Pontifícia Universidade Católica de São Paulo · 2017. 2. 22. · PINHEIRO dos SANTOS, Tainã M....
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
TAINÃ MARIA PINHEIRO DOS SANTOS
OS TRABALHOS MANUAIS NO ANUÁRIO DO ENSINO DO ESTADO DE SÃO
PAULO E NA REVISTA DE ENSINO DA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DO
PROFESSORADO PÚBLICO DE SÃO PAULO
(1902-1920)
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
São Paulo
2012
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
TAINÃ MARIA PINHEIRO DOS SANTOS
OS TRABALHOS MANUAIS NO ANNUARIO DO ENSINO DO ESTADO DE
SÃO PAULO E NA REVISTA DE ENSINO DA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE
DO PROFESSORADO PÚBLICO DE SÃO PAULO
(1902-1920)
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação, no Programa de Educação:
História, Política, Sociedade, sob a
orientação do Prof. Dr. Kazumi Munakata
São Paulo
2012
Banca Examinadora ‘____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________
Para Maria e Evilásio (In Memoriam)
Para Cauê
Para Dinameres
Amor. Vida. Essência.
Para Aisha, o ser que esteve ao meu lado do começo ao
final deste trabalho. Pelo afeto da mais fidelíssima
companhia canina.
Agradecimentos
Ao meu orientador Professor Dr. Kazumi Munakata, pela parceria desde a
iniciação científica em 2007, pelo incentivo à pesquisa e saberes transmitidos com
competência e generosidade. Por toda a compreensão e paciência até o último momento
desse trabalho. Para além dos academicismos, o privilégio de sua amizade ímpar. Muito
Obrigada!
À Prof Dra. Circe M. F. Bittencourt, pelas aulas magistrais, por personificar
erudição e simpatia e pelos ricos apontamentos na qualificação. À Prof Dra. Vera Jardim
pelas valiosas argüições desde o Seminário de Educação dos Sentidos, e pelo privilégio
de sua atenta leitura e contribuições no exame de qualificação. Ao professor Dr. José
Geraldo Silveira Bueno, pelo estímulo à pesquisa, e especialmente pela oportunidade de
conviver na organização do IV Seminário com alguém de extrema generosidade, ética e
humor.
Aos queridos amigos de graduação: Marina Mello, Hilton Cassiano, Rosana Leite,
Gael Oliveira, Viliane Pinheiro, Thales Martins, Filipi Mendonça, Natália Leonardo,
Talita Grotti, Rafael Andrade. Em especial, à Joana B. de Faria, pela amizade tão fraterna
de todos os dias, desde o início da graduação até a empreitada da pós, compartilhando
todas as felicidades, angústias, dramas e alegrias plenas. Pelo acolhimento em todos os
sentidos sempre.
À Bianca Zucchi pelo carinho, compreensão, incentivo, ajuda. Pelos momentos
tão divertidos e pela amizade necessária em minha vida. Ao André Pirola, meu
agradecimento pleno pelo estímulo à pesquisa que se traduziu na maior ajuda nos estudos
que eu poderia ter tido para o ingresso no mestrado. Pela paciência, generosidade,
amizade tão terna e alegrias compartilhadas.
Às pessoas tão queridas que tive o privilégio de conhecer no Masp e com elas
aprender tanto: Ivani Di Grazia Costa, Eunice Sophia, Bárbara Bernardes, Erick Santos
de Jesus, Lucas Lyra, Miriam Lustosa, Romeu, Bruno, Zil, Dri, Renata, Inês Tari, Rita. A
todos, meu muito obrigada pelo carinho e apoio!
Ao Thiago Boim, amigo-irmão desde a adolescência e para toda a vida, a minha
gratidão sem tamanho por me guiar em seus passos na escolha pela história, por ter me
apresentado à iniciação científica, sem cujas direções indicadas, essa empreitada não
seria possível. À sua esposa Renata Boim e a João Boim ( a caminho!)
A Dalva, Diva , Paulo Andretta (e família Andretta), Viviane e Gerson, Alexandre
e Fabiana, Paulinho e Felipe.
À Dina, por ser a melhor mãe que eu poderia desejar. Pelo apoio suporte,
incentivo, dedicação e amor. Ao Cauê, irmão amado, divertido e corajoso para com seus
desejos. A quem sou extremamente grata pela convivência. Por ser ele.
Ao Clóvis Pereira, pelo amor, companheirismo, incentivo e apoio, tão essenciais.
Pela coragem, história, por ser quem é. Pelas experiências compartilhadas que fizeram e
fazem a vida valer, mais do que já pude sequer imaginar.
A Cecília, Camila, João, Damaris, Íris, por me acolherem com tanto carinho e
generosidade. Igualmente à Tereza, Otavio, Thais e Ivan.
À Betinha, pelo carinho, atenção e paciência com minhas trapalhadas!
A Rodolfo Calil, Priscila Ferrer, Claudia Malluhy, Marcia Takeuchi, Márcia Guerra
Álvaro Zago, Cida Cabral, Priscila Escanfella, Moacir Ribeiro, Paula M. Assis, Ellen
Rosante, Flavia Liba e à Katya Z. Braghini, pelo incentivo à pesquisa. À Cassi Ane
Pinheiro, Maíra Zanutto e Ana Carolina, irmãs que escolhi! Pela amizade tão doce e
fraterna, sem as quais eu não me imagino.
A Claudia, Eva, Carlos e Claudinei pelo carinho e incentivo. Às três meninas mais
lindas que tanto quero bem: Brenda Gaia, Samara e Yasmin pela companhia, amizade,
pelas risadas que tornam a vida tão boa!
Ao amado Leopoldo Dias Jr, pelo apoio, generosidade, amizade, viagens, e
diálogos impagáveis.
Ao meu pai, Benedito, pelo amor, por estar presente nas minhas melhores
lembranças de infância, pelos diálogos, por ter me transmitido tamanho gosto pela música!
À Bete e Sarinha.
Aos queridos amigos Iwao, Alice Neto, Eduardo Cabral, Arnaldo Thunder,
Carolina Clemente, Vanderlei Suita, Martin L. K. Oliveira, José Roberto Garcia, Antônio
de Pádua Pacheco, Robinson Bucci, Marcio Martins, Douglas Rocha, Inaê Luz, Leon e
Lucas Zoccarato, Marielen Luiz, Marina Azevedo; aos Bury’s:Ricardo, Sônia, Alexandre
e Marcela, Paula Togneri, Camila Oliveira, Vinicius e Larissa Tossi Paes, Bianca Cestari,
Nathália Lena, Alexandre Baquero Lima e Igor Suga.
Aos funcionários da Biblioteca da FE-USP, pelo atendimento tão zeloso e por
disponibilizarem o que me foi essencial nessa pesquisa: as fontes.
Ao CNPq, pela bolsa concedida.
PINHEIRO dos SANTOS, Tainã M. 2012. Os Trabalhos manuais no Annuário do
Ensino do Estado de São Paulo, e na Revista de Ensino da Associação Beneficente do
Professorado Paulista.(1902-1920) Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo:
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Orientação Professor Dr. Kazumi
Munakata.
Resumo
A proclamação da República no Brasil, em 1889, veio acompanhada de promessas de
nova era, de progresso, razão, ciência e civilização. A Educação, no discurso de muitos
republicanos, passou a ser considerada o principal promotor dessa nova era, pela
formação do “homem novo”. Em contraposição à Educação do período monárquico,
considerada “tradicional”, propuseram-se novos conhecimentos, novos métodos, novas
práticas escolares, inclusive as que valorizavam o trabalho e as atividades manuais.
Trabalhos manuais foram propostas para o desenvolvimento integral - físico moral e
intelectual. Essa pesquisa busca compreender essas propostas referentes ao ensino
primário, nos impressos: Revista de Ensino Beneficente do Professorado Público do
Estado de São Paulo , e, Annuário do Ensino do Estado de São Paulo, no período de 1902
até 1920, buscando compreender o discurso e as práticas sobre essas proposições
pedagógicas; as contradições enfrentadas, rupturas e permanências, até seu declínio.
Palavras-chaves: trabalhos manuais, impressos educacionais, Disciplinas escolares, Sloyd
educacional.
Abstract
The establishment of the Republic in Brazil in 1889 was accompanied by promises of a
new era of progress, reason, science and civilization. Education in the discourse of many
Republicans, has been considered the main promoter of this new era, the formation of the
“new man”. In contrast to the Education of the monarchic period, considered “traditional”,
set out new knowledge, new methods, new school practices, including those who valued
the work and manual training, which were proposed for the full development - physical
intellectual and moral. This research aims to understand the proposals relating to
elementary education, printed in: Revista de Ensino Beneficente do Professorado Público
do Estado de São Paulo, and Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, from 1902
until 1920, seeking to understand the discourse and the practices on these education
proposals, the contradictions faced, ruptures and continuities, until its decline.
Keywords: manual training, educational press, disciplines, educational Sloyd.
Sumário
Introdução ....................................................................................................................... 1
Justificativa do tema ................................................................................................ 4
Algumas considerações acerca do Ensino Profissional........................................... 7
A formação integral................................................................................................. 9
Arts and Crafts – O Romantismo como antecedente............................................. 13
Kerschensteiner: a escola do trabalho ................................................................... 14
Capítulo 1
A educação republicana: a instrução pública no Brasil e em São Paulo ................. 16
Circulação e apropriações do americanismo ......................................................... 19
Método intuitivo e educação dos sentidos............................................................. 22
Capítulo 2
Trabalhos manuais como disciplina escolar ............................................................... 26
Sloyd educacional.................................................................................................. 26
Os conteúdos das disciplinas de trabalhos manuais e de desenho......................... 29
Capítulo 3
Trabalhos manuais, segundo os periódicos ................................................................ 33
A Revista de Ensino .............................................................................................. 33
O Annuario do Ensino do Estado de São Paulo ................................................... 34
“Para desenvolver uma habilidade múltipla, a destreza geral desejada”............... 37
Formação do caráter, forças da intelligencia e qualidades moraes ....................... 40
Separação de gêneros ............................................................................................ 43
Em busca da utilidade e da simplicidade............................................................... 47
Professores: especialistas ou generalistas?............................................................ 51
Formação integral ou técnico-profissional? .......................................................... 54
Considerações finais
Desventuras e declínio dos trabalhos manuais ........................................................... 57
Referências bibliográficas ............................................................................................ 63
Fontes .................................................................................................................... 65
Introdução
O trabalho manual como forma de educação presente na escola, visando a
formação integral do homem, física e intelectual e moral, fez parte de projetos
formulados no cenário internacional e, posteriormente, nacional. A formação integral
pelo trabalho provém de uma série de ideais e movimentos que circularam nos séculos
XIX e XX, como movimento estético social intitulado Arts and Crafts, e mais
precisamente o chamado sloyd educacional.
Sendo este um movimento denominado como estético e social, da segunda metade
do século XIX com bases na Inglaterra vitoriana. Este movimento defende o artesanato
criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa.
Esse movimento reuniu teóricos e artistas que buscavam revalorizar o trabalho
manual e recuperar a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente para uso
cotidiano. A expressão que leva o nome do movimento "artes e ofícios", deriva da
Sociedade para Exposições de Artes e Ofícios, onde nasce o movimento em 1888.
As ideias do crítico de arte John Ruskin, do medievalista Augustus W. Northmore
Pugin e do poeta William Morris são fundamentais para a consolidação da base teórica do
movimento. Na vasta produção desses que são expoentes do movimento, observa-se uma
tentativa de combinar esteticismo e reforma social, relacionando arte à vida diária do
povo.
As ideias nostálgicas sobre o passado medieval diante das criações modernas têm
impacto sobre esses homens, que fazem elogios aos padrões artesanais e a um modo de
vida quase medieval. William Morris, que além de poeta e escritor militava a favor do
socialismo, tenta combinar as teses de Ruskin às de Marx, na defesa de uma arte "feita
pelo povo e para o povo"; a ideia é que o operário se torne artista e possa conferir valor
estético ao trabalho desqualificado da indústria. Com Morris, o conceito de belas-artes é
2
rechaçado em nome do ideal que privilegia as artes e os ofícios que vêm do povo e serve
a ele.
A apropriação desse pensamento pela educação pode ser vista na Escola
Profissional Masculina da Capital, estudada por Sandra Machado Lunardi Marques (2003)
no recorte temporal de 1911 a 1934. Aprígio Gonzaga, diretor e professor da referida
escola, trabalha com as ideias do movimento estético e social e isso se evidencia também
no currículo escolar, em que o desenho ocupa o lugar de disciplina fundamental para a
educação e desenvolvimento das habilidades manuais e visuais. Assim, com as aptidões
necessárias, o aluno é capaz de produzir um objeto bem trabalhado, o que nesse sentido
significa trabalho consciente, com as devidas implicações dos sentidos que não se
dissocia do intelecto.
Para Gonzaga o trabalho manual das escolas deveria se libertar do caráter
subalterno e integrar-se às demais disciplinas como parte do desenvolvimento físico,
moral e intelectual do aluno. Para ele era preciso dar ao aluno uma interpretação simples
de confecção dos modelos que necessitasse do mínimo emprego de ferramentas, o que
obriga o aluno a pensar, a descobrir, a tirar conseqüências e a resolver por si mesmo as
dificuldades imprevistas, o que custosamente é obtido com aqueles sistemas em que se
empregam ferramentas bem dispensáveis, que só trazem embaraços ao espírito
(MARQUES, 2003).
Segundo a tese de Marques (2003), Gonzaga conferiu grande importância ao
ensino de desenho, uma vez que, segundo ele, era o tipo de disciplina educativa que
poderia falar diretamente ao espírito por meio dos olhos e da mão. Preparando assim o
aprendiz para trabalhar com ferramentas, máquinas, e executar o que foi idealizado,
cumprindo rigorosamente as medidas métricas já trabalhadas em sua escala real no
desenho. Esse processo educacional ocorrido em diversos países e em São Paulo aplicado
escola Profissional Masculina dirigida por Gonzaga é denominado sloyd (ou slojd)
Aos trabalhos manuais como valor formativo se associam idéias sobre formação
integral, com bases na obra de Rousseau, Pestalozzi, Claparède assim como em ideais do
3
movimento arts and crafts. A formação integral diz respeito à forma de educar
estimulando os recursos dos sentidos. Cabe aqui esclarecer que os sentidos não possuem
apenas uma conotação biológica, são eles também produtos da história, uma vez que são
constituídos historicamente (JÜTTE, 2005). Tal que, a palavra visão é carregada de
significado biológico, conquanto a palavra olhar marca o traço histórico e cultural de seu
tempo. A educação integral, sobre a qual falamos adiante, não dissocia a educação do
corpo e sentidos da intelectual e moral.
Justificativa do tema
A pesquisa sobre propostas de trabalhos manuais que tem como finalidade a
formação do sujeito é escassa, pois está na contramão de projetos que de certa forma
ganharam mais espaço nas sociedades ao longo do tempo, possuindo também assim,
maior espaço, interesse e até mesmo, maior incentivo para sua pesquisa. Nesse sentido:
Não deveríamos ter como único critério de julgamento o fato de as ações
de um homem se justificarem, ou não, à luz da evolução posterior.
Afinal de contas, nós mesmos não estamos no final da evolução social.
Podemos descobrir, em algumas das causas perdidas do povo da
Revolução Industrial, percepções de males sociais que ainda estão por
curar. (THOMPSON, 1987, p. 13.)
Nesta pesquisa utilizamos os impressos: Revista de Ensino da Associação
Beneficente do Professorado Público de São Paulo, e no Annuario do Ensino do Estado
de São Paulo, para compreender historicamente como se deu a circulação e apropriação
das idéias sobre os trabalhos manuais; como eram representados, quais tipos de
atividades eram compreendidas e qual o significado dado a estes. Assim também,
procuramos compreender o que representou como disciplina, os (des)caminhos de um
projeto educacional que não obteve o alcance desejado por idealizadores em escolas
paulistas, e que todavia, angariou adeptos pensadores da cultura, alguns avessos à
industrialização e à padronização, que por sua vez buscaram alternativas às dificuldades
impostas por aquele fin-de-siècle (SCHORSKE, 1988), muitas vezes recorrendo ao novo
4
mundo da América, que por sua vez, encontrava-se bastante receptivo às novas
proposições.
Para isso, o período compreendido entre 1902 (fundação da Revista de Ensino) e
1920 (momento em que a Reforma Sampaio Dória reformula o ensino primário). Trata-se
de um período no qual os ideais republicanos abriam portas às idéias de outros lugares, e
especialmente no âmbito da educação, estavam concorrência e circulação.
É necessário lembrar que quando estudamos um objeto de pesquisa integrante de
um projeto tido como derrotado, estamos automaticamente comparando-o a um
determinado caso e o contraste muitas vezes se faz necessário. No entanto, também se faz
necessário destituirmos nosso objeto (no caso trabalhos manuais no ensino) dessa posição
e do mais comum referencial de comparação (no caso, escolas profissionais), mesmo que
apenas por algum instante, para assim, podermos lançar um outro olhar e outras
percepções em relação a ele. Nesse sentido, com apoio teórico em Roger Chartier,
interessa-nos compreender algumas das formas de circulação e apropriação das ideias
sobre o movimento arts and crafts em impressos no Brasil, em São Paulo.
A apropriação tal como a entendemos visa uma história social dos usos e
das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e
inscritos nas práticas específicas que os produzem. (CHARTIER, 2002,
p. 68.)
Assim, ao tomarmos o impresso não apenas pelo alcance do conteúdo visado, mas
ele próprio como um sistema de percepção, temos a possibilidade de melhor compreender
o lugar conferido aos trabalhos manuais e todo o pensamento que lhe foi suporte,
podendo assim verificar como se produziu o conhecimento sobre trabalhos manuais e
suas associações, na condição de projeto educacional.
Para Aprígio Gonzaga, possivelmente o principal expoente do movimento Arts
and Crafts e do Slodj em São Paulo, adotar o trabalho manual como forma de educação
não estava propriamente ligado à uma demanda de educação popular, mas sim ao projeto
de possibilitar a formação do homem integral para oriundos de qualquer classe social. No
5
entanto, não podemos perder de vista que este foi apenas dos lugares conferidos aos
trabalhos manuais, e que outras finalidades lhe foram atribuídas.
No que se refere aos trabalhos manuais no ensino primário, sabemos que os
conteúdos da escola primária foram redefinidos nas primeiras décadas republicanas em
função de novas finalidades atribuídas à educação popular. Entre esses conteúdos
estavam: ciências físicas e naturais, história, geografia, música, geometria, instrução
moral, educação física, desenho, instrução cívica, e trabalhos manuais. Em relação à
situação desses conteúdos na escola, Rosa Fátima Souza faz a seguinte consideração:
(...) A ampliação e modernização dos programas acompanharam a
renovação didático-pedagógica e administrativa do ensino primário, a
expansão gradativa e contínua desse nível escolar levada a cabo pelos
republicanos em vários estados brasileiros e mantiveram essa relativa
estabilidade até meados do século XX. (SOUZA, 2008, p.20)
Assim sendo, desenho, trabalhos manuais eram, entre outros conteúdos,
considerados úteis à vida moderna e a instrução popular acompanhando um movimento
internacional e ao mesmo tempo, adquirindo em cada lugar conotações próprias,
moldadas pelas diferentes realidades. Dessa maneira, é possível localizar o ensino do
Desenho subsidiado pelos princípios do método intuitivo, uma vez que tal prática visa
educar os olhos e as mãos, possuindo um caráter prático vinculado às artes e à indústria e
ofícios, defendido por Buisson da seguinte maneira:
(...) ele serve ao pedreiro e ao carpinteiro antes de servir ao arquiteto;
serve ao marceneiro e ao forjador, ao serralheiro, ao aplanador, ao
fabricante de carroças, à bordadeira e à rendeira, ao tapeceiro, ao
jornaleiro, ao jardineiro, a todos os operários de profissão antes de servir
ao escultor e ao pintor; e o conde de Laborde já dizia na Exposição
Universal de Londres, em 1851, que todo o homem deveria aprender o
desenho juntamente com a escrita, sendo ela mesma uma espécie de
exercício de desenho. (BUISSON, 1875, apud SOUZA, 2008, p.30).
6
Esse excerto de Buisson escolhido por Souza é bastante emblemático a respeito de
um posicionamento que atribui grande importância às possibilidades utilitárias das
atividades manuais (nesse caso o desenho), uma vez que para o autor os eles servem antes
aos ofícios e depois às artes.
Há ainda a questão dos trabalhos manuais frente às disciplinas escolares e
currículo. Tomando como base André Chervel (1990), é fundamental compreender as
disciplinas escolares a partir de uma perspectiva histórica, e nesse caso, se apresenta
como demanda decifrar a trama do que se escrevia e do que se lia sobre a integração dos
trabalhos manuais no currículo, seus conteúdos explícitos e implícitos, métodos e
finalidades, sejam elas de ordem, econômica, social, política ou outros.
Partimos também da premissa de que segundo Ivor Goodson (1990), a seleção de
conteúdos, classificação, transmissão e avaliação refletem o poder e sua distribuição, bem
como as formas de controle social, ao selecionar o que deve e o que não deve ser
conhecimento de uma sociedade. Nesse ponto, a teoria do currículo nos é um importante
apoio, pois como já vimos, não basta apenas dizer que trabalhos manuais integravam a
educação, é necessário buscar nas entrelinhas das fontes documentais qual o tipo de
trabalho manual referido, com quais finalidades.
Algumas considerações acerca do Ensino Profissional
A segunda metade do século XIX foi marcada pelo progresso econômico
decorrente da cafeicultura, gerando o excedente empregado em diversos setores, ao
mesmo tempo, foi um período marcado por problemas decorrentes deste crescimento. A
organização do trabalho livre, a modernização da sociedade e a construção de uma
identidade nacional (SOUZA, 1998, p. 27) foram determinantes para compreender alguns
dos rumos dados ao país, em São Paulo, especialmente relacionados ao ensino
profissional no período republicano.
O fornecimento da mão-de-obra de imigrantes europeus, politicamente previsto
para o trabalho manufatureiro, apresentou ameaças de cunho ideológico para o operariado
7
brasileiro, posto que traziam consigo idéias anarquistas e socialistas. As conseqüências
foram, segundo Marques (2003), as greves que ocorreram em diversas categorias de
trabalho; uma média de seis greves por ano, em treze anos – de 1901 a 1914.
De acordo com Cunha (2000a, 2000b, 2000c), as iniciativas de criação e expansão
de escolas profissionais no final do século XIX e inicio do XX, seriam respostas ao
movimento operário e às greves por eles organizadas, assim como forma de constituir
mercado de trabalho no país. Tais iniciativas também são vistas como tentativas de
controlar a vadiagem, a mendicância, além, de ser a maneira de ensinar ao trabalhador
nacional o manuseio de determinadas máquinas, invertendo assim, a idéia inicial de que
trabalhar com o imigrante seria melhor do que com brasileiros.
Estes seriam alguns dos fatores importantes para se pensar o inicio do ensino
profissional, no entanto, segundo Zucchi (2007, p. 18) seria delicado apontar
precisamente uma relação de causa e efeito tão diretamente, entre o movimento operário
e a criação das escolas profissionais; principalmente pelo fato de que greves, seriam antes
um problema a ser resolvido pela polícia e não pela escola. 1
Em uma outra finalidade com meios assistencialistas desse ensino, Cunha aponta
as instituições criadas para oferecer o ensino profissional aos órfãos e desvalidos, que
deveriam acolher essas crianças, instruí-las em algum ofício, gerando mão-de-obra
especializada. Essa seria a causa do estigma atribuído ao ensino profissional, como
ensino para os “desvalidos”, além, claro, das atividades manuais estarem historicamente
ligadas a imagem do escravo, pelos serviços trabalhos braçais e manuais por eles
desempenhados.
Nesse ponto temos algum contraste com os trabalhos manuais, ao passo que,
segundo a documentação analisada, as atividades manuais baseadas em proposições
internacionais pedagógicas, dirige-se a todas as classes sociais em função de seu valor
1 “Vargas (2004), ao analisar as greves e movimentos operários nas duas primeiras décadas do século XX no estado de São Paulo e Rio de Janeiro, explicita a relação entre patrões e forças policias com o intuito de conter os movimentos operários. Assim, a diretriz repressiva proveniente do Estado era reforçada pelas trocas de favores e trocas monetárias entre patrões e policiais; portanto, quanto mais capitalizado o setor, maior a força opressiva contra seus operários.” (ZUCCHI, 2007, pp. 18-19.)
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formativo. No entanto, como veremos adiante, há documentos em que se comenta a
possibilidade de que, caso um aluno venha a ser “desvalido da fortuna” por desventura da
vida, o trabalho manual que teria inicialmente apenas valor formativo, poderia trazer
algum sustento.
Entendemos que o ensino profissional possui uma grande complexidade por ser
um projeto que congrega os mais diversos interesses e finalidades conforme suas
modalidades. A Escola Profissional Masculina da Capital (São Paulo), dirigida por
Aprígio Gonzaga, é um caso um pouco diferente de ensino profissional, muito por conta
das influências e apropriações de Gonzaga, como veremos adiante.
A formação integral
A formação integral concebida através do trabalho é contrária a uma tradição
segundo a qual o ofício manual é uma atividade menor, desvalorizada em relação à
intelectual, e, no caso deste, intimamente ligada às elites. Essa tradição das humanidades,
segundo Chervel e Compère (1999), também visava a formação integral, mas com base
no estudo dos textos clássicos, em especial em latim. Na educação francesa, ainda
segundo Chervel e Compère (1999), as humanidades predominaram por quatro séculos
constituindo o alicerce sólido da cultura francesa, estabelecendo padrões do bom gosto,
do senso crítico, do refinamento do espírito, da arte de se exprimir oralmente e por escrito
num estilo elegante. O ideal visado por essa formação, pode ser visto em diferentes
momentos da história, sob diferentes denominações – seria o cristão, do colégio de
jesuítas; o cidadão, no período das Luzes; o republicano, nos dos liceus. Esse ideal de
formação que além da educação retórica e estética valoriza igualmente a educação moral
e cívica.
Segundo Chervel e Compère (1999), as humanidades se apresentam como uma
educação do indivíduo, do espírito, da inteligência, da alma, e como educação liberal,
mantém distância da especialização uma vez que não possui preocupações imediatistas e
utilitárias, o que significa, uma marca da elite. Essa educação liberal visa, portanto,
9
preparar homens livres – de um trabalho especializado - para que possam com os
conhecimentos das humanidades, desde jovens, ascender ao nível mais alto da criação do
pensamento humano.
No caso de projetos educacionais como sloyd ou arts and crafts, a finalidade é a
mesma das humanidades tradicionais, ou seja, formar o ser humano integralmente, no
entanto, as vias para essa formação diferenciam-se de outras justamente por acreditar que
ao aliar as habilidades manuais às demais habilidades sensoriais e intelectuais, consegue-
se uma formação integral. Nessa formação não se dissocia o pensar do fazer, o intelecto e
as destrezas manuais estão unidos e, ao contrário da tradição das humanidades, este
projeto educacional destina-se a todos, independentemente de sua condição social.
Numa outra vertente, a crítica das humanidades é feita em nome da modernidade
e do progresso econômico e industrial, na qual também não se admite a associação do
trabalho intelectual ao manual. Para essa vertente, representada por Roberto Mange e
Roberto Simonsen, a formação integral realizada por Aprígio Gonzaga não interessava;
seria inútil gastar o tempo escolar com um trabalho de formação a longo prazo, uma vez
que entre as finalidades das instituições geridas por Mange e Simonsen (SENAI e SESI)
era a formação tornar mão de obra industrial.
Mesmo com as diferentes finalidades, os contrastastes são pertinentes para melhor
compreender as complexidades envolvidas nessas finalidades. Como analisa Weinstein
(2000,p.55), Mange, ao contrário de Aprígio Gonzaga:
(...) acreditava que os processos técnicos característicos da indústria
moderna estavam muito além do alcance do trabalhador médio, mesmo
dos que foram submetidos a um treinamento profissional intensivo. (...)
A capacitação profissional, argumentava Mange, deveria ser adequada
às necessidades da indústria e deveria desenvolver-se continuamente
para atender a essas necessidades sempre novas, segundo as
determinações de engenheiros e técnicos altamente qualificados. (...)
Apesar da importância que atribuía à capacitação profissional, Mange
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atribuía um papel limitado e subordinado ao operário especializado na
produção. (WEINSTEIN, 2000, p. 55.)
Mesmo que sendo o terceiro capítulo destinado à apresentação e análise
documental, consideramos que seria oportuno fazer uma pequena quebra de protocolo e
trazer à discussão da formação integral alguns excertos de um artigo da Revista de
Ensino2, do ano de 1905.
Os que se oppõem ainda hoje a pratica da instrucção integral e, por
conseguinte, ainda não conseguiram libertar-se de um velho prejuízo,
entendem que o ensino público deve ser assim distribuído: para o povo, a
instrucção primária consistindo em ler, escrever e contar; para os
candidatos as profissões liberaes, algumas noções sobre sciências e línguas,
as quaes denominam estudo de preparatório; para os que se destinam
áquellas profissões, estudos especiaes sobre este ou aquelle ramo de
conhecimentos, com a falsa denominação de instrucção superior.
Quando se objeta que o ensino deste modo proporcionando ao povo já não
corresponde as necessidades sociaes, tendo produzido um desequilíbrio
econômico que cada vez se accentua mais, pensa-se geralmente que em tal
conceito predomina a prevenção ou o espírito de rivalidade contra essa ou
aquela classe. (Revista de Ensino, 1906, n. 5, pp. 799-800.)
É interessante observar que o trecho acima, por se tratar de uma publicação feita
por e, para professores, além possuir como traço característico, um discurso inflamado e a
escrita algo livre de grandes formalidades, traz para a proposta de formação integral
impasses muito particulares do momento histórico do qual fala; o descontentamento com
os diferentes projetos para diferentes segmentos sociais que fazem acentuar rivalidades
sociais, está longe da proposta de educação integral, na qual como já vimos, todos os
alunos receberiam um mesmo ensino, e que ao contrário do que se poderia pensar, nessa
2 A Revista de Ensino é a publicação da Associação Beneficente do Professorado do Estado de São Paulo na qual reunia-se artigos sobre questões pedagógicas, discussão dos problemas referentes às condições docentes e sua possíveis soluções. A discussão desse impresso é feita no Capítulo 3.
11
concepção, isso seria justamente nivelar por cima, uma vez que aquele que não
trabalhasse as mãos, o olhar, o tato, perderia os grandes benefícios trazidos pela prática3.
Em continuidade, o texto continua questionando as conseqüências sociais ao
privilegiar o ensino superior e criar uma aristocracia intelectual completamente separada
das profissões manuais:
Nós, porém, os que encaramos esta questão do ensino público sob o ponto
de vista exclusivamente scientífico, desde há muito não nos preoccupamos
senão com as suas conseqüências sociaes (...) a custa de se consolidarem
certos conhecimentos profissionaes como superiores, consistiu-se uma
aristocracia intellectual a que todos querem pertencer, não recuando
mesmo ante inauditos sacrifícios e concorrendo, por outro lado, para que
sejam desconceituadas as profissões dos que se consagram aos trabalhos
agrícolas e manufactureiros. Conseqüência política: estando a direção do
paiz entregue a essa aristocracia, onde na mór parte dos casos se nos
depararam mediocridades formadas em sciencia superior, os mais
elevados interesses do povo- administrativos financeiros, constitucionaes,
commerciaes, agrícolas, etc. ficam á mercê da incompetência enfatuada e
da ignorância presumpçosa (...) a intolerável aristocracia do saber, que na
phrase de Stuart Mill degenerou em pedantocracia, há de ceder como de
facto já tem acontecido, o logar ao ensino integarl, que considera todos os
homens iguaes perante a sciencia e o desenvolvimento methodico das
faculdades do espírito, da intelligencia humana. O ensino integral é, além
disso, o correlativo do suffragio universal. Sem elle, a Republica só terá
poderes públicos constituídos por votos de funcionalismo ou apenas
tolerados por um povo que não vota. A verdadeira democracia consiste em
tornar a isntrucção popular compatível com o trabalho manual, que
dignifica e não colloca em plano inferior o trabalho intellectual. Ante a
equivalência das funções sociaes todas as profissões são egualmente
nobres; os privilégios não tem razão de ser. (Revista de Ensino,, 1906, n 5,
p. 800.)
3 Os benefícios e finalidades do trabalho manual, ver Capítulo 3.
12
Este artigo da Revista de Ensino é emblemático sobre a convivência de novas
idéias que remetem à construção do “homem novo”. Em termos gerais, a concepção de
formação integral em voga no final do século XIX concebia a formação completa do
indivíduo, que atingisse intelecto, corpo e alma. Desejando levar esse projeto à escola
para ministrar essa nova formação, e os trabalhos manuais como parte dessa formação,
quais seriam os conteúdos dentro dessa disciplina? Quais os trabalhos manuais
contemplariam essa finalidade e por quê? Essa é uma das questões que o presente estudo
procura responder.
Arts and Crafts – O Romantismo como antecedente
Foi fundada na Inglaterra em 1888, mais precisamente em Londres, a Arts and
Crafts Exhibition Society. Essa iniciativa ocorreu por parte de jovens membros da Royal
Academy que sentiam-se frustrados pela definição institucional de Artes, apenas no
sentido de belas artes, legando assim a arte decorativa a uma categoria desqualificada.
Willian Morris foi certamente o grande expoente do movimento Arts and Crafts.
Nascido em 1834, Morris viveu sob o contexto de perturbação do espírito, um legado da
revolta romântica protagonizada por poetas como Byron, Shelley e Keat. (THOMPSON,
1988, p. 11). A poesia era a maneira de protesto dos românticos, de se opor a uma difícil
realidade social vitoriana. Essa geração de românticos ingleses sentia-se fortemente
ameaçada com os valores do capitalismo industrial, por eles denominados, perniciosos e
desprezíveis. Segundo Thompson em seu livro sobre Willian Morris:
Pero durante sus años de desesperación, entre 1858 y 1878, el fuego de
la primera revuelta de Morris siguió crepitando em su interior. La vida
de la Inglaterra victoriana era intolerable y no podia ser soportada por
seres humanos. Los valores del capitalismo industrial eran perniciosos y
despreciables; eram um escárnio del pasado de la humanidad.
(THOMPSON, 1988)
13
Por volta de 1882, Morris torna-se próximo daqueles que eram considerados
pioneiros do socialismo na Inglaterra e percebe que não apenas compartilhavam o ódio da
civilização moderna, mas esses possuíam uma teoria histórica para explicar o crescimento
dessa. Morris desejava a mudança social com bases, de certa forma, nostálgicas no
medievalismo.
Na biografia de Morris escrita por E. P Thompson, o autor afirma que o
imaginário medieval fez parte da infância de Morris por meio de brincadeiras de
cavaleiros, da arquitetura de igrejas antigas, por meio do que remetesse à Idade Média.
O medievalismo foi uma das inspirações que contribuíram para o florecimento
tardio do movimento romântico na Inglaterra, que constituiu em uma revolta contra o
mundo da era ferroviária e os valores de Gradgrind.4
Thomas Carlyle já alertava para os perigos da Revolução Industrial e seus
possíveis efeitos no ser humano (CLARK, 1992, p.XII). A divisão do trabalho privava o
trabalhador do prazer de produzir o objeto da concepção até o trabalho final, o que para a
geração de românticos significava subestimar tanto o trabalhador, quanto o produto. De
Carlyle, passando por John Ruskin até Willian Morris, o legado foi uma grande
desconfiança e estranhamento da idade moderna. Justamente em oposição aos tempos
modernos é que militavam com nostalgia medieval.
Mesmo que não haja – até onde investigamos - menção direta desse movimento
em proposições pedagógicas aqui estudadas, as idéias e concepções sobre a formação
integral são próprias de ambos as correntes de pensamento em circulação,
compartilhadas em um mesmo momento histórico.
Kerschensteiner: a escola do trabalho
Um dos grandes defensores do trabalho manual foi Georg Kerschensteiner. Ele
teve na instrução pública alemã, em diversas atividades e cargos, tais como professor,
diretor e professor universitário aliados a intensa participação política. A trajetória
4 Sr. Thomas Gradgrind, no romance de Dickens, Hard Times, era um dedicado diretor em busca de tornar sua empresa a mais rentável. O nome do personagem de Dickens passou a ser usado genericamente no final do século XIX para se referir a pessoas demasiadamente calculistas.
14
marcada por iniciativas que levavam às práticas seus idéias teóricos, conferiu a
Kerschensteiner o reconhecimento como educador que trabalhava de maneira pragmática
os problemas apresentados pela instrução alemã.
Em seus escritos, Kerschensteiner sistematizou os princípios que guiavam as
reformas e iniciativas por ele empreendidas, que geralmente apontavam soluções para as
questões de organização da escola pública na Alemanha.
Durante os anos de 1895 até 1919, quando ocupou o cargo de diretor de escolas
públicas em Munique, Kerschensteiner desenvolveu a proposta educacional que divulgou
como Arbeitsschule, posteriormente traduzida como escola do trabalho.
Segundo Luis Sanches Sarto em Lá Educación Cívica, as preocupações de
Kerschensteiner sempre estiveram marcadas pela aversão aos tradicionais métodos de
ensino, às lembranças ruins do ensino mecanizado que recebeu quando aluno, o que
contribui para que o educador não acreditasse numa influencia favorável da cultura
livresca.
15
Capítulo 1
A educação republicana: a instrução pública no Brasil e em São Paulo
Segundo Rosa Fátima de Souza (1998), a escola primária tornou-se uma das
principais divulgadoras dos valores republicanos. Prova disso são os grupos escolares;
fazia-se necessária sua exibição e solenização. Souza lembra que na criação dessa
modalidade de escola primária, no início de 1890, esta representava uma organização
pedagógica e administrativa complexa, concebida nos princípios da divisão do trabalho e
da racionalidade científica, resultando em um ensino mais uniforme, padronizado e
homogêneo. Sobre os grupos escolares:
Considerados o tipo de escola que melhor atendia às necessidades de
difusão do ensino primário, portanto o meio mais eficaz para a promoção
da educação popular, especialmente nos núcleos urbanos, os grupos
escolares consistiram em escolas modelares onde era ministrado o ensino
primário completo com um programa de ensino enriquecido e
enciclopédico utilizando os mais modernos métodos e processos
pedagógicos existentes na época. (SOUZA, 1998, p.16.)
Como conseqüência desse novo processo pedagógico, fazia-se necessária a
produção de um novo profissional, isto é, professores que dominassem as novos métodos
de ensino. A imposição de novos modelos educacionais se configurou em um saber fazer
docente e na fragmentação do trabalho pedagógico, de forma que cada professor ocupava
uma classe própria, e a cada horário, uma matéria.
A modalidade da escola primária implicou ainda uma nova concepção
arquitetônica. O grupo escolar como projeto da República que se pretendia, somado ao
método intuitivo e até mesmo ao tipo de arquitetura do edifício da escola normal,
traduzem o signo do progresso pretendido. Surge então a escola como lugar; o edifício-
escola como identidade do funcionamento do ensino. As exigências da pedagogia
moderna também culminaram na especialização dos espaços que passavam a exigir da
16
escola: separação de sexos, organização das salas de aula em classes, bibliotecas, museus,
laboratórios, oficinas, ginásios, pátio para recreio, auditórios. Assim como uso de novos
materiais escolares, mobílias e materiais didáticos.
Tal modelo de organização do ensino primário foi adotado, segundo Souza, em
todos os estados do país, construindo o modelo preponderante de escola primária no
Brasil; consolidando assim uma concepção de ensino primário, de identidade pedagógica
e social, assim como a formação de um corpo docente especial: o magistério primário,
sobre o qual falaremos adiante.
O novo paradigma do ensino moderno demandava novos saberes, que
conseqüentemente implicavam em transformações curriculares. De acordo com o artigo
3º da Reforma Benjamim Constant (decreto de n. 981 de 8/11/1890), foram incorporadas
no ensino das escolas primárias do Distrito Federal matérias como: Lição de Cousas e
noções concretas de sciencias physicas e história natural; Instrucção moral e civica;
Desenho; Elementos de musica; Gymnastica e exercicios militares; Trabalhos manuaes
(para os meninos); Trabalhos de agulha (para as meninas); Noções praticas de agronomia.
Mesmo sendo válida apenas para a Capital Federal (Rio de Janeiro), a Reforma
Benjamim Constant é bastante emblemática de como estavam em circulação essas novas
concepções pedagógicas que marcam a instrução pública republicana.
Segundo Marta Carvalho (2000), a Reforma Caetano de Campos (1890) ditou o
modelo da escolar paulista, de forma que a montagem do sistema público de ensino
dependia dos novos métodos e processos do ensino intuitivo e, nesse sentido, a questão
da observação entre os professores e de suas práticas era fundamental.
Em um sistema pedagógico que valorizava o saber fazer, o ensino público paulista
se organizou com práticas de observação e dispositivos de visibilidade das atividades
escolares, por exemplo, através da inspeção escolar que compreendia anuários de ensino,
como registro das práticas escolares.
No início de 1920, uma crise no ensino paulista (assim também como nas
políticas sociais e na economia) fez com que o ensino primário fosse remodelado. Marta
Carvalho aponta em “Reformas da Instrução Pública” (2000) que, após isso, o modelo
escolar paulista se aliou fortemente à questão da erradicação do analfabetismo.
17
O projeto de erradicar o analfabetismo tornou-se uma questão nacional e, com
isso, a abertura da escola às populações. Esses foram os objetivos da reforma Sampaio
Dória, que reduziu a escolarização de quatro para dois anos. Nessa fórmula, a escola
primária deveria ser:
1º - Instrumento de aquisição científica, como aprender a ler e a escrever;
2º - educação inicial dos sentidos, no desenho, no canto e nos jogos ; 3º-
Educação inicial da inteligência no estudo da análise, do calculo e nos
exercícios de logicidade; 4º - educação moral e cívica, no escotismo, ,
adaptado à nossa terra e no conhecimento de tradições e grandezas do
Brasil; 5º - Educação física inicial, pela ginástica, pelo escotismo e pelos
jogos. (ANTUNHA, 1976, apud CARVALHO, 2000, p. 228.)
O ensino intuitivo era para Sampaio Dória uma fórmula de sucesso na educação,
aliada aos objetivos de moralização e fortalecimento da raça, como propunha a Liga
Nacionalista de São Paulo, da qual era membro fundador e militante. O método de
intuição analítica defendido por Sampaio Dória invertia o programa criado por Caetano
de Campos, também baseado em concepções do ensino intuitivo, para o qual a formação
do cidadão republicano deveria estar baseada no ensino enciclopédico, fazendo assim
com que o aluno reproduzisse no percurso de sua aprendizagem o processo de evolução
do conhecimento humano.
No programa formulado por Sampaio Dória, a redefinição dava-se por meio da
extensão da escola popular, além do método de intuição analítica, ao qual creditava-se a
capacidade inesgotável de fazer conhecer, através do contato da inteligência com a
natureza e pelo exercício das faculdades perceptivas.
A fórmula política de um ensino básico condensado em dois anos era, por
isso, aposta pedagógica na eficácia do ‘método de intuição analítica’.
Segundo essa aposta dois anos de formação básica pareciam ser
suficientes para que o aluno exercitasse suas faculdades perceptivas,
18
desenvolvendo a sua capacidade de conhecer. (CARVALHO, 2000, p.
299.)
O curso da Reforma foi alterada em função da exoneração de Sampaio Dória, em
1921. Estabelecida pelo decreto 1.750 de 8 de dezembro de 1920 e revogada em 1925, a
Reforma tinha em sua proposta original a unificação das instituições de formação de
professores pelo padrão das Escolas Normais Secundárias, de formação acentuadamente
pedagógica. O caráter de controle e a padronização dos procedimentos eram acentuados
com o reforço da inspeção escolar e a criação das Delegacias Regionais de Ensino, que
produziam informes técnicos.
Segundo Hilsdorf (1998), a Reforma Sampaio Dória foi marcada pela decisão de
manter na zona rural a escola primária de dois anos, como forma de garantir
minimamente sua extensão a todas as crianças; objetivando também nacionalizar o
imigrante. Por outro lado, o embasamento da pedagogia em critérios científicos, presentes
na nova Reforma, denotavam a associação da Pedagogia à Psicologia e sua dissociação
da moral e civismo.
Assim, apesar de abrangente, a Reforma Sampaio Dória implantou uma escola de
caráter controverso em função da alfabetização em dois anos. A política da escolarização
primária republicana correspondeu assim aos princípios progressistas, ideários de
correntes nacionalistas, defendidas por Sampaio Dória.
Circulação e apropriações do americanismo
A disputa entre diferentes padrões culturais em meados do Século XIX e início do
XX por meio das práticas, tecnologias e discursos, construíram a hegemonia cultural
americanista, criando assim, o imaginário de que os Estados Unidos ofertavam o mais
interessante modelo para a modernidade no Brasil. Partindo desse paradigma, segundo
CARVALHO, WARDE, MUNAKATA (2001), estruturava-se a esperança do “homem
novo”, aquele que seria, subjetivamente, necessário à modernidade.
Ao contrário de assertivas sobre o americanismo, nas quais o processo de
hegemonia dissolveu os múltiplos padrões culturais/educacionais concorrentes, o referido
19
estudo, que tomamos aqui como base, adota a perspectiva de que esta hegemonia se
constrói abrangendo diferentes grupos sociais, sendo assim, necessário voltar a atenção
para os processos e suas complexidades, tais como os elementos incorporados por esses
grupos e suas constituições de padrões culturais.
Antes mesmo de se configurar como um projeto político, tomando proporções
geopolíticas a partir da Segunda Guerra Mundial, entram na construção do americanismo
estratégias, processos, práticas, sendo portanto, terreno fértil para essa perspectiva
investigativa, o campo da cultura. Com embasamento gramsciano em relação ao
americanismo nos padrões de cultura, explica-se que:
Gramsci viu no americanismo um acontecimento de mudança radical de
toda uma cultura cujo peso não poderia ser minimizado, posto que exercia
a função de cimentar as reformas econômicas em curso (diria ele, o nome
da reforma econômica é reforma intelectual e moral); de outro lado,
Gramsci viu nessa cultura a operação de recriação do sujeito; nos termos
da época, o americanismo estava produzindo um “homem novo”. A
eficácia do americanismo era devida, e muito, às condições históricas
diferençadas dos Estados Unidos que não precisavam carregar, como
camadas de chumbo, as velhas tradições européias (culturais,
demográficas, políticas, estatais etc.); devia-se, antes de mais nada, ao fato
de que o americanismo era a filosofia que se afirmava na ação; tão
poderosamente afirmada na ação que estava conseguindo produzir um
homem com uma nova conformação psicofísica; estava, assim, inventando
um “homem novo”. (CARVALHO, WARDE, MUNAKATA, 2001, pp.
176-177.)
O pragmatismo, filosofia que se vincula ao americanismo, conquistava, como
sugere a pesquisa, não pela palavra, mas na ação. Diante disso, seria ingenuidade relegar
o pragmatismo a uma posição menor, ligando-o ao senso comum quando comparado à
filosofia tradicional européia. Para Gramsci, o pragmatismo seria antes a única filosofia
cuja eficácia se media pelo grau de adesão que conquistava; no caso, o pragmatismo do
20
americanismo produziu mudanças na cultura/modo de viver. Esse conjunto de novos
olhares, novas percepções, essa nova conformação psicofísica, são elementos que
contribuíram para a construção do “homem novo”.
Um dos elementos fundamentais para se pensar o americanismo como fenômeno
cultural analisado por CARVALHO, WARDE, MUNAKATA (2001), é “o americanismo
como processo educacional, ao mesmo tempo em que faz da educação o seu apanágio”.
(p. 177, grifos dos autores). Esse fenômeno é facilmente verificado nos mecanismos
discursivos dos impressos que aqui utilizamos como fontes, os quais abordaremos adiante
no Capítulo 3.
Com raízes na educação e essa como grande bandeira americana, desde o século
XIX:
(...) o americanismo instalou-se no Brasil, constituindo-se em cultura,
moldando formas de pensar, sentir e viver; tornando-se parâmetro de
progresso, felicidade, bem-estar, democracia, civilização; moldando as
esperanças em torno da cidade e da indústria. Redimensionando espaços e
acelerando os tempos. Plantando nos corações e nas mentes a silhueta do
“homem novo” – racional, administrado e industrioso. (CARVALHO,
WARDE, MUNAKATA, 2001, p. 177.)
Como pólo aglutinador e difusor de idéias e proposições de diversos âmbitos,
inclusive pedagógico, os Estados Unidos atraíram muitos profissionais da educação como,
por exemplo, Omer Buyse, um engenheiro belga dedicado aos estudos sobre trabalhos
manuais e problemáticas do ensino técnico-profissional. Ele havia participado da criação
da Universidade do Trabalho de Charleroi (Bélgica) em 1902, transformando-se em um
dos grandes difusores dos trabalhos manuais. Buyse escreveu a obra Méthodes
Américaines d’Éducation – générale et technique (1913), que obteve circulação mundial
entre os profissionais da educação, inclusive Anísio Teixeira, do Brail. Os estudos de
Buyse sobre diversas proposições pedagógicas foram largamente difundidos e
experimentados nos Estados Unidos, como veremos adiante ao falarmos do Sloyd
educacional.
21
Método intuitivo e educação dos sentidos
No Brasil, intensificaram-se as discussões sobre a renovação dos programas do
ensino primário já no final do século XIX, momento em que segundo SOUZA (2008) a
educação popular ganhou um grande espaço nos debates políticos uma vez que, na
concepção republicana, a educação seria de fundamental importância para as
transformações de ordem política, econômica e social. A formação do cidadão precisaria
estar afinada com as mudanças da sociedade, que portanto, demandava um currículo com
conteúdos modernos.
No parecer elaborado por Rui Barbosa, em 1882, sobre a reforma no ensino
primário, ficam evidentes as apropriações de modelos internacionais de educação em
circulação. Fazendo grandes defesas do método intuitivo por se tratar de um método
moderno, composto por matérias cientificas, necessário à instrução primária. Assim, Rui
Barbosa propôs um programa de estudos que compreendia educação física, música e
canto, língua materna, desenho, rudimentos das ciências físicas e naturais, matemática,
geografia, história, rudimentos da economia política e cultura moral e cívica.
Com apropriações que efetuou do positivismo pedagógico e do evolucionismo
spenceriano, Rui enfatizou:
O que, portanto cumpre, é repudiar absolutamente o que existe, e
reorganizar inteiramente de novo o programa escolar, tendo por norma
esta lei suprema: conformá-lo com as exigências da evolução, observar a
ordem natural, que os atuais programas invertem. (BARBOSA, 1947, p.
61, apud SOUZA, 2008, p. 33.)
Nesse sentido, a instrução deveria seguir o processo de recapitulação do progresso
feito pela humanidade, comunicando a experiência acumulada pelas gerações anteriores.
Os conteúdos selecionados por Rui Barbosa eram aqueles que expressavam o caminho
percorrido pela sociedade, e deveriam ser ensinados seguindo as leis naturais, pois assim,
possibilitariam o desenvolvimento intelectuais, físico e moral dos alunos.
22
O princípio positivo, que pretende estender à escola a instrução
enciclopédica, ampliá-la, como base, como estofo comum à educação da
inteligência humana, a todas as camadas sociais, é incomparavelmente
mais exequível do que os programas escolares praticados entre nós.
Insinuar pelos métodos objetivos (grifos do autor), no espírito da criança
as noções rudimentares da ciência da realidade, inocular-lhe na
inteligência o hábito de observar e experimentar, é infinitamente menos
árduo que martelar-lhe na cabeça por meio de noções abstratas e verbais, o
catecismo, a gramática e a tabuada. Num caso, trata-se apenas de
encaminhar suavemente a natureza; no outro, de contrariá-la sistemática e
brutalmente. (BARBOSA, 1947, p.59, apud SOUZA, 2008, p. 33).
Na reorganização escolar proposta por Rui Barbosa, métodos e conteúdos
estavam intrinsecamente ligados. Cada uma das matérias indicadas ao ensino primário
possuía uma razão de ser, de acordo com o desejo de modernização do ensino. A
educação do corpo, a difusão das noções científicas e dos saberes instrumentais
juntamente à educação moral e cívica compunham um amplo projeto civilizador que
pretendia a modernização do país.
Como apontado por SOUZA (2008), houve aceitação disseminada do método
intuitivo como um aspecto notável da modernização educacional. A circulação e
apropriação desse método, fizeram dele um verdadeiro signo da modernização do ensino.
A obra de Buyse sobre a qual nos referimos anteriormente, Méthodes Américaines
d’Éducation – générale et technique (1913), fez circular propostas como o ensino
intuitivo e educação dos sentidos, como o de Froebel:
Sabe-se que o princípio fundamental do sistema educativo de Froebel é a
formação integral da criança pela ação, seguindo um método progressivo,
que tende a conduzir os impulsos de sua atividade espontânea sob o
controle da vontade; e forma as faculdades orientando os sentidos. Essa
atividade se une aos dons;5 os dons servem para classificar as observações
5 Em Froebel, os brinquedos mentais eram os chamados dons e ocupações, materiais dos quais se servia a jardineira para educar a criança. O primeiro dom era uma caixinha, com seis bolas – três de cores primárias
23
das crianças que se reportam à forma e à aparência das coisas; eles
permitem aos alunos construir, aplicar os conhecimentos para a realização
de um fim preciso e os colocam desde sua tenra idade em contato com a
vida exterior. (BUYSE, 1913, p. 49.)6
Buyse descreve em sua obra a ordem e os elementos usados em cada etapa no
método froebeliano para educar os sentidos. Cada uma das etapas, assim como a ordem
dos itens em cada uma delas, possuem fundamentos em Pestalozzi e Froebel:
A. Os sólidos:
1. contrução com blocos
2. modelagem em argila
3. cartonagem
B. As superfícies
1.dobradura em papel, decupagem e colagem
2. montagem de prateleira
3. as cores e suas aplicações
C. As linhas
1. colocação de palitos
2. trançado de papel
4. bordado
5. desenho
e três de cores secundárias –, que servia para dar à criança “idéias de forma, posição, movimento, direção, cor, peso, densidade e volume”. O segundo dom era formado por uma coleção de sólidos geométricos – uma esfera, um cubo, um cilindro e um cone – que introduziam a “análise e comparação das formas”. Os terceiro, o quarto, o quinto e o sexto dom eram cubos de madeira divididos gradualmente e de diversos modos, “destinadosa satisfazer o desejo natural da criança de conhecer o interior das coisas, de ver o que está dentro” (CHAMON, 2005, p. 261 ). 6 On sait que le príncipe fondamental du système éducatif de Froebel est la formation intégrale du jeune enfant par l’action, reglée suivant une méthode progressive, qui tend à ramener les impusions de son activité spontanée sous le contrôle de la volonté; il forme les facultés em dirigeant la vie de sens. Cette activité se rattache à des dons; les dons servent à classer les observations des enfants qui se rapporttent à la forme et à l’apparence des choses; ils permettent à l’élève de construire, d’appliquer ses connaisances à la réalisation d’un but précis et le mettent, dès sa tendre jeunesse, en contact avec la vie extérieure.
24
D. O ponto
1. jogo de pedras/pérolas [jeu de perles]
2. arranjos
3. perfuragem de papel (BUYSE, 1913, p. 50).
Seguindo a doutrina froebeliana, cada grupo de trabalho de alunos teria um papel
definido. Os blocos e a cartonagem são responsáveis pelos talentos construtivos e a
imaginação. A dobradura e o recorte de papel estimulam as faculdades da invenção e
preparam o aluno para traçar com pincel ou lápis o produto da memória e da imaginação.
E a tendência artística assim como formação do gosto aparecem nos arranjos, no desenho
e nos jogos.
25
Capítulo 2
Trabalhos manuais como disciplina escolar
Os trabalhos manuais foram apropriados como disciplina escolar, segundo consta
na bibliografia consultada e nos documentos, em países como Alemanha, Suécia,
Argentina, Estados Unidos, Bélgica, França e Brasil. Na Alemanha, Kerschensteiner
introduziu, em 1906, o ensino do trabalho como disciplina no ensino primário, como
meio de ministrar a formação cívica (SANTOS, 2009, p. 22).
Nos Estados Unidos, o desenho e outras atividades manuais foram introduzidas no
currículo das escolas elementares no final do século XIX, seguindo duas vias opostas; a
via froebeliana, e a via técnica, de origem russa, ou “sistema Della Vos”. A primeira, a
via froebeliana, se inicia no jardim da infância, prossegue na escola primária e termina
com o sloyd (ou slöjd) nas classes superiores das escolas primárias. Este método de
trabalho manual é também conhecido como “sistema pedagógico”. Já no caso do sistema
Della Vos, partia da escola técnica superior para a escola secundaria e para as classes
superiores das escolas primárias, e aí então, disputando terreno com o sloyd.
(MARQUES, 2003).
Victor Della Vos introduziu no programa da Escola Técnica Imperial de Moscou,
em 1868, instruções e métodos para o emprego de ferramentas em trabalhos com ferro e
madeira. Em 1876, foram expostos na Filadélfia (EUA) alguns trabalhos de seus alunos
voltados exclusivamente para a formação profissional; o método que preconizou foi
introduzido e aplicado nos institutos técnicos superiores e nas escolas secundárias norte-
americanas (MARQUES, 2003).
Sloyd educacional
O chamado Slyod educacional foi implantado em 1885 por uma educadora norte-
americana, Pauline Agassiz Shaw, em North Bennet Street School, situada em Boston,
em uma região de imigrantes pobres. A direção dessa escola foi atribuída ao sueco Gustaf
Larson, ex-aluno da Escola Normal de Naäs (Suécia), criada por Otto Salomon; escola
26
essa fundamentada nos princípios de Froebel e de Coegnus. (NORTH BENNET ST.
SCHOOL, 2011). De acordo com Marques (2003), esta e outras escolas americanas
destinavam-se, inicialmente, a preparar crianças e trabalhadores manuais para que se
tornassem economicamente auto-suficientes ao saírem da escola primária. Também era
finalidade dessas escolas promover o ensino moral às classes indigentes, o que era feito
com base na “teoria psicológica da educação pelos trabalhos manuais”, compreensão
segundo a qual:
(...) todo movimento consciente tem sua origem numa excitação das
células motoras do cérebro. O pensamento sem ação pode desenvolver a
imaginação, mas deixa inculta a força de vontade. Esta não pode se
desenvolver senão pela ação. Todo movimento muscular repercute nas
células do cérebro pelas sensações. (...) Daí resulta que, para desenvolver a
região motriz total do cérebro, faz-se necessário multiplicar os exercícios
amplos e variados , e regulá-los de forma a possibilitar o pensamento e a
fortalecer a vontade. Resulta também que se o movimento se torna
habitual, ele se faz sem reflexão cessando o desenvolvimento das células
motrizes; desde então, ele não tem valor educativo. É somente no primeiro
período de excitação que a ação dos trabalhos manuais é eficaz. Exercícios
além do estado educativo podem se tornar meios de preparo para trabalhos
mais avançados de ordem profissional, mas eles não estão incluídos entre
os tipos que contribuem à formação geral. (BUYSE, 1909, apud
MARQUES, 2003, pp. 74-75.)
Essa assertiva de cunho científico (no caso, fisiológico) que justificava pelas
reações mentais e pela progressão a ser provocada, estimulou em alguns educadores dos
Estados Unidos a promoção de diversos trabalhos manuais – costura, trabalho em
madeira, modelagem, recorte em papel, entre outros – tanto para meninas quanto para
meninos, nas escolas primária e secundárias.
Nos Estados Unidos, o sistema pedagógico representado pelo sloyd foi colocado
em confronto contra o sistema técnico Della Vos, de origem russa, sendo que o primeiro
27
foi considerado uma disciplina, tal como matemática, ciências, desenho, etc, e o segundo
limitava-se ao emprego de ferramentas para a confecção de um objeto. Os fins podem ser
parecidos, as finalidades, não. Trabalhos manuais implicam técnicas, no entanto nem
todas as técnicas implicam finalidades educativas.
Segundo Gustav Larsson – ex-aluno da Escola Normal Sueca criada por Salomon
e diretor da North Bennet Street School, de Boston – a palavra sloyd se origina da raiz
teotônica “slah”, da qual nasce a expressão “slay” (em inglês, matar com um sopro’)’,
“Schchlag” (sopro, em alemão) e “sla” (derrubar em sueco), o adjetivo sueco “slog”
significa “habilidoso”, “destro” daí seu substantivo “slöjd” ou “sloyd” (MARQUES,
2003, p. 76.) De acordo com MARQUES (2003), os princípios de sloyd são os seguintes:
1) Os professores do sloyd deveriam ser homens do ensino e não artesãos.
2) O ensino deveria ser sistematicamente progressivo, e executando
certas demonstrações em classe, tanto quanto possível, individual.
3) O trabalho deveria ser escolhido para possibilitar o desenvolvimento
físico através de movimentos livres e vigorosos .
4) Os resultados deveriam representar o esforço pessoal do aluno, sem
introduzir, de início, nenhuma divisão de trabalho, assim como
nenhum emprego de máquinas-ferramentas.
5) Os excercícios deveriam ser organizados na progressão do fácil ao
difícil, escolhendo-se os objetos atraentes e úteis aos alunos
6) Os trabalhos não deveriam se limitar somente a execução de objetos
construídos com a ajuda de instrumentos de medida; devendo ser feitos
à mão livre, para exercitar particularmente o senso de formas e
proporções, pela vista e pelo toque.
7) Atribuía-se uma importância especial ao asseio, à precisão e ao
acabamento, com a finalidade de inspirar maior amor ao belo trabalho
e desenvolver o espírito de apreciação independente. (p. 76.)
A escolha dos modelos a serem trabalhados era extremamente importante no
sloyd educacional, uma vez que eles deveriam cumprir requisitos como: inspirar os
28
interesses dos alunos para que mobilizassem o esforço pessoal e todas as faculdades
durante a execução da atividade. Para isso, os modelos deveriam ser adaptáveis às
variáveis da capacidade de maneira favorável à manutenção dos princípios do sloyd , tais
como a dificuldade crescente e progressiva. O desenho era uma etapa de grande
importância para o sloyd educacional por expressar o pensamento e intenções do aluno.
“(...) Apesar de não representar senão um esboço, ele fala claramente ao
espírito e ensina, por experiência, que o valor do trabalho depende da
exatidão e do cuidado em se determinar suas formas e dimensões. Este
controle permanece e a responsabilidade resultante para a criança, tem
grande influencia sobre sua formação e habilitam incontestavelmente a
reflexão e o esforço pessoal.” (BUYSE, 1909, apud MARQUES, 2003, P.
78.)
Segundo Marques (2003), a plasticidade do sloyd permitiu a existência de
muitos tipos de apropriação desse modelo educativo, assim como muitos foram seus
divulgadores. Em contrapartida, muitos eram também os críticos do sloyd, para o quais
seus modelos produzidos pela cultura sueca eram pouco variados e não apresentavam
problemas originais.
Os conteúdos das disciplinas de trabalhos manuais e de desenho
No Brasil, embora o ensino de desenho já existisse nos programas do ensino
primário desde a década de 1850, essa disciplina vinha sofrendo um processo de reforma
por parte das idéias de modernização pedagógica em circulação. Em 1905, pelo Decreto n.
1281, de 24 de abril, o governo de São Paulo aprovou e mandou “observar o programma
de ensino para as escholas modelo e para os grupos escholares”, estabelecendo os
conteúdos das disciplinas Leitura; Linguagem; Calligraphia; Arithmetica; Geographia (e
Cosmographia); Historia do Brasil; Sciencias Physicas e Naturaes – Hygiene; Instruccção
Cívica e Moral; Gymnastica e Exercicios Militares; Musica; Desenho; Geometria;
Trabalho Manual; Modelagem (Revista de Ensino, Anno IV, n. 2, 1905, pp. 634-644).
29
Em relação ao que aqui interessa, isto é, Desenho e Trabalho Manual, os conteúdos são
os seguintes:
Primeiro Anno
Desenho
Desenhar objectos faceis no quadro-negro e nas ardósias.
Desenho de objectos simples, plantas e animaes sobre papel, a lápis de
diversas côres.
Desenho e dictado e original.
(...)
Trabalho manual
Para ambos os sexos.
Dobradura de papel. Fazer com o auxilio de papel objectos usuaes, como:
chapéus, caixinhas, etc.
Tecidos de papel. Alinhavos em cartão, á vista de modelos apropriados e
graduados.
Modelagem: construcção da esphera, do cubo e do cylindro, etc.
Acrescce para o sexo feminino: posição das mãos e modo de segurar a
agulha. Crochet simples.
Segundo Anno
Desenho
Desenhar, a lapis, grupos de objectos. Desenho de animaes e plantas,
copiado do natural. Desenhos decorativos, dictados e originaes.
(...)
Trabalho Manual
Para ambos os sexos.
Alinhavos em carta executados a côres sobre modelos diversos,
representando figuras de animaes, flôres, etc.
Modelagem
Figuras geometricas e figuras usuaes: folhas, fructos, etc.
30
Acresce para o sexo feminino: – Crochet. Pontos, alinhavos, pospontos,
pospontos no claro, pontos fechados e abertos, pontos de remate.
Preparação e modo de franzir. Franzidos duplos.
Terceiro Anno
Desenho
Desenho a lapis: Paizagens simples. Reprodução de modelos geométricos
em diversas posições. Desenho ditado e original.
(...)
Trabalho Manual
Para o sexo masculino
Modelagem – Figuras geométricas e objectos usuaes como: tinteiros,
garrafas, etc.
Cartonagem – Construcção de sólidos geométricos, caixinhas, etc.
Para o sexo feminino;
Crochet, pontos, franzidos, serziduras, prégas, bainhas, casear e pregar
botões, colchetes, etc.
Remendos diversos. Pontos russos e de ornamento. Pontos de marca,
lettras e nomes.
Quarto Anno
Desenho
Os mesmos exercicios dos annos precedentes. Desenho de animaes,
plantas, folhas, flores, paizagens, etc. Reproducção de grupos de sólidos
geométricos.
(...)
Trabalho manual
Para o sexo masculino.
Modelagem: Figuras geométricas e objetos usuaes. Cópia de modelos
faceis, como: casas, paizagens, mappas geographicos parciaes em relevo.
31
Carpintaria: Objectos usuaes como: corta-papel, cunhas, esquadros, reguas,
cantoneiras, estantes simples, etc.
Para o sexo feminino:
Pontos russos e de ornamentos. Pontos de marca, letras e nomes. Camisas,
aventaes, lenços, toalhas, babadouros, etc., para applicação de estudos
anteriores; sergidos, remendos, etc. (Revista de Ensino, Anno IV, n. 2,
1905, pp. 636-644.)
Em artigo na Revista de Ensino, de 1907, sobre o ensino de Desenho,
encontramos um trecho que trata não propriamente das finalidades teóricas da disciplina
desenho, mas sim daquilo que é sugerido em sua prática; como uma atividade menos
pesarosa que outras, ligada a idéia de “recompensa”, de “desejo”. Ao mesmo tempo,
adverte que para isso, se faz necessária a tutoria de um profissional que não apenas saiba
sobre o “belo”, mas sim, que o faça, podendo despertar no aluno o gosto pelas artes.
A iniciação nas bellezas da Natureza e da Arte, será sempre apresentada ás
creanças como uma recompensa ao trabalho, como um repouso depois de
tarefas severas ou depois das demasias do espírito; deve o professor agir
de modo que ella seja desejada e reclamada por ellas. (...)
– Não é pela contemplação do medíocre que o gosto se desenvolve; mas,
sim, pela contemplação do que ha de mais perfeito.
Tal diz Goethe [a] Eckermann. (Revista de Ensino, Anno VI, n. 3. 1907, p.
27.)
32
Capítulo 3
Trabalhos manuais, segundo os periódicos
Uma das primeiras revistas pedagógicas editadas em São Paulo foi,
segundo Catani (2003), foi A Eschola Publica, criado em 1893, num momento em que se
verificavam transformações no panorama educacional do estado, das quais o periódico
pretendia ser um porta-voz. Pode-se dizer que essa revista foi uma espécie de antecessora
de Revista de Ensino, que apareceria em 1902, contando com a participação muitos dos
colaboradores do antigo periódico.
A Revista de Ensino
A Revista de Ensino resultou da iniciativa de um grupo de professores e
profissionais da educação que haviam também criado a entidade chamada “Associação
Beneficente do Professorado Público de São Paulo”, fundada em 27 de janeiro de 1901.
O intuito da entidade era organizar membros do magistério público do Estado. À frente
da Associação, em seu primeiro momento, estiveram: Fernando M. Bonilha Júnior como
presidente, Joaquim Luiz de Brito, como tesoureiro, e Gabriel Ortiz como primeiro
secretário. Como definiram os estatutos da agremiação,
A Associação Beneficente do Professorado Publico de S. Paulo é a reunião
de todos os professores publicos, de um e de outro sexo, que adherirem
aos presentes estatutos, e terá por fim, não só proporcionar beneficios a
cada um de seus membros, mas tambem promover a elevação moral e
intelectual do professorado publico do Estado, com a adopção de todas as
medidas tendentes a melhorar a condição da classe, tendo sua sede na
capital de S. Paulo. (Estatutos da Associação Beneficente do Professorado
Publico do Estado de São Paulo, Cap. I, Art. 1º. Revista de Ensino, n. 1,
1902, p. 117.)
33
Sobre os professores integrantes da Associação e responsáveis pela Revista,
verifica-se o aparecimento constante dos mesmos nomes durante grande parte da
existência dessa publicação, como João Lourenço e Oscar Thompsom sempre
encabeçando. São personalidades que também vieram a ocupar cargos na Directoria
Geral de Ensino e, não por acaso, a Revista de Ensino, desde o primeiro número, ostentou
como subtítulo os dizeres “Publicação Bi-mensal, subsidiada pelo governo do estado”. A
Revista encerraria suas atividades em 1918.
O Annuario do Ensino do Estado de São Paulo
O Annuario do Ensino do Estado de São Paulo consistiu em uma publicação
organizada pela Inspectoria Geral do Ensino por ordem do Governo do Estado. A
publicação começou em 1907 e foi até 1937. Na primeira parte do Annuario de 1907,
intitulada Retrospecto histórico, apresenta-se um retrospecto da legislação escolar de
1835 até 1906, bastante criticada, e a estrutura e o funcionamento, à época, da Inspectoria
Geral do Ensino Publico.7
Com mais de 400 páginas, nesse primeiro volume do Annuario encontram-se
descrições breves sobre a Escola Normal, os grupos escolares, escolas reunidas da Capital
e do Interior, lista das escolas isoladas, escolas municipais, dados estatísticos,
obrigatoriedade do ensino, ensino privado, escolas estrangeiras, Consolidação das leis do
Ensino, Exposições escolares e festas escolares, etc., além de uma relação com os nomes
dos professores que atuam nessas instituições. O Annuario de 1907 dividiu-se em três
partes:
7 Criada pela lei n. 520, em 26 de agosto de 1897, a Inspectoria Geral do Ensino Publico suprimiu o Conselho Superior de Instrucção Publica e as Inspectorias Districtaes. A Inspectoria Geral do Ensino Publico era constituída por um inspector geral e dez inspectores auxiliares, com sede na Capital, tendo como principal incumbência a organização do ensino em todo o Estado. (Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Secretario dos Negócios do Interior pelo professor João Lourenço Rodrigues, Inspector Geral do Ensino, 1907-1908, Brasil- S. Paulo. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1907-1908, pp. 5-7.)
34
I Parte – Resenha histórica – Relatório do Inspector Geral
II Parte – Estabelecimentos do Estado.
III Parte – Estabelecimentos equiparados e subvencionados. – Ensino
privado. – Livros didacticos. – Relatório da Commissão Revisora. –
Mobília escolar. – Edificações escolares. – Despesa com a instrucção
publica. – Horários. – Conclusão. – Índice.
Uma das finalidades apontadas é que esta publicação consistiu em ser uma
resposta ou, até mesmo, uma satisfação aos estrangeiros, como pode ser elucidado nesse
trecho:
São freqüentes em S. Paulo as visitas de extrangeiros illustres. Entre as
primeiras cousas que se lhes mostram estão os estabelecimentos de
ensino publico, os quaes têm merecido de muitos delles largos encômios.
(Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1907-1908, p. V.)
Nesse primeiro volume, as propostas dos Annurios foram explicitadas em três
tópicos:
a) O Annuario abre grande espaço á estatística escolar do Estado. (...)
b) [Secção] destinada aos professores, trata da methodologia e
processos didacticos. (...)
c) comprehende trabalhos de natureza diversa, e assumptos de
colaboração, de interesse para a educação popular. (Annuario do
Ensino do Estado de São Paulo, 1907-1908, pp. V-VI.)
Assim, segundo consta no Annuario, a sua finalidade era divulgar as atividades
escolares, sua necessidades de provimento. Também almejava ser uma fonte segura para
que o Congresso estabeleça uma melhor comunicação com a Secretaria do Interior e com
a Inspectoria Geral do Ensino. Além disso, a demanda por dados oficiais se justificava
pelas demandas internacionais, como por exemplo:
35
Em recente publicação feita em Montevidéo pelo Dr. Sebastião B.
Rodriguez e intitulada Contribuicion al desenvolvimento de la hygiene
escolar, deparou-se-nos o seguinte trecho que proclama de modo
decisivo a necessidade de uma obra de divulgação como esta: ‘lamento
no poder disponer en este momento de los dados oficiales que solicité en
tiempo oportuno al pais vecino, (Brasil) para agregarlos a esta memoria.
(Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1907-1908, p. VI.)
Segundo a comissão de redação8, a divulgação dos progressos em matéria de
educação significava o cumprimento do dever cívico e, também, de acompanhar o fluxo
que de publicações desta ordem em vigência na América do Sul. Em relatório que integra
o Annuario, João Lourenço afirmou que ao reunir-se com diretores de escolas em 1907,
já ressaltava a pertinência da edição de uma publicação dessa natureza, que auxiliaria na
uniformização do ensino, com informações sobre técnicas e medos de ensino. (Relatório
apresentado ao Exmo. Snr. Secretario dos Negocios do Interior pelo professor João
Lourenço Rodrigues, Inspector Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São
Paulo. 1907-1908.)
No referido relatório do inspetor, assim como nos textos da Revista de Ensino,
estão sendo discutidas de maneira semelhante as questões relativas aos problemas
encontrados nas escolas assim como soluções e novas proposições em voga na época, o
que compreensivelmente acontecia devido ao fato de que muitos dos envolvidos no
Annuario eram também profissionais que haviam atuado na Revista de Ensino. Esses
profissionais foram gradativamente incorporando-se às atividades da Inspetoria de Ensino
especialmente após a perda de subvenção destinada à Revista, em 1905, quando a
Associação precisou concentrar esforços para sua sobrevivência. Tempos depois, como
anuncia o Annuario de 1911-1912, a Revista, passou a se considerado “um complemento
do Annuario”, para dar “notícia dos trabalhos pedagógicos que mais se recomendam,
oferecendo, em resumo ou tradução, as noções mais aproveitáveis, as lições mais dignas
8 A Comissão de Redação do Annuario de Ensino do Estado de São Paulo 1907-1908 era composta por: João Lourenço Rodrigues; Ramon Roca Dordal; René Barreto; José Carneiro da Silva.
36
de imitar da didática européia ou americana.” (Annuario do Ensino do Estado de São
Paulo, 1911-1912, p. 6.)
A ligação, ou subordinação, da Associação Beneficente do Professorado Público à
Diretoria Geral, e suas conseqüências se refletindo no mesmo movimento para com a
Revista de Ensino ao Annuario, é uma trama com maior complexidade do que foi aqui
exposto, porém, suficiente para a compreensão das publicações escolhidas como fontes
dessa pesquisa.
“Para desenvolver uma habilidade múltipla, a destreza geral desejada”
Apesar das informações sobre os trabalhos manuais não serem tão vastas, nos
Annuarios e na Revista de Ensino, se comparadas as outras disciplinas e assuntos
pedagógicos abordados, ainda assim, é possível por meio desse documentos compreender
melhor suas motivações, o porque e como se deu essa disciplina, e claro, o fato de ser
menos mencionada e discutida que outras disciplinas – o que é também um indicador a
ser pensado.
No Annuario de 1910-1911 o inspetor escolar Maurício de Camargo escreve
algumas considerações sobre os trabalhos manuais fazendo diversas menções ao modelo
de organização escolar norte-americana:
Proseguindo em nossas reflexões, não podemos deixar de consignar a
necessidade de remodelar o ensino desse ramo de nosso programma
escolar, mais ou menos de accôrdo com o que se faz nos Estados Unidos,
fonte fecunda de orientação e de ensinamentos para nossa organisação
escolar. (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p.140)
Como já vimos anteriormente, o modelo norte-americano era um grande
motivador dos profissionais da educação em função das novas idéias que representavam
um ideal de progresso a ser alcançado. Nesse sentido, fica claro, com o seguinte documento,
37
o desejo de conduzir a organização dos trabalhos manuais em São Paulo, com base em tais
moldes:
Também ali [Estados Unidos], há vinte annos passados, não existia nas
escolas bem definida forma de trabalhos manuaes; é natural que entre
nos ainda se dê o mesmo. (...)
Hoje, porém, que as escolas americanas offerecem modelos tão perfeitos
para uma boa organisação, sob o ponto de vista de que nos occupamos,
embora os exercícios ali adoptados variem de cidade a cidade, por não
haver para ellas uma regulamentação central, é tempo de procurarmos
melhorar este ensino, trasladando para nosso meio quanto houver de
aproveitável, nos differentes planos de organisação. (Annuario do
Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p. 140.)
Este é um trecho bastante emblemático da aspiração que representava o modelo
norte-americano de ensino de trabalhos manuais desejado em São Paulo. A menção ao
curto tempo em que houve um grande progresso educacional em outros paises, em
especial, Estados Unidos, denota o signo de progresso que urgia naquele início de século
XX.
A possibilidade de aliar ao ensino uma atividade de caráter prático e que ao
mesmo tempo educaria o corpo, sentidos, atenção, interesse se apresentou especialmente
nos Annuarios nos anos de 1910, 1911 e 1913. Eram escritos extensos artigos sobre os
benefícios dos trabalhos manuais: “Si o trabalho manual (...) é um dos pontos que une a
escola à vida pratica, por que motivo desprezar-se a opportunidade que offerece este
exercício (...)?” (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p. 138.)
Na edição de 1913, o Annuario menciona os progressos trazidos pelos trabalhos
manuais e cita Salomon, um dos promotores do trabalho manual na Suécia, pólo
divulgador do sloyd:
Nos paizes em que se comprehende instrucção como educação são
enormes os progressos realisados pelos trabalhos manuaes.
38
O exemplo desses paizes estimula-nos a aperfeiçoar continuamente
nossa organisação escolar.
Salomon, o intrépido promotor do trabalho manual pedagógico slojd na
Suécia diz, a respeito da marcenaria escolar:
“A marcenaria é o gênero de occupação que atinge de modo mais
completo o fim pedagógico a que se propõe; presta-se á disposição do
fácil ao difícil, do simples ao composto. (...)” (Annuario do Ensino do
Estado de São Paulo, 1913, pp. XLVII-XLVIII.)
Em defesa dos trabalhos manuais, o Annuario de 1913 evoca experiências
estrangeiras mencionando Estados Unidos e Suécia. Entre as virtudes pedagógicas do
trabalho manual são ressaltados os benefícios do ensino da marcenaria. A vantagem desse
ensino estaria na sua capacidade de atingir suas finalidades pedagógicas da maneira mais
completa, proporcionando a compreensão do simples ao complexo em uma única
atividade manual. Segue a citação de Salomon:
“A experiencia tem provado que o uso deste trabalho fornece, no ponto
de vista educativo, resultados que outros generos de trabalho nunca
poderão produzir na mesma relação.
Só a marcenaria dá essa destreza geral que deve ser adquirida na escola
primaria. O grande número de instrumentos empregados, a immensa
variedade de movimentos a executar, servem mais em qualquer outra
ocupação, para desenvolver uma habilidade múltipla, a destreza geral
desejada”. (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1913, p.
XLVIII.)
No documento acima há muitos elementos que possuem suas raízes no ensino
intuitivo. Sobre a questão da destreza manual e o gosto pelas ocupações, lembramos que
Froebel estabeleceu regras a se seguido na educação da primeira infância, observando
que o sistema escolar deve exercitar-se em manifestações externas e materiais, o que se
aplicava aos trabalhos manuais. As concepções de Froebel sobre os trabalhos manuais
são citadas no Annuario de 1913 como exemplo a ser seguido pelas escolas:
39
O gênio pedagógico Froebel preconisa os trabalhos manuaes em papel,
cartão, madeira, etc., enunciando este principio:“O que a creança percebe
intuitivamente deve também poder fazel-o manualmente”. (Annuario do
Ensino do Estado de São Paulo, 1913, p. XLVIII.)
Formação do caráter, forças da intelligencia e qualidades moraes
Fala-se nos Annuarios da importância do trabalho manual como forma de
introdução à vida prática e da sua possível importância por ministrar um ofício ao qual,
futuramente, o aluno precise recorrer.
Si o trabalho manual (...) é um dos pontos que une a escola à vida pratica,
por que motivo desprezar-se a opportunidade que offerece este exercício,
para se incutir no menino o gosto pelas profissões manuaes, a que elle,
talvez um dia tenha que recorrer, na lucta pela vida? (Annuario do
Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p.138)
Na assertiva acima notamos que ensino do trabalho manual pode ser útil em caso
de necessidade, mas, acima disso, reforça-se a importância de incutir no indivíduo a
moral do gosto pelo trabalho:
O alto valor educativo dos trabalhos manuaes, nas escolas, resulta, pois,
do seu poderoso concurso à formação de caráter, estimulando as forças
da intelligencia e iniciando as qualidades moraes. (Annuario do Ensino
do Estado de São Paulo, 1913, p. XLIX.)
Segundo o texto publicado no Annuario de 1910-1911, as atividades manuais
deveriam ser praticadas por todas as crianças, com algumas diferenças entre as atividades
direcionadas às meninas e aos meninos (sobre as quais falaremos adiante), transmitindo
gosto pelo trabalho para crianças de todas as classes sociais:
40
(...) o trabalho manual deve ser estabelecido de forma a ser útil ás
creanças, quer sejam pobres ou ricas. Aquellas levarão da escola para o
lar os rudimentos necessários ao inicio de uma profissão que, talvez um
dia, tenham de adoptar, conforme as exigências de uma posição precária;
estas, as favorecidas da sorte, encontrarão – quem sabe? – nos prestimos
com que as dotou a humilde professora publica, momentos de felicidade
no trabalho, que lhes servirá de entretenimento, após os gozos que lhes
facilita a fortuna, enquanto propicia. (Annuario do Ensino do Estado de
São Paulo, 1910-1911, p. 140.)
Quando se fala que o trabalho manual deve ser executado tanto pelas crianças
pobres quanto pelas ricas, justifica-se dizendo que as crianças pobres precisarão de tais
rudimentos “conforme as exigências de uma posição precária”, conquanto as
“favorecidas de sorte (...) encontrarão momentos de felicidade no trabalho”. Segundo
esse excerto, o trabalho manual justifica-se por proporcionar desde sobrevivência até
lazer, respeito e satisfação pelo trabalho.
Em outro argumento no Annuario de 1910-1911, o autor do documento em
questão diz que os trabalhos manuais devem ser executados tanto por meninos quanto por
meninas, fossem pobres ou ricos, pois estas atividades ajudariam a tornar concretas as
teorias. Na concepção pedagógica dos trabalhos manuais, a interdisciplinaridade
pretendida por esta atividade, é – como já vimos ao falarmos do sloyd – um dos
argumentos mais utilizados por seus defensores. Ou seja, em suas finalidades, a atividade
manual aparece também como auxiliar de outras disciplinas. Como afirma o texto
seguinte:
Entendo que os trabalhos manuaes, para meninos ou meninas, devem ser
dirigidos, orientados por professores que bem conheçam esse mister;
assim poderão elles fazer a creança concretisar quanto aprender em suas
lições theoricas – de geometria, pelo emprego de linhas, superfícies e
volumes; de história, pela reprodução de artefactos que com ella se
ralacionem; de linguagem, pela manifestação do pensamento; de botânica,
41
zoologia etc., modelando ou desenhando animaes, fructas, folhas etc.
(Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p. 139.)
Finalidades como o desenvolvimento da destreza manual, treino para uma visão
precisa e apurada são, como se pode notar nos documentos, argumentos apresentados no
início dos textos, assim como possivelmente um dos mais fortes argumentos seja a gama
de disciplinas que tais finalidades – da atividade manual – contemplam; adiante, os
argumentos assumem um tom moralizante ao apontar também para a finalidade edificante
e virtuosa dos trabalhos manuais, que cultiva
(...) o amor ao trabalho, o espírito de iniciativa e o sentimento de
responsabilidade individual. O que se vae fazer é tornar o ensino, quanto
possível, prático, e em harmonia com as necessidades da vida actual, tendo
por alvo a actividade da creança: habilidade manual e persistência no
trabalho. (...) (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1913, p.
XLIX.)
Na Revista de Ensino de 1909, em um artigo assinado por Bruno Zwarg, além de
uma defesa dos trabalhos manuais tendo como justificativa os muitos adeptos cientistas e
sua maior difusão no Estado, mas, principalmente, pelos benefícios ao intelecto,
justificativa extremamente presente na defesa desse tipo de ensino:
É, pois, sabido hoje, que o trabalho technico é um dos factôres
fundamentaes para o desenvolvimento intellectual, como o é o ensino
histórico da cultura; elle faz parte das Artes e o estudo destas deve
caminhar a par do grande desenvolvimento das Sciencias e Letras.
Devemos pois tractar de elevar nas escolas, mais alto ainda, o estudo dos
trabalhos manuaes. (Revista de Ensino, 1909, p. 22.)
De acordo com tal artigo, o êxito na cultura intelectual seria dependente da
consolidação do ensino de trabalhos manuais, reforçando também a idéia não só do
desenvolvimento mental, mas também o melhoramento, a vitalidade dos músculos, o
42
adestramento das mãos, a educação da vista, a obrigação do pensamento conforme as
práticas demandadas; práticas que apenas nessa disciplina seriam proporcionadas.
Como se pode notar em outras fontes, esse artigo também ressalta a questão moral
da atividade manual, que pretende despertar no aluno o gosto pelo trabalho, afastando-o
das “idéias pueris, e vae lhe educando o espírito ainda infantil” (Revista de Ensino, 1909,
p. 22), sendo indicado para crianças de temperamento engenhoso. Além disso, a
insistência na questão do gosto pelo trabalho é, como já vimos anteriormente, uma
característica de um país recém-saído de uma monarquia escravocrata e de incipiente
projeto republicano, no qual não é bem vinda a presença dos ditos malandros, vadios e
desocupados, sendo os projetos escolares considerados responsáveis, de certa forma, pela
difusão da cultura do amor ao trabalho.
Separação de gêneros
Sobre a distinção de trabalhos manuais para meninos e meninas referente ao
período pesquisado, podemos observar que nos relatórios dos Annuarios a maioria das
atividades separava-se em femininas e masculinas.
Em uma das primeiras propostas de Kerschensteiner constava a iniciação de
ensino culinário para as meninas e trabalhos manuais em metal e madeira para os
meninos. Já no caso americano a “teoria psicológica da educação pelos trabalhos
manuais” – segundo a qual imaginação e vontade podem apenas ser desenvolvidas pelos
movimentos musculares – ganhou considerável espaço e fez com que alguns educadores
indicassem os mesmo tipos de trabalhos manuais tanto para meninos, quanto para
meninas.
Na Revista de Ensino de 1905, há apenas uma nota sobre trabalhos manuais,
dizendo serem estes para ambos os sexos, sendo as atividades: dobraduras de papel,
alinhavos em cartão, modelagem (construção de esferas, cubos, etc.), acrescentando para
meninas posição das mãos e modo de segurar a agulha e crochet simples ( p. 636).
De acordo com o Annuario referente a 1907-1908, algumas atividades manuais
são divididas entre femininas e masculinas, sendo específicas de acordo com o que cada
grupo deveria aprender, como por exemplo, modelagem e trabalhos em madeira para os
43
meninos e bordados e remendos para as meninas. Já o desenho, como é indicado no
documento, parece ser a atividade manual comum aos meninos e às meninas.
A disciplina desenho não é exatamente um trabalho manual, como os que
discutimos até agora (trabalhos com agulha, madeira, etc), no entanto há que se fazer
algumas considerações uma vez que possuem algumas finalidades semelhantes:
• Em particular, o trabalho em madeira usa o desenho em sua etapa inicial
para projetar as formas e proporções do objeto desejado;
• Ambos têm como finalidade educar a vista e adestrar as mãos;
• A educação do senso estético é outra finalidade em comum às duas
atividades.
Em um relatório do Annuario de 1911-1912 podemos melhor compreender as finalidades
do desenho:
Desenho. O méthodo preconizado em grupos escolares é o do natural. Não
se pretende ahi formar artista; o fim principal do desenho é educar a vista,
adestrar as mãos. Será de alta conveniência que no desenho, assim como
nos demais trabalhos as crianças se sirvam de ambas as mãos. O desenho
se faz por cópia de objectos e não de modelos; o professor guia, indica e
por fim em largos traços no quadro negro, dá idea do desenho, mas deverá
limpar immediatamente o quadro negro, afim de que os alumnos não vão
copiar os trabalhos naturalmente imperfeitos, pela rapidez com que são
executados. Após muitas copias do natural, muito desenho de memória ou
de imaginação, um perfeito modelo de desenho poderá até com vantagem
ser dado a copiar. Não devemos nos esquecer, porém, de que o desenho é
uma outra forma de linguagem escrípta. Sendo assim, podemos preparar
uma fácil descripção que o alumno concretizará em um desenho. Esse
trabalho muito contribuirá para o desenvolvimento regular da imaginação
infantil, assim como a inspeção de bellos quadros lhe educará o gosto
44
artístico. (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1911-1912, pp.
25-26.)
Como dito no início do referido documento, “o fim principal do desenho é educar
a vista, adestrar as mãos”. Ao contrário do que se possa imaginar sobre favorecimentos
da mão direita, consta no documento o desejo de que as crianças, assim como nos outros
trabalhos, utilizem as duas mãos. Fazia-se forte a ideia do aprendizado tanto na
observação, mas mais ainda nos trabalhos com as mãos, em que se aprende a criar e
executar. Lições de desenho e de geometria aparecem como responsáveis pelo exercício
envolvendo criatividade, sendo o desenho freqüentemente aliado às outras disciplinas.
Nesse caso, defende-se o ensino do desenho que não utiliza modelos para cópia,
mas sim objetos, largos traçados que devem ser apagados para que sirvam apenas de idéia
para o desenho, mas não para cópia.
Enfatiza-se que o desenho é uma outra forma de linguagem e que a descrição de
uma imagem com o objetivo de que o aluno desenhe essa descrição pode ser de grande
contribuição para a imaginação infantil. Ou seja, trata-se de educar percepções
imaginativas, dar repertório; assim como as aulas em que se apresentavam os chamados
“bellos quadros” a fim educar o gosto artístico, transmitido assim a estética do que se
deve considerar belo.
Segundo princípios do método intuitivo, o ensino do desenho deveria começar
pela educação simultânea dos olhos e das mãos e a familiarização do aluno com as
formas elementares e na seqüência, articular o ensino do desenho com o ensino da leitura
e da escrita.
Essas proposições recolhem as contribuições de Kerschensteiner. Por volta de
1895, quando se tornou diretor de ensino em Munique, Kerschensteiner intensificou suas
investigações sobre desenhos infantis, de maneira a conceber o desenho como
manifestação da atividade mental ligada à criação. Como resultado dessa análise que
durou seis anos, Kerschensteiner definiu o curso da atividade criadora infantil em dois
períodos: na primeira infância, quando as primeiras manifestações são representadas por
45
jogos e ocupações inocentes, conquanto posteriormente, o desenvolvimento das
faculdades mentais regula continuamente a atividade criadora. Para Kerschensteiner, a
criança divide seus esforços entre a conquista e a resolução de pequenos problemas
considerados enigmas que os impulsionam à dúvida; num primeiro momento, a ocupação
manual trata de vencer as dificuldades previstas; no segundo período, a atividade manual
serve de transição para alcançar uma etapa referente ao trabalho moral, cujos limites são
determinados pelos interesses e atitudes de cada criança nas atividades manuais
(SANTOS, 2009).
Sobre a educação estética, na qual o Desenho se inclui, há na Revista de Ensino
(1907, p.27), um exemplo de como essa formação deve se dar, especificamente sobre
estética de belezas naturais; a começar mostrando ao aluno as variadas tintas que
correspondem às cores das flores, as formas regulares das folhas, para mais tarde, então,
atrair a atenção para conjuntos mais complexos, como paisagens, até a contemplação das
obras de arte; momento em que se propicia visitas a museus, a educação estética de
maneira graduada, que se adapta ao desenvolvimento progressivo das faculdades infantis.
Sugeria-se para o alcance de tal êxito nas aulas de Arte e de Desenho, que essa
cultura da sensibilidade estética se fizesse desde as primeiras classes escolares, de
preferência, seguindo os preceitos de Rousseau:
– Que a creança meça com os olhos; que tenha sempre diante dos olhos o
próprio original e não o papel que o representa; que nada trace de memória,
na ausência dos objetos; mais tarde então, a vista será justa e a mão
flexível e alcançarão, por fim, a elegância dos contornos e o traço leve. (...)
São os objetos bellos e sublimes do mundo exterior, ou objetivo, que
provocam no indivíduo as emoções esthéticas. (Revista de Ensino, 1907, p.
27.)
Por fim, o texto em questão afirma que além desses fatores objetivos, há outros de
ordem subjetiva que incontestavelmente influem na produção de estéticas individuais, e
sem essas condições dificilmente pode haver a produção de concepções estéticas.
46
Em busca da utilidade e da simplicidade
Os resultados da atividade de trabalhos manuais podem ser exemplificados por
objetos apresentados numa exposição organizada em 1907, na Escola Normal, relatada no
Annuario de 1907-1908. Na ocasião, o Secretario do Interior convocou todos os Grupos
Escolares e Escolas Complementares do Estado a selecionarem os melhores trabalhos
escolares e remeterem-nos à Escola Normal, “como preparação para a secção pedagogica
com que o Estado de S. Paulo vae figurar na Exposição Nacional, do Rio” (Annuario do
Ensino do Estado de São Paulo, 1907-1908, p. 49). Na descrição apresentada pelo
Annuario, fica evidente a discriminação entre os trabalhos masculinos e os femininos:
Trabalhos manuaes.
Secção masculina –
a) trabalhos em madeira;
b) trabalhos em modelagem.
Secção feminina –
a) panninhos com diversos pontos, inclusive pontos russos e os de
ornamento;
b) remendos diversos, pontos de marca, letras e nomes
c) crochet;
d) camisas, aventaes, toucas, toalhas, babadouros, etc. (Annuario do
Ensino do Estado de São Paulo, 1907-1098, pp. 51 e 52).
As atividades femininas por anos de escolarização foram divididas da
seguinte maneira:
– Trabalhos do 1º ano: crochet de linha e lan aplicado em toalinhas,
guarnições de lavatório, porta-toalhas, paletots, capinhas, etc.
– Trabalhos do 2º ano: costura feita em paninhos com pontos diferentes,
tais como desfiados; aplicação desse trabalho em aventais”.
– Trabalhos do 3º ano: paninhos com ponto russo, preguinhas, desfiados,
remendos, camisas, aventais, etc; ponto de marca em talagarça, étamine, etc;
trabalhos simples com aplicação dos mesmos pontos.
47
Segundo o Annuario de 1907-1908, esses trabalhos encontravam-se colecionados
em cadernos ou aplicados em objetos feitos de papel cartão, apresentando formas
variadas como: cestas, casinhas, navios, etc. Na exposição dos trabalhos manuais, estes
estavam distribuídos conforme os anos sucessivos de cada curso, de modo a dar a idéia de
evolução dessa disciplina: no começo eram apresentados os trabalhos mais rudimentares,
sua transição, e ao fim, os trabalhos mais desenvolvidos.
A respeito dessa exposição, Lourenço Rodrigues, o inspector e autor de relatórios
sobre o evento, ressaltou aspectos considerados bons sobre os trabalhos expostos, como
por exemplo:
– Trabalhos em agulha e linha: assim como nos trabalhos de dobradura em papel, os em
agulha e linha também eram abundantes e ao mesmo tempo diversificados, o que ressalta
a idéia de que os trabalhos que utilizam poucos utensílios ocorriam constantemente e que
no entanto, diversificava-se o tipo do ponto, das cores e dos desenhos.
– Trabalhos modelagem: não se encontravam expostos no salão com os outros trabalhos,
mas em galerias específicas, sobre as quais há relatos. Os trabalhos de modelagem eram
feitos em argila, sem auxílio de instrumento algum.
Principiam os alumnos sempre pela execução da esphera, cuja forma dão
apenas com os dedos e alisam em seguida com a palma da mão. Depois
seguem uma serie completa de sólidos geométricos, applicando
imediatamente cada forma apprendida na feitura de fructos communs,
objectos usuaes, folhas e flores. (Annuario do Ensino do Estado de São
Paulo, 1907-1908, p. 60.)
Notamos na modelagem a preferência pela simplicidade, que dispensa o uso de
instrumentos e prima justamente pela utilização das mãos e dos dedos nas diversas etapas
da modelagem, fazendo com que em cada uma dessas etapas fossem exercitados
diferentes movimentos manuais.
Encontra-se aqui também, algo bastante característico dos trabalhos manuais: a
feitura dos trabalhos mais como processos do que como etapas, uma vez que a
48
modelagem, nesse caso, sugere que pelo manuseio se reconheça a textura, o peso e as
proporções da massa que deve ser transformada em formas geométricas e, só então, a
modelagem do objeto é imaginado.
– Trabalhos de fantasia: segundo os relatos, tratava-se de trabalhos de decoração e
adornos, como almofadas, roupas de festas escolares, feitos com matérias mais caros,
como cetim, veludos, bordados a seda. O inspetor reconhece que são trabalhos que
enfeitam uma exposição, mas não faz nenhuma objeção ao fato de haver em menor
quantidade, ao contrário, acena com a possibilidade de esses trabalhos desaparecerem das
próximas exposições em função de seu gasto financeiro e de tempo para serem realizados.
Assim, pode-se dizer que os trabalhos que recebia maior incentivo eram os que
utilizavam poucos, simples e práticos utensílios, o que podemos comprovar quando o
inspetor escreve:
A nosso vêr, o Director daquelle estabelecimento de ensino esforça-se
incançavelmente para que os trabalhos manuaes e graphicos satisfaçam a
duas condições essências aos filhos do povo: – que sejam, ao mesmo
tempo, os mais úteis e os menos caros possíveis. (Annuario do Ensino
do Estado de São Paulo, 1907-1908, p. 53.)
– Trabalhos de marcenaria: Os instrumentos usados para o trabalho em madeira são:
tornos, canetas, réguas. Os objetos que podem ser confeccionados são: descansos de bule,
batedores de pão-de-lot, cabos de machado, ancinhos, cabides, tira-sapatos, cantoneiras,
cabides, porta-cartões, molduras, porta-toalhas, cômodas, porta-retratos, porta-jarras,
mobília de sala (mobília pequena), licoreiro, lavatório pequenino, mesinhas, cadeiras, etc.
Os trabalhos manuais em madeira dessa exposição eram fabricados com madeira
nacional, como pau-marfim, pinho do Paraná, arriba, entre outras. Em alguns trabalhos a
madeira era descoberta, outros eram encerados e alguns envernizados – alguns desses
últimos estavam enfeitados com frisos talhados na madeira, assim como havia também
alguns guarnecidos de vidros pintados e dourados.
49
Esse modo de expor os objetos feitos em madeira nos diz a respeito da
valorização dos processos, algo bastante característico do sloyd em madeira; importam os
instrumentos de trabalho, como as canetas, as réguas e outros utensílios expostos, assim
como os tipos de madeiras utilizadas e as várias etapas em que se encontram os trabalhos,
estejam eles com a madeira descoberta, com a madeira envernizada ou trabalhada com
detalhes em frisos, etc. Ressalta-se a importância de que para maior proveito dos
trabalhos manuais eles devem obedecer a plano uniforme e metódico, como já vimos,
(...) que regule o desdobramento de suas difficuldades crescentes. Taes
estabelecimentos, constituídos de classes graduadas, acham-se
apparelhados para evitar as soluções de continuidade, permittindo que a
criança, através de seu curso, realise uma aprendizagem manual
verdadeiramente educativa. (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo,
1907-1908, p. 62.)
Ao final deste relatório sobre trabalhos manuais (1907-1908), é mais uma vez
recomendado, principalmente nos trabalhos da secção feminina, que se acabe com os
trabalhos demasiadamente vistosos – ou de fantasia – para que se dê espaço a um
trabalho de caráter simples e prático. É justamente esse caráter simples e prático que
defende a Revista de Ensino (1909), em um artigo sobre o assunto; mesmo porque, seria
uma maneira de exercer essa atividade sem altos custos:
As despezas são poucas, pois começaremos apenas com argila,
abundantemente espalhada por todos os cantos, uma thesoura, uma faca,
um martello, poucos pregos, um pedaço de papel cartão ou um fragmento
de lenho, tudo de fácil conquista e nada mais precisa! (Revista de Ensino,
1909, n. 3, p. 22.)
O texto prossegue fazendo uma advertência ao pouco conhecimento sobre as
atividades cotidianas consideradas simples, o que se pretende mudar com o ensino dessas
atividades:
50
É incrível que neste século pleno de luz, haja, em maioria, gente que não
sabe siquer pregar um prego, ou pegar em ferramentas desde as mais
simples e usuaes, para operar um serviço insignificante, de alguns minutos
e então é preciso chamar um official que lhe ganha alguns mil réis. (...)
Devemos ensinal-o à nossa infância que então será feliz, porque ao em vez
de perambular pelas de diversões, muitas vezes prejudiciaes, se entreterá
em casa com esses pequenos serviços engenhosos. (Revista de Ensino,
1909, n. 3, p. 22.)
As finalidades do ensino das atividades manuais abarcam todos os lados; no
aspecto físico, proporcionam desde precisão do olhar, firmeza e até a destreza dos
músculos da mão. No aspecto mental, proporciona uma maior atenção, interesse, além de
transmitir o senso da cultura estética. O aprendizado das atividades é outra justificativa;
podendo ter utilidade, caso futuramente, o aluno precise exercer um ofício. Por outro lado,
caso não precise, não seria o aprendizado vão, uma vez que esse ensino não compartilha
exatamente das mesmas finalidades de um ensino profissionalizante, ficando portanto, o
gosto pelo trabalho, o que em termos morais, ajudaria a manter o cidadão longe das
diversões pouco aceitas socialmente ou mesmo da possibilidade de vir a ser um problema
para o Estado.
Professores: especialistas ou generalistas?
Para Omer Buyse, o sucesso do sloyd estava ligado à formação pedagógica na
ciência, na arte de ensinar e na habilidade técnica do professor. Para tanto, em alguns
lugares dos Estados Unidos, eram oferecidos cursos específicos, de um ano, nas escolas
normais. Um dos argumentos que mais impulsionou o a difusão de cursos normais de
trabalhos manuais era que, de fato, o sloyd representava um dos mais promissores
esforços educativos, no qual se propunha educar os sentidos, os movimentos, que por sua
vez, estavam ligados ao desenvolvimento da capacidade intelectual.
51
Documento abaixo, também do Annuario de 1910-1911, fala da possível
contratação de professores que dominem os ensinamentos das atividades manuais, o que
pode ser interpretado como um indício da relevância que se pretendeu conferir a essa
atividade, reforçando-a como disciplina quando se reconhece que seria conveniente
alguém para ensinar exclusivamente a atividade .
(...) Desde que não temos ainda, em número sufficiente, professores que
bem conheçam as normas a que deve este ensino obedecer, não vejo
inconveniente em que se contratassem hábeis profissionaes para tal fim,
ou então que se permitisse aos nossos professores praticarem nas aulas
manuaes da E. Normal, até que devidamente habilitados, pudessem tomar
a seu cargo o ensino desses trabalhos nos Grupos e escolas, mediante a
remuneração que lhes concedesse o governo. (Annuario do Ensino do
Estado de São Paulo, 1910-1911, pp. 136-146.)
Entretanto, o que fica dúbio em tal assertiva é seu caráter hipotético e até mesmo
meramente especulativo que propõe algo muito vagamente, mas que enfatiza o
descontentamento com o trabalho do professores atuais em relação às atividades manuais
da secção masculina.
(...) é nosso dever informar-vos que ao contrário do que foi observado
nas classes da secção masculina dos Grupos, as da secção feminina
seguem em geral boa orientação. Quase todos os seus trabalhos ao
menos (ao menos nos Grupos que visitei) são úteis e de caráter simples e
pratico (...). (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p.
141.)
No Annuario de 1913, o Inspetor Aristides de Macedo escreveu um relatório
sobre trabalhos manuais, mais especificamente sobre o sloyd em madeira. Ali foi de
opinião contrária ao que foi dito no Annuario de 1910-1911 sobre uma possível
necessidade de contratação de profissionais próprios para lecionar trabalhos manuais:
52
O slojd em madeira, perfeitamente praticável em nossos grupos escolares
e ensinado pelo mesmo professor que ensina outras disciplinas, é o único
que preenche todos os predicados exigidos para realizar-se a obra
educativa do trabalho manual. (Annuario do Ensino do Estado de São
Paulo, 1913, p. XLVIII.)
Em relação à disciplina de desenho, um artigo da Revista de Ensino (1907)
discute seu ensino na escola, fazendo uma crítica a um possível descaso com a disciplina
no que se refere aos professores escolhidos para lecioná-la. Alega-se que o desenho é
uma das disciplinas que nem sempre se pode ensinar com sucesso e proveito nas escolas
pelo fato nem todos os professores nascerem com a aptidão artística necessária para
ensiná-la; sem vocação artística, sem jeito para o desenho, o professor não saberia iniciar
seus alunos nas “belezas da arte”.
Eis porque, nos grupos escolares e na escola modelo, sempre se devia
confiar a um especialista, contractado ou não, o ensino do Desenho:
imitar-se-ia o que se faz com as aulas de Gymnastica e de Musica. O
director de um estabelecimento de instucção, em que trabalham
diariamente muitas classes e cada qual com o seu professor – deve ser um
pouco condescendente com os seus auxiliares, principalmente para com
aquelles aos quais a natureza não foi prodiga em privilégios e aos quaes
negou perícia manual. (Revista de Ensino, 1907, p. 26.)
No documento acima fica evidente o diferente tratamento dado à disciplina de
desenho em relação às outras, como ginástica e música, que possuem um professor
próprio com o conhecimento e habilidades necessárias para ensiná-las. Nota-se aqui
também, a cobrança do “saber fazer”, exigência demandada ao professor na pedagogia
moderna. Para além das exigências feitas pela pedagogia moderna, o artigo sobre
Desenho da Revista de Ensino propõe a impossibilidade de empreender a educação
estética do aluno com sucesso sem que o professor tenha antes feito a sua, e apenas
53
considerado estar em condições de transmitir uma boa cultura estética o professor que
tiver alma de artista.
Formação integral ou técnico-profissional?
A partir de 1911, ano da criação da Escola Profissional masculina da Capital,
percebemos uma queda na quantidade de notícias sobre os trabalhos manuais, tanto nos
Annuarios, quanto em artigos da Revista de Ensino, no entanto, há que se considerar que
nesse período quando os encontramos, em ambos os impressos aqui estudados, esses
artigos são em geral, quase tratados sobre o trabalho manual. São textos grandes,
caracterizados por empreender uma grande defesa à essa atividade que vem se mostrando
decadente; a tentativa de salvar a prática dos trabalhos manuais é feita com argumentos
que mostram as vantagens dessa atividade como salvação para os problemas do ensino.
Enquanto isso a ascensão do ensino profissional se evidencia no Annuario e na Revista :
A tendência cada vez mais accentuada de substituir, tanto quanto possível,
a mão de obra pelo trabalho das machinas, vae tomando um extraordinário
incremento em todos os paizes civilizados. As fabricas, as usinas, vão, dia
a dia, trocando os utensílios singulares do artista ou do operário por
machinismos poderosos e aperfeiçados, os quaes formam, em conjuncto,
um só instrumento, um utensílio complexo, enfim. As indústrias, as
manufacturas, em toda a parte, procuram desse modo salvaguardar seus
interesses econômicos. Esta idéia, fundamente arraigada no espírito dos
americanos do norte, já lhes creou o ‘labor saving`– principio que hoje
lhes constitue uma verdadeira lei economica. (...) (Annuario do Ensino do
Estado de São Paulo, 1913, p. XXV)
Os institutos profissionais são comentados com certo entusiasmo, como símbolo
de progresso existente em países ditos civilizados; como citado no documento, os Estados
54
Unidos, que continuava portanto exportando suas idéias, assim como fizera sobre os
trabalhos manuais.
A demanda por escolas que oferecem formação profissional aumenta nesse
período (1900-1920), como já vimos anteriormente, em função das indústrias se
instalando cada vez mais no país, além, da necessidade de habilitar trabalhadores
brasileiros, posto que a experiência com operários imigrantes (politizados), acarretou em
diversas greves.
Apesar do entusiasmo, percebe-se no documento um tom de cautela, uma vez que
esses institutos profissionais eram recentes, e considerados investimento em médio prazo.
Dessa forma sugere-se a experiência dessas escolas antes na Capital, para melhor
entender seu funcionamento, sem que acarrete em prejuízos.
Entre nos, é bem recente a instituição de escolas dessa natureza e, por esse
facto, ellas ainda não puderam atingir o grau de desenvolvimento
desejável, que só o tempo, a experiência, e a prática, poderão determinar.
Por isso mesmo, acho que ao em vez de disseminal-las pelo interior do
Estado, convinha primeiramente dar maior desenvolvimento às da Capital,
introduzindo-lhes novos melhoramentos, aperfeiçoando-as cada vez mais,
até que ellas possam constituir bons padrões, verdadeiros modelos para
outras se crearem. Será este um meio pratico e seguro para que taes
estabelecimentos de ensino correspondam ao fim a que se propõe , e
prestem os benefícios que deles se esperam. Enquanto tal não se fizer,
julgo inopportuna a creação desses institutos no interior, mormente em
localidades , cuja ausência de estabelecimentos fabris ou industriaes não
reclama o ensino educativo peculiar as escolas profissionaes. Todo e
qualquer movimento no sentido de espalhar estabelecimentos dessa
espécie pelo interior, é, por emquanto, preciptado; só pode desvirtuar a
natureza dos mesmos, tranformando-os em pesados aleijões para o Estado.
(Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1913, p. XXVI)
55
Colocar como concorrentes formação integral e a formação técnico-profissional
nos parece ser o mesmo que escolher um ponto de vista simplista sobre a questão. Como
poderiam ser concorrentes de forma tão direta, sendo que possuíam finalidades distintas?
Parece ficar ainda mais complexo quando pensamos que essa concorrência tão direta
implicaria no ensino profissional suprimindo as atividades manuais na escola primária.
Seria um equívoco fazer esse movimento, no entanto precisamos lembrar que as idéias
sobre um ensino primário reduzido em todos os sentidos, começaram a circular e ganhar
força mesmo antes da reforma Sampaio Dória, que viria concretizar essas novas
finalidades do ensino primário.
56
Considerações finais
Desventuras e declínio dos trabalhos manuais
No mesmo ano da criação das Escolas Profissionais feminina e masculina (1911),
é possível observar no Annuario referente a este ano, um aumento de advertências sobre a
prática dos trabalhos manuais cada vez mais escassa entre os meninos, apenas sendo entre
as meninas praticado ainda com certa regularidade.
Ao mesmo tempo em que no Annuario referente a 1910-1911 adverte sobre uma
baixa na prática das atividades manuais ao dizer que entre os alunos do sexo masculino
essa disciplina quase desapareceu, e que “entretanto, bem merecia ser reanimado esse
ensino” (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p.110). Adiante
encontramos em outro relatório uma informação mais precisa:
(...) Si bem que o ensino de trabalhos manuaes deva ser limitado, de modo
que não prejudique os estudos de outras disciplinas, forçoso é confessar
que, na seção masculina de todos os Grupos, acha-se elle hoje não só
reduzido nas classes do 1º e do 2º , mas até banido das classes de 3 e 4
annos, apezar das exigencias do programma. Nem sequer, para estas
últimas classes, os horários adoptados lhe consignam tempo (...)
(Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p. 136.)
Apesar do lamento em relação à decadência da disciplina, o relato não deixa de
sugerir que o ensino desta deve limitar-se para que não atrapalhe o andamento das outras,
o que parece bastante paradoxal, posto que o ensino desta ficou reduzido no 1º e 2º ano, e
inexistente no 3º e 4º. A causa desse abandono da disciplina é apontada como sendo uma
certa falta de paciência por parte dos professores:
A causa do abandono destes exercícios achará talves sua explicativa neste
fato: certos professores, vendo que as creanças desde logo não podem
57
apresentar trabalhos perfeitos, julgam-se obrigados a corrigi-los e
aperfeiçoá-los; mas não podendo fazer, por faltar lhes a paciência e
algumas vezes também a pratica precisa para a execução de tais serviços,
preferem desprezá-los completamente. (Annuario do Ensino do Estado de
São Paulo, 1910-1911, p. 138.)
Ao encontro dessa assertiva está a informação de que geralmente saem bons
trabalhos das classes onde a disciplina de trabalhos manuais é ministrada por professores
especialistas (em desenho, cartonagem, tecidos, dobraduras bordados, etc,), e mesmo o
inspetor considerando o possível retoque em alguns detalhes, feito pelo professor, – o que
não é aceito por nenhum defensor desse ensino, por tirar do aluno a possibilidade da
experiência da disciplina - ao menos, nesse caso, seu ensino não deixa de acontecer por
falta de paciência ou de habilidade própria.
Sendo assim, a questão dos retoques, além de interferir no processo pedagógico,
sendo uma das maneiras como se apresenta a decadência dessa disciplina, segundo o
Annuario (1910-1911), acusa como culpado disso o professor que não possui esse tipo de
formação ou habilidade nessa atividade e portanto, impaciência de ensiná-la. Assim
sendo, a solução encontrada para esse problema seria a contratação de professores
especialistas na disciplina:
(...) Desde que não temos ainda, em número sufficiente, professores que
bem conheçam as normas a que deve este ensino obedecer, não vejo
inconveniente em que se contratassem hábeis profissionaes para tal fim,
ou então que se permitisse aos nossos professores praticarem nas aulas
manuaes da E. Normal, até que devidamente habilitados, pudessem tomar
a seu cargo o ensino desses trabalhos nos Grupos e escolas, mediante a
remuneração que lhes concedesse o governo”.(Annuario do Ensino do
Estado de São Paulo, 1910-1911, pp. 136-146.)
58
Um dos grandes pontos de insistência dos defensores dos trabalhos manuais é a
possibilidade do baixo custo dessa atividade. Porém, essa possibilidade perece ter se
perdido, desde o momento em que também se perdeu a validade de suas finalidades
essenciais. Não é possível precisar qual fator teria desencadeado um maior custo da
disciplina, mas é certo que o encarecimento ocorreria nas contratações ou especializações
de professores, e no fato de alguns dos materiais usados para trabalhos manuais não
poderiam ser reutilizados por outros alunos; feitos nos trabalhos (especialmente por
meninas), o que além de anular a proposta da disciplina, encarecia a atividade. De forma
que:
Não desapparecem ainda das exposições os trabalhos de fantasia e luxo,
cujos os preparos importam em dispêndios superfulos. Disto são culpados
muitos paes que, com suas exigências, querem arrogar-se direitos que não
lhes assistem, na escolha dos trabalhos que devem ser executados por suas
filhas, nullificando assim os esforços dos dirigentes do ensino. (Annuario
do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p. 143)
Em outro documento no Annuario de 1915, o inspetctor Guilherme Kuhlmann
também critica o abandono das atividades manuais, atribuindo a esse fenômeno o
desconhecimento dos professores acerca das teorias sobre essa disciplina. No entanto,
dessa vez a crítica excede os professores chegando de certa maneira na direção da Escola
Normal, que por sua vez, deixaria que esse ensino fosse ministrado por um operário.
A escola primaria não pode ser verdadeiramente educativa sem a pratica
constante e methodica do trabalho manual. Não obstante a evidencia deste
asserto, esta importante disciplina tem sido relegada para último plano.
Não nos surpreende o desconhecerem muitos professores o alto valor
educativo dos trabalhos manuaes. Nas Escolas Normaes, o seu ensino está
quase que geralmente entregue a um operário qualquer, que embora perito
na arte, lhe desconhece, porem, o seu lado pedagógico, educativo. Dahi, o
desastre do seu ensino , e a falta de interesse que os professores ligam a
sua adopção. (...). Si, de um modo completo, não é possível empregar
59
unicamente o slojd de carpintaria, isso não justifica o não emprego de
outras variedades de trabalho que, em conjuncto, poderão produzir as
vantagens que aquelle, por si só, produz. (Annuario do Ensino do Estado
de São Paulo, 191, p. XXV.)
Kuhlmann continua o texto, fazendo a defesa dos trabalhos manuais ao ressaltar
os benefícios que só se dão através da prática metódica e freqüente, como o
desenvolvimento físico, mental e intelectual, sendo essa tríade responsável pela formação
da individualidade. O inspetor defende, teoricamente, que para se atingir a atenção plena,
a criança passa pelos graus intermediários, como interesse, reflexão, aplicação, contenção
e contemplação; os quais são exercitados pelos os trabalhos manuais.
O inspetor mais uma vez lamenta por não haver um melhor desenvolvimento
dessa disciplina nas Escolas Normais, onde deveriam servir de modelo para o ensino. O
texto se encerra com Kuhlmann pedindo que, perante a impossibilidade de prática do
sloyd de carpintaria, por conta da falta de profissionais e salas equipadas, que, aqueles
que dominem o conhecimento técnico e teórico da atividade –não deixem de praticar
algum tipo de trabalho manual, que não exija necessariamente os utensílios específicos
do sloyd, justamente por sua falta.
Eis ahi, succintamente, a importância do trabalho manual, no seu tríplice
aspecto educativo: intellectual, physico e moral. (...) Sendo assim, é
profundamente lamentável que não tenha elle mais segura orientação e
mais amplo desenvolvimento nas nossas Escolas Normaes, como
lamentável é também não possuírem não possuírem os nossos edifícios de
grupos escolares salas especiaes destinadas ao seu verdadeiro ensino. Mas
si por essas circunstancias não se pode applicar às crianças paulistas o
ensino do slojd de carpintaria, - ao menos que aquelles professores que
conhecem o valor educativo dos trabalhos manuaes, que dêeem mais
methodo, intensidade e continuidade a modelagem em argila, a tecelagem,
ao trançado, ao recorte, a cartonagem, a qualquer trabalho manual, enfim,
60
que possa influir com vantagem na educação da nossa infância. (Annuario
do Ensino do Estado de São Paulo, 1915, pp. XXXVII e XXXIX.)
Nada consta sobre trabalhos manuais nos Annuarios de 1916 e 1917. No
Annuario de 1918, se intensificam os discursos sobre a importância da erradicação do
analfabetismo. São mostrados dados estatísticos de crianças que freqüentam e que não
freqüentam a escola, assim também como a pressa em solucionar essa questão, uma vez
que ultrapassando a idade escolar, esses alunos se somariam aos cidadãos analfabetos já
existentes. A falta de vagas para brasileiros e estrangeiros em algumas regiões junto ao
mau planejamento, que tinha como conseqüência o fechamento de algumas escolas por
falta de alunos, eram alguns dos fatores vistos como contrários ao progresso e portanto,
urgentes.
No mesmo Annuario (1918) encontra-se um resumo do plano da Reforma de
Sampaio Doria, do qual destacamos a seguinte medida:
Simplificar o programma da escola primaria de modo que, no primeiro
período, domine o ensinar a ler, escrever e contar, e seja o segundo um
aperfeiçoamento do primeiro.” (Annuario do Ensino do Estado de São
Paulo, 1918, p.20)
O Annuario de 1919 dá continuidade aos destaques feitos na publicação de 1918
sobre o projeto de acabar com o analfabetismo, citando a lei de número 1.709, de 27 de
dezembro de 1919, que “Cria diversas escolas profissionaes nesta Capital e Interior do
Estado” (Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1919, p.182). A referida lei
decretou a criação de duas escolas profissionais na Capital, uma masculina e outra
feminina, preferencialmente instaladas em bairros operários. Também foi decretada a
criação de mais cinco escolas masculinas a serem instaladas em diversas zonas do Estado.
Ao fazer um balanço geral, percebemos que havia sempre uma inconstância na
prática dos trabalhos manuais da instrução primária, com altos e baixos nas atividades, no
entanto, obtendo uma maior constância nas atividades consideradas femininas para as
meninas, e no desenho, modelagem, cartonagem e recorte para ambos os sexos.
61
Entre os fatores que acarretaram a decadência dessa disciplina constam: o custo
do fornecimento constante dos materiais necessários; a ausência de lugar próprio para a
prática de atividades que exigiam salas equipadas, como o caso do sloyd; a falta de
formação apropriada para os professores e a conseqüentemente inabilidade destes com o
ensino.
Em artigo na Revista de Ensino de 1909 (pp. 22 e 23), Bruno Zwarg fala sobre o
ensino do trabalho manual já ter encontrado muitos adeptos em grandes e altos círculos,
entre eles, cientistas que explicam seus benefícios, começando assim a ser difundido no
Estado. O artigo que defende o ensino dos trabalhos manuais, precisa, para tanto,
justificá-lo com aval científico, mencionando o pertencimento deste aos grandes e altos
círculos da pedagogia, assim como mencionar as experiências internacionais com este
ensino.
É inegável a grande circulação sobre as proposições desse ensino em diversos
países e o intercâmbio sobre os vários tipos de trabalhos manuais. No entanto, com base
nos documentos analisados, mesmo constando nos programas curriculares, as atividades
manuais não tiveram o suporte de uma sólida formação de professores ou de condições
materiais, e mesmo em atividades de materiais simples, a parte as atividades com agulhas,
esse ensino ficou, por volta de 1911, cada vez mais decadente até chegar até a
inexistência de algumas atividades no ensino primário, havendo portanto, uma maior
circulação do que de fato uma apropriação da proposta de trabalhos manuais no ensino.
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