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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marilda Silveira Lopes CHORINHO: NO COMPASSO DA LONGEVIDADE A longevidade como oportunidade para o desenvolvimento de habilidades musicais em um grupo de idosos, na cidade de Vitória (ES) Mestrado em Gerontologia São Paulo 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marilda Silveira Lopes

CHORINHO: NO COMPASSO DA LONGEVIDADE

A longevidade como oportunidade para o desenvolvimento de habilidades musicais em um grupo de idosos, na cidade de

Vitória (ES) Mestrado em Gerontologia

São Paulo

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Marilda Silveira Lopes

CHORINHO: NO COMPASSO DA LONGEVIDADE

A longevidade como oportunidade para o desenvolvimento de habilidades musicais em um grupo de idosos, na cidade de

Vitória (ES)

Mestrado em Gerontologia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gerontologia sob a orientação da Profa. Dra. Úrsula Margarida Karsch.

São Paulo

2008

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Banca Examinadora:

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DEDICATÓRIA

À minha irmã Marina, por todos os momentos que dispôs a mim durante a

trajetória desta dissertação.

Ao meu filho querido, Henrique, por me contagiar com sua alegria de viver.

Ao meu marido, que adiou muitos de seus sonhos para que eu pudesse

realizar o meu.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e meus irmãos, sempre atenciosos.

Aos chorões apaixonados: Aylton, Edu, Edvaldo, Geraldo e Jairo, que me

propuseram momentos maravilhosos durante as entrevistas.

A minha orientadora Prof.Úrsula, a banca examinadora e todos aqueles que

direta e indiretamente me ajudaram a finalizar esse trabalho.

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EPÍGRAFE

Compositor: Waldir Azevedo

O brasileiro quando é do choro

É entusiasmado quando cai no samba,

Não fica abafado e é um desacato

Quando chega no salão.

Não há quem possa resistir

Quando o chorinho brasileiro faz sentir,

Ainda mais de cavaquinho,

Com um pandeiro e um violão

Na marcação.

Brasileirinho chegou e a todos encantou,

Fez todo mundo dançar

A noite inteira no terreiro

Até o sol raiar.

E quando o baile terminou

A turma não se conformou:

Brasileirinho abafou!

Até o velho que já estava encostado

Neste dia se acabou!

Para falar a verdade, estava conversando

Com alguém de respeito

E ao ouvir o grande choro

Eu dei logo um jeito e deixei o camarada

Falando sozinho. Gostei, pulei,

Dancei, pisei até me acabei

E nunca mais esquecerei o tal chorinho

Brasileirinho!

...E, assim fazem os cinco chorões, no imenso solar da vida!

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RESUMO

Marilda Silveira Lopes

CHORINHO: NO COMPASSO DA LONGEVIDADE

A longevidade como oportunidade para o desenvolvimento de habilidades musicais em um grupo de idosos, na cidade de Vitória (ES)

Este trabalho procura investigar a relação entre o contínuo desenvolvimento

cognitivo musical e o aprimoramento das habilidades inscritas na identidade do

idoso, com o intuito de demonstrar que, apesar de afastados da atividade musical

ao longo da vida, suas experiências infantis, nessa área, são reeditadas em

melhor grau no envelhecimento. A hipótese levantada é a de que as experiências

cartografadas, geradoras de realizações pessoais, promovem, no envelhecimento,

a busca por novas aprendizagens. Para tanto, foram analisadas, a partir de

entrevistas e pesquisas de campo, as trajetórias de vida de cinco idosos,

integrantes do grupo Chorando Baixinho, que há três anos se apresentam no

circuito do choro, na cidade de Vitória (ES). Os idosos pesquisados tiveram

contato com a música durante sua infância, porém, foi durante o envelhecimento e

por meio de um contínuo processo de aprendizagem que eles puderam

desenvolver essa habilidade. Hoje, eles interagem socialmente, desfrutam da

intergeracionalidade, preservam a auto-estima e a auto-eficácia por meio da

música. Vivem, dessa maneira, uma velhice bem-sucedida.

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ABSTRACT

This research has its main focus on the relationship between the cognitive

musical development and the personal, lifetime acquired abilities, intending to

demonstrate that, in spite of the hiatus throughout adult life, the musical experience

lived during childhood can be expanded and enhanced even during eldership. The

hypothesis we try to validate is that cartographed experiences related to self-

fulfillment provoke the desire for new apprenticeship, as years go by. To

investigate this thesis, we conducted field researches and interviews with five

different elders, all of them part of the Chorando Baixinho musical group, which

has been presenting shows on the Chorinho circuit at Vitória (ES). The researched

musicians have had contact with Chorinho during childhood, but it was only after

an older age that they could finally develop their musical abilities, by means of a

continuous learning process. Nowadays, they use the music as a means to socially

interact, enjoy the intergeneration experience, preserve their self esteem and self

sufficiency - thus appreciating a successful elderly life.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................11

CAPÍTULO 1: “CHORINHO: UM PROTAGONISTA DE HISTÓRIAS..................18

1. O chorinho e os chorões ..................................................................................18

1.1. O grupo Chorando Baixinho .......................................................................23

1.2. Perfil dos integrantes..................................................................................26

1.3. Música e Longevidade ...............................................................................36

CAPÍTULO 2: APORTE TEÓRICO.......................................................................42

2. Considerações Gerais.......................................................................................42

2.1. Teoria do Curso da Vida.............................................................................43

2.2. Teoria Social Cognitiva...............................................................................47

2.3. Auto-eficácia ..............................................................................................50

CAPÍTULO 3: VIDA DE CHORÃO: UMA CARTOGRAFIA IMPRESSA PELAS

HABILIDADES ......................................................................................................54

3. Narrativas individuais ........................................................................................54

3.1. Retomada de um aprendizado: um exemplo..............................................55

3.2. A conquista do reconhecimento .................................................................57

3.3. Um gosto novo de viver..............................................................................60

3.4. Sob um outro olhar .....................................................................................62

CAPÍTULO 4: O DISCURSO NO CURSO DA VIDA ............................................65

4. O tempo que se apressa ...................................................................................65

4.1. O Curso da Vida e o aprendizado ..............................................................68

4.2. Aprendizagem por observação...................................................................71

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................75

REFERÊNCIAS.....................................................................................................77

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FIGURAS

Figura 1 Banner sobre o encontro de chorões no Canadá...................................20

Figura 2 Chorinho de Candido Portinari ...............................................................21

Figura 3 Bar Balacobaco, onde tudo começou.....................................................25

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CHORINHO: NO COMPASSO DA LONGEVIDADE A longevidade como oportunidade para o desenvolvimento de habilidades

musicais em um grupo de idosos, na cidade de Vitória (ES)

INTRODUÇÃO

Embora não possamos mudar o passado, podemos mudar o futuro; podemos, em vista do que aconteceu, criar o futuro.

Ivan Izquierdo

A longevidade é uma conquista recente da humanidade. Durante séculos, a

precariedade das condições de sobrevivência, desencadeada por fatores como a

dificuldade em diagnosticar, tratar e curar doenças, as práticas arcaicas de

higiene, as desigualdades sócio-econômicas, a fome, a guerra e a violência, impôs

um rígido limite ao envelhecimento populacional, restringindo a expectativa de vida

em diversos países e culturas.

Esse quadro permaneceu até 1900, quando a longevidade ainda parecia

uma conquista distante da realidade, uma vez que, naquela época, apenas 3%

das pessoas ultrapassavam os 65 anos de idade. No Brasil, não foi diferente. Na

virada do século XIX para o XX, as estatísticas populacionais mostravam que o

brasileiro vivia, em média, até os 33 anos1 de idade.

Gradativamente, esse quadro começou a mudar. Impulsionado por uma

transformação das mesmas variáveis que antes pesavam contra a longevidade.

1 Revista Comciência. Mundo envelhecido, país envelhecido. Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência (SBPC), 10 set.2002. Disponível em: www.comciência.br/reportagens/envelhecimento/texto/env16.htm.

Acesso em 18 mar.2007.

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Os avanços da medicina, as novas tecnologias utilizadas na detecção e

prevenção de doenças, a melhoria das condições sanitárias e dos hábitos de vida,

que se tornaram mais saudáveis, fizeram com que, durante o século XX, a

expectativa de vida das pessoas aumentasse, no mundo inteiro, cerca de vinte

anos. De 46,5 anos, no período de 1950-1955, a média saltou para 65 anos entre

1995 e 2000.

Esse aumento da população de idosos2 desencadeou uma inevitável

“revolução demográfica”, transformando significativamente o papel dos mais

velhos na sociedade e abrindo-lhes oportunidades para novas experiências.

Homens e mulheres da chamada terceira idade passaram, então, a conquistar

cada vez mais espaço no mercado de trabalho e de consumo, nas ciências, nas

artes e nos esportes, contribuindo, assim, para a superação dos antigos estigmas

associados ao envelhecimento, tais como a suposta incapacidade do idoso para

aprender coisas novas, a inatividade sexual e a falta de produtividade.

Estigmas como esses, no entanto, não foram completamente superados. A

crença questionável, vale ressaltar de que o idoso tem capacidades limitadas, seja

a memória, o aprendizado ou a criatividade, ainda paira sobre aqueles que

ultrapassam os 60 anos de idade. E apesar das notáveis conquistas

protagonizadas por esses indivíduos nos mais diversos setores da sociedade, a

visão ainda predominante é a de que envelhecer significa tornar-se

irremediavelmente dependente, frágil e incapaz.

O presente trabalho procura colaborar com a desconstrução desses mitos.

Para tanto, optou-se por estudar um grupo de idosos cujas trajetórias de vida

representam um esforço no sentido de transformar seus papéis sociais e, dessa

maneira, seja consciente ou inconscientemente, superar os estigmas e

2 A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera idosos todos os indivíduos com mais de 60 anos.

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preconceitos associados à velhice. Trata-se do grupo Chorando Baixinho

composto por cinco homens, moradores da cidade de Vitória, capital do Espírito

Santo, cujas idades variam de 59 a 83 anos.

Entre outras coisas, os senhores têm em comum a paixão pelo choro, um

gênero musical que conheceram quando eram crianças ou adolescentes e ao

qual, por conta de uma série de circunstâncias, eventos e escolhas, só

conseguiram se dedicar com afinco após a aposentadoria. A redescoberta do

talento musical acabou determinando várias transformações na vida de cada um

deles e uma delas foi a oportunidade de trabalharem ativamente como músicos,

no circuito cultural da cidade.

Esta dissertação parte das histórias de vida desses cinco idosos os

senhores Aylton, Eduardo, Edvaldo, Geraldo e Jairo para, em seguida, investigar

os motivos, sentidos e conquistas envolvidos em sua busca pelo aprimoramento

de antigas e novas habilidades, no caso, as habilidades musicais. Aqui, cabe

ressaltar que entendemos habilidade pela ótica de Albert Bandura (1925-),

psicólogo canadense e pesquisador de referência da Teoria Social Cognitiva. Ao

discutir esse conceito, ele afirma tratar-se não de um atributo fixo que existe no

nosso repertório comportamental, mas sim uma capacidade generativa, na qual as

características comportamentais, cognitivas, sociais e motivacionais devem ser

efetivamente organizadas para servirem a numerosas finalidades.

Tomando como ponto de partida o aumento da longevidade no último

século e os novos papéis desempenhados pelos idosos na sociedade atual, a

hipótese apresentada é a de que as experiências cartografadas3, geradoras de

3 Cartografar: forma de representação das marcas deixadas durante o curso da vida. SETTERSTEN, Richard A.

Invitation to the life course: Towards new understandings of later life, 2003, p.1.

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realizações pessoais, promovem, no envelhecimento, a busca por novas

aprendizagens.

Sob essa ótica, o objetivo geral deste trabalho é investigar a relação entre o

contínuo desenvolvimento cognitivo musical e o aprimoramento das habilidades

inscritas na identidade do idoso. O objetivo específico, por sua vez, é mostrar que,

apesar de afastados da atividade musical durante a vida, as experiências infantis

musicais dos idosos pesquisados têm sido reeditadas em melhor grau no

envelhecimento.

Na seleção dos autores e teorias que serviram de base a essa dissertação,

foram priorizados aqueles que tinham como foco o ser humano como agente

atuante na sociedade, condutor da sua própria vida, portador de autonomia e

dotado de independência e liberdade de escolha em suas ações pessoais e

sociais. Dois teóricos foram essenciais a essa empreitada: Paul B. Baltes4, que

propôs a Teoria do Curso de Vida e Albert Bandura, cuja Teoria Social Cognitiva

traz, em seu fundamento, o conceito de auto-eficácia, do qual falaremos mais

adiante.

Algumas idéias do filósofo italiano Domenico de Masi (1999) também

serviram de fio condutor à pesquisa. Essas podem ser sintetizadas em sua

observação de que “a imaginação criadora é importante, mas não basta; tem de

4 Paul B. Baltes foi o Diretor do “Center of Lifespan Psychology” no Instituto de Max Planck do

Desenvolvimento Humano em Berlim. Professor da Psicologia na Universidade Gratuita do Berlim, e o

Professor Emérito de Psicologia na Universidade de Virginia. Ele recebeu o seu doutorado da Universidade de

Saarbrücken (Saarland, a Alemanha) em 1967. Antes voltar à Alemanha em 1980, Baltes passou 12 anos como

professor de psicologia e/ou desenvolvimento humano em várias instituições americanas inclusive a

Universidade de estado de Pensilvânia onde ele dirigiu a Divisão de Estudos de Família e do Indivíduo. A

pesquisa de Baltes foi direcionada no avanço da “lifespan” da ontogenesis humana, a qual considera o

funcionamento comportamental e cognitivo da infância na velhice. Os tópicos substantivos incluíram o trabalho

em efeitos de coorte históricos, desenvolvimento cognitivo, e um conceito de processo dual da inteligência de

tempo de vida, e o estudo da sabedoria. Disponível em: www.mpib-berlin.mpg.de/en/mitarbeiter/bs/baltes.htm .

Acesso em: 22 abr.2008.

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se completar pela realização” (MASI,1999)5. Ou então pode ser traduzidas nos

termos da equação ações+habilidade+criatividade = realização pessoal e inserção

social proposta por ele como uma fórmula para o envelhecimento ativo.

Quanto aos métodos empregados, o estudo das trajetórias, experiências e

aprendizados dos idosos que compõem o grupo Chorando Baixinho seguiu um

viés qualitativo. Esse enfoque, que se opõe aos levantamentos métricos e

numéricos das pesquisas quantitativas, foi escolhido porque permite ao

pesquisador atuar como observador participante, coletando dados e realizando

entrevistas a fim de compreender, com um maior nível de aprofundamento, as

dinâmicas e características dos grupos sociais.

A metodologia da pesquisa também envolveu a realização de entrevistas

semi-abertas para a coleta de dados e sua posterior análise. Tal abordagem

permitiu resgatar, com maior precisão, as histórias de vida dos cinco músicos

estudados assim como os elementos que os auxiliaram no aprimoramento de suas

habilidades musicais, na manutenção da auto-estima, na inserção social e na

conquista de um envelhecimento ativo.

A pesquisa de campo foi realizada entre junho de 2006 a junho de 2007.

Nesse período, foram promovidos encontros nos quais cada integrante do grupo

pôde narrar o seu percurso musical e de vida sem a interferência do entrevistador.

Ao todo, foram realizadas três entrevistas semi-abertas com os idosos e uma

dirigida ao proprietário do bar Balacobaco, onde eles se apresentam.

5 Palestra realizada no IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo em 25.05.1999.

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Nos encontros posteriores, a narrativa foi interrompida, predominando a

entrevista com perguntas cujo objetivo era aprofundar os seguintes itens:

• Qual a origem do grupo?

• Qual foi a motivação para voltarem a se dedicar à música?

• Buscaram aprimoramento para tocar no grupo? Qual?

• Continua buscando novos aprendizados musicais?

• Tiveram de superar obstáculos, no curso de suas vidas, para se

dedicarem a música? Quais?

• Qual o reconhecimento do grupo no cenário local?

• Quais as transformações que a atividade musical trouxe para a vida

pessoal e social?

• Quais as dificuldades/conflitos/crises encontrados?

• Quais as facilidades e sucesso encontrados?

• Quais as expectativas para o futuro?

A investigação desses itens mostrou-se importante como indicador dos

pensamentos e desejos percebidos pelos entrevistados em relação à música, da

construção de seus significados e do caminho traçado para obterem a realização

na produção de um item cultural.

Como o leitor perceberá ao longo das próximas páginas, toda esta

dissertação foi pontuada pelas narrativas dos indivíduos pesquisados e pela

observação de campo realizada por ocasião das entrevistas, shows e ensaios do

grupo Chorando Baixinho. A ênfase na narrativa tem sua razão de ser e encontra

sua justificativa no que diz Caffarella e Clark (1999, p. 78-79). Para esses autores,

trata-se da primeira estrutura pela qual o homem começa a organizar, a fazer e a

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entender os significados de suas experiências. Desse modo, ao fazer uma ponte

entre as trajetórias individuais e a interpretação que os indivíduos fazem de suas

próprias vidas, a narrativa poderá fornecer um melhor entendimento do curso da

vida.

Assim, no decorrer dos próximos capítulos, por meio das histórias dos

senhores Aylton, Jairo, Edvaldo, Edu e Geraldo, narradas por eles próprios,

tentaremos captar a expressão das experiências por eles vividas e os movimentos

que esses cinco músicos idosos realizaram rumo à concretização de seus planos.

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CAPÍTULO 1: “CHORINHO”: UM PROTAGONISTA DE HISTÓRIAS

1. O chorinho e os chorões

“Quando eu pratico a música, eu pratico de corpo e coração”.

Edu Gonçalves, 60 anos

O choro ou chorinho, como é popularmente conhecido surgiu por volta de

1870, fruto do talento e da inventividade dos primeiros conjuntos musicais da

então emergente classe média brasileira. É um ritmo genuinamente nacional,

nascido longe dos salões dos bailes que animavam as festas promovidas pela

elite brasileira e distante da pompa que cercava os músicos da época. Seus

representantes eram instrumentistas populares, funcionários de repartições

públicas ou de bandas do Exército, uma gente simples que trabalhava de dia e

tocava à noite.

Usando instrumentos como o violão, o cavaquinho, a flauta e o clarinete, os

chorões, como eram chamados os criadores e divulgadores desse ritmo, entraram

para história da música popular brasileira ao criar uma nova versão para ritmos

europeus, como o schottisch, a valsa, o minueto e principalmente a polca, que era

muito popular naquela época. Inicialmente, eles apenas interpretavam, num tom

mais tristonho e melancólico, músicas conhecidas, de modo que o violão e o

cavaquinho pareciam “chorar”, o que, segundo alguns pesquisadores, teriam

inspirado as denominações “choro” ou “chorinho”

Segundo Diniz (2003), não existe um consenso no que diz respeito à

origem da expressão “choro”. A hipótese mais provável, diz ele, é a de que o

termo “surgiu da ‘colisão cultural’ entre ‘choro’, do verbo ‘chorar’, e chorus, que

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significa ‘coro’, em latim”. Conforme Câmara Cascudo (apud CAZES, 1998, p.16)

por sua vez, argumentava que o termo vem de “xolo”, um tipo de baile que reunia

os escravos das fazendas. Depois, teria mudado para “xoro” até chegar à forma

atual, choro. O que se sabe, com mais certeza, é que, no início, a palavra

designava os conjuntos musicais e as festas onde esses músicos se

apresentavam. Foi só a partir da década de 1910 que o termo passou a designar o

gênero musical.

Na raiz do choro, também estão o batuque e o lundu, ritmos de origem

africana. Não por acaso, esse gênero musical, com sua interpretação abrasileirada

das canções e melodias, encontrou espaço cativo na cultura afro-carioca,

animando batizados, aniversários e casamentos até que também contagiar os

salões da corte de D. Pedro II.

Quando eram convidados para um baile, os chorões não cobravam nada

para tocar, mas faziam questão de conferir se a mesa do anfitrião estava farta de

comida e bebida esse era o pagamento recebido por eles. Caso o “gato estivesse

dormindo no fogão”, frase que expressava a falta de comida e bebida, inventavam

uma desculpa e iam embora. Conta-se que, nos bailes e serenatas, acabavam

com o pãozinho e o café-da-manhã.

Os grupos de choro se tornaram muito conhecidos nos programas de rádio,

especialmente nos anos 40. Naquela época, eram chamados de “conjuntos

regionais”, pela associação de sua instrumentação com as músicas regionais, nas

quais também se utilizava o cavaquinho, os violões, instrumentos de percussão e

um instrumento solista6. Com seu alto poder de improvisação, domínio dos

6 Em geral, o instrumento solista proporciona ao instrumentista a oportunidade de demonstrar seu domínio

técnico e o dote de improvisação. Diz-se que cada qual procura executar as músicas de maior efeito, tentando

impressionar o ouvinte e superar os seus rivais instrumentistas em agilidade e bossa. Pode ser o cavaquinho ou

bandolim como outrora foi a flauta.

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arranjos, harmonia e agilidade, esses grupos preenchiam os freqüentes furos na

programação radiofônica e seu improviso era convincente até mesmo aos mais

apurados ouvidos musicais.

Diversos instrumentistas e compositores ajudaram a definir o choro,

chegando a mesclar o ritmo à música erudita e, garantiram, assim, sua projeção

no cenário internacional. Um dos mais conhecidos foi Alfredo da Rocha Vianna

Filho, o Pixinguinha, nome de destaque da música popular brasileira e compositor

de clássicos como Carinhoso (1928). A paixão pelo chorinho continua

internacional. Ilustrado na figura abaixo, chorões brasileiros encontram-se com

chorões canadenses em 2007.

Figura 1 – Banner sobre o encontro de chorões no Canadá Fonte: http://www.braziliansinbc.ca/images/IV_Chorinho_jun_07.jpg. Acesso em: 15 abr. 2008.

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Entre as personalidades da história do chorinho, destacam-se ainda o

carioca Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim, o maestro e arranjador

Severino Araújo, que fez história ao mesclar o choro com o jazz, o maestro

Radamés Gnattali, o violonista João Pernambuco, o solista Altamiro Carrilho, entre

tantos outros.

O pintor Cândido Portinari, por exemplo, imortalizou o ritmo em sua pintura

intitulada “Chorinho”. Villa Lobos o fez ser respeitado ao compor uma série de

chorinhos, entre eles, o “Choro nº 1” para guitarra, em homenagem aos chorões.

Chiquinha Gonzaga7, considerada a primeira pianista de choro, o compunha e o

divulgava tocando por todo o Brasil.

.

7 GONZAGA, Chiquinha – (Francisca Edwiges Neves Gonzaga). Compositora, instrumentista, regente. Rio de

Janeiro, RJ, 17/10/1847–idem, 28/02/1935. Maior personalidade feminina da história da música popular

brasileira e uma das expressões maiores da luta pelas liberdades no país, promotora da nacionalização musical,

primeira maestrina, autora da primeira canção carnavalesca, primeira pianista de choro, introdutora da música

popular nos salões elegantes, fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais. Disponível em:

http://www.chiquinhagonzaga.com/. Acesso em: 15 abr.2008.

Figura 2 – Chorinho de Candido Portinari Fonte: http://images.google.com/imgres?imgurl=http://telhadodevidro.files. wordpress.com/2007/07/s_portinari.jpg&imgrefurl=http://telhadodevidro.wordpress.com/2007/07/30/. Acesso em: 15 abr.2008

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Desde seu surgimento, o choro conquistou as massas e a elite brasileiras,

rompeu barreiras sociais e geográficas e arrebatou intelectuais e artistas. Porém,

sua popularidade oscilou ao longo das últimas décadas. Depois do apogeu

durante as primeiras décadas do século XX, nos anos 50 e 60, ficou um pouco

esquecido diante do sucesso da bossa-nova. Na década de 1970, ganhou novo

impulso com os festivais nacionais e a criação dos Clubes do Choro que, desde

então, passaram a se multiplicar por todo o país.

Esse ritmo, imortalizado em canções como “Brasileirinho” e “Tico-tico no

fubá”, hoje faz parte do repertório musical dos brasileiros, encantando geração

após geração. Nas palavras de Aquiles Reis, integrante do grupo MPB4:

O choro está para o brasileiro como o tango está para o argentino. Seja ele composto e tocado no século XVIII ou em sua forma dos dias atuais, o chorinho aplaina nosso dia-a-dia. Sai década, entra década, lá está ele despertando a atenção de músicos veteranos e iniciantes. Tradicionais ou modernos, cada chorão namora a música à maneira de seu instrumento, sempre reverenciador à singeleza e à picardia com que ela foi criada pelos mestres destes e daqueles tempos. (REIS, 2008)8.

Aliando-se a história do choro, Maurício Carrilho (2000) aponta que ele é

um ritmo que resiste ao tempo, nunca “envelhece”, rompe barreiras e com

“longevidade” certa, pois:

O Choro resistiu a epidemias, pragas, duas guerras mundiais, golpes militares, desprezo de todos os governos, pouco caso das gravadoras, resiste ao massacrante processo de idiotização musical imposto pela globalização do lixo cultural internacional, e vai resistir a tudo. O seu desenvolvimento é permanente e independente de valores impostos. O Choro tem seus próprios parâmetros. Quem o conhece na intimidade não se impressiona com vanguardismos pueris e nem se sente pressionado por uma suposta necessidade de adaptação ao som da moda. O Choro

8 Disponível em: http:// www.umes.org.br/umes/noticias. php.Acesso em: 15 jan.2008.

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positivamente não é música pra principiantes. (CARRILHO, 2000)9.

Por essa característica de transposição no tempo, o chorinho, veio ao

encontro da retomada de vida do grupo Chorando Baixinho.

1.1. O grupo Chorando Baixinho

O grupo Chorando Baixinho foi formado há 18 anos, na cidade de Vitória

(ES), por dois idosos apaixonados por música, Aylton Borges, de 78 anos, e José

Jairo Teixeira, de 83 anos. O grupo começou de maneira despretensiosa, como

um pretexto para os dois homens, apreciadores desse ritmo, exercitarem suas

habilidades musicais cartografadas desde os tempos de infância.

O seu Jairo se empolga quando narra essa história:

“Um dia eu ia passando defronte da casa de um velho músico, Pirola, amigo da gente, com quem eu já havia tocado. Aylton Borges estava tocando bandolim sozinho. O bandolim é um instrumento indispensável no choro, mas sozinho não diz nada. O senhor Pirola me chamou:

- Jairo, vem cá. Vou pegar o violão pra você acompanhar o Aylton.

A partir daquele dia, eu fiquei tocando com ele. Já se vão 18 anos”.

Com o passar do tempo, outros músicos foram se juntando aos primeiros.

Alguns permaneceram, outros desistiram, de modo que o número de integrantes

oscilou bastante durante muitos anos. Mas o intuito inicial foi mantido: cada

participante que ingressava no grupo procurava resgatar, com o incentivo dos 9 Maurício Carrilho, chorão, compositor, instrumentista. Sobrinho de Altamiro Carilho. Disponível em:

http://www.samba-choro.com.br/artistas/mauriciocarrilho. Acesso em: 20 abr.2008.

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colegas, uma antiga habilidade musical, um talento adormecido desde os tempos

da infância, seja para tocar pandeiro, violão, bandolim, cavaco ou fazer percussão.

O grupo já foi trio, quarteto e quinteto. Atualmente, é formado por cinco

homens: José Jairo Teixeira (violão de seis cordas), Aylton Borges (bandolim),

Eduardo Batista (cavaco), Edvaldo Nunes (surdo e violão) e Geraldo dos Santos

(pandeiro). Todos eles são aposentados, um detalhe que, como veremos mais

adiante, não é simples coincidência.

Durante vários anos, os integrantes do Chorando Baixinho se reuniam para

tocar e realizavam apresentações informais, nas festas ou confraternizações

realizadas por suas famílias, amigos ou vizinhos. Seguiram realizando informais e

sem a intenção de profissionalizarem por algum tempo, até que, em 2004, tudo

mudou.

Naquele ano, os cinco idosos foram convidados a se apresentar, em dia e

horários fixos, numa casa noturna na cidade de Vitória (ES). Para eles, aceitar tal

convite marcaria a transição para uma vida mais ativa, de um hobby inicialmente

despretensioso para uma atividade dotada de novos significados e repleta de

novas experiências. Eles aceitaram o desafio e, a partir de então, começaram a

realizar seus shows todas as quintas-feiras e sábados no bar Balacobaco. Em

conseqüência, tornaram-se mais conhecidos, o que eventualmente tem rendido

várias oportunidades para se apresentarem em eventos promovidos por órgãos

públicos ou pela iniciativa privada.

O início das apresentações semanais, como se esperava, trouxe aos

integrantes do grupo Chorando Baixinho uma série de novas experiências, as

quais, como veremos a seguir, marcaram e transformaram as trajetórias de vida

dos cinco idosos. Transição essa que contou inclusive com um “batismo”, como

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recorda o senhor Jairo ao se referir ao momento em que os músicos foram

convidados a tocar no Bar Balacobaco. Na ocasião, eles depararam com a

necessidade de escolher um nome para o grupo, o que até o momento, nunca

havia sido uma preocupação. Foi assim, que decidiram se identificar como o grupo

Chorando Baixinho. Em homenagem a música de Abel Ferreira10 (1915-1980),

compositor e instrumentista reconhecido internacionalmente.

Nas palavras de Jairo: “Foi uma espécie de batismo. O nome pegou e, com

muito orgulho, somos integrantes desse grupo que nos tem dado muitas alegrias”.

Observe na figura a seguir, o local de encontro dos chorões capixabas:

10

Clarinetista e saxofonista mineiro iniciou sua carreira tocando em rádios de Belo Horizonte e São Paulo e

em bandas no interior de Minas. Em 1943 foi para o Rio de Janeiro, onde passou a integrar a orquestra do

Cassino da Urca. Quatro anos depois formou seu próprio conjunto, que acompanhou estrelas do rádio como

Francisco Alves, Orlando Silva, Marlene e Emilinha Borba. Na década de 50 viajou pelo Brasil e pela Europa,

em excursão para divulgação da música brasileira que resultou no LP "Os Brasileiros na Europa". Seu estilo

de tocar original e marcado pelo improviso criou o que ficou conhecido como "escola brasileira de sopro",

sendo herdeiro estilístico de Pixinguinha. Abel Ferreira se aposentou do rádio em 1971, mas permaneceu

tocando em shows e gravações de choro e samba, acompanhando, entre outros, Beth Carvalho e Raul de

Barros. Excursionou pelo Brasil com Ademilde Fonseca pelo Projeto Pixinguinha. Entre suas composições

estão "Doce Melodia", "Chorando Baixinho" e "Acariciando".

http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/abel-ferreira.asp. Acesso em 15 abr.2008.

Figura 3 – Bar Balacobaco, onde tudo começou. Fonte:http://images.google.com/images?um=1&hl=pt-BR&rls=com.microsoft%3Apt-br%3AIE-earchBox&rlz=1I7ADBS&q =Bar+Balacobaco&btnG=Pesquisar+imagens.Acesso em: 15 abr.2008.

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1.2. Perfil dos integrantes

O grupo Chorando Baixinho não realiza ensaios. Seus integrantes se

reúnem um pouco antes das apresentações, instalam os equipamentos e

imediatamente começam a tocar. A observação de campo foi realizada nessas

oportunidades e as entrevistas ocorreram em encontros nas residências deles, de

modo que os idosos pudessem narrar suas histórias de vida e discorrer sobre seu

envolvimento com a música. A seguir, serão apresentados os perfis dos cinco

membros do grupo, estruturados em narrativas em primeira e terceira pessoas.

Entre outras coisas, Jairo, Aylton, Edu, Geraldo e Edvaldo revelam como surgiu

seu interesse pelo chorinho e contam como conseguiram resgatar esse

aprendizado durante a velhice.

• Aylton Borges, 76 anos – bandolim

Casado, pai de três filhos e oficial de justiça aposentado, Aylton Borges diz

ter orgulho de tocar o bandolim, um instrumento que revela ser procedente da

família dos alaúdes, tendo substituído a bandola na música popular brasileira. Seu

primeiro contato com o bandolim e, conseqüentemente, com o chorinho, ocorreu

na infância. Como lembra o idoso, foi sua mãe, uma grande apreciadora de

música erudita, a responsável por apresentá-lo ao universo das melodias,

harmonias, ritmos e sons. Essa trajetória de música e aprendizado começou na

cidade de Vitória, onde Aylton nasceu:

“Nasci em Vitória. Meu pai tinha um armazém e o primeiro rádio da região foi ele quem adquiriu. Eu ficava ali, ouvindo chorinho e encantado com o som. (...) Minha mãe tinha um bandolinzinho e ficava tocando valsas. Eu achava tão bonitinho e me perguntava: “Se ela toca, porque eu não vou tocar?”. Eu pegava o bandolinzinho dela e arriscava algumas notas. Ele tinha um som

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lindo. Minha mãe me deu o bandolim, mas minha casa pegou fogo e perdi muita coisa”.

O pequeno Aylton, então, cresceu. Na idade do alistamento militar

obrigatório, serviu no Exército. No período dedicado à caserna, vez ou outra, o

jovem encontrava um meio de aprender um pouco mais sobre música.

“Quando fiz 18 anos, fui para o exército no Rio de Janeiro. Lá havia um violão com uma corda só, e ali eu ficava tirando minhas músicas. Não conhecia ninguém por lá e aproveitava para tocar. Um dia, o comandante do batalhão me chamou e me perguntou: “É você que toca nos finais de semana?” Respondi: “Sim, mas eu posso parar se o senhor não quiser”. E ele disse: “Pelo contrário, a partir de agora é que você tocará sempre”. Não participei de mais nada, e fiquei por conta do violão”.

Depois das primeiras experiências musicais, Aylton casou, teve filhos e

passou a trabalhar como oficial de justiça. A partir de então, a música ficou em

segundo plano em sua vida, embora ele afirme que nunca perdeu a paixão pelo

chorinho e, sempre que possível, tocava seu instrumento favorito.

“Se eu tivesse mais oportunidades, teria sido apenas músico. Mas tive que trabalhar (...). Mas, paralelamente a tudo isso, sempre que dava pegava meu bandolim e ficava tirando as músicas”.

Apenas quando se aposentou, ele decidiu que era tempo de se dedicar ao

ritmo que tanto apreciava. Atualmente, Aylton diz que sua rotina continua repleta

de tarefas. Porém, nesta fase de sua vida, o trabalho e as novas atividades não

estão impedindo-o aperfeiçoar, cada vez mais, suas habilidades musicais:

“Hoje, além de aposentado, trabalho na cooperativa dos funcionários da Justiça. Essa função me ocupa muito tempo. Mas não abro mão da música e tenho planos de fazer aulas de música. Toco em três lugares: no Balacobaco, no Novo Hotel, e num bar na Praia do Canto. Outro dia, o Zeca Pagodinho esteve lá, pediu o

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choro naquele tempo, depois me abraçou e agradeceu muito. Nunca aprendi a ler música, sempre tirei de ouvido, mas sempre me dediquei. Ficava tocando... tocando... sem parar, até tirar com perfeição”.

• Edu Batista Gonçalves, 60 anos – cavaquinho

A exemplo do colega de grupo Aylton, o primeiro contato de Edu Batista

com a música ocorreu nos tempos de infância. Numa narrativa inicialmente

bastante semelhante a de seu colega do grupo de chorinho, ele conta que foram

os pais que o incentivaram a tocar cavaquinho, instrumento que ainda hoje o

acompanha em suas apresentações pela cidade de Vitória.

Conforme ele crescia, a inspiração e o incentivo passaram a vir também de

outras pessoas, geralmente músicos que ele admirava.

“Papai e mamãe tocavam violão e cavaquinho. Com 5 ou 6 anos, já peguei o gosto. Na adolescência tive a sorte de, nas minhas andanças, me deparar com bons violonistas, me deparar com pessoas tocando cavaquinho, com pessoas cantando em duas vozes. Fui achando que era importante. Com 18 ou 19 anos, passei a praticar o instrumento. Iniciei tocando bandolim11, em seguida, dois ou três anos depois, passei para o cavaquinho”.

Em seqüência ao seu depoimento, Edu Batista lembra que, tempos depois,

começou a tocar cavaquinho num grupo chamado Os Regionais.

“Tinha um grupo chamado Os Regionais e fomos tocar em um restaurante chamado Dom Caleare. Depois de certo período,

11

O cavaquinho, instrumento que Edu Batista toca atualmente no grupo Chorando Baixinho, foi trazido ao Brasil

pelos portugueses e logo se tornou um dos símbolos da musicalidade brasileira. No início do século XX, era utilizado como instrumento de acompanhamento, mas, com o passar do tempo, acabou por se consolidar como

instrumento solista.

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saímos. O dono queria outro estilo de música, mas um dos sócios exigiu que voltássemos com uma banda de oito pessoas que tivesse metais. Assim, fizemos trombone, bateria, baixo, cavaco, uma cantora. E nós fazíamos vocal”.

Apesar da experiência de tocar num grupo conhecido e com uma agenda

fixa de shows, o idoso diz nunca ter atuado como músico profissional,

transformando sua arte numa fonte de renda principal.

“Na minha carteira da ordem dos músicos, sou violonista. Também toco um pouquinho de violão de sete cordas, percussão. (..) Não sou músico profissional, apesar de ser habilitado legalmente. Nunca achei que a música daria pra mim uma profissão, porque sou do interior e a base musical que tenho partiu da roça, dos meus pais”.

Sobre a sua entrada no grupo Chorando Baixinho, Edu diz que essa

ocorreu há três anos, quando ele assistia a um show dos colegas.

“Há três anos descobri que o Chorando Baixinho estava tocando num bar na Curva da Jurema. Fui até lá para assistir, levei um instrumento e fui convidado para dar uma canja. Logo me convidaram para integrar o grupo”.

Para Edu Batista, ao contrário de seu colega Jairo, o trabalho não se tornou

um obstáculo nem impediu que ele se dedicasse à música. Essa percepção fica

evidente no trecho abaixo, quando o entrevistado afirma que:

“Sempre segui a vida com a música ao meu lado. Mesmo hoje, o tenho uma representação de cana-de-açúcar para pastelaria e massa para pastel. (...) O trabalho nunca foi obstáculo, sempre conciliei”.

Sobre a experiência atual de se apresentar em público tocando seu ritmo

favorito, tocando no Bar Balacobaco ao lado de outros idosos, ele diz:

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“Em todos os lugares que tocamos e com todos os grupos sempre somos muito bem recebidos, o público nos aceita plenamente. Tirar aplausos de platéia não é fácil não, e temos conseguido. Há algum tempo éramos aplaudidos por uma platéia mais madura, hoje, nesta platéia, a juventude também está presente. Sempre tocamos para mesas com 15 ou 20 pessoas, com 25 anos em média, que comemoram aniversário, por exemplo”.

• Geraldo dos Santos, 68 anos – percussão

Foi com 9 anos de idade, por influência de um tio que tocava violão em

programas de rádio, que Geraldo começou a se interessar pela música. O parente,

percebendo a curiosidade do menino diante dos instrumentos e notas musicais,

tratou de incentivá-lo a aprender violão e cavaquinho. Para isso, começou a levar

o sobrinho consigo enquanto se apresentar em bailes e festas no Rio de Janeiro.

“Nasci em Colatina, no Espírito Santo. Quando criança, meus pais me levaram pra São Paulo e moramos lá por quatro anos. Moramos também em Paraguaçu, divisa de São Paulo com Paraná.... Depois, fomos para o Rio de Janeiro, para Nova Iguaçu, e foi em Nova Iguaçu que eu aprendi música, a parte de percussão. Já tinha 9 anos. Comecei a tocar pandeiro. E o meu tio, que era aqui de Cachoeiro, mas estava no Rio de Janeiro, tocava violão, tocou em rádio e tudo (...). Saíamos juntos para tocar em bailes, casamentos, festas... Meu tio me levava, e foi ele que incutiu na minha cabeça que eu teria que aprender a tocar violão e cavaquinho”.

Diante da insistência do tio para que se dedicasse ao violão e ao

cavaquinho, Geraldo lembra que sua reação, naquela ocasião, não foi exatamente

a esperada pelo parente. “Minha tendência era a percussão e, certo dia, lhe falei

que não queria aprender violão e cavaquinho. Essas coisas...”.

Assim, decidiu aprender percussão. Conforme o tempo passou, começaram

a aparecer diversas oportunidades para que Geraldo participasse de grupos de

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choro. Ele aceitou alguns trabalhos, mas recusou outros. Pelo fato do músico não

ter optado por exclusividade aos palcos e foi buscar fonte de renda paralela, como

funcionário público.

“Comecei a tocar no Rio de Janeiro. No Botafogo, fui convidado pra ser reserva do panderista da boate Fred, mas não fui, não. Fui convidado também para ir para os Estados Unidos com uns americanos. Eles me falaram: “Olha, lá nos Estados Unidos você ganha muito dinheiro, você é músico, vai ganhar muito dinheiro”. Mas não quis ir, não. Já estava com 22 anos de idade e estava trabalhando também no Serviço Público Federal. Depois disso aí, eu, em 1972, vim transferido para cá, no Espírito Santo. (...) Também tive um grupo de pagode. Nós tocamos quase três ou quatro anos.... Mas o grupo acabou por causa desse problema de finanças e também porque o rapaz, que era cabeça do grupo (eu também era cabeça), começou a beber e saiu. Aí acabou. Mas o grupo era maravilhoso. Ganhamos muito dinheiro”.

A participação de Geraldo no grupo Chorando Baixinho se deu por

intermédio de outro integrante, Aylton, que o convidou a tocar com ele. Sobre sua

relação com o outro músico, ele comenta: “Tem vinte poucos anos que eu

conheço o Aílton e já havia tocado com ele”.

Na narrativa de Geraldo, emerge uma certa nostalgia, especialmente

quando ele recorda dos anos 70 e 80, período que considera ter sido mais

propício a músicos como ele serem reconhecidos por seu trabalho. Em

contrapartida, enfatiza que, nos dias atuais, as dificuldades são maiores para

aqueles que desejam se dedicar profissionalmente à música.

“Aí fui continuando, já toquei em muitos grupos.... Mas agora, na atualidade, é mais difícil ganhar dinheiro com música. Sorte nossa foi essa casa, o Balacobaco, que nos acolheu com o chorinho, porque senão... Hoje não vivo só do dinheiro da música, não dá não, com certeza não dá. Naquela época, 70, 80, em que eu vivi, podia viver com o dinheiro da música que dava tranqüilo”.

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• Edvaldo Nunes, 59 anos - violão de seis cordas e acordeom

Caminheiro aposentado, Edvaldo Nunes é o mais jovem integrante do

grupo Chorando Baixinho. Nasceu em uma família grande, e entre os dezesseis

irmãos, foi o único a se tornar instrumentista. O talento dele só foi percebido na

adolescência, pela mãe, que faleceu poucos anos depois.

Sua narrativa sobre esse período de sua vida é entrecortada por memórias

envolvendo a mãe e pelas dificuldades enfrentadas pela família.

“Na minha família, sou o único músico. Eu, o único de dezesseis irmãos. Quando minha mãe descobriu que eu tinha tendência para a música, eu já tinha dezesseis anos. Mas ela não pôde fazer muita coisa e, quando eu tinha vinte, ela faleceu. (...) Meu pai já era separado da minha mãe. Fui criado sem pai. Minha mãe bebia muita cachaça mesmo, hoje chamam de alcoólatra. Naquela época não sei nem como chamavam. Mas hoje a chamariam de alcoólatra... E mesmo assim ela percebeu que eu tinha talento para música (...) Ela faleceu em 1970, no dia 12 de abril, em decorrência do álcool. Minha mãe casou com treze anos e teve dezesseis filhos. Morreu com quarenta e três anos (...) Tenho um irmão que é pastor evangélico, da Igreja Metodista. É letrista, ele faz letras de hinos gospel, compositor e compõe muito bem. Mas não toca, só faz umas composiçõezinhas de violão raramente e muito mal”.

Além do incentivo da mãe, as aulas com um professor de música, chamado

Teodorico, também foram decisivas para motivar Edvaldo a prosseguir com seu

aprendizado musical.

“Em Linhares, havia um músico chamado Teodorico, que era acordeonista e dos melhores. Eu comecei a ir para a casa dele para tocar pandeiro – ele no acordeom e eu no pandeirinho. Eu o acompanhava, mas, quando havia uma parada, eu sempre queria dar uma 'pegadinha' no acordeom. Mas ele falava: ‘Você vai desafinar, não sabe tocar’. Então, pensei comigo: “Um dia vou ter um acordeom e vou aprender a tocá-lo”.

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De tanto observar a técnica do professor, Edvaldo revela que foi se

familiarizando como o acordeom até, finalmente, aprendendo a tocar o

instrumento. Mais tarde, ganhou um acordeom do pai. O presente foi um incentivo

para que, anos mais tarde, ele e dois amigos formassem um grupo musical, com a

proposta de se apresentar em festas e eventos. A idéia deu certo e, logo o trio

tornou-se conhecido na cidade.

“Formamos um grupinho, O Trio. Eu no acordeom, meu amigo Cláudio no bandolim e Reinado, alfaiate, na época, no violão. Formamos aquele trio e, por uns dois anos, eu era o melhor acordeonista da cidade, porque o cara que era o melhor viajou e eu fiquei no lugar dele. Ficamos os melhores, construímos uma casa no bairro Araçás e eu escrevi na faixa da casa: “Edvaldo, acordeonista”. Na época não existia telefone, aí as pessoas iam lá em casa me chamar para tocar, todo baile, casamento eu estava dentro, tocando”.

Com o passar do tempo, Edvaldo, então um instrumentista conhecido do

público local, começou a receber convites para participar de outros grupos

musicais.

“Fui participando sempre de grupos. Toquei muitos anos na zona, e foi lá que aprendi a mexer com vários instrumentos: bateria, violão, guitarra. E hoje sou instrumentista porque consegui aprender esses instrumentos. Fui me aperfeiçoando e cheguei onde estou hoje e tenho honra de ser membro do Chorando Baixinho, um dos músicos. Porque é um grupo bom, um grupo de pessoas idosas, de responsabilidade. Eu estou nele já faz uns três anos”.

Edvaldo também destaca que, durante boa parte da vida, tentou conciliar o

trabalho de caminhoneiro com a paixão pela música, mas isso nem sempre foi

possível. Durante a aposentadoria, no entanto, ficou mais fácil se dedicar à

atividade de músico.

“Mesmo sendo caminhoneiro, sempre arranjava uma folguinha pra tocar à noite. Por várias vezes, tive que interromper a música

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porque o trabalho não oferecia condições. Em matéria de horário, trabalhei em empresa que tinha escala e, quando viajava, também ficava fora do estado. Então, às vezes, não dava para coincidir as datas entre o trabalho e a música. (...) Hoje, aposentado, fico só na noite. (...) Graças a Deus, tive a oportunidade de conseguir me aposentar e viver do que gosto. A música é para mim, hoje, um hobby. Eu adoro tocar, sou instrumentista. Meus instrumentos são: violão, acordeom, bateria, teclado, guitarra e percussão geral e também sou crooner. Crooner é aquele que faz beque vocal. Que canta”.

• Jairo Teixeira, 83 anos – violão de sete cordas

Nascido em Cariacica, no interior do Espírito Santo, Jairo Teixeira foi criado

numa vila chamada Maricará, de onde diz guardar belas recordações da infância.

Numa dessas lembranças, ele lembra que começou a tocar cavaquinho às

escondidas, utilizando o instrumento que era da irmã. E essa, sempre muito

zelosa, mantinha-o trancafiado num baú. Apesar de sua discrição, seu talento

precoce e a evidente capacidade de aprender a partir da observação foram

descobertos e, como não poderia deixar de ser, impressionaram a família inteira:

“Quando minha irmã notou que eu levava jeito, ficou mais sensível. Andou deixando eu pegar no instrumento, mas não o suficiente para eu chegar onde queria”.

O cavaquinho logo passou a preencher o sonho do menino que, dia após

dia, planejava comprar um instrumento para si. Para isso, ele decidiu trabalhar

como ambulante, vendendo frutas e pequenos animais num campo de futebol

próximo à sua casa.

“Eu costumava vender no campo de futebol umas laranjas, umas bananas da terra cozidas, umas galinhas, que eu criava paralelamente à invejável criação de mamãe. Com essa pequena renda, eu sonhei em comprar um cavaquinho. (...) Um dia, eu fiquei sabendo que seu Chico, marceneiro daquela região, estava vendendo um cavaquinho. Lá chegando, experimentei o instrumento. Gostei. Mas ele queria dez mil réis (moeda da época)

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e eu só tinha oito mil. Mas, como ele estava precisando de dinheiro, acabou aceitando. Eu voltei pra casa numa alegria incontida”.

Com o tempo, Jairo conta que “progrediu no cavaquinho” e, em seguida,

formou um conjunto musical. Participavam, além dele, seu irmão, que tocava

violão e outro rapaz, que se encarregava do bandolim. As apresentações daqueles

tempos de infância eram improvisadas e ocorriam na própria venda do pai de

Jairo.

“Aos sábados à noite e aos domingos pela manhã, a venda de papai ficava cheia. Aí nosso conjunto deitava e rolava. Papai, que gostava muito de música, inclusive tocava um pouco de violão. Talvez por isso não se incomodava de demonstrar seu orgulho, sua satisfação pela arte dos filhos”.

Com a chegada da adolescência e da vida adulta, Jairo diz ter priorizado os

estudos, o trabalho e a família. Assim, acabou deixando a música de lado por um

longo período. Foram necessários mais de vinte anos para que sua antiga paixão

fosse novamente despertada.

“Quando comecei a trabalhar, eu já tocava violão. Aquela mudança de hábitos me fez esquecer um pouco a música. (...) Vinte e um anos depois, ou seja, em 1968, eu fui convidado para um churrasco. Lá encontrei um rapaz com um violão, tocando bossa nova. Naquele momento senti que havia algo guardado no meu interior. É como se a música estivesse adormecida dentro de mim e acabasse de acordar”.

Depois de um período tocando sozinho e aperfeiçoando suas habilidades

no violão, Jairo passou a tocar com um amigo que era músico profissional. A

parceria deu certo e, cerca de dezoito anos atrás, a dupla começava a tocar em

casas noturnas.

“Depois, começamos a tocar profissionalmente. Tocamos em boas casas noturnas da Praia do Canto, Camburi, Praia da Costa.

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Tocamos fora de Vitória, em várias cidades do interior. Atualmente, estamos tocando todos os sábados no Balacobaco e, esporadicamente, em cerimoniais, aniversários, confraternizações de empresas e outros eventos”.

1.3. Música e Longevidade

Os relatos apresentados acima deixam transparecer, logo no primeiro

momento, a relação especial que os chorões pesquisados estabeleceram com a

música. Em todas as cinco narrativas, esse contato ocorreu nos primeiros anos da

infância ou adolescência, tendo sido incentivado direta ou indiretamente por algum

membro da família. Conforme cresceram, a música manteve-se como uma

constante em suas vidas, mesmo nos períodos em que alguns deles não puderam

se dedicar a esse hobby.

É significativo apontar que, ao ativar as lembranças da infância e da

adolescência, os entrevistados mencionam, sempre de forma saudosa e positiva,

como um determinado instrumento seja o bandolim, o violão, o cavaquinho, o

acordeom e os de percussão atraiu-lhes a atenção, cativou seu interesse e

rapidamente abriu caminho para uma experiência transformadora, a experiência

da musicalidade, entendida aqui como o “talento ou sensibilidade para criar ou

executar música”. Desde então, essa experiência nunca mais foi esquecida por

eles, até ser resgatada na velhice.

As narrativas acima também suscitam algumas questões que envolvem a

musicalidade e a longevidade ou, mais especificamente, a relação entre música e

saúde, ou ainda entre música e estado emocional. Trata-se de uma relação que,

segundo Souza (2005), é conhecida desde o Egito e a Grécia Antiga.

Os escritos egípcios em 1550 a.C. atribuíam influência à música para a fertilidade da mulher e os gregos consideravam Apolo, ao mesmo tempo, o que cura e o mestre da música. Essa relação foi-

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se aprofundando e, deixando para trás os mitos, as lendas e o senso comum, passou a ser tema de pesquisas científicas na área médica, de assistência e cuidado e na musicoterapia” (SOUZA, 2005)12.

Na atualidade, diversos pesquisadores procuram investigar se a apregoada

afirmação popular de que “música faz bem”, de fato, tem validade. Em casos de

doenças degenerativas, como Parkinson e Alzheimer, estudos já demonstraram

que a música acelera a reabilitação de pacientes e melhora a coordenação

motora. A explicação está numa série de substâncias, como a dopamina13 e a

serotonina14 que, liberadas quando o cérebro é estimulado pela música,

proporcionam uma sensação de prazer e bem-estar.

Mas as investigações não param por aí. A musicoterapia, uma terapia

alternativa criada no século XX, tem procurado auxiliar crianças, adultos e idosos

na recuperação tanto de problemas físicos quanto emocionais. Utilizando-se de

diferentes ritmos, harmonias e instrumentos, os musicoterapeutas, como são

chamados seus praticantes, afirmam que os sons, quando empregados

corretamente, proporcionam um reequilíbrio do corpo e da mente, refletindo

positivamente na saúde e no bem-estar dos pacientes.

Para Miranda e Godeli (2003), de fato, a música tem se revelado um

poderoso instrumento para trabalhar com os idosos. Citando as contribuições de

Clair também nesse campo, as autoras mencionam que este é um estímulo que

pode promover vários resultados, tais como:

12 Disponível em: www.unati.uerj.br/tse/scielo.php. Acesso em: 22 jan.2008. 13

Dopamina ajuda na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática, ou seja, não

precisamos pensar em cada movimento que nossos músculos realizam, graças à presença dessa substância em

nossos cérebros. Na falta dela, haverá grande dificuldade para realização de movimentos simultâneos.

Disponível em: www.saude.terra.com.br/interna/0..OI510267-EI1497,00.html. Acesso em: 22 abr.2008. 14

A serotonina é um neurotransmissor, isto é, uma molécula envolvida na comunicação entre as células do

cérebro (neurônios). Disponível em:

http://cognitio.incubadora.fapesp.br/portal/atividades/cursos/posgrad/ciencia_cognitiva/2006-2/aula-

1/DanielPaiva_A01-V1.pdf. Acesso em: 22 abr.2008.

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a) respostas físicas, através das qualidades sedativas ou estimulantes, que afetam respostas fisiológicas como pressão arterial, freqüência cardíaca, respiração, dilatação pupilar, tolerância à dor, dentre outras;

b) respostas emocionais que estão associadas às respostas fisiológicas, como alterações nos estados de ânimo, nos afetos;

c) integração social, ao promover oportunidades para experiências comuns, que são a base para os relacionamentos;

d) comunicação, principalmente para idosos que têm problemas de comunicação verbal e pela música conseguem interagir significativamente com os outros;

e) expressão emocional, pois utiliza a comunicação não-verbal, facilitando a expressão de emoções também por idosos que possuam falta de habilidades verbais;

f) afastamento da inatividade, do desconforto e da rotina cotidiana, mediante do uso do tempo com atividades envolvendo música, melhorando a qualidade de vida dos idosos; e

g) associações extra-musicais, com outras épocas, pessoas, lugares, evocando emoções ou outras informações sensoriais que estão guardadas na memória.(MIRANDA ; GODELI, 2003)15.

Um exemplo que bem ilustra as conquistas acima vem da Associação

Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), localizada no Rio de Janeiro, que

realiza 750 atendimentos mensais. Em uma entrevista concedida em 2007, ao

jornal O Dia, o aposentado Wagner Gaspar Toneloto, 55 anos, contou como as

sessões de musicoterapia das quais participa na ABBR o ajudaram na

recuperação de um derrame cerebral.

Quando você sofre um derrame, precisa reaprender a fazer praticamente tudo. Se me tornei mais confiante e equilibrado, só tenho a agradecer à musicoterapia. E, quando falo em equilíbrio, me refiro ao sentido literal da palavra. Até pouco tempo atrás, não conseguia tomar banho ou me barbear sozinho. Hoje, já tenho até vontade de dançar quando ouço “Carinhoso” ou “A Volta do Boêmio.16

15

Disponível em: www.usp.br/eef/rpef/v16n12002/v16n1p86.pdf. Acesso em: 15 fev.2008. 16 Citação retirada da reportagem “Ouvir música faz bem à saúde, apontam médicos”, publicada no jornal O

Dia. 02 jan.2007.

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39

Entender o modo pelo qual o cérebro humano funciona ao ouvir ou produzir

música é outro campo que tem inspirado pesquisas na atualidade. Segundo

Peretz e Zatorre, mencionados por Souza em seu artigo Educação Musical com

Idosos (2005), trata-se de uma ampla área de investigação amplo, tendo em vista

que envolve questões sobre percepção, memória, emoção e performance.

Do mesmo modo que a compreensão dos processos cerebrais

desencadeados nos indivíduos que escutam música tem sido alvo de

investigações e hipóteses, o cérebro e as emoções de quem aprende e trabalha

com música também atraem o interesse dos estudos atuais. Diversas

investigações enfatizaram os benefícios alcançados pela expressão musical

especialmente em relação à socialização do idoso e à melhora de sua auto-

estima.

Souza (2005) aponta o seguinte questionamento sobre o tema:

Aprender música seria apenas uma questão social ( interação, intergeracionalidade etc.) e psicológica ( auto-estima, auto- eficácia etc.) ou tal aprendizado poderia proporcionar ao idoso modificações neurofisiológicas importantes na conquista de uma velhice bem-sucedida? (SOUZA, 2005)17.

E, em seguida, a autora trata de responder ao questionamento acima,

mostrando de que modo a música poderia contribuir para uma velhice bem-

sucedida:

A educação musical com idosos é recente e o caminho a percorrer bem extenso, mas não há dúvidas de que, seja pela manutenção e intensificação das funções cognitivas, seja pela reorganização plástica cerebral ou pelos aspectos sociais e psicológicos, grande pode ser a contribuição da música para uma velhice bem-sucedida

17

Disponível em :www.unati.uerj.br/tse/scielo.php. Acesso em: 22 jan.2008.

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40

e com qualidade de vida, objetivo de tantos indivíduos atualmente.(SOUZA, 2005)18.

Luz e Silveira (2006) concordam com idéia corrente de que, entre os

projetos educacionais realizados com pessoas idosas, as atividades musicais

contribuem qualitativamente para a auto-satisfação, o prazer e principalmente para

o resgate da auto-estima.

Após analisar os desafios e conquistas do trabalho de educação musical na

terceira idade, eles concluem:

Os resultados harmoniosos surgidos com a integração dos elementos sonoros das atividades com sons corporais permitem iniciar um processo de “revisão” do paradigma do que é música e então, resgatar a motivação do idoso em relação à possibilidade de se alfabetizar na Linguagem Musical. Com o desenvolvimento das atividades, a visão “a priori” de que aprender música é impossível aos velhos, vai-se transformando e a idéia de que se alfabetizar na Linguagem Sonora é possível em qualquer idade, transforma-se numa realidade. Assim, podemos afirmar que com a prática e a compreensão da Linguagem Musical, o mito da impossibilidade perde a força e cede espaço à uma nova percepção a possibilidade, concreta, do idoso aprender Música. (LUZ ; SILVEIRA, 2006,p 11).

No argumento de Willems (apud LUZ ; SILVEIRA, 2006) constata-se os

muitos resultados relacionados aos benefícios decorrentes dessa aprendizagem

para o desenvolvimento do ser humano.

A música (...) enriquece o ser humano pelo poder do som e do ritmo, pelas virtudes próprias da melodia e da harmonia; eleva o nível cultural pela nobre beleza que emana das obras-primas; dá consolação e alegria ao ouvinte, ao executante e ao compositor. A música favorece o impulso da vida interior e apela para as principais faculdades humanas: vontade, sensibilidades, amor, inteligência e imaginação criadora. Por isso, a música é encarada

18 Disponível em: www.unati.uerj.br/tse/scielo.php. Acesso em: 22 jan.2008.

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41

quase unanimemente como um fator cultural indispensável. (WILLEMS apud LUZ ; SILVEIRA, 2006, p.2).

Para Rowe e Kahn (apud SOUZA, 2005), o envelhecimento é um processo

pelo qual vários fatores “permitem aos indivíduos continuar a funcionar

efetivamente, tanto física quanto mentalmente”. Segundo Souza (2005), os idosos

que vivenciam um envelhecimento bem-sucedido apresentam comportamentos

tais como: “engajar-se na vida, evitar doenças e manter em alto padrão as funções

física e cognitiva”. (SOUZA, 2005)19.

Nos próximos capítulos, investigaremos de que modo os cinco idosos

pesquisados têm experimentado, em suas trajetórias de vida e principalmente nos

últimos anos, os benefícios da música, com destaque para os benefícios

experimentados por eles nos aspectos sociais, cognitivos e emocionais.

Impulsionados pela oportunidade de tocar e divulgar o chorinho, eles passaram,

cada vez mais, a interagir socialmente, desfrutando da intergeracionalidade,

preservando a auto-estima e a auto-eficácia. Vivem, desse modo, uma velhice

bem-sucedida, ou seja, enfrentam as dificuldades e usufruem das oportunidades

que surgem. Para aprofundar esse tema, contaremos com as contribuições da

teoria do curso de vida e da teoria social cognitiva, abordadas no capítulo 2.

19

Disponível em: www.unati.uerj.br/tse/scielo.php. Acesso em: 22 jan.2008.

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42

CAPÍTULO 2: APORTE TEÓRICO

2. Considerações gerais

Os idosos pesquisados tiveram contato com a música durante sua infância,

porém, foi durante o envelhecimento e por meio de um contínuo processo de

aprendizagem que eles puderam desenvolver essa habilidade. Envelhecimento e

aprendizagem, vale ressaltar, são alguns conceitos-chaves que nortearam este

trabalho, sendo que não obrigatoriamente o primeiro exclui ou reduz a

possibilidade do outro. Afinal, o aprender é atemporal, como bem lembram

Simson, Néri e Cachioni (2005):

A educação é um processo contínuo vivido pelo ser humano ao longo de toda a vida (...) A medida que amadurece, o leque de influências biológicas, psicológicas, sociais e culturais torna-se cada vez mais amplo e aumenta a possibilidade de auto-educação do ser humano. Nem a criança nem o adulto, por menos letrado e por menos intelectualmente sofisticado que este seja, são um papel em branco. (...) Lembrar esses princípios é reafirmar a fé na possibilidade de progresso dos indivíduos de todas as idades, dos grupos sociais e da sociedade por intermédio da educação. (SIMSON ; NÉRI ; CACHIONI, 2005, p. 29).

Esta contínua capacidade de aprender inspirou, na década de 70, o

psicopedagogo Pierre Vellas20, da Universidade de Toulouse-França, a criar as

primeiras faculdades abertas à terceira idade. A proposta era oferecer à população

idosa cursos de atualização, com duração de um a três anos, em áreas diversas,

tais como direito, economia e saúde. O modelo de Vellas não demorou a ser

adotado em outras universidades e centros de ensino, e teve, entre tantos méritos,

o de dar uma conotação mais otimista ao aprendizado e ao envelhecimento.

20

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u824.shtml. Acesso em: 18

abr.2007.

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43

As contribuições de Vellas somaram-se a outras, que ajudaram a plantar as

primeiras sementes para a mudança de pensamento sobre o papel do idoso na

sociedade. É o caso das teorias que incluem o envelhecimento como parte do

desenvolvimento humano. Como exemplos, temos a Teoria do Curso de Vida,

proposta por Baltes, Reese e Lisitt (1980), e a Teoria Sócio-Cognitiva, de Bandura,

da qual faz parte o conceito de auto-eficácia.

2.1. Teoria do Curso da Vida

A teoria do curso da vida do inglês, life span foi proposta por Paul B. Baltes

e tem servido de base para grande parte dos atuais estudos sobre o

envelhecimento. Ainda em construção, tornou-se o modelo mais influente na

Psicologia do Envelhecimento.

Essa teoria afirma que envelhecer é um processo de múltiplas facetas e

aspectos, devendo ser considerado não exclusivamente sob o ponto de vista

biológico o que, durante muito tempo, foi uma tendência de pensamento mas

também sob os prismas psicológico e social. Ao pensarmos sob essa lógica, pode-

se afirmar que o envelhecimento tem início tão logo o indivíduo nasce, prolonga-se

por todas as etapas de sua vida a infância, a adolescência, a juventude, a

maturidade e a velhice e vai se encerrar apenas com a morte.

De acordo com essa teoria, o envelhecimento também pode ocorrer em

ritmos e modos distintos para um indivíduo ou outro. E quando os personagens

são separados por contextos diferentes, tais diferenças tornam-se ainda mais

evidentes. Afinal, como destacamos acima, múltiplos fatores e aspectos são

considerados nesse processo.

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Em função de tais colocações, Settersten (2003) aponta que o curso da

vida equivale a:

[...] todos os eventos, descontínuos e contínuos que compõem a trajetória exposta da vida de um indivíduo. (...) É de alta complexidade, portanto, dirige-se aos quatro segmentos: fenômenos temporais, individuais, sociais e culturais. (SETTERSTEN, 2003, p.269 – tradução nossa)21.

Por conseguinte é preciso lembrar que as pessoas com 60 anos e mais são

produto do que foram antes. Se não houver entendimento do que foram, não há

possibilidade de entender o que são. Também é importante notar que o

desenvolvimento humano é constantemente esculpido no contexto social.

Influenciado, em menor ou maior grau, pela família, pares e grupos de amigos,

escolas, vizinhos, organizações de trabalho, instituições e serviços de saúde,

programas e políticas sociais, eventos históricos e períodos de mudanças sociais

e ainda pela cultura predominante na qual vivem os indivíduos. Nesse caso, e por

se tratar de pesquisas de campo, ressaltamos que é preciso estar atento às

dinâmicas do grupo de idosos estudado e, sincronicamente, perceber de maneira

clara, o espaço-tempo, no qual seus integrantes estão inseridos.

Com base nesse propósito e a fim de nortear a presente investigação,

foram selecionados cinco princípios gerais, derivados de pesquisas sobre o

comportamento humano de Elder et al, :

[...] o princípio do desenvolvimento e da extensão da vida, que compreende o desenvolvimento humano e o envelhecimento como processos de vida; o princípio do agente, segundo o qual os

21

Cf. original: “Many of the cardinal principles of the life-course framework reveal its complexity. First, the life

course is exactly that: all of the events, discontinuities, and continuities that make up the unfolding trajectory of

an individual’s life. At the same time, lives are also to be understood in a context that embraces higher order

phenomena, namely society and culture.(…)…To simplify, the life course as a scientific construct must address

the following four issues; temporal, individual, socio-cultural, and complex phenomena”.

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indivíduos constroem suas vidas por meio das escolhas que fazem e/ou de acordo com as oportunidades ou obrigações que emergem dentro de circunstâncias históricas e sociais; o princípio do tempo e do espaço, que afirma que o curso de vida é forjado pelos períodos da história e dos lugares onde se realizam as experiências dessa;o princípio do tempo, que engloba os antecedentes e as conseqüências das transições, eventos e padrões culturais, os quais, por sua vez, variam de acordo com o tempo vivido;e, por fim, o princípio de vidas atreladas, ou seja, de vidas que são vividas na interdependência e das influências sócio-históricas expressas por meio desta rede de relações divididas. (ELDER et al, 2003,p.52).

No caso do grupo Chorando Baixinho, investigado nesta pesquisa, também

foram considerados o significado da velhice para esses indivíduos, grupos e

sociedades e como as experiências na idade mais avançada podem estar

atreladas a outras, igualmente significantes.

Alguns aspectos são exemplificados por Settersen (2003) as experiências

relacionadas à idade são condicionadas à corte e aos parâmetros demográficos

(especialmente morbidade, mortalidade e fertilidade); como as experiências na

idade mais avançada estão atreladas a outras igualmente significantes; como as

experiências relacionadas à idade variam dentre os indivíduos no decorrer do

tempo, por meio dos coortes, sexo, raças, segmentos e classes sociais, entre

gerações nas famílias, nações e culturas; como as experiências relacionadas à

idade são produtos de ações individuais e coletivas (agente humano) e do lugar

dos indivíduos e grupos na sociedade (estrutura civil); como as experiências

relacionadas à idade são forjadas por situações sociais próximas e distantes,

incluindo famílias, pares, grupos de amigos, escolas, vizinhança, organizações

onde se trabalha, serviços e instituições de saúde, programas e políticas sociais,

eventos históricos e mudanças sociais e culturas.

Por fim, não podemos deixar de considerar que a vida tardia é um

composto dos indivíduos, de múltiplas passagens interdependentes, dos

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precursores mais próximos e mais distantes, das conseqüências de experiências

que determinaram estas passagens e dos processos e mecanismos que

conduziram a estas conexões.

Bassit (2000) faz o seguinte registro sobre esse aspecto do curso da vida:

[...] o estudo sobre o curso da vida vem se movimentando de uma tendência que divide o estudo do desenvolvimento humano em estágios descontínuos para um firme reconhecimento de qualquer ponto do curso da vida e precisa ser analisado dinamicamente, como conseqüência das experiências passadas e das expectativas futuras e de uma integração entre os limites do contexto social e cultural correspondente. (BASSIT, 2000, p.218).

A teoria do curso da vida afirma ainda que, sendo uma fase do

desenvolvimento humano, o envelhecimento não deve ser associado a perdas e

incapacidades. Em vez disso, faz-se necessário entendê-lo como um processo

repleto de possibilidades de ganhos por aqueles que o experimentam. Tal

compreensão, entretanto, esbarra nos muitos estigmas negativos associados à

velhice assim como no despreparo de muitas sociedades no que diz respeito à

inserção social do idoso. Como observa a psicóloga Silva (2000):

Embora o envelhecimento seja acompanhado de uma série de adversidades, a pior delas é o despojamento social. Ser idoso, na nossa sociedade é sobreviver sem projeto e se submeter às burocracias das instituições. É preciso que o indivíduo tenha projetos que não envelheçam, é preciso sedimentar uma cultura positiva da velhice. (SILVA, 2000)22.

No caso dos idosos estudados, as habilidades musicais que esses

desenvolveram e conquistaram não só representam uma aprendizagem, mas

22

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722000000100005.

Acesso em: 16 mar.2008.

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47

também suas próprias histórias de vida, suas dedicações, o acúmulo de saberes e

a forma como traduzem seus sentimentos e histórias.

Ou como observam Corrêa e Lopes (2004):

A música deve ser considerada como uma linguagem de expressão, colaborando no desenvolvimento de processos de aquisição de conhecimentos, sensibilidade, criatividade, sociabilidade e gosto artístico. Este momento criativo, onde o descobrir processos, pesquisar sons, combinar ritmos, melodias e harmonia, transforma-se em prazer e satisfação. (CORRÊA ; LOPES, 2004).23

2.2. Teoria Social Cognitiva

A Teoria Social Cognitiva, elaborada por Albert Bandura24, se baseia no

determinismo recíproco para explicar o funcionamento humano, afirmando que o

comportamento, os fatores sociais e o ambiente se influenciam mutuamente (Em

conseqüência, “a determinação comportamental é probabilística, já que a maior

parte do comportamento é co-determinado por muitos fatores que operam

interativamente” (AZZI ; POLYDORO, 2006, p 17).

A partir da observação do comportamento humano em interação social,

Bandura postula que os indivíduos aprendem observando, ou seja, aprendem

vendo um modelo que lhes serve de exemplo. Dessa maneira, cada um acumula

seus aprendizados conforme interage com o meio em que vive. Em outras

23

Disponível em: http://www.cinted.ufrgs.br/renote/nov2004/artigos/a5_criatividade_musical.pdf. Acesso em:

20 mar.2008. 24

Albert Bandura nasceu a 04 de dezembro de 1925, na província de Alberta, ao norte do Canadá.

Doutorando-se pela Universidade de Iowa, integrou-se ao corpo docente de Stanford e criou a Teoria Social

Cognitiva.

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palavras, os indivíduos relacionam-se com o mundo de acordo com suas próprias

histórias de vida.

Na aprendizagem por observação, o indivíduo que está no papel de

observador adquire novos padrões de resposta que, até então, não faziam parte

do seu repertório comportamental. Bandura (1979) nomeia esse processo de

aprendizagem por imitação, considerando-a sinônimo da aprendizagem por

observação. Segundo o autor, expressões como modelação, imitação,

aprendizagem vicária, aprendizagem por observação, identificação, cópia,

facilitação social, contágio, desempenho e papel são, de certa forma, sinônimos e,

portanto, se referem à mesma dinâmica de aprendizagem.

A história do senhor Jairo, o mais velho integrante do grupo Chorando

Baixinho, ilustra bem o modo como se processa a aprendizagem por observação.

Numa das entrevistas, ele revelou que aprendeu a tocar cavaquinho ainda na

infância, apenas observando as posições dos dedos no instrumento tocado por

sua irmã mais velha. Essa aprendizagem ficou cartografada até o momento em

que ele pôde resgatá-la por ocasião da aposentadoria. A partir daí, o senhor Jairo,

já aposentado, lançou mão de suas habilidades musicais, o que culminou com a

oportunidade de participar da formação do grupo de chorinho.

Bandura observa ainda que diversas aprendizagens podem ocorrer

indiretamente e lembra que o condicionamento é cognitivamente mediado. A

ênfase de sua teoria está nas pessoas como agentes ativos, nas origens sociais

do comportamento, nos processos cognitivos (pensamento), no comportamento

como sendo específico para cada situação, na pesquisa sistemática, na

aprendizagem de padrões complexos e na ausência de recompensas.

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As vivências e o legado de experiências que os indivíduos acumulam no

curso de suas vidas estão diretamente relacionados à aprendizagem. Em paralelo,

também influenciam para onde se inclinará a atenção de cada um. Segundo

Bandura (1979), no caso específico da aprendizagem observacional, também

chamada de modelagem, que acontece a partir da observação do comportamento

alheio, quatro elementos são determinantes para que ela ocorra:

atenção,retenção, produção e motivação.

Para haver aprendizagem, primeiramente é necessário observar com

interesse os elementos significativos de determinado comportamento. É o que o

autor chama de atenção. Em seguida, nosso sistema cognitivo irá armazenar os

dados relativos àquele comportamento, seja através de imagens mentais e/ou de

representações verbais. Esta é a etapa da retenção. A partir daí, o conhecimento

recém-adquirido é traduzido sob a forma de ação. Nesse momento, diferentes

capacidades e habilidades são requeridas para que esse seja colocado em prática

– é quando ocorre a produção. Por fim, surge a motivação, que está relacionada

tanto às expectativas positivas quanto aos benefícios gerados por um dado

comportamento. Esses dois fatores podem aumentar as probabilidades de colocar

em prática o que foi aprendido.

A modelagem pode gerar três efeitos: o aprendizado de novos

comportamentos (efeito modelador), a diminuição ou aumento de comportamentos

anteriormente aprendidos (efeito inibitório ou desinibitório) e facilitar a ocorrência

de respostas aprendidas pela observação de outros (efeito de discriminação de

resposta).

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50

2.3. Auto-eficácia

Outro conceito significativo inserido na Teoria Social Cognitiva elaborada

por Albert Bandura é o da auto-eficácia, que se refere à percepção, às crenças e à

capacidade de avaliação de uma pessoa a fim de realizar as suas habilidades,

dentro de certo domínio, e para organizar e exercitar os recursos de modo a

administrar as situações com vistas ao futuro.

Bandura defende que o indivíduo que se percebe capaz de realizar uma

determinada tarefa faz maior esforço para executá-la, tem maior motivação para

concluí-la e persevera mais tempo na sua realização do que a pessoa com baixa

auto-eficácia. O autor defende, assim, que o nível de confiança do indivíduo em

suas habilidades é um forte motivador e regulador de seus comportamentos.

Ao analisar a meta-memória e auto-eficácia, Bandura coloca que esse

último conceito “foi desenvolvido para se referir à auto-estima ou ao valor próprio,

à sensação ou ao sentimento da pessoa em tratar dos problemas de sua vida”.

De fato, as pessoas com a auto-eficácia elevada possuem, segundo Bandura,

uma percepção positiva de si mesmas, são mais perseverantes e tendem a

conseguir seus objetivos.

No caso da meta-memória, essa pode ser compreendida como as atitudes

e crenças de um indivíduo a respeito de sua própria capacidade de memorizar. e

Néri e Yassuda (2005) lembram que, nos estudos recentes, uma hipótese que

vem ganhando espaço é a de que o desenvolvimento do idoso em determinadas

tarefas – e, em termos mais gerais, sua auto-eficácia – poderia ser prejudicado

dependendo da opinião que este elaborou a respeito de sua capacidade

mnemônica.

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Segundo as autoras:

Alterações particulares na meta-memória do idoso, como crenças mais negativas sobre a memória (Ex.: achar que o envelhecimento envolve perdas irreversíveis na memória) podem influenciar importantes variáveis moduladoras do desempenho, tais como esforço despendido, motivação e o uso de estratégias. Apesar do número de artigos publicados sobre este tema ser ainda limitado, algumas pesquisas sugerem que as crenças do memorizador podem influenciar a maneira como a tarefa é realizada, assim como o desempenho final. (NERI ; YASSUDA, 2005, p. 79).

Quando se trata de pessoas com baixa auto-eficácia, essas sentem-se

impotentes e supõem exercerem pouca influência sobre as situações que as

afetam. Tendem a ser menos bem sucedidas, o que acaba por reforçar as

percepções sobre si mesmas. Assim, a observação de modelos que exibem um

bom desempenho fortalece a auto-eficácia do sujeito. Por outro lado, ver modelos

que apenas obtêm fracassos pode reduzir o sentimento de auto-eficácia.

A auto-eficácia identifica-se também com a expectativa, com o sentimento

do sujeito em relação à sua capacidade e competência para lidar com a vida e

alcançar o que aspira por meio do seu esforço pessoal. Faz-se necessário

ultrapassar barreiras, contornar problemas e enfrentá-los, pois a superação de

obstáculos reforça a auto-eficácia e os fracassos reduzem este sentimento.

Em vários países, inclusive no Brasil, não faltam exemplos de

pesquisadores e médicos que têm se mobilizado a fim de romper as barreiras que

impedem ou dificultam o desenvolvimento da auto-eficácia em idosos. O médico e

pesquisador em saúde pública Alexandre Kalache (1987), tem se dedicado a essa

tarefa e ao projeto de envelhecer melhorando a vida dos idosos. Ele lembra que

apenas 20% a 25% dos motivos que levam a uma velhice bem-sucedida se devem

a fatores hereditários ou genéticos.

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O que determina o sucesso na velhice são o ambiente e o estilo de vida

aliados a outros três fatores de personalidade, também considerados essenciais:

otimismo, auto-eficácia e auto-estima.

Ser otimista por natureza é importante. Ter auto-eficácia também, ou seja, essas são aquelas pessoas que conseguem comandar bem os próprios recursos pode-se ter poucos, mas deve-se usar com eficácia aquilo que se tem, inclusive a saúde. E uma boa auto-estima, se querer bem. De alguma forma esses três fatores refletem no futuro e talvez sejam a chave para entender os determinantes sociais de saúde. Se alguém foi sempre maltratado pela sociedade, essa pessoa não terá auto-eficácia e muito menos auto-estima. Ser otimista nessa situação é duro. E isso acaba por influir não só no número de anos que se vai viver, mas também na forma e na qualidade de vida que se terá. (VERAS ; RAMOS ; KALACHE, 1987).

Sob essa lógica, pode-se dizer que, quando mantemos nosso padrão de

desempenho na vida, estamos mostrando o quanto auto-eficazes somos. Porém,

quando fracassamos na manutenção desse padrão, a auto-eficácia fica reduzida e

até extinta. Assim, as pessoas com baixa auto-eficácia se sentem desamparadas,

incapazes de exercerem o controle sobre os eventos da vida; acham que não têm

controle sobre os reforços, que não lograrão êxito, mesmo que tentem.

Desenvolvem uma descrença na sua capacidade de enfrentamento, minando suas

esperanças e, assim, tornam-se desistentes diante dos insucessos que encontram

pela vida. Schultz e Schultz (2002) sintetizam bem essa questão ao afirmar que a

baixa auto-eficácia pode destruir a motivação, diminuir aspirações, interferir na

capacidade de afetar a saúde física de maneira adversa.

O professor adjunto IV do Departamento de Cirurgia da CCS da Universidade

Federal da Paraíba, Roberto Cavalcanti (1999)25 coloca que os adultos vivem a

realidade do dia-a-dia. Portanto, estão propensos a aprender algo que contribua

25 Disponível em: http://www.rau-tu.unicamp.br/nou-rau/ead/document/?view=2 . Acesso em: 01 dez.2007.

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para suas atividades profissionais ou para resolver problemas reais. O mesmo

ocorre quando novas habilidades, valores e atitudes estão conectados a situações

da vida real.

Mussolini, Claudia (2007) observa que a presença da auto-eficácia na

velhice aparece como um forte indício do envelhecimento ativo e da longevidade:

[...] saber superar adversidades determina o nível de adaptação às mudanças e às crises do processo de envelhecimento. Homens e mulheres que se preparam para a velhice e se adaptam a mudanças fazem um melhor ajuste em sua vida depois dos 60 anos (MUSSOLINI, 2002, p.27).

Esse desafio de superação, oportunizado pela longevidade, promoveu a

realização dos sonhos e expectativas dos idosos que compõem o conjunto de

chorinho pesquisado. A paixão pela música e a musicalidade permaneceram

latentes ao longo de suas vidas. Não por acaso, todos os integrantes afirmaram,

na pesquisa de campo, que haviam tido, no passado, algum contato com este

gênero musical, embora a oportunidade de mergulhar nessa experiência só

tivesse surgido na maturidade, após a aposentadoria. Antes disso, eles cumpriram

seus papeis sociais, trabalharam, casaram, criaram filhos e, com o advento da

aposentadoria, foram em busca de uma fórmula para resgatar as habilidades

musicais latentes. A fórmula encontrada foi a de aprender para se aprimorar.

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CAPÍTULO 3: VIDA DE CHORÂO: UMA CARTOGRAFIA IMPRESSA PELAS

HABILIDADES

3. Narrativas individuais

“A música é infinita, o músico nasce, morre e não aprende a tocar”

Edvaldo

O impacto da música na vida dos cinco idosos do grupo Chorando Baixinho

e as transformações que o aprendizado musical desencadeou em seu modo de

experimentar e perceber o mundo foram percebidos a partir de uma série de

“sinais” que se tornaram evidentes durante as entrevistas e observações

realizadas ao longo da pesquisa de campo. Entre esses indicativos, podemos

destacar o aumento do sentimento de auto-eficácia, o resgate da auto-estima

motivado pela oportunidade de ocupar um novo papel social e de se tornar

produtivo e a ampliação das interações sociais, muitas vezes, seguida por uma

melhoria na qualidade dos relacionamentos, tudo isso culminando com uma nova

percepção do futuro.

Esses idosos, até então, não faziam planos futuros e, muitas vezes, a

simples menção dessa questão poderia suscitar sentimentos de desânimo,

depreciação e incapacidade. Entretanto, com a retomada do aprendizado musical,

o futuro tornou-se repleto de possibilidades. Hoje eles planejam se aprimorar cada

vez mais, conquistar o reconhecimento do público, lançar um CD, tocar com

músicos famosos, entre tantos outros sonhos.

A seguir, analisaremos os benefícios e transformações que a experiência

da musicalidade trouxe para vida desses cinco homens, tomando como referência

suas narrativas individuais e as teorias que têm servido de base a essa pesquisa.

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3.1. Retomada de um aprendizado: um exemplo

A teoria do curso da vida pode ser resumida e ilustrada de muitas maneiras.

No caso dos chorões pesquisados, evidencia-se quando percebemos o caminho

que eles trilharam com o intuito de aprimorar seus conhecimentos e desenvolver

suas habilidades musicais até terem a oportunidade de expressá-las por meio da

criação de um conjunto musical.

No primeiro capítulo, notamos como se deu, para cada um dos cinco

idosos, seu primeiro contato com um instrumento musical, ainda na infância,

seguido, pelas dúvidas experimentadas por eles, quando, em determinado

momento de suas trajetórias, tiveram de ponderar entre a opção de se dedicar à

carreira de instrumentistas e a necessidade de seguir profissões paralelas que

lhes garantissem o sustento. Para alguns, esse abandono de um sonho poderia

resultar numa certa melancolia ou mesmo frustração. Mas, no caso deles, o

resultado foi exatamente o oposto, visto que, durante a velhice, experimentaram

uma redescoberta da música.

Com a retomada do aprendizado musical a partir do ingresso na terceira

idade e a participação no grupo Chorando Baixinho, os cinco idosos passaram a

exercer um novo papel social e ajudaram a derrubar alguns estigmas associados à

terceira idade. Tornam-se indivíduos ativos e realizados. No entanto, para que isso

ocorresse, houve um somatório de eventos, experiências e escolhas, alguns

partilhados por todo o grupo e outros exclusivos de cada integrante.

São muitas as variáveis que se unem de modo a determinar o curso de uma

vida. As circunstâncias, os lugares, a cultura, as pré-concepções, a história, os

papéis sociais e até mesmo outras vidas vão podem influenciar o desenvolvimento

individual. A trajetória do senhor Jairo ajuda a ilustrar essas dinâmicas e

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influências. Aos 13 anos, ele conta que teve uma grande chance de se aperfeiçoar

como músico, porém deixou de lado a oportunidade. Essa pausa, no entanto, não

impediu que Jairo, mais tarde, retomasse seu aprendizado e resgatasse as

memórias, experiências e habilidades musicais cartografadas na adolescência.

“Em 1945, quando eu tinha 13 anos, meu pai foi vítima de um câncer no fígado e veio a falecer. Ele tinha 59 anos. Foi uma época sofrida para a família. Quando a gente perde o pai, começa a se sentir responsável pelo nosso futuro. Foi o que aconteceu”.

Após fazer essa reflexão, Jairo se desvia da música e segue em busca de

emprego. Mais tarde, no entanto, ele retoma seu aprendizado musical, como

revela no trecho abaixo:

“Vinte e um anos depois, ou seja, em 1968, eu fui convidado para um churrasco. Lá encontrei um rapaz com um violão, tocando bossa nova. Naquele momento senti que havia algo guardado no meu interior. É como se a música estivesse adormecida dentro de mim e acabasse de acordar. (...) Na semana seguinte, me matriculei numa escola de música”.

Neste ponto ocorre outra mudança. Jairo adia, por uma segunda vez, o

sonho de ser instrumentista. Desta vez, a justificativa para tal escolha não está

mais nas obrigações impostas a ele, mas no sentimento de auto-eficácia que,

àquela época, parecia um tanto reduzido.

“Apesar de ter me matriculado no curso de música, uma coisa ainda me incomodava. É que, àquela altura, eu já tinha 36 anos, com dois filhos, em véspera do terceiro, e os alunos eram todos jovens, garotões mesmo. (...) Resolvi deixar a escola. Pedi ao meu professor para me dar aulas em casa e ele aceitou. Bem, depois fiquei tocando sozinho em casa, mas não havia progresso”.

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Mais um ponto de transição emerge na passagem acima. Diante da falta de

progresso nas aulas solitárias, da não-continuidade das aulas particulares e do

abandono do curso de música por não se sentir à vontade com os colegas mais

jovens, Jairo poderia ter se deixado dominar pelo sentimento de baixa auto-

eficácia. Mas um determinado evento serviu de estopim para que ele mude sua

conduta e, conseqüentemente, sua vida.

“Um domingo pela manhã encontrei Aquiles Siqueira....Toquei cerca de cinco anos com ele... Eu aprendi bastante e adquiri base para enfrentar outras aventuras”.

A citação acima é emblemática. De maneira sucinta, mas nem por isso

menos significativa, nesta parte de seu depoimento, Jairo deixa claro que foram o

apoio, as lições e o incentivo de um músico mais experiente que contribuíram para

que ele superasse a insegurança e retomasse seu aprendizado musical a partir do

ponto onde havia interrompido.

3.2. A conquista do reconhecimento

O convite para as apresentações semanais no Bar Balacobaco foi

mencionado, durante as entrevistas, como uma das principais conquistas dos

cinco idosos que compõem o Chorando Baixinho. A partir daí, vieram outras, como

o reconhecimento do público e a gravação de um CD que leva o nome do grupo.

Durante os dois anos dedicados a esta pesquisa, observou-se o constante

crescimento e aprimoramento do grupo e de cada um dos seus integrantes. O Bar

Balacobaco cresceu e projetou-se no cenário cultural da cidade. Em

conseqüência, os músicos foram, pouco a pouco, conquistando a admiração, tanto

de outros instrumentistas quanto do público, pelo seu profissionalismo, talento e

habilidades.

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Outra conquista constantemente mencionada por eles foi a gravação do CD

Chorando Baixinho, que compila várias músicas interpretadas pelo grupo. O

lançamento estava previsto para 2007, mas foi adiado para 2008, de modo a que

todas as exigências envolvendo os direitos autorais das músicas apresentadas

pudessem ser cumpridas de acordo com a legislação vigente. A conclusão desse

projeto foi bastante aguardada por todos e, na opinião do senhor Edu Batista,

tratou-se de um sonho conquistado em seu devido seu tempo. Quando indagado

sobre suas expectativas de vida, ele as resumiu numa frase: “Gravar um CD”. E,

em seguida, comentou:

“O choro vai crescer aqui em Vitória. Não é o crescimento como adubo ou como uma terra fértil. É um crescimento numa terra normal, que está crescendo mesmo, no seu tempo, naturalmente”.

O reconhecimento é percebido de maneira única por cada um dos

integrantes do Chorando Baixinho e tem reforçado sentimentos como o de auto-

estima e auto-eficácia. Isso fica evidente na entrevista com o senhor Aylton. Ao

avaliar sua atuação como instrumentista, ele se denomina um “copiador”. O adjetivo

empregado, à primeira vista, poderia soar depreciativo, mas Aylton explica que ser

um “copiador” é reproduzir as músicas com perfeição.

“Eu sou um copiador, eu não sou músico. Aqui no Espírito Santo, todo mundo sabe, tem um dos maiores violonistas, Maurício de Oliveira. Ele me viu tocando, viu que eu estava tocando certinho e me chamou pra tocar com ele. Toquei durante cinco anos no Regional dele”.

O senhor Edu é outro que se orgulha de sua capacidade de tocar chorinho:

“Tiro de ouvido. Ouço a música e tiro de ouvido”, conta o instrumentista, num claro

exemplo de auto-eficácia determinando a confiança do indivíduo.

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O trecho a seguir também evidencia como este idoso retomou sua auto-

estima e como percebe suas habilidades em relação a de outros músicos. Ele diz:

“Hoje eu toco com qualquer violonista. Toquei no Rio com o Dinho, que é o maior violonista do país. Toquei com o Damásio. Esse pessoal ligava pra cá e logo me chamava para eu tocar com eles. Então eu tenho capacidade pra isso, porque esses caras são feras. (...) Hoje, um dos maiores bandolinistas do Brasil se chama Hamilton de Hollanda. Ele tocou aqui com a gente, mas ele não gosta mais de choro do que eu. O que ele faz no bandolim não é brincadeira!! É um negócio”.

O relato do senhor Aylton ecoa o mesmo sentimento de auto-eficácia

demonstrado por seus colegas, sentimento esse que é reforçado pela apreciação

de seu trabalho por parte do público e de outros músicos. Na passagem a seguir,

também fica evidente que, para ele, o aprendizado é um processo contínuo,

marcado pela persistência diante dos desafios e por uma constante vontade de

evoluir.

“Nós tocamos no Carlos Gomes, e ele me disse: “Vamos tocar uma valsa do Jacob do Bandolim, que é inédita, uma valsa bonita, difícil. Fui pra casa, ensaiei, ensaiei e tocamos nós dois a valsa. O público ficou em pé nos aplaudindo. (...) Eu gosto de tocar em teatro, porque lá as pessoas apreciam o que a gente ta fazendo e isso me deixa muito feliz. (...) Mas eu acho que devo estudar. (...) Todos eles que começaram a tocar depois passaram a estudar”.

As questões financeiras, por exemplo, se os músicos são remunerados e

quanto recebem por cada apresentação, também foram indagadas durante a

pesquisa de campo. Sobre esse aspecto, o dono do bar Balacobaco, Flávio Lima

Correia26, explicou: “Eles são prestadores de serviço e o cachê é uma média do

26

Flávio Lima Correia, 45 anos, casado, comerciante, proprietário do Bar Balacobaco, onde o grupo

Chorando Baixinho se apresenta.

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“couvert” artístico. Pago ao grupo trezentos e sessenta reais por sábado. São

sessenta reais cada um”.

Vale ressaltar que, em seus depoimentos, os cinco idosos não fizeram

nenhum tipo de referência a questões financeiras. Preocupações de ordem

econômica só eram abordadas quando eles relatavam experiências anteriores à

terceira idade, ou seja, quando se referiam aos períodos durante os quais, para se

sustentar, dependiam de um emprego formal. A ausência desse tipo de

informação pode ser mais um indicativo de que a principal motivação desses

músicos não é de ordem econômica. Em vez do lucro, eles estão buscando,

prioritariamente, a realização pessoal assim como o aprendizado, a auto-

superação e o reconhecimento.

3.3. Um gosto novo de viver

Durante as entrevistas com o grupo de chorões, todos fizeram questão de

ressaltar o quanto a música tornou-se uma atividade significativa em suas vidas. Os

cinco idosos afirmaram nutrir, pelo ritmo que aprenderam, sentimentos como

admiração, amor e paixão e, várias vezes, ressaltaram o quanto a experiência de

tocar no grupo Chorando Baixinho foi transformadora para todos eles. Na colocação

do senhor Aylton:

“Eu amo a música. A música me fez e me faz tanto bem, me fez ser uma pessoa melhor. Por causa dela deixei de beber, deixei de fumar. E ainda as amizades que fiz e toquei com grandes músicos. (...) Eu adoro o choro. Se tiver um negócio que diga “Você vai ficar um mês assistindo choro”, eu sento lá e fico. Porque eu gosto de choro, é um negócio lindo de morrer! (...) Eu continuo porque não existe nada que me faça deixar de tocar choro, ou de gostar”.

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A exemplo do colega acima, Edu Batista também diz ter vivenciado várias

mudanças positivas em sua vida e especialmente no relacionamento com as

outras pessoas desde que passou a se dedicar, com mais afinco, à atividade

musical.

“Fiz muitas e boas amizades através da música. Essa minha transformação é social. Existem pessoas que não se dão conta disso, as pessoas tem de ter limites, humildade e respeito, vezes a gente tá num determinado lugar tocando e recebendo os aplausos e de repente diante da gente tem alguém que toca muito mais que a gente aplaudindo. Já pensou se nós somos aplaudidos por alguém que sabe mais de música do que nós temos que ser humildes, já pensou se temos arrogância. Aprendemos a lidar com o outro”.

Quando indagado sobre a importância da música em suas vidas, Geraldo,

por sua vez, comenta:

“As amizades são muitas, pessoas maravilhosas. A música, como eu estava falando, atrai muitas coisas boas pra gente. Atrai felicidade, boas amizades. Isso não tem como não atrair, atrai mesmo. Eu tenho vários amigos através da música”.

As declarações acima – nas quais os idosos se percebem e se afirmam

como indivíduos produtivos, talentosos, capazes de aprender uma arte e dignos de

obter o reconhecimento do público demonstram uma oposição ao estigma vigente

na sociedade atual, que tem colocado as pessoas mais velhas nas posições de

improdutividade e incapacidade. Sobre esse tema, Mercadante (2003) afirma:

O modelo social de velho, as qualidades a ele atribuídas são estigmatizadoras e contrapostas às atribuídas aos jovens. Assim sendo, qualidades como atividade, produtividade, memória, beleza e força são características e presentes no corpo dos indivíduos jovens e as qualidades opostas a estas presentes no corpo dos idosos. (MERCADANTE, 2003, p. 56).

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3.4. Sob um outro olhar

O senhor Flávio, dono do bar Balacobaco, também foi entrevistado sobre

algumas questões relacionadas, por exemplo, à atuação do grupo Chorando

Baixinho e ao modo como o público tem reagido ao trabalho dos cinco idosos. Em

vários momentos, ele tece elogios ao profissionalismo dos cinco idosos, como

vemos a seguir:

“[...] temos mais de quarenta funcionários. Muitos deles chegam atrasados ou faltam sem motivos justificáveis. Com o pessoal do “Chorando Baixinho” isso nunca aconteceu. Se não podem vir, avisam com antecedência. Nas vezes em que não compareceram é porque foram tocar em outro evento. Nesses três anos sempre cumpriram com sua responsabilidade [...]”.

O depoimento do senhor Flávio se harmoniza com a citação de Simson,

Neri e Cachioni (2006), quando esses mencionam as contribuições sociais e

econômicas dos idosos por meio de trabalhos voluntários ou remunerados,

realizados na iniciativa privada ou em ONGs, por exemplo:

Ao contrário dos estereótipos, os velhos são eficientes em atividades remuneradas: uma rede francesa de supermercados verificou que faltam menos no trabalho e são mais motivados do que os mais jovens. Os idosos contribuem para reduzir as tensões internas nas empresas porque são mais tolerantes e mais experientes. São fundamentais à conservação e a transmissão dos legados culturais. Aproveitar esse potencial tem um preço: o governo precisa estimular a velhice saudável, pois, senão, no futuro, teremos longas filas nos hospital público. ( SIMSON ; NERI; CACHIONI, 2006, p.42).

Aos olhos do senhor Flávio, que continuamente tem observado a reação do

público ao trabalho dos idosos com o chorinho, essa questão não passou

despercebida.

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Ele a coloca de maneira clara sob sua avaliação econômico-social:

“O Balacobaco, quando começou, era voltado para um público mais jovem.Vimos que não era um bom negócio. Eles não consumiam, a casa ficava cheia, resultando em um faturamento abaixo do esperado. Percebemos também que essa população mais jovem não se identificou com a casa. Um dia, conversando com os amigos do meu pai, eles disseram: “Você poderia colocar o chorinho aqui”. Achei a idéia realmente boa. Lembrei que já havíamos tido um bar chamado Castanheira, nos idos dos anos 80, e todas as quintas-feiras era o dia do choro. Então, resolvi colocar aqui no Balacobaco, também às quintas-feiras, e repetir o que acontecia lá no Castanheira”.

A decisão do entrevistado, revelada no trecho acima, também é um

exemplo de auto-eficácia, na medida em que esse procurou transformar um bar

noturno em uma referência nacional para o choro e, ao mesmo tempo, abrir

oportunidade para que os músicos idosos mostrassem seu talento. Ele diz:

“Assim fiz. Coloquei o chorinho na quinta-feira e começou a dar certo. O público começou a mudar para o pessoal mais velho. Nisso, acrescentei mais um dia, coloquei o chorinho também no sábado. Ganhamos mais um dia, ficando quinta, sexta e sábado. Esse é o nosso formato hoje. O Chorando Baixinho ficou no sábado. Com todas essas investidas e dedicação, minha preferência pelo choro se consolidou”.

O perfil dos freqüentadores da casa noturna Balacobaco somado ao talento

do grupo de chorinho foram os dois fatores responsáveis por delinear o sucesso

pessoal e empresarial de todos os envolvidos neste processo. Essa parceria

permitiu que o Balacobaco se tornasse um lugar freqüentado por pessoas de

todas as idades.

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Mérito esse que está diretamente associado à dedicação dos cinco idosos

integrantes do Chorando Baixinho, como bem ressalta o senhor Flávio:

“Temos uma proposta interna aqui no Balacobaco que é vender momentos felizes, e tenho certeza que aqui essas pessoas levam um momento feliz pra casa e que conseguimos entregar o produto certo. Ao mesmo tempo em que tem senhoras, tem uma turma de idosos, todos se divertindo. Existe um lugar para cada um, jovens e idosos”.

Os depoimentos do senhor Flávio ainda revelaram detalhes importantes a

respeito do relacionamento entre esse e o grupo, entre os integrantes do

Chorando Baixinho e, especialmente, sobre como o público tem respondido ao

trabalho dos idosos que, a cada ano, ocupam mais espaço no circuito do choro da

cidade de Vitória:

“Tenho uma relação ótima. Chamo todos pelo primeiro nome, trato de igual para igual. Algumas coisas que não gosto falo. Já tive atritos profissionais, o que é normal. Sentamos para conversar e resolvemos como profissionais. Algumas pessoas me dizem que acham legal os velhinhos tocando. Respondo: “Eles são feras!”.

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CAPÍTULO 4: O DISCURSO NO CURSO DA VIDA

4. O tempo se apressa

Mas atrás de mim sempre ouço A carruagem alada do tempo que se apressa, chegando

perto. E lá antes de nós ficam Os desertos da vasta eternidade.

Andrew Marvell (1621 -1678)27

A vida segue seu curso. Os músicos que participaram deste trabalho

entenderam a mensagem apressada do tempo e transformaram seus sonhos

distantes em realidades eminentes, sabendo aproveitar a concordância do

contexto social e do envelhecimento. Alguns deram seus primeiros passos para as

realizações pessoais após a aposentadoria, por volta dos 50 anos, e hoje, aos 80,

somam mais de três décadas dedicadas ao exercício de sua maior habilidade, a

música. Se o conceito de seus pensamentos fosse submetido aos mitos do

envelhecimento, não teria plena realização no curso de suas vidas. Settersten

(2003, p. 2) cita que o curso da vida apresenta o envelhecimento como seu

período mais longo, portanto, os desafios que envolvem esse momento são de

alta complexidade e associados ao tempo e aos contextos social, físico e mental.

A longevidade permitirá, ao curso da vida, ações anteriormente reprimidas

pela baixa expectativa de vida bem como resultados satisfatórios para um

27

Cf. Original: Andrew Marvell (1621 – 1678):

“To His Coy Mistress

But at my back alwaies hear

Times winged Chariot hurrying near:

And yonder all before us lye

Desarts of vast Eternity”

Tradução: Prof. Dr.Steven Engler. Professor convidado do Programa de Ciências da Religião, PUCSP, 2007.

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envelhecimento ativo que se faz companheiro das contínuas mudanças

biopsicosociais. Durante a narrativa do senhor Flávio, vimos que este teceu

elogios ao profissionalismo individual do grupo.

O proprietário do Bar Balacobaco reforça esse pensamento ao afirmar:

“Ficou explícito que (...) depois que começamos a apresentar o chorinho com o grupo Chorando Baixinho e o Carne de Gato, aqui no Balacobaco, houve um aumento significativo de casas e vários bares, que também colocaram o chorinho. De certa forma, fizemos esse mercado crescer”.

Podemos testemunhar o presente da longevidade e de um envelhecimento

ativo coroando esses músicos com a produção de um CD. Sonho que se realiza

com o reconhecimento da qualidade profissional de cada um deles, proporcionado

pelo senhor Flávio.

De acordo com Settersten (2003 p. 127) os conceitos, os princípios e os

métodos do curso da vida estendem-se ao tópico do lazer. O autor explica o curso

da vida em três segmentos: instrução-trabalho-lazer, sendo que as estruturas

desses segmentos são determinadas umas pelos outras. Ele considera o lazer

relevante para identidades e experiências, mostrando como esta relevância muda

o tempo excedente e como os deslocamentos em contextos sociais alteram a

natureza das oportunidades do lazer. O autor ainda destaca diversas tendências

que mostram o lazer com um papel maior nas vidas das pessoas mais velhas,

levando a ganhos na expectativa de vida, melhorias na saúde e mudanças na

economia. O nexo entre o lazer e o envelhecimento é “uma zona de interpretação

crítica” (SETTERSTEN, 2003 p. 128). Nela, o indivíduo se avalia e se expressa, e

as atividades de lazer são meios preliminares para criar e sustentar o significado

de uma vida mais longívoga.

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Essa citação, que aborda a importância do lazer na longevidade, guia-nos

pela importância da realização das habilidades. Os músicos do Chorando Baixinho

expressam a felicidade na realização de suas habilidades, deixando claro em suas

entrevistas que a música é mais do que uma atividade (trabalho), é também um

lazer, que permite deixar os problemas de lado. Dona Lita, esposa do senhor

Jairo, faz a seguinte observação quando entrevistada:

“De repente, ele está com problemas, sai pra tocar e esquece. Sei que ele volta melhor. Passamos por momentos difíceis e sem a música teria sido muito difícil. Ele se diverte, encontra os amigos e relaxa”.

Edvaldo, por sua, vez diz:

Hoje, aposentado, fico só na noite. Graças a Deus, tive a oportunidade de conseguir me aposentar e viver do que gosto. A música é para mim, hoje, um hobby. Eu adoro tocar. (...) Na realidade, além de ser hobby, a gente descansa tocando. Você vê que, quando estamos tocando, a gente viaja.

O curso da vida e a longevidade estudam idéias focalizadas em contextos

de mudança e nas suas conseqüências para o desenvolvimento e o

envelhecimento humano. O curso individual da vida é estruturado por influências

sociais e por escolhas da vida.

Toda a mudança na maneira com a qual os povos vivem afeta seu

desenvolvimento. Assim, eles são sujeitos às mudanças, tanto dos caminhos

estabelecidos como nos locais de trabalho e nas comunidades.

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4.1. O curso da vida e o aprendizado

Os senhores chorões aqui pesquisados se mantêm através da música.

Interagindo socialmente, desfrutam da intergeracionalidade, preservam a auto-

estima e a auto-eficácia. Eles vivem uma velhice bem-sucedida, enfrentando as

dificuldades e as facilidades da rotina.

A complexidade dos fatores que envolvem o processo do envelhecimento

excede as mudanças físicas. Passa pelo modo como pensamos o

envelhecimento, incluindo conexões entre a mente e o corpo, a cultura na qual

estamos inseridos e os preconceitos, muitas vezes, sustentados pelos próprios

idosos.

Em relação ao aprendizado no envelhecimento, vimos, no início desta

dissertação, que se dissemina o estigma de que o idoso não aprende mais. Essa

idéia segue como sendo fator impeditivo do respeito, do entendimento e do crédito

sobre o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem do idoso. No entanto, o

aprender no envelhecimento conta com um aliado eficiente: o curso da vida.

Vimos, anteriormente que, na década de 70, o psicopedagogo Pierre Vellas,

da Universidade de Toulouse-França, criou as primeiras Faculdades Abertas a

Terceira Idade, fato esse que contribui para uma mudança na visão de mundo e

dando uma conotação mais otimista para o aprendizado e o envelhecimento. Esse

foi, como já ressaltamos, o primeiro passo para a mudança de pensamento sobre

o papel do idoso na sociedade.

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Várias teorias analisam a aprendizagem e, para entendermos um pouco

sobre elas, resgataremos três abordagens psicológicas28: a Teoria Sócio-

enteracionista de Lev Seminov Vigotsky, a Teoria Humanista de Carl Rogers e a

teoria sócio-cognitiva de AIbert Bandura.

Essas abordagens foram escolhidas devido ao seu interesse pela

aprendizagem e pelo fato de colocarem a pessoa e sua história de vida como o foco

central das investigações. Após esta compreensão, seguiremos com base na teoria

social-cognitiva, de Albert Bandura.

Iniciaremos por Vigotsky, que deixou vários conceitos, sendo dois deles de

especial importância para o processo ensino-aprendizagem: a internalização e a

Zona de Desenvolvimento Proximal.

Na internalização, o conhecimento se dá por dentro, sob as influências

sociais. Tudo o que é observado é próprio do que se viu e ouviu, recriando e

conservando o que se passa ao seu redor pela vivência entre os sujeitos do mesmo

grupo cultural. Dessa forma, o desenvolvimento ocorre em função da

aprendizagem.

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) fala acerca do

potencial de capacidade que a criança possui, do que a separa do nível de

capacidade que é observável por meio de seu desempenho e de sua capacidade

28

Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) nasceu em Orsha, Bielorussia. Professor e pesquisador foi

contemporâneo de Piaget, descoberto nos meios acadêmicos ocidentais depois da sua morte, causada por

tuberculose aos 37 anos. Pensador importante foi pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das

crianças ocorre em função das interações sociais (e condições de vida). Carl Ransom Rogers nasceu no dia 8 de

janeiro de 1902, em Oak Park, Chicago, Estados Unidos. Criou a Teoria Rogeriana ou Humanista. Sua premissa

fundamental é o pressuposto de que as pessoas usam sua experiência para se definir.

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latente. Vigotsky, porém, ressalta a importância de que esses processos sejam

internalizados pela criança.

Em sintonia com este pensamento, é que o autor reitera a não-equivalência

entre aprendizagem e desenvolvimento. Para ele, a aprendizagem torna-se

desenvolvimento mental, sendo um aspecto universal e necessário ao processo de

desenvolvimento, é culturalmente organizada e é especificamente humana,

pertencendo às funções psicológicas.

Segundo Fernanda Capelo (2000)29, dois conceitos desenvolvidos por

Rogers são considerados fundamentais para a compreensão de sua teoria. O

primeiro é a Tendência Atualizante e o segundo é Aprendizagem Significativa.

A Tendência Atualizante permite a consonância entre a experiência vivida e

a sua simbolização. Quando não há consonância, a pessoa entra em estado de

incongruência, ou seja, gera-se um desequilíbrio entre a experiência real e a

simbólica, o que se traduz num comportamento desajustado, conduzindo a

estados de ansiedade, angústia e depressão, os quais, por sua vez, afetam a

personalidade e o seu respectivo desenvolvimento.

Rogers et al (1998) citado por Capelo em seu artigo Aprendizagem

Centrada na Pessoa: Contribuição para a compreensão do modelo educativo

proposto por Carl Rogers (2000) definiram o conceito de Tendência Atualizante

com a seguinte proposição:

Todo o organismo é movido por uma tendência inerente a desenvolver todas as suas potencialidades e a desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. [...] A tendência atualizante não visa somente [...] a manutenção das

29

Disponível em: http://encontroacp.psc.br/aprendizagem.htm. Acesso em: 10 mar.2008.

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condições elementares de subsistência como as necessidades de ar, alimentação, etc. Ela preside, igualmente, atividades mais complexas e mais evoluídas tais como: a diferenciação crescente dos órgãos e funções; a revalorização do ser por meio de aprendizagens de ordem intelectual, social, prática [...]. (CAPELO, 2000)30.

A aprendizagem significativa acontece quando o assunto serve a propósitos

próprios. O indivíduo aprende quando percebe que aquilo que é aprendido é

relevante dentro de sua percepção de si mesmo.

As pessoas aprendem quando mudam sua realidade ou quando

transformam, de alguma maneira, seu posicionamento perante a vida. Este é o

caminho para se tornarem sujeitos do seu destino.

A Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura centra-se na observação do

comportamento humano em interação social. Postula que as pessoas aprendem

observando ou aprendem vendo um modelo de exemplo. Afirma que cada pessoa

se relaciona com o mundo conforme sua história de vida e aprende conforme sua

interação com o meio em que vive.

4.2. Aprendizagem por observação

A aprendizagem por observação seria o aprendizado através do qual o

observador adquire novos padrões de resposta que não faziam parte de seu

repertório comportamental. Bandura (1979, p.69) apresenta aprendizagem por

imitação da mesma maneira que aprendizagem por observação, sendo sinônimos:

modelo ação, aprendizagem vicária, identificação, cópia, facilitação social,

contágio, desempenho e papel.

30

Disponível em: http://www.encontroacp.psc.br/aprendizagem.htm. Acesso em: 10 mar.2008.

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72

Durante esta dissertação, utilizamos o termo aprendizagem por observação,

pois entendemos que este é o termo que mais se aproxima dos processos de

aprendizado encontrados em nosso grupo de pesquisa.

Em uma de nossas entrevistas, observamos claramente que o senhor Jairo,

na infância, aprendeu a tocar cavaquinho observando as posições dos dedos no

cavaquinho tocado por sua irmã mais velha. Essa aprendizagem ficou cartografada

até o momento em que a aposentadoria possibilitou resgatá-la, aprimorá-la até

chegar à formação do grupo de chorinho.

A observação de modelos, que exibem um bom desempenho, fortalece a

auto-eficácia31 do sujeito. Ao contrário, ver modelos que apenas obtêm fracassos

pode reduzir o sentimento de auto-eficácia.

A auto-eficácia identifica-se com a expectativa, com o sentimento do sujeito

em relação à sua capacidade e competência para lidar com a vida e alcançar o

que aspira, pelo seu esforço pessoal. Faz-se necessário ultrapassar barreiras,

contornar problemas e enfrentá-los, pois a superação de obstáculos reforça a

auto-eficácia e os fracassos reduzem este sentimento.

Quando mantemos nosso padrão de desempenho na vida, estamos

mostrando o quanto auto-eficazes somos. Porém, quando fracassamos na

manutenção desse padrão, a auto-eficácia fica reduzida e até extinta. Assim, as

pessoas com baixa auto-eficácia se sentem desamparadas, incapazes de

exercerem o controle sobre os eventos da vida; acham que não têm controle sobre

os reforços, que não lograrão êxito, mesmo que tentem. Desenvolvem uma

descrença na sua capacidade de enfrentamento que mina suas esperanças e,

31

Auto-eficácia refere-se a nosso sentimento de adequação, eficácia e competência para enfrentarmos a vida.

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assim, tornam-se desistentes diante dos insucessos que encontram pela vida. De

acordo com Schultz e Schultz (2002):

A baixa auto-eficácia pode destruir a motivação, diminuir aspirações, interferir na capacidade de afetar a saúde física de maneira adversa. (SCHULTZ ; SCHULTZ, 2002, p.397).

Cavalcanti (1999)32 em seu artigo Andragogia: a aprendizagem nos adultos,

coloca que os adultos vivem a realidade do dia-a-dia. Portanto, estão sempre

propensos a aprender algo que contribua para suas atividades profissionais ou para

resolver problemas reais. O mesmo é verdade quando novas habilidades, valores e

atitudes estiverem conectados a situações da vida real.

Nosso cérebro, por meio de suas conexões sinápticas33, nos possibilita

pensar, raciocinar, lembrar, sentir emoções e vivenciar experiências. A maioria

dessas atribuições está sempre presente nas teorias que abordam principalmente

o processo de desenvolvimento infantil. Mas muitos idosos, mesmo sem participar

de um programa de educação para adultos como a Faculdade Aberta a Terceira

Idade, ou sem pertencer a um grupo de vivência, conseguem se superar e expor à

sociedade suas habilidades.

Esse desafio de superação, oportunizado pela longevidade, promoveu a

realização dos sonhos e expectativas do grupo de idosos que compõe o conjunto

de chorinho o qual é analisado nessa pesquisa. A paixão pela música e a

musicalidade permaneceram latentes ao longo de suas vidas.

32

Disponível em: http://www.rau-tu.unicamp.br/nou-rau/ead/document/?view=2 . Acesso em: 01 dez.2007. 33

Sinapse é o nome dado à região de comunicação entre dois neurônios (neuro-neural) ou entre um neurônio e

uma fibra muscular (neuro-muscular). Disponível em:

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/biologia/biologia_animal/sistema_nervoso/sist_ner

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74

A realização deste trabalho foi possível graças ao esforço que esses

senhores músicos fizeram para aprender, aprimorar e inserir suas habilidades no

contexto social. Suas memórias, histórias e trajetórias mostram que a

aprendizagem precisa ser contínua para ultrapassar as fronteiras do tempo e do

espaço. Assim, se Perpetuar ao longo de toda a vida e fortalecer, dessa maneira,

o potencial interno do indivíduo. As pessoas devem estar sempre abertas para

fatos novos, para mudanças, de modo a evitar que o tédio, o ócio e o medo isolem

o idoso do convívio social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta desta pesquisa foi investigar as experiências musicais de um

grupo de cinco idosos, cartografadas por eles nos anos de infância e resgatadas

na velhice, a partir do momento em que ingressam na aposentadoria. O intuito era

demonstrar que, apesar de afastados da atividade musical ao longo da vida, suas

experiências infantis nessa área foram tão marcantes que puderam ser reeditadas

com maior impacto e significado, o que gera realizações pessoais e permite a eles

uma velhice bem-sucedida.

A hipótese levantada foi a de que tais vivências, sendo geradoras de

realizações pessoais, promoveram entre os indivíduos estudados a busca por

novas aprendizagens e novos desafios a partir da velhice. Para esclarecer essa

questão, observei o grupo de idosos em suas apresentações, com o grupo musical

Chorando Baixinho, pela cidade de Vitória (ES) e, posteriormente, contatei-os para

que me autorizassem a pesquisá-los por meio das entrevistas sobre suas

trajetórias de vida.

Nos relatos dos cinco idosos, ficou evidente a importância da música em

suas trajetórias de vida, especialmente na velhice. A partir do momento em que

eles retomaram um antigo hobby, reaprenderam habilidades aparentemente

esquecidas e passaram a dedicar seu tempo ao constante aperfeiçoamento como

instrumentistas, seu modo de lidar com o envelhecimento e os próprios estigmas

que tinham em relação ao seu papel de idosos se transformaram positivamente.

Além disso, as experiências inscritas e cartografadas não ficaram perdidas para

esses senhores. Ao contrário: elas puderam se concretizar no envelhecimento.

O trabalho de campo trouxe, porém, algumas dificuldades. O principal

obstáculo foi o pouco prazo para a realização da investigação in loco e das

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entrevistas algo que se justifica por se tratar de uma pesquisa de mestrado, com

duração de dois anos. Teria sido oportuno ter entrevistado o grupo mais vezes,

mas isso não foi possível face às atividades de cada um, que preenchiam muito

suas rotinas. Diante disso, decidi focar a análise nas narrativas individuais muito

mais no aspecto individual do que no coletivo.

A pesquisa deixa claro que esses senhores possuem maior auto-estima e

uma velhice bem-sucedida. O exemplo deles também evidencia que, para

alcançar essas conquistas, nem sempre é necessário desenvolver novas

habilidades. No caso específico desses instrumentistas, os aprendizados e

habilidades que já estavam cartografados e carregados de significado cumpriram

o papel esperado de melhorar a auto-eficácia. Além disso, o aprendizado, quando

tem significado, se torna mais intenso e os indivíduos a ele se dedicam com maior

determinação.

O resultado da pesquisa me levou a constatar que as atuais pesquisas e

projetos que têm como foco o aprendizado na velhice poderiam dar mais

importância às habilidades que se perderam no curso da vida, tendo em vista que,

uma vez estimuladas, permitiriam que a auto-eficácia se desenvolvesse e a

velhice se tornasse bem-sucedida. Fica, portanto, a sugestão para as próximas

investigações sobre essa temática. Outra sugestão é a utilização, em estudos

futuros, de instrumentos de medida para verificar se a memória dos idosos que

resgataram essas habilidades está acima da daqueles que não as resgataram.

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