobretudo da “classe” média urbana, se

deu na época da decadência do movimento dos assideus, portanto, no início da era

dos Macabeus. Eles eram nacionalistas e contra os estrangeiros, porém na época

dos romanos faziam uma resistência passiva devido a tolerância romana com a

religião judaica. Os fariseus “eram muito influenciados pelo pensamento

apocalíptico. Fiéis à apocalíptica, os fariseus esperavam um Messias que viesse

restaurar a lei a qualquer hora e de forma instantânea”. Quanto aos essênios, sua

pesquisa corrobora com informações anteriores de que possivelmente eles tenham

surgindo a partir dos assideus.

Ao final de sua pesquisa, Souza (2013, p. 82) afirma que com base nas

referências apresentadas, nos três séculos que separam o livro de Daniel do livro do

Apocalipse, “os grupos ou escolas por trás das produções apocalípticas literárias [...]

são os fariseus e os essênios”. No entanto, considerando a escrita de Joel para um

período anterior (século III a. C.), os assideus, origem comum tanto aos fariseus

como aos essênios, sendo um grupo atuante neste período e com familiaridade com

o pensamento apocalíptico se constitui um grupo social que pode estar por trás da

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redação final do livro de Joel. Conforme já mencionado, Schubert (1979, p. 57)

afirma que tanto os fariseus como os essênios vieram do movimento dos assideus

apocalípticos. Ele recomenda que seja levado em conta “o caráter literário específico

dos respectivos grupos de textos”, pois “os essênios radicalizaram as concepções

de seus predecessores assideus, os fariseus tornaram-nas mais liberais”

(SCHUBERT, 1979, p. 12-13). A diferença do caráter literário entre os essênios e os

assideus literários, de acordo com esta pesquisa, potenciais redatores de Joel, pode

justificar a diferença entre a forma literária de Joel e os textos apocalípticos

posteriores como Daniel e os deuterocanônicos ou pseudepígrafos. Ambos

apocalípticos, todavia de épocas e contextos diferentes o que teria influenciado na

diferença do caráter literário.

No entanto, se faz necessária pesquisa mais aprofundada com foco neste

objetivo para uma argumentação mais solidificada. Resta, ainda, a possibilidade de

ser um redator individual, sem a influência direta de um grupo específico.

5.2 ESCATOLOGIA APOCALÍPTICA: UMA ANÁLISE ESTRUTURAL E DA

REDAÇÃO FINAL DE JOEL

A perícope de Jl 4,4-8 é considerada uma adição redacional de Joel por

vários autores, dentre eles podem ser citados Bewer (1911, p. 49-56), Wolff (1975, p.

74-75), Pettus (1992, p. 161). Gradl e Stendebach (2001, p. 181) chamam essa

perícope de anexo ou suplemento. Eles, após reconhecerem a homogeneidade do

restante do livro, chegam a afirmar que “como suplemento, 4,4-8 deve ficar de fora

de consideração, assim como provavelmente 4,18-21.2,26b deve ser eliminado

como descuido de um copista, que introduziu a frase de 2,27”. Ao contrário, estas

adições posteriores serão valorizadas por esta pesquisa, pois elas dão o sentido e a

motivação da redação final do livro.

Considerando o livro de Joel como produto de um processo redacional que

levou séculos por meio de releituras por grupos sociais ou indivíduos ao longo da

história do povo judaico, tendo sua conclusão no período helenístico, será

apresentada uma proposta de estrutura, com as adições redacionais de 2,26a-27;

4,4-8; e 4,18-21, bem como o contexto por trás da conclusão da redação do livro.

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168

5.2.1 Proposta de estruturação para o livro de Joel

Com vistas facilitar o entendimento e uma visão geral do livro foi elaborada

uma proposta de estrutura para o livro de Joel. Será considerado o período de

dominação ptolomaica como contexto da escrita das perícopes de Jl 2,26b-27; Jl

4,4-8 e; 4,18-2, sendo as últimas inserções realizadas pelo redator final do livro de

Joel. As propostas de estruturas e os comentários do referencial teórico do capítulo

três foram levados em consideração na elaboração desta proposta de estrutura.

Na figura 12 os textos que correspondem às inserções posteriores (Jl 2,26b-

2,27;4,4-8; 4,18-21) estão com os caracteres na cor vermelha.

Figura 12 – Estrutura do livro de Joel proposta pelo autor

Fonte: o autor, 2016.

Seguindo a linha da promessa da aliança mosaica, o redator busca uma

resposta para além do olhar dos dias de Yahweh da primeira parte do livro (Jl 1-2),

que estão voltados para eventos históricos de Judá e Jerusalém. Ele agora visualiza

um Israel restaurado em um mundo escatológico e apocalíptico, possuindo o Espirito

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do Senhor, que habita em segurança em Sião e Judá.

As nações inimigas que participaram de um longo ciclo de destruição de

Judá e Jerusalém são julgadas. No momento da redação a destruição delas já

estava confirmada, no entanto o último inimigo a ser destruído estava por vir, os

gregos, atuais opressores do povo. Além dos gregos, as nações que alimentavam o

seu sistema de opressão, principalmente no que se refere ao modo de produção

escravista, em troca de benefícios. A hermenêutica do redator demonstra conexão

dos capítulos finais com a primeira parte, observando a trajetória do cumprimento da

promessa proferida na forma original do livro. Como afirma Silva (2007, p. 366): “os

apocalipses apresentam uma linguagem em forma de protesto e resistência ao

poder opressor e centralizador. E o jeito de escrever é carregado de sutileza, pois o

texto remete para acontecimentos do passado”.

As inserções posteriores do livro de Joel demonstram a insatisfação com as

práticas desumanizadoras do modo de produção escravista grego e a promessa de

retaliação. Com objetivo de destacar essa motivação do redator final na inserção dos

últimos acréscimos redacionais, primeiro será analisada a estrutura

desconsiderando estas inserções.

A proposta acima está dividida em três partes, mas que corresponde a dois

momentos distintos. O primeiro momento (Jl 1,2-2,17) corresponde a um tempo

remoto em que o povo apela à Deus depois de devastações e calamidades naturais

e sociais ocorridas no âmbito nacional e corresponde ao Dia de Yahweh como

julgamento sobre a nação de Judá e Jerusalém. Trata-se de assuntos do cotidiano

do povo judaico, um mundo presente e real, uma sequência de duas devastações

nacionais já ocorridas: “nos tempos dos pais” (1,2).

A primeira devastação, a praga de gafanhotos, os judeus já haviam

presenciado em algumas oportunidades e sofrido com as consequências que são

detalhadas em Jl 1.2-4. Com base em quatros estágios da evolução da destruição

ocasionada pela praga de gafanhoto, descreve o poder devastador, distinguindo o

impacto de cada estágio para o povo, cujo sofrimento é ampliando pela seca. A fome

e a insatisfação das necessidades básicas de sobrevivência leva o povo a um

lamento nacional ao seu Deus, suplicando pela sua restauração. Nesta situação, isto

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170

é o que o povo pode fazer. Na realidade essa primeira devastação serve apenas

para demonstrar, de forma simbólica, a devastação que estava por vir.

A segunda devastação se trata das inúmeras vezes em que as nações

proeminentes de diversas épocas invadiram o território de Judá e Jerusalém para

saquear e levar judeus como escravos para terras longínquas. A segunda

devastação por exércitos inimigos também é utilizada de forma simbólica, mas não

identifica um inimigo em específico. Da mesma forma que a devastação dos

gafanhotos era feita por etapas, os judeus já haviam sofrido vários ataques e cada

vez mais devastadores para a nação judaica. Essas devastações são detalhadas de

forma simbólica na periodização da história contemplada no livro de Daniel, também

escrito no período helenístico, que representavam os poderes imperiais que haviam

subjugado o povo judeu. No livro de Joel a invasão apontada no capítulo dois

representa os mesmos impérios que se levantaram e oprimiram o território judaico:

assírios, babilônicos, persas e gregos. Cada um tirando o de melhor que este povo

tinha, até a última seiva, como a praga dos gafanhoto (Jl 1.4ss), que era a própria

dignidade da vida, em que por último, os gregos submeteram os judeus com a

humilhação da escravidão radical, tendo as judias como fábrica de escravos judeus.

Mães de quem fora tirado o prazer da gestação dos filhos, algo tão valorizado pelo

povo judaico, pois teriam que entregá-los para serem tratados como objetos,

“ferramentas” de produção. O que resta ao povo é o lamento e clamor pela

misericórdia e intervenção divina, a única esperança. Situação que será fonte de

motivação para o redator inserir os textos que serão abordados na próxima seção.

Jl 2,18 inicia a segunda parte do livro de Joel e serve como ponto de apoio

para toda a estrutura do livro. Trata-se da fase de transição entre os dias de Yahweh

da primeira parte para os dias de Yahweh da segunda parte do livro (2,18-4,21), que

têm uma abordagem escatológica apocalíptica. A estrutura proposta evidencia o

momento da transição, pois a mudança é radical. A segunda parte (Jl 2,18-4,21)

aborda questões que apontam para um futuro desconhecido e para um espaço fora

da realidade dos destinatários, um ambiente escatológico e apocalíptico. Dessa

forma, fica evidenciado também o papel do tema “Dia do Yahweh”, que funciona

como um fio condutor para expressar a mensagem apocalíptica, enfatizando as

releituras desse “dia” realizadas pelas comunidades.

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171

Na perícope 2,18-2,27 aparecem as promessas divinas que fogem da

expectativa de realização histórica para uma realização futura e transcendente.

Diferente da primeira parte (1,2-2,17), em que ocorrem vários imperativos no sentido

corretivo, a partir do verso 18 continuam os imperativos, mas em um número menor

e agora eles mudam a intenção. Os imperativos passam a ter uma função

motivadora, solicitando ações de ânimo diante da promessa de salvação divina e de

prosperidade para Judá e Jerusalém. Em todos os versículos está presente o tema

da abundância. O ambiente agora é de restauração da produtividade da terra e o

restabelecimento da prosperidade agrícola, conforme antigas tradições (Dt 7,13-14;

Ag 2,15-19; Am 9,3; Sl 46,5). Nessa perícope é perceptível o contraste com os

gafanhotos consumindo tudo o que encontram pela frente. O povo agora, a exemplo

dos gafanhotos, poderia comer vorazmente (2,26).

Embora possa parecer que a perícope de Jl 4,1-21 seja um texto único, uma

observação mais acurada demonstra a distinção entre algumas partes do texto. Jl

4,1-3 apresenta Yahweh fazendo uma convocação das nações para julgamento,

enquanto Jl 4,9-16 descreve a realização desta reunião geral, ambos textos escritos

na forma poética.

Gradl e Stendebach (2001, p. 157), ao comentarem sobre a redação final

dos livros proféticos, afirmam que a influência de noções escatológicas formou um

esquema estrutural. Esse esquema é apresentado sempre nesta categoria literária:

“anúncio do juízo para Israel, que na época da redação já ocorreu, anúncio do juízo

para os povos estrangeiros, anúncio da salvação vindoura (por exemplo, Ez 1-24;

25-32; 33-48)”. Esses anúncios reforçam, ainda, que os textos proféticos são

oriundos de tradição mais antiga (coletâneas de escritos do círculo de discípulos dos

profetas), que são interpretados e atualizados por meio de releituras, como possíveis

correções. Portanto, estrutura e procedimentos que podem ser observados também

na composição do livro de Joel, todavia por meio de releituras apocalípticas.

Como advento e evolução da visão apocalíptica a forma de ver o mundo

mudou completamente. Dingermann (2012, p. 413-414) ao comentar sobre a

evolução do pensamento apocalíptico e a influência nos escritos do período do

segundo templo faz uma síntese do livro de Joel que merece uma citação direta.

Seu comentário demonstra o papel das releituras apocalípticas por meio da tradição

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do dia de Yahweh que contrastam a realidade atual com uma expectativa futura

positiva em favor do povo de Judá.

Para o profeta Joel, uma praga de gafanhotos se transforma em uma catástrofe que abrange o mundo inteiro. Todos os povos são reunidos para o juízo (Jl 3.2,11). Então Javé vem para habitar eternamente em Sião. Nesse livro profético, o tema do dia de Javé é desenvolvido em todos os sentidos de uma forma universal. A descrição do exército inimigo, que se aproxima de assalto naquele dia (J 2.1-11), e dos sinais no céu e na terra (Jl 3.3s.) tem um caráter inequivocamente apocalíptico. Destaca-se claramente o contraste entre a situação atual e futura.

A perícope de Jl 4,9-17 é um bom exemplo da utilização de textos antigos

para uma releitura escatológica e apocalíptica. Segundo Nogalski (1993b, p. 35)

existem vários elementos estruturais que vinculam Jl 4,9-17 com 2 Cr 20,1-30. Em

ambas as perícopes ocorrem: a) um anúncio da batalha (2 Cr 20:1; Jl 4,9), seguido

de um pedido de ajuda (2 Cr 20,6-12; Jl 4,11b); b) resposta divina por meio de um

profeta (2 Cr 20,14-17, Jl 4,12; c) as pessoas exercem um papel de espectador na

batalha (2 Cr 20,20; Joel 4,17); d) passagens munidas de uma etiologia do nome do

vale em que a ação ocorre (2 Cr 20,26; Jl 4,12). Apesar das semelhanças, as

motivações dos autores são diferentes. O redator de Joel utiliza a liturgia da batalha

de Josafá existente em 2 Cr 20,1-30 como um modelo para demonstrar o julgamento

escatológico e apocalíptico que será exercido no futuro por Yahweh para julgar as

nações opressoras e escravagistas. Uma tradição antiga sendo usada sob a

perspectiva da escatologia apocalíptica pelo redator final de Joel.

5.2.2 A proposta de estrutura e as últimas adições redacionais

Na seção anterior foi apresentada a proposta de estrutura para o livro de

Joel e o detalhamento de forma panorâmica sobre as unidades da estrutura

proposta. Nesta seção serão destacadas as últimas adições redacionais (Jl 2,26b-

27; Jl 4,4-8; Jl 4,18-21), com intuito de demonstrar a influência que o modo de

produção escravista grego teve na perspectiva e motivação do redator final do livro.

5.2.2.1 Jl 2,26b-27: promessa de eliminação das práticas desumanizadoras

O quadro 4 apresenta a tradução literal e livre do texto da perícope de Jl

2,26-27.

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Quadro 4 – Tradução literal e livre do texto de Jl 2,26-27.

Bíblia Hebraica Stuttgartensia

מע עלועל: י ל ב הל או-עש פ ל פ מע כ םה שא-םש מע ל ה לכ פהע לא-שע פ לל ה בםלו הפ פהע למ הפש מל 26 הלל

מע עלועל: ס י ל ב מע הפלו םע או-עש ה לכ אה פ ל לאה הלל א ראב השפ בפ הע יה םפ 27 ההעל

Tradução literal instrumental

26 – E comereis até fartar-vos e louvareis o nome de YHWH, vosso Deus, pelas coisas extraordinárias que fez convosco. Meu povo não se envergonhará nunca mais.

27 – E sabereis que estarei no meio de Israel. Eu YHWV, sou o vosso Deus, e não há outro. Meu povo não se envergonhará nunca mais.

Fonte: o autor, 2016.

A tradução da “parte b” do versículo 26 e do versículo 27 foi destacada em

negrito para enfatizar a motivação da inserção do redator final na parte final do

versículo. A promessa de extinção da vergonha da desumanização e humilhação

imposta sobre os judeus.

A primeira parte da estrutura proposta (Jl 1,1 – 2,17) demonstra que os

desastres (praga de gafanhotos e seca; devastação por sistemas imperialistas

opressores) estão intimamente relacionados. O título do livro (1:1) é seguido por

dois poemas que enfatizam a mesma mensagem geral: a devastação que tira a

dignidade humana e conduz o ser humano ao mais baixo nível de

humilhação/vergonha. A angústia de uma nação que está sob o jugo de um poder

opressor pode ser ampliada exponencialmente quando os recursos de subsistência

também são tirados. O retrato da angústia nacional pelos desastres demonstra que

todos os segmentos da sociedade estavam ameaçados. Talvez como rara exceção,

o segmento da minoria que estava a serviço do poder dominante, portanto com

privilégios e proteção. Dessa forma, é bem provável que os dois poemas foram

escritos de forma complementar, como um par, com o objetivo de expressar a

vergonhosa situação de calamidade nacional, aproveitados pelo redator final para

retratar a situação de seus contemporâneos. No entanto, com o objetivo de

proporcionar uma luz no fim do túnel, despertando nos destinatários uma nova

esperança que transcendesse o mundo natural, por meio de uma intervenção divina

e sobrenatural.

A segunda parte do livro, em que foi inserido o primeiro dos últimos

acréscimos redacionais, funciona como uma fase de transição para os dois últimos

capítulos do livro, em forma de promessa divina de acabar com a angústia nacional

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174

causada pelas práticas desumanizadoras, em especial, dos impérios opressores. No

início do versículo 26 fica evidenciada a resposta intencional, contrapondo partes do

primeiro capítulo do livro. Enquanto, em Jl 1,16 do primeiro capítulo a comida (למ)

foi cortada do povo e os versículos 5,11 e 13 do mesmo capítulo convocam as

pessoas para chorar (ה), na primeira parte do versículo 26 do segundo capítulo,

surge a promessa de comida em abundância (פו מל והלל e o convite para as (העלמ

pessoas louvarem (פהע לל ה a Deus pela resposta. Uma ação positiva em contraponto (הפ

à situação de calamidade apresentada nos textos anteriores. Yahweh garante que o

lamento do povo foi ouvido e que ele vai providenciar o socorro necessário ao povo

oprimido.

Todavia, o que chama a atenção é a inclusão no TM que vem a seguir, na

segunda parte do versículo:ו ע) פם ו כה וםל בשי Uma promessa divina de que seu .(הפכל-ב

povo não seria envergonhado para sempre. Watson (2013, p. 144) defende que a

inclusão desta frase se trata de um erro ditográfico ocorrido por influência da parte

final do versículo 27. Inclusive em sua tradução livre do texto exclui essa frase do

versículo 26 e mantém somente no versículo 27. Independente de ser um erro

ditográfico ou não, a frase continua e responde adequadamente às preocupações

expressas nos poemas de angústia iniciais do livro e servem como guia para o

restante do livro, em especial às outras duas últimas inserções redacionais (4,4-8 e

4,18-21).

Seguindo o padrão da inserção na última parte do versículo 26 e dando

continuidade, o redator parece responder ao versículo 11, do primeiro capítulo, em

que os camponeses são submetidos à condição de humilhação, sendo

envergonhados (בשה). Novamente Yahweh promete que a vergonha terá um fim

בשי) .(הפכל-ב

O tema que incomoda o redator final e seus contemporâneos é introduzido,

a desumanização do povo judaico por meio de um processo opressor que foi se

aperfeiçoando cada vez mais, tirando a dignidade dos seres humanos, colocando-os

na situação mais desprezível possível. Por isso, o título dado para essa subunidade

na estrutura proposta: “Promessa de eliminação das práticas desumanizadoras e

humilhantes”. O povo que estava sendo envergonhado a tantos séculos, agora

recebe a promessa que a situação iria mudar. A causa das consequências

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produzidas pelo modo de produção escravista, que sustentavam o sistema

hegemônico grego, seria eliminada. Assim, as práticas desumanizadoras e que

humilhavam os povos conquistados seriam abolidas e a vergonha do povo de

Yahweh não duraria para sempre.

5.2.2.2 Jl 4,4-8: Acusação aos patrocinadores do modo de produção escravista

O quadro 5 apresenta a tradução literal e livre do texto da perícope de Jl 4,4-

8.

Quadro 5 – Tradução literal e livre do texto de Jl 4,4-8

Bíblia Hebraica Stuttgartensia

הע -לל הפגלע ה

מע: בלשפ פמע םפא ב םפה שה ל א הפ רל ל הע ם הע לל בהפ ע-ם הפלה ע ם הה לפ של הע הפ םפהי לל ל שא הא תפ ב םפ עו הפמ בא הפדה ד ה

4

מע: מפ פ בלאע ע בבה ל ל הל הע יהל פ רל פ בה יפ תה פפ שא-יל 5 ל

ע: ע הםל םפבי ר ה אפ ל ו םל הל פ ע פהאה ל א בפ ה הע אפ מל הע הפ ל א פאיש יבפ יע א פ 6 יבפ

מע: בלשפ פמע םפא גפה באה ב שה הל כ ע ש בא הע ל אפ מל שא-הפ רע ל כ ל ו- ע הה א םה אפאה הפ ה 7

םא: פ ה ה פ ר יה להע ל-ם א ב השפ מאיע יהפ יע א פ לע םפ אאמע םפ אמע הפלא-םפ לא-םפ הה אפ מל 8 יה

Tradução literal instrumental

4,4 – E também, o que vós quereis de mim Tiro, Sidon e todos os distritos da Filístia? Querem se vingar por algo que fiz? O que querem retribuir contra mim, mais rápido retribuirei sobre vós.

4,5 – Pegastes a minha prata, meu ouro e o que de melhor eu tinha e levaram para os vossos templos.

4,6 – Vendestes os filhos de Judá e os filhos de Jerusalém para os gregos (filhos dos Jônios) para que ficassem longe da terra que pertencem a eles.

4,7 – Eis que eu os trarei de volta do local para onde os vendestes e retribuirei a vós o mesmo que fizestes a eles.

4,8 – E venderei os vossos filhos e vossas filhas pela mão dos filhos de Judá, aos sabeus, nação distante. Porque YHWH falou.

Fonte: o autor, 2016.

A estrutura proposta na figura 12 apresenta as costuras no processo

redacional ocorrido no capítulo 4. Nestas costuras, a perícope de Jl 4,4-8 tem um

papel fundamental. Sellin e Fohrer (2012, p. 603) afirmam que “existe amplo acordo

a respeito de que a invectiva e ameaça de 4.4-8 é um acréscimo mais recente”. Este

texto é inserido logo após a introdução do capítulo (4,1-3), em que a temática do

tráfico humano é exposta, com destaque para o tráfico infantil (v. 3), no entanto de

uma forma genérica sem apontar os responsáveis. A perícope de Jl 4,4-8 é inserida

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pelo redator para ampliar a visão da introdução, acusando diretamente os

patrocinadores do tráfico de pessoas que acabou originando o modo de produção

escravista grego, além de prometer retaliação por este processo opressor e

desumanizador. A inserção é finalizada com uma frase conclusiva que valida a

palavra dada, pois ela é garantida pelo próprio Yahweh. Na observação textual,

pode se perceber o critério dos massoretas para identificar o versículo 8 como a

conclusão da perícope, inserindo uma setumah no final do verso (םא:ופ ה הו ופ .(יה

A perícope demonstra que a intenção redacional é dar respaldo para o

julgamento universal dos patrocinadores do tráfico escravista, que é anunciado a

seguir (4,9-17) e para justificar também a inserção no final do capítulo, com uma

visão escatológica e apocalíptica de restauração para os injustiçados pelo sistema

dominante opressor. Portanto, Jl 4 se apresenta como um material fragmentário,

mas coerente em sua redação final. Mallon (2007, p. 797) destaca essa integração

com o capítulo ao afirmar: “embora 4,4-8 seja aceita geralmente como uma adição, o

livro desenvolve seu tema de maneira a indicar que é uma unidade teológica e

artística”. Além disso, muitas palavras da primeira parte do livro se repetem na

segunda parte, indicando “unidade semântica forte no texto”.

O quadro 6 explicita a relação intertextual que Jl 4,4-8 tem com outros

profetas do AT e que auxilia no entendimento parcial da motivação e do processo de

compilação redacional.

Quadro 6 – Relação intertextual entre Jl 4,4-8 e outros profetas

Jl 4,4-8: Oráculo de julgamento contra Tiro e Sidom e todos os distritos da Filístia.

Zc 9-12: acusação contra Tiro e Sidon (9,2), a Filístia (9,6), depois a Grécia (9,13) e “todas as nações da terra” (12,3).

Jl 4,4-8: o que fizeram contra os filhos de Judá é Jerusalém será retornado sobre a própria cabeça (pagamento com a mesma moeda).

Ob/Ab 15: No dia do SENHOR a maldade das nações cairá sobre a própria cabeça.

Jl 4,8b: “Porque Yahweh falou”. Ob/Ab 18; Jr 13,15; Is 22,25; 24,3; 25,8: vai acontecer porque foi Yahweh quem disse.

Fonte: o autor, 2016.

Sellin e Fohrer (2012, p. 604-605) trazem uma afirmação sobre a época da

atividade de Joel e a mensagem de seu livro que corrobora com os quadros 6 e 8 e

com o contexto apocalíptico de Joel. Eles asseveram que:

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A época em que Joel exerceu sua atividade deve ser determinada sobretudo em função de sua dependência com relação a uma série de outros profetas, particularmente com relação a Is 13; Jr 4-6; 46.49-51; Ez 29-32; 35; 38s; Ab 17a; Sf 1s; Ml 3. Também sua linguagem deve ser incluída entre os estratos literários mais recentes do AT. [...] Joel se filia de preferência às profecias mais antigas, em busca de uma legitimação numa época em que já não se dava muita importância aos profetas novos. O fato de que, assim procedendo, ele tenha escolhido principalmente as tradições referentes ao dia de Javé, e também os oráculos proferidos contra outros povos, foi motivado pelo conteúdo de sua mensagem.

Havia uma expectativa com relação ao que iria acontecer às nações

estrangeiras inimigas e opressoras de forma geral. Segundo Petersen (2011, p. 159-

164), essas expectativas se resumiam em dois tipos básicos: Yahweh lutando contra

as nações e as nações, posteriormente, venerando Yahweh em Sião. Como vaticina

o capítulo 4 do livro de Joel.

Na perícope de Jl 4,4-8, o redator final inclui queixas específicas contra Tiro,

Sidon e as regiões da Filístia, assim como faz também no versículo 19, registrando

acusações contra o Egito e Edom (essas acusações serão tratadas na próxima

seção). Diferente do versículo 2 em que a acusação é generalizada a todas as

nações. Dá-se a impressão, que o redator não se conforma com a acusação geral e,

mediante as atrocidades que vê seu povo sofrendo, ele prefere identificar os

principais responsáveis e as práticas condenáveis que os colocaram na situação em

que estão vivendo. O redator não tinha intenção de nominar todos os opressores do

passado, mas o que o incomodava era a situação atual, ou seja, o imperialismo

grego e as nações que davam suporte para manutenção do status quo do reinado

dos Ptolomeus e dos Selêucidas.

A mesma tensão foi registrada pelo redator de Zc 9-12, mas em uma

sequência progressiva. Ele acusa Tiro e Sidon (9,2), a Filístia (9,6), depois a Grécia

(9,13) e por fim, promete juízo sobre “todas as nações da terra” (12,3). Primeiro a

acusação sobre os já famosos traficantes de escravos (Tiro, Sidon e regiões da

Filístia) e que provocaram um grande desajuste social em Judá ao vender judeus

como escravos. Na sequência identifica os compradores dos escravos, os gregos,

que começaram essa prática antes de se tornarem um grande império. Na época do

redator de Joel, os gregos já eram os grandes poderosos do mundo conhecido, já

haviam comercializado vários escravos de aproveitadores que se beneficiam do

tráfico de pessoas. Comércio que sustentava o sistema econômico-financeiro, mas

sob um custo desumanizador, a transformação do ser humano a um mero “objeto de

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produção”, cuja fábrica era o ventre das judias. Dessa forma, fica clara a insatisfação

do redator final com a injustiça social e exploração econômica dos povos

dominados, em especial, na Palestina.

Portanto, o contexto do livro evidencia que as inserções vieram para reforçar

os gritos de aflição que já existiam, mas que estavam evoluindo de forma

exponencial pelos contemporâneos do redator final. Ele busca responder às

angústias e medos destes, proporcionando por meio de esperanças alimentadas

pela expectativa de um futuro promissor, um mundo novo e apocalíptico. Tudo

incluído dentro de um contexto maior que o livro traz de uma liturgia de lamentação

e resposta que fazia parte do culto israelita. Identificando-se, assim, com a religião e

a crença judaica.

Também chama atenção a revolta explícita no texto. A mensagem é de

acusação e julgamento, sem misericórdia, pois eles promoviam o tráfico infantil (v.3),

o roubo, inclusive de coisas sagradas, o tráfico de escravos e violência aos filhos e

filhas do povo judaico (4,6.8.19). As nações que agenciavam estas práticas

desumanizadoras, principalmente por meio do modo de produção escravista, não

recebem mensagem de arrependimento para alcançarem misericórdia, mas de

retribuição na mesma moeda. Parece que o redator não vê a possibilidade de

mudança de comportamento destas pessoas opressoras. Para ele, somente Deus é

que pode mudar a situação de opressão e desumanização, a prática será punida na

mesma altura dos feitos, a teologia da retribuição. Yahweh promete não somente

trazer de volta os judeus vendidos como escravos e espalhados pelo mundo, mas

também de transformar os traficantes de escravos e promotores da prática no objeto

de suas práticas: eles serão escravizados. Yahweh promete “pagar na mesma

moeda”, transformá-los em escravos, isso por meio das mãos dos judeus. Os

antigos donos de escravos seriam vendidos como escravos para os sabeus, um

povo do sul.

A promessa é uma mensagem apocalíptica de libertação, mas o que causa

estranheza é a promessa de retaliação. Uma teologia retributiva é uma mensagem

de desamor. Todavia, como pode o ser humano lidar com a situação de

desumanização a que os judeus estavam expostos? Uma pessoa que sofre tanto

tempo debaixo de um sistema de dominação opressor como o do imperialismo grego

como poderia pensar diferente? Um povo acostumado a ser explorado e perseguido

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por um grupo de nações como os fenícios, egípcios e edomitas por séculos, o que

poderia querer? Interessante que não se encontra uma promessa de punição

diretamente para os gregos, criadores do modo de produção escravista, talvez

devido ao medo de possíveis retaliações se identificado. Diferente do Dêutero-

Zacarias que anuncia um levante liderado pelo próprio Yahweh aos gregos (Zc 9,13).

Contudo, uma coisa o redator deixa como certo, o novo mundo cósmico

escatológico não estava sendo proposto para os opressores, mas unicamente para

os injustiçados. Isso é o que o redator deixa claro na sua última inserção, como

veremos a seguir.

5.2.2.3 Jl 4,18-21: Promessa de salvação escatológica para os injustiçados

O quadro 7 apresenta a tradução literal e livre do texto da perícope de Jl

4,18-21.

Quadro 7 – Tradução literal e livre do texto de Jl 4,18-21

Bíblia Hebraica Stuttgartensia

ליל ע בל הפ

ע: ה ה ל ל לא אל ר השפ ה דל הפ םא פ ו הה םפ הע יהל פמי ה יע ר פ ה ב הפמ ל א מפ ל םפבםא ה ל פ הפ פה ע ם אה י פ ה

18

דע: ל םפצאפ ע-ארה מי ע פ שא-ש ל יע א פ פ םפ הל ה פ הה ה ה םלא שפ עפ הה פ עעהלו פ אה ה ה השפ הע אל דפ 19 הה

פעא העא: הע הה ל ע השב איש פם 20 ההיע

ו: דה במו םפ הלה ש ע כל-אהתאה ה 21 הפאהתאה

Tradução livre

18 – E naquele dia, as montanhas gotejarão vinho novo, das colinas fluirão leite, e de todos os leitos de Judá correrão água. Da casa de YHWH sairá uma fonte que irrigará todo o vale de Sitim.

19 – O Egito se tornará em desolação, e Edom em um deserto de desolação por causa da violência que fizeram aos filhos de Judá, pois derramaram sangue inocente na própria terra deles.

20 – E Judá será habitada para sempre e Jerusalém por gerações.

21 – E vingarei o sangue deles, que ainda não foi vingado. YHWH habitará em Sião.

Fonte: o autor, 2016.

Da mesma forma que a perícope de Jl 4,4-8, Jl 4,18-21 também possui uma

importante relação intertextual com outros profetas do AT, como pode ser percebido

no quadro 8.

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Quadro 8 – Relação intertextual entre Jl 4,18-21 e outros profetas

Jl 4,18a: “as montanhas gotejarão vinho novo, das colinas fluirão leite”.

Am 9,13: para o que lavra os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão.

Jr 15,18: o orvalho nunca secará.

Jl 4,18b: “Da casa de YHWH sairá uma fonte de água que irrigará todo o vale de Sitim”.

הא) הע)ו(םל (ה

Ez 47,1-12: fonte de águas que fluem do templo;

הא) הע)ו(םל (ה

Zc 14,8: fonte de águas que fluem de Jerusalém.

הע) (ה

Jl 4,19: O Egito se tornará em desolação

( ה ה השפ ) e Edom em um deserto de desolação

םלא) עפ הה פ ) por causa da violência que fizeram aos

filhos de Judá.

Ez 29,12: tornarei a terra do Egito em desolação

( ה ה (שפ

Ml 1,3: a terra de Edom se tornou em uma

desolação ( ה ה םא) e um deserto (שפ עפ .(הה

Jl 4,20: “Judá será habitada para sempre e Jerusalém por gerações”

פעאוהעא) העוהה ל עוהשבואיש פם ו .(ההיע

Zc 14,1: E habitará em Jerusalém (בי e (הפשפ

permanecerá em segurança.

Fonte: o autor, 2016.

Mallon (2007, p. 803) afirma que nesta perícope o tema da vingança de

Israel elaborado de forma mais desenvolvida é uma das provas da inserção

posterior. Ele certifica que “o Egito, como o arquétipo do opressor, e Edom, como o

arquétipo do irmão traidor (Obadias; Amós 1,11-12), são comparados a Israel”. O

texto traz consigo abordagens negativas e positivas por parte de Yahweh com

relação à Judá e Jerusalém e seus históricos inimigos: Egito e Edom. Nogalski

(1993b, p. 38) assevera que esses dois aspectos são “tratados como dois lados da

mesma moeda”. Judá e Jerusalém são restituídos, recebem bênçãos em

abundância e Sião será como habitação permanente e centro do reino universal de

Yahweh, enquanto que Egito e Edom são destruídos. Apesar de aparente

contradição no comportamento divino, a perícope apresenta coerência e coesão por

meio de quatro elementos temáticos: a) uma representação escatológica de

abundância e bem-estar (4,18); b) uma condenação específica de dois inimigos

históricos de Judá por terem derramado sangue de judeus: Egito e Edom (4,19); c)

uma promessa de habitação permanente em Judá e Jerusalém, com a presença

também contínua de Yahweh (4,20-21b) e; d) uma promessa de vingança pelos

inocentes e injustiçados, especialmente contra os promotores do modo de produção

escravista (4,21a).

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O versículo 18 introduz uma nova seção, cujo tema é o destino do povo

eleito e das nações estrangeiras, após o julgamento da pericope anterior. Inicia com

a fórmula redacional (naquele dia) dos últimos livros chamados proféticos, mas com

uma especulação escatológica apocalíptica, como já visto no referencial teórico

sobre livro de Joel e podem ser observados como exemplos em Is 24-27; Ez 38-39;

Zc 12-14. "Naquele dia" aponta para um tempo futuro em que Judá e Jerusalém

serão sinônimos de fertilidade, prosperidade e segurança, enquanto seus inimigos

se tornarão em desolação.

Nesta seção os oráculos quase que totalmente na terceira pessoa apontam

o destino das nações estrangeiras. O versículo já inicia com o anúncio da

restauração e abundância da natureza, uma sequência de anúncios de fontes

transbordantes de uva, leite e água, recursos de grande valor na época e um grande

contraponto com a devastação natural de (1,2-20), conforme a proposta de estrutura

(figura 12). Destaque para a fonte de água que jorra da própria casa de Yahweh.

A partir do versículo 19 se percebe uma resposta à devastação dos sistemas

imperialista e nações opressoras. A lista é completada com a citação dos dois

inimigos dos judeus, que também estavam relacionados como sistema de

escravidão: o Egito e Edom. O redator anuncia um castigo também devastador para

eles: se tornar uma desolação e um deserto, respectivamente. As águas do Nilo,

famosas pela fertilidade que davam ao território egípcio secarão e em vez de

fertilidade, restará a seca e desolação. Edom que se orgulhava de sua posição

geográfica estratégica ficará como um deserto e também desolado. A justificativa do

castigo é o derramamento de sangue judeu inocente, enquanto estavam em suas

terras.

Em contraste com o destino das nações inimigas, o versículo 20 traz um

grande conforto aos judeus receptores da mensagem de Joel. A promessa feita pelo

próprio Yahweh de que Judá e Jerusalém seriam habitadas para sempre. Como

pode ser observada na tradução, na primeira parte do versículo a divindade fala na

primeira pessoa. A conversa é direta e objetiva, ele se compromete a completar a

vingança pelas injustiças praticadas contra os oprimidos, em especial, os escravos

judeus que morreram nas terras inimigas, a vingança pelo sangue inocente

derramado. Ele vingará o sangue ainda não vingado. Por fim, a promessa feita na

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terceira pessoa: “E Yahweh residirá em Sião”. O tema da presença contínua de

Yahweh em Sião encerra o livro. Judá e Jerusalém não somente será habitada para

sempre, mas o próprio Yahweh habitará nela. Que segurança para um judeu aflito

em busca de um consolo, que talvez nem esperasse mais devido à sua situação de

calamidade.

Yahweh promete o começo de uma nova era, em que as nações

imperialistas e nações opressoras e violentas, que se mantém a custa da

desumanização e derramamento de sangue inocente, serão julgadas severamente

por seus crimes, enquanto Judá e Jerusalém permanecerão prosperas e seguras.

Dessa forma, os três primeiros versos do capítulo 4 (4,1-3) que serviam

como introdução do texto anterior às inserções se tornam introdução de todo o

capítulo e o conjunto mantém sua unidade. A perícope de Jl 4,4-8, um oráculo de

acusação aos inimigos de Israel, com base em um fato histórico do passado, passa

a dar sentido à promessa de restauração das últimas perícopes. Portanto, o capítulo

4, apesar das inserções deve ser entendido como um conjunto que retrata em uma

imagem escatológica, uma resposta à oração e penitência dos sacerdotes de Jl

2,17.

As últimas inserções do livro de Joel trazem um novo olhar de esperança

para seus destinatários. Com a inserção de 2,26a-27 a promessa de bênçãos é

expandida. Ela não é somente de restauração de produtividade da terra, mas

também da manutenção do povo na terra, sem novas surpresas de exércitos

inimigos. Yahweh agora promete que eles não serão mais envergonhados, fazendo

um vínculo com o capítulo 4 e, em especial, com as novas inserções (4,4-8; 4,18-21)

que tratam da desumanização dos judeus por meio do modo de produção escravista

que tirava a dignidade das pessoas e a resposta apocalíptica de Yahweh, o Dia do

Senhor: julgamento e condenação para os opressores e injustos e de salvação para

os oprimidos e considerados justos.

5.2.3 O contexto redacional

Schmid (2013, p. 250) ao comentar a redação do livro de Isaias, considera

parte da escrita como sendo da época dos ptolomeus (“a literatura da época dos

ptolomeus”). Ele ressalta que temas como “proteção de Israel (Is 35)” e “juízo

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mundial (Is 34,2-4)” define uma época tardia. Ele afirma: “é provável que

historicamente ela se encontre numa relação com experiências políticas da época

mais antiga dos diádocos, que oferecia um pano de fundo contemporâneo para a

temática evocada do juízo final”. Schmid (2013, p. 230) enfatiza que as

interpretações “do tempo presente, na época dos ptolomeus, não foram

historicamente explicitadas. Elas aparecem como predições postas nos lábios de

figuras que [...] viveram bem antes, e se apresentam modeladas de acordo com

essa ficção histórica”.

Nesta seção será avaliado como as perícope de Jl 2,26a-27; 4,4-8; 4,18-21,

consideradas adições redacionais tardias de Joel, podem ser entendidas

pertencentes ao período de conflito entre a dominação ptolomaica e selêucida.

A ascensão do Império Grego com Alexandre, de início pareceu aos judeus

que seriam beneficiados, mas o tempo demonstrou que este foi um dos piores

períodos da história desse povo, que ficou ameaçado de extinção, conforme afirma

Ceresko (1996, p. 304):

A cultura judaica recebeu inegáveis benefícios do contato com essa cultura grega ou helenística, como foi chamada a sua manifestação no Oriente Médio. Porém, devido à posição privilegiada que essa cultura helenística possuía nas estruturas sociais, econômica e políticas, havia um evidente perigo de o judaísmo ser absorvido e de o seu caráter básico ser distorcido ou perdido.

O maior risco para os judeus foi no período do reinado dos ptolomeus e dos

selêucidas. Os ptolomeus dominaram a região da Palestina por aproximadamente

um século, do período que inicia com a batalha de Issos (301 a.C.) até batalha de

Pânion (198 a.C.), em que foi derrotado pelo selêucida Antíoco III. Desse modo, o

desafio é identificar em que etapa deste longo período é possível identificar o

momento da finalização da obra. Desse modo, se faz necessária a divisão do

período de dominação ptolomaica em dois: um primeiro momento de relativa paz,

que a Palestina ficou à margem das lutas entre os ptolomeus e os selêucidas,

entretanto sofrendo exploração tributária e comercial; o segundo momento durante a

quarta e quinta guerras sírias em que o Palestina passa a ser envolvida diretamente

na disputa entre os dois reinados.

No primeiro momento, os ptolomeus deram continuidade ao processo

iniciado por Alexandre, implantando um sistema administrativo rigidamente

organizado. A uniformidade populacional e as características naturais do país

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facilitaram a centralização administrativa. Os governantes ptolomaicos eram

tolerantes com os povos dominados com relação às leis e costumes religiosos

locais, desde que não oferecessem ameaça quanto à contribuição econômica e à

soberania do reinado. Durante o governo de Ptolomeu I Sóter (323-282 a.C.) a

economia do Egito prosperou, sendo favorecido pela riqueza de seu solo e à

homogeneidade do povo egípcio. Hengel (1981, p. 6-7) afirma que Ptolomeu I Sóter

adotou a antiga política dos faraós de priorizar a defesa do território egípcio,

principalmente a região norte, com uma reforçada zona militar. Em segundo plano,

priorizou a força naval, utilizando árvores da Fenícia e do Líbano para a construção

das embarcações. Em terceiro lugar, “fez da Palestina o centro do comércio e das

caravanas da Mesopotâmia, da Pérsia e sul da Arábia”, dando um destaque à

Palestina que não fora dado no início do Império Grego. Possivelmente um sinal de

prosperidade para a região que, provavelmente, criou expectativas positivas para os

judeus.

Seu sucessor, Ptolomeu II Filadelfo (282-246 a.C.) foi um grande propagador

das artes e das ciências. Ele tinha ambições expansionistas e provocou a Primeira

Guerra Síria (274-271) contra Antíoco I, monarca selêucida, todavia sem grandes

avanços. Depois desta, seriam deflagradas mais quatro guerras entre os ptolomeus

e selêucidas, juntas são conhecidas como as Cinco Guerras Sírias.

Segundo Vílchez Líndez (1999, p. 470), Jerusalém gozava de certo privilégio

de ser uma cidade sagrada. O sumo sacerdote era o representante do povo e tinha

a autoridade para escolher dentre os representantes das principais famílias leigas e

sacerdotais, os membros da gerusia, uma espécie de “assembleia de anciãos” ou

“conselho de anciãos”. Os sumos sacerdotes recebiam privilégios em troca da

exploração dos menos favorecidos. Segundo Bohn-Gass (2002, p.16), no período

dos ptolomeus e selêucidas, a administração não é realizada por um governador,

mas por um conselho de anciões, composto de sacerdotes e leigos, presidido pelo

sumo sacerdote (1 Mc 12,6; 2Mc 1,10;11,27). A vida das aldeias se proletarizou, a

maioria dos camponeses nativos, que tinham como autoridades imediatas os

anciões dos povoados, se tornaram diaristas sem participação nos assuntos

públicos (PIXLEY, 1989, p. 106). Além das necessidades que estavam expostos

com a exploração econômica e social, estavam constantemente preocupados com

as guerras entre ptolomeus e selêucidas pelo controle da região (KOESTER, 2005,

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p. 28-32). Assim, os camponeses e demais integrante do povo pobre, mesmo com a

relativa paz sofriam com a exploração interna de seus próprios líderes, comandados

pelo sumo sacerdote. Talvez, por isso, que o redator final de Joel não menciona o

sumo sacerdote, pois para o grupo dos pobres e oprimidos, ele e seus aliados não

eram seus representantes legais, mas cúmplices de seus sofrimentos e angústias.

Todavia, é possível que dentre o conselho de anciões, houvesse sacerdotes e leigos

que lutavam pela causa dos camponeses pobre e os diaristas explorados.

Filadelfo foi sucedido por Ptolomeu III Evergetes (246-221 a. C.). A partir

deste governo o poder ficou concentrado nas mãos de estrategos. Os Ptolomeus

introduziram esse sistema nas outras províncias, inclusive na Palestina. O conflito

interno entre os próprios judeus é acentuado, de um lado, os favoráveis ao

helenismo (praticamente toda a elite) e, do outro lado, aqueles que combatiam o

helenismo (praticamente todos os camponeses pobres e os diaristas). A Palestina

participou parcialmente da prosperidade econômica do período dos ptolomeus, pois

exportava azeite e bálsamo, mas os beneficiados diretos eram as pessoas

abastadas de Judá. Os pobres participavam de outro tipo de exportação, a de seres

humanos (escravos). As mulheres judias eram obrigadas a servirem de fábrica de

escravos. No entanto, González Echegaray informa que antes do período de

dominação ptolomaica na Palestina, já havia ocorrido uma grande diáspora e

processo de escravidão, envolvendo os judeus partidários dos dois reinos

(ptolomaico e selêucida) e suas respectivas consequências:

Em Jerusalém existia desde há tempo uma facção pró-egípcia, como se pode deduzir da informação que Josefo toma do historiador Hecateu de Abdera: depois da vitória de Gaza em 313, o sumo sacerdote Ezequias, com um grande número de judeus, seguiu Ptolomeu para o Egito ‘por causa de seu comportamento humano e amistoso’. Porém existia também uma considerável facção pró-selêucida. Sempre segundo Josefo, cita neste caso a obra perdida de Agatarcides, Ptolomeu se apoderou de Jerusalém por traição, aproveitando o repouso sabático, que impedia os habitantes de tomarem armas para se defender (Ant. XII, 4-6; Contra Apion I, 208-211). Segundo a Carta de Aristeas (12-13), Ptolomeu deportou nesta ocasião 100.000 habitantes de Jerusalém, Judá e Samaria, e os levou para o Egito; 30.000 dentre estes deportados foram enquadrados em unidades militares, e o resto vendido como escravos (GONZÁLEZ ECHEGARAY, 2000, p. 234).

A diáspora e a escravização dos judeus são temas preponderantes no livro

de Joel e uma das principais causas da indignação e intervenção de Yahweh, em

favor do Judá e Jerusalém.

Todavia, foi a partir do conflito entre Ptolomeu III (246-221) e Selêuco II (246-

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226), que a Palestina é envolvida diretamente na luta entre os dois reinos. Um fato

que favoreceu a inclusão da Palestina foi a atitude do sumo sacerdote Onias II de

recusar o pagamento do tributo imperial ao Egito. Quem se beneficiou com a atitude

de Onias II foi a família dos Tobíadas, com a intervenção em Jerusalém. O processo

de helenização entre os grupos dominantes toma cada vez mais corpo, canalizando

as riquezas para as mãos destes poderosos e agravando cada vez mais os conflitos

sociais em Judá e Jerusalém. A comunidade judaica já era proeminente e fortemente

influenciada pelo helenismo no Egito, mas no século III a. C., a Palestina que ainda

resistia de certa forma, principalmente entre o grupo do proletariado, passa a ser

submetida à cultura grega com mais veemência. A imposição do helenismo favorecia

o controle pelo grupo dominante.

A ascensão da família dos Tobíadas era mais do que uma simples mudança

de liderança. O impacto era mais profundo, pois estava sendo retirado o poder da

velha aristocracia judaica que era fortemente alicerçada pela mais alta esfera do

sacerdócio e das famílias tradicionais. No lugar destes, entra no poder uma

aristocracia emergente, enriquecida rapidamente por meio do sistema grego de

dominação e sem muita ligação com a tradição judaica. Os Tobíadas, para manter e

proteger os interesses da família mais poderosa da época, planejavam fazer de

Jerusalém uma verdadeira pólis no modelo tradicional grego, priorizando seus

costumes, língua e filosofia (GOTTWALD, 1998, p. 414). O período do reinado de

Ptolomeu III (246-221) se constitui uma datação potencial para a escrita de Joel.

Dentre a família dos Oníadas ou dos membros da velha aristocracia judaica e

famílias tradicionais descartadas, pode ter surgido o redator final de Joel, pois como

afirmado anteriormente os escritores apocalípticos podem ter surgido de grupos

sociais oprimidos ou de determinados grupos da elite que foram oprimidos como

resultado de conflitos na briga pelo poder. Aliado a isso, eles tinham facilidade para

escrever textos, devido à formação educacional privilegiada.

O sucessor de Ptolomeu III foi Ptolomeu IV Filopátor (221-204). Ele, em 217

a. C., obtém uma importante vitória sobre Antíoco III, em Ráfia, na fronteira sul da

Palestina. Entre 217 a 202 a. C. houve um período de relativa paz, pois os dois

reinos estavam envolvidos em lutas particulares. Todavia, por volta do ano 200 a.C.,

a disputa pela região da Palestina continua e Antíoco III sai vencedor na disputa e

recupera a Selêucia e a Antioquia, não satisfeito ainda invade toda a província da

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187

Celessíria. Em 198 a.C., os selêucidas assumem definitivamente o domínio da

Palestina e, devido ao sofrimento a que estavam submetidos, os judeus os recebem

de bom grado. A recepção graciosa dos selêucidas pelos judeus demonstra a

situação de desespero que estavam no período que antecedeu a vitória de Antíoco

III.

Na série publicada pela Paulus “Documentos do mundo da bíblia”, no

volume 2, há uma importante contribuição para o entendimento deste momento tão

significativo para a região da Palestina. Trata-se do “decreto de Antíoco III a respeito

de Jerusalém (cerca de 197 a. C.)”, editado em favor de Jerusalém e de seu templo,

que devido à sua importância para esta pesquisa será citado integralmente:

O rei Antíoco a Ptolomeu, saudações. Como os judeus, desde que entramos em seu país, nos testemunharam sua benevolência, como à nossa chegada em sua cidade, eles nos receberam magnificamente e vieram ao nosso encontro com o seu senado, como eles proveram abundantemente à subsistência de nossos soldados e de nossos elefantes e visto que nos ajudaram a expulsar a guarnição egípcia instalada na cidadela, nós, de nosso lado, havemos por bem reconhecer todos esses bons ofícios, reconstruir sua cidade arruinada pelos infortúnios da guerra e repovoá-la, fazendo voltar a ela os que foram dispersos. Em primeiro lugar, decidimos, em razão de sua piedade, fornecer-lhes, para os sacrifícios, uma contribuição em animais de sacrifício, em vinho, óleo e incenso, no valor de 20.000 dracmas de prata, attabes

18

sagradas de farinha de frumento, medidas segundo o costume do país, 1460 médimos

19 de trigo e 375 médimos de sal. Quero que todas estas

contribuições lhes sejam entregues segundo minhas instruções. Que sejam terminados os trabalhos do templo, os pórticos e tudo o que tiver necessidade de ser reconstruído. As madeiras serão tiradas da Judeia mesma e entre os outros povos e no Líbano, sem serem submetidas a nenhuma taxa. O mesmo será feito com todos os outros materiais necessários para se enriquecer a restauração do templo. Todos os membros da nação devem viver segundo as leis de seus pais. O senado, os sacerdotes, os escribas do templo e os cantores do templo serão isentos da capitação, do imposto coronário e da taxa sobre o sal. Para que a cidade seja repovoada mais depressa, concedo àqueles que a habitam atualmente e àqueles que nela se estabelecerem até o mês de hyperberetaios, uma isenção de impostos durante três anos. Nós os isentamos ainda, para o futuro, do terço do tributo, a fim de indenizá-los de suas perdas. Quanto aos que foram tirados da cidade e reduzidos à escravidão, nós lhes restituímos a liberdade e ordenamos que lhes sejam restituídos os seus bens (VV. AA., 1985, p. 98-99)

O destinatário do decreto, Ptolomeu, não se trata do rei egípcio, mas

“segundo uma inscrição, Ptolomeu, ao qual se dirige Antíoco III, era ‘filho de

Traseas, estratego e sumo sacerdote da Celessíria e da Fenícia” (VV. AA., 1985, p.

_______________ 18

Medida egípcia de capacidade de cerca de 40 litros. 19

Medida antiga de capacidade, de cerca de 50 litros.

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188

99).

O decreto de Antíoco III deve ter causado um grande alvoroço no povo de

Judá e Jerusalém. Segue um recorte de alguns textos que foram negritados na

citação acima pelo autor desta pesquisa:

1) Reconstrução da cidade e retorno dos escravos ao redor do mundo:

“reconstruir sua cidade, [...] fazendo voltar a ela os que foram dispersos

[...] Para que a cidade seja repovoada mais depressa” [...] isenção de

impostos durante três anos. Nós os isentamos ainda, para o futuro, do

terço do tributo [...] aos que foram tirados da cidade e reduzidos à

escravidão, nós lhes restituímos a liberdade e ordenamos que lhes sejam

restituídos os seus bens”;

2) Recursos para manutenção dos sacrifícios: “fornecer-lhes, para os

sacrifícios, uma contribuição em animais de sacrifício, em vinho, óleo e

incenso”;

3) Restauração do templo: “Que sejam terminados os trabalhos do templo

[...] materiais necessários para se enriquecer a restauração do templo”;

4) Liberdade religiosa: “Todos os membros da nação devem viver segundo

as leis de seus pais”;

5) Privilégios aos líderes religiosos da nação: “O senado, os sacerdotes,

os escribas do templo e os cantores do templo serão isentos da capitação,

do imposto coronário e da taxa sobre o sal.”.

Esses recortes demonstram que os assuntos tratados no decreto têm muito

a ver com o conteúdo do livro de Joel. Destaque para a primeira citação que aborda

sobre a reconstrução da cidade e o retorno dos escravos ao redor do mundo, que

tem muito a ver com as 3 últimas inserções do livro. A promessa de reversão da

situação e de que os judeus não seriam mais envergonhados, a denúncia contra as

pessoas que causaram essa situação e a restauração da cidade e a prosperidade e

abundância da cidade, que pode representar a proteção e volta da habitação de

Yahweh. Como vimos anteriormente, na época do governo ptolomaico, com as

novas tecnologias implementadas, a produção havia aumentado, mas os judeus não

eram beneficiados com isso. No entanto, com o decreto a perspectiva de

aproveitamento do excesso de produção, essa situação poderia ser revertida.

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Portanto, outro momento em potencial para a redação final do livro de Joel. O

decreto de Antioco III pode ser resultado de negociações com famílias importantes

de Judá que estavam sendo preteridas ou outras autoridades. Assim, poderia ser um

incentivo para a escrita pelo grupo ou algum membro deste, do conteúdo das últimas

adições de Joel. No entanto, essa hipótese necessita de aprofundamento e pode ser

tema para futuras pesquisas.

O decreto também demonstra que a aparente paz, estabilidade e

prosperidade durante o período em que a Palestina estava sob o domínio dos

Ptolomeus durante o século III a. C., na realidade escondia a verdadeira realidade

dos pobres e enfraquecidos da Palestina. A imposição do helenismo ameaçava a

identidade e enfraquecia o povo judaico, bem como a sua própria sobrevivência

como ser humano e como povo, pois as terras estavam nas mãos de estrangeiros

ou de judeus “vendidos” ao sistema grego de dominação, que já haviam

incorporados a própria cultura grega. Souza (2012, p. 148) afirma que “a exploração

sistemática dos agricultores atingiu níveis nunca vistos antes (Jó 24,1-12)”. Ele

acrescenta que é “neste chão do ‘tranquilo’ século III a.C., que, alimentadas pelas

promessas e profecias do passado, fermentavam e cresciam as ideias que vão

explodir no movimento apocalíptico”.

O contexto apresentado pode ser contemplado no livro de Joel. Os textos

originais do livro de Joel que descrevem a invasão de gafanhotos que se assemelha

às invasões de inimigos, além de figurarem as constantes invasões ao longo do

tempo, conforme já mencionado, certamente alertariam os palestinos neste período.

Época que a Palestina estava sobre as constantes lutas entre os ptolomeus e

selêucidas, que independente de quem fosse vencedor eles teriam suas plantações

e terras sendo invadidas, provocando calamidade, seca e fome. Certamente o

barulho das botas e gritos dos soldados era uma constante na vida dos judeus que

moravam na Palestina nessa era. Semelhante ao que havia acontecido aos pais

judeus durante a história das invasões e massacres em suas próprias terras pelos

dominadores estrangeiros. Talvez por isso, o redator de Joel pergunta se o que

estava relatando havia acontecido nos seus dias ou nos dias de seus pais. Uma

forma de dizer que havia acontecido nos dias dos pais e continuava acontecendo

nos dias atuais da escrita. No entanto, ele apresenta uma esperança sob a

perspectiva da escatologia apocalíptica, talvez motivado pela expectativa do decreto

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de Antíoco III, que poderia ser ampliado de forma sobrenatural na visão apocalíptica.

5.3 O LIVRO DE JOEL COMO GÊNERO LITERÁRIO APOCALIPSE HISTÓRICO

No segundo capítulo foram apresentadas as teorias sobre a origem da

literatura apocalíptica, a partir deste momento será assumido como uma síntese

sobre o assunto a afirmação de CERESKO (1996, p. 305) de que essa literatura

“combina elementos dos movimentos profético e sapiencial, embora prevaleça o

primeiro destes”. O livro de Joel, como Daniel e o próprio livro de Apocalipse,

apresenta características predominantemente da literatura profética, mas a

motivação da redação final do livro é apocalíptica. Ainda, como complemento, a

afirmação de Gottwald (1998, p. 541) da independência do gênero na sua

formulação literária, pois “um apocalipse funcional pode ser somente parte de

composição mais extensa”. Além da observação de Collins (2010, p. 50), de que a

literatura apocalíptica não foi considerada como apocalipse antes do cristianismo, o

que demonstra que o gênero apocalipse é um construto moderno.

O redator apocalíptico de Joel utilizou de textos proféticos e moldou-os com

a visão apocalíptica para dar esperança aos seus leitores, quando humanamente

não parecia haver uma solução favorável, a não ser uma intervenção sobrenatural

de Deus. Esta afirmação está bem coerente com a descrição de Ceresko (1996, p.

306):

[...] o cerne da cosmovisão apocalíptica, em poucas palavras, é uma profunda desilusão com a ordem presente, um sentimento de impotência para realizar qualquer mudança para melhor, e a convicção de que essa era sem valor está para terminar. Esse pessimismo radical quanto à história presente alia-se a um otimismo radical baseado na crença na nova era que surge e no poder que Deus tem para iniciar essa nova era e estabelecer o Reino de Deus.

Para Ceresko (1996, p. 306) o conteúdo da revelação apocalíptica “pode ser

temporal; ou seja, pode envolver o passado ou especialmente o presente e o futuro”.

Andiñach (2015, p. 294) assevera que o livro de Joel “introduz-nos no mundo

da literatura apocalíptica, mas o faz de maneira tímida”. Gradl e Stendebach (2001,

p. 181) corroboram com Andiñach, afirmando que ele “está no limiar entre a

expectativa do futuro, da antiga profecia intra-histórica e uma escatologia

apocalíptica, que versa sobre o fim radical desse mundo e da história e de um

recomeço além da história”. Portanto, reconhecem a influência da escatologia

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apocalíptica, porém não o reconhecem como uma literatura apocalíptica completa.

Eles reforçam “[...] Entretanto, Joel não deve ser considerado um verdadeiro

apocalíptico, já que ele ainda não conhece uma sucessão temporal de atos diversos

no drama escatológico (cf. O livro de Daniel)”.

A afirmação: “já que ele ainda não conhece uma sucessão temporal de atos

diversos no drama escatológico (cf. O livro de Daniel)”, somente pode ser

sustentada se a descrição da praga de gafanhotos for considerada como literal.

Conforme a proposta de estrutura para o livro de Joel na seção anterior, esta

pesquisa é favorável a citação pelo redator de Joel de uma lamentação sobre uma

praga literal. Como afirma Rösel (2015, p. 64): “uma liturgia de lamentação do povo

celebrada por ocasião de uma praga de gafanhotos (Joel 1;2)”. Essa praga é relida

na visão apocalíptica como figura de um ataque de inimigos de Israel, para

demonstrar as várias investidas dos povos inimigos de Israel ao longo do tempo.

Aliado a isso, a inserção durante o Imperialismo grego em que a Palestina estava

sob o domínio dos Ptolomeus, que estavam em constante conflito com os

Selêucidas para manutenção do domínio da Palestina. Portanto, as quatro fases de

crescimento do gafanhoto descritas em Joel 1,4 servem para simbolizar os quatros

impérios, também citados pelo redator de Daniel, que haviam oprimido os judeus até

então, impérios dos assírios, babilônicos, persas e, por último, dos gregos. Este

último sugando até as últimas esperanças de sobrevivência humana digna, com o

modo de produção escravista, evidenciado como principal aborrecimento de Yahweh

em Joel. Entretanto, sem um detalhamento pelo redator final, como faz o redator de

Daniel, que provavelmente tenha sido mais influenciado pela literatura apocalíptica.

Defendo neste capítulo a caracterização do livro de Joel como literatura

apocalíptica. No entanto, reconhecendo que nem todos os aspectos da literatura

apocalíptica estão presentes no livro, como também não estão em outros livros

reconhecidos como literatura apocalíptica (“apocalipse funcional”). O que ocorre com

1 Enoque e o próprio livro de Daniel, exemplos já citados em capítulos anteriores.

Por isso, a seguir serão apresentados argumentos que favorecem a hipótese de que

o livro de Joel apresenta características suficientes para ser reconhecido como

literatura apocalíptica, classificado como “apocalíptico histórico”.

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192

5.3.1 Joel, um apocalipse quanto ao meio da revelação

Conforme já visto o gênero literário predominante é refletido por meio do

agrupamento de textos que contém um conjunto de características que podem ser

reunidas por afinidade (ANA VALDEZ, 2002, p. 57). Por isso, nesta seção será

elencado um conjunto de características no livro Joel que auxiliam em sua

classificação como um gênero literário apocalipse, no que se refere aos meios de

revelação.

Em uma análise panorâmica de Joel é possível identificar que sete das oito

características apontadas por Koch (1972, p. 28-33), como presentes nos escritos do

gênero apocalipse, também são encontradas neste livro: 1) insistente expectativa de

iminente destruição de todas as condições terrestres num futuro imediato (Jl 1,4,7,9-

12,15-19); 2) o fim por meio de uma imensa catástrofe cósmica (2,10-11; 4,15-16); 3)

a relação entre o tempo do fim e a história antecedente da humanidade e do cosmos

(Jl 1,2,14; 2,1; 2,10; 3,3-4, 4,1-17) ; 4) catástrofe (Jl 1-2,17) seguida por salvação (Jl

2,18-4,20-21); 5) a entronização de Deus e a vinda de seu reino (Jl 4,17-21); 6) o

aparecimento de um mediador com funções reais (4,16-17); 7) a glória da era futura

(Jl 4,18-21). A exceção é a “presença anjos e demônios”, que é uma característica

forte da literatura apocalíptica, especialmente, os apocalipses de jornadas

sobrenaturais ou de viagens a outro mundo.

Esta ausência não descaracteriza o livro de Joel, pois ele apresenta como

agente da revelação o próprio Yahweh, fonte original da revelação e autor da

intervenção prometida. Além, disso existe a possibilidade de uma releitura do redator

final do exército comandado por Yahweh de Jl 2,1-11 e Jl 2,25 ser interpretado

como exércitos de anjos sob seu comando, leitura comum aos apocalípticos. Outra

possibilidade é a menção do sol, lua e estrelas, que também eram comumente

interpretados como exércitos de Deus. Por outro lado, mesmo não sendo

caracterizada essa interpretação, a ausência de citação direta a anjos e demônios

não descaracteriza o livro como um apocalipse histórico. Dentre outros estudiosos

sobre o assunto já citados nesta pesquisa, Villanueva (1992, p. 193-217), defende a

existência de escritos apocalípticos que não têm todas as características comuns ao

gênero, como o próprio livro de Daniel e Apocalipse do NT, que apresentam apenas

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em partes, características do gênero. Portanto, são livros do tipo compósitos de

vários gêneros conduzidos sob a perspectiva apocalíptica.

Conforme já mencionado, será utilizada a proposta de Villanueva para

identificação de literaturas apocalípticas quanto ao meio de revelação (pseudonímia,

visões e simbolismo e as interpretações das escrituras) e ao conteúdo (visão da

história; caráter esotérico; as duas idades ou eras; clímax escatológico; dimensão

cósmica).

5.3.1.1 A pseudonímia no livro de Joel

O livro de Joel não apresenta informações básicas sobre seu autor, diferente

do que fazem os livros puramente proféticos, que apresentam detalhes sobre a

biografia, como filiação, naturalidade, datação de atuação, entre outros. Joel é um

personagem sem antecedentes, a não ser a menção de filiação paternal. Além do

fato de não ser citado em nenhum outro livro do AT.

A composição e seu nome em hebraico “Yahweh é Deus”, além de não ser

um nome comum no antigo Israel, pode facilmente ser caracterizado como um nome

fictício. No caso, o nome serve apenas como uma forma de “proclamação de fé no

Deus de Israel” (ROSSI, 1998, p. 9). O interesse pelo culto presente no texto que

serve como argumento para apresentá-lo como um profeta cultual, pode representar

na realidade afinidades do autor anônimo do livro.

A ausência de informações sobre o protagonista do livro demonstra que

autor se utilizou de uma figura do Antigo Israel (identificação) e sua mensagem

sobre uma praga de gafanhotos, que era conhecida de seus destinatários, para

propagar a mensagem de esperança na mudança radical da realidade dos judeus

oprimidos pelo imperialismo helênico. Portanto, uma “extensão da personalidade” do

antigo profeta para divulgar uma ideia apocalíptica coletiva como se fosse sua e de

seus destinatários (personalidade corporativa). O redator utiliza da pseudonímia,

provavelmente, para apresentar a mensagem de esperança do povo oprimido sem

ser identificado pelo seu opressor, que no caso do contexto de Joel, se tratava dos

dominadores gregos, evitando as possíveis represálias (temor).

A ausência de informações também demonstra que o redator não tinha

como preocupação estabelecer exatidão histórica, mas sim passar a mensagem

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específica, visando encorajar seus destinatários (localização histórica da obra).

Dessa forma, ele faz uso da autoridade de um profeta da antiguidade, bem como

antigas tradições, para propagar suas ideias. Apesar de Joel não ser um nome

proeminente da antiguidade como outros nomes utilizados pelos autores

apocalípticos: Moisés, Enoque, Esdras, entre outros (autoridade à obra). O que

enfraquece a caracterização da pseudonímia em relação ao item: “autoridade à

obra”.

5.3.1.2 Visões e simbolismo no livro de Joel

Apesar de não se verificar em Joel a fórmula da visão quando o autor

menciona ter visto algo, como ocorre em Zc 1,8 ou na teofania da vocação de Isaías

(Is 6,1-2), o autor do livro apresenta uma série de narrativas de visões. Narrativas

que podem ser compreendidas também ao que Collins (2010, p. 25) chama de

“diálogo de revelação”, que ocorre no diálogo entre Yahweh e o profeta. No livro são

narradas imagens de coisas que acontecem no céu como na terra para demonstrar

a soberania de Yahweh que por meio da epifania se comunica com seu povo e o

autor apocalíptico (Jl 2,10-11; 4,15-16). A mensagem passada por meio das

epifanias e simbolismo no livro de Joel serve para dar conforto e coragem aos seus

destinatários diante de sua situação de calamidade, uma maneira de ler a realidade

sob a perspectiva da visão de Deus do mundo e sua história.

O simbolismo mais significativo do livro de Joel é a praga de gafanhotos.

Basta falar o livro de Joel que já se vem em mente a figura da praga. Muito se

escreveu sobre o assunto e várias são as interpretações a respeito, conforme já

comentado. Possivelmente, a praga tenha ocorrido em um passado remoto e

reutilizada por gerações até o redator de Joel também explorar com uma perspectiva

apocalíptica. É possível que a mesma praga tenha sido interpretada de maneiras

diferentes, dependendo da época e contexto em que foi utilizada.

Como é uma característica típica das demais literaturas apocalípticas, a

mensagem de Joel depende da interpretação de seus ouvintes, uma vez que não

fica clara como se dará a intervenção divina. A necessidade de desvelamento se dá

devido a sua linguagem simbólica como o exército de Yahweh (Jl 2.11), sinais

cósmicos: sol em trevas, lua em sangue, estrelas que caem do céu (Jl 2,10-11; 3,3;

4,15-16) e o simbolismo do mundo animal: gafanhotos (Jl 1,4), cavalo (Jl 2,4), leão e

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leoa (1,6). A mensagem do livro é diferente das mensagens proféticas tradicionais,

que estavam ligadas à realidade comum de seus ouvintes.

5.3.1.3 As interpretações das escrituras em Joel

Conforme já mencionado, a estrutura de Joel permite a hipótese de um

redator final utilizar escritos proféticos para transmitir uma mensagem apocalíptica,

com vistas encorajar e dar esperança a um povo que vive em momentos de

calamidades e crises, conforme características definidas por alguns autores já

citados (RUSSEL, 1964, p. 178; COLINS, 1984, p. 9-10; HARTIMANN, 1966, p. 108-

109).

Russel (1964, p. 184-187) afirma que tanto a interpretação da profecia como

dos escritos apocalípticos são resultado da reflexão literária, por meio da

pseudonímia para reinterpretar antigas promessas proféticas, utilizando mitos e

símbolos, inclusive das nações vizinhas, dando-lhes novos significados. No caso de

Joel, conforme descrito no capítulo três, se trata de reinterpretação de livros

proféticos, se apresentando como um profeta antigo e aproveitando o relato da

praga de gafanhotos e a promessa de restauração como renovação da esperança

dos ouvintes do redator final. Todavia, em um novo contexto, do tempo do fim, em

um ambiente universal com transformações radicais e cósmicas.

5.3.2 Joel, um apocalipse quanto ao conteúdo da revelação

Na sequência será verificada a aplicabilidade no livro de Joel das cinco

características quanto ao conteúdo da revelação apontadas por Villanueva (1992, p.

205-217): visão da história, caráter esotérico, as duas idades ou eras, clímax

escatológico e dimensão cósmica.

5.3.2.1 A visão da história no livro de Joel

O livro de Joel segue a mesma característica da literatura apocalíptica de

utilizar determinado contexto histórico para que redator apocalíptico apresente sua

visão da história, com base na situação em que vivia. O redator final de Joel não

questiona o presente por meio do passado e futuro, mas se localiza no contexto

histórico de um profeta do passado (Jl 1 e 2). A partir daí, apresenta novas

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revelações de Deus com relação a universalidade da manifestação do Espírito de

Deus e de seu reino, a ser estabelecido em Sião, para julgamento dos praticantes da

injustiça e proteção dos justos. Ele direciona para uma solução em um futuro

imediato com duração perene. A periodização da história foi apontada no início

deste capítulo, como uma possível simbologia presente nas fases de ação dos

gafanhotos de Jl 1,4.

Joel apresenta um contexto presente de calamidade e sofrimento, todavia

apresenta uma revelação de intervenção divina e de mudança do rumo histórico.

Yahweh como o Deus soberano e controlador determinista da história, um Deus que

tem a história do passado, presente e futuro como um único momento sob seu

controle. Uma mensagem de esperança para reanimar as forças das pessoas que

estão à beira do desânimo e desistência devido aos sofrimentos e crises.

5.3.2.2 O caráter esotérico no livro de Joel

Os relatos históricos como as visões para serem codificadas,

preferencialmente com exclusividade para os destinatários específicos não é uma

característica forte no livro de Joel. Não há a radicalidade na interpretação dos

“mistérios” revelados como solução para a humanidade. Todavia, a linguagem

simbólica na forma de manifestação divina e estabelecimento de um reino

escatológico e apocalíptico deixa certo mistério no ar, uma vez que foge do

pensamento linear da história e foco no ambiente terreno, que era comum ao judeu

antes da apocalíptica. Essa linguagem não pode ser interpretada com facilidade pela

grande maioria, mas possui certa característica de mistério. Prova disso, que até os

dias atuais continua a incógnita para certos textos do livro de Joel que favorecem a

dupla interpretação como a praga de gafanhotos, o exército divino, a descida do

Espirito de Deus sobre toda carne, a linguagem figurada dos astros (sol e lua) e

estrelas, entre outros.

Dessa forma, o povo pós-exílico já influenciado pelo pensamento

apocalíptico tinha mais facilidade para interpretar a nova visão de mundo

apresentada no livro de Joel. Por outro lado, uma pessoa de fora do ambiente

judaico, por não entender a linguagem utilizada, poderia não ver como uma ameaça

concreta o vaticínio do redator do livro, mas como uma crença “fanática” na ação de

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um Deus sobre a humanidade. O caráter esotérico não é uma característica

marcante no livro de Joel, portanto de difícil caracterização.

5.3.2.3 As duas idades ou eras no livro de Joel

No livro de Joel é possível perceber a ação sendo desenvolvida nos dois

mundos: o mundo terrestre (de baixo) e o mundo do alto (celeste). O tempo presente

não está na mesma linha e de forma contínua com a era que está por vir. O fim da

linha da era presente finaliza no transcendente, na eternidade. O tempo presente de

Joel é de injustiça comandada por um reinado estrangeiro e os oprimidos que

sofrem, aguardando uma nova era definitiva que seja estabelecida por uma

intervenção divina.

O dualismo pragmático está presente no livro de Joel, onde a era presente é

vista com pessimismo devido às crises e sofrimentos, simbolizados nas

consequências da praga dos gafanhotos e seca (Jl 1-2,17). Entretanto, o redator

apresenta uma esperança apocalíptica em uma nova era, um mundo novo que

envolve céus e terra, um novo Éden restaurado (Jl 2,18-4,21). Na praga de

gafanhotos (Jl 1.1-19) que representa a invasão de nação inimiga (Jl 2,1-11), como

ocorreram várias vezes ao longo da história do povo de Israel, fica exposta a

situação de calamidade: falta do vinho que trazia alegria (Jl 1.5) e escassez de

alimentos para o povo e ingredientes utilizados na liturgia do culto como trigo, azeite,

cevada e frutas (J 1.10-12), além da perda animais e recursos naturais (Jl 1,10-12;

16-19). Por outro lado, o livro de Joel apresenta promessas de salvação em uma era

futura, em que ocorrerá o juízo de Deus sobre as nações inimigas que oprimiram o

seu povo (Jl 4,1-17; 4,19) e a restauração de Judá, com fartura de alimentos (Jl 4.8)

e sob o reinado de um Deus presente que reina (4.17; 4,21).

No livro de Joel é possível identificar a mensagem de esperança em um

reino divino estabelecido por meio de uma destruição catastrófica do mundo

presente e o surgimento de um novo. Uma nova visão dualista da história e do

mundo (tensão entre a visão cósmica e a realidade), a doutrina dos dois eóns: eón

presente que se contrapõe ao eón futuro.

Uma mudança que não depende da ação humana, mas direta, catastrófica e

radical de Deus. A intervenção divina passa a ser a única solução para um povo que

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198

estava sob o domínio dos gregos, em uma situação de calamidade, indefesos, sem

nenhuma força ou instituição humana para socorrê-los. O reino a ser estabelecido

deverá ser instaurado pelo próprio Deus, que assume um trono universal que

domina os reinos humanos. Um reino com poder para dar fim às práticas opressoras

e desumanizadoras, estabelecer um reino de justiça que salva e protege o justo e

pune aqueles que praticam a injustiça. Um reino indestrutível e intransferível,

instaurado pelo próprio Yahweh, o Deus de Joel.

5.3.2.4 O clímax escatológico no livro de Joel

Como visto no segundo capítulo, o termo escatologia apocalíptica se refere à

perspectiva religiosa específica do plano final de Deus com relação à história da

humanidade, que resulta na intervenção divina no processo de opressão e injustiças.

O pessimismo pela situação de calamidade é transformado em um otimismo radical

em que a passividade dos menos favorecidos é compensada pela ação ativa de

Deus, estabelecendo o seu reino divino. Uma transformação radical e transcendente

da realidade. Em Joel ocorre uma transformação na visão escatológica, diferente

dos profetas anteriores, como afirmam Sellin e Fohrer (2012, p. 606):

O nexo entre a profecia cultual e a escatologia é que caracteriza a pregação de Joel e a distingue dos grandes profetas individuais anteriores ao exílio. Joel parte das situações de calamidade econômicas da vida ordinária, provocadas pelas catástrofes naturais, ao mesmo tempo em que anuncia o dia de transformação escatológica. Consoante o caráter de sua missão, ele se empenha por afastar os prejuízos econômicos e conclama ao povo a voltar-se para Deus em meio ao infortúnio. Incita-o a convocar uma assembleia cultual de penitência, com jejuns e lamentações, mas ao mesmo tempo acentua a necessidade de conversão para Deus, sem, contudo, pressupor uma culpa. Fala a respeito do alcance universal do dia de Javé, mas isto só no julgamento contra as nações. A este alcance universal se contrapõe, no entanto, a limitação particularista da salvação apenas do próprio povo.

Joel para apresentar os sinais do fim apresenta a situação de crise para

preparar os ouvintes para uma nova era de salvação. Esses sinais são

representados por fenômenos naturais e transformações cósmicas, semelhantes ao

que eram relatados nas teofanias do AT como forma de julgamento sobre Israel. No

entanto, em Joel a abordagem é mais abrangente, não é exclusiva para Israel, mas

inclusiva a todas as pessoas e nações. Anderson e Gorgulho (1987, p. 10)

comentam sobre a importância da formação histórica do povo na releitura que

produz esperança de uma sociedade fraterna e universal:

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A formação histórica do povo torna-se o eixo da interpretação da história e de sua vida cultural e religiosa, dentro dos conflitos e dos desafios da sociedade. Assim, a memoria e a defesa do direito dos pobres mostra a originalidade da vida do Povo dentro do mundo antigo: ele se forma a partir dos oprimidos e dos pobres, e critica os limites do Estado, da Nação e propõe o projeto da igualdade e da fraternidade universais.

Joel não tem o propósito de vaticinar ou anunciar como e quando acontecerá

esse fim anunciado, mas tranquilizar os fiéis dentre todas as nações, em especial

Judá e Jerusalém. Esperança aos oprimidos pelos gregos e demais beneficiados

pelo sistema dominante, de que eles iriam triunfar sobre as forças do mal, que

seriam destruídas pelo poder de Yahweh em seu reino universal. A implantação de

justiça perene é assegurada por meio da entronização do Justo Juiz que executará

judicialmente os opressores e de forma definitiva, sem possibilidade de restauração

de outros impérios opressores. Os justos não precisavam temer o julgamento, pois a

condenação é destinada somente os praticantes da injustiça entre todas as nações

do mundo. Além do mais, o próprio Yahweh julgará e fará justiça com as próprias

mãos e regerá desde Sião:

Tudo o que vai acontecer no futuro deve ser ação direta de Deus. A mesma coisa é verdade a respeito do livro de Joel. Em resposta à penitência dos sacerdotes e do povo, Deus voltará a morar em Sião como rei universal e subjugará seus inimigos. Não há indicação de nenhum agente intermediário humano. Pelo contrário, é possível ver em 3,1-2 – com sua promessa de que o espírito de Deus será derramado sobre todos, de modo que até os escravos serão dotados e qualificados para realizar as tarefas que até então eram prerrogativa dos ‘profissionais’ – um anticlericalismo e uma oposição aos poderes constituídos [...] (MANSON, 2005, p. 363-364).

O fim anunciado é iminente. O redator de Joel dá a impressão para os seus

ouvintes de estarem vivendo os “últimos dias”.

No segundo capítulo foi comentado sobre a origem da literatura apocalíptica,

sendo que as principais defesas são da origem da profecia, da influência

estrangeira, bem como da sabedoria. Esta pesquisa defende a presença de todas

essas influências, sendo que a literatura em análise é que definirá qual seria a maior

influência. No caso do livro de Joel, principalmente o clímax escatológico de Jl 4.18-

21, conforme evidenciado no quadro 9: “Relação intertextual entre 4,18-21 e outros

profetas”, corrobora para a presença de características apocalípticas como uma

continuidade da linguagem profética.

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5.3.2.5 A dimensão cósmica no livro de Joel

No livro de Joel não tem como negar a presença do elemento nacionalista,

pois os principais destinatários são os moradores de Judá e Jerusalém. Todavia, o

livro também é direcionado para todos os habitantes da terra. Considera os judeus,

mas não exclui os demais componentes da criação, inclusive todo o cosmo (Jl

1,2.14; 2,15.23.27; 3,1-5; 4,1.6.21).

A perícope de Jl 3,1-5 que aborda a efusão do Espírito é importante para

este tópico. Ela demonstra “que a manifestação do Espírito do Senhor é sinal de

manifestações sociais, cósmicas e epifânicas” (GODOY, 2003, p. 147). Em Jl 3.3-4,

transparece um bom exemplo da dimensão cósmica do livro. O poder e a grandeza

de Deus se manifestam nos céus e na terra, um ambiente cósmico como campo

comum e interligado: “Farei prodígios no céu e na terra: sangue, fogo e colunas de

fumaça. O sol vai se mudar em trevas, e a lua em sangue, diante da chegada do Dia

de Javé, grandioso e terrível!” (Jl 3,3-4). Nestes versos vemos alguns fenômenos

cósmicos (sol se convertendo em trevas e lua em sangue) que estão relacionados

com o Dia de Yahweh.

O sol, a lua e as estrelas eram comumente interpretados como exércitos de

Deus. Em Joel, sujeitos passivos, mas que participam como protagonistas dos sinais

do dia de Yahweh. O dia em que o próprio soberano universal se faz responsável

pelas mudanças históricas e cósmicas em resposta ao clamor de angústia de seu

povo, oprimidos pelos imperialismos.

Este relato do sol em trevas e lua em sangue também pode estar

relacionado com a praga dos gafanhotos (passado) e também o anúncio do fim dos

tempos (futuro). Anúncio da manifestação teofânica de Deus, que fará sinais e

prodígios nos céus e na terra que têm a função de enaltecer a grandeza do Dia de

Yahweh, nos atos divinos em favor dos mais fracos, desprotegidos e desumanizados

pelo poder dominante.

Os verbos desta perícope estão no futuro, demonstrando que o redator tinha

a intenção de encorajar seus ouvintes, os fracos e desprotegidos, mesmo diante das

adversidades e sofrimentos, a esperar e confiar na ação libertadora do Deus criador

de todo o cosmo.

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201

5.3.3 Indicações textuais do gênero apocalipse histórico no livro de Joel

Um dos objetivos específicos desta pesquisa é caracterizar Joel como

pertencente ao gênero apocalipse histórico por meio de indicações textuais do livro.

Nesta etapa da pesquisa é possível identificar as recorrências de expressões

apocalípticas que aparecem em Joel e que são significativas para a caracterização

do livro como uma literatura apocalíptica, do gênero apocalipse histórico.

Expressões que estavam presentes antes da última redação, por meio das releituras

e inserções de temas como o “dia do Senhor”, e que foram reforçadas por esta, com

a inclusão da insatisfação com o modo de produção escravista, conforme modelo de

estruturação do livro proposta nesta pesquisa.

Para facilitar a identificações destas expressões foi criado o quadro abaixo,

com as principais características do livro de Joel que o autor desta pesquisa

considera importantes para identificação de um apocalipse histórico:

Quadro 9 – Recorrência de expressões apocalípticas em Joel

EXPRESSÕES APOCALÍPTICAS OCORRÊNCIAS NO LIVRO DE JOEL

Pseudonímia 1,1

Periodização da história 1,4.6-7; 2,2.7-9;

Profecia ex-eventu 1-2,17 (fatos já ocorridos)

Crise iminente de perseguição e cataclismos 1,5-2,11;

Dia do Senhor (contexto apocalíptico) Citações diretas: 1,15; 2,1; 2,11; 3,4 e 4,14;

Citações indiretas: 1,15; 2,2; 3,2; 4,1; 4,18.

Promessas escatológicas e apocalípticas 2,18-3,5

Julgamento Universal (condenação dos ímpios) 4,1-17; 4,19

Restauração em um futuro apocalíptico (Intervenção de Deus como senhor da história universal e estabelecimento de um reino universal)

4,18-21

Início da era messiânica e imagens da história do paraíso (a glória da era futura).

4,17-18

Símbolos Sinais cósmicos: Jl 2,10-11; 3,3; 4,15-16;

Simbolismo do mundo animal: gafanhotos (Jl 1,4), cavalo (Jl 2,4), leão e leoa (1,6).

Fonte: o autor, 2016.

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Foi demonstrado no segundo capítulo que os apocalipses históricos são

caracterizados por visões com interesse no desdobramento da história em várias

épocas. O livro de Joel apresenta revelações sobre o futuro por meio da epifania

(narrativas de visões; diálogo/narrativa de revelações). A ênfase do conteúdo da

revelação tem como base a profecia ex-eventu e predições escatológicas. Uma

escrita por volta do século III a. C., quando os relatos descritos no livro já haviam

acontecido e o redator utiliza para inserir as predições sobre a libertação direta de

Yahweh, uma vez que a situação dos judeus no período não lhes dava alternativa

dentro do âmbito natural e humano. A única alternativa que restava era a

intervenção divina e a instauração de um reino divino, centralizado em “Sião”. Isso,

porque os impérios anteriores que haviam sido destruídos (Assírio, Babilônico e

Persa) foram substituídos por outro ainda mais opressor, semelhante a ação dos

gafanhotos que destruíam suas plantações. Dentro deste contexto e influenciado

pelo pensamento apocalíptico, a única esperança viável seria a de um reino

definitivo conduzido centralizado em Sião e conduzido por um Deus universal e

soberano, o Deus do povo judeu, Yahweh.

Portanto, é possível perceber no livro de Joel o desvelamento de um

segredo dos planos divinos, como uma resposta do próprio Deus a uma crise

iminente de perseguição e cataclismos. Ele se compromete a conduzir a história

para um final da ordem do mundo atual favorável aos justos e fiéis, não com uma

visão exclusivista para Judá e Jerusalém, mas para todas as pessoas, independente

de nacionalidade como vemos direcionado logo no início do livro de Joel. A

intervenção divina para libertação dos justos e fiéis se dá por meio do julgamento

dos injustos, representados pelo imperialismo opressor que tira a liberdade de vida

das pessoas, transformando-as em simples objeto para atendimento aos desejos

dos poderosos e manutenção da ideologia e status quo que os beneficiava. Para o

redator apocalíptico de Joel, os últimos representantes desses “gafanhotos

destruidores da vida”, era os gregos: reinado dos Ptolomeus e dos Selêucidas. Estes

já estavam sendo ameaçado pelo romanos que estavam em ascensão.

Dessa forma, o livro de Joel possui características que se adequam à

descrição de uma literatura apocalíptica, que arma um palco do tempo do fim, que

tem como ápice da revelação (desvelamento) o grande julgamento universal dos

injustos e opressores que se mantinham no poder por meio de um processo de

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desumanização dos pequenos e indefesos. Isso, a partir de uma história passada

relatada pelos antigos profetas (profecia ex-eventu) dos efeitos catastróficos e

naturais de uma praga de gafanhotos que fora relida pelo redator apocalíptico como

os subsequentes ataques imperialistas e destruidores.

A mensagem do livro traz uma esperança na mudança de perspectiva.

Anderson e Gorgulho afirmam que:

A ideologia é um espírito que sustenta ou a reprodução ou a mudança da vida social; ela afeta e determina a prática social que leva ou para a integração ou para a desintegração do todo social. A ideologia é um espírito que escraviza e mata, ou é um espírito de verdade que liberta e que dá vida (ANDERSON; GORGULHO, 1987, p. 7).

A expectativa do redator final é a extinção das práticas opressoras e injustas

dos impérios mundiais e a inauguração de uma nova ideologia com base na justiça e

integração social, tendo com centro o reino de Iahweh em Sião. Semelhante à

ideologia presente na época de Cristo, conforme afirmam Anderson e Gorgulho

(1987, p.9): “a ideologia apocalíptica de esperança na libertação dos pobres e do

advento do Reino de Deus”, como forma de resistência ao poder que era “mantido

pelo Império Romano e pelos sacerdotes e escribas que formavam os partidos e as

tendências dentro o judaísmo”.

Assim, o quadro apresentado, didaticamente demonstra que os indicativos

textuais do livro de Joel possibilitam a classificação do livro de Joel como um

apocalipse histórico.

Diante do que foi visto até o momento é possível, de forma simplificada,

identificar os 04 lados do método sociológico:

1. Lado da base econômica: o povo vive debaixo de um controle

imperialista (reinado dos Ptolomeus e/ou dos Selêucidas), cuja economia

gira em torno do modo de produção escravista, onde o excedente de

produção não é compartilhado com o povo, que é escravizado, mas com os

detentores do poder.

2. Lado político: o poder é exercido pelos líderes helenistas e pela elite de

Judá e Jerusalém, cuja opressão é legitimada pela educação religiosa. O

exercício opressor estrangeiro e interno demonstra a dupla opressão,

especialmente sobre o campesinato.

3. Lado social: o relacionamento entre as pessoas é de separação de

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grupos sociais (prosperidade para uma minoria e opressão de uma maioria

escravizada). A maioria vive em estado de calamidade, pois o

relacionamento dos familiares é seriamente prejudicado com o tráfico de

pessoas, obrigando as mães judias servirem como “fábrica de escravos”. Por

outro lado, a minoria que se beneficia do excedente de produção.

4. Lado ideológico: o pensamento sobre a vida, religião e sociedade é

influenciado pela ideologia helenista, muito forte que leva as pessoas a

visualizar somente uma esperança além do mundo natural (pensamento

apocalíptico).

Essa leitura simplificada auxilia na visão panorâmica do livro de Joel e na

utilização da chave de leitura apocalíptica do livro de Joel.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, apresentam-se as considerações finais sobre o trabalho,

apontam-se respostas à pergunta de pesquisa e são apresentados os resultados

obtidos, atendendo ao objetivo geral e aos objetivos específicos. Apresentam-se,

também, contribuições para trabalhos futuros por meio de sugestões de temas que

podem ser desenvolvidos a partir do resultado alcançado.

Esta pesquisa teve como foco principal responder ao questionamento que

originou esta pesquisa: considerando que a chave de leitura para se entender Joel é

eminentemente apocalíptica, será possível identificar o contexto e características do

livro que justifiquem a utilização desta chave de leitura para Joel?

Para responder a essa pergunta de pesquisa foi buscado atingir o objetivo

geral desta pesquisa de “apresentar uma proposta de estrutura para o livro de Joel,

demonstrando que os resíduos e fragmentos epistemológicos, culturais,

socioeconômicos (escravismo) e políticos da sociedade helênica, bem como os

últimos acréscimos redacionais ajudam a reler o livro de Joel a partir do gênero

literário apocalíptico”. Para isso, com base nas pesquisas acadêmicas mais

recentes que tem abandonado o termo “apocalíptica” como um substantivo e fazem

distinção entre “apocalipse como um gênero literário, apocalipticismo como uma

ideologia social e escatologia apocalíptica como um conjunto de ideias e motivos

literários que também podem ser encontrados em outros gêneros literários e

contextos sociais” (COLLINS, 2010, p. 18). No capítulo cinco foram desenvolvidas

argumentações orientadas por essa distinção.

Considerando que o contexto social, político, econômico, ideológico e

religioso do apocalipcismo é sempre a experiência de um grupo frente às estruturas

dominantes que ameaçam seus princípios e valores foi buscado identificar quais os

grupos sociais e contextos que estariam por de trás dos escritos apocalípticos e por

fim na redação final de Joel. Partindo do pressuposto que a redação final de Joel foi

concluída no período das primeiras literatura apocalípticas foi necessário

identificado a datação dos primeiros escritos apocalípticos para identificar o contexto

do período e fazer as correlações com Joel. Um resultado importante e favorável foi

a datação dos originais de 1 Enoque para o final do século IV a. C. e início do século

III a. C. A datação de 1 Enoque foi utilizada somente como referencial para

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demonstrar que a literatura apocalíptica já estava presente no terceiro século a. C.,

sendo favorável à hipótese da datação de Joel no período dos Ptolomeus. A

definição de uma provável datação da redação final do livro de Joel permitiu uma

aproximação dos possíveis grupos sociais por trás da redação do livro, bem como o

seu contexto histórico, cultural, socioeconômico e político.

A proposta de estruturação do livro de Joel apresentada na figura 12 auxiliou

a aproximação do período da redação final do livro. A proposta de estruturação teve

como uma de suas primícias a consideração de alguns acréscimos redacionais

(2,26a-27; 4,4-8 e; 4,18-21). Nos textos acrescidos posteriormente fica evidente o

descontentamento do redator com as práticas desumanizadoras do tráfico de

pessoas, que alimentavam o modo de produção escravista grego, o modelo

econômico que sustentava o sistema hegemônico helênico. Esse modo de produção

não é um pressuposto da literatura apocalíptica. No entanto, considerando os

acréscimos redacionais, ficou evidenciado que seu impacto opressor e

desumanizador foi um dos principais motivos da inclusão dos textos citados. Os

acréscimos demonstram a insatisfação de Yahweh com essa prática, a ponto de

tomar para si a vingança, em defesa dos oprimidos e na reversão em juízo sobre os

opressores gregos e seus aliados.

Passado mais de dois milênios, esta insatisfação deve continuar, pois a

escravidão continua ativa, mudaram apenas as práticas. O relatório atualizado

sobre o índice de escravidão global: “The Global Slavery Index 2016”, da Walk Free

Foundation, demonstra essa realidade. A Walk Free Foundation estima que 45,8

milhões de pessoas vivem sob a escravidão moderna, das quais 58% se concentram

em cinco países: Índia, China, Paquistão, Bangladesh e Uzbequistão. Se for

considerado por proporcionalidade de população dos países, a Coreia do Norte, o

Uzbequistão, o Camboja e a India se constituiem nos países com maior proporção,

respectivamente. Apesar de quase todos os países se comprometerem a erradicar a

escravidão moderna por meio de legislações e políticas públicas, o número estimado

de pessoas que vivem nesta situação saltou de 35,8 milhões em 2014 para 45,8

milhões em 2016 (WALK FREE FOUNDATION, 2016, p. 8-12)

A Walk Free Foundation (2016, p. 12) considera a escravidão moderna como

um crime oculto que abrange todas as pessoas que consomem produtos feitos a

partir do trabalho escravo. Para ela, a escravidão moderna ocorre quando uma

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pessoa exerce sobre a outra o controle com intenção de explorá-la de tal forma que

lhe é tirada a liberdade individual. Entre as formas de escravidão estão o tráfico de

pessoas, o trabalho infantil, a exploração sexual, o recrutamento de pessoas para

conflitos armados e o trabalho forçado em condições degradantes (extensas

jornadas, trabalho sob coerção, violência, ameaça ou dívida fraudulenta).

A escravidão moderna nas Américas afeta sobretudo os homens e mulheres

nos setores agrícola, mineração, construção e indústrias domésticas (WALK FREE

FOUNDATION, 2016, p. 89). No Brasil a escravidão moderna saltou de 155.600

pessoas nessa condição em 2014 para 161.100 pessoas em 2016. Todavia, apesar

do aumento, a fundação Walk Free consisera uma prevalência baixa, considerando

a incidência proporcional na população, que é de 0,078%. O país tem a exploração

concentrada nas áreas rurais, em especial, em regiões do cerrado e na Amazônia

(WALK FREE FOUNDATION, 2016, p. 89). Um ponto positivo em relação ao Brasil é

apontado no prefácio do relatório assinado pelo presidente da fundação Walk Free,

que afirma ser o Brasil um dos países pioneiros na divulgação de lista de empresas

nacionais multadas na Justiça pela utilização do trabalho forçado. O relatório aponta

a pobreza e falta de oportunidades como os principais fatores, mas também destaca

as desigualdades sociais e estruturais como: a xonofobia, o patriarcado, distância

das classes sociais e normas de gênero discriminatórias.

Portanto, a escravidão, ainda que de forma mais velada do que na época

dos gregos, deve ser uma preocupação de todo teólogo que preza pela vida e

humanização.

A busca por um contexto dentro do período de dominação grega que

possuísse características similares aos temas abordados conduziu ao período de

conflitos entre os impérios dos Ptolomeus e dos Selêucidas, mais precisamente

entre o período em que a Palestina estava sob o domínio do reinado de Ptolomeu III

(246-221) e a publicação do decreto de Antíoco III em 197 a. C., após a conquista da

região da Palestina, depois de aproximadamente um século de guerras entre os dois

impérios (Cinco Guerras Sírias).

A denúncia da prática desumanizadora dos gregos em relação aos judeus,

principalmente com a prática do modo de produção escravista, fica bem evidente

desde o início do período do reinado dos ptolomeus com a grande diáspora egípcia,

mas que deu continuidade durante os seus sucessores. Prática comum e facilitada

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pela opressão dos camponeses, que tiveram suas terras tomadas e passaram a

servir como diaristas ou como escravos, por não terem condições de saldarem suas

dívidas, geradas pelo próprio sistema dominador e opressor. Por isso, a indignação

do redator final do livro de Joel com tal prática, anunciando uma promessa dada pelo

próprio Deus de restauração do reino de Judá e Jerusalém e da condenação dos

povos que os haviam oprimido. Uma promessa não mais como as dos antigos

profetas, mas com uma nova roupagem, um reino universal e inclusivista, que

permite até mesmo a participação dos povos estrangeiros, mas sob o trono de

Yahweh, com sede em Sião. Esta parte final, que demonstra a transformação da

forma de ver o mundo e o estabelecimento de um reino universal e inclusivista, já

começa a demonstrar o outro aspecto do apocalipse, que é a escatologia

apocalíptica.

A atuação covarde do sumo sacerdote ao explorar os menos favorecidos em

troca de benefícios do sistema dominante opressor, pode ser uma justificativa pela

não menção deste líder no livro. Joel cita somente a figura do sacerdote ligado ao

grupo de anciões, líderes mais próximos dos camponeses e pobres dentro da

estrutura de Judá na época helênica. Os pobres certamente não procurariam auxílio

de quem deveria ser um representante de Deus em favor dos desprotegidos, mas

que ao contrário oprimia ainda mais em troca de “presentes”. O que poderia

acontecer se procurassem o auxílio de famílias da velha aristocracia que estavam

sendo descartadas e até massacradas pela família dos Tobíadas no período do

governo de Ptolomeu III (246-221). Surgem, também, potenciais escritores, além do

grupo de assideus, para o livro de Joel, os membros destas famílias que estavam

sendo subjugadas. Assim, como potenciais escritores podem ser um dos membros

do senado, do sacerdócio, dos escribas do templo ou dos cantores do templo, que

seriam beneficiados com o decreto de Antíoco III, de 197 a.C. Isso, se tivessem

acesso antecipado a essa informação.

Portanto, não foi possível definir os grupos ou pessoas que estão por trás da

redação do livro de Joel, todavia são dadas algumas pistas que podem servir como

fonte para pesquisas futuras.

O conteúdo do livro dá esperança ao povo em situação de crise e sofrimento

crônico por meio do desenvolvimento do movimento apocalíptico e da geração de

expectativas escatológicas e apocalípticas. Fica evidenciado o apocalipticismo e a

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escatologia apocalíptica presente no livro de Joel.

Por fim, na pesquisa sobre a gênese e as características da literatura

apocalíptica e sua influência na formação da literatura judaica, um ponto

considerado importante foi a classificação do gênero apocalipse em dois tipos:

apocalipses históricos e apocalipses de jornadas sobrenaturais ou de viagens a

outro mundo. A informação sobre os dois tipos de apocalipses, complementada com

as aproximações ao livro de Joel foi fundamental para caracterizar o livro de Joel

como pertencente ao gênero apocalipse histórico. As indicações textuais do livro

apresentadas no Quadro 10: Recorrência de expressões apocalípticas em Joel,

correlacionadas com os principais temas apocalípticos, evidenciaram revelações de

resposta divina a uma crise nacional iminente de perseguição e cataclismos. Crise

simbolizada na praga de gafanhotos e invasões inimigas (que correspondem aos

consecutivos domínios opressores que sofreram o povo judaico até o período

grego), conduzindo ao final da ordem do mundo atual por meio do julgamento dos

injustos e salvação dos justos.

Dessa forma, diante do resultado desta pesquisa, a proposta é que

doravante as características apocalípticas do livro de Joel sejam mais evidenciadas

nas pesquisas acadêmicas. O livro de Joel, diferente do que geralmente se afirma,

seja lido como mais apocalíptico do que profético. A recomendação se justifica, uma

vez que na proposta de estruturação do livro e no quadro de recorrência de

expressões apocalípticas em Joel foi evidenciada a motivação apocalíptica da

redação final e a caracterização do livro de Joel como um apocalipse histórico. Além

de uma indicação de datação inédita do período de florescimento da literatura

apocalíptica, delimitada entre o governo de Ptolomeu III (246-221) e o edito de

Antíoco III (197 a. C.).

Dos resultados desta pesquisa emergem temas para trabalhos futuros como

continuidade do presente estudo, como exemplo podem ser destacados:

a) Aprofundamento na pesquisa sobre os possíveis grupos sociais por trás

da redação do livro de Joel, tendo como referência o período entre o governo

ptolomaico de Ptolomeu III (246-221) e o edito de Antíoco III (197 a. C.);

b) Aprofundamento na pesquisa sobre a possível datação do livro de Joel

para o período entre o governo ptolomaico de Ptolomeu III (246-221) e o edito de

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Antíoco III (197 a. C.);

c) Impacto da diáspora judaica motivada pelo modo de produção escravista

na manutenção da identidade do judaísmo no período do governo ptolomaico;

d) Aprofundamento na pesquisa sobre o impacto do edito de Antíoco III (197

a. C.) no estilo de vida dos judeus na Palestina;

e) Aprofundamento na pesquisa sobre a escravidão moderna e participação

da Igreja na luta pela sua erradicação;

f) Aprofundamento da pesquisa sobre relação entre o livro de Joel e outros

textos já classificados como apocalípticos ou literatura de transição entre profecia e

apocalipse, como, por exemplo: Isaias 24-27; 56-66; Ezequiel 38-39, Zacarias 1-8; 9-

14.

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