PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO · 2020. 2. 7. · Premio Vladimir Herzog de...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
ALDO PATRICIO FLORES QUIROGA
RODAS DE CONVERSA VLADIMIR HERZOG:
UM ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS PARA A COBERTURA
JORNALÍSTICA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
SÃO PAULO
2019
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ALDO PATRICIO FLORES QUIROGA
RODAS DE CONVERSA VLADIMIR HERZOG:
UM ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS PARA A COBERTURA
JORNALÍSTICA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como
requisito para obtenção do título de mestre. Área de
concentração: signo e significação nos processos
comunicacionais. Linha de pesquisa: Regimes de
sentido nos processos comunicacionais. Sob a
orientação da Prof. Dra. Ana Claudia Mei Alves de
Oliveira.
SÃO PAULO
2019
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ALDO PATRICIO FLORES QUIROGA
RODAS DE CONVERSA VLADIMIR HERZOG:
UM ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS PARA A COBERTURA
JORNALÍSTICA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Dissertação aprovada como requisito para
obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Semiótica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Aprovado em / / .
Banca Examinadora:
Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, PUC-SP
Dra. Ana Luiza Zaniboni Gomes, USP
Dr. Júlio Wainer, PUC-SP
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“Assim, a figuratividade não é uma simples ornamentação das coisas, ela é esta tela do
parecer cuja virtude consiste em entreabrir, em deixar entrever, graças ou por causa de sua
imperfeição, como que uma possibilidade de além (do) sentido. Os humores do sujeito
reencontram, então, a imanência do sensível.”
(A.J. Greimas, Da Imperfeição, p.82)
“’É na linguagem e pela linguagem, que o homem se constitui como sujeito, porque só
a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ego”.
(E. Benveniste, Da subjetividade na linguagem, p. 286)
“Quando perdemos a capacidade de nos indignar com as atrocidades praticadas contra
outros, perdemos também o direito de nos considerar seres humanos civilizados.”
(Vladimir Herzog)
“La historia es nuestra y la hacen los pueblos (...). Sigan ustedes sabiendo que mucho
más temprano que tarde, de nuevo, abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre
libre a construir una sociedad mejor.”
(Salvador Allende)
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RESUMO
A partir do corpus selecionado entre relatos feitos por jornalistas vencedores do
Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na Roda de Conversa
Vladimir Herzog e da análise de uma série de reportagens premiadas, e tendo
como base a teoria desenvolvida por A. J. Greimas para a Semiótica Discursiva,
o trabalho tem por objetivo entender os mecanismos de ajustamento entre
Destinadores complexos, empresa de notícias e jornalista, para a realização de
reportagens sobre Direitos Humanos no Brasil e as estratégias adotadas pelos
jornalistas para provocar esse ajustamento e, assim, garantir a publicação da
cobertura qualificada e equilibrada dessa temática fundamental para o
aprimoramento do Estado Democrático de Direito. Para entender como esses
valores se enfrentam numa redação e como eles influenciam a geração de
efeitos de sentido na publicação de reportagens aparentemente polêmicas é que
se dá esta pesquisa, que também quer contribuir com o ensino de práticas e
técnicas de jornalismo aplicadas à cobertura de direitos humanos.
Palavras-chave
Comunicação e Semiótica 1., Jornalismo (Reportagem) 2., Direitos Humanos 3.,
Prêmio Vladimir Herzog 4., Rodas de Conversa Vladimir Herzog 5., Práticas e
Ensino de Jornalismo 6.
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ABSTRACT From the corpus selected in reports by journalists winning the Vladimir Herzog
Award for Amnesty and Human Rights at the Vladimir Herzog Conversation
Wheel and from the analysis of a series of award-winning reports, and based on
the theory developed by A.J. Greimas for Discursive Semiotics , the paper aims
to understand the adjustment mechanisms between complex senders, news
company and journalist, for reporting on Human Rights in Brazil and the
strategies adopted by journalists to bring about this adjustment and thus ensure
the publication of coverage. of this fundamental theme for the improvement of the
Democratic Rule of Law. To understand how these values confront each other in
a newsroom and how they influence the generation of meaning effects in the
publication of apparently controversial reports, this research takes place, which
also wants to contribute to the teaching of journalism practices and techniques
applied to the coverage of rights. humans.
Key words
Communication and Semiotics 1., Journalism (Reporting) 2., Human Rights 3.,
Vladimir Herzog Award 4., Conversation Wheels Vladimir Herzog 5., Journalism
Practice and Teaching 6.
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RESUMEN A partir del corpus seleccionado en los informes de los periodistas ganadores del
Premio Vladimir Herzog de Amnistía y Derechos Humanos en la Rueda de
Conversación Vladimir Herzog y del análisis de una serie de informes
galardonados, y teniendo como base la teoría desarrollada por A.J. Greimas para
la Semiótica Discursiva, esta investigación tiene como objetivo comprender los
mecanismos de ajuste entre Remitentes complejos, empresa de noticias y
periodista, para publicar reportajes sobre los derechos humanos en Brasil y las
estrategias adoptadas por los periodistas para lograr este ajuste y así garantizar
la publicación de temas fundamentales para la mejora del Estado democrático
de derecho. Para comprender cómo se enfrentan estos valores en una sala de
redacción y cómo influyen en la generación de efectos de significado en la
publicación de informes aparentemente controvertidos, se lleva a cabo esta
investigación, que también quiere contribuir a la enseñanza de las prácticas y
técnicas de periodismo aplicadas a la cobertura. de derechos. humanos
Palabras clave Comunicación y semiótica 1., Periodismo (Reportaje) 2., Derechos humanos 3., Premio Vladimir Herzog 4., Ruedas de conversación Vladimir Herzog 5., Práctica y enseñanza del periodismo 6.
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DEDICATÓRIA Aos repórteres do futuro, que ajudarão a abrir as grandes alamedas...
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O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fundação São Paulo.
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AGRADECIMENTOS
Insisto sempre com meus alunos que o jornalista tem apenas duas coisas
na vida: o nome que carrega e as palavras que escolhe. Uso estes determinantes
para agradecer aqui aos que me deram um nome no cartório e no ofício, uma
identidade pessoal e profissional, um querer ser alguém na vida e depois dela.
E aos que me deram as palavras, das balbuciadas às almejadas, das
sussurradas às gritadas, das perenes às etéreas. Não apenas pela contribuição
para este singelo trabalho, mas fundamentalmente pelo que transcende o papel.
Agradeço a meus pais e à família distante, pelo chamado à existência
nunca contente com a mera sobrevivência. E, sempre, resistência.
Agradeço a minha esposa por ser meu encanto, o sul da minha bússola,
a mãe dos meus filhos, a companheira mais-que-sonhada, meu refúgio e
suporte, o vento que leva minhas velas para outros mares, por ser comigo contra
o mundo.
Agradeço a meus filhos, pela paciência, pelos olhos brilhantes, pelas
perguntas desconcertantes, pelos abraços-combustível, pelos passos miúdos e
firmes em direção a uma sociedade melhor.
Agradeço a meus professores, que dividiram seu querer-conhecimento,
seu olhar-de-mundo ao longo dos anos e semearam a inquietação e a
esperança.
Agradeço à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, este lugar de
contradições e afirmações, de princípios e finais, de história e de memória, onde
aprendi e aprendo a enxergar o mundo. Ser professor aqui é tentar devolver o
que recebi. Este trabalho é mais uma tentativa de devolução.
Agradeço profundamente à Professora Ana Claudia Mei Alves de Oliveira,
por não desistir deste trabalho, com abnegação docente inabalável. Nela,
agradeço aos demais professores, professoras, funcionários e funcionárias do
programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP.
Agradeço aos amigos da Obre Projetos Especiais, pelos sonhos vividos e
os futuros tramados em corações antigos.
E agradeço Àquele que é Mistério, de onde vem a Solidariedade e a
Esperança.
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SUMÁRIO
Introdução 13
1. Imprensa e Direitos Humanos 17
1.1. A Importância Dos Direitos Humanos Para A Democracia 17
1.2. Direitos Humanos na Imprensa 18
1.3. Vladimir Herzog: o Jornalista e a Ditadura 21
2. O Prêmio Vladimir Herzog De Anistia E Direitos Humanos
(PVHADH)
28
2.1. Objetivos Do Prêmio 28
2.2. As Conquistas 29
3. Série “Terra Bruta” 33
3.1. As Reportagens 33
3.2. A Visualidade em Terra Bruta 39
3.3. O Percurso Gerativo De Sentido Em “Terra Bruta” 44
3.3.1. Plano Da Expressão 45
3.3.2. Plano Do Conteúdo 47
3.3.3. As Outras Reportagens 52
3.3.3.1. Domingo 54
3.3.3.2. Segunda-Feira 57
3.3.3.3. Terça-Feira 58
3.3.3.4. Quarta-Feira 59
3.3.3.5. Quinta-Feira 60
3.3.3.6. Sexta-Feira 61
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3.3.3.7. Sábado 61
3.3.3.8. Outro Domingo 62
4. As Rodas De Conversa Vladimir Herzog (RCVH) 64
4.1. Criação 64
4.2. Objetivos 65
4.3. Revelações 67
4.4. Depoimentos 73
4.5. O Relato Bruto 79
4.5.1. A Peça Audiovisual 79
4.5.2. A Oralidade Do Relato 82
5. Destinador polêmico? Quem são os maiores ganhadores do
PVADH ao longo de sua história.
89
6. OESP: Um Destinador Cambiante? 93
7. Como As Empresas De Comunicação Usufruem Do
Reconhecimento No PVHADH
96
8. Algumas contribuições da Roda de Conversa Vladimir
Herzog para o ensino de jornalismo e para a produção de
reportagens sobre direitos humanos
98
Conclusão 102
Referências 109
Anexos 115
A. Série de reportagens “Terra Bruta” 115
B. O relato do repórter André Borges 126
C. Cobertura do PVHADH 132
D. Casaldáliga no tempo de OESP 134
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13
INTRODUÇÃO
As Rodas de Conversa Vladimir Herzog (RCVH) fazem parte do Prêmio
Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (PVHADH), criado
em outubro de 1979. Desde 2012, os jornalistas vencedores do prêmio
participam de uma roda de conversa sobre os bastidores das reportagens e
contam como foi elaborar a pauta, dificuldades enfrentadas, particularidades
da produção e outros detalhes. Participo desde o início da atividade como um
dos coordenadores dessa roda e pude constatar a riqueza dos relatos e a
importância das informações reveladas para a compreensão do que é produzir
reportagens sobre direitos humanos hoje no Brasil.
O PVHADH é o principal e mais antigo prêmio voltado para a temática
dos direitos humanos e o jornalismo no Brasil. Jornalistas de todo o país e de
todo tipo de publicação participam de seu processo de seleção, com a sessão
do júri transmitida pela internet ao vivo. O acervo de reportagens premiadas
ao longo de suas 38 edições é uma vitrina altamente qualificada do que o
jornalismo brasileiro produziu sobre a violação e a garantia dos direitos
humanos nas últimas quatro décadas.
Com sete edições e em preparação para a oitava, as RCVH,
transmitidas em vídeo ao vivo pela internet e depois, disponíveis no site do
prêmio, permitem conhecer o processo de elaboração das reportagens
premiadas.
O que chama a atenção nos relatos, e esse é o foco principal deste
trabalho repousa sobre as estratégias que os jornalistas precisam usar para
driblar as dificuldades impostas aos temas de direitos humanos que não
interessam aos grandes veículos ou que de alguma forma contrariam os
interesses dos grupos econômicos que os sustentam. Identificar e entender
esses mecanismos carrega o sentido de ampliar e diversificar a cobertura
desses temas e contribuir para o ensino das técnicas em cursos de jornalismo
no país.
O problema central a analisar nesta dissertação está relacionado à
possível polêmica entre Destinador-Empresa e Destinador-Repórter. Da
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análise dessa relação também sairão pistas sobre quais são e como funcionam
os mecanismos utilizados e revelados pelos jornalistas participantes das
Rodas de Conversa Vladimir Herzog para realizar as reportagens sobre
direitos humanos que nem sempre são prioritárias para a imprensa
hegemônica no Brasil. E, apesar de não priorizar essa cobertura, como essas
empresas de comunicação – o Destinador-Empresa – se beneficiam da vitória
conquistada no Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
A compreensão desses mecanismos pode contribuir para o ensino de
jornalismo e para a ampliação da cobertura de direitos humanos no país, um a
vez que os relatos da RCVH apresentam as estratégias que os jornalistas
utilizaram para realizar as reportagens premiadas no PVHADH, dando a
professores, estudantes e pesquisadores do tema, além dos próprios
profissionais, um panorama válido das práticas concretas que levam a um
resultado eficiente na produção jornalística em geral.
O recorte desse extenso corpus teve como critério a oposição entre a
temática da série de reportagens – assassinatos no campo contra pequenos
agricultores e lideranças de movimentos sociais – com os valores empresariais
– latifúndio e agronegócio – defendidos tradicionalmente pelo veículo de
comunicação, como será descrito e comprovado durante a dissertação. Esta
oposição, inclusive, é visibilizada no relato de um dos autores das reportagens,
como ser verá. Este relato dado pelo repórter André Borges, um dos quatro
profissionais que assinam a reportagem Terra Bruta, à RCVH, será estudado
a partir do registro em vídeo realizado pela TV PUC, com seus planos da
expressão e do conteúdo e os arranjos de seus formantes a fim de construir
os efeitos de sentido. Do depoimento também extraímos os mecanismos e
estratégias apontados pelo repórter e outros vencedores do PVHADH nas
RCVH analisadas, para realizar uma cobertura jornalística de primeira
qualidade sobre a temática dos direitos humanos. Estes serão elencados,
descritos e sistematizados para possível aplicação em outras situações
comuns na produção jornalística.
As 25 reportagens que compõem a série premiada Terra Bruta,
publicada no jornal O Estado de S. Paulo entre os dias 10 e 18 de julho de
2016, sobre mortes no campo pela disputa de terras. Além da relevância do
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trabalho apresentado ao júri do PVHADH e por ele chancelado como de
excelência na produção jornalística daquele ano (2016), a escolha do corpus
se justifica, como dissemos, por este permitir estudar a relação entre
Destinadores complexos, já que o tema das reportagens, o conflito por terra
no Brasil, atinge valores fundamentais para o ambos Destinadores, como
veremos. O interesse público deve ser o orientador da atividade do destinador-
jornalista. O destinador-jornal deve considerar também as conveniências para
o negócio, uma vez que se trata de uma empresa privada, cujo objetivo
primeiro é o lucro. Além disso, a publicação tem um histórico ligado, desde sua
fundação, aos proprietários de terra paulistas, e hoje, um século e meio depois,
tem como público consumidor majoritariamente membros da elite paulistana
sensível a questões como a reforma agrária e á ocupação de terras por
populações originais. Em alguma medida e em algum ponto do horizonte, estes
dois valores – o interesse público e o interesse privado – entrarão em choque.
A temática dos direitos humanos tangencia muitos interesses corporativos ao
tratar de minorias ameaçadas por agentes do Estado, por proprietários de
terra, por empresas, por políticas públicas inadequadas ou mal implementadas
pelos governos de plantão que também são os principais anunciantes dos
meios de comunicação tradicionais. Os exemplos de relações empresariais,
comerciais ou financeiras que terminam por antagonizar interesses de
jornalistas e proprietários dos meios de comunicação são inúmeros. Por outro
lado, os jornais também precisam fazer jus ao papel de fiscalizadores do poder
e contribuintes da manutenção da democracia, auxiliando no fortalecimento
das instituições democráticas, denunciando desmandos e o desrespeito aos
direitos fundamentais. É justamente para entender como esses valores se
enfrentam numa redação e como eles influenciam a geração de efeitos de
sentido na publicação de reportagens aparentemente polêmicas é que se dá
esta pesquisa que propõe a utilização dos recursos analíticos da teoria da
Semiótica Discursiva para tal objetivo.
Durante este estudo, apresentaremos a relação dos direitos humanos
com a democracia e, por conseguinte, com a imprensa. Lembraremos a
trajetória do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que
chancela a excelência da reportagem escolhida, permite a troca valiosa de
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experiências da Roda de Conversa Vladimir Herzog, com os jornalistas
vencedores e atualiza o legado do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela
ditadura cívico-militar que assolou o país entre 1964 e 1985. Também
evidenciaremos a importância dessa marca para o fomento da cobertura
jornalística de direitos humanos. Em seguida, nosso trabalho se debruçará no
estudo do ajustamento entre Destinadores Complexos a partir da Semiótica
Discursiva nas reportagens que integram a série Terra Bruta e no relato de
autor à RCVH. Estes elementos nos ajudarão a entender se há polêmica entre
destinadores e como ela pode ser superada. Os mecanismos de superação
serão evidenciados, cumprindo um dos objetivos do trabalho, que é contribuir
para a formação jornalística de estudantes e profissionais, e para a ampliação
da cobertura sobre direitos humanos pela imprensa.
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1. IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS
1.1. A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS PARA A
DEMOCRACIA
A Declaração Universal dos Direitos Humanos acaba de completar 70
anos. Ela é um pacto da comunidade internacional ocidental contra os horrores
da guerra. Um manifesto civilizatório para as gerações futuras, assinado pelos
que protagonizaram a maior carnificina dos tempos modernos durante a
Segunda Guerra Mundial e o Holocausto dentro dela. A humanidade assumiu
em documento o que as revoluções burguesas desde o século XVIII vinham
reivindicando e construindo. A dignidade de todo ser humano, desde sua
concepção até o fim último, expressa e garantida como parâmetro para
qualquer ação, em qualquer tempo e sob qualquer objetivo é uma conquista
realizada a custa de muito suor, sangue, intelecto e política.
A garantia dos também chamados direitos fundamentais é missão
primeira e determinante para um Estado que queira ser Democrático e de
Direito. Desde a formação do estado moderno, esse valores estão presentes.
A “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, da França de 1789, é
considerada “o atestado de óbito do Antigo Regime”(TRINDADE, 2002). Nela
já estavam expressos valores como a liberdade: “Os homens nascem e são
livres e iguais em direitos”(artigo 1o); e outros, já no artigo segundo: “...a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão.” Ainda que a igualdade
não tenha sido garantida nesse texto embrionário, é ali que começa a se
desenhar o que dois séculos depois viria a ser o pacto entre as nações
civilizadas.
O estado democrático de direito enfrenta hoje um desafio dos maiores.
A diferença fulcral, entre várias outras de menor relevância, entre a democracia
como a conhecemos hoje e a entendida nos primórdios gregos é justamente
algo que deriva do artigo segundo citado acima. Na Grécia antiga, mulheres,
escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos, e portanto, não
eram detentores de direitos. A democracia moderna, atualizada com a
universalidade dos direitos, tem como marca fundante a defesa do indivíduo
hipossuficiente diante de um Estado hipersuficiente. No tripé que mantém o
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estado moderno estruturado, entre Executivo, Legislativo e Judiciário, cabe a
este último a garantia dessa proteção do indivíduo. Sem essa garantia de
exercício pleno de suas liberdades individuais e proteção radical de seus
direitos fundamentais, não há como pensar em uma convivência dentro de um
marco legal sustentável em democracia. Falhando isto, falha a democracia e o
que temos é um estado de exceção.
A defesa e, antes, a luta pela conquista dos e acesso aos direitos
fundamentais, é portanto um exercício em defesa da própria democracia. Algo
que garante a dignidade, o equilíbrio e a convivência pacífica de homens e
mulheres em sociedade.
1.2. DIREITOS HUMANOS NA IMPRENSA
A principal contribuição que a imprensa pode dar ao avanço das
garantias fundamentais se encerra em duas palavras: visibilidade e contexto.
Ao identificar pautas relevantes, realizar o discurso a partir de uma apuração
rigorosa e da clareza no transmitir a informação, não admitindo
descontextualizações, o jornalista contribui com o empenho civilizatório
através do qual países como o Brasil ainda precisam avançar em direção às
garantias fundamentais. A ANDI, Agência de Notícias dos Direitos da Infância,
organização da sociedade civil sem fins lucrativos para o aprimoramento da
cobertura jornalística dessa temática, aponta em sua publicação Mídia e
Direitos Humanos, de 2006, a importância da imprensa na defesa dos direitos
humanos da seguinte forma:
Nas democracias, por sua vez, a
imprensa, mais livre, é uma das instituições
centralmente envolvidas na promoção,
proteção e apontamento de violação dos
Direitos Humanos. Valendo-se do instrumental
que os jornalistas têm à sua disposição – a
investigação, o texto, a imagem e o áudio –, a
mídia pode contribuir para um agendamento
contextualizado do debate público. O cenário
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brasileiro não destoa dessa regra geral: de
momentos heroicos de resistência à ditadura
(cujo exemplo mais extremo está no
assassinato do jornalista Vladimir Herzog),
passando pela Campanha pelas Diretas e
progredindo em direção a uma postura de
maturidade perante a defesa dos direitos de
crianças e adolescentes, a imprensa nacional
tem, a despeito de não desprezíveis
escorregões ao longo da jornada, cumprido um
papel histórico, digno de nota, nessa seara. Por
isso mesmo, organizações internacionais de
proteção aos Direitos Humanos e de verificação
do estágio de violação dos mesmos (como a
Anistia Internacional ou a Human Rights Watch)
valem-se, em muito, do que sai publicado na
imprensa para a emissão de seus relatórios
sobre a situação de diversos países. Diante de
tal contexto, parece-nos absolutamente
necessário compreender o estágio da evolução
da cobertura da imprensa brasileira sobre as
mais diversas temáticas que integram a agenda
dos Direitos Humanos.
Uma das primeiras conceituações necessárias para destacar a
importância da cobertura de direitos humanos e como ela pode ser
potencializada ou reduzida, a depender das escolhas de profissionais e
empresas de comunicação, é a da chamada objetividade jornalística, posta em
cheque pela Teoria do Jornalismo há tempos, sem no entanto, perder seu lugar
nas argumentações dos que pretendem defender certas posições editoriais na
cobertura diária, como afirma Alcina.
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O conceito de objetividade jornalística,
apesar das diversas críticas que recebeu
continua sendo um dos elementos-chave para
compreender a ideologia que o modelo liberal da
imprensa mantém/ no entanto, é bom frisar que
o conceito de objetividade não tem sido imutável
ao longo da história da imprensa.
Por outro lado, é bom lembrar que a empresa jornalística – e o próprio
jornalista – determina sua cobertura sobre determinados fatos usando
diferentes mecanismos de subjetivação de conteúdo. Ainda que o
posicionamento de empresa e jornalista possam por vezes coincidir, a relação
heterogênea entre empregado e patrão, com a participação hipossuficiente
daquele nos processos decisórios últimos – posteriores à apuração, escolha
de fontes, realização de entrevistas e elaboração do texto, nos quais o
empregado jornalista tem mais condições de influenciar o resultado – mantém
a palavra final, assumindo seu lugar de destinador, tal qual apontado pela
teoria semiótica. Os mecanismos usados para garantir a realização dos efeitos
de sentido desejados por este destinador estão elencados por ALSINA, e
esses são:
1) O viés de conteúdo, em que se reflete
a orientação geral de um meio de comunicação.
Podemos apreciar como interpreta a importância
dos acontecimentos conferindo-lhes valores e
determinando a quantidade e a qualidade da
cobertura e sua prioridade. Mesmo que na
seleção das notícias, como já dissemos, a
liberdade de ação seja menor, esse viés poderá
ser apreciado mais claramente na hierarquização
e na tematização.
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2) O viés das fontes. Acontece na escolha
de uma fonte que se manifesta e que fala de um
acontecimento. Esse viés ocorre,
fundamentalmente, na utilização de especialistas
que interpretam os acontecimentos. (...)
Além de identificar os obstáculos presentes nas redações da mídia
hegemônica para a cobertura sobre direitos humanos e os mecanismos de
superação encontrados pelos jornalistas sensíveis ao tema para sua
publicação, este trabalho quer ser uma contribuição relevante para o ensino
de jornalismo, ao identificar e refletir sobre esses dois mecanismos que se
contrapõem e que farão parte do cotidiano profissional dos que se preparam
para ingressar numa redação. Conhecer os elementos de resistência aplicados
às pautas que não interessam ao destinador do jornal e as práticas e técnicas
jornalísticas capazes de enfrentar e vencer tais elementos é passo
fundamental para o melhor exercício da profissão e para a garantia de uma
cobertura profunda e equilibrada dos diversos fatos implicados na temática dos
direitos fundamentais da cidadania.
1.3. VLADIMIR HERZOG: O JORNALISTA E A DITADURA
A escolha da Roda de Conversa Vladimir Herzog como ambiente do
corpus selecionado é calcada em dois pilares: a dinâmica dos encontros, nos
quais os jornalistas revelam suas estratégias e dificuldades na elaboração das
reportagens; e na trajetória e relevância do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia
e Direitos Humanos no reconhecimento da melhor produção jornalística em
direitos humanos no país. Neste sentido, é importante destacar que o nome do
prêmio determina sua natureza profundamente marcada pela preocupação
com a garantia dos direitos fundamentais e a denúncia de suas violações.
O jornalista Vladimir Herzog foi assassinado nas dependências do DOI-
CODI, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975, depois de se apresentar
voluntariamente por ter sido convocado no dia anterior, quando estava no
trabalho, como diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo. A disputa de
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22
narrativas entre os detentores do poder e aqueles que a eles se alinhavam de
um lado e do outro, a família, os amigos e colegas, o Sindicato dos Jornalistas
do Estado de São Paulo e lideranças religiosas daria um estudo semiótico a
parte. A versão oficial do regime era a de suicídio. Para afiançá-la, uma
fotografia que até hoje, como registro fotojornalistico e histórico, é um
enunciado a ser estudado e desvendado, provoca diversos efeitos de sentido.
Um corpo preso a uma janela pelo pescoço, pendurado com a cabeça caída
em direção ao ombro do lado do coração. Cabelos desarrumados de horror, a
calvície livre de não mais pensar. O corpo magro, vestido em macacão de
preso, apesar de magro, parece ter uma tonelada. Os braços pensos e as
pernas escandalosamente dobradas, espremidas num espaço menor que o
seu, pelo peso da massa sem vida contra um chão de tacos em escala de cinza
na foto preto e branco. Ao lado, um colchão sem lençol. Em primeiro plano,
uma cadeira universitária com algo sobre a superfície do braço de apoio. Uma
macabra ironia para compor a cena de morte de um também professor
universitário (ECA-USP). No chão, pedaços de papel que conteriam a
confissão de próprio punho de participar das forças subversivas. Uma imagem
que rodou o mundo, contestando em si mesma a afirmação que fazia.
Em 1995, um ano antes de morrer, o ex-presidente Ernesto Geisel
admitiria que aquilo se tratara de um “verdadeiro assassinato” (FESTER,
2005). O mesmo Ernesto Geisel ganhou novamente as manchetes de alguns
jornais pela descoberta do pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getúlio
Vargas, em 2018, de documentos desclassificados pela agência de inteligência
norte-americana, a CIA, que dão conta de que a execução sumária de
“elementos subversivos” não foi apenas tolerada, como autorizada pelo então
Presidente da República recém empossado. A autorização foi dada numa
reunião com o alto comando das Forças Armadas, em janeiro de 1974
(SPEKTOR, 2018). Apesar dos registros históricos de que Geisel era contrário
à continuidade dos métodos e das instalações utilizadas por organizações
repressivas como o DOI/CODI, em São Paulo (FESTER 2005), a revelação
pode comprovar que mortes como a do jornalista Vladimir Herzog não teriam
sido ‘acidente’ nos porões da repressão, mas fariam parte de uma prática
deliberadamente motivada pelo então mandatário do Estado brasileiro.
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Liderados pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, na
pessoa de seu presidente, o jornalista Audálio Dantas, que prontamente
encampou a versão da família, amigos, colegas e até líderes religiosos
agilmente fizeram circular, primeiro, a notícia da morte de Vladimir Herzog, e
em seguida a denúncia de seu assassinato. Meses depois, 1004 jornalistas
assinariam um manifesto que cobrava respostas da justiça militar e do próprio
governo, com incongruências e informações não apuradas no já concluído
Inquérito Policial Militar que investigara o caso (JORDÃO, 1979)
A reação à morte provocou o primeiro grande ato popular contra a
ditadura, quando a Catedral da Sé ficou lotada, com pessoas aglomeradas no
entorno, a praça da Sé, para o ato ecumênico celebrado pelo então cardeal
arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, pelo Reverendo James
Wright e o Rabino Henri Sobel, oito dias depois do assassinato do jornalista.
Mas esse não foi o único ato, como bem lembra o jornalista e amigo de Herzog,
Fernando Pacheco Jordão, em seu Dossiê Herzog:
“Naquele mesmo momento,
manifestações semelhantes aconteciam em
outras cidades. Em Campinas, durante missa
realizada na Igreja Nossa Senhora de Fátima,
as orações pediam ‘pelos que sofrem pela
causa da liberdade, pelos que são ameaçados,
pelos que são denunciados, pelos que são
perseguidos, pelos que são presos porque
clamam por Justiça.’ Estudantes universitários
leram trechos da Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Em Brasília, mais de 300
pessoas compareceram a missa celebrada em
memória de Vlado. No Rio de Janeiro, um culto
que seria celebrado na Igreja de Santa Luzia foi
cancelado por ordem direta do cardeal Dom
Eugenio Sales. Os jornalistas cariocas, em
lugar da oração que lhes proibiram no templo,
fizeram do silêncio a manifestação de seu
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24
protesto contra a violência. Enquanto em São
Paulo se realizava o Culto Ecumênico, eles se
reuniram na sede da Associação Brasileira de
Imprensa. Um imenso aparato policial, primeiro
em frente à Igreja, depois em frente ao prédio
da entidade, foi montado para intimidá-los. No
auditório, dois velhos lutadores, o presidente da
ABI, Prudente de Moraes, neto, e o presidente
do Conselho, Barbosa Lima Sobrinho,
comandaram a manifestação: dez minutos de
silêncio absoluto, perturbado apenas pelas
sirenas que os carros da repressão tocavam
ostensivamente pelas ruas do centro.”
(JORDÃO, 1979)
Três anos depois, durante o Congresso Brasileiro de Anistia realizado
em Belo Horizonte, em 1978, articulado e promovido pelo CBA - Comitê
Brasileiro de Anistia. se percebeu a necessidade de criar um prêmio de
imprensa com o objetivo de estimular jornalistas e artistas do traço a tratarem
do tema da Anistia e dos Direitos Humanos. “Foi de Perseu Abramo, à época
diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e
representante da entidade no Congresso, a ideia de dar o nome de Vladimir
Herzog ao prêmio que ali surgia”, como informa Ana Luiza Zaniboni Gomes,
curadora do PVHADH.
A consequência primeira da morte de Vladimir Herzog foi a indignação,
que por sua vez, deu lugar à mobilização. É o jornalista Celso Lungaretti quem
analisa os motivos pelos quais a morte de Herzog ganhou destaque e teve a
aderência rápida de quem já não aguentava mais o estado de exceção:
“Há vários motivos. Primeiramente,
chocou e até hoje choca sabermos que Herzog
se dirigiu pelas próprias pernas ao encontro da
morte, acreditando que sofreria apenas o
interrogatório para o qual foi convocado. Por
que ele não desconfiou de que poderia ter o
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25
mesmo destino que tantos tiveram antes dele?
Por um motivo simples: em 1975 a tortura já
arrefecera, depois de dizimada a esquerda
armada.(...) Vlado não levou em conta os
bastidores do regime e seguiu confiante para o
matadouro, certo de que em seu caso não
abririam a caixa de ferramentas. Os
torturadores, ao excederem a dose,
despertaram a indignação mundial – para o que
também concorreu a ascendência judaica da
vítima, repetindo em escala ampliada o que já
sucedera no fim de 1969, quando da morte em
circunstâncias semelhantes de Chael Charles
Schreier, militante da VAR-Palmares.”
(LUNGARETTI, C., Mártir da redemocratização,
publicado na edição 272 de Observatório da
Imprensa -
http://observatoriodaimprensa.com.br/dossie-
vladimir-herzog-1937-1975/martir-da-
redemocratizacao/ )
Os atos em memória de Herzog, seu sepultamento na área do Cemitério
Judaico destinada a vítimas de homicídio, e a repercussão internacional,
quando se imaginava que o pior da repressão já havia passado, obrigaram o
então presidente Ernesto Geisel a advertir seus comandados do DOI/CODI a
evitar casos semelhantes, sob ameaça de desativar o grupo. Três meses
depois, o operário Manoel Fiel Filho, de 49 anos, foi morto da mesma maneira.
O jornalista Ricardo Kotscho conseguiu os detalhes da história para o jornal O
Estado de S. Paulo, que a publicou (FESTER, 2005). A nova repercussão
provocou a reação imediata de Geisel, que exonerou o comandante
responsável pelo 2o Exército, general Ednardo D’Ávila Monteiro, e desativou
as instalações do DOI/CODI. As duas mortes colocaram fim a uma das casas
de horror mais relevantes na história da tortura no país.
http://observatoriodaimprensa.com.br/dossie-vladimir-herzog-1937-1975/martir-da-redemocratizacao/http://observatoriodaimprensa.com.br/dossie-vladimir-herzog-1937-1975/martir-da-redemocratizacao/http://observatoriodaimprensa.com.br/dossie-vladimir-herzog-1937-1975/martir-da-redemocratizacao/
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A parte mais visível do legado de Herzog é a reação à sua morte. Os
atos realizados em vários pontos do país, culminando com o Ato Ecumênico
da Catedral da Sé, em São Paulo, onde três mil pessoas pela primeira vez se
concentraram em contrariedade ao regime, foram para alguns historiadores,
um divisor de águas na articulação das forças da sociedade civil para
responder aos desmandos e ao autoritarismo. Mas outros aspectos da vida de
Herzog são menos conhecidos. Aos dez anos do golpe militar de 1964, Herzog
era editor de cultura da Revista Visão, em São Paulo. Ao lado de Zuenir
Ventura, da sucursal do Rio de Janeiro, realizou uma grande e desafiadora
reportagem sobre o chamado “apagão cultural” promovido pela censura no
país. Antes, passou três anos na BBC de Londres. Tinha como hobby a
fotografia e queria ser cineasta (MARKUN, 1985).
Por todos os motivos já expostos, o nome Vladimir Herzog está presente
hoje em diversos lugares públicos onde sua invocação faz sentido e memória.
Uma praça no coração da capital paulista, logo atrás da sede do Poder
Legislativo Municipal, leva seu nome. O centro acadêmico dos estudantes de
jornalismo das Faculdades Cásper Líbero também o recorda. A redação do
jornalismo da TV Cultura de São Paulo foi batizada assim. Uma escola
municipal, na Zona Leste de São Paulo, e uma estadual, em São Bernardo do
Campo, apresentam esse nome a novas gerações. Nome intimamente
conectado pela história à causa dos Direitos Humanos.
Em 2008, a família decide criar uma entidade para lidar com esse legado
e dar conta dessa conexão feita pela história e confirmada pela sociedade. Em
2009 surgia o Instituto Vladimir Herzog, que tem como missão, segundo
publicação em seu próprio site na internet, “trabalhar com a sociedade pelos
valores da Democracia, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão”.
Talvez o legado mais relevante para confirmar, ou quem sabe, fomentar
essa conexão íntima com a causa dos Direitos Humanos seja o Prêmio
Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e a recente Roda de Conversa
Vladimir Herzog.
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2. O PRÊMIO VLADIMIR HERZOG DE ANISTIA E DIREITOS
HUMANOS
2.1. OBJETIVOS DO PRÊMIO
Criado em 1979, meses antes da promulgação do decreto que anistiava
parte dos perseguidos pela ditadura cívico-militar vigente desde abril de 1964
no país, o prêmio foi uma estratégia das forças democráticas e em particular,
das entidades ligadas à categoria dos jornalistas, para fomentar a cobertura
dos fatos que o governo queria negar e somar forças com os diferentes
agentes sociais que lutavam pela Anistia. Antes de tudo, o PVHADH é fruto do
esforço da sociedade civil e da coragem de homens e mulheres que souberam
perceber os sinais e as necessidades de seu tempo para recuperar e garantir
os valores democráticos então sequestrados. Como relata a jornalista Ana
Luiza Zaniboni Gomes (2015):
A criação de um prêmio de imprensa
com o objetivo de estimular jornalistas a
tratarem do tema da Anistia e dos Direitos
Humanos foi uma das resoluções
aprovadas no Congresso Brasileiro de
Anistia realizado em Belo Horizonte, em
1978. Foi de Perseu Abramo, à época
diretor do Sindicato dos Jornalistas de São
Paulo e representante da entidade no
Congresso, a ideia de dar o nome de
Vladimir Herzog ao concurso que ali surgia.
Já em sua primeira edição, em outubro de
1979, o prêmio estimulou a luta pela
Democracia: ajudou a chegada da Anistia,
em agosto do mesmo ano, e a mobilização
pelas eleições diretas para Presidente da
República, que só ocorreu em 1989. Deste
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então, além de reverenciar a memória de
Vladimir Herzog, preso pela ditadura civil-
militar, torturado e morto em 25 de outubro
de 1975 nas dependências do DOICodi, em
São Paulo, o prêmio reconhece o trabalho
de jornalistas que colaboram na defesa e
promoção da Democracia, da Cidadania e
dos Direitos Humanos e Sociais.
Atualmente, integram a sua Comissão
Organizadora onze instituições: Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo;
Centro de Informação das Nações Unidas
no Brasil; Comissão Justiça e Paz da
Arquidiocese de SP; Escola de
Comunicações e Artes da USP; Federação
Nacional dos Jornalistas; Instituto Vladimir
Herzog; Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil; Ordem dos
Advogados do Brasil - Secção SP;
Ouvidoria da Polícia do Estado de SP,
Sindicato dos Jornalistas de SP e
Sociedade Brasileira dos Estudos
Interdisciplinares da Comunicação.
2.2. AS CONQUISTAS DO PRÊMIO
O PVHADH é hoje o principal e mais antigo prêmio voltado para a
temática dos direitos humanos e o jornalismo no Brasil. Jornalistas de todo o
país e de todo tipo de publicação participam de seu processo de seleção, que
tem a sessão do júri transmitida pela internet ao vivo. O acervo de reportagens
premiadas ao longo de suas 40 edições é uma vitrina altamente qualificada do
que o jornalismo brasileiro produziu sobre a violação e a garantia dos direitos
humanos nas últimas quatro décadas.
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Ao longo desse período, o apoio das entidades que inicialmente deram
fôlego e substância para o surgimento do Prêmio variou. A partir do final dos
anos 1990, muitas acabaram desarticuladas ou se desligando da realização do
PVHADH. Isso reduziu a relevância da premiação junto a seu público primeiro,
os jornalistas. Para recuperar o sentido original do PVHADH que é fomentar a
cobertura jornalística na temática dos Direitos Humanos, família e amigos
uniram forças. Mas foi somente em 2008, ao atingir os 30 anos, que a
premiação recebeu um impulso importante. As comemorações dos 60 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas no Brasil,
incluíram a criação do Troféu Especial de Imprensa ONU. Os 800 vencedores
da história do PVHADH foram convocados a votar em cinco nomes que
receberiam naquela única edição o Troféu criado pelo artista plástico Elifas
Andreatto. Caco Barcelos, José Hamilton Ribeiro, Zuenir Ventura, Henfil e
Ricardo Kotscho receberam a estatueta “Vlado Vitorioso”. Com a visibilidade
recebida, o PVHADH também viu voltar as entidades representativas que o
fortaleciam. No ano seguinte, a fundação do Instituto Vladimir Herzog trouxe a
família de volta aos bastidores da organização da premiação.
Atualmente, o jurado é composto por jornalistas e representantes das
treze entidades que constituem a Comissão Organizadora do prêmio:
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Centro de
Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio); Comissão Justiça e Paz
da Arquidiocese de São Paulo; Conectas Direitos Humanos; Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Sociedade
Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom);
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional); Ordem
dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo; Ouvidoria da Polícia do Estado
de São Paulo; coletivo Periferia em Movimento; Sindicato dos Jornalistas
Profissionais no Estado de São Paulo, Federação Nacional dos Jornalistas
(FENAJ), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Instituto Vladimir Herzog.
A sessão do júri na qual é feita a escolha dos vencedores é transmitida ao vivo
em vídeo pela internet, garantindo a transparência no processo.
Na edição de número 41, em 2019, conta com recorde histórico de
inscrições: 692 produções inscritas nas categorias Artes (ilustrações, charges,
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cartoons, caricaturas e quadrinhos), Fotografia, Produção jornalística em texto,
Produção jornalística em vídeo, Produção jornalística em áudio e Produção
jornalística em multimídia. A quantidade recorde de inscrições denota a
relevância renovada do PVHADH, mas também a urgência do tema num país
de contexto social turbulento depois das eleições de 2018. Não à toa, os
jornalistas homenageados com o Prêmio Especial Vladimir Herzog 2019 – que
homenageia a cada edição personalidades ou jornalistas com atuação
destacada no período e pelos relevantes serviços prestados às causas da
Democracia, Paz e Justiça – são Patrícia Campos Melo, autora da série de
reportagens que expôs o esquema de compra do serviço de distribuição em
massa de notícias falsas por aplicativo de mensagem, e Glenn Greenwald,
responsável pela divulgação de mensagens de texto que demostram ligações
antidemocráticas e nada republicanas entre membros do judiciário
responsáveis pela operação contra a corrupção denominada Lava Jato, que 7
de abril de 2018, colocou na prisão o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Uma colocou em xeque a legitimidade e a legalidade da campanha vitoriosa
nas urnas em outubro de 2018. O outro abriu caminho para o fortalecimento
do movimento “Lula Livre” e a natural contestação na justiça da condenação
do ex-presidente Lula, impedido por ela de concorrer nas eleições daquele
ano, apesar de liderar as pesquisas de intenção de voto mesmo estando preso,
fato que garantiu a vitória da chapa vencedora. Ambos, perseguidos nas redes
sociais, criminalizados por afirmações de autoridades públicas e sob proteção
armada contra as ameaças de morte que receberam.
Além de ser um incentivo à produção de reportagens na temática dos
direitos fundamentais e dos valores democráticos, o Prêmio Vladimir Herzog
de Anistia e Direitos Humanos e as Rodas de Conversa Vladimir Herzog, pelo
seu objetivo e realização, contribuem para a ruptura do ciclo programático de
leitura diária de um jornal que impõe prazo de validade a seu conteúdo, e de
consumo unilateral da informação, onde o leitor tem acesso apenas ao que o
jornal quis dizer. Ao disponibilizar o trabalho vencedor na rede mundial de
computadores, dando-lhe a chancela de excelência e organizado por ano,
tema e mídia, o prêmio dá perenidade ao material antes fugidio. Ao criar o
espaço público para o relato do bastidor e manter esse relato no mesmo
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32
repositório, as Rodas de Conversa introduzem uma relação que antes previa
apenas um discurso com um destinador para as reportagens premiadas, um
discurso complementar, com um novo destinador, o(a) repórter. Ainda que sob
influencia do destinador do jornal, por lá desenvolve seu trabalho, ao participar
da Roda, este novo destinador produz um discurso que não confronta, mas
complementa e até critica as condições sob as quais o discurso da reportagem
é produzido. Essa complementaridade é benéfica para o destinatário de ambos
discursos por ampliar e desmistificar a compreensão do material publicado.
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3. SÉRIE “TERRA BRUTA”
3.1. AS REPORTAGENS
A série de reportagens analisada aqui (anexo A) foi publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, um dos principais jornais do país, com tiragem atual
média, na versão impressa, de 110 mil exemplares (2017), segundo o Instituto
Verificador de Comunicação, IVC, o jornal é distribuído principalmente no
Estado de São Paulo, mas sua rede de distribuição abrange formadores de
opinião em todo o país. Para analisar o veículo, o sujeito semiótico constituído
pelo jornal, seguimos os passos de Eric Landowski, que em seu A Sociedade
Refletiva, propõe a personificação do jornal:
“Em primeiro lugar, proporemos
considerar o jornal como uma pessoa – uma
verdadeira pessoa, mora, se entende.
Institucionalmente, a coisa é óbvia: o jornal é
uma empresa que, como outra qualquer, age
como coletividade dotada de personalidade
jurídica, de um estatuto e de uma razão social
que garantem sua individuação ante o direito e
ante terceiros. Há mais, porém: o jornal precisa
possuir também o que se chama uma imagem
de marca, que o identifique no plano da
comunicação social. Para lá do simples
conhecimento jurídico, isso implica que uma
entidade figurativamente reconhecível tome
corpo detrás do seu título: é preciso que o jornal
se afirme socialmente como um sujeito
semiótico.” (LANDOWSKI, 1992)
Uma característica fundante desta pessoa, deste sujeito semiótico,
precisa ser destacada de imediato para servir de referência e contraste diante
do tema geral e da forma como ele será tratado na série de reportagens
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analisada. Fundado em 1875, como A Província de S. Paulo, o jornal que
adotou o nome de O Estado de S. Paulo, logo depois da proclamação da
República (SODRÉ, 1983), nasceu identificado com a elite rural do Estado,
zelosa da propriedade privada.
O jornal, em seus primórdios, surge na revoada de publicações
impulsionada pelos ventos da pós-independência de 1822, que passaram a
dar destaque para uma economia agrária baseada na escravidão, mesmo
depois da proibição oficial do tráfico de negros escravizados desde 1850. Além
disso, outras marcas do Império passavam a ser questionadas.
“A coroa espanhola foi banida em toda a
América, mas no Brasil a coroa portuguesa
resiste. A Igreja Católica permanece sob tutela
do Império, possui a propriedade dos
cemitérios, o controle do ensino primário e
secundário. O casamento civil não é permitido
e, não obstante o direito de culto, os não-
católicos são obrigados a esconder o local de
seu templo.” (BAHIA, 1990, p. 111q)
Os ideais republicanos e liberais, acomodados aos interesses das
oligarquias rurais de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo, ganham defensores e – mais do que isso – propagadores em páginas
de periódicos aqui e acolá. O jornal A Província de S. Paulo, surge, portanto,
como o principal deles, uma colossal empresa, nas palavras de SODRÉ:
“Em 1875, o ambiente em São Paulo
refletia os acontecimentos que abalavam o
país: terminara a guerra com o Paraguai há um
lustro, surgira a tempestade da lei do Ventre
Livre, os fazendeiros temiam o futuro, as ideias
republicanas ganhavam adeptos em todas as
áreas, realizara-se a Convenção de Itu, o
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35
abolicionismo alastrava-se. A imprensa do
governo era ardorosa e disciplinada; sentia-se
a necessidade de um jornal que, ‘não sendo
republicano extremado, viesse a discutir com
serenidade os absorventes problemas do
momento’. Para esse fim, constituiu-se uma
sociedade em comandita, como ‘colossal
empresa’, levantando 50 contos de réis de
capital.” (SODRÉ, 1983)
Era a primeira vez que diferentes interessados da oligarquia se
organizavam para levantar recursos e constituir o que passou a ser o desafio
da nova imprensa para os tempos republicanos, uma empresa.
Posteriormente, a sociedade seria entregue ao controle familiar dos Mesquita,
no século seguinte, sem perder o caráter empresarial e o objetivo de lucro.
Entre os nomes da alta classe rural que participaram da constituição da
empresa, estavam os principais proprietários rurais do interior paulista, com
presença em cidades como Campinas, Itu, Araras, Rio Claro e a capital, São
Paulo.
“A Província de S. Paulo constitui, talvez,
o caso mais evidente dessa mobilização de
proprietários rurais, interessados na imprensa.
(...) Nas últimas décadas do século XIX, a
imprensa brasileira passa (...) para as mãos de
uma organização familiar, sólida, solidária,
permanente, convergente em seus interesses
de classe”. (BAHIA, 1990)
Além das tensões da Guerra do Paraguai, finalizada em 1870, as
pressões abolicionistas, republicanas e descentralizadoras vindas das elites
brasileiras, influenciadas pelo pensamento europeu, notadamente francês,
minaram as forças de D. Pedro II. Mas foi a participação da imprensa em
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defesa da agenda liberal que desempenhou papel decisivo na mudança. Bahia
conta:
“O Partido Radical (1868), o Partido
Republicano (1870), o fim da guerra, as
agitações culturais e o poder de fogo da
imprensa de oposição provocam a rotura da
política moderadora da monarquia e levam ao
colapso toda ordem hierárquica herdada do
período colonial. Jornais cariocas e paulistas
desses últimos anos do século XIX e início do
século XX são os portadores da mudança.”
(1990, p. 113)
O O Estado de S. Paulo é o terceiro jornal mais longevo do país, atrás
apenas do Diário de Pernambuco (1825), e de O Mossoroense (1872)1 que
hoje só é publicado em formato digital. A importância desse fato, como se verá
na analise seguinte, é que nestes quase 145 de existência, o jornal pouco
mudou de sua agenda inicial, conforme consta do Código de Conduta e Ética
adotado pelo Grupo Estado, do qual faz parte:
“A missão editorial do Grupo Estado está
em grande parte inspirada nos princípios
fundadores do jornal Província de São Paulo.
Figura na declaração inaugural de propósitos
de 4 de janeiro de 1875. No entanto, sensível
às mudanças históricas e aos avanços da ética,
o Grupo acrescentou ao compromisso com a
democracia, a luta pela defesa da liberdade de
expressão e de imprensa, a promoção da livre
iniciativa, da justiça e a permanente busca da
1 A Associação Nacional de Jornais (ANJ) mantém, em seu portal na internet, uma tabela atualizada com os jornais centenários do país. A ressalva para o alagoano O Mossoroense é que a publicação passou a ser feita apenas por meio digital a partir de 31/12/2015. É possível assessor a lista completa em https://www.anj.org.br/site/servicos/menindjornalistica/109-jornais-no-brasil/744-jornais-centenarios.html
https://www.anj.org.br/site/servicos/menindjornalistica/109-jornais-no-brasil/744-jornais-centenarios.htmlhttps://www.anj.org.br/site/servicos/menindjornalistica/109-jornais-no-brasil/744-jornais-centenarios.html
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verdade. Comprometido com os valores
proclamados na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, o Grupo Estado está
sintonizado com o presente e o futuro dos
brasileiros, com a defesa de seus valores
culturais, éticos e históricos e a preservação do
seu patrimônio natural. Como grupo
empresarial do setor de comunicação e
informação, persegue a eficiência, a
modernidade, a criatividade e a rentabilidade,
pré-requisitos da sua independência
informativa e editorial. Ademais, comunga com
os princípios das empresas socialmente
responsáveis: geração de riqueza com
sensibilidade social e respeito ao meio
ambiente. (Missão Editorial do Grupo Estado,
Código de Conduta e Ética, in
https://www.estadao.com.br/ext/codigoetica/co
digo_de_etica_miolo.pdf)
A série intitulada “Terra Bruta – Pistolagem, devastação e morte no
coração do Brasil” aborda a violência no campo na disputa pela terra e suas
riquezas. Publicada ao longo de oito dias, entre 10 e 18 de julho de 2016, é
composta por 25 textos diferentes. Ela é assinada por quatro profissionais: os
repórteres Leonêncio Nossa e André Borges, e os fotógrafos Dida Sampaio e
Hélvio Romero. O trabalho de pesquisa, apuração, entrevistas, redação e
edição do material levou sete meses, segundo relato do repórter André Borges,
um dos responsáveis pela reportagem e o participante escolhido pela equipe
para estar na Roda. A escolha do tema, segundo ele, veio da percepção
compartilhada com outro experiente repórter de OESP, Leonêncio Nossa, de
que as mortes no campo estavam em patamares altíssimos. Na realização de
outras pautas, em viagens pelo Brasil, na conversa com entrevistados e fontes
diversas, André explica que ambos tinham informações semelhantes de
https://www.estadao.com.br/ext/codigoetica/codigo_de_etica_miolo.pdfhttps://www.estadao.com.br/ext/codigoetica/codigo_de_etica_miolo.pdf
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diversos casos de mortes provocadas pela disputa pela terra. A coleta de
informações e entrevistas preliminares foi feita em paralelo com outras pautas,
até conseguirem reunir material suficiente que comprovasse a tese de um
aumento na violência no campo. Quando tiveram essa certeza, fizeram a
proposta ao jornal para a realização da série.
Interessante destacar que em seu relato, André Borges aponta dois dos
valores correntes nas redações que determinam se uma pauta é valida ou não.
O chamado gancho, ou seja, um fato maior correlato ou uma efeméride, que
sirva como que de aparente justificativa para abordar determinado tema; e o
numerão (sic), um dado quantitativo que resuma em si a grandeza do assunto
abordado. Como gancho, eles tinham pela frente a efeméride dos vinte anos
do que ficou conhecido como Massacre de Eldorado do Carajás2. Faltava o
número de mortes no campo.
Depois de buscar fontes oficiais, perceberam que não existe um
cadastro unificado ou uma contagem organizada para ocorrências desse tipo.
Resolveram então buscar eles mesmos o número de mortes no país. Através
de registros oficiais3 e relatos de testemunhas, chegaram a pouco mais de mil
mortes em decorrência de conflitos por terra nas diferentes unidades da
federação. Depois da publicação da reportagem, outros nomes foram
adicionados, seja porque a morte foi posterior ao término da apuração, seja
porque a informação sobre ocorrências anteriores veio depois da divulgação
do trabalho. Um ano depois da publicação, o Memorial dos Mortos4, parte
integrante do material disponível na versão digital da publicação, que não será
objeto de análise aqui, registrava 1309 mortes no campo desde 1996.
2 Em 17 de abril de 1996, no município de Eldorado do Carajás, dezenove trabalhadores rurais sem-terra foram mortos numa ação da Polícia Militar do estado do Pará, que reprimia o protesto de 1500 manifestantes pela desapropriação de terras no estado. 3 FONTES: Dossiês da Secretaria Especial da Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, que trata de homicídios de índios de 2003 a 2015, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre assassinatos de camponeses de abril de 1996 a 2015, de CPIs do Congresso e entidades rurais de 2001 e 2006, que ressaltam mortes de pistoleiros e fazendeiros, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, centrado em dados de 2001 a 2015 da Polícia Civil, da Funai, da Secretaria de Direitos Humanos, do Judiciário e Ministério Público, de 2003 a 2016, relatórios de violência contra os povos indígenas, do Cimi. A análise incluiu ainda dados de cartórios, fóruns e delegacias às margens de 15 mil quilômetros percorridos de estradas nos Estados do Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia e Tocantins. 4 http://infograficos.estadao.com.br/politica/terra-bruta/extra-memorial-dos-mortos
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39
A escolha desta reportagem para análise se dá porque ela reúne os
elementos necessários e suficientes para colocar a prova as hipóteses
aventadas neste trabalho, seja através do material publicado, que será
analisado sob a luz da semiótica discursiva – destacando as marcas do
destinador e do enunciador nos textos, ou discursos enunciados nos
destaques das manchetes e na diagramação das páginas; seja nos relatos
sobre o fazer da reportagem, que revelam os obstáculos enfrentados pelos
jornalistas para a realização da cobertura e os mecanismos de superação
aplicados a esses.
3.2. A Visualidade em Terra Bruta
Nas próximas páginas evidenciaremos o uso da espacialidade da
página do jornal e os sintagmas mais relevantes na serie de reportagens Terra
Bruta. Entre eles, destacamos a horizontalidade adotada em toda a série.
Ainda que divididas em seis colunas, o texto das reportagens é sobreposto,
uma sobre a outra, em camadas horizontais, como a levar o Destinatário a
descer, a aprofundar seu entendimento sobre o assunto, camada por camada.
Além disso, cabe notar que as fotografias das pessoas em situação de
vulnerabilidade ocupam a metade inferior das páginas, enquanto as que
representam pessoas com poder econômico ou das armas estão na parte
superior.
Outra constante é a presença de um conjunto de sintagmas que
evidencia o ajustamento entre destinadores complexos. Essa marca está
presente no alto das páginas que compõe a série. A fotografia do pistoleiro
empunhando seu rifle, que ultrapassa a margem padrão da página, ocupando
um espaço destinado apenas ao nome do jornal, à data e ao caderno ou
editoria à qual pertence a página. Essa imagem símbolo da série, incrustrada
numa tarja com cromatismo que varia do verde – da mata – presente em toda
a série para o azul do Jornal, com o título da série em preto e a marca da
importância e contextualização do texto, identificando-o como ‘reportagem
-
40
especial’ em vermelho, é uma assinatura de permissão e ajustamento do
Destinador-Jornal sobre o conteúdo produzido pelo Destinador-Jornalista.
Mais uma marca de ajustamento entre Destinador-Jornalista e
Destinador-Jornal está na presença de elementos na cor azul, do mesmo tom
utilizado para grafar o nome do jornal. O Destinador-Jornal permite assim, que
o Destinador-Jornalista dê a seu conteúdo uma marca identitária importante,
que produz um efeito de sentido de concordância, de chancela, de unidade
sobre o Destinatário.
A seguir, outros exemplos e evidenciamentos do ajustamento entre
Destinadores e marcas do percurso gerativo de sentido que serão desvelados
adiante. Nesta parte, utilizo apenas algumas páginas para demonstrar
características que se repetem ao longo da série. As demais serão analisadas
nos capítulos seguintes. As páginas em tamanho ampliado e nas cores
originais podem ser vistas ao desdobrá-las no anexo A, pg. 109.
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41
Cromatismo azul do Ddor
Cromatismo amarelo do país, relíquia
Isotopia de ‘corte’ é dada pelo verbal ‘corte de despesas’ e pelo visual fotográfico do corte de árvores.
Semas disfóricos
Isotopia de ‘investigação’: por caixa dois, morte no coração do brasil, novo massacre
Cromatismo azul do Ddor parceiro anunciante
A primeira página está, como vemos, organizada em função da chamada da série de reportagens, o que denota o ajustamento entre Destinador-empresa e Destinador-jornalista.
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42
Ho
rizo
nta
lid
ade
con
du
z en
un
ciat
ário
em
per
curs
o d
e al
to a
bai
xo, d
a su
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pro
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s, n
o a
lto
A centralidade do mapa situa a Terra Bruta reportada ao leitor
Semissimbólico: personagem das ocupações ‘invade’ área do texto da reportagem.
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Topo de página ocupado pelas marcas identitárias do Destinador-jornal
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Pistoleiro símbolo da série ocupa área do Destinador-Jornal
Horizontalidade marcada pela linha fina que segue o olhar do fazendeiro, que ocupa a porção superior da página.
Personagens em situação de vulnerabilidade ocupam, a porção inferior da página.
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3.3. O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO EM TERRA BRUTA
Em seu artigo A Leitura do Jornal Como Experiência Sensível, a
semioticista Ana Claudia de Oliveira aponta a principal função do arranjo visual
estabelecido no projeto gráfico de uma publicação noticiosa diária: atingir a
sensibilidade do leitor. A autora postula:
“Como modo de reafirmação identitária,
o sentido cognitivo do projeto gráfico atinge a
sensibilidade do leitor e, nas repercussões dos
efeitos sensíveis, o estado de ânimo e d'alma
do leitor são mobilizados quer por operações
de manipulação, quer de ajustamento. Sobre
a sua configuração visual recai a estruturação
da face do jornal, o que significa que o
encontro entre o jornal e o leitor se desenrola
regrado pelas normatizações e convenções do
modo do primeiro apresentar-se ao leitor pela
sua identidade visual.”
Desta forma fica claro o ato de manipulação e de ajustamento de um
para com o outro. Portanto, o projeto visual, “o que o jornal dá a ver de si
mesmo ao leitor”, é o terreno do sensível e pode assim ser analisado a partir
da teoria própria da semiótica francesa e seus desdobramentos, a partir de
GREIMAS, FIORIN E LANDOWSKI. Também usamos os conceitos da
semiótica plástica apresentados por Floch, segundo o qual, toda linguagem é
composta por signos não-verbais e verbais que geram efeitos de sentido nos
planos da expressão e do conteúdo (1985 p.143). Finalmente, os conceitos de
semiótica pictórica apresentados por OLIVEIRA em artigo de 1995, em que
analisa o sistema semi-simbólico da pintura, compõe a base para o estudo dos
planos da expressão e do conteúdo que integra toda e qualquer manifestação
que é apresentado a seguir.
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O material analisado é do tipo sincrético, pois se utiliza de diferentes
sistemas semióticos, como o visual, o verbal e o espacial da página do jornal.
Esse sincretismo é próprio das publicações noticiosas, nas quais o enunciador
apresenta ao enunciatário o conteúdo em dada expressão em busca de obter
credibilidade. Quanto mais os diferentes sistemas se confirmarem nos efeitos
de sentido gerados, maior será essa credibilidade. No seu dizer verdadeiro, o
enunciatário busca no ato da enunciação o fazer-crer de um enunciatário.
Usando a definição dos três actantes da comunicação, de LANDOWSKI, temos
um objeto sobre o qual recai o crer, um sujeito do fazer persuasivo, que é o
enunciador, e um sujeito do fazer interpretativo, que é o enunciatário
(LANDOWSKI, 1992). Na imbricação dos actantes, ao objeto caberá uma
relação de verossimilhança, ao enunciador, a de credibilidade. E ao
enunciatário, a relação de credulidade, que se realizará com maior ou menor
intensidade quanto maior ou menor forem as superposições entre os diferentes
sistemas semióticos que compõem o texto em questão.
Todo texto se organiza na tradição que vem do linguista Louis Hjelmslev
e adotada por Algidas Julien Greimas em dois planos, o da expressão e o do
conteúdo, que se pressupõem. Passamos a explorá-los para verificar como
esses se correlacionam em homologação.
3.3.1. PLANO DA EXPRESSÃO
A edição que inaugura a publicação da série de reportagens carrega na
capa a chamada no quadrante intermediário direito. O jornal é encimado pela
sua marca, impressa em cor azul sobre o fundo branco, em caixa alta sem
serifa. Logo abaixo, ao centro, em cinza sobre fundo branco, a figura
sombreada de um homem a cavalo, que toca uma corneta, ladeado pelos
dizeres “Fundado em 1875” e “Julio Mesquita (1862 – 1927)”. A linha seguinte
tem detalhes de identificação da edição como data, preço e número. A linha
contínua que separa esta da próxima sessão está interrompida pela foto da
tela de um computador, que aparece junto de outras telas eletrônicas, com um
laptop, tablet e celular. Todas tem o rosto de um homem reconhecido como
deputado preso por corrupção, de olhar baixo, como chamada para o novo site
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do veículo. Ao lado disso, a chamada para o caderno de veículos traz a
fotografia de um fusca amarelo, cor também presente do lado oposto da
página, na chamada para o site. A manchete do dia está do lado esquerdo, na
porção intermediária da página, com letras em negrito, pretas sobre fundo
branco, em duas colunas. Abaixo seguem-se pequenas notas secundárias e
no rodapé da página, um anúncio de veículo sedan, último modelo, em fundo
azul, com carro em pintura prateada e mais uma linha amarela com dizeres
promocionais.
A primeira reportagem da série Terra Bruta disputa esse espaço,
através de uma fotografia de plano-geral em formato retangular vertical, com a
parte superior preta (artificial) e a inferior bege, verde e marrom (natural). Sobre
o fundo preto do efeito vinheta, letras serifadas, bold, contrastantes em
vermelho, em caixa alta e baixa dão o chapéu da notícia: “Reportagem
Especial”. Logo abaixo, ainda em contraste, letras brancas sem serifa em caixa
alta e tipo espesso apresentam a manchete: “TERRA BRUTA”. Sob esta, mais
uma linha de texto em letras serifadas e brancas, a chamada linha-fina,
complementa o sentido da manchete: “Pistolagem, devastação e morte no
coração do Brasil”.
Depois, o olhar segue para a imagem que começa a surgir do preto da
vinheta. Um homem armado de espingarda, com roupa camuflada, olha para
o lado direito da imagem, para fora do quadro, para algo que não aparece. Ele
está sobre um enorme tronco de árvore deitado na terra. Atrás dele, finos
troncos alguns ainda em pé, outros na diagonal, formam um fundo listrado,
cinza e verde. Ao lado do grande tronco tombado no chão está outro homem,
com roupas claras e escuras, também armado de espingarda, apoiada na
perna e apontada para o alto, que olha para o espectador. Sua perna, dobrada
em ângulo reto, está apoiada sobre o tronco de outra árvore, menor do que o
anterior. Abaixo de tudo, um chão que ora é lama, ora é pedra, mas é sempre
irregular. A legenda da foto traz, em negrito, as palavras “floresta” e
“ameaçada”, acompanhadas pela frase sem negrito: “Éder Dias e João Coelho
tentam impedir a entrada de invasores em mata de Rondônia.”
Em seguida, no sentido do olhar, segue-se a manchete da matéria
principal da série no dia, na tipologia padronizada no jornal, de cor preta em
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fundo branco: “A cada cem dias, um novo massacre”. Logo abaixo, a
assinatura da reportagem por André Borges e Leonêncio Nossa. O texto é
apresentado em três colunas de seis ou quatro linhas, e termina com a
chamada para o material disponível na internet, em letras azuis, mesmo tom
da marca do jornal, sem serifa, sobre o fundo branco. Na primeira linha da
terceira coluna, ainda há, destacado do texto, em negrito, o nome do jornal.
Entre os formantes plásticos e rítmicos presentes no texto verbo-visual-
espacial apresentado pelo jornal, podemos destacar as cores preto, cinza,
branco, amarelo, verde e subtons, marrom e subtons, vermelho e azul, como
os principais formantes cromáticos. A verticalidade dos homens e das árvores
ainda vivas, a horizontalidade dos troncos mortos, das palavras e do próprio
esvaecer da cortina preta constituem alguns dos formantes topológicos. A
forma retangular verticalizada da fotografia colocada na página, o retângulo
horizontalizado preto na porção superior, os retângulos verticais dos troncos
ao fundo, o retângulo vertical formado pelas pernas do homem que olha para
a câmera e o bloco disforme da madeira estão entre os formantes eidéticos.
Nos formantes matéricos, a edição impressa apresenta toque rugoso imposto
pelo papel jornal utilizado. A versão digital mantém a suavidade da tela de vidro
em que os pontos luminosos formam a imagem analisada.
3.3.2. PLANO DO CONTEÚDO
O primeiro destaque possível a fazer nesta reportagem que abre a série
é o posicionamento secundário no espaço do caderno, seção e página que a
série que viria a ser premiada em sua categoria recebe do Destinador-jornal.
A página de um jornal diário no formato standard, segundo SILVA, R.S., recebe
um passeio padrão do olhar acostumado ao sentido de leitura ocidental,
conforme esquema apresentado a seguir:
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O olhar segue do ponto 1, em diagonal, ao ponto 2, e só depois se dirige
aos pontos centrais e a seguir às duas outras pontas do retângulo composto
pela página. Assim, o autor destaca que há dois pontos de maior atenção, que
são os de maior destaque para a informação. O canto superior esquerdo e o
topo da página. A reportagem está posicionada no segundo terço da superfície,
nas três colunas da direita, com seu início, portanto, posicionado no centro
ótico da página. A manchete principal permanece distante da temática da série
e atrai o olhar primeiro do Destinatário. Ao não colocar a reportagem Terra
Bruta no lugar de maior destaque, o Destinatário evidencia que há outros
assuntos mais importantes que aquele dentro do enunciado. Para o
Destinatário, a escolha não é estranha, uma vez que a temática do campo e
da violência não faz parte dos destaques habituais. Os possíveis cortes
pretendidos pelo Ministro da Fazenda sim estão entre as prioridades de um
veículo que se declara defensor dos ideários liberais, conforme consta em
Código de Conduta e Ética publicado pelo Grupo Estado.
O contraste de cores, com a força da cor preta no alto da foto, é bem
verdade que atraem o olhar. Claro para o Destinatário que aquele não é o
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1- Zona Primária 2- Zona Secundária 3- Zona Morta 4- Zona Morta 5- Centro Ótico 6- Centro Geométrico (SILVA, 1985)
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principal assunto, a escolha da foto em ponto grande, com o contraste de cores
com a tipografia, atrai o olhar e evidencia o querer-fazer-saber do Destinador
sobre o Destinatário. A imagem é a promessa de um conteúdo dramático. Sem
adentrar ainda na textualidade verbal, o texto visual é carregado de sentido em
cada detalhe. O desvelar de uma realidade, dado pelo efeito vinheta que
entrelaça pontos negros com os elementos plásticos originais da foto, dá a
ideia de uma cortina que se abre, de um mistério que será revelado, de uma
realidade escondida que o jornal passa a contar. Essa é a essência do querer
jornalístico em plena expressividade.
A escolha da tipologia que dá suporte ao texto verbal do nome da série
é condizente com seu significado. A brutalidade de uma terra compacta, forte,
quase impenetrável, tem esses adjetivos suscitados no conjunto de letras
brancas grafadas em tipo reto e angular, negritado, como um bloco sólido:
“TERRA BRUTA”. Antes, o texto chama a atenção com cor e significado para
a importância da frase que segue. O termo “reportagem” entrega ao
Destinatário o contrato de fidúcia próprio da relação jornal/leitor. Ali há um
conteúdo produzido pelo próprio jornal, com todos os critérios de apuração,
checagem de informações, entrevistas e procedimentos próprios do fazer
jornalístico que o leitor conhece. Seguido de “especial”, esse conteúdo ganha
nova significação, com a promessa de um conteúdo ainda mais aprofundado,
mas incomum, mais satisfatório para o querer-saber do enunciatário.
Abaixo, a frase que explica o título da série, ainda em fundo preto com
tipos brancos, completa o contrato sobre o que o leitor encontrará nas páginas
a seguir, com requintes de dramaticidade ao escolher termos que evocam
recursos folhetinescos, ao citar a prática da “pistolagem”, algo distante do
imaginário urbano do destinatário, a “devastação”, que atinge a preocupação
crescente com o meio ambiente, e a “morte”, como resultado da violência. Tudo
isso acontece num lugar de cuidado, que deveria estar protegido. É o sentido
que realiza a palavra “coração”.
Quando a cortina já se foi e ficam apenas as cores admitidas como
“reais” pelos actantes da enunciação, surge em primeiro plano a ameaça de
um homem armado que olha para o não-revelado, o que ainda será contado
pela reportagem. Seu aspecto e roupas evocam um Brasil desconhecido, a
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milhares de quilômetros do local da enunciação. Entramos na debreagem
enunciva actancial e espacial, que se completa com a temporal, na foto que
representa uma ação que já aconteceu, mas pode acontecer de novo agora e
continuar acontecendo no depois de enunciação. Enunciva, porque se dá fora
do ato da enunciação. Essa é a debreagem mais adequada ao jornalismo, pois
produz um efeito de sentido da objetividade (FIORIN, 2008). Ao contrário, a
debreagem enunciativa, com suas marcas realizadas no ato da enunciação,
evocam a subjetividade, como nos relatos da Roda de Conversa.
Sob os pés do indivíduo armado, o tronco de uma árvore com dois
formantes plásticos do tipo cromáticos distintos. A parte que está por cima tem
um tom amarelado, de um amarelo sujo, mas ainda amarelo. Em uma
disposição de equilíbrio com aquele fusca amarelo que está no topo direito da
página. O amarelo e a figuratividade do conjunto veículo/motorista,
acompanhada do texto verbal com a palavra “nasceu” evocam vitalidade, força,
alegria. Mas o amarelo da árvore, em pleno tronco, se transforma em ocre
cinzento, bege lama, como o chão que o sustenta. A mudança de uma cor viva
para uma cor pálida produz o efeito de sentido pretendido pelo Destinador ao
apontar ao Destinatário que estamos no terreno da morte.
O homem no plano inferior, ao lado do tronco caído, tem uma postura
menos apreensiva que seu companheiro. Sua perna repousa sobre o tronco
menor, numa sinalização de comodidade, conforto, com a espingarda apoiada
sobre a perna, vertical, apontando para o céu. O cano da arma está em
paralelo com os troncos finos das árvores do fundo, porém, numa
cromaticidade contrastante, que pode denotar uma atitude contrária. Se
aqueles, claros, passivamente aguardam seu fim, esta, escura, ao contrário,
ativamente está pronta a reagir.
Diferente também é a postura dos dois homens retratados. Se o que
está no alto vigia, ao olhar para um ponto indefinido fora do quadro, este
questiona o Destinatário. Seu olhar apontado para a lente, encontra o olhar do
enunciatário e provoca a conexão inevitável de duas realidades. É quase a
proposição de um encontro em ato na e pela mídia. Ao mesmo tempo, esse
olhar denuncia a enunciação fotográfica, a presença do fotografo no ato do
fotografar. Mas a fração mais forte deste olhar é a que indaga e posiciona o
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destinatário diante da cena apresentada pelo texto visual e situada pelo texto
verbal. Não há como não lembrar aqui do olhar do pintor no quadro As
meninas, de Diego Velásquez. No autorretrato em ato, o pintor olha fixamente
para o ponto fora do quadro, ocupado pelo destinatário. O reflexo do espelho
atrás dele revela que este é o lugar do rei e sua rainha, as personagens que
dispõe de meios e poder constituído sobre toda a cena. Será esse o lugar
destinado ao Destinatário pelo texto visual apresentado? Haverá poder ou
influência de quem contempla a imagem sobre a realidade nela expressa? Tal
qual o pintor de Velásquez ao observador do quadro, o olhar de um homem
com seu rifle questiona e desafia o leitor do jornal a decifrar o significado dessa
figuratividade proposta no texto visual.
As três grandes faixas horizontais compostas pelo preto superior, o
verde entrecortado por árvores finas, homens e espingardas, e o bloco
amarelo-ocre dos troncos, repousam sobre uma faixa horizontal mais estreita,
em tons de marrom, que revela o solo em que tudo isso acontece. Um chão
irregular, inóspito, entremeado por pedra, terra e lama. É esta fina camada de
formantes que sustenta um conteúdo fundamental para a compreensão da
totalidade não apenas do enunciado em questão, mas de toda a série de
reportagens anunciada. É nesse terreno irregular, traiçoeiro, desafiador, sem
as normatizações asfálticas da urbanidade, que a reportagem convida o leitor
a entrar: um outro mundo, distante da realidade do estado sudestino que
emana significados sobre as páginas deste jornal, O Estado de S. Paulo.
A legenda da fotografia produz uma ancoragem dúbia. A linguagem
verbal explica que a floresta está sob ameaça e informa os nomes dos dois
homens retratados, além de apresentar o que fazem ali. Mas não deixa claro
de que lado eles estão, apenas diz que ambos tentam impedir a entrada de
invasores em algum trecho de mata no estado de Rondônia. O que querem os
invasores? Se há invasor, há proprietário. A mata é deles (homens armados)?
Se não, de quem é? E, principalmente, eles derrubaram aquelas árvores e
agora guardam a madeira ou chegaram depois da derrubada e querem impedir
novas ações?
A manchete desta chamada para a série faz-saber a intensidade da
violência no campo, ao destacar que a cada centena de dias acontece um novo
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massacre. Mas essa frase só ganha ancoragem definitiva na verbalização
seguinte, do texto da reportagem, que referencia a “chacina de Eldorado do
Carajás”, assim como a quantidade de mortos e a qualificação, o lugar-no-
mundo, dos mortos. Em seguida, o Destinador se identifica no enunciado ao
grafar em letras negritadas a palavra “estado”, com primeira letra em caixa-
alta, denotando nome próprio. Essa é a maneira como o jornal se
autoreferencia na internalidade do discurso que produz. Também é a forma
com que o Destinador-jornal se apropria do discurso realizado pelo Destinador-
repórter, ou, fora do enunciado, como a empresa expressa a propriedade sobre
o trabalho realizado pelo repórter e vendido em troca do salário.
3.3.3. AS OUTRAS REPORTAGENS
A mesma base teórica nos leva às conclusões seguintes sobre o
percurso gerativo de sentido e os planos da expressão e do conteúdo das
demais reportagens que formam a série.
Cabe destacar, antes de prosseguir no detalhamento, que a serialidade
do conteúdo realiza ainda com mais ênfase os dois contratos possíveis que
Eric