PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Adriana d… · SOUSA SILVA, Shirley...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SHIRLEY ADRIANA DE SOUSA SILVA
ATIVIDADE SOCIAL E MULTILETRAMENTOS: APRENDIZAGEM
NÃO ENCAPSULADA DE CONCEITO NA RELAÇÃO ESCOLA E
SOCIEDADE
MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA
LINGUAGEM
SÃO PAULO
2017
SHIRLEY ADRIANA DE SOUSA SILVA
ATIVIDADE SOCIAL E MULTILETRAMENTOS: APRENDIZAGEM
NÃO ENCAPSULADA DE CONCEITO NA RELAÇÃO ESCOLA E
SOCIEDADE
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada
e Estudos da Linguagem à Comissão Julgadora da
Pontifícia Universidade Católica, sob orientação da
Profa Dra Maria Cecília Camargo Magalhães.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Autorizo, exclusivamente, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos.
SOUSA SILVA, Shirley Adriana, 2017 –
Atividade Social e multiletramentos: aprendizagem não encapsulada de conceitos na
relação escola e sociedade / Shirley Adriana de Sousa Silva. –São Paulo. – 2017.
129 f.; 30cm.
Orientador: Maria Cecília Camargo Magalhães.
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem, 2017.
1. Atividade Social 2. Multiletramentos. 3. Desencapsulação. 4. Ensino-
aprendizagem de conceito. 5. Colaboração-Crítica. I. Camargo Magalhães, Maria
Cecília. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ling. Aplicada e Estudos da Linguagem. III. Atividade Social e
multiletramentos: aprendizagem não encapsulada de conceito na relação escola e
sociedade.
SHIRLEY ADRIANA DE SOUSA SILVA
ATIVIDADE SOCIAL E MULTILETRAMENTOS: APRENDIZAGEM
NÃO ENCAPSULADA DE CONCEITO NA RELAÇÃO ESCOLA E
SOCIEDADE
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada
e Estudos da Linguagem à Comissão Julgadora da
Pontifícia Universidade Católica, sob orientação da
Profa. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães
Aprovada em _____de __________de 2017.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof a. Dr a. Fernanda Coelho Liberali – PUC-SP
__________________________________________
Prof a. Dr a. Maria Otília Guimarães Ninin – UNIP-SP
__________________________________________
Profa. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães
(orientadora)
À guisa de introdução das epígrafes
As epígrafes que percorrem este trabalho pertencem ao Livro do Desassossego. Elegi
esse livro de Fernando Pessoa por sua forma e conteúdo. Quanto à forma, por sua característica
subversiva de não-livro, em uma não-biblioteca, em suma, um antilivro. Quanto ao conteúdo,
por sua inquietação e incerteza.
A primeira questão faz pendant com o “nosso Vygotsky”. Não é inédito o fato de que
ele subverteu o pensamento de toda uma época, haja vista o fato de Pensamento e Linguagem
ter sido coibido no ano de 1936, só voltando a ser publicado 20 anos depois, em 1956. A
segunda deve-se à diligência de Vygotsky em apartar-se do behaviorismo e da abordagem
cognitivista, correntes nos últimos anos da década de 1920 e início de 1930.
Outro aspecto é que o Livro do Desassossego - sempre provisório, indefinido - é uma
daquelas raras obras em que “la forme e le fond se reflectem” [a forma e o conteúdo]. Também,
Lev Vygotsky deixou em sua obra uma visão revolucionária, porque “ele viveu como
revolucionário”: apoiou-se na “dialética história e sociedade (o espaço vital humano, o nicho
histórico), enquanto a história revolucionária dominava a moribunda e desarranjada sociedade
europeia [...]” (NEWMAN e HOLZMAN, 2014, p. 180).
Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo
e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria
inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar
começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um
produto, em mim, não de uma aplicação de vontade,
mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho
força para pensar; acabo porque não tenho alma
para suspender. Este livro é a minha cobardia.
(FERNANDO PESSOA, 2006, trecho 152)
PARA
JOSÉ DOS ANJOS SILVA, pela lealdade
YULI GABRIELA SOUSA SILVA, pelo apoio
HEITOR JOSÉ SOUSA SILVA, por sua existência
MARIA DE FÁTIMA ARAGÃO, pelo amor incondicional
AOS
Meus IRMÃOS, pelas brincadeiras
AGRADECIMENTOS
Nesse momento, compreendo Fernando Pessoa que diz ter sido sua vida, a um só tempo,
“fragmento e multiplicação”. De tal modo que “o meu estado de espírito” me obriga a confessar
que esta pessoa que vos fala, figurada diante do espelho, aparece refletida como uma espécie
de bricoleur, tal foi o modo como, em mim, multiplicaram-se as pessoas que, em ordem
alfabética, aludo abaixo
Fernanda Coelho LIBERALI
Maria Cecília Camargo MAGALHÃES
Maria Cristina DAMIANOVIC
Maria Otília Guimaralhães NININ
Maximina Maria FREIRE
Viviane Letícia Silva CARRIJO
Por seu enfoque teórico, teórico-metodológico e pedagógico, possibilitaram-me um
acesso a joias, ora polidas ora em estado bruto, de tal modo que o que habita o meu ser são
fragmentos das suas individualidades, que “decalco”, como “passadas em argila” “em minha
consciência”. Agradeço a todas. Hoje vocês são parte da minha autobiografia.
Agradeço à CAPes - agência financiadora desta pesquisa, a todos os participantes do
DIGIT-M-E hiperconectando, aos meus colegas de curso, à amiga Regina Restonlho e a Maria
Lúcia dos Reis, secretária do LAEL.
Ciça,
Invejo — mas não sei se invejo — aqueles de quem se
pode escrever uma biografia, ou que podem escrever
a própria.
(FERNANDO PESSOA, 2006, trecho, 20)
RESUMO
Esta pesquisa investiga como a ênfase em multiletramentos, a partir de Atividade Social,
possibilita a aprendizagem não encapsulada de conceitos trabalhados no contexto
escolar, estabelecendo uma relação entre a aprendizagem na escola e o agir na sociedade. Para
atingirmos tal objetivo, os dados foram coletados durante os worshops vivenciados no projeto
“DIGIT-M-ED hiperconectando Brasil: transformando o ensino-aprendizagem”, doravante
“DIGIT-M-ED hiperconectando”, um contexto de Projeto de Formação de formadores,
envolvendo professores, pesquisadores, diretores, coordenadores e alunos - no papel de
formadores - provenientes de escolas públicas e privadas, de Universidades particulares e
participantes do Grupo de Pesquisa Linguagem e Atividade em Contexto Escolar (LACE), da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Os dados produzidos referem-se aos
encontros ocorridos, nos meses de abril e maio do ano de 2015, para compreender: a) como o
ensino foi organizado para a aprendizagem não encapsulada do conceito trabalhado e a que se
deve a importância dessa organização à apropriação do conceito. b) de que forma a pedagogia
dos multiletramentos, a partir de atividade social, contribui para o avanço da compreensão do
conceito em foco possibilitando uma apropriação desencapsulada. Foram perguntas guia: (I)
como se deu a organização do ensino para a aprendizagem não encapsulada do conceito
trabalhado? Qual a importância dessa organização à apropriação do conceito? II) de que forma
a pedagogia dos multiletramentos, a partir de atividade social, contribui para o avanço da
compreensão do conceito em foco possibilitando uma apropriação desencapsulada? Esta
pesquisa está inserida no campo da Linguística Aplicada Crítica (LAC), seguindo a linha de
pesquisadores como Moita Lopes (2006) e Fabrício (2006) que defendem uma LA “como
prática problematizadora”. Tem como base a Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural,
como foco nas discussões de Vygotsky, (1934/2000) e de Engeström (2011), bem como nas
discussões que avançam ambas, desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Linguagem em Atividades
no Contexto Escolar- LACE. O quadro teórico-metodológico está apoiado na Pesquisa Crítica
de Colaboração (PCCol), com base em Magalhães (1994/2007, 1998a, 2007, 2011, 2012, 2016),
Magalhães e Liberali (2007) e Liberali (2011, 2012, 2016), que investiga a transformação de
modos de agir em contextos escolares de formação. Os dados produzidos por meio de vídeo-
gravações, planejamentos e trocas de e-mail foram transcritos, descritos e analisados com base
na perspectiva dialógico-enunciativa da linguagem. Os resultados evidenciaram que a
argumentação materializada multimodalmente relacionada à atividade social amplia o viver de
modo tal que torna possível ao indivíduo estabelecer um elo entre o dentro e o fora da escola,
numa relação prático-teórica. Ao longo do processo de trabalho – interventivo, crítico e
colaborativo - foi possível compreender a construção do objeto da atividade em foco – a
aprendizagem de conceitos - como um processo instituído que se processa na sócio-história,
por meio de relações colaborativo-críticas entre todos os participantes. Ademais, esse trabalho
possibilitou enfocar o sujeito fazendo história numa relação criativo-crítico-colaborativa em
conexão dialética com o mundo social, tal como preconizam os princípios do materialismo
dialético marxista, veios de Vygotsky. Essa percepção proporcionou a compreensão do
desenvolvimento humano a partir de sua realidade social e cultural não determinado pela
“natureza” e/ou deslocado de seu contexto regulado pelos estímulos do professor e/ou pelas
comandas do livro didático.
Palavras-chave: Atividade Social; Multiletramentos; Desencapsulação; Ensino-aprendizagem
de conceitos; Colaboração-Crítica.
ABSTRACT
This research investigates how the emphasis in multiliteracies, from Social Activity, fosters the
non-encapsulated learning of concepts worked in the school context, establishing a relation
between learning in school and acting in society. In order to reach this objective, the data were
collected during the workshops of "DIGIT-M-ED hyperconnecting Brazil: transforming
teaching-learning" project, hereafter "DIGIT-M-ED hyperconnecting”, an Educators´
Education Project, involving teachers, researchers, directors, coordinators and students - in the
role of educators - from public and private schools, private universities and members of the
Language Activities in the School Context Group (LACE) , from Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). The data produced refer to the meetings held in April, May
and June and aim to understand: a) how teaching was organized to deal with the non-
encapsulated learning of the concept in focus, as well as the importance of this organization. b)
how the pedagogy of multiliteracies contributes to the expansion and transformation of the
concept in focus, in specific contexts, from social activity. The guiding questions for this
investigation were: (I) how did the teaching-learning organization for the non-encapsulated
learning of the concept take place? How important is this organization for the concept
appropriation? (II) How does the pedagogy of multiliteracies, from social activity, contribute
to the advancement of the understanding of the concept in focus, enabling a non-encapsulated
appropriation? This research is inserted in the Critical Applied Linguistics field (LAC),
following the line of researchers such as Moita Lopes (2006) and Fabrício (2006) who defend
the view of LA "as a problematizing practice". It is based on the Socio-Historical-Cultural
Activity Theory, as in the discussions of Vygotsky, ([1934] 2000) and Engeström (2011), as
well as in the discussions that advance both, developed in the Language Activities in the School
Context Research Group -LACE. The theoretical-methodological framework is supported by
the Critical Collaborative Research (PCCol), based on Magalhães (1994/2007, 1998a, 2007,
2011, 2012, 2016), Magalhães and Liberali (2007) and Liberali (2011, 2012, 2016) ),which
investigates the transformation of ways of acting in education school contexts. The data
produced through video-recordings, planning and e-mail exchanges were transcribed, described
and analyzed based on the dialogic-enunciative perspective of language. The results showed
that multimodally materialized argumentation related to social activity amplifies living in a way
that it makes it possible for the individual to establish a link between the inside and outside of
school, in a theoretical-practical relationship. Throughout the work process - interventional,
critical and collaborative - it was possible to understand the construction of the object of the
activity in focus –the learning of concepts - as an established process that is processed in socio-
history, through critical-collaborative relationships among all participants. Moreover, this work
made it possible to focus on the subject making history in a critical-creative collaborative
relationship in dialectical connection with the social world, as the principles of Marxist
dialectical materialism advocate, Vygotsky's veins. This perception provided the understanding
of human development from its social and cultural reality not determined by "nature" and / or
displaced from its context regulated by teacher stimuli and / or textbook commands.
Key-words: Social Activity; Multiliteracies; Desencapsulation; Teaching-Learning of
concepts; Critical Collaboration.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Sistema de Atividade proposto por Engeström ............................................. 35
Figura 2: Poster e post "Baile da Pontifícia" ................................................................ 87
Figura 3: Flyer "Baile da Pontifícia" ............................................................................ 88
Figura 4: Cena do baile de máscaras, de Romeu e Julieta ........................................... 91
Figura 5: Performance da festa dos Anos 60 ................................................................ 93
Figura 6: Famílias em diferentes Eras .......................................................................... 95
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Categorias de análise multimodal ............................................................................ 47
Quadro 2: Histórico DIGIT-M-ED/ HIPERCONECTANDO, 2013 a 2016 ............................ 59
Quadro 3: Histórico de participantes ........................................................................................ 60
Quadro 4: Membros organizadores .......................................................................................... 62
Quadro 5: Participantes da pesquisa ......................................................................................... 66
Quadro 6: Resumo das aulas gravadas e selecionadas ............................................................. 69
Quadro 7: Exemplo de análise dos aspectos enunciativos ....................................................... 72
Quadro 8: Exemplo de análise dos aspectos linguísticos ......................................................... 74
Quadro 9: Exemplo de análise dos aspectos discursivos .......................................................... 77
Quadro 10: Síntese das categorias de interpretação e análise .................................................. 78
Quadro 11: Garantias de credibilidade da pesquisa.................................................................. 79
Quadro 12: Pilares para o trabalho com Atividade Social........................................................ 81
Quadro 13: Componentes da Atividade Social "ir à festa" ...................................................... 83
Quadro 14: Proposta didática 2015 .......................................................................................... 84
Quadro 15: Síntese dos artefatos selecionados ........................................................................ 86
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AOE Atividade Orientadora de Ensino
AS Atividade Social
COGEAE Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão
DIGIT-M-ED
FFLCH/USP Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFMG Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais
LA Linguística Aplicada
LAC Linguística Aplicada Crítica
GP LACE Grupo de Pesquisa Linguagem em Atividades em Contexto Escolar
LAEL Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais
NGL New London Group
PCCol Pesquisa Crítica de Colaboração
Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE Plano Nacional da Educação
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica
TASHC Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural
TCLE Termo de Livre Consentimento e Esclarecido
TDIC Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
TICs Tecnologias da Informação e Comunicação
ZPD Zona de Desenvolvimento Proximal
LISTA DE SÍMBOLOS
[ ] comentário da transcritora
( ) descrição multimodal
// pausa
... suspensão da fala
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 17
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 30
2.1 Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASHC) ............................................. 30
2.2 Os Conceitos de Encapsulação/Desencapsulação ........................................................... 38
2.2.1 Multimodalidade .................................................................................................. 42
2.2.2 Multiletramentos e Atividade Social .................................................................... 48
2.2.3 Atitude Crítica ...................................................................................................... 52
3 METODOLOGIA .............................................................................................................. 55
3.1 Pesquisa Crítica de Colaboração ................................................................................... 55
3.2 Contexto de Pesquisa .................................................................................................... 56
3.2.1 Histórico ............................................................................................................... 57
3.2.2 Funções Desempenhadas pelos Integrantes do Projeto ........................................ 61
3.3 Membros Organizadores do Projeto ............................................................................. 62
3.4 Instituições Participantes no Projeto ............................................................................. 64
3.5 Participantes da Pesquisa .............................................................................................. 65
3.6 Pesquisadora-formadora ............................................................................................... 66
3.7 Instrumentos e Procedimentos de Produção de Dados ................................................. 68
3.8 Local da Pesquisa .......................................................................................................... 70
3.9 Procedimento de Seleção de Dados e Organização da Pesquisa .................................. 71
3.10 Categorias de Análise e Interpretação......................................................................... 71
3.10.1 Aspectos Enunciativos ....................................................................................... 72
3.10.2 Aspectos Linguísticos ........................................................................................ 73
3.10.3 Aspectos Discursivos ......................................................................................... 75
3.11 Garantias de Credibilidade da Pesquisa ...................................................................... 78
4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA ..................................................... 80
4.1 Organização do ensino- aprendizagem a partir de Atividade Social ............................ 80
4.1.1 Proposta Pedagógica 2015: Eleição dos Três Eixos (Atividade Social, Tema e
Conceito) ......................................................................................................................... 81
4.1.2 Determinação dos Componentes da Atividade Social ......................................... 82
4.1.3 Conexão entre as Áreas do Conhecimento........................................................... 83
4.1.4 Expectativas de Aprendizagem ............................................................................ 84
4.1.5 Escolha dos Artefatos Utilizados ......................................................................... 85
4.1.5.1 Pôster, Flyer e Post .......................................................................................... 86
4.1.5.2 Filme ................................................................................................................ 90
4.1.5.3 Tipos de Perguntas .......................................................................................... 92
4.1.5.4 Performance ..................................................................................................... 93
4.1.5.5 Imagens das Famílias em Diferentes Eras ....................................................... 94
4.2 Conclusões Iniciais ....................................................................................................... 94
4.3 Análise Crítico-interpretativa das Interações ................................................................ 97
4.3.1 Workshop do dia 11 de abril de 2015: quarto momento ...................................... 98
4.3.2 Workshop do dia 09 de maio de 2015: segundo momento ................................ 108
4.5 Conclusão das Análises .............................................................................................. 115
5 CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................................................ 118
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 120
ANEXO 1 ............................................................................................................................... 126
ANEXO 2 ............................................................................................................................... 128
17
1 INTRODUÇÃO
Qual de nós pode, voltando-se no caminho onde não
há regresso, dizer que o seguiu como o devia ter
seguido?
(FERNANDO PESSOA, 2006, trecho 42)
Esta pesquisa investiga como a ênfase em multiletramentos, a partir de Atividade
Social, possibilita a aprendizagem não encapsulada de conceitos trabalhados no contexto
escolar, estabelecendo uma relação entre a aprendizagem na escola e o agir na sociedade. Para
atingirmos tal objetivo, os dados foram coletados durante os worshops vivenciados no projeto
DIGIT-M-ED hiperconectando Brasil: transformando o ensino-aprendizagem, doravante
DIGIT-M-ED hiperconectando, um contexto de projeto de formação de formadores1,
envolvendo professores, pesquisadores, diretores, coordenadores e alunos - no papel de
formadores - provenientes de escolas públicas e privadas, de Universidades particulares e
participantes do Grupo de Pesquisa Linguagem e Atividade em Contexto Escolar (LACE), da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A importância desta pesquisa advém de inúmeros estudos que falam diretamente ao
trabalho que desempenho, como Professora de Língua Portuguesa e autora de material e manual
didáticos, voltados ao Ensino Fundamental II, que atendem a escolas públicas e privadas, em
rede nacional. Esses estudos apontam para o fato de que os conteúdos desenvolvidos na escola,
muitas vezes, não dialogam com a cultura de seu alunado, frequentemente, conduzindo a um
hiato entre o que se aprende na escola e o que se vive fora, à obsolescência do trabalho escolar
e ao desinteresse por parte dos alunos (cf. ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA, 2016).
Destarte, a constatação de que, em 2014, somente 73,7% dos jovens de até 16 anos
concluíram o ensino fundamental - um indicador longe da meta apontada pelo Plano Nacional
da Educação (PNE) de 95% (ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO, 2016, p. 32) -
1 O Projeto de Extensão “DIGIT – M-ED hiperconectando Brasil: transformando o ensino-aprendizagem” está
inserido no Grupo de Pesquisa “Linguagem em Atividades no Contexto Escolar” (GP LACE) e será discutido com
maior profundidade e detalhes na Seção 3. Liderado pela professora Fernanda Liberali, e realizado na PUC-SP,
tem como objetivo investigar propostas de reformulação curricular para o trabalho com saberes múltiplos.
18
aponta para a urgência em se empreender uma ampla reformulação do Ensino que torne a
Educação mais significativa, “aproximando a escola da realidade cotidiana dos alunos”. Essa
informação pode ser confirmada pelos estudos apresentados pelo Censo Demográfico e da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apurados e divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e pelos dados do Censo Escolar e do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), disponibilizados pelo Ministério da Educação
(ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇAO BÁSICA, 2016). Motivado por resultados, é
recomendação do PNE que a escola institucionalize um
[...] programa nacional de renovação [...] com o objetivo de promover práticas
pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre
teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira
flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em
dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte
(ANUÁRIO BRASILERIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2016, p. 33).
Esses resultados, em relação ao PNE, foram constituídos com base na ampla
participação social, envolvendo “pessoas por meio de fóruns dos quais participaram
professores, universidades, movimentos populares de todos os segmentos, institutos e
fundações empresariais, sindicatos e partidos políticos” (ANUÁRIO BRASILEIRO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA, 2016, p.8). Trata-se, portanto, de um abrangente processo democrático
em termos de participação civil.
O documento do PNE discute, ainda, a construção simultânea de significados pela
criança. A exemplo, cita o conhecimento sobre o sistema e a linguagem, mencionando a
importância em se articular as atividades de uso da linguagem com as atividades de reflexão
sobre a escrita – um campo empoderando o outro. Aponta, também, para a questão do ensino-
aprendizagem de conceitos (objeto desta pesquisa), salientando que “não se trata de ensinar
isoladamente os conteúdos envolvidos. O ensino precisa envolver as práticas sociais nas quais
eles estão inseridos” (ANUÁRIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2016, p. 55).
Nesse entender, “o aluno é visto como um sujeito intelectualmente ativo e que formula
hipóteses” (ANUÁRIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2016, p. 55), na relação
com outros (VYGOTSKY, 1934). Um caminho contrário ao que temos visto em que “a maior
parte do conhecimento [...] é empírico, ou seja, conhecimento em forma de fatos ou
conhecimento de texto, e como tal nunca se torna útil na vida” (HEDEGAARD, 2013, p. 210).
Nesse quadro, o central é que a escola ensine conceitos teóricos relacionados aos conhecimentos
19
cotidianos, oferecendo “às crianças novas habilidades e possibilidades de ação” e a
possibilidade de construir com outros (HEDEGAARD, 2013, p. 20).
Outro estudo que considero importante mencionar, uma vez que mostra como a
expectativa de gênero, raça2 e classe social é, também, fator determinante no que se refere à
evasão escolar, é o de Lins (2016), que revela que esse contingente de estudantes desistentes
dos estudos tem sido formado, principalmente, por homens negros e moradores de periferias
das grandes cidades. Segundo Lins (2016, p. 22), “de modo geral a escola é pensada como um
espaço privilegiado para o que se entende por feminilidade”, apoiado em estereótipos sociais
de feminilidades relacionados a sentidos de “capricho, atenção, determinação e obediência”. O
fracasso escolar revelar-se-ia como uma manifestação da virilidade, em que “em alguns
contextos a insubordinação às regras escolares se torna uma maneira de muitos meninos
constituírem sua identidade e se mostrarem publicamente como masculinos” (LINS, 2016, p.
23).
Os estereótipos masculinos relacionados à insubordinação e à diversidade cultural não
valorizada pela escola, em relação às culturas das comunidades fora dela, podem ser
responsáveis por levar os rapazes, principalmente, a se afastarem da escola, devido às sanções
por mau comportamento, exemplificando, desse modo, como a questão dos papéis
desempenhados pelos sujeitos são limitadoras em termos acesso a direitos e possibilidades no
processo de escolarização. Embora essa seja uma questão complexa e de difícil solução, dada
a diversidade de aspectos envolvidos, como revelam discussões científicas e reportagens, uma
pergunta que se coloca, há muito tempo, é como fazer da escola um espaço atrativo aos jovens,
com o propósito de assegurar não somente a matrícula, mas a continuidade desse jovem ao
longo do curso da forma mais democrática possível, questão essa que suporta a necessidade
desta pesquisa.
Assim, o presente estudo está voltado para a pesquisa sobre ensino-aprendizagem em
contextos de formação diversos, com a participação de sujeitos, exercendo papéis e funções
diversas. Está inserido no campo da Linguística Aplicada Crítica (LAC), seguindo a linha de
pesquisadores Da Moita Lopes (2006) e Fabrício (2006) que defendem uma LA “como prática
problematizadora”. Uma LA em que os pesquisadores se responsabilizam por suas escolhas
ideológicas e as submetem ao reexame e ao estranhamento quanto a “vestígios” de práticas
2 De acordo com Lins (2016, p. 92), embora a categoria classificatória “raça” esteja presente no Brasil desde a
década de 1870, o termo não se aplica a seres humanos, pois não há entre os humanos características que nos
diferencie do ponto de vista biológico. Nossas diferenças estão relacionadas a aspectos superficiais, como por
exemplo, à cor da pele, expressa por, pelo menos, dez genes entre os 25 mil estimados do genoma humano.
20
modernas, iluministas ou coloniais nela presentes” (FABRÍCIO, 2006, p. 51). Tal posição
desloca o olhar das epistemes desintegradas do mundo real e abre espaço para “visões
alternativas”, que dão vigor à natureza social dos sujeitos envolvidos ao “vê-la compreendida
por outras histórias”, dialogando diretamente com o mundo contemporâneo e com as práticas
sociais que vivem as pessoas que nele habitam (DA MOITA LOPES, 2006).
Esta investigação, por direcionar questões da linguagem, relacionadas à formulação e à
não encapsulação de conceitos nos diferentes contextos de formação, vai ao encontro da visão
de uma LA que se pretende “responsiva à vida social e que se prende à necessidade de entendê-
la como área “híbrida/mestiça” ou a área da “INdisciplina” (DA MOITA LOPES, 2006, p. 97).
Assim, questiona-se os olhares que veem o ensino por lentes homogeneizadas, que ignoram o
fato de professores e alunos possuírem uma historicidade, que acabam por circunscrevê-la em
seus posicionamentos discursivos em sala de aula. Em outras palavras, esse modo de conceber
a LA, ao enfatizar o sujeito social – real, não ideal - e sua relação com a alteridade, bem como
a heterogeneidade na construção do conhecimento, oportuniza ao pesquisador “pensar outras
sociabilidades para a vida social” (DA MOITA LOPES, 2006, p. 104), o que é essencial para
que se extrapole os limites entre a teoria e a prática.
Para verificar as pesquisas já realizadas concernentes à não encapsulação do ensino-
aprendizagem na escola, foi feita uma busca com as palavras-chave: “transposição”,
“encapsulação”, “desencapsulação” e “formulação de conceitos” nos sites oficiais Acervus
(UNICAMP), Dedalus (USP), Lumem (PUC/SP), Scielo, Academia e Portal de Periódicos
CAPES. Dentre as pesquisas buscadas, destacam-se as de Cedro e Moura (2004); Predancini
(2008); Onofre (2009); Eluf (2010); Camillo (2011); Aguiar (2014); Pinto (2011); Engeström
(2012, 2002); Philippov (2014); Liberali et al. (2015); Dias (2015). Exponho, a seguir, as
pesquisas encontradas que, embora com formas e focos diferenciados, caminham na direção da
desencapsulação da aprendizagem escolar.
Assim, o artigo de Cedro e Moura (2004), tendo como tendo por base teórico-
metodológica a atividade orientadora de ensino (AOE), defendida por Moura (1992, 1996,
2001, 2004), apoiado, teoricamente, na Teoria da Atividade Histórico-Cultural, discute um
experimento didático direcionado ao ensino da matemática na escola fundamental - o Clube da
Matemática. Tal estudo versa sobre o desenvolvimento de atividades que criem condições para
que a criança formule relações entre os componentes abstratos e concretos de conceitos
matemáticos. Segundo os autores, “as condições para a formação de relações entre os
componentes dos conceitos, surgem a partir do momento, em que o sujeito considera o
21
conhecimento como uma parte da sua vida real, e não uma condição externa” (CEDRO e
MOURA, 2004, p.4).
Sob a base teórica anteriormente apresentada, a tese de Camillo (2011) analisa as
atividades experimentais, voltadas à Física, como recurso de ensino aprendizagem. Seus
estudos evidenciaram que a “atividade experimental [...] só adquire sentido quando mergulhada
em uma práxis, em que os sujeitos compreendem seu papel na atividade, quando compartilham
certos instrumentos mediadores comuns que os farão ter acesso ao mesmo objeto [...]”
(CAMILLO, 2011, p. 9).
Com base nos estudos de Vygotsky sobre formação de conceitos, Predancini et al.
(2008) publicou um artigo intitulado “Saber científico e conhecimento espontâneo: opinião de
alunos do ensino médio sobre transgênicos”. O trabalho consiste em uma pesquisa quali e
quantitativa (interpretativista) que verifica, por meio de um questionário, a influência da mídia
na resposta dos alunos a respeito dos “transgênicos”. Igualmente às pesquisas apontadas
anteriormente, esta dedica-se a investigar a aprendizagem de conceitos pelos estudantes, porém,
levando em conta o que aprendiam por meio da mídia. Os resultados revelam que as opiniões
manifestadas pelos estudantes não ultrapassavam as discussões de senso comum. Segundo os
autores, as dificuldades estavam relacionadas à falta de domínio da base científica, em
decorrência de um ensino que valoriza apenas a memorização.
Também voltado à aprendizagem de conceitos, o artigo de Onofre (2009) discute a
“Educação escolar na prisão na visão dos professores: um hiato entre o proposto e o vivido” e
desvela, no cotidiano das escolas do sistema prisional, “um hiato entre o discurso oficial e a
vivência instaurada, nas escolas das unidades prisionais” (ONOFRE, 2009, p.4). Do mesmo
modo, a tese desenvolvida por Aguiar (2014), “O Percurso da didatização do pensamento
algébrico no ensino fundamental: uma análise a partir da transposição didática e da Teoria
Antropológica do Didático”. Esse estudo analisa, com base na Teoria da Transposição Didática
e na Teoria do Antropológico de Yves Chevallard, o modo como os livros didáticos possibilitam
a construção do pensamento algébrico. Investigando o percurso da didatização da álgebra no
Ensino Fundamental, Aguiar (2014) encontrou, ao final de sua pesquisa, outros modos de
didatização voltados para o desenvolvimento do pensamento algébrico.
Também voltado à aprendizagem de conceitos, o artigo de Onofre (2009) discute a
“Educação escolar na prisão na visão dos professores: um hiato entre o proposto e o vivido” e
desvela, no cotidiano das escolas do sistema prisional, “um hiato entre o discurso oficial e a
vivência instaurada, nas escolas das unidades prisionais” (ONOFRE, 2009, p.4). Também, a
tese desenvolvida por Aguiar (2014), “O Percurso da didatização do pensamento algébrico no
22
ensino fundamental: uma análise a partir da transposição didática e da Teoria Antropológica do
Didático” analisa, com base na Teoria da Transposição Didática e na Teoria do Antropológico
de Yves Chevallard, o modo como os livros didáticos possibilitam a construção do pensamento
algébrico. Aguiar (2014) investiga o percurso da didatização da álgebra no Ensino Fundamental
e, ao final da pesquisa, encontrou outros modos de didatização voltados para o desenvolvimento
do pensamento algébrico.
Voltada à promoção da autonomia de alunos do curso de Letras pelo acesso à
capacitação do aprendiz no processo de ensino-aprendizagem, Eluf (2010) desenvolveu, na
FFLCH-USP, pesquisa baseada na interface pedagógica a partir da intersecção entre a
Linguística de Corpus e a Pedagogia dos Multiletramentos. Ao final da pesquisa, concluiu que
a aquisição da autonomia foi dada pelo acesso a atividades que inserem TICs, a Linguística de
Corpus e a Pedagogia dos Multiletramentos, por meio das quais o aprendiz assume o papel de
investigador abandonando a postura passiva, tornando-se explorador.
Direcionada às aulas de Língua Inglesa, a tese de Souza (2011), desenvolvida na FFCH-
USP, intitulada “Multiletramentos em aula de Língua Inglesa no Ensino Público: transposições
e desafios”, teve como foco transpor para a prática conceitos das teorias de letramentos críticos
(LUKE e FREEBOY, 1997; GIROUX, 2005) e multiletramentos (LANKSHEAR, SNYDER e
GREEN, 2000; GEE, 2006) para analisar as questões que emergem dessa transposição.
Outro trabalho, tendo como base a Pedagogia dos Multiletramentos, é o artigo “Práticas
transformadoras em um curso técnico integrado: vivenciar para ser” (PINTO, 2012). Esse
artigo analisa uma prática de letramento ocorrida durante o segundo semestre de 2011, junto ao
curso Técnico em Agropecuária Integrado, do Instituto Federal Farroupilha – Campus São
Vicente do Sul -, ao longo das aulas da disciplina de Língua Portuguesa. Refere-se a um projeto
de ensino, pesquisa e extensão desenvolvido, conjuntamente, com um professor da área
agrícola, que ministra a disciplina de sociologia e extensão rural para o curso referido.
Especificadamente, o estudo busca analisar as evidências de uma aprendizagem significativa,
no que se refere aos quatro princípios da Pedagogia dos Multiletramentos (THE NEW
LONDON GROUP, 1996): prática situada, instrução explícita, enquadramento crítico e prática
transformadora. Trata-se de uma tentativa de integrar a Língua Portuguesa no contexto
profissional dos estudantes e, assim, minimizar a dicotomia teoria e prática. Está estruturada
como uma pesquisa social na perspectiva da etnografia, viabilizada pela observação
participante da pesquisadora que organizou a coleta de notas de campo, depoimentos e
relatórios escritos pelos estudantes participantes.
23
Com o artigo “Embodied Germ Cell at Work: Building an Expansive Concept of
Physical Mobility in Home Care”, Engeström (2012) apresenta o processo de formulação do
conceito de mobilidade. Esse artigo é importante devido ao fato do conceito ser desenvolvido
com base na participação coletiva, embora, ao contrário dos trabalhos apresentados
anteriormente, essa pesquisa não tenha se desenvolvido fora do contexto escolar. Com base na
teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural, Engeström investiga a construção de conceito
pelo método de “ascensão do abstrato para o concreto”, proposto por Davidov. Seu estudo
envolve o atendimento domiciliar destinado aos idosos. Trata-se de uma pesquisa que visa
transcender a contradição entre os sentidos de “segurança” e “autonomia” para expandir a
mobilidade do idoso além dos limites de levantar-se da cadeira.
Em outro artigo, mas agora considerando o contexto escolar, intitulado Non scolae sed
vitae discimus: Como superar a encapsulação da aprendizagem escolar, Yrjö Engeström
(2002) aborda a descontinuidade entre a aprendizagem na escola e a cognição fora da escola” a
que denominou “encapsulação da aprendizagem escolar”. Amparado no “conceito de atividade
desenvolvido pela escola de psicologia cultural-histórica”, o autor apresenta os estudos de
Davidov - o método de ascensão do abstrato para o concreto; os estudos de Lave e Wenger -
com a abordagem da participação periférica e a abordagem expansiva - proposta por ele mesmo
(Engeström). Ao término da exposição, o pesquisador conclui que o encapsulamento seria
rompido com a abordagem expansiva devido à ampliação gradual do contexto de aprendizagem.
Para Engeström, o contexto de aprendizagem transformar-se-ia num instrumento coletivo para
equipes de alunos, professores e pessoas viverem em comunidade.
De modo similar, Philippov (2014) em pesquisa ligada ao projeto de pesquisa “Gestão
Escolar em Cadeias Criativas", coordenado pela Profa. Dra. Liberali, da PUC-SP, investigou a
questão teórico-prática de como romper a encapsulação escolar e curricular (Engeström, 1991)
que fragmenta conteúdos de disciplinas como Língua e Literatura em contextos de ensino
superior de Letras. Em sua pesquisa, Philippov, a partir de uma disciplina da habilitação Inglês,
investiga a organização do currículo em torno de contextos de uso da linguagem e das teorias
de gêneros. A investigação parte de uma perspectiva crítico-colaborativa (Magalhães e Fidalgo,
2011) e da TASHC -Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural - (Vygotsky, 1934/2005;
Leontiev, 1977), por meio da qual discute a forma como o trabalho poderá levar o aluno a uma
aprendizagem mais integral, voltada para a “vida que se vive” (Marx e Engels, 1845/1846). A
pesquisadora tem como base os documentos oficiais, transcrições de gravações em áudio e
vídeo das aulas, questionários periódicos respondidos pelos participantes (alunos), redações de
alunos, planos de ensino e de aula e diários reflexivos elaborados pela docente. Os dados foram
24
analisados por meio de procedimentos dialógicos, com foco na organização argumentativa da
linguagem.
Recentemente, Liberali et al. (2015), no artigo intitulado “Projeto DIGIT-M-ED Brasil:
uma proposta de desencapsulação da aprendizagem escolar por meio dos multiletramentos”,
apresenta e discute o processo de elaboração de uma unidade didática que objetiva a não
encapsulação da aprendizagem por meio dos multiletramentos. Tal proposta ambiciona, por
meio dos multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 1996/2000), a desencapsulação do
currículo escolar a partir da participação dos sujeitos participantes em propostas engajadoras
que possam romper com práticas escolares distanciadas da vida dos alunos. A referida proposta
almejou a criação de práticas didáticas que estabelecessem uma relação entre a escola e a vida
fora dela, com foco no envolvimento crítico-reflexivo de alunos e professores, inseridos em um
contexto em que são solicitados a tomar decisões e emitir pontos de vista com sustentação sobre
temas do conteúdo escolar de suas séries. Ao fim da exposição, o estudo salienta a prática
pedagógica crítico-colaborativa em que a dúvida, a realidade, a divergência, a diversidade, o
questionamento das certezas e incertezas sejam valorizados, para que se possa alcançar a
desencapsulação da aprendizagem escolar e possibilitar uma relação entre aprendizagem e
constituição de cidadania crítica e responsável.
Inserido no contexto da disciplina de Língua Portuguesa do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - IFMG Campus Ouro Preto, Dias (2015)
investigou o olhar do aluno em relação aos Multiletramentos e Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação – TDIC, para identificar os usos das TDIC no cotidiano dos alunos
dentro e fora da escola. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa que utiliza o estudo
de caso e a pesquisa-intervenção como procedimentos metodológicos, voltada à Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, que visava contribuir para a utilização das TDIC de forma
integrada ao conteúdo curricular A investigação adota os procedimentos de coleta de dados
concebidos por essa abordagem, tais como a observação em sala de aula, entrevista
semiestruturada com os professores e alunos participantes e aplicação de questionário aos
alunos. Os dados coletados apontaram para a importância do desenvolvimento dos
Multiletramentos e usos das TDIC por meio de projetos integrados com o conteúdo curricular
da disciplina, proporcionando aos professores formas efetivas de se trabalhar conteúdos
relevantes e, aos alunos, o desenvolvimento da autonomia e da criatividade, por meio de
trabalhos em equipe, pesquisas e seleções de informações.
O levantamento de pesquisas acima remete à temática aqui estudada e apontam para a
relevância desta pesquisa ao revelar a inquietude do pesquisador da área da Educação (e outras
25
áreas) em buscar diferentes modos de aprendizagem e desenvolvimento que relacionem a escola
a aspectos da vida real, seja na área de humanas, exatas, biológicas e na área da saúde.
Trazendo para a realidade na qual atuo, essas pesquisas reforçam a ideia de que, para
que faça sentido ao aluno, o ensino-aprendizagem de conceitos não pode estar apoiado apenas
em algo a ser transmitido pelo professor ou pelo livro didático, dissociado de seu uso fora da
escola. Ao contrário, para ser apropriado, o conceito necessita ser construído por meio das
interações, que envolvam negociações e compartilhamento de significados numa relação que
envolva teoria e prática. Nas palavras de Vygotsky (1934/2001, p. 247), “[...] o ensino direto
de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril”, “o professor que
envereda por esse caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras,
um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na
criança, mas, na prática, esconde o vazio”.
De certa forma, a pesquisa em questão entrelaça e expande as anteriormente citadas,
pois - além de propor uma abordagem escolar que tenha como base a vida real dos alunos, por
meio da desencapsulação da aprendizagem de conceitos - leva em conta outros modos de
materialização da linguagem que medeiam a relação aluno-escola-mundo, inserindo os
multiletramentos, num espaço (tal como os outros) intencionalmente organizado, com foco na
argumentação multicultural crítica articulada à multimodalidade.
Esta pesquisa salienta a importância da reversibilidade de papéis num contexto em que
se almeja a não simetria dos participantes, mas a não passividade entre os sujeitos envolvidos,
tendo a linguagem como mediadora e constitutiva da consciência de cada ser humano na ação
coloborativo-crítica com outros (MAGALHÃES, 2011). O foco está, portanto, na compreensão
de criação de contextos escolares que não encapsulem conceitos no contexto escolar, mas que
possibilitem a sua experienciação em contextos sócio-historicamente situados na escola e fora
dela. Isso posto, esta pesquisa visa compreender:
a) como o ensino foi organizado para a aprendizagem não encapsulada do conceito
trabalhado e a que se deve a importância dessa organização à apropriação do conceito.
b) de que forma a pedagogia dos multiletramentos, a partir de atividade social, contribui
para o avanço da compreensão do conceito em foco possibilitando uma apropriação
desencapsulada.
Partindo do pressuposto de que toda aprendizagem depende, também, da
intencionalidade de quem ensina e de quem aprende; do motivo que apoia as ações de todos os
participantes para suprir a necessidade; do coletivo, organizado em uma comunidade; das
26
linguagens que medeiam essas relações; das regras que organizam a atividade, são perguntas
que organizam esta pesquisa:
(I) como se deu a organização do ensino para a aprendizagem não encapsulada do
conceito trabalhado? Qual a importância dessa organização à apropriação do conceito?
II) de que forma a pedagogia dos multiletramentos, a partir de atividade social,
contribui para o avanço da compreensão do conceito em foco possibilitando uma
apropriação desencapsulada?
Voltando à questão do ensino-aprendizagem, de acordo com Vygotsky “somente
interagindo com adultos, é que as crianças finalmente inferem o sentido de um conceito”
(DANIELS, 2013, p. 13), pressupõe a centralidade da prática, apontando que a forma como,
usualmente, ocorre a escolarização formal esta pode ou não oferecer subsídios para
desenvolvimento qualitativo do pensamento conceitual da criança.
Concernente a isso, tem-se aberto uma ampla discussão que questiona a abordagem de
conteúdos, em sala de aula, em forma de treinamento. Como aponta Daniels (2013, p.18), esse
tipo de abordagem é repelido pela possibilidade em fraturar a natureza integral do indivíduo e
reduzi-lo à condição de um mero “joguete” das forças sociais.
Nessa direção, há, nos últimos tempos, uma persistente luta por parte de vários
estudiosos em considerar o mundo acadêmico e social do aluno para além dos muros da escola.
Outros apontam, ainda, a emergência de uma prática reflexiva no ensinar - aprender em sala de
aula de modo a poder enfocá-lo, como práxis. Trabalhos como os de Moita Lopes (1996);
Magalhães (2015, 2016); Ninin (2013, 2016); Liberali (2015, 2016) são exemplos desse tipo de
reflexão.
Desenvolvida no Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), esta
pesquisa está inserida na linha de pesquisa Linguagem e Educação, no Grupo de Pesquisa
LACE: Linguagem em Atividades no Contexto Escolar, coordenado pelas Profas. Dras.
Magalhães e Liberali. Outrossim, relaciona-se ao Projeto de Pesquisa da Profa. Dra. Magalhães:
“A escola como comunidade: linguagem, colaboração e contradição na produção de
conhecimento em pesquisas no contexto escolar”, bem como, ao Projeto DIGIT-M-ED
hiperconectando, coordenado por Liberali, cujos esforços estão voltados para o
empreendimento de uma educação multicultural, multimídia e multimodal - em Atividade
Social.
Ainda, tem como base teórico-metodológica a Teoria da Atividade Sócio-Histórico-
Cultural, desenvolvida por Vygotsky (1934/2008), Leontiev (1977; 1978a) e Engeström (2012;
27
2013); os estudos sobre Multiletramentos, por participantes do The New London Group
(1996/2000); os estudos sobre a multimodalidade e semiótica social de Jewitt (2008); Kress
(2005; 2012) e Kress e van Leeuwen (2006); a perspectiva dialógico-enunciativa de
Bakhtin/Voloshinov (1929/2009). Por investigarmos as ações pedagógicas e a forma como os
multiletramentos e a Atividade Social possibilitam a relação escola-mundo/mundo-escola, o
presente estudo tem como base metodológica a PCCol, Pesquisa Crítica de Colaboração, de
acordo com o definido por Magalhães (1994/2007; 1998; 2007, 2011; 2012; 2016), Magalhães
e Liberali (2007) e Liberali (2011; 2012; 2016). Os dados, produzidos, por meio de vídeo-
gravação, trocas de email e planejamentos foram transcritos e analisados com base na
perspectiva dialógico-enunciativa da linguagem.
Para desenvolvimento deste estudo, o trabalho está organizado em seções, além da
introdução e das considerações finais. Na segunda seção, é apresentada o quadro Teórico: a
Teoria da Atividade Sócio-Histórico Cultural (TASHC), abarcando os trabalhos pioneiros em
Vygotsky (1934/2008), (1934/2007); Vygotsky, Luria e Leontiev (1934/2016); Engeström
(1987; 1999; 2002; 2009; 2011) e nas discussões que avançam esses estudos.
Como ponto de partida, a Teoria da Atividade nos permite adentrar no universo de
nossa investigação. Em seguida, os veios dessa teoria, ancorados em Marx e Hegel, chamando
a atenção para o trabalho e sua relevância na construção do sentido pelo(s) sujeito(s) para a
configuração final do objeto e dos próprios sujeitos envolvidos na atividade, entremeada à
discussão sobre os conceitos vygotskyanos (e neovygotskyanos) que possam ancilar nossa
discussão sobre os processos de ensino-aprendizagem de conceitos e sua decorrente
desencapsulação. Na seção seguinte, discutem-se os aspectos relacionados à questão da
Linguagem, sua repercussão nos Multiletramentos e na desencapsulação de conceitos dentro do
processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de um momento em que se apresenta a linguagem
como um instrumento linguístico do pensamento, determinada por um processo histórico-
cultural e sujeita a todas as premissas do materialismo histórico (VYGOTSKY, 1934),
entendendo que é na/pela linguagem que se revelam atitudes de acolhimentos ou afastamentos
que contribuem para a não valorização de certos discursos colocados socialmente em
desvantagem em relação a outros.
Nessa seção, estudos dos multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 2009; JEWITT,
2008; KRESS, 2005; 2006; 2012) são conduzidos como parte de um processo emancipatório
que podem servir “como meio para chegar-se a uma apropriação crítica da própria cultura e da
própria história” (MACEDO, 2000, p. 84). Desse modo, a linguagem é aqui entendida, também,
28
como “produção cultural”, um “modo pelo qual as pessoas produzem, transformam e
reproduzem significados” (MACEDO, 2000, p. 85).
A seção seguinte discute as questões metodológicas relacionadas à organização e à
condução da pesquisa. São apresentados os participantes, bem como, a produção, as categorias
de análise e interpretação dos dados. Ainda, está destinada à apresentação do contexto de
pesquisa: DIGIT-M-ED hiperconectando.
A quarta seção está reservada para a discussão dos procedimentos de análise e
interpretação de dados. Esta seção organiza-se, em duas partes, para responder às perguntas de
pesquisa na observância de como a ênfase em multiletramentos, a partir de Atividade Social,
possibilita a aprendizagem não encapsulada de conceitos trabalhados no contexto
escolar, estabelecendo uma relação entre a aprendizagem na escola e o agir na sociedade.
A primeira parte visa enfocar a organização do ensino-aprendizagem para a
aprendizagem e desenvolvimento dos conceitos em foco, de formas não encapsuladas; e ampliar
essa questão para as formas como a pedagogia dos multiletramentos contribuiu para expansão
e transformação dos conceitos em foco nos contextos específicos, a partir da Atividade Social
trabalhada, partindo do pressuposto de que toda aprendizagem depende, além de outros fatores,
da intencionalidade de quem ensina e de quem aprende; do motivo que apoia as ações de todos
os participantes para suprir a necessidade que desenvolve o motivo do coletivo e o organiza nas
ações para a produção colaborativa do objeto em questão, em uma comunidade; das linguagens
que medeiam essas relações; das regras que organizam a atividade.
Possíveis contribuições da pesquisa
Esta pesquisa ressalta não só a importância da relação entre o que se aprende na escola e
os contextos de vida, isto é, da desencapsulação da aprendizagem de conceitos, numa relação
teoria e prática, como também a emergência em se repensar, na escola, a questão de papéis
como algo constituído em comunidade.
Relação considerada por nós como não conflitantes uma vez que devem estar integradas
no trabalho com a linguagem dissensos no seu uso como propulsores de transformação não só
da língua, mas também da cultura escolar, ao passo que produzem tanto formas e funções
linguístico-discursiva quanto posições e identidades numa dada ordem sociocultural e
linguística (SIGNORINI, 2006).
Este estudo contribui para que sejam discutidas atitudes que possam, de alguma forma,
perpetuar relações valorativas de poder denotadas na desigualdade de papéis que acabam por
29
lançar à margem uns em detrimento de outros, quando, ao contrário, o espaço escolar deveria
ser, democraticamente, desfrutado por todos, conforme recomenda Karl Marx, no capítulo
XII, do livro I, de O Capital, que coloca a instrução “a fim de evitar a degeneração completa
da massa do povo, originada pela divisão do trabalho”.
É importante esclarecer, a conselho de Signorini (2006), que o termo “democrático” aqui
utilizado está longe de ser aquele empregado como “regime político”, “mas modo de
manifestação do político enquanto instauração do litígio sobre igualdade de condições na
comunicação social nos processos de subjetivação do falante” (SIGNORINI, 2016, p. 170). O
destaque a isso deve-se ao fato de focalizarmos a linguagem como prática social e observá-la
na ampla amalgamação de fatores contextuais (FABRÍCIO, 2006), numa perspectiva inter e
transdisciplinar, com vistas ao estabelecimento de vínculos com os fenômenos sociais, no ato
de argumentar para compartilhar significados, que podem ser alcançados quando direcionados
os olhares para os contextos de vida e para as necessidades local e circundante.
Olhar para as necessidades dos contextos de vida amplia sobremaneira a questão da
linguagem na sua diversidade, pois permite ver os sujeitos se engajarem no processo de criação
inundado por vozes outras, familiares ou desconhecidas, próximas ou longínquas, configurando
uma verdadeira cadeia não linear de interação que viabiliza a produção do sentido, num ciclo
constante, ininterrupto e expansivo, dentro de um permanente vir a ser.
Essa ótica abre espaço para o pensamento multicultural (SANTOS, 2008), para o
funcionamento da linguagem que instaura o objeto, com os indivíduos em colaboração para
que, de forma conjunta, possam ir além do ponto que poderiam ir se sozinhos estivessem
(LIBERALI, 2016).
É, portanto, a ideia de totalidade da linguagem que nós, membros do Grupo LACE
aspiramos, pois traz à baila um novo sentido de educar que se alinha à visão de construção da
palavra internamente persuasiva, como bem diz Liberali (2016), que possibilita o
desenvolvimento de sujeitos como agentes de transformação de si, do outro e do universo
circundante, uma vez que se sentem impelidos a trazer ao debate as vozes internas que os
constituem para produzir com os demais uma multiplicidade de vozes, configurando a
totalidade nas atividades de ensino-aprendizagem (LIBERALI, 2016, p. 66).
30
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à
margem de um texto apagado de todo. Mais ou
menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que
havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida,
e os sentidos possíveis são muitos.
(FERNANDO PESSOA, 2006, trecho 148)
Esta pesquisa está apoiada na Teoria da Atividade Sócio-histórico-Cultural que discute
a base sócio-histórica e cultural do desenvolvimento humano. Fundamentada na filosofia
marxista, tem como precursora as discussões de Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934), que,
na década de 1920 e no início de 1930, iniciou sua vida como psicólogo em busca de uma
abordagem abrangente que permitisse a descrição e explicação das funções psicológicas
superiores. Os estudos de Vygotsky sobre atividade contextualizaram estudos como os
desenvolvidos por Leontiev, 1978; Luria, 1986/1998; 1986/2001; Cole & Engeström, 1993, e
por pesquisadores do GP LACE.
Assim, esta seção tem por objetivo apresentar os conceitos vygotskyanos (e
neovygotskyanos) que possam ancilar nossa discussão sobre os processos de ensino-
aprendizagem de conceitos com vista à desencapsulação.
2.1 Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASHC)
Em Vygotsky está o discurso fundador do conceito de Atividade. Em seus primeiros
escritos, o pesquisador propõe que a atividade socialmente significativa sirva de base para
explicar o princípio gerador da consciência humana, fundando o conceito de atividade na
psicologia soviética. Essa ideia ficou conhecida pelo modelo triangular que propunha um
elemento intermediário mediador entre a conexão estímulo-resposta, proposta pelas correntes
comportamentalistas.
Como pano de fundo teórico sobre o qual o conceito de atividade emergiu como
princípio explanatório, estão os estudos de Pierre Janet e a filosofia marxista, de Marx e Hegel.
De Pierre Janet, ganham destaque o problema da atividade e o papel “de outros” na
31
configuração da psique individual. De Marx e Hegel, a teoria social da atividade humana e a
visão histórica do desenvolvimento e das formas de realização da consciência humana, apoiadas
nas discussões de Hegel. As discussões sobre a práxis, atividade humana historicamente
concreta, de Marx e Hegel, atraíram a atenção de Vygotsky que se apoiou nesse conceito como
paradigma para a formulação da atividade como princípio explanatório, segundo o qual, como
aponta Kozulin (2013, p. 135), “o indivíduo aparece como um participante da atividade. Assim,
a atividade em seu papel de princípio explanatório último não pode ser reduzida a manifestações
da consciência individual”, pois tanto o objeto quanto o sujeito são históricos e culturalmente
significativos.
Nesse quadro, imbuído da tarefa de restaurar a legitimidade do conceito de consciência,
Vygotsky, com o artigo A consciência como um problema da psicologia do comportamento,
assume uma postura metodológica que salienta a atividade como geradora de consciência.
Nesse mesmo artigo, aparece outra tese não menos importante que é “a construção da
consciência de fora para dentro por meio da relação com outros” (KOZULIN, 2013, p. 113).
Ao elaborar o conceito de ferramentas psicológicas, Vygotsky distingue as funções
mentais “superiores” das funções “inferiores” e com a monografia intitulada História do
desenvolvimento das funções mentais superiores, Vygotsky passa a considerar as funções
mentais superiores como objeto de estudo; bem como, os sistemas semióticos como mediadores
e a atividade como um princípio explanatório. Com as discussões enfocadas em Pensamento e
Linguagem (1934), Vygotsky revela seu objetivo: a relação entre linguagem e pensamento.
Nessa obra, o simbolismo e a convencionalidade dos signos foram considerados traços
essenciais da atividade humana e o conceito de atividade passa a ser entendido “como uma
utilização da cultura no comportamento individual, encarnada na função simbólica do gesto, do
jogo e dos sistemas linguísticos” (KOZULIN, 2013, p. 120). Essa concepção destaca a
mediação cultural no processo de apropriação do conhecimento. Nesse processo, as funções
psicológicas superiores se efetivam externamente (relação interpessoal) para, posteriormente,
serem internalizadas pela atividade individual (relação intrapessoal), na constituição do ser
humano.
Com base nessas discussões, A.N. Leontiev (1947) rediscute o conceito de atividade e
elabora a teoria da atividade psicológica, focalizando as inter-relações entre o sujeito individual
e a comunidade. Leontiev faz a distinção entre atividade, ação e operação, sugerindo o
desmembramento da atividade em três níveis: no primeiro, a atividade está relacionada a uma
necessidade do coletivo e a um motivo para agir, no segundo, o foco está relacionado à ação na
32
construção de um objeto/motivo que supra a necessidade e, no terceiro, o foco está na operação
que é dependente das condições de realização do contexto de ação (KOZULIN, 2013, p. 131).
Assim, o primeiro nível diz respeito à atividade orientada pelo objeto/motivo que é
desenvolvida pela comunidade; o segundo refere-se à ação que é orientada pelo objeto e
realizada pelos indivíduos ou grupo e o terceiro, correspondente às operações, orientadas
mecanicamente por meio de rotinas humanas. Diz ele:
A atividade, externa e interna, do sujeito é mediada e regulada por um reflexo
psíquico da realidade. O que o sujeito vê no mundo objetivo são motivos e
objetivos, e as condições de sua atividade devem ser recebidas por ele de uma
forma ou de outra, apresentadas, compreendidas, retidas e reproduzidas em
sua memória; isto também se aplica aos processos de sua atividade e ao
próprio sujeito - a sua condição, a suas características e idiossincrasias.
(LEONTIEV, 1978, p. 9).
Ao salientar que o ser humano tem outras necessidades, além daquelas que são
determinadas biologicamente, Leontiev (1978) reforça o estudo da necessidade humana sob a
perspectiva materialista-histórica. Segundo ele, a esfera das necessidades humanas é dividida
em duas partes, podendo ser determinada tanto biologicamente quanto socialmente. Citando
Marx, diz que "Fome [...] é fome, porém a fome que é saciada através de alimento cozido
comido com garfo e faca é diferente daquela fome na qual a carne crua é comida com as mãos,
as unhas e os dentes."
Para Leontiev (1978), a atividade animal e a atividade humana produzem diferenças
qualitativas entre a estrutura do psiquismo animal e a do psiquismo humano. A estrutura da
atividade animal caracteriza-se pela não mediatização sobre determinado objeto. Com o homem
é diferente. Ao longo de sua evolução, a estrutura da atividade coletiva humana mediatizada foi
submetendo-o a uma estrutura complexa, que transformou a atividade coletiva composta de
ações individuais, ou seja, com divisão de tarefas. Enfoca que o “objeto da atividade é seu
verdadeiro motivo”, isto é, um processo só pode ser considerado uma atividade se conseguirmos
identificar o seu objeto ou motivo. São, também, as diferenças nos objetos que distinguem uma
atividade de outra, pois são os objetos que direcionam a atividade a um determinado sentido
(KOZULIN, 2013, p. 131). Nas palavras de Leontiev (1978, p. 14):
[...] a necessidade real é sempre uma necessidade de alguma coisa, que, no
nível psicológico, as necessidades são mediadas pela reflexão psíquica, e de
duas maneiras. Por um lado, os objetos que respondem às necessidades do
sujeito aparecem diante dele dentro de suas características sensoriais
objetivas. Por outro lado, as condições da necessidade, nos casos mais
simples, assinalam-se e são sensorialmente refletidas pelo sujeito como
33
resultado das ações de estímulos de recepção interna. Aqui, a mudança mais
importante que caracteriza a transição para o nível psicológico consiste no
começo da conexão ativa das necessidades com os objetos que as satisfazem.
Acontece que, na própria condição de necessidade do sujeito, o objeto que é
capaz de satisfazer a necessidade não é claramente delineado. Até o momento
de sua primeira satisfação, a necessidade "não conhece" seu objeto; ele ainda
precisa ser revelado. Só como resultado dessa revelação, é que a necessidade
adquire sua objetividade e o objeto percebido (representado, imaginado) vem
a adquirir sua atividade provocativa e diretiva como função; isto é, torna-se
um motivo.
Para Leontiev (1978), as ações são dirigidas por objetivos e metas. Entretanto, apenas o
objeto da atividade coletiva – e não os objetivos das ações – pode justificar o porquê do
surgimento da ação. A relação existente entre objetivo de uma ação e objeto da atividade
promove uma relação dialética. Desse modo, a atividades não pode existir sem as ações que a
constituem e as ações não existem fora da atividade, pois ambas estão mutuamente implicadas.
De acordo com Kozulin (2013), outro aspecto marcante na atuação de Leontiev dando
continuidade às discussões com Vygotsky é compreensão do sujeito da atividade como social
e historicamente constituído, marcando uma ruptura teórica segundo a qual o sujeito era
considerado psicológico-individual.
Assim, Leontiev (1978), resgatando as discussões de Vygotsky, aponta que “o lugar
ocupado pelo sujeito, no sistema de relações sociais, muda ao longo do seu desenvolvimento,
caracterizando assim o estágio [o desenvolvimento, grifo nosso] por ele atingido”. Para
Leontiev, o desenvolvimento da psique da criança está relacionado à evolução de sua atividade,
interna e externa, enfatizando, não só o papel determinante das condições sócio históricas “nas
quais o crescimento do sujeito ocorre, mas também a importância do desenvolvimento da
consciência individual” (LEONTIEV, 1978/2016, p. 17).
Na mesma direção, ao compreender o brincar como uma via para compreensão do
mundo, Leontiev (1988/2016, p. 17) buscou identificar as etapas do brincar, no decorrer do
desenvolvimento da criança, apreendendo-o como um processo não estático de absorção de
estímulos sociais, que representa o processo de integração da criança na realidade social.
Nessa mesma formação, os estudos de Luria (1988/2016, p. 143) demonstraram que a
relação da criança com os artefatos mediadores remonta, “ainda na pré-história do
desenvolvimento das formas superiores do comportamento infantil; podendo dizer que, quando
uma criança chega na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas”. Essa
formulação desmonta o conceito de consciência proposto pelo objetivismo abstrato, “que
encarava a consciência como um estado subjetivo primário, desprovido de conteúdo concreto e
de desenvolvimento histórico” (p.198). Retomando as discussões de Vygotsky, Luria
34
(1988/2016, p. 196) ressalta que “a consciência é a habilidade em avaliar as informações
sensórias, em responder a elas com pensamentos e ações críticas e em reter traços de memória
de forma que traços ou ações passadas possam ser usados no futuro”. Desse modo, “o homem
não é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente ativo no processo de criação
deste meio” (LURIA, 1988/2016, p. 25).
Também, alicerçado por seus estudos em uma região periférica da União Soviética, na
época, recém submetida ao processo de industrialização, escolarização e coletivização da
agricultura, Luria comparou o desempenho de sujeitos mais aos menos integrados ao novo
sistema social frente a diferentes tarefas cognitivas. Sua constatação é que aqueles submetidos
a tarefas mais cotidianas tenderam a responder às experiências fazendo uso de operações
concretas utilizadas em suas vidas rotineiras. Os sujeitos mais integrados no sistema econômico
tenderam a utilizar um pensamento mediado por categorias abstratas e operando de forma
menos apoiada no contexto concreto das experiências (LURIA, 1988/2016).
Engeström, por sua vez, apoiado nas discussões de Vygotsky e Leontiev, desenvolveu
“ferramentas conceituais para compreender os diálogos, as múltiplas perspectivas e redes dos
sistemas de atividade interativa” (DANIELS, 2013, p, 121). Ao incorporar o conceito de
atividade em um sistema dinâmico, Engeström (1999) enfoca a produção do objeto inicial, por
meio de múltiplas relações que vão enriquecendo-o de sentidos pessoais e culturais. Dessa
forma, o objeto sofre transformações, adquire nova feição até se estabilizar como um objeto
novo, mas nunca acabado, pois está sempre em transformação.
Para que ocorra a expansão do objeto de trabalho, uma atividade está organizada por
meio de elementos, (ver figura 1) tais como:
• sujeito - que pode ser individual, grupo ou subgrupo;
• objeto - que se refere ao que está em construção na atividade - motivo para o
qual a atividade está direcionada;
• regras – que dizem respeito às normas e padrões (explícitas ou implícitas) que
permeiam a atividade, podendo restringir a ação no sistema de atividade que,
por sua vez, é moldada e transformada com o auxílio do físico e do simbólico;
• instrumentos - que dizem respeito aos artefatos de mediação internos e externos,
tais como ferramentas e signos;
• divisão de trabalho – que se refere à distribuição de tarefas entre os membros da
comunidade, que pode se dar tanto de forma horizontal entre os membros da
atividade como de forma vertical, do poder e do status;
35
• comunidade – que diz respeito àqueles que compartilham direta ou
indiretamente o mesmo objeto da atividade - comumente, na aprendizagem
escolar, comunidade é a comunidade escolar, os pais, a vizinhança, etc.
Nessa dissertação, o sistema de atividade aqui descrito, teve seus elementos organizados
conforme os propostos por Engeström na estrutura triangular, a seguir:
Figura 1: Sistema de Atividade proposto por Engeström
Fonte: Engeström (1987, p. 78).
Segundo Engeström (2001), na sua forma atual, a teoria da atividade, como sistema,
apresenta cinco princípios:
I. é um sistema de atividade coletivo, mediado por artefatos e orientado para
objetos;
II. é um sistema de múltiplas vozes, uma vez que um sistema de atividade é
sempre uma comunidade, permeada por múltiplas vozes e diferentes pontos de
vista, tradições e interesses, propulsores de problemas e inovações;
III. é um sistema que se transforma ao longo do tempo, esse aspecto tem relação
com a questão da historicidade. Isso demanda que a própria história seja
estudada como história local da atividade e seus objetos como história das ideias
teóricas e ferramentas que tem em forma de atividade. A exemplo, Engeström
(2001) cita o médico, cujo trabalho precisa ser analisado em relação à história
local e à história global dos conceitos médicos, procedimentos, instrumentos que
envolvem a atividade local.
IV. é um sistema marcado por contradições como fonte de mudanças e
desenvolvimento. As contradições são tensões estruturais historicamente
Artefatos mediadores:
instrumentos e signos
Sujeitos
Regras Comunidade Divisão de trabalho
Resultado
ObjetoSentidos
Significados
36
acumuladas dentro e entre o sistema da atividade. Engeström (2001) cita como
contradição principal o capitalismo, entre o uso e o valor de troca da mercadoria,
que permeia todos os elementos dentro do nosso sistema de atividade.
V. é um sistema que percorre longos ciclos de transformações qualitativas que
se dá através da reconceitualização do objeto para que seja abarcado um
horizonte de possibilidades maior que o inicialmente colocado.
Como já enfocamos, Engeström resgata o conceito mediação em Vygotsky, apoia-se
nos estudos de Leontiev quanto à divisão de tarefas, conectados à estrutura da atividade
(atividade/objeto, motivo; ação/meta; operação/condições). Além disso, ao apontar a
centralidade da contradição como propulsora de aprendizagem e desenvolvimento, Engeström
remete-nos à importância de considerarmos as questões históricas que apoiam a constituição
dos participantes da atividade para a compreensão da produção de conhecimento. Essa é uma
discussão iniciada em Vygotsky, Luria, Leontiev acerca do papel do contexto sócio-histórico,
cultural e político na constituição das pessoas. A respeito dos estudos desenvolvidos por
Leontiev (1978, p. 51), vimos a importância da centralidade das relações sociais, pois uma
atividade é organizada por indivíduos que interagem por meio de artefatos culturais,
intencionalmente organizados.
A discussão apresentada traz algumas das razões pelas quais os membros do GP LACE
atribuem à TASHC um lugar de extrema importância (cf.: MAGALHÃES, 2011; 2012;
MAGALHÃES et al. 2014), na condução de pesquisas e/ou formação, dentro de um quadro
teórico-metodológico, em que a organização da linguagem cria uma relação dialética entre os
participantes, quanto à compreensão e transformação de ser, agir e tornar-se, no mundo.
Destaco os estudos de Magalhães que apontam que, nos contextos escolares para
formação e/ou pesquisa em níveis diversos, urge a promoção de modos de agir colaborativos
que contribuam para que o contexto esteja imerso num movimento crítico-colaborativo de
compreensão dos conceitos de ensino-aprendizagem e das atividades de sala de aula para
questioná-los e reconstruí-los, à luz de discussões prático-teóricas, para compreensão do
processo de produção colaborativa de compartilhamento quanto à transformações inovadoras,
em que tensão e conflito são causados por contradições de vozes múltiplas, sócio-
historicamente constituídas, que negociam na produção do objeto coletivo.
Em suas discussões sobre projetos de pesquisa - que se organizam pela colaboração
crítica (MAGALHÃES, 2011; 2012; MAGALHÃES et al. 2014), e que envolvem,
centralmente, conceitos de colaboração e contradição -, essa pesquisadora demonstra que as
37
ações do sujeito, intencionais e conscientes, repercutem, sobremaneira, nas transformações do
sistema de atividade como um todo. É o que mostram seus estudos recentes, desenvolvidos em
parceria entre Magalhães e Ninin3 que destacam “o sistema de atividade como o lugar de
ocorrência da agência, uma vez que é nele que as interações ocorrem, e é esse mesmo sistema
que, orientado pelo contexto e por ações intencionais dos sujeitos, organiza e impulsiona a
própria atividade interativa” (MAGALHÃES e NININ, 2017, p. 4).
Chamando a atenção para o papel da atividade na constituição de agencia relacional e
transformativa, essas estudiosas pontuam sua relevância para a compreensão do
desenvolvimento das negociações dos participantes na produção do conhecimento novo, em
que a agência relacional torna-se instrumento para o desenvolvimento da agência
transformativa.
Com base nos estudos de Edwards (2007; 2011); Engeström e Sannino (2011),
Magalhães e Ninin esclarecem que agência transformativa está relacionada à capacidade dos
sujeitos para, conscientemente, ampliar / alterar sua atividade para discutir questões complexas
em comunidade. Já a agência relacional envolve a capacidade do sujeito para oferecer e solicitar
apoio a outros sujeitos, levando-o a embrenhar-se no mundo por meio de ações que consideram
os posicionamentos dos outros participantes nas interações.
Nessa direção, as pesquisadoras explicam que a agência pode adquirir caráter híbrido,
dada à característica do sujeito em avaliar o momento presente, articulando-o entre o individual
e o coletivo, interligando dois sistemas de atividade, não só na busca de preservação de suas
identidades na colaboração, mas também frente às divergências e à necessidade em coordená-
las (MAGALHÃES e NININ, 2017, p.6).
Essa ideia leva as pesquisadoras apontarem a agência relacional como composta por
duplo aspecto que “focaliza tanto a aprendizagem como resultado das ações individuais na
construção de relações sociais quanto a transformação que a aprendizagem resultante dessas
relações pode causar no contexto coletivo” (MAGALHÃES e NININ, 2017, p.6).
Assim, abarcando os estudos de Engeström e Sannino (2011), quanto ao surgimento de
diferentes tipos de agência no sistema de atividade, Magalhães e Ninin apresentam a agência
transformativa como decorrente da agência relacional, que implica na compreensão dos modos
como todos os participantes agem para construir relações colaborativo-críticas no contexto
educacional.
3 Magalhaes e Ninin no Congresso de Pedagogia em Cuba, 2017
38
A seguir, discutimos encapsulação/desencapsulação que são conceitos importantes
nesta pesquisa que enfoca uma proposta de reestruturação curricular.
2.2 Os Conceitos de Encapsulação/Desencapsulação
Os estudos desenvolvidos por Liberali (2013) sobre argumentação-colaborativa na
produção criativa de novos significados trata de um “movimento que envolve a colaboração
crítica de sentidos colocados em discussão pelos participantes, na relação com questões sócio-
histórico-culturais e políticas mais amplas do que aquelas aparentes no contexto de ação”
(MAGALHÃES e OLIVEIRA, 2016, p. 206), envolvendo a questão do currículo.
Segundo Liberali (2015), o currículo escolar (instrumento) seria pensado a partir de
nexos estabelecidos com base na realidade, para criar oportunidades para que alunos e
professores (sujeitos) se engajem em propostas coletivas (objeto) de criar zonas de
desenvolvimento proximal, “para além da ideia de uma zona a ser atingida ou um espaço a ser
cruzado, uma ZPD, entendida como um território a ser descoberto e vivido em um mover-se
multidirecional que deixa traços do caminho que serão assimilados por outros exploradores ou
confrontados por eles com o intuito de ir além” (LIBERALI et.al, 2015, p. 5), com foco no
desenvolvimento.
Focalizando os agentes formativos em contextos educacionais, incluindo os estudantes
na transformação das práticas escolares e no desenvolvimento de propostas curriculares - junto
aos chefes de departamentos e diretores, formadores de professores, coordenadores, diretores
de escolas e professores -, essa pesquisadora discute o conceito de desencapsulação. Concentra-
se, principalmente, no alargamento do universo de ação dos alunos como participantes em
relação às tarefas e funções que lhes são comumente atribuídas, numa perspectiva de trabalho
que focalize os multiletramentos, considerando a variabilidade de convenções de significado
das variadas situações socioculturais e a gama de aspectos multimodais com os quais jovens
interagem de forma crítica e criativa para a transformação e reconfiguração de papéis.
Essa perspectiva cria bases para o desenvolvimento da mobilidade (BLOMMAERT,
2010) e oportunidade para a expansão da aprendizagem (ENGESTRÖM, 1987/2013), fora das
cápsulas, desencadeando um tipo de desenvolvimento humano no qual os atores escolares
estendem seus diversos conhecimentos além da escola e os integram a suas vidas.
39
Para Liberali (2015), é a partir da participação dos estudantes no processo de produção
de propostas engajadoras que são rompidos os limites que se estabeleceram entre a escola e a
“vida que se vive” (MARX, ENGELS, 1945-46/2006).
Esse pensamento tem por detrás a perspectiva materialista e sociocultural do
desenvolvimento humano, bem como a perspectiva monista - contraposta aos dualismos
idealistas, racionalistas e estruturalistas - para pensar a linguagem (currículo) articulada em
dois níveis: no nível (micro)psicológico e (macro)ssocial para a promoção de atitudes cidadãs,
uma vez que o educar, segundo Liberali com base em Magalhães (2011), é pensado “como
uma produção coletiva e colaborativa de significados compartilhados (regra) para a
transformação da comunidade” (LIBERALI, 2016, p. 66).
Em linhas gerais, nessa visão, o currículo seria perpassado por atividades que
envolveriam a busca de alternativas para o incentivo do protagonismo juvenil no qual “a agência
estudantil é entendida observando sua mobilidade em diferentes atividades do contexto escolar,
focalizando a transformação de práticas atuais, voltadas para a desencapsulação” (LIBERALI
- prelo4).
Nessa direção, o papel da escola seria pensado no sentido superar os estereótipos
utilizados como ferramentas de conhecimento (Pérez Gómez, 1998), para contribuir com a
construção social da realidade. Num movimento que supere a lacuna dialética criada “na qual
não é possível ver como a escola contribui para enfrentar a vida e vice-versa” (LIBERALI,
2016, prelo).
As discussões de Boaventura de Sousa Santos (2008) apontam que se, por um lado, o
conhecimento cientifico é, hoje, a forma oficialmente privilegiada de conhecimento - e não há
contestação sobre a sua importância para a vida das sociedades contemporâneas; por outro, por
suas formas privilegiadas, o conhecimento científico confere privilégios apenas aos que o
detém, quando o ideal seria que o conhecimento, na sociedade, estivesse equitativamente
distribuído.
Para Santos (2008), o século XXI é composto de dois componentes básicos: o primeiro
é o reconhecimento da diversidade e da diferenciação; o segundo é o que se designa por
globalização, constituída pela hierarquia entre o global e o local.
Como o conhecimento científico não está distribuído socialmente de forma
equitativa, as intervenções no real que privilegia tendem a ser aquelas que
4 LIBERALI. FERNANDA COELHO. Students’ Agentive power: how students learn to dare in the Digit-M-ED
/ Brazil Program. No prelo.
40
favorecem os grupos sociais que detêm o acesso ao conhecimento científico
(SANTOS, 2008, p.157).
Segundo esse sociólogo, passamos por um período de transição paradigmática, entre a
ciência moderna e a ciência emergente ou pós-moderna, no qual os valores cognitivos não
podem estar totalmente separados dos valores éticos e políticos. Assim sendo, a cultura,
constitutiva da ciência, haveria de reconhecer-se nela por meio de outras explicações, não
científicas, da realidade. Desse modo, a “razão por privilegiarmos hoje uma forma de
conhecimento assenta na previsão e no controle dos fenômenos nada tem de científico. É um
juízo de valor” (SANTOS, 2008, p.139). Disso decorre a necessidade de se “passar da
pluralidade interna à pluralidade externa, da diferenciação interna das práticas científicas à
diferenciação entre saberes científicos e não científicos” (SANTOS, 2008, p. 152).
A pluralidade interna da ciência e a pluralidade externa da ciência são dois conjuntos
setoriais que Santos apresenta para alimentar a perspectiva epistemológica a qual denomina de
ecologia de saberes. Uma questiona o caráter monolítico do cânone epistemológico e interroga
sobre a relevância epistemológica, sociológica e política da diversidade interna das práticas
científicas, dos diferentes modos de fazer ciência, da pluralidade interna da ciência; a outra
interroga o exclusivismo epistemológico da ciência e centra-se nas relações entre a ciência e
outros conhecimentos.
Ao propor uma ecologia de saberes ou uma ecologia de práticas de saberes, Santos
(2008) sugere uma ação contra a monocultura do saber não apenas na teoria, mas como uma
prática constante do processo de estudo, de pesquisa-ação. Segundo Santos, dentro da
pluralidade externa, as perspectivas interculturais têm permitido o debate sobre o
reconhecimento de sistemas de saberes plurais, alternativos à ciência moderna ou que com ela
se articulam, em novas configurações de conhecimentos, como o próprio multiculturalismo
emancipatório que parte do reconhecimento da presença de uma pluralidade de conhecimentos,
no qual ecologia de saberes é o
[...] reconhecimento da pluralidade de saberes heterogêneos, da autonomia de
cada um deles e da dinâmica horizontal entre eles. A ecologia de saberes
assenta na independência complexa entre os diferentes saberes que constituem
um sistema aberto do conhecimento em processo constante de criação e
renovação. O conhecimento é interconhecimento, é reconhecimento, é
autoconhecimento (SANTOS, 2008, p. 157).
41
Santos (2008) apresenta um conjunto de teses sobre as quais se assenta a ecologia dos
saberes. Dentre elas: a distribuição equitativa do saber científico; a valorização da
interdependência entre saberes (científicos e não científicos); o reconhecimento das limitações,
externas e internas, do conhecimento; a participação de diferentes saberes e seus sujeitos; o
combate às hierarquias e poderes universais e abstratos, naturalizados pela história e por
epistemologias reducionistas; a preferência de conhecimento que garanta a maior participação
dos grupos sociais envolvidos na concepção, execução, controle e fruição da intervenção; a
busca pela convergência de conhecimentos múltiplos.
Concernente a isso, na esfera da educação, Magalhães5 (2015, prelo) interroga a usual
imutabilidade da escola e observa que “A difícil introdução de transformações nas escolas não
é questão nova”, e as aponta
[...] como motivada por questões complexas, contraditórias, sócio-
historicamente situadas e por políticas públicas que direcionam os modos
como novas diretrizes e propostas curriculares chegam às escolas, priorizando
um percurso de transmissão de conhecimento novo. Esse quadro revela a
necessidade da organização de projetos que, efetivamente, criem contextos
colaborativos de aprendizagem e desenvolvimento, envolvendo todos os
participantes [...] numa relação dialética para ressignificação dos modos como
conceitos de ensino-aprendizagem, desenvolvimento e linguagem apoiam os
discursos nos espaços da escola [...]
Para Magalhães é na ressignificação de modos de agir que colaboração e contradição
se manifestam, como relações sócio-histórico-culturalmente situadas com outros fundamentais
no processo pelo qual nos tornamos quem somos. Trata-se de uma relação complexa entre o
individual e o coletivo, que envolve a participação ativa na transformação de si, do outro e do
mundo.
Como já apontamos, é central neste trabalho a compreensão dos modos como todos os
participantes agem para construir relações colaborativo-críticas com o outro, para possibilitar
que todos ajam para / na produção conjunta do objeto em construção da atividade em foco e
das ações que apoiaram o que foi feito.
É, portanto, por meio de ações colaborativas, que os interagentes podem apoiar-se nas
múltiplas formas de invenção e (re)invenção da vida construída no cotidiano, amparados um no
outro, em um movimento de transformação do real que não se limita às ações repetidas,
reiteradas ou reificadas, mas, antes, “[...]revela-se na interferência da esfera da consciência,
5 MAGALHÃES, Maria Cecília Camargo. In: Escolhas teórico-metodológicas em pesquisas com
formação de professores: o processo colaborativo na constituição de educadores. No prelo.
42
como um processo de realização de uma intenção construída, no decurso do qual o sujeito se
objetiva, a intenção se realiza, e o objetivo se subjetiva [...] (MAGALHÃES e OLIVEIRA,
2016, p. 212).
Para Vygotsky (1934/ 2008, p. 48) “O discurso é o meio de interação social, um meio
de expressão e de compreensão” e, a isso se deve o “papel central às relações sociais mediadas
pela linguagem na produção de significados” e aos “modos como a linguagem organiza essas
relações como práticas sociais ativistas e transformadoras da sociedade como um todo”
(MAGALHÃES, 2012, p.).
Terminada nossa discussão sobre desencapsulação, passo, a seguir, à discussão sobre
multimodalidade.
2.2.1 Multimodalidade
Entendida, neste trabalho, à luz de Kress (2010, p. 79), “como um recurso semiótico
socialmente compartilhado”, a multimodalidade é apresenta como possibilidade validar outros
modos de significar, indo além do paradigma da escrita e da fala, até certo tempo concebidos
como os únicos modos de expressão, destacando outras formas de fazer-se comunicar como os
ruídos, os sussurros, a entonação, o ritmo, a acentuação, os gestos, a postura do corpo e as
expressões faciais.
Inserida no quadro metodológico da Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural,
(TASHC), a multimodalidade, articulada à argumentação, é compreendida como linguagem,
encarregada da expansão e/ou restrição dos objetos que serão intencionalmente perseguidos
para atender às necessidades de uma totalidade interdependente (LIBERALI, 2016).
Ao integrar a multimodalidade à argumentação, tenciona-se agregar à educação uma
epistemologia e uma pedagogia do pluralismo (ROJO, 2013), necessárias para um alunado
multicultural que precisa aprender novas formas de competências, em especial, a habilidade de
se engajar em diálogos difíceis, que são parte, indeléveis, da negociação na diversidade (COPE;
KALANTZIS, 2009).
Esse engajamento em diálogos difíceis está amparado em uma linguagem baseada na
[...] composição de possibilidades, como a base da criação do novo
significado que surge do conflito entre as vozes que se chocam, reforçam,
contrastam, se afastam e se aproximam na tentativa de criar novas
possibilidades. Assim, retomando o círculo bakhtiniano, educar se aproxima
43
de uma visão de construção da palavra internamente persuasiva que permitirá,
em linhas gerais, o desenvolvimento de sujeitos como agentes de
transformação de si, do outro e do mundo, uma vez que se sentem fortalecidos
para trazer, ao debate, as vozes internas que o circundam para construir com
os demais uma multiplicidade de vozes, constituindo a totalidade nas
atividades de ensino-aprendizagem (LIBERALI, 2016, p. 65-66).
Liberali (2016) coloca a argumentação multimodal como forma de potencializar a busca
de posicionamentos, evidências, explicações, exemplificações e correlações entre posições.
Além de possibilitar que diferentes participantes falem e questionem seus conflitos e suas
contradições nas suas amplas formas de significar, indo além da concretização linguística.
Como bem salienta Liberali (2016), referindo-se aos estudos desenvolvidos por
Damianovic, Souza Silva, Carrijo e Farias (2016),
a orquestração argumentativa multimodal é fundamental na constituição de
momentos dramáticos. Por meio dela é possível [...] a expansão da
colaboração, que assegura a participação e o desenvolvimento dos
participantes. Nos momentos dramáticos, diferentes aspectos multimodais
integram-se argumentativamente no embate que produz novos saberes, de
forma criativa e crítica (LIBERALI, 2016, p. 75).
Originada em diferentes materiais, historicamente, moldados por culturas para significar
(KRESS, 2010), a multimodalidade pode, ainda, “ser [...] realizada, compreendida e avaliada
por meio de aspectos como tipografia, imagem, escrita, layout, altura, comprimento, tom de
voz, gestos, expressões faciais, movimentos, arranjos físicos, ambiente material, e suas
diferentes combinações possíveis (LIBERALI, 2016).
Para tanto, os estudos desenvolvidos por Kress e van Leeuwen (2006), fortemente
baseados na linguística sistêmico-funcional de Halliday, mostram-se profícuos, pois vão propor
a Gramática Visual ou a Gramática do Design Visual para descrever o modo pelo qual
indivíduos, coisas e lugares são combinados em uma totalidade constitutiva de sentido.
Apresentada na obra Reading images (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996/2006), a
Gramática Visual possibilita analisar como “as estruturas visuais apontam para interpretações
particulares das formas de experiência de interação social”6 (KRESS e VAN LEEUWEN,
1996/2006, p.2) (tradução nossa), envolvendo, simultaneamente, os significados
representacionais, interacionais e composicionais que operam na integração da imagem.
6 The same is true for the grammar of visual design. Like linguistic structures, visual structures point to
particular interpretations of experience forms of social interaction. To some degree these can also be
expressed linguistically. Meanings belong to culture, rather than to especific semiotic modes (KRESS e VAN
LEEUWEN, 2006 [1996], p. 2).
44
Com base no processo vetorial narrativo, Kress e van Leeuwen (2006) distinguem cinco
tipos de processos narrativos (ações que se desenvolvem visualmente), baseados no tipo de
vetor e no número e tipo de participante envolvido, dos quais destacamos:
a) Processo de ação: os acontecimentos do mundo material são descritos ou
apresentados. Seus participantes são o ator, figura proeminente de quem parte o vetor; o alvo é
o participante que é afetado pelo vetor. Esse tipo de estrutura corresponde aos processos
semelhantes à transitividade verbal, sendo diferenciados de duas formas: (i) não transacional: a
ação não se dirige a alguém ou algo, correspondente ao verbo intransitivo. Assim, possui apenas
um participante, o ator; (ii) transacional: a ação se dirige a alguém ou algo, corresponde aos
verbos transitivos. Tem-se pelo menos dois participantes, o ator e o alvo. A ação pode ser
bidirecionada, na qual o participante é ator e alvo da ação.
b) Processo de reação, o vetor é formado pelo direcionamento do olhar de um ou mais
participantes representados. Denomina-se reator o participante que olha, podendo ser um ser
humano, animal, ou qualquer objeto, desde que remeta à visão e seja capaz de expressão facial.
Este pode ser, ainda, transacional ou não transacional. Na transacional, o olhar do participante
está voltado para ao fenômeno que, por sinal, está na imagem. Na não transacional, o olhar é
direcionado para algo externo à imagem. Como não há o fenômeno, é exigido do leitor que
deduza ou imagine para quem o participante está olhando.
Em relação às imagens narrativas, Kress e van Leeuwen (2006) esclarecem que podem
ser portadoras de participantes secundários, que se relacionam com os participantes principais,
mas não por meio de vetores. Os autores referem-se a eles como circunstâncias, similar à forma
como compreendemos os advérbios, e podem ser de três tipos:
(i) de lugar – consiste no jogo envolvendo o primeiro e segundo plano;
(ii) de meio – não há vetor, envolve a ferramenta e o seu usuário;
(iii) de acompanhamento –não há vetor, o participante acompanhado de outro.
Padrões conceituais estão correlacionados aos processos relacional e existencial do
modo verbal. Ocorrem visualmente quando os participantes representados se relacionam em
termos de sua classe, estrutura ou significado. Imagens conceituais apresentam três tipos
diferentes de processos:
(i) Classificacional – os participantes se relacionam em termos de taxionomia. De forma
explícita ou não, um participante pode fazer o papel de subordinado e outro de subordinante.
Há ainda os participantes que desenvolvem papéis intermediários. Na taxionomia implícita, os
participantes subordinados estão colocados em situação de simetria no espaço da imagem, em
distância e tamanho iguais e orientados para os eixos vertical e/ou horizontal. O subordinante é
45
dado por inferência ou pela semelhança ou pelo motivo de estarem agrupados. Na taxionomia
explícita, um participante subordinante está relacionado a dois ou mais participantes
subordinados através de uma estrutura arbórea. O subordinante é colocado na parte superior ou
inferior dos subordinados.
(ii) Analítico: os participantes se relacionam metonimicamente, em termos de uma
estrutura envolvendo parte e todo, um deles o portador (o todo) e o outro o atributo (a parte).
Pode acontecer de aparecerem setas, mas que não são vetores, elas apenas realizam uma
identidade entre verbal e visual.
(iii) Simbólico: está relacionado ao que um participante significa ou é. Pode ser
atributivo, se a identidade de um participante (portador) for estabelecida na relação com outro
participante (atributo), ou o sugestivo, se o participante representar a própria identidade.
De acordo com Kress e van Leeuwen (2006), o modo imagético possui outros recursos
para exercer outra metafunção, a interpessoal, que diz respeito à interação entre os participantes
interativos (produtor da imagem e seu observador) e participantes representados, através dos
recursos abaixo:
(i) olhar – os olhos podem ou não serem formadores de vetores. Se há esse vetor de
olhar, diz-se que o participante representado estabelece um contato pessoal com o observador,
demandando-lhe algo. Se não há contato direto, classifica-se como impessoal, uma vez que o
participante representado está sem olhar para o observador. Como não há vetor de olhar, o
participante representado é oferecido como um item de informação, um objeto de
contemplação.
(ii) enquadramento - quando o participante é representado acima da linha dos ombros,
ou apenas seu rosto, então, dizemos que a distância social entre ele e o observador é perto e,
por isso, sugere intimidade entre os dois. Se o participante for mostrado da cintura para cima, a
distância social será média. E longe, se o participante for retratado de corpo inteiro, inclusive,
deixando ver o cenário a sua volta.
(iii) perspectiva - a presença de perspectiva demonstra uma atitude subjetiva, ao passo
que sua ausência, objetividade.
(iv) ângulo horizontal - se o plano for frontal, isto é, produtor e participante
representados estiverem de frente, sugerindo envolvimento com o observador. Mas, se o ângulo
for oblíquo, isto é, produtor e participante representado não estiverem de frente, isso sugere
imparcialidade.
(v) ângulo vertical: se o participante for mostrado de um ângulo elevado, ele é posto em
situação de desprestígio em relação ao observador, atribuindo poder a esse último. Se a altura
46
dos olhos do participante representado estiver no mesmo nível da altura dos olhos do
observador, temos a igualdade de poder entre os dois. Mas, se o participante representado é
retratado de um ângulo inferior/baixo, lhe será conferido poder.
Kress e van Leeuwen (2006) discutem também como a composição coloca em relação
os elementos representados e interativos da imagem, formando um todo portador de sentido,
envolvendo: valor da informação, saliência e moldura. O valor da informação diz respeito ao
grau de importância atribuído aos elementos representados, a partir de suas posições na
imagem. Eles podem estar polarizados na horizontal, na vertical ou centralizados. Nesse
sentido, os elementos são analisados em termos de:
(i) dado e novo – informações posicionadas à direita são entendidas como aquilo que é
passivo, ao passo que as posicionadas à esquerda estão relacionadas àquilo que se quer atenção
especial, ao que é novo, ou problemático;
(ii) ideal e real – são classificadas como ideais as informações localizadas na parte
superior; na parte inferior, localiza-se aquilo que é concreto, verdadeiro e também informações
mais especificas;
(iii) centro e margem – elementos que estão no centro são, geralmente, o núcleo da
informação; os que estão à margem possuem um valor subserviente por dependerem do
elemento central. A saliência é responsável por criar uma espécie de hierarquia entre os
elementos, selecionando como mais importantes aquele que está em destaque em termos de
tamanho, primeiro ou segundo plano ou, ainda pela cor. A moldura pode aparecer por meio de
linhas divisórias, descontinuidade no uso de cor ou forma, espaços vazios. A conexão ocorre
em decorrência da ausência de espaços vazios e de linhas divisórias.
Apoiados em oito marcadores de modalidade (a saturação da cor, diferenciação da cor,
modulação da cor, contextualização, representação, profundidade, iluminação e brilho), Kress
e van Leeuwen (2006) se referem a como uma imagem pode ter maior ou menor teor de verdade
e credibilidade. De modo que o quadro, abaixo resume o que acabamos de discutir:
47
Quadro 1: Categorias de análise multimodal
FUNÇÕES DA IMAGEM
Representacional
Estrutura Narrativa – o foco está no participante proeminente da figura,
denominado Ator.
Estrutura Conceitual – o participante é descrito do ponto de vista de seus
traços físicos ou psicológicos
Interacional
Contato – a partir do modo
semiótico do olhar, marca o
tipo de interação com o leitor,
em termos de demanda e
oferecimento, denominados
atos de imagens.
Demanda: o Participante Representado
(doravante PR) foca diretamente para o leitor,
criando com ele um vínculo direto.
Oferta: o PR se dirige ao leitor de forma
indireta. Se pensarmos em termos de relação
sujeito/objeto, o leitor não é o objeto, mas o
sujeito do olhar, de modo que o leitor irá
observar o PR.
Atitude ( refere-se ao ângulo )
Frontal: proximidade
Oblíquo: distanciamento
Mesmo ângulo: igualdade de poder
Ângulo superior: superioridade de poder
Ângulo inferior: inferioridade
Distância ou afinidade social
Plano fechado (close shot): retrata,
aproximadamente, até a cabeça e os ombros
do PR;
Plano médio (medium shot): retrata a imagem
até o joelho;
Plano aberto (long shot): retrata todo o corpo
do participante.
Modalidade Formada por matiz (cor), a saturação da cor,
diferenciação da cor, modulação da cor,
contextualização, representação,
profundidade, iluminação e brilho.
Composicional
Valor Informacionais
Ideal X Real: idealizado (parte superior da imagem) versus realizado (parte
inferior)
Dado (à esquerda) X Novo (à direita): literal versus figurado (são os dados
sugestivos não revelados)
Centro X Margens: núcleo da informação versus elementos secundários
Saliência: tem relação com o destaque que se dá a determinados elementos
(tamanho, coordenação de cores,
Enquadramento: As formas como os elementos da imagem estão conectados
ou não por linhas divisórias reais ou imaginárias.
Fonte: adaptado de Kress e van Leeuwen (2006)
48
Nesta subseção apresentei o conceito de multimodalidade articulado à argumentação
(LIBERALI, 2016) e às contribuições adotadas da Gramática da Visual, de Kress e van
Leuween (2006) para fins da análise aqui proposta.
Na subseção seguinte, apresento Atividade Social e Multiletramentos como base,
também, para o ensino-aprendizagem não encapsulado de conceitos.
2.2.2 Multiletramentos e Atividade Social
Visando apresentar propostas ao futuro da pedagogia, em setembro de 1994, o grupo
New London Group (NLG) lançou um artigo-manifesto, apresentando uma série de ações que
dava novos rumos à pedagogia da alta Modernidade, a esse conjunto de ações denominou
Pedagogia do Multiletramentos ou dos Novos Letramentos.
Para esse Grupo, havia necessidade de uma pedagogia que contemplasse a pluralidade
dos contextos sócio-históricos, e sugeriram que fosse dado pelo prefixo “multi” - que passou a
balizar toda uma proposta pedagógica - uma mudança de postura, abrangendo dois tipos de
diversidade: a diversidade cultural e a diversidade de semioses constituinte dos textos da alta
Modernidade.
Nos detalhes desse manifesto redigido pelo NGL, em 1994, encontra-se a análise de
questões que envolviam a esfera do trabalho (diversidade produtiva); a esfera pública
(pluralismo cívico); a esfera privada - identidades multifacetadas (COPE; KALANTZIS, 2009).
Na esfera do trabalho, a pedagogia do multiletramentos sugere uma pedagogia que
trabalhe de forma pragmática em favor da nova sócio-história que requer muito mais que os
fundamentos tradicionais de escrita e leitura do idioma materno. Segundo Cope e Kalantzis
(2009), no local de trabalho dessa nova organização, envolve-se um conjunto de estratégias de
comunicação flexíveis, variáveis, sempre diferentes, de acordo com as culturas e a linguagens
sociais de cada tecnologia, grupo funcional, tipos de organização e nicho de cliente.
Na esfera da cidadania, a abordagem do multiletramentos sugere uma pedagogia para a
cidadania ativa, centrada em alunos como agentes de seu próprio conhecimento, capazes de
contribuir, bem como, negociar as diferenças com a comunidade e com o próximo.
Na esfera da vida privada, Cope e Kalantzis consideram que a diversidade é fundamental
nos diferentes espaços da vida privada – diferentemente da forma generalizadamente como
49
foram tratados, como simples agrupamentos demográficos que respaldaram políticas de
identidade de gênero, etnia, raça e deficiência, que foram as formas de política que primeiro
desestabilizaram o Estado-nação.
Partindo dessas questões, esses estudiosos analisam o “por que”, o “o quê” e o “como”,
deveriam ser articulados os pontos considerados centrais para uma nova proposta de educação.
Referente ao “por que”, Cope e Kalantzis consideram que as transformações ocorridas
no campo da criação do significado e de representação – no trabalho, cidadania e vida pessoal
- devem refletir no planejamento do ensino-aprendizagem e, nesse sentido, o termo “multi” dos
“letramentos” apontaria tanto para o multilíngue quanto para o multimodal. O primeiro refere-
se à resposta educativa no caso das línguas das minorias, que, segundo os autores, no contexto
da globalização, não foram tomadas de forma adequada.
De acordo com Cope e Kalantzis, o multilinguismo se transformou em um fenômeno
cada vez mais significativo o que exige uma resposta educativa no caso das línguas das minorias
e no contexto da globalização. Um ponto chave dessa proposta diz respeito à crescente
variedade de linguagens, a qual Gee (1996) chamou de “linguagens sociais” em contextos
profissionais, nacionais, étnicos, subculturais e de grupos de interesses ou de afinidades. (Gee,
1996 apud Cope e Kalantzis, 2009).
Assim, por exemplo, enquanto o currículo tradicional de alfabetização ensinava de
forma padronizada (gramática, o cânone literário, formas nacionais padrão da língua), a língua
cotidiana da criação do significado se transformava cada vez mais em um exercício de
negociação dos diferentes discursos. Segundo Cope e Kalantzis, uma pedagogia do
Multiletramentos necessitaria tratar essas questões como um aspecto fundamental do ensino e
aprendizagem contemporâneos.
Como resposta ao “o quê”, esses pesquisadores enfocam a necessidade de se conceber
a criação do significado como um projeto dinâmico no mundo social, para as formas
contemporâneas de comunicação que conclamam diversos modos linguísticos: visuais, áudio,
gestuais e espaciais integrados, ou não, às práticas midiáticas.
Em relação ao “como”, Cope e Kalantzis analisam as limitações tanto do ensino
tradicional - que se propõe a transmitir regras linguísticas e inculcar as boas práticas a partir de
cânones literários (“instrução aberta”), bem como os progressivismos educativos - que
consideram a imersão como um modelo adequado e suficiente para a alfabetização (“prática
situada”). Sugerem ações pedagógicas que incluiria quatro momentos interligados: “prática
situada”, “instrução aberta”, “enquadramento crítico” e “prática transformada”. Nessa
perspectiva, o NGL opta por substituir as concepções estáticas de representação, tal como a
50
“gramática”, por uma concepção dinâmica de representação como “design”, com duplo
significado, pois descreve, simultaneamente, a estrutura intrínseca ou morfológica e o próprio
ato de construção e transformação.
No sentido de construção, “desing” é o que planejamos e agimos para significar – para
si mesmo ou para os outros. Nos designs disponíveis estão os modelos e convenções de
representação discerníveis. Como apontam esses pesquisadores, existem muitas maneiras de
descrever semelhanças e diferenças na criação de significado, incluindo modo - como o
linguístico, o visual, áudio, gestual e espacial -, gênero - a forma que tem um texto - e discurso
- a forma que adquire a criação de significado em uma instituição social determinada - (Gee,
1996; Kress, 2003 apud Cope & Kalantzis, 2009).
Os objetos do ato de design se transformam no redesign, novos recursos para o
significado dentro de um jogo aberto e dinâmico de subjetividade e significados. Ao mesmo
tempo, o ato de representar a si mesmo para o mundo e as representações do outro transformam
o próprio aluno. Assim, o ato de design torna o designer redesigner. Quando o designer constrói
significados, está empregando sua subjetividade, por sua vez, o exercício de subjetividade
transforma-se na aprendizagem (Cope & Kalantzis 2002; Kress, 2000a, 2003 apud Cope &
Kalantzis, 2009).
Assim, o trabalho com os Multiletramentos tem em vista a constituição de agentes
ativos, pois alveja as aspirações do sujeito em termos de participação social, encarando o “texto
contemporâneo multissemiótico ou multimodal, envolvendo diversas linguagens, mídias e
tecnologias” (ROJO, 2013, p. 19).
Nesse quadro, considerando a multiculturalidade, a multimodalidade e a multimídia,
envolvendo a performance como instrumento, o trabalho com Atividade Social tem como
objetivo principal criar um contexto de vivências que estejam longe das possibilidades
imediatas dos alunos. Liberali (2009, p. 21) aponta que a escola tem importante função na
constituição de indivíduos que atuem plenamente na sociedade da qual façam parte para que
possam aspirar a formas futuras, cada vez mais plenas, de atuação no mundo. Dessa forma,
para ela, o ensino com base em Atividades Sociais atua “como elemento estruturante” e
possibilita “o desenvolvimento de um processo de ensino-aprendizagem para a inclusão social
em diferentes âmbitos da vida humana” (LIBERALI, 2009, p. 22). Ensinando aos alunos novas
competências o que implica, nas palavras de Rojo (2013, p. 17), em
[...] negociar uma crescente variedade de linguagens e discursos, interagir com
outras línguas e linguagens, interpretando, traduzindo, usando interlínguas
51
específicas de certos contextos, usando inglês como língua franca; criando
sentido da multidão de dialetos, acentos, discursos, estilos e registros
presentes na vida cotidiana, no mais pleno plurilinguismo bakhtiniano. Ao
invés da gramática como norma para a língua padrão, uma gramática
constrativa que [...] permite atravessar fronteiras.
Para tanto, alguns pontos que precisam ser considerados, tais como: a determinação das
esferas de circulação que serão aventadas; a escolha da atividade social e a descrição de seus
componentes; a eleição dos gêneros focais e orbitais; a definição das expectativas de
aprendizagem; a consideração dos valores, temas e integração das disciplinas. Também não se
pode perder de vista a criação de espaços de brincar que envolvem considerar a forma como os
sujeitos, principalmente, participam e se apropriam da cultura de um determinado grupo social,
com foco em oferecer meios de experimentar, cognitivo-afetivamente, as vivências do mundo
real de forma imaginária (LIBERALI, 2009, p. 32).
Conectada aos multiletramentos, a Atividade Social assegura, no âmbito escolar, o
“pluralismo cívico”, no sentido como discutem Kalantzis e Cope (2006, p. 139 apud ROJO,
2013, p. 15), de
desenvolver nos alunos a habilidade de expressar e representar identidades
multifacetadas apropriadas a diferentes modos de vida, espaços cívicos e
contextos de trabalho em que os cidadãos se encontram; a ampliação dos
repertórios culturais apropriados ao conjunto de contextos em que a diferença
tem de ser negociada; [...] a capacidade de se engajarem numa política
colaborativa que combina diferenças em relações de complementariedade.
De acordo Kalantzis e Cope (apud ROJO, 2013, p. 15-17), diante do fato de as pessoas
viverem em sociedades globalizadas e as “decorrências para o que elas são hoje e para o que
possam vir a ser no futuro”, a escola deve buscar “ler o mundo criticamente para compreender
os interesses culturais divergentes que informam significações e ações, suas relações e suas
consequências”, muitas vezes configuradas pelo “exílio cultural interno” que ignoram e
ocultam as formas sociais orais em favor das formas escriturais, como “uma forma de inclusão
definida pela exclusão e marginalização”, provocada pela justaposição e choque com os
“mundos-da-vida”.
Terminada a discussão sobre Atividade Social e Multiletramentos, exploramos, a seguir,
o que vem a ser atitude crítica.
52
2.2.3 Atitude Crítica
Baseado na pedagogia crítica proposta por Freire (1970), Kemmis (1987), Stake (1987),
Zeichner & Liston (1987 a & b), Kincheloe (1997), Magalhães (1990), Magalhães e Fidalgo
(2007) e outros, o Grupo de Pesquisa LACE desenvolve propostas de trabalho com base no
processo reflexivo-crítico. Essa ideia parte da “premência emancipatória de o sujeito ser capaz
de analisar sua realidade social e cultural e tomar uma posição frente aos acontecimentos de
forma a desenvolver possibilidades de transformá-lo” (LIBERALI, 2012, p. 31).
Nessa direção, Magalhães e Ninin (2017), como já dissemos, rediscutem o conceito de
agência dentro de um enfoque híbrido envolvendo agência relacional e a agência
transformativa, localizadas no sistema de atividade, que envolve, essencialmente, os conceitos
de colaboração e de contradição inseridos na “organização dialética da linguagem”, o que
permite que as vozes dos participantes se entrelacem para a promoção de novos modos de
pensar e agir, mostrando que
O foco está no envolvimento dos participantes em realmente ouvirem e agirem
com o outro, não como observadores neutros, mas como agentes ativos na
produção conjunta de decisões compartilhadas, por meio do questionamento
de práticas e teorias na construção do novo. [...] Tal organização discursiva
pode possibilitar a construção de zonas de colaboração crítica para a
compreensão de necessidades, de falhas em ensinar e aprender e de sentidos e
significados sócio-historicamente produzidos, voltados ao envolvimento da
escola como um todo em sua reorganização (NININ, 2011).
É nesse processo intencional e interacional de criação compartilhada de significados,
que as pesquisadoras reconhecem seis padrões de participação (NININ, 2013; 2016),
relacionados aos papéis dos sujeitos:
a) responsividade: cada participante acolhe as diferentes visões, na direção de uma
resposta, que pode ocorrer em forma de ação ou reflexão;
b) deliberação: cada participante apresenta argumentos e contra-argumentos para
fundamentar seus posicionamentos, até que tenha razoes fundamentadas para modificá-las;
c) alteridade: cada participante apresenta a capacidade de se colocar no lugar do outro,
respeitando as diferenças, tendo em vista a complementaridade e a interdependência;
d) ponderação: cada participante, abrindo mão dos posicionamentos individuais, volta-
se aos interesses do grupo em prol de uma participação equilibrada;
e) mutualidade: cada participante mostra a necessidade do outro em se colocar;
53
f) interdependência: cada participante está envolvido com o outro, numa relação de
dependência no pensar, mediante as diferentes vozes que ecoam das práticas sociais durante a
atividade.
Dentro desses padrões de colaboração, Magalhães e Ninin (2017, prelo) salientam as
marcas linguístico-discursivas que possam expandir e contrair a colaboração e a argumentação,
dentre as quais destacamos:
• orações declarativas, que assinalam não só a apresentação de pontos de vista,
mas o resgate da voz de outros participantes. Ex.: “É. É como ela falou a gente
tinha até dinheiro pra fazer essas festas, né. Então, eles se encontravam. E é
bem isso que eles falaram. Como o Henrique falou, se você gostasse de alguém,
então era a chance que você tinha”.
• mecanismos de interrogação, propondo perguntas nas dimensões pragmática,
epistêmica e argumentativa. Ex.: “Funções da festa? Pra que servia a festa? //
Nesse sentido a gente pode dizer que a festa tinha uma manutenção do status?
(perspectiva epistêmica).
• mecanismos conversacionais, que assinalam a participação dos sujeitos. Ex.: “A
gente falou que, de vez em quando, podia acontecer em garagem, pra ser
escondido dos pais, e nos salões de festa”. (o participante opta por uma voz
coletiva, que dá credibilidade à sua ação).
• mecanismos de distribuição de vozes, que assinalam o envolvimento do sujeito
no discurso (pessoa do discurso, discurso direto, indireto ou indireto livre) e
indicam a responsabilidade do enunciador em relação ao que diz. Ex.: “Eu acho
que o objetivo não mudou muito, mudou mais o jeito de fazer”.
• mecanismos de coesão verbal, que possibilitam conhecer a natureza das posições
apresentadas relativas à temporalidade. Ex: “Ah, a gente falou que as pessoas
participavam da festa pra se divertir; pra dançar; pra comer” (uso do pretérito
perfeito marca o ato de produção do discurso).
Para sumarizar esse processo de inserção dos sujeitos em um sistema de atividade, no
qual se inter-relacionam historicidade (contradições), agência, colaboração, essas
pesquisadoras ilustram a constituição do sujeito da seguinte forma:
54
Figura 1: Constituição dos Sujeitos no Sistema de Atividade: contradições, agência e colaboração
Fonte: Magalhães e Ninin, com base em Engeström and Sannino (2011), Ninin (2013;
2016 prelo).
No nosso entender, a figura acima pode ser ilustrativa de como a linguagem pode ser, a
um só tempo, objeto e instrumento (VYGOTSKY, 1934), isto é, materializa-se no processo
reflexivo e, ao mesmo tempo, ser “eixo norteador das ações desenvolvidas na escola” (NININ,
2016, p. 176 – grifo nosso). Ao mesmo tempo ilustra o percurso argumentativo-colaborativo
dos sujeitos inseridos em uma rede de relações dinâmicas, com suas contradições que se
apresentam em contextos sócio-históricos nos quais se encontram a fim de produzir
transformações.
55
3 METODOLOGIA
Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos - um poço fitando o Céu
(FERNANDO PESSOA, 2006, trecho 11)
Esta seção está organizada para discutir a metodologia que apoia a condução desta
pesquisa, enfocando o tipo de metodologia, o contexto de pesquisa, os participantes, métodos
de coleta e análise de dados e as garantias de credibilidade.
3.1 Pesquisa Crítica de Colaboração
Por investigarmos as ações pedagógicas e a forma como os multiletramentos e o trabalho
com Atividade Sociais possibilitam formas não encapsuladas de ensino-aprendizagem de
conceito na relação escola-mundo/mundo-escola, o presente estudo tem como escolha teórico-
metodológica a PCCol, Pesquisa Crítica de colaboração, de acordo com o definido por
Magalhães (1994/2007; 1998; 2007, 2011; 2012; 2016).
Com essa escolha teórico-metodológica, objetivo salientar minha postura crítico-
colaborativa no sentido de posicionar-me em relação às escolhas feitas por parte dos membros
organizadores do projeto DIGIT-M-ED hiperconectando, dentre os quais me incluo como
pesquisadora-formadora.
O DIGIT-M-ED hiperconectando será, portanto, o locus, o espaço intencionalmente
organizado ao qual irei me voltar, imbuída de postura crítico-colaborativa, tendo em vista a
totalidade, entendendo a linguagem como principal instrumento de desenvolvimento do
pensamento e da ação dos envolvidos.
Amparada no monismo spinozano e no materialismo histórico dialético de Marx e
Engels (1845-46), a PCCol possibilita perceber o movimento dialético e dialógico, imbricados,
na transformação do nosso contexto de pesquisa, prevendo a não separação do sujeito do
envolvimento com o mundo. Apoiada na TASHC (Vygotsky, Leontiev e extensões de
Engeström e outros pesquisadores), essa base teórico-metodológica de pesquisa, em contexto
de formação, tem em vista a linguagem como principal elemento mediador: uma ferramenta
cultural capaz de constituir relações nos mais variados contextos sócio-históricos-culturais.
56
É, portanto, à linguagem que irei me atentar no sentido de investigar o modo como ela
se materializa para constituição de espaço de produção crítico-colaborativo para transformar
valores, conceitos de ensino-aprendizagem, bem como regras e divisão de trabalho que
organizam as escolhas feitas quanto ao pensar e à ação-discurso (MAGALHÃES, 2016).
Alicerçada no paradigma crítico de pesquisa, em linhas gerais, a PCCol nele se insere
devido ao fato de ter em vista a transformação, refletida e intencionada da realidade, por meio
da reflexão fundada na indissociabilidade entre teoria e prática.
Essa metodologia pressupõe que, nos contextos de formação, estejamos atentos às
escolhas que possam emergir que podem se materializar linguístico ou multimodalmente
(gestos, expressões, sussurros etc.) por meio das enunciações ou até mesmo pelos instrumentos
e procedimentos selecionados. Se propiciadoras de dialogicidade, tais escolhas precisam ser
valorizadas e investigadas para a compreensão de seu papel como propiciadoras de
aprendizagem e desenvolvimento, ou caso não o sejam, necessitam ser analisadas para
compreensão de relações de poder e posicionamentos autoritários.
Assim, tendo em mente que o objetivo geral desta pesquisa é o de investigar formas não
encapsuladas de ensino-aprendizagem de conceitos, a escolha teórico-metodológica pela
Pesquisa Crítica de Colaboração justifica-se, pois, temos em vista:
a) a investigação das relações colaborativas e contraditórias no DIGITI-M-ED /
hiperconectando que possam ser proporcionadoras (ou não) de aprendizagem e
desenvolvimento dos participantes do projeto em relação ao contexto escolar;
b) o exame de uma totalidade concreta que leva em conta a não separação teoria
(conhecimento) da prática (ação) no projeto;
c) a ênfase nas relações dialéticas e dialógicas que proporcionam a compreensão dos
participantes, de formas não encapsuladas de ensino-aprendizagem de conceito, mediados pela
linguagem.
Colocada a opção teórico-metodológica, passo à apresentação do contexto de pesquisa.
3.2 Contexto de Pesquisa
Os dados desta pesquisa foram coletados na plataforma de dados, no DIGIT-M-
ED/hiperconectando, um projeto de extensão e pesquisa liderado pela Profa. Dra. Fernanda
Coelho Liberali, inserido no Grupo de Pesquisa e Linguagem em Atividades no Contexto
57
Escolar (GP LACE)7, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os dados
correspondem ao ano de 2015.
3.2.1 Histórico
O projeto DIGIT-M-ED hiperconectando vem se desenvolvendo, juntamente, com
professores, pesquisadores, diretores, coordenadores e alunos (no papel de formadores8)
provenientes de escolas públicas e privadas, de Universidades particulares e federais e da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Em 2010, amparado no Projeto Interinstitucional Internacional DIGIT-M-ED:
Perspectivas Globais em Aprendizagem e Desenvolvimento por meio de Mídia Digital: uma
perspectiva Qualitativa sobre o Dia a Dia de Jovens em Situações Marginalizadas, o projeto
tinha como perspectiva a compreensão do uso que jovens, em situação de vulnerabilidade
econômico-social, em diversas partes do mundo, faziam das mídias digitais e sobre o impacto
disso em suas vidas.
Em 2012, organizado com o apoio financeiro da União Europeia pelo Projeto de
Intercâmbio de Equipes de Pesquisas Internacionais de Marie Curie, o projeto DIGIT-M-ED
efetivou-se e passou a contar com a participação de diferentes universidades, como a
Universidade de Creta, Universidade de Londres, Universidade Estadual de Psicologia e
Educação de Moscou, Universidade Gratuita de Berlim, Universidade de Jawaharlal Nehru da
Índia e com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Em 2013, no Brasil, o projeto, ganhou dimensão diferente e, desde então, denominado
DIGIT-MED hiperconectando opera dentro de uma visão desencapsuladora (Engeström, 2002),
considerando os diferentes saberes de forma não encapsulada, conforme fora sugerido por
Souza Santos (2008), tendo em vista o pensamento ecológico derivativo de uma ecologia de
saberes. Esse olhar leva em conta a heterogeneidade de conhecimentos, dentre os quais o
conhecimento científico é apenas mais um deles. Assim sendo, os sujeitos envolvidos em
trabalhos coletivos criam zonas de desenvolvimento proximal, entendida como “uma zona a ser
7 Inscrito no CNPq em 2004, o Grupo de Pesquisa LACE é liderado pelas Professora Dra. Maria Cecília Camargo
Magalhães e pela Professora Dra. Fernanda Coelho Liberali, docentes no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 8 Alunos-formadores são alunos encarregados do desenvolvimento das propostas curriculares que, em conjunto
com os educadores, fazem parte de todas as atividades do projeto juntamente com pesquisadores-formadores e
pesquisadores.
58
atingida ou um espaço a ser cruzado” (Liberali, 2013, p. 2), isto é, “como um território a ser
descoberto e vivido por meio de um mover-se sobre ele em várias direções, para frente, para
trás e para os lados, deixando traços do caminho para outros exploradores que vão adaptar e
lutar para ir além deles” (LIBERALI, 2015, p. 16).
Desse modo, o entendimento do agir desencapsulador envolve não só “criar territórios
para a multiplicidade de percepções e de formas de agir”, como também, propiciar “a reflexão
constante sobre a práxis como forma de ensinar o conteúdo de ensino, que necessariamente
pressupõe movimentos de crise e superação de forma colaborativa” (LIBERALI, 2015, p. 16).
Disso decorre, o DIGIT-M-ED hiperconectando ter em vista os contextos escolares, a
partir de uma nova compreensão sobre quem são seus agentes formadores, incluindo, no corpo
da formação, pesquisadores, formadores de professores, coordenadores, diretores escolares,
professores e, também, alunos. Esse aspecto tem sido a particularidade inovadora desse projeto,
devido a sua característica peculiar em repensar o conceito de agente formador e redimensionar
sua perspectiva e importância ao introduzir o aluno na transformação das práticas escolares.
Essa visão acena para a compreensão da gestão no contexto do desenvolvimento de
propostas curriculares, a partir da inclusão de professores e alunos, de forma não hierarquizada,
mas em um agir em conjunto com outros formadores.
De acordo com Liberali, 2016 (prelo), idealizadora do projeto no Brasil, as propostas do
DIGIT-M-ED hiperconectando - em que os papéis de professores, diretores, coordenadores,
pesquisadores e alunos são colocados em situações de simetria - visam transpor fronteiras
representacionais e promover a desencapsulação, compreendida, ainda, como a possibilidade
em desenvolver a capacidade de mobilidade entre os sujeitos. Na direção de Blommaert (2014),
que enfoca a questão da mobilidade envolvendo a utilização das experiências de um contexto
espaço-temporal de base para a configuração de novas possibilidades de agir e produzir
significados em contextos diferentes daquele contexto primeiro.
Nesse sentido, o DIGIT-M-ED hiperconectando abrange o favorecimento de agência
por parte de todos os envolvidos, tendo em vista as formas como os sujeitos desenvolvem
mobilidade (BLOMMAERT, 2010) para atuarem de forma plena em atividades várias no
contexto escolar, suplantando os limites entre papéis comumente afigurados para cada um.
Tradicionalmente, nas escolas, esses papéis costumam estar organizados assimetricamente,
como formas de encapsulação, devido sua característica em subtrair oportunidades para que
novas e criativas formas de agir sejam postas em ação.
O projeto fundamenta-se em formas de agir críticas e colaborativas, as quais implicam
que todos os participantes sejam envolvidos e engajados em diferentes contextos escolares para
59
aprender e se desenvolver no processo de pesquisar, no intuito de transformar todos em
formadores de formadores.
Como discutem Liberali, Schapper e Lemos(2012), o DIGIT-M-ED hiperconectando
está inserido no paradigma crítico de pesquisa, pois investiga o currículo como um instrumento
que precisa ser construído com o envolvimento de professores, equipe gestora, alunos e
comunidade, com a intenção de “desenvolver tarefas escolares que realizem a almejada
desencapsulação dos conteúdos que tornará a estrutura das tarefas uma matriz de socialização
e ação na comunidade e no mundo” (LIBERALI, 2015, p. 10).
Segundo Liberali (2015, p. 20), a visão crítica que se compartilha no DIGIT-MED
hiperconectando envolve tanto o contexto de investigação quanto o contexto de Pesquisa
Crítica de Colaboração. Por um lado, no contexto de investigação, o vocábulo crítico enreda
um movimento de transformação da realidade fundado na não dissociação entre teoria e prática;
já o vocábulo colaboração pressupõe uma reflexão sobre os modos de agir que se apartem da
aceitação de posições pré-estabelecidas de poder e de saber.
Desde 2013, esse projeto vem contribuindo com uma nova forma de pensar os
conhecimentos múltiplos para a realização da desencapsulação como forma de transpor
territórios culturais não só desencapsulando papéis (de professor, aluno, coordenador etc), mas,
também, o uso das formas representacionais pelo uso das múltiplas modalidades e das múltiplas
mídias, ultrapassando os limites do não cientifico e do científico, do monorrepresentacional,
considerando a ampla gama variedade de convenções de significado em situações
multiculturais, sociais e específicas que focalize os Multiletramentos (THE NEW LONDON
GROUP, 1996/2000).
Assim, de 2013 ao ano corrente, o Projeto apresentou a seguinte configuração, conforme
histórico abaixo:
Quadro 2: Histórico DIGIT-M-ED HIPERCONECTANDO, 2013 a 2016
Ano Conceitos Atividade social Tema
2013 Multiculturalidade,
multimodalidade,
multimídia
Manifestar-se Manifestações e
qualidade de vida
2014 Prática situada,
instrução evidente,
enquadramento
crítico, prática
transformada
Construir e assistir
filmes sobre a
realidade escolar e
cuidar do lixo
Identidade escolar,
lixo, tolerância na
relação com
nordestinos
60
2015 Atividade Social Ir à festas e mover-
se pela cidade
Gênero e
mobilidade urbana
2016 Brincar Fazer e manter
amigos
Relação entre o
público e o privado
Fonte: Plataforma DIGIT-M-ED/Hiperconectando
Em sua primeira fase, até 2014, o projeto foi realizado com jovens e crianças de escolas
públicas, municipais e estaduais, do estado de São Paulo. A segunda fase, que abrange os anos
subsequentes, focaliza instituições de ensino superior e de educação básica, na busca pela
melhoria da qualidade da educação, envolvendo instituições nas cidades de São Paulo, Ceará,
Piauí e Pernambuco. Durante esse período, o DIGIT-M-ED hiperconectando teve como
participantes:
Quadro 3: Histórico de participantes de 2013 a 2015
Ano Participantes Quantidade
2013
• Pesquisadores 14
• gestores 8
• professores 11
• aluno 22
2014
• Pesquisadores 21
• gestores 10
• professores 11
• aluno 45
2015
• Pesquisadores 14
• gestores 8
• professores 11
• aluno 22
Fonte: elaborado pela autora
Tendo apresentado um breve histórico do nosso contexto de pesquisa, passo, agora, à
apresentação das instituições participantes do Projeto.
61
3.2.2 Funções Desempenhadas pelos Integrantes do Projeto
Os integrantes das instituições do projeto podem desempenhar funções9, não
hierárquicas, dentro do DIGIT-M-ED/ hiperconectando, tais como: pesquisador; pesquisador-
formador; coordenador geral, de núcleo e pedagógico; professor-formador e aluno-formador,
conforme as informações abaixo, extraídas do Projeto DIGIT-M-ED/ Hiperconectando, 2015
(prelo):
• Equipes de pesquisadores, formadas por doutores, mestres e alunos de doutorado,
mestrado e iniciação científica (graduação e ensinos médio e fundamental) são
encarregados de assegurar o desenvolvimento da bases teóricas e análises periódicas
dos dados produzidos nas atividades do projeto.
• Equipes de pesquisadores-formadores formadas por alguns dos pesquisadores que são
também responsáveis, junto aos coordenadores do projeto, pela execução das oficinas
(workshops) e por estar próximo às escolas, acompanham os processos em
desenvolvimento em cada uma delas, por meio de observação de aulas, reuniões, sessões
reflexivas individuais ou de série-ano. Como colaboradores no desenvolvimento de
propostas curriculares, tornam-se encarregados em discutir formas de desenvolver
propostas que sejam pertinentes ao contexto de cada instituição junto com os
coordenadores, alunos-formadores e professores-formadores (ambos como grupos de
apoio).
• Coordenadores de núcleo – englobam as tarefas acima e, ainda, são responsáveis pela
organização do projeto em cada núcleo. Coordenam as propostas de formação do grupo
de pesquisadores a partir da Teoria da Atividade, dos Multiletramentos e da formação
dos formadores.
• Coordenadora geral - além de participar como os demais e coordenar o núcleo inicial de
São Paulo, é encarregada da organização geral dos trabalhos nos núcleos, promovendo
oportunidades para as trocas entre os diferentes grupos. Discute com os coordenadores
locais os encaminhamentos e participa de algumas reuniões específicas de cada núcleo
à distância.
Funções dos participantes nas escolas focais:
9 Essas funções, podem ser exercidas, sem distinção, pelos diferentes integrantes do projeto, sejam eles das
instituições participantes ou pesquisadores do Grupo LACE. Algumas vezes, o membro organizador, também, faz
parte do corpo docente da escola participante.
62
• Coordenadores pedagógicos – acompanham e desenvolvem o processo de formação
e execução do projeto em suas escolas, dando auxílio aos pesquisadores e ao grupo
de apoio, acompanhando a formação da equipe.
Grupo de Apoio (nas escolas focais):
• Grupo de professores-formadores (dois a quatro professores de cada escola) –
lideram, junto aos coordenadores e alunos-formadores, na formação do quadro de
professores da instituição. Como colaboradores, dão auxílio e realizam formação
dos demais, criando laços de colaboração no alcance de objetivos compartilhados
para o desenvolvimento coletivo.
• Alunos-formadores (dois a quatro alunos de cada escola) – por estarem inseridos na
cultura infanto-juvenil, tornam-se formadores dos pesquisadores-formadores,
coordenadores e professores-formadores, professores e demais alunos de suas
escolas, junto com os gestores e professores
Na sequência, apresento os membros do projeto, que difere do grupo focal, participante
desta pesquisa. Como não é o intuito estender-nos sobre os membros do projeto e entendendo
que a questão da idade é uma particularidade importante no DIGIT-M-ED hiperconectando -
uma vez que, nesse contexto, a questão da idade não é fator determinante de função -,
apresentaremos a idade dos participantes quando nos referirmos ao grupo focal desta pesquisa,
na próxima seção.
3.3 Membros Organizadores do Projeto
No ano de 2015, o projeto foi composto por uma equipe de 21 membros organizadores,
com idades entre 12 e 69 anos, envolvendo pesquisadores (de doutorado, mestrado e pós-
doutorado), professores, alunos, coordenadores, de acordo com o quadro abaixo:
Quadro 4: Membros organizadores
Nome Função Grau de formação
Fernanda Coelho Liberali Coordenadora do
Projeto em São Paulo
Coordenadora Geral
do Projeto no Brasil
Doutora em Linguística Aplicada
pela PUC-SP
63
Maria Cristina Damianovic Coordenadora em
Pernambuco
Doutora em Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Francisco Afrânio Teles Coordenador no
Piauí
Doutorando em Linguística
Aplicada pela PUC-SP
Maria Regina Passos
Pereira
Coordenadora no
Ceará
Doutoranda em Linguística
Aplicada pela PUC-SP
Maria Cecília Magalhães Pesquisadora-
formadora
Doutora em Educação pela
Virginia Polytechnic Institute
and State University
Viviane Letícia Carrijo Pesquisadora-
formadora
Doutoranda em Linguística
Aplicada pela PUC-SP
Camila Santiago Pesquisadora-
formadora
Mestre em Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Maria Feliciana da Silva
Amaral
Pesquisadora-
formadora
Mestre em Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Maria Cristina Meaney Pesquisadora-
formadora
Mestre em Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Henrique Bovo Lopes Pesquisador-
formador
Mestre em Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Shirley Adriana de Sousa
Silva
Pesquisadora-
Formadora
Mestranda em Linguística
Aplicada pela PUC-SP
Everton Pessôa de Oliveira Pesquisador-
formador
Mestrando em Linguística
Aplicada pela PUC-SP
Jessica Aline dos Santos Pesquisadora-
formadora
Graduada em Letras pela
UNIESP-FACEQ
Fabrícia Teles Pesquisadora –
formadora
Doutorando em Linguística
Aplicada pela PUC-SP
Guilherme Rittner Manzati Pesquisador-
formador
Graduado em Letras pela PUC-
SP
Clarissa Coelho Liberali Pesquisadora-
formadora
Graduanda em Educação pela
PUC-SP e em Letras pela USP
André Zappalenti Pesquisador-
formador
Aluno de Ensino Médio
Natan Haucke Pesquisador-
formador
Aluno de Ensino Médio
Beatriz do Amaral Pesquisadora-
formadora
Aluna de Ensino Fundamental 2
Fonte: Plataforma DIGIT-M-ED hiperconectando
Na sequência, apresento as instituições participantes do projeto.
64
3.4 Instituições Participantes no Projeto
Para a efetivação do projeto, os membros organizadores do DIGIT-M-ED
hiperconectando realizam reuniões periódicas, presenciais e à distância, voltadas, dentre outras,
à discussão dos dados gerados nas atividades do projeto; ao desenvolvimento de propostas
curriculares para os workshops; ao acompanhamento da realização do processo de formação; à
implementação do projeto nas instituições.
No ano de 2015, ano em que, ressalto, realiza-se esta pesquisa, o DIGIT-M-ED
hiperconetando contou com oito instituições participantes - as quais denominei A, B, C, D, E,
F, G e H, apresentadas, a seguir.
Pertencente à rede pública de ensino, a escola A está situada na zona oeste do município
de São Paulo, em um bairro que, embora seja cercado por residências de classe média-alta,
abriga dois conjuntos populares habitacionais importantes: Cohab Educandário e Cohab
Raposo Tavares. Segundo dados do Censo/2015, essa escola atende a alunos das séries iniciais
e finais do Ensino Fundamental e conta com, além dos professores, cerca de 60 funcionários
nas funções operacionais, de manutenção e administrativa.
A escola B, com matriz na zona leste de São Paulo, atua em cinco frentes de trabalho:
colégio, cursos, capacitação, inclusão e pós-Graduação. Desde 2002, está inserida
numa perspectiva bilíngue de ensino, na qual a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é
trabalhada como a primeira Língua da pessoa surda, enquanto que Língua Portuguesa, nas
modalidades oral e escrita, é apontada como segunda Língua. Seu corpo docente é composto de
surdos e ouvintes fluentes em LIBRAS. O Instituto atende também a alunos surdos com
comprometimentos associados, como paralisia cerebral, deficiência intelectual e motora.
Também voltada ao ensino particular, a escola C, situada numa região privilegiada de
São Bernardo do Campo, atende a cerca de 600 alunos provenientes da classe média, da
Educação Infantil ao Ensino Médio, com turnos em três períodos: matutino, vespertino e
noturno (para o Ensino Médio).
A instituição D é uma escola particular de educação bilíngue localizada no bairro da
Bela Vista, pertencente à zona central de São Paulo. Essa escola atende a alunos provenientes
de famílias de classe média alta, oferecendo as disciplinas obrigatórias e outras atividades,
como ballet, robótica, violino, tênis etc. Com cerca de 25 anos de existência, essa instituição
presta atendimento a alunos em três segmentos: Educação Infantil; Ensino Fundamental I;
Ensino Fundamental II.
65
Instituição E é um órgão da Secretaria Estadual da Educação, que, além de outras
atribuições, conferidas por lei ou decreto, cuida do processo de atribuição de aulas; organiza as
comissões de supervisores que compõem as bancas para as diversas áreas (Exatas, Humanas e
Biológicas), que se subdividem nas diversas disciplinas do currículo; planeja e capacita os
trabalhos junto a gestores escolares do conjunto de escolas mantidas e administradas pela
Secretaria da Educação.
As escolas F e G pertencem à rede municipal e estão localizadas na região nordeste do
país. Em Beberibe, no Ceará, a primeira atende a um público, predominantemente, rural. A
segunda encontra-se na cidade de Parnaíba, no estado do Piauí, com atendimento a um número
aproximado de 900 alunos, distribuídos entre os anos finais Ensino Fundamental e Educação
de Jovens e Adultos
Instituição H é voltada ao ensino superior privado. Trata-se de uma universidade
católica brasileira, situada no bairro de Perdizes em São Paulo.
As instituições, anteriormente, citadas fizeram parte do corpo que compôs o DIGIT-M-
ED hiperconectando no ano de 2015. Os representantes dessas instituições, voluntariamente,
se dispuseram para a realização e implementação do projeto em cada escola-foco, podendo
exercer, juntamente com os membros do projeto, diferentes funções já discutidas anteriormente.
A seguir, apresento os participantes desta pesquisa, destacando um grupo composto por
10 pessoas que se sobressaíram durante a análise, coleta e seleção de dados em função dos
objetivos e perguntas desta pesquisa.
3.5 Participantes da Pesquisa
Em 2015, a equipe do projeto foi composta por 58 pessoas (entre membros e
participantes) - contando com 7 gestores, 11 professores, 22 alunos, 18 pesquisadores. Dentre
essas pessoas, destaco um grupo de 11 pessoas participantes desta pesquisa - de diferentes
faixas etárias (coluna 2) e diferentes níveis de formação (coluna 4), no entanto são coincidentes
em termos de função desempenhada no projeto (coluna 2), conforme veremos:
66
Quadro 5: Participantes da pesquisa
Nome Idade Função Instituição
de origem Grau de formação
Fernanda Coelho
Liberali
47
Coordenadora do
Projeto em São Paulo
Coordenadora Geral do
Projeto no Brasil
H
Doutora em
Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Maria Cristina
Meaney
50
Pesquisadora-
formadora
D
Mestre em
Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Henrique Bovo
Lopes 39 Pesquisador-formador C Mestre em
Linguística Aplicada
pela PUC-SP
Pedro Henrique
Rocha Saraiva 17 Pesquisador-formador C Aluno de Ensino
Médio
Giulia Moreira
Monetta 17 Pesquisador-formador C Aluno de Ensino
Médio
Beatriz do
Amaral 11 Pesquisadora-
formadora D Aluna de Ensino
Fundamental 2
Fernanda de
Freitas 12 Pesquisadora -
formadora D Aluna do Ensino
Fundamental 2
Matheus Rocco 12 Aluno -formador D Aluno do Ensino
Fundamental 2
Beatriz Penteado
Pereira Leite 12 Aluna -formadora D Aluna do Ensino
Fundamental 2
Maria Luiza
Brusco 12 Aluna -formadora D Aluna do Ensino
Fundamental 2
Valentina
Montserrat 17 Pesquisadora -
formadora C Aluna de Ensino
Médio
Érica 27 Aluna de pedagogia
Fonte: elaborado pela Autora
3.6 Pesquisadora-formadora
Esta pesquisadora-formadora é professora de Língua Portuguesa, na rede particular de
ensino, atuando junto a turmas do Ensino Fundamental II. Trabalhei, também, no Ensino Médio
dando aula de Língua Portuguesa, Literatura, Língua Espanhola e Redação.
67
Formada em Letras (português/ espanhol), no último ano da graduação, passei a
frequentar, como aluna ouvinte, os cursos de pós-graduação na Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), no departamento de
Linguística. Terminada a graduação, continuei por dois anos na USP, realizando trabalhos e
participando de projetos. No terceiro ano, fui aceita para apresentar um projeto como exigência
para o ingresso no curso de mestrado, mas acabei desistindo. Nessa época, já trabalhava como
professora eventual na rede estadual de São Paulo e não via relação entre as teorias que estudava
na USP e as práticas diárias em sala de aula. Adiei o projeto de ingressar no mestrado, por ver
uma larga distância entre aquilo que aprendia e a realidade dos meus alunos.
Durante o período em que frequentei os cursos de Pós graduação, na USP, voltados à
Teoria Semiótica greimasiana, adquiri uma certa habilidade na análise de textos verbais e não-
verbais. E, por estar imersa em um universo de pessoas com alto nível de erudição, interessei-
me mais profundamente pela Literatura, pela Crítica Literária e pela Gramática Normativa, que
me deram condições de aula em escolas renomadas da rede particular de São Paulo.
A habilidade em analisar textos ajudou-me a desenvolver outra: a de fazer perguntas
sobre os textos. Uma habilidade que o mercado, rapidamente, absorveu. Passei a elaborar
provas, testes, desafios, simulados e, recentemente, fiz parte de uma equipe que elaborou
material didático de Língua Portuguesa e Artes do Ensino Fundamental II. Além dessa
atividade, nas escolas onde trabalhei, participei de projetos que envolviam a produção de
conteúdos digitais, cursos para formação de professores e ministração de aulas de Língua
Portuguesa e Espanhola.
Como produtora de material para a lousa digital, novos desafios se colocaram, em
decorrência do uso dos recursos midiáticos que penetravam o universo da sala de aula.
Incomodavam-me as polêmicas, que eu considerava pouco relevantes, relacionadas ao fato de
deixar o aluno usar ou não o celular na sala de aula ou se o Wi-Fi deveria ser liberado na escola.
Enquanto isso, os alunos permaneciam estáticos diante do novo recurso oferecido pela escola.
Quanto ao professor, cabia o papel ativo de arrastar ícones para lá e para cá na lousa digital ou
de, rapidamente, conectar ao Wikipédia alguma palavra desconhecida.
A fim de buscar modos de utilizar a multimídia de forma que os alunos não fossem
usuários passivos, mas usuários críticos dos produtos oferecidos por esses meios, passei a
buscar referenciais que desenvolvessem, por meio das múltiplas mídias, habilidades intelectuais
que criassem atitudes e comportamentos necessários para a vida em sociedade. Ingressei na
COGEAE.
68
Durante um curso de especialização voltado à leitura e produção de textos, iniciaram-se
as minhas primeiras reflexões sobre ensino-aprendizagem e sobre a linguagem em sua relação
com as práticas sociais.
Terminado o curso, orientada pelos professores na COGEAE, cheguei à Linguística
Aplicada da PUC/SP como aluna ouvinte. Frequentei o curso Profa. Dra. Maria Cecília Camargo
Magalhães (Ciça), em 2014. Matriculando-me como aluna no curso de mestrado, em 2015,
como orientanda da Ciça.
No LAEL, conheci a Profa. Dra. Fernanda Liberali e, por intermédio dela, o Projeto
DIGIT-MED hiperconectando. O workshop inaugural do qual participei no DIGIT-
MED/hiperconectando foi no dia 11 de abril de 2015. No projeto, participei de reuniões,
presenciais e à distância, que antecederam e sucederam os dados selecionados para esta
pesquisa.
No DIGIT-M-ED hiperconectando, como pesquisadora-formadora, tive oportunidade,
ainda, de auxiliar, crítico-colaborativamente, na elaboração e desenvolvimento de propostas
pedagógicas para os workshops que ocorreram, no ano de 2015, e continuei no ano
subsequente; publiquei artigo, abordando a pesquisa realizada com foco na multimodalidade;
participei da produção de livro, envolvendo temáticas do projeto; envolvi-me, junto a outros
pesquisadores, em minicursos que focalizaram a formação de educadores e de formadores, com
base nos conceitos trabalhados no projeto.
Apresento, na próxima seção, os instrumentos e os procedimentos para a produção de
dados.
3.7 Instrumentos e Procedimentos de Produção de Dados
Esta pesquisa se dá conforme determinações do Comitê de Ética da PUC/SP e envolve
um Termo de Livre Consentimento e Esclarecido (TCLE) assinado por todos os envolvidos,
que permite o uso de seus nomes reais, bem como, os dados gerados nas discussões presentes
nesta pesquisa.
É importante lembrar que os dados desta pesquisa foram selecionados do Banco de
Dados do Projeto. Todavia, para sua coleta, câmeras de vídeo apoiadas em um tripé foram
posicionadas nos dois cantos do fundo da sala. Ainda, uma terceira câmera foi alocada no ponto
central da sala. Como é nosso intuito fazer a análise linguístico-discursiva articulada à
multimodalidade, esses detalhes foram de extrema relevância, pois facilitaram que fossem
69
detectadas discrepâncias (ou não) entre o que os participantes dizem e fazem, entendidas como
parte das suas constituições sócio-históricas.
O posicionamento das câmeras possibilita, também, fazer uma leitura do layout da sala,
com atenção ao posicionamento dos participantes e da mobília. Haja vista o impacto que ambos
os aspectos têm na qualidade das interações.
Ademais, tive acesso a todo material desenvolvido pelos membros, incluindo todas as
trocas de emails, disponibilizadas na plataforma digital do projeto. De modo que, os dados
selecionados, além de transcritos foram, ainda, descritos. Assim, foram utilizados os seguintes
instrumentos para produção de dados:
Planejamentos dos encontros do DIGIT-M-ED hiperconectando para o ano de
2015.
Trocas de e-mails
Descrição do material utilizado.
Gravação dos workshops.
Transcrição dos dados selecionados.
Exponho, a seguir, um quadro-resumo dos workshops selecionados com as respectivas
datas; o objetivo de cada momento e um breve resumo do que foi desenvolvido. Ressalto, em
sombreado, os momentos focais.
Quadro 6: Resumo das aulas gravadas e selecionadas
Momento Data Objetivo
1º
11/04/2015
Momento reservado à acolhida, com o espaço preparado
dentro da temática da Festa dos Anos 60, onde foram
executadas performances10 (Holzman, 1997) em torno do
tema da Festa.
2º
11/04/2015
Momento voltado à apresentação das escolas com
apresentações perfomadas de forma artística, envolvendo
as multimodalidades, conforme email enviado pelos
organizadores às escolas participantes.
3º
11/04/2015
Momento destinado ao debate. Em pequenos grupos, os
participantes se reuniriam para discutir os componentes da
Atividade Social “ir à festa, performada (momento 1). A
discussão foi orientada por perguntas, previamente,
preparadas pela equipe organizadora.
10 As performances pensadas por Holzman (1997), com base no brincar (VYGOTSKY, 1934), são compreendidas
como oportunidades criadas para que os participantes possam ir além do que permite suas possibilidades imediatas.
70
4º
11/04/2015
Momento voltado ao debate como o anterior (momento 3),
mas, agora, conduzido por uma Professora- pesquisadora,
com todos participantes reunidos formando um grande
grupo.
5º
11/04/2015
Momento programado para sensibilização, com a exibição
de cenas do baile no filme “Orgulho e preconceito”,
ambientado em diferentes épocas: 1940, 1980, 1995 e
2005.
6º
11/04/2015
Momento dedicado à problematização do papel do homem
e da mulher passando por diferentes Eras históricas, a
partir de imagens multimodais projetadas em um telão.
7º
11/04/2015
Momento reservado para proposição de tarefa, relacionada
à descrição dos componentes da atividade social ‘ir à
festa” no baile do filme “Romeu e Julieta”.
1º
09/05/2015
Momento voltado à acolhida dos participantes, remetendo
à Atividade Social “ir à festa”, focalizando os
aniversariantes do mês.
2º
09/05/2015
Momento disponibilizado para apresentação de tarefa,
proposta no 7º momento, do dia 11 de abril, visa fazer uma
síntese e retomada dos componentes da Atividade Social
“ir à festa”, discutidos no workshop do dia 11 de abril.
Fonte: elaborado pela autora
3.8 Local da Pesquisa
Esta pesquisa se desenvolve no prédio da Pontifícia Universidade Católica, no campus
Monte Alegre, no bairro de Perdizes, em São Paulo.
O campus Monte Alegre é o local onde se situa a administração central da universidade
e os cursos de humanas, ocupando mais de um quarteirão, formado pelas ruas Ministro Godói,
João Ramalho, Bartira e Monte Alegre.
O prédio, em que se realizam os encontros, localiza-se à rua Ministro Godói, Edifício
Reitor Bandeira de Mello. O edifício é composto de 8 pavimentos: estacionamento, subsolo,
térreo e cinco andares, atendidos por três elevadores.
Os encontros acontecem em duas ou três salas de aula e em um auditório, previamente
reservados, para o dia do encontro. São salas arejadas em bom estado de conservação e
iluminação adequada, compostas de carteiras universitárias, quadro-de-giz, mesa do professor,
cadeira, material multimídia (computador, som, telão – acoplado à lousa - e retroprojetor) e
acesso ao Wi-Fi. As carteiras, nas salas, normalmente, são organizadas em forma de
71
semicírculo com tendência a rearranjos, conforme as propostas de trabalho. O auditório é
composto por cerca de 100 lugares e oferece recursos audiovisuais, tais como: sistema de som,
projeção, transmissão online e vídeo conferência.
Passo, a seguir, à apresentação do procedimento de seleção de dados e organização da
pesquisa.
3.9 Procedimento de Seleção de Dados e Organização da Pesquisa
Os dados desta pesquisa estão organizados em duas partes.
A primeira tem como base as trocas de emails, os planejamentos dos encontros e a
descrição dos materiais selecionados pelos membros organizadores do DIGIT-M-ED
hiperconectando, para o primeiro semestre de 2015.
A segunda focaliza a transcrição das gravações dos workshops ocorridos nos dias 11 de
abril e 09 de maio de 2015, totalizando 8h de gravação. Cada um desses workshops ocorreu,
aos sábados, das 9h da manhã às 13h da tarde, com um tempo de 4h cada encontro, o equivalente
a cerca de 9 horas/aula. O critério de seleção dos workshops destaca um grupo de participantes
que se sobressaiu, durante a coleta/produção de dados.
Para a segunda parte, visando melhor explicitar o momento focal, fizemos um recorte
dos dias citados, dividindo os workshops em nove momentos (quadro 5), ressaltando os
momentos focais, em sombreado, para efeito de análise e/ou discussão.
Desse modo, os planejamentos, as trocas de e-mails e a descrição do material
selecionado serviram de base para discutir, criticamente, o modo como as propostas curriculares
foram construídas durante o semestre, aspecto voltado à nossa primeira pergunta de pesquisa.
Em seguida, foi feita uma leitura crítico-interpretativa, com base na transcrição das gravações
dos workshops e nas discussões teóricas direcionada à nossa segunda pergunta de pesquisa,
com foco nos encontros e momentos dos dias mencionados.
3.10 Categorias de Análise e Interpretação
A descrição, análise e interpretação dos dados envolvem os três níveis de análise da
linguagem propostas por Liberali (2013) – enunciativa, discursiva e linguística – entremeadas
à multimodalidade. É importante salientar que as três categorias citadas foram elaboradas de
72
acordo com a perspectiva dialógico-enunciativa da linguagem, compreendidas no movimento
da enunciação; não podendo, portanto, ser utilizadas de forma mecânica e isolada, mas inter-
relacionadas.
Apresentamos, a seguir, as categorias selecionadas, seguidas de um quadro que as
exemplifica.
3.10.1 Aspectos Enunciativos
Segundo Liberali (2013), os aspectos enunciativos envolvem:
• Contexto em que o evento é realizado
• Dialética entre o local, momento e o veículo
• Objetivos e conteúdo a serem abordados
• Modos concretos de produção e realização
• Bases teóricas dos conceitos enfocados
Os aspectos anteriores, englobariam quatro outros elementos (LIBERALI, 2013):
• Local e momento de produção/ recepção/circulação – para que? (objetivo); o
que? (conteúdo ou referente); quando se fala? (espaço e o tempo )
• Ações dos interlocutores (enunciadores) na produção de conhecimento - quem
fala (participantes), nas relações com que participantes.
• Objetivos da interação – finalidade – porquê se fala (vontade enunciativa/
apreciação valorativa)
• Objeto/conteúdo temático/referente – de que se fala (tema/conteúdo)
Quadro 7: Exemplo de análise dos aspectos enunciativos
Exemplo 1
Cris Meaney (50 anos, professora-pesquisadora, escola D): Pessoal, vamos lá? O que foi
discutido em cada grupo? Por que e pra que as pessoas participavam dessa festa? A gente
comentou um pouquinho lá atrás. O que foi que a gente falou? Fala, Malu.
Maria Luiza (12 anos, aluna-formadora, escola D): Ah, a gente falou que as pessoas
participavam da festa pra se divertir... pra dançar...pra comer ... pra paquerar [O professor da
escola C auxilia na resposta da garota]
Maria Luiza (12 anos, aluna-formadora, escola D): Socializar... se atualizar [Fernanda,
também aluna da mesma escola, ajuda na resposta].... se comunicar, essas coisas.
73
A interação realiza-se na sala de aula (onde), momentos após os participantes
terem participado da performance (acolhida) (quando), apresentando as escolas e se
agrupado em pequenos grupos.
O intuito desse momento é promover uma discussão, no grande grupo, sobre
os componentes que compuseram a Atividade Social (referente) em questão –
(objetivo). A sala está organizada em semicírculo, os pequenos grupos já se
dissiparam. E, nesse momento, são projetadas perguntas em um telão que servirão de
guia para discussão dos componentes no grande grupo (como).
Com os demais participantes sentados e uma professora colocada em pé, rente
à lousa, demonstrando que será ela a mediadora da discussão (locutora) e os demais
participantes seus interlocutores, iniciam-se as discussões, a partir do lançamento de
uma sequência de perguntas. Fonte: elaborado pela autora
3.10.2 Aspectos Linguísticos
Os dados foram analisados dentro da estrutura proposta para a análise enunciativa da
argumentação, apresentada por Liberali (2013), que considerou os estudos desenvolvidos por:
Kerbrat-Orecchioni (2006), Bronkart (1987 e 1997/1999), Toulmin (1958), Halliday (1975),
Orsolini (2005), Duarte (1998), Aristóteles (350 a.C./2005), Bernando (2000), Brookfield &
Preskill (2005), Breton (2003), Dolz (1996), Faria (2002), Charaudeau (2008), Bakhtin
(1953/2003), Perelman e Tyteca (1958/2005), Pontecorvo (2005), Mosca (2004) e Koch (1996).
Ainda, com a análise das perguntas com base em Ninin (2013).
Nesse arcabouço amparamo-nos, para um maior refinamento da análise que objetiva dar
conta da abordagem de aspectos mais abrangentes da materialidade do texto. Tais como:
• Mecanismos conversacionais: é o texto como um todo. As formas de acabamento
que servem para marcar as fronteiras do enunciado e passar a palavra ao outro. Na
linguagem escrita equivale ao uso dos signos de pontuação: exclamação, reticências,
interrogação, ponto final.
• Mecanismos de coesão verbal: diz respeito à ancoragem espaço/temporal:
presente/simultaneidade, passado/ anterioridade, futuro/ posterioridade.
• Mecanismos de conexão: expressos por advérbios ou expressões adverbiais, que
podem dar a ideia de tempo, modo, lugar, intensidade, meio, dúvida etc.
• Mecanismos de distribuição das vozes: implicam o sujeito no enunciado e pode ser
expresso pelo uso da 1ª pessoa (eu acho), pelos possessivos (minha) e pelo uso de
“a gente”.
74
• Mecanismos de modalização: lógica – denotando certeza; deôntica – expressando
aspectos de domínio do direito/ da obrigação social; apreciativa – expressando
benefícios; pragmática – expressando capacidade/desejo. As quatro funções de
modalização apresentadas por Bronckart (1999, p. 330-336) são inspiradas na teoria
dos três mundos herdada de Habermas (1987).
• Mecanismos de interrogação: expressos pelos usos dos pronomes interrogativos (O
quê?, Quando?, Onde?, Como?, Por quê? etc) ou pelas conjunções altenativas
(ou...ou; nem... nem).
• Mecanismos de proferição: relativos ao modo como se diz algo - entonação, pausa,
ritmo, volume da voz, timbre etc.
• Mecanismos multimodais: expressos pelos signos cinéticos, estáticos ou plano de
imagem: gestos, olhares, risos, aplausos etc.
• Mecanismos de trocas de turnos: é a tomada da fala do outro, por meio de “então,
né ...” ou “como eu estava falando...” entre outros.
Quadro 8: Exemplo de análise dos aspectos linguísticos
Exemplo 2
Cris Meaney (50 anos, professora-pesquisadora, escola D): Pessoal, vamos lá? O que foi
discutido em cada grupo? Por que e pra que as pessoas participavam dessa festa? A gente
comentou um pouquinho lá atrás. O que foi que a gente falou? Fala, Malu.
Maria Luiza (12 anos, aluna-formadora, escola D): Ah, a gente falou que as pessoas
participavam da festa pra se divertir... pra dançar...pra comer ... pra paquerar [O professor
da escola C auxilia na resposta da garota]
Maria Luiza (12 anos, aluna-formadora, escola D): Socializar... se atualizar [Fernanda,
também aluna da mesma escola, ajuda na resposta].... se comunicar, essas coisas.
Após os participantes terem se organizado em pequenos grupos por escolas,
já com esses grupos dissipados, uma professora-pesquisadora, com a finalidade de
discutir os elementos que compuseram a “festa dos anos 60”, posiciona-se no centro
da sala.
A professora-pesquisadora, no papel de líder da discussão, faz a abertura
lançando, primeiramente, um pergunta de dimensão pragmática (Vamos lá?). Essa
pergunta tem o sentido de mobilizar o grupo rumo à ação discursiva, configurando
um convite. Em seguida, outra pergunta, agora de dimensão argumentativa (O que foi
discutido em cada grupo?), é feita no intuito de recuperar a discussão dos
participantes em seus grupos. Enquanto aguarda a resposta, a professora-formadora
faz uso de mecanismos multimodais esfrega as mãos uma na outra e busca resposta
entre os participantes, dirigindo o olhar para os diferentes pontos da sala. Sem
sucesso, dentro de quatro segundos, lança duas novas perguntas, agora, de dimensão
epistêmica: Por que e pra que as pessoas participavam dessa festa? Este tipo de
pergunta visa favorecer a relação entre os conhecimentos cotidianos e científicos
sendo, desse modo, possibilitadora de desencapsulação.
75
Ao pronunciar as perguntas a professora dirige, rapidamente, o olhar de um
ângulo a outro da sala e focaliza um pequeno grupo, que está sentado imediatamente
à frente na sua linha do olhar. Com sua interlocutora em foco, a professora ao mesmo
tempo que enuncia uma fala não modalizada no modo imperativo (Fala, Malu),
aponta o dedo indicador em riste para que sua interlocutora dando ordem para falar.
A pessoa selecionada é uma aluna que se chama Maria Luiza a quem a
professora, carinhosamente, se reporta como “Malu”. Enquanto a aluna-formadora
fala, a professora faz uso de mecanismos multimodais que demonstram aceitação à
fala da garota: com uma espécie de marcação com os dedos das mãos, a professora
enumera as respostas assertivas cometidas pela garota. O acolhimento por parte da
professora pôde também ser conferido por meio das expressões faciais da professora.
No momento, em que a menina fala, o olhar que a professora dirige a ela demonstram
atenção: os olhos estão arregalados e sobrancelhas erguidas. Outra demonstração de
acolhimento à fala da aluna são as maçãs do rosto elevadas e a boca arqueada no
sentido superior. Ao mesmo tempo, vez ou outra, a cabeça da professora se move para
frente e para traz demonstrando concordância.
Ao enunciar as perguntas, o tom interrogativo, decorrentes da pergunta direta,
pôde ser depreendido pelo movimento ascendente da voz na última sílaba. A aluna,
por sua vez, ao elaborar a declarativa, apresenta, a cada palavra falada, uma pausa
curta como se estivesse elaborando a sua resposta mentalmente. O andamento
pausado da fala da aluna também pode demonstrar insegurança, dúvida ou timidez.
Essas conjecturas somente poderão ser asseguradas se encontrarmos recorrências em
outras passagens.
O uso de a gente pronunciado pela professora, a princípio, parece ser um
mecanismo de distribuição de vozes. No entanto, outras passagens demonstram que
essa afirmação não se confirma. A expressão utilizada pela professora diz respeito a
um agrupamento de pessoas em específico. Já o uso da mesma expressão feita por
parte da aluna ocorre no sentido de incluir os participantes do grupo do qual ela é
porta-voz e, nesse caso, trata-se de um mecanismo de distribuição de vozes. Fonte: elaborado pela autora
3.10.3 Aspectos Discursivos
Segundo Liberali (2013), na construção do discurso, um aspecto importante da
argumentação é o modo como as ideias, posicionamentos ou pontos de vista são articulados.
Tanto para o analista quanto para os praticantes do ato discursivo, dependendo da forma como
são apresentados os diferentes pontos de vista e/ou as ideias, estes podem adquirir diferentes
recrudescimentos valorativos. Liberali (2013, p.68) categoriza alguns desses modos de
articulação, cuja apreensão possibilita uma análise profícua do entrelaçar de vozes dos
participantes no discurso. São eles:
• Exórdio: abertura do tema ou introdução e estabelecimento do contato com os
interlocutores. Utilizam-se, neste caso, as formas de saudação (“boa tarde”/
76
“bom dia”/ “oi”), seguida ou não de vocativo, ou seja, um termo que serve para
evocar/chamar alguém (Olá, alunos”).
• Questão controversa: cria a possibilidade dos interlocutores assumirem
posicionamentos.
• Apresentação da tese ou ponto de vista: favorece a refutação ou sustentação dos
interlocutores.
• Espelhamentos: que podem ser de recolocação/ reforço da fala do outro ou com
pedido de discordância. Neste caso, são usados os verbos na 3ª pessoa e o recurso
do discurso indireto (“Como você disse”/ “Elas disseram”).
• Concordância/discordância: aceitação ou negação da fala do outro. Neste caso,
são os usados os verbos em 1ª pessoa e discurso direto (“Eu corroboro” / “Eu
não concordo).
• Negação/refutação: ocorre devido à falha do suporte, embasamento ao exemplo
mal apresentado (“Eu não entendo o que quis dizer”).
• Acordo ou síntese: é a aglutinação posicionamentos de modo a formar uma arena
de vozes, inclinadas para um mesmo posicionamento que pode ser de
concordância ou não. Nesse tipo de construção, faz-se uso do termo “a gente” /
“a turma” / “o pessoal falou” no lugar da 3ª pessoa ou dos pronomes indefinidos,
como: todo(a)(s), alguns/algumas etc.
• Pedido de esclarecimento: é a solicitação de elucidação dos fatos apresentados.
Normalmente, faz-se uso do verbo no imperativo, dando ideia de pedido ou
solicitação (“Esclareça”); infinitivo com valor de imperativo; ou locuções
verbais (“podia esclarecer”).
• Questões para entrelaçamento de falas: são formas de expandir/elucidar aquilo
que foi dito, enriquecido pela contribuição de outras falas.
• Pedido/ apresentação de sustentação: pode ser apresentado por meio de uma voz
de autoridade (“segundo o autor – fulano de tal”); apelo emocional, (“seus pais
precisam saber disso”); descrição/ enumerações (passo 1, passo 2, primeiro);
realização de performance (gestual).
77
Quadro 9: Exemplo de análise dos aspectos discursivos
Exemplo 3
Cris Meaney (50 anos, professora-pesquisadora, escola D): O que foi discutido em cada
grupo? Por que e pra que as pessoas participavam dessa festa? A gente comentou um
pouquinho lá atrás. O que foi que a gente falou? Fala, Malu.
Maria Luiza (12 anos, aluna-formadora, escola D): Ah, a gente falou que as pessoas
participavam da festa pra se divertir... pra dançar...pra comer ... pra paquerar [O professor
da escola C auxilia na resposta da garota]
Maria Luiza (12 anos, aluna-formadora, escola D): Socializar... se atualizar [Fernanda,
também aluna da mesma escola, ajuda na resposta].... se comunicar, essas coisas.
Com o intuito de fazer um resgate das discussões ocorridas nos pequenos,
relacionadas à Atividade Social “ir à festa”. A professora de posse de perguntas,
previamente, elaboradas, lança uma sequência de perguntas.
As perguntas iniciais da professora começam com construções bem simples
dirigidas, primeiramente, a todos os ouvintes para, em seguida, voltarem-se às alunas
Malu e Fernanda.
Nesse primeiro momento, note-se que, a professora utiliza o termo “a gente”
no lugar de “nós”, pronome indicativo da 3º pessoa do plural. Essa escolha representa
a coletividade da qual ela é comunidade e sujeito. O verbo no imperativo, “fala”,
pronunciado pela professora, dota o interlocutor, Malu, de um dever fazer,
constituindo uma ordem. Malu inicia sua fala pelo uso da interjeição, “ah”, como se
estivesse cobrando à memória fatos anteriormente ocorridos, quando adquiriu os
saberes necessários para que pudesse participar.
A aluna, a exemplo da professora, ao se pronunciar, não centraliza o saber em
si. Isso é demonstrado por meio do uso da expressão “a gente”. Essa expressão ao
mesmo tempo que a coloca como adepta de um determinado grupo, presentifica a voz
desse grupo do qual ela acabara de participar, como forma de apresentar sustentação
ao que diz.
Na formulação de sua resposta, a aluna faz uso do pretérito perfeito (“falou”)
e projeta-se numa “época” da qual ela não fez parte, mas que conhece, de ouvir falar.
Sobre esse passado, a menina enumera uma série de ações que dizem respeito aos
interesses daqueles que participavam daquele tipo de festa: “divertir”, “dançar”,
“comer”, “paquerar”, “socializar”, “atualizar”, “comunicar”. Observe que as
ações por ela enumeradas são compostas de verbos de ação e, em sua maioria, de
caráter coletivo e de carga semântica positiva. Em alguns momentos, Malu, espelha
Fernanda, repetindo o que ela fala. Fonte: elaborado pela autora
Essa visão, aparta-se da noção de textos/enunciados como um objeto autônomo,
susceptível de ser compreendido somente por seus elementos linguísticos ou pelas partes que o
integram. Ao contrário, são considerados situados dentro de um tempo e lugar históricos e se
expressam por meio da autoria, que se realiza por meio dos recursos do sistema da língua num
contexto específico, envolvendo a articulação entre a materialidade discursiva e a questão
ideológica. Sintetizando as categorias de análise, temos:
78
Quadro 10: Síntese das categorias de interpretação e análise
Categorias
de
interpretação
Sentidos e significados
Colaboração e Contradição
ZPD
Mediação
Multimodalidade
Desencapsulação
Categorias de análise
enunciativa
Onde e quando se fala
Quem fala (participantes)
Por que se fala (vontade enunciativa/ apreciação valorativa)
De que(m) se fala (tema/assunto/conteúdo)
Categorias de análise
linguística
Mecanismos conversacionais
Mecanismos de coesão verbal
Mecanismos lexicais
Mecanismos de conexão
Mecanismos de distribuição de vozes
Mecanismos de modalização
Mecanismos de interrogação
Mecanismos de proferição
Mecanismos de troca de turnos
Mecanismos multimodais
Categorias de análise
da articulação
discursiva
Exórdio
Apresentação da tese
Espelhamentos
Concordância/discordância Negação/refutação
Acordo ou síntese
Pedido de esclarecimento
Questões para entrelaçamento de falas
Pedido/ apresentação de sustentação
Fonte: elaborado pela autora
3.11 Garantias de Credibilidade da Pesquisa
No intuito de assegurar a veracidade das informações apresentadas nesta pesquisa, além
das orientações individuais, que corroboraram para que este trabalho estivesse em consonância
com a ética acadêmica, os dados, suas análises e discussões foram apresentados aos membros
do Grupo LACE em diferentes oportunidades:
79
Quadro 11: Garantias de credibilidade da pesquisa
Data Tipo de
apresentação/evento
Profas.
responsáveis
Contribuição
31 de julho
de 2015
Comunicação -
Minicurso “Pesquisa
Crítica de
Colaboração
(PCCol): colaboração
e contradição como
conceitos centrais”
Profas. Dras. Maria
Cecília Camargo
Magalhães e Maria
Otília Magalhães
Ninin
Esclarecimento quanto à
abordagem das categorias
colaboração e contradição
relacionadas aos dados
selecionados para esta
pesquisa.
25 de
novembro
de 2015
Comunicação -
Seminário de
pesquisa
Profas. Dras. Maria
Cecília Camargo
Magalhães e Maria
Otília Magalhães
Ninin
Alinhamento dos objetivos
gerais, específicos e
perguntas de pesquisa
12 de março
de 2016
Pôster – Fórum
LACE
Profas. Dras. Maria
Cecília Camargo
Magalhaes e
Fernanda Coelho
Liberali
Compreensão de que a
pesquisa estava voltada
para a desencapsulação do
ensino-aprendizagem e não
para a desencapsulação
curricular.
01 de junho
de 2016
Comunicação –
Seminário de
pesquisa
Profas. Dras. Maria
Cecília Camargo
Magalhães e Maria
Otília Magalhães
Ninin
Inserção da categoria
mediação
24 de
agosto de
2016
Comunicação –
Seminário de
orientação
Profas. Dras. Maria
Cecília Camargo
Magalhães e Maria
Otília Magalhães
Ninin
Inserção de novas
categorias de análise;
reformulação dos objetivos;
observância de aspectos
relacionados à metodologia
da pesquisa
Fonte: elaborado pela autora
Outrossim, este trabalho passou pela apreciação do Comitê de Ética da PUCSP, sendo
aprovado sem ressalvas. O documento comprobatório do parecer deste comitê encontra-se entre
os anexos desta pesquisa.
80
4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA
Esta seção está organizada para responder às perguntas de pesquisa. Para isso,
primeiramente, as retomo:
I. como se deu a organização do ensino-aprendizagem para a aprendizagem dos
conceitos trabalhados? Qual a importância dessa organização à apropriação dos conceitos?
II. de que forma a pedagogia dos multiletramentos, a partir de atividade social, contribui
para expansão e transformação dos conceitos em foco possibilitando uma apropriação não
encapsulada?
Com o intuito de responder a essas perguntas, esta seção organiza-se em duas partes. A
primeira parte se constitui para compreender como o ensino-aprendizagem foi organizado para
o desenvolvimento de formas de ensino-aprendizagem não encapsuladas durante o semestre. A
segunda, com base nas transcrições das interações dos workshops ocorridos nos dias 11 de abril
e 09 de maio de 2015, tem como meta compreender como a pedagogia dos multiletramentos e
o ensino a partir de Atividades Sociais contribuem para o avanço das compreensões do conceito
promovendo sua desencapsulação.
4.1 Organização do ensino- aprendizagem a partir de Atividade Social
Visando discutir, criticamente, como se deu organização do ensino-aprendizagem para
o ensino-aprendizagem não encapsulado do conceito em foco. Na tentativa de descrever o modo
como as propostas curriculares são discutidas, elaboradas, construídas, implantadas,
implementadas dentro do projeto, primeiramente, descrevo a proposta pedagógica do ano de
2015. Em seguida, exponho os instrumentos selecionados pelos membros organizadores do
DIGIT-M-ED/hiperconectando no desenvolvimento das propostas pedagógicas para uma
pedagogia com os Multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2009; KRESS, 2010), inserida em
Atividade Social (LIBERALI, 2009). Finalizo, apresentando as conclusões iniciais desta etapa
da pesquisa.
81
4.1.1 Proposta Pedagógica 2015: Eleição dos Três Eixos (Atividade Social, Tema e
Conceito)
Os membros organizadores do DIGIT-M-ED hiperconectando, já apresentados, além de
outras responsabilidades, estão envolvidos na elaboração das propostas pedagógicas a se
realizarem no projeto. De forma colaborativo-crítica e a partir do reconhecimento das
necessidades a serem satisfeitas na “vida que se vive” (MARX e ENGELS, 1845-46/2006), os
diferentes participantes elaboram, organizam e coordenam de propostas, entendidas como parte
do processo de aprendizagem e desenvolvimento de todos os envolvidos.
Considerando os pré-requisitos para um trabalho com Atividades Sociais (LIBERALI,
2009) que leva em conta trabalhar a atividade real humana, em 2015, os membros organizadores
do DIGIT-M-ED/hiperconectando articularam as propostas pedagógicas, a partir dos pilares,
descritos, a seguir, no quadro 11:
Quadro 12: Pilares para o trabalho com Atividade Social
Ano Atividade social Tema Conceito
2015 Ir à festas e mover-
se pela cidade11
Identidade
de gênero
Atividade Social
Fonte: Elaborado pela autora
A definição da Atividade Social foi baseada no universo de vida dos participantes do
projeto. Por participarem de um grupo com pessoas de diferentes faixas etárias, a primeira
atividade social a ser sugerida foi “ir à balada”. No entanto, como poderia ser uma atividade
que não envolvesse a todos, dada a diferença de idade, decidiu-se pela Atividade Social “ir à
festa”, em torno da qual foram planejadas as atividades multidisciplinares daquele semestre.
Circunscrita a diferentes esferas (do trabalho, escolar, laser, negócios, familiar etc), com
base na Atividade Social selecionada, foram previstas performances de festas temáticas como
Anos 60, junina e de aniversário, que partiam do desejo em possibilitar ao aluno a oportunidade
de vivenciar, no brincar, atividades que estivessem próximas de suas experiências, mas que
também pudessem ir além do que já podiam realizar e que, no dizer de Liberali (2009, p. 30),
pudessem “ criar expectativas e não como algo que nunca poderiam vivenciar”.
11 A Atividade Social “ir à festa” foi trabalhada durante o primeiro semestre de 2015. “Mover-se pela cidade” foi
trabalhada no segundo semestre do mesmo ano.
82
A definição do tema teve como base fatos de grande repercussão na grande mídia do
momento. Dentre os fatos fomentados estava a crise hídrica, porém esse tema foi descartado
por se aproximar do que fora discutido no ano anterior, com a questão do lixo - que acabou por
envolver a poluição lixo em rios e lagos, que acomete o setor hídrico. Optou-se, então, por outro
fato de grande efervescência nas diferentes mídias que polarizava opiniões a respeito de
questões relacionadas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à hostilização a
homossexuais e transgênero.
Essas questões foram ampliadas, a partir das reflexões e pesquisas desenvolvidas entre
os membros do projeto, de modo que ficou acordado que o tema daquele semestre seria
“identidade de gênero”. Essa escolha teve como meta servir de reflexão sobre valores sem que
isso implicasse posicionamentos dogmáticos a respeito do assunto, mas que pudesse trazer à
tona contradições relacionadas ao indivíduo real e as suas condições materiais de vida
(MAGALHÃES, 2011).
Eleitos a Atividade Social e o tema, buscou-se definir o conceito científico a ser
trabalhado. Esse conceito está relacionado à base teórico-metodológica que compõe o bojo do
projeto. Em contextos de “intervenções formativas, o objetivo é gerar conceitos que possam ser
usados em outros ambientes como base para a concepção de novas soluções adequadas para o
local” (ENGESTRÖM, 2016, p. 404), no ano de 2015, o conceito científico focal foi “Atividade
Social”.
4.1.2 Determinação dos Componentes da Atividade Social
A Atividade Social “ir à festa” foi estruturada segundo um conjunto de ações, para
satisfazer as necessidades dos participantes na vida real que viviam (LEONTIEV, 1977), na
relação escola-mundo/mundo-escola. Assim, baseada na Teoria da Atividade Sócio Histórico-
Cultural (TASHC), esse trabalho constituiu-se dentro de um sistema de atividade humano
(ENGESTRÖM, 2002), com base em seus elementos essenciais, tais como: sujeitos, artefatos,
objetos, comunidade, regras e divisão de trabalho, apresentando-se da seguinte forma:
83
Quadro 13: Componentes da Atividade Social "ir à festa"
Sujeitos Anfitriões e convidados.
Comunidade Garçons, disc jockey, recepcionistas, barman,
recreacionistas, atrações (mágicos, animadores, banda,
músicos, dançarinos, pirotécnico), fotógrafo,
cinegrafista, organizadores, segurança, manobrista.
Divisão de trabalho Barman: prepara as bebidas e cuida dos utensílios do
bar.
Garçons: servem aos convidados.
Convidados: divertem-se, comem, bebem, conversam
Anfitriões e recepcionistas: recepcionam os convidados
e disfrutam da festa.
Atrações: animam a festa.
Fotógrafos e cinegrafistas: registram o momento vivido.
Segurança: garante a segurança dos envolvidos na festa.
Manobristas: encarregam-se de estacionar os carros e
entregá-los aos donos.
Objeto Participar plenamente da atividade e/ou comer, beber,
divertir-se, paquerar, fazer negócios/tratados, dançar,
confraternizar, celebrar, conhecer pessoas.
Regras Vestir-se adequadamente, ser cortês, interagir com os
outros.
Artefatos/ instrumentos/
ferramentas
Buffet (petiscos, bolo, bebidas), utensílios (balde de gelo,
bandeja de servir, copos, taças, misturadores,
coqueteleira, poncheira, canudos), decoração (bexigas,
balões, toalhas, flores), gelo, pratos, guardanapos,
talheres, aparelho de som (música), discos, vestimenta,
brincadeiras, mágicas, mobília, luzes, lembrancinhas.
Gêneros envolvidos: lista de convidados, convites,
material de divulgação (flyer, pôster, banner), playlist,
cronograma/roteiro (no caso de festa debutantes,
casamento e infantil), check list, cardápio, layout, vídeo-
clip e/ou fotografia com melhores momentos da pessoa
festejada, conversas.
Fonte: elaborado pela autora
4.1.3 Conexão entre as Áreas do Conhecimento
Para que o conceito escolhido fosse desenvolvido, foram requeridas conexões com as
diferentes áreas do conhecimento para o desenvolvimento de um trabalho conjunto,
84
“enfatizando a natureza da agência humana, como intencionalmente orientada ao objeto da
atividade [...] como modo de trabalhar com outros para alinhar pensamentos e ações, nas
relações entre os diferentes participantes” (MAGALHÃES, 2011, p. 20).
O envolvimento de outras disciplinas aconteceu de acordo com a pertinência do tema e
a possibilidade de integração aos conteúdos de cada área (LIBERALI, 2009). De modo que a
proposta didática ficou a seguinte:
Quadro 14: Proposta didática 2015
Proposta didática para 2015
Série/ ano 8º ano
Atividade social Ir à festa
Tema Identidade de gênero
Língua Portuguesa Gênero convite
História Relações familiares através da história
Ciências Corpo humano - Caracterizar puberdade
Literatura A forma de representação de homens e mulheres na literatura-
romance
Artes Música e dança em festas, discotecas e festas através da
história
Fonte: Banco de dados, DIGIT-M-ED, 2015
Como demonstra essa passagem, a proposta didática em questão envolveu um conjunto
de articulações que implicaram em intencionalizar as ações pedagógicas no sentido de
desenvolver oportunidade para que os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem
vivenciassem momentos de pensar, criticamente, temas, conceitos e conteúdos abordados,
articulados à Atividade Social, em um ambiente de currículo integrado, que implica um
processo de mediação explícita e implícita em agir para romper as fronteiras tradicionalmente
impostas no que tange ao ensino-aprendizagem de conceitos.
4.1.4 Expectativas de Aprendizagem
O trabalho com Atividade Social tem em vista “as necessidades coletivas e individuais
de aprendizagem e de participação efetiva na sociedade” (LIBERALI, 2009, p. 31). Assim
85
sendo, foram requeridas expectativas que levassem em conta os diferentes processos a serem
desenvolvidos pelos participantes. Abaixo, as expectativas de aprendizagem foram
selecionadas com base nas Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo (2007/2008). São elas:
a. Língua Portuguesa/Literatura: estabelecer conexões entre o texto e os
conhecimentos prévios, vivências, crenças e valores; reconhecer os efeitos de
sentido decorrentes da diagramação, de recursos gráfico-visuais (tipo, tamanho
ou estilo da fonte); identificar possíveis elementos constitutivos da organização
interna de um gênero.
b. História: identificar as sociedades estudadas no tempo e no espaço.
c. Ciências: confrontar diferentes explicações sobre evolução da vida, para
reelaborar ideias e interpretações; caracterizar a puberdade como processo
natural que determina a capacidade reprodutiva humana e que produz mudanças
físicas e emocionais.
d. Artes: identificar as principais características das músicas e canções apreciadas
(título, autor, intérprete e elementos formais, tais como som, silêncio e ruído);
identificar as principais características das danças apreciadas e vivenciadas
(forma de organização, ritmos, nome da dança etc.); Opinar acerca de suas
preferências e escolhas com relação às danças (coreografias, vestimentas,
artefatos, ritmos), às músicas e canções (temáticas, estilos e timbres de voz,
instrumentos musicais e materiais sonoros) .
Segundo Liberali (2009), essas expectativas auxiliam a organização das propostas
didáticas a serem desenvolvidas na Atividade Social, uma vez que apoiam a organização de
experiências afetivo-cognitivas, de vivências do mundo real mediadas pela linguagem. A
seguir, exemplifico os instrumentos selecionados para a proposta didática apresentada.
4.1.5 Escolha dos Artefatos Utilizados
Longe de se pautar em uma visão utilitária, o trabalho com Atividade Social tem como
foco a reflexão sobre a vida com possibilidade de expansão a vivências futuras. Para que este
intuito seja atingido são levantados instrumentos, compreendidos como linguagem,
considerados como fragmentos da realidade e importante elemento mediador nos processos de
86
ensino-aprendizagem (VYGOTSKY, 1934). Selecionados com base na Atividade Social eleita,
apresentamos, a seguir, um quadro-resumo com os instrumentos escolhidos para o
desenvolvimento da proposta didática (quadro 13):
Quadro 15: Síntese dos artefatos selecionados
INSTRUMENTOS
SELECIONADOS
FONTE
Cenas de filmes: “Orgulho e
preconceito” e “Romeu e Julieta”
YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Mvmnr
fYHcvo
https://www.youtube.com/watch?v=bRhaf
ND4TJ0
Imagens de famílias da Pré
história à Contemporaneidade
Site e blogs da Internet
Convites Facebook, Instagran, twiter e watzapp
Flyers e pôsteres Estande da comissão organizadora do Baile
do curso de Direito da PUCSP
Post Páginas de relacionamento da internet
Tipo de Perguntas Produção dos pelos membros da equipe com
base na Atividade Social eleita para o
semestre.
Performance de festas
(aniversário, Anos 60 e junina)
Performada pelos membros do DIGIT-M-
ED/Hiperconectando
Fonte: elaborado pela autora
A Atividade Social “ir à festa”, pertencente à esfera do entretenimento (podendo ser
ampliada para esfera dos negócios, com as confraternizações; familiar, com os aniversários;
folclore, como os festejos juninos) mobilizou sistemas de gêneros que “fundam a possibilidade
de ação com o outro” (LIBERALI, 2009, p. 24), dentre os quais convite, pôster e flyer,
discutidos a seguir:
4.1.5.1 Pôster, Flyer e Post
O pôster, flyer e post trouxeram versões diversificadas das formas de fazer convites ou
divulgar festas e foram adquiridos a partir de um estande montado pelos alunos do curso de
87
Direito, na PUC-SP. O material de divulgação exposto, nas rampas do prédio da PUC-SP, serviu
de inspiração para garimpar outras formas de divulgação desse tipo de festa, como a página de
relacionamento da internet, administrada pela comissão de formatura do curso de Direito.
Compilado em forma de pôster, flyer e post, esse material simula a efetiva participação em
atividade da vida que se vive, tendo como foco as múltiplas formas de representação que sofrem
variações de acordo com cada contexto apresentado (estande e página da internet), com efeitos
cognitivos, culturais e sociais bastante específicos a cada um desses contextos. (LIBERALI,
2016, p. 73). Conforme discutiremos, a seguir:
Figura 2: Post e post "Baile da Pontifícia"
Fonte: Plataforma DIGIT-M-ED/Hiperconectando, 2015
Na versão interativa (figura 2), o convite (post), à direita, apresenta a forma de
comunicação que implica na alternância de sujeitos e assegura relações de pergunta, objeção,
aceitação, crítica etc. Essas formas de convidar apresentam poucos elementos linguísticos, pois
as informações a respeito do baile são dadas através dos comentários inseridos pelos internautas
que, via de regra, reportam-se ao contexto enunciativo.
Esse tipo de comunicação interativa é interessante de ser observada por sua
particularidade em minimizar a superioridade do enunciador na medida que oferece ao público-
alvo, usuários da internet, o poder de intervir por meio dos recursos de interação (curtidas,
corações, emoticons, comentários).
Na versão impressa, o pôster (à esquerda) trouxe, assim como o material interativo, os
clássicos branco e preto, além dos arabescos e letras que remetem os antigos manuscritos. Esses
aspectos multimodais conferem ao material um certo requinte, pois são elementos que resgatam
os aspectos gráficos dos clássicos convites de formatura.
88
A cor prata de fundo em papel couché brilho dá ao impresso um toque acetinado e
lembra os brocados - um tipo de tecido comum em festas elegantes. Esses elementos, de certa
forma, antecipam o público a quem esse material se direciona, circunscrito ao grupo de alunos
do Direito, de uma universidade com público pertencente à classe média alta.
Nesse material são dados destaques ao nome do evento, “Baile da Pontifícia” e ao tipo
de festa “Open bar” (bar aberto/livre). A expressão 1ª lote refere-se às vendas iniciais dos
ingressos, mais baratos. Quanto mais lotes, mais caros tornam-se os ingressos e a festa mais
prestigiada. Vê-se, também, que uma das bebidas oferecidas no baile remete ao campo
semântico das leis: “habeas copus”.
De menor alcance que os convites veiculados pela internet, o flyer, detalhado a seguir,
é um tipo de material impresso, que traz já em seu nome a urgência em divulgar o evento.
Segundo o dicionário Michaelis online, flyer é “uma coisa ou pessoa que voa”. Diferentemente
da forma de divulgação apresentada na versão digital, esse material se assemelha ao pôster,
todavia, dele se difere por sua pequena dimensão, normalmente, esse tipo de divulgação é
impressa em um papel couché brilho e suas dimensões variam entre 10x14cm e 14x20cm e cabe
na palma da mão:
Figura 3: Flyer "Baile da Pontifícia"
Fonte: Plataforma DIGIT-M-ED/Hiperconectando
O flyer é dividido em duas partes. Na parte superior, além da inscrição de maior
destaque, denominada chamada, são adicionadas outras informações como quem são os
responsáveis pela organização do baile; quando o baile se realizará; onde e como. Por se
objetivar aquisição adeptos, a chamada foi composta por frases nominais curtas de grande
impacto. Para facilitar a propagação da mensagem, as letras em cor preta foram impressas sobre
89
o pano de fundo branco. Na parte inferior do flyer, composta de letras brancas, em tamanho
pequeno, sobre o fundo preto, apresentam-se informações extras, como: contato, telefone,
email, valor do ingresso etc.
Segundo Kress e Van Leeuwen (2006), a multimodalidade reproduz um determinado
sistema de convenções sociais, que só adquire sentido seguro quando relacionados aos seus
contextos de origem. Esses contextos envolvem significados ideacionais (voltado à construção
de conteúdo e utilizados para construir o campo da ação social), interpessoais (voltado à
interação e utilizado para negociar as relações sociais) e textuais (voltado à organização textual
e utilizado para desenvolver o modo de organização simbólica) (KRESS e VAN LEEUWEN,
2006, p. 2).
Em relação aos significados interpessoais, os três formatos apresentados (pôster, flyer,
post) trazem como figura central o MC Sapão (ator) (doravante PR). O PR12 foi fotografado de
frente, a partir de um ângulo superior. Embora o PR utilize óculos escuros, a posição da cabeça
demanda a busca interação entre ele e o leitor (doravante PI), mantida a certa distância. O PR
ocupa a parte central do material e mantém o braço esticado formando um vetor, cumprindo o
seu papel de envolver o PI, a quem direciona a divulgação.
Dentro do processo classificacional, o PR não ocupa posição de destaque, estando ele
em segundo plano, o que denota uma perspectiva objetiva de enunciação. Esse tipo de contato
coloca-o não na posição de sujeito, mas de objeto da interação, demonstrando seu papel de
subordinado em relação aos seus leitores, que desempenham o papel de subordinadores.
Conforme é possível observar, o destaque maior é dado à inscrição “Baile da Pontifícia” que
aparece em primeiro plano.
Em termos de distância ou afinidade social, vemos que o PR é retratado até a altura do
quadril, no plano médio, com sobra de espaço a sua volta. O ator foi retratado com câmera alta,
isto é, com a câmera acima da linha dos olhos, voltada para baixo. Isso denota que o PR está no
nível inferior – poder – em relação ao olhar do observador.
Em se tratando da atitude, a análise do ângulo demonstra que a perspectiva escolhida
foi a frontal, o enquadramento central com foco a média distância revela a não proximidade
entre PR e aos participantes interativos13 (PI). Desse modo, conclui-se que o papel do primeiro
restringe-se ao cumprimento da meta de fazer a divulgação sem que isso o permita adentrar no
universo privado do participante interativo.
12 Participante representado: refere-se às pessoas, coisas ou lugares representados no texto multimodal 13 Participante interativo ou interactante: refere-se àqueles que se comunicam por meio dos textos, envolvendo o
produtor (enunciador) e o leitor (enunciatário).
90
Conforme vimos, a abordagem do gênero, conforme apresentamos, permite que o texto
seja entendido como “entidades da vida” (ROJO, 2015, P. 27), uma vez que seu significado não
acontece de forma isolada, mas compreendido por meio do estabelecimento de conexões
vinculadas com dados da vida real, relacionando texto, contexto e seus possíveis interlocutores.
O convite apresentado, de forma não idealizada, possibilita que os sujeitos vivenciem o
gênero subordinado ao seu “funcionamento social diversificado das instituições humanas
(esferas da atividade), para o qual é necessária a comunicação ou interação entre as pessoas,
por meio da utilização da língua” (ROJO, 2015, p. 44). Com esse tipo de abordagem do gênero,
a Atividade Social “ir à festa” (“contexto da prática social”) é vivida em sua plenitude, com os
alunos não em papéis de receptores de conteúdo, mas como críticos desses conteúdos,
entendendo os artefatos multimodais recrutados como “entidades semióticas” conectadas com
o mundo (KRESS, 2010), isto é, “como um instrumento para a análise da realidade”.
Conforme é de se notar, o convite, previsível na Atividade Social em questão,
comumente, expresso na versão impressa ou telefonada, com informações restritas à data, local
e traje da festa, foi desprezado e adotaram-se outras versões que acumulam inúmeras
informações, como os posts, pôster e flyer, demonstrando que o grupo acompanhou a
volatilidade do gênero em questão.
Como é do nosso conhecimento, com o advento da mídia interacional, outras formas
de estudar as semiose são recrutadas, uma vez que os signos, ao fazerem parte de um plano
sintagmático motivado pela interação, estão acima do nível da sentença, envolvendo um
elemento motivador para sua criação que é o “interesse”, aspecto para o qual é necessário
chamarmos a atenção se estivermos dentro de uma perspectiva de Semiótica Social (KRESS e
VAN LEEUWEN, 2006, p. 8), que é a base dos Multiletramentos.
Além dos materiais apresentados anteriormente, outro material selecionado foi o filme,
que discutiremos na sequência.
4.1.5.2 Filme
A imagem, abaixo, diz respeito a um trecho da produção cinematográfica Romeu e
Julieta, eleita para ser utilizada como proposta de tarefa para que, com base no baile de
máscaras performado, pudessem ser discutidos os componentes da Atividade Social “ir à festa”:
91
Figura 4: Cena do baile de máscaras, de Romeu e Julieta
Fonte: Plataforma DIGIT-M-ED/Hiperconectando, 2015
O filme escolhido é baseado em um cânone literário escrito por William Shakespeare,
que conta a história de amor entre Romeu e Julieta, escrita entre 1591 e 1595. O trecho escolhido
é parte do filme dirigido, em 1968, por Franco Zeffirelli, com trilha sonora de Nino Rota. O
filme remonta a tragédia shakespeareana, trazendo o amor impossível entre os membros das
famílias rivais: Montéquio e Capuleto, na fictícia Verona.
Na cena eleita, durante o baile de máscaras, os atores executam passos ritmados. Os
homens, utilizando máscaras, estão colocados na parte externa de um anel que se forma
composto somente por figuras masculinas, ao passo que as mulheres dançam no interior do
círculo, com os braços elevados, executando movimentos frenéticos com as mãos e
movimentando o corpo em semicírculo.
Os sujeitos dessa Atividade Social estão divididos em três núcleos: homens, mulheres e
serviçais (incluindo músicos e organizadores da festa: seguranças e garçons), um dado
interessante para pensar como se organizam as relações sociais pretéritas e compará-las com as
atuais no que diz respeito às regras que se referem às normas e padrões que regulam a atividade.
Ao executarem os movimentos, as mulheres não direcionam o olhar a ninguém e
algumas sorriem. Com olhares altivos parecem não demonstrar subserviência. No processo
narrativo, os homens são os participantes de quem parte o vetor e os alvos são as mulheres
atingidas pelo vetor, todavia, como não há contato visual entre os participantes, a mulher é
oferecida como objeto de contemplação.
Nos figurinos compridos e volumosos das mulheres há o predomínio do vermelho
escarlate que ganha destaque dentre as cores exibidas, constituindo imagens que contextualizam
92
o acervo de davinciano, na Alta Renascença do século XVI, com o qual o filme tende a dialogar,
por ser movimento artístico dominante do século representado. De acordo com Kress e van
Leeuwen (2006):
Significados pertencem à cultura, ao invés de modos semióticos específicos [...].
Por exemplo, aquilo que é expresso na linguagem através da escolha entre
diferentes classes de palavras e estruturas oracionais, pode, na comunicação
visual, ser expresso através da escolha entre os diferentes usos de cor ou
diferentes estruturas composicionais. E isso afetará o significado. Expressar
algo verbalmente ou visualmente faz diferença (1996/2006, p.2)14.
Essa leitura, bastante simples, permite-nos antecipar que a escolha pelo filme se deu em
torno de ser mais um artefato multimodal, haja vista seus processos encadeadores de sentidos
decorrentes das várias camadas de significação (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006/1996) que
vão se formando durante a leitura. Articulada à argumentação (LIBERALI, 2013), a
multimodalidade possibilita o acesso a uma pedagogia do pluralismo (ROJO, 2013),
preponderante para um alunado multicultural que conclama novas formas de competência,
especialmente, a habilidade em engajar em diálogos difíceis, que são parte indeléveis da
negociação na diversidade (COPE; KALANTZIS, 2009).
4.1.5.3 Tipos de Perguntas
O próximo material elaborado diz respeito a um grupo de perguntas que foi pensada
com base na Atividade Social escolhida a partir de seus componentes essenciais. São elas:
Quadro 14: Tipos de Perguntas
• Por que e para que as pessoas faziam essas festas?
• Quem participava nessas festas?
• O que foi usado para participar dessa festa? O que foi necessário para a festa acontecer?
• Quem são as pessoas envolvidas com essas festas? Quais instituições estão representadas nessas
festas?
• Como são organizadas essas festas? Quais as regras de participação nestas festas? Que
comportamentos de homens e mulheres são esperados?
• Quais funções sociais são vividas pelos participantes dessa atividade? Qual o papel de cada um
dos participantes na festa?
Fonte: banco de dados, DIGIT-M-ED/ Brasil, 2015
14 KRESS, G. VAN LEEUWEN. Reading images: the grammar of visual design. London; New York:
Routledge, 2006 [1996].
93
Conforme pudemos investigar, as perguntas elaboradas são, em sua maioria, fechadas e
de cunho pragmático e epistêmico. As perguntas pragmáticas visam estabelecer um clima de
interação entre os interlocutores. As epistêmicas avançam na direção da construção do
conhecimento. Somente a primeira pergunta da quarta linha (quadro 14), tem característica
argumentativa, dada sua força em possibilitar a expansão dialógica (NININ, 2013;2016).
A opção pela pergunta aponta para criação de contextos de colaboração crítica de
construção de significados, uma vez que um contexto orientado por pergunta permite que não
o sujeito, mas as diferentes vozes assumam papel na interação, uma vez o sujeito não é mais
considerado o centro na interlocução (NININ, 2013; 2016), aspecto importante, no contexto
de formação de formadores, como é o caso do DIGIT-M-ED hiperconectando, pois possibilita
que a divisão de trabalho se dê em termos de divisão de tarefas entre membros da comunidade,
envolvendo o ato de argumentar para compartilhar significados.
4.1.5.4 Performance
A seguir, a imagem retrata um momento da performance da festa dos Anos 60:
Figura 5: Performance da festa dos Anos 60
Fonte: Banco de Dados, DIGIT-M-ED, Brasil, 2015
94
Para a execução da performance, uma sala de aula foi preparada de acordo com o
temática dos Anos 60, composta por elementos como discos de vinil, comidas e bebidas de
época, música e trajes voltados para esse mote.
Foram montadas duas mesas: uma com comida e outra com bebida. Em uma das mesas
uma poncheira cristal se destacava. Noutra uma iguaria composta de queijo, salsicha e presunto,
batizada de “sacagem”, era disputada entre os participantes. Foram dependurados, no teto da
sala, os discos de vinil e o globo de vidro.
Enquanto de um computador ouviam-se hits dos anos 60, homens e mulheres, trajando
roupas de época, arriscavam passos de twist no centro da sala. Os looks eram compostos de
jaqueta de couro, calça jeans, laço de fita na cabeça, penteado rabo de cavalo, saia rodada e
óculos gatinha. Alguns acessórios, tais como óculos gatinha e plumas, também foram
disponibilizados àqueles que chegavam. Esses acessórios estavam dispostos em uma das
carteiras e foram, voluntariamente, utilizados pelos participantes.
O clima proposto foi de grande animação em que pessoas dançavam, riam, comiam,
rodopiavam, confraternizavam-se, conversavam e se revezavam em tarefas como servir
alimentos, recepcionar os convidar e fazer a seleção de músicas. Algumas pessoas dançavam
sozinhas, outras acompanhadas. Havia também aqueles que tiravam os mais retraídos para
dançar. Houve, ainda, música lenta, ao som de Elvis Presley.
Dentro da perspectiva do brincar, a performance possibilita que sejam desenvolvidos
comportamentos para além de suas possiblidades imediatas dos sujeitos envolvidos o que
permite ensaiar papéis, valores, antecipando, dessa forma, vivências necessárias para a efetiva
participação social (JOHN-STEINER; SOUBERMAN, 1991, p. 146).
A Atividade Social eleita deu ênfase à cultura de formação primeira do alunado,
vislumbrando a possibilidade de expansão para atuação no mundo (LIBERALI, 2009). Já a
performance teve como foco a criação de espaços do brincar, que, segundo Vygotsky
(1934/2008), envolvem levar em conta a forma como os sujeitos, principalmente,
experiencializam e se apropriam da cultura de determinado grupo social, para além de suas
possibilidades imediatas.
4.1.5.5 Imagens das Famílias em Diferentes Eras
A seguir, o próximo material selecionado pelos membros do DIGIT-M-
ED/Hiperconectando dizia respeito à imagens que remetiam às reuniões sociais em diferentes
95
épocas. Essas imagens, a seguir, da direita para a esquerda, representavam agrupamentos
familiares na Pré-história, na Era Clássica, na Era Vitoriana e na Contemporaneidade.
A imagem, abaixo, representa uma família da Idade Contemporânea:
Figura 6: Famílias em diferentes Eras
Fonte: Banco de Dados, DIGIT-M-ED, Brasil, 2015
Observando a imagem podemos perceber duas figuras centrais femininas acompanhadas
de crianças. Concentrando-nos na participante, à direita, nota-se que ela é um ator (PR), pois é
dela que parte um vetor composto pelo posicionamento do braço direito no ato de amamentar
(meta), dentro de um processo de ação bidirecional com a participante ora como ator ora como
meta. É ator se a observarmos na perspectiva do ato de amamentar. É meta na perspectiva da
criança de alimentar-se do leite materno oferecido por ela. Temos, portanto, uma representação
narrativa transacional composta pela relação ator ↔meta.
Quanto à atitude, perspectiva ou ponto de vista, mostra que a imagem foi trabalhada no
ângulo oblíquo, com a participante de perfil, tendo o olhar desviado da direção do
leitor/observador, dando sentido de distanciamento e/ou impessoalidade à cena. O registro foi
feito por alguém situado à esquerda.
O valor informativo ideal é ocupado pela figura da mulher que personifica a presença
materna sublimada pela cor azul celeste e, por ter o braço envolvendo a criança, personifica-se,
também, como protetora. Em termos de distância social, o plano geral proporciona uma visão
distanciada.
96
Já os participantes posicionados à direita e à esquerda da figura feminina central em
questão são chamados de reatores, cuja ação consiste unicamente em olhar para algo dentro da
cena, no caso, para a mulher que amamenta.
4.2 Conclusões Iniciais
Ora, o que esta organização tem a oferecer para romper com a encapsulação do ensino-
aprendizagem de conceito?
Em termos gerais, conforme vimos, os instrumentos selecionados foram além da
linguagem verbal, escrita e falada, abrangendo os modelos de comportamento nas obras de arte,
cinema e literatura, selecionados no sentido de auxiliar na mobilidade e percepção humanas.
O material apresentado foi oferecido aos participantes de forma não acabada, mas como
“um instrumento para entender o mundo” (ENGESTRÖM, 2016/2013, p. 183), analisado e
compreendido, criticamente, à luz da história de cada um. Num mover entre o passado, o
presente e o futuro, o que permite que as origens históricas dos problemas atuais sejam
desenterradas e remodeladas para criação de conceitos futuros (ENGESTRÖM, 2016, p. 406).
Assim sendo, esses materiais formam o que Vygotsky (1934) denominou de
instrumentos, entendidos como formas elaboradas pelo homem dominar para dominar a
realidade exterior, que acabam por ser orientadores dele próprio, podendo ser, futuramente,
utilizados para controlar, coordenar, desenvolver suas próprias capacidades (VYGOTSKY,
1934 apud IVIC, 2010). Conectados com a vida dos alunos, tornam-se “instrumentalidades
vivas” e serão utilizados para dar conta de fenômenos naturais e sociais encontrados pelos
participantes fora da escola (ENGESTRÖM, 2013/2016, p. 186).
Com relação ao filme e às imagens selecionadas, podemos dizer que, dentro de uma
perspectiva dos Multiletramentos, o texto, seja ele qual for, deve ser entendido como fragmento
material de uma dada realidade; assim, os estudiosos dessa linha alertam sobre a importância
de educadores e aprendizes tornarem-se participantes ativos no redesenho de mudanças sociais,
a partir da leitura da multiplicidade de mídias, culturas e linguagens que caracterizam a vida na
contemporaneidade (COPE; KALANTIZIS, 2000), suplantando o monorrepresentacional,
entendida como forma de desencapsulação (LIBERALI, 2015). Kress e van Leeuwen afirmam
que
Na era da multimodalidade os modos semióticos além da língua são vistos
como totalmente capazes de servir para representação e comunicação. Na
97
verdade, a língua, seja falada ou escrita, pode agora com mais frequência ser
vista como ‘apoio’ aos outros modos semióticos: ao visual, por exemplo. A
língua pode agora ser ‘extravisual’ (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p.46).
No que tange às perguntas, estas podem ser interessantes instrumentos propiciadores de
expansão dialógica que, em contextos de produção crítico-colaborativa de significados, são
organizadoras da linguagem, durante as interações entre os participantes nas atividades de
formação (NININ, 2013), de forma democrática, não devendo ser utilizada como entrevista,
chamada oral ou sabatina para verificação de um saber.
À guisa de finalização, entendemos que a proposta de trabalho apresentada se deu de
forma intencional e motivada, ressaltando o papel fundamental atribuído à linguagem na
“constituição do humano” (Magalhães, 2006) e abrindo espaço para a formação crítica dos
envolvidos uma vez que, por meio das diferentes linguagens, oportuniza-se que os diferentes
sujeitos saiam de suas cápsulas, de seus papéis de meros receptores de conteúdo, assumindo
outros papéis que implicam formas de atuar crítico-colaborativas. Desse modo, esses
instrumentos tornam-se como “extensões do homem” e podem ser considerados
“prolongamentos e amplificadores das capacidades humanas” (McLuhan, 1964 apud IVIC,
2010, p. 20).
4.3 Análise Crítico-interpretativa das Interações
Voltada à nossa segunda pergunta de pesquisa, esta subseção organiza-se para analisar
a interação entre os participantes no intuito de verificar a forma como a pedagogia dos
multiletramentos, a partir de atividade social, contribuiu para o avanço da compreensão de
conceitos trabalhados possibilitando uma apropriação desencapsulada, que oportunizasse aos
participantes seu uso em contextos escolares e não escolares.
Para descrever e discutir essa etapa da pesquisa foram escolhidos dois momentos dos
encontros ocorridos na sede do DIGIT-M-ED, na PUC-SP/ Perdizes. Esses momentos são parte
dos trabalhos e aconteceram entre as 9h e 13h, nos sábados, dos dias 11 de abril e 09 de maio
de 2015.
98
4.3.1 Workshop do dia 11 de abril de 2015: quarto momento
Decorridas cerca de 2 horas do workshop, que se iniciou com a performance de uma
festa dos anos 60, seguida das apresentações das escolas e, após terem sido formados pequenos
grupos, com a missão de discutir os componentes da Atividade Social “ir à festa”, com base na
TASHC, fez-se a abertura, para que os sentidos constituídos nos pequenos grupos fossem
compartilhados com outros participantes. Trata-se de uma discussão conduzida por perguntas,
cujo objetivo é a reconstituição dos componentes da Atividade Social, que é o conceito focal.
As perguntas que conduziram a discussão foram já apresentadas na seção anterior (quadro 14).
Nesse momento, a sala estava organizada em semicírculo e setorizada por escolas. No
centro, em pé, rente à lousa, a professora-formadora se posiciona. Trata-se de Maria Cristina
Meaney (Cris Meaney), professora-formadora, 50 anos, proveniente da escola “D”. Atrás dela,
as perguntas mencionadas anteriormente são projetadas em um telão. À sua frente estão os
alunos da escola D; à direita, os alunos das escolas B e C e os demais professores-formadores
e professores-pesquisadores distribuídos nos diferentes pontos da sala.
Enquanto os participantes se acomodavam, a professora-formadora posicionou-se no
centro da sala, demonstrando que seria ela a mediadora da discussão. Nesse momento, com
movimentos da cabeça e esboçando sorriso, cumprimentou algumas pessoas que estavam
próximas a ela e comentou algo inaudível com a coordenadora geral, sentada à sua esquerda,
ao mesmo tempo, que apontou para as perguntas que estavam sendo projetadas. Em seguida,
deu passos curtos em um pequeno espaço, próximo à lousa, e, com as mãos espalmadas
voltadas, cada uma delas, para os interlocutores e para o telão onde são projetadas as perguntas,
fez a abertura:
Excerto 1
(1) Cris Meaney (50 anos, professora-formadora, escola D): Pessoal, vamos lá? A gente não seguiu,
necessariamente, as perguntas, mas pensado nelas, vamos tentar retomar um pouco o que foi discutido
em cada grupo.
Ao fazer o exórdio (“pessoal”), a professora-formadora, com entonação de empolgação,
utilizou o verbo na primeira pessoa do plural, projetando um “nós”, que denota inclusão do
enunciador no enunciado (“vamos”).
A pergunta lançada pela professora-formadora, comum no falar cotidiano (“vamos
lá?”), tem caráter pragmático de grande importância, por mobilizar os participantes à ação,
configurando um convite à interação.
99
Esse convite foi reforçado pela construção perifrástica para representar o futuro
próximo: “vamos tentar retomar”, que tem sentido de deslocamento de um ponto a outro e
significa algo passível de ser realizado. Segundo Mattoso Câmara (1976, p. 145), a perífrase
constituída por ir+infinitivo tem tanto um valor aspectual quanto modal, pois, de um lado ela
expressa a intenção de fazer alguma coisa (característica modal) e de outro, ela expressa
futuridade. Já o fazer dos sujeitos é expresso pela oração subordinada objetiva direta: “o que foi
discutido em cada grupo”.
Enquanto aguarda a resposta, multimodalmente, a professora esfrega as mãos uma na
outra para, em seguida (excerto 2), lançar uma sequência de quatro perguntas:
Excerto 2
(2) Cris Meaney (50 anos, professora-formadora, escola D): O que foi discutido em cada grupo? –
pedido de colocação de ponto de vista // Por que e pra que as pessoas participavam dessa festa? –
reiteração do pedido de ponto de vista. A gente comentou um pouquinho lá atrás. O que foi que a
gente falou? Fala, Malu – seleciona uma aluna da escola D.
Na sequência, a professora-pesquisadora traz para interação uma questão para a
exposição de ideias: “o que foi discutido em cada grupo?”, trata-se de uma pergunta fechada de
dimensão epistêmica. Constituída no pretérito (“foi discutido”), a pergunta tem o intuito de
retomar o conteúdo e socializar as discussões ocorridas nos pequenos grupos, partindo do
particular (pequenos grupos) para o geral (grande grupo).
Enquanto aguarda a resposta à pergunta pronunciada, a professora-pesquisadora,
multimodalmente, esfrega as mãos uma na outra, para, então, dentro de quatro segundos,
colocar mais duas perguntas “por que e pra que as pessoas participavam dessa festa?”. A
primeira pergunta é de caráter epistêmico; a segunda é de teor pragmático-argumentativo, pois
busca a colocação de ponto de vista.
As perguntas feitas pela professora-pesquisadora são, inicialmente, dirigidas a todos os
interlocutores, como não há pronunciamentos por parte do grupo, aguarda três segundos, olha
de um ângulo a outro da sala e elege uma interlocutora.
Chamando à atenção Malu, com o dedo apontado em riste, denotando o modo
imperativo expresso multimodalmente (“fala”). Por meio desse recurso, a professora-formadora
dá ordem para que a garota narre ao grupo maior o que foi discutido entre eles. Trata-se de uma
fala seguida de pedido de retomada do que havia sido discutido no grupo do qual participara:
“A gente comentou um pouquinho lá atrás”, demonstrando, pelo marcador espacial – em
negrito, que a atividade argumentativa será orientada por uma visão pré-determinada.
100
Observemos, ainda, o emprego do adverbio de intensidade “pouco”, empregado no diminutivo
“pouquinho” impregnado de carga afetiva.
Ao escolher uma interlocutora, a professora elege uma aluna, integrante da escola na
qual trabalha (escola C). Note-se que nesse excerto, a professora-formadora utiliza o termo “a
gente” no lugar de “nós”. Essa escolha representa a coletividade da qual ela é comunidade e
sujeito. Vejamos a resposta da aluna:
Excerto 3
(3) Malu (11 anos, aluna-formadora, escola D): Ah, a gente falou que as pessoas participavam da
festa pra se divertir; pra dançar; pra comer (risos) – apresentação de ponto de vista
(4) Fernanda de Freitas (aluna-formadora, 11 anos, escola D): pra paquerar (vários riem).
(5) Fernanda F. (aluna-formadora, 11 anos, escola D): pra socializar [O professor de história
sussurra, auxiliando na resposta da garota]
(6) Beatriz (aluna-formadora, 11 anos, escola D): se atualizar, se comunicar [Fernanda, também aluna
da mesma escola, sussurra ajudando na resposta]
(7) Malu (11 anos, aluna-formadora, escola D): se comunicar, essas coisas. - espelhamento
Maria Luísa, a interlocutora eleita pela professora-formadora, por sua vez, acolhe o
pedido da professora e inicia sua fala pelo uso da interjeição, “ah”, como se estivesse cobrando
à memória fatos anteriormente ocorridos nos pequenos grupos.
A aluna-formadora, a exemplo da professora, ao se pronunciar, não centraliza o saber
em si. Isso é demonstrado por meio do uso da expressão “a gente falou”, espelhado. Essa
expressão, ao mesmo tempo, que a coloca como adepta de um determinado grupo, presentifica
a voz desse grupo do qual acabara de participar, demonstrando interdependência, e de estarem
pautados em princípios de colaboração, trazendo o conteúdo compartilhado pelos participantes.
Na formulação de sua resposta, a aluna faz uso do pretérito perfeito (“falou”) e projeta-
se numa “época” da qual ela não fez parte, mas que conhece, de ouvir falar (“participavam”).
Sobre esse passado, a menina enumera uma série de ações que dizem respeito aos possíveis
interesses daqueles que participavam daquele tipo de festa: “divertir”, “dançar”, “comer”,
“paquerar”, “socializar”, “atualizar”, “comunicar”. Observemos que as ações por eles
enumeradas são, em sua maioria, de caráter coletivo e de carga semântica positiva. Os verbos
empregados em sua forma nominal, no infinitivo, são marcados pela neutralidade e pela
impessoalidade, não havendo nestes verbos marcas de pessoa ou tempo.
A fala da aluna é incentivada pelos demais participantes com réplicas simples. Outro
aspecto revelador de colaboração é a presença do sussurro, por parte de diferentes participantes,
que, por meio desse gesto, incentivam um ao outro a participar da discussão, decentralizando a
fala em uma única pessoa no interior daquele grupo, formado por alunos da mesma escola (D).
101
Ainda, os olhares atentos, os corpos eretos ou voltados a quem fala formando vetores, as mãos
espalmadas postas sobre a mesa são indicadores de que aqueles que a ouvem estão em estado
de atenção e não de relaxamento ou descaso, mas demonstram apoio ao participante que fala.
Ademais, as falas da aluna são incentivadas e aceitas pela professora-formadora que tem
as maçãs do rosto elevadas e ruborizadas, os olhos fixos no respondente, os lábios cerrados
arqueados no sentido superior. Ainda, a professora-formadora faz uma espécie de marcação
com os dedos das mãos, como se estivesse enumerando os suportes dados por eles.
No excerto seguinte, encerradas as falas desses alunos, a professora-formadora enuncia
uma nova pergunta com pedido de expansão: “Que mais?”, demonstrando prontidão à escuta
do outro:
Excerto 4
(5) Cris Meaney (professora-formadora, escola D, 50 anos): Que mais? Que mais vocês falaram? –
pedido de expansão
(6) Érica (estudante de pedagogia15, 28 anos): Nós falamos que essas festas, na época, aconteciam,
geralmente, pra mascarar algumas situações de poder, né... de aquisição dos pais, da realidade daquele
momento, né… aonde os pais, as pessoas que, normalmente, participavam dessas festas são pessoas de
poder aquisitivo melhor ou que estavam envolvidos com a política, com o poder militar. Então, assim:
“Esses adolescentes, os nossos filhos, vão se comunicar e conviver no meio social com somente que é
da elite”. Isso ficava muito mascarado. Porque, ao mesmo tempo que eu estou provocando uma festa,
estou promovendo uma festa, eu estou mascarando o que eu realmente tenho a intenção de fazer. –
apresentação de ponto de vista
A pergunta inicial proferida pela professora, com entonação de incentivo e com o olhar
voltado para o grande grupo, encorajara outra participante a se pronunciar, de tal modo que, das
falas proferidas, até agora, a de maior extensão é a que Érica enuncia. Ao elaborar sua
argumentação, a participante parece, a princípio, reticente. Depois, demonstrando propriedade,
avança apresentando as razões políticas pelas quais as festas ocorriam, mostrando colaborar
pela “apresentação de uma nova unidade de significação” (LIBERALI, 2013, p. 77).
Em sua fala, Érica menciona questões relacionada à “elite” ou às “situações de poder”,
referindo-se a algo situado distante de si, faz uso do pronome “essas”, “daquele”, “dessas”,
ora como pronome adjetivo, como em “esses adolescentes”; ora como indicador de ancoragem
espaço-temporal como em “a realidade daquele momento”. No entanto, quando a participante
fala dos interesses daqueles que organizam a atividade social - a festa - diz “eu”, incluindo-se
e demonstrando saber que, não somente aquela atividade nos anos 60, mas que a festa de modo
15 Essa participante visitou de forma não oficial o Digit-m-ed somente no primeiro encontro de 2015. Ela é
proveniente de uma instituição privada situada na zona leste de São Paulo.
102
geral é carregada de uma intenção que é mascarada e diz: “eu estou mascarando o que eu
realmente tenho a intenção de fazer”.
Os efeitos de proximidade e distanciamento mencionados, também, são pontuados por
meio de movimentos que a enunciadora faz com as mãos, demonstrando com gestos voltados
para fora aquilo que está situado longe de si e para dentro aquilo que está próximo a ela,
desencadeando uma relação significantes e significados não arbitrária, mas em conjunção,
movida por interesses específicos, dentro de uma lógica relacionada a um dado contexto
específico, ao contexto da Atividade Social em questão. Ao lançar mão desse artefato cultural,
Érica se torna sujeito mais independente do contexto imediato e abre novas possibilidades o
desenvolvimento futuro, mostrando agência (QUEROL et al, 2014, p. 411). Segundo Liberali
(2009, p. 10),
O sujeito age e reflete como elaborador e transformador do conhecimento e
do mundo. Os sujeitos concretos – situados no tempo e no espaço e inseridos
no contexto socioeconômico-cultural-político-histórico – tornam-se sujeitos
pela reflexão sobre o contexto.
Em seu turno (6), a escolha por verbos no gerúndio (provocando, promovendo,
mascarando) por parte da enunciadora tem aspecto de um processo não finalizado, durativo,
que se prolonga ao longo do tempo. É nesse momento que a participante estabelece relação das
discussões com “a vida que se vive”. Segundo Liberali (2009, p. 10),
Na perspectiva sócio-histórico-cultural sujeito e mundo são tratados conjuntamente. O
sujeito age e reflete como elaborador, criador e transformador do conhecimento e do
mundo. Os sujeitos concretos – situados no tempo e no espaço e inseridos no contexto
socioeconômico-cultural-político-histórico – tornam-se sujeitos pela reflexão sobre o
contexto.
Em sua argumentação, na passagem: “Esses adolescentes, os nossos filhos, vão se
comunicar e conviver no meio social com somente quem é da elite”, a interlocutora cria, no
interior do seu discurso, uma unidade discursiva denominada de discurso direto. Esse artifício
cria o efeito de sentido de verdade, pois simula a produção de diálogos no interior de sua fala,
dando a ilusão de ter ouvido o outro, isto é, de estar dizendo aquilo que o outro disse
verdadeiramente, dando força a sua argumentação. A fala da participante desencadeia outra
pergunta, enunciada pela professora-formada, com pedido de concordância:
103
Excerto 5
(7) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Tá... todo mundo concorda? Todo
mundo discutiu uma situação assim? – pedido de concordância // Provavelmente tinha diferentes
níveis. A gente falou alguma coisa sobre os lugares onde as festas aconteciam?
(8) Beatriz (aluna-formadora, 11 anos, escola D): A gente falou que, de vez em quando, podia
acontecer em garagem, pra ser escondido dos pais, e nos salões de festa. – expansão
No excerto 5, a professora (7) fez três perguntas diretas:
• duas com pedido de concordância - “todo mundo concorda?” / “Todo mundo
discutiu uma situação assim?”;
• uma de dimensão epistêmica - “onde as festas aconteciam?”.
Ainda, uma quarta pergunta foi feita por meio da frase interrogativa indireta:
“Provavelmente tinha diferentes níveis”, identificada como pergunta hipotética “que convida o
respondente a uma ação discursiva nova, criativa”, uma vez que propicia a inserção de “pontos
de vista diferentes dos já existentes” e a responsabilidade em “justificá-los” (NININ, 2013, p.
137).
Embora professora-formadora tenha feito, inicialmente, uma pergunta com pedido de
concordância, ela ofereceu uma pausa extremamente curta o que não deu espaço para que os
participantes se articulassem no sentido de elaborar considerações que concordassem ou não
com a fala de Érica. Tal aspecto poderia ser revelador de não valorização da fala da
interlocutora. No entanto, o ângulo no qual a mediadora se colocou revelou que, durante o
pronunciamento dessa interlocutora, há atitude de envolvimento entre ambas, devido ao
posicionamento eleito pela mediadora ser a posição frontal (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006).
Ainda no excerto 7, podemos notar, por parte da professora-formadora, a oscilação entre
o uso do termo “a gente versus todo mundo” (turno 7). Essa oscilação é reveladora de tensão,
decorrente de sua constituição sócio-histórica relacionada a questões de pertencimento, neste
(o grupo da escola) e naquele grupo (o grupo de pesquisa).
Quando a professora-formadora se dirige ao grupo do qual ela fez parte, da escola onde
trabalha, na qual se constituiu oficialmente como ex-professora desses alunos, escolhe a
construção “a gente”; quando se reporta ao restante do grupo, opta por “todo mundo”. Essa
ideia é reforçada pela escolha do uso do artigo definido (“a”) empregado, particularizando o
termo “gente”; ao passo que o pronome indefinido “todo”, também na função de adjunto
adnominal, generaliza o substantivo “mundo”. Inclusive, podemos assegurar que a expressão
“a gente” esteja relacionada a um grupo em específico, uma vez que, observando os recursos
multimodais utilizados pela enunciadora ao lançar a pergunta, notamos a professora-formadora
104
estabelecendo relações de envolvimento (frontal) para o grupo de alunos da escola D, fazendo
com que, por meio de olhares, Maria Luiza a responda prontamente.
Nesse turno (7), a professora-formadora inicia a declarativa fazendo uso do advérbio
“provavelmente”, denotando dúvida, dando espaço para preenchimentos à colocação iniciada
por ela. Isso leva Beatriz (turno 8) a reiterar que a festa “podia acontecer em garagem”
ampliando a outros espaços como os “salões”, promovendo a expansão do tema discutido.
A seguir, o uso exagerado de “né”, empregado pela professora, procura dar abertura à
discussão com pedido de concordância:
Excerto 6 (9) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Então, assim, tinha diferentes níveis,
né?// Tem aquela da garagem e tinha aquela grandiosa (diz fazendo movimentos largos com as mãos)
que eu acho que é essa que vocês estão se referindo, no clube, nos salões do clube, que às vezes tinha
banda ao vivo, né? Era outra... era de outra natureza, né?
(10) Pessoa não identificada: Sim. – resposta de concordância
No turno 9, a primeira pergunta, enunciada pela professora demonstra ser uma pergunta
retórica, uma vez que ela mesma responde à pergunta que acabara de fazer, revelando uma
contradição na divisão do trabalho, uma vez que, segundo Engeström (2001):
um sistema de atividade é portador de vozes múltiplas (multivoicedness), ou
seja, ele é formado por uma comunidade na qual os sujeitos têm diferente
pontos de vista, tradições e interesses. A divisão do trabalho em uma atividade
cria posições diferentes para os participantes, nas quais onde eles e os artefatos
empregados carregam consigo sua história, regras e convenções. Essas vozes
múltiplas podem ser tanto uma fonte de problemas quanto uma fonte de
inovação, exigindo ações de entendimento e negociação (ENGESTRÖM apud
QUEROL et al, 2014, p. 409).
Excerto 7
(11) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): A outra era de outra natureza. Então
tinha coisas diferentes colocação de ponto de vista. Que mais? // Que mais vocês falaram? – pedido
de expansão Funções da festa? Pra que servia a festa? // Nesse sentido a gente pode dizer que a festa
tinha uma manutenção do status? Eu acho que a... a...
(12) Fernanda F. (aluna-formadora, 11 anos, escola D): Então pra gente se socializar mais e por que
como... é... as pessoas assim separada entre jovens, homens e mulheres. Eles queriam se comunicar
mais. Era um jeito de se comunicar. Então se você está dançando, por exemplo, você pode socializar
mais com uma pessoa em vez de só dançar com suas amigas... essas coisas. Você pode conhecer mais
outra pessoa. – tomada de turno com expansão por meio da colocação de ponto de vista
Nessa passagem (excerto 7), verificamos que a professora faz uma nova sequência de
perguntas. As duas primeiras perguntas são de pedido de expansão, constituída pelo uso do
pronome “que”, intensificado pelo advérbio “mais”. As demais perguntas são fechadas de
dimensão epistêmica, pois evoca saberes dos sujeitos envolvidos.
105
A fala da professora-formadora é encerrada com a tomada de turno pela Fernanda, que
dá seguimento à fala da professora, desenvolvendo o ponto de vista com o esclarecimento de
que nas festas as pessoas podiam “se socializar e por que como... é.... as pessoas assim
separadas entre jovens, homens e mulheres. Eles queriam se comunicar mais. Era um jeito de
se comunicar. Então se você está dançando, por exemplo, você pode socializar mais com uma
pessoa em vez de só dançar com suas amigas... essas coisas. Você pode conhecer mais outra
pessoa”.
Excerto 8
(13) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Mas, aí, pensando nisso que elas
falaram, pode conhecer qualquer pessoa?
(14) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): Não. – colocação de ponto de vista
(15) Cris Meaney: E aí, o que seria, então, o ideal nesse tipo de festa? O que vocês acham? – tentativa
de entrelaçamento de falas
(16) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C) : Como assim? – pedido de
esclarecimento
No excerto 8, após a pergunta fechada de dimensão epistêmica, Pedro faz a colocação
de ponto de vista e na sequência um pedido de esclarecimento: “Como assim” que revela seu
desejo em colaborar. Também, a forma como os corpos da professora e do aluno se voltam um
ao outro são portadores de metafunção interativa e dizem respeito às formas como são
estabelecidas as relações entre o participante representado (PR) e participante interativo (PI).
De acordo com Kress & van Leeuwen (1996/2006, p. 122), “(...) o olhar do participante (e o
gestual, se presente) demanda algo do espectador, demanda que o espectador ‘entre’ em algum
tipo de relação imaginária com ele ou ela”.
Uma vez não compreendida a interpelação da professora, o aluno contribui com a
interrogativa “como assim?” que funcionou como um recurso dialogicamente expansivo,
abrindo possibilidades de participação como veremos, a seguir:
Excerto 9
(17) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Se você colocar pessoas do próprio
nível social, né, como elas falaram. Na verdade quem se junta, provavelmente... você se junta nessa
festa...
(18) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): É. É como ela falou a gente tinha até
dinheiro pra fazer essas festas, né. Então, eles se encontravam. E é bem isso que eles falaram. Como o
Henrique falou, se você gostasse de alguém, então era a chance que você tinha. Eu acho que o objetivo
não mudou muito, mudou mais o jeito de fazer. Então a gente tem festa, mas é diferente. – expansão
com colocação de ponto de vista
106
Neste momento (excerto 17), o centro da atenção se volta, novamente, ao elemento
desencadeador da festa. A professora-formadora demonstra valorização e acolhimento às falas
dos demais participantes ao remeter-se, no interior de seu discurso, ao que as outras pessoas
falaram (“elas falaram”). Sua fala iniciada pelo uso da conjunção “se”, constitutiva da
condicional, funciona como adjunto adverbial de condição. Esse tipo de construção pede que
sejam estabelecidas relações de condição-causa em relação ao tópico discursivo. A suspensão
da fala, por parte da professora-pesquisadora, permite que o preenchimento seja feito por outro
participante o que desencadeia “uma atitude pesquisadora do participante respondente, porque
precisará ir em busca de algo para apresentar como resposta ao interlocutor” (NININ, 2013, p.
49), haja vista as considerações elaboradas por Giulia (turno 18), que coaduna falas de
participantes diversos: “eles” e “Henrique” para dar sustentação a seu ponto de vista.
O que ocorre é que, no excerto posterior (excerto 10), primeiro, timidamente, por meio
de monossílabos, Pedro esboça alguma resposta. As asseverações de Pedro vão ganhando corpo
até que, na sequência, o aluno parece mobilizar recursos múltiplos para que possa melhor
elaborar sua proposição relativa às festas nos tempos atuais e pretéritos. Vejamos:
Excerto 10
(19) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): E aí se vocês forem pensar nesses
objetivos, paquerar também era uma coisa bem importante, né? Quem participava dessas festas? Pedro
queria falar? Pedro?
(20) Fernanda L. (Coordenadora Geral, 47 anos): Não esse Pedro. Esse Pedro aqui. Tem tantos Pedro.
[Diz em tom de brincadeira e apontando para diversos pontos da sala] o pequeno Pedro, o menor dos
Pedros.
(21) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): Não, não.
[Várias pessoas falando ao mesmo tempo]
(22) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Quem participava?
(23) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Eram os adolescentes.
(24) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): Eram os jovens.
(25) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Eram os jovens. – espelhamento
Para que Pedro pudesse se pronunciar, a Coordenadora Geral, percebendo que as falas
estavam centralizadas em um determinado grupo, interfere, multimodalmente, por meio de
gestos (apontando com a mão e levantando-se do lugar onde está), no sentido de assegurar que
outros participantes façam parte da interação. Note-se que, até o momento, a participação esteve
concentrada entre os participantes da escola D, da qual a professora-formadora é proveniente.
Momentos como esse protagonizados por Fernanda Liberali são identificados por
Veresov (2014) como momentos dramáticos relacionados à perezhivanie, e dizem respeito à
experiência ou interpretação que envolve a forma como uma situação é vivida cognitivo-
emocionalmente pelo sujeito. Nessa maneira de entender a argumentação como linguagem e
107
como modo de interação oxigenada de conflitos e contradições, de momentos dramáticos, e,
portanto, de colaboração, é que se revela o papel da multimodalidade – um aspecto acional e
social que envolve práticas, historicamente situadas, materializadas por meio de diferentes
recursos. Liberali (2016, p. 67) explica que, ao se adotar tal perspectiva,
[...] o foco recai sobre um estudo das múltiplas formas de representação que
sofrem variações de acordo com o contexto e a cultura e que têm efeitos
cognitivos, culturais e sociais específicos. A língua e os múltiplos modos de
significar tornam-se recursos recriados pelos usuários para o desenvolvimento
de propósitos culturais vários.
No excerto, a seguir (11), diferentes proposições são traçadas pelo aluno, como classe
alta e baixa, para que chegue à conclusão de que “a gente meio que guardou só as festas que a
elite tinha”. O aluno elabora sua argumentação, no esforço de demonstrar a adesão de “a gente”
por valores/ gostos pertencentes à elite, garantindo mais um movimento de expansão do objeto,
vejamos:
Excerto 11
(26) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): Só que a gente acaba pensando assim: a
gente vê uma diferença gritante entre as festas atuais e as festas daquela época expansão com colocação
de ponto de vista. Tem que pensar que nós nos espelhamos muito em festas de pessoas de uma camada
social muito alta. É e a gente acabou guardando tudo isso. A gente meio que guardou só as festas que a
elite tinha.
A ideia, anteriormente descrita pelo aluno, pôde, ainda, ser enriquecida pelo uso que fez
do verbo “espelhar” em “nos espalhamos muito”. Ao examinarmos melhor, a partir de qualquer
dicionário, a região semântica recortada pelo verbo espelhar no contexto em que foi inserido,
além da definição de “rever-se em um espelho”, que, de certo modo, dá ideia de deslocamento
de si; outros lexemas são igualmente indexados ao contexto discursivo, como, por exemplo,
“rever-se em alguém”. A visão exposta pelo aluno se expande para os opostos “pureza versus
mistura”, a partir de novas interrogativas feitas pela professora-formadora, evidenciando a
“colaboração como central para que os sujeitos realizem em conjunto muito mais do que
poderiam sozinhos” (LIBERALI, 2016, p. 67), conforme poderemos conferir no excerto abaixo:
Excerto 12
(27) Cris Meaney (professora-formadora, 50 anos, escola D): Isso era uma coisa que a Fernanda
estava falando, né, Fernanda? A princípio a gente falava assim... ah, era pra aparecer nas redes
sociais. Mas as redes não tinham naquela época dessa forma. Mas algum registro ficou dessas
108
festas. Mas de que festas ficaram registros? Registro da festa da garagem que a gente falou? Ou registro
da festa no salão?
(28) Várias pessoas falam: No salão.
(29) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): É tão marcante essa coisa da elite, porque
no centro de São Paulo tem um edifício chamado “Edifício Viaduto”. Não sei se alguém conhece. Ele é
um prédio e, em cima, é um salão gigante assim [mostra com gestos]. Porquê? Por que a elite se reunia
ali. Então é muito clara, assim, que eles não queriam se misturar. Eles queriam. Ah, vamos juntar com
o povão ali. Não. Eles queriam... o povão no andar de baixo, a elite no andar de cima.
[Várias pessoas falando]
Nesse excerto, após a professora ter feito uma pergunta fechada. Pedro, antes de colocar
seu ponto de vista, insere uma justificativa para a colocação de seu ponto de vista. Inicialmente,
Pedro traz a ideia de “pureza” quando menciona o seu contrário, “mistura”, trazendo à baila a
característica da elite de não querer “se misturar”. Em seguida, para tratar de relações de poder,
lança mão de termos opostos, no caso, “superior” (vertical) – para a elite – e “baixo”
(horizontal) - para os menos favorecidos, “o povão”. Esses marcadores espaciais (andar de
baixo X andar de cima) também são ilustrados, multimodalmente, com o levantar e abaixar dos
braços, aos quais Pedro recorre para demonstrar as formas como se relacionavam as diferentes
classes sociais na época, manifestando grande potencial multicultural” ligado “às múltiplas
formas possíveis de representar das quais lança mão para representar a realidade, de fazer
sentido dela, de criar e produzir significados (LIBERALI, 2016).
4.3.2 Workshop do dia 09 de maio de 2015: segundo momento
Ao final do workshop do dia 11 de abril, foi proposta aos participantes a missão de
descrever o baile do filme Romeu e Julieta, com base nas perguntas para a análise da atividade
social. Cada escola ficou responsável por apresentar um ou dois componentes da atividade,
fazendo uso de recursos multimidiáticos e multimodiais. No workshop do dia 09 de maio, após
a acolhida, as escolas passaram a se organizar para a apresentação da tarefa proposta. Com a
sala organizada em semicírculo, com base na tarefa proposta, Pedro iniciou sua apresentação,
como integrante do grupo composto por ele e mais cinco componentes, dentre os quais se
destacaram Valentina e Giulia, conforme veremos, a seguir:
Excerto 13
(30) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): A primeira coisa vez que eu percebi que
era um baile de máscaras da nobreza da época, mas as mulheres não estão usando máscaras. Foi a
primeira coisa que eu percebi. Então, as mulheres estavam no meio, dançando, sem máscaras; enquanto
109
os homens dançavam em volta com máscara. Isso deve ter acontecido para os homens conseguirem ver
se as mulheres eram bonitas ou não. Não sei...
(31) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola D): Então, junto com o que o Pedro falou,
a impressão que me deu assistindo o vídeo é que os homens iam naqueles bailes. Os jovens ficavam de
máscara, em volta das mulheres, enquanto elas dançavam sem máscara, as mulheres jovens. Porque, em
uma parte do vídeo, a gente consegue ver que as mulheres mais velhas, talvez já casadas, elas ficam do
lado de fooora da roda (a garota gesticula fazendo círculo com as mãos) só observando. E os homens
mais velhos não têm máscara e eles estão sempre batendo palma em volta. Então, a impressão que me
deu é que era como um mercado de produtos, pra saber quem você queria.
(32) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): [diz algo incompreensível] é a dominação
do homem, na época, da mulher.
A fala inicial de Pedro exprime seu estranhamento devido ao fato de no filme, apesar de
trazer um baile de máscaras, nem todos os participantes da cena usam esse adereço: “as
mulheres” no meio, dançam, sem máscara, “enquanto os homens dançavam em volta com
máscara”.
A percepção exposta por Pedro (30) está relacionada ao baile de máscara do filme
Romeu e Julieta. Ao utilizar o ordinal “primeira”, abrindo sua fala, subtende-se que esse é
somente um dentre outros aspectos notados por ele.
Apresentado o motivo de seu estranhamento, Pedro conclui, demonstrando certo
cuidado que: “Isso deve ter acontecido para os homens conseguirem ver se as mulheres eram
bonitas ou não. Não sei...”. A fala denotativa de cuidado é expressa locução “deve ter
acontecido”.
Essa passagem demonstra que Pedro não precipita conclusões definitivas, executando
um movimento argumentativo que abre possibilidades de participação o que possibilita o
prosseguimento da interação, com os diferentes componentes do grupo alternando-se na
composição argumentativa da temática em debate.
Demonstrando interdependência, Valentina expande a fala de Pedro, parecendo
transformar o pensamento de Pedro em objeto de sua reflexão (LEITÃO, 2011, p. 22 apud
NININ, 2013, p. 83). Valentina corrobora a contribuição de Pedro, recorrendo às categorias de
espacialidade, “dentro” e “fora”, linguístico e multimodalmente, para tratar a condição social
da mulher da época, que, segundo a menina descreve, estava cercada pelos demais e exposta
como um “produto”. Ao elaborar sua argumentação, a garota descreve o momento da dança
mostrando com movimentos largos das mãos, em forma de círculos, ao mesmo tempo que
aponta para o artefato projetado, para o filme.
A recorrência a elementos multissemióticos, relacionados à espacialidade, apontados
por Valentina, auxiliaram Pedro a iniciar a composição da ideia de “dominação”. Resgatando
o quadro anteriormente apresentado por Valentina, o garoto conclui que o contexto apontado
110
por ela configura a dominação do homem sobre a mulher na época. Nesse caso, temos a agência
relacional de Valentina: um modo de agir que serviu de apoio a Pedro na compreensão do
artefato proposto e, neste caso, exemplifica como “o sistema de atividade pode ser o lugar de
ocorrência da agência, uma vez que é nele que as interações ocorrem, e é esse mesmo sistema
que, orientado pelo contexto e por ações intencionais dos sujeitos, organiza e impulsiona a
própria atividade interativa” (MAGALHÃES e NININ, 2016 –prelo)
Em seguida, conforme solicitado na proposição de tarefas pela equipe organizadora,
Pedro passa a discutir outro componente da atividade social, acrescentando os sujeitos à
atividade descrita:
Excerto 14
(33) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): Tem os músicos. Tem duas crianças, na
parte superior e elas estão vestidas iguais. Que elas estão batendo palmas, elas estão sentadas, talvez
elas sejam talvez serviçais. Tem os músicos tocando, enquanto o pessoal dança.
(34) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): A divisão de trabalho, eu compreendi
de um jeito diferente do do Pedro. A minha divisão do trabalho foi mais focada no gênero. Pra mim a
divisão do trabalho é: mulheres dançam e os homens assistem. Pra mim, essa foi a divisão de trabalho.
É interessante notar que, ao referir-se aos músicos “tocando”, Pedro utiliza o gerúndio
para sugerir um ato contínuo, ininterrupto. Isso denota que Pedro conseguiu depreender, no
artefato multimodal, o aspecto durativo das ações expressas pelas personagens. Logo após à
fala de Pedro, Valentina esclarece que sua percepção sobre a divisão de trabalho é diferente da
de Pedro, contrapondo-se a ele. Segundo ela, sua percepção “mais focada”, permitiu-lhe
compreender que, na realidade representada, há um aspecto bastante importante, relacionado às
questões de gênero.
Mais à frente, veremos que questão do “gênero”, levantada por Valentina vai receber
um recrudescimento valorativo, relacionado à noção de propriedade do homem sobre a mulher
(dominação), corroborando o que, momentos atrás, fora dito por Pedro, demonstrando um
movimento constitutivo da zpd: de “colaboração e contradição, dialético e dialógico em que a
linguagem medeia e constitui as relações na compreensão e ressignificação de sentidos e na
produção compartilhada de significados” (MAGALHÃES, 2012, p. 21).
Valentina, ao dizer que compreendeu a divisão de trabalho de um jeito “diferente”,
mostra sua forma abrandada de discordar do colega, aspecto positivo, pois “a confrontação de
pontos de vista contextualiza a produção de novo significados, por meio da socialização dos
sentidos envolvidos” (MAGALHÃES e OLIVEIRA, 2016, p. 206).
Em seguida, Valentina envereda, momentaneamente, a aspectos relacionados à
miscigenação e divisão de classes, agregando à sua fala conhecimentos de História. É
111
importante lembrar que a questão da miscigenação mostra ecos do workshop anterior, quando
Pedro, ao traçar os opostos “povo versus elite” o fez com base nas adjetivações “pureza versus
mistura”, remetendo-se à característica da elite não querer se misturar:
Excerto 15
(35) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Depois de discutir muito sobre tudo
isso [fala isso deslizando a tela do celular]. Nós chegamos a uma conclusão extraordinariamente grande.
[Valentina seleciona o material a ser projetado]
(36) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Os sujeitos. Dá pra ver que é a nobreza.
Não tem ninguém pobre, nem ninguém negro. No século XV, não tinha miscigenação. Eram só os
europeus.
(37) Professor: miscigenação COM os africanos.
(38) Pedro Henrique Saraiva (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): é são todos brancos.
Nesse fragmento, o uso do advérbio “extraordinariamente” modificando o adjetivo
“grande” dá um sentido hiperbólico, de exagero, à “conclusão” a qual a garota, mais adiante,
chega. Relacionado ao advérbio, “muito”, que intensifica o verbo “discutir”, dá um tom
entusiasmado às considerações feitas por ela. No transcorrer de sua fala, Valentina conclui que
os sujeitos da atividade pertencem à “nobreza”. Apontado para a imagem projetada, a menina
diz, em tom bastante empolgado, que “dá para ver” que “não tem ninguém pobre, nem ninguém
negro”. O uso da conjunção “nem...nem” dá a ideia de adição, ou seja, de uma soma de traços
que contribuíram para que ela chegasse a essa conclusão. Assim, na imagem projetada,
multimodal, a garota buscou uma série de elementos visuais que remetessem ao sentido daquilo
que ela buscava.
Apesar de haver outras marcas determinadoras da elite, como roupas, joias etc., a garota
elegeu a questão cromática, também visual, relaciona ao tom da pele dos sujeitos que
compunham o baile. Disso decorre que a garota concluiu que, como não tem pobre, não tem
negro, não tem miscigenação. Ao mencionar a miscigenação, a garota estabelece uma relação
entre o passado e o presente históricos, mostrando mobilidade. A fala do professor de História:
“miscigenação COM os africanos”, é ignorada. A seguir, outro componente do grupo e da
mesma escola (C) espelha a fala de Valentina:
Excerto 16
(39)Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Enfim, são pessoas ricas, né, a nobreza.
Então, a divisão de trabalho, eu interpretei que nem a Val. Por que eu achei que é mais importante essa
divisão do que a dos empregados e tal.
(40)Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Na divisão de trabalho, as mulheres jovens
estão dançando no meio e sem máscara. Então, elas estão sem máscara, meio que era para poder verem
elas. Porque elas tinham o papel de serem bonitas e de serem objetos do homem. E os homens já não
têm isso. Então, tipo, não importa eles serem bonitos nem nada. Eles ficavam de máscara e dançando
em volta para ver o produto.
(41) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C):eles escolhem.
112
(42) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C) É elas estão só dançando e elas vão ser
escolhidas só isso.
(43) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): as mais jovens.
(44) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C) Ah... vestimenta.
Esse excerto tem como protagonistas Giulia e Pedro Henrique que se articulam no
sentido de, através da divisão de trabalho, constituir o perfil do homem e da mulher da época.
Agregando à mulher predicativos, como: jovens, bonitas e objetos/produto do homem. A
utilização do predicativo “produto” relacionado ao vocábulo “escolhida” revela o papel da
mulher relacionado à passividade.
As pequenas falam de Pedro funcionam como espécie de suportes dados a Giulia, no
sentido de preencher as lacunas deixadas por ela, demonstrando agência, que, segundo
Magalhães e Ninin (2016, prelo) surge das “ações do sujeito, intencionais e conscientes, na
relação com outro(s) participante(s), repercutem nas transformações do sistema de atividade
[...]” e “ [...] implica ações que, além de intencionais e conscientes, surgem imbricadas às
necessidades e aos interesses coletivos dos sujeitos da atividade”.
Excerto 17
(45)Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Então, tem a regra né. É, todo mundo tem
que entrar com a mesma roupa, assim roupa bonita.
(46) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): vestidos grande, cabelos enfeitados.
(47) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): E seguindo o padrão de beleza da
época. Até, tipo, nesse vídeo tem a coisa de puxar o cabelo, como a gente viu na aula passada. Ham...
todas têm que dançar, né, tipo.
(48) Pedro H. (pesquisador-formador, 17 anos, escola C): as mais jovens.
(49)Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Tem que aprender a dançar querendo
ou não. Ah... e tem que ser um tanto educada. Todo mundo feliz sorridente. Tudo limpo, né. O cheiro
não dá pra gente sentir no vídeo. E eu coloquei as joias também.
Essa passagem segue, marcada por uma nova troca entre os interlocutores, em que um
complementa a fala do outro, enquanto mostram o material projetado, usando para isso advérbio
de modo: “assim” e “nesse vídeo”, marcando, de certa forma, o papel da instrumentalidade na
interação.
Nessas falas, podemos notar o predomínio do verbo ter, espelhado, no presente do
indicativo e o uso de substantivos seguidos de seus qualificadores, adjetivos (“vestidos
grandes”, “cabelos enfeitados”, “roupa bonita”. O verbo ter é empregado, na subordinada
objetiva, no sentido de dever (“tem que dançar”, “tem que entrar”), denotando obrigação. Num
jogo em que um participante se apropria do modo de falar do outro em colaboração.
Em seguida, Valentina parece querer desprender-se dos demais integrantes, passando a
elaborar suas próprias conclusões:
113
Excerto 18
(50) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Eu fiz a mesma coisa que a Giulia só
que com o meu ponto de vista. Então, os sujeitos... se passa no baile de máscara, na nobreza, no final
século XV. Divisão de trabalho: são as mulheres mais jovens que dançam, sem máscara, como se fosse
uma venda de mercadoria. Então, a sociedade impõe que as mulheres dançam e os homens estão para
escolher elas. Essa pra mim foi a regra mais marcante.
Em: “eu fiz (...) com o meu ponto de vista”, Valentina além de singularizar-se (“eu fiz),
singulariza seu discurso (“meu ponto de vista”) e constitui-se discursivamente como fazedora
e refazedora de discurso (LIBERALI, 2016), expressando toda sua subjetividade. Ela o faz ao
empregar a primeira pessoa (“eu”) e seu respectivo possessivo (“meu”).
É nesse sentido que Magalhães e Oliveira (2016, p. 212) vão dizer que
A Colaboração, como categoria, configura-se então, como o movimento
coletivo para desenvolver, nas atividades, uma relação voltada à necessária
superação do cotidiano, das transformações do real, em um movimento
conjunto que não se limita às ações repetidas, reiteradas e reificadas. Antes,
revela-se na interferência da esfera da consciência, como um processo de
realização de uma intenção construída, no decurso do qual o subjetivo se
objetiva, a intenção se realiza, e o objetivo se subjetiviza [...]”.
Na verdade o que Valentina faz é agregar a sua fala a fala dos outros integrantes que
foram deixando pistas de questões relacionada à dominação do homem e à passividade da
mulher o que a ajuda a colocar que: “as mulheres”, aqui, “estão para serem escolhidas pelos
homens” – o que denota, submissão; domínio e o poder de escolha masculino.
Outro dado novo levantado por Valentina diz respeito à detecção do grande responsável
para que as coisas aconteçam da forma como descreve, atribuindo à sociedade o poder de impor
o que o que a mulher deve fazer, dizendo “a sociedade impõe”, ou seja, “sociedade” determina
que as mulheres dancem, mostrem-se felizes etc. Valentina personifica a sociedade, dando vida
a ela. Diz, inclusive, que ela tem o poder de agir sobre as pessoas (homens e mulheres).
A seguir, Giulia passa a traçar intersecções entre o artefato sugerido pelo grupo e
imagens pesquisadas por ela em sites da internet, com base na “vida que se vive”. A ideia passa
a ser sustentada pelos três componentes (Giulia, Valentina e Pedro), que se articulam no sentido
de dar sustentação as suas ideias, conforme veremos, a seguir:
Excerto 19
(51) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Eu trouxe essa imagem que assim... é meio
que pra simbolizar essa festa. Então tem três mulheres dançando no meio e os homens, tipo, no meio,
todos parados olhando, assim.
(52) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Então, era isso que acontecia, entendeu,
elas, estavam lá pra dançar bem pra ser bonitas, ó.
114
(53) Pedro H (pesquisador-formador, 17 anos, escola C):Se exibir.
(54) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Se exibir.
(55) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Os instrumentos são as roupas, os
cabelos, todas as joias, são os jeitos que as mulheres se arrumavam e os homens também pra tá ali. O
que também pode ser considerado como uma regra imposta pela sociedade na época.
(56) Pedro H (pesquisador-formador, 17 anos, escola C):Sim, se você não tiver isso, você não se
envolve. Você não é da nobreza.
(57) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Você não ia nem ser convidado.
(58) Pedro H (pesquisador-formador, 17 anos, escola C):É, você precisa usar isso pra poder entrar.
(59) Fernanda L: Mas aí aparece também os guardas, né.
(60)Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Sim e dá pra ver o ambiente também.
(61) Giulia (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): Aí eu pensei: dá pra fazer uma comparação
com o baile funk. Então, tipo, isso é exatamente igual aos bailes de hoje em dia, entendeu? Só que muda
um pouco essa coisa das regras sociais. Por exemplo, elas nunca usariam uma saia curta, tipo, como a
de hoje em dia. Mas aí é o que a gente [inteligível].
(62) Participante não identificado: Então, mas continua. Os homens assistem enquanto elas dançam.
(63) Valentina (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): A gente percebeu que não mudou,
absolutamente, nada, tipo, de hoje em dia. As mulheres continuam sendo a mercadoria como elas
dançam é o que mais chama a atenção. E as regras impostas são as roupas. Porque, querendo ou não,
você chega lá, numa baladinha, se você chega, não sei... com um moletom, com uma calça lá no pé.
Então, ninguém vai olhar pra você. Você não vai ser nem convidada. (64) Giulia Moneta (pesquisadora-formadora, 17 anos, escola C): então é bem isso, tipo assim:
continuam todas vestidas iguais, dançando igual, sempre a mulheres dançando, rebolando até o chão, e
os homens olhando.
Na discussão acima, podemos perceber que os integrantes da discussão vão,
paulatinamente fazendo a cobertura figurativa do tema nobreza, agregando elementos, tais
como: “roupas”, “joias”, “cabelos” - e ações – “exibir” / “ostentar”, acrescentando o poder da
“sociedade” de impor “regras”.
Por fim, Giulia conclui que “dá pra fazer uma comparação com o baile funk”. A partir
desse ponto, Giulia passa a estabelecer relações com a “vida que se vive” e vai delineando
relações entre o passado e presente históricos o que promove a expansão do objeto e sua
decorrente desencapsulação.
Segundo Barthes (1977), a arte é categoricamente realista, na medida em que ela tem
sempre o real por objeto de desejo. Ao mesmo tempo, “ela empurra sempre para mais longe
[...] ela empurra para um outro lugar, um lugar inclassificado”. É, portanto, a essência da
criação que ocorre o campo do significado e o campo da percepção visual - ou seja, entre
situações no pensamento e situações reais (Vygotsky, 1934).
Ao colocarem o baile de máscaras como representação do real (“a gente percebeu que
não mudou, absolutamente, nada, tipo, de hoje em dia”) e relacioná-lo com os bailes funk da
atualidade, os integrantes se apoderam da cultura de um grupo diferente do seu, apropriando-se
da cultura de um determinado grupo social. Assim, o filme foi um meio de experimentar,
cognitivo-afetivamente, as vivências do mundo real de forma imaginária.
115
4.5 Conclusão das Análises
A análise dos excertos demonstra que as interações proporcionam a transformação no
objeto e que tanto o filme como os tipos de pergunta e a performance assumiram o papel de
artefatos culturais mediadores responsáveis pelo fluxo das interações.
No primeiro contexto apresentado, orientado por perguntadas, notamos que a professora-
formadora se apropriou dos diferentes modos de perguntar ao remeter-se à performance. O
acesso a esses artefatos foi favorável a movimentos de colaboração; por um lado, porque a
pergunta convidou os participantes a uma postura ativa” (NININ, 2013, p. 49); por outro,
porque a performance deu aos sujeitos acesso à vivência de uma situação longe do que teriam
em suas possibilidades imediatas, contextualizada às realidades dos sujeitos envolvidos,
apoiada na historicidade das experiências dos participantes.
No entanto, os excertos iniciais revelam a centralidade da agência no papel da professora-
formadora, restando aos participantes, a princípio, a missão de responder às perguntas
obedecendo aos comandos dados por ela. Isso se deve às compreensões cristalizadas
relacionadas aos papéis de aluno, no sentido de ter que dar devolutivas; de professor, como
transmissor e detentor de saber; da linguagem, como via de verificação de conteúdo.
Isso pôde ser constatado na primeira interação, dia 11 de abril, quando a professora-
formadora, no ato de perguntar, acaba por restringir as perguntas a um grupo em específico, ao
qual se dirigiu por meio de ordens, chamando a respondente à interação, por meio do imperativo
“Fala, Malu”.
Essa tomada de atitude por parte da professora-formadora desencadeou uma espécie de
contração dialógica, encapsulando o tópico discurso, evidenciado pelas réplicas simples,
compostas por verbos no infinitivo. Embora, não seja possível negar ter havido, em um
pequeno grupo, composto por alunos da escola D, uma relação colaborativa em que a resposta
de um dos participantes serviu como apoio à resposta do outro.
Por outro lado, se lançarmos nosso olhar para a questão do tempo de espera por parte da
professora-formadora em relação à resposta do participante, podemos notar que foi marcado
por intervalos demasiado curtos, limitados a um período que durou entre 3 e 4 segundos, o que
denota que, nos momentos iniciais, a professora esteve mais voltada a fazer perguntas do que a
obter respostas, em decorrência da limitação do tempo. Essa impressão é reforçada pelo modo
como a professora lançava as perguntas, enunciado uma, duas, três até quatro perguntas no
mesmo instante de tempo, parecendo ser orientada por um script, como em: (1) “O que foi
116
discutido em cada grupo?” (2) “Por que” e (3) “pra que as pessoas participavam dessa festa?”
(4) “O que foi que a gente falou?”.
O ideal seria que a professora-formadora tivesse dado pausas mais longas entre uma
pergunta e outra, proporcionado modos de interação mais fluidos, para que, ao longo da
dinâmica discursiva, o papel de desencadeador da interação pudesse ser assumido por outros
participantes (NININ, 2013, p 50).
Disso decorre a importância do momento dramático articulado pela coordenadora geral,
que, longe de estar relacionado à ideia de inibição da autonomia do outro, esteve relacionado
à ideia de colaboração, possibilitando à professora-formadora outros modos de agir que deram
rumo novo à interação.
Conforme notamos, a partir do momento que as discussões foram descentralizadas dos
alunos da escola D, outros participantes se revezaram dando as primeiras contribuições de
forma tímida, com períodos frasais bastante curtos, mas que, no decorrer das discussões, se
avolumaram de tal forma que puderam ser ouvidos ecos do workshop primeiro, do 11 de abril,
no encontro posterior, no dia 09 de maio.
A título de exemplo, menciono as oposições traçadas por Valentina que remetem às de
Pedro, desencadeada pela declarativa enunciada pela professora-formadora que chamou a
atenção dos participantes para a questão das diferenças. Não digo que se tratam de
espelhamentos, por que Valentina lança mão de um recurso experimentado por Pedro no
encontro anterior para construir seu próprio discurso de um modo diferente. Esse modo de agir
pode ser revelador de agência relacional da parte de Pedro; e agência transformativa da parte
de Valentina, o que vai ao encontro do objetivo primeiro do projeto DIGIT-M-ED que é a
desencapsulação, que se dá não só em relação à questão dos papéis, por termos participantes
criativos tendo voz; como também quanto ao uso inovador, não repetitivo, das questões
trabalhadas que reverberam em outros contextos de ação, conforme destaco nos excertos, a
seguir:
Dia 11 de abril
Professora formadora: (11) “Então tinha coisas diferentes” (declarativa – colocação de ponto
de vista)
Giulia: (18) “Então a gente tem festa, mas é diferente...” (colocação de ponto de vista com
expansão)
Pedro: (26) “...a gente vê uma diferença gritante entre as festas atuais e as festas daquela
época...” (colocação de ponto de vista como expansão, a partir de pares de oposição)
(29) “É tão marcante essa coisa da elite... eles não queriam se misturar... Ah, vamos
juntar com o povão ali... Eles queriam... o povão no andar de baixo, a elite no andar
117
de cima”. (expansão de ponto de vista, a partir de pares de oposição – elite x povo;
superior x inferior).
Dia 09 de maio
Giulia: (30) “... as mulheres não estão usando máscaras... enquanto os homens dançavam
em volta com máscara”. (colocação de ponto de vista, a partir de pares de oposição - ativo x
passivo).
Valentina: (31) Os jovens ficavam de máscara, em volta das mulheres, enquanto elas
dançavam sem máscara, as mulheres jovens” (expansão, a partir de pares de oposição – de
máscara (oculto) x se máscara (revelado))
(34) Pra mim a divisão do trabalho é: mulheres dançam e os homens assistem” (expansão, a
partir de pares de oposição mulheres (ativo) x homem (passivo).
(36) Dá pra ver que é a nobreza. Não tem ninguém pobre”. (expansão, a partir de pares de
oposição – nobreza x pobre).
Giulia: (61) “Aí eu pensei: dá pra fazer uma comparação com o baile funk. Então, tipo, isso é
exatamente igual aos bailes de hoje em dia, entendeu?” (expansão, a partir de pares de
oposição – passado x atualidade).
Isso leva a concluir que, na esteira de Kress e van Leeuwen (2006), a elaboração e a
transformação dos signos são, ao mesmo tempo, a transformação da subjetividade do sujeito-
criador. Dessa forma, o indivíduo influencia o ambiente externo (contexto), mas é também por
ele influenciado. Disso decorre a ênfase que Vygotsky (1934) dá à emergência da significação
como princípio para a compreensão de como a linguagem é produzida nas relações entre os
homens e como a produção humana afeta os participantes nessas relações.
118
5 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Esta pesquisa ressalta não só a importância da relação entre o que se aprende na escola e
os contextos de vida, isto é, da desencapsulação da aprendizagem de conceitos, numa relação
teoria e prática, como também a emergência em se repensar, na escola, a questão de papéis
como algo constituído em comunidade.
Relação considerada por nós como não conflitantes uma vez que devem estar integradas
no trabalho com a linguagem dissensos no seu uso como propulsores de transformação não só
da língua, mas também da cultura escolar, ao passo que produzem tanto formas e funções
linguístico-discursiva quanto posições e identidades numa dada ordem sociocultural e
linguística (SIGNORINI, 2006).
Este estudo contribui para que sejam discutidas atitudes que possam, de alguma forma,
perpetuar relações valorativas de poder denotadas na desigualdade de papéis que acabam por
lançar à margem uns em detrimento de outros, quando, ao contrário, o espaço escolar deveria
ser, democraticamente, desfrutado por todos, conforme recomenda Karl Marx, no capítulo
XII, do livro I, de O Capital, que coloca a instrução “a fim de evitar a degeneração completa
da massa do povo, originada pela divisão do trabalho”.
É importante esclarecer, a conselho de Signorini (2006), que o termo “democrático” aqui
utilizado está longe de ser aquele empregado como “regime político”, “mas modo de
manifestação do político enquanto instauração do litígio sobre igualdade de condições na
comunicação social nos processos de subjetivação do falante” (SIGNORINI, 2016, p. 170). O
destaque a isso deve-se ao fato de focalizarmos a linguagem como prática social e observá-la
na ampla amalgamação de fatores contextuais (FABRÍCIO, 2006), numa perspectiva inter e
transdisciplinar, com vistas ao estabelecimento de vínculos com os fenômenos sociais, no ato
de argumentar para compartilhar significados, que podem ser alcançados quando direcionados
os olhares para os contextos de vida e para as necessidades local e circundante.
Olhar para as necessidades dos contextos de vida amplia sobremaneira a questão da
linguagem na sua diversidade, pois permite ver os sujeitos se engajarem no processo de criação
inundado por vozes outras, familiares ou desconhecidas, próximas ou longínquas, configurando
uma verdadeira cadeia não linear de interação que viabiliza a produção do sentido, num ciclo
constante, ininterrupto e expansivo, dentro de um permanente vir a ser.
Essa ótica abre espaço para o pensamento multicultural (SANTOS, 2008), para o
funcionamento da linguagem que instaura o objeto, com os indivíduos em colaboração para
119
que, de forma conjunta, possam ir além do ponto que poderiam ir se sozinhos estivessem
(LIBERALI, 2016).
É, portanto, a ideia de totalidade da linguagem que nós, membros do Grupo LACE
aspiramos, pois traz à baila um novo sentido de educar que se alinha à visão de construção da
palavra internamente persuasiva, como bem diz Liberali (2016), que possibilita o
desenvolvimento de sujeitos como agentes de transformação de si, do outro e do universo
circundante, uma vez que se sentem impelidos a trazer ao debate as vozes internas que os
constituem para produzir com os demais uma multiplicidade de vozes, configurando a
totalidade nas atividades de ensino-aprendizagem (LIBERALI, 2016, p. 66).
120
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ANEXO 1
Termo de acordo a ser preenchido pelos participantes envolvidos na Projeto de Extensão e Pesquisa
DIGIT-M-ED Hiperconectando Brasil (instituições, grupos profissionais, pais de menores, etc.) e
assinado por eles e o pesquisador.
Declaração de concordância dos participantes ou responsável:
De acordo com a descrição da pesquisa e dos compromissos firmados pela pesquisadora, Fernanda
Coelho Liberali, eu, _______________________________________________, RG: ___________
assumo aqui a minha concordância:
a) em participar dessa pesquisa ( )
b)de que meu filho,___________________________________, seja participantes da pesquisa ( )
c) de que a instituição pela qual sou responsável participe dessa pesquisa ( )
Entretanto, declaro que minha concordância está condicionada aos seguintes requisitos:
a) Anonimamente, isto é, que a divulgação dos resultados seja feita sem mencionar os nomes das
instituições ou dos participantes envolvidos ( )
b) Sem anonimato ( )
c) Que eu possa ter acesso aos dados coletados ( )
d) Que eu tenha acesso aos produtos finais da análise e de sua interpretação antes de sua divulgação
pública ( )
e) Que, caso seja necessário, minha reação diante dessas interpretações sejam incorporadas antes de
sua divulgação pública ( )
Data ___________________________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________________________
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
127
Declaração do pesquisador
Tendo em vista a declaração do participante ou de seu responsável acima assinada, eu, Fernanda
Coelho Liberali, assumo a responsabilidade total de cumprir as condições de pesquisa descritas,
atendendo os requisitos demandados pelos participantes.
Data: ___________________________________________________________________
Assinatura:
128
ANEXO 2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Comitê de Ética e Pesquisa Sede Campus Monte Alegre
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Este documento tem por finalidade esclarecer os pesquisados, de forma clara e objetiva, sobre a pesquisa a ser realizada: finalidade, local, duração, procedimentos utilizados, possíveis riscos e desconfortos a sua pessoa, benefícios esperados e objetivos a serem alcançados com a mesma. A participação do pesquisado, nesta pesquisa, é de livre e espontânea vontade e, a qualquer momento, poderá interrompê-la, recusar-se a submeter a quaisquer procedimentos, como também dela desistir, a tempo e modo, como assim o desejar, sem qualquer penalização ou prejuízo a sua pessoa.
Como parte das atividades do Grupo de Pesquisa LACE (Linguagem em Atividades em Contextos Escolares), da PUCSP, o projeto DIGIT-M-ED Hiperconectando – Brasil busca formar formadores que ajam com o intuito de transformar a escola - currículos, conteúdos, métodos, instrumentos - aproximando-a do mundo fora dela. Para isso, pesquisadores, gestores, professores e alunos (surdos e ouvintes) trabalham juntos na produção de propostas didáticas que rompam com as amarras impostas por currículos engessados e, com criticidade e colaboração, busquem a transformação da escola e da comunidade na qual ela se insere.
Integram este projeto instituições de ensino superior, fundamental e médio, públicas e particulares, de São Paulo, Piauí, Ceará e Pernambuco. Além disso, o DIGIT-M-ED mantém interlocução com diversos projetos desenvolvidos em outros países. As escolas parceiras contam com a atuação de diretores, coordenadores, professores e alunos das séries finais do Ensino Fundamental 1 (4os e 5os anos), Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio.
Os encontros se dão, normalmente, uma vez por mês, aos sábados, das 9 às 13 horas na PUCSP e eventualmente na própria escola, quando os grupos das escolas discutem sobre tarefas a serem desenvolvidas pelo núcleo. Os participantes também disponibilizam canais de comunicação (Facebook, Google Drive, WhatsApp e/ou e-mail), para que possam trocar ideias, materiais e informações entre e durante os encontros.
As atividades realizadas nesses encontros, presenciais e virtuais, são gravadas em áudio e/ou vídeo, fotografadas e os materiais elaborados pelos participantes são copiados e armazenados. Essas dados compõem um banco do projeto e podem ser utilizados com fins acadêmicos pelos pesquisadores do GP LACE.
A realização da presente pesquisa trará ao pesquisado e à sociedade o(s) seguinte(s) benefício(s):
Oferecer a escola como um todo discussões teórico-práticas sobre questões ensino-aprendizagem, desencapsulação curricular e colaboração crítica.
Oferecer disciplinas e seminários de pesquisa no Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Formação de Formadores, da PUC-SP, voltados a compreender questões ensino-aprendizagem, desencapsulação curricular e colaboração crítica.
Envolver pesquisadores e estudantes de IC/Mestrado/Doutorado/Pós-Doc em estudos que focalizem questões ensino-aprendizagem, questões de desencapsulação curricular e colaboração crítica.
Produzir e divulgar conhecimentos relativos a questões ensino-aprendizagem, de desencapsulação curricular e colaboração crítica.
129
Proporcionar espaços de discussão com os participantes e a comunidade científica em geral sobre a temática em foco, por meio da organização de simpósios, fóruns, e demais eventos científicos.
Apresentar trabalhos em simpósios nacionais e internacionais qualificados.
Publicar artigos ou capítulos, abordando a pesquisa realizada.
Produzir livro sobre a temática deste projeto.
Integrar cada vez mais a extensão e a pesquisa nos diferentes níveis da universidade.
Contribuir para a comunidade escolar e de pesquisa de forma mais ampla com as descobertas e o processo de pesquisa desenvolvidos.
Contribuir para o fortalecimento da rede de contatos por meio da integração de pesquisadores de diferentes universidades nacionais e internacionais, interessados no tema em desenvolvimento.
A participação de professores, alunos, diretores, coordenadores, supervisores, pais e pesquisadores é voluntária. A divulgação ou não dos nomes dos participantes e instituições envolvidas se realiza a partir das determinações das escolas e dos sujeitos participantes que decidem se desejam ou não anonimato. Não haverá despesa financeira ou remuneração para os envolvidos. A participação dos pesquisados, neste projeto, não acarretará quaisquer desconfortos ou riscos a sua integridade física, moral ou psicológica. Os dados produzidos no Projeto Digit-M-Ed Hiperconectando Brasil são de inteira responsabilidade dos pesquisadores brasileiros do Grupo de Pesquisa LACE, que coordenam o banco de dados do projeto referente ao Brasil, e que garantem o compromisso de cumprimento do acima estabelecido.
Para quaisquer dúvidas e esclarecimentos, os pesquisadores disponibilizam os seguintes telefones para contato (11) 3864-4409 (PUC/SP – LAEL).
Por se achar plenamente esclarecido e em perfeito acordo com este Termo de Consentimento, o pesquisado o assina, juntamente com o pesquisador, em 2 (duas) vias de igual teor e forma.
São Paulo 01 de abril de 2016.
PESQUISADOR RESPONSÁVEL:
PESQUISADO: _________________________________________________________________________