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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Eduardo Garcia de Lima A aplicação quântica do direito sob a ótica do Capitalismo Humanista: a não neutralidade entre o capitalismo e os direitos humanos e fundamentais Mestrado em Direito São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Eduardo Garcia de Lima

A aplicação quântica do direito sob a ótica do Capitalismo

Humanista: a não neutralidade entre o capitalismo e os

direitos humanos e fundamentais

Mestrado em Direito

São Paulo

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Eduardo Garcia de Lima

A aplicação quântica do direito sob a ótica do Capitalismo

Humanista: a não neutralidade entre o capitalismo e os

direitos humanos e fundamentais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito

Econômico), sob a orientação do Professor Livre-Docente

Doutor Ricardo Hasson Sayeg.

Mestrado em Direito

São Paulo

2016

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Banca examinadora

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À memória do meu pai, Clóvis Garcia de Lima,

a quem devo quase tudo do que sou, com todo o meu amor.

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AGRADECIMENTOS

A gratidão é uma das faces pela qual se manifesta o amor. E como este trabalho é o

resultado de uma jornada que eu não terminaria sem todo o apoio que tive, é hora de

expressar a minha gratidão.

Agradeço a Deus, o Criador Incriado, e a Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida.

À minha esposa, Cristiane Caon de Souza Lima, pelo seu amor e pela sua compreensão

com os tantos compromissos que insisto em assumir.

Às minhas filhas Bruna Souza de Lima e Maria Carolina Souza de Lima, que enchem de

alegria os meus dias e me fazem acreditar num mundo melhor.

À minha querida mãe, Vanda Oliveira Lima, que, com meu pai, Clóvis Garcia de Lima,

nos deu uma família maravilhosa, repleta de amor.

Aos meus irmãos, Evandro Garcia de Lima e Leandro Garcia de Lima, meus amigos e

companheiros de todas as horas, por partilharmos todas as alegrias e tristezas da vida.

Ao meu orientador, o Professor Livre-Docente Doutor Ricardo Hasson Sayeg, mestre,

amigo e irmão, a quem não tenho palavras para expressar toda a minha gratidão por sua

imensa generosidade. A sua amizade é um presente que recebi da vida. A sua teoria, a

sua orientação e sua convivência exemplificam o exercício de amor ao próximo. Sem o

seu incentivo e a sua confiança esta jornada não se tornaria realidade.

Aos meus Professores no Programa de Mestrado em Direito da PUC-SP: Nelson Nazar,

Cláudio José Langroiva, Marcelo Souza Aguiar (in memoria), Cláudio Finkelstein e

Márcia Cristina de Souza Alvim, pelas valiosas lições.

Aos Professores Antônio Carlos Matteis de Arruda Junior e Camila Castanhato, pelos

comentários e sugestões na qualificação, imprescindíveis para o aprimoramento dessa

pesquisa.

À Professora Doutora Edna Maria Barian Perrotti, por ter feito uma cuidadosa revisão,

indicando as falhas expositivas e os equívocos que cometi no desenvolvimento da

dissertação. A sua contribuição e a sua sensibilidade, sobretudo num momento difícil da

minha vida, foram decisivas para o resultado final deste trabalho.

À Fernanda Cristina Covolan, irmã escolhida, elo da corrente infinita de quem faz o

bem sem nada esperar em troca, que caminha comigo desde os tempos da nossa

graduação, e que sempre me motivou a prosseguir na carreira acadêmica e no

magistério.

Ao Diogo Cressoni Jovetta, pela amizade, pela parceria desde os tempos da

especialização, e por ter me ajudado a cumprir uma das exigências indispensáveis para

chegar até aqui.

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À Raquel Ribeiro Pavão Köberle, pelo seu inestimável apoio no escritório e nos meus

estudos, e por partilharmos quase todos os dias o ideal da dignidade humana.

À Josimary Rocha de Vilhena, por sua amizade e disponibilidade, e por partilharmos o

sonho de uma sociedade fraterna desde o início de nossa caminhada no mestrado.

Aos irmãos Robson Santos Chicca, Luiz Bernardo de Almeida e Sônia Levin de

Almeida, pela colaboração na redação dos textos em língua estrangeira, e, mais do que

tudo, pela amizade fraterna.

Aos meus ex-alunos e à direção da Faculdade de Direito UNASP - Centro Universitário

Adventista, do campus Engenheiro Coelho, pela compreensão, pelo incentivo e pelo

apoio quando os deixei para iniciar esta jornada.

A todos os amigos da Casa da Criança e do Adolescente de Valinhos, instituição em que

atuamos unidos em torno do exemplo e da liderança do irmão Anélio Zanuchi,

procurando pôr em prática o exercício do amor ao próximo.

Aos demais amigos – impossível mencionar todos –, porque trago em mim um pouco de

cada um.

A todos, minha profunda gratidão!

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(...) O amor pelo próximo é o princípio subliminar da ordem. É o

sentimento primeiríssimo, o primeiríssimo elã da alma, dos que são

levados a conviver numa comunidade. Mesmo quando obumbrado,

não percebido ou expresso, ele é o sentimento subjacente da união dos

seres na sociedade. É o elo tácito da comunhão humana.

Em verdade, o amor constitui, no imo da consciência de legisladores e

intérpretes, a matriz silenciosa, o submerso manancial, a inspiração

geradora da Disciplina da Convivência. É a origem mais pura, mais

profunda da legislação: a causa das causas.

É a fonte natural do Direito.

Goffredo Telles Júnior

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................

x

ABSTRACT.............................................................................................................

xi

INTRODUÇÃO.......................................................................................................

12

1 O SISTEMA JURÍDICO E OS DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS .................................................................................................

25

1.1 A CATEGORIA JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS E O TRAÇO CARACTERÍSTICO DE EXPLICITAÇÃO DA

DIGNIDADE HUMANA.........................................................................................

25

1.2 ORDEM JURÍDICA, SISTEMA E DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS ..................................................................................................

28

1.3 FINALIDADES DO ORDENAMENTO JURÍDICO, DIGNIDADE

HUMANA E DIREITO COMO MÍNIMO ÉTICO...................................................

31

1.4 OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS

JURÍDICOS...............................................................................................................

36

2 O DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS...................................................................................................

39

2.1 OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS AO LONGO DO

TEMPO......................................................................................................................

39

2.2 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS...........

47

2.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS...................................................................................................

52

2.4 EFEITOS HORIZONTAIS DOS DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS....................................................................................................

53

3 UM NOVO OLHAR: O RECONHECIMENTO DA

COMPLEXIDADE..................................................................................................

56

3.1 OS DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO E A NECESSIDADE DE UM

NOVO OLHAR.........................................................................................................

56

3.2 A INADEQUAÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO DOS SABERES.......................

58

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3.3 A PERCEPÇÃO DA COMPLEXIDADE........................................................... 59

3.4 CONHECIMENTO PERTINENTE E VISÃO HOLÍSTICA.............................

63

3.5 A INTER-MULTI-TRANS-DISCIPLINARIDADE...........................................

66

4 FÍSICA QUÂNTICA E DIREITO......................................................................

70

4.1 O DETERMINISMO CIENTÍFICO DO MODELO FÍSICO

MECANICISTA........................................................................................................

70

4.2 AS REVELAÇÕES DA FÍSICA QUÂNTICA...................................................

73

4.3 A COMPLEMENTARIDADE E A INCERTEZA..............................................

76

4.4 FÍSICA QUÂNTICA COMO NOVO PARADIGMA E DIREITO

QUÂNTICO...............................................................................................................

81

5 O CAPITALISMO HUMANISTA......................................................................

87

5.1 OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS E A ORDEM

ECONÔMICA...........................................................................................................

87

5.2 ECONOMIA E ORDEM ECONÔMICA............................................................

87

5.3 O CAPITALISMO HUMANISTA......................................................................

93

6 A APLICAÇÃO QUÂNTICA E A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS.............................................................................................................

100

6.1 A APLICAÇÃO QUÂNTICA DO DIREITO....................................................

100

6.2 A CONSUBSTANCIALIDADE.........................................................................

107

6.3 O JUS-HUMANISMO NORMATIVO...............................................................

111

CONCLUSÃO..........................................................................................................

118

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................

123

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RESUMO

O presente estudo se propõe investigar a aplicação quântica do direito sob a ótica do

Capitalismo Humanista. Parte do pressuposto de que, na quadra civilizatória atual, não

se concebe a compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos

humanos, e, em consequência, dos direitos fundamentais, e que a realidade apresenta

um dado instigante: não basta ao ordenamento jurídico, e em especial ao Estado, o

reconhecimento desses direitos, pois o que se almeja é mais do que isso: almeja-se a

eficácia desses direitos. Para abordar a teoria do Capitalismo Humanista, foram

investigados não só os conceitos de economia e de ordem econômica, apresentando o

delineamento da referida teoria, que sustenta a concretização dos direitos humanos em

todas as suas dimensões – liberdade, igualdade e fraternidade –, como também a

aplicação quântica do direito como via de efetivação dos direitos humanos e

fundamentais, que traz para a ciência jurídica o conceito de consubstancialidade, pelo

qual se compatibilizam fenômenos aparentemente antagônicos, que sustenta o jus-

humanismo normativo. O estudo realizado mostrou que, na aplicação quântica do

direito, não se cogita de qualquer interpretação jurídica que não seja compatível com

todas as dimensões dos direitos humanos e, em consequência, com a dignidade humana.

Por isso, pode-se afirmar que o Capitalismo Humanista, valendo-se da aplicação

quântica do direito, sustenta a efetivação dos direitos humanos – a ordem jurídica

encontra-se comprometida com a dignidade humana.

Palavras-chave: capitalismo humanista – direito econômico - direitos humanos – direito

quântico – aplicação quântica do direito.

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ABSTRACT

This study aims at investigating the Quantum Law Application, from the Human

Capitalism point of view. From the prior conjecture of the current stage of civilization,

it‘s not conceivable to understand the juridical order without the human rights

acknowledgment and, consequently, of the fundamental rights, and that reality presents

provocative data: to the arrangement of legal orders, particularly to the State, it‘s not

sufficient to acknowledge such rights, since the goal goes far beyond that: it is the

efficacy of such rights that matters. In order to approach the human capitalism theory,

the concepts of economy and economic order were explored portraying the formulation

of said theory which supports the substantiation of human rights in all of its dimensions

– freedom, equality and fraternity – as well as the quantum law application as a way to

guarantee the underlying human rights, providing legal science the concept of

consubstantiality, by which makes seemingly antagonistic phenomena support

normative legal humanism. The study performed showed that in the quantum law

application there is no questioning of any legal interpretation that is not compatible with

all dimensions of human rights, and consequently with human dignity. Therefore it is

possible to state that human capitalism, making use of quantum law application,

supports the effectuation of human rights – the legal system is committed to human

dignity.

Keywords: human capitalism - economics rights - human rights - quantum law -

quantum law application.

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INTRODUÇÃO

... no capitalismo, os homines economici lutam diuturnamente

uns contra os outros e contra o planeta, em estado de natureza,

com manifesta selvageria, tendo a incessante busca patrimonial

ou consumista como propósito final.

Sayeg e Balera

É incontroverso que os direitos humanos tiveram grande impulso após os

horrores da Segunda Guerra Mundial. As graves violações desses direitos, que

resultaram no extermínio de milhões de pessoas, além de tantas outras atrocidades,

assombraram a humanidade.

No campo da ciência jurídica, em consequência da Segunda Guerra

Mundial, foram desenvolvidas severas críticas ao formalismo do positivismo jurídico,

frio e inodoro1, estruturado numa lógica racional cientificista clássica

2, que permitiu a

criação de normas jurídicas que autorizaram até mesmo a prática do holocausto.

Terminada a Guerra, o reconhecimento dos direitos humanos,

provenientes de uma ordem jurídica internacional, resultou numa positivação cada vez

maior desses direitos, que foram inseridos no âmbito do ordenamento jurídico de cada

país, identificados como direitos fundamentais, tal como ocorreu no ordenamento

jurídico pátrio.

1 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O capitalismo humanista – Filosofia humanista do direito

econômico. Petrópolis: Editora KBR, 2011, p. 29/33 2 CASTANHATO, Camila. Liberdade. Tese de doutorado defendida na PUC - SP, 2013, p. 19.

Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16475>. Acesso em

09/01/16.

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A par disso, na atual quadra civilizatória não se pode mais conceber a

compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos, e, em

consequência, dos direitos fundamentais.

Comparato3 adverte que hoje a supremacia jurídica da Constituição

tornou-se um dogma, proibindo-se qualquer contestação doutrinária, sob pena de heresia

maior. Mas esse mesmo autor frisa que essa preeminência normativa tem limites

lógicos, pois a Constituição faz parte do direito positivo estatal, de modo que não se

sobrepõe nem aos direitos humanos nem ao direito internacional. Ainda assim, Flávia

Piovesan sustenta que ―a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos

constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em

que o Brasil seja parte‖4, de modo que a fonte dos direitos humanos não se esgota na

Constituição Federal.

Sucede que, ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais estão

entalhados no ordenamento jurídico, com a finalidade de realização da dignidade

humana, convive-se com uma crescente desigualdade entre os homens, como evidente

resultado do sistema capitalista. Se, de um lado, ―o capitalismo se firmou como o

sistema econômico mais eficiente e recomendável na geração de riquezas‖5 ao longo do

tempo, de outro lado não há como deixar de reconhecer que esse modelo vigente,

neoliberal, espalha cada vez mais a miséria e a degradação do meio ambiente no globo

terrestre.

Nesse contexto, a realidade exibe um dado instigante e de relevo à

ciência jurídica: não basta ao ordenamento jurídico, e em especial ao Estado, o

reconhecimento dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, pois o que se almeja

é mais do que isso: almeja-se a efetivação desses direitos.

3 COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 266.

4 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12 ed., São Paulo:

Saraiva, p. 113. 5 CASTANHATO, op.cit., p. 64.

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Daí a pertinência de se questionar se a efetivação dos direitos humanos e

fundamentais é compatível com o sistema econômico capitalista.

A resposta a essa questão é dada pela teoria do Capitalismo Humanista,

de Ricardo Sayeg e Wagner Balera, afirmando os autores que todas as estruturas

humanistas – de liberdade, de igualdade e de fraternidade – devem ser impostas ao

capitalismo, para que haja sua conformação modelar em prol da humanidade.6

É a partir dessa ótica, ou seja, a partir dessa teoria, que se propõe

investigar no presente estudo se a teoria do Capitalismo Humanista compreende a

concretização dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no sistema capitalista,

Portanto, o que se investiga é se a ordem econômica capitalista é compatível com a

efetivação dos direitos humanos e fundamentais, à luz do Capitalismo Humanista.

Em princípio, basta ver que a Constituição de República proclama, em

seu artigo 170, que ―a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social‖. Ora, a simples menção ao referido dispositivo permite afirmar que a

ordem constitucional, incluindo-se nela a ordem econômica, encontra-se

compromissada com a realização da dignidade da pessoa humana e, consequentemente,

com os direitos humanos.

Visando sistematizar a investigação, o presente estudo parte da premissa

de que não se pode conhecer o ordenamento jurídico sem o reconhecimento dos direitos

humanos e fundamentais, cujo feixe de direitos explicita a dignidade humana. Sustenta-

se que os direitos humanos e fundamentais compõem categorias jurídicas, e que o

ordenamento jurídico tem finalidades predeterminadas, dentre as quais avulta como

valor supremo a dignidade da pessoa humana. Apresenta-se o desenvolvimento dos

direitos humanos ao longo do tempo, em suas distintas dimensões, elencando-se as

características dos direitos humanos e dos direitos fundamentais; demonstra-se, ainda,

aplicação horizontal desses direitos.

6 CASTANHATO, op.cit., p. 64, p. 33.

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Em sequência, a partir dos desafios da globalização, sustenta-se a

necessidade de um novo olhar, holístico, que permita a percepção da complexidade,

conforme propõe Edgar Morin, reconhecendo a inadequação da fragmentação dos

saberes e a necessidade de um conhecimento inter-multi-trans-disciplinar.

Demonstra-se a influência do modelo mecanicista newtoniano no

desenvolvimento das ciências na modernidade, apresentando-se a física quântica como

um novo paradigma científico, que introduziu a incerteza e a complementaridade na

compreensão da natureza, cujas descobertas foram compatibilizadas na ciência jurídica

com o direito quântico, teoria desenvolvida por Goffredo Telles Júnior, que vai se

adequar ao olhar holístico e transdisciplinar proposto por Edgar Morin.

Para abordar a teoria do Capitalismo Humanista, foram investigados os

conceitos de economia e de ordem econômica, apresentando-se, em seguida, o

delineamento da referida teoria, que sustenta a concretização dos direitos humanos em

todas as suas dimensões.

Em seguida, a aplicação quântica do direito foi investigada como via de

efetivação dos direitos humanos e fundamentais, que traz para a ciência jurídica o

conceito de consubstancialidade, pelo qual se compatibilizam fenômenos aparentemente

antagônicos, que sustenta o jus-humanismo normativo. Uma posição teórica que, sem

abandonar a norma, tem uma postura diferente em relação ao positivismo, trazendo para

dentro da norma o conteúdo significante dos direitos humanos, que se encontra na

dignidade humana. Uma abordagem que está em consonância com o marco civilizatório

atual e que sustenta a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, em todo e

qualquer aspecto na aplicação da norma, seja de que natureza for, no que alcança

também o direito econômico.

Em suma, investigar-se-á a não neutralidade entre a ordem econômica e

os direitos humanos e fundamentais e, via de consequência, a pertinência da PEC –

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Projeto de Emenda Constitucional, n. 383, de 20147, que visa inserir como princípio da

ordem econômica a observância dos direitos humanos, acrescentando o inciso X ao art.

170 da Constituição Federal.

O sistema como método

Maria Helena Diniz8 esclarece que ―é o critério adotado pelo jurista que

determina o seu objeto. Essa operação pela qual se constitui o objeto deve ser,

obviamente, governada pelo método, que fixará as bases de sistematização da ciência

jurídica.‖

Assinala a autora que ―a ciência do direito é uma inquietude ante o

problemático. Assim sendo, esse problema só pode ser por ela solucionado se se eleger

um caminho que possibilite ao sujeito pensador ideias firmes sobre o objeto de sua

análise.‖

O método científico de que se serviu essa pesquisa foi o método

sistêmico, ressaltando-se que, por método científico, se deseja indicar a forma de

organização do raciocínio aqui empregada. Veja-se que a indicação de tal método não se

confunde com o pensamento sistêmico, que pode ser considerado como referencial

teórico, já que este trabalho se dedica propriamente à análise do Capitalismo Humanista

como marco teórico. Assim, por meio do método sistêmico, realizou-se a análise do

referencial teórico, entendido igualmente como pertencente à interpretação sistêmica9

do fenômeno jurídico.

7 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 383/2014, de 20 de janeiro de 2014. Câmara dos

Deputados, Brasília, DF, 20 fev. 2014. Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>

Acesso em 02/03/16. 8 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 18. ed., São Paulo: Saraiva,

2006, p. 30/31. 9 CASTANHATO, op.cit., p. 26.

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Tal método de pensamento se afirma no século 20 em contraposição às

interpretações analíticas, em que se estabelecem relações de causa e efeito, muito

frequentes no pensamento iluminista e no moderno. A concepção metodológica

sistêmica parte da ideia de que a compreensão de um dado fenômeno demanda a

compreensão dele dentro de um contexto mais amplo, como componente de um sistema

maior, que será chamado pelos sistêmicos de ―ambiente‖.

Em sua Teoria Geral dos Sistemas, Günter Wilhelm Ulhmann explica

que tal método ―alia a análise (decomposição) do atomismo e a visão da recomposição

(síntese)‖, bem como procura compreender o todo como sendo maior que a soma das

suas partes ―a partir das propriedades emergentes‖.10

Segue o autor explicando que o

pressuposto ontológico de tal método seria que ―o TODO justifica as PARTES e as

PARTES são fundamentais para o TODO‖, na mesma medida em que ―O TODO dá

sentido para as PARTES que o compõem – a assim chamada organização.‖11

O primeiro expoente da Teoria Geral do Sistema foi Karl Ludwig von

Bertalanffy, nos anos 1930, que elaborou uma visão de sistema como sendo ―um

conjunto de elementos inter-relacionados, mas cuja interação é ordenada e não caótica‖,

formando um sistema dinâmico, já que seus elementos não estão ―estagnados no tempo

e no espaço‖.12

Bertalanffy demonstrava, assim, seu inconformismo com as visões

mecanicistas, baseadas na física newtoniana, e partia em busca de uma explicação que

considerasse o todo, as relações das partes e as relações com o ambiente circundantes.

Ulhmann procura sintetizar o pensamento de Bertalanffy no que se refere

à Teoria Geral dos Sistemas da seguinte forma:

10

UHLMANN, Günter Wilhelm, Teoria Geral dos Sistemas - Do Atomismo ao Sistemismo: uma

abordagem sintética das principais vertentes contemporâneas desta Proto-Teoria. São Paulo, 2002.

Disponível em: <www.institutosiegen.com.br/documentos/Teoria_Geral_dos_Sistemas.pdf>, p. 10.

Acesso em 04.01.16. 11

Ibid., p. 15 12

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no

Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 79.

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Há uma tendência geral à integração das varias ciências

naturais e sociais;

Esta integração parece girar em torno de uma teoria geral dos

sistemas;

Esta teoria poderá ter um recurso importante ao buscar uma

teoria exata em campos não físicos da ciência;

Ao elaborar princípios unificadores que correm verticalmente

pelo universo das ciências, esta teoria nos remeterá à meta da

unificação da ciência;

Isto poderá conduzir a uma integração, de cuja ausência a

investigação científica em muito se ressente.13

Nos anos 1970, Charles West Churchman concebeu sua abordagem

sistêmica com enfoque nas ciências sociais, em particular na administração.

Nesta dissertação, importa a percepção sistêmica baseada no continuum

de percepção-ilusão, que, para o autor, pode ser resumida em quatro aspectos:

a) a abordagem sistêmica começa quando, pela primeira vez, vê-se o

mundo por meio dos olhos de outrem;

b) a abordagem sistêmica apercebe-se continuamente de que toda

visão de mundo é terrivelmente restrita. Em outras palavras, cada

visão de mundo enxerga apenas uma parte de um sistema maior;

c) não existe ninguém que seja perito na abordagem sistêmica, isto é,

o problema da abordagem sistêmica é captar o que todos sabem, algo

fora do alcance da visão de qualquer especialista;

d) a abordagem sistêmica não é, de todo, uma má ideia.14

Ainda na biologia (caso de Bertalanffy), a teoria biológica dos chilenos

Humberto Maturana e Francisco Varela também consideraria a auto-organização dos

processos celulares, processos estes que denominariam de ―autopoiésis: os sistemas se

definem (criam identidade) a partir de suas próprias operações‖, sendo estas

―dependentes do sistema no qual são produzidas, o que, por sua vez, produz o próprio

sistema‖. Assim, a autopoiesis permite ―um processo circular de autoprodução de

componentes, capaz de dar sentido às informações do entorno e, por isso, distinguir-se

do mesmo.‖15

13

ULHMANN, op. cit., p. 19 14

Ibid., p. 48 15

BAETA NEVES, Clarissa Eckert e NEVES, Fabrício Monteiro. O que há de complexo no mundo

complexo? Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais. In Dossiê, Sociologias. Porto Alegre, ano 8,

nº 15, jan/jun 2006, p. 182-207. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/soc/n15/a07v8n15.pdf. p. 188>.

Acesso em 13/01/16.

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19

Essa nova percepção de sistemas serviu de espaço para que Niklas

Luhmann desenvolvesse uma teoria dos sistemas sociais levando o pensamento antes

desenvolvido nas ciências biológicas e na administração para as demais ciências sociais.

O autor ―busca na ideia de complexidade a superação da relação causa-efeito‖, e passa a

compreender a complexidade ―como um conceito de observação e descrição, ou seja,

contando com a necessidade da presença de um observador que observa a

complexidade: o observador de segunda ordem.‖16

Essa complexidade extrema do mundo, nesta forma, não é

compreensível pela consciência humana. A capacidade humana não dá

conta de apreensão da complexidade, considerando todos os possíveis

acontecimentos e todas as circunstâncias no mundo. Ela é,

constantemente, exigida demais. Assim, entre a extrema complexidade

do mundo e a consciência humana existe uma lacuna. E é neste ponto

que os sistemas sociais assumem a sua função. Eles assumem a tarefa

de redução de complexidade. Sistemas sociais, para Luhmann (1990),

intervêm entre a extrema complexidade do mundo e a limitada

capacidade do homem em trabalhar a complexidade.17

A partir dessas percepções de inter-relação, de coexistência de diversos

sistemas no mundo complexo, que exercem influências mútuas, é que o Direito pode se

servir de propostas advindas de outras ciências – e com elas precisa se comunicar, bem

como com outros saberes –, pelo que se justifica o método em questão.

A propósito, Guerra Filho afirma que ―o sistema jurídico como um todo,

para a teoria dos sistemas autopoiéticos, é uma criação dos membros da sociedade em

interação comunicativa‖.18

E esclarece que o sistema se mantém autônomo, mas adota

componentes de outros sistemas:

O Direito, em uma sociedade com alta diferenciação funcional de seus

sistemas internos, se mantém autônomo frente aos demais sistemas,

como aqueles da moral, da economia, da política, da ciência, na

medida em que continua operando com seu próprio código, e não por

16

Ibid., p. 189 17

Ibid., p. 190 18

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Autopoiese do Direito na Sociedade pós-moderna: introdução a

uma teoria social sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 68.

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20

critérios fornecidos por algum daqueles outros sistemas. Ao mesmo

tempo, sem que seus componentes percam seu conteúdo

especificamente jurídico, para adotar outros, de natureza moral,

política, econômica, etc., o sistema jurídico há de realizar o seu

acoplamento estrutural com outros sistemas sociais, para o que

desenvolve cada vez mais procedimentos de reprodução jurídica,

procedimentos legislativos, administrativos, judiciais, contratuais.

Tais procedimentos são instituídos para (auto)regulação e

(auto)controle na fundamentação de algum dos possíveis conteúdos

das normas jurídicas, que seja adequado a exigências sociais de

racionalidade, participação democrática, pluralismo de valores,

eficiência econômica etc. Os procedimentos jurídicos é que haverão

de ser estruturados atendendo já a essas exigências, pois não é mais

possível, nas sociedades hipercomplexas de hoje em dia, que o Direito

se limite a consagrá-las formalmente, nem se pode pretender que ele

as realize plenamente.19

O fato de adotar outros componentes, provenientes de outros sistemas

acoplados, ou seja, integrados ao sistema jurídico, não retira sua autonomia.

Com isso se tem uma breve menção da Teoria dos Sistemas, sem que se

pretenda, como já se disse, a apresentação de tal teoria como referencial teórico, mas

sim como método de análise para abordagem da problemática desse trabalho.

Em síntese, nesta pesquisa se deseja refletir sobre a efetivação dos

direitos humanos e fundamentais à luz do ordenamento jurídico, servindo-se de uma

visão sistêmica como método.

O marco teórico da pesquisa

O conhecimento do objeto do presente estudo tem como referencial

teórico a filosofia humanista de direito econômico, proposta por Ricardo Sayeg e

Wagner Balera, denominada Capitalismo Humanista.

19

Ibid., p. 69.

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21

Uma teoria inovadora, que busca compatibilizar a ordem econômica

capitalista com os direitos humanos e, consequentemente, com a realização da

dignidade humana:

O Direito Econômico, portanto, não se restringe ao texto positivado

pela Constituição ou pela legislação, pois considera a intralinguagem,

relevada na categoria jurídica estruturante da dignidade da pessoa

humana, no nível quântico da própria norma jurídica, que é

metaconstitucional e percorre todo o planeta. Significa dizer,

conforme o pensamento de Telles Jr., que ―a ordenação jurídica é a

própria ordenação universal. É a ordenação universal no setor

humano‖, segundo o que o autor chama de ―sistemas de referência

efetivamente vigorantes‖. No nível quântico – daí o intratexto –

verifica-se que no capitalismo o sistema referencial do Direito

Econômico é composto pelos direitos humanos em suas múltiplas

dimensões – harmonicamente incidentes, com o status de equilíbrio

reflexivo –, tendo por propósito a consecução objetiva universal da

dignidade da pessoa humana.20

Em sua atividade interpretativa da norma jurídica, o Capitalismo

Humanista parte do texto normativo, mas avança além do texto, encontrando no

metatexto a dimensão dos valores culturais e, no intratexto, o conteúdo humanístico da

norma. E, diante de diferentes opções hermenêuticas, esta teoria assume que tem

compromisso com aquela de conteúdo marcadamente humanístico:

De acordo com a realidade concreta, os direitos humanos permeiam,

em caráter indissolúvel e acessível, o direito positivo na aplicação

plena da norma jurídica, de modo que as múltiplas opções

hermenêuticas hão de ceder àquela resposta atraída pelo intratexto

humanista balanceada pelo metatexto, agregando-se ao positivismo

jurídico as respectivas dimensões discursiva, cultural e humanista para

o fim da dignificação da pessoa humana.

Texto é linguagem. E esta é viva, dinâmica, uma expressão da cultura

humana na representação mental da existência do universo. A

linguagem textual é apenas a estrutura física da norma jurídica; em

razão disso, a norma jurídica segue a natureza não só do texto, mas

também da linguagem. Não é um objeto inanimado, e sim, por

especificidade, a representação viva do dever ser do homem e de todos

os homens, em permanente transformação. 21

20

SAYEG e BALERA, op.cit., p. 40. 21

Ibid., p34/35.

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22

Trata-se de uma teoria que, ―ao contrário das visões radicalmente

positivistas e cientificistas, não rechaça os valores humanos, pelo contrário, incorpora-

os no intratexto de qualquer discurso vertido em linguagem, sobretudo no discurso

jurídico‖22

, identificando em qualquer norma jurídica o conteúdo significante da

dignidade humana. Contrapondo-se ao positivismo e reconhecendo as mazelas

produzidas pelo sistema econômico capitalista, o Capitalismo Humanista propõe o

resgate do direito natural ou, como dizem os autores, um ―direito natural revisitado‖,

que ―corresponde, na verdade, à concepção pós-moderna de direitos humanos‖23

, e que

almeja a implantação de um Planeta Humanista de Direito:

Nessa esteira, incumbe ao direito natural revisitado a tarefa hercúlea

de conformar a desenfreada liberdade da economia, selvagem e aética,

à universalização da dignidade da pessoa humana e planetária. Disto

decorre a implantação de um Planeta Humanista de Direito que não se

confunde com o intervencionismo descabido na economia, esfera que

deve permanecer, preferencialmente, nas mãos do setor privado e sob

o domínio do mercado. Não obstante, para além de assegurar o

mercado ao setor privado, deve ter o Planeta Humanista de Direito

uma ordem jurídica imanente, monista, planetária, capaz de, a um só

tempo, reconhecer em caráter inafastável e indissolúvel a economia de

mercado e manter uma relação de interdependência com a

concretização multidimensional dos direitos humanos, em prol do

homem e de todos os homens, como também do planeta.24

Assim, resta evidenciada a teoria que serve como marco teórico da

presente investigação, a qual será melhor delineada adiante, no Capítulo V.

Pressuposto: análise jurídica a partir da ordem econômica constitucional

Todo e qualquer trabalho com alguma pretensão científica se sujeita às

mais diversas críticas, sem as quais, em qualquer circunstância, não avança a ciência.

Isso posto – não obstante as críticas que se esperam, com todo acatamento – é de rigor

ressaltar que o presente estudo parte da ordem econômica estabelecida na Constituição

22

CASTANHATO, p. 22. 23

SAYEG e BALERA , op.cit., p. 31. 24

Ibid., p. 30.

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23

da República, que se encontra fundada sobre a propriedade privada, a livre iniciativa e a

livre concorrência, dentre outros princípios, visando [a ordem econômica], segundo o

texto constitucional do artigo 170, a existência digna de todos e a justiça social. Trata-

se, sem dúvida, de uma ordem econômica capitalista.

Nesse mesmo sentido é a percepção de Thiago Lopes Matsushita25

:

Não deixa margens a dúvidas o caput do artigo 170 da CF sobre a

opção capitalista, cujo perfil é desenhado constitucionalmente. A

expressão ―garantir a todos existência digna‖ somente pode ser a

referência e subserviência da ordem econômica ao princípio da

dignidade da pessoa humana. Mas, como a ordem econômica é um

direito aplicado preferencialmente no coletivo, evidente que a

referência não foi à pessoa, mas sim a todos, o que significa à

população. A economia não está a serviço de um, mas sim a serviço

da população, dando-lhe a plataforma concreta de edificação dos

demais direitos humanos, compreendidos no conceito de dignidade da

pessoa humana e cidadania. Daí a opção capitalista humanista da

Constituição Federal ser induvidosa e seus valores integrarem os

feixes dos direitos fundamentais, como os de terceira geração, por

serem inerentes ao gênero humano da população.

Ora, como a Constituição da República estabelece uma ordem econômica

capitalista, este é um pressuposto de que parte a investigação proposta. A par disso,

críticas que tenham por fundamento o anseio de modificação do sistema econômico

constitucional, como daqueles que defendem a alteração do regime capitalista para o

regime socialista, ficam adstritas ao campo da política, não adentrando ao campo da

ciência jurídica.

Isso porque se trata de uma investigação jurídica, que tem por objeto o

estudo da ordem jurídica, mais especificamente da ordem econômica, que, no caso

brasileiro, tem um perfil de regime econômico capitalista, vez que consagra, a um só

tempo, a liberdade de iniciativa e a liberdade privada no ―caput‖ e no inciso II do art.

170 da Constituição Federal.

25

MATSUSHITA, Thiago Lopes. Análise Reflexiva da Norma Matriz da Ordem Econômica.

Disponível em: <http://www.pucsp.br/capitalismohumanista/downloads/analise_reflexiva_da_

norma_matriz_da_ordem_economica.pdf>. Acesso em 31.10.15, p. 137.

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24

Apresentadas as notas introdutórias do presente estudo, com a

demarcação da teoria dos sistemas como método e do marco teórico, passa-se a abordar

a temática dos direitos humanos, com o objetivo de demonstrar que, na quadra

civilizatória atual, eles estão entranhados no ordenamento jurídico.

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25

CAPÍTULO 1

O SISTEMA JURÍDICO E OS DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS

1.1.A CATEGORIA JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS E

O TRAÇO CARACTERÍSTICO DE EXPLICITAÇÃO DA DIGNIDADE

HUMANA

A presente investigação pressupõe que não se concebe a compreensão da

ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos e, em consequência, dos

direitos fundamentais.

Isso posto, é preciso salientar que os direitos humanos precedem os

direitos fundamentais. Melhor dizendo: os direitos fundamentais originam-se dos

direitos humanos, pois são o reconhecimento posto dos direitos humanos, voltados à

dignidade da pessoa humana, que enseja o nascimento dos direitos fundamentais.

A vinculação estreita entre os direitos humanos e os direitos

fundamentais fica bem evidente no esclarecimento de Comparato:

Quanto aos direitos humanos, a doutrina germânica da primeira

metade do século XX, confrontada com o horror nazista, foi obrigada

a retomar a distinção clássica entre o direito natural e o direito

positivo, passando a distinguir direitos humanos não positivados

daqueles expressamente declarados no texto constitucional, estes

últimos denominados direitos fundamentais (Grundrechte). A

distinção acabou consagrada na Lei Fundamental alemã de 1949. A

Constituição Federal brasileira de 1988 aceitou esse discrime, ao

dispor, no art. 5º, parágrafo 2º, que ―os direitos e garantias expressos

nesta Constituição não excluem outros decorrentes do e dos princípios

por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte‖. Ou seja, na nova estrutura

constitucional, os princípios, ainda que não declarados explicitamente,

sobrepõem-se às regras, sendo que as normas de direitos humanos têm

natureza de princípios. 26

26

COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 266.

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26

Ingo Wolfgang Sarlet explica que a dignidade da pessoa humana abre o

sistema jurídico ao reconhecimento de direitos e garantias fundamentais positivados em

tratados internacionais em matéria de direitos humanos:

Um dos setores onde se manifesta a transcendental importância da

dignidade da pessoa humana na ordem constitucional, designadamente

na sua conexão com os direitos fundamentais, diz com sua função

como critério para a construção de um conceito materialmente aberto

de direitos fundamentais. Com efeito, não é demais relembrar que a

Constituição de 1988, na esteira da revolução constitucional pátria

desde a proclamação da República e amparada no espírito da IX

emenda da Constituição norte-americana, consagrou a ideia de

abertura material do catálogo constitucional dos direitos e garantias

fundamentais. Em outras palavras, isto quer dizer que, além daqueles

direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo

Constituinte, existem direitos fundamentais assegurados em outras

partes do texto constitucional (fora do Título II), assim como integram

o sistema constitucional os direitos positivados nos tratados

internacionais em matéria de direitos humanos.27

A par disso, pode-se afirmar que os direitos humanos, tendo natureza de

princípios, tal qual o direito natural, não dependem de positivação, enquanto os direitos

fundamentais são os direitos humanos já positivados, posto que expressos no texto

constitucional.

Visto que os direitos humanos e os direitos fundamentais estão

imbricados, pois os segundos decorrem da afirmação histórica dos primeiros, cabe

registrar, como afirmam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior28, que os

direitos fundamentais constituem uma categoria jurídica própria. E apontam os autores o

papel a ser desempenhado pelo Estado na sociedade:

27

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal: uma análise na perspectiva da doutrina e judicatura do Ministro Carlos Ayres

Britto. In BERTOLDI, Márcia Rodrigues; OLIVEIRA, Kátia Cristine Santos de (Coords.). Direitos

fundamentais em construção: estudos em homenagem ao Ministro Carlos Ayres Britto. Belo Horizonte:

Fórum, 2010, p. 248. 28

ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional.

17. ed., São Paulo: Editora Verbatim, 2013, p. 153.

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27

Os Direitos Fundamentais constituem uma categoria jurídica,

constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade

humana em todas as dimensões. Dessarte, possuem natureza

poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano na sua liberdade

(direitos e garantias individuais), nas suas necessidades (direitos

econômicos, sociais e culturais) e na sua preservação (direitos à

fraternidade e à solidariedade).

Note-se, nesse aspecto, que os Direitos Fundamentais passam a

assumir também uma dimensão institucional, na medida em que

pontuam a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece.

Com efeito, o traço característico dos direitos fundamentais é a

explicitação da dignidade humana, embora tal afirmação encontre críticas na doutrina,

como lembram Gilmar Ferreira Mendes et al.:

Se fosse necessária prova para demonstrar a polêmica que o assunto

envolve, bastaria citar a crítica que Canotilho faz a essa tentativa de

entrelaçar o princípio da dignidade humana na natureza dos direitos

fundamentais. Essa concepção, segundo o professor de Coimbra,

―expulsa do catálogo material dos direitos todos aqueles que não

tenham um radical subjetivo, isto é, não pressuponham a ideia-

princípio da dignidade da pessoa humana. O resultado a que se chega

é um exemplo típico de uma teoria de direitos fundamentais não

constitucionalmente adequada‖. A inadequação estaria em que a

constituição portuguesa – como a brasileira – também consagra

direitos fundamentais de pessoas coletivas, a denotar que a

proximidade com a ideia de dignidade humana não seria sempre um

vetor suficiente para definir os direitos fundamentais.

Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de

discernir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja

direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que

não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade

humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais,

atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade

física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em

dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da

dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder

prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em

que ‗os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser

considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade

humana‘.29

Certo, portanto, é que a compreensão dos direitos fundamentais não pode

ser dissociada da compreensão dos direitos humanos. Afinal, como aponta Ingo

Wolfgang Sarlet, a íntima e indissociável vinculação entre a dignidade da pessoa

29

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 236/237.

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28

humana, os direitos fundamentais e a própria democracia, eixos estruturantes do Estado

Constitucional, constitui um dos esteios nos quais se assenta tanto o Direito

Constitucional quanto o Direito Internacional dos direitos humanos30

.

1.2. ORDEM JURÍDICA, SISTEMA E DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais não existem isoladamente nas normas jurídicas.

Norberto Bobbio lembra que ―as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas

sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si. E esse contexto

de normas costuma ser chamado de ‗ordenamento‘‖.31

E são tantas as normas existentes

no ordenamento jurídico que Bobbio as compara com as estrelas do céu, que ninguém

consegue contar32

.

Ora, todas as normas jurídicas constituem uma ordem. E se o conjunto de

normas jurídicas caracteriza uma ordem, cumpre investigar o conceito de ordem.

Ordem, no dizer de Goffredo Telles Júnior, nada mais é do que ―a

disposição conveniente de seres para a consecução de um fim comum‖:33

Toda ordem, evidentemente, é uma disposição. Mas não é uma

disposição qualquer. É uma certa disposição, uma disposição

conveniente de coisas, sendo que a disposição só pode ser considerada

conveniente quando alcança o fim em razão do qual ela é dada às

coisas.

Os livros de uma biblioteca estão em ordem quando se acham

dispostos de maneira a possibilitar o encontro de qualquer deles, no

momento em que for procurado. Esta possibilidade é o fim para cuja

consecução os livros são dispostos desta ou daquela maneira. Se tal

fim é atingido, a disposição dos livros é conveniente, e os livros estão

em ordem. O mesmo acontece com quaisquer coisas colocadas em

ordem, ou seja, em disposição conveniente.

30

SARLET, op. cit., p. 231/260. 31

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis/Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1989, p. 19. 32

Ibid., p. 37. 33

TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 3

(grifos do autor).

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29

Nota-se que ordem não resulta de qualquer disposição, mas de uma

disposição que atenda a um determinado fim. E este fim é identificado pelo olhar do

observador. Por exemplo: para uma pessoa que trabalhe como entregadora de livros e

que simplesmente os entrega a uma biblioteca, importa apenas o ato de entregar os

livros, não tendo, para o entregador, qualquer importância a disposição em que os livros

foram entregues. Diferentemente, para uma bibliotecária que tenha recebido esses

mesmos livros, que podem estar empilhados ou espalhados, será necessária outra

disposição, que permita a qualquer pessoa encontrar qualquer um dos livros na

biblioteca.

Daí a razão pela qual a aferição de ordem exige uma certa disposição, ou

seja, uma disposição conveniente, como esclarece Goffredo Telles Júnior:

A disposição conveniente, que é a disposição de seres múltiplos em

razão de um fim prefixado, relaciona seres distintos, conjuga-se de

maneira que cada um, de acordo com sua natureza ou destinação,

ocupe, dentro do conjunto, seu lugar próprio, passando a ser parte de

um todo, elemento de uma unidade.

Os livros dispostos convenientemente, para a consecução do fim

pretendido, ocupam lugares certos nas estantes e, em conjunto,

passam a constituir um todo. Essa ordem é que confere unidade à

multiplicidade dos livros, dando ao todo a qualidade de biblioteca. Em

tal ordem é que reside a diferença entre uma biblioteca e um

amontoado de livros.

A ordem, em verdade, é sempre uma unidade do múltiplo. 34

Quando se cogita de ordem, tem-se em vista um determinado fim. Um

fim que consubstancia uma unidade a partir da organização de elementos distintos. E

este fim precede à organização dos elementos.

A consecução de um objeto – de um fim determinado – é a razão-de-

ser da ordem. É evidente que a determinação desse fim há de ser

anterior à disposição efetiva dos seres múltiplos.

Ora, determinar um fim supõe o conhecimento desse fim. Logo, antes

da implantação de uma ordem, antes de qualquer disposição de seres,

existe, forçosamente, a ideia ou conhecimento do fim – do objeto –

cuja realização é o propósito da disposição dos seres e da ordem.35

34

TELLES JÚNIOR, op. cit., p. 4 (grifos do autor). 35

Ibid., p. 5 (grifos do autor).

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30

Sem conhecimento prévio do fim, ou seja, sem conhecimento da

finalidade almejada, ou ainda, sem conhecimento do propósito objetivado, não há

ordem: “o conhecimento do fim precede a ordem, porque a disposição dos seres é feita

em razão dele. Em razão desse conhecimento é que a disposição dos meios é efetuada

como convém‖.36

Afirmada essa premissa – de que não se pode falar em ordem sem que se

identifique o fim pretendido –, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico, como

ordem que é, tem por objetivo atender determinadas finalidades. Aliás, o ordenamento

jurídico, enquanto objeto da ciência do direito, é tratado como sistema, o que, no dizer

de Norberto Bobbio37

, significa que se trata de uma ―totalidade ordenada‖, entendido

esse objeto da ciência jurídica como um conjunto harmônico de normas nas quais existe

―uma certa ordem‖, voltado esse conjunto para um fim comum.

Paulo de Barros Carvalho38

apresenta o significado de sistema,

apontando a importância de um princípio unitário que vincula as normas que o

compõem, nos seguintes termos:

Surpreendido no seu significado de base, o sistema aparece como o

objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio

unitário ou com a composição de partes orientadas por um vetor

comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si

e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção

fundamental de sistema.

É certo que ―as normas jurídicas formam um sistema, na medida em que

se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador.‖39

Assim, estruturado como sistema, o ordenamento jurídico encontra-se

organizado finalisticamente, de modo que os fins almejados não só preexistem à própria

36

Ibid., p. 5 (grifos do autor). 37

BOBBIO, op. cit., p. 71. 38

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 132. 39

Ibid., p. 136.

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31

ordenação como também se irradiam e se projetam por todo o ordenamento, cuja

existência se legitima para o cumprimento dessas finalidades.

E como são inúmeras e distintas as normas que compõem a ordem

jurídica, tomada como sistema, cabe agora perquirir sobre quais são os fins almejados

pelo ordenamento jurídico.

1.3. FINALIDADES DO ORDENAMENTO JURÍDICO, DIGNIDADE HUMANA E

DIREITO COMO MÍNIMO ÉTICO

Investigando o direito positivo pátrio, observa-se que o artigo 1º da

Constituição revela que a República Federativa do Brasil é formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, que se constitui em Estado

Democrático de Direito, e que tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa; V – o pluralismo político.

A par desses fundamentos, verifica-se que o artigo 3º da Constituição

Federal estabelece como objetivos fundamentais do Estado Brasileiro: I – construir uma

sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III –

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV

– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

José Afonso da Silva40

, anota, a esse respeito, que

é a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente,

objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado,

mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das

prestações positivas que venham a concretizar a democracia

40

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed., São Paulo: Malheiros,

2005, p. 105.

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32

econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade

da pessoa humana.

Eis, portanto, a notável expressão dos fundamentos claros e objetivos do

ordenamento jurídico. Se não estão expressos textualmente todos, é certo que esses

fundamentos e objetivos aclarados denotam, por assim dizer, os compromissos

norteadores e inquebrantáveis, que vinculam a um só tempo o Estado e a sociedade, e

que indicam a direção a ser seguida, almejando-se a efetivação da dignidade da pessoa

humana. E a dignidade da pessoa humana, como diz José Afonso da Silva41

, é o valor

supremo, unificador de todos os direitos fundamentais:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo

de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.

―Concebido como referência constitucional unificadora de todos os

direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o

conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação

valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-

constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não

podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos

direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos

sociais, ou invocá-la para construir ‗teoria do núcleo da personalidade‘

individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da

existência humana‖.

E esse valor supremo, que é a dignidade da pessoa humana, irradia-se por

todo o ordenamento, incluindo a ordem econômica:

Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a

todos existência digna (art. 170); a ordem social visará a realização da

justiça social (art. 193); a educação, o desenvolvimento da pessoa e

seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como

meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo

normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.42

Visando dirigir a conduta e ordenar a convivência das pessoas, com

normas destinadas a dar a cada um o que é seu, e almejando a dignidade da pessoa

41

SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 105. 42

Id.

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33

humana, o direito caracteriza-se como uma ciência normativa do agir, como esclarece

André Franco Montoro43

:

A finalidade do direito não é o simples conhecimento ―teórico‖ da

realidade jurídica, embora esse conhecimento seja importante. Não é

também a formulação de quaisquer regras ―técnicas‖, eficazes e úteis,

apesar da grande importância da técnica jurídica. A finalidade do

direito é dirigir a conduta humana na vida social. É ordenar a

convivência de pessoas humanas. É dar normas ao ―agir‖, para que

cada pessoa tenha o que lhe é devido. É, em suma, dirigir a liberdade,

no sentido da justiça. Insere-se, portanto, na categoria das ciências

normativas do agir, também denominadas ciências éticas ou morais,

em sentido amplo.

Nesse contexto, de ciência normativa do agir, é que estão inseridos os

direitos humanos e fundamentais. A propósito, rememora-se que os direitos humanos,

secundados pelos direitos fundamentais, explicitam a dignidade da pessoa humana. E na

dignidade da pessoa humana encontra-se o mínimo ético do direito, ao qual se refere

André Franco Montoro44

, como o estritamente necessário para a convivência social:

Para evitar confusões, é preciso lembrar que o vocábulo ―moral‖ pode

ser empregado de duas acepções diferentes. Uma, estrita e hoje mais

corrente, que identifica moral com a disciplina dos atos humanos,

fundada na consciência. E outra, mais ampla, abrangendo todas as

ciências normativas do agir humano: pedagogia, política, direito moral

em sentido estrito, etc. Muitos preferem reservar a palavra ―ética‖ para

essa acepção ampla. (...) Nesse sentido, podemos dizer, com Vicente

Rao, que ―Moral e Direito têm um fundamento ético comum‖. Ou,

com Jellinek, que o direito é o ―mínimo ético‖, isto é, o estritamente

necessário para a convivência social.

Bem por isso, Miguel Reale45

adverte que ―toda regra jurídica, além de

eficácia e validade, deve ter um fundamento‖:

O Direito, consoante outra lição de Stammler, deve ser, sempre, ‗uma

tentativa de Direito justo‘, por visar à realização de valores ou fins

essenciais ao homem e à coletividade. O fundamento é o valor ou fim

objetivado pela regra de direito. É a razão de ser da norma, ou ratio

juris. Impossível é conceber-se uma regra jurídica desvinculada da

finalidade que legitima sua vigência e eficácia. Podemos dizer que a

43

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 30. ed., São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 125/126. 44

Ibid., p. 125/126. 45

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 115.

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regra jurídica deve, normalmente, reunir os três seguintes requisitos de

validade: a) fundamento de ordem axiológica; b) eficácia social, em

virtude de sua correspondência ao querer coletivo; e c) validade

formal ou vigência, por ser emanada do poder competente, com

obediência aos trâmites legais.

Ora, a realização de valores ou fins essenciais ao homem e à

coletividade, como diz Miguel Reale, é, sobretudo, a realização dos valores que

explicitam a dignidade humana. Logo, esses valores, dos quais são portadores os

direitos humanos, que uma vez positivados tornam-se direitos fundamentais, é que

consubstanciam os fundamentos precípuos da ordem jurídica.

Uma vez evidenciados esses fundamentos e as finalidades do sistema

jurídico, é possível afirmar que o ordenamento jurídico almeja o bem-estar, a felicidade

das pessoas, como sustenta Goffredo Telles Júnior46

, ao tratar da disciplina da

convivência humana, lembrando que os seres humanos são destinados a viver em

sociedade, e que a sociabilidade humana difere da sociabilidade de outros animais:

Para os seres humanos, VIVER É CONVIVER.

De fato, a convivência é uma imposição específica da natureza. O ser

humano é social por natureza. É um animal político, já ensinava

Aristóteles. É um animal destinado a viver na ―polis‖ – na cidade, ou

seja, na sociedade. (...)

Cumpre observar que a sociabilidade humana é diferente da

sociabilidade dos outros animais gregários. Diferente, em verdade, do

que acontece, por exemplo, com a abelha, a formiga, a térmita. Por

quê? Porque o ser humano é levado a viver em sociedade não só por

inclinação genética, mas, também, por opção da inteligência e

disposição da vontade. Tal é o motivo pelo qual pode dizer-se que a

sociedade humana é natureza e é contrato.

E como decorre a vida em sociedade não só do instinto humano, mas,

sobretudo, da opção do ser humano, advém a necessidade de regulação da conduta

humana no contexto da ordem social, visando o bem-estar, a felicidade das pessoas:

Dentro da sociedade, cada pessoa se subordina, sim, à ordem social,

como parte ao todo. Mas a ordem social, note-se, existe para o bem

das pessoas: a este bem a sociedade se destina, e a ele a sociedade se

subordina, como o meio ao fim.

46

TELLES JÚNIOR, Goffredo. A criação do direito. 2. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p.

473/474 (grifos do autor).

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Nisto é que reside a diferença de objetivo (de ―causa final‖) das

sociedades humanas. Na colmeia, no formigueiro, por exemplo, o que

mais interessa, o que sobreleva por cima de tudo, é a salvaguarda e

permanência do todo, ou seja, da totalidade da colmeia, da totalidade

do formigueiro – sendo despiciendo o sacrifício das individualidades

que os compõem. Nas sociedades de homens e mulheres, porém, o

principal é cada indivíduo, é cada ser humano, cada pessoa,

singularmente considerada.

Por que dizemos que o principal é cada ser humano? Porque o que

sobretudo interessa é o bem-estar, a felicidade das pessoas. A

sociedade existe como condição de existência normal dos seres de que

ela se compõe.47

Quando se afirma que o ordenamento jurídico visa o bem-estar das

pessoas, na mesma linha que Telles Júnior sustenta, e que a ordem jurídica almeja a

dignidade da pessoa humana, ―os pessimistas‖, como adverte Roque Antônio

Carrazza48

, ―certamente dirão que tudo isso não passa de utopia‖. Mas o próprio

Carrazza responde a esta crítica, fazendo referência a Eduardo Galeano, e nisso há que

se concordar com ele:

Mas, venia concessa, a utopia existe e, como observa Eduardo

Galeano, se confunde com o horizonte. Com efeito, damos um passo e

o horizonte recua um passo; damos dois passos e o horizonte se afasta

os mesmos dois passos; damos dez passos e o horizonte corre dez

passos além. Por mais que caminhemos, nunca alcançaremos o

horizonte.

Então, para que serve a utopia? Exatamente para isso: para caminhar...

Caminha-se, pois, em busca dessa utopia, na crença de que o

ordenamento jurídico visa à felicidade das pessoas, que, para o Direito, significa a

efetivação dos direitos humanos e fundamentais.

O que se quer se destacar, neste ponto, é que a unidade e a validade do

ordenamento jurídico decorrem de determinados fins preestabelecidos, os quais se

encontram delineados no próprio direito positivo, sob a condicionante de efetivação dos

direitos humanos e fundamentais, e cujos fins apontam, em síntese, para a realização da

dignidade da pessoa humana.

47

Ibid., 474/475 (grifos do autor). 48

CARRAZZA, Roque Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p.

380 (grifos do autor).

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1.4. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS

JURÍDICOS

Cabe salientar que a dignidade humana, em si, compreende um feixe

aberto de valores, os quais, ainda que não declarados explicitamente, configuram

princípios jurídicos. Por isso, as normas de direitos humanos e fundamentais têm

natureza de princípios.49

Os princípios jurídicos não dependem necessariamente de positivação em

texto expresso e literal. Confira-se, a esse respeito, trecho esclarecedor tirado de

acórdão do Supremo Tribunal Federal50

, que ilustra a importância dos princípios na

ordem jurídica e a desnecessidade de explicitação em normas:

Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a

moralidade como princípio de administração pública (art. 37 da

Constituição Federal). Isso não é verdade. Os princípios podem estar

ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de

texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-

se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas

reguladoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não

figurar no texto constitucional não significa que nunca teve relevância

de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não

figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador

poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus

Gonzáles Perez, ‗el hecho de su consagración en una normal legal no

supone que con anterioridad no existiera ni que por tal consagración

legislativa haya perdido tal carácter‘ (El principio de buena fe en El

derecho administrativo, Madrid, 1983, p.15). Os princípios gerais de

direito existem por força própria, independentemente de figurarem em

texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto

constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio.

Aliás, é de ser adotada a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello,

para quem

49

COMPARATO, op. cit., p. 266. 50

Segunda Turma do STF, RExtr. N. 160.381-SP, Relator Ministro Marco Aurélio, v.u., RTJ 153/1030.

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princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento

nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o

espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e

inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do

sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido

harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção

das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome

sistema jurídico positivo.51

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza afirma que ―as normas

constitucionais não possuem todas a mesma relevância, já que algumas veiculam

simples regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios‖, salientando que ―os

princípios são as diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico‖. 52

Daí, adverte Carrazza, ―nenhuma interpretação poderá ser havida por boa

(e, portanto, por jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio

jurídico constitucional‖53

, enquanto Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que

―violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A

desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento

obrigatório, mas a todo o sistema de comando.‖54

Não remanesce dúvida, portanto, sobre a importância dos princípios,

como anota Paulo de Barros Carvalho55

:

Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que

iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes

caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num

dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo

em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e

manifestam a força de sua presença. Algumas vezes constam de

preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los

com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à

dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo

para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e

os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo

51

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 912/913. 52

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo:

Malheiros, 1998, p. 29. 53

Ibid., p. 32/33. 54

BANDEIRA DE MELLO, op.cit., p. 912/913. 55

CARVALHO, op.cit., p. 148.

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conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete,

momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e

sobre princípios.

Isso posto, sendo inconteste a importância dos princípios na compreensão do

ordenamento jurídico, o que se quer demonstrar, nos estreitos limites do presente

estudo, é que os direitos humanos, como também os direitos fundamentais, têm

natureza de princípios e atingem todo o sistema jurídico, e especialmente para as

presentes reflexões, o campo do direito econômico .

Muitos são princípios consagrados, enquanto outros se encontram em

construção, pois os direitos humanos e fundamentais são conquistados e afirmados ao

longo do tempo, em permanente processo dinâmico.

Bem por isso, como sustentam Gilmar Ferreira Mendes et al., os direitos e

garantias fundamentais, em sentido material, são pretensões que, em cada momento

histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana56

, ou que

vão sendo revelados, como sustentam Ricardo Sayeg e Wagner Balera57

:

Os direitos humanos vão sendo declarados à medida que se revelam.

Por sua vez, fica claro o papel da positivação em tema de direitos

humanos: explicitar, para maior garantia de concretização, os

respectivos conteúdos, convolando-os preferencialmente em direitos

fundamentais, de índole constitucional.

Daí, portanto, não haver dúvida de que se trata o sistema jurídico de um

sistema aberto, exatamente por conta da existência dos princípios, que são portadores

dos valores integrados à ordem jurídica, dentre os quais sobreleva o valor supremo da

dignidade humana, que deve ser aplicado ao capitalismo.

56

MENDES et al., op. cit., p. 237. 57

SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O capitalismo humanista – Filosofia humanista do direito

econômico. Petrópolis: Editora KBR, 2011, p. 194/196.

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39

CAPÍTULO 2

O DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS

HUMANOS E FUNDAMENTAIS

2.1. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS AO LONGO DO TEMPO

A edificação dos direitos humanos e fundamentais constituiu um processo

expansivo de acumulação de níveis de proteção de esferas da dignidade da pessoa

humana.58

A rigor, compreender o desenvolvimento dos direitos fundamentais ao longo

do tempo implica conhecer a afirmação histórica dos direitos humanos.

Segundo José Fábio Rodrigues Maciel59

, a compreensão da dignidade

humana, matriz dos direitos humanos, tem origem nas ideias de grandes pensadores, que

já haviam considerado a igualdade entre os seres humanos, a par das diferenças de sexo,

raça, religião e costumes, citando Buda na Índia, Zaratustra na Pérsia, Confúcio na

China, Pitágoras na Grécia e Dêutero-Isaías em Israel, acrescentando que na igualdade

encontra-se o núcleo do conceito universal dos direitos humanos:

Antes mesmo do advento do cristianismo, já existia no judaísmo a

noção de misericórdia e justiça, com a percepção de que todos são

iguais perante Deus.

Com o cristianismo, conquistaram espaço dois princípios importantes

para a sedimentação dos direitos humanos no decorrer da história, que

são a caridade e o amor ao próximo, pois se levou às últimas

consequências o ensinamento ecumênico de Isaías, que era a exigência

de amor universal, a partir da percepção de que ―somos feitos à

imagem e semelhança de Deus‖. Por mais que essa igualdade

universal só estivesse no plano divino, vagarosamente ela ganhou

espaço no mundo terreno.

58

ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 157. 59

MACIEL, José Fábio Rodrigues. Direitos humanos. In Formação humanística em direito. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 321.

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40

Nota-se que, nessa percepção religiosa de que todos os homens são feitos

à imagem e semelhança de Deus, filhos de um único Pai, reside um impulso fortíssimo

da ideia de igualdade entre os homens.

Para S. Tomás de Aquino (1225-1274), grande filósofo cristão, o

homem seria um composto de substância espiritual e corporal. Seus

ensinamentos fizeram ganhar força a ideia do princípio da igualdade

essencial entre todos os seres humanos, sendo exatamente essa a

igualdade de essência da pessoa humana que forma o núcleo do

conceito universal dos direitos humanos.

Esses direitos resultam da própria natureza humana, não sendo meras

criações políticas.60

Jesus Cristo ensinou que ―mais do que iguais, somos irmãos‖.61

A esse

respeito, e a título de ilustração, destaca-se no Evangelho de Mateus uma passagem

representativa dos valores que propiciaram o desenvolvimento da dignidade da pessoa

humana, exigindo o cristianismo, como outras religiões também o fazem, que os

homens se auxiliem mutuamente, como irmãos, o que também é próprio do valor da

solidariedade:

Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado de todos

os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da

terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, como o

pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua

direita, e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que

estiverem à sua direita: ‗Venham vocês, que são abençoados por meu

Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai preparou desde a

criação do mundo. Pois eu estava com fome, e vocês me deram de

comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e

me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu

estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram

me visitar.‖

Então os justos lhe perguntarão: ‗Senhor, quando foi que te vimos

com fome e te demos de comer; com sede e te demos de beber?

Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e

sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e

fomos te visitar?‘ Então, o Rei lhes responderá: ‗Eu garanto a vocês:

todas as vezes que vocês fizeram a dos menores de meus irmãos, foi a

mim que o fizeram‘.

Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‗Afastem-se de

mim malditos. Vão para o fogo eterno preparado para o diabo e seus

anjos. Porque eu estava com fome, e vocês não me deram de comer;

60

Ibid., p. 321. 61

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 86.

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eu estava com sede, e não me deram de beber; eu era estrangeiro, e

vocês não me receberam em casa; eu estava sem roupa, e não me

vestiram; eu estava doente e na prisão, e vocês não foram me visitar.‘

Também estes responderão: ‗Senhor, quando foi que te vimos com

fome, ou com sede, como estrangeiro, ou sem roupa, doente ou preso,

e não te servimos?‘ Então o Rei responderá a estes: ‘Eu garanto a

vocês: todas as vezes que vocês não fizeram isso a um desses

pequeninos, foi a mim que não o fizeram.‘ Portanto, estes irão para o

castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna.62

Como se vê, o cristianismo fomentou uma mentalidade de solidariedade

entre todos os homens, inclusive condicionando que só teria salvação aquele que

auxiliou os mais pequeninos, ou seja, os mais humildes dos homens; só alcançaria o

Reino aquele que deu de beber a quem tinha sede; que deu de comer a quem tinha fome;

que vestiu a quem estava sem roupa; que recebeu o estrangeiro em sua casa; que visitou

os doentes e os prisioneiros.

Nessa mentalidade são encontrados primitivos traços da dignidade

humana, na medida em que passa a existir um efetivo dever de solidariedade de todo

homem para com todos os homens, com a definição da conduta objetiva (norma

primária-prescrição) e respectiva consequência (norma secundária-sanção), que migrou

do campo ético-religioso para o campo jurídico e acabou sendo secularizado para o

Direito, vindo a ser positivadamente reconhecido pela Constituição Federal de 1988.

Bem por isso a solidariedade é reconhecida como categoria jurídica, conforme se vê em

acórdão do Supremo Tribunal Federal, proferido na ADI 2649 (Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 2649, originária do Distrito Federal).

Para Comparato, porém, a afirmação histórica dos direitos humanos

mediante a compreensão da dignidade da pessoa humana encontra impulso, sobretudo,

no sofrimento experimentado pela humanidade:

(...) a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus

direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da

dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os

homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre

claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, pelas

62

BÍBLIA, Evangelho Mateus, 25, 31-46. Bíblia Sagrada. Edição pastoral, São Paulo: Sociedade Bíblica

Católica Internacional e Paulus, 1990, 15ª impressão, p. 1274.

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mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações

aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência

de novas regras de uma vida mais digna para todos.63

Certo é que, seja pelas religiões, seja pelo sofrimento da humanidade, foi

se construindo uma mentalidade ao longo de muitos séculos que se passaram antes de

surgirem documentos políticos em resposta à reclamação de se garantir direitos

inerentes à pessoa humana. Somente no século XVIII, com as revoluções americana e

francesa, esses direitos passaram a ser tutelados e entendidos como universais, ou seja,

reconhecidos como válidos para todo e qualquer ser humano.64

O primeiro documento histórico que se pode citar na afirmação histórica

dos direitos humanos é a Magna Carta, de 1215, assinada pelo Rei João da Inglaterra,

conhecido como João Sem Terra, perante o alto clero, os barões do reino e os nascentes

burgueses de Londres, cujo documento limitava o poder do rei em favor do clero e dos

súditos. Esse documento é considerado como o primeiro capítulo do

constitucionalismo.65

Outros dois documentos ingleses também merecem registro: a)

Lei de Habeas Corpus, de 1679 (Rei Carlos II); b) Bill of Rights, de 1689, que garantia

direitos ao parlamento (povo), tirando-os da realeza.66

Já no século XVIII iniciou-se o ciclo das constituições

revolucionárias, em um contexto de luta pela limitação do poder e respeito aos direitos

do homem diante do Estado, então marcadamente absolutista.

Com efeito, todos os documentos históricos produzidos nessa época

das constituições revolucionárias influenciaram-se reciprocamente.

O primeiro documento histórico desse ciclo foi a Declaração de

Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 1776, uma das treze colônias inglesas na América

do Norte. Essa Declaração proclamava o direito à vida, à liberdade e à propriedade,

63

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 50. 64

MACIEL, op.cit., p. 322. 65

Ibid., p. 322/323. 66

Ibid., p. 323.

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prevendo o princípio da legalidade, o devido processo legal, o tribunal de júri, o

princípio do juiz natural e imparcial, a liberdade religiosa e de imprensa. O artigo 1º da

Declaração, que ―o bom povo da Virgínia‖ tornou pública em 16 de junho de 1776,

constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na história quando declarou:

Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram

em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou

despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os

meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter

felicidade e segurança.67

O segundo documento histórico desse ciclo é a Declaração de

Independência dos Estados Unidos, de 1787, que declarou a independência das treze

colônias inglesas da América do Norte.

O terceiro documento histórico marcante da época em foco foi a

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, promulgada pela

Assembleia Nacional francesa, decorrente da Revolução Francesa, cuja declaração

revolucionária proclamava, dentre outros direitos:

Art. 1º. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.

Art. 4º. O exercício de direitos fundamentais só pode ser limitado por

lei, na medida do necessário para permitir a vida social.

Art. 6º. A lei deve ser a mesma para todos, seja quando protege, seja

quando pune.

Observa-se que todos os documentos consistem em declarações que não

criam direitos, mas apenas declaram os que já existem, razão pela qual são de inspiração

jusnaturalista.

No caso da Declaração da França, os revolucionários buscavam a

proteção dos direitos do homem contra atos do governo, razão pela qual a Declaração

instruía o cidadão, fazendo com que se recordasse dos direitos do homem. Não ditava

67

DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO BOM POVO DE VIRGÍNIA – 1776. Disponível em

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0cria%C3%A7%C3%

A3o -da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-

de-virginia-1776.html>. Acesso em 02/03/16.

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direitos só dos cidadãos franceses, mas sim direitos do homem, numa visão universal,

tratando esses direitos como atualmente conhecemos com a noção de direitos

humanos.68

Fechado o ciclo das revoluções constitucionais, fundado, sobretudo, na

liberdade do ser humano, José Fábio Rodrigues Maciel discorre sobre o contexto que

abriu ensejo para o reconhecimento de outros direitos humanos, no século XIX,

voltados à igualdade dos seres humanos, que num primeiro momento passaram a ser

considerados como liberdade positiva:

Como a Revolução Francesa garante apenas a igualdade formal

(somos todos iguais porque somos seres humanos), permitiu que

continuasse a exploração perpetrada pelos detentores dos meios de

produção, com a consequente pauperização das massas proletárias.

Surgiu com isso a necessidade de proteger os trabalhadores, e ganhou

força a segunda dimensão dos direitos humanos, com foco na

igualdade, como reconhecimento dos direitos humanos de caráter

econômico, social e cultural, graças, em grande parte, ao movimento

socialista, iniciado na primeira metade do século XIX.

É que a miséria era fruto do sistema capitalista de produção, cuja

lógica consistia em atribuir aos bens de capital um valor superior aos

das pessoas. 69

Os ideais igualitários se espalharam pelo mundo como resposta ao

capitalismo selvagem e a miséria perceptiva, pois não bastava apenas a defesa da

liberdade e de uma igualdade meramente formal, o que impulsionou o advento de outra

fase de conquista de novos direitos humanos, então voltados ao ideal de igualdade

material dos homens.

Os principais marcos históricos de reconhecimento desses novos direitos

são a Constituição Mexicana, de 1917, e a Constituição de Weimar (Alemanha, 1919),

que proclamam direitos sociais, econômicos e culturais. A Carta Política mexicana foi a

primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais.70

E a

Constituição de Weimar, estabelecendo uma democracia social, complementou os

68

MACIEL, op. cit., p. 324. 69

MACIEL, op. cit., p. 324 70

COMPARATO, op. cit., p. 190.

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direitos civis e políticos – que o sistema comunista negava – com direitos econômicos e

sociais ignorados pelo liberal-capitalismo71

.

Podem ser registrados, também, outros marcos históricos antecedentes: a)

a Convenção de Genebra, de 1864, que visava minorar o sofrimento de soldados

prisioneiros, doentes e feridos, assim como a população civil atingida pela guerra; b) o

Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1890, contra a escravidão, que estabeleceu,

embora sem efetividade, as primeiras regras interestatais de repressão ao tráfico de

escravos africanos; c) a criação da OIT – Organização Internacional do Trabalho, em

1919, destinada à regulação dos direitos dos trabalhadores, de modo que a proteção ao

trabalhador assalariado passou a ser objeto de regulação convencional entre os diversos

Estados.72

Porém, foi a partir do advento da Segunda Guerra Mundial que a

humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da história, o valor

supremo da dignidade humana.73

Os horrores revelados após o seu término edificaram a

consciência universal de que nunca mais seríamos os mesmos. O regime italiano

fascista, o regime alemão nazista, instituído pelo terceiro Reich, e o seu famigerado

holocausto, expuseram ao mundo até onde pode chegar o ser humano num projeto de

terror, de crueldade e de exclusão.74

Diante desse quadro, José Fábio Rodrigues Maciel

descreve os efeitos que produziu a Segunda Guerra Mundial na internacionalização dos

direitos humanos:

Antes do término do Século XX foram celebradas, no âmbito da

ONU, mais de vinte convenções internacionais dedicadas aos direitos

humanos. O enfoque dessas convenções abrangia a proteção dos

direitos individuais de natureza civil e política; dos direitos de

conteúdo econômico e social, e dos direitos dos povos e da

humanidade (terceira dimensão). Exemplo de direito de terceira

dimensão foi a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

(1981), a qual determina que ‗todos os povos devem ser tratados com

igual respeito, tendo o direito à autodeterminação, à livre disposição

71

Ibid., p. 205. 72

MACIEL, op. cit., p. 325. 73

Idem. 74

CASTANHATO, op.cit., p. 58.

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de sua riqueza e de seus recursos naturais, ao desenvolvimento

econômico, social e cultural, bem como à paz e à segurança‘.

Após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade internacional,

comandada pela Organização das Nações Unidas, passou a editar

normas de direito internacional que possibilitaram transformar os

direitos humanos em responsabilidade internacional.

O pós-1945 trouxe à humanidade a consciência do valor humano e a

necessidade de luta constante contra qualquer ação que busque

desconsiderar tal fato.

A Segunda Guerra Mundial tornou evidente fato que permanece até

nossos dias, ou seja, a constatação de que o grande violador dos

direitos do homem foi e é o Estado. Celso Lafer denomina tal fato de

―ruptura dos direitos humanos‖, já que aquele que tem por essência o

dever de proteger e agir em consonância ao interesse de seu povo

acaba por ser o primeiro a distanciar-se de sua obrigação. Foi o que

aconteceu, em grande escala, na Alemanha nazista.

Como diz Celso Lafer: ―no momento em que os seres humanos se

tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da

destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana,

torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como

paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. Surge a

necessidade de buscar garantias a todas as pessoas, e como sempre

afirmava Hannah Arendt, o maior direito passa a ser o direito a ter

direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direito."

Foi a partir das crueldades perpetradas durante o nazismo que, como

aponta Flávia Piovesan, surgiu a necessidade de ação internacional

mais eficaz para a internacionalização desses direitos.75

Para Comparato, o sofrimento, matriz da compreensão do mundo e dos

homens, segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação

histórica dos direitos humanos76

.

Foi nesse contexto de pós-Guerra, em 10 de dezembro de 1948, que foi

firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral

das Nações Unidas, marco civilizatório da contemporaneidade, que, sem abandonar as

fases anteriores, ainda inaugura a terceira fase de reconhecimento dos direitos humanos:

os direitos decorrentes da fraternidade.

75

MACIEL, op. cit., p. 326/327. 76

COMPARATO, op. cit., p. 65.

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2.2. AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

A afirmação dos direitos humanos ao longo da história e,

consequentemente, dos direitos fundamentais, permite identificar uma evolução

cronológica, apesar de que, como visto, a história registra o movimento pendular de

avanços e também de retrocessos em matéria de reconhecimento desses direitos. Apenas

para ilustrar, veja-se o caso do advento do nazismo, na Alemanha, que representa,

dentre tantos outros, o mais emblemático caso de repugnante retrocesso no

reconhecimento de direitos humanos.

De todo modo, o desenvolvimento dos direitos humanos, e via de

consequência dos direitos fundamentais, ao longo do tempo, recomenda que sejam

classificados esses direitos em gerações, a respeito do que é oportuno o esclarecimento

de José Fábio Rodrigues Maciel sobre as críticas que recebe essa classificação:

A classificação dos direitos humanos em gerações leva em conta a

ordem cronológica de seu surgimento, sua evolução histórica. Essa

divisão recebeu inúmeras críticas, que alegam não haver hierarquia

entre os direitos humanos; portanto, tal separação poderia levar à ideia

de que alguns direitos humanos são mais importantes que outros. Não

coadunamos com esse pensamento, tendo em vista que a divisão

supracitada possui ótimo caráter didático, mas, para evitar críticas

desavisadas, fazemos como outros autores: substituímos o termo em

questão pela ideia de ―dimensões‖, que melhor traduz a realidade dos

direitos fundamentais, principalmente pela reinterpretação de valores

que as últimas ―gerações‖ provocam nas antecedentes. 77

Adotando como referência a ideia de dimensões, para que não haja

qualquer dúvida da absoluta inexistência de hierarquia entre esses direitos, e de que são

todos direitos indissociáveis e interdependentes, e levando-se em conta a trilogia da

Revolução Francesa, pode-se dizer que as três primeiras dimensões dos direitos

humanos e fundamentais são relacionadas do seguinte modo:

77

MACIEL, op. cit., p. 327.

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QUADRO 1 - AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Dimensões de Direitos Princípios da Revolução Francesa Direitos constitucionalmente reconhecidos

1ª Dimensão Liberdade Direitos individuais, civis e políticos

2ª Dimensão Igualdade Direitos sociais, econômicos e culturais

3ª Dimensão Fraternidade Direitos difusos e coletivos

Nesse quadro, os direitos humanos e fundamentais de primeira dimensão

são aqueles relacionados à ideia de direitos individuais. São direitos que protegem a

esfera pessoal do cidadão contra os arbítrios do Estado. São as liberdades negativas, que

protegem a liberdade do indivíduo, limitando o poder do Estado, impedindo-o de

interferir na esfera individual, exigindo um comportamento de abstenção do Estado.78

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior esclarecem que

são direitos que representam uma ideologia de afastamento do Estado das relações

individuais e sociais, devendo o Estado ser apenas guardião das liberdades,

permanecendo longe de qualquer interferência no relacionamento social.79

Muito pertinente à presente reflexão é que, entre todos, a propriedade

privada é o mais emblemático direito humano e fundamental de primeira dimensão.

Além do direito de propriedade, também podem ser mencionados os direitos à liberdade

de expressão, ao devido processo legal, à presunção de inocência, à inviolabilidade de

domicílio, ao ir e vir, como direitos humanos e fundamentais de primeira dimensão.

Os direitos humanos e fundamentais de segunda dimensão representam

grande evolução na proteção da dignidade da pessoa humana. Asseguram direitos

ligados à igualdade, mais precisamente os direitos sociais, econômicos e culturais. São

decorrentes da crise do Estado Liberal e do surgimento das teorias igualitárias e das

reinvindicações dos trabalhadores, o que abriu espaço para ascensão do Estado Social,

78

Id. 79

ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 159.

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intervencionista, que atua na proteção dos hipossuficientes e na construção de uma

igualdade material, e não apenas formal.80

São exemplos desses direitos de segunda dimensão os direitos à

educação, à saúde, ao trabalho e à seguridade social.

Com o homem liberto do jugo do Poder Público, os direitos humanos e

fundamentais passam a reclamar uma nova forma de proteção da dignidade, exigindo

uma atividade prestacional do Estado, no sentido de superação das carências

individuais, em prol da justiça social.81

Depois das preocupações em torno da liberdade

e da igualdade, com ênfase nas necessidades humanas, surge uma nova convergência de

direitos, voltada à essência do ser humano, sua razão de existir e ao destino da

humanidade, pensando-se o ser humano enquanto gênero, e não adstrito ao indivíduo ou

mesmo à coletividade. Trata-se dos direitos de terceira dimensão e sobre os quais José

Fábio Rodrigues Maciel esclarece82

:

A terceira dimensão engloba os denominados direitos de fraternidade,

hoje entendida como solidariedade. Tem como destinatário a

coletividade, que ganhou proteção especialmente após a Segunda

Guerra Mundial, inclusive com a criação da ONU – Organização das

Nações Unidas.

Os chamados direitos de solidariedade nasceram da necessidade de

melhorar a qualidade de vida, como reforço aos direitos sociais. Regra

geral, a titularidade desses direitos é coletiva, sendo sujeito passivo

dos direitos de solidariedade o Estado.

A moderna doutrina os agrupa entre os direitos difusos e coletivos,

cuja concretização depende da cooperação entre os povos.

São exemplos desses direitos de terceira dimensão o direito à paz, ao

desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente, à

autodeterminação dos povos. Documento representativo dessa dimensão, sob o ponto de

vista do capitalismo, é a Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento, proclamada

pela Organização das Nações Unidas em 1986.

80

MACIEL, op. cit., p. 328. 81

ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 160. 82

MACIEL, op. cit., p. 328.

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José Fábio Rodrigues Maciel ressalva, ainda que, para o professor Paulo

Bonavides, um dos defensores da existência autônoma de uma ―quarta geração‖, fazem

parte desta dimensão os direitos ―à democracia‖, ―à informação‖ e ―ao pluralismo‖,

enquanto que para Norberto Bobbio os direitos de quarta geração são os ligados à

engenharia genética.83

Enfim, o que se quer destacar, neste ponto, é que, como esclarecem

Ricardo Sayeg e Wagner Balera84

, todas as dimensões dos direitos humanos e

fundamentais são indissociáveis e interdependentes, e configuram a dignidade humana:

Pode-se afirmar que são três as dimensões dos direitos humanos: a

liberdade inata; a igualdade inata e o valor consubstancial do homem e

de todos os homens, que implica a fraternidade inata. Esta tríade

conforma os elementos estruturantes de um só núcleo – o feixe

essencial, indissociável e interdependente que constitui a humanidade

imanente ao homem e a todos os homens, e que atribui objetivamente

à pessoa humana valor por si, ou seja, dignidade.

Os mesmos autores ressaltam, também, que outras dimensões desses

direitos podem ser reveladas, mantendo-se indissociáveis e interdependentes:

É possível que o futuro revele outras dimensões, já que o universo é

ilimitado, sendo também ilimitada a expressão do homem e de todos

os homens no meio difuso de todas as coisas. Por isso, violar a

dignidade humana é colocar o homem em situação desumana, ou seja,

naquilo que avilta a sua condição humana existencial biocultural.

Fique claro aqui que as dimensões dos direitos humanos não se

sucedem ou substituem-se umas às outras, ao contrário, se adensam;

como explica Trindade, o que ocorre ―é o fenômeno não de uma

sucessão, mas antes da expansão, cumulação e fortalecimento dos

direitos humanos consagrados, a revelar a natureza complementar de

todos os direitos humanos‖. Assim sendo, a natureza multidimensional

dos direitos humanos, como se percebe, supera a clássica dicotomia

entre o público e o privado, tendo em vista que ―contra a distinção

rígida entre Direito Público e Direito Privado se insurgem as necessidades

de proteção do ser humano, com maior força ante a atual diversificação

das fontes de violações de seus direitos. A rigidez da distinção entre o

público e privado não resiste aos imperativos de proteção dos direitos

humanos‖.85

83

Ibid., p. 329. 84

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 117/119. 85

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 117.

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Sustentam, ainda, que esses direitos, como direitos subjetivos, são

concretizáveis, não se admitindo concebê-los como categorias jurídicas de conteúdo apenas

programático:

É de rigor admitir-se que os direitos humanos, como direitos

subjetivos naturais, estão revestidos de pretensão garantida pela ordem

jurídica, sendo concretizáveis. Tal pretensão consiste no espontâneo e

objetivo exercício da dignidade da pessoa humana; os direitos

humanos não são, pois, somente ideais ou valores, e muito menos

princípios programáticos destituídos de qualquer normatividade. A

Lei Universal da Fraternidade, que se enquadra na categoria definida

por Telles Jr. – para quem ―a lei não é, somente, a lei efetivamente

formulada pelo homem. Também é lei a lei não formulada, mas

formulável por uma inteligência abstrata‖ – emana impositividade.86

Para os referidos autores, como parte integrante da essência humana, os

direitos humanos e fundamentais constituem um feixe indissociável e interdependente, que

jamais podem ser separados:

Analisados sob o olhar antropológico, os direitos do homem fazem

parte dos bens criados por Deus. E, como leciona o papa Pio XI,

―todos os bens criados por Deus se considerem como instrumentos dos

quais o homem deve usar tanto quanto lhe sirvam a conseguir o último

fim‖. Integrados à essência humana, tais direitos existem como um

feixe indissociável e interdependente dotado de inquebrantável

universalidade jurídica, sendo concretizáveis nesta universalidade e

jamais separadamente. Não se recortam ou segregam os direitos

humanos de sua universalidade jurídica, sendo executáveis em

conjunto sob pena de sua inadmissível ruptura – a exclusão de

qualquer de seus elementos ou dimensões, o que acarretaria a

prevalência de um destes sobre os demais, desarranjaria todo o

conjunto –, prejudicando, na medida em que tal ocorrência coloque o

homem em situação desumana, a consecução do direito objetivo da

dignidade.87

Como se vê, os direitos humanos e fundamentais devem ser reconhecidos como

direitos subjetivos, de modo que sejam garantidos e concretizáveis em todas as suas

dimensões, sob pena de que reste violada a dignidade humana, o valor supremo e

unificador desses direitos, e que se irradia por todo o ordenamento jurídico, permeando

também o direito econômico.

86

Ibid., p. 118. 87

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 118.

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2.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Rememore-se, por oportuno, que a compreensão dos direitos

fundamentais só pode ocorrer a partir do reconhecimento dos direitos humanos, eis que

os primeiros decorrem dos segundo. Consequentemente, têm os direitos humanos as

seguintes características:

a. inalienabilidade: são indisponíveis;

b. imprescritibilidade: não deixam de ser exigíveis pelo passar do

tempo;

c. irrenunciabilidade: não podem ser abdicados;

d. historicidade: embora os direitos humanos sejam inatos,

configuram conquistas históricas, resultado das necessidades da

sociedade em determinado momento;

e. universalidade: são titulados por todos os seres humanos,

independentemente de classe ou categoria;

f. consubstancialidade: são consubstanciais entre si, constitutivos de

uma única singularidade jurídica;

g. indissociáveis: não podem ser fragmentados;

h. interdependência: a plena efetivação de cada um dos direitos

pressupõe o reconhecimento dos demais.

Com relação aos direitos fundamentais, Luiz Alberto David Araújo e

Vidal Serrano Nunes Júnior88

esclarecem que apresentam as seguintes características

intrínsecas:

a. historicidade - no sentido de que ao longo do processo histórico

direitos humanos declarados universal e internacionalmente foram

sendo constitucionalizados, passando a integrar os ordenamentos

jurídicos dos países;

b. autogeneratividade dos direitos fundamentais – no sentido de que as

Constituições, de um lado, instituem direitos fundamentais, mas, por

outro lado, elas só existem porque destinadas a incorporar esses

direitos fundamentais, e, ainda, porque a institucionalização dos

direitos fundamentais em uma ordem jurídica determinada não

desqualifica o momento anterior, de sua jusnaturalização;

c. universalidade – no sentido de que são destinados a todos os seres

humanos;

d. limitabilidade dos direitos fundamentais – que leva em conta o

fenômeno da colisão de direitos, no sentido de que os direitos

fundamentais, em comunhão com os demais direitos, não são

88

ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 161/169.

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absolutos, mas limitáveis. Isso significa que, por vezes, o comando de

sua aplicação concreta não pode resultar na aplicação da norma

jurídica em toda sua extensão e alcance. Esse empecilho não é

preestabelecido, mas verificável em concreto diante do fenômeno da

colisão de direitos.

e. irrenunciabilidade – porque intrínsecos ao ser humano, são

irrenunciáveis;

f. concorrência de direitos fundamentais – no sentido de que são

acumuláveis pelo indivíduo, de modo que uma única conduta pode

encontrar proteção simultânea em duas ou mais normas

constitucionais.

Os mesmos autores89

apontam que os direitos fundamentais ainda

apresentam as seguintes características extrínsecas:

I - rigidez constitucional, visto que suas normas, clausuladas na

Constituição Federal, submetem-se a processo mais gravoso de

modificação, além de inocularem no sistema um dever de

compatibilidade vertical de todas as normas infraconstitucionais;

II - direitos e garantias clausulados como normas pétreas, conforme o

disposto no art. 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal, o que torna

essa espécie de Direitos Fundamentais impermeável mesmo a

eventuais reformas da Constituição;

III - indicação de aplicabilidade imediata de seus preceitos, consoante

o disposto no art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Indispensável, portanto, que sejam conhecidas todas as características

expostas e, em especial, a característica extrínseca de aplicabilidade imediata, pela qual

se busca superar o Estado de Direito Formal, almejando-se a eficácia dos direitos

humanos e fundamentais, para o que contribui a aplicação quântica do direito.

2.4. EFEITOS HORIZONTAIS DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

O respeito e a aplicação dos direitos humanos e fundamentais titulados

pelos homens em face do Estado denomina-se eficácia vertical. Por outro lado, como

esclarecem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior90

, existe a eficácia

89

Ibid., p. 169. 90

ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 172.

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horizontal desses direitos no âmbito das relações privadas, sem a participação do

Estado.

Pode-se afirmar, então, que a tutelas dos direitos humanos e

fundamentais aplicam-se às relações privadas?

A existência dos direitos fundamentais dos trabalhadores, previstos no

artigo 7º da Constituição Federal, já permite responder afirmativamente a questão, eis

que são normas destinadas não só ao Poder Público, mas, sobretudo, aos particulares,

componentes de qualquer relação empregatícia.

Daí a afirmação da eficácia horizontal dos direitos, cabendo registrar que

a doutrina pátria é homogênea nesse sentido. Bem por isso, Ricardo Sayeg e Wagner

Balera esclarecem que,

não obstante apenas a aplicação vertical dos direitos humanos seja

pacífica na doutrina jurídica brasileira, o precedente do RE 201819 do

STF inaugurou a jurisprudência quanto à possibilidade de aplicação

horizontal dos direitos fundamentais; com maior razão, devem ser

aplicados também os direitos humanos horizontalmente. Daí, em

suma, nos alinharmos com Courtis, quando este diz que ―a ideia de

que os direitos humanos não podem ser invocados nas relações entre

particulares me parece exagerada e errônea‖.91

Nesse mesmo sentido sustentam Luiz Alberto David Araújo e Vidal

Serrano Nunes Júnior:

Assumindo a dignidade humana como objeto e razão de ser, os

Direitos Fundamentais não podem ter sua aplicação restrita a relações

entre o Estado e os indivíduos, mas deve pontuar também as relações

entre os particulares. É o que ocorre, por exemplo, quando se protege

ex vi constitutiones a privacidade do empregado nas relações de

trabalho.

Discute-se se a aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações

privadas seria automática ou estaria a depender da mediação de leis,

vale dizer, de ―pontos de infiltração‖ no sistema.

A nosso juízo, o comando de aplicação imediata, contido no § 1º, do

art. 5º da Constituição da República, aponta na direção de que, sempre

91

SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. op. cit., p. 122.

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que possível, os Direitos Fundamentais devem ser pronta e

imediatamente aplicados.92

A esse respeito, transcreve-se trecho da ementa do Recurso

Extraordinário nº 201819, acima referido, no qual o Supremo Tribunal Federal debateu

esta questão, afirmando que as normas constitucionais definidoras de direitos

fundamentais têm eficácia horizontal nas relações entre os particulares:

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA

DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA

AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO

DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS

RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não

ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado,

mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas

de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela

Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos,

estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos

poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO

LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem

jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação

civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis

e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o

próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de

proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de

autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está

imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o

respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia

privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode

ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias

de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede

constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos

particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de

transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria

Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos

particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de

liberdades fundamentais.93

Daí a afirmação no sentido de que os direitos humanos e fundamentais

não podem ser tidos como normas de conteúdo apenas programático.

92

ARAÚJO e NUNES JUNIOR, op. cit., p. 172. 93

Recurso Extraordinário 201819, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Relator p/ Acórdão: Min.

GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005.

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CAPÍTULO 3

UM NOVO OLHAR: O RECONHECIMENTO DA

COMPLEXIDADE

3.1. OS DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO E A NECESSIDADE DE UM NOVO

OLHAR

No mundo não existe um reduto socialista relevante. O planeta é

capitalista e este capitalismo planetário é o motor da globalização.

A época atual, portanto, é caracterizada pelo fenômeno da globalização.

Cláudio Finkelstein94

adverte que globalização é um conceito de difícil definição, mas

que tem um cunho notadamente econômico, e que estabelece uma interdependência

recíproca entre os países:

No início do Século XX, houve um acirramento do movimento de

internacionalização das empresas para expansão de atividades e

conquista de mercados. É a globalização. Este é um conceito de difícil

definição, mas de cunho notadamente econômico. Hoje há uma

interdependência entre os países; depende-se do comércio

internacional para adquirir produtos de que se necessita, onde haja no

exterior oferta e internamente escassez, para colocar produtos dos

quais há sobra. Seria a troca mediante pagamento. Há uma

interdependência recíproca. Depender de outrem não significa

vinculação obrigatória; é uma opção participar ou não da globalização.

Todavia, já se demonstrou que não participar do movimento

globalizador é, em muitos casos, extremamente detrimental ao Estado

em questão, que se vê alijado do mercado internacional, sem acesso a

fundos, tecnologia, bens de capital e diversas outras commodities que

regram a vida moderna.

94

FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. 2 e., São Paulo: Atlas, 2013, p. 136.

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É certo que a globalização, para o bem ou para o mal, cria, de fato, uma

evidente interdependência entre os países. As crises, os problemas e as soluções passam

a ser muitas vezes planetárias. A crise de econômica de um país pode afetar muitos

outros; desastres ambientais prejudicam não só a vida de um país, mas de todo o

planeta; problemas de saúde pública passam a ter consequência global, pois as pessoas

de todos os lugares podem ser atingidas.

Nesse quadro, não cabe mais uma visão limitada sobre qualquer

problema. Os grandes problemas da humanidade não cabem mais nos limites territoriais

de cada país. E não cabem mais nos limites estanques de cada ciência.

José Eduardo Faria e Celso Campilongo apontam marcantes mudanças da

sociedade na época atual, reconhecendo o desafio da complexidade desses problemas,

sobretudo em face da globalização, com reflexos na política e nos institutos jurídicos e,

por consequência, no Direito:

A sociedade [...] mudou significativamente nas últimas décadas. Ficou

mais complexa, mais funcionalmente diferenciada, tornando-se, assim,

menos vertical e mais horizontal. A globalização pôs em xeque a ideia

de soberania. A transterritorialização dos mercados de bens, serviços e

crédito levou a um processo de convergência, harmonização e

unificação de determinados institutos jurídicos. [...] Essas mudanças

levaram a política tradicional e o Direito Positivo a perder

competência cognitiva diante da velocidade das inovações

tecnológicas, da internacionalização da economia e da proliferação de

centros infra e supranacionais irradiadores de normas, regras e

procedimentos. Se vivemos um momento histórico de grandes

possibilidades de conhecimento, também nos encontramos num

universo de ignorância com relação aos saberes técnicos de que

precisamos para enfrentar e resolver problemas ambientais, questões

energéticas, crises financeiras e manifestações sociais. No campo

específico do ensino do Direito, os modos vigentes de entender a

sociedade e gerir seus litígios não estão à altura da complexidade de

sociedades interconectadas globalmente e marcadas por novos tipos de

conflitos, problemas e dilemas. A excessiva ênfase sobre o papel do

Estado e do Direito Positivo como meio de controle impede os alunos

de prestar atenção aos aspectos cooperativos e cognitivos de

governança; não permite que percebam o esgotamento da

funcionalidade da política legislativa convencional; dificulta a

compreensão do advento de soberanias compartilhadas e de sistemas

autônomos e funcionalmente diferenciados com alcance mundial; e

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desestimula um raciocínio jurídico dos problemas contemporâneos

voltado para o dialogo interdisciplinar.95

Diante da transterritorialização da economia, do alto desenvolvimento

tecnológico, da veloz e vertiginosa expansão das informações, é necessário um novo

olhar. Um olhar que tenha maior abrangência e que permita situar cada problema em

seu contexto, que passa a ser planetário. Um olhar transdisciplinar que ultrapasse os

limites de cada ciência. Um olhar que reconheça a complexidade dos problemas que

desafiam a humanidade.

3.2. A INADEQUAÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO DOS SABERES

A mais significativa armadilha contra o Capitalismo Humanista é a

fragmentação dos saberes. E nos tempos atuais, entendidos como pós-modernos ou

hipermodernos96

, são questionados muitos pilares sobre os quais se erigiu a

modernidade, dentre os quais, a fragmentação dos saberes.

A rigor, o desenvolvimento científico da era moderna é profundamente

marcado pela influência de Descartes, que tem como pressuposto a divisão de cada

problema encontrado em tantas pequenas partes quanto forem possíveis e necessárias

para melhor resolvê-lo, pressupondo a redução do todo às suas partes como uma postura

metodológica, sendo esta uma das mais caras tradições do pensamento científico atual97

.

Fritjof Capra descreve esse modelo cartesiano e a sua notável influência

no conhecimento científico:

O método de Descartes é analítico. Consiste em decompor

pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las

em sua ordem lógica. Esse método analítico de raciocínio é

95

FARIA, José Eduardo e CAMPILONGO, Celso. Os desafios do ensino jurídico. O Estado de S. Paulo,

São Paulo, p. A2, 3 de junho de 2014. 96

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 24. 97

BORSATTO, Ricardo Serra et al. Um novo paradigma para a aprendizagem da complexidade das

relações água/solo/planta/atmosfera. Semina: Ciências Agrárias, v. 28, n. 3, p. 399-408, 2007.

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provavelmente a maior contribuição de Descartes à ciência. Tornou-se

uma característica essencial do moderno pensamento científico e

provou ser extremamente útil no desenvolvimento de teorias

científicas e na concretização de complexos projetos tecnológicos. Foi

o método de Descartes que tornou possível à NASA levar o homem à

Lua. Por outro lado, a excessiva ênfase dada ao método cartesiano

levou à fragmentação característica do nosso pensamento em geral e

das nossas disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de

reducionismo na ciência – a crença em que todos os aspectos dos

fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas

partes constituintes.98

Edgar Morin aponta que, ainda hoje, por conta do modelo cartesiano, o

sistema educativo privilegia a separação dos saberes, em vez de praticar a sua ligação.99

Contudo, esse pressuposto metodológico de separabilidade leva à divisão

das partes constituintes dos conjuntos organizados em sistemas, o que proporciona um

conhecimento insuficiente, mutilado,100

pois torna invisíveis os conjuntos complexos, as

interações e retroações entre partes e todo, as entidades multidimensionais e os

problemas essenciais.101

Daí porque Morin apresenta como um grande desafio o estudo da

complexidade, questionando abertamente a fragmentação dos saberes.

3.3. A PERCEPÇÃO DA COMPLEXIDADE

O Capitalismo Humanista, enquanto categoria jurídica, é uma

singularidade, um complexo edificado pela consubstancialidade quântica entre o

capitalismo e os direitos humanos e fundamentais.

98

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradução: Álvaro Cabra. São Paulo: Cultrix, 1986, p. 45. 99

MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. Disponível em:

<http://www.edgarmorin.org.br/textos/da-necessidade-de-um-pensamento-complexo/?page=3>. Acesso

em 12/11/15. 100

MORIN, Edgar. Complexidade e liberdade. Disponível em:

<http://teoriadacomplexidade.com.br/textos/teoriadacomplexidade/Complexidade-e-Liberdade.pdf>.

Acesso em 12/11/15. 101

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá

Jacobina. 20. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 13.

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60

Etimologicamente, a palavra complexo, segundo Antônio Geraldo Cunha,

deriva do latim complexus, particípio com valor ativo, do verbo complecti, que significa

abraçar, abarcar, ou seja, que encerra muitos elementos102

. Para Houaiss, complexo diz

respeito ao conjunto tomado como um todo mais ou menos coerente, cujos componentes

funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação,

muitas vezes de difícil apreensão pelo intelecto, e geralmente apresenta diversos

aspectos.103

Morin explica que ―existe complexidade, de fato, quando os

componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o

psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido

interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as

partes.‖104

Afirma ainda Morin que os desafios da complexidade não podem ser

enfrentados com um olhar reducionista:

Como disseram Aurélio Peccei e Daisaku Ikeda: ―O approach

reducionista, que consiste em recorrer a uma série de fatores para

regular a totalidade dos problemas levantados pela crise multiforme,

que atravessamos atualmente, é menos uma solução que o próprio

problema.‖

Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o

complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas,

unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de

compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um

julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência

para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves

problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas

se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua

multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a

incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os

problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência

incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega,

inconsciente e irresponsável.105

102

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 201. 103

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p.

505. 104

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 14. 105

Id.

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Pelo olhar reducionista, o que importa é separar o todo em partes, para

que cada parte seja dissecada por um determinado conhecimento especializado. Para

Morin, porém, esse caminho da superespecialização, que não permite perceber a

complexidade, pois não enxerga o contexto, leva à ignorância e à cegueira:

Assim, os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só

trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os

inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do

despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a

elucidação, mas também a ignorância e a cegueira.106

Nas ciências jurídicas, por exemplo, as questões tributárias são tratadas

pelos especialistas em Direito Tributário. E o conhecimento torna-se cada vez mais

especializado, a ponto de que hoje já se apresentam, em matéria tributária, especialistas

em determinados tributos, havendo quem se intitule especialista em IR - Imposto de

Renda; especialista em IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados; especialista em

ICMS – Imposto de Circulação de Mercadorias. E isso ocorre igualmente na medicina,

na economia, na psicologia e em todas as ciências.

Assim, restam evidentes, a partir do pensamento de Morin, os perigos da

fragmentação dos saberes, que enveredam pela hiperespecialização, a qual se fecha em

si mesma sem permitir sua integração em uma problemática global ou em uma

concepção de conjunto do objeto do qual ela considera apenas um aspecto ou uma

parte.107

O desafio da complexidade é, também, o desafio da globalidade, razão

pela qual Morin propõe que se tenha um pensamento que ligue as coisas que parecem

separadas umas das outras:

O problema do conhecimento é um desafio, porque só podemos

conhecer, como dizia Pascal, as partes se conhecermos o todo em que

se situam, e só podemos conhecer o todo se conhecermos as partes

que o compõem. Ora, hoje vivemos uma época de mundialização,

todos os nossos grandes problemas deixaram de ser particulares para

se tomar mundiais: o da energia e, em especial, o da bomba atômica,

106

Ibid., p. 15. 107

Ibid., p. 13.

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da disseminação nuclear, da ecologia, que é o da nossa biosfera, o dos

vírus, como a Aids, imediatamente se mundializam. Todos os

problemas se situam em um nível global e, por isso, devemos

mobilizar a nossa atitude não só para os contextualizar, mas ainda para

os mundializar, para os globalizar; devemos, em seguida, partir do

global para o particular e do particular para o global, que é o sentido

da frase de Pascal: "Não posso conhecer o todo se não conhecer

particularmente as partes, e não posso conhecer as partes se não

conhecer o todo". Deveríamos, portanto, ser animados por um

princípio de pensamento que nos permitisse ligar as coisas que nos

parecem separadas umas em relação às outras.108

É nesta perspectiva que deve ser analisada a não neutralidade entre o

capitalismo e os direitos humanos e fundamentais, como uma única singularidade, um

sistema e um complexo integral, decorrente de uma nova mentalidade, um outro olhar,

que se batizou Capitalismo Humanista. Por essa nova mentalidade, edificada por uma

visão multidimensional, supera-se o problema da neutralidade entre o capitalismo e os

direitos humanos e fundamentais, embora persista, ainda, o desafio da expansão

descontrolada do saber, que tende a deturpá-lo [o Capitalismo Humanista], propiciando

críticas fundadas na ignorância e na cegueira.

Com efeito, o desenvolvimento tecnológico da época atual, notadamente

nos meios de comunicação, permite a propagação de informações em tempo real e em

escala planetária, cujo fenômeno representa um grande desafio para o conhecimento

humano, como aponta Morin, referindo-se à expansão descontrolada do saber:

Por detrás do desafio do global e do complexo, esconde-se um outro

desafio: o da expansão descontrolada do saber. O crescimento

ininterrupto dos conhecimentos constrói uma gigantesca torre de

Babel, que murmura linguagens discordantes. A torre nos domina

porque não podemos dominar nossos conhecimentos. T. S. Eliot dizia:

―Onde está o conhecimento que perdemos na informação?‖ O

conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado

com as informações e inserido no contexto destas. As informações

constituem parcelas dispersas de saber. Em toda parte, nas ciências

como nas mídias, estamos afogados em informações. O especialista da

disciplina mais restrita não chega sequer a tomar conhecimento das

informações concernentes a sua área. Cada vez mais, a gigantesca

proliferação de conhecimentos escapa ao controle humano. Além

disso, como já dissemos, os conhecimentos fragmentados só servem

para usos técnicos. Não conseguem conjugar-se para alimentar um

108

MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento... , p.3

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pensamento capaz de considerar a situação humana no âmago da vida,

na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de nossa época.

Não conseguimos integrar nossos conhecimentos para a condução de

nossas vidas. Daí o sentido da segunda parte da frase de Eliot: ―Onde

está a sabedoria que perdemos no conhecimento?‖109

Daí que edificar a mentalidade proposta pelo Capitalismo Humanista é

um desafio, pois sua divulgação ocorre nesse contexto de expansão descontrolada de

informações.

Contudo, informações sem ordem de nada valem. Informações sem

ordem são como penas lançadas ao vento...

Logo, se quaisquer informações não se encontram em ordem, ou seja, se

as informações não se encontram dispostas de modo a permitir conhecimento, o qual,

como se viu, pressupõe o pensamento complexo, tais informações para nada servem.

Por isso, diante dos desafios da globalidade e da expansão descontrolada do saber,

lembra bem Morin, invocando Montaigne: mais vale uma cabeça bem-feita do que uma

cabeça bem-cheia.110

3.4. CONHECIMENTO PERTINENTE E VISÃO HOLÍSTICA

É corrente a percepção de que o capitalismo liberal, assim como o

capitalismo de Estado, provoca sérios inconvenientes e perturbações no meio social e na

preservação do próprio planeta. E as pessoas, simultaneamente banhadas por tantas

informações, têm consciência e admitem esses inconvenientes, as perturbações e a

degradação do planeta, tendo uma percepção de impotência para resolvê-las, embora

afirmem ser, paralelamente, capitalistas e humanistas.

109

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 16/17. 110

Ibid., p. 21.

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O Professor Ricardo Sayeg, que defende o enfrentamento desses

inconvenientes, das perturbações e da degradação planetária, por meio do Capitalismo

Humanista, conta que o Professor Willis Santiago Guerra Filho, em resposta a essas

pessoas, pergunta: ―E por que não capitalista humanista?‖

Essa indagação do Professor Santiago Guerra bem demonstra a diferença

de uma cabeça bem-cheia, que é aquela que continua afirmando a neutralidade entre o

capitalismo e os direitos humanos e fundamentais, embora se filie a essas duas

dimensões tendo visão parcial do todo; e uma cabeça bem-feita, que é aquela que

reconhece o Capitalismo Humanista, contempla a visão integral, ou seja,

multidimensional, isto é, o complexo, e supera essa neutralidade implicadora, na vida de

todos, desses sérios inconvenientes e perturbações, além da degradação planetária.

O sentido de uma cabeça bem-feita, que se opõe ao sentido de uma

cabeça bem-cheia, e aponta o caminho para um conhecimento pertinente, é assim

referido por Morin:

A PRIMEIRA FINALIDADE do ensino foi formulada por Montaigne:

mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia. O significado de

―uma cabeça bem cheia‖ é óbvio: é uma cabeça onde o saber é

acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e

organização que lhe dê sentido. ―Uma cabeça bem-feita‖ significa que,

em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo

tempo de:

– uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas;

– princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar

sentido.

Não interessa, portanto, simples erudição, em que se acumula

conhecimento sem a ordenação do conhecimento, ou seja, sem os princípios

organizadores que permitem ligar os saberes e lhes dar sentido, de modo que possam

servir para resolução dos problemas atuais.

Daí a pertinência do Capitalismo Humanista, enquanto mentalidade

edificada por um conhecimento ordenado do capitalismo e dos direitos humanos e

fundamentais.

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O saber empilhado, sem sentido, do capitalismo e dos direitos humanos e

fundamentais, que sustenta a neutralidade entre eles, não é conhecimento, nem é

pertinente. Para Morin, conhecimento pertinente é o que é capaz de situar qualquer

informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita.111

Conhecer o humano, com pertinência, não é separá-lo do capitalismo, mas situá-lo nele,

como faz o Capitalismo Humanista. Todo conhecimento do capitalismo, para ser

pertinente, deve contextualizar seu objeto, que é servir ao homem. ―Quem somos nós?‖

- homo economicus, capitalista - é uma questão inseparável de ―onde estamos, de onde

viemos, para onde vamos?‖112

Assim sendo, se o conhecimento pertinente pressupõe a identificação do

contexto, e se os grandes problemas da humanidade estão inseridos no contexto

capitalista, a observação do contexto reclama uma visão holística, parametrizada pelo

capitalismo globalizado.

Robert Muller, chanceler da Universidade para a Paz, da Organização das

Nações Unidas na Costa Rica, lembra que o adjetivo holístico ainda assusta algumas

pessoas, dizendo, porém, que a expressão não deve causar inquietação, pois se trata da

palavra grega ―kath holikos‖, que se refere à totalidade, ao universal, consagrada na

expressão ―Igreja Católica‖, que quer dizer ―Igreja Universal‖.113

Pierre Weil114

, educador, doutor em psicologia pela Universidade de

Paris e consultor da Organização das Nações Unidas em educação para a paz, em obra

recomendada pela UNESCO como método de educação para a paz, propõe uma visão

holística quando afirma:

A forma mais direta de atingir a paz consiste em fazer com que cada

ser humano constate a identidade existente entre suas estruturas

111

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 15. 112

Ibid., p. 37. 113

MILLER, Robert. Prefácio. In: WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova consciência, por

uma nova educação. Trads.: Helena Roriz Taveira, Hélio Macedo da Silva. São Paulo: Editora Gente,

1993, p. 10. 114

WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova consciência, por uma nova educação. Trads.:

Helena Roriz Taveira, Hélio Macedo da Silva. São Paulo: Editora Gente, 1993, p. 86.

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psíquica, vital e física, e os sistemas cibernéticos, vitais e materiais do

universo.

Em suma, cabe propiciar a cada homem a possibilidade de ver que os

mundos interior e exterior, o sujeito e o universo nada mais são do que

manifestações distintas da mesma energia.

Torna-se evidente que todo trabalho começa por ‗educar o educador‘.

É preciso convencê-lo profundamente da necessidade de escapar da

‗fantasia da separatividade‘, na qual a maioria da humanidade está

submersa.

Logo, tanto Morin como Pierre Weil evidenciam os riscos da

fragmentação ou separatividade dos saberes, apontando para a necessidade de uma visão

holística que permita a sua integração, e sob este olhar é que se deve refletir sobre a

proposta do Capitalismo Humanista.

3.5. A INTER-MULTI-TRANS-DISCIPLINARIDADE

O novo olhar proposto por Morin, ou seja, um olhar para a complexidade,

com o qual é de se refletir o Capitalismo Humanista, reclama a transdisciplinaridade,

que busca a compreensão da complexidade. A transdisciplinaridade, como o prefixo

―trans‖ indica aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das

diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina, tendo como objetivo a compreensão

do mundo, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.115

Neste ponto, cabe ressalvar que Morin não sugere demolir tudo o que as

disciplinas criaram. Ao contrário, ele discute a significação de todos os termos

relacionados à disciplinaridade:

Voltemos aos termos interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e

transdisciplinaridade, difíceis de definir, porque são polissêmicos e

imprecisos. Por exemplo: a interdisciplinaridade pode significar, pura

e simplesmente, que diferentes disciplinas são colocadas em volta de

uma mesma mesa, como diferentes nações se posicionam na ONU,

sem fazerem nada além de afirmar, cada qual, seus próprios direitos

115

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Disponível em:

<http://www.ruipaz.pro.br/textos/manifesto.pdf>. Acesso em 12/11/15 (grifos do autor).

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nacionais e suas próprias soberanias em relação às invasões do

vizinho. Mas interdisciplinaridade pode significar também troca e

cooperação, o que faz com que a interdisciplinaridade possa vir a ser

alguma coisa orgânica. A multidisciplinaridade constitui uma

associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um objeto

que lhes sejam comuns; as disciplinas ora são convocadas como

técnicos especializados para resolver tal ou qual problema; ora, ao

contrário, estão em completa interação para conceber esse objeto e

esse projeto, como no exemplo da hominização. No que concerne à

transdisciplinaridade, trata-se frequentemente de esquemas cognitivos

que podem atravessar as disciplinas, às vezes com tal virulência, que

as deixam em transe. De fato, são os complexos de inter-multi-trans-

disciplinaridade que realizaram e desempenharam um fecundo papel

na história das ciências; é preciso conservar as noções chave que estão

implicadas nisso, ou seja, cooperação; melhor, objeto comum; e,

melhor ainda, projeto comum. 116

Morin propõe, então, uma ―ecologização‖ das disciplinas, levando-se em

conta tudo o que lhes é contextual:

Enfim, o importante não é apenas a ideia de inter- e de

transdisciplinaridade. Devemos ―ecologizar‖ as disciplinas, isto é,

levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições

culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam

problemas, ficam esclerosadas e transformam-se. É necessário

também o ―metadisciplinar‖; o termo ―meta‖ significando ultrapassar

e conservar. Não se pode demolir o que as disciplinas criaram; não se

pode romper todo o fechamento: há o problema da disciplina, o

problema da ciência, bem como o problema da vida; é preciso que

uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada.117

Assim, o pensamento complexo do Capitalismo Humanista pressupõe

uma visão holística, que leva em conta a real condição humana, inserida em um

ambiente econômico implicando na formação de uma mentalidade capitalista,

humanística e ética, que só pode ser completa com a consciência do caráter matricial da

Terra para a vida, e da vida para a humanidade118

, identificando a essência cósmica do

homem capitalista:

Em meio à aventura cósmica, no extremo do prodigioso

desenvolvimento de um ramo singular da auto-organização viva,

prosseguimos, à nossa maneira, na aventura da organização. Essa

116

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 115. 117

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita... p. 115. 118

Ibid., p. 39.

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época cósmica da organização, incessantemente sujeita às forças da

desorganização e da dispersão, é, também, a época da reunião, e só ela

impediu que o cosmo se dispersasse e desaparecesse, tão logo acabara

de nascer. Nós, viventes, e, por conseguinte, humanos, filhos das

águas, da Terra e do Sol, somos um feto da diáspora cósmica, algumas

migalhas da existência solar, uma ínfima brotação da existência

terrestre. Estamos, a um só tempo, dentro e fora da natureza. Somos

seres, simultaneamente, cósmicos, físicos, biológicos, culturais,

cerebrais, espirituais... Somos filhos do cosmo, mas, até em

consequência de nossa humanidade, nossa cultura, nosso espírito,

nossa consciência, tornamo-nos estranhos a esse cosmo do qual

continuamos secretamente íntimos. Nosso pensamento, nossa

consciência, que nos fazem conhecer o mundo físico, dele nos

distanciam ainda mais.

À nossa ascendência cósmica, à nossa constituição física, temos de

acrescentar nossa implantação terrestre. A Terra foi produzida e

organizada na dependência do Sol, constituiu-se em complexo

biofísico, a partir do momento em que sua biosfera se desenvolveu.

Da Terra nasceu, efetivamente, a vida e, na evolução multiforme da

vida multicelular, nasceu a animalidade; depois, o mais recente

desenvolvimento de um ramo do mundo animal tornou-se humano.

Nós domamos a natureza vegetal e animal, pensamos ser senhores e

donos da Terra, os conquistadores, mesmo, do cosmo. Mas – como

começamos a tomar consciência – dependemos de modo vital da

biosfera terrestre e devemos reconhecer nossa muito física e muito

biológica identidade terrena.

De modo que podemos, ao mesmo tempo, integrar e distinguir o

destino humano dentro do Universo; e essa nova cultura científica

permite oferecer um novo e capital conhecimento à cultura geral,

humanística, histórica e filosófica, que, de Montaigne a Camus,

sempre levantou o problema da condição humana.119

Enfim, o que se quer apontar nessas breves linhas, abordando o

pensamento de Edgar Morin, é que a concepção da complexidade evita a ilusão e a

cegueira da fragmentação dos saberes, permitindo a percepção do Capitalismo

Humanista, cujo conhecimento pertinente exige uma visão holística que possa

identificar o contexto planetário de uma humanidade capitalista em qualquer questão

que se pretenda investigar.

Não se trata de abandonar as disciplinas da ciência do capitalismo e dos

direitos humanos e fundamentais. Trata-se de reconhecer a necessidade de um novo

olhar, holístico, que reconheça a complexidade entre o capitalismo e os direitos

humanos e fundamentais; e os situem em uma singularidade, levando em conta o

119

Ibid., p. 37/38.

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contexto, mercê de uma abordagem inter-multi-trans-disciplinar. É daí que se extrai a

contribuição da física quântica para se abrir um outro olhar possível na ciência jurídica,

que permite ver a singularidade do Capitalismo Humanista, pois o Direito serve para pôr

ordem no caos, cujo caos é imposto pela neutralidade entre o capitalismo e os direitos

humanos e fundamentais.

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70

CAPÍTULO 4

FÍSICA QUÂNTICA E DIREITO

4.1. O DETERMINISMO CIENTÍFICO DO MODELO FÍSICO MECANICISTA

O Capitalismo Humanista não é uma ideologia, e muito menos uma

percepção metafísica do Direito. Por conta do seu viés holístico, é o resultado da

aplicação científica da integração, por consubstancialidade, do capitalismo e dos direitos

humanos e fundamentais. Está sedimentado em suas estruturas pela física quântica, que

parte da física mecânica, desvendando a singularidade entre matéria e energia, ao

reconhecer a consubstancialidade pela equivalência de elementos distintos, a partir da

superação da física clássica, sem descartá-la. Daí a importância de se abordar a física e

o Direito.

Mercê da física clássica, nacionalizadora do universo a partir do século

XVI, o modelo mecanicista é o pilar estrutural, a linguagem matemática, forjada a partir

do conhecimento cartesiano moderno. Fritjof Capra assim o descreve:

Na mecânica newtoniana, todos os fenômenos físicos estão reduzidos

ao movimento de partículas materiais, causado por atração mútua, ou

seja, pela força da gravidade. O efeito dessa força sobre uma partícula

ou qualquer outro objeto material é descrito matematicamente pelas

equações do movimento enunciadas por Newton, as quais formam as

bases da mecânica clássica. Foram estabelecidas leis fixas de acordo

com as quais os objetos materiais se moviam, e acreditava-se que eles

explicassem todas as mudanças observadas no mundo físico. Na

concepção newtoniana, Deus criou, no princípio, as partículas

materiais, as forças entre elas e as leis fundamentais do movimento.

Todo o universo foi posto em movimento desse modo e continuou

funcionando, desde então, como uma máquina, governado por leis

imutáveis. A concepção mecanicista da natureza está, pois,

intimamente relacionada com um rigoroso determinismo, em que a

gigantesca máquina cósmica é completamente causal e determinada.

Tudo o que aconteceu teria tido uma causa definida e dado origem a

um efeito definido, e o futuro de qualquer parte do sistema podia – em

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71

princípio – ser previsto com absoluta certeza, desde que seu estado,

em qualquer momento dado, fosse conhecido em todos os detalhes‖.120

A física mecânica comprovou matematicamente o racionalismo cartesiano e foi

determinante a influência do modelo newtoniano na visão de mundo da modernidade,

que ainda se observa em tempos atuais, como aponta Danah Zohar:

Atualmente, nossa percepção da realidade social e política, ou seja,

toda nossa percepção da ―modernidade‖, é mecanicista. Plasmou-se

com a reação direta à revolução filosófica e científica do século XVII,

que deu origem à ciência moderna e se reforça diariamente com a

nossa exposição constante à tecnologia que nos rodeia. O próprio

Isaac Newton, a grande figura dessa nova ciência mecânica, acreditava

que os fundamentos de sua obra podiam aplicar-se aos problemas da

filosofia moral. (...)

Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade

física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam

descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal

maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual se

comparava o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e

retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes.

Ambas as metáforas subsistem hoje em dia em expressões como ―a

máquina administrativa‖ e ―o aparelho do Estado‖ e nas implicações

filosóficas da inteligência artificial: nós somos ―máquinas de pensar‖,

podemos estar ―ligados‖ ou ―desligados‖; quando finalmente

entendemos alguma coisa, foi porque a ―ficha caiu‖; nós fomos

―programados‖ para o sucesso ou fracasso.

As pedras angulares do mundo físico de Newton eram átomos tão

numerosos e impenetráveis que se atropelavam, girando no espaço, e

colidiam entre si quais minúsculas bolas de bilhar. Os únicos atores do

drama espaço-tempo eram essas partículas e as forças de atração ou

repulsão que entre elas operavam121

Juarez Rogério Felix também anota a influência dessas ideias, inclusive

sobre as ciências humanas:

As ciências humanas não se mostraram infensas a essa nova ordem de ideias,

que vê na matemática a melhor linguagem para explicar o mundo. O

Positivismo Filosófico de Augusto Comte é uma primeira manifestação

filosófica que postula a necessidade de que também as ciências humanas

sejam pensadas pela tríade componente da ciência moderna: razão,

matemática, experiência.

As ciências humanas caminham, nessa linha de evolução das ideias, para

aquilo que veio a ser conhecido como cientismo ou cientificismo. Funda-se

120

CAPRA, op. cit., p. 51/52. 121

ZOHAR, Danah, Sociedade quântica: a promessa revolucionária de uma liberdade verdadeira. Trad.

Luiz A. de Araújo. 3. ed., Rio de Janeiro: 2008, Best Seller, p. 22/24.

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então a era da certeza, que só viria a ser contestada a partir dos novos

pressupostos da física quântica, desafiadora do modelo determinista da

causalidade usado na mecânica clássica de Newton.122

Ora, não se cogita o abandono do inegável avanço científico decorrente

do determinismo newtoniano, que continua aplicável à física e às ciências das demais

áreas do saber, fragmentadas pelo racionalismo cartesiano, por permitirem, segundo

esses modelos, a compreensão de qualquer fenômeno autônoma e integralmente, em

termos de certeza científica.123

O que se cogita é o reconhecimento de que, para a compreensão da física

e das ciências das demais áreas do saber, não basta mais o racionalismo cartesiano e o

consequente determinismo newtoniano, sendo necessário um novo olhar, um olhar

holístico, por conta da consubstancialidade e da constituição decorrente das

singularidades, implicadas pela inter-multi-trans-disciplinaridade. Há que se ir além do

determinismo newtoniano, o que não significa descartá-lo. E a física já avançou por

meio da física quântica, que desvendou o princípio da complementaridade, que é o

equivalente matemático ao fenômeno da inter-multi-trans-disciplinaridade para as ciências

sociais.

Fica evidente, portanto, que o rigoroso raciocínio cartesiano

fragmentalista e o determinismo newtoniano, decorrente do modelo mecanicista, que

sustentaram a autonomia e neutralidade matemática e utilitarista ente a economia e os

direitos humanos e fundamentais deve ceder, sem descartá-los, à ideia de

consubstancialidade, através da complementariedade edificadora da singularidade

quântica do Capitalismo Humanista.

122

FELIX, Juarez Rogério. Direito quântico: jusnaturalismo indeterminista. Disponível em:

<http://www.academus.pro.br/professor/juarezfelix/material_pdf/003.pdf>. Acesso em 12/11/15. 123

GOLDMAN, Flávio. Direito Quântico: revisitação e hipóteses de aplicação ao direito

contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Direito) – PUC – SP, 2010. Disponível em:

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp136213.pdf. Acesso em 12/11/15.

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73

4.2. AS REVELAÇÕES DA FÍSICA QUÂNTICA

Os tempos pós-modernos ou hipermodernos124

colocaram em xeque os

fundamentos da modernidade, notadamente a partir dos conhecimentos da física

quântica.

Flávio Goldman aponta que, a partir das descobertas da física moderna,

sobretudo expressas pelas teorias quântica e da relatividade, desvenda-se um novo

campo de possibilidades no tocante ao comportamento dos seres, suscitando a

emergência de um modelo renovado de abordagem científica:

O avanço da física destinada a estudar a natureza e o comportamento das

partículas elementares da matéria, a que se veio a denominar Física Quântica

ou Teoria Quântica, findou por proporcionar os primeiros questionamentos

neste sentido, pois desvelava a intrínseca e inevitável interferência do sujeito

observador no objeto observado, bem como pela constatação de que o

comportamento das referidas partículas teria natureza essencialmente

instável, portanto imprevisível.

Em suma, as descobertas na nova microfísica implicavam a relativização do

modelo de leis deterministas em prol da concepção de um conhecimento

probabilístico ou estatístico. Mais ainda, por tratar de partículas elementares

da matéria, a nova abordagem deveria, portanto, provocar, como

efetivamente vem provocando, uma mudança de postura perante todas as

ciências naturais e sociais.125

Note-se que, segundo esse novo paradigma, esmorece um princípio

basilar da ciência, que sustentava que o sujeito observador não interfere no objeto

observado. Para a física quântica, entretanto, sempre haverá interferência entre o sujeito

observador e o objeto observado. E isso leva ao reconhecimento de que o próprio sujeito

observador passa a fazer parte do contexto do objeto, causando interferência no objeto.

Aliás, isso é facilmente evidenciado no Direito, no que tange à interferência do

aplicador do ornamento jurídico no caso concreto.

124

GUERRA FILHO, op.cit., p. 24. 125

GOLDMAN, Flávio, op. cit., p. 21/22.

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O físico Ramayana Gazzinelli126

explica que, para a física quântica, a

resposta a qualquer questão sempre levará em conta a interferência do sujeito

observador no objeto observado:

Na física clássica o fenômeno é imaginado como alguma coisa

objetiva, independente dos meios de observação. Uma determinada

experiência pode captar um ou outro aspecto do fenômeno, mas

acreditamos que nele haja uma realidade objetiva subjacente. Einstein

exprimia essa ideia quando dizia: ―a Lua está lá, mesmo que ninguém

a esteja observando.‖ No entanto, na física quântica, o fenômeno

inclui, além do objeto estudado, as circunstâncias de observação, isto

é, a descrição dos aparelhos e procedimentos experimentais utilizados

– não há, como na física clássica, um corte bem-definido entre o

aparelho e o ente observado. Em consequência, a ideia de fenômeno

da física clássica como realidade objetiva não é aceitável na física

quântica.

Portanto, as leis deterministas do modelo mecanicista cedem lugar às leis

probabilísticas no novo modelo quântico, o que lhe compatibiliza ainda mais com o

Direito.

Antes, a física clássica se contentava na crença de que a matéria era

composta apenas de partículas, enquanto a energia, contínua e indivisível, jamais tinha a

forma da matéria.127

Ambas inconfundíveis. Essa crença mecanicista, porém, foi revista

por força da descoberta do quantum por Planck, como é esclarecido por Goffredo Telles

Júnior128:

Planck [...] mostrou que a luz não é contínua. Não é um jorro

interrompido, um jacto simples, um todo indecomponível. A luz,

também, é feita de partículas. Ela, também, é ―discreta‖. Ela é um

fluxo de fótons, e os fótons são porções particulares, estritamente

medidas, de radiação eletromagnética. Por serem parcelas delimitadas,

rigorosamente quantificadas, os fótons são ―quanta‖ de energia luminosa.

Cada fóton é um ―quantum‖, e a onda eletromagnética, uma energia

feita de um número inteiro de quanta, ou seja, de fótons.

Assim como um corpo é feito de micropartículas, um fluxo de energia

luminosa era feito de quanta.

126

GAZINELLI, Ramayana. Quem tem medo da física quântica? A visão quântica do mundo físico.

Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 104. 127

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 39. 128

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 40.

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Esta descoberta, feita na escala subatômica, abriu caminhos explorados

por Albert Einsten, que desvendou a lei da singularidade pela consubstancialidade de

elementos distintos, embora equivalentes:

Fundado nas descobertas de Planck, Einstein chegou à conclusão de que as

porções quantificadas da energia luminosa deveriam se comportar como

―fragmentos comuns de matéria‖. Os fótons, colidindo com corpúsculos –

com elétrons, por exemplo – se conduziriam como se fossem bolas de bilhar:

conservariam a impulsão, como fariam as micropartículas materiais.

A hipótese de Einstein era a de que a luz tinha massa.

Ora, massa, como foi dito, é propriedade dos corpos. A energia seria corpo?

Aos olhos perplexos da humanidade, Einstein revelou a íntima correlação

entre energia e massa. Em três artigos, publicados em 1905, ele mostrou que

a energia pertencente a uma unidade de matéria (por exemplo, a uma grama

de ouro) é igual à massa da unidade dessa matéria, multiplicada pelo

quadrado da velocidade da luz, ou seja, E=mc2, equação célebre, na qual E é

a energia de uma unidade de matéria; m é a massa dessa matéria e c é a

velocidade da luz. [...]

A equação einsteiniana punha em evidencia a natureza corpórea da energia,

e a natureza energética dos corpos. E alterou, para sempre, nossa visão do

mundo.129

Ao revolucionar a física, seguindo os estudos de Planck e demonstrando

que a energia tinha natureza corpórea e os corpos tinham natureza energética, Einstein

estava propondo a equivalência entre massa e energia, que marcou profundamente a

nova física e que restou definitivamente comprovada:

Guiados por Einstein, os cientistas de todo o mundo viram comprovar-se,

numa observação do céu, que ficou famosa, a hipótese da equivalência entre

massa e energia. De fato, os astrônomos verificaram que a luz de uma certa

estrela sofreu, efetivamente, desvio em sua trajetória, porque foi atraída pela

força de gravidade de outra estrela.

Como poderia uma estrela atrair a luz de outra estrela, se a luz não fosse

feita de matéria e não tivesse massa? A matéria só atrai a matéria; e a atrai

na razão direta das massas, e na razão inversa do quadrado das distancia que

as separam.

Com tal observação, ficou evidenciado que os fótons, quanta de energia,

tinham massa, que é propriedade dos corpos.

Experiências de laboratório demonstram que os fótons são capazes de

exercer pressão sobre o corpo e até de expulsar elétrons de um pedaço de

metal, confirmando a existência de massa nos quanta de energia.

Espantosa revelação, esta!

Mas eis que revelação análoga se fez relativamente a outras micropartículas.

Os elétrons, por exemplo, logo demonstraram ser energia, além de ser

129

Ibid., p. 40/41.

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corpúsculos. [...] Então, o que se patenteia é que o elétron não é apenas um

corpúsculo. Ele é, em verdade, corpo e onda, concomitantemente.

É corpo, corpúsculo, sem dúvida, pois o laboratório demonstra que a

micropartícula possui a propriedade essencial dos corpos: possui massa.

Mas é onda, também, pois o laboratório demonstra que a micropartícula

possui uma propriedade específica das ondas: a de sofrer difração. [...] Corpo

e onda – este é, em verdade, o surpreendente dualismo que a Física Moderna

descobriu em todas as micropartículas.130

Esse novo quadro abalou profundamente as certezas da física clássica, até

então aceitas cegamente pela ciência moderna, cujo paradigma emergente exige uma

revisão dos conhecimentos e da metodologia científicos. Em decorrência, a

decomposição destas certezas demonstrou com clareza que a fragmentação fundada no

raciocínio cartesiano é uma resposta científica parcial, impondo-se a visão holística, por

seu caráter integral. Aplicando-se isso à fragmentação entre economia capitalista e

direitos humanos e fundamentais, conquanto se possa entendê-los como entes

autônomos, separados e distintos, após esta compreensão holística há de se integrá-los

por consubstancialidade, cujo resultado é a singularidade do Capitalismo Humanista.

4.3. A COMPLEMENTARIDADE E A INCERTEZA

As propriedades ondulatória e corpuscular de um objeto quântico já

tinham sido verificadas pelos físicos quânticos.

Danah Zohar131

explica a revolucionária descoberta da física quântica,

conhecida como princípio da complementaridade, que se deve a Niels Bohr:

A mais revolucionária e, para nossos fins, a mais importante

afirmação que a física quântica faz acerca da natureza da matéria, e

talvez do próprio ser, provém de sua descrição da dualidade onda-

partícula – a afirmativa de que todo ser, no nível subatômico, pode ser

igualmente bem descrito como partículas sólidas, como um certo

número de minúsculas bolas de bilhar, ou como ondas, como as

ondulações na superfície do oceano. Mais que isto, a física quântica

130

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 42. 131

ZOHAR, op. cit., p. 13.

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prossegue dizendo que nenhuma das duas descrições tem real precisão

quando isolada e que tanto o aspecto onda como o aspecto partícula

do ser devem ser levados em conta quando se procura compreender a

natureza das coisas. É a própria dualidade o aspecto mais básico. A

"substância" quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e o

aspecto partícula simultaneamente. Esta natureza tipo Jano do ser

quântico está condensada numa das colocações mais fundamentais da

teoria quântica, o princípio da complementaridade, que declara que

cada modo de descrever o ser, como onda ou como partícula,

complementa o outro e que o quadro completo surge somente do

"pacote".

Sobre essa noção da complementaridade, Fritjof Capra132

esclarece:

Para um melhor entendimento dessa relação entre pares de conceitos

clássicos, Niels Bohr introduziu a noção de complementaridade.

Segundo ele, a imagem da partícula e a imagem da onda são duas

descrições complementares da mesma realidade, cada uma delas só

parcialmente correta e com uma gama limitada de aplicação. Ambas

as imagens são necessárias para uma descrição total da realidade

atômica e ambas são aplicadas dentro das limitações fixadas pelo

princípio de incerteza. A noção de complementaridade tornou-se parte

essencial do modo como os físicos pensam a natureza, e Bohr sugeriu

várias vezes que também pode ser um conceito útil fora do campo da

física.

Zohar133

esclareça que a complementaridade é o corolário do princípio da

incerteza, que confronta o determinismo newtoniano e, para a presente investigação, a

neutralidade entre ordem econômica e direitos humanos e fundamentais:

Tal dualidade e o conceito um tanto etéreo de matéria que isso

representa não poderiam estar mais distantes da noção

corriqueiramente sustentada pela física newtoniana ou clássica. Na

física de Newton, como em nossa percepção comum de questões

maiores, presumia-se que o ser, em seu nível mais básico e indivisível,

consistia em partículas pequeninas e distintas entre si, os átomos que

colidem, se atraem e se repelem uns aos outros. Eram sólidos e

separados, cada qual ocupando um lugar próprio e definido no espaço

e no tempo. Em contrapartida, os movimentos de onda (como ondas

de luz) eram considerados vibrações que ocorriam numa espécie de

"gelatina" subjacente (o éter), não sendo coisas fundamentais por si

mesmas. Assim, tanto ondas como partículas tinham seu papel dentro

da física newtoniana, mas as partículas eram consideradas mais

básicas, e delas é que a matéria se formava.

132

CAPRA, op.cit. p. 63. 133

ZOHAR, Danah. O ser quântico. Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência

baseada na nova física. Trad. Maria Antônia Van Acker. Rio de Janeiro: Best Seller, 1990, p. 13/14.

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Para a física quântica, porém, tanto ondas como partículas são

igualmente fundamentais. Uma e outra são modos pelos quais a

matéria se manifesta, e as duas juntas são o que a matéria é. E, ainda

que nenhum dos "estados" seja completo em si mesmo e ambos sejam

necessários para nos dar um quadro completo da realidade, na verdade

só conseguimos focalizar um de cada vez. Esta é a essência do

princípio da incerteza de Heisenberg, que, como o da

complementaridade, é um dos princípios mais fundamentais do ser na

teoria quântica.

Segundo o princípio da incerteza, as descrições do ser como onda e

como partícula se excluem mutuamente. Embora ambas sejam

necessárias à compreensão integral do que o ser é, somente uma está

disponível num determinado momento do tempo. Consegue-se medir

ou a exata posição de algo (como um elétron) quando ele se manifesta

como partícula, ou seu momentum (sua velocidade) quando ele se

expressa como onda, mas nunca se consegue uma medida exata de

ambos a um só tempo.

Capitalismo Humanista não é apenas ordem econômica, nem apenas

direitos humanos e fundamentais, mas sim ainda singularidade edificada pela

consubstancialidade entre esses elementos, como explica Gazzinelli134

, na perspectiva

da física quântica:

Partícula e onda são dois conceitos definidos na física clássica que se

excluem mutuamente, mas os objetos quânticos não são nem

partículas nem ondas. Um físico, ao explicar um fenômeno pela física

clássica, usará intuitivamente o conceito de partícula ou o de onda. Na

mecânica quântica, conforme as circunstâncias, deverá optar por um

ou outro, mas a utilização de um restringirá a do outro; ele não negará

que os dois aspectos – onda e partícula – são mutuamente exclusivos,

mas aceitará que ambos são necessários para compreender a totalidade

das propriedades do objeto examinado. Na interpretação de Bohr,

esses dois aspectos são complementares – partícula e onda podem se

referir ao mesmo fenômeno em circunstâncias diferentes. Em outras

palavras, o comportamento de um objeto como partícula ou onda

depende da escolha do arranjo experimental utilizado na observação.

Para descrever a observação de um fenômeno quântico, são

necessários diversos modelos, cada um correspondendo a um diferente

arranjo experimental, e tendo entre si uma relação de

complementaridade, isto é, a realização de um modelo exclui a

realização de outros; não é possível descrever o sistema por meio de

um modelo único abstraindo o aparelho utilizado na investigação.

Somos obrigados a aceitar que os dois conceitos, de partícula e onda,

são descrições incompletas e complementares de um objeto quântico.

A questão ―um elétron é uma partícula ou uma onda?‖ tem sentido na

física clássica, em que a relação entre o objeto de estudo e o aparelho

de medida não precisa ser especificada; na física quântica essa

134

GAZINELLI, op. cit., p. 102.

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distinção entre partícula e onda não faz sentido, e o que se pode

perguntar é: ―qual dos dois aspectos o elétron apresenta em determina

experiência?‖.

Como se vê, enquanto na física mecanicista o ser consistia em partículas

pequeninas e distintas entre si – os átomos que colidem, se atraem ou se repelem, e que

não se confundem com os movimentos de ondas, que eram consideradas vibrações135

, –

na visão quântica ―as partículas subatômicas não têm significado enquanto entidades

isoladas, mas podem ser entendidas somente como interconexões, ou correlações, entre

vários processos de observação e medida‖.136

Por isso, segundo Bohr, não tem sentido perguntar o que é realmente um

elétron. As propriedades ondulatórias e corpusculares de um objeto quântico constituem

aspectos complementares de seu comportamento. A depender do modelo experimental

do observador, o elétron ora se apresentará como onda, ora se apresentará como corpo.

É assim que deve ser entendido o Capitalismo Humanista.

O Capitalismo Humanista é o resultado do direito quântico aplicado

conforme o princípio da complementaridade entre as instituições jurídicas fundantes do

capitalismo – propriedade privada e liberdade de iniciativa – e os direitos humanos e

fundamentais, com fim de garantir a todos existência digna, na forma do artigo 170 da

Constituição Federal. Por isso, é imprescindível a compreensão da complementaridade

para a apropriação do direito quântico e o entendimento do Capitalismo Humanista.

E isso acrescido do princípio da incerteza, que deriva da visão parcial

decorrente da física mecânica, que se aplica, sem sombra de dúvidas, à neutralidade

entre ordem econômica e os direitos humanos e fundamentais, enquanto olhar

fragmentado pelo racionalismo cartesiano.

Um conceito central na filosofia de Bohr é a afirmação de que a incerteza

é intrínseca ao mundo quântico e não meramente o resultado de nossa percepção

incompleta, o que acontece na analise sob o aspecto parcial e autônomo da ordem

135

ZOHAR, Danah. O ser quântico..., p. 13. 136

CAPRA, op. cit., p. 64.

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econômica de um lado e dos direitos e fundamentais de outro, que impõe a mentalidade

da neutralidade.

Comprovando a incerteza na natureza, a física quântica apresenta um

novo paradigma, que supera o mecanicismo e que passa a conviver com a incerteza,

razão pela qual deve ser superada a neutralidade entre ordem econômica e direitos

humanos e fundamentais, via de consequência a incerteza que decorre da sua não

consubstancialidade.

Portanto, o Capitalismo Humanista é real e concreto sob a perspectiva da

física quântica.

A física quântica comprova: (a) que um mesmo sistema pode ser visto de

maneiras diferentes; (b) que só o contexto revela a propriedade do ser, ora como

partícula ora como onda; e (c) que a fragmentação do ser, ignorando-se o contexto, não

permite conhecer o objeto, e gera juízo de incerteza.

Daí a pertinência da afirmação de Edgar Morin137

, no sentido de que

Heráclito é fabulosamente atual, pois nos ajuda a pensar as contradições que

encontramos na ciência, como na física quântica, que nos coloca diante da contradição

de que um fenômeno microfísico como a partícula possa ser descrito como uma onda e

como corpúsculo, duas descrições que são complementares e, ao mesmo tempo,

contraditórias, tal como é complementar e ao mesmo tempo aparentemente contraditório

se falar em Capitalismo Humanista.

Assim sendo, o modo de pensar da ciência moderna, fundado em

rigoroso determinismo, acreditando que cada acontecimento tem sempre uma causa, foi

seriamente colocado em dúvida, convivendo-se agora, no campo da própria física, com

a realidade da imprevisibilidade e da incerteza, e de modelos parciais, via de

consequência, a necessidade da edificação de singularidades, como é o Capitalismo

Humanista.

137

MORIN, Edgar. Meus filósofos. Tradução de Edgar de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto

Alegre: Sulina, 1013, p. 23.

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4.4. FÍSICA QUÂNTICA COMO NOVO PARADIGMA E DIREITO QUÂNTICO

O direito quântico, termo cunhado originalmente por Goffredo Telles

Júnior, trata do fundamento da ordem jurídica inserida na ordem universal e

compatibilizada com as novas descobertas da física quântica, e esta é a base de

edificação do Capitalismo Humanista.

Demonstra Telles Jr. que a física moderna pôde formular as leis de

probabilidade, pois os elétrons se recusam a agir segundo as leis da física tradicional, de

modo que seus comportamentos se desenrolam em conformidade com as leis de

probabilidade.138

Tendo se ocupado em suas reflexões com a liberdade, sustenta Telles Jr.

que, ―nas profundezas da substância, uma misteriosa forma de liberdade parece

patentear-se no indeterminismo operacional dos corpúsculos quânticos‖139

, cuja

liberdade se manifesta em todos os campos:

No reino da matéria bruta, onde o comportamento dos elementos é fixado

inelutavelmente pelas imposições químicas, ou seja, pelas afinidades e

aversões das micropartículas, dos átomos e das moléculas, a presença da

liberdade parece querer revelar-se no indeterminismo operacional dos

corpúsculos quânticos.

No reino das células, onde as imposições químicas são causa das relações do

metabolismo, a presença da liberdade parece querer revelar-se na autonomia

teleonômica das enzimas reguladoras.

No reino humano, a presença da liberdade se revela no ato de escolha, ou

seja, na efetiva adesão do ser humano a uma das vias cerebrais, abertas ante

seu sistema de comando.140

Nota-se que, para o referido autor, a liberdade se manifesta em todos os

campos. Mas ele próprio esclarece que, na física quântica, os campos têm uma

138

TELLES JUNIOR, Direito quântico..., p. 72. 139

TELLES JUNIOR, Direito quântico..., p. 72. 140

Ibid., p. 287.

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significação própria. São os ―espaços variáveis que separam os átomos dentro da

molécula‖.141

Note-se bem: são espaços existentes entre cada átomo, ainda que os

átomos componham uma molécula. E ―nesses campos é que se verifica a interação dos

átomos.‖142

Nos campos é que ―as partículas e os conjuntos de partículas agem uns

sobre os outros‖.143

E esta complexa interação entre os átomos também ocorre entre os seres

humanos:

Ao viver em sociedade, cada ser humano cria, em torno de si, um campo.

Aqui, a palavra campo tem o sentido que a Física lhe confere [...]. Na

sociedade, campo é a área dentro da qual se manifesta a energia das pessoas.

Toda pessoa tem seu campo, criado por suas várias atividades, nos diversos

ambientes frequentados.

Uma pessoa não é um simples ser, delimitado por seu corpo. É esse ser, mais

seu campo de influência. A pessoa e seu campo constituem uma só

realidade, uma realidade incindível.

Como se manifesta o campo de uma pessoa? Manifesta-se pela alteração que

ela causa no comportamento de qualquer outra pessoa, que dentro

desse campo se venha situar.

Os campos, na vida social, são tão verdadeiros e universais quanto o corpo

humano. Os espaços entre as pessoas não são espaços separando pessoas,

porque não são espaços vazios. Os vazios, na sociedade, não são vazios:

são campos.

Só seres humanos e seus respectivos campos enchem todo o espaço social.

Enquanto vivem em sociedade, as pessoas se acham sempre sob influências

de outras pessoas, e estarão sempre exercendo influências sobre as outras.

Por conseguinte, acham-se sempre situadas dentro de um ou outro campo, ou

dentro de vários campos ao mesmo tempo.144

Reconhecendo que corpo e onda é, em verdade, um surpreendente

dualismo e ao mesmo tempo uma singularidade, que a física moderna descobriu em

todas as micropartículas, Goffredo Telles Jr. pontual que ―devemos dizer que não nos

parece absurdo considerar o ser humano como corpo e onda.‖ 145

141

TELLES JUNIOR. Goffredo. A folha dobrada: lembranças de um estudante. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1999, p. 841. 142

Id. 143

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 74. 144

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico..., p. 75. 145

Ibid, p. 48.

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83

Deve-se, portanto, integrar a ciência jurídica à física quântica, enfrentar e

admitir a incerteza das bilateralidades e plurilateralidades jurídicas, e buscar sua

superação pela percepção da complexidade. Nesse sentido, Goffredo Telles Júnior

afirma que as leis humanas são leis de probabilidades, tais quais as leis a que obedecem

os elétrons, que se recusam a agir segundo as Leis da Física tradicional:

A Ciência do Direito não anunciará jamais que um homem, ou um

determinado grupo de homens procederá desta ou daquela maneira, como a

Física não pode prever o percurso que um elétron ou um grupo de elétrons

irá fazer. A Ciência do Direito dirá, isto sim, que não sabe como um homem,

ou um determinado grupo de homens, irá proceder, mas que esse homem, ou

esse grupo de homens, tem mais probabilidade de proceder da maneira X do

que da maneira Y. A maneira X de proceder é a que é mais conforme ao

sistema ético de referência da coletividade a que pertence esse homem ou

esse grupo de homens. É a maneira de proceder que o Direito Objetivo deve

preconizar. As leis humanas são, portanto, leis de probabilidade, como as

demais leis da Sociedade (...).146

Trazendo para a ciência jurídica a compreensão de que as leis humanas

são leis de probabilidade, afasta-se a ilusão de certeza, admitindo-se a incerteza, em

consonância com os postulados da física quântica em relação ao movimento dos

elétrons.

A síntese do direito quântico, na visão de Telles Jr., é mais bem exposta

pelo próprio autor em obra de suas memórias, na qual revela a evolução de seu

pensamento:

No meu espírito, uma certeza resultou de tudo quanto eu vinha observando e

aprendendo.

Certifiquei-me de que a Moral e a Biologia se entrelaçam indissoluvelmente.

Mais do que isto: essas duas ciências são reciprocamente complementares

porque os bens soberanos do espírito humano desabrocham sobre

patrimônios genéticos condicionantes.

Em verdade, o primeiro fundamento – o fundamento básico, anterior a

qualquer outro – o alicerce das tábuas morais, dos usos e costumes, das

ordenações jurídicas legítimas se encontra nos elementos quânticos de que se

compõem as moléculas do ácido nucléico, no núcleo das células humanas.

Nesses programas genéticos encontra-se fixada uma parte considerável

daquilo que, tradicionalmente, se chama Ética. [...]

146

TELLES JUNIOR, Goffredo. O Direito quântico. Revista da Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo, p. 68/69. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66689/69299>. Acesso em 12/11/15.

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84

Hoje sei que o comportamento do ser humano é o requinte a que chegou o

movimento que anima, desde sempre, todas as coisas do universo. O Mundo

Ético – segundo a minha filosofia – não é um mundo de natureza especial,

mas um estágio adiantado da natureza única. Nas propriedades ondulatórias

das partículas elementares (quânticas) da matéria, encontram-se as raízes do

movimento universal, as primeiras manifestações de extraordinárias

potências, cuja plena atualização se observa no comportamento dos seres

muito evoluídos, entre os quais avulta o ser humano. A unidade da

Substância Universal, princípio filosófico de civilizações antiquíssimas, hoje

se patenteia do mais evoluído dos seres conhecidos. Em meu livro O Direito

Quântico – ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, publicado em

1971, sustentei que o Direito se insere na harmonia do Universo e, ao mesmo

tempo, dela emerge como sublimada elaboração do mais evoluído dos seres

conhecidos. Em meu livro Ética – do mundo da célula ao mundo da cultura,

publicado em 1988, demonstrei que grande parte das imposições da chamada

moralidade a Biologia Moderna explica pelo programa que se acha inscrito

no núcleo das células, ou seja, no material genético hereditário. Das

interações desse patrimônio genético com os fatores do meio ambiente

dependem os seres vivos para a sua adaptação ou desadaptação às

circunstancias da vida. Em consequência, há uma discriminação primitiva,

por assim dizer basilar, entre bons e maus comportamentos. Nessa

primordial discriminação reside uma fonte importantíssima dos códigos

éticos. Chego a crer que as estrelas, as micropartículas e o homem são

participantes da mesma sociedade cósmica.147

Telles Jr., portanto, se dispôs a enfrentar o desafio de repensar a ciência

jurídica à luz das descobertas da nova física. Seu ensaio apresenta a ciência jurídica em

compasso com o conhecimento científico atual, enfrentando a existência da

imprevisibilidade e da incerteza, reveladas pelos estudos sobre a natureza e o

comportamento das partículas elementares da matéria.

O direito quântico, sobre o qual se estrutura a aplicação quântica do

direito, apresenta um novo olhar, que coloca a ciência jurídica no compasso da física

moderna, em consonância com uma abordagem holística, de inter-multi-trans-

disciplinaridade, e que permite compreender a ordem jurídica inserida na natureza única e

na sociedade humana.

Esse novo olhar, holístico e inter-multi-trans-disciplinar, também

compatibilizado e estruturado de acordo com a física quântica, é igualmente encontrado

147

TELLES JUNIOR. Goffredo. A folha dobrada..., p. 867/869.

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na teoria do Capitalismo Humanista, de Ricardo Sayeg e Wagner Balera, que será

abordada a seguir.

Na esteira da revelação quântica, ou seja, da dualidade corpo e onda, que

compõe uma singularidade, Goffredo Telles Jr. contempla os mistérios que ainda

assombram a humanidade, sustentando não haver divisão entre o mundo físico e o

mundo ético, propondo que este seja apenas um estágio evolutivo daquele, ambos

pertencentes a uma natureza única, componentes da sociedade cósmica:

A união da matéria e inteligência no ser humano ainda é um mistério tão

profundo quanto a união do corpo e onda na micropartícula.

Corpo, onda, matéria, inteligência, talvez nada mais sejam do que palavras.

Palavras e mais palavras, designando uma só e única realidade. A Realidade

– de que só conhecemos um ou outro aspecto.

Nas propriedades ondulatórias soterradas, das partículas elementares da

matéria, encontram-se as raízes do movimento universal, as primeiras

manifestações de extraordinárias potências, cuja plena atualização se observa

no comportamento dos seres muito evoluídos, dos seres extremamente

complexos, entre os quais avulta o ser humano.

A revelação científica de como se comportam as partículas no âmago da

matéria invalida conceitos clássicos, que pareciam definitivos, sobre a

divisão do Universo em Mundo Físico e Mundo Ético.

O Mundo Ético não é um mundo de natureza especial, mas um estágio da

natureza única.

A unidade da Substância Universal se manifesta em todas as coisas. Todas as

coisas pertencem a um só todo, a Um Todo harmônico e ordenado.

As estrelas, as micropartículas e o homem são participantes da mesma

Sociedade Cósmica.148

Para ele, as revelações da física quântica esmorecem os conceitos

clássicos, que separam o mundo físico do mundo ético. Assim como a dualidade corpo e

onda se apresenta na partícula subatômica e estão presentes num único elemento, o

mundo ético e o mundo físico são pertencentes a uma só singularidade, harmônica e

ordenada, de natureza única - a sociedade humana.

Aliás, não há nada mais tangível, nada mais perceptível no mundo físico

do que o dinheiro, expressão máxima do capitalismo e da economia de mercado; de

outro lado, não há nada mais tangível e perceptível no mundo ético do que os direitos

humanos e fundamentais. Por isso, à luz do direito quântico, de Goffredo Telles Jr.,

148

TELLES JUNIOR, Direito quântico..., p. 187/189.

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vislumbra-se uma natureza única, como é, via de consequência, o entendimento do

Capitalismo Humanista.

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87

CAPÍTULO 5

O CAPITALISMO HUMANISTA

5.1. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS E A ORDEM ECONÔMICA

Dado o novo paradigma da física quântica, e como a presente

investigação tem pretensão científica, cabe retomar o problema que se propõe resolver à

luz desse contexto, que é o da efetivação dos direitos humanos e fundamentais em face

da ordem econômica capitalista, estabelecida no direito positivo, notadamente a partir

do artigo 170 da Constituição Federal, que estabelece que a ordem econômica deve ser

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar

a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A par disso, cabe delinear a compreensão da ordem econômica à luz da

teoria do Capitalismo Humanista, perquirindo se ela propõe ou não a efetivação dos

direitos humanos e dos direitos fundamentais no sistema capitalista, e, assim, a

pertinência da PEC – Projeto de Emenda Constitucional nº 384/14149

.

5.2 ECONOMIA E ORDEM ECONÔMICA

Carlos Galves afirma que o homem realiza inúmeras atividades, dentre as

quais a atividade econômica, que é diferenciada pelo seu objetivo, isto é, seu objeto, que

é a obtenção e o emprego das coisas e dos serviços úteis de que o homem precisa para

149

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 383/2014, de 20 de janeiro de 2014. Câmara dos

Deputados, Brasília, DF, 20 fev. 2014.

Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>

Acesso em 02/03/16.

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88

satisfazer as suas necessidades, materiais e imateriais150

. Conceitua a ciência que se

debruça sobre esta atividade nos seguintes termos:

A Economia Política, ou Economia, é a ciência que tem por objeto o

estudo da atividade econômica do homem. As coisas e os serviços de

que precisa, o homem não os encontra feitos, ao nível da natureza.

Devem ser produzidos. Os que os produzem, recebem pagamentos

pelo que produzem, e, com o que ganham, adquirem o que outros

produzem. O produto deve circular pelo país, a fim de poder ser

adquirido e empregado pelos que desejam as coisas e os serviços. E

como os homens vivem em sociedade, toda essa atividade ocorre

dentro da sociedade humana. E todos esperam que tudo decorra com

ordem e em progresso.

A definição de Economia Política apanha toda essa realidade

complexa: é a ciência da produção, distribuição, circulação e consumo

das coisas e serviços úteis, na sociedade humana, com equilíbrio e

progresso.

Apontando que as necessidades humanas tendem ao infinito, enquanto os

recursos naturais da humanidade são limitados e finitos, Nelson Nazar151

, por sua vez,

situa e conceitua a economia in verbis:

Não é possível estabelecer um limite para as necessidades humanas.

Elas tendem a se multiplicar para o infinito. Já os recursos com que

conta a humanidade para satisfazer as suas necessidades são limitados

e finitos.

Daí decorre a lei da escassez, pela qual devem ser administrados os

recursos limitados à disposição dos habitantes do planeta. Surge a

Economia (oikos = casa, e nomos = norma), a qual consiste na

combinação dos fatores de produção com o intuito de criar bens e

serviços que satisfaçam as necessidades dos homens. A Economia é a

ciência social que estuda a escassez em nível social, bem como a

atividade desenvolvida para a administração dos recursos escassos.

Nazar também observa que a ordem jurídica é a esfera ideal do dever-ser,

enquanto a ordem econômica é a esfera dos acontecimentos reais152

, esclarecendo,

ainda, que a expressão ―ordem econômica‖ tem três sentidos: a) modo de ser empírico

em uma determinada economia concreta; b) conjunto de todas as normas (morais,

150

GALVES, Carlos. Manual de Economia política atual. 10. ed., Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1986, p. 6/7. 151

NAZAR, Nelson. Direito econômico. 2. ed. Bauru: São Paulo, 2009, p. 23. 152

Ibid., p. 47.

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jurídicas e religiosas) sobre o comportamento dos sujeitos econômicos; e c) conjunto de

normas jurídicas da economia153

.

Interessante notar que a Economia, tal qual o Direito, também é vista

como uma ordem, de modo que, por isso, é destinada ao cumprimento de determinadas

finalidades.

A esse respeito, diz Galves que ―a atividade econômica não pode ter

outra estrutura e outra finalidade que não seja a de possibilitar a todos e a cada um dos

homens uma existência em que possam exercitar as suas características de ente livre,

responsável e individual‖, sustentando que ―o exercício da economia e o seu fim hão de

ser feitos sob a hegemonia dos valores humanos.‖

Para Galves154

, sendo a atividade econômica uma das formas que assume

a conduta humana dentro da sociedade, ―a lei jurídica não pode deixar de disciplinar e

orientar o seu exercício, como disciplina, em maior ou menor grau também as outras

atividades e condutas humanas, para evitar abusos e realizar o bem comum, de forma

cada vez melhor‖.

Daí a afirmação de Nazar, no sentido de que ―a ordem econômica deve

ser vista como parcela da ordem jurídica‖, sendo, pois, a ―ordem econômica

constitucional‖155

.

Ricardo Sayeg define a atividade econômica destacando que ela

independe de caráter definitivo de onerosidade e de empresarialidade:

A atividade econômica é o exercício, ativo ou passivo, de disposição,

total ou parcial, do patrimônio, entendida não só como a transferência

da propriedade, mas também como outras esferas de poderes inerentes

ao domínio, a de usar e a de gozar.

153

Ibid., p. 49. 154

GALVES, op. cit., p. 32. 155

NAZAR, p. cit., p. 49.

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Vê-se, então, que a atividade econômica está, no plano dos fatos,

estruturada por dois elementos. Um, o exercício da disposição; outro,

o patrimônio. O primeiro refere-se à conduta; e o segundo, às coisas.

O primeiro elemento, consistindo na conduta, corresponde a uma ação

específica de dispor das coisas, ou seja, fazê-las circular, o que é

ordinariamente conhecido, na economia, como a troca de mãos. Nessa

troca de mãos, há quem entrega e quem recebe; via de consequência,

nela se estabelecem dois sujeitos, juridicamente considerados, na

respectiva relação: o sujeito ativo, que é quem entrega; e o passivo,

que é quem recebe. E. g., o fornecedor é o sujeito ativo; e o

consumidor, o sujeito passivo da atividade econômica de

fornecimento de produtos ou serviços. Detalhe: numa relação

patrimonial, há geralmente bilateralidade ou até mesmo

multilateridade de obrigações entre os centros de interesses que a

compõem.

Ela – a conduta econômica - independe de caráter definitivo, bastando

que haja a dita circulação das coisas, isto é, a troca de mãos. Também

independe de onerosidade, muito menos, de empresarialidade, posto

que todo ato oneroso ou empresarial de disposição da coisa é um ato

econômico, porém, não o inverso. E. g., assim como a venda de

produtos por uma empresa ao consumidor, também é ato econômico a

oferta financeira dos fiéis no culto da missa etc.156

Como a atividade econômica é uma conduta humana, obviamente que ela

não se encontra fora dos domínios da ordem jurídica. Segundo Sayeg, a disposição do

patrimônio encontra-se fundada precipuamente nos direitos de propriedade e de livre

iniciativa:

Essa conduta econômica classifica-se em: conduta econômica por

natureza; e conduta econômica por conexão ou dependência. A

primeira corresponde ao ato de circulação, ou seja, de troca de mãos

propriamente dita; enquanto a segunda, aos atos que são promovidos

por conta da prática da primeira conduta, mas que com ela não se

confundem, como, e.g., em face do consumidor, a industrialização, a

publicidade etc.

Sendo uma conduta, por óbvio que a ação de fazer circular

patrimônio, frise-se, a mencionada troca de mãos tem como

pressuposto a possibilidade por parte do seu respectivo titular de

promovê-la, no que se compreende o direito à iniciativa de troca, que

em nossa ordem jurídica nacional é livre, consagrado como a livre

iniciativa, fundamento da ordem econômica, conforme o art. 170,

caput, da Constituição Federal, que é pormenorizada, ainda, como

direito de liberdade econômica, no respectivo parágrafo único.

O outro e segundo elemento estruturante da atividade econômica, o

patrimônio, é considerado como o complexo das relações patrimoniais

156

SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco

Antonio Marques (coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin,

2009, p. 1356/1357.

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sobre as coisas, positivas e negativas, de seu titular. Daí que, não

somente os direitos patrimoniais positivos, conhecidos, na linguagem

econômica como ativos, mas, também, as obrigações patrimoniais

negativas, conhecidas como passivos, compõem o patrimônio.

Somente para ilustrar e facilitar o entendimento, lembre-se que em um

balanço patrimonial de uma empresa se externa tanto o ativo quanto o

passivo sendo sempre considerada no seu todo a expressão do

respectivo patrimônio, ainda que o patrimônio líquido seja negativo.

O patrimônio e seus itens – ativos e passivos - são sempre expressos

em valores de moeda, pois representam a respectiva relação

econômica de troca com o mundo, ou seja, a suscetibilidade

econômica.

Tendo o patrimônio a natureza jurídica de coisa; e, sobre ela, sempre

havendo o respectivo titular, de seu turno, seu pressuposto é a

propriedade; sendo certo que em nossa ordem jurídica nacional

consagra-se a figura da propriedade privada como princípio da ordem

econômica, conforme o art. 170, II, da Constituição Federal.157

Para ele, a atividade econômica está estruturada na ordem jurídica e se

insere no catálogo dos direitos humanos:

Em decorrência disso, a atividade econômica está estruturada no

permissivo jurídico, em corolário, entre o direito de iniciativa e a

propriedade.

Por sua vez, a economia é a universalidade da atividade econômica, na

sua integralidade, nos seus âmbitos – material, espacial e temporal;

logo, igualmente estruturada no referido permissivo jurídico do

corolário entre o direito de iniciativa, direito de dispor livremente, e a

propriedade.

Assim sendo, a economia, sendo fruto do conjunto das condutas de

disposição do patrimônio, a princípio, conduta das gentes sobre os

respectivos interesses patrimoniais, indubitavelmente, que, por

origem, há de ser privada, pois está assim na esfera de direitos

individuais das pessoas, não sendo por acaso que a Declaração de

Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa; e, a

Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, de

1948, reconhecem a liberdade e o direito de propriedade como direitos

humanos individuais das pessoas em face do Estado, constando entre

as chamadas liberdades negativas.158

Importante destacar o esclarecimento de Paula Andrea Forgioni159

, no

sentido de que a técnica de que se vale a economia não é neutra, salientando, ainda, que

a escolha do mercado como protagonista na determinação da forma de alocação dos

157

Ibid., p. 1357. 158

Ibid., p. 1357. 159

FORGIONI, Paula Andrea. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 204 (grifos da autora).

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recursos em sociedade é uma escolha eminentemente política, que se encontra

positivada no ordenamento jurídico:

É próprio da técnica liberal procurar apartar política da economia.

Nessa linha, a Escola de Chicago busca separá-las em dois planos

absolutamente diversos, substituindo opções jurídicas (i.e., de política

jurídica) por escolhas econômicas. Faz-se coincidir razões do

mercado com razões de interesse público, a eficiência com a justiça.

Para tanto, sustenta-se que a técnica de que se vale a economia é

neutra, desprovida de valores além da busca da maior eficiência

alocativa.

Entretanto, não apenas a técnica não é neutra, como o mercado não é

uma ordem espontânea e as escolhas dos resultados derivam de

decisões políticas. Devem restar claras as ‗artérias ideológicas que

canalizam o novo sangue do organismo jurídico‘, reconhecendo-se

abertamente o ‗sub-reptício ideológico da teoria jurídica‘: a indicação

do mercado como único (ou melhor) protagonista na determinação

da forma de alocação dos recursos em sociedade é eminentemente

política. (...)

O mercado não existe sem o direito; seu desenvolvimento dar-se-á

nos espaços deixados pelas regras jurídicas. (...) Interessa-nos, aqui,

que a imagem do mercado esboça-se a partir do reflexo dos princípios

constitucionais que o delineiam. Em uma frase: os princípios

constitucionais são a forma que primeiramente moldará o mercado.

Como se vê, a atividade econômica é praticada nos espaços permitidos e

assegurados pela ordem jurídica, de modo que o mercado é moldado pelo ordenamento

jurídico, o que significa dizer que a sua estrutura é erigida a partir da Constituição

Federal, que o delineia, e pela legislação infraconstitucional.

Não se cogita, portanto, de uma economia que esteja imune ao

ordenamento jurídico vigente, embora existam autores, fundados no pensamento liberal,

que sustentam a neutralidade entre direito e economia, limitando o Direito tão-somente

ao revestimento jurídico do fenômeno econômico. É o que sustenta Lafayete Josué

Petter160

, ao dizer que ―os domínios do econômico e do jurídico não se confundem, mas

é intima a correlação entre as duas ciências, impondo-se a afirmação de que o fenômeno

econômico, no mais das vezes, tem reclamado um revestimento jurídico.‖

160

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance

do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 23.

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Porém, ao contrário desse pensamento liberal, o presente estudo, a partir

de um novo olhar, com percepção da complexidade e apoiado numa visão holística,

fundada no direito quântico, sustenta a não neutralidade entre a economia – capitalista –

e os direitos humanos e fundamentais.

5.3. O CAPITALISMO HUMANISTA

É de ser superada a visão de neutralidade entre a economia capitalista e

os direitos humanos e fundamentais e, assim, admitida a teoria do Capitalismo

Humanista.

A economia, geradora de desigualdade, e, em consequência, de tanta

miséria, não fica infensa à incidência dos direitos humanos, pois, como visto, se sujeita

ao ordenamento jurídico vigente. Camila Castanhato161

salienta que, embora tenha se

firmado como sistema mais eficiente na geração de riquezas, há reflexos negativos do

capitalismo que não podem ser ignorados:

O sistema capitalista hoje globalizado é o neoliberal, não obstante a

atual crise financeira que se arrasta desde o final de 2008. Trata-se de

um capitalismo que remonta às ideias dos clássicos Adam Smith e

David Ricardo. Historicamente, sem dúvida, o capitalismo se firmou

como o sistema econômico mais eficiente e recomendável na geração

de riquezas. Mas ele implica duas situações negativas que não podem

ser ignoradas: a exclusão social de parte significativa da humanidade e

a destruição do Planeta.

Dentre as maiores obras culturais da civilização após a Segunda Guerra

Mundial, se não a maior, está a afirmação dos direitos humanos e fundamentais. E daí a

importância de se investigar o Capitalismo Humanista, que propõe, justamente, a

incidência desses direitos na ordem econômica.

161

CASTANHATO, Camila. Liberdade. Tese de doutorado defendida na PUC/SP, 2013, p. 64.

Disponível em <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16475>. Acesso em

09/01/16.

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Idealizadores da filosofia do direito econômico – Capitalismo Humanista,

Ricardo Sayeg e Wagner Balera162

defendem que a economia deve servir ao homem,

sustentando que,

para o humanismo antropofilíaco, a ordem econômica deve ser

evolucionista, inclusiva e emancipadora em face de todos e de tudo –

em resumo, fraterna e, em especial, misericordiosa, ao se confrontar

com a miséria: aquela que não avilta, mas edifica os direitos humanos

em todas as suas dimensões.

Trata-se de uma proposta de caminho jurídico que, por meio da Lei

Universal da Fraternidade, dentro do ambiente capitalista, se propõe a conduzir a

humanidade, com liberdade e igualdade, em direção à democracia e à paz.

Almeja o Capitalismo Humanista a concretização dos direitos humanos,

em todas as suas dimensões, no ambiente capitalista, como esclarecem os seus

idealizadores:

Pretendemos, assim, por meio da concretização universal dos direitos

humanos em suas três dimensões subjetivas – liberdade, igualdade e

fraternidade –, lançar um novo olhar jurídico sobre a economia,

elevando o mercado de sua conhecida e mítica condição de ambiente

selvagem e desumano a uma economia humanista de mercado para

satisfação universal do direito objetivo inato, correspondente à

dignidade da pessoa humana em suas dimensões de democracia e paz.

Como afirma Marques da Silva, ―a dignidade decorre da própria

natureza humana‖.

Isso tudo será efetivado sob a perspectiva do espírito objetivo da

humanidade, síntese do tomismo antropofilíaco culturalista, em uma

reviravolta em prol do homem, de todos os homens e do planeta, tendo

como base um humanismo que insufla o jus-humanismo normativo,

consagrador de um Planeta Humanista de Direito.163

O que se tem, portanto, é um novo olhar sobre a economia, do ponto de

vista jurídico, sob uma perspectiva antropofilíaca, que, como quer a Constituição

Federal, notadamente em seu artigo 170, estabelece que a ordem econômica deve ser

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar

a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

162

SAYEG e BALERA, op.cit., p. 137. 163

Ibid., p. 18.

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Camila Castanhato164

explica que o Capitalismo Humanista propõe um

novo Iluminismo, com uma visão antropofilíaca, que vê o homem não apenas no centro

do universo, mas no meio difuso de todas as coisas:

A visão de que o mundo podia ser explorado e desvendado pelo

homem teve também grande força por conta da visão antropocêntrica

que se foi desenvolvendo desde o renascimento cultural, e que se

tornou uma máxima com o iluminismo do século XVIII. Na visão

antropocêntrica, o homem está no centro de tudo, e todo o resto

somente existe em prol desse homem. Essa visão de que o homem é

superior às demais coisas do mundo é que o levou a essa tamanha falta

de respeito para com todo o resto, com os demais seres do Planeta e

com o próprio Planeta. Neste ponto, frisamos mais uma vez que, nesta

tese, temos como pressuposto o novo Iluminismo proposto com o

Humanismo integral da doutrina do Capitalismo Humanista. O

Humanismo integral pregado por Balera e Sayeg tem como máxima

uma visão antropofilíaca do homem que, diferentemente da visão

antropocêntrica iluminista, considera que o homem se encontra sim no

centro de tudo, mas não está só no centro. No centro também está, por

exemplo, o Planeta. Nessa nova visão do homem ele ocupa o centro

difuso das coisas. E o Planeta, por sua vez, é considerado ele mesmo

sujeito de direitos.

Tem por fim o Capitalismo Humanista ―conformar o capitalismo às

exigências da atualidade em favor do homem, de todos os homens e do planeta‖165

,

formulando uma teoria fundada no humanismo integral, contrariando frontalmente o

―inaceitável posicionamento de quem precifica a dignidade da pessoa humana,

sustentando tratar-se de um direito-custo166

‖.

Esse humanismo concretizador da dignidade da pessoa humana traz a

ideia de fraternidade como centro de gravidade, elemento

gravitacional de adensamento entre ela própria, a liberdade e a

igualdade. Conforme registra o dicionário Houaiss, fraternidade é ―o

laço de parentesco entre irmãos, irmandade‖, a ―união, afeto de irmão

para irmão‖ ou ―o amor ao próximo‖; em razão desse significado

corrente, é o valor central do cristianismo, que situa a todos como

irmãos unidos pelo amor.

Jesus Cristo ensinou que, mais do que iguais, somos irmãos. Inspirado

nele, Bento XVI afirma que ―a união com Cristo é, ao mesmo tempo,

união com todos os outros‖. Assim, há um ―nexo indivisível entre o

amor a Deus e o amor ao próximo‖, porque tal amor ―vem de Deus e

164

CASTANHATO, op. cit., p. 78. 165

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 17. 166

Ibid., p. 116.

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nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos

em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só‖.

Segundo Kant, as ações humanas, ―como todo outro acontecimento

natural, são determinadas por leis naturais universais‖. Estamos todos,

portanto, em estado fraternal, destinatários e simultaneamente

promotores da Lei Universal da Fraternidade consagrada pelo

humanismo integral e culturalmente aplicável a todos e a tudo.167

Ricardo Castilho168

esclarece que o Capitalismo Humanista tem

fundamento na Constituição Federal de 1988, que consagra os fundamentos do

capitalismo sem olvidar as conquistas sociais, e que visa a realização efetiva da

cidadania, ainda distante para a maioria da população:

É tempo, contudo, de assegurar a efetividade dos valores, princípios e

regras constitucionais atinentes aos direitos humanos. É essa a

proposta do capitalismo humanista: conferir ao direito econômico uma

leitura calcada na figura do ser humano, em toda a sua complexidade,

a fim de que lhe sejam asseguradas condições mínimas para a

transcendência de suas limitações físicas, intelectuais, econômicas e

sociais, respeitado sempre o meio ambiente.

Está claro, assim, que os direitos humanos desempenham um papel

central nessa teoria, cuja matriz deita raízes em concepções

jusnaturalistas, indo além do protagonismo dos direitos humanos de

primeira geração, ou liberdades negativas, como querem os detentores

do capital, para conjugar todas as gerações ou dimensões numa visão

em que o sistema econômico sirva à pessoa humana, e não o contrário.

A propriedade e a livre-iniciativa, bases do capitalismo, passam a ser

concebidas não mais de forma estanque e meramente egoística, como

atributos ensejadores da realização individual humana, mas, antes,

como formas imprescindíveis à construção de riquezas sociais, que

necessariamente devem ser partilhadas entre todos os membros da

comunidade, motivo pelo qual ganha novo alento a função social que

desempenham e que, em verdade, já agora é tida como constituinte da

natureza daqueles institutos. Em síntese, o propósito do sistema

econômico, em sintonia com a previsão constitucional constante do

art. 170, caput, passa a ser o de garantir a todos uma existência digna.

Antônio Carlos de Arruda Matteis Júnior dá os contornos da teoria do

Capitalismo Humanista, evidenciando sua harmonia entre os direitos humanos de

primeira dimensão, incluindo a propriedade, e todos os demais direitos humanos, sem

que isso signifique admitir um ―capitalismo fundamentalista liberal‖:

167

Ibid., p. 86. 168

CASTILHO, Ricardo. Refundação do direito econômico sob a égide dos direitos humanos: o

capitalismo humanista. In: CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio; SANTIAGO, Mariana Ribeiro (coord).

Capitalismo Humanista e Direitos Humanos: estudos em homenagem aos Professores Ricardo Sayeg e

Wagner Balera. Florianópolis: Conceito Editorial, 2013, ps. 74/75.

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Assim, as liberdades negativas, internas e externas do homem,

representadas pelos direitos humanos de primeira dimensão, são

recepcionadas na ordem econômica constitucional, e, portanto, tais

direitos respeitados e aplicados pelo capitalismo humanista.

O capitalismo humanista simultaneamente recepciona os direitos

humanos de segunda dimensão, uma vez que demonstra que estes

estruturam o exercício dos direitos humanos de primeira dimensão e

com os mesmos devem se compatibilizar, como leciona Ricardo

Sayeg. 169

Lembra o mesmo autor que, para o Capitalismo Humanista,

somente pela efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais o Estado poderá

assegurar a redução das desigualdades, norteado pela Lei Universal da Fraternidade:

Com efeito, o denominado ‗mínimo existencial‘ somente é garantido

pelo Estado, por meio da efetivação dos direitos sociais, econômicos e

culturais, garantindo a todos os homens o acesso a níveis dignos de

subsistência, conforme previsto no art. 79 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias.

E, na perspectiva da segunda dimensão, pode-se afirmar que os

direitos humanos recepcionados no capitalismo humanista não são

direitos burgueses ou de determinada classe, mas, sim, direitos de

todos os homens que habitam no Planeta, pois a busca da dignidade

deve alcançar todo e qualquer ser humano, independentemente da sua

classe social ou situação econômica.

Os direitos humanos de segunda dimensão são instrumentos para a

justiça social e para a redução das desigualdades num regime

econômico capitalista, onde a lei universal da fraternidade deve

norteá-los.

Em outras palavras: prima-se pela igualdade e fraternidade entre as

classes e não pela segregação de uma das classes sociais (como é a

tônica do socialismo), isto é, o capitalismo humanista não faz

distinção entre as pessoas para a aplicação multidimensional dos

direitos humanos, não segregando, nem elegendo, uma classe social,

muito menos solapando a propriedade privada.

Por fim, também simultaneamente o capitalismo humanista recepciona

os direitos humanos de terceira dimensão, uma vez que a fraternidade

e a solidariedade são imprescindíveis para a sustentabilidade

planetária e para o exercício das demais dimensões de direitos

humanos.170

169

ARRUDA JUNIOR, Antônio Carlos de Matteis de. Capitalismo Humanista & Socialismo: o direito

econômico e o respeito aos direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 66. 170

ARRUDA JUNIOR, op.cit., p. 66/67.

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Integrando os direitos humanos e fundamentais de todas as dimensões, a

teoria do Capitalismo Humanista aponta para a direção da fraternidade, almejando a

redução das desigualdades sociais e a dignidade do homem, independentemente de

classe social e sem suprimir a propriedade privada, ao contrário do que sustentam as

propostas socialistas.

Trata-se de uma teoria jurídica que se relaciona e se compatibiliza com as

outras áreas de conhecimento, sendo inter-multi-trans-disciplinar, das quais retira seus

fundamentos e, inclusive, a regra da fraternidade universal, pois ―os humanos somos,

mais do que iguais, todos irmãos‖:

Sendo a síntese do conhecimento humano juridicamente manifestada

e, por isso, um objeto cultural, o direito está autorizado a relacionar-se

com outras áreas do saber, em especial a antropologia, a biologia, a

filosofia e a física. Nestes saberes está presente a regra de ouro

formulada por Jesus – regra universal da fraternidade pela qual, mais

do que iguais, somos irmãos e devemos amar o próximo como

amamos a nós mesmos: nisto deve ser considerado o sentido de

concretização do direito.171

Nota-se, com especial relevo, que a teoria em análise reconhece

expressamente que a ciência jurídica não pode permanecer fechada em si mesma: ela

deve se relacionar com outras áreas do saber, em especial a antropologia, a biologia, a

filosofia e a física, como, aliás, propõem, como já se viu, Edgar Morin e Goffredo

Telles Júnior.

É importante ressaltar, ainda, que o Capitalismo Humanista,

reconhecendo as profundas mazelas do capitalismo, visando preservar a dignidade da

pessoa humana, promove um resgate do direito natural na quadra civilizatória atual,

conforme propõem os autores do Capitalismo Humanista:

Nessa esteira, incumbe ao direito natural revisitado a tarefa hercúlea

de conformar a desenfreada liberdade da economia, selvagem e aética,

à universalização da dignidade da pessoa humana e planetária. Disto

decorre a implantação de um Planeta Humanista de Direito que não se

confunde com o intervencionismo descabido na economia, esfera que

171

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 41.

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deve permanecer, preferencialmente, nas mãos do setor privado e sob

o domínio do mercado. Não obstante, para além de assegurar o

mercado ao setor privado, deve ter o Planeta Humanista de Direito

uma ordem jurídica imanente, monista, planetária, capaz de, a um só

tempo, reconhecer em caráter inafastável e indissolúvel a economia de

mercado e manter uma relação de interdependência com a

concretização multidimensional dos direitos humanos, em prol do

homem e de todos os homens, como também do planeta. Esse direito

natural revisitado corresponde, na verdade, à concepção pós-moderna

de direitos humanos. Como ressalta Becho, ―a construção

neojusnaturalista pagou o preço afirmado por D‘Agostino (2000, p.

70), que consistiu em mudar de rótulo, adotando a terminologia de

direitos humanos‖. 172

Como se vê, o direito natural revisitado corresponde aos direitos

humanos, havendo apenas uma mudança de terminologia para sua identificação. ―A

estruturação teórica que determina o conteúdo significante do moderno direito natural,

consubstancial aos direitos humanos, identifica, de acordo com o realismo jurídico, este

propósito humanista; e o imbrica com o direito positivado para satisfazer

universalmente a dignidade da pessoa humana.‖173

Trata-se, enfim, de uma teoria que consagra a aplicação de todas as

dimensões dos direitos humanos e fundamentais, como resposta ao capitalismo

neoliberal, selvagem e desumano, que espalha a desigualdade e a miséria mundialmente.

A teoria que, ao fim e ao cabo, consagra a superação da neutralidade

entre a ordem econômica e os direitos humanos e fundamentais, constitutiva de uma

singularidade jurídica, que se rotulou Capitalismo Humanista.

172

Ibid., p. 30. 173

Ibid., p. 34.

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CAPÍTULO 6

A APLICAÇÃO QUÂNTICA E

A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

6.1. A APLICAÇÃO QUÂNTICA DO DIREITO

Dadas as descobertas da física quântica, notadamente a

complementaridade, explicitada por Niels Bohr, a questão que se coloca é: este novo

paradigma pode se refletir nas ciências humanas e, em especial, na ciência jurídica?

Para responder a tal pergunta inicia-se rememorando Morin174

, que

sustenta haver uma inadequação ampla, profunda e grave entre os saberes separados,

fragmentados e compartimentados entre as disciplinas, e que, por outro lado, existem

realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais,

multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. Nesse quadro, a especialização

dos saberes, que separa a parte do todo, não permite perceber o contexto, porque

provém da separação dos saberes em disciplinas artificialmente delimitadas.

Daí que, para Morin, como já se viu, reclama-se um conhecimento

pertinente, que é aquele capaz de situar qualquer informação em seu contexto.175

E o

próprio contexto dos problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no contexto

planetário.176

Para o referido autor, o pensamento que une substituirá a causalidade

linear; corrigirá a rigidez da lógica clássica, trazendo um diálogo capaz de conceber

noções complementares e antagonistas; e completará o conhecimento da integração das

partes em um todo177

.

174

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 13. 175

Ibid,, p. 15. 176

Ibid,, p. 14. 177

Ibid., p. 76.

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O conhecimento pertinente, portanto, deve pautar-se no ―princípio

dialógico‖178

, que permite assumir racionalmente noções aparentemente contraditórias,

como ocorre na física quântica. Deve-se almejar um conhecimento que leve em conta o

contexto e a complexidade, e que possa ligar e enfrentar a incerteza.

Daí, como já se sustentou, haver a necessidade de uma visão universal,

holística, na qual o observador consiga enxergar o contexto, seja o contexto subatômico

seja o contexto planetário, que estão relacionados e são interdependentes.

E este novo olhar tem lugar na ciência jurídica, como uma resposta à

fragmentação dos saberes. Goffredo Telles Júnior179

, reconhecendo que, na observação

das partículas elementares, as partículas quânticas, encontram-se as raízes do

movimento universal, acusa o anacronismo resultante do distanciamento mantido entre

pesquisadores das ciências humanas e os pesquisadores das ciências naturais:

O tradicional distanciamento que sempre foi mantido pelos

pesquisadores do Mundo do Espírito e da Cultura relativamente ao

Mundo da Matéria e da natureza, assim como o clássico repúdio à

terminologia das Ciências Físicas nas ciências humanas em nome da

‗‘dignidade‘‘ da Ética e do Direito, é anacronismo avesso ao simples

conhecimento das coisas. É manifestação obsoleta, contrária às

estruturas da vida. (...) Hoje sei que o comportamento do ser humano é

o requinte a que chegou o movimento que anima, desde sempre, todas

as coisas do Universo.

O mundo Ético – segundo minha Filosofia – não é um mundo de

natureza especial, mas um estágio adiantado da natureza única. Nas

propriedades ondulatórias das partículas elementares (quânticas) da

matéria, encontram-se as raízes do movimento universal, as primeiras

manifestações de extraordinárias potências, cuja plena atualização se

observa no comportamento dos seres muito evoluídos, entre os quais

avulta o ser humano. A unidade da Substância Universal, princípio

filosófico de civilizações antiquíssimas, hoje se patenteia nos

laboratórios da ciência moderna.

Em meu livro O Direito Quântico – ensaio sobre o fundamento da

ordem jurídica, publicado em 1971, sustentei que o Direito se insere

na harmonia do Universo e, ao mesmo tempo, dela emerge como

sublimada elaboração do mais evoluído dos seres conhecidos.

Em meu livro Ética – do mundo da célula ao mundo da cultura,

publicado em 1988, demonstrei que grande parte das imposições da

chamada moralidade a Biologia Moderna explica pelo programa que

178

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 95. 179

TELLES JÚNIOR, Goffredo. A folha dobrada..., p. 868/869 (grifos do autor).

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se acha inscrito no núcleo das células, ou seja, no material genético

hereditário. Das interações desse patrimônio genético com os fatores

do meio ambiente dependem os seres vivos para a sua adaptação ou

desadaptação às circunstâncias da vida. Em consequência, há uma

discriminação primitiva, por assim dizer basilar, entre bons e maus

comportamentos. Nessa primordial discriminação reside uma fonte

importantíssima dos códigos éticos.

Chego a crer que as estrelas, as micropartículas e o homem são

participantes da mesma sociedade cósmica.

Sob essa perspectiva, a ciência jurídica passa a ter uma visão holística, de

integração dos saberes, como já sustentava o direito quântico de Goffredo Telles Jr.,

obra publicada em 1971, na qual o referido autor já aproximava o direito da física, da

biologia e da química.

Sustentando que ―a ordenação jurídica é a própria ordenação universal‖,

e que é, portanto, ―a ordenação universal no setor humano‖180

, Telles Júnior conclui:

O termo DIREITO QUÂNTICO é um nome. É o nome criado pelo autor deste livro,

com a intenção deliberada de assinalar que as LEIS – criações da inteligência, para

ordenação do comportamento humano em sociedade – são tempestivas expressões

culturais de subjacentes, silenciosas e perenes disposições genéticas da Mãe-

Natureza.

Esse nome foi inventado para lembrar que a DISCIPLINA JURÍDICA DA

CONVIVÊNCIA é a ordenação do UniVerso no setor humano.181

O direito quântico, portanto, compatibiliza a ciência jurídica com a

incerteza e com os postulados da física quântica. E para Ricardo Sayeg e Wagner

Balera182

, ―sempre em conformidade com o realismo jurídico que lhes é imanente, os

direitos humanos encontram no método quântico a via da respectiva concretização.‖

Assim, essa visão holística, antes sustentada por Telles Jr., é resgatada

por Ricardo Sayeg e Wagner Balera, que ostentam um pensamento marcadamente

humanista e inter-multi-trans-disciplinar, que, com o jus-humanismo normativo,

compatibiliza a ciência jurídica com as ciências naturais, colocando o homem no meio

180

TELLES JUNIOR, Goffredo. O Direito Quântico. Revista da Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo, p. 69. 181

TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 8. ed.

Revista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 361. (grifos do autor) 182

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 120.

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difuso de todas as coisas, e buscando a concretização dos direitos humanos em todas as

suas dimensões, com o que se obtém a superação da neutralidade entre ordem

econômica e direitos humanos e fundamentais, construindo-se a singularidade do

Capitalismo Humanista.

Em sintonia com a moderna física, Ricardo Sayeg e Wagner Balera183

apresentam uma proposta de aplicação quântica, sustentando que a Teoria da

Relatividade, de Albert Einstein, deve ser transposta para a ordem jurídica:

Sempre em conformidade com o realismo jurídico que lhes é

imanente, os direitos humanos encontram no método quântico a via da

respectiva concretização. Para tanto, os operadores do direito,

conforme Tribe, deveriam aprender a respeito da física pós-

newtoniana e, a partir da lógica quântica do universo – que pela ―nova

física‖ colocou todo o materialismo ―em crise com a ciência

contemporânea‖ –, transpor para a ordem jurídica a teoria da

relatividade de Einstein, onde E=Mc2. Einstein ensinou que ―a física

clássica introduziu duas substâncias: matéria e energia. A primeira tinha

peso, mas a segunda não. Na física clássica, tínhamos duas leis da

conservação: uma para a matéria e outra para a energia. Já perguntamos

se a física moderna ainda conserva esse ponto de vista de duas

substâncias e duas leis da conservação. A resposta é não. De acordo com

a teoria da relatividade, não há distinção essencial alguma entre massa e

energia. Energia tem massa e massa representa energia. Em vez de duas

leis da conservação, temos apenas uma, a de massa-energia‖. Esta,

segundo Bohr, é a ―lei fundamental de Einstein sobre a equivalência‖.

Analisada a ordem jurídica sob este prisma quântico, percebe-se que,

sendo matéria e energia, dois aspectos de um único elemento

essencial, que varia conforme a densidade, há que relacionar-se o

direito positivo à matéria, os direitos humanos à energia e o realismo à

densidade. Sob esta perspectiva, Telles Jr. afirmou que o ―direito

natural é sempre o direito positivo‖. Assim, o método quântico

confirma que a composição elementar da norma jurídica positivada é o

direito natural sedimentado, e que os direitos humanos constituem o

direito natural universalmente admitido.

Forma-se, daí, uma peculiar relação de equivalência entre direito

positivo, direitos humanos e realismo jurídico sob os prismas da

matéria (massa) e do espírito (energia), ajustados pela densidade

vibratória (movimento/velocidade), configurando-se em decorrência o

seguinte esquema:

Direito positivo = massa (matéria);

Direitos humanos = energia (espírito);

Realismo = densidade (movimento/velocidade);

Resultado: os direitos humanos são consubstanciais ao direito

positivo, conforme o realismo jurídico.

183

SAYEG e BALERA, op.cit., p. 120/121.

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Os direitos humanos estão, portanto, inoculados no intratexto do

direito positivo – que, enquanto visível, torna aqueles invisíveis como

declarou Oscar Wilde: ―O verdadeiro mistério do mundo é o visível,

não o invisível‖. Sob tal perspectiva, fazem-se presentes os direitos

humanos, sendo exigíveis onde e quando se aplicar o direito positivo.

Aceitando, com Telles Jr., que ―essência, em verdade, é o que há de

constante em todas as coisas do mesmo gênero e espécie‖, é possível

deduzir, conforme o realismo jurídico, que toda norma jurídica

positiva é quanticamente uma norma de direitos humanos que, ao ser

aplicada, satisfaz a dignidade da pessoa humana, mesmo naquelas

normas tidas como indiferentes, ainda que remotamente.

Como se observa, propõe o Capitalismo Humanista uma análise da

ordem jurídica sob o prisma quântico, que consiste, portanto, na aplicação quântica do

direito. Sustenta esta teoria, apoiada na física quântica, que matéria e energia são dois

aspectos de um único elemento, variável conforme a densidade. A partir disso, propõe

relacionar o direito positivo à matéria, os direitos humanos à energia, e o realismo à

densidade.

É relevante destacar que, para Ricardo Sayeg e Wagner Balera, a

aplicação do direito vai além do texto legal. Sustentam que a energia é o espírito do

ordenamento jurídico, e que esse espírito é o compromisso com a realização da

dignidade humana, no qual estão inseridos os direitos humanos e fundamentais. Assim,

na aplicação quântica do direito, com apoio na semiótica jurídica, dever ser

empreendido um esforço de decomposição do objeto, incluindo-o em seu nível

subatômico, obtendo-se a tão frisada superação da neutralidade entre ordem econômica

e os direitos humanos e fundamentais.

O ponto de partida, na aplicação quântica do direito, deve ser o direito

posto, cujo objeto deve ser decomposto com apoio no construtivismo lógico semântico,

como explicam Ricardo Sayeg e Wagner Balera184

:

Assim, ao tratar da filosofia humanista de Direito Econômico,

reconhecemos que o direito ―se apresenta aos nossos olhos como

objeto cultural por excelência, plasmado numa linguagem que porta,

necessariamente, conteúdos axiológicos‖.

184

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 39/40.

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Socorrendo-se da semiótica jurídica, a presente reflexão decifra e se

inspira nos significados léxicos da regra-matriz de direito positivo da

ordem econômica – estampada no Artigo 170 da Constituição Federal

do Brasil –, pois, conforme Barros Carvalho, ―a teoria dos signos,

tomando o direito positivo como sistema de objetivações, recorta-o,

metodologicamente – é claro – nos três planos da análise semiótica:

sintático, semântico e pragmático, atravessando o discurso prescritivo

de cima abaixo, num invejável esforço de decomposição‖. Ainda

conforme Barros Carvalho, ―os métodos literal e lógico estão no plano

sintático, ao passo que o histórico e o teleológico influem tanto no

nível semântico quanto no pragmático. O critério sistemático da

interpretação envolve os três planos e é, por isso mesmo, exaustivo da

linguagem do direito. Isoladamente, só o último (sistemático),

exatamente porque antessupõe os anteriores‖.

Mas, esse esforço de decomposição do objeto exige mais. A atividade

interpretativa, na perspectiva da aplicação quântica do direito, não se contenta apenas

com a análise do texto normativo. Deve, sim, ser considerado o texto, mas também

devem ser investigados o metatexto e o intratexto.

Camila Castanhato esclarece que ―a interpretação parte do texto da lei e

analisa os valores momentâneos que circulam a situação posta em juízo (metatexto)‖.185

Mas adverte:

(...) o intérprete deve analisar se sua decisão cumpre devidamente a

importante missão de convergir para os direitos humanos para tudo e

para todos os envolvidos. Caso sua decisão não satisfaça todas as

dimensões, esta decisão não é a ideal dentro do sistema. Outra

composição deverá será encontrada a fim de harmonizar os direitos de

todos os envolvidos com a garantia da dignidade da pessoa humana.186

Ora, é no intratexto, no nível subatômico, que se encontra a energia, ou

seja, o espírito, que se irradia por todo o sistema jurídico, e que denota o novo olhar que

propõe o Capitalismo Humanista e, consequentemente, a aplicação quântica do direito,

como esclarecem Ricardo Sayeg e Wagner Balera187

:

(...) prosseguindo no esforço de decomposição do objeto, o estudo vai

além: investiga o nível normativo subatômico, quântico, para sacar,

185

CASTANHATO, op.cit., p. 62/63. 186

Ibid., p. 63. 187

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 40.

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conforme o espírito de fraternidade, o intratexto da regra-matriz

positiva da ordem econômica no Brasil, estampada no Artigo 170 da

Constituição Federal. Como caminho para alcançar o valor supremo

da sociedade fraterna, proclamado no preâmbulo da Carta

Constitucional, este olhar identifica no intratexto os direitos humanos.

Para Camila Castanhato, ―o intratexto é algo que extrapola o meio físico

das palavras e das tintas no papel, trata-se de uma teoria hermenêutica quântica, pois vai

além do corpo físico da lei (seu texto), vai direto em seu espírito histórico valorativo

cultural‖188

.

A propósito, cabe mais uma vez registrar as palavras de Ricardo Sayeg e

Wagner Balera:

(...) o sucesso do decretado pela norma jurídica é resultado da

integração ao texto literal da dimensão real-cultural que reside no

metatexto e da simultânea dimensão humanista de seu intratexto, que

assegura permanente repercussão ativa da dignidade da pessoa

humana no direito, conforme a realidade das coisas.189

Portanto, a decomposição do objeto, quando se investiga o intratexto da

norma, alcançando-se a consagração dos direitos humanos e fundamentais, atua tal qual

o modelo proposto pela física quântica, perscrutando o que se encontra no nível

subatômico da norma, sem olvidar que nesse nível se encontra partícula e onda, ou seja,

matéria e energia, que são duas faces de um só elemento.

Aliás, a aplicação quântica do direito atende ao princípio dialógico

proposto por Edgar Morin190

, em consonância com Niels Bohr, pelo qual se unem dois

princípios ou noções que deviam excluir-se reciprocamente, mas são indissociáveis em

uma mesma realidade.

A dialógica permite assumir racionalmente a inseparabilidade de

noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo.

Niels Bohr, por exemplo, reconheceu a necessidade de conceber

partículas físicas como corpúsculos e ondas, ao mesmo tempo. De um

certo ponto de vista, os indivíduos, na medida em que desaparecem,

188

CASTANHATO, op.cit., p. 196. 189

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 36/37 190

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita..., p. 95/96.

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são como corpúsculos autônomos; de um outro ponto de vista – dentro

das duas continuidades que são a espécie e a sociedade –, o indivíduo

desaparece quando se consideram a espécie e a sociedade; e a espécie

e a sociedade desaparecem quando se considera o indivíduo. O

pensamento deve assumir dialogicamente os dois termos, que tendem

a excluir um ao outro.191

Pela aplicação quântica do Direito, e tendo em vista que a análise jurídica

não trabalha com o fato, ou seja, a análise jurídica não trabalha com o ―ser‖, mas sim

com o ―dever ser‖ (donde decorre sua característica deontológica), torna-se perceptível

que os direitos humanos permeiam o direito positivo na direção da dignidade humana, o

que ocorre também no direito econômico, que disciplina o capitalismo:

Com efeito, ao ser aplicado ao direito com uma episteme humanista,

esse construtivismo implica que o direito posto, enquanto norma

jurídica, seja integralmente exposto por meio de seu texto, enlaçado

com seu metatexto, permeado pelo influxo regenerador dos direitos

humanos no intratexto, capaz de apontar o caminho adequado de

aplicação de todas as normas compatíveis com a ordo iuris.

De acordo com a realidade concreta, os direitos humanos permeiam,

em caráter indissolúvel e acessível, o direito positivo na aplicação

plena da norma jurídica, de modo que as múltiplas opções

hermenêuticas hão de ceder àquela resposta atraída pelo intratexto

humanista balanceada pelo metatexto, agregando-se ao positivismo

jurídico as respectivas dimensões discursiva, cultural e humanista para

o fim da dignificação da pessoa humana.192

Assim, dado o seu caráter deontológico, a aplicação quântica, conforme o

Capitalismo Humanista, compatibiliza os direitos humanos e fundamentais com as

ciências econômicas, e assegura o reconhecimento e a efetivação dos direitos que

explicitam a dignidade da pessoa humana.

6.2. A CONSUBSTANCIALIDADE193

191

Ibid., p. 96. 192

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 34/35. 193

Todas as ideias desenvolvidas no presente tópico são decorrentes de preleção dada pessoalmente pelo

orientador Ricardo Hasson Sayeg ao autor do presente trabalho, ressalvando-se que eventuais equívocos

poderão ser identificados exclusivamente por conta das limitações do orientando na compreensão das

generosas lições.

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108

Ricardo Sayeg e Wagner Balera afirmam que, sob o prisma quântico,

matéria e energia são dois aspectos de um único elemento essencial.194

E com isso fica

evidenciada uma dualidade de aparente contradição, que, na verdade, é uma

singularidade jurídica. Esse problema – da dualidade aparente, que foi enfrentado e

resolvido pela física quântica, quando reconhecida a dualidade corpo e onda, matéria e

energia, e que resultou na afirmação do princípio da complementaridade – também se

apresenta no campo das ciências jurídicas.

Para ilustrar a ocorrência de fenômeno como este, de aparente dualidade

e verdadeira singularidade, tome-se o exemplo dos conceitos de propriedade privada e

da função social da propriedade. A partir de um olhar mecanicista, existe uma clara

tensão entre propriedade privada e função social da propriedade, como conceitos que

se opõem ou que podem ser contrapostos, ora prevalecendo um ora prevalecendo outro.

Mas, a partir de um olhar quântico não existe tensão entre esses dois

conceitos, pois ambos integram um mesmo elemento, tal como na complementaridade

de Niels Bohr. Trata-se, pois, de duas manifestações de um só elemento, que é a

propriedade que, a um só tempo, é privada e deve cumprir a sua função social. Na

aplicação quântica do direito não há bilateralidade, e sim singularidade, pois os dois

conceitos são consubstanciais. Propriedade privada e função social da propriedade,

portanto, compõem um mesmo elemento - propriedade. E isso porque, na quadra

civilizatória atual, à luz do ordenamento jurídico vigente, não há propriedade privada

sem função social e não há função social sem propriedade privada: uma está na outra.

Daí a consubstancialidade, pois a um só tempo os conceitos são distintos,

mas são complementares, e ambos compõem um único elemento.

Em outras palavras: não se garante a função social da propriedade sem

que se garanta a existência da propriedade privada; e não se concebe a existência de

propriedade privada sem o cumprimento de sua função social. É por isso que o caput do

art. 5º da Constituição Federal refere-se à propriedade como único elemento, enquanto

194

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 120/121.

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os incisos XXII e XXII desse mesmo artigo tratam desse mesmo elemento, porém em

suas distintas formas fenomênicas em que se apresenta: ora como propriedade privada,

ora como função social da propriedade.

A aplicação quântica do direito, portanto, lança um novo olhar sobre a

compreensão de conceitos distintos e aparentemente antagônicos, que podem

simplesmente ser complementares e consubstanciais.

A partir desse novo olhar, como exemplo, devedor e credor, numa

Recuperação Judicial, embora se apresentem em aparente antagonismo, encontram-se

intimamente vinculados, como se fossem duas faces da mesma moeda, pois sem a

recuperação do devedor possivelmente não haverá satisfação do direito do credor. Mais

precisamente: sem devedor não há credor, e sem credor não há devedor, de modo que

um depende do outro.

O mesmo se vê na relação entre fornecedor e consumidor, empregador e

empregado: sem um não há o outro; ou, em outras palavras, um depende da existência

do outro. Não basta, portanto, atender apenas o empregado se não se atender

minimamente o empregador; e não basta apenas atender o consumidor se não se atender

minimamente o fornecedor.

Assim, esse novo olhar, sob o prisma da física quântica, permite ver que

onde se apresentam aparentes antagonismos podem ser encontrados elementos

consubstanciais, complementares, que, na verdade, compõem um único elemento,

indissolúvel e indissociável racionalmente. Aparentes bilateralidades ou

multilateralidades podem, em verdade, compor uma singularidade, ou seja, um único

elemento. Pela aplicação quântica do direito, que não se trata de metafísica, existe a

possibilidade de que sejam reconhecidas relações de consubstancialidade em

manifestações fenomênicas distintas, componentes de um único elemento, com

manifestações complementares e singulares.

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110

Um novo olhar que, como já se disse, mesmo quando em face de

manifestações fenomênicas distintas, aparentemente antagônicas, reconhece que podem

ser manifestações complementares, ou seja, manifestações de uma mesmo ser, tal como

na humanidade, na qual os homens, unidos na grande família universal, também se

complementam uns aos outros, sendo todos interdependentes e indissociáveis, pois se

encontram unidos na mesma casa planetária, sendo cada homem e todos os homens

portadores da dignidade humana.

E, em se tratando dos direitos humanos, em suas três dimensões –

liberdade, igualdade e fraternidade –, exige-se esse olhar, necessariamente quântico,

pois se parte do pressuposto de que, embora as dimensões sejam distintas, são

totalmente interdependentes e indissociáveis, e jamais podem ser separadas . E daí o

corolário dos direitos humanos e fundamentais e o capitalismo.

Ora, se o capitalismo é baseado apenas na liberdade – e não na igualdade

e na fraternidade –, por esse novo olhar, pelo prisma da visão quântica, são acrescidas as

dimensões da igualdade e da fraternidade, pois todas elas são interdependentes e

indissociáveis.

Logo, o capitalismo, pelo olhar quântico, deve ser necessariamente

humanista, assegurando, além da liberdade, as dimensões da igualdade e da

fraternidade, com o adensamento de todas as dimensões.

Para o Capitalismo Humanista a singularidade formada por liberdade,

igualdade e fraternidade é igual, ou equivalente, à dignidade humana. Assim sendo, só

há dignidade da pessoa humana se estiverem adensadas todas as dimensões dos direitos

humanos e fundamentais, consistentes na liberdade, na igualdade e na fraternidade, que

são consubstanciais, indissociáveis e interdependentes, e que, portanto, formam um

único elemento quântico.

Bem por isso, é de se salientar que

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não se recortam ou segregam os direitos humanos de sua

universalidade jurídica, sendo executáveis em conjunto, sob pena de

sua inadmissível ruptura – a exclusão de qualquer de seus elementos

ou dimensões, o que acarretaria a prevalência de um destes sobre os

demais, desarranjaria todo o conjunto –, prejudicando, na medida em

que tal ocorrência coloque o homem em situação desumana, a

consecução do direito objetivo da dignidade. Em verdade, no que se

refere ao núcleo dos direitos humanos, a dignidade da pessoa

entremostra-se presente no adensamento entre liberdade, igualdade e

fraternidade, emergindo objetivamente do respectivo equilíbrio

reflexivo. Explica-se: de que vale a dignidade da pessoa humana sem

liberdade? Sem igualdade? Sem fraternidade? Sem liberdade haverá a

tirania da igualdade. Sem igualdade, a tirania da liberdade. E, sem

fraternidade, liberdade e igualdade são incompatíveis.195

Em arremate, não se cogita, na aplicação quântica do direito econômico,

de qualquer interpretação jurídica que não seja compatível com todas as dimensões dos

direitos humanos e, em consequência, com a dignidade humana.

6.3. O JUS-HUMANISMO NORMATIVO

Como já se afirmou, a aplicação quântica do direito vai além do texto

normativo, embora não se abandone o processo de positivação. A aplicação quântica do

direito é método do jus-humanismo normativo, assim delineado por Ricardo Sayeg e

Wagner Balera196

:

(...) são três as dimensões da linguagem na norma jurídica: (1) a

dimensão discursiva, que reside no texto; (2) a real-cultural, no

metatexto; e (3) a humanista antropofilíaca, no intratexto. É esta

última que conduz sempre o direito adotado à dignidade da pessoa

humana e planetária – frise-se, a tal base humanista imanente em toda

e qualquer norma jurídica, pelo fato de o homem estar no meio difuso

de todas as coisas, coisas estas que em sua universalidade constituem

o planeta.

O jus-humanismo normativo é, assim, positivista, mas avança para

além de neopositivismos, como o de Alexy, que identifica na norma

jurídica, além da discursiva, a dimensão ideal, de sorte que ―um

conceito de direito adequado, somente, então, pode nascer, quando

195

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 118/119. 196

Ibid., p. 37/38.

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112

ambos os lados são enlaçados‖, o que ―representa um conceito de

direito positivista‖.

Como se vê, na presente reflexão, a filosofia da linguagem ultrapassa

o positivismo clássico e até mesmo o neopositivismo de Alexy e

outros autores, mas não abandona o processo de positivação. Para

tanto, deve-se considerar o conteúdo significante da norma jurídica

integral como aquele obtido enquanto resultado do processo de síntese

entre texto, metatexto e intratexto – este último, destaque-se, por meio

da imbricação humanista com a positivação.

Ao aliar o positivismo, o realismo jurídico e o humanismo

antropofilíaco, o jus-humanismo normativo, modelo aqui proposto,

busca estabelecer, com apoio no magistério de Santiago Guerra, ―um

diálogo em posições teóricas opostas, para chegar ao acordo possível

entre elas, o que decorre de sua determinação fundamental em

conciliar teoria e prática‖.

Por conseguinte, a episteme acertada dos operadores do direito é

aquela que debela a resistência à concreta aplicação da dignidade

humana e, como corolário, reconhece os direitos humanos; estes

últimos passam a compor o conteúdo significante da essência natural e

elementar do processo de positivação do direito que, a partir daí,

ultrapassa a posição estéril do positivismo clássico diante do

capitalismo: uma neutralidade inaceitável, tendo em vista que, de

outro modo, a dignidade da pessoa humana seria universalmente

inalcançável no capitalismo, posto que enquanto – sob a perspectiva

do texto – o positivismo é físico, o capitalismo é o espírito

ontologicamente individualista e egoísta que deve sofrer o impacto

deontológico da fraternidade que impõe em si, e em especial, a

igualdade e a solidariedade.

Pelo que se vê, o jus-humanismo normativo supera a posição estéril do

positivismo clássico diante do capitalismo, que sustenta uma neutralidade inaceitável,

baseada na falsa premissa de que a economia de mercado deve atuar apenas sob o

controle da ―mão invisível‖, de Adam Smith, cabendo ao Estado atuação mínima. Na

esterilidade desse positivismo não há lugar para a efetivação de direitos humanos e

fundamentais, que são tratados como normas de conteúdo meramente programático.

O jus-humanismo normativo apresenta uma posição claramente

comprometida com a realização da dignidade humana, reconhecendo os direitos

humanos e fundamentais como conteúdo significante das normas que compõem o

ordenamento jurídico.

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113

Juliana Duarte197

destaca que o jus-humanismo normativo é sim

positivista, mas salienta que esta proposta hermenêutica vai muito além do positivismo

e até mesmo do neopositivismo, encontrando a dimensão humanista no intratexto da

norma:

O direito como sistema comunicacional manifesta-se pela linguagem.

Texto é linguagem. Entretanto, a forma textual da norma jurídica é

apenas o seu suporte físico – ―manchas de tinta no papel‖ como exalta

o Professor Paulo de Barros Carvalho – e decorre do esforço do

legislador, que, por meio da linguagem, prescreve condutas humanas,

após uma opção axiológica entre os inúmeros fatos sociais possíveis,

com o fim de orientar o comportamento social de acordo com valores

socialmente aceitos em determinado espaço e tempo.

A norma jurídica é composta não só do texto (suporte material), mas

do metatexto, dimensão cultural-real e intratexto, a dimensão

humanista. No momento de sua aplicação deve dirigir-se até por

opção constitucional, à solução que mais se aproxime do intratexto,

com o fim de garantir a dignidade da pessoa humana.

(...)

O homem está presente no momento da codificação e decodificação

da norma jurídica, pois parte dele e a ele é dirigida. Está a seu serviço,

com o objetivo de cumprir o fim em si mesmo, a dignidade da pessoa

humana, o que demonstra sua natureza intra e inter-humana, dinâmica,

construtora da realidade pela linguagem.

Logo, o jus-humanismo normativo considera as três dimensões da

linguagem da norma jurídica: a dimensão discursiva, o texto; a

dimensão real-cultural, o metatexto; e a dimensão humanista

antropofilíaca, os direitos humanos verificados em seu intratexto.

(...)

Portanto, o jus-humanismo normativo é positivista, mas vai além dele

e do neopositivismo, na medida em que propõe a acomodação com o

intratexto, a dimensão humanista da norma, dos direitos humanos,

pois este é o seu objetivo, o reconhecimento indissolúvel e

interdependente dos direitos humanos em todas as suas dimensões,

para consagração do correspondente objetivo da dignidade da pessoa

humana. A decodificação da norma a favor da dignidade da pessoa

humana por um exercício de linguagem.

Ora, para investigar o intratexto da norma é que o jus-humanismo

normativo lança mão da aplicação quântica do direito. Pela abordagem e aplicação

quântica, o jus-humanismo normativo encontra a conectividade entre o homem, a

humanidade e o planeta, donde decorre a Lei Universal da Fraternidade:

197

DUARTE, Juliana. Teoria jus-humanista multidimensional do trabalho sob a perspectiva do

capitalismo humanista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 20/22.

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114

Com seu repertório cultural, o homem, para a norma jurídica, é

elemento intercalar entre seu caráter deontológico e sua eficácia no

plano da realidade. Como representação linguística, o direito deve

assegurar a essência humana em sua conectividade com o homem, a

humanidade e o planeta, da qual emerge a impositividade da Lei

Universal da Fraternidade, no influxo do intratexto normativo e

conforme a realidade das coisas, ou seja, o modo pelo qual o universo

é percebido pelos olhos humanos, expressão do repertório cultural do

homem e de todos os homens.198

Diferenciando as possíveis hipóteses de aplicação da norma jurídica,

Juliana Duarte 199

situa graficamente o jus-humanismo normativo, indicando que se

enlaçam três dimensões possíveis: (a) a do direito positivo; (b) a do realismo jurídico; e

(c) a dos direitos humanos:

Não obstante não esteja visível aos nossos olhos, há energia na

matéria e elas coexistem por conta da densidade, o que também ocorre

com o direito, pois o direito positivo é a sedimentação do direito

natural.

FIGURA 1 - HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

Destarte, diante de qualquer situação concreta, existem sete hipóteses

de aplicação da norma juridicamente defensáveis:

198

SAYEG e BALERA, op. cit.,, p. 36. 199

DUARTE, Juliana. Teoria jus-humanista multidimensional do trabalho sob a perspectiva do

capitalismo humanista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 24.

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1. Aplicação do direito positivo

2. Aplicação do realismo jurídico

3. Aplicação dos direitos humanos

4. Enlaçamento do direito positivo com o realismo jurídico

5. Enlaçamento do direito positivo com os direitos humanos

6. Enlaçamento dos direitos humanos com o realismo jurídico

7. Enlaçamento das três dimensões

A partir da abordagem de Juliana Duarte, percebe-se que o jus-

humanismo normativo situa-se na figura acima na região identificada com número 7, na

qual foram rigorosamente integrados o direito positivo, o realismo jurídico e os direitos

humanos, formando uma singularidade hermenêutica. Verifica-se, portanto, que,

para envolver o capitalismo na respectiva multidimensionalidade

integral ora exposta, urge entendê-lo sob essa perspectiva dimensional

dos direitos humanos, o qual se imbrica com o direito positivo para

solucionar cada caso concreto, de acordo com o realismo jurídico.

Logo, a estruturação teórica que determina o conteúdo significante do

moderno direito natural, consubstancial aos direitos humanos,

identifica, de acordo com o realismo jurídico, este propósito

humanista; e o imbrica com o direito positivado para satisfazer

universalmente a dignidade da pessoa humana.200

Assim sendo, apoia-se o jus-humanismo normativo no novo paradigma

da física quântica, pois,

aplicando de forma complementar o raio de eficácia do direito

positivo (texto) ao raio de eficácia dos direitos humanos (intratexto) e

com a indispensável adequação mediante o raio de eficácia do

realismo jurídico (metatexto), a intersecção das três esferas de

efetividade dará resposta adequada ao caso concreto – sem

paralelismo e sem sobreposição, mas com sincronismo e sinergia.201

Lançando um novo olhar sobre o ordenamento jurídico, o Capitalismo

Humanista vê na ordem econômica o espírito de concretização da dignidade da pessoa

humana, que se irradia em todo o ordenamento, tanto que Ricardo Sayeg e Wagner

Balera afirmam a respeito do direito econômico:

200

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 34. 201

SAYEG e BALERA, op. cit., p. 123.

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116

O Direito Econômico, portanto, não se restringe ao texto positivado

pela Constituição ou pela legislação, pois considera a intralinguagem,

relevada na categoria jurídica estruturante da dignidade da pessoa

humana, no nível quântico da própria norma jurídica que é

metaconstitucional e percorre todo o planeta. Significa dizer,

conforme o pensamento de Telles Jr., que ―a ordenação jurídica é a

própria ordenação universal. É a ordenação universal no setor

humano‖, segundo o que o autor chama de ―sistemas de referência

efetivamente vigorantes‖. No nível quântico — daí o intratexto —

verifica-se que no capitalismo o sistema referencial do Direito

Econômico é composto pelos direitos humanos em suas múltiplas

dimensões — harmonicamente incidentes, com o status de equilíbrio

reflexivo —, tendo por propósito a consecução objetiva universal da

dignidade da pessoa humana.

Tendo em conta que, na quadra civilizatória atual, não se concebe a

compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos, está posto

o desafio de concretizar esses direitos, inclusive por meio da ordem econômica, que tem

por fim a dignidade da pessoa humana:

Todos os direitos do homem convergem para o específico direito

objetivo natural da dignidade da pessoa humana e, por

desdobramento, da dignidade planetária, de modo que a concretização

destas é também o melhor atestado da satisfação plena dos direitos

subjetivos naturais. Logo, os direitos humanos estão enquadrados no

realismo jurídico e não se interpretam, mas se concretizam – isto é,

executam-se diante das realidades com o fim específico da consecução

objetiva e tangível do direito da dignidade da pessoa humana. Daí a

precedência atribuída à dignidade da pessoa humana sobre toda ordem

jurídica, tal como é pacífico na jurisprudência do STF ao demonstrar

que tal proeminência não é atributo da positivação, mas do imperativo

de direito objetivo inato do homem e de todos os homens.202

Isso posto, admitindo-se que a ordem econômica constitucional está

fundada no capitalismo, reconhecido como o sistema econômico que prevaleceu na

maior parte do mundo pela sua eficiência e capacidade, cujo regime econômico, porém,

produz profundos resultados negativos decorrentes da desigualdade social, como a

pobreza, a miséria, a fome, o desemprego, a violência e a degradação avassaladora do

Planeta203

, não resta dúvida de que o Capitalismo Humanista, fundado no jus-

humanismo normativo, e por via da aplicação quântica do direito, apresenta-se como

uma proposta de teoria da ciência jurídica que se posiciona contra os horrores

202

SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. Op. Cit., p. 117. 203

DUARTE, op. cit., p. 15.

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econômicos da pós-modernidade, almejando-se o respeito e a preservação da dignidade

da pessoa humana, metassíntese da economia, do direito e da política, que deve resultar

na singularidade jurídica da sociedade fraterna.204

Não se nega a contribuição do positivismo à ciência jurídica, como

também não se nega a contribuição do determinismo newtoniano à física. O fato, porém,

é que a física quântica revelou que o determinismo newtoniano não serve mais para

responder a todas as questões das ciências da natureza. Do mesmo modo, o holocausto

da Segunda Guerra, praticado sob as vestes da ―lei‖, que permitiu ao nazismo praticar as

mais graves violações dos direitos humanos, demonstrou que o positivismo não serve

mais para responder a todas as questões da ciência jurídica.

É por isso que o jus-humanismo normativo, via da aplicação quântica do

direito, em consonância o marco civilizatório de defesa da dignidade humana,

apresenta-se como resposta adequada para, no plano jurídico, contribuir para efetivação

dos direitos humanos e fundamentais no direito econômico, via de consequência, na

disciplina jurídica do capitalismo.

204

Ibid., p. 16.

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CONCLUSÃO

A investigação proposta identificou no contexto atual a relevância do

reconhecimento dos direitos humanos e fundamentais, impulsionado após a Segunda

Guerra Mundial, cujo conteúdo significante resulta na dignidade humana, valor supremo

da ordem jurídica, que inclui a ordem econômica. Sustentou-se que não se pode

conceber a compreensão da ordem jurídica sem o reconhecimento dos direitos humanos,

e, em consequência, dos direitos fundamentais.

Porém, embora os direitos humanos estejam consagrados e os

fundamentais estejam entalhados no ordenamento jurídico, o sistema capitalista

neoliberal, em nome de uma superada neutralidade sustentada pelo positivismo frio e

inodoro, é causa de crescente desigualdade entre os homens. Ainda que tenha sido

reconhecido como o sistema mais eficiente para geração de riquezas, vem, ao longo do

tempo, aumentando a miséria e a degradação do meio ambiente.

A partir desse contexto, tornou-se pertinente questionar se a efetivação

dos direitos humanos e fundamentais é compatível com o sistema econômico capitalista.

E a resposta afirmativa a essa questão é dada pela teoria do Capitalismo Humanista, em

que se apoiou a presente investigação. Essa teoria sustenta que os direitos humanos e

fundamentais, em todas as suas dimensões – de liberdade, igualdade e fraternidade –,

devem ser impostos ao capitalismo, para que este sistema econômico seja conformado,

de modo a se compatibilizar com o valor supremo da dignidade humana.

Nessa ótica, ou seja, a partir dessa teoria, é de se afirmar que tal teoria

propõe a efetivação desses direitos no sistema capitalista; e, assim, supera o arraigado

discurso de neutralidade dos defensores do capitalismo liberal.

Para encontrar a resposta ao problema apresentado, foi demonstrado que

a compreensão dos direitos fundamentais não pode ser dissociada da compreensão dos

direitos humanos, e que tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais

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119

compõem categorias jurídicas que têm como traço característico a explicitação da

dignidade humana.

Evidenciou-se que o ordenamento jurídico tem determinadas finalidades

predeterminadas, dentre as quais avulta como valor supremo a dignidade da pessoa

humana. Houve abordagem do desenvolvimento dos direitos humanos e fundamentais

ao longo do tempo em suas distintas dimensões, expondo-se as características desses

direitos, afirmando-se que são direitos indissociáveis e interdependentes, e que, por isso,

não podem ser interpretadas como categorias jurídicas de conteúdo apenas

programático, ou seja, reconhecendo-se a efetividade de umas e não de todas.

Foi demonstrada a influência do modelo mecanicista newtoniano no

desenvolvimento das ciências na modernidade, fundado na certeza de que as leis gerais

da natureza são capazes de determinar o comportamento dos seres em qualquer espaço e

tempo, apontando-se para o fato de que este modelo não é mais suficiente para a

compreensão da física e das ciências naturais a partir das descobertas da física quântica,

a qual representa um novo paradigma científico, que introduziu a incerteza das

parcialidades - bilateralidades e pluralidades - e a complementaridade na compreensão

da natureza constituidora das singularidades para a solução dessas incertezas. Aliás,

segundo esse novo paradigma, esmoreceu um princípio basilar da ciência, que

sustentava que o sujeito observador não interfere no objeto observado. Para a física

quântica sempre haverá interferência entre o sujeito observador e o objeto observado. E

isso leva ao reconhecimento de que o próprio sujeito observador passa a fazer parte do

contexto do objeto, causando interferência no objeto.

Afirmou-se que a física quântica comprova: (a) que um mesmo sistema

pode ser visto de maneiras diferentes; (b) que só o contexto revela a propriedade do ser,

ora como partícula ora como onda; e (c) que a fragmentação do ser, ignorando-se o

contexto, não permite conhecer o objeto. Esse novo paradigma reclama uma nova

abordagem das ciências humanas, incluindo a ciência jurídica.

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120

A par disso, foi demonstrado que a teoria do direito quântico

compatibilizou a ciência jurídica com as descobertas da física quântica, cuja teoria

apresenta um olhar holístico.

Evidenciou-se que essa visão holística e inter-multi-trans-disciplinar, na

linha de pensamento de Edgar Morin e Goffredor Telles Júnior, é encontrada na teoria

do Capitalismo Humanista, de Ricardo Sayeg e Wagner Balera.

Para compreender o Capitalismo Humanista, teoria elaborada como

filosofia humanista de direito econômico, foram investigados os conceitos de economia

e de ordem econômica, e, em seguida, foi delineada a própria teoria, que defende a

concretização dos direitos humanos e fundamentais em todas as suas dimensões,

superando a neutralidade entre esses direitos e a economia de mercado.

A partir do Capitalismo Humanista, sustentou-se que é de rigor a

aplicação quântica dos direitos humanos e fundamentais na economia de mercado.

Demonstrou-se que o conceito de consubstancialidade traz para a ciência

jurídica a possibilidade, tal qual na física quântica, de reconhecer que fenômenos

aparentemente antagônicos podem ser consubstanciais, ou seja, podem compor um

único ser, indissolúvel e indissociável racionalmente. A partir desse conceito, restou

demonstrado que, da aplicação quântica do direito, decorre o jus-humanismo normativo,

que, sem abandonar o texto normativo, supera o positivismo puro, trazendo para a

atividade interpretativa de qualquer norma o conteúdo significante de todos os direitos

humanos e fundamentais, que se encontram na dignidade humana.

Uma teoria que se apresenta em consonância com o marco civilizatório

atual, e que sustenta a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, e que permite

afirmar que a aplicação quântica do direito é método do jus-humanismo normativo,

integrando o direito positivo, o realismo jurídico e os direitos humanos e fundamentais,

configurando-se como um novo olhar possível à ciência jurídica.

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121

Na atividade interpretativa da norma jurídica, o Capitalismo Humanista

propõe que se tenha como ponto de partida o texto normativo, mas propõe um avanço

além do texto, encontrando-se no metatexto a dimensão dos valores culturais e no

intratexto da norma o seu conteúdo humanístico, reconhecido pelos direitos humanos e

fundamentais. E, diante de possíveis opções hermenêuticas distintas, a teoria assume

que tem compromisso com aquela de conteúdo marcadamente humanístico.

Em se tratando dos direitos humanos e fundamentais, em suas três

dimensões – liberdade, igualdade e fraternidade –, a visão deve ser sempre, segundo o

Capitalismo Humanista, necessariamente quântica, reconhecendo-se uma singularidade,

pois se parte do pressuposto de que são dimensões totalmente interdependentes e

indissociáveis, que jamais podem ser separadas.

Ainda de acordo com o Capitalismo Humanista, se o sistema capitalista é

baseado apenas na liberdade, e não na igualdade e na fraternidade, exige-se uma visão

quântica, pela qual são acrescidas as dimensões da igualdade e da fraternidade, pois

todas elas são interdependentes e indissociáveis, edificando-se esta singularidade

superadora da neutralidade entre direito e economia.

Afirma-se, portanto, que a aplicação do direito deve ser sempre

humanista, pois, além de se assegurar a liberdade, devem ser incorporadas ao

capitalismo as dimensões da igualdade e da fraternidade, sendo certo que só há

dignidade da pessoa humana se estiverem adensadas todas as dimensões dos direitos

humanos.

Dados os desafios que marcam os tempos atuais, notadamente a

globalização, com a transterritorialização da economia, o alto desenvolvimento

tecnológico e a vertiginosa velocidade da expansão das informações, há necessidade

desse novo olhar. Um olhar que tenha maior abrangência; um olhar que permita situar

cada problema em seu contexto, que é planetário; um olhar que seja inter-multi-trans-

disciplinar; um olhar que ultrapasse os limites de cada ciência e que reconheça a

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complexidade dos problemas que desafiam a humanidade, sempre em favor do homem,

mesmo que dentro do ambiente econômico.

Pode-se afirmar que o Capitalismo Humanista sustenta a efetivação dos

direitos humanos e fundamentais, pela aplicação quântica do direito, pois a ordem

jurídica encontra-se comprometida com a dignidade humana, superando-se a

neutralidade entre os direitos humanos e fundamentais e a economia. A ordem

econômica, que é uma parcela da ordem jurídica, encontra-se compromissada com a

realização da dignidade da pessoa humana, como se vê no artigo 170 da Constituição de

República, ao proclamar que ―a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social‖, de modo que se afigura totalmente pertinente o Projeto de

Emenda Constitucional, n. 383, de 2014205

, que visa inserir como princípio da ordem

econômica a observância dos direitos humanos.

Para o Capitalismo Humanista, nenhuma interpretação que contrarie a

dignidade humana pode ser admitida, ou seja, nenhuma interpretação que se apresente

contrária aos direitos humanos ou aos direitos fundamentais pode ser admitida. Assim

sendo, cabe afirmar que o Capitalismo Humanista apresenta posição clara sobre a

efetivação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, propondo a efetivação

desses direitos no sistema capitalista, superando-se o histórico e ultrapassado discurso

liberal da neutralidade entre os direitos humanos e fundamentais e a economia.

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