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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP CHRISTIANE SHOIHI SATO A PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS - MINAS GERAIS MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

CHRISTIANE SHOIHI SATO

A PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS -

MINAS GERAIS

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

CHRISTIANE SHOIHI SATO

A PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS -

MINAS GERAIS

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como

exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE

em Serviço Social, sob a orientação da Professora

Doutora Rosangela Dias Oliveira da Paz.

SÃO PAULO

2014

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

À Vicente Shoihi Sato e Vânia Tadeu Pinho, meus amados pais.

À Maria de Fátima Caldonazzo de Almeida, “boadrasta” e grande

inspiradora.

À Vicente Shoihi Sato Júnior, Carolina Tadeu Bebiano de Oliveira,

Lucas Tadeu Bebiano de Oliveira, Fernanda Caldonazzo de

Almeida Sato e Ana Júlia Tadeu de Souza, meus irmãos e meus

maiores amores.

A todos os amigos que me acompanharam no caminhar da

construção deste trabalho, em especial, Mariana, Josi, Najila, Alba

e Dani, meus sinceros agradecimentos.

Às pessoas usuárias dos CRAS de Poços de Caldas, onde

trabalhei durante quase cinco anos, relação que suscitou as

reflexões presentes neste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Vicente e Vânia, a quem devo muito por todos os

ensinamentos que me repassaram.

À Fatinha, que me acompanhou durante grande parte da vida, tornando-se peça

fundamental nas escolhas que decidi tomar, obrigada por tudo.

Aos meus cinco irmãos, por todos os aprendizados compartilhados, vocês são meus

maiores amores.

Aos amigos e amigas, que fizeram parte desta trajetória comigo e me ajudaram na

construção deste trabalho.

À orientadora deste trabalho, Rosangela Dias Oliveira da Paz, que com muita

paciência, atenção e competência, contribuiu pessoal e profissionalmente para a

elaboração desta dissertação.

À todos os professores e professoras do programa de pós-graduação da PUC-SP.

Em especial, à professora Rachel Raichelis, por quem tenho um inexplicável sentimento

de afeto e gratidão. E, também, à professora Abigail Torres pelas profícuas

contribuições direcionadas a esse trabalho no exame de qualificação.

Aos sujeitos que participaram dessa pesquisa, pela disponibilidade em participar das

entrevistas e possibilitar a troca de conhecimentos, momento único que me fez

aprender muito.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela

disponibilização da bolsa de estudos que me viabilizou a realização desta pesquisa.

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RESUMO

A investigação da presença da participação popular nos serviços socioassistenciais oferecidos pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e a contribuição do trabalho do assistente social nesse processo constituem o foco da presente pesquisa. Fundamentado na experiência profissional da pesquisadora nos CRAS de Poços de Caldas e em sua estreita relação com a temática em questão, o objetivo desse estudo é a apreensão do lugar da participação na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e da contribuição da atuação dos profissionais de Serviço Social no fortalecimento e no estimulo da participação da população na construção da política de assistência social, por meio dos serviços socioeducativos. Para tanto, além de pesquisa bibliográfica realizada sobre o objeto proposto, esse trabalho apoiou-se em metodologia qualitativa através do desenvolvimento de entrevistas individuais semi-estruturadas com assistentes sociais e usuários inseridos nos Centros de Referência de Assistência Social do município de Poços de Caldas. Como parte dos resultados da pesquisa, destacam-se: 1. a importância da gestão municipal da política de assistência, no sentido de garantir a materialização do direito da participação popular; 2. a necessidade de que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) ofereça subsídios capazes de concretizar a participação da população enquanto serviços socioassistenciais; 3. - o esforço dos assistentes sociais inseridos em Poços de Caldas com a consolidação do protagonismo dos usuários; 4. a identificação de entraves para a efetivação de uma direção coletiva nos serviços socioeducativos dos equipamentos sociais da proteção social básica do município analisado.

PALAVRAS-CHAVE: Assistência Social; trabalho profissional; serviços socioeducativos; participação popular.

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ABSTRACT

The investigation of the presence of popular participation in the socio-assistance services offered by the Reference Centers for Social Welfare (CRAS) and the contribution of the social worker practice to this process constitute the focus of the present research. Based on the professional experience of the researcher at Poços de Caldas’ CRAS and her close relation to the thematic in question, this study aimed to apprehend the place that the National Social Assistance Policy (PNAS) occupies and the contribution of Social Services professionals to strengthen and stimulate popular participation in the construction of the social assistance policy through socio-educative services. Therefore, in addition to the literary survey on the aimed object, the research was established on qualitative methodology by conducting semi-structured interviews with social workers and users who are placed on the Reference Centers for Social Welfare at the municipality of Poços de Caldas. As a part of the research results, it was figured: 1 - the importance of the municipal management for the social assistance policy when it comes to the guarantee of the right to popular participation; 2 - the necessity of subsides offered by the Unified System of Social Assistance (SUAS) that are capable of implementing the popular participation as an socio-educative service; 3 - the effort of the social workers placed at Poços de Caldas to consolidate the protagonism of its users; 4 - the identification of impediments to the realization of a collective direction to the social equipment of basic social protection in the socio-educative services at the analyzed municipality.

KEYWORDS: Social assistance; professional practice; socio-educative service; popular participation.

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

NOB\SUAS – Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social

PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

PT – Partido dos Trabalhadores

PEP – Projeto Ético Político do Serviço Social

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Dados Físicos e Demográficos do município de Poços de Caldas – MG.

Tabela 2 – Renda, Pobreza e Desigualdade em Poços de Caldas – MG.

Tabela 3 – Porcentagem da renda apropriada por extratos da população em Poços de Caldas – MG.

Tabela 4 – Dados do Censo SUAS 2010 sobre o CRAS.

Tabela 5 – Formação de equipes mínimas nos CRAS de Poços de Caldas – MG, entre os anos de 2004 e 2008.

Tabela 6 – Espaços possíveis de fortalecimento dos serviços.

Tabela 7 – Excertos de entrevistas sobre as reivindicações das demandas dos usuários dos CRAS de Poços de Caldas – MG.

Tabela 8 – Excertos de entrevistas sobre a participação dos usuários do SUAS de Poços de Caldas – MG nos temas trabalhados no cotidiano dos serviços socioeducativos.

Tabela 9 – Excertos de entrevistas sobre a compreensão dos sujeitos do PNAS e do CRAS.

Tabela 10 – Excertos de entrevistas sobre a compreensão dos sujeitos acerca da participação popular.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, SERVIÇOS

SOCIOEDUCATIVOS E IMPLANTAÇÃO DOS CRAS EM POÇOS DE CALDAS – MG ................................................................................................................................................. 22

1.1. Da Política Nacional de Assistência Social ao Serviço de Convivência e Fortalecimento

de Vínculos ........................................................................................................................... 22

1.2. Poços de Caldas – MG: o processo de implantação dos Centros de Referência de

Assistência Social ................................................................................................................. 39

CAPÍTULO II - O TRABALHO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NA PNAS:

CONTRIBUIÇÕES PARA O FORTALECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO ................................................................................................................................................. 48

2.1. O Serviço Social na Divisão Sociotécnica do Trabalho ............................................... 48

2.2. O Trabalho do Assistente Social na Política Nacional de Assistência Social .............. 57

2.3. Os Serviços Socioeducativos e o Trabalho Social no SUAS ....................................... 69

CAPÍTULO III – ASSISTÊNCIA SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR: ................... 83

3.1. A Participação Popular no Sistema Único de Assistência Social ................................ 83

3.2. O Lugar do Protagonismo dos Usuários nos Serviços Socioeducativos de Poços de

Caldas ................................................................................................................................... 95

3.3. A Visão dos Usuários sobre os Espaços Participativos na Assistência Social .......... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 119

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 126

APÊNDICE A........................................................................................................................ 134

APÊNDICE B........................................................................................................................ 136

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INTRODUÇÃO

A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que

o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que

lance fora os grilhões e a flor viva desabroche

MARX

O tema da participação popular na Política Nacional de Assistência Social

(PNAS) e seu fortalecimento a partir dos serviços socioeducativos desenvolvidos nos

Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) do município de Poços de Caldas,

com substancial contribuição do trabalho profissional do assistente social inserido

nessa área de atuação, contém um grau de complexidade que exige uma análise mais

aprofundada dos seus significados. A participação popular, por não se apresentar

inerente à cultura da população brasileira, necessita ser estimulada para que se

expresse em sua concretude. Para tanto, acredita-se aqui que os serviços

socioeducativos desenvolvidos no CRAS têm o potencial de serem viabilizadores e

difusores da ideologia da cultura de direitos. Uma vez focados no alargamento da

participação dos usuários nos espaços decisórios das políticas públicas e, ainda, das

instâncias de decisões da totalidade da sociedade do qual fazem parte, estes serviços

tornam-se ferramentas fundamentais à efetivação do exercício dos poderes

econômicos, culturais, políticos e sociais por aqueles que são socialmente explorados.

Desde 2004, com a regulamentação da nova política pública de assistência

social brasileira, o Sistema Único de Assistência Social tem sido implementado,

inaugurando mudanças de concepção da assistência social e transformações na

criação de parâmetros para a efetivação dessa política nos diversos municípios

brasileiros. A PNAS enfatizou a importância da participação popular, de modo a torná-la

uma de suas principais diretrizes, assegurando instâncias fomentadoras do controle

social, como as Conferências e os Conselhos. A PNAS também reforçou o significado

da assistência social como uma política de proteção social, comprometendo-se com a

garantia da proteção a todos que delas necessitarem. Sua organização e atendimento

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dividiram-se em Proteção Social Especial e Proteção Social Básica, sendo esta última o

foco dessa pesquisa, uma vez que as entrevistas foram realizadas com os usuários e

profissionais inseridos nos CRAS - o principal equipamento da atenção básica do país.

O município de Poços de Caldas, pertencente ao Estado de Minas Gerais,

tornou-se relevante a este estudo por ser o local de trabalho da pesquisadora. Os

CRAS poços caldenses passaram a ser um lócus privilegiado para as reflexões

suscitadas sobre a participação popular nos serviços socioassistenciais e sua relação

com o trabalho profissional dos assistentes sociais.

Em consonância com a Política Nacional de Assistência Social, Poços de Caldas

trata-se de um município de grande porte1, possuindo quatro unidades dos CRAS. A

economia da cidade está profundamente atrelada ao turismo e às indústrias de

exploração de jazidas de bauxita, fontes de renda essenciais à receita municipal

durante décadas. No âmbito da política pública de saúde, o município tornou-se

referência para 64 municípios sul mineiros circunvizinhos.

Historicamente existe em Poços de Caldas um número substancial de famílias

ricas, que influenciaram em demasia a construção da assistência social no município,

disseminando a cultura da benemerência no trato com os pobres. Era comum que as

mulheres ricas da cidade fossem indicadas para o comando das instituições não

governamentais, característica marcante da assistência social poços caldense.

A participação popular, objeto central para este trabalho, expandiu-se na

sociedade brasileira, a partir dos anos de 1980, em um contexto de luta em favor da

democracia e da ampliação das políticas públicas. Todavia, como face da mesma

moeda, serviu também como mecanismo de resolução das crises sociais ao possibilitar

a participação dos cidadãos nos processos de elaboração e gestão das políticas sociais

locais, sendo essa a reposta possível do Estado à crise do bem-estar.

Com a instauração da Constituição de 1988, um marco para a democracia

brasileira, o tema em questão é assegurado em suas linhas, garantindo o

reconhecimento da participação dos usuários e da condição dos demandantes da

assistência social enquanto sujeito de direitos, tendo como principais instâncias os

1 A NOB/SUAS 2005 estabeleceu os portes dos municípios da seguinte forma: Pequeno porte –

Até 20 mil habitantes; Pequeno porte II – De 20 a 50 mil habitantes; Médio porte – De 50 a 100 mil habitantes; Grande Porte – De 100 a 900 mil habitantes; Metrópole – Mais de 900 mil habitantes.

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Conselhos participativos e as Conferências. Este avanço foi um reflexo das lutas sociais

da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, surgindo um novo paradigma

atrelado à universalização do acesso, à descentralização, à municipalização e a

participação popular nas políticas públicas do país.

No âmbito da assistência social brasileira o grande desafio consistiu em se tornar

política pública e de instituir um sistema de gestão democrático e participativo. Com a

inclusão da assistência social no capítulo da Seguridade Social e a partir da Lei

Orgânica da Assistência Social (LOAS), o percurso de construção desta política tem

afirmado uma concepção de direitos e de proteção social.

Nessa esteira, a aposta aqui apresentada condiz com a contribuição dos serviços

socioeducativos no fortalecimento e consolidação da participação na PNAS, onde o

trabalho profissional do assistente social possa dar luz e concretude a esse processo.

Para tanto, buscou-se respostas às indagações: A PNAS e o SUAS tem concretizado o

direito dos usuários à participação popular? Os serviços estão voltados à emancipação,

no sentido da autonomia dos sujeitos, sendo desenvolvidos para este fim? Os

assistentes sociais têm priorizado, em sua atuação profissional cotidiana, os espaços

de discussões política com os usuários? Qual deveria ser o conteúdo do trabalho social

com famílias e indivíduos, sem que o resultado seja a disciplinarização dos mesmos?

Como implantar uma direção coletiva ao trabalho social com as famílias dos CRAS? O

assistente social está, nesse contexto, fazendo uso de estratégias profissionais para

firmar a importância da participação popular?

A fim de elucidar essas questões, optou-se pelo método qualitativo de pesquisa,

por considerar que a partir dele seja possível uma melhor aproximação do caráter

complexo da questão social, o qual, dificilmente, pode ser apreendido apenas pela

pesquisa quantitativa e sua experimentação e análise circunscrita dos dados coletados.

Pautando-se em Martinelli (1999), apesar da importância da pesquisa quantitativa no

que concerne ao dimensionamento dos problemas sociais com os quais trabalhamos no

Serviço Social e de sua viabilidade para o delineamento de um mapa detalhado na

realidade de atuação dos assistentes sociais, o método quantitativo não parece

suficiente para apreender a complexidade das expressões da questão social, a matéria-

prima dessa categoria profissional. Ainda conforme a autora, “o dado numérico em si

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nos instrumentaliza, mas não nos equipa para trabalhar, na plenitude que buscamos”.

(MARTINELLI, 1999, p. 21). Além disso, a pesquisa qualitativa privilegia o contato do

pesquisador com os sujeitos de pesquisa e suas expressões cotidianas, possibilitando a

observação de sua dinâmica real a fim de extrair-se dela as determinações

fundamentais que as constitui.

Com este intuito, as entrevistas semiestruturadas foram utilizadas como um meio

de confirmação ou de refutação do seguinte pressuposto: a PNAS de 2004 e o trabalho

do assistente social inserido no SUAS têm se direcionado no sentido da concretização

da participação popular por meio dos serviços socioeducativos ofertados pelos CRAS. A

escolha pelo tipo semiestruturado de entrevistas previamente elaboradas e

direcionadas para o problema e a hipótese de pesquisa permitiu que houvesse brechas

e flexibilidade, a fim de que o contato entre entrevistado e entrevistador primasse pelo

espaço da troca de saberes, experiências e valores, como exige uma pesquisa

qualitativa. Após o registro das entrevistas com o áudio, por meio de um gravador,

realizou-se a transcrição das respostas dos profissionais e usuários, para, em seguida,

desenvolver a análises dos dados coletados, sem perder de vista o referencial teórico

escolhido para a realização deste trabalho.

O universo dos entrevistados perfaz um total de doze pessoas, sendo quatro

assistentes sociais inseridos nos CRAS2 do município de Poços de Caldas e oito

usuários3 do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), sendo

quatro no grupo de adolescentes4 e as outras quatro no grupo de mulheres5, segmentos

escolhidos por serem os grupos mais consolidados na política de assistência social

2 Realizou-se entrevistas com uma assistente social dos quatro Centros de Referência de

Assistência Social do município de Poços de Caldas. 3 Realizou-se entrevistas com um usuário adolescente e uma mulher de cada CRAS da cidade

poços caldense, perfazendo um total de oito entrevistados, dois de cada CRAS. 4 A consolidação do grupo de adolescentes na assistência social do município de Poços de

Caldas vai além de suas exigências legais, já que são assegurados pelas normas e diretrizes da Política Nacional de Assistência Social. Todavia, o trabalho com adolescentes na assistência social da cidade acontecia antes mesmo da regulamentação da nova política pública.

5 Assim como o segmento dos adolescentes, a assistência social poços caldense realiza o

trabalho em grupo com mulheres antes da aprovação da nova PNAS. Existe no município um Programa de Transferência de Renda, onde o público alvo são as mulheres e a contrapartida dessa transferência encontra-se assentada na participação delas em atividades socioeducativas ofertadas uma vez na semana, hoje pelos CRAS, já que desde 2004 esse segmento ganha centralidade nas políticas públicas do país.

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poços caldense. Das quatro profissionais assistentes sociais, todas eram do sexo

feminino, com idade entre 31 anos e 37 anos. Elas trabalham nos CRAS de cinco a dez

anos, têm vínculos empregatícios e são concursadas. Todas elas possuem pós-

graduação, com temáticas voltadas à gestão das políticas públicas e são formadas

entre os anos de 2004 a 2008.

Ressalta-se o fato de que as entrevistas concedidas não serão anexadas a essa

dissertação, já que para as análises foram feitos os recortes necessários para o

desenvolvimento desse trabalho. Sendo assim, apresentam-se, no corpo do presente

texto, as falas viabilizadoras das análises e interpretações realizadas. Optou-se,

também, resguardar a identidade dos entrevistados: denominamos as profissionais de

Assistente Social 1, Assistente Social 2, Assistente Social 3 e Assistente Social 4 e os

usuários foram referidos de Adolescente 1, Adolescente 2, Adolescente 3, Adolescente

4, Mulher 1, Mulher 2, Mulher 3 e Mulher 4.

A análise dos dados teve por base pesquisa bibliográfica e documental, além das

reflexões sobre o conteúdo das disciplinas cursadas, os debates travados em eventos e

demais atividades que acompanharam o desenvolvimento dessa pesquisa. Com os

dados levantados em mãos, buscaram-se respostas para o nosso problema de

pesquisa, um caminho difícil e complexo de correlação entre os dados da realidade e as

várias produções teóricas que referendaram esse trabalho.

É importante afirmar que esse estudo fundamenta-se num perspectiva crítica. A

teoria marxista é reveladora dos processos que engendram a exploração da sociedade

burguesa. Ela desvela o antagonismo existente entre duas classes sociais, onde uma

minoria de capitalistas se apropria da força de trabalho da maioria da população, em

um processo incessante de aviltamento do trabalho dos trabalhadores. Essa teoria é

capaz, ainda no século XXI, de revelar a essência dos novos processos sociais, que

mudam de acordo com as necessidades da classe dominante em cada momento da

história. Se obsoleta fosse, não causaria tanto temor e polêmica nos diferentes estágios

de dominação do capital.

Conforme Boron (2006) a obra de Marx e a tradição que se remete a seu nome

não flutuam impávidas acima da história. O marxismo, em suma, é um ideário vivente,

cuja relevância é afirmada pela compatibilidade entre suas proposições e o passado e o

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presente das relações de produção. Na atualidade, o fenômeno da globalização fez

com que os problemas sociais fossem subjetivados. A ideologia da classe dominante de

que os entraves para o desenvolvimento social encontram-se nas famílias e indivíduos

exacerbam a falsa noção de que com esforço e dedicação as pessoas conseguirão se

desenvolverem plenamente.

Dessa maneira, torna-se evidente que a teoria marxista é atual, pois assenta seu

método articulado com a realidade, desvendando o que está posto nas relações sociais.

Boron (2006) sinaliza três aportes centrais do marxismo que explicam a sempre

atualidade de seu método: a visão de totalidade, o historicismo e a relação entre teoria

e práxis. A totalidade:

Não é a primazia dos motivos econômicos na explicação histórica o que constitui a diferença decisiva entre o marxismo e o pensamento burguês, e sim o ponto de vista da totalidade. A categoria de totalidade, a penetrante supremacia do todo sobre as partes, é a essência do método que Marx tomou de Hegel e brilhantemente o transformou nos alicerces de uma nova ciência. (LÚKAS, 1971 apud BORON, 2006, p.47).

O princípio da totalidade emerge em contraposição ao pensamento burguês que

sempre primou pela fragmentação e pela reificação das relações sociais. A sociedade

burguesa compreende a cultura, a política e a economia de maneira fragmentada, como

esferas separadas e diferentes da vida social.

Em contraposição, sustenta Lúkacs (1971 apud BORON, 2006, p.47) que:

A dialética afirma a unidade concreta do todo, o qual não significa, no entanto, fazer tabula rasa com seus componentes o reduzir “seus vários elementos a uma uniformidade indiferenciada, à identidade. Lúkacs está certo quando afirma que os determinantes sociais e os elementos em operação em qualquer formação social concreta são muitos, mas a independência e autonomia que aparentam ter é uma ilusão, posto que todos se encontram dialeticamente relacionados entre si.

Diferente da visão dos pós-modernos que compreendem o processo histórico

como um produto de infinitos fragmentos do real, a história, para o marxismo, implica

sucessiva constituição de conjunturas. Reconhece-se, logo, que existe uma relação

dialética e não mecânica entre os agentes sociais.

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Marx sintetizou sua visão não determinista do processo histórico quando prognosticou que, em algum momento de seu devir, as sociedades capitalistas deveriam enfrentar o dilema de ferro engendrado por elas mesmas: “socialismo ou bárbarie. Não há lugar em sua teoria para “fatalidades históricas” ou “necessidades inelutáveis” portadoras do socialismo com independência da vontade e da eficiência das iniciativas dos homens e mulheres que constituem uma sociedade. (BORON, 2006, p.48-49).

O terceiro e último aporte tratado por Boron (2006) diz respeito à relação da

teoria e práxis, no sentido da recuperação e da vitalidade da teoria marxista nas

ciências sociais. O autor destaca que Marx, ao decifrar as obscuras relações do modo

de produção capitalista, o fez justamente como possibilidade de superação dessa

ordem, pois ele idealizava um sistema mais justo. E é exatamente essa junção da teoria

marxista com os movimentos sociais e as forças políticas, o maior desafio posto na

atualidade.

O presente trabalho não faria uso de métodos que negam a existência da divisão

de classes presente na sociedade, por entender que, embora a contemporaneidade

esteja perpassada por novos fenômenos, não houve transformação capaz de romper

essa estrutura social. Não se concorda que o marxismo esteja superado, o que não

significa descreditar as demais ideias e o necessário debate teórico para se galgar

avanços nas produções científicas.

Diante do exposto, o caminho que se propõe para o desenvolvimento desta

pesquisa assenta-se na teoria marxista e em seu método dialético, por entender-se que

a construção do conhecimento acontece de modo processual e dialético. O sujeito-

pesquisador parte de uma compreensão pré-existente para apreender analiticamente

as lacunas que o estudo visa preencher, compreendendo as determinações de seu

objeto de investigação sob o prisma de determinado aporte teórico-metodológico.

A produção do conhecimento não se trata de um processo fácil, podendo ser

bem trabalhoso, pois ele acontece de forma gradual, a partir de sucessivas

aproximações da realidade. Dessa forma, tanto a apreensão e a reflexão sobre os fatos

originam-se das articulações entre os dados empíricos e a reflexão teórica e entre o

particular e o universal.

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Cabe insistir na perspectiva crítica de Marx em face da herança cultural de que era legatário. Não se trata, como pode parecer a uma visão vulgar de “crítica”, de se posicionar frente ao conhecimento existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o “bom” do “mau”. Em Marx, a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais (NETTO, 2009, p. 672).

Portanto, partindo da realidade concreta e emerso num processo de abstrações

e de aproximações das determinações, das relações e da processualidade histórica

acerca do objeto proposto, o pesquisador volta-se à realidade após desvendá-la em sua

complexa totalidade.

O método aqui eleito supre a necessidade dessa investigação porque suas

categorias essenciais não partem do pensamento do pesquisador, mas, sim, da

realidade concreta para, então, serem reproduzidas no pensamento.

Marx (1978, p. 116) diz que:

[...] o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.

A utilização desse referencial teórico conteve, entretanto, algumas limitações,

essencialmente, o pouco tempo6 para a realização dessa pesquisa. Essas restrições

foram, em certa medida, supridas pelas valiosas orientações da Prof.ª. Dr.ª Rosangela

Dias Oliveira da Paz, durante todo o período de construção deste trabalho, e pelas

contribuições, não menos importantes, de Abigail Silvestre Torres e Rachel Raichelis

Degenszajn, que participaram da banca de Exame de Qualificação, fazendo

apontamentos fundamentais para a sua conclusão.

A realização dessa investigação ancorou-se na vontade de apreender o lugar da

participação popular na realidade cotidiana de atuação dos assistentes sociais inseridos

no SUAS do município de Poços de Caldas. A principal motivação para o

desenvolvimento dessa pesquisa foram os vários questionamentos elaborados pela

6 O tempo de duração desta investigação científica foi de 24 meses.

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pesquisadora durante a sua experiência profissional vivenciada nos CRAS instalados

em solo poços caldense. A inquietação mais pungente da pesquisadora assentou-se na

enorme dificuldade em garantir se que a participação popular fosse tratada de forma

sistemática e cotidiana nos serviços socioeducativos ofertados pelos Centros de

Referência em questão. Um cenário que vai de encontro, em alguma medida, aos

princípios éticos políticos do Serviço Social7 e à própria PNAS/2004 que assegura a

participação da população como um direito social.

No que concerne à importância dessa dissertação no campo da produção

teórica, acredita-se que esse estudo poderá contribuir para os debates acerca da

atuação profissional e do complexo desafio de concretizar o fortalecimento e a

consolidação da participação popular. Espera-se, assim, que esse ensaio contribua

fundamentalmente para os assistentes sociais e os demais atores da assistência social

brasileira, no sentido de propor reflexões críticas sobre a operacionalização do trabalho

social com as famílias e com os indivíduos inseridos nos serviços socioeducativos dos

CRAS na perspectiva do protagonismo popular.

O objetivo geral da pesquisa é investigar as expressões da participação popular

por meio da apreensão que os trabalhadores assistentes sociais e os usuários da

política pública de assistência social de Poços de Caldas possuem dos espaços

participativos dessa política e de seu protagonismo na construção da mesma.

Vislumbra-se, ainda, estudar os significados da participação popular e suas

configurações na atualidade; identificar a presença ou não da participação da

população no trabalho social realizado na assistência social poços caldense; situar a

disputa em torno das políticas sociais brasileiras e os marcos legais que as

regulamentam; e compreender a contribuição do trabalho profissional do assistente

social inserido no SUAS no fortalecimento da participação dos usuários nos espaços de

decisão das políticas públicas.

O texto que se apresenta foi estruturado da seguinte forma: o primeiro capítulo

intitulado de “Política Nacional de Assistência Social, serviços socioeducativos e

7 Ferem os princípios profissionais dos assistentes sociais de se colocarem na defesa da

autonomia e emancipação dos trabalhadores, bem como a contribuição para o fortalecimento da participação dos mesmos nos espaços políticos da sociedade. (Princípios III e IV do Código de Ética Profissional de 1993).

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implantação dos CRAS em Poços de Caldas”, contextualiza a política de assistência

social brasileira, destacando os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

e apresenta o processo de implantação dos Centros de Referência de Assistência

Social do município de Poços de Caldas.

Buscou-se demonstrar, por meio das principais diretrizes, normativas, legislações

e documentos, o compromisso da nova política de assistência social com a participação

popular. Procurou-se, ainda, retratar a relevância que os SCFV possuem no momento

de criação e de execução dos grupos onde serão desenvolvidas as ações

socioeducativas do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF).

O segundo capítulo denominado de “O trabalho profissional do assistente social

na PNAS: contribuições para o fortalecimento para a participação do usuário”

desenvolve uma reflexão sobre o trabalho profissional do assistente social inserido no

estatuto assalariado, com a principal finalidade de situar a profissão na divisão

sociotécnica do trabalho, pois os reflexos dessa inserção produzem inúmeros desafios

aos trabalhadores, como, as condições precárias e flexíveis de trabalho. Infere-se sobre

o trabalho profissional do assistente social na Política Nacional de Assistência Social e

nos serviços socioeducativos, tendo como intenção evidenciar o esforço dessa

categoria em construir ferramentas e instrumentos que vão ao encontro dos princípios e

das diretrizes do SUAS, em consonância com o seu Código de Ética. Buscou-se

também a identificação das dificuldades encontradas nessa trajetória. Para tanto,

desenvolveram-se as análises das entrevistas realizadas com as quatro assistentes

sociais dos CRAS do município de Poços de Caldas.

No último capítulo titulado de “Assistência Social e Participação Popular”

realizou-se um resgate histórico do tema da participação e do processo de sua

construção na sociedade brasileira, com foco no período de redemocratização do país,

quando a participação popular foi assegurada constitucionalmente enquanto um direito

social a ser garantido na execução das políticas públicas no Brasil. Nesse capítulo

estão presentes às análises dos dados acerca do protagonismo dos usuários nos

serviços socioeducativos ofertados pelos CRAS de Poços de Caldas, assim como as

análises da visão dos usuários da assistência social poços caldense em relação à

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própria PNAS, ao Centro de Referência de Assistência Social, aos Conselhos e

Conferências.

Por fim, nas considerações finais apresenta-se uma síntese das reflexões

propostas no decorrer do trabalho, e destacam-se resultados da pesquisa relativos ao

papel da gestão municipal e do próprio SUAS na materialização da participação popular

nos serviços socioeducativos, bem como a importância da atuação profissional em uma

perspectiva coletiva e de fortalecimento dessa participação.

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CAPÍTULO I - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, SERVIÇOS

SOCIOEDUCATIVOS E IMPLANTAÇÃO DOS CRAS EM POÇOS DE CALDAS – MG

1.1. Da Política Nacional de Assistência Social ao Serviço de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos

A regulamentação de políticas sociais pautadas nos princípios democráticos e na

perspectiva dos direitos sociais principiou-se na Constituição de 1988. A Assembleia

Constituinte introduziu a política de assistência social como uma política pública de

Seguridade Social ao lado da Saúde e Previdência. Outra proposição que se destacou

foi a ampliação do público usuário da assistência social: no artigo 203 da Constituição

Federal de 1988 determinou-se que: “a assistência social será prestada a quem dela

necessitar, independente de contribuição à seguridade social”. Somado a isso,

regimentou-se a criação de orçamento próprio para tal política, fazendo com que esta

se fundamentasse na descentralização político-administrativa, bem como na

participação da população na formulação e controle de suas ações. Salienta-se que as

mudanças citadas se tornaram realizáveis por conta de intensa mobilização popular que

reivindicava o fim da ditadura militar.

Para a regulamentação dos artigos constitucionais no âmbito da assistência

social, foram necessárias, ainda, a formulação da Lei Orgânica de Assistência Social

(LOAS) e sua aprovação, o que aconteceu em 1993. A LOAS instituiu o Conselho

Nacional de Assistência Social (CNAS), responsável pela fiscalização e pela gestão

descentralizada e participativa desta política pública. Outras decorrências da LOAS

foram: a instituição do Benefício de Prestação Continuada (BPC), prevendo o repasse

de verba para os idosos e deficientes; a designação do comando único nos níveis

federal, estadual e municipal de governo, a fim de articular, integrar e coordenar as

atividades no campo da assistência social em consonância com as responsabilidades

dos diferentes entes federativos; e a estipulação de Conselhos, de Planos e de Fundos

de assistência social, nos municípios, nos estados e na União, como requisito para o

acesso aos recursos financeiros destinados a essa política.

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A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi subscrita em 2004, após ser

deliberada pela IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada em Brasília em

2003. Foi necessário, para tanto, um longo processo de debates e de lutas por parte de

diversos segmentos da sociedade, onde a categoria dos assistentes sociais teve forte

participação, junto é claro com os movimentos sociais, instituições e sociedade civil. A

elaboração do PNAS condiz com uma clara tentativa de se redesenhar a política de

assistência social no país, visando a implementação do Sistema Único de Assistência

Social (SUAS) em todo território brasileiro. Não fosse a articulação entre representantes

do governo, sociedade civil e usuários da assistência social, a PNAS não teria sido

concebida, tampouco aprovada.

A partir das mudanças ocorridas na PNAS/2004, uma nova linguagem de

reconhecimento e efetivação passou a comandar e construir a identidade da assistência

social em todo o país (SPOSATI, 2011). É relevante denotar outras ações

governamentais que produziram mudanças no campo da política de assistência social.

O marco político para tais iniciativas costuma ser estabelecido na entrada do Partido

dos Trabalhadores (PT) no poder, em 2003. Entre as principais, sobressaem-se: (1) a

aprovação da NOB/SUAS 2005, (2) a formulação da Tipificação Nacional dos Serviços

Socioassistenciais em 2009, (3) a implantação dos Centros de Referência de

Assistência Social – CRAS, e (4) a constituição dos Centros de Referência

Especializados de Assistência Social – CREAS.

Em meio a tantas novidades, considera-se oportuno registrar a mudança do

público-alvo da nova política de assistência social do país. O público usuário da

assistência social passa a ser constituído em consonância com a PNAS/2004 por:

Cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. (MDS, 2004a, p. 33).

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Na mesma direção, a NOB-SUAS determina que os usuários da assistência

social são os cidadãos e os grupos em condição de vulnerabilidades e de riscos, sendo

que, as vulnerabilidades são em grande parte causadas pelo lugar social que esses

indivíduos ocupam. Essas pessoas e famílias se comunicam com instâncias do SUAS

na “condição de beneficiários pois não estão constituídos em corpus políticos, dotados

de representatividade.” (CAMPOS, 2009, p. 22). Os Centros de Referência de

Assistência Social recebem diariamente um número expressivo de “pessoas pobres,

sem rendimento regular, sem profissão que os credencie a disputar vagas na classe

social que integram, além de enfrentarem as piores e mais frequentes circunstâncias de

riscos sociais”. (Id., 2009, p. 22)

É importante salientar que o universo em que sobrevivem estes usuários é

marcado pela pobreza, pela exclusão e pela subalternidade. Muitas vezes são alvos de

velhos preconceitos, provenientes de uma sociedade que os desqualifica e que os

rotula como inaptos e/ou marginais. Como consequência disso, inúmeros usuários

parecem ter vergonha de precisar da assistência social. Muitos ainda a consideram

como uma ajuda e não, como um direito.

Os avanços decorrentes da consolidação da LOAS podem ser expressos,

essencialmente, pela responsabilização do Estado na oferta da assistência social a

quem dela necessite, pelo aumento do gasto público com tal política e pela

descentralização por intermédio de várias secretarias espalhadas pelo país. A despeito

dessas melhorias, o desafio mais urgente colocado defronte à nova Política Nacional de

Assistência Social diz respeito ao processo de implementação do SUAS, ao

aperfeiçoamento da descentralização e intersetorialidade com as demais políticas, à

sua gestão democrática, ao seu cofinanciamento, à qualificação dos quadros de seus

profissionais, ao monitoramento e à avaliação das atividades e ao controle social.

A sistematização da PNAS, em 2004, foi uma pré-condição para a constituição

do SUAS, uma vez que a nova racionalidade inaugurada por ela apontou e exigiu um

modelo assistencial ancorado em seu caráter público. Esse molde pautado por uma

visão de totalidade não deve ser considerado somente como consequências da vontade

política dos governantes, mas também como resultado da ação de diversos segmentos

da sociedade. É preciso reiterar que a aprovação da PNAS/2004 também é produto de

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mais de uma década de lutas e de reivindicações das categorias profissionais, dos

sujeitos coletivos e dos movimentos organizados da sociedade civil.

Entre as inovações, na área da assistência social brasileira, que a PNAS/2004

inaugurou, a citar a sua territorialização, o seu modo de organização, a sua forma de

inserção na Seguridade Social, destaca-se aqui, pela centralidade que deriva para este

trabalho, o campo dos serviços socioassistenciais. A definição dos direitos

socioassistenciais foi produto de um debate nacional que precedeu a V Conferência

Nacional de Assistência Social, na cidade de Brasília em 2005. Isto representou um

substancial avanço para aqueles que apreendem a assistência social como um campo

potencial para além da acomodação de conflitos, referenciando-a em um processo de

disputa política pelo excedente econômico historicamente expropriado dos cidadãos.

Esta conferência aprovou o decálogo dos direitos socioassistenciais que “devem ser

patamares assegurados das mais diversas formas de explicitação da política de

assistência social” (COUTO, 2007, p.23). Sobre esses novos princípios, compreende-se

que:

A clarificação do que se propõe a defender o decálogo dos direitos socioassistenciais constitui-se em tarefa para toda a sociedade brasileira, pois na perspectiva da universalização da assistência social, os direitos devem ser pensados como direito de todos. Direitos que se inscrevem na proteção social não contributiva, produto de um pacto social que reconhece que as dificuldades da população para viver com dignidade e para enfrentamento da questão social, nas suas mais diversas expressões, devem encontrar acolhida no sistema de proteção social brasileiro, que a partir de 1988 foi consagrado como direito de cidadania e dever do Estado. (Ibid., p. 24).

O desafio que se impôs, a partir do decálogo, foi o de elaborar e, posteriormente,

o de enriquecer, com o debate teórico-político, os rumos da reorganização e da

prestação dos serviços socioassistenciais a serem prestados pelos Centros de

Referência de Assistência Social, com maior sintonia com os pressupostos

democráticos que a área social requer. Nesse sentido:

[...] vale a pena insistir que é tempo ainda de dotar as medidas de proteção socioassistencial de conteúdos e estratégias que deflagrem a efetiva participação da população, na contramarcha dos processos de subalternização política, de exploração econômica e de exclusão sociocultural. Está em aberto o

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desafio de formulação e implantação de inovadoras e transformadoras metodologias de trabalho socioassistencial, que possam subsidiar o atendimento das equipes multidisciplinares integrantes dos novos espaços governamentais do SUAS, notadamente os Centros de Referência da Assistência Social, distribuídos nos territórios socialmente mais demandantes de todas as cidades brasileiras. (PAIVA, 2006, pp.04-05).

Elucidados os objetivos e as propostas do decálogo dos direitos

socioassistenciais, considera-se oportuna a sua apresentação, já que foram eles os

principais direitos a serem afiançados pela nova Política Nacional de Assistência Social:

(1) Todos os direitos de proteção social de assistência social, consagrados em lei para todos; (2) Direito de equidade rural-urbana na proteção social não contributiva; (3) Direito de equidade social e de manifestação pública; (4) Direito à igualdade do cidadão e cidadã de acesso à rede socioassistencial;(5) Direito do usuário à acessibilidade, qualidade e continuidade; (6) Direito a ter garantida a convivência familiar, comunitária e social; (7) Direito à proteção social por meio da intersetorialidade das políticas públicas; (8) Direito à renda; (9) Direito ao cofinanciamento da proteção social não contributiva; (10) Direito ao controle social e defesa dos direitos socioassistenciais. (MDS, 2004a, pp. 01-02)

Ao se tratar de direitos sociais como baliza da relação pública entre o Estado e

seus cidadãos, é imprescindível a compreensão de que, na arena histórica onde se

desenvolveram as políticas públicas brasileiras, a presença da garantia do acesso aos

serviços e aos benefícios socioassistenciais como condição de direitos é muito recente.

Ao contrário da conjuntura contemporânea, contexto histórico em que as políticas

sociais brasileiras se assentaram podem ser caracterizados como um longo período de

intensa relação de subalternidade. Houve um momento em que o acesso aos serviços

afirmou-se na contramão da cidadania, estabelecendo a necessidade de comprovação

da condição de subcidadania para que fossem acessados (COUTO, 2007, 34).

A redemocratização do país e todas as legislações, as normativas e os

documentos que se sucederam a esse momento impõem, no entanto, um debate franco

e aberto sobre os direitos sociais a todos que trabalham pela consolidação da

assistência social brasileira como política pública. A problemática está no complexo

desafio de definir quais são os desdobramentos necessários para que os direitos

socioassistenciais sejam compreendidos e materializados na vida da população.

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Apesar do reconhecimento de progressos advindos da Constituição de 1988 no

que toca à assistência social, é mister o entendimento de que os serviços

socioassistenciais são produtos de uma conjuntura histórica, estando imbuídos do

conservadorismo que, conforme Couto (2010, p. 166), tem tido presença sistemática no

sentido de impossibilitar a explicitação, no conjunto da sociedade, de uma nova

hegemonia assentada na política de assistência social como garantidora destes

direitos. Não são incomuns expressões como “famílias desestruturadas”, “mães

preguiçosas”, “os usuários são acomodados”8, entre outras, tanto no trabalho social

com famílias9 dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), quanto no

discurso de novos profissionais que trabalham com o acompanhamento familiar.

Não se ignora nessa formulação, que o conservadorismo não se faz presente

apenas na assistência social do país, pois sabe-se que o pensamento conservador

permeia as relações de toda a sociedade. Tampouco se pretende inferir que exista

somente essa dimensão como campo de intervenção dessa política pública. A

finalidade de problematizar as ações conservadoras na assistência social reside,

essencialmente, na necessidade de superá-las (TORRES, 2013). Faz-se necessário,

para tanto, o reconhecimento de sua presença:

Uma ampliação da leitura sobre o cotidiano da política permite atestar que, por vezes, o discurso do direito está impregnado de concepções a ele contraditórias e que, ao indicar os caminhos para assegurá-lo, percebem-se muito mais estratégias reducionistas e redutoras dos acessos. A falta de conhecimento e capacitação podem explicar parte dessas dificuldades. Todavia, o desconhecimento dos compromissos éticos-políticos dessa política, bem como a baixa adesão a eles, são provavelmente razões motivadoras de práticas conservadoras e desqualificadoras dos cidadãos usuários. (SPOSATI, 2013 apud

TORRES, 2013, p.130).

Outro debate oportuno a este trabalho encontra-se na centralidade da temática

família, que ganha destaque a partir da PNAS/2004, por ser considerada uma proposta

inovadora. Em consonância com Paiva (2006), a latência deste tema tem, todavia,

sufocado a questão da pobreza em sua dimensão estrutural. As atividades direcionadas

8 Salienta-se que autora do presente trabalho presenciou o uso destas expressões por colegas de

trabalho, no período em que trabalhou no CRAS de Poços de Caldas (MG), de 2007 até 2012. 9 O trabalho social com famílias comporá um dos tópicos do próximo capítulo desta dissertação.

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ao seu combate acabam, dessa maneira, desembocando em ações pulverizadas que

não atacam a raiz do problema. Além de retirar as políticas sociais do viés coletivo no

enfrentamento da questão social, remete-as a condutas de ajustamento de

comportamentos individuais.

Acredita-se que uma estratégia promissora ao combate às ações reforçadoras da

adequação comportamental dos sujeitos e das famílias assenta-se no compromisso

profissional do assistente social com a emancipação e autonomia dos usuários. Ao

inserirem-se nos serviços socioeducativos dos CRAS, esses profissionais devem, pois,

estar ancorados em sua ética profissional e ainda na ética da PNAS e buscar, ainda, a

ruptura com trabalhos profissionais que reforcem a lógica moralizadora e disciplinadora

historicamente impregnada nas atividades desenvolvidas na assistência social

brasileira.

Nas falas das assistentes sociais entrevistadas para a elaboração desta

pesquisa, surgiu uma problemática importante no que concerne a centralidade familiar

na política de assistência social. As profissionais relataram a existência de uma

supervalorização no trabalho com famílias, diretriz proposta por esta política, em

detrimento do fortalecimento da comunidade, que é deixado à deriva, pois poucas são

as ações nessa direção. O reconhecimento da participação popular10 - considerando-a

como um eixo central da política de assistência social, no sentido de ampliar o acesso

da população aos poderes culturais, econômicos, sociais e políticos da sociedade, bem

como a socialização do excedente produzido por meio dos direitos sociais, não pode se

furtar do combate ao conservadorismo e da luta pelo estabelecimento de ações que

fortaleçam direções coletivas.

Nesse caminho, este trabalho aponta os Centros de Referência de Assistência

Social como um mecanismo capaz de desenvolver ações passíveis de ir além do

atendimento das demandas individuais, sendo ainda comprometido em assegurar

atividades que ultrapassem as práticas conservadoras enraizadas historicamente na

10

Considera-se oportuno registrar que a ideia de participação consubstanciada pela PNAS/2004 carrega estreita relação com a de protagonismo, ou seja, de usuário ativo, sujeito de direitos, sendo capaz de “[...] participar na definição de prioridades, normatização de critérios e acompanhamento das ações e não apenas se submeter a doação o que seria o mesmo que dizer de uma perspectiva passiva”. (BIONDI, 2013, p. 157)

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construção dessa política pública. Esta aposta no CRAS se apoia no fato dele carregar,

em sua concepção, um componente de ruptura com o modo conservador e

benemerente de visualizar a assistência social no país.

Este equipamento social possui a função de gestão territorial da rede de

assistência social básica, promovendo a organização e a articulação das unidades a ele

referenciadas. Este Centro de Referência é, em outras palavras, uma porta de entrada

dos usuários para os direitos socioassistenciais. Entende-se que:

O Centro de Referência de Assistência Social é uma unidade pública estatal descentralizada prevista pela PNAS, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada ao atendimento socioassistencial de famílias. O CRAS é o principal equipamento de desenvolvimento dos serviços socioassistenciais da Proteção Social Básica. Desempenha papel central no território onde se localiza ao construir a principal estrutura física do local, cujo espaço físico deve ser compatível com o trabalho social com famílias que vivem no seu território de abrangência e conta com uma equipe profissional de referência. (MDS, 2004b, p.19).

O principal serviço ofertado pelo CRAS é o Serviço de Proteção e Atendimento

Integral a Família (PAIF). Seu objetivo consiste em fornecer trabalho de caráter

continuado, centralizando no fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, e

prevendo, também, o acesso das famílias referenciadas aos diversos direitos sociais.

Com o objetivo de dar diretrizes para os trabalhos desenvolvidos no PAIF em novembro

de 2009, foi lançada a Tipificação dos serviços socioassistenciais. Este documento

tipifica os serviços de acordo com os seus níveis de complexidade, Proteção Social

Básica e Proteção Especial de Média e Alta complexidade. Os serviços que compõem a

proteção social básica são: “Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família –

PAIF; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e Serviço de Proteção

Social Básica no Domicílio para pessoas com Deficiência e Idosas”. (MDS, 2009, p.03).

A este trabalho interessa, em particular, os serviços de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos, porque nele está assentado o público demandante dos

serviços socioeducativos11 do PAIF. Estes são pensados e divididos nos segmentos

atendidos pela PNAS/2004, tais como: idoso, deficiente físico, adolescentes e

11

O capítulo II deste trabalho terá como um dos tópicos os serviços socioeducativos.

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mulheres. A partir desses recortes, criam-se grupos para os quais se desenvolvem

ações socioeducativas.

O trabalho socioeducativo pode viabilizar uma rica interação entre profissionais e

usuários dos serviços socioassistenciais, haja vista que dos debates emergem

demandas individuais que gradualmente se transformam em demandas coletivas. Ao

passo que o grupo caminha, no sentido de ir desvelando os desafios e possibilidades

do cotidiano da população referenciada, torna-se possível efetivar ações capazes de

contribuir com o fortalecimento da participação popular e da cultura de direitos.

O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) é ofertado na

Proteção Social Básica e tem como principal finalidade complementar o trabalho social

com famílias na prevenção da ocorrência de situações de vulnerabilidade e risco social.

Este serviço funda-se em grupos, organizados a partir de percursos, de modo a garantir

aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida. Essas

ações deverão acontecer por meio:

Da criação de espaços de reflexão sobre o papel das famílias na proteção de seus membros; Do estímulo e orientação dos usuários na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais e coletivas, na família e no território; Da organização por percursos, conforme as especificidades dos ciclos de vida; Das trocas culturais e de vivências; Do incentivo a participação comunitária, a apropriação dos espaços públicos e o protagonismo no território.

(MDS, 2013c, p.03).

A concepção deste serviço tem como premissa que os ciclos de vida familiar

possuem estreita ligação com os ciclos de vida de desenvolvimento das pessoas que

as compõem. Seu foco é a oferta de atividades de convivência e socialização, de modo

a fortalecer vínculos e prevenir situações de vulnerabilidade e risco social.

Com a aprovação da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, o

SCFV foi organizado por faixa etária com o objetivo de prevenir possíveis situações de

risco inerentes a cada ciclo de vida. O SCFV está organizado nas seguintes faixas

etárias: Crianças até 6 anos; Crianças e Adolescentes de 6 a 15 anos; Adolescentes e

Jovens de 15 a 17 anos, Idosos e Mulheres.

Considerando a intervenção social por ciclos de vida e o desenvolvimento de

atividades por faixa etária e/ou intergeracionais, surgiu em 2013 à proposta de

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reordenamento dos SCFV. Buscava-se atingir a unificação das regras para a oferta

qualificada dos serviços, através da uniformização da lógica do cofinanciamento federal

e da possibilidade de planejamento da oferta dos serviços em consonância com a

demanda local.

O reordenamento dos SCFV trouxe duas grandes inovações: o cofinanciamento

dos serviços e a atribuição de liberdade aos gestores e profissionais na criação dos

grupos no PAIF. A novidade do cofinanciamento conferiu autonomia aos municípios no

uso do dinheiro para esses serviços. É mister salientar que, antes do reordenamento,

as verbas oriundas aos SCFV deveriam ser gastas apenas com os idosos,

adolescentes entre 15 a 17 anos e crianças e jovens advindos de trabalho infantil. Com

o reordenamento dos serviços, o financiamento passou a ser destinado ao SCFV e não

mais a segmentos pré-definidos. Assim, o recurso pôde ser usado por qualquer

demanda de convivência e fortalecimento de vínculos que se apresentasse. Se os

gestores julgarem necessário a criação de um grupo de mulheres no CRAS, por

exemplo, o recurso poderá ser alocado para esse fim. No cenário da segunda inovação,

a da liberdade que os gestores e profissionais passaram a ter na criação de grupos no

PAIF, o reordenamento dos serviços tornou-se mais flexível: os profissionais poderão

realizar um breve diagnóstico das demandas dos usuários dos serviços para o

desenvolvimento de coletivos articulados com as necessidades reais da população.

A pesquisa sobre a assistência social brasileira, realizada pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014, extensiva dos anos de 2009 até 2013,

revela que, em 2013, havia 11.797 Centros de Convivência e Fortalecimento de

Vínculos distribuídos em 3.065 municípios. Isto representa mais da metade do total de

cidades do país, algo que configura um contraste considerável com o ano de 2009,

quando estes centros haviam sido reportados por menos de um terço dos municípios.

Diante disso, o caminho até aqui percorrido demonstra o esforço dos segmentos

sociais progressistas da sociedade em alargar os direitos sociais e consolidar a

assistência social como um dever estatal. Desse modo, os serviços socioassistenciais

desenvolvidos nos CRAS também são representativos das conquistas dos

trabalhadores sobre o modo de acumulação capitalista. Com a intenção de garantir

novos avanços voltados à classe trabalhadora no campo desta política pública, é

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imprescindível, como define Paiva (2006), que se faça da participação popular seu eixo

central.

O Serviço Social tem uma presença histórica na política de assistência social,

mas é importante afirmar que não se confunde com a política. A contribuição da

profissão tem relevância nos sentido de alinhá-la aos interesses dos trabalhadores.

Concordando com Raichelis (2009), cabe aos assistentes sociais inseridos nos serviços

socioeducativos dos SCFV:

Muito mais do que apenas a realização de rotinas institucionais, cumprimento de tarefas burocráticas ou a simples reiteração do instituído. Envolve o assistente social como intelectual capaz de realizar a apreensão crítica da realidade e do trabalho no contexto dos interesses sociais e da correlação de forças políticas que o tencionam; a construção de estratégias coletivas e de alianças políticas que possam reforçar direitos nas diferentes áreas de atuação (Saúde, Previdência, Assistência Social, Judiciário, organizações empresariais, ONGs, etc.) na perspectiva de ampliar o protagonismo das classes subalternas na esfera pública. (RAICHELIS, 2009, p. 428).

A proteção social básica, conforme estabelecido na LOAS e na PNAS, possui

caráter preventivo, sendo seu escopo central o de antecipar e prevenir as situações de

risco. Para tanto, cabe, essencialmente, aos profissionais e aos gestores, o

conhecimento prévio do território, das famílias, das demandas sociais, do fortalecimento

dos vínculos comunitários, dentre outros. Entende-se que: “além de provisões materiais

a assistência social deve oferecer meios para o desenvolvimento ou (re)construção da

cidadania e da autonomia, ou seja, necessidades que vão além da reprodução material

da vida.” (MDS, 2013a, p39). É preciso atentar-se para o fato de que:

Ao operar na proteção aos riscos e vulnerabilidades, a assistência social adquiriu maior visibilidade pela oferta de provisões materiais e, sobretudo, por se ocupar de respostas emergenciais diante de contingências sociais, o que precisa ser revertido quando o que está em questão na proteção social básica é a sua dimensão de antecipação que previna possíveis ocorrências. (Id., 2013a,

p.39).

Os benefícios da assistência social - aqueles configurados por intermédio dos

Programas de Transferência de Renda, caracterizados essencialmente pelo Programa

Bolsa Família (PBF), Benefícios Eventuais e Programas de Transferência de Renda

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Municipais, além do Benefício de Prestação Continuada (BPC) - devem estar em

concomitância com a prestação dos serviços socioassistenciais de qualidade, capazes

de lidar e combater as graves dimensões e expressões da questão social.

Consolidou-se, a partir da PNAS de 2004, a urgência de desenvolvimento de

serviços socioassistenciais realizados no âmbito da Proteção Social Básica de

Assistência Social. Trata-se de uma demanda premente por serviços capazes de

contribuir para a efetivação de projetos coletivos, processos participativos e,

prioritariamente, a conquista do protagonismo e da autonomia de cada um dos

membros das famílias do território (MDS, 2012b). Depreende-se dessa lógica o

imperativo de que as experiências dos sujeitos precisam ser respeitadas e que, no

entanto, as respostas encontradas devem ser dirigidas à busca de apoios e suportes

públicos e não, ao próprio indivíduo, voltadas tanto para as razões de sua situação,

quanto para todos os recursos oportunizados para modificá-la.

Ao se ofertar os serviços socioassistenciais, eles devem estar pautados nos

princípios norteadores do trabalho social, que são o fortalecimento das potencialidades

e das capacidades dos cidadãos e o empoderamento e a protagonismo social dos

sujeitos. Ressalta-se que auferir protagonismo e mecanismos de empoderamento ao

público atendido não é o mesmo que acreditar que o indivíduo deva, sem aporte algum,

buscar soluções para seus problemas: o Estado não deve ser desonerado de suas

responsabilidades. As árduas conquistas da forte organização e mobilização popular,

cujos desdobramentos se veem na Constituição de 1988, fundaram-se justamente na

necessidade de maior engajamento, intervenção e comprometimento do Estado.

Outro elemento fundamental da PNAS é a perspectiva territorial. Configura-se

como um fator integrante para consolidação da assistência social enquanto política

pública, de direito, por considerar a dinâmica socioterritorial presente nos diferentes

municípios brasileiros.

Koga e Ramos (2004) inferem que o território diz respeito ao espaço da vida

visto como aquele onde se desenvolvem as práticas cotidianas dos indivíduos em torno

de seus locais de moradia, de trabalho, de educação, de saúde, como também de suas

práticas esporádicas, como lugares de lazer, férias, cultura, dentre outros. Evidencia-se

a apreensão de que o espaço vivido seria justamente o espaço ilimitado, reconstruído

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mentalmente pelos homens e mulheres ou representados por intermédio de seu

imaginário. Na esteira da definição de território, Milton Santos (2000) concebe que o

uso do território pelos sujeitos e a relação entre indivíduo e população aparecem de

forma clara e contundente, vez que o território se constrói a partir de sua relação com

as pessoas que o utilizam. A existência da indivisibilidade entre sujeitos e os espaços

habitados por estes seria demonstrada por “uma particularidade extremamente fecunda

quando se observa a intensa dinâmica das populações nos territórios”. (KOGA e

RAMOS, 2004, p. 56). A matriz relacional entre território e políticas públicas representa

uma nova dimensão que pode gerar novas diretrizes de gestão.

A vital relação entre o homem e o espaço em que ele vive reforça a noção de

que os sujeitos devem apoderar-se e fazer uso do lugar onde moram. Isso supõe a

participação dos indivíduos na construção da totalidade das relações sociais existentes

nos locais que residem. E para tanto, aponta-se neste trabalho, os serviços

socioeducativos ofertados no PAIF como uma instância capaz de estimular e fortalecer

o protagonismo dos usuários da assistência social não só nas políticas públicas, mas

também na sociedade em que fazem parte, incluindo aí, certamente os espaços de

decisões do território em que vivem.

É salutar a apreensão de que a perspectiva territorial é designada para o espaço

intermediário entre o privado (a casa) e o público. Desenvolve-se nesse lugar uma

“sociabilidade básica”, mais ampla que as fundadas nas relações familiares, porém

mais densa mais significativa e mais estável que as relações formais e individualizadas

impostas pela sociedade do capital. (KOGA e RAMOS, 2004 apud MAGNANI, 1998,

p.116). A saber:

A dimensão territorial traz elementos que permitem uma perspectiva de totalidade da questão social. Trabalha não somente com os aspectos das necessidades, como se refere às próprias relações estabelecidas entre os sujeitos e seu cotidiano de vivência. Esta relação dinâmica se contrapõe a noção corriqueira e simplista de políticas direcionadas aos pobres que costumam referir-se a eles como necessitados ou carentes, o que os destitui da condição de sujeito. Dessa forma, o território diz respeito não só aos aspectos objetivos da realidade vivida pelas populações, mas envolve igualmente sua dimensão subjetiva, que aparece de forma também concreta através das manifestações de sofrimentos, desejos, expectativas etc. (KOGA e RAMOS, 2004,

p. 60).

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35

A Política Nacional de Assistência Social de 2004 assentou, em suas linhas, a

territorialização como uma de suas diretrizes. Considerando a alta densidade

populacional do Brasil e, ao mesmo tempo, seu grau de “heterogeneidade e

desigualdade socioterritorial” presente entre os seus municípios, tal designação faz-se

urgente e necessária. O princípio da “homogeneidade por segmentos na definição de

prioridades de serviços, programas e projetos torna-se insuficiente frente às demandas

de uma realidade marcada pela desigualdade social”. (MDS, 2004a, p. 41). Há uma

clara solicitação para que se agregue a dinâmica demográfica - associada à dinâmica

socioterritorial em curso - ao conhecimento da realidade.

Identificar as potencialidades e as fragilidades dos territórios possibilita aos

agentes das políticas sociais intervirem com maior eficiência e qualidade na melhoria da

vida dos cidadãos. O combate ao processo de exclusão social em curso só será

viabilizado, segundo Koga (2003), pela disputa relacional da política pública entre a

sociedade civil e seu governo. Pensar a política social, a partir do território, exige,

ainda, um exercício de revisão do contexto histórico, do cotidiano e do universo cultural

da população que nele vive. Para a “perspectiva de totalidade, de integração entre os

setores para uma efetiva ação pública” é necessária a “vontade política de fazer valer a

diversidade e a inter-relação das políticas locais”. (KOGA, 2003, p. 25).

Grosso modo, o uso da territorialização na assistência social centraliza-se na

garantia de uma melhor qualidade de vida para a população, ampliando os recortes

setoriais em que, tradicionalmente, se fragmentavam as políticas públicas brasileiras.

“Ao invés de metas setoriais a partir de demandas ou necessidades genéricas” (MDS,

2004a, p. 42), trata-se de identificar os problemas concretos, as potencialidades e as

soluções por meio de recortes territoriais que identifiquem conjuntos populacionais em

situações similares. Posterior a isso, devem ocorrer intervenções das políticas públicas

no sentido de promover impactos positivos na vida dos cidadãos de direitos.

As principais normativas e diretrizes da assistência social, a citar a PNAS/2004, a

NOB/2012 e a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais de 2012, indicam que o

trabalho social do PAIF deve ser desenvolvido no território de referência dos grupos

populacionais a serem atendidos. Os grupos referenciados pelo CRAS, em seu

território, são habitualmente constituídos em quantidade mínima de vinte participantes,

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36

podendo ser maximizados à quantia de quarenta partícipes. Desenvolvem-se,

geralmente, em agrupamentos de mulheres, adolescentes, idosos e deficientes, na

presença dos profissionais responsáveis da assistência social e/ou da psicologia, dos

educadores sociais e dos estagiários. Importa considerar que cada socioeducativo

possui suas particularidades. As temáticas variam de acordo com as demandas de cada

coletivo:

Os serviços socioeducativos para famílias são encontros periódicos organizados segundo planejamento prévio e metas a serem cumpridas, de modo a desenhar um percurso, com um conjunto de famílias agregadas em grupos, por meio de algum de seus membros que assume o papel de responsável. Esse serviço objetiva incentivar as famílias a discutir e refletir sobre as situações vivenciadas e interesses comuns que se referem à função protetiva das famílias, os direitos que as famílias e seus membros possuem, os meios de acessá-los e demais temáticas que possam fortalecer os vínculos familiares e comunitários. São exemplos de temáticas a serem abordadas: Direito à renda e direitos sociais. (MDS, 2013b, pp. 01-02).

Por outro lado, do ponto de vista do Serviço Social o trabalho com grupos diz

respeito a uma prática inerente à cultura profissional, cuja presença no cotidiano dos

assistentes sociais remonta a década de 1960 (MOREIRA,2013). Mesmo posterior a

todas as transformações pelas quais essa categoria vivenciou, essencialmente com o

Movimento de Reconceituação12, o trabalho com grupos continuou sendo um

instrumento relevante ao repertório técnico-operativo desses profissionais. Além disso,

trabalhar em grupo trata-se de uma opção político-profissional com capacidade de

suscitar em seus participantes a reflexão crítica (MOREIRA, 2013). É por esta razão

que sua pertinência permanece no século XXI: sua expressa capacidade de facilitar as

“reflexões, o diálogo sobre assuntos complexos e controvertidos e a melhor

compreensão e aproveitamento da vivência social do outro.” (TORRES, 1997 apud

MOREIRA, 2013, p.26).

12

“Na sua gênese imediata, a Reconceituação foi comandada por uma questão elementar: qual a contribuição do Serviço Social na superação do subdesenvolvimento?” (NETTO, 2005, p.09). Nesse caminho, os assistentes sociais latino-americanos começaram a questionar a funcionalidade da profissão frente às expressões concretas da questão social. Essas inquietações colocaram em pauta a adequação dos procedimentos profissionais tradicionais em face das realidades nacionais e regionais, levantaram questionamentos sobre a eficácia das ações profissionais e, também, sobre a pertinência dos fundamentos teóricos utilizados. Trouxeram à tona, desse modo, perguntas acerca do relacionamento da profissão com os novos sujeitos que surgiam no cenário político-social. O movimento de Reconceituação, por fim, representou uma crítica ao “Serviço Social tradicional”.

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37

Faz-se preciso considerar que o Serviço Social brasileiro ainda não sistematizou,

o seu trabalho com grupos, não aprimorando, portanto, os métodos próprios para uma

intervenção devida. Mesmo sem o aprimoramento adequado, tal instrumento pode,

contudo, servir de arcabouço sobre o qual os assistentes sociais, dotados de pensar

crítico, desenvolvam metodologias não convencionais, lúdicas e criativas, ancoradas

nas demandas dos usuários. O trabalho em grupo, por estabelecer uma ligação entre

indivíduo e o coletivo, pode contribuir muito para a superação da condição de

subalternidade a que essa população foi historicamente subjugada.

Do ponto de vista da assistência social, torna-se imprescindível e urgente a

incorporação das demandas dos usuários da assistência social como parte fundante da

dinâmica dos serviços socioassistenciais ofertados nos CRAS. O caminho a ser

trilhado, a partir de então, direciona-se à busca pelo fortalecimento da gestão

democrática destes serviços e à politização constante das questões que dão forma às

relações entre usuário e instituição e entre indivíduo e sociedade, tendo por intermédio

o estímulo e consolidação da participação popular nos serviços socioeducativos.

É necessário ao profissional de Serviço Social que este se coloque enquanto

sujeito partícipe desse processo e que se posicione na defesa da classe socialmente

explorada. A potencialidade de transformação do trabalho com grupos deve ser

utilizada com rigor teórico e reflexão crítica. A fim de se investigar esta estratégia de

ação, considerando seus pressupostos e execuções, à luz do exercício do Serviço

Social, precisa-se considerar que:

[...] (1) qualquer indivíduo que se disponha a contribuir com uma visão social crítica junto a outros sujeitos precisa ter uma leitura de mundo sensivelmente ampliada; (2) tanto os usuários dos serviços sociais que são atendidos pelos assistentes sociais quanto estes próprios profissionais pertencem à mesma classe social e, portanto, estão subjugados, de uma maneira geral, aos mesmos imperativos impostos pelas elites dominantes e dirigentes. Em suma: se apropriar com clareza da complexa lógica organizacional capitalista é, de todos os ângulos, imprescindível, uma vez que não é possível protestar ou lutar a fundo contra algo que pouco se conhece e se entende. (MOREIRA, 2013, p. 17).

Aqui reside uma questão central para este estudo. Se ao assistente social, a

apropriação clara da complexa lógica organizacional capitalista é imprescindível ao

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38

exercício de sua profissão, essa mesma apreensão acerca das políticas públicas é

impreterível aos usuários que delas necessitam. Este entendimento é fundamental para

que eles consigam lutar por direitos e protestar por sua participação nos espaços

decisórios dessas mesmas políticas. O Serviço Social possui repertório teórico-

metodológico que pode fortalecer e incentivar o protagonismo que a população

demanda da assistência social, por meio de estratégias comprometidas com a

autonomia e emancipação dos cidadãos. A qualidade dos serviços prestados em grupo

está articulada às “exigências de o assistente social ter ciência de outros componentes

que integram a intervenção profissional, como o perfil dos usuários, as demandas que

estes trazem e território no qual a instituição localiza-se” (MOREIRA, 2013, p.77), pois a

partir disso, criam-se as possibilidades de direcionar a ação profissional no caminho de

inserir os indivíduos atendidos para outros espaços de participação sociopolítica, assim

como na própria rede de serviços.

Entende-se, então, como urgente, o comprometimento dos trabalhadores do

SUAS com a socialização dos direitos socioassistenciais, bem como com a divulgação

dos objetivos e princípios da PNAS/2004 e, principalmente, do CRAS, da função e

importância dos Conselhos e Conferências, do direito dos usuários de serem

protagonistas na construção das políticas públicas, dentre outros. Salienta-se que tais

informações devem ser repassadas pelos profissionais de uma maneira passível de

entendimento pelos usuários, a fim de que os sujeitos consigam apropriá-las e usá-las

enquanto ferramenta possível de romper com a lógica de subalternidade que lhes foi

imposta no processo de construção das políticas sociais do país.

Não se pode desconsiderar que o Estado, ao tentar imprimir uma visão

“racionalista e tecnicista às expressões da questão social, exerce forte influência na

ação do assistente social”. (MOREIRA apud GUERRA, 2007, p.141). O tratamento que

o poder público dedica, historicamente, a essas expressões sempre transitou entre a

repressão e o assistencialismo, trazendo sérios “rebatimentos no trabalho profissional

do Serviço Social comumente mediatizado pelas configurações das políticas sociais”

(Id.,2007, p.141). A interdição de uma visão de totalidade da assistência social por parte

dos assistentes sociais é um exemplo das decorrências deste tratamento.

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A proposição fulcral desta dissertação encontra-se alicerçada na articulação das

novas requisições de autonomia dos usuários e no fortalecimento dos direitos sociais,

exigidos na elaboração do trabalho socioeducativo dos CRAS, a partir da PNAS/2004; e

no perfil profissional do Serviço Social, estando este plenamente comprometido com os

interesses e demandas dos trabalhadores. A partir desse fundamento, esta dissertação

aufere centralidade ao trabalho profissional do assistente social e à sua contribuição

para o fortalecimento, para o estímulo e para a consolidação da participação popular

dos usuários por meio dos serviços socioeducativos ofertados pelos CRAS. Reitera-se

que materialização desses serviços ocorre no desenvolvimento do trabalho social

realizado com as famílias e com os indivíduos inseridos no PAIF, onde as metodologias

utilizadas para a realização das atividades se pautem na reflexão crítica, a fim de

possibilitar mecanismos capazes de suscitar a participação dos sujeitos na construção

das políticas públicas e de estimular a sua conscientização da necessidade de seu

protagonismo nos espaços decisórios de toda a sociedade.

1.2. Poços de Caldas – MG: o processo de implantação dos Centros de

Referência de Assistência Social

O Município de Poços de Caldas, pertencente ao Estado de Minas Gerais, foi

historicamente construído pela economia do turismo. Na década de 1960, ela tornou-se

fonte de renda primária do município. A produção industrial iniciou sua expansão ao

território poços caldense em 1970, por motivo de exploração das grandes jazidas de

bauxita - um recurso natural não renovável, cuja extração mais significativa ficou a

cargo da empresa Alcoa.

Segundo as informações do Atlas do Desenvolvimento Humano (ADH, 2013),

nos anos de 2010, 24% da população ativa de Poços de Caldas, encontrava-se

empregada no ramo de extração, a citar: Ferrero do Brasil, Fertilizantes Mitsui,

Frigonossa, Mineração Curimbaba, Phelps Dodge/General Cable, Tamoyo, Votorantin

Metais, Cristais Ca’doro, Newbread e Piffer. Poços de Caldas, para além do turismo e

da extração, é notória por ser a maior cidade do sul de Minas Gerais, o que faz com

que sua política pública de saúde seja referência para os 64 municípios circunvizinhos.

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40

Conforme a Norma Operacional Básica de 2005 Poços de Caldas classifica-se

como de grande porte13:

Tabela 1 – Dados físicos e demográficos do município de Poços de Caldas –

MG

Área IDMH de 2010 Faixa de IDMH de

2010

População Censo

de 2010

545, 04 km 0,779 Alto – entre 0,700 e

0,799 152.435 habitantes

Densidade

demográfica Ano de instalação Microrregião Mesorregião

279,79 hab./km 1888 Poços de Caldas Sul/ Sudoeste de

Minas Gerais

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano -2010

Diante dos dados apresentados no Atlas do Desenvolvimento Humano (2013), a

renda per capita média de Poços de Caldas cresceu 64,29% nas últimas duas décadas,

passando de R$ 580,65 em 1991, para R$ 867,68 em 2000. Ampliou-se para R$

953,96, em 2010, com uma taxa média anual de crescimento de 49,43% no primeiro

período e 9,94% no segundo. A extrema pobreza (medida pela proporção de pessoas

com renda domiciliar per capita inferior a R$ 70,00 em agosto de 2010) passou de

2,63% em 1991 para 1,10% em 2000. Reduziu-se para 0,32% no ano de 2010. O

Índice de Gini14 passou de 0,52, em 1991, para 0,56 em 2000. Houve aqui também um

13

A NOB/SUAS 2005 estabeleceu os portes dos municípios da seguinte forma: Pequeno porte – Até 20 mil habitantes; Pequeno porte II – De 20 a 50 mil habitantes; Médio porte – De 50 a 100 mil habitantes; Grande Porte – De 100 a 900 mil habitantes; Metrópole – Mais de 900 mil habitantes.

14

É um instrumento usado para medir o grau de concentração de renda. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e os dos mais ricos que, numericamente, varia de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação de total igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda, e o valor 1 significa completa desigualdade de renda, ou seja, se uma só pessoa detém toda a renda do lugar. (Atlas do Desenvolvimento Humano, 2013).

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41

decréscimo para 0,50 no ano 2010. Com base na análise dos dados é possível concluir

uma redução nos indicadores de desigualdades sociais.

A tabela seguinte é relevante para a caracterização da desigualdade, da pobreza

e da renda dos cidadãos demandantes de seus serviços do Serviço Social no município

avaliado:

Tabela 2 – Renda, pobreza e desigualdade em Poços de Caldas – MG

Ano 1991 2000 2010

Renda per capita em R$ 580,65 867,68 953,96

% de extremamente pobres 2,63 1,10 0,32

% de pobres 12,67 6,42 2,93

Índice de Gini 0,52 0,56 0,50

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano- 2010

Na tabela baixo, têm-se uma visão da distribuição de renda entre as camadas

socioeconômicas, sendo por isso útil à presente reflexão:

Tabela 3 – Porcentagem da renda apropriada por estratos da população em

Poços de Caldas – MG

Ano 1991 2000 2010

20% mais pobres 4,03 3,72 4,67

40% mais pobres 11,86 10,72 13,34

60% mais pobres 23,83 21,42 25,60

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80% mais pobres 42,47 38,73 44,01

20% mais ricos 57,53 61,27 55,99

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano- 2010

A municipalidade avaliada no presente trabalho possui quatro unidades do

CRAS. Esse número pode ser balizado como resultante dos esforços da gestão

municipal em implementar o SUAS em consonância com seus princípios e diretrizes. O

Censo SUAS 2011, na tentativa de capturar os reflexos do Sistema Único de

Assistência Social no combate às desigualdades sociais, revelou que 95% dos

municípios brasileiros possuem ao menos um CRAS em seus territórios. Esse resultado

comprova a ampliação dessas unidades nas cidades do país, a expansão da

universalização dos direitos sociais e a ampla divulgação dos benefícios, serviços,

programas e projetos assistenciais. O levantamento encontra-se sumarizado na tabela

abaixo:

Tabela 4 – Dados do Censo SUAS 2011 sobre o CRAS

Atividades levantadas %

Realização de ações e atividades desenvolvidas no PAIF 97%*

Visitas Domiciliares 99%

Tabela 4 (cont.) – Dados do Censo SUAS 2011 sobre o CRAS

Recepções e Acolhidas 99%

Acompanhamento de famílias 98%

Encaminhamento de famílias no Cadastro Único 96%

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Encaminhamento de famílias ou de indivíduos para a rede de

serviços socioassistenciais 96%

Atendimento de Indivíduos 96%

Encaminhamento de famílias ou de indivíduos para outras

políticas públicas 96%

Orientação e/ou acompanhamento para inserção do

Benefício de Prestação Continuada (BCP) Entre 95% e 99%**

* Mais de 97% dos CRAS realizam, ao menos, 11 das 19 ações e atividades

desenvolvidas no PAIF que foram analisadas pelo Censo SUAS 2010.

Fonte: MDS, 2011a.

Poços de Caldas possui, historicamente, um número considerável de núcleos

familiares ricas. Essas famílias disseminaram uma cultura de benemerências para com

os pobres. Os interesses políticos desses grupos determinaram a política de assistência

por um extensivo período: não era incomum que as mulheres ricas do município fossem

indicadas para o comando das instituições não governamentais.

Análises dos investimentos da Secretaria de Promoção Social para o ano de

2014 justificam a noção de que essas ações assistencialistas continuam a ser

perpetuadas, uma vez que 17 convênios foram assinados com entidades

socioassistenciais. Essas organizações socioassistenciais foram, comumente,

chefiadas por mulheres vinculadas à classe política e empresarial do município. O

primeiro damismo tem histórica determinação na política pública de assistência social,

mesmo a despeito de a cidade não ter um fundo de solidariedade instituído e de a

primeira dama não ter sido apontada para a Secretaria de Assistência Social.

A experiência da pesquisadora como assistente social, no período de 2007 a

2012, em particular, no CRAS/Oeste15, revela dados sobre o processo de implantação

15

O município possui quatro Centros de Referência de Assistência Social, denominados de CRAS/Centro, CRAS/Leste, CRAS/Oeste e CRAS/Sul.

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dos CRAS. Nesse primeiro momento, a gestora municipal era uma assistente social que

primava pela implementação das normativas e diretrizes do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS). Sua gestão foi marcada pelo esforço em materializar a

instalação física adequada aos quatro CRAS e pela garantia das equipes mínimas,

estipuladas pela NOB\RH 2006 do SUAS.

Os espaços físicos de três CRAS foram construídos no decorrer do ano de 2007,

conforme o estabelecido pela Política Nacional de Assistência Social. No entanto, a

instalação física do CRAS/Oeste não estava adequada às diretrizes da nova política

nacional de assistência social: um problema não resolvido naquela gestão, pela

dificuldade de encontrar um imóvel adequado na região. Aventou-se a implantação em

uma das casas da prefeitura em concordância com os requisitos, cuja liberação só se

efetivou no ano de 2012, na ocasião de outra gestão. Passaram-se cinco anos de

trâmites burocráticos para que o CRAS/Oeste se adequasse a nova Política Nacional

de Assistência Social.

No que concerne à garantia da equipe mínima, estabelecida pela NOB/RH

SUAS-200616, ela não se concretizou. Houve, todavia, um expressivo esforço em

consolidá-la por parte da Secretaria Municipal de Promoção Social de Poços de Caldas

na gestão de 2004 -2008, como indica a tabela seguinte:

Tabela 5 – Formação de equipes mínimas nos CRAS de Poços de Caldas

(MG) entre os anos de 2004 e 2008

Profissionais

Quantidade

CRAS/

Centro

Quantidade

CRAS/

Leste

Quantidade

CRAS/

Oeste

Quantidade

CRAS/ Sul

Assistente Social 2 2 2 2

Auxiliar Administrativo - 1 - 1

16

A NOB/RH-2006 estabelece como equipe mínima de um CRAS de grande porte, caso do equipamento social de Poços de Caldas, os seguintes funcionários: 4 técnicos de nível superior, sendo 2 assistentes sociais, 1 psicólogo e 1 profissional que compõe o SUAS; 4 técnicos de nível médio.

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Auxiliar de Limpeza 1 1 - 1

Estagiário 2 2 2 2

Psicólogo - 1 - 1

Fonte: Elaboração própria a partir de informações da Secretaria.

É relevante atentar-se para o fato de que os assistentes sociais, bem como os

auxiliares de limpeza e administrativos são parte do quadro de funcionários com vínculo

efetivo na Prefeitura de Poços de Caldas. A contratação dos psicólogos é diferente,

pois foram admitidos por meio de contratos de trabalho temporários e renováveis por

até dois anos.

A maior dificuldade enfrentada pela gestão poços caldense, entre os anos de

2004 e 2008, na consolidação das equipes mínimas dos CRAS, tratou-se da não

autorização do governo municipal para a realização de concurso público. O vínculo

efetivo dos trabalhadores do SUAS garante a continuidade dos serviços

socioassistenciais, que, por sua vez, se encontrava devidamente prevista pela nova

política de assistência social.

Dificuldades como essas são oriundas, essencialmente, das transformações

contemporâneas no mundo do trabalho. Ao sistema capitalista convém a flexibilização

dos contratos de trabalho, já que a acumulação é ampliada no advento de um novo

modo de produção (ANTUNES, 2011). A flexibilização possui como característica

central a terceirização e precarização nos vínculos trabalhistas. Diante disso, diminuem-

se, bruscamente, os números empregos formais e aumentam-se, substancialmente, os

postos de trabalhos informais, como ocorreu na forma com as quais as contratações de

psicólogos ocorreram em Poços de Caldas. A flexibilização promove retrocessos aos

avanços conquistados pelas lutas dos trabalhadores organizados por melhores

condições de trabalho, com a Consolidação das Leis Trabalhistas.

Nas eleições municipais do ano de 2008, um novo prefeito foi eleito e por ele foi

apontada uma nova gestora da assistência social poços caldense. Ela possuía

graduação em Direito. No momento de sua nomeação, ela revelou que não tinha

proximidade com a nova Política Nacional de Assistência Social, mas comprometeu-se

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em familiarizar-se com as diretrizes. Deu-se, no transcorrer de sua gestão, especial

atenção à participação popular. Observou-se também preocupações com a implantação

do SUAS, algo que norteou sua conscientização acerca da importância dos Centros de

Referência de Assistência Social (CRAS) para a assistência social brasileira. A nova

secretária optou por dar continuidade aos compromissos assumidos pela gestão

anterior, no que dizia respeito à garantia da equipe mínima sugerida pela NOB/RH

SUAS de 2006 para os quatro equipamentos sociais do município e à solução da

problemática da estrutura física do CRAS/Oeste.

Apesar de não ter conseguido viabilizar o concurso público para a assistência

social de Poços de Caldas, essa gestão instituiu as equipes mínimas em sua totalidade.

Os psicólogos e os educadores sociais (profissionais de ensino médio) foram, no

entanto, contratados de modo terceirizado, ou seja, por tempo determinado. Admitiram-

se, também, alguns assistentes sociais por períodos temporários de trabalho. Em

relação ao espaço físico inadequado do CRAS/Oeste, teve-se uma resolução no ano de

2012, quando finalmente o imóvel da prefeitura foi disponibilizado para a implantação

desse equipamento social.

O cotidiano dos serviços socioeducativos dos CRAS em Poços de Caldas será

retratado aqui de maneira sucinta e contextualizante. Como determinado pelas

normativas do Ministério de Desenvolvimento de Social e Combate à fome (MDS), os

CRAS de Poços de Caldas fica aberto ao público de segunda-feira à sexta-feira das

08:00hs às 17:00hs. Há sempre um profissional da Psicologia ou do Serviço Social em

horário de funcionamento dos CRAS disponível para os atendimentos emergenciais.

Nesse cenário, a rotina dos profissionais da Psicologia e do Serviço Social consiste,

essencialmente, no acompanhamento familiar e nos serviços socioeducativos. Todas as

atividades socioeducativas são desenvolvidas no espaço físico do próprio CRAS, a não

ser quando os grupos são deslocados a outros lugares a fim de realizarem alguma ação

esporádica, como, por exemplo, as gincanas culturais com os adolescentes que

acontecem no parque municipal da cidade.

Os grupos que compõem os CRAS de Poços de Caldas são desenvolvidos com

adolescentes, idosos e mulheres. Cada equipamento social é composto de três grupos

de adolescentes, dois de mulheres e um de idosos, coordenado sempre por um

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profissional da Psicologia ou do Serviço Social. Conta-se, ainda, com outro profissional

de nível superior (assistente social ou psicólogo), um educador social e um estagiário.

Os grupos são constituídos de no mínimo vinte e de no máximo quarenta participantes.

Cada grupo socioeducativo possui suas particularidades. O grupo dos

adolescentes reúne-se quatro dias da semana. Enquanto idosos encontram-se uma vez

por semana, as mulheres encontram-se também uma vez na semana. As temáticas

também variam de acordo com as demandas de cada coletivo.

Os serviços socioeducativos para famílias são encontros periódicos organizados segundo planejamento prévio e metas a serem cumpridas, de modo a desenhar um percurso, com um conjunto de famílias agregadas em grupos, por meio de algum de seus membros que assume o papel de responsável. Esse serviço objetiva incentivar as famílias a discutir e refletir sobre as situações vivenciadas e interesses comuns que se referem à função protetiva das famílias, os direitos que as famílias e seus membros possuem, os meios de acessá-los e demais temáticas que possam fortalecer os vínculos familiares e comunitários. São exemplos de temáticas a serem abordadas: Direito à renda e direitos sociais. (MDS, 2013b, pp. 01-02).

No sentido de discutir ações que promovam a consolidação da direção coletiva

nos serviços sociais e que se apresentem como um mecanismo de fortalecimento do

protagonismo dos usuários na construção da assistência social brasileira far-se-á, no

seguinte capítulo, um aprofundamento sobre o trabalho profissional do assistente social

no Sistema Único de Assistência Social.

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CAPÍTULO II - O TRABALHO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NA PNAS:

CONTRIBUIÇÕES PARA O FORTALECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO

2.1. O Serviço Social na Divisão Sociotécnica do Trabalho

As atividades profissionais do assistente social estão inseridas na reprodução

das relações sociais capitalistas. Assim, fazem parte dos trabalhadores coletivos da

sociedade e, dessa forma, encontram-se submetidos às amarras do trabalho

assalariado. É por essa razão que problematizar a inserção do Serviço Social na

reprodução das relações capitalistas é importante a este trabalho de identificação de

quais são as contribuições do trabalho profissional dos assistentes sociais inseridos nos

serviços socioeducativos dos CRAS de Poços de Caldas, no que concerne ao

fortalecimento, estímulo e consolidação de processos participativos dos usuários em

espaços decisórios.

De acordo com Iamamoto e Carvalho (1998, p.38), o significado social da

profissão define-se como “um dos elementos que participa da reprodução das relações

sociais de classes e do relacionamento contraditório entre elas”, e suas implicações

sociais conformam as condições do exercício profissional do assistente social na

sociedade capitalista, estabelecendo os eixos que caracterizam a participação do

Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais, na perspectiva do

capital e do trabalho. Isso supõe que o assistente social deve, em sua diretriz de

trabalho:

Considerar a profissão sob dois ângulos, não dissociáveis entre si, como duas expressões do mesmo fenômeno: como realidade vivida e representada na e pela consciência de seus agentes profissionais expressa pelo discurso teórico-ideológico sobre o exercício profissional como atividade socialmente determinada pelas circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à prática profissional, o que condiciona e mesmo ultrapassa a vontade e\ou consciência de seus agentes individuais. (Ibid., p.73).

A intervenção do assistente social não é estanque, a despeito de o Serviço

Social ser uma profissão situada na divisão social do trabalho, de ser partícipe do

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processo de produção e reprodução das relações sociais e de ter sua atividade voltada

ao auxílio do controle social e da difusão da ideologia dominante junto à classe

trabalhadora. No cotidiano da atuação profissão, são criadas estratégias de

favorecimento da população atendida, por intermédio de uma opção política voltada aos

interesses dos trabalhadores. Essas alternativas são experimentadas no “face a face”

com os usuários dos seus serviços, na apreensão do cotidiano dessa população e na

conscientização do conflito entre as classes.

O Serviço Social surgiu no Brasil na década de 1930, dentro de uma ordem

societária determinada pela hegemonia do capital industrial e serviu como mecanismo

de dominação e exploração, reforçando as contradições que compõem o sistema

capitalista. (IAMAMOTO e CARVALHO, 1998). O assistente social foi concebido como

um profissional especializado para lidar com as diversas manifestações da questão

social17. Ao inserir-se na relação de compra e venda, a força de trabalho do assistente

social foi mercantilizada, ocorrendo um processo de ruptura entre a atividade desejada

e às necessidades de reprodução desse trabalhador especializado.

O Estado nos anos de 1930 passou a intervir diretamente nas relações entre o

empresariado e a classe trabalhadora, gerindo a organização e prestação dos serviços

sociais como um novo tipo de enfrentamento da questão social. A atuação dos

assistentes sociais esteve, neste primeiro momento, direcionada à adequação e ao

controle da força de trabalho de seus usuários. Com a institucionalização do Serviço

Social brasileiro, a partir dos anos 1950, a profissão inseriu-se na divisão social do

trabalho em estreita ligação com o crescimento das grandes instituições na oferta de

serviços sociais e assistenciais, geridas ou subsidiadas pelo Estado, com a finalidade

de viabilizar a expansão do mercado de trabalho para estes trabalhadores

especializados (IAMAMOTO e CARVALHO, 1998). Como afirmou Yazbek (2009, p. 06),

a “institucionalização do Serviço Social, de uma forma geral, nos países

17

Entende-se nesse trabalho que a questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo o seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre proletariado e a burguesia, que passou a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e prestação de serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social. (IAMAMOTO e CARVALHO, 1998, p. 77).

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industrializados, está associada à progressiva intervenção do Estado nos processos de

regulação social”.

Os serviços sociais, lócus privilegiado de atuação do Serviço Social no seu

processo de institucionalização, são apresentados à classe trabalhadora, pelo Estado

e/ou por empresas privadas, como expressão humanitária. Eles, porém, nada mais são

do que parcela de um valor criado pelos próprios trabalhadores, sendo usados pelo

capital como uma forma de controle da classe explorada (IAMAMOTO e CARVALHO,

1998). Eles não são, enfim, apenas um constructo de sua categoria profissional, mas

também um constructo da sociedade, sendo, por esse motivo, fundamental que o

assistente social faça:

[...] a reflexão de seu papel profissional numa dimensão eminentemente política, estando em jogo o sentido social da atividade desse agente. Coloca de frente indagações como: a quem vem efetivamente servindo esse profissional, que interesse reproduz, quais as possibilidades de estar a serviço dos setores majoritários da população. (Ibid., p. 88).

O agente profissional deve ser partícipe dos seus processos de trabalho. O

assistente social, dependendo da sua opção política, será um mediador dos interesses

do capital ou dos interesses do trabalhador nos confrontos em que se efetivam a ação

profissional do Serviço Social. Ele orientará sua atuação para os fins de adequação da

força de trabalho aos interesses da burguesia, ou pautará sua atividade na defesa de

um projeto político alternativo de apoio e assessoramento ao trabalhador. Essa

dualidade faz com que seja essencial que se tenha um entendimento teórico, histórico e

político das implicações de sua atuação profissional.

Partindo da suposição de que o exercício técnico profissional está subordinado

às suas consequências políticas, é possível entrever um maior controle dessas

consequências quando o profissional reconhece a própria subordinação e a dimensão

política dessa ação. Trata-se, eminentemente, de uma reflexão sobre o caráter político

do trabalho profissional enquanto condição ao estabelecimento de uma estratégia

teórico-prática, que viabilize, dentro de uma perspectiva histórica, a alteração do caráter

de classe da legitimidade desse exercício profissional (IAMAMOTO e CARVALHO,

1998).

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De acordo com Netto (1998), o Serviço Social historicamente vinculou sua ação

profissional às demandas que lhes foram colocadas. Diante das transformações sociais

e do desprestígio do Serviço Social “tradicional”, três vertentes profissionais surgiram. A

perspectiva modernizadora foi formulada na segunda metade dos anos de 1960, e

buscava fazer do Serviço Social um instrumento de intervenção de técnicas sociais

voltadas à garantia do desenvolvimento capitalista (Id., 1998). No auge de sua

formulação, grande parte da categoria vinculou-se à ela. Uma segunda vertente foi

denominada de reatualização do conservadorismo, perspectiva legatária de

características que conferem à profissão o traço “microscópico de intervenção”.

Buscando por sua própria reatualização, porém por matrizes intelectuais mais

sofisticadas, ela obteve significativa adesão profissional ao remeter o Serviço Social ao

circuito da ajuda psicossocial, subjetivando os problemas sociais e resgatando sua

vinculação com os valores da Igreja Católica. A intenção de ruptura, a terceira vertente

teórica, assim nominada por Netto (1998), tomou forma na elaboração de quadros

docentes e profissionais, cuja formação se dera nas vésperas do golpe militar.

A ruptura com o tradicionalismo, traço central da intenção de ruptura, foi o que

diferiu, substancialmente, essa corrente da perspectiva modernizadoras e da de

reatualização do conservadorismo. A intenção de ruptura possuía um caráter

ineliminável: o de oposição ao capital em defesa intransigente da classe trabalhadora.

Essa linha de recusa ao Serviço Social “tradicional” recebeu considerável influência do

movimento de reconceituação ocorrido na América Latina, e fez, progressivamente, uso

da tradição marxista. A quantidade de adeptos à ela aumentou à medida que a

perspectiva modernizadora e de reatualização do conservadorismo foram sendo

abandonadas (NETTO, 1998).

A intenção de ruptura foi a expressão, no plano do Serviço Social, das

tendências mais democráticas da sociedade brasileira, oriundas nos anos 1970. Foi na

particular relação da vertente da intenção de ruptura com um bloco sociopolítico

definido (classe trabalhadora) que se forjou o caráter político desta vertente. Algo que

inexistia nas vertentes modernizadora e na atualização do conservadorismo, visto que

essas, ao contrário, preferiam escamotear suas vinculações sociopolíticas (Id., 1998).

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A consolidação da defesa dos interesses da classe trabalhadora fez com que o

Serviço Social iniciasse a construção de seu Projeto Ético Político. O marco político

desse processo foi o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), realizado

na cidade de São Paulo, no ano de 1979. A época, a vanguarda profissional da época

articulou-se para consagrar o compromisso dessa profissão com a classe trabalhadora.

A consubstanciação do Projeto Ético Político da profissão, todavia, só viria a ocorrer em

1990, com o advento do Código de Ética de 1993. Fundamentado pela teoria marxista,

esse documento foi emblemático das transformações sofridas pelo Serviço Social até

então. FONTE

A ética e os valores dos assistentes sociais são produtos da práxis humana

(BARROCO, 2012). Esses são, em outras palavras, construídos por mediações que os

homens desenvolvem em seu processo de trabalho. O código profissional é a

materialização das determinações da prática do ser social. A década de 1990 foi

marcada por conquistas substanciais à categoria profissional dos assistentes sociais

que tiveram como decorrência a elaboração do Projeto Ético Político (PEP) do Serviço

Social, e é nesse sentido que:

O processo de construção do PEP é marcado por um desenvolvimento fantástico da capacidade intelectual da profissão: é evidente o seu amadurecimento no campo da pesquisa, da produção teórica, da interlocução crítica com outras áreas do conhecimento. Esse acúmulo permitiu avanços significativos na formação profissional por meio das reformulações curriculares (ABEPSS, 1983-1996) e do direcionamento social dos cursos de Serviço Social, colocando no mercado de trabalho gerações de profissionais competentes e afinados com os pressupostos da ética profissional. (Id., 2012, p.99).

Expressões do PEP podem ser encontradas na implantação de novo currículo

mínimo para o curso, na aprovação de um novo código de ética profissional e de uma

nova regulamentação profissional - frutos de um amplo debate iniciado pela categoria e

estendido por suas entidades -, no Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), no

Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) e na Associação Brasileira de Ensino e

Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS).

O Serviço Social é uma especialidade profissional que tem nas expressões da

questão social sua matéria-prima para a realização de suas atividades. A profissão

organizou-se e consolidou-se em uma conjuntura sócio-histórica de agravamento dessa

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mesma questão, um processo resultante de exigências impostas pelo modo produtivo

em voga. É necessário, pois, discutir as transformações do mundo do trabalho, a fim de

delinear seus reflexos no desenvolvimento da questão social.

Conformou-se no fordismo o trabalhador a atividades compartimentalizadas,

serializadas e repetitivas, vez que essas técnicas haviam comprovado sua eficácia para

o aumento do lucro e para a produção em massa. Sua crise, na década de 80, fez com

que uma nova sistemática surgisse enquanto alternativa à superprodução, o principal

fator de seu declínio. O modelo japonês, denominado de toyotismo, primava pela

flexibilização produtiva:

O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são flexibilizados, de modo a adotar o capital do instrumental necessário para adequar-se à sua nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento manipulatório, próprio da sociabilidade moldada contemporaneamente pelo sistema produtor de mercadorias. (ANTUNES, 2011, p. 24)

Enquanto uma resposta do capital a mais uma de suas crises emerge o

toyotismo. Ele manteve, em sua essência, a redução dos trabalhadores a um número

mínimo, numa lógica de diminuição do tempo de trabalho necessário, em contrapartida,

do aumento do trabalho excedente, ou seja, do aumento das horas extras. Os principais

reflexos da flexibilização toyotista, segundo Antunes (2011), foram: o aumento do

trabalho feminino e infantil, a exclusão de jovens e velhos do mercado de trabalho, o

desemprego em massa, o trabalho precário – terceirizado e o esvaziamento dos direitos

sociais. Destacam-se, ainda, o encolhimento dos gastos públicos e uma retração do

Welfare State, em detrimento do avanço do neoliberalismo.

Pode-se afirmar que, a partir dos anos 1990, a questão social se apresenta, em

um contexto de expansão mundial do neoliberalismo, configurando um fenômeno novo

para o Serviço Social. Está-se defronte de um processo de heterogeneização,

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complexificação e fragmentação da classe-que-vive-do-trabalho18, em o capital é

extraído, cada vez, do sobre trabalho em tempo cada vez mais reduzido (ANTUNES,

2011). O neoliberalismo tem se expressado em reduções de investimentos públicos e

na expansão do setor privado. De um lado, houve um grande salto nas áreas da

tecnologia, automação, robótica e microeletrônica, invadindo o universo fabril, e

reduzindo, consideravelmente, o número dos trabalhadores fabris e industriais (Id.,

2011); de outro, a reestruturação produtiva, a internacionalização da economia e o

Estado mínimo, entre outros, modificaram significantemente o universo do trabalho, o

que gerou um aprofundamento da fome, da desigualdade social, da injustiça e do

desemprego.

A categoria profissional enfrenta novas manifestações da questão social, vez que

o mundo do trabalho também se manifesta de maneira inédita. Foram extensivas e

substanciais as transformações do início do século XXI que atingiram não apenas a

materialidade da classe- que- vive- do- trabalho, mas que afetaram também a

subjetividade dos sujeitos, mudando sua forma de ser (ANTUNES, 2011). Diante deste

contexto de expansão do modo capitalista, estruturado no processo de financeirização

do capital, Iamamoto (2010), torna-se imprescindível que o assistente social desenvolva

novas habilidades e competências capazes de possibilitar a construção de mediações

direcionadas à apreensão das várias expressões que assumem as desigualdades

sociais e à elaboração de formas de resistências nas relações sociais em que o Serviço

Social encontra-se inserido (IAMAMOTO, 2010).

Nessa conjuntura de tensão entre a defesa dos direitos universais e a

mercantilização do atendimento às necessidades sociais, faz-se necessário pensar na

18

Antunes (2009, p.03) defende a ideia de que a atual classe trabalhadora tornou-se em contexto contemporâneo muito ampliada e então a denominou de classe-que-vive-do-trabalho, já que: [...] uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo proletariado dos McDonald’s, os trabalhadores hifenizados de que falou Beynon, os trabalhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou Juan José Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores empregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase de expansão do desemprego estrutural.

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afirmação da primazia do Estado, enquanto uma instância fundamental à sua

universalização, na condução de políticas públicas (Id., 2010). Supõe-se, portanto, que

se deva politizar o trabalho profissional do assistente social, considerando a gestão

como arena de interesses que devem ser reconhecidos e negociados. As condições de

trabalho e relações sociais, em que se encontram inscritos os assistentes sociais, são,

por essa razão, indissociáveis da contrarreforma do Estado.

Segundo Raichelis (2011, p.17), o processo de reestruturação produtiva, que

prima pela intensificação, precarização e terceirização do trabalho, produz, no âmbito

do Serviço Social, uma “subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais

por parte de empresas de serviços ou de assessoria”, na prestação de serviços aos

governos e organizações não governamentais, “acenando para o exercício profissional

privado (autônomo), temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de

gestão das políticas sociais”. Essa fragilização das lutas coletivas na sociedade coloca

o assistente social defronte à difícil tarefa de estimular a participação popular,

posicionando-se contrariamente à lógica do individualismo e do sucateamento das

instituições públicas e à ideologia dominante.

Constata-se o crescimento de um tipo de demanda dirigida aos assistentes

sociais em diferentes áreas que afasta o profissional do trabalho direto com a

população, já que são atividades prejudicadas pela dificuldade de se estabelecerem

relações continuadas (RAICHELIS, 2013). Um exemplo dessa nova demanda consiste

no “preenchimento de formulários e cadastros da população” que, quando são

realizados de maneira burocrática e repetitiva, não produzem o conhecimento e a

reflexão necessários sobre os dados e o trabalho realizado. Tarefas como essa, de

acordo com Raichelis (2013, p.16), dizem respeito a uma dinâmica institucional que “vai

transformando insidiosamente a própria natureza do Serviço Social, sua episteme de

profissão relacional”, já que fragiliza o trabalho direto com a população “em processos

de mobilização e organização, e o desenvolvimento de trabalho socioeducativo numa

perspectiva emancipatória”.

Não são apenas as mudanças ocorridas nas dimensões objetivas do fazer

profissional que importam aos assistentes sociais, mas também a consideração das

dimensões subjetivas desse processo. É essencial a identificação do “modo pelo qual o

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profissional incorpora na sua consciência o significado do seu trabalho, as

representações que faz da profissão as justificativas que orientam a direção social que

imprime ao seu exercício profissional” (Id., 2011, p.03). O assistente social deve

desenvolver:

Muito mais do que apenas a realização de rotinas institucionais, cumprimento de tarefas burocráticas ou a simples reiteração do instituído. Envolve o assistente social como intelectual capaz de realizar a apreensão crítica da realidade e do trabalho no contexto dos interesses sociais e da correlação de forças políticas que o tencionam; a construção de estratégias coletivas e de alianças políticas que possam reforçar direitos nas diferentes áreas de atuação (Saúde, Previdência, Assistência Social, Judiciário, organizações empresariais, ONGs, etc.) na perspectiva de ampliar o protagonismo das classes subalternas na esfera pública. (Id., 2009, p.428)

Nesse sentido, Iamamoto (2011, p. 427) salienta o imperativo de que o Serviço

Social deve “reassumir o trabalho de base, mobilização e organização popular,

organicamente integrado aos movimentos sociais e instâncias de organização política

de segmentos e grupos sociais subalternos”, o que parece ter sido “submerso do

debate profissional”, a partir da década de 1990. Esses mecanismos supõem um

trabalho profissional mediador que vislumbre direções coletivas, capazes de suscitar

nos usuários a importância e a necessidade de sua organização, indo além das

respostas profissionais exigidas pelas demandas instituídas.

Apreender que o assistente social é parte dos trabalhadores coletivos da

sociedade implica também em compreender que esse profissional passa a atuar na

operação de políticas sociais cada vez mais seletivas, com poucos recursos e uma

demanda exponencial em crescimento constante. O mercado de trabalho para essa

profissão, assim como para todas as demais, sofreu fortes impactos tanto no que diz

respeito à redução de contratação, quanto ao que concerne o aumento dos vínculos

trabalhistas precários.

A criação e a efetivação do SUAS, com sua proposta de implantação dos CRAS,

vêm indicando, todavia, possibilidades de partilha do poder local, de estímulo ao

protagonismo dos sujeitos e de elevação dos níveis de participação. A nova política

pública de assistência social brasileira define a retomada do trabalho de base junto à

população com vistas a ampliação e radicalização da democracia.

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Não se pode, contudo, se furtar desta indagação: a PNAS tem conseguido

garantir, aos trabalhadores dos serviços socioeducativos e, especificamente, os

assistentes sociais, mecanismos que possibilitem o desenvolvimento de um trabalho

social na direção coletiva, possibilitando aos usuários dos CRAS ações que possam

promover a participação dessa população na construção e efetivação de direitos sociais

ampliados, e inserindo-se, de fato, na luta pela distribuição da riqueza socialmente

produzida e pelo protagonismo na construção da política de assistência social?

2.2. O Trabalho do Assistente Social na Política Nacional de Assistência Social

A Política Nacional de Assistência Social de 2004 configura um campo de

atuação para os profissionais de Serviço Social. Sua conformação na perspectiva do

direito instituiu inúmeras mudanças não só na forma, mas também no conteúdo de suas

proposições. Busca-se aqui a apreensão das substanciais inovações desse paradigma,

sobretudo a partir da implantação do SUAS e o entendimento de quais são as inflexões

no trabalho profissional dos assistentes sociais inseridos nos serviços socioeducativos

dos CRAS.

Dar-se-á enfoque às suas contribuições para o fortalecimento, para o estímulo e

para a consolidação de processos participativos dos usuários da assistência social em

espaços de decisões das políticas públicas e também da sociedade em que vivem.

Essa reflexão será articulada às entrevistas de campo realizadas com as quatro

assistentes sociais trabalhadoras dos CRAS do município de Poços de Caldas e às

considerações destas acerca de suas atuações profissionais nos serviços

socioeducativos desenvolvidos no PAIF.

O trabalho profissional do assistente social não pode ser pensado deslocado da

totalidade histórica da sociedade em que pertence. Ele deve, como já foi visto, ser

discutido à luz das diversas manifestações que o capital assume em tempos de

financeirização. Nessa conjuntura, o Estado brasileiro configura-se em grande

potencializador dos interesses burgueses. O mercado exerce também forte influência

nesse contexto, pois ele passa a ser o órgão supremo das relações sociais,

prevalecendo à lógica do indivíduo produtor, impulsionado a competição e ao

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individualismo e desarticulado de formas de luta e negociação coletiva (IAMAMOTO,

2009).

É importante, por essa razão, realizar um breve apontamento acerca da radical

contenção nos gastos com o social que sempre estiveram presentes nas crises do

sistema capitalista, uma vez que é “na ocorrência de crise do capital, uma das primeiras

contenções é a introdução de medidas de arrocho nas atenções de proteção social ou

no sistema de proteção social”. (SPOSATI, 2013, p. 04). As barreiras impostas pelo

sistema do capital, no que diz respeito a “universalização da proteção social” como um

direito, devem ser entendidas, como “possibilidade de “ocupação profissional de

resistência ético‑política” pela possibilidade que contém para articulação de Direitos

humanos e sociais e espaço de reconhecimento de cidadania”. (Ibid., p. 05).

Em razão de sua extensiva abrangência, o SUAS necessita de novas maneiras

de regular, organizar e gerenciar o trabalho. É devida a exigência, por meio de

diretrizes de normativas, de um aumento no número dos trabalhadores com vínculos

formais enquanto condição essencial nos contratos empregatícios, bem como nos

processos continuados de formação e qualificação, de definição de cargos e de

carreiras e remuneração compatível.

A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS, aprovada no ano

de 2006, e sua nova forma de implantar a gestão do trabalho condizem com uma

inovadora estratégia para a efetivação desse sistema único. Ela constituiu um avanço

no processo de profissionalização da PNAS 2004, por buscar a ruptura com a

subalternação histórica dos seus agentes - originária da maneira como as políticas

sociais foram construídas no país.

Entre as diretrizes assentadas na NOB-RH de 2006, destacam-se aqueles

oportunos ao presente trabalho: o estabelecimento das equipes de referência, a

promoção da política nacional de capacitação, a elaboração de planos de carreira, a

instituição de uma política de cargos e salários (PCCS) e o cofinanciamento da gestão

do trabalho. Ao definir as equipes de referência19 dos equipamentos sociais ofertados

19

Equipes de referência são aquelas constituídas por servidores efetivos responsáveis pela organização e oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, levando-se em consideração o número de famílias e indivíduos referenciados, o tipo de atendimento e as aquisições que devem ser garantidas aos usuários. (MDS, 2006, p. 27).

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pelo SUAS, essa normativa garantiu, minimamente, um número de profissionais nesses

espaços, e, desta forma, impediu que os Centros de Referência de Assistência Social

(CRAS) tivessem suas equipes formadas exclusivamente pelo viés das gestões

municipais.

Muitos municípios, todavia, vem adotando formas de contratação que geralmente

se vinculam através de terceirização, na maioria das vezes com contratos temporários,

dificultando em demasia a continuidade das ações, dos projetos e dos serviços

socioassistenciais desenvolvidos pela política de assistência social brasileira. Essas

municipalidades estão em desacordo com os preceitos constitucionais do artigo 37,

inciso II da Constituição Federal, que dispõe que investidura em cargo ou emprego

público depende de prévia aprovação em concurso público.

A Política Nacional de Educação Permanente do SUAS (PNEP/SUAS) foi

aprovada no ano de 2011. A PNEP/SUAS objetivou responder “às demandas por

qualificação do provimento dos serviços socioassistenciais, da gestão e do controle

social do SUAS [...] e fazer a formação de pessoas para e pelo trabalho, visando a

emancipação dos trabalhadores e usuários desse sistema.” (MDS, 2011b, p. 02).

No que concerne aos Planos de Carreira e à Política de Cargos e Salários

(PCCS) a NOB-RH de 2006 representou um avanço. Ela serviu para a garantia dos

seguintes princípios aos trabalhadores da assistência social brasileira:

Universalidade dos PCCS, equivalência dos cargos ou empregos, concurso público como forma de acesso à carreira, mobilidade do trabalhador, adequação funcional, gestão partilhada de carreiras, PCCS como instrumento de gestão, educação permanente e compromisso solidário. (MDS, 2006, p.49).

É inegável que o cofinanciamento da gestão do trabalho trata-se de um avanço

aos trabalhadores do SUAS. Ao transferir parte do ônus orçamentário com recursos

humanos para o ente federal, as três esferas de governo passaram a compartilhar esse

compromisso. O ingresso da União reforçou a atuação dos estados e dos municípios.

Não se deve desconsiderar que o ingresso do governo federal trouxe consigo a

problemática da reestruturação produtiva. Seu efeito foi significativo na destinação de

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investimentos e na alocação dos gastos públicos. Este contexto social, econômico e

político mais amplo afetou o cofinanciamento da gestão de trabalho no SUAS.

Transcorridos quase dez anos de implantação do SUAS, ainda são inúmeros os

desafios, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelos assistentes sociais em seu

cotidiano profissional na política pública de assistência social. Nas narrativas seguintes,

evidenciam-se algumas das problemáticas que se originam na gestão e que somente

nela poderão ser solucionadas:

Penso que os gestores têm percebido a importância de investir nos trabalhadores. Mas acredito que falta mais incentivo do tipo: um melhor salário, capacitações voltadas para o fazer do assistente social no trabalho com família, mais suporte técnico. (ASSISTENTE SOCIAL 1).

Outra entrevistada, assistente social 2, confirma a existência de capacitações,

mas nos informa que estas encontram-se restritas ao desenvolvimento de

procedimentos e de metodologias. Ela esclarece que não fazia parte do público-alvo

dessa atividade: “para os assistentes sociais, até o momento, não teve”. (ASSISTENTE

SOCIAL 2).

Ambas as falas são reveladoras de duas questões centrais: os baixos salários da

categoria profissional e a maneira pela qual as capacitações têm sido oferecidas. A

ausência de um piso salarial aos assistentes sociais reflete uma recorrente

preocupação. Essa lacuna permite que editais de concursos públicos, a exemplo,

ofereçam o valor de um salário mínimo ao assistente social aprovado. Esta é uma

evidência de que a NOB-RH não tem se efetivado em relação ao seu plano salarial.

Pouco abrangentes e inclusivas têm se mostrado, também, as capacitações, realizadas

em Poços de Caldas, sugeridas pela política permanente de educação. Elas não têm

sido efetivas na contribuição para o aprimoramento dos assistentes sociais no trabalho

social com as famílias e indivíduos inseridos nos CRAS.

Na tentativa de dar suporte à intervenção profissional do assistente social na

PNAS, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) elaborou o documento

Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social. Essa

publicação advertia o trabalhador do SUAS para o fato de que este não deveria pautar

a execução de suas atividades exclusivamente nas diretrizes institucionais, pois, dessa

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forma, estaria incorrendo o risco de restringir suas atividades à gestão da pobreza, de

abordar a questão social com viés moralizante e de tratar as necessidades sociais

como problemas e responsabilidades individuais e grupais (CFESS, 2007). O CFESS

foi categórico em sua afirmação de que essas execuções equivocadas da profissão

derivam da estrutura de um sistema social desigual, que separa a sociedade em duas

classes, e que determina a ausência e privação de direitos a uma delas. O assistente

social que desejasse atuar na política de assistência social deveria afastar-se das

abordagens tradicionais funcionalistas e pragmáticas, que reforçavam as práticas

conservadoras que percebem a situação social como um problema exclusivo do

indivíduo (Id., 2007).

Os Parâmetros para a Atuação dos Assistentes Sociais na Política de

Assistência Social definiram as competências exclusivas da categoria profissional no

âmbito da política pública de assistência social. Fundamentados em novas diretrizes

curriculares, interessa-nos três dimensões:

(1) Uma dimensão de intervenção coletiva junto a movimentos sociais, na perspectiva da socialização da informação, mobilização e organização popular, que tem como fundamento o reconhecimento e fortalecimento da classe trabalhadora como sujeito coletivo na luta pela ampliação dos direitos e responsabilização estatal; (2) Uma dimensão de intervenção profissional voltada para inserção nos espaços democráticos de controle social e construção de estratégias para fomentar a participação, reivindicação e defesa dos direitos pelos(a) usuários(as) e Conselhos, Conferências e Fóruns da Assistência Social e de outras políticas públicas; (3) Uma dimensão de gerenciamento, planejamento e execução direta de bens e serviços a indivíduos, famílias, grupos e coletividade, na perspectiva de fortalecimento da gestão democrática e participativa capaz de produzir, intersetorial e interdisciplinarmente, propostas que viabilizem e potencializem a gestão em favor dos(as) cidadãos(ãs). (CFESS, 2007, pp. 19-20).

A realização destas competências requer a aplicação de técnicas e instrumentos

adequados a cada situação social que o profissional enfrentar. Seu uso não deve

alinhar-se às perspectivas de integração social, de homogeneização social, de

psicologização dos atendimentos individuais ou das relações sociais; tampouco deve se

destinar ao fortalecimento de vivências e trocas afetivas em uma perspectiva

subjetivista (Id., 2007). Dessa maneira, é mister que o profissional:

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Saiba dominar as técnicas de trabalho. No entanto, há a necessidade de que supere a ênfase nos seus aspectos técnico-operativos, para entender e assumir também, com competência, a dimensão ético-política da profissão. Faz-se necessário apreender as tensões e pressões embutidas nas relações dos diferentes sujeitos políticos envolvidos durante o desenvolvimento do trabalho; é premente compreender a dimensão política do trabalho, a partir da apreensão das condições objetivas e da captura das condições subjetivas do território onde ele é desenvolvido, e também entender o jogo de vontades políticas dos diferentes grupos envolvidos, a correlação de forças e as alianças ou as incompatibilidades existentes. (ROSA, 2007, p. 90).

Para o enfrentamento de complexa empreitada, como a da materialização da

dimensão ético-política da profissão, supõe-se proeminente, à categoria dos assistentes

sociais, o fortalecimento da discussão acerca da direção política do trabalho na

construção de “processos interventivos que promovam protagonismos, particularmente

dos usuários, para o fortalecimento da cultura democrática e de direitos”. (RAICHELIS,

2010, p. 16).

Os parâmetros do CFESS para a atuação dos assistentes sociais revelaram um

esforço coletivo da categoria dos assistentes sociais, forneceram um aporte teórico-

metodológico contemplativo dos conhecimentos acumulados, na área de Serviço Social

e das suas relações com o estado e com a sociedade civil, e fundaram-se em princípios

éticos e políticos balizadores do comportamento profissional. Na condição de projeções

profissionais historicamente determinadas, eles foram, consequentemente,

representativos da “dimensão teleológica do trabalho do assistente social: a busca, por

parte da categoria, de imprimir nortes ao seu trabalho, afirmando-se como sujeito

profissional”. (IAMAMOTO, 2009, p. 410). A luta pela construção da política pública de

assistência social como um direito social e, prioritariamente, uma política “de forte

calibre humano” (SPOSATI, 2013, p.02), visando a participação dos seus usuários em

sua construção, é um somatório dos inúmeros esforços empreendidos por todos os

sujeitos sociais.

O tratamento burocrático entre os homens e as coisas produz, todavia,

distorções na autopercepção dos profissionais a ele expostos. Utilizada como

instrumento da burguesia para os fins de coesão entre as classes, a burocratização

imiscui-se no exercício profissional, passando a ser uma referência para a

autoidentificação de seus agentes (IAMAMOTO, 2009). Ela está evidente nos

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comportamentos de profissionais que são impassíveis à violência institucional

decorrente dos procedimentos burocráticos nocivos à cidadania. No depoimento a

seguir, tem-se um vislumbre do impacto que o processo de burocratização tem tido na

política de assistência social do município de Poços de Caldas:

O atendimento dos CRAS aos assistentes sociais ficou voltado para cadastro documental, no trabalho coletivo do PAIF em Poços o assistente social ficou de fora, pois está sendo realizado mais pela psicologia. Então, a Questão Social passa a ser uma patologia e a PNAS vai sendo executada de forma mecanizada

20.

Uma estratégia de promoção do protagonismo popular consiste em fomentar a

desburocratização das relações com os sujeitos que reivindicam direitos e serviços,

melhorando, assim, qualidade do atendimento. Em confronto com a prática

burocratizada adotada como estratégia do Estado neoliberal, Iamamoto (2009, p. 410)

defende “a socialização das informações” como uma das atividades fundamentais aos

assistentes sociais, já que estes trabalhadores possuem um “manancial de denúncias

sobre violação dos direitos humanos e sociais”. Um diálogo que não deve ser reduzido

a um mero “repasse de dados sobre as normas e recursos legais; é uma informação

transmitida na ótica do direito social” (Id., p.40), a fim de que os sujeitos sociais

envolvidos no processo tenham suas necessidades coletivas reconhecidas.

Por abranger um número maior de pessoas e, ainda, por ser um espaço profícuo

de expressão de interesses comuns e de compartilhamento de vivências, os trabalhos

desenvolvidos em grupo encerram em si uma significativa potencialidade de

transformação. A socialização de informações é um instrumento precioso ao trabalho

dos assistentes sociais inseridos nos serviços socioeducativos dos CRAS, pois

possibilita o estabelecimento de diálogos democráticos, reflexivos e críticos entre o

20

Não interessa ao presente trabalho aprofundar a discussão das atribuições específicas dos vários profissionais de nível superior que devem trabalhar na PNAS/2004. É importante, no entanto, o registro das inquietações compartilhadas pela maioria dos assistentes sociais da Secretaria de Promoção Social de Poços de Caldas. No transcorrer da pesquisa, o expresso desassossego, na fala das quatro assistentes sociais entrevistadas, ter-se-ia originado na troca de gestão ocorrida no início de 2013. As declarações convergiram na percepção de que a nova secretária, graduada em Psicologia, teria afastado os profissionais de Serviço Social dos serviços de fortalecimento de vínculos, por considerar que a Psicologia era uma área que melhor interviria nesses serviços. Os assistentes sociais teriam sido, ainda, afastados dos grupos que desenvolviam os trabalhos socioeducativos previstos na tipificação dos serviços socioassistenciais.

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entre o assistente social e os demandantes dessa política. Ela é o meio pelo qual

“procura-se tornar transparente ao sujeito que busca os serviços as reais implicações

de suas demandas - para além das aparências e dos dados imediatos -, assim como os

meios e condições de ter acesso aos direitos” (IAMAMOTO, 2009, p.421). Os serviços

socioeducativos são o objeto de estudo do presente trabalho, por que a socialização de

informações:

[...] extrapola uma abordagem com um foco exclusivamente individual – ainda

que, por vezes, realizada junto ao um único indivíduo – à medida que considera a realidade dos sujeitos como parte de uma coletividade. Impulsiona, assim, também, a integração de recursos sociais que forneçam uma retaguarda aos encaminhamentos sociais e a articulação do trabalho com as forças organizadas da sociedade civil, abrindo canais para a articulação do indivíduo com grupos e/ou entidades de representação, capazes de afirmar e negociar interesses comuns na esfera pública. (Id., p.421).

Para que ocorra a socialização das informações na esfera pública, é preciso a

compreensão de que o processo de publicização exige que todo o tecido social a ele

adira e que, como apontou Raichelis (1998), as correlações de forças políticas que

permitam que os conflitos se tornem visíveis e que os consensos sejam viabilizados. O

processo de publicização da esfera estatal encontra-se subordinado à criação de uma

ordem democrática que envolve a representação dos interesses coletivos na cena

pública, “de modo que possam ser confrontados e negociados, reconhecendo e

explicitando os conflitos presentes nas relações sociais capitalistas.” (IAMAMOTO,

2009, p.422).

A aliança entre os trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social, termo

cunhado por Iamamoto (2009) e Rizzotti (2011), merece destaque por seu declarado

intento de fomentar o fortalecimento dos sujeitos coletivos em sua busca por direitos

sociais. Seu eixo central fincou-se no estímulo e na consolidação da participação da

população demandante da Política Nacional de Assistência Social nos espaços

decisórios da sociedade.

A trilha da participação popular sinaliza a necessidade de abandonar as técnicas,

as perspectivas e os procedimentos que insistem em atravancar o cotidiano de

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65

operação do SUAS. Dessa forma, os assistentes sociais, precisam concentrar seus

esforços no sentido de fortalecer ações que viabilizem:

Adoção de postura democrática por parte dos profissionais e gestores, ampliando cada vez mais os espaços decisórios com a devida revisão dos modelos gerenciais pautados em resultados quantitativos e práticas disciplinares; Superação radical da condição de subalternidade dos usuários e o seu envolvimento em práticas e ações que contribuam para a compreensão de cidadão de direitos; Socialização de informações com tráfego\trânsito límpido honesto e contínuo, com a viabilização de espaços que permitam uma composição dialógica; Proposição de serviços na direção da coletivização das demandas e na sua articulação com as demais políticas sociais setoriais, assim como com os movimentos e organizações do espaço territorial; Reconhecimento e definição de estratégias diante das disputas de projetos políticos abrangentes e calcados em ideários contraditórios e antagônicos; Comprometimento radical com as lutas mais amplas na perspectiva de adensar os ideários que sustentam transformações societárias. (RIZZOTTI, 2011, pp. 81-

82).

O desafio posto ao Serviço Social é o de resgate das diretrizes profissionais

comprometidas com ações capazes de estimular os usuários da assistência social ao

conhecimento e reconhecimento do próprio SUAS. Dessa forma, será possível suscitar

neles a busca por uma política de direitos que superem os processos alienantes,

disciplinadores e subalternizados pelos quais foram historicamente submetidos

(YAZBEK, 1993). Mas qual seria, nesse sentido, o processo de articulação propício

para a articulação da categoria profissional com as forças progressistas da sociedade?

Um que subscrevesse as demandas da maioria da população nas esferas de decisões

políticas do país. Em outras palavras, aquele que expresse a democracia de base, cujo

elemento norteador seja a socialização da política, da economia e da cultura.

A pesquisa empírica empreendida para a realização deste trabalho de reflexão

sobre o lugar da participação popular no cotidiano dos serviços socioeducativos

desenvolvidos pelos assistentes sociais, inseridos nos CRAS de Poços de Caldas,

demonstra, contudo, um processo contrário, essencialmente atreladas aos momentos

de Conferências, de desmonte das ações voltadas ao fortalecimento da participação

dos usuários da assistência social:

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A participação sempre esteve muito vinculada às Conferências. E nas Conferências o momento mesmo de discussão fica para o final e quase sempre os usuários tem que ir embora. Nos grupos trabalhamos sobre Conferências e Conselhos, mas a verdade é que somos muito individualistas e isso dificulta à participação. (ASSISTENTE SOCIAL 2).

A participação popular aconteceria de maneira esporádica e incompleta no

município:

No que diz respeito à participação popular acho que está muito defasado, não acontece, o que acontece é de momento, vai ter uma conferência, alguma coisa aí pronto, vamos focar na participação, mas é uma coisa trabalhada naquele período no máximo uma ou duas semanas e depois não tem continuidade. (ASSISTENTE SOCIAL 4).

Não haveria diretrizes, segundo a assistente social 1, “para que se trabalhe a

participação popular de forma mais sistemática com os usuários da assistência social.

Os técnicos fazem pequenas ações de participação popular, tipo, orientações”. A

participação popular, na perspectiva da entrevistada 3, está sendo acessória a outras

atuações: “o trabalho é desenvolvido para o acompanhamento familiar, né? E essa

questão da participação popular realmente fica uma lacuna, infelizmente”. Sabe-se que,

no final da década de 1990 e início dos anos 2000, consolidou-se a primazia dos

Estados Nacionais com drásticas reduções nos gastos públicos na área social. Em

decorrência, os mecanismos de organização da classe-que-vive-do-trabalho foram

sucateados (ANTUNES, 2011). O PNAS/2004 foi impactado pelos perniciosos reflexos

do neoliberalismo nos países periféricos.

As narrativas das profissionais entrevistadas comprovam os efeitos do

neoliberalismo na política de assistência social poços caldense, essencialmente no que

tange ao desenvolvimento do trabalho social realizado nos CRAS, na direção do

protagonismo popular. A escuta fornecida às trabalhadoras assistentes sociais conduz

à conclusão de que a participação da população “não saiu do papel”. Embora seus

discursos expressem a presença de intenções e insuficientes movimentos de

concretização, os serviços não possuem um caráter contínuo e sistemático, sendo, por

conseguinte, efêmeros.

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Faz-se urgente, dessa forma, a articulação entre trabalhadores e usuários da

assistência social brasileira em busca de mecanismos capazes efetivar a participação

popular enquanto serviços. O direito ao protagonismo popular é o que essa nova

política traz de mais progressista, por visar o controle social, o protagonismo de seus

usuários em sua construção, mas, principalmente, por ser fim último do SUAS. Apenas

por intermédio da participação da população, será possível construir uma consciência

dos imperativos da coletivização e da politização das demandas e de caminhos para a

superação destas (RIZZOTTI, 2011).

Do compartilhamento do exercício profissional das entrevistadas, despontam-se

estratégias de melhoraria dos instrumentos participativos de seu próprio cotidiano de

trabalho. A assistente social 2 é categórica ao compartilhar sua visão de um manejo

abrangente e inventivo:

A estratégia é o trabalho cotidiano do assistente social. Iamamoto refere sobre o agente profissional criativo e também registra que essa intervenção deve ser realizada em grupo, coletivamente. A participação é despertada nos sujeitos quando existe mais de uma pessoa, sendo um ato coletivo. O verdadeiro sentido da participação é o grupo, pois participação popular sempre envolve mais pessoas. (ASSISTENTE SOCIAL 2)

Esta profissional sugere a formação de intervenções de longo prazo, mas aponta

o receio do uso político-ideológico:

Um trabalho socioeducativo de longo tempo, tendo como norte uma direção coletiva já é um ato de participação. Agora tenho uma questão: mesmo que a gestão coloque à participação popular como uma função da política, fico preocupada porque vai ter uma direção política, né? Dessa maneira, o assistente social não deve se deixar levar e resistir frente a isto, pois devemos garantir que os grupos tenham sua própria opinião política. (ASSISTENTE

SOCIAL 2).

No relato da assistente social 3 depreende-se que os mecanismos participativos

são eficazes em promover meios para a articulação política dos usuários fundamentada

em suas demandas comuns. A maneira com a qual o governo responde a esse

engajamento é, contraditoriamente, desarticulador da politização profissional dela

mesma:

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E às vezes também a gente fica até com receio porque você mobiliza um grupo pra determinada questão daquele bairro e aí sabe, como que você mobiliza, faz todo um trabalho né, tipo a questão da defasagem de habitação na zona leste, e aí você mobiliza todo mundo e será que teremos resposta do governo? Isso trava um pouco a gente também no âmbito de pensar coisas maiores. (ASSISTENTE SOCIAL 3).

Encontra-se patente, na maioria das falas singularizadas acima, o processo de

efemerização da participação popular nas ações realizadas pelos assistentes sociais

inseridos nos serviços socioeducativos dos CRAS da cidade de Poços de Caldas. Está

evidente, também, uma dissociação entre a práxis profissional e a práxis política, o que

acaba por contribuir aos demais fatores acachapantes não só da participação popular,

mas também da qualidade no exercício profissional, que foram por elas mesmas

apontados.

Diante desse quadro, cabe, aqui, indagar: (1) se a PNAS tem se efetivado

enquanto um mecanismo capaz de concretizar o direito dos usuários à participação

popular? (2) se os serviços socioeducativos são desenvolvidos visando a emancipação

social dos usuários? (3) se os assistentes sociais tem priorizado, em seu cotidiano

profissional, os espaços de discussões políticas com os usuários? (4) qual deveria ser o

conteúdo do trabalho social com famílias, sem que se incorrer os riscos da

disciplinarização dos usuários? (5) como seriam implementadas as direções

emancipatórias ao trabalho social dos CRAS? e (6) quais são as estratégias

profissionais que o assistente social faz uso para firmar a importância da participação

popular?

Não há, segundo as narrativas das trabalhadoras dos CRAS, incentivo para a

realização de capacitações próprias aos assistentes sociais inseridos no SUAS de

Poços de Caldas. O baixo salário recebido e a burocratização são queixas direcionadas

à gestão municipal do Serviço Social. No decorrer desta pesquisa, evidenciou-se que a

PNAS-2004 não tem sido efetiva em viabilizar, aos assistentes sociais alocados nos

CRAS de Poços de Caldas, o desenvolvimento de ações coletivas e processos

participativos contínuos nos serviços socioeducativos. As falas das entrevistadas

revelam ausência de mecanismos sistemáticos nesses equipamentos sociais, no

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tocante à participação dos usuários em tais espaços públicos, subjugando as práticas

participativas a um evento esporádico e de pouca relevância.

Mesmo com os significativos avanços na desconstrução do legado do favor, tão

impregnado na política de assistência social do país para a cultura de direitos, as ações

socioeducativas que reforçam e reintegram o caráter punitivo, moralizador, disciplinante

e de controle do comportamento dos sujeitos e que em nada contribuem ao

fortalecimento e estímulo do protagonismo dos usuários nos espaços decisórios têm

persistido no Serviço Social (RAICHELIS, 2001). É por essa razão que o trabalho

profissional dos assistentes sociais inseridos nos serviços socioeducativos

desenvolvidos com os grupos dos CRAS que tenha como norte a direção coletiva em

uma busca contínua e efetiva pela transformação da subjetividade humana na

perspectiva de mudança social deve ser materializado, aventado e idealizado. Acredita-

se que esta é a principal forma possível de se contrapor e de, quiçá, superar a

opressão e a exclusão social. A prestação de serviços não pode permanecer em

dissonância com as necessidades reais e manifestas dos sujeitos em discussões

coletivas.

2.3. Os Serviços Socioeducativos e o Trabalho Social no SUAS

Esta reflexão pauta-se na problematização das contribuições do trabalho

profissional dos assistentes sociais inseridos nos serviços socioeducativos do PAIF. O

viés aqui adotado é o do fortalecimento, do estímulo e da consolidação de processos

participativos dos demandantes da assistência social nos espaços decisórios das

políticas públicas e na sociedade na qual fazem parte. Essa abordagem pressupõe,

necessariamente, pensar sobre a caracterização da Política Nacional de Assistência

Social de 2004 acerca das ações socioeducativas desenvolvidas nos CRAS e, ainda,

sobre as metodologias utilizadas no trabalho social com as famílias deste equipamento

social.

No período que abrange os anos de 1990 e 2000, presenciou-se a retomada da

discussão sobre trabalho profissional no âmbito das políticas públicas. Assistiu-se,

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também, ao retorno do debate sobre as medidas socioeducativas, em razão do advento

do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Propôs-se, nessa legislação, que a

população com menos de 18 anos que cometesse atos infracionais participasse de

medidas socioeducativas como porta de saída e de regresso do adolescente à família e

à sociedade. A permanência do caráter punitivo e excludente nestas medidas

impulsionou exigências por propostas para os serviços socioeducativos, com o intuito

de superar a noção de que é possível realizar o trabalho social sem esclarecer e definir

intencionalidades e objetivos (MDS, 2009a).

A Política Nacional de Assistência Social se debruça nessa reflexão, propondo

serviços socioeducativos que tenham a ver com liberdade e cidadania, entendida como:

“estado pleno de autonomia [...] saber escolher, poder escolher e efetivar as escolhas

[...] num trabalho permanente de criação, recriação, de invenção e reinvenção de

instituições através das quais se exerce a autonomia”. (MDS, 2009a apud OLIVEIRA,

1999, p. 42). Na tentativa de assegurar serviços socioassistenciais de qualidade, a

política de assistência social de 2004 assentam em suas linhas, por meio das

seguranças de convívio ou vivência familiar e de acolhida, o desenvolvimento de ações

socioeducativas, veja-se:

Segurança de convívio ou vivência familiar: através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais, familiares, de vizinhança, de segmento social, mediante a oferta de experiências socioeducativas, lúdicas, socioculturais, desenvolvidas em rede de núcleos socioeducativos e de convivência para os diversos ciclos de vida, suas características e necessidades. Segurança de acolhida: através de ações, cuidados, serviços e projetos operados em rede com unidade de porta de entrada destinada a proteger e recuperar as situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, restaurando sua autonomia, capacidade de convívio e protagonismo mediante a oferta de condições materiais de abrigo, repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições pessoais desenvolvidas através de acesso às ações socioeducativas. (MDS, 2004a, p. 38).

O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio

das concepções e fundamentos do ProJovem Adolescente (PJA), resgatou o termo

“socioeducativo”, auferindo-lhe nova significação ancorada no entendimento e no

contexto hodierno de definições e exercícios de direitos, de liberdade e de autonomia.

Para tanto, o documento cotejou o estabelecimento de mediações para compreensão e

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para o desvelamento das múltiplas expressões das questões sociais trazidas pelos

usuários das políticas públicas.

Buscou-se a superação da visão reducionista da cidadania difundida no país,

restrita aos cumprimentos de deveres - votar, pagar impostos, respeitar as leis, dentre

outros. Embora a perspectiva de direitos tenha sido transformada, é cotidiano ao CRAS

que os demandantes da política de assistência social busquem nele um atendimento

pautado na ideia de que os direitos são concessões. A definição de cidadania presente

na constituição do ProJovem vai de encontro àquela compartilhada por muitos usuários,

vez que entende que: “cidadania não é presente, dádiva; é construção, conquista a

partir da nossa capacidade de organização, participação” diante das contradições

societárias. (MDS, 2009a, p.41).

Dessa forma, ao referir-se aos serviços socioeducativos ofertados pela

PNAS/2004, faz-se indispensável o esclarecimento de que sua direção aponta para o

despertar da capacidade analítica e crítica dos usuários, incentivando a sua

participação na vida pública da sociedade. Trata-se de abrir caminhos para autonomia e

liberdade, onde os indivíduos e famílias não apenas compreendam o processo, mas

também se sintam parte dele. A construção de um novo olhar supõe a desconstrução

do entendimento e das explicações que os sujeitos de direitos formulam e aceitam em

sua vida real, uma postura exemplificada pela a naturalização de sua condição de

pobreza. A finalidade socioeducativa prevista nos fundamentos e concepções do PJA

concerne à criação de situações de aprendizagens capazes de ampliar a participação e

multiplicar as possibilidades de convivência dos usuários.

Os serviços socioeducativos da assistência social brasileira, no âmbito da

proteção social básica, passam a ter caráter proativo, ao se apostar e ao se investir na

prevenção, e ao se exigir novas categorias teóricas e metodológicas no trabalho social

com famílias desenvolvido nos CRAS. A partir disto, as ações socioeducativas destes

equipamentos sociais passam a requerer intencionalidade política, clareza teórica-

metodológica, debate e formação:

O socioeducativo assume, conceitualmente, uma nova dimensão, pautada no planejamento e desenvolvimento de atividades que sejam libertadoras dos potenciais criativos dos usuários, incentivando a independência, recuperando a autoestima, a capacidade transformadora, a discussão das possibilidades de

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inserção no mundo do trabalho, que tem o conhecimento produzido pela humanidade como mediação fundamental, articulado à riqueza dos saberes advindos da experiência individual e coletiva. (MDS, 2009a, p. 47).

Um duplo desafio apresenta-se na formulação e no desenvolvimento da nova

dimensão das ações socioeducativas: a produção de um saber que seja reconhecido e

valorizado pelos próprios demandatários dos serviços e a fomentação da atuação dos

usuários nos espaços públicos. Um desfecho profícuo para o primeiro está na

construção de um saber prático que resultasse da colaboração entre os profissionais da

assistência social e os seus demandantes, de um conhecimento alicerçado em

intervenções capazes de gerar mudanças na coletividade. Os aprendizados advindos

das ações socioeducativas podem ampliar os conhecimentos práticos dos usuários,

essencialmente os saberes necessários à pesquisa e acesso a informações em sentido

amplo. Para tanto, as escolhas dos sujeitos precisam ser vistas como um campo de

compartilhamento de responsabilidades com os profissionais, a fim de configurar

práticas socioeducativas passíveis de contribuir para que os usuários realizem suas

próprias escolhas (MDS, 2009a).

A problemática da participação dos sujeitos de direitos nos espaços públicos

consiste no segundo desafio aos serviços socioeducativos desenvolvidos nos Centros

de Referência de Assistência Social. Na perspectiva socioeducativa, é desejável

ampliar a circulação dos cidadãos pela cidade, promovendo maior interação entre os

grupos, maior acesso e maior usufruto de direitos culturais. Para que isto aconteça, é

preciso que os gestores municipais desta política pública criem condições concretas

para fortalecer e ampliar o campo de aprendizados na comunidade na direção da

autonomia, liberdade e emancipação (MDS, 2009a).

O assistente social inserido nos CRAS deve, dessa maneira, trabalhar em uma

perspectiva socioeducativa que tenha como horizonte a liberdade e não, a punição

significa oferecer serviços que respondam a necessidades e interesses reais objetivos e

subjetivos, manifestados pelos usuários em debates coletivos e individuais. É

necessário conduzir o indivíduo, cujo tratamento ofertado pela assistência social foi

historicamente, pautado em ações disciplinadoras e na adequação à ordem

estabelecida, para a emersão do sujeito cidadão, capaz de ser protagonista não só das

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políticas públicas e da comunidade a qual pertence, mas também dos espaços de

decisões diversos da sociedade em que vivem. Nessa perspectiva, oferecer serviços

públicos de caráter socioeducativo significa:

(1) Desvelamento da demanda e desejos dos usuários, criando e fortalecendo o corredor de confiança entre eles e o serviço socioeducativo; (ii) Utilização de métodos e técnicas participativas que contribuam para a construção coletiva de conhecimentos e ações; (2) Aproximação aos arranjos familiares constituídos, construindo e negociando canais efetivos de participação da família nos espaços públicos; (3) Incentivo à participação ativa dos usuários nas relações comunitárias nos diferentes territórios onde tecem relações cotidianas e em novos territórios nos quais possam experimentar novas inserções e apropriações; (4) Desenvolvimento de atividades culturais que viabilizem o exercício da criação e da produção cultural; (5) Desenvolvimento de atividades de lazer que proporcionem a integração grupal e os valores da cooperação solidária. (MDS, 2009a, pp. 47-48).

O trabalho socioeducativo encontra-se dotado da contradição de poder ser

constituído como um meio tanto de dominação quanto de emancipação, sendo capaz

de ser, de um lado, uma ferramenta de controle e, de outro lado, um instrumento de

libertação. É fundamental, portanto, que os profissionais busquem a compreensão da

realidade social e que sejam capazes de elaborar ações que fortaleçam a participação

da população nos espaços de decisão da sociedade. Isto não ocorrerá sem uma

conscientização das mudanças sofridas na configuração das famílias: metodologias

para o trabalho social desenvolvido nos serviços socioeducativos dos CRAS que

desconsiderem essas transformações, não serão capazes de estimular o protagonismo

dos usuários da assistência social.

Nas últimas décadas do século XX, o mundo esteve diante de inúmeros

confrontos que propalaram transformações societárias e inéditas manifestações da

questão social. As maiores expressões deste processo se caracterizavam nas

substanciais mudanças na sociedade salarial e no mundo do trabalho, tais como a

flexibilização, terceirização e precarização do trabalho. O Brasil da primeira metade do

século XXI sofreu forte influência do movimento mais amplo do processo de

reestruturação do capital globalizado. Análises realizadas tanto pelos mecanismos

internacionais como por especialistas21, informam que as metamorfoses ocorridas no

21

Antunes (2011) e Druck (2009), por exemplo.

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mundo do trabalho subalternizam-no à ordem do mercado. Presenciou-se o desmonte

dos direitos sociais que colocaram para a questão social novas configurações, com

destaque para a insegurança e a vulnerabilidade do trabalho. Tais mudanças acabam

por aumentar a pobreza, as desigualdades sociais e o sucateamento de espaços que

contribuem à efetivação do protagonismo da população por todo o mundo

(WANDERLEY, 2008).

As instituições sociais são, ao certo, impactadas por essas transformações

sociais. Diante disso, torna-se essencial entender que falar de família nessa conjuntura

significa referir-se aos impactos societários que nelas incidem, resultando na

redefinição de laços e criação de novos arranjos familiares, a exemplo. Do ponto de

vista da implementação de políticas públicas, é imperativo também que se construam

metodologias de trabalho social com possibilidades “de aproximações com estas

famílias contemporâneas e, que ao mesmo tempo, possibilitem reduzir suas

vulnerabilidades e fortalecer suas potências”. (WANDERLEY, 2008, p.12).

A análise de conjuntura faz-se basilar, já que os problemas da prática do mundo

real não se apresentam aos trabalhadores como estruturas bem delineadas.

Resguardam características de complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e

conflito de valores. Por essa razão, a realidade social resiste em ser enquadrada em

esquemas preestabelecidos e, portanto exige potente capacidade analítica sobre a

conjuntura política, econômica, cultural e social. Nesse sentido, Couto (2004, p. 50)

refere que:

A discussão sobre os interesses diversos da sociedade é fundamental. Não é possível pensar no trabalho social na lógica da garantia do atendimento às necessidades sociais da população em geral sem pensar-se efetivamente no campo da discussão de projeto de sociedade política que tem-se e sem pensar-se na democracia, embora seja importante ter claro que o sistema democrático pode ser extremamente funcional ao capitalismo.

Partindo do pressuposto da assistência social como campo de disputa política,

torna-se imperioso que os desafios impostos ao trabalho social, a partir do início do

século XXI, não podem ser enfrentados desconsiderando a Constituição e sua

outorgarão para que a seguridade social fosse assegurada como um sistema de

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proteção social. Pela primeira vez na história política brasileira, o campo não

contributivo se destacou e acabou por assegurar diversas conquistas históricas no

terreno dos direitos sociais. A realidade atual da formação profissional dos trabalhados

sociais tem se demonstrado fragilizada pelas armadilhas impostas pela sociedade do

consumo. Estariam as universidades a garantir instrumentos satisfatórios para o “agir

social competente”?

O questionamento da qualidade e dos vieses presentes na formação dos

trabalhadores sociais é polêmico. Diante das insatisfações no que se refere à baixa

competência dos trabalhadores sociais em mover processos que promovam mudanças

substantivas, emancipação e participação. Se o trabalho social se apresenta como

sendo, conservador, repetitivo, burocrático, pragmático, imobilista, impotente, as

práticas absolutamente funcionais ao sistema capitalista fizeram-se presentes nas

instituições de formação profissional.

A definição do que trabalho social pode presentar só se realiza a partir de uma

apreensão do contexto histórico em que este se constitui. Desta forma, é fundamental a

consideração de que a tutela, o clientelismo, o paternalismo e o patrimonialismo são

características que acompanham persistentemente a trajetória das políticas públicas

brasileiras, incidindo, ao certo no campo de atuação dos trabalhadores sociais. Estas

práticas se reapresentam, e nem o processo de redemocratização experimentado pelo

país fez frente ao reiterado conservadorismo no trabalho social.

Como uma característica marcante da sociedade brasileira, esses elementos

acabam por fundar a compreensão de que a população mais pobre do país não possui

condições de protagonismo, pois suas enormes fragilidades inviabilizariam sua

autonomia. O clientelismo, o paternalismo, o patrimonialismo e a tutela restringem o

trabalho social a uma perspectiva de adequação desses sujeitos aos parcos recursos

que são empregados nas políticas sociais. Existe uma dupla finalidade para isto: a de

extirpar do sujeito seu protagonismo, deslegitimando suas falas e seus argumentos e a

de reduzir o trabalho profissional à dimensão da caridade. Ser caridoso, entender as

demandas da população carente e fazer com que os pobres compreendam que o

Estado não tem condições de atender a todas as suas demandas passam a ser funções

a serem exercidas no cotidiano institucional.

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A ideologia tutelar é aquela que banaliza as capacidades dos desiguais, os seus

atos de reflexão, o seu transitar com autonomia, e o seu exercício de liberdades. A

tutela será sempre resultante do assistencialismo, do apadrinhamento e do clientelismo.

O pensamento tutelar está enraizado no fazer público. Está presente nas políticas,

programas e serviços de assistência social, educação, saúde, combate à pobreza. A

tutela está presente não apenas nas doações em espécie, mas, sobretudo, no acesso

aos serviços e na oferta de oportunidades.

Dar-se-á revelo, aqui, a dois mecanismos de combate à cultura da tutela,

eminentemente refratária na história das políticas públicas do país, a saber: ao fim da

hierarquização de saberes, em que impera o discurso do trabalhador social sobre o

saber do usuário, e à reflexão sobre a ética do trabalho social. Supereminente a

qualquer discussão acerca do trabalho social está seu significado ético, de

realimentação do sentido mesmo da ação que se quer pública, tornando-se

fundamental discutir o aspecto da politização. A partir daí, é que se deve buscar a

promoção do protagonismo necessário aos usuários da assistência social, “pois o

campo político é o da realização coletiva” (COUTO, 2004, p. 50). É por meio dela que

se constroem estratégias coletivas: ela “é o campo por excelência da coletivização das

estratégias” (Id., 2004, p. 50). Deriva-se disso a imprescindibilidade de se ter clareza do

projeto político com o qual se trabalha.

Defende-se aqui um fazer ético comprometido com a defesa intransigente da

população demandante da política da assistência social na direção do fortalecimento de

seu protagonismo nos espaços decisórios da sociedade. Isso requer a afirmação de

que:

O sentido da presença, de acolher os usuários como estão; reconhecer e valorizar aquilo que podem; o que já sabem e as escolhas que querem fazer. E, sobretudo, acreditar que eles podem ser mais, que a convivência entre iguais e diferentes pode expandir o sentido da sua existência para além de estigmas e qualquer outra forma de aprisionamento, seja ele material, relacional ou afetivo. Explicita-se uma ética que valoriza as potências para agir e criar coletivamente. (MDS, 2009a, p. 44).

A outra ferramenta de combate à cultura da tutela consubstancia-se na

necessidade de que os trabalhadores sociais se conscientizem de que o saber deles

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não é maior que o saber da família ou do indivíduo, sendo, apenas, um saber diferente.

Partindo desse pressuposto, os profissionais inseridos nos serviços socioeducativos

dos CRAS terão maiores possibilidades de implementar ações que resultem no

alargamento dos espaços decisórios dos usuários da assistência social do país, rumo à

expansão dos direitos socais.

O valor desta concepção está em não criar hierarquias que se desdobrem em

opressões - originadas pelos trabalhadores e sofridas pelos usuários. Não se pode

prescindir da valorização dos saberes não formalizados, dos conhecimentos adquiridos

na trajetória de vida de cada sujeito. Isso possibilita o estímulo ao reconhecimento de

“presenças”, desconstruindo a ideia tão propagada de que os demandantes da

assistência social apenas possuem “ausências”.

Diante do exposto, acredita-se que a metodologia do trabalho social trata-se de

potente instrumento de estímulo à consolidação da cultura de direitos nos serviços

socioeducativos dos CRAS, por intermédio de ações profissionais que possibilitem o

fortalecimento do protagonismo dos usuários da política de assistência social brasileira.

O desenho metodológico do trabalho social deve estar, por essa razão, fundamentado

em princípios, nas diretrizes e nas estratégias que garantem direção política

emancipadora à ação:

Definir uma metodologia de intervenção significa exercer a difícil arte de transformar os pressupostos teóricos escolhidos em diretrizes operacionais e detalhar processo e técnicas de abordagem no seio das relações sociais que se pretende alterar. Significa também fazer o caminho inverso, a partir da experimentação, ao colocar em prática esse modelo criado. A prática pode levar à reformulação de princípios e diretrizes. (WANDERLEY, 2008, p.13).

A transformação da população em sujeito político, nas sociedades regidas pelo

ideário neoliberal, não é imediata à formulação de aparatos legais que constituem

direitos, mas que dependem de pragmatismo para serem concretizados. O elemento

jurídico prescreve o exercício de direitos, a realidade democrática possibilita a

construção de alternativas imprescindíveis ao progresso desses mesmos direitos. São

nessas vicissitudes que devem ser focalizados o trabalho social e suas metodologias de

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caráter emancipatório, pois, a política de assistência social se materializa exatamente

por intermédio dos serviços socioassistenciais.

O trabalho social, vislumbrado e assegurado pela política de assistência social

do ano de 2004, foi ao encontro dos interesses construídos no processo de

redemocratização do país, principalmente no que concerne a práticas fortalecedoras de

mecanismos eficazes para a consolidação da participação protagônica da população.

Assim, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS, 2012a, p.12)

assentou, em suas linhas, que:

O trabalho social com famílias, no âmbito do PAIF é definido enquanto: conjunto de procedimentos efetuados a partir de pressupostos éticos, conhecimento teórico-metodológico e técnico-operativo, com a finalidade de contribuir para a convivência, reconhecimento de direitos e possibilidades de intervenção na vida social de um conjunto de pessoas, unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade – que se constitui em um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, com o objetivo de proteger seus direitos, apoiá-las no desempenho da sua função de proteção e socialização de seus membros, bem como assegurar o convívio familiar e comunitário, a partir do reconhecimento do papel do Estado na proteção às famílias e aos seus membros mais vulneráveis. Tal objetivo materializa-se a partir do desenvolvimento de ações de caráter “preventivo, protetivo e proativo”, reconhecendo as famílias e seus membros como sujeitos de direitos e tendo por foco as potencialidades e vulnerabilidades presentes no seu território de vivência.

O desenho metodológico a se realizar no trabalho social deve estar alicerçado

nas diretrizes políticas da assistência social e nas estratégias maiores que viabilizem

direção política à ação. As metodologias afirmam intencionalidades, direcionam a

escolha de processos, conteúdos e estratégias de ação, possibilitando, inclusive que

possam ser monitorados em seu desempenho e nos resultados que pretende obter

(WANDERLEY, 2008).

Os métodos devem impulsionar os usuários ao reconhecimento de sua

cidadania, e, como tais, ao pertencimento do mundo, com condições de entendê-lo e de

compreender, com isto, que suas carências não resultam de falha individual, tampouco

de falha de sua família, nem do lugar onde vive. É fundamental que se viabilize, para a

população demandante da assistência social, os mecanismos capazes de incitar a

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compreensão da lógica do sistema capitalista que impõe condições adversas à sua

existência.

O debate sobre a matricialidade sociofamiliar no SUAS auferiu renovada

relevância à problematização das metodologias de abordagem familiar. Assim, retomar

a categoria família se faz essencial para descreditar a noção de fracasso individual

como originário da necessidade de atendimento por políticas sociais. Ao articular

matricialidade sociofamiliar e territorialização, não se deve incorrer o equívoco de se

desconsiderar a sociedade, o local, o sistema e a configuração familiar. Isto

representaria um retrocesso a metodologias arcaicas, como as que levaram a fundação

de paróquias com o intuito de instituir cercamentos para os pobres (COUTO, 2004).

O conceito de família deve ser apresentado em sua historicidade. De acordo com

Wanderley (2008), família concerne em um espaço de pessoas, constituído de maneira

contínua, relativamente estável e não casual, com os mais diversos arranjos. São

pessoas que dentro de um espaço privado estabelecem relações familiares e também

se relacionam com o Estado, mercado, associações, movimentos sociais, dentre outros.

Segundo a mesma autora, contudo, o princípio da matricialidade familiar pode

influenciar os trabalhadores sociais a pautarem suas práticas nas seguintes, e nocivas,

perspectivas:

(1) Concepções baseadas em modelos estereotipados – pai, mãe e filhos – e idealizados de “bom pai e boa mãe”, não considerando as transformações societárias que incidem nas famílias; (2) Visões disciplinadoras que visam enquadrar as famílias em normas rígidas, independentemente das reais condições e do universo cultural a que pertence; (3) Visões tutelares, principalmente com relação às famílias pobres, vistas como incapazes de proteger seus membros, de educá-los, etc; (4) Visão de atomização e individualização da família, fazendo recair sobre ela a “culpa” de todas as suas fragilidades e atribuindo-lhes quase que exclusivamente a solução de seus problemas. (WANDERLEY, 2008, p.14).

Caracterizados pela relação paradoxal entre ações que reforçam modelos

pautados na tutela e as ações ancoradas na noção de alargamento dos direitos, na

percepção da população cidadã, as discussões teóricas no campo da assistência

social, desde sua gênese, propuseram, formataram, conceituaram e ensinaram

atividades socioeducativas voltadas à promoção de mudanças de comportamento dos

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trabalhadores. Voltado ao controle das classes subalternas e amparado em um Estado

sob a égide do capital industrial:

O trabalho socioeducativo, desenvolvido em todos os serviços voltados aos diferentes ciclos de vida, organizava como pauta a proposta equivocada de promover consciência – de fora pra dentro – em relação aos cuidados com a vida cotidiana, com a saúde, com os hábitos nutricionais, com o planejamento familiar etc. A intervenção profissional permanecia voltada ao indivíduo, deslocada de práticas coletivas, como males a serem enfrentadas um a um, por cada um. (MDS, 2009a, p.42).

Observa-se que, à época, a discussão dos direitos sociais estava totalmente

subjugada ao discurso oficial de ofertas de benefícios socioassistenciais como forma de

evitar a desordem e a organização dos trabalhadores. Visavam atender as

necessidades básicas da população sem fazer frente aos interesses da ordem

estabelecida.

Com a implantação do SUAS, as ações socioeducativas foram reformuladas,

tendo sido necessária a realização de um trabalho social nos serviços socioeducativos

que potencializasse a dimensão emancipatória desejada na PNAS:

O trabalho social, com as implicações que possui nas relações de classe e destas com o Estado, no âmbito dos serviços sociais públicos efetivadores das conquistas parciais em matéria de direito, possui relevância pública por responder às necessidades sociais, particularmente quando é potencializada a dimensão emancipatória contida na política de assistência social. Portanto, o trabalho social vocalizado, historicamente defendido na assistência social, transita nas contradições da sociedade, mas não as mascara. Ao contrário, satura a realidade social substrato das intervenções, fortalece processos democráticos, com protagonismo individual e coletivo. (SILVEIRA, 2011, p.28).

Os serviços socioeducativos integram a proteção social básica, direcionados

para grupos geracionais, intergeracionais, e de interesse, entre outros, tendo a família

como eixo matricial de proteção social. A pauta de trabalho é orientada pelas

necessidades das famílias, seus membros e seus indivíduos, “o que significa oferta de

programas, projetos, serviços e benefícios, no território, hierarquizados, universalizados

e complementares”. (MDS, 2009a, p. 42).

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A oferta de serviços socioeducativos aos demandantes da nova política de

assistência social de 2004, no que diz respeito à proteção social básica, tem caráter

proativo, investe na prevenção e possui, ainda, uma clara intencionalidade política,

além de clareza teórico-metodológica e firme defesa no que tange ao estímulo de ações

capazes de consolidar processos participativos em que os usuários sejam os principais

sujeitos. Desta forma, os pressupostos garantidores de uma política emancipadora

encontram-se contidos nas diretrizes e eixos estruturantes da assistência social

brasileira.

A ação, portanto, a ser empreendida pelos trabalhadores sociais inseridos nos

CRAS, com função de desenvolver os serviços socioeducativos, devem ser traçadas,

procedidas e implementadas por intermédio de metodologias que sustentam sua

intencionalidade principal, estando, para este fim, pautadas na efetivação da cultura de

direitos, e tendo como eixo central a participação da população. Admite-se, logo, a

existência de uma substantiva demanda por trabalhadores sociais que consigam revelar

saberes e atividades de autorias dos agentes locais e, sobretudo, dos grupos alvos da

PNAS, subjugados a pobreza e exclusão.

O trabalhador social, ao se comprometer com metodologias de trabalho social

emancipatórias, deve ter clareza da necessidade de se transformar os espaços de

trabalho em locais democráticos, de efetivo debate com a população, pois são eles que

credenciam o protagonismo político dos usuários na direção de controlarem o Estado

no campo das políticas sociais. Este é um vultoso desafio do SUAS, já que a

assistência social do país carrega um histórico e resistente conservadorismo no trato

com as demandas da população do país.

Esse conservantismo fez com que, por muito tempo, as ações dos trabalhadores

sociais voltassem-se ao resguardo dos projetos das entidades sociais e do Estado, pois

se sentiam obrigados em garantir que ambos fossem protegidos por meio de suas

ações. No âmbito do Serviço Social, é preciso reiterar que, embora todos os

documentos da profissão apontem para o seu compromisso com a classe trabalhadora

e com suas demandas, não são raras as vezes em que, no exercício do trabalho, se

operacionalizaram serviços, programas, projetos no campo das políticas sociais

restritivas ao acesso a essas garantias. Um exemplo claro de uma atividade ancorada

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no ideário conservador que persiste na assistência social é a atuação do trabalhador

social como uma “polícia da família”, vez que esse age de maneira disciplinar e

direcionada a desenvolver habilidades que possibilitam o enquadramento social dos

trabalhadores pobres às novas necessidades produzidas pela modernização capitalista.

Uma fundamental tarefa foi imposta aos assistentes sociais trabalhadores dos

serviços socioeducativos do PAIF no início do século XXI. Ela consistia em se pensar a

sociedade sob outra perspectiva, já que os projetos alicerçados na lógica salarial e na

adequação da força de trabalho da população aos interesses capitalistas falham na

construção de alternativas para a nova ordem social, pautada nos anseios e demandas

da classe-que-vive-do-trabalho. Embora o repasse de recursos para a área da política

pública de assistência social tenha aumentado, esse gasto não tem sido direcionado

nem efetivado no viés de afirmação dos direitos sociais. Ainda existem brechas para

que o acesso às políticas sociais seja pautado em critérios tendenciosos e reiterativos

de princípios nocivamente moralizados.

O grande desafio imposto aos trabalhadores sociais dos serviços

socioeducativos dos CRAS em 2014 é trabalhar na perspectiva de metodologias que

instem a necessidade do protagonismo da sociedade brasileira na elaboração e

implementação de políticas públicas. As rupturas com o assistencialismo evidentemente

impregnado na assistência social brasileira são um meio para o reconhecimento da

necessidade de fazer dos usuários importantes agentes do processo decisório das

políticas públicas. Essa participação deve estar pautada na condição de sujeitos

autônomos emancipados, “na lógica de uma sociedade que disputa justiça social como

padrão civilizatório”. (COUTO, 2004, p. 54).

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CAPÍTULO III – ASSISTÊNCIA SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR

3.1. A Participação Popular no Sistema Único de Assistência Social

A participação dos usuários encontra-se assentada na Carta Magna de 1988 e

reforçada pela Política Nacional de Assistência Social de 2004. A participação popular

vem, desde então, sendo assegurada de modo ininterrupto, o que não poder ser dito

sobre os demais períodos da história das políticas sociais brasileiras. Em sua gênese

em meados dos anos de 1930, ela refletia a ideologia de um segmento popular

minoritário detentor dos poderes econômicos, políticos e sociais da sociedade. Sem a

consulta aos seus demandantes, as políticas sociais representavam pouco as reais

necessidades da população. O advento da Constituição de 1988 representou, desse

modo, o surgimento das bases e das garantias do direito dos usuários das políticas

públicas de protagonizarem a construção destas.

Paradoxalmente, a participação da população serviu, nessa conjuntura, como um

mecanismo de resolução das crises sociais, por ter viabilizado a participação dos

cidadãos nos processos de formulação e de gestão das políticas públicas locais: uma

resposta possível do poder público à crise do bem-estar e à necessidade de rever as

relações entre o governo e a sociedade nos métodos de desenvolvimento regional

(MILANI, 2008). Ela serviu, também, para ressignificar o conceito de “público”,

difundido, nesse sentido, a noção de que, na gestão pública, “o aspecto político deve

primar sobre o econômico; o longo prazo sobrepor-se ao curto prazo; e a racionalidade

substantiva guiar as estratégias a serem definidas”. (Ibid., p.557).

Em meio aos diversos avanços democráticos nos anos de 1988, os princípios da

participação popular e do controle social foram afirmados como ferramentas de

efetivação da gestão político-administrativa, financeira e técnico-operativa, democrática

e descentralizada, nas diversas políticas públicas. Na Carta Magna brasileira,

designaram-se as garantias legais dos novos direitos sociais, sobretudo no que diz

respeito à seguridade social não contributiva. Este avanço foi um reflexo das lutas

sociais da classe trabalhadora e dos movimentos populares, emergindo um novo

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paradigma, vinculado à universalização do acesso, à descentralização, à

municipalização e à participação para as políticas sociais do país.

A Constituição Federal de 1988 trata-se de um relevante marco no

reconhecimento da participação popular e da condição dos demandantes da assistência

social enquanto sujeitos. Os avanços presentes em seu capítulo da “Ordem Social” são

emblemáticos de um alinhamento entre os anseios da sociedade civil brasileira e as

determinações da Assembleia Constituinte. Definiram-se os princípios e as diretrizes

com o intuito de aprimorar os meios de representação dos usuários e de suprimir o

clientelismo, a tutela, o assistencialismo, entre outros. Pela primeira vez na história, um

documento constitucional opôs-se ao autoritarismo e à exclusão nos serviços públicos

do país.

Desse cenário, surgem as principais instâncias de controle social que visam à

efetiva participação dos usuários nos espaços de decisões das políticas públicas, a

saber: os Conselhos Participativos e as Conferências. A partir de então, “o

protagonismo do usuário da assistência social não deve ser visto como o protagonismo

dos sujeitos da assistência social, mas o protagonismo cidadão, de sujeitos que mudam

a conjuntura do país.” (MDS, 2009b, p. 23).

Considerando a cultura política autoritária do Brasil que durante anos disseminou

a ideologia do autoritarismo, clientelismo e assistencialismo, excluindo historicamente

as classes populares dos processos decisórios da coisa pública, esses novos

instrumentos de participação democrática conquistados no decorrer de muita luta no

campo popular (Conselhos, Conferências e Fóruns), visando o alargamento do controle

social brasileiro, tratam-se, sem dúvidas, de efetiva conquista à classe trabalhadora,

como bem infere Raichelis (2008, p.14):

Essa aposta política teve ampla repercussão institucional no âmbito das políticas públicas, que foram palco de inúmeras experimentações democráticas, com o seu campo de ação alargado para incorporar novos sujeitos e organizações sociais, especialmente à participação popular nos processos decisórios.

Os avanços alcançados no processo de democratização da esfera pública no

país em relação ao fortalecimento do controle social são inequívocos, essencialmente

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por dizerem respeito às conquistas constitucionais à classe trabalhadora, que

legalmente consegue assentar seu direito em participar da construção e avaliação das

políticas públicas brasileiras, por intermédio, essencial, dos Conselhos e Conferências.

Ressalta-se que essas instâncias não são as únicas capazes de efetivar o controle

social da população nas políticas sociais, havendo, ainda, em consonância com Couto

et. al. (2011, p. 248), outros espaços passíveis de fortalecer o protagonismo dos

usuários, vejam-se:

Tabela 6 – Espaços possíveis de fortalecimento do protagonismo dos usuários

Ações Fundamentação

Criação de ouvidorias Deve servir para instrumentalizar e melhorar a política e

os espaços de participação coletiva.

Realização de pré-

conferências

Podem contribuir para o controle social e para construção

de identidade social coletiva.

Fóruns Para efetivar o controle social e a participação nas

decisões que darão rumo à política.

Fonte: COUTO et. al., 2011, p. 248.

A herança histórica de autoritarismo, de clientelismo e de tutela cria, todavia,

entraves para a participação direta das classes subalternas em qualquer espaço

participativo. A participação institucionalizada, por sua vez, embora possa servir de

controle social aos trabalhadores, não tem se efetivado desta maneira, já que na

maioria das vezes não se consegue escapar de decisões vindas do alto. (PAIVA E

MATTEI, 2009). Os espaços institucionalizados de participação, como Conselhos e

Conferências, tendem a reproduzir os mesmos problemas da democracia

representativa. Eles perpetuam o afastamento da população e de suas necessidades

em detrimento da burocratização e dos interesses privados (Id., 2009).

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Dessa maneira, a cultura política autoritária e clientelista desenvolvida durante

anos pela burguesia do nosso país ainda fragiliza o processo de democratização da

esfera pública do Brasil, pois, apesar da obrigatoriedade da participação popular e do

controle social “nos destinos das políticas públicas tenham se afirmado como diretrizes

constitucionais, em 1988, a plena tradução destes princípios está longe de ser uma

realidade na política brasileira.” (CARRARO, PAIVA e ROCHA, 2010, p.251).

Apesar desse novo modelo participativo garantir o segmento dos usuários, junto

com a representação dos trabalhadores e do governo, na construção do controle social

das políticas públicas, a problemática da real e efetiva representatividade dos

demandantes da política de assistência social, no que tange à elaboração dessa, ainda

não foi solucionada. Um cenário ilustrativo desse entrave é o fato muitas entidades

socioassistenciais trabalharem a ideia de participação dos usuários atrelada a

interesses individuais da própria Organização Não Governamental (ONG) da qual

fazem parte, retirando-lhes o horizonte coletivo. Isto resulta no que Raichelis (2011, p.

10) denominou de sub-representação dos usuários, já que o protagonismo popular nos

Conselhos participativos dessa política social encontra-se subordinado às entidades

socioassistenciais, que por sua vez, falam pelos sujeitos de direitos.

É evidente que o esforço empreendido no começo dos anos de 1990 para o

fortalecimento e para a consolidação do controle social nas políticas públicas, através

dos Conselhos e Conferências, tratou-se de um importante marco para a participação

popular nas políticas sociais do país. Todavia, sabe-se também que apenas essas

instâncias não têm sido eficientes na garantia do controle social daqueles que

demandam os serviços socioassistenciais nesse início de século. Dessa forma, faz-se

urgente o desenvolvimento de um trabalho social com as famílias e com os indivíduos

nos equipamentos sociais da PNAS, pautado em metodologias críticas capazes de

desvelar as nuances da sociedade em sua totalidade, para a partir disso, por meio dos

serviços socioeducativos, viabilizar a entrada qualificada dos usuários na cena pública.

Assim, é tarefa primordial a construção do controle social a partir do

protagonismo dos usuários, visando à garantia de que eles se reconheçam como

sujeitos de direitos e, principalmente, como participantes da política pública de

assistência social, algo que possibilitaria um rompimento com a cultura política da

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subalternidade, fazendo valer o seu direito na construção de sua sociedade. Essa

perspectiva angariou, nas últimas décadas, o respaldo de importantes instituições. O

posicionamento do Conselho Nacional de Assistência Social, por afirmar ser um dos

grandes desafios a “participação dos usuários nos espaços de controle social e na

gestão dos serviços socioassistenciais” (CNAS, 2009, p.04) é ilustrativa disso. As

Conferências deveriam converter-se em fóruns decisivos na construção da assistência

social, com efetiva participação dos usuários. Sua implementação encontrou,

entretanto, oposição dos interesses neoliberais no país:

A ação dos movimentos sociais influenciou a formação da agenda governamental da época. Os objetivos das novas políticas públicas refletiam esta influência e relacionavam-se à necessidade de constituição das bases de uma transição pactuada, instrumento necessário para alcançar a realização das aspirações políticas e sociais que haviam inspirado a luta democrática. O momento requeria uma sinalização clara de que as reivindicações populares encontravam-se no horizonte governamental, mas, ao mesmo tempo, condicionava estreitos limites às ações do Estado sob forte orientação neoliberal, resultando no agravamento do quadro econômico e social e da duradoura crise fiscal que se iniciava no país. (RIZZOTTI, 2011, p.69).

Couberam, a assistência social brasileira, os desafios de consolidar-se como

política pública – o que necessariamente demandaria a construção de estruturas

públicas de serviços que acolhesse a sua demanda –, e de instituir um sistema de

gestão democrático e participativo. No entanto:

Tais desafios tornavam-se, à época, ainda maiores tanto no que concerne ao primeiro ponto (consolidação como política pública), pois tal fato demandaria do Estado colocar-se como agente principal na instituição deste novo sistema e, nesta linha, cabe lembrar o modelo de Estado proposto para a década de 1990, sob a orientação de diminuição de gastos na área social e também a assistência social no Brasil, que não havia, até então, se configurado como política de proteção social. Quanto ao segundo aspecto - que definia a instalação desta política de forma democrática e participativa; os novos preceitos da gestão de políticas sociais e as mudanças de paradigmas no âmbito da sociedade civil que estava respirando, depois de longos anos, a democracia - a assistência social deveria construir um caminho de não apenas ampliar a proteção social, mas a capacidade de organização de seu público usuário. Nesta linha cabe destacar Yazbek (1993) quando aponta para a especial dificuldade de construir o protagonismo dos usuários da assistência social tendo em vista o tratamento de subalternidade que lhes era dispensado em todos os serviços desta política. (MARTINS et al., 2007, p. 02).

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A descentralização e a territorialização passaram a compor com a participação

social indicadores de democracia na gestão de políticas públicas, por distribuir o poder

centralizado nos governantes com atores que tinham pouco representatividade no

cenário social. Campos (2010) afirma que a perspectiva de territorialização colocada na

Política Nacional de Assistência Social (PNAS) confere maior controle do poder público

sobre os usuários da assistência social e, ao mesmo tempo, provoca a formação de

uma população ativa e envolvida com os assuntos do território onde vive. Para o autor,

“[...] o exercício político no micro espaço, no território do CRAS, por exemplo, poderá

despertar curiosidades políticas e desenvolver estímulos à participação política em

escala mais ampla.” (Id., 2010, p.241).

A descentralização, a territorilização e a participação devem ser articuladas a

outros processos, a fim de que elas sirvam à democratização das políticas públicas.

Nota-se que:

A transformação social da condição de assistido, beneficiário para o status de cidadão protagonista envolve abordagens, intervenções, processos que contemplem desde o atendimento às necessidades mais básicas aos estímulos e investimentos públicos para dotá-los dos meios e habilidades para o exercício político. Isso envolve, sem disfarce e sem preconceitos, renda mínima, habilitação profissional, alfabetização e apoios materiais para participar dos espaços onde a política se desenvolve. (CAMPOS, 2010, pp.240-241).

Para que o protagonismo do usuário se consolide, é necessário que ele seja

concebido como sujeito do processo de garantia de seus próprios direitos. Nessa linha,

cabe à “gestão da política de assistência social deve promover, fortalecer e implementar

estratégias de ação que de fato concretizem o princípio da participação ativa do

usuário.” (ANDRADE, 2009, p.99). Um primeiro passo para a efetivação da almejada

participação social diz respeito ao processo de “aprofundamento da democratização da

gestão, com amplo e facilitado acesso à informação e à participação dos usuários,

legitimando e fortalecendo os processos político-organizativos dos usuários, ou ainda, o

protagonismo dos usuários”. (Id., 2009, p.94).

No cumprimento de suas atribuições, em 04 de setembro de 2008, o Conselho

Nacional de Assistência Social (CNAS) promoveu a VII Conferência Nacional de

Assistência Social, por intermédio da Resolução nº 97, de 17 de dezembro de 2008.

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Seu tema geral traduziu-se em “Participação e Controle Social no Sistema Único de

Assistência Social”. As orientações gerais do CNAS para a realização das conferências

de assistência social, à época, tiveram como objetivo a avaliação e a proposição de

diretrizes para o aperfeiçoamento do SUAS, na perspectiva da participação e do

controle social. Esta movimentação em torno da consolidação do eixo participação

popular na PNAS/2004 propõe desafio, qual seja: desencadear um amplo movimento

de mobilização nos municípios, particularmente dos usuários dos serviços

socioassistenciais22, para que sejam partícipes ativos e protagônicos na construção da

assistência social.

Diante da necessidade de fortalecer o protagonismo dos sujeitos é imperiosa a

apreensão de que os usuários da política de assistência são os indivíduos, “os grupos e

as famílias” que estão na condição de vulnerabilidade e de risco psicossocial. “As

condições às quais estão submetidos os usuários da política de assistência social

ultrapassam a noção de pobreza, podendo ser definidas como vulnerabilidades” que

determinam seu tipo de engajamento no usufruto, na reivindicação e na luta pelos seus

direitos garantidos (YAZBEK, 2001, p.39).

Cabe, desse modo, aos profissionais e aos gestores desta política pública,

construir meios possíveis para que os sujeitos sejam capazes de avaliar e de fiscalizar

os serviços, integrando, assim, o processo de construção dos direitos

socioassistenciais. A qualidade do atendimento profissional torna-se imperativo ao

partir-se do pressuposto de que as condições de pobreza e as vulnerabilidades

apresentadas pelos usuários são multidimensionais. Para além da recomposição da

renda, é necessário ofertar uma série de serviços consubstanciados na ação

profissional que sejam acolhedores nas formas de atender os cidadãos (RIZZOTTI,

2011). Os benefícios assistenciais como visto, não bastam em si mesmos, precisando

estar atrelados à consolidação do trabalho social com famílias e ao aprimoramento da

convivência comunitária. Alternativas eficazes para a recuperação capacidades e para

a criação de proteções e de direitos serão, desse modo, fornecidas.

22

Conjunto de atividades continuadas e organicamente articuladas em torno de objetivos comuns, os quais respondem às seguranças afiançadas pela assistência social, prestados em um determinado local de trabalho que se destinam a prover determinadas atenções profissionalizadas, afiançando aquisições sociais que resultam do exercício capacitador de vínculos sociais, por meio de metodologias de trabalho social e trabalho socioeducativo. (MUNIZ, 2011, p.67).

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Novas modalidades de ação coletiva, capazes de estimular a participação dos

grupos populares, não como apenas beneficiários dos serviços socioassistenciais, mas

como sujeitos portadores de direitos são imprescindíveis para que se funde um espaço

público de reconhecimento, de pertencimento e de expressão das demandas sociais

(RAICHELIS, 2008). Aos trabalhadores inseridos no SUAS e comprometidos com a

participação popular, novos modelos de gestão dessa política são imperativos. Nesta

conjuntura, evidencia-se claras demandas de implantação de novos serviços, de

universalizando direitos, de compartilhamento de informações e de ampliação dos

quadros profissionais, “descentralizando, fortalecendo e criando condições de maior

participação nas discussões e decisões acerca da assistência social”. (MARTINS et al.,

2007, p. 10).

Os serviços socioeducativos desenvolvidos nos CRAS devem ser orientados

pela direção coletiva, para que o trabalho profissional do assistente social e as

diretrizes da própria PNAS/2004 sejam efetivadas. Garantidas as mediações propícias à

participação dos usuários no CRAS, estes certamente serão estimulados a consolidar

sua participação na sociedade. O relato de Pastor (2010, pp. 114-115) é ilustrativo das

possibilidades de maior participação dos usuários:

A gente percebe que nas Conferências de Assistência Social, da primeira até a quinta e última conferências, nós tivemos uma participação maior dos usuários da política de assistência social. Mas isso foi um intenso trabalho que foi feito por meio dos Centros Regionais de Assistência Social, que desenvolvem o trabalho na periferia do município de Londrina: nas regiões norte A, oeste, sul e zona rural. Por outro lado, desde o começo, a gente colocava como premissa, vamos dizer assim, para participação na Conferência, que houvesse presença de usuários da assistência social nas reuniões preparatórias dos próprios serviços. Para nós, era uma premissa importante porque não havia a prática de envolvimento do usuário da assistência social nesse processo. Mas isso ainda não está totalmente internalizado, em alguns serviços [acontece] de uma forma melhor e em outros de uma forma menor.

A superação dos obstáculos que interditam que a assistência social se torne

mais democrática e mais pública depende, intrinsecamente, da politização das ações

socioeducativas desenvolvidas nos serviços socioassistenciais.

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Trata-se da instauração de uma nova lógica, regida por princípios democráticos participativos que, no caso da assistência social, necessita formular, por meio da ação do poder público, minuciosos mecanismos de comunicação e informação, destinados a proporcionar a ampliação da participação popular, a propor a desinstitucionalização e a privilegiar a oferta de serviços governamentais de base comunitária às populações locais. Desta forma, acreditamos na necessidade de propor programas e serviços governamentais de cunho comunitário e aberto, em substituição aos hierarquizantes e institucionalizados, que logrem assimilar com maior eficácia as demandas oriundas dos usuários da assistência social e possibilitem que estes exerçam o controle social de seu funcionamento e de sua eficácia. Trata-se, em suma, de transpor para a esfera da prestação de serviços os novos elementos da cultura política que ora se forja na convivência dos Conselhos e na participação dos usuários. Para tanto, faz-se mister repensar a rigidez das estruturas administrativas, técnicas e políticas que, na atualidade, caracterizam o funcionamento da assistência social, a fim de adaptá-las ao perfil de seus usuários e às mediações produzidas na gestão democrática da política. (MARTINS et al., 2007, p. 10).

Os processos participativos são fundamentais à visão de direito dos usuários. É

no terreno da disputa entre a cultura de direitos e a cultura da ajuda que as vivências

dos processos participativos tornam-se fundamentais à multiplicação e à valorização da

primeira e ao embate e ao descrédito da segunda. Primando pela transparência, pela

fiscalização e pela consciência política, os processos participativos serão uma

ferramenta do:

[...] direito do usuário dos serviços socioassistenciais em ter reconhecido e exercido seu direito como cidadão: ter reconhecimento de seus direitos e responsabilidades; ter reconhecida a importância da sua intervenção na vida pública e no acesso a oportunidades para o exercício do protagonismo e da cidadania; ter possibilidade de avaliar o serviço recebido, contando com espaço de escuta para expressar sua opinião; ter acesso ao registro dos seus dados se assim o desejar; receber informações sobre como e onde manifestar seus direitos e requisições sobre o atendimento socioassistencial; ter acesso à participação em fóruns, conselhos, movimentos sociais e organizações comunitárias. (ALVES et al., 2012, p.04).

Democratizar a gestão da política de assistência social é possibilitar o acesso

aos direitos socioassistenciais e viabilizar a participação para todos os sujeitos

envolvidos, essencialmente os usuários. As decisões acerca dos rumos que a

assistência social deve tomar perpassam por sua consolidação enquanto pública a fim

de contribuir com a própria história de democratização da nossa sociedade.

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Sustenta-se, aqui, que é na realização dos serviços socioassistenciais que a

política de assistência social se materializa, sendo seus trabalhadores instrumentos

para esse fim. Muniz (2011, p.117) também infere sobre a necessária criação de

vínculos entre trabalhador e usuário, já que não há construção de vínculos sem que o

usuário seja reconhecido na condição de sujeito. “Isto remete ao novo perfil que se

requer do trabalhador, voltado para a construção do espaço público e do direito” (Id.,

2001, p.117).

Adotar a perspectiva de totalidade na abordagem das demandas sociais exige

uma ruptura com práticas profissionais reducionistas, reposicionando-as no sentido do

“exame crítico dos condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais produtores

da dinâmica de vulnerabilidades sociais presentes na vida cotidiana dos usuários”

(Nery, 2009, p. 151). Tem-se que:

Atuar profissionalmente na provisão de ofertas socioassistenciais não é uma abstração teórica, mas perpassa desde “a segurança de acolhida no CRAS, passando pelos serviços da segurança do convívio social, familiar e comunitário, aos benefícios de renda, de sobrevivência e aos processos de autonomia e protagonismo”. (BIONDI, 2013 apud NERY, 2009, p.149).

Para Sposati (2006, p.104), os “recursos humanos na gestão da assistência

social é matéria prima e processo de trabalho fundamental. A assistência social não

opera por tecnologias substitutivas do trabalho humano”. Nesse sentido, elaborar

espaços coletivos para a expressão de demandas individuais condiz tanto nos

compromissos ético políticos das profissões, como nos princípios ético políticos da

assistência social, voltados para as mesmas afirmações.

A complexidade da questão social manifesta-se de diversas maneiras na vida

dos usuários dos serviços socioassistenciais. Os assistentes sociais devem ser capazes

de “oferecer caminhos de superação das demandas postas, sem que tais caminhos

sejam imposições às quais devam aderir sem o exercício do protagonismo”. (RIZZOTTI,

2011, p.76). Os maiores entraves no que concerne a prestação dos serviços

socioassistenciais, são as “condições objetivas para atender as demandas dos

usuários, trabalhar em direção à coletivização dessas demandas e apoiar as

organizações que politizam a vida no território”. (Ibid., p.77).

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Diante das dificuldades postas aos trabalhadores sociais responsáveis pelos

serviços socioeducativos dos CRAS, o caminho da participação popular sinaliza para a

superação dos elementos e dos procedimentos autoritários testemunhados no cotidiano

de operação do SUAS. Seus empenhos devem estar alinhados com:

(1) Adoção de postura democrática por parte de profissionais e gestores, ampliando cada vez mais os espaços decisórios com a devida revisão dos modelos pautados em resultados quantitativos e práticas disciplinares; (2) Superação radical da condição de subalternidade dos usuários e seu envolvimento em práticas e ações que contribuam para a compreensão de cidadãos de direitos; (3) Socialização de informações com tráfego/trânsito límpido, honesto e contínuo, com a viabilização de espaços que permitam uma composição dialógica; (4) Proposição de serviços na direção da coletivização das demandas e na sua articulação com as demais políticas sociais setoriais, assim como com os movimentos e organizações do espaço territorial; (5) Reconhecimento e definição de estratégias diante das disputas de projetos políticos abrangentes e calcados em ideários contraditórios e antagônicos; (6) Comprometimento radical com as lutas mais amplas na perspectiva de adensar os ideários que sustentam transformações sociais. (RIZZOTTI, 2011, pp. 81-82).

Os sentidos de tais esforços conduzem a afirmação de que para haver

participação social é necessário que o poder seja democratizado e compartilhado,

destacando os serviços socioeducativos como um mecanismo efetivo para este fim. A

participação será inviabilizada, caso não se (re) construam espaços públicos e

pluralizados que deem o aporte para o trabalho do assistente social. O Estado

necessita, então, fornecer as condições para que os instrumentos sejam apropriados

pela população, investindo em “capacitação na construção do corpo de trabalhadores,

produzir informações – disponibilizando-as democraticamente – e tornar as estruturas

de gestão cada vez mais permeáveis às reivindicações da sociedade”. (BIONDI, 2013,

p.159). O direito de ser beneficiado está atrelado ao direito de participar nos processos

decisórios. A participação está, dessa maneira, fundamentada no eixo central das

garantias afiançadoras pela assistência social.

É fundamental, para tanto, a compreensão dos CRAS como espaços de

interesse público, que necessita de agentes com “uma noção plural, desconcentrada,

capaz de traduzir a diversidade e a complexidade da sociedade” (TELLES, 1994, p.50).

Configurando-se em espaços fomentadores do “encontro dos saberes e práticas; de

coletivização de demandas e politização dos encaminhamentos” (RIZZOTTI, 2011,

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p.80), será possível articular estratégias “no sentido de tornar nossos serviços

governamentais e não governamentais mais democráticos, com amplos espaços de

discussões coletivas”. (Id., 2011, p.80).

Faz-se proeminente, pois, buscar por intermédio do trabalho profissional, nos

serviços socioeducativos ofertados pelos CRAS, formas de estimular, de incentivar de e

fortalecer a participação social dos usuários nos espaços decisórios da assistência

social e, ainda mais, na sociedade em que vivem. Partindo dos pressupostos de Pastor

(2010, p.978) de que o protagonismo “não brota sozinho: precisa ser estimulado” e de

que e participação não se ensina: “é o exercício da participação que habilita para fazê-

la”, “cabe aos agentes gestores e executores da política de assistência social propiciar

espaços que favoreçam a participação destes usuários”. Trata-se, pois, do surgimento

de uma nova lógica governada por princípios democráticos e participativos que, “no

caso da assistência social, tem buscado proporcionar a ampliação da participação

popular” (Id., p. 978).

Fazer com que os usuários se sintam pertencentes desse processo é uma pré-

condição para a qual se deve atentar, tendo em vista que a participação é um

aprendizado constante, “que pode inclusive ser rejeitado por atores que, por jamais

terem praticado a negociação, não teriam porque acreditar nela” (PASTOR, 2010 apud

AVRITZER, 1996, p. 113). O alargamento da participação em espaços de decisórios,

seja na direção de reforçar os já existentes, seja na tentativa de criar novas formas,

consiste, indubitavelmente, em uma busca contínua e coletiva. Assim, nas palavras de

Pastor (2010, p.980), “o desafio é fazer com que isso seja um processo contínuo. Ter

esta compreensão sobre o processo histórico é essencial para balizar os avanços

alcançados, ainda que limitados pelos marcos estruturais da ordem capitalista”.

Buscou-se, neste tópico, evidenciar a necessidade de que a gestão da política de

assistência social brasileira dirija suas ações pautada pelo horizonte da cultura de

direitos, de maneira a fornecer, aos trabalhadores do SUAS, aqui, em especial, aos

assistentes sociais inseridos nos serviços socioeducativos, mecanismos materiais e

subjetivos capazes de estimular e de fortalecer a participação popular. Demonstrou-se

aqui o caráter fundamental da elaboração de instrumentos que auxiliem os assistentes

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sociais a romper com a despolitização e o isolamento, que o alienam de uma inserção

crítica e ativa na esfera pública municipal e em relações societárias mais amplas.

3.2. O Lugar do Protagonismo dos Usuários nos Serviços Socioeducativos de

Poços de Caldas

Como visto no capítulo I desse trabalho, Poços de Caldas é um município rico,

sendo referência no âmbito da política pública de saúde para diversas cidades

circunvizinhas. A cidade, todavia, apresenta desigualdades sociais, essencialmente

devido à alta concentração de renda nas mãos de uma minoria de moradores. A

assistência social poços caldense é marcada pelo primeiro damismo, por meio da forte

presença de mulheres oriundas das famílias ricas do município, fato reforçador de

práticas de tutela e assistencialismo no trabalho social desenvolvido com famílias e

indivíduos realizados pelos serviços socioeducativos dos CRAS da cidade sul mineira.

Interessa-se, no presente tópico, identificar as perspectivas daqueles a quem são

destinados tais serviços, os usuários. Afinal, desenvolver os seus discursos é o que há

de mais relevante ao processo de implantação do SUAS.

Sobre a participação dos usuários dos CRAS de Poços de Caldas nos demais23

coletivos existentes no município onde moram, os dados denunciam a ausência

massiva desses sujeitos em outros grupos do território e do município do qual fazem

parte. Apenas um entrevistado participa de outro grupo na cidade, veja-se: “Participo do

Recriança24 e tenho amigos que participam comigo lá”. (ADOLESCENTE 3). Os outros

sete entrevistados responderam que não participam de nenhum espaço coletivo em

Poços de Caldas, somente do “grupo do CRAS”.

A oferta de atividades lúdicas nos serviços socioeducativos desenvolvidos nos

CRAS de Poços de Caldas aparece nas entrevistas como um avanço no que toca a

permanência das pessoas nos grupos, principalmente para o público adolescente, veja-

23

A pergunta se dirigiu no sentido de saber se os usuários participam de qualquer outro grupo do território ou da cidade, como exemplos, grupos de mães, grupos de contra turno escolar no caso dos adolescentes, grupos de mulheres, associação do bairro, pastoral, conselhos de direitos, conselhos comunitários, enfim, qualquer atividade coletiva. 24

Trata-se de um programa da Secretaria Municipal de Educação de contra turno escolar.

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se: “Ah, que tem bastante coisa, como arte, por exemplo, que a gente tá fazendo.

Esqueço o nome, oficina de dança”. (ADOLESCENTE 2). O Adolescente 2 afirma,

ainda, que: “achava meio chato aquele povo ficar encarando a gente. Aí eu comecei a

conhecer tudo bonitinho, comecei a fazer teatro, a fazer dança, fui me enturmando com

a galera”.

Outra questão positiva revelada por meio das falas dos entrevistados desta

pesquisa concerne no esforço da equipe profissional dos SCFV da cidade de Poços de

Caldas em concretizar uma das diretrizes desse serviço, qual seja a atividade

intergeracional entre os grupos desenvolvidos nos CRAS, observe-se: “O grupo que eu

mais conheço é o meu grupo, o dos adolescentes, mas já participamos do grupo dos

idosos umas três vezes, nossa eles têm um pique, mais que a gente”. (ADOLESCENTE

1).

Apenas um entrevistado sinalizou que nos grupos em que se desenvolvem as

atividades do PAIF do município sul mineiro, contém um caráter socioeducativo, em

que, além de discutir sobre o CRAS, ainda ocorre o debate acerca das temáticas de

interesse de cada segmento de coletivos da política de assistência social, reparem:

“Tem também aquilo que a professora dá de educação? Socioeducativo, nele a gente

conversa sobre o CRAS aqui mesmo, sobre bullyng, sexualidade, adolescência, tem

bastante coisa”. (ADOLESCENTE 2)

A partir desse momento, por considerar que os dados serão demonstrados de

maneira mais visível, optou-se aqui por apresenta-los, por intermédio de tabelas

sínteses com as falas dos entrevistados:

Tabela 7 – Excertos de entrevistas sobre as reivindicações das demandas dos

usuários do CRAS de Poços de Caldas – MG

Sujeito Relato

Adolescente 1

Não, eu nunca reivindiquei não! Eu escuto umas pessoas dizendo que

os temas é chato, que querem jogar futebol, quer assistir filme, quer

mudar um pouquinho, mas às vezes a gente muda, sabe. Daí os meninos

vão pra quadra jogar futebol, assistimos filme. Só que eles não ficam

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quietos, não tem como assistir o filme, fica difícil. Temos voz dentro do

grupo. Nossa opinião conta bastante.

Tabela 7 (cont.) – Excertos de entrevistas sobre as reivindicações das

demandas dos usuários do CRAS de Poços de Caldas – MG

Sujeito Relato

Adolescente 2 Não, nunca reivindicamos não, aqui nunca teve isso não!

Adolescente 3

De vez em quando os “professores” perguntam. Mas as atividades

sempre são conversadas um dia antes, ai a gente discute sobre o que vai

trabalhar no outro dia.

Adolescente 4

Acho que eles escutam a gente, o ano passado eles deram uma folha

com questões assim perguntando sobre o CRAS, sobre o que que a

gente achava, o que a gente mais gostava.

Mulher 1 Sim, eles sempre perguntam o que achamos do grupo, querem saber

nossa opinião

Mulher 2 Nunca se unimos pra pedir nada no grupo não.

Mulher 3

Não, nós não reuniu não. Agora que a moça fez a proposta pro grupo que

nós falamos, né, mas só porque ela perguntou senão não ia ter

reclamação nenhuma.

Mulher 4 Os “professores” perguntam se nós tá gostando e pede nossa sugestão.

Fonte: Entrevistas realizadas

A ausência da participação dos usuários tornou-se, também, evidente na análise

do processo de reivindicações de suas demandas nos serviços socioeducativos dos

CRAS de Poços de Caldas. Foi notória, todavia, a preocupação dos profissionais em

dar voz aos usuários, uma vez que muitas falas revelam que eles se sentem sujeitos

ativos nos grupos, acreditando que suas opiniões são implementadas nas atividades

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diárias, mesmo que expressadas através de estímulo profissional. Os excertos

relevantes encontram-se sumarizados na tabela acima.

Diante dessas falas, duas questões merecem destaque. O primeiro ponto trata-

se da não inserção desses sujeitos em outros grupos da cidade, o que pode indicar a

ausência da participação da população na rede socioassistencial municipal, o que

influencia, certamente, no afastamento dos indivíduos nos espaços decisórios da

comunidade, das políticas públicas e da sociedade. A segunda problemática diz

respeito à falta de cultura dos usuários em protagonizarem processos reivindicatórios e

de participação nos serviços socioeducativos, o que resulta num grande entrave para a

absorção de suas demandas em tais espaços.

A carência de inserção da população em atividades coletivas pode gerar

inúmeros debates e reflexões. No entanto, chama-se atenção aqui, para a reiteração da

cultura da não participação dos cidadãos nas políticas sociais, o que contribui,

substancialmente, à manutenção da visão subalterna daqueles que utilizam as políticas

públicas do país. Os demandantes não estão preparados a protagonizarem a sua

construção, um resquício de uma sociedade que conduziu suas políticas sociais de

maneira autoritária. Essa ausência de participação dos sujeitos nas políticas públicas

aponta, ainda, para outra preocupação: a insuficiência da rede socioassistencial na

absorção da população. Ela foi comprovada pelo caso de que apenas um entrevistado

participa de atividades da mesma, sem contar o CRAS, enquanto os sete demais

entrevistados reportaram que não participam de nenhuma atividade coletiva além dos

grupos do PAIF.

Uma questão crucial a esta pesquisa corresponde ao fato de que as falas dos

usuários em relação ao atendimento de suas demandas nos serviços socioeducativos

por intermédio de suas reivindicações, raramente acontecem, e quando ocorrem, é

sempre através do estímulo dos profissionais inseridos nos grupos, que, na maioria das

vezes, perguntam ou aplicam questionários a fim de dar voz às demandas dos sujeitos

centrais desses espaços.

A partir das narrativas dos entrevistados, tornou-se claro que o atendimento das

demandas dos usuários só ocorre porque os profissionais buscam por mecanismos que

possam materializar essa participação, do contrário eles não criam espaços de

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reivindicações por si próprios, como revelam as suas falas: "Não, nunca reivindicamos

não, aqui nunca teve isso não”! (Adolescente 2); “Não, nós não reuniu não. Agora que a

moça fez a proposta pro grupo que nós falamos, né, mas só porque ela perguntou

senão não ia ter reclamação nenhuma”. (MULHER 3). É interessante perceber o tom do

adolescente ao dizer que “nunca reivindicamos”. O sentido que ele aufere ao termo é o

de algo muito ruim ou errado. Ele se orgulha em dizer que nunca “teve isso não”. Isso

denota uma perceptível falta de cultura da participação social dos sujeitos da

assistência social do país, razão para o fato de que quando são chamados a

participarem encontram grandes dificuldades.

Deriva, então, da cultura do apartamento da participação popular impregnada, na

sociedade brasileira, a premência de se forjar, a partir dos serviços socioeducativos

desenvolvidos nos CRAS, espaços que contribuam para a efetivação cotidiana do

protagonismo dos usuários de forma sistemática, não só nas políticas públicas, mas

também da sociedade em sua totalidade. A participação dos usuários na elaboração

dos temas trabalhados no cotidiano dos grupos pode sinalizar uma estratégia na busca

da ruptura com a cultura do apartamento, para a passagem de atividades

socioeducativas pautadas por metodologias críticas, capazes de forjar mecanismos de

rompimento com ações que reforçam a subalternidade dos usuários da assistência

social. Veja na tabela abaixo sobre o protagonismo dos usuários do SUAS de Poços de

Caldas na construção das temáticas debatidas nos serviços socioassistenciais:

Tabela 8 – Excertos de entrevistas sobre a participação dos usuários do SUAS

de Poços de Caldas nos temas trabalhados no cotidiano dos serviços

socioassistenciais – MG

Sujeito Relato

Adolescente 2

Discutimos sobre música e trabalho. Ah, ajuda no nosso dia a dia sim.

Não participamos da escolha dos temas não. [...] Ajuda nosso dia a dia.

Por exemplo, negócio de trabalho, uma vez que tava a outra psicóloga

ela ensinava tipo assim a dar entrevista pra como que fala quando você

chegar num trabalho e não ficar muito nervoso. Relações sexuais, bulling.

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Não escolhemos os temas não, mas damos opinião às vezes, eu sinto

que eles importam e ouvem a gente.

Tabela 8 (cont.) – Excertos de entrevistas sobre a participação dos usuários do

SUAS de Poços de Caldas nos temas trabalhados no cotidiano dos serviços

socioassistenciais – MG

Sujeito Relato

Adolescente 1

Então, a gente trabalha sobre vários temas. Cada mês é um tema, a

gente já trabalhou liberdade e libertinagem, sobre drogas, sobre

sexualidade e aí cada mês a gente escolhe um tema pra discutir. Os

“professores” que escolhem o tema, daí a gente fica o mês inteiro

trabalhando aquele tema. Mas nossa opinião é muito importante sim,

fazemos parte das decisões que o grupo toma e eles respeitam nós. [...]

Os temas ajudam no dia a dia, principalmente sobre droga, sexualidade.

Me ajuda porque tipo assim: Droga me ajudou em que, meu pai, meu

irmão e meu tio, todos eles usam droga, né e tipo no começo eu já não

queria isso pra mim, se eu vejo meu pai naquela situação, meu irmão

preso, isso e aquilo por causa de droga, não quero isso pra mim! Não

quero isso pra mim, quero que seja diferente tá eu tinha isso na minha

cabeça, mas eu não sabia o que fazia a maconha, o efeito que causava

na pessoa, isso tudo eu aprendi aqui, sabe tudo que foi falado me ajudou

bastante pra ter vamos dizer assim uma consciência melhor do que eu

tinha sobre droga. Porque tipo eu sabia que viciava, mas até então droga

pra mim era maconha e crack, eu não sabia que bebida era, que álcool

era, que tinha droga lícita e ilícita, não sabia de nada disso! E até então já

me ofereceram várias vezes pra usar droga antes de entrar aqui no

CRAS, já peguei na minha mão, tipo assim eu achava, nossa usar droga

eu vou ficar na brisa, nossa tem um monte de gente usando, também vou

usar, né. Vou ficar na brisa. Agora depois que eu entrei no CRAS mudei

completamente meu pensamento, porque tipo assim não é por causa de

um problema que você vai usar droga, se vai esquecer o problema por

alguns minutos, depois ele vem, vai continuar ali. Nossa tenho um tanto

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de amigo, gente até que já passou pelo CRAS, que sabe e continua

usando droga hoje entendeu. E vamos dizer assim com o meu

conhecimento, eu estou tentando ajudar.

Tabela 8 (cont.) – Excertos de entrevistas sobre a participação dos usuários do

SUAS de Poços de Caldas nos temas trabalhados no cotidiano dos serviços

socioassistenciais – MG

Sujeito Relato

Adolescente 1

(continuação)

E eu estou quase lá, rs. Enfim, eu não desisto não. [...] Não participamos

do planejamento das atividades e nem muito dos temas, é sempre

segredo.

Mulher 2

Ah discutimos, sobre educação financeira, ai... sobre direitos,

reclamações, né, deveres, essas coisas. Ah, eu creio que ajuda sim,

porque você aprende né a manter né, a amizade, as coisas os deveres

em casa, como que você vai distribuir o pouco que você ganha e é assim.

Mulher 3

Ah, nós conversa sobre nossa comunidade, o que que está precisando, o

que precisa arrumar, o que precisa vir prá cá. Aqui precisa vim um banco

porque tá difícil, não tem como. O que tinha aqui fechou, agora a gente

tem que descer na cidade pra pagar. Já passou da hora de ter um banco

aqui. Absurdo!

Fonte: Entrevistas realizadas

Os usuários sinalizaram que algumas profissionais dirigem suas ações na

tentativa de capturar as suas demandas por meio de questionários e\ou perguntando no

próprio grupo durante as discussões, veja-se: “O ano passado eles deram uma folha

com questões assim perguntando sobre o CRAS, sobre o que que a gente achava, o

que a gente mais gostava”. (ADOLESCENTE 2) e “Os professores pergunta se nós tá

gostando e pede nossa sugestão”. (MULHER 4). Atividades como estas certamente

contribuem para darem vazão às solicitações dos sujeitos, porém são insuficientes na

garantia de uma participação sistemática daqueles que são os destinatários dos

serviços. Avritzer (2010) e Pastor (2010) informam que a participação social precisa ser

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estimulada no cotidiano das ações. O trabalho profissional ganha, nesta conjuntura,

destaque, pois pode reforçar a subalternização dos usuários ou pode incidir no caminho

da emancipação e autonomia dos indivíduos, necessitando assim, de reflexão crítica.

A prática de levantar as opiniões dos demandantes da assistência social por

meio de questionários e arguição oral dos participantes, utilizado pelos profissionais de

Poços de Caldas, serve ao fim que se destina. Não tem garantido, no entanto, como

demonstrado nas narrativas, que os sujeitos consigam reivindicar e participar de forma

sistemática na elaboração das atividades do grupo, tampouco dos espaços de

discussão política do território e ou do município, já que nenhum entrevistado possui

participação em instâncias de decisões da política de assistência social. Nenhum deles

integra qualquer espaço político da cidade.

Os temas debatidos nos serviços socioeducativos também podem servir de

parâmetro para identificar a participação dos sujeitos de direitos nos grupos, uma vez

que devem ser discutidos de forma coletiva, para que possam ser relevantes aos

usuários envolvidos. Importa ressaltar que todas as diretrizes dos Serviços de

Convivência e Fortalecimentos de Vínculos (SCFV) indicam que os temas discorridos,

no trabalho social da política de assistência social, têm, obrigatoriamente, que se pautar

na socialização de informações alinhadas aos direitos sociais, bem como na

conscientização do direito que os sujeitos possuem de serem protagonistas na

construção dessa política pública.

Três pontos merecem relevância diante das narrativas supracitadas, a saber: a

falta de participação dos sujeitos nos temas25 trabalhados nos grupos, o efeito positivo

do grupo na vida dos usuários e a quase inexistência de narrativas que expressem a

concepção da noção de direitos.

Identifica-se que, na maioria das vezes, os participantes dos serviços

socioeducativos não escolhem o tema tratado no cotidiano de trabalho dos grupos.

Algumas falas mencionam que “às vezes” os profissionais solicitam suas opiniões

acerca dos temas discutidos nas reuniões. A maioria das falas, no entanto, ratificam a

ausência de participação dos usuários nos serviços socioeducativos dos quais fazem

parte, duas falas são categóricas nessa direção: “Não participamos da escolha dos

25 Os temas citados pelos entrevistados foram: bullyng, liberdade e libertinagem, drogas, educação

financeira, direitos e deveres, adolescência, sexualidade e trabalho, com destaque para os três últimos.

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temas não” (ADOLESCENTE 2) e “não participamos do planejamento das atividades e

nem muito dos temas, é sempre segredo”. (ADOLESCENTE 1). Mesmo diante desta

constatação, narrativas como as dos Adolescentes 1 e 2 revelam que eles se sentem

sujeitos ativos na construção dos grupos, veja-se: “eu sinto que eles importam e ouvem

a gente” (ADOLESCENTE 2) e “nossa opinião é muito importante sim, fazemos parte

das decisões que o grupo toma e eles respeitam nós” (ADOLESCENTE 1). O relato

mais expressivo foi, contudo, o da Adolescente 1, que relatou a importância das

atividades do CRAS e o impacto positivo que elas tiveram em sua vida, repare-se:

Depois que eu entrei no CRAS mudei completamente meu pensamento, porque tipo assim não é por causa de um problema que você vai usar droga, se vai esquecer o problema por alguns minutos, depois ele vem, vai continuar ali. (ADOLESCENTE 1).

Foram unânimes as respostas dos usuários sobre o impacto positivo dos temas

discutidos no dia a dia dos grupos em suas vidas cotidianas. Fato interessante, já que

os sujeitos inferiram que não protagonizam a escolha dos temas trabalhados nas

reuniões.

É relevante a empatia que os participantes dos serviços socioeducativos do

município de Poços de Caldas possuem com os grupos. Ficou claro que eles têm uma

relação de pertencimento nesses espaços. Essa é, sem dúvidas, uma estratégia

necessária, porém, os trabalhadores da assistência social não devem desconsiderar,

como apontou Guerra (2007, p.166), as armadilhas da reatualização de novas formas,

técnicas e instrumentos de atuação, “a preservação da funcionalidade” da manutenção

do “conteúdo controlista e integrador” da população. A nova forma de controle da classe

trabalhadora nessa conjuntura se encontra ancorada pelos interesses da

“mundialização do capital” (CHESNAIS, 1996), que difunde a ideologia do

“colaboracionismo e cooperação” entre as classes, instaurando-se o Estado Mínimo

como expressão democrática.

Reafirma-se a necessidade de que a reflexão crítica esteja pautada em uma

metodologia emancipatória capaz de consubstanciar ações que extrapolem o âmbito

relacional dos grupos, com a finalidade de atingir-se o pensar político dos sujeitos na

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direção coletiva, vislumbrando pontes entre eles e os espaços de decisões da

sociedade em sua totalidade. Se faz proeminente construir estratégias onde todas as

atividades desenvolvidas nos serviços socioassistenciais possam ir ao encontro de

reflexões que suscitem sobre a importância vital do protagonismo dos usuários nos

espaços políticos ao seu redor, nas políticas públicas e ainda promover a reflexão

acerca da noção dos direitos sociais, não se restringindo, dessa forma, ao âmbito

relacional dos grupos.

A ausência do debate sobre os direitos revelada por meio das falas dos usuários

demonstra uma lacuna a ser trabalhada na gestão da assistência social. Dos oito

entrevistados, apenas uma usuária se expressou uma necessidade, observe-se: “Ah,

nós conversa sobre nossa comunidade, o que que tá precisando, o que precisa

arrumar, o que precisa vir prá cá. Aqui precisa vim um banco porque tá difícil, não tem

como” (MULHER 3). Não se pode dizer que a questão de direitos não apareceu, veja-

se: “Ah discutimos, sobre educação financeira, ai... sobre direitos, reclamações, né,

deveres, essas coisas, os deveres em casa, como que você vai distribuir o pouco que

você ganha” (MULHER 2). No entanto, os termos “educação financeira”, “deveres em

casa” e “distribuir o pouco que ganham” remetem a temas que, na maioria dos casos,

visam à disciplina e à moralização dos trabalhadores, no sentido de adequar a sua

força de trabalho aos interesses de reprodução do capital.

Existe uma imperativa diferença entre desenvolver um trabalho social com

metodologias de intervenções direcionadas à emancipação e autonomia dos sujeitos e

reproduzir ações que reforçam o ideário da subalternização dos trabalhadores. O relato

da Mulher 3 revela uma preocupação quanto ao direcionamento desse grupo no sentido

dos direitos. A necessidade de fortalecimento da comunidade faz-se presente, por

intermédio da conscientização de que solicitações individuais podem ser expressões de

demandas também coletivas.

A fala da Mulher 2 sobre direitos é patente de que perspectivas moralizantes e

ultrapassadas estão sendo reproduzidas no trabalho em grupos realizado na política de

assistência social poços caldense. Fundamentada na noção de direitos, requisitar que

os indivíduos façam “deveres em casa” consiste em uma invasão ao âmbito privado dos

usuários. A menção ao fato de que os usuários deveriam fazer uso do “pouco que

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ganham”, é um agir profissional que deve ser veementemente combatido na direção da

nova política de assistência social e na categoria dos assistentes socais.

Ainda que, nessas duas narrativas, a noção de direitos esteja expressa de

maneira equivocada, não se pode desconsiderar aqui que seis entrevistados em um

universo de oito participantes revelaram o desconhecimento de seus direitos, sem

terem a mínima ideia da importância de sua intervenção na vida pública. Diante disso,

avalia-se que os usuários dos serviços socioassistenciais de Poços de Caldas não

possuem garantido o seu direito de fiscalizar e de avaliar a política pública em que se

inserem, conforme previsto pelo Plano 10 do SUAS de 2010. Essa afirmação justifica-se

na ausência de conhecimento dos sujeitos demandantes da assistência social poços

caldense acerca do direito do usuário dos serviços socioassistenciais em ter

reconhecido e exercido o seu direito como cidadão.

Dessa forma, percebe-se que o trabalho social realizado com os usuários da

política de assistência social de Poços de Caldas necessita avançar no que concerne à

consolidação do protagonismo dos sujeitos na elaboração das atividades

socioeducativas e também nas escolhas dos temas a eles direcionados. Identificou-se

que ações nessa linha ainda são tímidas e ineficazes no município. É urgente, pois, que

se desenvolvam trabalhos que socializem, radicalmente, a noção de que esses

usuários são sujeitos de direitos, dando visibilidade aos direitos socioassistenciais e à

importância da participação da população enquanto eixo central da construção dos

serviços.

3.3. A Visão dos Usuários sobre os Espaços Participativos na Assistência

Social

Serão problematizadas no presente tópico as perspectivas dos sujeitos de direito

em relação à PNAS e ao seu principal equipamento social da Proteção Social Básica, o

CRAS. Discutir-se-á, também, a opinião dos indivíduos sobre as instâncias de

participação dos usuários na construção da assistência social do país, os Conselhos e

Conferências. Os discursos extraídos das entrevistas em campo serão balizados pelo

enfoque que é dado, no presente trabalho, à participação popular.

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O movimento de redemocratização, cujos anseios foram, em grande medida,

contemplados no texto da Constituição Cidadã de 1988, representou um importante

marco no que tange aos espaços participativos da população e seu protagonismo na

construção das políticas públicas. Iniciou-se, desde então, um empenho da gestão da

política de assistência social na consolidação da participação popular. Suas principais

legislações, diretrizes e normativas indicam essa dedicação, uma vez que assentam a

preocupação com o protagonismo dos sujeitos e com a garantia de instâncias

estimuladoras do controle social, como, a exemplo, a LOAS, a PNAS, o NOB\SUAS e o

Decálogo dos Direitos Socioassistenciais. No intuito de capturar como tem se

concretizado a participação da população na política de assistência social do país, a

visão dos usuários será útil tanto para a formulação de possível estratégias de exercício

profissional, quanto para os questionamentos da qualidade e da efetividade do trabalho

social realizado com eles nos serviços socioeducativos dos CRAS.

O trabalho profissional do assistente social e as requisições solicitadas aos

trabalhadores do SUAS possuem um ponto comum; a busca por processos

participatórios da população nas decisões da sociedade e o compromisso constante

com a emancipação e autonomia dos trabalhadores. A aposta desta dissertação é a de

que os serviços socioeducativos desenvolvidos pela política de assistência social, por

meio dos CRAS, devem adotar metodologias de trabalho social que fortaleçam a

participação dos usuários, através, principalmente, da socialização de informações aos

sujeitos. Interessa-nos, desse modo, o direito dos sujeitos em ter acesso e usufruto do

conhecimento produzido socialmente, utilizando-o na melhoria de suas condições vida.

(MIOTO, 2009).

As reflexões desenvolvidas no percurso da relação estabelecida entre

profissionais e usuários tem que ser diretivas à transparência dos objetivos, dos

princípios e das diretrizes da PNAS. As funções do CRAS devem ser conhecidas, bem

como a importância dos Conselhos e Conferências para a construção das políticas e

para a centralidade da participação popular como ferramenta de trabalho

socioassistencial.

Na tentativa de capturar o significado da Política Nacional de Assistência Social e

dos Centros de Referência de Assistência Social para os usuários dos serviços

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socioeducativos do PAIF do município de Poços de Caldas, indagou-se a compreensão

dos sujeitos acerca da política e de seu equipamento social. Sempre considerando a

riqueza que as narrativas dos usuários são portadoras, essencialmente, por darem luz

aos seus anseios, três questões destacam-se nos relatos, a saber: (1) a visão dos

usuários do CRAS enquanto um espaço que oferta aprendizado, torna-se evidente que

tal equipamento se configura como um bom campo relacional26, os entrevistados dizem

que são bem atendidos e se sentem acolhidos; (2) a forte presença da noção da

assistência social como ajuda, reafirmando que a cultura da benemerência; e (3) o

esvaziamento da noção de direitos nas falas dos usuários ao inferirem suas visões

sobre os CRAS, evidenciando a ausência do debate cotidiano acerca dessa temática

nos serviços socioeducativos do PAIF de Poços de Caldas. Veja-se a apreensão deles,

em relação ao CRAS, na tabela:

Tabela 9 – Excertos de entrevistas sobre a compreensão dos sujeitos acerca

da PNAS e do CRAS – MG

Sujeito Relato

Adolescente 1

Nossa tanta coisa. Aprendizado é uma das primeiras palavras que vem

na minha cabeça porque eu acho que todo mundo que passa aqui

aprende bastante coisa, tanto sendo atendido, tanto sabe, eles são

carinhosos com a gente. É bom. É bom ter uma pessoa que você pode

conversar, que tá disposto a te ouvir se você quiser se tiver com

problema ou qualquer coisa do tipo. A pessoa vai te ouvir se você pedir

pra ela te ouvir. É isso aí, ainda mais eu que gosto bastante de falar,

adoro, adoro falar, rs.

Adolescente 3 Acho que é uma maneira de ajudar a população, o povo da região.

26

A Segurança do Convívio compõe a Proteção Social Brasileira, definida pela PNAS\2004 como: Tem por foco a garantia do direito constitucional à convivência familiar, com vistas ao enfrentamento de situações de isolamento social, enfraquecimento ou rompimento de vínculos familiares e comunitários, situações discriminatórias e estigmatizantes, por meio de ações centradas no fortalecimento da autoestima, dos laços de solidariedade e dos sentimentos de pertença e coletividade. Alguns autores se referem às relações de convivência como uma rede de apoios de sociabilidades, capaz de oferecer um ambiente educativo e emocionalmente seguro às pessoas em sua convivência social.

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Adolescente 4 Uai, pra ajuda quem precisa.

Mulher 1 É um lugar que ajuda nós, as pessoas.

Mulher 2

Ah, o CRAS é um apoio que a gente tem né, às vezes você não

consegue saber o que você vai fazer e o CRAS te encaminha a fazer o

que, te aconselha sabe o que é certo de você fazer na hora, então você

vai pelo CRAS, porque às vezes a gente não tem muita ideia e outras

pessoas tem mais que a gente, que sabe entende né.

Tabela 9 (cont.) – Excertos de entrevistas sobre a compreensão dos sujeitos

acerca da PNAS e do CRAS – MG

Sujeito Relato

Mulher 2

(continuação)

É um lugar bacana pra fazer colegas e amizades, no grupo da pra

conversa bastante, é bom pra conhecer pessoas e algumas coisas

Mulher 3

Primeiro eu pensava que era só pra alcoólicos anônimos, né, as pessoas

que bebem que ficavam internadas aqui, aí depois que eu comecei a

participar aqui que eu vi que é diferente, tirando muitas crianças da rua,

eu vejo tanta criança aqui mexendo no computador né, eu acho que é

muito bom porque tira as crianças da rua, as menininhas, os menininhos,

né, eu acho que é muito bom.

Mulher 4

Ah, igual eu falei que no CRAS eles são muito bons, eu tava numa pior,

eu tava angustiada eles conversa, da uma ajuda pra nós, consegui pagar

minhas contas, no CRAS a gente aprende muita coisa.

Fonte: Entrevistas realizadas

O Centro de Referência da Assistência Social de Poços de Caldas foi retratado

como um espaço de apoio à população, onde o aprendizado sobre como tomar

decisões perante à vida ganha destaque, conforme os relatos a seguir:

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Aprendizado é uma das primeiras palavras que vem na minha cabeça porque eu acho que todo mundo que passa aqui aprende bastante coisa, sendo atendido (ADOLESCENTE 1). A gente aprende muita coisa (MULHER 4); Às vezes você não consegue saber o que você vai fazer e o CRAS te encaminha a

fazer (MULHER 2).

Além de apoio e aprendizado, destaca-se o fato de que os equipamentos sociais

da Proteção Social Básica do município poços caldense possuem legítima preocupação

com o campo relacional dos atendimentos realizados pelos CRAS, como bem sinalizam

as seguintes falas: “É bom ter uma pessoa que você pode conversar, que tá disposto a

te ouvir se você quiser se tiver com problema ou qualquer coisa do tipo. A pessoa vai te

ouvir se você pedir pra ela te ouvir”. (ADOLESCENTE 1); e “Ah, igual eu falei que no

CRAS eles são muito bons, eu tava numa pior, eu tava angustiada eles conversa”.

(MULHER 4).

O esforço na garantia da Segurança de Convívio empreendido pelos

profissionais e pelos gestores da política de assistência social de Poços de Caldas

trata-se, sem sombra de dúvidas, de um importante avanço na implantação desta

política pública no município. A reflexão sobre a noção de direitos é, todavia, fundante

em um equipamento que se fundamenta em assegurar e em defender o alargamento

dos direitos sociais e o seu acesso. É preocupante a ausência de percepção, por parte

dos usuários, da principal característica de tal equipamento social: a noção de direitos.

O combate à cultura da benemerência, que, historicamente, marcou a

assistência social do país, tem sido problematizado de maneira constante em seus

espaços de diálogo. Arrisca-se afirmar que a maioria das legislações, dos documentos,

das diretrizes e das normativas da PNAS contempla essa reflexão. A tentativa de

ruptura com práticas assistencialistas na assistência social se consolidou na década de

1980 e, desde então, corresponde a um ponto de permanente discussão,

principalmente por seu caráter refratário em tal política. Por se tratar de um tema

debatido de maneira ampla e frequente nas arenas de construção da política social em

questão, é que se torna evidente a necessidade de socialização dessa temática nos

atendimentos ofertados pelos CRAS aos sujeitos de direitos, no sentido de desmistificar

jargões como a visão da assistência social enquanto ajuda e não como um direito. Algo

que serve ao reforço de seu estigma de tutela e benemerência.

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A despeito dos esforços de desconstrução da visão da benemerência, os

usuários de Poços de Caldas deixam claro que resquícios do assistencialismo ainda

determinam suas visões e expectativas do serviço socioassistencial. O assistencialismo

faz-se presente no imaginário da população, como demonstram algumas passagens

das falas dos entrevistados: “Acho que é uma maneira de ajudar a população, o povo

da região” (ADOLESCENTE 3); “Uai, pra ajuda quem precisa” (ADOLESCENTE 4); “É

um lugar que ajuda nós, as pessoas” (MULHER 1); “Dá uma ajuda pra nós” (MULHER

4).

A apreensão da Mulher 3 sobre o CRAS ser um espaço dos Alcoólicos Anônimos

deriva do fato de o CRAS/Leste (equipamento de referência da entrevistada) encontrar-

se localizado em um terreno com duas grandes “casas”, sendo uma o CRAS e uma

outra a casa de passagem da cidade, onde costumeiramente abrigam-se os usuários

de álcool do município. Os que eventualmente saem de casa ou rompem vínculo total

com a família acabam por morar na casa de passagem. O CRAS está instalado na

“casa” da frente, e a casa de passagem, na dos fundos. As “casas” são totalmente

separadas e independentes uma da outra. A percepção dessa usuária sobre o principal

equipamento da proteção social básica do país alude, também, à presença do

conservadorismo na assistência social do município em questão, pois sua narrativa é

expressiva no que tange a sua visão dessa política como ajuda, reparem:

[...] tirando muitas crianças da rua, eu vejo tanta criança aqui mexendo no

computador né, eu acho que é muito bom porque tira as crianças da rua, as menininhas, os menininhos, né, eu acho que é muito bom. (MULHER, 3, 2014)

Denunciar o caráter refratário do ideário conservador e de práticas

assistencialistas no cenário da assistência social não significa acreditar que os

mecanismos criados até o momento estão esgotados, mas, sim, reconhecer que a ideia

da assistência social como ajuda é um de fato complexa de equalização, haja vista sua

reincidência em tal política pública. As respostas dos entrevistados evidenciaram a

persistência da ideologia do favor na PNAS de Poços de Caldas, por encontram-se

totalmente esvaziadas da noção de direitos. Reforça-se o assistencialismo, uma vez

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que os sujeitos poços caldenses ainda percebem o atendimento ofertado pelo CRAS

como uma “ajuda” do governo e não como um direito social.

Diante do exposto, é cabível a afirmação de que se caminha no sentido de

reconhecimento da necessidade de estabelecer metodologias críticas, no trabalho

social realizado nos serviços socioeducativos, que tenham resultado do debate

cotidiano e da luta pela desconstrução de que a assistência social se configura em

ajuda. As narrativas dos sujeitos, ao contrário, revelam a preponderância de atividades

de resistência ao assistencialismo no cenário contemporâneo. As ações devem se

nortear na busca pela reversão da visão assistencialista da política, para o olhar do

direito. Tanto os gestores quanto os trabalhadores do SUAS precisam ter ciência dos

efeitos nocivos da lógica da benemerência imposta à assistência social do país. Esta é

a pré-condição para a elaboração de mecanismos capazes de combater, efetivamente,

a ideologia do favor, que reforça e que reproduz a subalternidade histórica imposta aos

demandantes da assistência social do país (Yazbek, 1993).

Há ausência de debates sistemáticos nos serviços socioeducativos do município

de Poços de Caldas acerca dos direitos sociais. É preocupante identificar que os

usuários da Proteção Básica poços caldense não conseguem ter clareza dos objetivos

do equipamento social da qual fazem parte. A única apreensão que eles conseguiram

formular sobre as funções dos CRAS, principal espaço da atenção básica do país,

restringe-se às atividades desenvolvidas nos grupos. Tal compreensão evidencia a

lacuna das ações educativas deste equipamento na cidade, por considerar o olhar

reduzido de seus usuários para o mesmo, sem salientarem do compromisso central dos

Centros de Referência com a consolidação, com a expansão e com a universalidade

dos direitos sociais.

As respostas dos sujeitos sobre suas percepções do CRAS não condisseram

com a nossa expectativa que elas relevariam a noção de direitos como um fator

presente em suas experiências do trabalho em grupo. Suas ideias demonstram,

entretanto, a existência de um saber do que vem a ser o CRAS, ainda que mínimo.

Essas tentativas de benéficas de apreender sobre a função dos Centros de Referência

de Assistência Social se contrapõe ao surpreendente desconhecimento sobre a Política

Nacional de Assistência Social. Nenhum dos entrevistados soube dizer o que ela é,

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note-se: “Nunca ouvi falar!” (ADOLESCENTE 3); “Não, não sei o que é.”

(ADOLESCENTE 4); “Nunca ouvi falar.” (ADOLESCENTE 2); “Nunca ouvi falar.”

(MULHER 1); “Não, não ouvi dizer, não.” (MULHER 3); “Não ouvi falar.” (MULHER 4)”.

Outras falas revelam que as usuárias já ouviram algo sobre a política pública de

assistência social, sem saber explicar para que serve. A Adolescente 1 informou: “Já

ouvi falar sim, mas não sei explicar direito o que é. Acho que é pra ajudar as pessoas.”

A Mulher 2, por sua vez, afirmou que: “Sim, mas não sei explicar”. Mesmo sem

apreender que a nova política de assistência social brasileira encerra em si a luta pela

desconstrução de sua visão como ajuda e a busca pela efetivação dela enquanto um

direito social. A Adolescente 1 forneceu a única narrativa expressiva de uma noção de

significado da PNAS. Algo que deve ser destacado, já que outros sete entrevistados

não apresentaram apreensão alguma em relação à política social no qual encontram-se

inseridos.

Os relatos dos usuários nessa pesquisa trazem à tona a carência de debates

cotidianos nos serviços socioeducativos dos SCFV dos CRAS de Poços de Caldas,

sobre os objetivos e funções da Política Nacional de Assistência Social. Eles

evidenciam que essa política não tem fomentado reflexões em relação aos direitos

sociais, uma vez que seus demandantes não conseguiram até o momento compreender

a política pública da qual fazem parte.

A ausência da apreensão dos entrevistados sobre as instâncias fortalecedoras

do controle social na assistência social, como os Conselhos e Conferências, consiste

em outro fator preocupante para aqueles que buscam a construção da PNAS pautada,

essencialmente, nos anseios dos sujeitos que demandam por tal política pública. Ao

serem questionados em relação ao entendimento que possuíam sobre os Conselhos e

Conferências, metade dos usuários, ou seja, quatro deles reportaram que não sabem o

que é, veja-se: “Não tenho nenhum entendimento”. (ADOLESCENTE 3); “Não sei o que

é”. (ADOLESCENTE 2); “Não conheço”. (MULHER 3); “Acho que não ouvi falar não”.

(MULHER 4)”. Uma das entrevistadas diz que “já ouviu falar de Conferência no rádio,

mas não sabe do que se trata” (MULHER 1). Essas falas são alarmantes, já que o

entrevistado que menos tempo tem de grupo há onze meses participa do grupo. Isso

significa que durante todo esse período não ocorreu nos serviços socioeducativos dos

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CRAS de Poços de Caldas atividades que possibilitassem a compreensão dos objetivos

e funções dos espaços participativos da assistência social.

Contudo, a fala da Adolescente 1, que participa dos serviços socioeducativos do

CRAS de Poços de Caldas há dois anos e meio, revela uma surpresa positiva que

condiz com o fato da mesma já ter participado, ainda que na condição de ouvinte, de

duas Conferências. Sua narrativa demonstra, todavia, que o formato das Conferências

precisa ser revisto, já que a Adolescente relata que foi cansativo por ser o dia inteiro e

que não captou muita coisa do que foi discutido, repare-se:

Sim! Já participei de duas ou uma não sei. Tem uma que tive que ficar o dia inteiro, nossa pai, cansa! Eu nem não lembro direito o que falou na conferência. A gente cansa, acho que fui duas vezes, tem uma que foi lá perto do CREAS e a outra foi lá na URCA (criança e adolescente), eu lembro que eu fiquei lá o dia inteiro, das 9hs da manhã as 18hs da tarde, essa eu lembro! Eu nem lembro o que que eles estavam discutindo, foi duas vezes. A do CREAS foi muito chata, a da URCA no começo tava legal, uma maravilha, mas depois foi ficando chato de ouvir, um tanto de gente falando, rs. (ADOLESCENTE 1).

Outro depoimento foi positivo no tocante ao entendimento dos usuários das

Conferências como espaços de discussão sobre os direitos sociais. No relato da Mulher

2, demonstrou-se um conhecimento significativo das legislações e, principalmente, de

um lugar em que os interesses da população demandante dos serviços

socioassistenciais devem ser priorizados. Sua perspectiva ancora-se no fato de que

essa usuária obteve tal apreensão acerca das Conferências por meio de sua

participação no grupo do CRAS. Formulações como essas indicam que, em algum

momento, o trabalho social realizado nos grupos de Poços de Caldas disponibilizou

ações esclarecedoras das reais funções e objetivos das Conferências de assistência

social, veja-se:

[...] já, até eu ia participar de uma conferência que ia ter, que teve há pouco tempo, mas eu não pude ir, né que é expor os direitos sociais, as vontades das pessoas, as leis, né é isso aí, eu ouvi falar da conferência no CRAS. (MULHER

2).

A percepção da Adolescente 4 de que os Conselhos Participativos e o Conselho

Tutelar são uma coisa só é representativa de que faltam atividades que consolidem,

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nos serviços socioeducativos do PAIF do município de Poços de Caldas, o

entendimento sobre as instâncias de participação da política pública de assistência

social no sentido de fortalecer o controle social dos usuários. A confusão da usuária,

que se configura no entendimento equivocado de que os Conselhos Participativos das

políticas sociais dizem respeito ao Conselho Tutelar, reflete na clara ineficiência da

Política Municipal de Assistência Social poços caldense em esclarecer aos seus

usuários sobre a importância de suas instâncias deliberativas. Ficando evidente que o

trabalho social realizado nos SCFV do município não tem possibilitado aos sujeitos, o

conhecimento dos espaços de participação política da assistência social.

Outra impressão causada a partir dessa fala concerne ao fato de os usuários

possuírem uma elaboração do que é o Conselho Tutelar, mas não conseguem elaborar

o que são os Conselhos das políticas públicas. Ressalta-se que a ideia de Conselho

Tutelar encontra-se associado à ideia de “policiamento” para a população. Sua principal

função se restringiria na retirada das crianças de suas famílias. Esse pensamento

reafirma que a PNAS/2004 em Poços de Caldas, não se encontra presente no

imaginário dos sujeitos enquanto um lugar de garantia de direitos, pois a fala da

adolescente indica que os espaços visualizados pela população, por seu caráter

punitivo e disciplinador, fixaram-se suas lembranças. Os novos equipamentos que

buscam o controle social dos usuários, como os Conselhos das políticas públicas, não

estão consolidados no ideário dos demandantes da assistência social poços caldense,

demonstrando o quanto é preciso caminhar na concretização de uma ideologia de

direitos e do protagonismo popular.

O desconhecimento dos usuários acerca dos Conselhos Participativos e das

Conferências, revelado por meio das falas dos sujeitos entrevistados fere um dos

grandes desafios da Política Nacional de Assistência Social: a de “a criação de

mecanismos que garantam a participação de usuários nos Conselhos e Fóruns

enquanto sujeitos e não mais como sub-representados” (MDS, 2004, p.59). Os

resultados da pesquisa demonstram os limites quanto à organização dos usuários,

tornando-se um grande obstáculo ao exercício da participação enquanto instrumento de

controle social.

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Na tentativa de apreensão do entendimento dos usuários que utilizam os

serviços socioeducativos da assistência social da cidade de Poços de Caldas acerca do

tema central desta dissertação, perguntou-se o que entendiam por participação popular.

Foi interessante perceber que, ao contrário das respostas obtidas nas indagações a

respeito dos Conselhos e Conferências e também do significado da PNAS, muitos

usuários responderam positivamente. Os relatos dos entrevistados, apesar de trazerem

equívocos, demonstram um entendimento mínimo do que representa à participação

popular, objeto central desse trabalho.

As narrativas de alguns entrevistados encontram-se sumarizadas na tabela

seguinte:

Tabela 10 – Excertos de entrevistas sobre a compreensão dos sujeitos acerca

da participação popular – MG

Entrevistado

(a) Relato

Adolescente 3 Quando as pessoas dos bairros se juntam para reclamar das coisas

Adolescente 4 Participação nossa.

Mulher 2

É um todo né, um grupo. Um grupo pra decidir, para votar, como é que

fala pra resolver, é isso que eu acho, dizem que a união faz força, né, dez

falam por um.

Fonte: Entrevistas realizadas

Tais falas não demonstram explicitamente a noção de direitos ou do controle

social nas políticas públicas, mas expressam a compreensão dos sujeitos do imperativo

dos indivíduos de um mesmo território se “juntar” para “reclamar das coisas”, pois a

“participação é nossa” e a “união faz a força”. Esses usuários, por intermédio de suas

narrativas, conseguiram expressar a necessidade de a população retirar o seu

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pensamento do plano individual com o objetivo de pensar e executar ações no âmbito

coletivo.

O relato da Adolescente 1 também indica a proeminência de se estabelecer

ações refletidas a partir de um ideário coletivo, buscando a ruptura com a cultura do

individualismo. Essa usuária, além de referir sobre a importância da construção de

atividades que ultrapassem a lógica individual, menciona, também, o importante papel

do CRAS em sua nova visão a respeito do que significa a participação popular. Essa

narrativa expressa uma tentativa da gestão municipal da assistência social de Poços de

Caldas e o esforço dos trabalhadores em concretizar um direito assegurado pela nova

PNAS de 2004: a participação da sociedade enquanto condição essencial à gestão

dessa política pública. Veja-se:

Quando eu penso em participação popular o que vem na minha cabeça é a voz do povo! Acho que os socioeducativos nos grupos ajudam muito para a participação popular. Depois que eu entrei aqui, nossa eu melhorei demais nessa questão, sabe, de querer participar, sabe, antes eu não estava nem aí, nem ligava, mas agora não, agora eu quero participar, quero saber o porquê que aquilo esta acontecendo, antes do CRAS eu não estava nem aí, nem saia de casa pra falar verdade, depois que eu entrei no CRAS eu tive vontade, de querer saber o porquê tanta coisa acontece e eu nem sabia que aquilo tudo acontecia, sabe, agora que eu to aqui eu quero saber o porquê que isso acontece e o porquê que isso está acontecendo. (ADOLESCENTE 1).

A fala da usuária é aponta para o compromisso da gestão da assistência social,

dos trabalhadores e, nesse caso especifico, dos que estão inseridos nos serviços

socioeducativos do PAIF de Poços de Caldas viabilizando fortalecimento da

participação da população, por meio do principal equipamento da Proteção Social

Básica, o CRAS. Expressões como essas estimulam os diversos atores sociais

envolvidos com a construção dessa política ancorada no protagonismo popular e na

consolidação e alargamento dos direitos sociais. Comprovam, por conseguinte, a

articulação entre usuários e trabalhadores desta política pública no sentido concretizar

o direito dos sujeitos à participação popular, como foi sugerido por Iamamoto (2010) e

Rizzotti (2009).

Outros entrevistados, todavia, afirmaram desconhecer o sentido da participação

popular: “Participação popular? Não tenho a menor ideia!” (MULHER 3, 2014). Já limitando a

participação popular ao sentido de participação nos serviços socioeducativos dos

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CRAS, uma das entrevistadas expressou seu desconhecimento sobre participação

popular: “Participação? Você participar dos grupos. Participar das reuniões tem muita

gente que falta muito, né. Eu já não gosto. Agora que nós voltamos de férias quase não

tinha ninguém só umas três pessoas”. (MULHER 4, 2014).

Tais depoimentos denotam que esses usuários, mesmo inseridos em um espaço

onde o debate acerca do protagonismo dos sujeitos deveria se fazer presente de forma

sistemática, não possuem o mínimo entendimento do que significa o termo em questão.

No entanto, o relato do Adolescente 2, revela um descompasso enorme com o que de

fato se configura a participação da população na nova política de assistência social:

Participação popular? O que vem na minha cabeça é participação assim, como que fala, daqueles que é bastante conhecido na cidade ou no local. As pessoas mais, como que fala por mim popular é aquela pessoa mais conhecida, mais estilosa, pra mim é isso. (ADOLESCENTE 2).

Sua narrativa, para além de demonstrar um olhar equivocado acerca da

temática proposta, apresenta uma visão elitizada da participação popular, por

considera-la algo exclusivo para os escolhidos e bem sucedidos, pois o sentido de

“pessoa estilosa” utilizada pelo adolescente encontra-se totalmente atrelado a ideia de

uma pessoa famosa, que consegue se sobressair perante os demais. Ao enxergar a

participação popular como algo que só pode ser realizado por um tipo determinado de

pessoas, o Adolescente 2, vai de encontro aos princípios e às diretrizes da nova PNAS

que asseguram a participação da população como um direito a ser exercido por todos

aqueles que dela necessitarem. A fala ainda evidencia uma grave lacuna no trabalho

social com as famílias e com os indivíduos realizado pela assistência social do

município de Poços de Caldas, qual seja: a ineficiência em informar os usuários e/ou

em fornecer esclarecimentos sobre uma diretriz central da Política Nacional de

Assistência Social, a participação da população, negligenciando, de certa maneira, um

direito social consagrado pela Carta Constitucional. Por essa razão é que é tão urgente

que os profissionais inseridos nos serviços socioeducativos se comprometam com

metodologias de trabalho pautadas na reflexão crítica, no sentido de garantir direções

coletivas, visando sempre a autonomia e a emancipação dos sujeitos, por meio,

essencialmente, de seu protagonismo na construção desse processo.

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As intenções do presente capítulo foram divididas em três seções, a primeira

trata da apreensão acerca do lugar da participação popular no SUAS, tendo como pano

de fundo a afirmação de que para haver a participação da população se faz necessário

que os poderes políticos, sociais, econômicos e culturais sejam democratizados e

compartilhados. Para tanto, sugere-se aqui que os serviços socioeducativos

desenvolvidos nos CRAS se coloquem enquanto um mecanismo fomentador da

socialização desses poderes, onde a gestão municipal da política de assistência social

dirija suas ações pautadas pelo horizonte da cultura de direitos.

Na segunda seção almejou-se apreender acerca da perspectiva daqueles a

quem são destinados os serviços socioeducativos do CRAS, os usuários. Afinal,

desenvolver os seus discursos concerne àquilo que há de mais relevante para o

processo de implantação do Sistema Único de Assistência Social. E, por fim, o último

tópico buscou capturar as impressões dos sujeitos de direitos do universo pesquisado

em relação à própria PNAS de 2004, ao CRAS, aos Conselhos Participativos e

Conferências, e, ainda, sobre o eixo central desse trabalho: a participação popular. As

falas dos usuários podem ser usadas como parâmetro para o comprometimento da

gestão municipal da política de assistência social e dos trabalhadores assistentes

sociais inseridos nesse processo, com o fortalecimento do protagonismo dos sujeitos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito

de caminhar

THIAGO DE MELO

Nessa dissertação buscou-se demonstrar que a participação popular, direito

social assentado na Política Nacional de Assistência Social de 2004, deve ser

estimulada e fortalecida por meio dos serviços socioeducativos do PAIF. A

participação, como afirmou Avritzer (2010), não emerge sozinha, carecendo de estímulo

cotidiano e sistemático. Partindo do pressuposto de que a participação da população

constitui um direito social, o esforço empreendido neste trabalho articulou-se em torno

da investigação das maneiras pelas quais esse direito tem se concretizado em serviços.

Buscou-se, ainda, apreender a contribuição da gestão da própria política e do trabalho

profissional dos assistentes sociais inseridos nos grupos dos CRAS de Poços de

Caldas no que concerne ao protagonismo popular.

Constatou-se, por intermédio de pesquisa empírica e bibliográfica, que o

pensamento conservador insiste em incidir sob o trabalho social com famílias e com os

indivíduos que é ofertado pela política pública de assistência social do país27. A

presença do conservadorismo na assistência social advém dos resquícios históricos

deixados pelo colonialismo28, forjando o reconhecimento da questão social no Brasil de

maneira tardia, somente em 1930, de forma que o Estado tomou frente de sua gestão,

por vias paternalistas e clientelistas, seguindo numa tentativa contínua de excluir o povo

de qualquer decisão política nacional, configurando, assim, em um adiamento do

processo democrático da sociedade brasileira.

É importante pontuar que foi nessa conjuntura de reconhecimento do Estado frente

à questão social que surgiram, na sociedade, as políticas públicas, em uma clara

tentativa do capitalismo industrial em controlar a força de trabalho da população, no

27

Ver mais detalhes sobre a presença do conservadorismo na assistência social brasileira em Yazbek (2010), Torres (2013) e Eufrasio (2014) 28

Ver mais em Sodré (1965).

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sentido de adequá-la aos ditames da acumulação capitalista. Nesse mesmo cenário,

emergiu o Serviço Social, que, ao atuar nas políticas sociais, reforçou os interesses

burgueses na direção do controle dos trabalhadores, através de ações profissionais

ancoradas em concepções e práticas conservadoras.

A partir do final da década de 1960, com o Movimento de Reconceituação do

Serviço Social nos países da América Latina, e, posteriormente, com o advento do

processo de intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional brasileiro nos anos

1980 (NETTO, 1998), a categoria dos assistentes sociais, assumiu a defesa

intransigente da classe trabalhadora, abrindo um caminho de rompimento com o

trabalho profissional direcionado à cooptação dos trabalhadores e difusor de ideais

conservadores, para trilhar a direção de uma ação comprometida com a classe

socialmente explorada, colocando-se em defesa do alargamento da democracia e do

protagonismo, autonomia e emancipação dos sujeitos.

No mesmo momento em que a vertente da intenção de ruptura ganhava

hegemonia nas entidades representativas do Serviço Social, a sociedade, graças às

contribuições dessa categoria profissional e de outros diversos segmentos e

movimentos sociais com ideais progressistas, avançava, consagrando no Brasil, a

Constituição Federal de 1988. Foram assentados, nessa Carta Magna, vários anseios

dos trabalhadores, já que a sociedade civil se mobilizou no sentido de consolidar os

seus interesses na Constituição de 88, instituindo no país o que ficou denominado de

processo de redemocratização. A partir dessa conjuntura, a disputa política entre as

classes sociais pelas políticas públicas no Brasil se acirrou. O projeto burguês,

travestido pelo ideário do neoliberalismo, impunha sérios limites e desafios a

implantação da Constituição Cidadã, comprometendo gravemente a efetivação de uma

cultura democrática no país. Salienta-se que o conflito que atravessa a concorrência

pelas políticas públicas encontra-se na luta pela socialização da riqueza e pelo

exercício dos poderes políticos, sociais, econômicos e culturais da sociedade em sua

totalidade.

O avanço do neoliberalismo e a progressiva expansão do sistema do capitalista

em sua busca incessante de lucro instalaram, na sociedade brasileira do início do

século XXI, a especulação financeira, atingindo a dinâmica dos espaços de produção e

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das relações do trabalho. Os reflexos desse processo são muitos, como exemplos

podem ser citados: o desemprego, o agravamento da questão social e a transformação

das políticas sociais em programas cada vez mais focalizados expressando os impactos

causados pela ofensiva do capital na sociedade contemporânea, como explica

Iamamoto (2013). Dessa forma, constata-se que as políticas sociais do tempo presente

são elaboradas em um cenário de conflito e de disputa de interesses de classe. As

necessidades de recuperação do capital se impõe, por isso, ao cumprimento de metas

da política econômica dos governos no combate às crises capitalistas direciona o

conteúdo dessas políticas em diversos países do mundo (EUFRÁSIO, 2014). No caso

brasileiro, a disputa pelas políticas públicas, de um lado, para atender necessidades e

interesses dos trabalhadores e, de outro lado, para compensar perdas do capital,

colocam em risco as conquistas desencadeadas pelo processo de redemocratização na

direção do alargamento e da consolidação da democracia no país.

Como já demonstrado nesta pesquisa, a Política Nacional de Assistência Social

de 2004 carrega, contudo, na gênese de sua construção, um caráter de ruptura cultural

com atividades ancoradas na concepção conservadora e, por isso, reprodutoras do

assistencialismo, da tutela e da benemerência, na implementação de serviços que

visem a participação da população demandante dessa política social, tendo sempre

como pano de fundo a noção de que esses são sujeitos de direitos. A nova política de

assistência social do país possui um compromisso ético claro, que é convergente com

os pressupostos éticos da profissão de Serviço Social, qual seja: a busca e a

concretização de estratégias que contribuam para a autonomia, a emancipação e o

protagonismo dos indivíduos. Baseando-se neste compromisso, a aposta desta

dissertação assenta-se na investigação sobre a contribuição da PNAS e do trabalho

profissional dos assistentes sociais inseridos nos serviços socioassistenciais da

Proteção Social Básica do município de Poços de Caldas em relação ao estímulo

fortalecimento da participação popular por meio dos serviços socioeducativos dos

CRAS.

As políticas sociais são, por isso, entendidas neste trabalho como um campo de

disputa política, pois, para além de atenderem aos interesses burgueses no sentido de

controlar a força de trabalho da população, podem e devem atender aos interesses dos

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trabalhadores pela ampliação dos serviços sociais básicos, servindo, desse modo, de

instrumento de organização e mobilização da população a partir de seus interesses

mais fortes. (PAIVA e OURIQUES, 2006). Encontra-se aqui o respaldo para a afirmação

de que o conflito que atravessa a disputa das políticas públicas está não só na luta pela

socialização da riqueza socialmente produzida, mas também no exercício dos poderes,

econômicos, culturais sociais e políticos do país.

A pesquisa empírica realizada para o desenvolvimento desta dissertação

revelou, em inúmeros momentos, por meio dos relatos tanto dos profissionais quanto

dos usuários entrevistados, que o compromisso da gestão da política pública de

assistência social com o direito social da participação da população na sua construção

é determinante para a qualidade e para a continuidade de ações profissionais pautadas

na direção coletiva. Duas questões respaldam essa afirmação, a saber: a primeira

condiz com o fato de que todas as assistentes sociais entrevistadas revelaram que a

troca de gestão da Secretaria Municipal de Promoção Social de Poços e Caldas,

ocorrida no ano 2012, resultou em um desmonte (positivo) do trabalho realizado pela

gestão anterior, ao ter fortalecido a participação dos usuários dessa política por

intermédio dos serviços socioassistenciais, materializados pelo trabalho social com

famílias e indivíduos desenvolvidos nos CRAS do município. A secretária de assistência

social que dirigiu a secretaria até 2012 possuía um claro compromisso com o

protagonismo popular. No entanto, com a entrada da nova gestora, os assistentes

sociais foram retirados de todos os grupos do SCFV, sendo esta atribuição apenas dos

profissionais da psicologia. De acordo com uma de nossas entrevistas está ocorrendo

um processo de “patologização da questão social”, além de um claro descompromisso

da nova gestão com a participação popular, como foi bem demonstrado pelas falas das

profissionais analisadas no capítulo II deste trabalho.

O outro ponto que evidencia a vontade política da gestão para a concretização

da participação da população através dos serviços socioeducativos, diz respeito à

identificação de que as respostas mais afinadas do ponto de vista da noção de direitos

e do protagonismo dos usuários são encontradas nas narrativas de duas entrevistadas

que participam dos grupos de um mesmo CRAS, são elas a Adolescente 1 e a Mulher

2. O fato de ambas as usuárias fazerem parte dos serviços há dois anos e meio

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significa que ambas participaram dos socioeducativos ofertados pela gestão da

secretária anterior, a que se preocupava com a concretização da participação popular.

Outra questão, que pode ser considerada a partir dessa constatação, é a de que a

equipe desse equipamento social, que corresponde ao Centro de Referência de

Assistência Social/Centro, manteve-se resistente em continuar na defesa de uma

prática profissional de fortalecimento e de estímulo aos processos que vislumbram, nos

serviços socioassistenciais, direções coletivas.

Considerando que a direção política da gestão da assistência social faz a

diferença na implementação de serviços socioeducativos comprometidos com o

fortalecimento da participação da população, propiciando que os próprios usuários

sejam capazes de forjar o seu protagonismo na construção desta política pública,

defende-se aqui que a PNAS tem que avançar urgentemente na configuração de seus

serviços, de maneira que suas diretrizes, princípios e objetivos estejam presentes no

desenvolvimento cotidiano do trabalho social com as famílias e os indivíduos.

Assim como houve o avanço na tipificação dos serviços socioassistenciais, faz-

se necessário e premente que essa política social seja efetiva, essencialmente, por

meio de diretrizes, normativas, legislação, financiamento, entre outros. A participação

do usuário precisa ser tratada de forma sistemática e contínua nos serviços

socioeducativos ofertados pela mesma, com o objetivo principal de fortalecer e

estimular a autonomia, a emancipação e o protagonismo dos sujeitos, para que eles

possam ocupar, de fato, os espaços de decisões políticas da sociedade em que vivem.

Afinal, se a participação popular é um direito social evidentemente garantido pela

política de assistência social brasileira, ela tem obrigatoriamente que se concretizar em

serviços.

A contribuição do trabalho profissional dos assistentes sociais inseridos nos

SCFV da política pública de assistência social é essencial por carregar um arcabouço

de instrumentos e técnicas totalmente implicados com o fortalecimento da autonomia e

com a emancipação dos indivíduos que atendem - nesse caso, o protagonismo dos

demandatários da PNAS. Salienta-se que a análise do trabalho do assistente social

proposta não se trata de culpabilizar o profissional pelas fragilidades encontradas nos

serviços socioassistenciais do município de Poços de Caldas, mas, sim, de desvelar e

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apontar as dificuldades e os desafios cotidianos encontrados pelos trabalhadores no

que toca a efetivação da participação da população por meio dos serviços

socioeducativos.

Em pesquisa bibliográfica realizada para o desenvolvimento desta dissertação

acerca do trabalho profissional do assistente social na política de assistência social do

país, constatou-se um grande esforço dessa categoria em organizar, produzir e

disponibilizar materiais capazes de dar suporte à atuação do Serviço Social em tal

política pública. O resultado desse vigor materializou-se na criação dos Parâmetros

para a atuação de assistentes sociais da Política de Assistência Social elaborado pelo

CFESS em 2007.

Esse material é contundente ao referir que o trabalhador do SUAS deve se

despir do viés moralizante impregnado historicamente na assistência social brasileira,

buscando incessantemente a ruptura com práticas conservadoras que só servem para

(re) produzir atividades que resultam na disciplinarização dos sujeitos. O documento é

categórico ao inferir que os assistentes sociais inseridos na PNAS devem pautar suas

estratégias profissionais ancoradas em ações que possam ir além da gestão da

pobreza, no sentido de fortalecer: a dimensão de intervenção coletiva junto aos

movimentos sociais, a intervenção profissional voltada para inserção dos usuários nos

espaços democráticos de controle social e uma dimensão de gerenciamento,

planejamento e execução direta de bens e serviços a indivíduos, famílias, grupos e

coletividade, na perspectiva de fortalecimento da gestão democrática e participativa.

(CFESS, 2007).

Diante do exposto, o documento desenvolvido pelo CFESS diz que o perfil do

assistente social trabalhador da política de assistência social deve buscar o rompimento

com visões tradicionais funcionalistas, que tratam as situações sociais como problemas

pessoais, e, por isso, tem que ser equacionados individualmente. Sendo necessário,

então, que esses trabalhadores compreendam que a questão social deriva da estrutura

de um sistema social desigual que remete a classe socialmente explorada a uma árdua

jornada de privações e violações de direitos. Depois da apreensão dos reflexos

econômicos, culturais, políticos e sociais causados pelo modo de produzir capitalista,

cabe ao trabalhador do SUAS um mergulho sobre as legislações, normativas, portarias

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e diretrizes que regulamentam esse sistema. A partir dessas compreensões, os

assistentes sociais inseridos na PNAS possuem condições de pautar a sua intervenção

nos complexos desafios de esclarecer e de definir quais são os desdobramentos

necessários para que os direitos socioassistenciais sejam assimilados e materializados

na vida da população.

A pesquisa bibliográfica realizada neste trabalho demonstrou, contudo, uma

enorme fragilidade da política de assistência social do país em assegurar o direito

socioassistencial da participação popular. A pesquisa empírica desenvolvida nos CRAS

de Poços de Caldas reforça essa afirmação, ao passo que as entrevistas evidenciaram

que esse direito social não se configura efetivo no trabalho social cotidiano realizado

com as famílias e indivíduos inseridos nos grupos do PAIF, além de expressarem que

nenhum usuário entrevistado participa de qualquer espaço de decisão política das

políticas sociais e da sociedade. Isso denota que a nova PNAS não tem sido eficaz em

garantir o direito social da participação popular na sua construção. Supõe-se que uma

estratégia à superação dessa lacuna resida, essencialmente, no fato de que a

participação popular deva urgentemente se concretizar em serviços.

Diante dessa constatação, é imperioso que o trabalho social realizado com as

famílias e indivíduos inseridos na política pública de assistência social direcione-se no

sentido de estimular e de fortalecer a participação popular para que os próprios sujeitos

de direitos sejam capazes de assegurarem o seu protagonismo na construção dessa

política social. Para tanto, fica clara a exigência de um esforço maior dos trabalhadores

do SUAS que precisam desenvolver ações capazes de contribuir com o alargamento da

participação da população nos espaços decisórios não só das políticas públicas, mas

também de todo o tecido social do qual fazem parte.

Portanto, defende-se nesse trabalho que a participação popular precisa ser

cotidianamente estimulada, pois configura-se em um processo que não surge

espontaneamente no imaginário dos sujeitos: ela não emerge sozinha. Tendo clareza

disso e, ainda, noção da ausência de cultura da população brasileira em participar dos

espaços políticos da sociedade, os gestores e trabalhadores da Política Nacional de

Assistência Social devem buscar, incessantemente, mecanismos capazes de garantir o

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estímulo sistemático da participação da população nas instâncias deliberativas e

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APÊNDICE A

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA ASSISTENTE SOCIAL,

ALOCADO NO CRAS DO MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS-MG

A. Dados preliminares

A.1. Data da entrevista;

A.2. CRAS;

A.3. Idade;

A.4. Tempo de trabalho no CRAS.

B. Sobre a gestão da PNAS e a prática profissional cotidiana do assistente

social em Poços de Caldas – MG

B.1. O compromisso da gestão da política de assistência social do município de

Poços de Caldas com os trabalhadores assistentes sociais;

B.2. Os limites, avanços e desafios da implantação do SUAS em Poços de Caldas

no que toca a participação popular;

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B.3. A prática profissional cotidiana e a priorização da Participação Popular;

B.4. Participação dos usuários no planejamento das atividades desenvolvidas nos

CRAS;

B.5. Como são elaboradas as reuniões socioeducativas desenvolvidas nos CRAS.

C. Sobre os serviços socioeducativos e a participação popular

C.1. O planejamento das reuniões socioeducativas e a perspectiva da participação

popular.

C.2. Compromisso da gestão da política de assistência social de Poços de Caldas

com a concretização da participação popular nos serviços socioeducativos do

município;

C.3. Estratégias utilizadas nos serviços socioeducativos para o fortalecimento da

Participação Popular;

C.4. Mecanismos de avaliação sobre o desenvolvimento dos serviços

socioeducativos na direção da participação popular.

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APÊNDICE B

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA USUÁRIO DO CRAS

DO MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS-MG

A. Dados preliminares

A.1. Data da entrevista;

A.2. CRAS;

A.3. Escolaridade.

B. Sobre a participação popular dos usuários da PNAS/2004 inseridos nos

CRAS

B.1. Entendimento dos usuários sobre os grupos dos CRAS;

B.2. A participação dos usuários em outros grupos (bairro onde mora ou em

qualquer outro grupo do município);

B.3. Sobre os temas mais discutidos nos grupos do CRAS. (Ajudam vocês no dia a

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dia);

B.4. Sobre a união dos participantes nas reivindicações por melhorias nos serviços.

(É possível expressar as opiniões das pessoas do grupo?);

B.5. Da participação dos adolescentes na elaboração dos grupos;

B.6. Do entendimento dos usuários em relação aos Conselhos e Conferências;

B.7. Da apreensão dos sujeitos sobre o CRAS;

B.8. Da compreensão dos usuários acerca da PNAS;

B.9. Do entendimento dos sujeitos sobre a Participação Popular.