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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Renato Cordeiro Paoliello “Lavagem de Capitais e Sistema Punitivo. Critérios para uma perspectiva em face da dogmática e da filosofia penal.” Mestrado em Direito SÃO PAULO 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Renato Cordeiro Paoliello

“Lavagem de Capitais e Sistema Punitivo. Critérios para uma perspectiva

em face da dogmática e da filosofia penal.”

Mestrado em Direito

SÃO PAULO

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Renato Cordeiro Paoliello

LAVAGEM DE CAPITAIS E SISTEMA PUNITIVO. CRITÉRIOS PARA

UMA PERSPECTIVA EM FACE DA DOGMÁTICA E DA FILOSOFIA PENAL.

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação de Mestrado apresentadaà Banca Examinadora da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo,como exigência parcial para obtençãodo título de Mestre em Direito Penal,sob a orientação do Professor DoutorAntônio Carlos da Ponte.

SÃO PAULO 2016

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BANCA EXAMINADORA:

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Dissertação elaborada auxílio de Bolsa de Estudos integral daCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –CAPES, fundação vinculada ao Ministério da Educação – MEC.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus por iluminar meu caminho até o presente momento.

Sou grato a imensa generosidade do Professor Doutor Antônio Carlos da Ponte

pela confiança em mim depositada por me aceitar no curso de mestrado, bem como pelas

inigualáveis lições acadêmicas e pessoais que me proporcionou ao longo dos anos em que

pude ser seu aluno.

Manifesto minha gratidão ao Professor Doutor José Canosa Gonçalves Netto, pela

imensa paciência e amizade deste verdadeiro “luminare”, reconhecido pela competência

além da rara qualidade de educador, tornado-o verdadeiro exemplo a ser seguido.

Meus sinceros agradecimentos ao Professor Doutor Cláudio de Cicco, pela

paciência ao ensinar e conversar sobre filosofia e teoria política, com a paciência de ouvir e

discutir meus ideais nestes árduos e gratificantes campos.

Agradeço aos Professores Dr. Pedro Henrique Demercian e a Dra. Alessandra

Orcesi Pedro Greco pelas precisas e ponderadas considerações efetuadas, devendo grande

parte do presente trabalho às sugestões apontadas.

Meus agradecimentos as minhas queridas amigas, Patrícia Tolloti Rodrigues Donatti

e Marcela Albuquerque Zan, pelo companheirismo no decorrer desta caminhada, bem como

pela disponibilidade em discutir teorias, tratados e referências, em busca do verdadeiro

sentido do Direito Penal.

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DEDICATÓRIA

Aos meus avós,

Francisco “in memorian,” e Elvira,

pelo exemplo e pelo incentivo.

Aos meus pais, George e Judith,

sem os quais nada seria possível.

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RESUMO

PAOLIELLO; Renato Cordeiro. “Lavagem de Capitais e Sistema Punitivo: Critérios parauma nova perspectiva em face da dogmática e da filosofia penal”, São Paulo, PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, Dissertação (Mestrado em Direito) – Programade Pós-Graduação em Direito, 2016.

O presente trabalho tem por finalidade a análise do sistema punitivo confrontadocom o sistema de combate a lavagem de capitais. Como metodologia a ser utilizada,parte-se da análise de aspectos filosóficos e dogmáticos. A análise ocorreráinicialmente na busca verdadeira origem da lavagem de capitais, pelos atos deencobrimento e sua problematização, face os elementos penais do concurso deagentes. Após, faz-se análise dos diplomas penais em busca da utilidade dalavagem de capitais e sua conclusão pela forma instrumental e utilitária no combatea delitos de gravidade acentuada, mormente ao tráfico de narcóticos. No segundocapítulo, elabora-se as fases de lavagem de capitais para descrição da evolução datrajetória do crime, na acepção do “iter criminis”, bem como, para servir de substratoa análise dos demais institutos, tendo em vista que o aspecto fático do direito nãodeve ser preterido. Um segundo momento deste capítulo, descreve as principaisformas, pelas quais se utilizam os lavadores de dinheiro, para atingir a sua “metaoptata”, em consumação, ao desatinar da origem espúria, os valores obtidos pormeios criminosos No terceiro capítulo, existe a análise do bem jurídico-penal, pelaconstrução da defesa de ente universalizado, e a análise das principais tendênciasdoutrinárias de enfrentamento da lavagem de capitais. Após, no quarto capítulo,existe a análise da corrente filosófica utilitarista, e de movimento epistemológico dofuncionalismo, além da tese doutrinária das velocidades do direito penal, para traçar,em caráter especulativo, os elementos característicos presentes no combate alavagem de capitais. No quinto capítulo, e no sexto existe a análise de efeitosconcretos da adoção da filosofia analisada nos capítulos anteriores, na tentativa decriação de sistema estanque aos ditames do Código Penal. Nesses termos, haveráanálise da extraterritorialidade da lavagem de capitais, bem como do concurso deagentes e sua peculiar característica na lavagem de capitais. Por fim, será feitaanálise dos aspectos de codelinquência na lavagem de capitais.

Palavras-chave. Lavagem de Capitais, Direito Penal, Sistema Punitivo, Crime deReciclagem

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ABSTRACT

PAOLIELLO; Renato Cordeiro. "Money laundering and punitive system: Criteria for anew perspective in the face of dogmatic and criminal philosophy", Saint Paul,Pontifical University of Catholic of Saint Paul, Dissertation (Master of Law) -Graduate Program in Law, 2015.

This study aims to analyze the punitive system faced with the combat system tomoney laundering. The methodology to be used, we start the analysis ofphilosophical and dogmatic aspects. The analysis will take place initially in findingtrue origin of money laundering at the acts of cover-up and their questioning, face thecriminal elements of the agents criminal act. After, it is analysis of the criminal acts inpursuit of money laundering utility and its conclusion by the instrumental andutilitarian way to combat severe gravity of offenses, mainly to narcotics trafficking.The second chapter draws up the money laundering stages to describe the evolutionof the crime trajectory within the meaning of the "iter criminis" as well as to substrateserve the analysis of other institutes, considering that the appearance factual the lawshould not be passed over. A second phase of this chapter describes the main waysin which to use the money launderers to achieve their "meta optata" in consummationfor vanish the spurious origin of the values obtained by criminal means. In the thirdchapter, there is an analysis of the legal and penal well, the construction ofuniversalized entity defense, and analysis of the major doctrinal trends of moneylaundering coping. Then, in fourth chapter, there is an analysis of the utilitarianphilosophical current, and epistemological movement of functionalism, beyond thedoctrinal thesis speeds of criminal law, to plot, on a speculative basis, thecharacteristic elements in combat of the money laundering. In the fifth chapter, and inthe sixth, there is the analysis of concrete effects of the adoption of the philosophydiscussed in previous chapters, in an attempt to create watertight system to thedictates of the Penal Code. In these terms, there will be analysis of money launderingof extraterritoriality as well as the procurement agents and their peculiar feature inmoney laundering. Finally, we will be analyzing the aspects of criminal moneylaundering law on the persons of the crime.

Keywords: Money Laundering, Money Laundering, Criminal Law, Punitive System,Recycling crime

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BSA - “Bank Secrecy Act ”;

CADE – Conselhe Administrativo de Defesa Econômica;

CICAD – “Inter-Americanal Drug Abuse Control Commision”;

CF – Constituição Federal de 1988;

CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e

Turístico;

CP – Código Penal;

CPP – Código de Processo Penal;

CTR – “Currency Transation Report ;

COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras;

CVM – Comissão de Valores Mobiliários;

Egmont – “Egmont Group of Financial Intelligence Units”;

EUA – Estados Unidos da América;

FIU – Financial Intelligence Unit;

GAFI/FATF – Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento

do Terrorismo;

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;

i.e. - “id est”, isto é;

OEA – Organização dos Estados Americanos;

ONU – Organização das Nações Unidas;

ONGs – Organizações não governamentais;

op. cit. - Obra já citada.

FinCen - “Financial Crimes Enforcement Network “;

STGB – Strafgesetzbuch.;

IBCCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais;

UNODC - “United Nations Office on Drugs and Crime”;

UNODCCP - “United Nations Office for Drug Control and Crime Prevention”;

v.g. ou e.g. - “verbi gratia”, “exempli gratia”, por exemplo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….… 12

1. ESCORÇO HISTÓRICO………………………………………………………….. 14

1.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES………………………………......…. 14

1.2 DO ENCOBRIMENTO ATÉ A LAVAGEM DE CAPITAIS……………….… 16

1.3 DIPLOMAS INTERNACIONAIS E LAVAGEM DE CAPITAIS…………. .. 28

1.3.1. Importância dos tratados internacionais ……………… …….… 28

1.3.2. Convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias

psicotrópicas ……………………………………………………………… 33

1.3.3. Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado

transnacional………………………………………………………………….. 34

1.3.4. Convenção de Mérida………………………………………………… 36

1.3.5 Recomendações do GAFI ……………………………………….. …. 38

1.3.6 Acordos de Egmont….…………………………………………… 41

1.3.7 Regramento modelo CICAD………………………………………… 46

2. TIPOLOGIA E FASES DA LAVAGEM DE CAPITAIS………………………. 52

2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES………………………………… 52

2.2 DAS FASES DA LAVAGEM DE CAPITAIS…………………………… 53

2.3 TIPOLOGIA DA LAVAGEM DE CAPITAIS………………………...……. 62

2.3.1. Sistema de multiplicação………………………………………… 62

2.3.2. Utilização de empresas de fachada…………………………….. 64

2.3.3. Reinvestimentos em países estrangeiros……………………….. 69

2.3.4. Paraísos fiscais…………………………………………………… 70

2.3.5. Utilização de bens de alto valor agregado….……………………. 72

2.3.6. Importações fraudulentas………………………………………… . 74

2.3.7 Abuso de Organizações Sem Fins Lucrativos…………………… 76

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3. BEM JURÍDICO PROTEGIDO…………………………………………………. 79

3.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES………………………………………. 79

3.2. DO BEM JURÍDICO UNIVERSAL……...…………………………………… 83

3.3. ENFRENTAMENTO NA LAVAGEM DE CAPITAIS……………………… 101

3.3.1 Da administração da justiça…………………………………………. 101

3.3.2. Da ordem econômica………………………………………………… 110

3.3.3 Da pluriofensividade………………………………………………… 119

3.3.4. Da Superproteção do Bem Antecedente………………………… 122

3.3.5. Do Critério Adotado………………………………………………… 125

4.I INFLUÊNCIAS DOUTRINÁRIAS NA LAVAGEM DE DINHEIRO……….. 127

4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES……………………………………... 127

4.2. CORRENTES FILOSÓFICAS E MODELOS EPISTEMOLÓGICIOS…… 128

4.2.1. Influências Utilitárias………………………………………………… 128

4.2.2. Justificação Funcionalista……………………………………...…... 132

4.2.3 Velocidades Do Direito Penal………………………………...……. 139

5. EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI DE LAVAGEM……………….………. 144

5.1. DA TERRITORIALIDADE DA LEI PENAL……………………………… 144

5.1.1. Da extraterritorialidade da lei de lavagem de capitais…………… 149

5.1.2. Homologação da sentença penal estrangeira…………………… 157

6. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO………...…………………………………………. 162

6.1.ENFRENTAMENTO DA CODELINQUÊNCIA………….……………..… 162

6.1.1.Conceito de autor e de partícipe………………………………….…. 170

6.1.2. Da participação em grupo, associação e escritório….………… 178

7. CONCLUSÕES……………………………………………………………...… 187

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………… 190

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INTRODUÇÃO

Analisar a lavagem de capitais é desvendar um dos instrumentos dos mais

eficazes na contenção da criminalidade. Realiza-se sua missão em impedir a

movimentação financeira na realização de atividades criminosas, bem como para

recuperar frutos e produtos obtidos na ação delitiva.

Por tudo isso, a legislação pátria incorporou tal instrumento ao ordenamento

jurídico, através do tipo penal de ocultar e dissimular a natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores, advindos de

uma infração penal antecedente. Ao par da incriminação foi elaborado sistema de

controle da lavagem de capitais, por meio de órgão Administrativo estruturado à

identificação de movimentações suspeitas.

Diante de tamanhos benefícios, parece inacreditável que um instrumento de

tamanho valor tenha sido objeto do Direito Penal somente nas duas últimas

décadas. Por este motivo, é tarefa importante descobrir qual o real nascedouro da

lavagem de capitais, haja vista que a criminalidade patrimonial é milenar. Assim, far-

se-á análise, de fontes primárias e secundárias, para descobrir qual como era feito o

combate da criminalidade sob aspecto financeiro no passado.

Na análise dogmática é imprescindível analisar o aspecto fático do Direito,

para fins de valoração da conduta penal. Com efeito, o conhecimento dos

mecanismos de lavagem e as fases do crime constitui importante abordagem, para

desvendar como é operacionalizada a tarefa de ocultação e dissimulação. Sem a

visualização dos aspectos fáticos ficaria difícil prosseguir na análise dogmática.

Por outro lado, para criar um sistema coerente com o ideal de Justiça é

imprescindível investigar a que se destina o sistema de lavagem de capitais.

Certamente, o Direito Penal, como Direito restritivo, possui função social protetiva de

interesses e de valores. Daí decorre a necessidade de identificação precisa do bem

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jurídico-penal como objeto de proteção da norma.

Paralelamente, far-se-á um estudo sobre as influências doutrinárias na

lavagem de capitais e sob quais prismas pode-se descrever a lavagem de capitais.

Estudo este absolutamente necessário, para que sejam avaladas as tendências

filosóficas e os movimentos epistemológicos que exerçam influência no modelo legal

de lavagem de capitais.

Etapa seguinte, consiste na avaliação dos efeitos concretos das definições

antes buscadas, para analisar decorrências, bem como as diferentes propostas que

podem advir da definição do objeto de proteção, bem como das influências

doutrinárias. Exemplos destes reflexos são a adoção de validade extraterritorial da

lavagem de capitais, e a diferenciação do concurso de pessoas no campo do delito

de reciclagem.

As propostas de enfrentamento do presente estudo não tem a pretensão de

ser exaustivas, limitando-se a buscar critérios, pelos quais sejam efetivados os

ideais de Justiça e garantidos os direitos individuais, tudo com respaldo na dignidade

da pessoa humana.

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1. ESCORÇO HISTÓRICO

1.2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

O estudo histórico é bastante representativo pela metáfora de Alexis de

Tocqueville1: “quando o passado deixa de iluminar o futuro o espírito vive em trevas”.

Significa a valorização da experiência, tornando-a em massa crítica. Forma-se, um

meio de solução de problemas atuais, com a valia de saber da eficácia pretérita das

medidas a serem adotadas em nossos dias.

Neste diapasão, o escorço histórico, do tema em comento, será capaz de

fornecer um panorama do instituto, visualizando a sua aplicação ao longo dos

tempos, pois de nada adiantaria tentar resgatar a aplicação de medidas ineficazes,

ou apontar para caminhos fadados ao fracasso. Assim sendo, no decorrer do

presente capítulo, será elaborada compilação das legislações, e de outras fontes

normativas, para que, precipuamente seja demonstrada a forma pela qual foi

arquitetado o instrumento de lavagem de capitais.

A Lavagem de Capitais tem sua origem, normalmente, associada ao período

dos anos vinte aos anos setenta do século XX, notadamente nos Estados Unidos da

América, onde houve grande preocupação das autoridades no combate ao

contrabando e ao narcotráfico2.

Figuras marcantes do ideário popular da época, diante da inaudita violência

1 TOCQUEVILLE, Alexis de. “Democracy in america”, 4ª edição, Cambridge: Server and Francis,1864, pág.

2 MAIA; Rodolfo Tigre. “Lavagem de Dinheiro”, 2ª edição, Editora Malheiros, São Paulo, 2007.

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e crueldade, tais como a de Meyer Lansky3, Jonh Dellinger, All Capone4 e outras,

foram apontadas como o marco inicial na lavagem de capitais.

Entretanto, a sua origem deve ser apontada em legislações anteriores,

através da busca da finalidade de institutos análogos. Neste momento, buscaremos

a aproximação de tipos penais provenientes de diferentes Códices, para demonstrar

que a preocupação de combate ao encobrimento de frutos e produtos da atividade

criminosa remonta a épocas bem diversas das tradicionalmente abordadas.

É cediço, que a lavagem de capitais é instrumental no combate da

criminalidade, integrando-se ao sentido de frear a expansão da atividade delitiva,

sob o aspecto da utilização de recursos, para erigir barreira ao desempenho

contumaz e reiterado de crimes.

Este ideal em muito se aproxima de diversas fontes históricas, das quais

podemos notar o mesmo ideal de impedir a criminalidade, com o combate a

estruturação de aparato criminoso, e de proveito econômico da atividade. Com

efeito, quando existir a tônica legislativa de enfrentamento de criminalidade,

atacando o sistema de operação da empreitada criminosa, podemos sim identificar o

nascedouro da lavagem de capitais.

Denota-se, este ideal, de diversas passagens legislativas, as quais, por

óbvio, não foram ao seu tempo, denominadas de lavagem de capitais, mas

teleologicamente – de “telos5”, com a finalidade –, podem ser tratadas com o mesmo

intuito. Em suma, na abordagem histórica haverá aproximação de tipos e estruturas

legislativas, que tinham por fito o enfrentamento da criminalidade, sob o aspecto

finalístico de asseguramento da vantagem de determinada infração.

3 BARROS, Marco Antônio de, “Lavagem de capitais e obrigações civil correlatas”, 2ª edição, SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 40-41.

4 HINTERSEER, Kris. “Criminal finance: The political economy of money laundering in a comparativelegal context.”, Grã-Bretanha: MPG Books Limited, 2002, pág. 33/34.

5 Interpretação teleológica, almejando a busca da verdadeira “ratio legis”, ou da “intento legis”.

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1.2 DO ENCOBRIMENTO ATÉ A LAVAGEM DE CAPITAIS.

Aproximadamente até metade do século XX, no Direito Penal pátrio, havia a

preocupação com os chamados atos de encobrimento, ligada à ideia de

cumplicidade. A intervenção de outras pessoas, após a consumação do crime, seria

destinada ao proveito da atividade delitiva. Os agentes que porventura prestassem

auxílio aos criminosos, ainda que o crime se encontrasse acabado ou perfeito,

seriam tratados por auxiliares do delito consumado. Através da colaboração de

agentes, prestava-se auxílio, após a execução do crime, para garantia da destinação

do produto do delito.

Não é de todo incorreto vislumbrar o estímulo material e psicológico ao

criminoso, quando há oferecimento de segurança ao aproveitamento do fruto do

crime, bem como com a formação de obstáculo a persecução penal do criminoso.

Parece ser empírico o fato de que a garantia de impunidade acabaria por retirar do

agente um contraestímulo contra a prática delitiva6.

Por sua vez, o Código Penal Francês de 17917, dispunha sobre os

encobridores, sendo encontrada a ressonância deste ideal, como pode ser notada

da passagem:

“TÍTULO III De los cómplices de los crímenes (...)Artículo 3. Si se hubiere cometido un crimen con alguna de lascircunstancias especificadas en el presente [sic] artículo, quienresultar convicto de haber recibido gratuitamente, aceptado uencubierto todos o parte de los efectos robados, sabiendo que éstosprovenían de un robo, será reputado cómplice y castigado con lapena establecida para los autores del crimen.”

Por outro lado, os Códigos de origem Espanhola do início do século XIX

6 ROMAGNOSI, tem interessante teoria acerca da “spunta” e da “contra spunta penale”, 7 DALBORA; José Luis Guzmán. “Revista de derecho penal y criminologia”, número 1, 2009,Valparaíso, págs. 481-517.

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também optavam pela divisão dos participantes entre autores, cúmplices e

encobridores8. O Código Penal Francês de 1810, nos artigos 61 e 62, também optou

por trilhar este caminho ao dizer do “recel de malfeiteurs”.

Como primeiro marco na legislação pátria é imprescindível notar o tipo do

Código Criminal do Império de 1830 do art. 6º, o qual através da extensão típica, sob

a forma de concurso de agentes, taxava de cúmplice aqueles que visavam dar

aparato à empreitada criminosa. Vejamos a disposição do Diploma Imperial neste

sentido:

“Art. 6° Serão também considerados complices:1° os que receberem, occultarem ou comprarem cousas obtidas pormeio criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabê-lo emrazão da qualidade ou condição das pessoas, de quem receberam,ou compraram.”

Perfilando este ideal existe outra passagem indicativa da necessidade de

combate da ocultação ou da sonegação, quando há permissão de entrada nas

casas dos cidadãos, para que seja feita a penhora ou sequestro de bens “havidos

por meios criminosos”, que se “occultaram ou negam”, nos seguintes termos:

“Art. 211. A entrada de dia na casa do cidadão é permittida: 1° Nos casos em que se permite de noite.2° Nos casos, em que na conformidade das leis, se deve proceder aprisão dos delinquentes; à busca ou apprehenção de objectosroubados, furtados, ou havidos por meios criminosos, á investigaçãode instrumentos, ou vestígios de delicto, ou de contrabandos, e ápenhora, ou sequestro de bens, que se occultaram, ou negam.”

Comentando o propósito dos citados artigos, existe o escólio de TobiasBarretto9, nos seguintes termos.

“(…) As duas formas de cumplicidade in specie, indicadas pelo art.6°, costuma-se designar, segundo terminologia latina, pelas palavras

8 FERRAZ; Esther Figueredo. “Co-delinquência no direito penal brasileiro”, Universidade de SãoPaulo, Tese de Livre Docência, 1947, São Paulo, pág. 102.

9 BARRETTO, Tobias, “Obras Completas. Estudos de Direito”, Vol. I, Rio de Janeiro: Paulo, Pongetti& Co., 1923, volume impresso de acordo com a determinação do Decreto n.° 803 de abril de 1923, doGoverno do Estado de Sergipe, pág. 98-99.

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receptatio e ratihabitio, significando a primeira o facto de receber,occultar ou comprar cousas obtidas por meio criminosos, com o doloreal consistente em saber que foram assim obtidas, ou com opresumido consistente em dever sabel-o em razão da qualidade oucondição das pessoas de quem receberam ou compraram essasmesmas cousas; e significando a segunda o facto de acolher eproteger assassinos e roubadores, tendo o conhecimento da suacriminalidade. Se o codigo merece alguma critica, não é certo por terdado a esses aspectos, que a legislação de outros paízes consideracrimes especiais, o caracter de cumplicidade. Elle estava no seudireito. Desde que tinha em mira impor aos indivíduos que assimprocedessem uma pena igual ás que teriam os verdadeiroscumplices dos crimes a que alludem nos §§ 1° e 2° do art. 6°,pareceu-lhes mais acertado, por ser realmente mais simples,consideral-os tambem como cumplices: o resultado era o mesmo,havendo porém a vantagem de não multiplicar os processos.”

Nem se pense, que o estudo do escorço histórico da Lavagem de Capitais é,

na realidade, a busca do nascedouro do delito de Receptação (art. 180 do Código

Penal de 1940). Como pode ser notada da passagem colacionada, o nome de

“receptatio”, era dado a modalidade de encobrimento, mas não se confunde com o

crime. Finalisticamente, atacamos em ambos a empreitada criminosa, expropriando

a certeza de aproveitamento do produto do crime ou sua conversão, mas não são

perfeitamente idênticos os objetos.

Seriam dois círculos concêntricos com raios distintos. Além disto, a

colaboração criminosa por atos de encobrimento representa mais ações que

propriamente o delito de receptação puro e simples.

Há de se registrar, por oportuno, que não era simplesmente adotada a

formatação dos atos de encobrimento como ideal de cumplicidade por falta de

técnica. Segundo o a tese acima informada, havia a ponderação de economia

processual, através da reunião de processos, para julgar os receptadores e os

autores da infração antecedente.

Na mesma esteira segue o Código Penal Republicano de 1890, ao delimitar

a cumplicidade em moldes muito parecidos com o Código Criminal do Império de

1830, reverberando seus ideais. Em sua época, diversas críticas foram lançadas ao

Código Republicano pelos penalistas, ao afirmar a impossibilidade de colaboração

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em crime anteriormente consumado. Correto e irrefragável tal posicionamento, mas

também deve ser ponderado “cum granus salis”, em face da situação concreta10.

Ao compulsar os Diplomas Penais do século XIX encontra-se o fio condutor

no tratamento comum do encobrimento como espécie de coautoria, ao perfilhar uma

norma de extensão típica. Assim sendo, todos os atos que serviam à facilitação, na

fase de pós-consumação, eram tidos por auxiliares. Registre-se, que a matéria dos

atos de encobrimento foi deslocada para o concurso de agentes, através da

codelinquência.

Esther Figueredo Ferraz11 aponta o momento histórico em que ocorreu

revolução12 neste ideal, para demonstrar a necessidade de tipificação do ato de

encobrimento como delito especial, “in verbis”:

“A natureza concursal ou independente dos atos de encobrimento foilargamente discutida nos congressos penitenciários de SãoPetersburgo (1890) e de Budapeste (1905), sendo que neste últimonão encontrou um só defensor a tese do concurso “post delictum”.Entre as conclusões aprovadas neste último congresso, figuram: 1 –O Congresso vota no sentido de ser considerado o encobrimentocomo delito especial; 2 – É necessário considerar o encobrimentocomo existente, ainda quando o delito originário não seja castigadopela lei em razão de certas considerações ou circunstânciasconcernentes ao autor da infração; 3 – O delito de encobrimento,constituindo uma violação da lei ou do Estado em cujo território seconsumou, deve ser castigado de acordo com a lei desse país.”

Neste diapasão, o Código Penal de 1940 optou pela criminalização em

delitos específicos de receptação e de auxílio, conforme expressamente apontado

na Exposição de Motivos, nos seguintes termos:

10 Não pairam dúvidas da incongruência da afirmação: “colaboração em fato já consumado”.Registre-se apenas a ressalva de que existem algumas situações em que pode não existircolaboração em fato consumado, mas, ao invés, de estar em voga o ajuste prévio. O cometimento deum crime, no qual é prometido que o produto do crime será comprado ou vendido por um integrante,torna este sujeito verdadeiro cúmplice ou partícipe do crime. Assim sendo, não há que confundirajuste prévio com colaboração em fato consumado. Enquanto o ajuste tem de ser prévio ouconcomitante, a colaboração deverá ser posterior a consumação do crime.

11 FERRAZ; Esther Figueredo. “Co-delinquência no direito penal brasileiro”, São Paulo: Universidadede São Paulo, Tese de Livre Docência, 1947, São Paulo, pág. 102.

12 Caracteres de uma revolução em sentido sociológico, consultar o livro de HOFFER, Eric. “The truebeliever: Thoughts on the nature of mass movements”, Harper Perennial Modern Classics, 1951.

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“64. Em capítulo especial, como crime sui generis contra opatrimônio, e com pena própria, é prevista a receptação (que oCódigo vigente, na sua parte geral, define como forma decumplicidade post factum, resultando daí, muitas vezes, a aplicaçãode penas desproporcionadas). O projeto distingue, entre areceptação dolosa e a culposa, que a lei atual injustificadamenteequipara. É expressamente declarado que a receptação é punívelainda que não seja conhecido ou passível de pena o autor do crimede que proveio a coisa receptada. Tratando-se de criminoso primário,poderá o juiz, em face das circunstâncias, deixar de aplicar a pena,ou substituí-la por medida de segurança. (…) favorecimento postfactum a criminosos (o que a lei atual só parcialmente incrimina comoforma de cumplicidade)”

Da leitura do ideal exposto, denota-se que os delitos de receptação e de

auxílio, nas modalidades de real e pessoal, tinham por fito trazer a proporcionalidade

entre a ação culposa e dolosa, além de retirar do concurso de agentes o problema

da colaboração “post factum”. Sobre esta temática, obtempera Edgard Magalhães

Noronha13:

“De qualquer modo, cumplicidade subsequente ao crime é umabsurdo jurídico. Não faltaram vozes que insistem nisso, e dentreelas, de longa data, a de CARPOZOVIO, sustentando que areceptação devia constituir crime especial. As consequências deconsiderar o receptador como cúmplice eram as mais nocivas. Emnosso Código ab-rogado, p. ex., era aquele punido com as penas doautor do crime, com diminuição estabelecida. Importava isso punirmais severamente o receptador de um roubo ou de latrocínio que defurto, medida, injusta, visto que tanto aquele como este podiamignorar a natureza do crime praticado, limitando-se sua ciência àorigem ilícita da coisa adquirida.”

Repise-se, que as críticas apontadas eram no sentido da falta de

proporcionalidade e de individualização da pena. O raciocínio parte do ideal que o

receptador era pessoa alheia a ação criminosa antecedente, intervindo “post

factum”, e por vezes, ignorando a ação antes desenvolvida. A ação do receptador

somente se incia em fase de pós consumação do crime, da qual advém o objeto a

ser receptado.

Outro fato que não pode passar desapercebido, diz respeito a inserção

13 NORONHA; Edgard, Magalhães. “Direito Penal: Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra opatrimônio.”, Volume 2, 20ª Edição. Editora Saraiva, 1984.

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topográfica da receptação no Código Penal, sob a epígrafe dos crimes contra o

patrimônio, para denotar sua objetividade jurídica na tutela do patrimônio. Nem se

diga, que tutelaremos a ordem econômica, padrões éticos, sociedade sob a paz

pública, ou outros efeitos colaterais da ação criminosa. O legislador foi claro e

objetivo na tutela do patrimônio.

Ao invés, outro prisma que a questão também deve ser posicionada é frente

ao delito atualmente chamado de auxílio real, na figura do artigo 245 do Código

Penal de 1940. Destarte, o crime de auxílio é “delito irmão” da lavagem de capitais,

porquanto, em ambos a ação é destinada a assegurar ou prestar auxílio à atividade

antecedente, sendo apontado por grande parte da doutrina como o delito que mais

apresenta pontos comuns. Ressalte-se, que o próprio nome sinaliza a lavagem, pois

auxílio implica em ajudar e impelir a atividade antecedente.

Através da previsão de tipificação dos crimes de auxílio real e de auxílio

pessoal foi resolvida a questão da impossibilidade de associação para cometimento

de crime pós-consumação.

Diante destes fatos, a epígrafe que poderia condensar estes delitos seria de

crimes “pós-factum”, haja vista que o auxílio, a receptação e até mesmo a lavagem

iniciam seu curso após o crime antecedente ter sido consumado. Seus ideais

derivam do ato de encobrimento ao tratar de forma de tipificação condizente com a

proporcionalidade, além de eliminar o problema do concurso de agentes.

Denota-se, da singela leitura dos citados artigos, a primordial ajuda à tarefa

delitiva prestada pelo agente criminoso, “in literriam”:

“Favorecimento pessoal.Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor decrime a que é cominada pena de reclusão. Pena – detenção, de 1(um) a 6 (seis) meses e multa. § 1° Se, ao crime não é cominada pena de reclusão: Pena –detenção, de 15 (quinze) dias a 3 (três)meses e multa.§ 2° Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjugeou irmão do criminoso, fica isento de pena. Favorecimento real; Art. 349. Prestar ao criminoso, fora dos casos de coautoria ou de

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receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime.Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses e multa.”

A aproximação com o Código Penal Alemão – STGB é nítida, através do §

25714, e também com o projeto italiano, de autoria do penalista Arturo Rocco, fonte

de inspiração ao Legislador pátrio de 1940. Em outras palavras, os atos de

encobrimento foram tratados como delitos especiais, desligados da conduta do

agente do crime antecedente, mas com subsidiariedade expressa em relação ao

delito de receptação. Vale dizer, o delito a ser analisado em primeiro plano é o de

maior gravidade, portanto, o de receptação, voltando a análise dos crimes de auxílio

apenas e tão somente no caso de impossibilidade do reconhecimento daquele

crime.

Cumpre salientar, que existem outras disposições com relação ao ato de

encobrimento das infrações penais antecedentes, e.g., a agravante do artigo 62,

inciso II, alínea “b” do Código Penal de 1940, Decreto n.° 2.848/194, ao dispor: “para

facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro

crime”. Ao par deste, também existe preocupação atinente a matéria processual,

com tratamento de conexão processual, quando houver a intenção: “para facilitar ou

ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer

delas”, a teor do art. 76, inciso II, do Código de Processo Penal, Decreto n.°

3.689/1941.

Resta cristalina a aproximação com o fato de dissimular, ocultar a origem, a

natureza, a localização de bens provenientes de ação criminosa (art. 1° da Lei n.°

9.613/1998), para que o criminoso, tenha auxílio em seu mister. Daí decorre a

aproximação entre a lavagem de capitais e os ideais supraescritos dos demais

Códices.

A tipificação do crime de auxílio real foi técnica, como crime subsidiário, e

14 No original o § 257 da STGB, assim dispõe: “ Wer einem anderen, der eine rechtswidrige Tatbegangen hat, in der Absicht Hilfe leistet, ihm die Vorteile der Tat zu sichern, wird mit Freiheitsstrafebis zu fünf Jahren oder mit Geldstrafe bestraft.”, em tradução livre encontraremos: “Quem outro quetenha cometido um ato ilegal, com a intenção de prestar assistência para garantir-lhe os benefíciosda vantagem, será punido com pena de prisão até cinco anos ou multa.”

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reservado a ação patrimonial propriamente dita, em relação as condutas centrais de

recebimento, ocultação e transporte, condutas estas afetas ao delito de receptação.

Daí a diferenciação, somente em função do dolo, o qual Heleno Cláudio Fragoso,

denomina de auxílio “amoris causae”.15

Convém ressaltar que o Código Penal Italiano de 1930 foi além, ao delimitar

outras figuras, tais como a do art. 707 e do art. 708, por presunção do autor de crime

que fosse encontrado portando objetos que configurassem a ação criminosa16. Ora,

a presunção, conquanto desalinhada ao princípio da culpabilidade, pode ser vista

como espécie de combate ao encobrimento e, em última análise, ao delito de

reciclagem. Parece ser bastante claro o ponto de contato entre este delito e o de

lavagem de capitais, com a indicação do fato de atacar a periculosidade criminosa,

pelo encobrimento.

Como fonte legislativa de maior proximidade e de indicação mais próxima do

nosso atual modelo legislativo devemos à Legislação Norte-americana, com seu

peculiar pragmatismo, na função reveladora do ato de encobrimento. É fundamental

notar o surgimento do combate, sistematizado e reunido em um crime, com

reprimenda exacerbada, realizando-se como ideal notório de lavagem de capitais.

Frise-se, pois será de grande importância, atentar que o surgimento da

lavagem estava ligada ao ideal de uma fraude bancária, em outras palavras, de um

crime que tem por objetividade o Sistema Financeiro Nacional. Sua ligação era

aproximada à falta de notificação, bem como da subtração da atuação de órgãos de

controle bancário, como crime de espectro mais restrito de que a atual legislação de

lavagem de capitais pátria.

Neste particular, a tutela desta criminalidade, na legislação norte-americana,

não visa apenas o Sistema Financeiro Nacional não ficando restrito aos ideais de

15 FRAGOSO; Heleno Cláudio. “Lições de Direito Penal: Parte Especial.”, Volume I, 1ª Edição,,Revista e Atualizada por Fernando Fragoso, Rio de Janeiro: Forense, (1989), pág. 238.

16 GARCIA, Basileu. “Instituições de direito penal”, Volume I, Tomo I, São Paulo: Max Limonade,(1954).

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colocação em risco das Instituições Financeiras ou políticas de governo, mas no

sentido de promoção da própria criminalidade. Ou seja, aqui seria uma interessante

tarefa de auxílio ao criminoso representado pelo Sistema Financeiro Nacional. A

objetividade do crime em testilha não é afetar pura e simples o Sistema Financeiro.

Em outras palavras, foi idealizado um freio a criminalidade, representado por

extirpar a utilização do sistema bancário e atividades análogas do apoio da atividade

delitiva neste setor. Não fora tutelado patrimônio bancário, ou confiabilidade deste

sistema, o qual poderia lucrar em potencial com a guarda destes recursos. Buscou-

se, por conseguinte, não permitir que o criminoso se beneficie do sistema financeiro.

O Código Penal dos EUA17, Título 18, correspondente as Leis Criminais

Federais Básicas, dispõe da lavagem de capitais em duas figuras essenciais, com

supedâneo nos artigos 1956 e 1957, responsáveis pela figura de branqueamento por

meio de transações financeiras.

Antes de adentrar nas modalidades de lavagem de capitais, segundo a

legislação norte-americana, é questão prejudicial o conhecimento da tipificação de

um delito portador do gérmen da lavagem de capitais. Trata-se do delito de

estruturação, segundo o qual uma pessoa faz uso de operações abaixo do limite de

comunicação de operações aos órgãos de controle, através de múltiplas operações;

com o intuito de permanecer oculta aos órgãos de controle, o volume operado.

A exigência foi criada no ano de mil novecentos e oitenta e seis, quando por

meio de emenda a Lei de Sigilo Bancário (conhecida por “Bank Secrecy Act - BSA”),

com impedimento de: “induzir ou tentar induzir uma instituição financeira nacional a

deixar de encaminhar uma notificação exigida”, ou, ainda, induzir ou tentar induzir

uma instituição financeira nacional a preencher uma notificação que “contenha

omissão material ou inexatidão de fato.”18

17 Em que pese a existência do Federalismo Americano Centrífugo, a disposição é atinente aoâmbito reservado aos Crimes Federais, com aplicação uniforme através dos diversos estadosfederados.

18 POWIS; Robert E. “Os lavadores de dinheiro”, Tradução de Bárbara Theoto Lambert e RevisãoTécnica de Antônio Luis Chaves de Camargo, São Paulo: Makron Books, (1993), pág. 332-333.

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O Delito de Estruturação nada mais é que dissimular o montante global

através da diluição do capital por meio de expedientes diversos, tais como, a falsa

identidade de pessoas que operam recursos de terceiros em nome próprio, ou a

multiplicidade de recursos, por meio de transações abaixo dos limites de

comunicação, em documento denominado “Currency Transation Report – CTR”.

Dispõe a Unidade de Inteligência Financeira – FINCEN19, dos Estados

Unidos da América, neste sentido:

“The Currency and Foreign Transactions Reporting Act of 1970(which legislative framework is commonly referred to as the "BankSecrecy Act" or "BSA") requires U.S. financial institutions to assistU.S. government agencies to detect and prevent money laundering.Specifically, the act requires financial institutions to keep records ofcash purchases of negotiable instruments, file reports of cashtransactions exceeding $10,000 (daily aggregate amount), and toreport suspicious activity that might signify money laundering, taxevasion, or other criminal activities. It was passed by the Congress ofthe United States in 1970. The BSA is sometimes referred to as an"anti-money laundering" law ("AML") or jointly as "BSA/AML." SeveralAML acts, including provisions in Title III of the USA PATRIOT Act of2001, have been enacted up to the present to amend the BSA. (See31 USC 5311-5330 and 31 CFR Chapter X [formerly 31 CFR Part103] “

Nossa legislação também prevê, de certo modo, a barreira ao delito de

estruturação no tocante à falsa identidade, e diversas outras fraudes que poderiam

ser meios para o Delito de Estruturação norte-americano, tais como as previsões

dos tipos do art. 2°, do art. 4°, “cáput”, art. 6°, segunda parte, art. 7°, art. 16, art. 19 e

art. 20 da Lei n.° 7.492/1986.

A primeira figura a ser tratada como lavagem de capitais norte-americana, é

a “participação em transação financeira” enquanto a segunda figura cuida de

“lavagem por meio de instituição financeira”. No caso mais simples fica caracterizada

a infração quando um bem de origem ilícita seria usado em transação com um dos

19 United States Department of Theasure, Financial Crime Enforcement Network – FINCEN.Disponível em <http://www.fincen.gov/statutes_regs/bsa/>. Acesso aos: 22.08.2015.

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seguintes propósitos, conforme Robert Powis20 afirma:

• Continuar a promover a atividade criminosa que gerou apropriedade;

• Ocultar ou esconder o fato de ser dono da propriedade obtida pormeio de atividade criminosa;

• Evitar a notificação de transações exigidas por lei estadual oufederal.

Enquanto que para a caracterização da prática de Lavagem de Capitais pela

segunda figura delitiva, por meio de Instituição Financeira, seriam necessários

alguns dos três propósitos do agente que praticasse este crime, na formatação

indicada pelo citado autor, quais sejam:21

• Realizaram as transações com o propósito de favorecer a atividadecriminosa que originou o dinheiro;

• Efetuaram as transações com o objetivo de ocultar a fonte e apropriedade dos fundos;

• Tiveram o claro propósito de executar transações de um modoplanejado para evitar as exigências de notificação da Lei do SigiloBancário;

Outro aspecto interessante que merece destaque da legislação norte-

americana é a chamada emenda Kerry através da seção n.° 4702 da Lei Contra

Abuso de Narcóticos de 1988, P.L. n.°100.690, pela qual fora criada hipótese de

extraterritorialidade de aplicação da Lei de Lavagem aos fatos cometidos fora do

território norte-americano, desde que fosse usada a moeda norte-americana ou

“moeda dos Estados Unidos da América”, nas exatas palavras da Lei.

Segundo Raúl Cervini22,em explanação dos motivos de tamanha voracidade

legislativa, a perquirir todas as condutas que tivessem por objeto material a moeda:

“El Congreso de los Estados Unidos parte de la premisa de que “las

20 POWIS; Robert E. “Os Lavadores de Dinheiro”, Tradução de Bárbara Theoto Lambert e RevisãoTécnica de Antônio Luis Chaves de Camargo, São Paulo, Editora Makron Books, 1993, pág. 332/333.

21 POWIS; Robert E. “Os Lavadores de Dinheiro”, Tradução de Bárbara Theoto Lambert e Revisão Técnica de Antônio Luis Chaves de Camargo, São Paulo, Editora Makron Books, 1993, pág.334.

22 CERVINI; Raul. OLIVEIRA; Willian Terra de. GOMES; Luiz Flávio. “Lei de Lavagem de Capitais”.Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998, pág. 221.

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transacciones monetarias internacionales en efectivo, especialmenteen moneda estadounidense, que involucran las ganancias del tráficode narcóticos, estimulan el comercio de éstos en los Estados Unidosda América y a nivel mundial y, consecuentemente, constituyen unaamenaza a la seguridad nacional de Estados Unidos de América”(parágrafo A. Conclusiones), por ende conductas perseguirles porsus autoridades a nivel internacional.”

Percorrendo os eventos cronológicos, somente em 1998 surge a Lei n.°

9.605/1998, prevendo delito autônomo, embora conexo, com a característica inicial

de ser vinculado a um rol taxativo de delitos antecedentes, inovando na criação de

um órgão central para controle de atividades suspeitas. Tal legislação, será nosso

grande objeto de estudo nos próximos capítulos, sendo despicienda e repetitiva a

sua consideração neste momento.

Por derradeiro, recentemente ocorreu mais uma demonstração de fúria

legislativa, com a expansão do crime de lavagem de dinheiro para abarcar diversas

outras condutas deixando o delito como legislação de terceira geração. A Lei n.°

12.683/2012, foi a responsável por expandir os crimes antecedentes, para as

contravenções penais, e ao trazer diversas alterações em medidas destinadas a

conservação, apreensão dos bens e de sua custódia. Foi insculpido o tipo penal

fundamental nos seguintes termos:

“Art. 1° - Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ouvalores provenientes direta ou indiretamente de infração penal.”

Há de se registrar, por oportuno, que a Lei de combate à Lavagem de

Capitais brasileira tomou o rumo de incriminação de “post factum”, e a consideração

de criminalidade com penas exacerbadas, além de grandes e profundas alterações

no campo processual. Parece ter sido retardado seu ingresso no campo penal, mas

no momento em que ocorre, denota-se uma fúria legislativa no seu combate.

Nesta esteira, a quebra do princípio da codificação, teve por molde, e fator

de inspiração, diversos Diplomas Internacionais, dentre tratados, protocolos e

Regramentos. Ao versar sobre esta temática, e diante dos ideais trazidos pelos

diversos diplomas internacionais, mister se faz a análise sobre este aspecto.

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No próximo item deste capítulo, será feito breve histórico dos diplomas

internacionais responsáveis pela formatação e por trazer novos contornos ao

combate a criminalidade. Sua função foi promissora e também acabou por ser

internalizada. Do exposto, remetemos aos diplomas internacionais para que sejam

vistos, não como algo de mero caráter especulativo, mas como interpretação

histórica, capaz de fornecer a utilidade e idealização do instituto.

1.3 DIPLOMAS INTERNACIONAIS E LAVAGEM DE CAPITAIS.

1.3.1 Importância dos tratados internacionais;

Como instrumento representativo do compromisso assumido entre as

diversas Nações, os tradados e convenções internacionais, têm destacada

importância no cenário internacional. Em face disto, existe, também, seus reflexos

no âmbito interno de cada um dos Estados, quando ocorre o processo de

internalização, para projeção dos ditames na ordem interna.

Assim sendo, a característica bifronte dos compromissos internacionais,

reflete, de um lado, o compromisso externo assumido com os demais Estados ou

Organizações Internacionais; enquanto, por outro, é representativo de alteração do

ordenamento jurídico interno. Alteração que detém diferentes efeitos, quando estiver

em pauta, por exemplo, direitos humanos ao alçar a alteração a categoria de

emenda constitucional, conforme disposição do 5°, § 3°, da Constituição23.

Diante de tais premissas, o estudo dos diplomas internacionais deve ser

23 Assim dispõe o citado dispositivo constitucional: “§ 3° Os tratados e convenções internacionaissobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucional.”

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enfrentado para verificação dos compromissos nacionais, bem como para avaliação

dos eventuais reflexos no ordenamento jurídico interno, sob aspecto legal e

constitucional.

1.3.2 Convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias

psicotrópicas24

A Convenção de Viena, em que pese sua ligação com o narcotráfico,

especialmente com o tráfico transnacional de entorpecentes, abordou combate

específico da lavagem de capitais. Sem menosprezar a importância da convenção,

mas, definitivamente, não é o combate lavagem de capitais seu foco único e

exclusivo. Ao invés, o citado tratado enfeixa diversos temas e traz à consideração

muitas ferramentas para o combate ao tráfico transnacional de entorpecentes.

Foi notável a instrumentalização da lavagem de capitais, ao combate do

uso dos frutos e produtos do crime de tráfico, com a preocupação dos responsáveis

pela colaboração à atividade criminosa.

Ressalte-se, que a convenção em apreço não foi pioneira na temática

concernente ao tráfico de drogas, porquanto muitas outras anteriores já o fizeram,

apenas citando pelo interesse histórico as seguintes: 1.-) Convenção de Haia de

1912 (ratificada por meio do Decreto n.° 11.481/1915); 2.-) Convenções de Genebra

de 1925 e de 1931 (ratificadas pelos Decretos n.° 22.950/1933 e n.° 113/1934);

Convenção realizada em 1936, sob os auspícios da Sociedade das Nações

(ratificada pelo Decreto n.° 2.994/1938); 3.-) Convenção de Nova York chamada de

Convenção Única de 1961 (promulgada por meio do Decreto n.° 54..216/1964),

tratado este que revogou todas as demais e somente começou a prever ferramentas

para o combate a criminalidade25.

24 BRASIL, Decreto n.° 145 de 26 de junho de 1991, “Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícitode Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas”, Disponível em <.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0154.htm>. Acesso aos 10.12.2015.

25 FRAGOSO, Heleno Cláudio. “Lições de direito penal”, Parte Especial, Volume I, 1ª edição, Rio de

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Segundo levantamento do escritório encarregado da Organização das

Nações Unidas - “Office on Drugs and Crime – UNODC”, a maior parte dos países

aderiram a Convenção de Viena, dentre os quais são oitenta e sete países

signatários, e cento e oitenta e três são partes26.

Como medidas atinentes ao combate, a simples enumeração é suficiente

para demonstrar a “mens legis”, através do caráter instrumental e utilitário da

lavagem de capitais. Arrolando os instrumentos criados pela legislação em testilha,

existe: 1.-) Confisco dos Instrumentos e Matérias destinadas à prática dos delitos,

bem como dos valores obtidos como produto ou fruto das infrações penais

concernentes ao tráfico de entorpecentes, inclusive com a inoponibilidade de sigilo

bancário quando se tratar de crimes desta natureza (art. 5°); 2.-) possibilidade de

Extradição tendo por base a Convenção, com critérios e formas diferenciadas para

sua concessão (art. 6°); 3.-) Assistência Judiciária Recíproca, com fito de

colaboração com a investigação (Art. 7°); 4.-) Transferência de Procedimentos

Penais (Art. 8°), com o intuito de declínio ou transferência de competência entre os

Estados, para processamento e julgamento dos processos que envolvam a

Convenção; 5.-) Capacitação e Cooperação Inominadas (Art. 9°), ao trazer diversas

ferramentas de auxílio no combate e para a formação dos órgãos de repressão para

fins de melhoria da capacidade de detecção e de repressão; 6.-) Cooperação para

Assistência aos Estados de Trânsito (Art. 10), visando o fortalecimento e a ruptura

do canal de distribuição dos entorpecentes, e demais substâncias em estados que

servem apenas de rota de passagem; criação de ferramente da Entrega Vigiada (Art.

11) como forma de descortinar as organizações responsáveis e as pessoas

envolvidas no Tráfico de Entorpecentes; 7.-) Criação de Canal Central para

Comunicação e Avaliação sobre substâncias e materiais e equipamentos usados

para o Tráfico de Entorpecentes (Arts. 12 e 13); 8.-) Fechamento de Rotas e uso de

Canais de Distribuição através de controle de Serviços Postais (Art. 19); Controle de

Portos de Livre Comércio (art. 18), Controle de Transportadores Comerciais (Art. 15);

Janeiro: Forense, 1989, págs. 247/249.

26 Informação veiculada pelo Escritório da ONU, com acesso aos 12.07.2015. Disponível em:<https://www.unodc.org/unodc/en/money-laundering/index.html?ref=menuside>.

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Controle de Navios estrangeiros (Art. 17), dentre outas medidas.

É de rigor denotar a vanguarda da referida Convenção, em sotoposição com

a legislação em vigência a época em nosso país, Lei n.° 6.368/1976, inovando na

previsão de diversas ferramentas. Foi grande o avanço no combate e a preocupação

com a extirpação destas organizações em âmbito internacional, embora, tenham

sido os efeitos da convenção internalizados somente no ano de mil novecentos e

noventa e um.

Os diversos instrumentos no combate ao crime antecedente –

oportunamente vergastada tal expressão –, foram configurados através de duas

passagens, nas quais volta-se a atenção ao uso e guarida dos produtos dos crimes,

tal como pode ser notado:

“Art. 3° - Delitos e Sanções 1.- Cada uma das partes adotará asmedidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seudireito interno, quando cometidos intencionalmente:(…)b.) i) a conversão ou transferência de bens, com conhecimento deque tais bens são procedentes de algum ou de alguns delitosestabelecidos no inciso a) deste parágrafo ou da prática do delito oudelitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origemilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe naprática do delito ou delitos em questão; ii.) ocultação ou encobrimento, de natureza, origem, localização,destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens,sabendo que procedem de algum ou alguns delitos mencionados noinciso a) deste parágrafo ou de participação no delito ou delitos emquestão;c) de acordo com seus princípios constitucionais e com os conceitosfundamentais de seu ordenamento jurídico;i) a aquisição, posse ou utilização de bens, tendo conhecimento, nomomento em que os recebe, de que tais bens procedem de algumou de alguns delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou deato de participação no delito ou delitos em questão;”

As condutas são basicamente, orientadas ao desmantelamento da

organização criminosa, tendo por fito o ataque aos sistemas operacionais, como

forma de combate ao próprio narcotráfico. Ademais, o modo em que foi forjado o

combate da criminalidade é indicativo de instrumentalidade ao tráfico, como

ferramenta, de meio utilitário, em última análise.

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Sua valia é extrema e representa novo modo de enfoque no tocante aos

meios e aos modos de combate deste tipo de organização criminosa. A

criminalidade, sem sombra de dúvidas, cresceu neste campo de modo tentacular, ao

ponto de representar um cancro em diversos países 27.

Deveras, não existe mais respeito as fronteiras, nem mesmo há barreiras

físicas que possam demonstrar eficácia absoluta neste tipo de combate, mas a

atuação de órgãos de inteligência, dentre os quais os de inteligência financeira,

erigem-se como interessante meio no combate a esta criminalidade.

A importância decorrente do instrumental combate da criminalidade é o

enfoque arquitetado pela lavagem de capitais, como aspecto operacional do

narcotráfico. Questão esta até mesmo intuitiva, quando o mercado consumidor e o

produtor encontram-se deslocados, imbricado ao volume de recursos envolvidos,

trata da necessidade de mascaramento da origem e natureza dos capitias como

permissivo a saída e ingresso dos valores nos países.

Veja, a operação transfronteiriça de compra de insumos, remessa de

narcóticos e o reingresso de ativos induz ao uso do sistema financeiro, de modo a

possibilitar a fluidez de tamanha quantidade de recursos. Assim, a lavagem é o fator

de operacionalização da atividade descrita.

Compulsando os mecanismos criados, pode-se inferir que a lavagem de

capitais necessitou de delimitação técnica dos termos essenciais A própria

convenção passa a definir como produto “os bens obtidos ou derivados direta ou

indiretamente, da prática de delitos estabelecidos de acordo com o parágrafo 1 do

artigo 3”, dispositivo este último responsável, propriamente, por definir os crimes,

como um rol de atividades ligadas por uma potencialidade lesiva. Consagrou-se,

com esta forma, uma espécie de moldura legislativa, atendendo a gravidade delitiva

27 Área do polígino da maconha e da produção de cocaína na América Andina. Volume de recursosoriundos de atividades criminosas representa segundo levantamento da ONU o PIB de uma naçãocom a economia equivalente aos maiores e mais importantes países em termos econômicosInteressante o levantamento feito pelo pela Organização das Nações Unidas através de relatórioestatístico. Disponível em <http://www.unodc.org/wdr2015/>, acesso aos 10.09.2015

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abstratamente cominada.

Em outras palavras, a utilização do combate a lavagem de capitias, como

recurso contundente e eficaz no enfrentamento da criminalidade deveria ser

reservado a delitos de elevada potencialidade lesiva. Ou seja, o uso de uma

ferramenta de tamanha força, somente é necessário quando a situação demandar.

Mais uma vez aqui fica demonstrado o caráter instrumental e atrelado à

criminalidade antecedente.

Diante do exposto, a Convenção de Viena em caráter revolucionário previu a

lavagem de capitais, ladeada por diversas ferramentas, em caráter notadamente

instrumental para redução do tráfico transnacional de entorpecentes.

1.3.3 Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional28,

De modo inovador o Protocolo de Palermo, ratificado através do Decreto n.°

5.015/2004, agora passa a tratar de diversas medidas atinentes ao combate da

criminalidade por meio de organizações criminosas. A própria conceituação desta

forma de criminalidade ficou a cargo da convenção em comento. Sua valia é

extrema ao aperfeiçoar diversos institutos, bem como para trazer à baila novos

problemas e questões de aplicação legislativa.

Sua formatação também comensura diversas ferramentas, das quais não

podemos deixar de fazer menção para revelar sua finalidade. Impende considerar,

que diversos termos são usados com frequência no sentido de designação do ajuste

internacional entre os Estados, com oscilação entre protocolo, tratado, acordo,

ajuste, dentre outros. Porém, sugiro que seja adotada a terminologia de convenção

para o corpo inicial, e protocolo somente para os três posteriores adendos, quais

28 BRASIL, Decreto n.° 5.015 de 12 de março de 2004, “Promulga a Convenção das Nações Unidascontra o Crime Organizado Transnacional. “, Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso aos 10.12.2015.

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sejam: i.-) Protocolo para Prevenção Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas;

ii.-) Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre,

Marítima, Aérea e, por fim, iii.-) Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de

Armas de Fogo e suas Peças e Munições.

A Convenção como espécie de tratado guarda-chuva, do qual defluem

diversos outros de temáticas distintas, inaugura com uma série de definições

imprescindíveis ao combate da criminalidade. O primeiro marco de grande utilização

para definição em nosso direito pátrio foi o de “Grupo Criminoso Organizado”, como

definição majoritariamente aceita de organização criminosa29.

Em que pese a existência do regramento na atual Lei das Organizações

Criminosas, descritos na Lei n.° 12.850/2013, o conceito descrito pelo tratado em

comento, foi importantíssimo para a delineação da associação criminosa,30 quando

estabeleceu que:

“grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algumtempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer umaou mais infrações graves enunciadas na presente Convenção, com aintenção de obter direta ou indiretamente um benefício econômico ououtro benefício material31.”

29 Há aqueles que pontificam pela amálgama criada entre organização criminosa e a Lavagem deCapitais, tal como pode ser notado: “As organizações criminosas e a lavagem de dinheiro nãocoexistem separadamente. Não é possível imaginar uma organização criminosa que não pratique alavagem de dinheiro obtido ilicitamente, como forma de viabilizar a continuidade dos crimes, semprede maneira mais apropriada.” (PELLEGRINI, Angiolo.; COSTA JR., Paulo José da. “Criminalidadeorganizada.” São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999, pág. 55).

30 Alguns autores que asseveram pela inutilidade do conceito de organização criminosa, tendo emvista apenas existirem traços capazes de identificar certo delineamento do conceito, e ainda, não sercapaz de trazer solar clareza a questão, fato este que parece ser correto. Porém, a definição legal éimprescindível sob pena de criação de punição, com analogia em campo restritivo, em total afronta alegalidade, mormente sob aspecto de taxatividade e normatividade do conteúdo extraído da leituralegal.

31 Conforme dispõe o art. 1° da Lei n.° 12.850/2013: “Esta Lei define organização criminosa e dispõesobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e oprocedimento criminal a ser aplicado. § 1 Considera-se organização criminosa a associação de 4(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, aindaque informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ouque sejam de caráter transnacional.”

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35

A leitura enseja a pesquisa dos Crimes tidos por “infrações graves”. Assim

sendo, devemos nos socorrer da outra definição que vem a ser a infração a que é

cominada de pena privativa de liberdade com “cujo máximo não seja inferior a

quarto anos ou com pena superior.”. Abstrai-se, desta atabalhoada redação que a

pena máxima cominada em abstrato seja igual ou superior a quatro anos, para que

seja viável falar-se em grupo criminoso organizado.

Houve a consideração de diversas medidas no combate a criminalidade em

diversas formatações, desde combate à corrupção, responsabilização penal de

pessoas jurídicas, alargamento de prazos prescricionais, medidas de confisco e

apreensão de bens, previsão de medidas internacionais para assistência judiciária

recíproca, extradição, dentre diversas outras.

De todas estas medidas, duas devem ser apontadas como de grande

interesse ao nosso estudo, no cerne da Lavagem de Capitais, ao dispor sobre a

necessidade de criminalização. Com efeito, foi determinado pela Convenção, no

Artigo 6°, item “I.1.a)”, assemelhadas aos tipos descritos na Lei n.° 9.613/1998, na

seguinte forma:

“a) i) A conversão ou transferência de bens, quando quem o faz temconhecimento de que esses bens são produto do crime, com opropósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens e ajudarqualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-seàs consequências jurídicas dos seus atos.”ii) A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem,localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens oudireitos a eles relativos, sabendo ser o seu autor que os bens sãoprodutos do crime.”b) e sob reserva de conceitos fundamentais de seu ordenamentojurídico:i) A aquisição, posse ou utilização dos de bens sabendo aquele queos adquire, possui ou utiliza, no momento da receptação que sãoprodutos do crime.ii) A participação na prática de uma das infrações enunciadas nopresente Artigo, assim como qualquer forma de associação, acordo,tentativa ou cumplicidade, pela prestação de assistência, ajuda ouaconselhamento no sentido de sua prática.”

A leitura feita em sotoposição da nossa legislação originária de processo

legislativo interno mostra diversos pontos de contato, com bastante similitude nos

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termos usados para descrição do tipo objetivo e de extensão da incriminação.

Porém, abordaremos a breve trecho que não foi o caminho exato o percorrido por

nosso legislador, quando voltaremos a demonstrar a importância do presente

diploma.

Apenas para que fique claro neste momento, o concurso de agentes na

forma descrita pela Convenção, bem como a aquisição do produto do crime sob

reserva de compatibilidade, denota maior preocupação com a teoria penal do que a

de nosso legislador pátrio.

1.3.4 Convenção de Mérida.32;

A Convenção, em comento, foi talhada para redução do crime de corrupção,

como reflexo dos esforços das Nações Unidas, em delinear acordo verdadeiramente

global capaz de prevenir e combater este crime33. Compulsando a convenção pode-

se abstrair diversas ferramentas tendentes ao combate a este crime que lesa o

Estado, além de espalhar seus efeitos por diversos setores da sociedade.

As medidas idealizadas de combate a corrupção foram diversas, dentre

aumento de transparência, preocupação com publicidade de atos governamentais,

criações de códigos de conduta, dentre muitas outras medidas. A forma de

enfrentamento do ato, foi das mais variadas e das mais inteligentes. Através do

controle de campo extrapenal, com a aplicação de regras, inspiradas pelos

princípios da publicidade, preocupação de acesso às fontes de informação e

liberdade de informação.

32 BRASIL, Decreto 5.687 de 31 de janeiro de 2006. “Promulga a Convenção das Nações Unidascontra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 eassinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003.” Acesso aos 10.12.2105. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm>.

33 Preocupação esta que é ressaltada pelo Escritório das Nações Unidas “United Nations Office onDrug and Crime – UNODC,” em consulta realizada ao sítio eletrônico. Disponível em<https://www.unodc.org/lpo-brasil/pt/corrupcao/convencao.html>. Acesso aos 09.12.2015.

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No tocante a lavagem de capitais é particularmente o artigo 14, relevante ao

estabelecer um sistema de controle da lavagem de capitais, por meio de Unidade de

Inteligência Financeira e sua operacionalidade. Convém transcrever suas

disposições, a saber:

“1. Cada Estado Parte:a) Estabelecerá um amplo regimento interno de regulamentação esupervisão dos bancos e das instituições financeiras não-bancárias,incluídas as pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços oficiaisou oficiosos de transferência de dinheiro ou valores e, quandoproceder, outros órgãos situados dentro de sua jurisdição que sejamparticularmente suspeitos de utilização para a lavagem de dinheiro, afim de prevenir e detectar todas as formas de lavagem de dinheiro, eem tal regimento há de se apoiar fortemente nos requisitos relativosà identificação do cliente e, quando proceder, do beneficiário final, aoestabelecimento de registros e à denúncia das transações suspeitas;b) Garantirá, sem prejuízo à aplicação do Artigo 46 da presenteConvenção, que as autoridades de administração, regulamentação ecumprimento da lei e demais autoridades encarregadas de combatera lavagem de dinheiro (incluídas, quando seja pertinente de acordocom a legislação interna, as autoridades judiciais) sejam capazes decooperar e intercambiar informações nos âmbitos nacional einternacional, de conformidade com as condições prescritas nalegislação interna e, a tal fim, considerará a possibilidade deestabelecer um departamento de inteligência financeira que sirva decentro nacional de recompilação, análise e difusão de informaçãosobre possíveis atividades de lavagem de dinheiro.

2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de aplicarmedidas viáveis para detectar e vigiar o movimento transfronteiriçode efetivo e de títulos negociáveis pertinentes, sujeitos asalvaguardas que garantam a devida utilização da informação e semrestringir de modo algum a circulação de capitais lícitos. Essasmedidas poderão incluir a exigência de que os particulares e asentidades comerciais notifiquem as transferências transfronteiriçasde quantidades elevadas de efetivos e de títulos negociáveispertinentes.”

A preocupação não é apenas em caráter pretérito, mas com a formação de

sistema de controle eficaz no combate a corrupção, pela análise de dados

financeiros, mantidos pelas instituições financeiras. De outro giro, existe a previsão

de intercâmbio de informações e a obediência as normatizações emanadas pelas

organizações regionais, inter-regionais e multilaterais de luta contra a lavagem de

dinheiro, conforme art. 14, “ítem 4”, da Convenção de Mérida.

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Outra disposição que merece destaque é concernente a delimitação do

crime de lavagem nos moldes delineados pela convenção, a teor do artigo 20. As

disposições na descrição do tipo objetivo são, com pequenas variações,

praticamente iguais as disposições da da Lei n.° 9.613/98. A grande diferenciação,

por razões de vinculação da convenção ao crime ao combate do crime de corrupção,

consiste na amplitude dada aos crimes antecedentes.

A seguir, o artigo 24 merece especial atenção, na descrição do ato de

“Encobrimento”, “in verbis”.

“Artigo 24. - Sem prejuízo do disposto no Artigo 23 da presenteConvenção, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotaras medidas legislativas e de outra índole que sejam necessárias paraqualificar o delito, quando cometido intencionalmente após a práticade quaisquer dos delitos qualificados de acordo com a presenteConvenção mas sem haver participados deles, o encobrimento ou aretenção contínua de bens sabendo-se que tais bens são produtosde quaisquer dos delitos qualificados de acordo com a presenteConvenção.

Ainda que, em tese, possam haver sobreposições entre as condutas

descritas pelo art. 24 e o artigo 14 da Convenção de Mérida, a cominação é de

extremo interesse. A forma pela qual foi delineada acentua mais ainda sua ligação

com o crime antecedente, remontando aos Diplomas Penais do Século XIX, na

descrição e na própria denominação. É de meridiana clareza, pela convenção a

instrumentalidade da lavagem de capitais no combate ao crime de corrupção e sua

ligação como operacionalização da atividade.

1.3.5 Recomendações do GAFI.34

34 As recomendações possuem diversas alterações e acréscimos ao longo do tempo, de modo quenão trataremos das 40 recomendações originárias. Buscaremos, em breve síntese, e sem pretensãode ser exaustivo nesta tarefa abordar, em breves linhas, o intuito das recomendações que o FATFelaborou ao longo do tempo.

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O surgimento e as finalidades deste grupo de ação e combate de

abrangência internacional foi propositalmente delineado na Introdução das

Recomendações emanadas por este organismo, tal como afirmado:

“The Financial Action Task Force (FATF) is an inter-governmentalbody established in 1989 by the Ministers of its Member jurisdictions.The mandate of the FATF is to set standards and to promote effectiveimplementation of legal, regulatory and operational measures forcombating money laundering, terrorist financing and the financing ofproliferation, and other related threats to the integrity of theinternational financial system. In collaboration with other internationalstakeholders, the FATF also works to identify national-levelvulnerabilities with the aim of protecting the international financialsystem from misuse.35”

As ambições das recomendações emanadas pelo GAFI/FATF, são diferentes

das convenções até agora tratadas. Buscou-se a criação de sistemas de combate e

mais ainda de verificação, como instrumento de prevenção. A grande meta das

recomendações do GAFI/FATF são de identificação de riscos em operações e

facilitação de identificação de vulnerabilidades nos casos de modo a criar um

substrato na avaliação de risco e de controle de atividades.

Da leitura dos propósitos das recomendações denotamos que sua serventia

não é apenas ligada ao combate da lavagem de capitais, ou de tráfico de drogas,

mas seu ideal é implementar verdadeiro sistema de combate ao terrorismo, a

criação de instrumentos destinados a proteger o sistema financeiro internacional.

As recomendações podem ser classificadas, segundo um agrupamento

elaborado pelo próprio GAFI/FATF36, em sua publicação do ano de dois mil e doze,

35 Em tradução livre: “O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) é um órgãointergovernamental criado em 1989 pelos Ministros das suas jurisdições membros. O mandato doGAFI é estabelecer padrões e promover a aplicação efetiva das medidas legais, regulamentares eoperacionais para combater o branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e ofinanciamento da proliferação, e outras ameaças relacionadas com a integridade do sistemafinanceiro internacional. Em colaboração com outros parceiros internacionais, o GAFI tambémtrabalha para identificar as vulnerabilidades de nível nacional com o objectivo de proteger o sistemafinanceiro internacional a decorrente de mal uso.” FATF, “The FATF recomendations”, 2012,disponível em: <http://www.fatf-gafi.org/publications/fatfrecommendations/documents/fatf-recommendations.html>. Acesso aos 10.10.2015.

36 GAFI, “Padrões Internacionais de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do

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intitulada de “International Standards on Combating Money Laundering and the

Financing of Terrorism & Proliferation”, nas seguintes: 1.-) Políticas e coordenação

em máteria de análise de riscos; 2.-) Definição de branqueamento de capitais e

medidas provisórias, 3.-) Medidas preventivas, tais como segredo profissional de

instituições financeiras, dever de diligência, guarda de documentos, etc; 4.-)

Transparência em beneficiários de pessoas coletivas e entidades sem personalidade

jurídica; 5.-) Poderes e responsabilidades das autoridades de controle; 6.-)

Cooperação internacional;

Insere-se, portanto, no âmbito das recomendações do GAFI/FATF, novas

tarefas que levarão ao combate do financiamento do terrorismo, e ao combate do

financiamento da produção de armas de destruição em massa. Ainda que as citadas

recomendações não façam parte do ordenamento jurídico, elas fornecem importante

subsídio, como fonte do direito, tendo caráter nitidamente técnico e doutrinário.

Conforme pondera Pierpaolo Curz Bottini37 sobre as funções das

recomendações em apreço:

“Tais documentos indicam medidas administrativas e legislativasimportantes para prevenir ou reprimir a lavagem de dinheiro, como anecessidade de criação de órgãos de inteligência financeira em cadapaís para coordenar as investigações de possíveis atos demascaramento (Recomendação 26), ou a instituição de regrasadministrativas para setores sensíveis a tais comportamentos (ex.,bancos, corretoras de valores), como a vedação de abertura decontas anônimas em instituições financeiras (Recomendação 10).Tais Recomendações não integram o ordenamento jurídico pátrio,mas são constantemente citadas como diretrizes para formulação depolíticas criminais no setor, e foram levadas em consideração paraalterações legislativas...”

As recomendações, com extensa abordagem, tem por escopo a criação e

aprimoramento de todos os aspectos do sistema de combate a lavagem de capitias.

Terrorismo e da Proliferação.”, Fevereiro de 2012, tradução do Banco de Portugal, sob a égide doConselho Nacional de Supervisores Financeiros. Disponível em <http://fatf-gafi.org/media/documents/pdfs>. Acesso aos 10.10.2015.

37 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Lavagem de dinheiro: aspectos penais eprocessuais penais: Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12.” São Paulo:Saraiva, 2012 pág. 32-33.

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Como verdadeira fonte de medidas, de política legislativa, bem como de análise por

parte de FIU's, as recomendações são de fundamental importância, dado o atual

estágio do sistema de combate a lavagem, servindo de instrumento de

aperfeiçoamento.

Por fim, o aspecto de orientação ao aplicador dos mecanismos de combate

ao delito de reciclagem, também, não pode ser preterido. Ao analisar as

recomendações é possível abstrair localidades e formatações nas quais a lavagem

costuma se instalar. Dessa forma, o conhecimento das recomendações pode servir

para identificar campos propícios a lavagem, indicando maior atenção pelo aplicador.

1.3.6 Acordos de Egmont.

Ficaram conhecidos como o Grupo de Egmont, devido ao encontro no

palácio belga epônimo, 'Egmont Arenberg Palace”, na cidade de Bruxelas, em 1995,

para a troca de experiência, treinamento e intercâmbio de informações. Formou-se

uma rede de Unidades de Inteligência Financeira, com os mencionados propósitos.

É de suma importância a troca de informações e de experiências, tendo em

vista a dinâmica no intercâmbio de formas, e a constante troca de expedientes na

lavagem de capitais. Caso adotemos a lavagem sob o conceito de burlar os

sistemas de informação, veremos que será atividade notadamente dinâmica, como

se fosse um camaleão ao passar desapercebido. Enquanto um estelionatário na

imensa maioria das vezes é uma pessoa ardilosa, a qual haje em sorrelfa, o lavador

de capitais, apresenta-se como agente dos mais astutos e técnicos.

Assim, não há melhor forma de prevenção de que constatar os mecanismos

e usar de troca de informações, para que seja possível precatar dos eventuais

prejuízos que poderiam ser causados à sociedade.

A avaliação de risco tem de ser levada em conta, pois é inviável, além de

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impraticável, em pleno regime liberal e democrático, o total e irrestrito controle de

toda e qualquer movimentação financeira. Apenas para descrever como

normalmente opera um sistema de controle é importante o entendimento da

ponderação de determinado risco para avaliação dos reais propósitos dos “behavior

indicators”, bem como da importância da reunião palaciana de Egmont.

Pois bem, passaremos a demonstrar um método de avaliação de risco que

certa atividade possa gestar um processo de lavagem de capitais ou de

financiamento de terrorismo. Isto servirá como demonstração dos propósitos da

reunião de Egmont. Seguiremos pelos métodos do “FATF Guidance: National Money

Laundering and Terrorism Financing Risk Assessment”3839, o qual discrimina a

necessidade de avaliação de três critérios, para a criação de um plano nacional de

avaliação de risco, quais sejam:

1.- Ameaça, para definição de locais de alta concentração de determinada

criminalidade; natureza e extensão de fronteiras e vizinhança ligada a determinada

criminalidade; uso de criminalidade organizada aos mais diversos tipos de atividades

(por exemplo com alta concentração de crimes de tráfico de pessoas, crimes

ambientais, pirataria, corrupção e suborno, tráfico de armas e de terras radioativas,

etc);

2.- Vulnerabilidade com a identificação de campos pelos quais é mais frequente que

ocorra o desenvolvimento e a presença de fatores que contribuam ao seu

desenvolvimento, tais como fraqueza do sistema político, altos níveis de corrupção,

fatores sociais, econômicos, escassa capacitação técnica de órgãos e de agentes de

controle, etc.;

38 Conforme afirma o citado manual: “Identifying, assessing, and understanding ML/TF risks is anessential part of the implementation and development of a national anti-money laundering counteringthe financing of terrorism (AML/CFT) regime, which includes laws, regulations, enforcement and othermeasures to mitigate ML/TF risks. It assists in the priorization and efficient allocation of resources byauthorities. The results of a national risk assessment, whatever its scope, can also provide usefulinformation to financial institutions and designated non-financial businesses and professions(DNFBPs) to support the conduct of their own risk assessments. FATF, 2013, ”Disponível em:<www.fatf-gafi.org/media/fatf/.../National_ML_TF_Risk_Assessment.pdf > Acesso aos 20.09.2015.

39 Outro Manual análogo que pode ser citado “SOCTA Handbook”, desenvolvido pelo escritório daONU, o “United Nation Office on Drugs an Crime – UNODC”. Disponível em:<www.unodc.org/documents/afghanistan/.../SOCTA_Manual_2010.pdf>, acesso aos 13.102015.

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3.- Consequências, através da determinação do impacto da criminalidade em âmbito

regional, comunitário ou nacional; e ponderação do setor envolvido, e.g. sistema

financeiro, etc.

Todos estes são conceitos para sopesar determinada atividade, tendo em

vista a potencial lesividade, o grau de operação e a forma de possível

desenvolvimento da lavagem em determinado setor. Somente após a pormenorizada

e detida análise destes três ingredientes, poderemos avaliar a necessidade da

medida a ser tomada.

Etapa seguinte consiste na mensuração do risco por critério trifásico, nas

seguintes etapas: 1.-) Identificação - “Identification”; 2.-) Análise; 3.-) Aferição,

Ponderação ou Apreciação “Evaluation”.

Após ter elaborado esta metodologia sugere o Manual elaborado pelo FATF,

que seja feito, em nível nacional, um catálogo de atividades e de prováveis formas

de cometimento de lavagem de capitais e de financiamento ao terrorismo para

identificação de possíveis canais e para separação de graus de controle. Os graus

de controle variam no espectro de simples monitoramento, ou até mesmo de

assunção do risco dada a baixa lesividade; por outro lado, culminando na tomada

de medidas interventivas, quando o risco e a potencial lesividade for elevada.

Nestes termos, elaborado o “National Risk Assesment Level”, estaremos

com um verdadeiro plano, para controle e intervenção, nos mais diversos setores

sociais, apto a realização de um combate eficaz e contundente.

Porém, a identificação tal como foi acima demonstrada, não parte de uma

reluzente ilicitude, mas advém de um lampejante indício, que é por vezes

demonstrado por singela e solitária identificação de transação suspeita. As

identificações de transações suspeitas serão o gatilho para a atuação do sistema

acima exposto, com vistas a identificar os envolvidos e os prováveis lavadores de

capitais.

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As transações identificadas como suspeitas, são obtidas por experiências

desenvolvidas em setores nos quais as práticas espúrias são efetivadas. Como

exemplo de alguns indicadores de comportamento extraídos das listas elaboradas

pelo Grupo de Egmont40 podemos citar os seguintes:

• Abuso de Organizações Sem Fins Lucrativos;

• Uso de falsa identificação para realização de transações;

• Destinatário das transações não corretamente identificado;

• Falta de justificação econômica do vulto das atividades;

• Uso de múltiplos bancos e contas estrangeiras;

Não significa a presença de culpa pela simples constatação de um ou mais

indicadores destes. Sua presença, na realidade, denota a necessidade de apuração

da situação e a necessidade da continuidade das investigações.

Sua função é indicativa e não condenatória, devendo ser apurada em

conjunto com muitos outros elementos, os quais após sua real constatação,

ensejarão a instauração do competente apuratório por meio de Inquérito Policial, e

em eventual Ação Penal, sujeitos ao princípio processual do devido processo legal.

Somente sob o crivo do processo regularmente tramitado que poderá advir a

imposição da condenação, fato diverso da simples presença de um indicador de

comportamento de lavagem. Entretanto, sua importância não pode ser diminuída ou

aniquilada dado o distanciamento.

As tarefas são muito distintas, bem como o são seus objetivos. O grande

relevo do indicador de comportamento é selecionar determinados fatos merecedores

de melhores esclarecimentos. Muito se assemelha com um marcador biológico

inoculado, para que sejam visíveis a determinado exame de contraste, os quais

seriam as células portadoras de anomalia. A constatação, em exame prévio, não

40 “FIUs and terrorist financing analysis - A review by the Egmont Group of sanitised cases related toTerrorist Financing.”. Disponível em: www.egmontgroup.org/library/download/58>. Acesso aos:02.09.2015.

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será necessariamente um combate ao cancro, mas certamente tornará necessário

avaliar melhor a presença e aprofundamento dos exames clínicos laboratoriais, ao

ensejar o tratamento adequado da moléstia.

Mas a comprovação, tal como nos casos de saúde somente, surge quando

estiverem presentes muitos outros elementos. No campo processual, somente a

comprovação dos fatos poderá ensejar a cominação de penalidades.

Repita-se, que é de fundamental importância aprofundar o conhecimento

nos indicadores de comportamento, bem como é necessário que estes sejam, ao

menos, periodicamente revistos para sua adaptação e evolução. Funcionará como

gatilho para a apuração e até mesmo posterior investigação, policial ou ministerial,

da atividade que neles se enquadre.

Sua tarefa é prospectiva e voltada ao futuro com inigualável valia na

detecção de atividades de lavagem, muitas vezes no momento de sua realização.

Aliada no combate, ao lado de medidas cautelares adequadas, bem como os

instrumentos de cooperação internacional, são indubitavelmente os melhores

campos de combate a lavagem.

Conforme ressaltamos quando da Introdução ao presente estudo nenhum

bem, riqueza ou quantia se apresenta portadora de caractere diferenciador das

demais, como se fosse de malsinada origem ilícita. Somente fatores secundários e

acessórios poderão indicar a probabilidade, de que seja um capital espúrio e

proveniente de origem ilícita.

Ora, como poderíamos concretizar uma análise com base em conceitos

abstratos? Justamente, neste ponto, que a certeza advém dos modelos traçados por

um órgão especializado e através de comunicação de experiências aptas a formar

um padrão para imposição do dever de cuidado. Os indicadores são, por assim

dizer, espécies de tipos que denotam comportamentos e cuidados com determinada

ação que possa albergar em seu interior alguma forma de lavagem.

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46

Do exposto, pode-se inferir que a reunião de Egmont será um dos

instrumentos capazes de formação dos indicadores de comportamento, para que as

unidades de inteligência locais possam aproveitar do intercâmbio de informações no

sentido de aprimoramento do combate a lavagem.

Além de possuir caráter transnacional, associada a grande velocidade de

alteração, na lavagem de capitais, descortinar o mecanismo de atuação é tarefa de

importância na investigação e punição. Exemplo de maior valia neste sentido é a

possibilidade de oferta de redução de pena, por meio de delação premiada, para o

agente que mostre o “modus operandi” da atividade criminosa, a teor do art. 1°, § 5°,

da Lei n.° 9.605/199841.

Por todos estes motivos, a troca de informações e experiências através de

formação de grupos internacionais, representa um importante marco na lavagem de

capitais.

1.3.8 Regramento modelo CICAD.

A Comissão Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas e seu

Decréscimo – CICAD, vinculada a Organização dos Estados Americanos – OEA,

através de Resolução aprovada na oitava sessão plenária, celebrada em vinte e três

de março de mil novecentos e noventa e dois, elaborou o Regramento Modelo sobre

o Delito de Lavagem conexo com o Tráfico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos.

Ainda no ano de 1992, através da “Declarações e Programa de Ação de

Ixtapa”, foi enfatizada a necessidade de tipificação dos delitos para as finalidades de

identificação, rastreio, descomissionamento, apreensão e confisco dos ativos usados

41 Assim dispõe o citado parágrafo: “§ 5° A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e sercumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, aqualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe, colaborarespontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuraçãodas infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,direitos ou valores objetos do crime.” (grifado e destacado).

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no tráfico de entorpecentes. Todas estas medidas serviram de fonte de inspiração ao

Regramento Modelo do CICAD.

A formação de um regramento comum é tarefa muito interessante, além de

ser próximo do ideal utópico de aplicação uniforme do direito penal através das

nações. De pronto, nos recordamos dos ideais com o ideal de formatação do Código

Penal Tipo para a América Latina42. Ademais, este ideal é bastante semelhante ao

princípio da Justiça Universal ou Cosmopolita de aplicação do Direito Penal no

Espaço43.

Inspirado nesta premissa, a Organização dos Estados Americanos – OEA,

por meio da Comissão de Interamericana para o Controle de Drogas – CICAD,

adotou o chamado Regramento Modelo, para estabelecer um patamar mínimo no

combate a Lavagem de Capitais.

A convenção inicia sua tarefa no seu frontispício para declarar as condutas

que deverão ser consideradas como prática de lavagem de capitais, ao definir como

condutas puníveis os fatos de converter, transferir e transportar, bens que saiba, ou

com ignorância intencional44, de que tais bens são produtos de tráfico ou de outros

delitos graves, a teor do Art. 2°, item 1, do Regramento do CICAD.

De outro giro, passaram a ser consideradas relevantes as condutas de

“adquirir, possuir, utilizar ou administrar” bens que saiba, ou que deva saber, ou com

ignorância intencional, de que tais bens são produtos de tráfico ou de outros delitos

graves, com fulcro no “Item 2” do citado artigo.

A Convenção estende a punibilidade aos mais amplos espectros ao abarcar

42 Conforme o ideal do citado autor, haveria a necessidade de criação de um Código Penal para todaa América Latina. Um ideal deveras visionário, tendo em vista a diversidade de povos e de valores,abarcados por tamanha extensão territorial. Nas reuniões para a elaboração e discussão do CódigoPenal uniforme interviram juristas de renome, citando como exemplo Jesús Jimenes de Asúa.

43 Vide o Capítulo sobre extraterritorialidade.

44 Importante notar que além do dolo direto, representado pelos verbos utilizados pelo CICAD, houvea conceituação de “ignorância intencional”, trazendo espécie de possibilidade de dolo eventual naconceituação da finalidade do agente.

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formas de assessoramento e participação. Parte-se do elenco de diversas

atividades, inciando com a participação direta e chegando ao extremo do simples

auxílio psicológico ou do aconselhamento,

A convenção também reitera a possibilidade de inferir o dolo por

circunstâncias objetivas. Balizando-nos por esta premissa, ocorre a constatação da

intencionalidade da conduta do agente criminoso, com o afastamento de aspectos

meramente subjetivos. Configura um ponto muito importante esta tendência, ao

permitir que seja avaliada a intencionalidade do agente em aspectos puramente

objetivos.

Merece destaque a consideração de que o delito de lavagem passa a ser

delito autônomo dos demais, devendo ser julgado com independência dos delitos

antecedentes, ainda que cometidos no estrangeiro, sem prejuízo da possibilidade de

extradição quando necessário.

É relevante mencionar, que as medidas de combate a lavagem e de

cooperação internacional acabam sendo pactuadas com o escopo de criar

mecanismos de comunicação e assistência recíproca, que possam representar

rapidez na tomada de decisão. As medidas cautelares preveem uma série de

requisitos, teleologicamente arquitetados para a garantia de apreensão e eventual

restituição dos valores e confisco do produto dos crimes. Considerando a fluidez do

capital por meio de sistema financeiro, tais medidas necessitam de grande

velocidade de resposta, para que tenham eficácia na sua utilização.

Por este motivo, as convenções internacionais em matéria de lavagem de

capitais, em especial o Regramento Modelo do CICAD, buscam aperfeiçoamento,

nas medidas de cooperação, para garantia de velocidade na tramitação e

cumprimento da sua finalidade.

Merece destaque, que o Regramento Modelo preocupa-se com o sistema de

controle de lavagem de capitais, em formatação muito parecida com a Lei n.°

9.613/1998, ao delimitar o conceito de instituição financeira, não restrito à atividade

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bancária, com maior amplitude possível a este conceito.

Sua sistemática acaba por adotar o dever de diligência no conhecimento dos

clientes bancários, bem como na necessidade de autorização para funcionamento

das instituições bancárias. Através deste mecanismo ocorre a fiscalização e controle

da atividade bancária, com a determinação de uma autoridade central para controle,

instalação, encerramento e organização da atividade da Instituição Financeira. Neste

diapasão, o cumprimento desta exigência, atualmente, está afeto aos cuidados do

Banco Central do Brasil45, na sua qualidade de órgão fiscalizador.

Em outro vértice, ocorre a imposição do dever de manutenção de

informações dos clientes e de notificação, quando estiver presente a transação em

montante delimitado pela autoridade competente.

O sistema de controle indica a necessidade de imposição de penalidades e

de sanções às instituições financeiras, quando não cumprirem com os deveres

estabelecidos, através da cominação de sanções civis e penais aos funcionários,

gerentes, ou qualquer outra pessoa que não cumpra com os deveres impostos pelo

Regramento da CICAD, conforme o art. 15. Aqui ocorre o surgimento do sistema de

controle da lavagem de capitais com a imposição de sanções aos ramos de

atividade que não cumpram aos ditames de cuidado, elaborados pelo órgão

responsável pelo controle.

Além da necessidade de cooperação e de manutenção de registro, conforme

os ditames do regramento, as instituições financeiras estariam obrigadas a manter

capacitação interna, com a previsão de auditoria, de planos para conhecimento dos

clientes, dentre outras atividades que em muito se aproximam das medidas

chamadas de “complience”46.

45 Em conformidade com os ditames da Lei n.° 4.595/1964.

46 A vulgarmente chamada de “Lei de Complience”, Lei 12.846/2013, visa a imposição de medidas decunho administrativo, como aptas ao combate de corrupção de agentes públicos, traçando um novodever de controle empresarial de modo interno, como pode ser notado da íntegra dos artigos: “Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pelaprática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. Aplica-se odisposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não,

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Por fim, embora haja uma quebra na ordenação trazida pelo Regramento

Modelo CICAD, deixamos por último a menção quanto a necessidade de criação de

uma autoridade central, para a comunicação e guarida das informações

relacionadas a lavagem, conforme disposição do art. 9° do Regramento. O citado

artigo prevê que as autoridades centrais devam denominar-se de Unidades de

Inteligência Financeira – FIU, atrelando sua natureza jurídica entre policial, judicial,

mista de policial e judicial ou administrativa.

A simples constatação das diferentes naturezas do órgão responsável pelo

controle, e do encaminhamento das operações, revela seu caráter. A diversificação é

capaz de trazer diferentes soluções que podem não casar com os princípios penais

e trazer conflitos em questões normativas.

A diferenciação da natureza jurídica do órgão de inteligência é matéria que

demanda grande atenção. Sem embargo, ao dispor como um órgão administrativo,

judicial, ou policial, acabamos por tratar de diferentes funções e finalidades.

Ainda que seja de difícil concepção se as funções são afetas a cada um dos

poderes (legislativo, executivo e judiciário), pois trata-se verdadeiramente de

atividade mista de cunho judiciário e policial, ao operar dados protegidos pelo sigilo

fiscal e bancário, bem como pela realização de diligências nitidamente policiais.

Atrelar a qualquer dos órgãos governamentais, ao inserir a unidade de

inteligência financeira em meio a cadeia de comando, seja do Executivo, por meio

do Ministério da Justiça, ou vinculá-lo a qualquer outra estrutura de poder de

qualquer dos poderes, causa certo embaraço no desempenho das suas atividades.

independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquerfundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede,filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda quetemporariamente. Art. 2o As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitosadministrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício,exclusivo ou não. Art. 3o A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidadeindividual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora oupartícipe do ato ilícito. § 1o A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente daresponsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput”

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Isto posto, a melhor saída seria que o órgão fosse independente de qualquer

uma das estruturas de hierarquia dos poderes, ainda que vinculado em termos

orçamentários e administrativos, com sua composição de natureza mista. Por fim,

haveria a necessidade de controle externo e interno, os quais poderiam ser

desempenhados por comissões parlamentares e pelo “parquet”. Este último como

destinatário do trabalho de investigação antes desenvolvido para fins de promoção

da eventual ação penal, conforme sua missão constitucional delineada no art. 129,

da Magna Carta

Tudo seria feito para a garantia de investigação através de um órgão

independente, que pudesse verificar a ocorrência de operação de lavagem de

capitais desenvolvida por agentes públicos, além de garantir independência e

transparência na condução das atividades das FIU'S.

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2. TIPOLOGIA E FASES DA LAVAGEM DE CAPITAIS.

2.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

O Estudo das principais formas pelas quais se desenvolve a lavagem de

capitais não poderia ser relegado ao segundo plano. Ainda que tal estudo seja

incompleto desde sua gênese, haja vista a marca da adaptação camaleônica dos

lavadores de capitais, faz-se necessário assimilar as principais formas e etapas das

quais a lavagem se utiliza.

Extrapola o conteúdo da necessidade, pois releva o verdadeiro “iter

criminis”, para demonstrar o “modus operandi” sobre o objeto material do crime, até

então, analisado apenas em seu aspecto dogmático, com redução do aspecto fático

e sociológico.

Relembrando o Professor Miguel Reale47, não podemos deixar de analisar o

Direito sobre suas três facetas pelo prisma da teoria tridimensional do direito, para

não tornar a análise incompleta ou reducionista. Assim sendo, é imprescindível

apresentar algumas modalidades pelas quais têm se desenvolvido os intentos de

ocultação e de dissimulação de origem, localização e natureza dos bens envolvidos

na Lavagem de Capitais.

Por outro lado, a análise dos casos serve de demonstração da utilidade dos

indicadores de comportamento, “behavior indicators”, como medidas de prevenção e

repressão, como sistema de controle da Lavagem de Capitais.

Assim sendo, passaremos a expor nos próximos tópicos deste capítulo as

47 No tocante a teoria tridimensional do direito, a obra de Miguel Reale, sob o aspecto deconsideração do direito como fato, valor e norma. A visão reducionista de um destes aspectosacabaria por ser enfrentamento parcial, associado a toda sorte de problemas. (REALE, Miguel.“Filosofia do direito.”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 479-491).

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formas mais comuns, e os expedientes mais usados por este tipo de criminalidade,

não restrito ao território pátrio, mas que, infelizmente, vêm acometendo as mais

diversas nações, ao longo das últimas décadas.

Antes de mais nada, convém descrever que normalmente a Lavagem de

Capitais se utiliza de três fases apontadas pela doutrina como etapas de uma

espécie de itinerário percorrido pelo lavador de capitais, culminando na garantia de

aspecto lícito aos produtos e frutos da atividade criminosa.

2.2 DAS FASES DA LAVAGEM DE CAPITAIS.

O modo pelo qual se desenvolve o crime de lavagem é associado a

presença de três etapas. O “iter criminis”48, encerrado nas divisões entre cogitação,

atos preparatórios, atos executórios e consumação, é descrito de forma distinta na

lavagem de capitais. Sob este prisma, descreve-se desde os atos preparatórios, até

a fase em que o crime encontra-se perfeito e acabado.

Em outras palavras, a análise do “iter criminis”, enquanto atos preparatórios

e executórios, é feito por meio de três fases. Tais fases têm nomenclatura oriunda da

doutrina norte-americana, sendo universalmente aceita, fato pelo qual a utilização de

nomenclatura no vernáculo é inoportuna. Ou seja, praticamente foi criada

terminologia técnica e vinculada a lavagem de capitais

As etapas são as seguintes: I.-) “Placement”; II.-) “Layering” e III.-)

“Integration”.

Na primeira destas etapas, o “Placement”, (traduzido como colocação ou

acomodação), descreve-se o estágio inicial, sem presença de hiato temporal entre a

48 Em definição de que se trata tal instituto: “O fato delituoso apresenta esquematicamente umatrajetória, um caminho – o “iter criminis” – que se compõe das seguintes etapas: cogitação, atospreparatórios, atos de execução e consumação.” (NORONHA; Edgard, Magalhães. “Direito penal:Dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio.”, Volume 2, 20ª Edição, São Paulo:Saraiva, (1984), pág. 118-119).

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posse do objeto ilícito e o momento de início de manobras de expediente de

dissimulação.

Esta fase denota a acumulação, com entesouramento dos bens, para fins de

acumulação primária do capital, a qual pode ocorrer com o uso de contrato de

câmbio para conversão de moedas, compra de bens de alto valor, inserção em

mercado de ações ou financeiro, dentre muitas outras possibilidades.

Como exemplo claro desta etapa: determinado traficante de drogas costuma

operar com moeda corrente em grande quantidade, através de pequenas notas,

conforme negocie seu estoque de entorpecentes. A fase primária é o acúmulo de

capital, não só de operacionalização, mas naturalmente de lucro pela atividade que

desenvolveu, até certo ponto quando resta inviável a manutenção deste capital em

sua posse49.

Embora pareça irônico, o capital representa risco à atividade criminosa

quando ganha vulto, pois outras quadrilhas e demais concorrentes começam a se

interessar pelo valor, atraindo a cobiça, dada a enorme quantia entesourada. Sob o

aspecto repressivo também não é interessante, ao criminoso, que guarde consigo

grandes quantias, vez que uma apreensão policial poderia representar um grande

desfalque50.

49 Robert E. Powis assim descreve: “O segundo problema – o que fazer com o dinheiro – provocoumuita dor de cabeça. Os dólares são volumosos e muito pesados, em especial em notas de pequenovalor. Dois milhões de dólares em notas de US$ 20 pesam 123 quilos. Para guardar toda estadinheirama, o traficante precisava de um espaço considerável e de muita segurança. Milhares dedólares em dinheiro vivo eram uma tentação grande demais para assaltantes e membros deorganizações de drogas rivais.” POWIS; Robert E. “Os Lavadores de Dinheiro”, Tradução de BárbaraTheoto Lambert e Revisão Técnica de Antônio Luis Chaves de Camargo, São Paulo, Editora MakronBooks, 1993, pág. 36.

50 Corroborando existe a afirmação de Guy Stessens: “Criminals who, through their criminalactivities, dispose of huge amounts of money, need to give this money a legitimate appearance: theyneed to ‘launder’ it. The phenomenon of money laundering is essentially aimed at two goals:preventing ‘dirty money’ from serving the crimes hat generated it, and ensuring that the money can beused without any danger of confiscation. The interest of law enforcement authorities in detecting thelink between an offender and the proceeds of the crimes he has allegedly committed, is consequentlyalso twofold: detecting the crimes that were committed in order to bring the alleged perpetrators totrial, and identifying the proceeds from crime so that they can be confiscated.” (STESSENS, Guy,“Money laundering: A new international law enforcement model”, Reino Unido: Cambridge UniversityPress, 2000, pág.05)

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Outro exemplo, ligado à criminalidade em meio a Administração Pública, são

servidores, que de forma reiterada praticam atos de concussão. Com reiteração da

prática criminosa auferem grandes quantias ao ponto de condensar elevados

montantes em metais, pedras preciosas ou obras de arte, para evitar os percalços

de acumulação pura e simples do capital.

Daí decorre o fato denominado pela doutrina de língua espanhola de “punto

de choque” ou de “punto de estrangulamiento”. Através do qual, afunilam-se as

atividades delitivas pelo de acúmulo puro e simples dos valores advindos da prática

criminosa51.

Por estes motivos, o ponto inicial de circulação do capital oriundo da

atividade criminosa é sempre o mais fácil de ser identificado e descoberto, devido a

grande proximidade do criminoso que desempenha a atividade ilícita com o grande

montante de valores. O Desembargador Fausto Martins de Santics52, perfilha o

mesmo ideal, por indicar maior fragilidade do criminoso, “id est”, como fator

indicativo de que o sistema repressivo deva concentrar seus esforços.

Ainda nesta fase, a doutrina costuma apontar a colocação do capital em

meio ao sistema bancário. Porém, não parece correta tal afirmação, a não ser que o

agente financeiro, ou a própria instituição financeira, seja partícipe na lavagem de

capitais, Ao ganhar mais intimidade com o sistema financeiro e seu atual sistema de

controle, denota-se a corriqueira conivência do agente financeiro na condição de

participante da atividade criminosa. Infelizmente, ocorre a corrupção do agente

financeiro para que seja inserido o capital, sem que haja comunicação aos órgãos

de controle.

51 CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. “Lei de Lavagem de Capitais”,São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pág. 80-81.

52 SANCTIS, Fausto Martins de. “Os antecedentes do delito de lavagem de valores e os crimescontra o sistema financeiro nacional.”, in BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo; MORO, Sérgio Fernando,“Lavagem de Dinheiro comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem aoMinistro Gilson Dipp,” Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pág. 199.

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Ainda que pequena quantia seja movimentada não parece verossímil que

passe desapercebida ao sistema de controle. Na ausência de utilização de algum

tipo de fraude ou conivência de autoridades bancárias, a colocação dos capitais em

meio a instituições sem que desperte um indicador de risco, é inviável. Saliente-se,

os sistemas de controles são apurados, especialmente quando conta com a

“expertise” de agente financeiro, passível de detectar ainda que pequenas

anormalidades.

O Grupo de Egmont, na publicação do COAF53, exemplifica:

“Paulo era conhecido cliente de um banco europeu. Por várias vezescomprou ouro do banco em lingotes de 1 kg, com a justificativa deque ia exportar o produto diretamente para uma empresaestrangeira. Após cada transação, Paulo saia sozinho do banco como ouro. Num único ano comprou mais de 800 quilos de ouro,avaliados em mais de US$ 7milhões. O ouro era pago com recursossacados da conta de sua empresa. O banco também percebeu querecursos eram regularmente transferidos para a conta vindos de umaempresa de um país vizinho. Não havia problemas com isto.Contudo o banco considerou estranho o fato de Paulo transportar oouro ele mesmo e os oficiais do banco resolveram comunicar osfatos à FIU nacional.”

Veja, no exemplo supratranscrito, os agentes financeiros desconfiaram do

singelo fato de transportar a quantidade de ouro desacompanhado. Segundo a

publicação do COAF, tal comunicação desenvolveu investigação, a qual culminou

com a constatação de que se tratava de valores obtidos de fraude fiscal. Isto serve

de comprovação do fato que a acomodação no sistema financeiro é praticamente

inviável, quando não estiverem corrompidos os agentes financeiros.

Correto que neste caso acima apontado nada houve de incorreto por parte

da Instituição Financeira, mas há de convir que a movimentação paritária de

quantias somente para a compra de ouro e em grandes quantidades amolda-se ao

53 Conselho de Controle e Atividades Financeiras – COAF. “100 Casos de Lavagem de Dinheiro:Grupo de Egmont – FIU's em Ação”, Brasília, Setembro de 2001, Presidente do COAF AdrienneGiannetti de Senna, acesso disponível em: <http://www.coaf.fazendagov.br/linksexternos>. Acessoaos 10.08.2015.

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“behavior indicator” indicado pela recomendação n.° 32 do GAFI/FATF54 .

O exemplo corrobora com a afirmação inicial, pois o capital será

simplesmente retido e acumulado, não ingressando em nenhum disfarce ou

mascaramento, pelo contrário, sua característica seria a de pura e simples

acomodação. O sentido da ação é de mera disposição dos valores obtidos de

origem espúria. Aqui, propriamente, e em termos técnicos, não podemos nem

mesmo dizer que se iniciaram os atos executórios da lavagem de capitais.

Registre-se, que o fato retrocitado é exasperado quando o próprio agente do

crime antecedente passa a dispor dos capitais obtidos pela ação delitiva. Afinal, o

lucro obtido por meio da ação criminosa é, por vezes, o motivo do desenvolvimento

da ação marginal. Ressoa como ilógico imaginar que a pura e simples acomodação,

ou entesouramento, sem qualquer forma de mascaramento, desenvolvida pelo

agente do crime antecedente, seja início de lavagem de capitais.

Há, apenas e tão somente, neste ponto, mero exaurimento do crime

antecedente, o qual produz efeitos e lesa o bem jurídico antecedente como

exaurimento; mas atos executórios de lavagem de capitais não há que se cogitar.

Mesmo que a passagem dos atos de preparação (“conatus remotus”), para os atos

executórios (“contaus proximo”), seja de difícil constatação é necessário que se

socorra do conceito de bem jurídico para elucidação.

Nesta toada, a tese da superproteção do bem antecedente55, como o bem

54 Veja a nota interpretativa da Recomendação n.° 32 do GAFI/FATF: “O ouro, os metais preciosos eas pedras preciosas não são abrangidos pela Recomendação 32, não obstante a sua liquidezelevada e a sua utilização, em determinadas situações, como meio de câmbio ou de transmissão devalor. Estes artigos podem ser abrangidos, numa outra medida, pela legislação ou regulamentaçãoaduaneira. Se um país detetar um movimento transfronteiras incomum de ouro, metais preciosos oupedras preciosas, deveria considerar a notificação, de forma adequada, das autoridadesalfandegárias ou outras autoridades competentes dos países de origem e/ou de destino destesartigos, devendo cooperar com o objetivo de determinar a fonte, o destino e os propósitos destesmovimentos e o desenvolvimento de uma ação em conformidade.” (GAFI, “Padrões Internacionais deCombate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação.”,Fevereiro de 2012, pág. 107, tradução do Banco de Portugal, sob a égide do Conselho Nacional deSupervisores Financeiros. Disponível em <http://fatf-gafi.org/media/documents/pdfs>. Acesso aos10.10.2015).

55 Para mais detalhes acerca da escolha desta teoria como objeto de proteção, consulte o capítuloacerca da definição do bem jurídico da lavagem de capitais.

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jurídico tutelado, é capaz de demonstrar o fomento da criminalidade antecedente,

representado pelos aspectos de desligamento da origem, natureza ou localização.

Presentes estes requisitos, estaremos diante dos atos executórios, como execução

da descrição típica, bem como da potencial agressão ao bem jurídico.

Ora, ainda que existam diversas teorias a versar sobre a delimitação dos

atos executórios, dentre as quais: teoria de avaliação subjetiva, teoria do perigo,

teoria de von Bar, teoria objetivo-formal e a teoria de hostilidade ao bem jurídico, tem

de ser adotado um critério como dominante. Esta última teoria, conforme

ensinamentos de Nélson Hungria56, reverberando os ideais de Max Ernst Mayer, há

de ser a nota dominante. Convém transcrever o referido escólio, com a devida vênia,

para melhor esclarecer:

“...Teoria da hostilidade do bem jurídico. (M. E. MAYER): atosexecutivos são aquêles que atacam o bem jurídico (o primeiro ato deataque é o começo de execução); atos preparatórios nãorepresentam ataque ao bem jurídico, cujo estado de paz ficainalterado. Cada uma dessas teorias tem o seu quid de verdade, masnenhuma delas é suficiente para resolver todos os casos. Seriafastidioso repetir as objeções que lhes tem sido formuladas. Épreferível que fixemos, desde logo, o nosso ponto de vista que acimadeixamos antever. O critério mais aconselhável (embora não isentode refutações) é o preconizado por MAYER: cumpre indagar se há,ou não, uma agressão direta ao bem jurídico. Ato executivo (ou detentativa) é o que ataca efetiva e imediatamente o bem jurídico; atopreparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma oobjetivo, o ataque ao bem jurídico.”

Pode-se constatar a fase de “layering”, no exemplo utilizado, no momento

em que o agente passa a comprar o ouro, para iniciar o processo de estratificação

dos valores originários da sonegação fiscal, por demonstrar o primeiro ato de ataque

ao bem jurídico antecedente, como início de execução do tipo de dissimulação da

localização do bem. Há de se registrar, que em meio ao sistema bancário, tais

valores poderiam trazer problemas na comunicação aos agentes fazendários,

através de informativos de rendimento ou semelhantes, deste modo, potencializando

a atividade antecedente.

56 HUNGRIA, Nélson, “Comentários ao Código Penal”, Vol. I, Tomo 2°, Rio de Janeiro: RevistaForense, 1953, pág. 79-80.

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Urge considerar, que somente em face do caso concreto seria possível

traçar com precisão o momento em que estamos encerrando uma fase e iniciando a

outra. A primeira fase consiste, essencialmente, na aquisição de valores e sua

condensação para facilitação de movimentação, este sim o verdadeiro sentido da

primeira fase, sem o uso de técnicas ou expedientes para sua dissimulação,

aspectos estes inerentes a segunda fase.

Para ingressar na segunda fase de “layering” (traduzida de dissimulação,

estratificação ou escamoteamento com a tônica de fazer desaparecer, passar

desapercebido, tornar oculto) é necessário o uso de algum expediente que tenha o

escopo de ludibriar. Neste momento haverá início a lavagem como agressão do bem

jurídico, e não mero exaurimento do crime antecedente. Precisamente, neste ponto,

ocorre o término dos atos preparatórios com início de atos executórios.

Nesta fase o grande objetivo é promover o desligamento e a impossibilidade

de identificação de origem do bem ou valor inquinado. Correta a afirmação de que

um bem, ou uma quantia, nunca aparente reluzente ilicitude, derivada de sua própria

essência, ou de seus sinais particularizantes. Ao revés, não é incorreto afirmar que

uma pessoa que seja portadora de vultosa quantia, ou sem algum motivo aparente

acabe por gerar desconfiança, através de razões empíricas ou simbólicas.

O próprio senso comum denota que é impossível fazer uma pessoa

acumular grandes quantias quando estiverem ausentes motivos de inequívoca

competência profissional, de ordem técnica, ou até mesmo de eventualidades

ligadas a improváveis acontecimentos. Nunca haverá a falta de um motivo

contundente para o acúmulo de grande riqueza.

Um indivíduo detentor de grande poder econômico, sem que apresente

algum fator responsável por esta riqueza equivalente ao seu extraordinário capital,

induzirá a conjecturar que há algo de origem ilícita. Inspirado nesta espécie de

inconsciente coletivo57, que os criminosos, instintivamente, percebem a necessidade

57 Usando e parafraseando aqui uma das teses mais famosas do Psicólogo Suíço Carl Gustav Jung,

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de investir e esconder grande quantidade de valores.

Justamente, para atender a estes propósitos, que nesta fase são usados os

mais diversos tipos e formas de ocultação. Apenas a título de ilustração teríamos o

uso de múltiplas contas bancárias em nome de pessoas interpostas, uso de

identidades falsas, colocação em empresas situadas em países que dispensam a

escrituração dos sócios, expedientes de remessas por lucros, prejuízos em

exportação, uso de empresas de fomento ou sem fins lucrativos que possam

absorver os lucros da atividade criminosa, dentre diversos outros.

A utilização de empresas fantasma ou de fachada, também, é prática

contumaz neste ramo de criminalidade, por meio do já conhecido uso de cinemas,

postos de combustíveis, estacionamentos, dentre outras atividades. Nestas

atividades os custos e a contabilidade tornam impraticável aferir a real

movimentação e realização da atividade negocial. Dessa forma, garante-se aptidão

para que seja mascarada ou escamoteada a real origem do capital espúrio. Vale

dizer, alimenta-se a contabilidade empresarial, com valores decorrentes da atividade

criminosa, como se fossem originários de lucro legítimo da atividade comercial.

Em suma síntese: o capital ou os bens oriundos da atividade criminosa

deverão passar por uma cadeia de eventos, daí o escamoteamento, como espécie

de mimetismo, para impedir que seja desvendada a verdadeira origem dos bens.

Esta fase do crime de lavagem, será melhor visualizada a breve trecho, quando da

análise da tipologia dos mecanismos mais utilizados.

Encerrada a segunda fase, é momento de ingressar no processo de

integração ou restituição, do inglês “Integration”, momento em que os bens ocultos

ou dissociados de sua verdadeira origem, estão aptos a receber a roupagem da

licitude, ou a aparência de algo conquistado sob o aspecto mais lídimo.

o qual afirma: “(…) o inconsciente contém, não só componentes de ordem pessoal, mas tambémimpessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas ou arquétipos. Já propus a hipótese de queo inconsciente em seus níveis mais profundos possui conteúdos coletivos em estado relativamenteativo, por isso o designei coletivo.” “in” JUNG; Carl Gustav. “Estudos sobre Psicologia Analítica”.Petrópolis: Vozes, (1978), pág. 127.

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Quando mais próximo da licitude, quando mais lícito for o expediente; como

se estivesse passado por espécie de decantação ou depuração química, após

percorrer diversos elementos filtrantes e de ter recebido muitos aditivos químicos,

bem como ao transpor barreiras infinitesimais, agora o ativo ilícito está perfeitamente

puro, praticamente em estado nascente58.

O valor, o bem ou o dinheiro, ao percorrer o esquema de depuração, tem o

mesmo aspecto da alegoria citada, o qual após encerrada a fase de “layering”

estaria apto a ser reutilizado, sem o menor indício da poluta origem. Após percorrer

a citada fase estará o capital completamente asséptico, satisfazendo aos anseios de

desvinculação da origem.

Na fase máxima, da cadeia do processo de lavagem, o capital será

livremente utilizado para os mais diversos propósitos e intentos que o agente

possua. Poderá ser reaplicado como manutenção do processo criminoso, também

poderá ser usado para pagamento de suborno, bem como para servir aos anseios

de enriquecimento do agente, dentre muitas outras finalidades.

A importância desta última fase, como recolocação do capital de origem

espúria, utiliza de diversas formas de tipos empresariais e não empresariais, tais

como fundações, faculdades, partidos políticos, investimentos em atividades de

fomento, comércio de bens de elevado valor, mas o verdadeiro fio condutor entre as

atividades está no aspecto de licitude representado. A mais perfeita aparência de

licitude, conduz ao maior sucesso da empreitada criminosa, no intendo de

dissimulação e de ocultação da origem espúria. Por estes motivos a fase de

“integration” representa a chancela de licitude cunhada no bem ilícito.

A análise das três etapas de Lavagem de Capitais influi diretamente em

diversos pontos, como por exemplo: 1.-) Na determinação do início da prática de

atos executórios; 2.-) Na fixação das circunstâncias do art. 59 do Código Penal; 3.-)

Em persecução penal e investigação criminal, com observação de características

58 Em alegoria com o percurso de fluidos e seu escoamento por meio ao sistema de encanamento éutilizada por BONFIM, Marcia Monassi Mougenot; e BONFIM, Edilson Mougenot. “Lavagem dedinheiro”, 2ª edição, São Paulo: Malheiros, (2008), pág. 34.

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dos momentos do “iter criminis”.

2.3 TIPOLOGIA DA LAVAGEM DE CAPITAIS.

Superado este problema, devemos notar quais são os mecanismos

utilizados pelos delinquentes para que tenhamos familiaridade e substrato de

aplicação da lei penal. Ademais, este estudo é importante, pois um fulcro do direito

penal consiste em valorar fatos segundo os critérios legais.

2.3.1. Sistema de multiplicação 59.

Como primeiro mecanismo utilizado existe a colocação de diversos agentes

para divisão dos capitais envolvidos, com espécie de diluição do verdadeiro

montante da operação. Saliente-se, que o auge deste tipo de mecanismo ocorreu no

início da década de oitenta, mas até a presente data ainda se mostra como apto a

realização de lavagem de capitais, assim sendo, mecanismo que não se apresenta

ultrapassado.

Tal sistema, tem muitos pontos de contato com o delito de estruturação do

sistema norte-americano60, no qual são elaboradas diversas transações para a elisão

das competentes comunicações de movimentações financeiras, CTR's, das

autoridades bancárias.

Em que pese o uso da tipologia de “smurfing” ser extremamente trabalhoso e

dispendioso, tal mecanismo é apto na realização da segunda fase de lavagem, com

o escamoteamento dos valores. Seu escopo se revela através da utilização de

59 A nomenclatura desta técnica de lavagem de capitais, ainda que jocosa, é universalmenteconhecida, fato que torna inoportuna a tentativa de tradução, ou a aplicação de outra nomenclatura.

60 Vide escorço histórico para mais detalhes do delito de estruturação.

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diversos agentes e, normalmente, associa-se ao mecanismo de falsa identificação

de operação bancária, para que ocorra confusão quando da reunião de informações

por parte da Instituição Financeira.

Neste tipo de expediente, são reunidas muitas pessoas que passarão a usar

de diversas transações, em limite muito próximo ao valor determinado para

notificação de transação à autoridade bancária. Por exemplo, quando o limite de

comunicação imposto for de transações maiores que US$ 12.000,00 (doze mil

dólares), colocam-se três pessoas interpostas para a realização de transações no

valor de US$ 4.000,00 (quatro mil dólares). Embora, o total da operação tivesse

ocorrido no montante desejado, o parcelamento do total permitiu que o

escamoteamento da operação, para que nenhuma das operações isoladas fossem

elegíveis ao sistema de comunicação.

Convém ressaltar, que a modalidade de transação também costuma variar

bastante para que não transpareça o montante real da transação. São usados

diversos meios, cambiando desde transações em espécie, transações eletrônicas,

“wiring transfers”, sistemas chamados de “Cuckoo Laudering61”, dentre utilização de

títulos de crédito, cheques, promissórias e outros.

A utilização destas pessoas interpostas, normalmente associadas a

organizações criminosas, é de difícil monitoramento, demandando muita cautela do

operador financeiro para desvendar os intentos da lavagem de capitais, utilizando,

por vezes, a análise de fluxograma da movimentação financeira. Resta cristalina a

dificuldade e a necessidade de grande habilidade por parte do agente bancário para

sua correta identificação. Até mesmo os indicadores de comportamento são de difícil

constatação nesta tipologia, haja vista a grande quantidade de agentes envolvidos.

A grande evolução da técnica do “smurfing” para os dias atuais, ocorreu com

61 Denominação usada devido à semelhança de ação com o pássaro epônimo, ao depositar seusovos nos ninhos de outras espécies para que sejam seus filhotes cuidados da mesma forma, que sãoos legítimos filhotes das demais espécies. No campo criminal os Lavadores de Dinheiro buscam fazera mesma atitude, para colocar seus proveitos espúrios, sob os auspícios de cidadãos de notóriahonestidade. Interessante explicação a este respeito encontra-se na Unidade de InteligênciaFinanceira Australiana. Disponível em: <http:\\www.austrac.gov.au/typologies-2008-metthodologies.>,Acesso em 09.09.2015.

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a presença da operação de diversas contas bancárias nos mais diversos bancos,

para a rápida condensação de capitais, por meio de transações eletrônicas, ou a

maciça movimentação simultânea de capitais. A perícia contábil, por vezes, é

medida ao combate à Lavagem de Capitais, além de representar imprescindível

etapa para a elucidação. Fatos empíricos demonstram que o melhor modo de

visualização é a visão através da massa das operações, como se fosse espécie de

enxame ou nuvem, que se move de forma coesa, distanciando o foco de uma

operação individualizada.

A grande habilidade do agente da prática da lavagem de capitais sob a

forma do “Sumurfing” é a capacidade de sublimação do capital, para que passe

como uma nuvem, somente podendo ser visualizado quando visto ao largo, sob

pena de perder-se em sua translúcida formatação. Assemelha-se a bruma, que

desorienta aquele que pretende transpô-la, ao envolver em sua opacidade.

Conforme afirma Robert Powis62, os lavadores de dinheiro colombiano

transformaram o delito de estruturação em uma espécie de arte, que se denominou

de “smurfing”.

2.3.2. Utilização de empresas de fachada.

O mecanismo acima descrito também tem sua formatação para a utilização

empresarial, com a colocação de empresas, normalmente, sem finalidade comercial

ou mercante, para a aplicação de capitais. A grande função deste mecanismo é fazer

com o os valores pareçam decorrer do regular funcionamento comercial, quando se

tratar de injeção de capitais de origem ilícita.

Por vezes, a utilização de empresas ocorre, unicamente, com a finalidade de

instrumento da lavagem de capitais, em detrimento de qualquer atividade mercante.

62 POWIS; Robert E. “Os Lavadores de Dinheiro”, Tradução de Bárbara Theoto Lambert e RevisãoTécnica de Antônio Luis Chaves de Camargo, São Paulo, Editora Makron Books, 1993, pág. 100.

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Conforme alega Marcelo Batlouni Mendroni63, sobre este aspecto:

“Constata-se a existência do local (físico), imóvel, somente comaparência daquilo a que se propõe. Checando-se o endereço naJunta Comercial local, será constatada a existência de um prédiodaquele logradouro e número. Na verdade, presta-se apenas autilizar o nome empresarial, de forma a viabilizar a abertura decontas bancárias e utilização do nome da pessoa jurídica para aefetivação de transações. Esse comércio costuma servir, no entanto,principalmente, como instrumento de lavagem de recursos ilícitos.”

No exemplo acima transcrito, é perceptível que a utilização do setor

empresarial sirva apenas de uma espécie de cortina. Não é operada a empresa em

qualquer dos aspectos de produção ou de mercância. Apenas a sua existência basta

aos propósitos criminosos. Todos os elementos que poderiam servir a atividade

empresarial são falsos. Em suma, nada serve à produção ou circulação de riqueza,

que não seja oriunda da atividade criminosa.

Saliente-se, que existe uma formatação mais sofisticada, da junção de

ilícitos com frutos e produtos da atividade lícita, designada de “commingle”64. Aqui é

vislumbrada a existência de intrincada e sofisticada técnica de lavagem,

representativa da segunda fase de lavagem, denominada de “layering”. Potencializa-

se este fato com o domínio de sistema bancário, por praticantes da lavagem,

tornando-o dos sistemas mais lesivos, encontrados no especto de utilização da

lavagem de capitais, bem como de financiamento do terrorismo65.

63 MENDRONI; Marcelo Batlouni. “Crime de lavagem de dinheiro.”, São Paulo: Atlas, 2006, pág.63/64.

64 A palavra advém de misturar, para fundir as propriedades, ao formar um todo harmonioso,segundo o Webster's New Colegiate Dictionary, Springfield: G. & C. Merriam Company, 1974.

65 A forma de combate a este, perverso e lesivo, sistema consiste na utilização de controle, para aoperação de instituições financeiras, tal como opera-se por meio do crime descrito no art. 19, da Leide Crimes Contra o Sistema Financeiro. Confira neste sentido: “A banking institution controlled bycriminals, or whit a criminal or criminals in key managerial positions, is at significantly greater risk ofbeing used for money laundering or terrorist financing purposes. International standards, therefore,provide that a jurisdiction should take the necessary legal or regulatory measures to prevent criminalsor their associates from holding a management function, in a bank. Key to the success of suchmeasures is a properly designed and enforced licensing mechanism.” (CHATAIN; Pierre-Laurent; et al.“Preventing Money laundering and Terrorist Financing: A practical guide for bank supervisors”,Washington: The World Bank, 2009, pág. 45/47.) Vale ressaltar, que o escritório da ONU,especificamente o UNODCCP, considerava que no final da década de noventa do século passado,metade dos bancos, entre sessenta por cento dos bancos públicos e quarenta por cento dos privadosda federação russa eram controlados por pessoas ligadas ao crime organizado, “in” United NationsOffice for Drug Control and Crime Prevention – UNODCCP, “Russian capitalism and money

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Normalmente, a utilização ocorre em setores, nos quais os custos são quase

sempre fixos, ainda que variável o ganho da operação, com vistas a dificultar os

aspectos de auditoria externa, fiscalização e intervenção policial. Os ramos de

atividade notoriamente utilizados nesta prática são os de postos de combustíveis,

lavanderias, cinemas, espetáculos, bares e eventos festivos.

Ressalte-se, que não há vinculação com o ramo de atividade, pelo contrário,

a utilização deste sistema tem grassado para as mais diversas atividades, não

permanecendo restrita ao setor produtivo, ou ao setor de serviços. Sua expansão

atinge desde consultorias, ensino, projetos de engenharia, chegando até o uso de

partidos políticos; e outras figuras intrincadas tais como o investimento financeiro,

bolsas de valores, dentre uma miríade de setores.

A ligação empresarial, nesta fase, implica em trazer a aparência de licitude,

de correição, quando da inserção dos valores criminosos, os quais passaram por

verdadeiro depurador, ao ganhar uma roupagem, pela dissimulação de sua real

origem ligada à atividade criminosa. A grande variação, como pode ser notada, torna

este mecanismo bastante apto ao seu propósito de encobrimento e distanciação do

capital do criminoso, na segunda fase de aplicação chamada de “layering”.

Neste diapasão, existe a colocação de pessoas interpostas que variam

desde grandes conhecedores dos meandros das atividades, até mesmo a pessoas

que são manipuladas sem que saibam do real intento da atividade criminosa. Um

fator interessante, neste ponto, é o uso de um indicador que avalie a capacidade

patrimonial de determinada pessoa ao exercer sua atividade e que possibilite

transparecer sua evolução patrimonial, sem a necessidade de maiores indagações

sobre suas atividades.

Este sistema também demanda muito cuidado quando do uso de empresas,

dada sua potencialidade lesiva. Muitos aspectos de combate a criminalidade ligada

ao campo empresarial, tem despertado grande interesse em meio a doutrina e a

laudering.”, 2001, “apúd” CHATAIN; Pierre-Laurent; et al, opus cit., pág. 48.

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atividade legiferante. Com efeito, muito tem se discutido sobre a possibilidade de

punição das pessoas jurídicas, do uso de penas administrativas exacerbadas,

medidas de “complience”, falência compulsória, inabilitação temporária e de

proibição de contratação com o poder público.

Neste aspecto, parece não haver a necessidade ou a possibilidade de

punição de pessoas jurídicas, como elemento de prevenção geral, dada a ausência

fática do elemento da conduta pelo ente jurídico, de modo separada da pessoa

física. Ou seja, não há conduta que não seja uma praticada pela pessoa natural.

Por óbvio, não é o objeto do presente estudo a punibilidade das pessoas

jurídicas, nem mesmo poderia sê-lo, diante da limitação do objeto de estudo.

Existem bons argumentos a favor das posturas de possibilidade ou não de punição

da pessoa jurídica. Ressalte-se, apenas que o objetivo, neste ponto, é atentar à real

vantagem de punição do ente empresarial, diante das contundentes sanções

administrativas.

Sem embargo, caso seja avaliado, no caso concreto, que determinada

empresa foi utilizada para a prática de crimes, a maior sanção será sua pena capital

de paralisação das atividades, a qual já ocorre por diversos meios. Exemplificando,

temos as seguintes: dissolução compulsória, liquidação ou intervenção em

Instituição Financeira, descredenciamentos, cancelamento de registros, cassação de

alvarás ou licenças de operação, inscrição em cadastros dos mais diversos,

imposição de exacerbadas multas e autos de infração, dentre diversas outras.

O encerramento da empresa de forma oportuna, associada a rápida e eficaz

atuação, mostra-se como medida muito mais adequada, ao invés da disposição de

sanções penais e o uso de medidas, nitidamente, administrativas em campo penal.

Saliente-se, porém, que este tipo de enfrentamento deve ser competente e veloz sob

pena de tornar-se frustrado pela intempestividade.

Saliente-se, que muitas medidas de extrema gravidade já são tomadas na

esfera administrativa, de modo que o campo penal parece ter se tornado algo

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inócuo. Vislumbremos, como maior exemplo, determinada empresa que tenha suas

inscrições tributárias canceladas, graças ao fato de entrega irregular ou inoportuna

de declarações tributárias, ou ainda, ao cancelamento de operação em Bolsa de

Valores, levado a cabo pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Por vezes, estes atos acabam por impedir o funcionamento e a

operacionalização das atividades, de modo que nem mesmo um embargo, ou

eventual medida cautelar que tenha por objeto os bens ou coisas obtidas por meio

criminoso66, tomada, em sede penal, mostra-se com tamanha eficácia. Há de se

registrar, que a utilização empresarial e o seu combate, em sede penal, não pode

ficar vinculado a ameça da pena, tendo em vista que esta ameaça é muito maior em

campo administrativo, por ser mais contundente, veloz e próxima.

Fato empírico e indicativo da tentativa do crime organizado, é a manutenção

da regularidade dentro do seu setor de operação, para evitar problemas com o

âmbito administrativo e regulatório da atividade. Aquele que opera frontalmente

contra a legalidade, passa a atuar com destacado respeito aos regulamentos

estatais, sob pena de ter suas atividades aniquiladas. Em outras palavras, parece

temer mais a atuação fiscalizatório administrativa do que a atuação policial e judicial.

Sem dúvida, uma situação paradoxal, criada pelo próprio enfrentamento da

matéria, calcada em premissas válidas ao tratarmos de pessoas naturais, mas

completamente desarrazoadas e descabidas no campo da criminalidade

empresarial.

Por estes motivos, o combate a criminalidade empresarial ainda necessita

de maiores incursões teóricas para avaliação das finalidades da pena, mormente na

possibilidade de estabelecer punição às empresas. O fim de extirpar a criminalidade

que se desenvolve no ramo societário é medida salutar, entretanto, existem

66 A expressão coisas “obtidas por meios criminosos” deve ser entendida no sentido do produtodireto da infração (por exemplo: o carro roubado), não abrangendo o produto indireto (por exemplo: ocarro comprado com o dinheiro roubado do banco). No caso dos proveitos, a medida cabível será osequestro de coisa móvel (art. 133 do CPP), embora não se possa descartar a possibilidade deapreensão quando interessar ao processo, por exemplo, para fins probatórios.” BADARÓ, GustavoHenrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 292;

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marcantes incongruências. Deveria haver, caso optem por esta incursão, um

planejamento de nova teoria geral do crime para adaptação as vicissitudes do ramo

extremamente particular que são as empresas, tudo aliado a uma nova formatação

do processo penal.

2.3.3. Reinvestimentos em países estrangeiros.

Outro mecanismo que tem grassado nos últimos tempos trata da cadeia de

transações internacionais, destinadas destruir o rastro da criminalidade para que, ao

fim, haja retorno do capital deslocado de seu agente.

Ocorrem diversas transações enfileiradas com uma série de modificações

de contas corrente ao redor do mundo, para que sejam perdidos os elos com as

atividades empresariais, necessitando em seu combate de comunicação interestatal

para a troca de informações destinadas a desvendar as reais finalidades das

transações e seus reais intentos.

Ao final desta cadeia de eventos os valores normalmente retornam ao país

ou a sua localidade inicial sob a forma de investimento ou de fomento internacional,

trazendo o aspecto de pureza, mas na realidade não se trata de nada mais que uma

retroalimentação da cadeia delitiva e de garantia de lucros e dividendos da

empreitada criminosa.

Os indicadores de comportamento e a perspicaz atuação do sistema

financeiro, muitas vezes, consegue detectar com grande velocidade a ocorrência

deste sistema, sendo muito interessante o controle destes fatos e sua salvaguarda,

por meio de setores técnicos, normalmente, ligados ao próprio controle de aspectos

tributários e fiscais.

Outro setor de criminalidade consectário e bastante próximo da

lavagem de capitais que utiliza desta sistemática é o financiamento do terrorismo,

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com a atividade de captação de montante, para a prática de atividades visando a

finalidade ideológica de implantação do terror. Muitas células terroristas adotam este

meio de desligamento dos capitais, pelo efeito deletério quando da passagem

consecutiva por meio dos mais diversos países, facilitando a presença do capital,

através da entrada sob a roupagem da licitude.

2.3.4. Paraísos fiscais.

Neste ponto, urge considerar que os esforços internacionais de combate a

lavagem esbarraram em determinadas políticas de governo e por vezes em políticas

de Estado, empenhadas na garantia da entrada de capitais, olvidando de sua origem

e da lesividade social na sua origem. A guarida é fornecida sob o envólucro do sigilo

bancário extremado, da falta de identificação dos titulares e a possibilidade de

criação de pessoas jurídicas sem que haja identificação dos titulares e até mesmo

de documentação.

Neste aspecto, com a extirpação da ingerência indevida por parte de

governos, existe como efeito colateral do aproveitamento de mecanismos de

lavagem por estes meandros. Parece atrativo ao criminoso a recepção de valores,

em sistema bancário, não admoestando sua origem e prescindindo sua

identificação. Sem embargo, as vicissitudes destas localidades propiciam facilidades

atraentes à lavagem de capitais.

Um dos mecanismos de controle das Unidades de Inteligência Financeira,

consiste exatamente na maior cautela dispendida entre localidades apontadas como

paraísos fiscais, pelo fato de ensejarem ou propiciarem maiores facilidades a

ocorrência desta modalidade delitiva67. Como exemplo, podemos vislumbrar uma

determinada empresa que é criada em local que não exija a identificação dos

67 Denota-se tal fato do apontamento para a existência de ambiente mais propício a lavagem decapitais, ao identificar como o conceito de vulnerabilidade, conforme o manual de avaliação de riscosdo FATF. Vide a nota de rodapé n.° 49 para mais esclarecimentos.

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titulares, usando o tipo comercial de ações ao portador68. Ou seja, somente a pessoa

portadora de determinados documentos deterá o controle acionário da empresa,

ficando restrita a visualização de sua titularidade.

Após a criação desta empresa costuma-se nomear um terceiro, na

qualidade de procurador com poderes de administração da empresa, o qual passa,

normalmente, a operar todas as atividades da citada pessoa jurídica, tudo com a

finalidade de ocultação dos sócios reais. Neste momento acabaremos de criar

justamente o substrato para a lavagem de capitais, sob o aspecto da conhecida e

adnominada “blindagem patrimonial”.

Denota-se, do prosaico exemplo citado, a possibilidade de movimentação

dos valores sem que os sócios, de fato, figurem na negociação, “id est”, viabilizando

a blindagem. Resta cristalina a presença das fases de “layering”, bem como de

“integration”, para que haja uso de capitais oriundos de atividade criminosa,

dissociado da constatação, de plano, de sua origem.

Quando o intento é burlar determinada carga tributária de uma nação, ou

esconder os capitais de eventual credor, faz-se o uso de empresas sediadas em

paraísos fiscais. Haverá a manutenção da propriedade com ações ao portador, - em

controle acionário da empresa –, complementado com a operacionalização por meio

de procuradores, de modo que nunca transparecerá o verdadeiro proprietário, nas

transações ou movimentações.

Todo este expediente pode ser capaz de operacionalizar a entrada, saída, a

troca, a modificação, a compra, empréstimo, contratos de tipologia diferenciada, sob

aspecto de “leasing”, “swap”, aquisição de bens e equipamentos, sem que os

titulares sejam descortinados. Mecanismo de grande valia ao lavador de capitais;

para a ocultação da origem ou movimentação de valores oriundos da prática delitiva.

Há de se registrar, por oportuno, que a propriedade de uma empresa em

68 Até data recente o Uruguai permitia a utilização de empresas com a titularidade, por meio deações ao portador.

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paraísos fiscais, única e exclusivamente, não é fator capaz de incriminar nenhuma

pessoa, nem pode sê-lo, como espécie de incriminação “in re ipsa”, decorrente do

próprio fato. Muito pelo contrário, a licitude deste tipo é inconteste, desde que seja

usada dentro do parâmetro da legalidade.

Deve-se operacionalizar a empresa dentro das balizas da legalidade, com as

competentes declarações, como por exemplo ao Banco Central dos valores

mantidos no estrangeiro, com as movimentações e rendimentos declarados ao

competente setor Fiscal, sem que haja fraude a credores ou para a promoção de

evasão de divisas. Em suma síntese, dentro da finalidade empresarial e comercial

que se espera de qualquer interlocutor das relações comerciais. Fato que deve ser

repudiado com veemência é transvestir de lícita a operacionalização de criminosos

por meio de empresas.

No tocante a utilização de empresas para finalidades criminosas, devemos

despontar com uma utilização do direito penal totalmente diversa, tendo o controle

de áreas que denotam potencial de utilização de lavagem de capitais, bem como

com a rápida intervenção de órgão de controle com medidas processuais

compatíveis com os diversos ramos de atuação. Medidas estas que devem estar

associadas a aparato de controle que detenha conhecimento dos mecanismos e

peculiaridades das atividades correlatas.

Não devemos submergir em campo de punição apenas sob aspecto de

punibilidade de atos societários e prevenção geral, sob pena de ignorar a realidade e

tentar aplicar métodos válidos ao aspecto psicológico de coação em empresas, as

quais são mera ficção jurídica.

2.3.5. Utilização de bens de alto valor agregado.

Mecanismo intrincado e sofisticada operação é a lavagem de capitais por

meio de objetos antigos, bens de luxo, metais e pedras preciosas, além de bens de

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alto valor agregado. De início, devemos notar o traço que torna necessária a

consideração conjunta destes bens, como mecanismo destinado para ocultação ou

dissimulação de origem, natureza e movimentação dos frutos e produtos criminosos.

É cediço, que estes bens possuem um valor muitas vezes desconectado do

custo de produção por serem raros e cobiçados, ou até mesmo por razões outras,

tais como religiosas ou históricas. Diante de todos estes elementos estes bens

adquirem altíssimo valor comercial.

Por outro lado, podemos citar o amplo espectro de objetos e a imensa

dificuldade de avaliação, por exemplo, partindo de relógios com valores milionários,

de obras de arte que podem ser trocadas por verdadeiras fortunas, joias de preço

inestimável, mobiliários extremamente valorizados, dentre muitos outros objetos que

se enquadram neste rol.

A própria citação dos mais diversos bens, traz a pauta o outro aspecto

coagulante desta matéria. A necessidade de profundo e vasto conhecimento acerca

dos objetos em comento, exigem conhecimento multidisciplinar e específico em cada

um dos ramos de negociação, fatos que demandam verdadeira ciência e arte por

trás deste ramo69.

Parece ser impossível que um determinado indivíduo reúna grande

especialidade, ou conhecimento notório na identificação imediata e avaliação de

todos os tipos de bens acima elencados, assim criando, ambiente fértil para a

lavagem de capitais. Vale dizer, em vez de fazer remessa de muitos milhões através

de movimentação bancária na qual o valor é declarado, opta-se por comprar

determinada obra de arte cotada internacionalmente, qual seja uma pintura ou

escultura renomada. Através deste sistema pode-se efetivar a remessa, da mesma

quantia sem que o valor seja percebido. Por vezes, o pequeno nicho em que o

objeto usado como instrumento do crime acaba possibilitando a remessa de modo

69 Exemplo maior desta dificuldade está na estruturação dos órgãos de tutela do patrimônio históricoe artístico nacional, tais como em âmbito federal o IPHAN, no Estado de São Paulo o CONDEPHAATou o DPH no Município de São Paulo, os quais demandam em seus quadros uma miríade deespecialidades, dentre arquitetos, engenheiros das mais diversas especialidades, historiadores,antropólogos, geólogos, detre muitos outros para avaliação de objetos antigos.

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74

desapercebido.

Reduz-se a probabilidade de que a autoridade alfandegária identifique uma

escultura portadora de tamanho valor ou, mais ainda, é possível guardar em espaço

relativamente pequeno uma quantia enorme, sem que gere suspeitas e os malefícios

de guardar quantias muito elevadas em espécie.

Neste diapasão, as obras de arte e objetos antigos são portadores de

extrema valia aos praticantes da lavagem de capitais, ao permitir a cristalização

patrimonial em uma localidade, aliada a mobilidade bastante considerável. Ademais,

a dificuldade de manutenção de uma obra de arte certamente é bem menor de que

guardar muitos milhões entesourados em uma conta bancária.

Outro fator que deve-se considerar na utilização destes tipos de objetos é o

valor elevado, praticamente uniforme nos mais diversos Estados, de modo que é

forçoso o reconhecimento até mesmo de cotação internacional ao permitir que seja

enviado a outras localidades preservando seus valores.

Por todos estes motivos, é de extrema importância que as Unidades de

Inteligência Financeira – FIU's estabeleçam malhas de controle sobre os

comerciantes e negociantes de objetos antigos, bem como de bens de luxo, ao

possibilitar que se faça as devidas comunicações, quando estiverem presentes os

indicadores por ela apontados.

2.3.6. Importações fraudulentas.

O sistema de importações também se mostra como hábil a remessa ou

recebimento de valores de modo dissimulado para a prática da lavagem de capitais

com o uso de fraude nas importações para fins de colocação de superfaturamento

ou subfaturamento, nas declarações tributárias exigidas. Assim, os valores oriundos

da prática delitiva podem ser colocados ou inseridos no sistema de importação ou

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exportação de valores em meio a uma atividade regular

Ambos os fatores são usados como se fossem lados da mesma moeda, ao

colocar preços superestimados, com a finalidade de remessa dos capitais para outra

localidade quando passam pela aparência da licitude. Entretanto, os valores são

usados e feita disponibilidade no exterior, i. e., são parte absorvidos pelo legítimo

pagamento dos produtos, e o restante trata da Lavagem de Capitais propriamente

dita.

Não se diga que o delito tributário, como por exemplo a elisão fiscal por

meio de descaminho (art. 330, CP), sempre configurará a Lavagem de Capitais,

porquanto o dolo e a “meta optata” dos delitos são bastante distintas. O ponto de

contato está em seu substrato, de realização de importações, e da fraude no uso de

declarações tributárias. Porém, enquanto um tem o escopo de burlar o pagamento

de tributos e contribuições o outro, visa a dissimulação de um capital espúrio. Suas

finalidades são muito distintas.

Sob este aspecto andou muito mal o legislador ao prever em tipo derivado,

como ação assemelhada, a Lavagem de Capitais por meio de importações, através

do Art. 1°, § 1°, inciso III, da Lei 9.605/1998, ao descrever a figura de quem “ importa

ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.”. Daí decorre a

equívoca interpretação quando da leitura açodada em correspondência ao art. 334

do Código Penal.

Não desconsideramos a preocupação legislativa em elencar esta conduta

como punível, fato incontroverso, e de sua larga e vultosa utilização como

mecanismo de lavagem de capitais, mas o fato que deve ser sopesado é traçar

como tipo penal a conduta trazendo a forma equiparada à Lavagem de Capitais.

Melhor seria sua omissão e deixar a tipicidade através do “cáput” em seu

tipo fundamental, ao invés, de estabelecer forma causuística, a qual poderia causar

embaraço.

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76

Retomando o aspecto da utilização do mecanismo de importações

fraudulentas, a título de conclusão, devemos ter em mente que o combate a esta

tipologia de lavagem deve estar associado à atuação conjunta do órgão fazendário

responsável pelo controle de sistemas de importação, bem como com a Unidade de

Inteligência Financeira, para que através do intercâmbio de informações seja

possível revelar os reais intentos da Lavagem de Capitais.

2.3.7 Abuso de Organizações Sem Fins Lucrativos. 70

Cumpre neste ponto tratar sobre a utilização ou melhor da apropriação de

entes jurídicos normalmente ligados as nobres tarefas de filantropia, de cuidado de

valores sociais, de desenvolvimento de pesquisa e ensino dentre muitas outras

tarefas essenciais ao desenvolvimento social. Sob a sorrelfa ou a socapa a

criminalidade, especialmente a destinada ao encobrimento dos produtos criminosos

têm despertado grande e preocupante interesse neste setor.

Setor, este inclusive apelidado de “terceiro setor”, pela sua presença ao lado

dos demais que são o primeiro setor entendido como aquele operado pelo gestor

público, e o segundo setor operado pelas atividades privadas, no qual impera o

lucro.

Ora, a utilização de um local onde impera a finalidade que não seja nem

mesmo a administração dos negócios públicos, ligados à Administração Pública, ou

em que esteja em voga o lucro, inclusive gozando de diversas formas de benefícios

fiscais, dentre imunidades, isenções e até mesmo subvenções, cria o habitat ideal

para a lavagem de capitais. Potencializado este ideal quando cogitamos de

operações sob a roupagem de liberalidade por meio de doações e financiamentos

70 Muitas nomenclaturas podem ser citadas sobre estas organizações de interesse público, havendogrande expansão nesta nomenclatura a qual não é tema central do presente estudo, apenas fazendoregistro de sua presença. São denominadas de Organização de Sociedade Civil de Interesse Público;Organização não Governamental – ONG's; Organizações sem Fins Lucrativos; Serviços SociaisAutônomos, Partidos Políticos, dentre muitas outras que podem ser citadas ou mencionadasconforme o critério de classificação.

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de projetos sem que haja qualquer contrapartida em troca.

Tudo não passa incólume aos olhos daquele que pretende operacionalizar

as fases de Layering, ao escamotear o capital oriundo da prática delitiva. Nesta

toada, a inserção de valores sob os mais belos e justos propósitos, têm feito das

ONG's campo aberto ao crime de Lavagem de Capitais. Outro fator atrativo no

terceiro setor, trata da possível utilização de imunidade tributária, garantida pela

Constituição Federal, escudado no art. 150, inciso VI, alínea “c”, da Magna Carta.

Desse modo, o capital originário da atividade ilícita, além de ser

escamoteado, ficará imune aos tributos que normalmente incidem, fato que permite

sua manutenção sem decréscimo ao longo do tempo.

Como exemplo hipotético, pode-se vislumbrar que determinado traficante

utilize de organização sem fins lucrativos para desenvolver projetos, através de

valores oriundos do tráfico, mascarando sua origem por meio de falsas doações por

meio de pessoas interpostas.

Outro exemplo seria a criação de uma organização sem fins lucrativos para

que sua atuação seja feita na área de recuperação ambiental, ou de educação

ambiental, quando na verdade opera esquema criminoso de derrubada de

vegetação nativa e exploração de madeira nobre. A aparência de licitude permite a

operação de vultosa quantia oriunda do tráfico de madeira, mas sob o aspecto de

educação ambiental é feita a dissimulação da origem e movimentação dos valores

obtidos quando da venda de madeira irregular.

Nestes exemplos podemos notar, inclusive, que tal investimento assemelha-

se ao paraíso fiscal, pois não haverá cobrança de tributos, em aspecto de ingerência

tributária, além de gozar do estratagema da finalidade pura e intocada do interesse

público.

Como sistema dos mais sórdidos sistemas, o abuso na utilização de

Organizações sem Fins Lucrativos, é mecanismo dos que detém das maiores

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potencialidades lesivas. Por este motivo é necessário estrito acompanhamento deste

terceiro setor, ainda que desempenhe relevantes serviços sociais.

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3. BEM JURÍDICO PROTEGIDO

3.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

Dissertar sobre o bem jurídico significa avaliar a que se destina o próprio

Direito Penal. Analisá-lo, sobretudo, é estudar um bem, interesse ou valor que seja

protegido pela norma. Por exemplo, no momento em que é declarado que o crime de

homicídio tem por objetividade jurídica a vida; transparece o real intento do sistema

punitivo, destinado à proteção deste bem. O mesmo critério pode ser aplicado aos

mais diversos crimes para indicar a que se destina a proteção de cada um dos tipos

penais.

Objeta-se, então, a que seria destinada a lavagem de capitais? Uma das

mais difíceis questões do presente estudo é esta, pela variação de propostas e de

correntes doutrinárias. O caminho mais fácil, para este deslinde, seria aderir a

corrente majoritária e indicar qualquer dentre administração da justiça, ou da ordem

econômica, como o bem defendido na lavagem de capitais. Ainda esta questão

fosse superada, outras tantas surgiriam, apenas para ilustração: ficaria prejudicada a

definição do início dos atos executórios, com aplicação da teoria da hostilidade do

bem jurídico, pela falta de definição do objeto de proteção..

Com isso, o que antes parecia um simples binário, de leitura do tipo e

identificação do bem jurídico, passa a se tornar tarefa de fôlego no campo da

lavagem de capitais. Assim sendo, é importante frisar a necessidade de maiores

incursões no campo penal para descobrir não apenas o que é protegido, mas em

investigar qual o sentido atribuído a esta proteção.

Nesta toada, a análise do bem jurídico pode ser feita por dois ângulos

distintos: primeiramente, pelo merecimento e necessidade de tutela penal de

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determinado interesse. Em segundo, para avaliar se determinada conduta foi capaz

de afetar o bem jurídico, como apta a lesão ou, pelo menos, na exposição de perigo

do interesse tutelado. Enquanto na primeira está em consideração aspectos de

necessidade de incriminação; na segunda é avaliado se o bem tutelado foi afetado

ou lesado, para fins de relevância da conduta, na determinação material de

tipicidade71.

Neste momento é necessário fazer um corte epistemológico. Na primeira

parte do presente estudo far-se-á análise sobre o aspecto da lesão a um bem

jurídico e sua identificação. Enquanto no segundo momento, buscar-se-á a

identificação, na lavagem de capitais, do bem jurídico tutelado.

Começaremos, então, por tentar identificar qual a natureza do bem jurídico

na lavagem de capitais ,entre um bem individual (supostamente aquele que somente

importaria a um indivíduo), ou bem transindividual (aquele que interessa a um grupo

de indivíduos). Frise-se, que o bem transindividual é entendido como aquele que

“interessa a muitos” e, “ipso factum”, mereça ser resguardado de danos de uma

forma mais veemente.

O ponto de partida é a questão de diferenciar o universal do particular,

questão tormentosa, verdadeira ”vexata quaestio”, inspiradora de diversos filósofos

ao longo dos tempos

Daí decorre a questão: como se forma um bem que reúna tais

características? Para a constatação de um interesse transindividual, basta

conjecturar um determinado bem interessante a diversos indivíduos, dotados de

similitude. Veremos mais adiante que são diversas as motivações para a formatação

71 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. “Responsabilidade penal da pessoa jurídica.” Rio de Janeiro:Elsevier, 2011, pág. 173/174 Por outro lado, Cláudio Brandão afirma em caráter conclusivo: “Amatéria da tipicidade é o bem jurídico tutelado. Isso se dá porque a violação ou exposição a perigo dovalor protegido em face da norma penal incriminadora, decorre da realização de uma ação adequadaa um tipo, gerará a antinormatividade da conduta. (…) Assim, o tipo é plenamente compreendido àluz do seu resultado: violar o bem jurídico ou expor a perigo, consoante o que esteja disposto no ditotipo penal. Assim, todo tipo penal será um tipo de injusto, já que a referência a um bem jurídico nãopoderá ser desvinculada dele.” (BRANDÃO. Cláudio. “Tipicidade penal: dos elementos da dogmáticaao giro conceitual do método entimemático.” Coimbra: Almedina, (2012), pág. 228).

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deste bem. Ainda que tal concepção seja objeto de diversas críticas, no presente

momento, adotemos como válida apenas para fins de delimitação do problema.

O interesse uniforme em vários indivíduos torna-se afeto ao corpo social,

transformando-se em algo muito valioso e digno de tutela penal72. O interesse

aglomerado pela similitude – conotação, em modo de constatação conjunto –, em

abstração de características, ou na constatação dos interesses semelhantes, forma

algo marcado pela generalidade.

Não se trata, como se vê, da defesa do bem transindividual em um

arrazoado, para a defesa de interesses de várias pessoas como em seara civil. Aqui

comporta em colocar no ponto de digno de defesa um interesse que é constituído

pela abstração do particular. A característica da abstração, será chamada de

universalidade, como oposição ao particular. Por isto denomina-se o bem

transindividual de ente universal.

Pedra angular, na temática dos bens jurídicos, é delimitar o problema dos

entes universais e sua existência no mundo real, ou somente no mundo imaginário.

Não obstante, os apontamentos dos bens jurídicos tutelados como a defesa da

sociedade, proteção de meio ambiente, relações de consumo, ordem econômica;

todos carecem de um corpo, de algo concreto, ao ponto de serem impalpáveis.

Assim sendo, bem jurídico-penal, busca-se avaliar, a lesão (como identifica-

se) ao bem jurídico-penal pela ótica dos princípios penais, através da ofensividade73,

72 Objeta-se: a transindividualidade, decorre do fato de pertencer o interesse tutelado a vários ou eleé comum a várias pessoas? Não se confundem a legitimidade e titularidade com disponibilidade. Nãocomporta o presente estudo a diferenciação de todos estes termos com a devida precisão técnica,mas o fato é que a adoção de um não importa necessariamente no outro. Por exemplo, os direitosfundamentais são irrenunciáveis, mas podem ser tutelados por entes diversos e em certos casosadmitem restrição. Assim, a adoção de um não implica no reconhecimento de outro.

73 Segundo afirma Fernando Galvão: “O princípio materializa o axioma segundo o qual nullanecessitas sine injuria, ou seja, não há necessidade de repressão punitiva sem que haja ofensa aobem jurídico. O Direito Penal não é instrumento legítimo para reprovar condutas insignificantes,imorais, pecaminosas ou diferentes. No contexto democrático o cidadão tem direito à individualidade(que pode até ser contraste com os padrões dominantes), e somente poderá ser punido quado seucomportamento quando afetar os bens e interesses sociais que poderá ser punido.(…) O princípio daofensividade vincula o Direito Penal ao objetivo de proteger materialmente o bem jurídico. Sem lesãoou ameaça de lesão ao bem juridico não pode haver intervenção punitiva.” (GALVÃO, Fernando.“Curso de direito penal: Parte geral”, 2ª edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pág. 77/78).

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subsidiariedade74 e necessidade75, para concluir pela relevância ou indiferença penal

de determinada conduta.

Caberia, então, a constatação da real valia destes institutos, para avaliação

de possível lesão. Em decorrência disto, o questionamento posterior consistirá no

conflito da fluidez dos bens jurídico-penais transindividuais, com os princípios

penais. O objeto inicial, portanto, de investigação do bem jurídico consiste

essencialmente, na avaliação dos bens tidos por impalpáveis.

Registre-se, que em franco abandono dos mencionados princípios,

hodiernamente, tem ganhado espaço discussões sobre a possibilidade de proteção

de bens, como proteção da própria norma através da simples violação ao seu

conteúdo76. Esta visão será abordada a breve trecho e será analisada, quando do

estudo no próximo capítulo das velocidades do direito penal.

As questões filosóficas serão responsáveis por demonstrar como

harmonizar o bem jurídico-penal e os princípios penais para determinação relevância

74 Este princípio delimita que o Direito Penal deva incidir apenas como último recurso de atuação,quando os demais campos do direito mostrarem-se insuficientes para proteção. Tal aspecto restacristalino em uma passagem de Nélson Hungria, ao diferenciar o ilícito penal do ilícito civil, valendotranscrever, com a devida vênia, a saber: “Demonstrada, assim, a impraticabilidade de uma distinçãoontológica entre o injusto penal e o civil, pelo menos em face do direito positivo, o único critériodiscriminativo aceitável é o critério relativo ou contingente, não fixável a priori, da suficiência ouinsuficiência das sanções penais. Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para areintegração da ordem jurídica, é que surge a necessidade da enérgica sanção penal. O legisladornão obedece a outra orientação. As sanções penais são o último recurso para conjurar a antinomiaentre a vontade individual e a vontade normativa do Estado. Se um fato ilícito hostil a um interesseindividual ou coletivo, pode ser convenientemente reprimido com as sanções civis, não há outromotivo para a reação penal.” (HUNGRIA, Nélson, “Comentários ao Código Penal”, Vol. I, Tomo 2°, Riode Janeiro: Revista Forense, 1953, pág. 31).

75 Conforme assevera Antônio Carlos da Ponte: “O princípio da intervenção mínima defende ocaráter subsidiário do Direito Penal, sustentando, para tanto, sua intervenção como ultima ratio legis,depois que todos os outros ramos do Direito tenham se mostrado inócuos e incapazes desalvaguardar bens jurídico-penais relevantes. Sustenta o princípio em apreço, também, que a lei deveestabelecer sanções penais estritas e evidentemente necessárias. Não encontra o princípio emanálise fundamento explícito na Carta Magna, decorrendo, contudo, de outros princípiosconstitucionais, o que torna verdadeiro postulado constitucional implícito, do qual decorre o caráterfragmentário e subsidiário do Direito Penal.” (PONTE, Antônio Carlos da, “Inimputabilidade eprocesso penal.” 3ª edição, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 79).

76 JAKOBS, Günter, “Criminalizacíon em el estadio previo a lesíon de un bien jurídico”, Madri: Civitas,1997, pág. 293-324.

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ou irrelevância penal lesividade de determinada conduta por meio dos princípios

antes mencionados. Caberia, então, a constatação da real valia destes institutos,

para avaliação de possível lesão. Em decorrência disto, o questionamento posterior

consistirá no conflito da fluidez dos bens jurídico-penais transindividuais, com os

princípios penais.

Não se trata de “redução da forma à fôrma77”, entre o modelo filosófico

adotado, e a identificação das finalidades últimas do Direito Penal. Não obstante, os

efeitos e os reflexos da adoção da teoria filosófica, conduzem ao necessário

enfrentamento da temática.

Começaremos, portanto, pela análise do bem transindividual.

3.2. DO BEM JURÍDICO UNIVERSAL.

Passando ao largo da questão técnica, sobretudo da ótica da legislação

consumerista de diferenciação de bens individuais, coletivos ou difusos; deve-se

mirar no cerne deste problema, o qual deve ser desdobrado em duas indagações.

Em primeiro lugar, qual seria a alocação do bem jurídico transindividual, no mundo

real? Em segundo, existiria concretude do bem universal e a capacidade de aferir a

lesão a este tipo de bem jurídico-penal? Estas são as questões fundamentais da

presente epígrafe.

Tais questionamentos são procedentes, devido ao fato de alguns bens

jurídico-penais carecerem de corpo próprio. Assim, não há como apreender por meio

dos sentidos alguns dos bens jurídicos para aferir, pelos princípios penais, se houve

lesão. Não existe presença corpórea, por exemplo, do sistema financeiro, meio

ambiente, ordem econômica, relações de consumo. Tais bens, são espiritualizados e

77 Com a devida vênia aos que não admitem o acento circunflexo diferenciador na palavra utilizada,mas é imprescindível o uso para a diferenciação, ainda mais com a palavra diferenciada utilizada namesma frase. A autoria da frase é atribuída a crítica do poeta Olavo Bilac, por ser considerado umpoeta da torre de marfim, em referência a preocupação extremada do aspecto formal, em detrimentodo conteúdo de sua poesia.

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impalpáveis. Por este motivo é necessária a avaliação da alocação deste tipo de

bem jurídico-penal e de sua natureza78.

Todos os bens acima citados, supostamente, não estariam contidos na

esfera de disponibilidade de um indivíduo e, “ipso facto”, seriam afetos a um grupo

de indivíduos. São os chamados interesses transindividuais, gênero que sinteriza as

espécies de difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Impende considerar, de início, e em questão prejudicial, que os valores ou

interesses defendidos de eventual violação do bem jurídico-penal, como algo que

transcende a esfera de disponibilidade do indivíduo e, por isto, devem ser

salvaguardados para todos. Em outras palavras, a resposta ao primeiro

questionamento cinge-se na fundamentação do que vem a ser o interesse que

passe os indivíduos para formar algo maior. Porque deveria haver a defesa de algo a

mais, um plus, além do simples interesse individual?

Na dicotomia entre o individual e o coletivo muitas doutrinas foram

consideradas. Desde as primordiais definições de Público e o Privado, até as

considerações recentes de teorias de maior ou menor valia de Direito ou do Estado,

são partes deste problema. Até mesmo questões de liberalismo, ou de

intervencionismo se relacionam com este problema.

Muitas razões são apontadas para a necessidade de mudança, partindo de

motivações sociológicas, éticas, de índole subjetiva, até para questões de altruísmo,

em sobreposição ao individualismo. Muito se assemelha a tentativa da construção

de uma espécie de “moral da solidariedade”, por ligação “no sentimento de

solidariedade em extensão e profundidade, aos outros homens e a toda sociedade,

deve inspirar constantemente nossa conduta e determinar-nos a praticar uma justiça

exata e devotar-nos ao bem da humanidade.79”

78 Aqui não busca-se defender que tais bens não devam ser salvaguardados. Ao invés o objeto dopresente estudo é avaliar se existe compatibilidade entre o modelo penal e a qual forma tais bensdevam ser protegidos.

79 JOLIVET, Régis. “Curso de filosofia”, 3ª edição, Tradução de Eduardo Prado de Mendonça, Rio deJaneiro: Agir Editora, 1968, pág. 388.

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Nesses termos, em argumentação tentacular, afirma-se a necessária

revolução no pensamento do individual, que trespasse o interesse de um único

indivíduo. Nesta toada, aduz Rodolfo de Camargo Mancuso80, em monografia

dedicada ao estudo dos interesses transindividuais, como pode ser notado:

“Não se trata da defesa do interesse pessoal do grupo; não se tratatampouco, de mera soma ou justaposição de interesse dosintegrantes do grupo; trata-se de interesses que depassam essesdois limites, ficando afetados a um ente coletivo, nascido a partir domomento em que certos valores individuais, atraídos por semelhançae harmonizados pelo fim comum, se amalgamam no grupo. Ésíntese, antes que mera soma. (…) Essa realidade nova éjustamente o interesse coletivo no seu sentido próprio, porque,conquanto originário dos interesses individuais, representa a síntese,uma amálgama daqueles; a partir desse momento, se desvanecemos interesses individuais originários, surgindo uma nova realidade: ados interesses (verdadeiramente) coletivos. É preciso, então, quehaja um ideal coletivo, uma alma coletiva; é isso que conduz àcaracterística específica.”

A leitura da passagem retrocitada é capaz de demonstrar a necessidade de

abandono do individual, para a criação de algo que trespasse a todos, sem ser mera

somatória81. Associam-se, nesta problemática, a definição do que vem a ser o

individual e de que seria o coletivo. Segundo a teoria do citado autor os interesses

individuais seriam esmagados, amalgamados – harmonizados nas palavras do autor

–, acompanhado os demais, em espécie de síntese, a qual seria diferente dos

originários.

No momento exato de definição do coletivo, como algo que transpasse ao

indivíduo, para formar um ente deslocado deste e maior, é a ocasião se inicia o

objeto de investigação. Frise-se, que a argumentação do individual, ligado ao

interesse do indivíduo, deva ser somado ao interesse dos demais indivíduos para

80 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, “Interesses difusos: conceito e legitimação para agir.”, 6ªedição, rev., atua., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pág. 54/55.

81 Outra linha de argumentação que deixa bem claro este propósito: “O Direito de punir é um direitode conservação e defesa próprio do Estado e não somente um direito de defesa social (..). Não éverdade que o indivíduo seja o fim de toda a vida e de toda a atividade social, porque de facto, elenão é senão um elemento infinitesimal e passageiro do organismo.” (Arturo Rocco, “apud” LYRA,Roberto., “Economia e Crime”, Rio de Janeiro: A. Coelho Branco, 1933, pág. 35.)

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formação de algo maior. O lastro da teoria consiste na afirmação: “se desvanecem

os interesses individuais originários, surgindo uma nova realidade: a dos interesses

(verdadeiramente) coletivos.”

A aproximação ao interesse que “depasse os dois limites”, tal como afirmado

na passagem acima, acabaria por tratar como algo próximo ao bem comum. Ora, a

configuração de algo que seja interessante a todos, ligado ao coletivo, seria a

própria função do Estado na construção do bem comum. Além disto, a ligação entre

os bens individuais e coletivos pode ser interpretada na formação da finalidade

última do próprio ente estatal, como construção do bem comum82.

Sem tergiversação, o preâmbulo da Magna Carta é bastante indicativo deste

intricado equacionamento ao declarar que “…um Estado Democrático de Direito,

destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar…”. Complemente-se a citada passagem com o ideal tratado

como um dos objetivos fundamentais, em “promover o bem de todos”, a teor do art.

2°, inciso IV, da Constituição Federal.

Em outras palavras, a finalidade é a construção de um bem-estar, traduzido

no bem comum, sem que represente abandono do indivíduo, consagrado em

aspectos de liberdade, segurança, todos estes salvaguardados pelo Estado

Democrático de Direito.

O bem comum não pode ser confundido com o bem coletivo, representado

este como a soma de alguns interesses particulares, agrupados em função de certa

homogeneidade e similitude. O aspecto é mais amplo, indubitavelmente, mas não é

por isto que se pode abandonar a visão do particular, ainda que traga um rastro de

82 A construção do bem comum enfrenta, basicamente três correntes doutrinárias, no campo daFilosofia do Direito. Ocorre oscilação entre medidas as medidas: primeira, de acentuado foco noindivíduo, com a tônica de realização do indivíduo, como parte integrante do corpo social,denominada de Individualismo; em segundo dá-se prioridade a valores sociais, de cunho coletivista,alçando a categoria de perfeição quando estiver caracterizado o bem social, sem o qual não haveriarazão para o particular, denominada esta de Transperssoalismo. Por derradeiro, e em terceiro, existeuma corrente mista, que prega pela harmonização entre as duas acima, resguardando um núcleo deautonomia do indivíduo, mas não preterindo ao interesse social ao segundo plano. “in” REALE,Miguel. “Filosofia do direito.”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 272-274).

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algo benéfico, de certo modo, em visão utilitária. Não é admissível a “sociedade

transcendente83” em relação ao individuo.

Potencializa-se tal aspecto em sede penal. A lesão penal somente pode ser

aferível em indivíduo, ou de algum modo a ele diretamente relacionado, ainda que

replicado aos demais, não ocorrendo com entes coletivizados, ou formas coletivas,

sob risco de admissão de várias formas de bens jurídicos, em que não haverá

identificação do binômio da lesividade e ofensividade.

Trata-se de uma falácia a própria admissão de que um bem seja de difícil

elucidação. A configuração da defesa na tutela coletiva – com o escopo da

reparação, ajustamento de conduta, interdição de atividades, etc. – é muito distinta

da etapa de constatação de bens jurídicos coletivos. Quando tratamos de defesa de

direitos coletivos ou difusos, os quais podem ser englobados através do mesmo

arrazoado, para a defesa comum, não abandonamos que os direitos sejam

individuais. Apenas e tão somente é constatada a possibilidade que este interesse

seja de interesse de diversos indivíduos, com origens semelhantes, de relações

análogas, mantendo intacto sua origem do indivíduo como ente singular.

Em sede de Direito Penal, apenas pelo prisma da lesividade do bem jurídico

protegido, é possível avaliar se a conduta foi capaz de colocar, ao menos em

situação de periclitação o interesse tutelado. Repita-se, toda a proteção penal é

idealizada para salvaguarda da sociedade, mas isto não decorre do fato do bem não

pertencer ao indivíduo.

83 Frase extraída de Georges Bourdeau, conforme observa o citado autor: “Ni le bien d'une sociététrancendant. - 3. - On pourrait alors songer à voir em lui une réalité totalment indépentant des biensparticulres. Ce serait le bien de la société comme le bien particuler este le bien de l'individu ; ilsseraient, l'un et autre, les centres d'atttracion de sphères différentes : la sphère du social et la sphèrede l'individual. Cette thése n'est qu'un prolongement du sociologisme pur qui conçoit la sociétécomme un être autonome, independant des individus qu'elle englobe. Comme la société existetranscendantalement aux individus, le Bien commun serait un bien siu generis, se soutenant par lui-même, san emprunter sa substance aux bien particuliers. Cette concepcion ne peut évidemment êtreacceptée que dans la mesure où l on admet la trancendance l'être social. Or les individus, on l'a vu nes'évanouissent de l'être social. Or les individus, on l'a vu, ne s'èvanouissent pas pour laisser place àla societé ; ce qu''ils recherchent em elle, ce n'esst pas elle-même considérée comme fin, mais le bienqu'ils retireront de lur union. (…) Mais alors, si la société, réalité désincarnée, n'est qu'un vaínconcept, un bien social indépendant des biens particuliers, se trouvait sans suport et, par là même,l'idée d'un Bien commun sui generis apparaît insoustenable.“ (BOURDEAU, Georges, “Traité descience politique“ , Tomo I, Paris : Livraria Geral de Direito e da Jurisprudência, 1949, pág. 69.)

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Repita-se, não é negada a possibilidade de salvaguarda dos interesses

transindividuais. O conflito decorre da colocação deste interesse como bem jurídico,

de forma virtual e abstrata. A possibilidade de salvaguarda ocorreria, com a

constatação de um aspecto concreto. Assim sendo, quando na etapa de constatação

de que seria necessário resguardar um interesse que é identificável por diversos

indivíduos, por exemplo o meio ambiente, faz necessário descrever em aspecto

concreto e em relação aos indivíduos o interesse a ser salvaguardado.

Caso ocorra, v.g. a mortandade de animais silvestres deverá ser averiguado

se a conduta foi capaz de atacar ao meio ambiente, sob o aspecto de redução de

número de espécimes e a qualidade dos espécimes em certa localidade. Por outro

lado, com a degradação de determinada área, deveremos notar se houve a lesão ao

meio ambiente de degradação, por projeção de poluição, concernentes a aspectos

de contaminação A conduta descrita necessita de ser precisa e densa o suficiente

para denotar sua objetividade jurídica, bem como para delimitar o conteúdo da

proibição. Não apenas a fundamentação de que o bem não pertence exclusivamente

a uma pessoa (indivíduo) é fator capaz de autorizar a salvaguarda de algo abstrato.

Ainda que a conduta acabe por afetar diversas pessoas e gerações não há

trespasse dos indivíduos, como se existisse um ente supraindividual ou

transindividual. Caso contrário, estaria em pauta a afetação ou a localização acima

dos indivíduos, seja como defesa da sociedade84, ou do pacto social, considerando

como visão contratualista da sociedade.

Ao admitir que o Contrato Social seja formado com o propósito de

84 Na defesa social, em busca do esclarecimento do que vem a ser este conceito, obtemperaEugênio Raúl Zafaroni, “in verbis”:“Para responder a esta indagação devemos esclarecer que opróprio conceito de defesa social é bastante obscuro. Por sociedade, podem-se entender duascoisas: a) um ente superior, de que dependem os homens que o integram; ou b) a própria relaçãointer-humana, ou seja, o fenômeno da coexistência. No primeiro sentido, a sociedade pode serentendida como um organismo do qual os homens são células, ou melhor, em uma concepçãoantropomórfica, a sociedade seria um gigantesco ente composto de corpo e alma. Seja na concepçãoorganicista ou na antropomórfica da sociedade, esta é concebida como um ente superior ao homem.”(ZAFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. “Manual de direito penal brasileiro: ParteGeral”, 5 th. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pág. 307).

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salvaguardar interesses individuais e fundamentais, como por exemplo a vida, a

propriedade, a liberdade, e outros direitos que seriam indispensáveis, tem-se o

indivíduo no cerne da questão. Entretanto, ao considerar imprescindível para esta

salvaguarda, que seja necessário consideração de um interesse supraindividual,

justamente para evitar lesão ao indivíduo, culminaria em um empasse. Seria um

paradoxo de difícil transposição85, os quais acabariam por criar figuras do ideal de

Thomas Hobbes (1588 - 1679) do Leviatã86.

O fato que deve ser destacado, no paradoxo acima é que para a defesa do

individual, bem como do indivíduo seria necessário que o ente fosse maior, um ente

completamente soberano. Assim, conforme Hobbes afirma que para a salvaguarda,

seria necessário este ente que evitasse o estado de guerra, a agressão de todos,

convolando de uma liberdade natural para a liberdade civil. Somente a figura de um

ente esmagador seria responsável por assegurar estes direitos indispensáveis do

cidadão. Daí ser chamado de um “individualista autoritário”87.

85 Norberto Bobbio apresenta uma leitura que seria coerente com o positivismo extremo, através deuma leitura racional desta linha filosófica. Neste sentido confira: “Se quisermos encontrar uma teoriacoerente do positivismo jurídico, devemos remontar á doutrina política de Thomas Hobbes, cujacaracterística fundamental me parece ser, na verdade, a reviravolta radical do jusnaturalismoclássico. Segundo Hobbes, efetivamente não existe outro critério do justo e do injusto fora da leipositiva, quer dizer, fora do comando do soberano. Para Hobbes, é verdade que é justo o quecomandado, somente pelo fato de ser comandado; é injusto o que é proibido somente pelo fato deser proibido. Como chega a esta conclusão tão radical? Hobbes é um racionalista, e como para todosos racionalistas, também para Hobbes, o que conta é que a conclusão seja retirada das premissas.No estado de natureza, como todos estão à mercê dos próprios instintos e não há leis quedeterminem a cada um o que é ser todos têm direito sobre todas as coisas (ius in omnia) e nasce aguerra de todos contra todos. (…) Enquanto se permanece no estado de natureza não há direitoválido, mas tampouco há justiça; quando surge o Estado nasce a justiça, mas esta nasce ao mesmotempo que o direito positivo, de modo que, onde não há direito não há também justiça, e onde hájustiça, significa que há um sistema constituído de direito positivo.” (BOBBIO, Norberto. “Teoria daNorma Jurídica”, 3ª ed. rev., São Paulo: EDIPRO – Edições Profissionais, 2005, pág. 59-60).

86 É de relevo notar que mesmo um autor usado como defesa de poder absoluto, acaba por criar asua figura de nomenclatura bíblica, do monstro Leviatã, mas sempre ligado aos indivíduos. Na ediçãodo livro de Thomas Hobbes of Malmesbevry, na obra “Leviathan or the matter, form and power of acommonwealth ecclesiastical and civil”, Londres: Andrew Crooke, 1651, existe uma figurarepresentativa do monstro, objeto daquela dissertação, logo na contracapa. Seria um grande homem,pairando sobre de cidades e montanhas, formado por muitas centenas de indivíduos, tendo em suadestra uma espada e na canhota um báculo. Veja, ainda que fosse algo imensurável, não haveria anegação ao indivíduo, dissociado na criação de algo maior. As consequências são nefastas, tais comoapresentadas na nota anterior, mas não houve negação ao individual, apenas instrumentalizou-se suaproteção por meio do Estado.

87 A frase foi extraída de George H. Sabine, o qual afirma sobre o absolutismo de Hobbes: “Thisindividualism is the thorougthly modern element in Hobbes and the respect in which he caught mostclearly the note of the coming age. (…) the absolute power of the sovereign – a theory which Hobbe'sname is more generally associated – was really the necessary complement of his individualism.”

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O ideal citado apenas demonstra a questão de um ponto de vista de teoria

do estado e de sua formatação, mas a verdadeira razão de fundo ainda é ligada ao

campo filosófico. Aqui implica demonstrar como é feita a formação do bem jurídico

em espécie de ideal, de algo virtual e impalpável.

Como teoria para solução desta confrontação dos ideais coletivistas e

individualistas, na realização do bem comum, pontifica Miguel Reale88, com muita

propriedade:

“Esta última tendência (a do personalismo) é, quase sempre, acordeem reconhecer que no trabalho de composição entre os valores dotodos e dos indivíduos brilha um valor dominante, uma constanteaxiológica do justo, que é o valor da dignidade da pessoa humana. Oindivíduo deve ceder ao todo, enquanto não seja ferido o valor dapessoa, ou seja, a plenitude do homem enquanto homem. Toda vezque quiser ultrapassar a esfera da ”personalidade” haverá arbítrio.”

A idealização do bem jurídico, também se insere nesta problemática. Como

criar algo que privilegie o coletivo, mas não infrinja o núcleo dos direitos do

indivíduo. A preservação deste aspecto haverá quando forem preservados os

princípios liberais do direito penal, os quais tiveram por base o iluminismo89.

Neste diapasão, a resposta do equacionamento de variáveis de tamanha

valia está ligado à filosofia, no questionamento de como pode-se abstrair

características particulares para a formação do universal. A resposta a este

problema consiste em perquirir a essência e a natureza do bem transindividual, para

descobrir o motivo pelo qual é prejudicada a aferição de incidência dos princípios

penais quando tal bem for deste tipo.

Com açodamento estas questões podem transparecer que não tenham

SABINE, George H., “History of political theory”, 3ª edição, Nova York: Holt, Rinehart and Winston,1961, pág. 474-475.

88 REALE, Miguel. “Filosofia do direito.”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 273.

89 CUNHA, Maria Conceição da. “Constituição e crime. Uma perspectiva da criminalização e dadescriminalização” Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995, pág. 29-40.

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pontos de contato com a matéria versada no presente estudo, sobre a delimitação

do bem jurídico supraindividual. Porém, é ponto nodal esta análise para

demonstração de que tal bem está situado no plano das ideias, não existindo

concretude.

Há de se registrar, por oportuno, que alguns autores da escola de Frankfurt

aduzem a atual característica dos bens jurídicos como abstração impalpável,

representados pelos Professores Claus Roxin90 e de Winfred Hassmer91, os quais

buscaram negar a possibilidade, ao máximo, de defesa destes entes, por

caracterizar-se em dificuldade na constatação da lesão ao bem jurídico-penal.

Pois bem. A marca de um bem transindividual, é sua universalidade, devido

ao seu traço característico de ser interesse de diversos indivíduos. Diversidade

como importância, relevância, utilidade, mas não como titularidade e

disponibilidade92. Ao selecionarmos as características de importância sobre um

grupo de pessoas, deveremos abstrair características para a formatação de algo que

seja abstrato e constante, induzindo a formação de um ente universal, afeto ao plano

imaginário.

A simples afirmação da alocação dos entes universais, no mundo das ideias,

traz a conotação da teoria de Platão chamada de “teoria das formas”, ou de “teoria

das ideias”. Para este autor, existem duas espécies de mundos. Em primeiro, como

o mundo físico, pelo qual se desenvolvem as ações do sujeito, e pelo qual pode-se

utilizar dos sentidos ou sensações para conhecer determinado objeto.

90 ROXIN, Claus. “Derecho penal: Parte geral”, Tomo I, Madrid: Civitas, 1997 passim.

91 HASSEMER, Winfried. “Introdução aos fundamentos do direito penal”,tradução de Pablo RodrigoAlflen da Silva, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005, passim.

92 Importante frisar que a disponibilidade de um bem jurídico não está ligada a marca de pertencersomente a uma pessoa. Existem bens jurídicos que são individuais e não são disponíveis, e.g, a vidana qual o ordenamento jurídico repele a eutanásia consentida, ou o tráfico de pessoas quando oconsentimento é tido por ineficaz, conforme Decreto n.° 5.017/2004, ao dispor que: “b) Oconsentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploraçãodescrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer umdos meios referidos na alínea a);” . A titularidade, também não torna “de per si” um bem em possívelde ser transigido.

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Em segundo, existe um mundo perfeito composto apenas de formas e de

ideias, através do qual, - de forma transcendental –, seria possível atingir

determinado objeto ou coisa, em sua essência. O universal seria, portanto, algo

utópico – não no sentido de inatingível, embora inteligível –, mas algo que existe de

modo independente do particular e pelo qual o particular deve assemelhar-se, ainda

que distorcido93.

Esta forma de pensamento foi denominada de Idealismo, para que as

“formas” fossem completamente desconectadas do particular. Ainda que situadas em

um plano não apreensível pelos sentidos, possuiriam concretude distinta do

indivíduo. Na defesa de Platão o plano das formas perfeitas estaria situado em

localidade deslocada da realidade, presente apenas em plano diferente do mundo

terreno94.

Conforme afirma Miguel Reale95, no idealismo transcendente ou da

transcendência de Platão “…as ideias ou arquétipos ideais representam a realidade

verdadeira, da qual seriam meras cópias imperfeitas as realidades sensíveis, válidas

não em si mesmas, mas enquanto participam do ser essencial.”

A referida teoria pode ser inferida da leitura conjunta de algumas passagens

das obras platônicas, dentre as quais o mito da caverna, citado no livro “A

República”, no qual é descrita, através de uma alegoria, a forma pela qual podemos

notar determinada coisa ou objeto.

Desse modo, poderíamos apreender as sombras distorcidas e dissociadas

de objetos, representados pela projeção de um feixe de luz, no anteparo de uma

parede. As formas, em essência, seriam os objetos situados fora da caverna, mas

93 REALE, Miguel. “Filosofia do direito.”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág.479-491

94 MORTIMER, J. Adler, “The great ideas: A syntopicon of great books of the wester world”, Vol. II,Universidade de Chicago: Enciclopédia Britânica, 1952.

95 REALE, Miguel, “Filosofia do direito”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 116-117

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inatingíveis pelos que permaneciam em seu interior. A conclusão do mito acaba por

ser daquele que escapasse da caverna, acabaria por ser perigoso, e mentiroso, pois

conheceria a real forma dos objetos, enquanto aquele que nunca houvessem

escapado da visão das sombras teria preservado o conhecimento errôneo dos

objetos96.

Outra passagem de grande importância nesta discussão, consiste no diálogo

de Parmênides97, no qual ocorre a afirmação textual do problema através do método

dialético, como pode ser notado:

“Yes, Socrates, said Parmenides; that is because you are still young;the time will come, if I am not mistaken, when philosophy will have afirmer grasp of you, and then you will not despite even the meanestthings; at your age, you are too much disposed to regard the opinionof men. But I should like to know whether you mean that there arecertain ideas of which all other thinks partake, and from which theyderive their names; that similar, for example, become similar, becausethey partake of similarity; and great things become great, becausethey partake of greatness; and that just and beautiful things becomejust and beautiful, because they partake of justice and beauty?Yes, certainly, said Socrates, that is my meaning. (…) Because one and the same thing will exist as a hole at the sametime in many separate individuals, and will therefore be in state ofseparation from itself.”

Usando-se da filosofia platônica, para a construção do bem jurídico, seria no

sentido da existência de um ente externo, espécie de essência – da qual decorre a

pureza absoluta –, que existe ao mesmo tempo nas coisas e em outra localidade,

separada dos individuais98, mas localizada em tempo e espaço distinto. A

identificação do objeto ocorre, ao se socorrer do ideal em essência, na tentativa de

visualização do individual. Por estes motivos, haveria a criação de dois mundos, um

sensível do “tornar-se”, e outro imaterial, inteligível do ser99.

96 PLATO, “The Republic”, Greats Book of Western World”, Vol. 07, Universidade de Chicago:Enciclopédia Britânica, 1952.

97 PLATO, “Parmenides”, Greats Book of Western World”, Vol. 07, Universidade de Chicago:Enciclopédia Britânica, 1952, pág. 488-489.

98 BERTRAND, Russell. ”The problems of philosoph”, Nova York: Henry Holt and Co.,1912, pág.143/146. 99 GREAT IDEAS, vol. 2, Universidade de Chicago: Enciclopédia Britânica, 1952., Greats Book of

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Platão defende, através de método dialético, tendo por interlocutor Sócrates,

que o mundo sensível é apreendido, por meio do toque ou da visão, enquanto o

absoluto, das formas perfeitas, somente por meio dos pensamentos seria possível

apreender.

Usando da citada teoria, para a discussão do bem jurídico transindividual.

Quando determinado interesse seja a sociedade, a ordem econômica, o sistema

financeiro, as relações de consumo ou o meio ambiente, qual seria a alocação

destes? Estariam elas situadas como entes particulares ou seriam, em essência,

entes universais?

Poderiam contestar, através da alegação, por exemplo, o meio ambiente

possui concretude, ao delimitá-lo como o conjunto de espécimes naturais de

determinada localidade. Entretanto, tal colocação é parcial, porquanto é tipificado

como atos atentatórios ao patrimônio natural, bem como ao artificial. A variabilidade

do conceito, para abarcar as situações mais diversas, acaba por torná-lo, algo ligado

ao transpasse dos indivíduos, dos quais abstrai-se diversos pontos, na formação de

um ideal, um verdadeiro coletivo.

Tais bens, tidos por coletivos, são formas de abstração de situações

individualizadas e de suas lesões, para a construção de um ente coletivo100, o qual

necessariamente deverá estar situado no plano das ideais, para que possa albergar

tal construção. Sua tarefa é utilíssima, na constatação de valores ou de ideais, mas

não pode ser o “target”, a finalidade, da atuação do sujeito ativo. Em outras palavras

o ente coletivo não pode ser o fim, imediato da proteção da tutela penal. Apenas,

como etapa de constatação poderia ter sua utilidade aproveitada.

Com todo o respeito aos defensores da corrente que segue em sentido

Western World, (1952),

100 A numeração seria um exemplo interessante de um ente universal, pois nada em si representaum número, apenas sua inserção em uma série. A falta de particularidade dos números é objeto deconsiderações filosóficas tal como afirma BERTRAND Russel, “Introduction to mathematicalphilosophy”, Londres: George Allen and Unwin, 1930.

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oposto, mas não acredito na viabilidade de que exista um bem jurídico que seja

difuso ou coletivo, de modo que não podemos identificar a lesão ao indivíduo.

Surgem diversas concepções reducionistas para limitação do panorama em função

da norma violada: primeiro de Honing101 na tese de disfuncionalidade de sistemas,

segundo Amelung na tese de disfuncionalidade de sistemas, para, ao fim, chegar na

tese do concesso de Jürgen Habermas102.

De outro giro, surgem teses que defendem a posição de lesividade somente

sobre a norma, conquanto o bem jurídico perece por diversas formas, mas não

sendo o legislador capaz de assegurar a prevenção de lesão, partilhando

doutrinadores tais como Gunter Jakobs103. Outros, defendem ainda que não exista

na realidade a defesa de bens, mas única e exclusivamente de interesses

manifestados pelos titulares em relações de disponibilidade, segundo Eugênio Raúl

Zaffaroni104.

A falta de um corpo específico para cada um destes entes, além de seu

aspecto de ser notadamente absoluto, sem que existam detalhes que particularizem

cada um destes, ao ponto de separação, parece os conduzir ao plano ao mundo

inteligível. Não há realidade física ao conceito de meio ambiente, ou a ordem

econômica. Podem existir reflexos ou aspectos decorrentes do conceito, mas o

101 HONING, Richard., “Die Einwilligung des Verletzten”, 1919, pág. 94, “in” CUNHA, MariaConceição da. “Constituição e crime: Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização.”,Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995.

102 HABERMAS, Jürgen, “Theory of comunicative action. Reason and the rationalization of thesociety”, Boston: Beacon Press, 1984. O pensamento de Jürgem Habermas, na sua teorização, ébem sintetizado na passagem: “Consequentemente, a criminalização seria legítima quando baseadanum racional consenso intersubjetivo ou se, não tendo havido tal consenso, tivesse hipótese de osuscitar. O consenso racional para Habermas é critério de verdade. Ele indica quais os interessesgerais (ou susceptíveis de generalização) e quais são os interesses particulares. Importante seria queestivessem criadas as condições necessárias para que, por via argumentativa, não emotiva nemnorteada pro motivações particulares, mas pela procura da verdade, se chegasse a esse consenso.”(CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da., “Constituição e Crime. Uma perspectiva da criminalizaçãoe da descriminalização”, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995, pág. 99.)

103, JAKOBS, Günter, “Criminalizacíon em el estadio previo a lesíon de un bien jurídico”, Madri:Civitas, 1997, pág. 293-324.

104 ZAFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. “Manual de direito penal brasileiro:Parte Geral”, 5ª edição rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

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conceito “per si” não detém realidade física, capaz de ser apreensível, pelos

sentidos de toque, visão, ou serem eliminados.

O fator capaz de enfeixar as teorias sobre os bens jurídicos seria uma

espécie de idealismo ao declarar que os objetos de proteção estejam protegidos

como forma de subordinar a formas virtuais, como se fossem ideais.

A defesa da impossibilidade da existência de verdadeiro nominalismo, a

descrição da existência apenas de algo individual, com a negativa de todo e

qualquer ente coletivo. Talvez o maior expoente doutrinário desta seja representado

por William de Ockham (1287 – 1347)105, através da teoria da “navalha de

ockham106”, com redução das variáveis e negativa destes entes universais. Sob tal

prisma, seriam os bens jurídicos coletivos para negar a existência dos entes

universais.

Ainda que seja extremamente sedutora a visão expressão de que tudo

deriva de um elemento concreto, com a existência de algo universal, apenas ligado a

mera expressão vocal, por ser algo despiciendo. Assim, haveria negação por

completa de um ente universal, ao passo que este se tornaria apenas um nome, daí

ser denominado de nominalista.

Opera-se, através de filosofia da linguagem, a apreensão de caraterísticas

dos objetos, sem que seja necessário de socorrer de algo transcendente para

descobrir sua origem. Para conhecer o homem é necessário ver outro antes e

assimilar, em aspecto conotativo, suas características.

Não haveria a necessidade de se socorrer da essência, ou de um conceito

universal de humanidade, para reconhecer que determinado ser visualizado, trata-

105 OCKHAM, Willian of. “Os pensadores. Seleções de textos. Willian of Ockham”, Vol 8, São Paulo:Abril Cultural, 1973.

106 William de Ockham e seu princípio do nominalismo, o qual nega com veemência a existência deentes universais, pela presença somente de nomes, derivados de constatação da aprendizagem pormeio da teoria da linguagem. Afinal, na citada teoria, somente existe a transmissão do pensamentocomo aspecto da linguagem e este está ligado ao aspecto denotativo conotativo, no qual inexiste oente universal.

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se, na realidade, de um homem. Diante desta premissa, todo o conhecimento opera-

se e transmite-se por meio da palavra, como uma coleção de nomes. Daí decorre o

nominalismo, como negação de universais a mera expressão vocal.

Em temperação ao nominalismo, a tendência a ser adotada, pelo influxo dos

princípios penais, seria o empirismo inglês de Jonh Locke (1632 – 1704)107 e de

David Hume (1711 – 1776),108 para que seja tudo apreendido por meio dos sentidos.

Vale a pena conferir as palavras de Jonh Locke109 para classificá-lo como

empirista, nos seguintes termos.

“2. All ideas come from sensation or reflection. Let us then supposethe mind to be, as we say, white paper, void of all characters, withoutany ideas: - How comes it to be furnished? Whence comes it by thatvast store which the busy and boundless fancy of man has painted onit whit an almost endless variety? Whence has it all the materials ofreason and knowledge? To this I answer, in one word, fromEXPIRIENCE. In that all our knowledge is founded; and from that itultimately derives itself. Our observation employed either, aboutexternal sensible objects, or about the internal operations of our mindperceived and reflected on by ourselves, is that which supplies ourunderstanding with all the materials of thinking.”

No pensamento de Jonh Locke, o conhecimento somente poderá estar

ligado ao aspecto da sensação ou da reflexão. A afirmação de Miguel Reale110 não

deixa margem a dúvidas, a saber: “Se, pois se pergunta: Quando é que o homem

começa a ter ideias?, eu creio que a verdadeira resposta que se possa dar é esta:

Desde de que tenha alguma sensação”. Por outro lado, não haveria negação de

significação concreta da real essência dos objetos que poderiam ser apreendidas111.

107 LOCKE, Jonh., “An essay concerning human understanding”, Greats Book of Western World, Vol.35, Universidade de Chicago: Enciclopédia Britânica, 1952.

108 HUME, David., “An enquiry concerning human understanding”, Greats Book of Western World,Vol. 35, Universidade de Chicago: Enciclopédia Britânica, 1952.

109 LOCKE, Jonh., “An essay concerning human understanding”, Greats Book of Western World, Vol.35, Universidade de Chicago: Enciclopédia Britânica, 1952, pág. 121.

110 REALE, Miguel. “Filosofia do direito.”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág.88.

111 MORTIMER, J. Adler, “The great ideas: A syntopicon of great books of the wester world”, Vol. II,Universidade de Chicago: Enciclopédia Britânica, 1952, pág. 961.

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De certa forma, sobre a essência do conhecimento é de se adotar a posição

do realismo, para a consideração do objeto, em efeito concreto. Aqui temos um

duplo binômio, para consideração tanto do empiricismo, quanto a origem do

conhecimento; bem como do realismo, na essência do conhecimento. Em

conformidade com as afirmações de Miguel Reale112 acerca desta corrente filosófica.

“Pois bem, nessa obra, o grande filósofo inglês explica que são assensações o ponto de partida de tudo aquilo que se conhece. Todasas idéias são elaborações de elementos que os sentidos recebemem contato com a realidade. Daí ter-se repetido, com vigor novo esentido diferente, a afirmação de autores medievais, que, naspegadas de Aristóteles, declaravam não existir nada do intelectualque não tivesse passado antes pelos sentidos.”

Uma vantagem conciliadora da proposta empirista é conciliar as tendências

da origem do conhecimento, sob a faceta do realismo, bem como do idealismo.

Vantagem conciliatória, porque inquirir sobre a origem do conhecimento representa

buscar como se opera sua criação, indagar sua essência (quanto a alocação do

conhecimento, entre os objetos – realismo –, ou na percepção deles feita pelo

sujeito – idealismo).

A proposta empirista é a válida em Direito Penal na eleição do bem jurídico,

diante da necessidade de constatação de afetação ao bem jurídico. Vale dizer, a

lesão somente pode ser algo palpável, em determinado objeto, não podendo ser

relegada ao plano imaginário. Assim, como a aferição de lesão e de proteção

necessita de ser de um objeto ou coisa, este necessita de concretude.

Registre-se, que o ente universal é a retirada de características de entes,

particulares. Transpondo à problemática penal, seria o ente universal, algo

imaginário, ligado ao campo das ideias, de formatação muito parecida com o bem

transindividual, conforme deixou antever.

A inspiração filosófica, pela construção histórica e principiológica do direito

112 REALE, Miguel. “Filosofia do direito.”, 20ª edição, 10ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 87-88.

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penal necessita da análise da lesividade, ofensividade e fragmentariedade, ao ponto

de exigir a análise pelo panorama do indivíduo como o maior fim de proteção.

Conforme afirma Juarez Tavarez113, no concernente ao protagonismo do indivíduo:

“a eleição de um bem jurídico sem consideração aos imediatos interesses ou às

condições do sujeito e seus projetos, viola os fundamentos do Estado democrático,

amparados na proteção à dignidade da pessoa humana”.

Repise-se, a fundamentação dos princípios penais de fragmentariedade,

subsidiariedade, “ultima ratio”, subsidiariedade, culpabilidade, negam a possibilidade

da defesa de um ideal Ainda sob os princípios penais é importante notar a

característica humanitária, ligada à dignidade da pessoa humana, bem como ao

aspecto antropológico. Apenas a revolução em termos da filosofia penal poderia

fazer a adoção de um ente universal como o paradigma de proteção.

Em sede penal apenas nos interessa a valoração de determinada conduta

como relevante em face de determinada reprimenda, a reparação pode ter interesse

em cognição restrita e etapa posterior quando da aplicação da pena ou de institutos

de transação penal, mas não para fins de adequação de conduta em juízo de

tipicidade.

Não se pode olvidar que a indenização é finalidade almejada pelo Direito

Penal, mas não interessa para fins de discussão do bem jurídico, ao invés, quando

da discussão da tutela coletiva; contudo no campo cível, é imprescindível perquirir

se o direito é individual, coletivo ou até mesmo difuso como fator de legitimação de

agente promotor da defesa, e dos fins da reparação. O interesse civil pode ser

replicado, quando em consideração de uma situação concreta, mas o abandono em

campo penal do indivíduo, como fundamentação precípua é negar aos seus fins.

Costuma-se diferenciar em duas correntes. Tratam dos Monistas e dos

Dualistas114; para aqueles não há diferenciação entre bens que se inserem

113 TAVAREZ, Juarez. “Teoria do injusto penal”, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, pág. 181-183.

114 A classificação, ainda que detenha predominante interesse acadêmico e teórico, é importantepara denotar o cisalhamento doutrinário da questão em diferentes epígrafes. São diversas asclassificações propostas, tal como Juarez Tavarez indica: “(…) A doutrina, porém, os classifica

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unicamente na esfera de um único agente, enquanto que para estes, existem duas

categorias de bens jurídicos, que variam entre singulares e coletivos. Mas, no

presente estudo apenas interessa notar o ente digno de proteção que demanda

concretude, negando a ser um mero universal situado no plano das ideias. Em

suma: não há possibilidade da defesa direta e imediata de um bem jurídico virtual,

imaginário, situado apenas no planos das ideias.

Caso sigamos o caminho inverso, impõe-se o completo abandono dos

princípios liberais e iluministas, bem como significa uma potencial abertura a abjurar

aos direitos humanos de primeira geração, ao imergir em perigoso campo aberto à

função do direito penal a serviço das mais diversas ideologias. A constatação desta

modalidade de bens jurídicos, deve seguir como etapa ou como processo na

consideração do indivíduo, nas palavras de Winfred Hassmer115:

“bens jurídicos universais somente requerem proteção comocondição da possibilidade de proteção de bens jurídicos individuais,os quais, por isso possuem uma função orientadora. Desse modo, ofim de proteção dos bens jurídicos é a realização da pessoaindividual, sendo o interesse geral apenas uma etapa deste rumo.”

Em conclusão, a tônica de consideração de bens transindividuais, pela

característica de abstração e pelo fato de virtuais e impalpáveis, não permitem

avaliação da lesão, em sentido concreto e mais ainda, podem representar,

dependendo da fundamentação, um completo abandono do indivíduo como objetivo

de proteção da norma penal.

segundo alguns critérios. Segundo seu titular, há bens jurídicos individuais (vida, integridade física,honra, liberdade, patrimônio), coletivos (incolumidade pública, meio ambiente, fé pública, paz pública)ou estatais (administração pública, administração da justiça, estabilidade política, estabilidade dosistema tributário e financeiro) Segundo, a percepção há bens jurídicos concretos (vida, integridadecorporal, patrimônio) e abstratos (incolumidade pública, fé pública, paz pública). Segundo a naturezahá bens jurídicos naturais (vida, integridade física, liberdade) e normativos (patrimônio, administraçãopública, estabilidade do sistema tributário e financeiro). Segundo seus elementos, distinguem-se bensjurídicos de origem real (vida, integridade corporal, saúde) e de origem ideal (honra, sentimentoreligioso).” (TAVAREZ, Juarez. “Teoria do injusto penal”, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, pág. 182-183.)

115 HASSMER, Winfred., “Theorie und Soziologie des Verbreschens. Ansätze zu einerparxisorientierten Rechtgustslebre”, Frankfurt 1980, pág. 222, apúd TAVAREZ, Juarez. “Teoria doinjusto penal”, Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

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3.3. ENFRENTAMENTO NA LAVAGEM DE CAPITAIS;

Especificamente, no campo da lavagem de capitais, identificar o bem jurídico-

penal é questão tormentosa. São diversas as propostas doutrinárias, sem que exista

pleno consenso na matéria, trazendo um grau de relativismo em temática que

demanda precisão. Sem embargo, admitir conceitos divergentes sobre a finalidade

de incriminação penal, ou em campo que tem o escopo de caracterização de

necessidade de incriminação é tarefa inglória.

Por estes motivos, a distribuição dos principais enfrentamentos doutrinários

será feita em função dos tópicos de acordo como a matéria tem sido abordada.

Conjuntamente, haverá a crítica aos principais aspectos de cada uma das

abordagens, com suas vantagens e suas desvantagens.

Diante de tais premissas, a abordagem foi distribuída em função dos tópicos:

I.-) Da Administração da Justiça; II.-) Da Ordem Econômica; III.-) Da

Pluriofensividade; IV.-) Da Superproteção do Bem Antecedente.

3.3.1 Da administração da justiça.

A consideração do bem jurídico como a Administração da Justiça carece de

detida análise, para sopesar suas vantagens e suas incongruências.

De início, não se deve olvidar, que o bem jurídico aqui apontado, é objeto do

penúltimo capítulo do Código Penal, o qual versa sobre os crimes contra a

Administração Pública, sob a epígrafe de “Crimes contra a Administração da

Justiça”116. Está em voga, neste título, a manutenção da ordem jurídica, e da função

116 Vide o Título XI, Capítulo III, do Código Penal, Decreto n.° 2.848/1940.

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soberana do Estado117. Tratam-se de crimes que ofendem, em última análise, a

própria segurança jurídica, pelo descrédito do exercício da jurisdição – palavra de

derivação latina; de ministrar a justiça118, pacificar conflitos, o poder de julgar de um

juiz119.

Aliás, o conceito de jurisdição passa a ser questão prejudicial, ao correto

entendimento do que vem a tratar a administração da justiça. Como afirmado por

João Mendes Júnior120, a jurisdição “é a causa final específica da atividade judicial”;

e, conforme explanação de José Frederico Marques121: “na jurisdição penal, aplica-

se o direito penal objetivo em conexão com uma pretensão punitiva ou com uma

pretensão baseada no direito da liberdade penal.”

Questão umbilicalmente conectada é o conceito do exercício de aplicação da

norma, em face do evento concreto colocado à apreciação judicial. Cotejando-se, a

norma, com o caso concreto, sob o aspecto de consideração fático valorativa,

abstrai-se a sentença – do latim “sententia122”, opinião, desejo, pensamento – como

espécie de silogismo. Somente aquilo que possa causar errônea e indevida

formação deste sistema poderia causar lesão à “Administração da Justiça”.

Cláudio Heleno Fragoso agrupa os crimes tratados, sob a referida epígrafe,

em fatos que atentam contra a “atividade judiciária”, contra a “autoridade das

117 FRAGOSO, Heleno Cláudio. “Lições preliminares de direito penal”, 1ª edição, Vol. I, Rio deJaneiro: Forense, (1989).

118 SILVA, Oscar Joseph de Plácido e. “Vocabulário Jurídico”, Vol. III, São Paulo: Forense, (1975).

119 FARIA, Ernesto. “Dicionário escolar: latino – português”, 2ª edição, Rio de Janeiro: Ministério daEdução e Cultura, (1956), pág. 518. GRAVE; João. “Lello Universal em quatro volumes: novodicionário enciclopédico luso-brasileiro.”, Pôrto: Lello & Irmão, (1900 -).

120 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. “Direito judiciário brasileiro.”, 2ª edição, Rio de Janeiro:Baptista de Souza, 1918, pág. 31.

121 MARQUES, José Frederico. “Elementos de Direito Processual Penal”, Volume I, 2ªEdição, Riode Janeiro: Forense, [1965-], Pág. 184.

122 FARIA, Ernesto. “Dicionário escolar: latino – português”, 2ª edição, Rio de Janeiro: Ministério daEdução e Cultura, (1956), pág. 518. GRAVE; João. “Lello Universal em quatro volumes: novodicionário enciclopédico luso-brasileiro.”, Pôrto: Lello & Irmão, (1900 -), pág. 1041.

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decisões judiciais” e, também, sobre o “exercício arbitrário de razões e poder.123”. O

conceito é mais amplo do acima adotado, porém, em essência, não contradiz o

afirmado. Todas as espécies são facetas do exercício da jurisdição como a atividade,

por excelência, de administração da justiça. Conclui-se, que em cada uma das

facetas afetam, ao seu modo, a aplicação do direito ao caso concreto.

Os efeitos das condutas são bem sintetizados na condensação do Código

Penal, ao dispor sobre a epígrafe inserida como espécie, do gênero que é a

Administração Pública. A tarefa jurisdicional, a final de contas, é espécie “sui

generis” de Administração Pública. Em suma, aponta-se como bem jurídico a

correta, eficaz e justa aplicação do ordenamento jurídico através do exercício da

jurisdição.

Outra questão a ser avaliada é critério adotado como de preponderância na

constatação do bem jurídico, ao invés, de exclusividade de proteção.

Exemplo maior, deste fato, e merecedor de destaque, é a consideração do

crime de denunciação caluniosa, do art. 339 do Código Penal, insculpido da seguinte

forma: “Dar causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial

contra alguém, imputando-lhe crime que sabe ser inocente”. A objetividade jurídica,

do delito em comento, em uma açodada visão, causa certo embaraço com o crime

de calúnia (art. 138, CP), no qual é tutelada a honra objetiva. Assim, a denunciação

caluniosa visa precipuamente expurgar a falsidade da acusação feita, pelo interesse

nela depositado.

Ressalte-se, que em ambos os crimes a honra é atingida pela falsidade da

imputação, mas o evento que caracteriza maior lesão é de movimentar o aparato de

persecução penal de forma indevida, em face do prevalente interesse da

administração. Fato este que pode, “mutatis mutandi”, ser replicado aos crimes de

comunicação falsa de crime ou de contravenção, de falso testemunho e de falsa

perícia.

123 FRAGOSO, Heleno Cláudio. “Lições preliminares de direito penal”, 1ª edição, Vol. I, Rio deJaneiro: Forense, (1989) pág. 316.

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Em outras palavras, a honra nestes crimes é tutelada como efeito colateral,

enquanto a administração da justiça, por critério de preponderância, adquire o

aspecto central do delito. Por derradeiro, cumpre esclarecer que os delitos de Auxílio

Real e de Auxílio Pessoal são previstos como crimes conta a Administração da

Justiça, trazendo à baila a consideração, de que a Lavagem também teria por bem

jurídico a credibilidade da justiça.

Surge, por conseguinte, a indagação: seria o crime de lavagem atentatório à

administração da justiça, em critério de preponderância do bem lesionado? Não

parece claro o critério de hegemonia ou supremacia do interesse, lastrado na

Administração da Justiça.

Com efeito, não fica patente o dolo do agente em subtrair determinada

ação, com certo expediente de lavagem de capitais, dos auspícios da justiça.124 Na

grande maioria das vezes, a ação é destinada ao auxílio da atividade antecedente.

Não se mostra destinado a desfocar, ou desatinar, a ação da persecução penal.

Ainda mais quando estivermos em busca de critério de lesão preponderante.

O aspecto de desatinar a atuação judicial é apenas uma etapa, mas em

última análise, tudo seria direcionado ao auxílio da atividade. Não é apenas uma

atividade que serve a desatinar a aplicação da justiça, enquanto estiver em curso um

apuratório ou ação judicial. O ideal da lavagem é justamente possibilitar a

implantação da prática delitiva, operacionalizando a movimentação financeira,

servindo de braço ao criminoso.

Somente por intermédio de lavagem de capitais, e de utilização de sistemas

financeiros que é possível a prática em larga escala de criminalidade. Um exemplo

concreto trata das movimentações de vultosas quantias para recebimento de atos de

corrupção. Inviabilizaria a prática do crime antecedente a inexistência de um meio

seguro e eficaz de recebimento da peita ou do suborno, porque é inconcebível a

124 PITOMBO, Antônio Sérgio Altiere de Moraes. “Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crimeantecedente.” São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

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existência de um expediente explícito, com declarados propósitos. Ademais, servirá

o ato de lavagem para reintegração dos valores na economia, para servir aos

praticantes do crime.

Com a devida vênia, afirmar que o crime de lavagem protege a

administração da justiça é como afirmar que o homicídio se esgota na proteção da

integridade física. Não é de todo errada esta afirmação, mas indica apenas uma

parte do problema, sem mirar no seu fulcro.

Ressalte-se, o crime de lavagem é parasitário, mas representa um expoente

da atividade criminosa em que são operacionalizados e implementados o “modus

operandi”, sobre uma escala até então impensável. É certo que o crime de lavagem

visa desatinar a aplicação da lei penal, entretanto o verdadeiro alvo é o

favorecimento e implementação da prática delitiva pretérita. O critério de

preponderância obriga que se reconheça o bem jurídico como o do crime

antecedente, enquanto a Administração da Justiça é apenas um interesse

secundariamente tutelado.

Em arremate, somente com a lavagem de capitais cria-se a possibilidade de

movimentação de grandes quantias de capital com chances de êxito. Por este

motivo, que o bem jurídico da lavagem de capitais encerrado na Administração da

Justiça é visão parcial do assunto.

Como argumento de autoridade, em defesa da Administração da Justiça

como bem jurídico-penal, asseveram que foi o caminho expressamente traçado

pelas legislações Italiana e Suíça ao dispor sobre o crime de reciclagem de

capitais125. Há, contudo, necessidade de certo temperamento desta afirmação.

O tipo penal suíço foi estampado em duas condutas; na primeira, os

elementos objetivos de “origem, o descobrimento, ou o confisco”,126 são

125 MARTINS, Guilherme Pereira Gonzalez Ruiz. “Medidas assecuratórias na lei de lavagem decapitais: finalidade e aplicação do instrumento face ao Estado Democrático de Direito.” São Paulo:Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013, pág. 87.

126 CERVINI; Raul. OLIVEIRA; Willian Terra de. GOMES; Luiz Flávio. “Lei de Lavagem de Capitais.”

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incriminados; enquanto, a segunda refere-se ao dever de informação, ou que “haja

omitido verificar” uma operação, infringindo deveres objetivos de cuidado127.

Registre-se, que nesta última conduta é tipo penal aberto, em crime omissivo puro,

atentatório à administração da justiça. Porém, a legislação pátria não deixa esta

margem de interpretação.

A configuração entre descobrimento e confisco, como elementos objetivos

do tipo, traz à pauta considerações de vinculação à atividade de rastreio e aplicação

do processo penal. São apenas restritas modalidades em relação a legislação pátria.

São diversas as condutas incriminadas na legislação nacional. A lei de

lavagem de capitais nacional vai muito além, não apenas possuindo o condão

destas legislações de esconder o capital da aplicação, com o fito de ficar imune a

aplicação de uma sanção. A consumação no crime de lavagem de capitais, ocorre

muito antes, com a tipificação de muitas outras condutas. Registre-se, que o tipo

penal criado pela Lei n.° 9.605/1998, estende a punibilidade muito além das

incriminações das legislações helvética e italiana.

Em arremate, não parece ser o caminho mais adequado que seja a

administração da justiça o bem jurídico lesado preponderantemente. Na

conformação legislativa, parece ser reducionista esta visão, ao tratar de efeito

colateral como se fosse o critério preponderante.

Argumenta Gustavo Henrique Badaró128, em sentido oposto, que a

vantagem é conferir autonomia sobre o crime antecedente, a saber:

Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, (1998), pág. 196.

127 “Art. 305 ter: El que profesionalmente haya aceptado, conservado, ayudado a colocar o atransferir valores patrimoniales de un tercero y que haya omitido verificar, conforme a la vigilanciarequerida por las circunstancias, la identidad del titular del derecho económico,” CERVINI; Raul.OLIVEIRA; Willian Terra de. GOMES; Luiz Flávio. “Lei de Lavagem de Capitais.” Editora Revista dosTribunais, São Paulo, (1998), pág. 195.

128 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Lavagem de dinheiro: aspectos penaise processuais penais: Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12.” São Paulo:Saraiva, 2012 pág. 54-55.

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“A lavagem aqui é entendida como um processo de mascaramentoque não lesiona o bem originalmente violado, mas coloca em risco aoperacionalidade e credibilidade do sistema de justiça, por utilizarcomplexas transações a fim de afastar o produto de sua origem lícitae com isto obstruir seu rastreamento pelas autoridades públicas. Valenotar que a administração da Justiça é considerada aqui sob umaperspectiva ampla, compreendendo o exercício da atividadejurisdicional e de todos os demais institutos envolvidos na soluçãoinstitucional de conflitos e na apuração de fatos necessários para tal.”

Assevera, na referida linha de argumentação, que o crime de lavagem é a

forma pela qual garante-se a impunidade. O “aguilhão semântico129” utilizado por

esta parcela da doutrina consiste na “potencialização da aplicação da justiça aos

crimes antecedentes”130. Esta afirmação deve ter enfrentamento bifronte. Em

primeiro, pela instrumentalidade em relação ao crime antecedente, remetendo a

superproteção ao bem jurídico antecedente.

Em segundo, sob o aspecto de enfrentamento da blindagem gerada pela

lavagem, como aspecto de garantia ao agente de sua impunidade. Entretanto,

somente em hipóteses excepcionais, determinado agente cometerá um crime, com

convicção de sua condenação, ou de sua prisão em flagrante. Parece ser

despropositada e descabida tal conjectura, quando está em questão a criminalidade

econômica, normalmente ligada a organizações criminosas. Esta hipótese somente

seria avaliada no campo da emoção. Localidade onde as ações são promovidas pelo

ímpeto emotivo, sem domínio da razão.

O criminoso, na realização de um fato, – sob aspecto de liberdade de ação,

e não de criminalidade atávica ou antropológica –, pondera existir margem de

impunidade, pois, em situação inversa, não dará início a execução de ato que detém

certeza de ser irrealizável. Por óbvio, o delito de lavagem tem escopo de garantia de

129 Ainda que exista interessante crítica por parte de DWORKIN, Ronald., “O império do direito”, SãoPaulo: Martins Fontes, 2007, ao uso da expressão “aguilhão semântico” seu uso mostra-seinteressante para ressaltar o fulcro da teoria, bem como para proceder a análise crítica deste aspecto.Na citada obra a expressão é carregada de carga pejorativa, ainda assim, não resta desqualificadosua utilização para ressaltar o aspecto central da teoria.

130 MENDRONI, Marcelo Batlouni. “Crime de lavagem de dinheiro”, São Paulo: Atlas, (2006), pág.30/31.

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impunidade, mas não parece ser o fulcro fundamental do delito em questão.

O crime de ocultação de cadáver131 também pode ser realizado com o fim de

ocultação de um crime antecedente, tal como o homicídio. Um crime de abortamento

pode servir ao propósito de ocultação de crime antecedente de estupro. No entanto,

faz-se forçoso reconhecer que o cerne de tais delitos não passam a ser a

administração da justiça, tampouco altera-se o bem jurídico originário destes delitos

por este motivo. É patente a finalidade de encobrimento destes delitos, mas esta

finalidade não transmuda o delito em atentatório a administração da justiça.

Assim sendo, a grande finalidade do agente não é somente de subtrair das

ações judiciárias, dos mecanismos de controle, da aplicação da lei, de forma frontal

e direta. Não se pode deixar de considerar esta finalidade, mas tratá-la como

elemento central de todas as condutas de lavagem de capitais não parece ser

correto.

Na lavagem de capitais a razão final do agente é de promoção da atividade

antecedente, sem a qual não há sequer sentido. Afinal, na lavagem a grande marca

é que exista algo de ilícito, sob pena de retirar todo o aspecto de criminalidade da

conduta. Ora, se a ação de ocultação pode ser lícita quando os bens forem de

origem lícita, não há como conjecturar em “embaraço da administração da justiça”.

Ressalte-se, que o motivo apontado para delimitação do bem jurídico não é valido.

A questão de utilização de complexas transações, a fim de afastar o produto

de sua origem ilícita e com isto obstruir seu rastreamento pelas autoridades

públicas132, não se mostra como apto a ludibriar a aplicação da jurisdição. A pura e

simples utilização de intrincados e sofisticados esquemas empresariais, engenharia

131 Pondera Damásio de Jesus sobre as motivações do crime de ocultação de cadáver: “A vontadeconsciente destinada a destruir, subtrair ou ocultar o cadáver, independentemente de qualquer outrafinalidade especial, como um motivo de vingança pessoal, para a obtenção de lucro, ou paraesconder vestígios de outro crime,” (JESUS, Damásio de. “Direito Penal. Parte Especial”, 3° volume,15ª edição, 5ª tiragem, São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 83-85.)

132 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Lavagem de dinheiro: aspectos penaise processuais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12.” São Paulo:Saraiva, 2012 pág. 55.

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financeira, diversas modalidades contratuais, não são incriminados. Apenas quando

forem usados estes artifícios, para encobrir valores obtidos ligados a ações

criminosas, que haverá o delito presente. Ou seja, o foco da incriminação converge

na origem ilícita e não nas operações que se sucedem.

Seguir o ideal acima exposto acabaria por tornar o delito de lavagem de

capitais em uma espécie qualificada de delito de obstrução da justiça, análogo ao

delito tipificado pela Lei de Organizações Criminosas. Conforme as disposições do §

2°, art. 2°, da Lei n.° 12.850/13, incorre nas penas quem “impede ou, de qualquer

forma, embaraça a investigação penal que envolva organização criminosa”, em tipo

penal verdadeiramente atentatório contra a administração da justiça. Ainda neste

particular parece que o citado Diploma Legal acabou por repristinar os atos de

encobrimento, de certo modo, como concurso de agentes, ao delimitar um tipo

derivado na incriminação das organizações criminosas.

Vale dizer, foi indigitado o bem jurídico, na lavagem de capitais, pela

dificuldade de aplicação da lei, face a presença de elementos que dificultam seu

rastreio. A dificuldade conduziria à potencial aplicação errônea da jurisdição, ao

afetar a administração da justiça. Assim sendo, o crime de lavagem de capitais

passaria a ser um crime de perigo abstrato contra a administração da justiça. De

plano, ocorre desproporção da sanção penal com os demais crimes de dano,

descritos no Código Penal.

A exacerbada sanção cominada entre os patamares abstratos de três a dez

anos, é desproporcional sob o aspecto de proibição do excesso, quando sobreposto

aos demais crimes descritos no Código Penal. A título de ilustração, a penalidade é

equivalente ao do crime de aborto, praticado por terceiro, sem o consentimento da

gestante, “ex vi” do art. 125 do Código Penal.

Em suma, ainda que a proposta de delimitação do bem jurídico da lavagem

seja interessante sob aspecto de autonomia, não se mostra preponderantemente o

bem jurídico lesado, como a administração da justiça.

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3.3.2. Da ordem econômica.

No atual estágio de evolução social um setor da doutrina aponta a grande

necessidade de defesa de meios, ou ambientes imprescindíveis a vida em

sociedade, os quais corresponderiam aos chamados direitos humanos de terceira

geração ou dimensão133. Em decorrência disto seria imprescindível a ordem

econômica como elemento social.

Do influxo de novos meios tecnológicos, aliado ao fenômeno da globalização

das nações, haveria surgido nova forma de vida em sociedade, na qual é

imprescindível um ambiente das relações de produção. Alçado a condição

fundamental da vida social, em espécie de bem jurídico espiritualizado134, seria

protegido pela simples representação abstrata da ameaça a este ideal coletivo.

Willian Terra de Oliveira135 justifica a importância da ordem econômica, na

seguinte passagem:

“Portanto, diante desse quadro é que se costuma afirmar que aconduta de lavagem de dinheiro atinge interesses metapessoais outransindividuais, e por esse motivo o bem juridicamente protegidonão poderia ser outro senão a própria ordem socioeconômica. Osistema econômico é na verdade o substrato e a quintessência globalde interesses individuais, mas trata-se de um bem jurídicoindependente metaindividual ao objeto de proteção da norma paraimpedir o comprometimento de toda uma sociedade e evitar erosãodo estado democrático de direito.”

133 BOBBIO, Norberto. “A era dos direitos”, Rio de Janeiro: Campus, 1992.

134 SCHÜNEMANN, Bernd. “Moderne tendenzen in der dogmatik der fahrlässigkeits – undgefähurdungesdelikte”, apud CUNHA, Maria Conceição da. “Constituição e crime: Uma perspectivada criminalização e da descriminalização.”, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995, e na fonteprimária do mesmo autor em SCHÜNEMANN, Bernd. “Temas actuales y permanentes del derechopenal después del milenio”, Madrid: Editorial Tecnos, (2002), pág. 206-223.

135 CERVINI; Raul. OLIVEIRA; Willian Terra de. GOMES; Luiz Flávio. “Lei de Lavagem de Capitais”,São Paulo: Revista dos Tribunais, (1998), pág.35-36.

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Assim sendo, para a exata indicação do bem jurídico-penal como a “Ordem

Econômica” mister se faz abstrair o real sentido destas palavras. Ainda que haja

divergência doutrinária, e verdadeira ambiguidade136 atribuindo à expressão as mais

diversas significações137, oscilando entre “sistema financeiro em seu conjunto”,

sistema econômico do seu país”, “economias lícitas”, “atual ordem econômica

estabelecida”, cada qual reclamando a si o acerto da especificação técnica138.

Ademais, o binômio não possui densidade normativa suficiente para abstrair

sua significação de modo imediato. Assim sendo, faz-se necessário percorrer os

textos legais com abstração do sentido, por meio de leitura sistêmica e integrativa.

Interpretação que se inicia no texto constitucional, devido ao particular modo de

enfrentamento da questão pela Magna Carta, e por critério de máxima efetividade do

texto constitucional139.

A questão, necessitará de dois alicerces: primeiro, na interpretação sistêmica,

com abstração da “mens legis”, e em segundo, no influxo da realidade, aquilatando o

conteúdo real da normatividade, resultante no particular sentido da norma140.

136 GRAU; Eros roberto. “A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica.”, 14ªedição, São Paulo: Malheiros, (2010), pág. 58-63.

137 Conforme levantamento elaborado por SÁNCHES, Carlos Arágues. “El delito de blanqueo decapitales.”, pág. 68, apúd BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot.“Lavagem de dinheiro”, 2ª edição, São Paulo: Malheiros, (2008)

138 BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. “Lavagem de dinheiro”, 2ªedição, São Paulo: Malheiros, (2008), pág..31.

139 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª edição,Coimbra: Almedina, 2003.

140 Em explanação sobre este método de hermenêutica constitucional afirma Gilmar Mendes: “...anorma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside nasua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essapretensão de eficácia (Geltungsaspruch) não pode ser separada das condições históricas de suarealização, que estão, em diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regraspróprias que não podem ser desconsideradas. Mas, esse aspecto é decisivo – a pretensão deeficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; apretensão de uma eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. (…) Graças àpretensão de eficácia, a Constituição adquire forca normativa na medida em que logra realizar essapretensão de eficácia.” MENDES, Gilmar. Prefácio de “A força normativa da constituição.”, “in“HESSE, Konrad . Sérgio Antonio Fabris, 1991, pág. 12.

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Como afirma Konrad Hesse141, na construção do sentido da constituição é

imprescindível a interpretação, através da concretização, pois “exatamente aquilo

que, como conteúdo da norma ainda não é unívoco deve ser determinado sob a

inclusão da realidade. Nesse aspecto, interpretação jurídica tem caráter criador”.

Metodologia que aparenta ser tortuosa, todavia é cotidianamente usada,

ainda que despercebida. Exemplificando, quando buscamos abstrair o conteúdo do

termo “casa” (art. 5°, inciso XI, CF), deveremos buscar na norma a finalidade deste

termo, para após avaliar se um determinado cômodo ou edificação preenche este

conceito. Somente quando pudermos avaliar, em face da realidade, se existe a

presença do termo casa, na forma tratada pela constituição, conseguiremos prefazer

a “concretização”. De posse do conteúdo, da essência do termo, será feita a

avaliação se um albergue, hotel ou simples cômodo, preencheria este conceito.

Finalmente, quando restar constatado que determinada localidade atende a

essência do termo “casa”, que poderá ser aplicado o ditame constitucional da

inviolabilidade. Ou seja, apenas quando do panorama normativo restar cristalino o

que é “casa”, poderemos em comparação avaliar se uma edificação corresponde ao

ideal fornecido pelo espírito da lei.

No caso vertente, mister se faz percorrer os dispositivos constitucionais

concernentes a delimitação da “ordem econômica”, com influxo de elementos da

realidade, para fins de concretização. Tarefa que se inicia no sétimo título da

Constituição, o qual tem a tarefa de disciplinar a “ordem econômica e financeira”,

mormente ao artigo 170142, “in literriam”:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalhohumano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

141 HESSE, Konrad. “A força normativa da constituição”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991,Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, título original “Die Normative Kraft des Verfassung”. Pág. 41-42.

142 A disposição constitucional da ordem econômica não é recente, tendo seguido o caminho játrilhado pelo art. 145 da Constituição Federal de 1946, seguindo o mesmo roteiro pelo art. 157 daConstituição Federal de 1967, com sequência após a emenda Constitucional n.° 1 de 17 de outubrode 1969, através do artigo 160. (Coleção Lex, “Constituições do Brasil”, vol. 1° e 2°, Rio de Janeiro:Aurora, (1969- ?).

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digna, conforme os ditames da justiça social, observados osseguintes princípios:I – soberania nacional;II – propriedade privada;III – função social da propriedade;IV – livre concorrência;V – defesa do consumidor;VI – defesa do meio ambiente, inclusive com tratamento diferenciadoconforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e seusprocessos de elaboração e prestação;VII – redução das desigualdades regionais e sociais;VIII – busca do pleno emprego;IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porteconstituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede eadministração no País.”

Enfeixando diversos princípios, a Constituição, descreveu as finalidades do

papel dos agentes econômicos, por meio de princípios programáticos; e dentre

elementos sócio ideológicos, destinando todo este aparato para “assegurar a todos

existência digna”. Ideal este lastrado na viga mestra constitucional da dignidade da

pessoa humana, com fulcro no art. 1°, inciso III.

Isto posto, os princípios são enunciados dos valores a serem perquiridos em

determinada situação, norteando o rumo a ser seguido. Ou, em acepção diversa,

como mandado de otimização, para a consecução de determinada tarefa em

gradação mais elevada143.

São diretrizes, por conseguinte, conformadoras de um determinado modo de

agir, induzindo uma solução em determinado sentido. Por este motivo, servirão de

elementos indicadores das finalidades e valores a serem seguidos.

143 Robert Alexy, assim dispõe: “O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é queprincípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro daspossibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos deotimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de quea medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas tambémdas possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios eregras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não são satisfeitas. Seuma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regrascontêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Issosignifica que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção degrau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.” (ALEXY, Robert. “Teoria dos direitosfundamentais”, 5ª edição, São Paulo: Malheiros, 2008).

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Aduzem, os doutrinadores, que operou-se verdadeira tomada de posição

ideológica na organização da vida econômica, entre os modelos de economia

coletivizada de orientação marxista, e de economia capitalista, optando por este

último144.

Pode-se abstrair até o presente momento, que na ordem econômica

constitucional imperam os seguintes parâmetros: 1.-) instrumentalidade para

propiciar existência digna; 2.-) princípios norteadores: soberania, propriedade

privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e

defesa do meio ambiente; 3.-) princípios programáticos: redução das desigualdades

regionais e sociais, atingir o pleno emprego, tratamento diferenciado de empresas

de pequeno porte; 4.-) fundamentos da livre iniciativa e da valorização do trabalho

humano.

Em leitura conjunta, os critérios apontam ao modo capitalista145 de condução

de mercado, com alguns critérios de atenuação, no sentido de intervenção estatal

em determinadas áreas. Sem embargo, foi até o presente momento delimitado o

conceito de ordem econômica, para definir a ordenação, como colocação ou

disposição de determinado modo. Resta definida a forma de relação, como

orientação dos elementos, pela determinação das variáveis.

Não foi delimitada ou definida a ordem em conceituação sintética e nem

poderia sê-lo, sob pena de criar uma verdadeira desordem, em lugar a pretendida

144 BASTOS, Celso Ribeiro. “Curso de direito constitucional” 13ª edição, São Paulo: Saraiva, 1990,pág. 350-360. Em sentido contrário, ao entender que a Constituição tenha albergado, possibilidade deorientação marxista, confira: SILVA, José Afonso da. “Curso de direito constitucional positivo”, 9ªedição, 4ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 1994, pág. 690-696.

145 A formatação do sistema capitalista é apontada por diversos doutrinadores, como forma deresolução de conflitos, através de regramento legal. Comentando a opção tomada pelas Cartasconstitucionais Sahid Maluf, assevera: “O Estado brasileiro continuava aferrado á ordem individualistade 1891. A reforma de 1926 foi uma inútil tentativa de adaptação. A Revolução de 1930 veio sacudiros brios nacionais, conduzindo o país pelo caminho da nova ordem social-democrática. A constituiçãode 1946, como a de 1934, sem suprimir a iniciativa privada nem menosprezar os direitosfundamentais da pessoa humana, procurou amparar as necessidades públicas, acautelar os direitosda coletividade, reprimir tôda (sic.) e qualquer forma de abuso do poder econômico, no afã detransformar a luta de classes, explorada pelo marxismo, numa real harmonia de classes dentro e umadisciplina legal. Acima da liberdade coloca a Constituição os princípios da justiça social.” (MALUF,Sahid. “Direito Constitucional”, 4ª edição, São Paulo: Sugestões Literárias, (1968), pág. 450).

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ordenação. Vale dizer, ocorre a disposição, o arranjo de elementos da economia,

segundo a orientação constitucional.

A falta de definição constitucional da matéria é salutar, eis que, depende de

construção doutrinária e ideológica. Não é papel constitucional este tipo de

definição. A verdadeira função é indicativa de valores e de variáveis que devam ser

salvaguardadas, ao invés da pura indicação de instituto impalpável, situado no plano

imaginário, como se um ideal o fosse.

A Constituição Federal, por conseguinte, servirá de moldura para a correta

disposição dos agentes econômicos, como conformador dos instrumentos e das

formas que deverão ser adotadas146.

Ao buscar o sentido da ordem econômica, sempre orbitamos sobre a questão

da economia. Deste modo, resta a dúvida de qual seria o sentido de “econômica”?

Em acepção vulgar, podemos tomar o sentido de economia, como modo de

equacionamento de despesas, em função da arrecadação. Em termos técnicos,

define-se economia, como sendo o conjunto de agentes e sua relação para

satisfação dos desejos humanos147.

Existe até mesmo o estudo de ciência social, denominada “economia”, na qual,

em suma síntese, e sem pretensão de exaurir o tema, busca-se conjugar os fatores

de produção, distribuição de bens e serviços, consumo, dentre outros, para que

sejam satisfeitas as necessidades humanas148. Finalidades estas, que seriam

satisfeitas segundo o caminho traçado pelo constituinte, com os parâmetros antes

146 Constituição no sentido de somatória dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade,segundo Ferdinand Lassale, (SILVA, José Afonso da. “Curso de direito constitucional positivo”, 9ªedição, 4ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 1994, pág. 40) ou na teoria da nomogênese de REALE,Miguel, “Filosofia do direito”, 20ª edição, 9° tiragem. São Paulo: Saraiva, 2000, pela qual somenteprevalece em determinada criação legal a reflexão das propostas, através do complexo fático, apósatuação do poder. 147 Alfred Marshall afirma que a economia é: “study of mankind in the ordinary business of life”, apudLIPSEY, Richard. G; STEINER, Peter O. “Economics”, Nova York: Harper & Row, (1966-1975), pág. 8.

148 LIPSEY, Richard. G; STEINER, Peter O. “Economics”,...opus cit, pág. 12..

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indicados, sob pena de eivar de inconstitucionalidade.

No entanto, o objeto tem ser mais preciso, quanto a criminalização da lesão

aos parâmetros, e não ao conceito, ou ao valor representado pela ordem econômica,

devido a sua falta de concretude. As consequências deste fato são apontadas por

parcela minoritária da doutrina, tal como Roberto Podval149, o qual afirma que “o bem

jurídico não pode, nem deve ser admitido de forma tão genérica, sob pena de,

indiretamente, extinguir-se a garantia que o bem jurídico oferece”.

Alguns indicadores econômicos – indicativos de ganho, aumento, decréscimo

ou riqueza de uma nação –; os quais não se confundem com a ordem econômica,

podem ser alterados pela lavagem de capitais. Os indicadores são sintetizados por

Jonh McDowell150, a saber: 1.-) Subdeterminação do setor privado; 2.-)

Subdeterminação da integridade do sistema financeiro; 3.-) Perda de controle de

política econômica; 3.-) Distorções econômicas e instabilidade; 4.-) Alteração de

classificações de risco; 5.-) Perda de ganhos; 6.-) Risco de esforços de privatização.

Há de se registrar, que a falta de concretude do bem jurídico acarreta a

deficiência na constatação da lesão ou de periclitação. Por ser um ente universal,

situado no plano das ideias, somente uma revolução em torno dos princípios penais

será possível de substituir esta formatação. Daí decorre, que alguns autores

costumam apontar para a lesão aos parâmetros concretos da ordem econômica, tal

como a livre concorrência, propriedade privada e outros.

Uma parcela da doutrina defende que a livre concorrência seja o bem jurídico

protegido, devido a lesão criada na inserção de capital, oriundo de práticas ilícitas151.

Aduzem, que a criação de monopólios, com a eliminação de concorrentes, pelo fato

149 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, volume 6, número 24, São Paulo: IBCCRIM(1998); PODVAL, Roberto. “O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro.”.

150 MCDOWELL, Jonh. “The consequence of money laundering and financial crime.”, Washington:Eletronic Journal of U.S Department of State, vol. 6, n.° 2, 2001.

151 BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. “Lavagem de dinheiro”, 2ªedição, São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 31-32.

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dos custos com a operação da lavagem serem menores que a operacionalização de

atividades lícitas, acabaria por criar uma concorrência desleal.

Este tipo de fundamentação enfrenta dois argumentos. Em primeiro, a lavagem

de capitais, tem justamente o caráter de ser algo velado, que costuma reptar, ser

oculto, fato diferenciado de um oligopólio ou monopólio. Em segundo, a lavagem não

é restrita ou contida no setor empresarial, ou apenas poderia se desenvolver em

parcela deste que tenha por escopo o lucro.

A organização de lavagem de capitais em meio ao terceiro setor, ou por meio

de fundações ou de partidos políticos, seguindo a teoria supramencionada,

exacerbadamente, acabaria por ser inócua e inerte. Não representaria, portanto,

lesão sob aspecto de livre concorrência. Ora, não há que se falar em concorrência,

nem mesmo em dominação de mercado nestes setores, por razões óbvias.

Sob outro prisma, na delimitação da magnitude da lesão, sob aspectos de

grandeza, haveria necessidade de delimitação setorial da “ordem econômica”.

Deveras, a variação de elementos de delimitação em termos regionais, locais ou até

mundiais, implicaria em variações gritantes. Tal como a delimitação do mercado

relevante152, com o escopo de avaliação de concentração de mercado, na

delimitação de ordem econômica, é imprescindível constatar o ambiente analisado.

Renato de Mello Jorge Silveira153, indica a atual tendência de deslocamento do

direito, para o problema econômico, inserido em questões globais, no concernente

ao problema da corrupção, mas que pode ser aplicado “mutatis mutandi” na lavagem

de capitais, tal como pode ser notado:

“Observe-se que uma boa explicação da razão da proliferação denormas que tratam de assuntos correlatos à corrupção diz respeito

152 Tal como ocorre na Lei n.° 8.884/94, um dos conceitos mais trabalhados pelo legislador é ochamado mercado relevante. Ainda que a lei não traga consigo a definição, deixando a cargo dointérprete sua definição, os parâmetros foram delineados.

153 REVISTA DO ADVOGADO, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo – ASSP, 2014,ano XXXIV, número 125, “Atual percepção sobre o fenômeno da corrupção: questão penal,econômica ou de direitos humanos?”, SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, pág. 131/137

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ao que se denomina de nivelamento do campo de jogo. Como sesabe, em termos comerciais e econômicos, vê-se, claramente, umatendência mundial de estabelecimento de um Direito com vocaçãoglobal. Muito bem, esse pretenso estabelecimento pode dar-se dedois modos diversos: através de um modelo top-down, em que severifica a harmonização de normas penais – regionais ouinternacionais –, ou através de um modelo bottom-up, em que opróprio mercado acaba por intuir as necessidades de nivelamentoconsuetudinário das regras, para um melhor aproveitamento domesmo.”

De outro giro, é bastante esclarecedor o citado por Rodolfo Tigre Maia154, nos

seguintes aspectos:

“Esta etapa tornou-se extremamente complexa e dinâmica diante dacrescente sofisticação dos meios de telecomunicações e dosartefatos cibernéticos que possibilitam a célere movimentação deativos financeiros em escala mundial. Assim, só através da SWIFTpodem ser realizadas a cada dia algo como 1.600.000 transferênciasdocumentadas de fundos e créditos CHIPS, integrado por 122bancos, movimenta por dia, ativos na ordem de US$ 950 milhões.”

A explanação transcrita é capaz de demonstrar que o dano representado por

um ativo de origem ilícita, é perfeitamente passível de ser absorvido pelo sistema

financeiro global. Não representaria grande ou expressiva movimentação em termos

gerais, capaz, “de per si”, de causar dano significativo.

Destarte, os valores movimentados em termos globais, bem como o lastro

representado pelas economias dos envolvidos, torna praticamente impossível uma

significativa lesão, pela inserção de um capital ilícito, por maior que seja uma

organização criminosa. Sem a definição de qual é o ambiente, não há meio concreto

de aferir a lesão. Seria necessário trabalhar o conceito e uma discussão melhor para

aferir qual seria a dimensão, para após avaliar a lesão.

Corroborando com este fato existe a grande velocidade aliada a imensa

capacidade operacional, potencializada por ferramentas financeiras de “algo-

trading”155, tornando-se ambiente apto e propício a esta verdadeira infecção, ou

154 MAIA; Rodolfo Tigre. “Lavagem de Dinheiro”, 2ª edição, Editora Malheiros, São Paulo, 2007, pág.39.

155 Na atualidade os negócios e transações operados por Bolsa de Valores podem ser feitos emaplicativos de celular ou até mesmo por modelos matemáticos operados sem qualquer intervenção

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cancro, que é a lavagem de capitais.

Diante de todos estes fatos, a delimitação do conteúdo de “ordem econômica”

ainda carece de grande desenvolvimento para sua correta delimitação, além de

necessitar de uma série de posturas filosóficas, as quais ensejariam o delineamento

dos seus contornos. Na atual formatação da lavagem de capitais, e no regramento

constitucional, a inserção da proteção a este bem jurídico causaria diversos

problemas na tentativa de constatação da lesão, bem como a própria justificativa de

incriminação de condutas por vezes inócuas, diante do ambiente em apreço.

Em arremate, pode eventualmente ocorrer o mesmo conflito de afetação –

presença de “bis in idem”, entre o delito de lavagem e do crime antecedente –, do

bem jurídico antecedente quando for a ordem econômica. Quando for um aspecto de

lesão do mesmo bem, por exemplo, em um crime de lavagem de capitais oriundo de

crimes contra a ordem tributária descrito na Lei n.° 9.137/1990, o bem jurídico será o

mesmo.

Do exposto, ao sopesar os benefícios e as dificuldades de utilização do bem

jurídico como a ordem econômica, acabaria por afastar sua aplicação, na

prevalência do aspecto negativo do seu uso.

3.3.3 Da pluriofensividade.

Um setor da doutrina aponta para um plexo de interesses lesados, em

definição do bem jurídico da lavagem de capitais. Pontificam, que haveria lesão ao

sistema financeiro, ordem econômica, patrimônio, administração da justiça, a ordem

socioeconômica, dentre outros. Dá-se, portanto, um critério de ofensa em múltiplos

campos, dos quais nenhum deles adquire aspecto central segundo a teoria da

humana por meio máquinas em combinações binárias em última análise, daí o nome de “Algorithmictrading”, também chamado de “algo-trading”. Pode parecer desarrazoada ou leviana esta atitude, masnão se trata certamente de algo impensado ou imponderado sob o aspecto do risco de sucesso e suaassunção. São criações extremo requinte e apurada técnica em sua utilização, tendo por fito osucesso financeiro e a potencialização do lucro.

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pluriofensividade da lavagem de capitais.

Saliente-se, por oportuno, que o crime pluriofensivo, guarda íntima relação

com o crime complexo, mas com ele não se confunde. No primeiro, ocorre a ofensa

a dois ou mais bem jurídicos, enquanto no segundo ocorre a consideração de um

crime, como resultado da soma de um fato criminoso com outra ação, contrastando

com o delito chamado simples.

Os crimes, em geral, tendem a ofender diversos bens jurídicos. Um crime de

homicídio ofende, sem dúvida, em primeiro plano, a vida da vítima, mas nem por isto

esgota sua capacidade de lesão com a morte da vítima. Os efeitos podem persistir,

em caráter residual, na família da vítima do assassínio, em termos sentimentais e

psicológicos; bem como, projeta efeitos patrimoniais sob diferentes aspectos. Pode

ocorrer desvalorização abrupta de empresa, da qual a vítima era proprietária; com a

revelação do fato relevante, atacando o sistema financeiro156.

A economia também é, de certo modo, prejudicada com a eliminação da força

produtiva da vítima, ainda que em potencial. Os filhos da vítima podem ficar órfãos,

afetando seu desenvolvimento. O Estado é lesado com gastos de investigação,

julgamento, execução de sanções, dispêndio em auxílio médico, pensões dentre

inúmeras situações que possam ser conjecturadas.

A pluralidade dos bens jurídicos acima citados, os quais foram lesados, não

ofusca o fato do homicídio ser um crime contra a vida. O critério sempre será de

preponderância, e não de equivalência de lesão. A análise da “dignidade penal”157,

não pode ser turbada, tampouco ter seu foco perdido pela constatação de diversos

interesses ou valores lesados.

156 A Comissão de Valores Mobiliários – CVM, órgão integrante do Sistema Financeiro Nacional,edita normativa da revelação dos chamados fatos relevantes, diante de sua possibilidade de projeçãode dano ao sistema financeiro, sob aspecto de conhecimento. A instrução CVM n.° 358 de 03 dejaneiro de 2002, delimita como fato relevante a retirada de um sócio da empresa, em conformidadecom o art. 2°, parágrafo único, inciso IV, a saber: “IV – ingresso ou saída de sócio que mantenha, coma companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa.”

157 CUNHA, Maria Conceição da. “Constituição e crime: Uma perspectiva da criminalização e dadescriminalização.”, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995, pág. 217-230.

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Apenas a título de ilustração, deve-se mencionar o crime de peculato na

modalidade de apropriação (art. 312, “cáput”, CP). Opiniões majoritárias da doutrina

apontam para o fato deste crime ser pluriofensivo, ao lesar a Administração Pública,

bem como ao lesar o patrimônio do particular. Urge considerar, neste ponto, que tal

crime não perde a característica de atentar contra a Administração Pública, em

critério de preponderância, merecendo sua inserção topográfica nos crimes

praticados por funcionário público, com respaldo, também, do art. 327, do Código

Penal. A função ou cargo exercido pelo sujeito ativo e o aspecto de salvaguarda da

Administração Pública foram os elementos centrais do delito em comento.

A própria consideração de um crime vago158, traz certa dificuldade de

encontrar um bem jurídico que seja determinado, fato exasperado pela quebra do

princípio da codificação. A tipificação, por meio de legislação extravagante159, obsta a

inserção topográfica em capítulo do Código Penal, fato que seria indutivo da

delimitação da objetividade jurídica.

O ideal de criação de sistemática apartada do Código Penal é louvável em

alguns particulares casos, mas demanda construção de bases teóricas sólidas.

Excepcionar ao código e imiscuir-se em sede de parte geral, acabaria por trazer

conflitos, na colisão de princípios.

Outro aspecto que merece destaque na avaliação da multiplicidade lesiva da

infração penal é a necessidade de maior reprimenda, em dosimetria da pena, por

maior desvalor do resultado. Entretanto, não poderia afastar o deslinde na

158 A conceituação do crime vago, representa, segundo Edgard Magalhães de Noronha:“Concomitantemente, estamos vendo que podem ser sujeitos passivos coletividades destituídas depersonalidade jurídica, como a sociedade, o público, a família, etc. A tais delitos, os juristasgermânicos denominavam vagos.” (NORONHA; Edgard Magalhães. “Direito penal.”, Volume 1, 10ªEdição, São Paulo: Saraiva, (1973), pág. 109).

159 Conforme afirma Carlos Ari Sundfeld: “Ademais, o fato de não estar – e de não poder ser –integralmente codificado faz com que, no direito público, apresentem-se com muita frequência aslacunas da lei, sobretudo no atinente às garantias indispensáveis do indivíduo frente ao exercício dopoder político. Em tais situações, os princípios gerais são indispensáveis para o suprimento daslacunas, é dizer, para a revelação das regras que foram omitidas pelo legislador, mas cuja existênciaé necessária.” in SUNDFELD, Carlos Ari. “Fundamentos de Direito Público”, São Paulo: Malheiros,2000, pág. 147.

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construção de um bem jurídico. A valia do enfrentamento é a demonstração de maior

periculosidade e de maior desvalor do resultado. Assim sendo, caso existam reflexos

de lesão pela prática da lavagem isto deverá ser objeto da dosimetria da pena, não

devendo consideração à construção de um bem jurídico pluriofensivo.

Denota-se, em gradação mais acentuada, os problemas de considerar

determinado crime como pluriofensivo, pela falta de definição do bem jurídico

afastando-se completamente do escopo da ofensividade, lesividade e de

fragmentariedade. Além disto, não é resolvido o conflito de normas penais, bem

como a possibilidade acentuada de configuração do “bis in idem”, com o bem

jurídico do crime antecedente.

3.3.4. Da Superproteção do Bem Antecedente.

Em último aspecto abordado pela doutrina existe a teoria de proteção do

bem jurídico antecedente. Não se pode olvidar, que no início do presente estudo, ao

percorrer os pontos históricos da lavagem de capitais, foi contatada a preocupação

com os atos de encobrimento.

A própria inserção da temática dos atos de encobrimento, no concurso de

agente, através do ideal de cumplicidade, na qualidade de partícipe, denotava o

ideal de promoção da empreitada criminosa. Como espécie de evento secundário,

em relação a autoria, havia o encobrimento perfilado com a colaboração psíquica

(induzimento, conselho, mandato, instigação), e a material (no fornecimento de

meios).

Em seguida, ao percorrer os diversos tratados e protocolos internacionais,

de combate a lavagem de capitais, restou cristalina a instrumentalidade no combate

aos crimes, seja de tráfico de narcóticos, seja de criminalidade organizada. Pelo

mesmo modo, fora cunhada a lavagem de capitais, e sua finalidade primordial,

associada ao combate do tráfico de drogas, fato que não deixava dúvidas de ser a

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época, enfrentamento ao criminoso, em seu aspecto econômico e operacional.

Resta cristalina a formatação para auxílio da atividade antecedente na

previsão da Convenção de Viena, nos seguintes termos,

“Art. 3° (…) b.) i) a conversão ou transferência de bens, comconhecimento de que tais bens são procedentes de algum ou dealguns delitos estabelecidos no inciso a) deste parágrafo ou daprática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ouencobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoaque participe na prática do delito ou delitos em questão;”

Exemplo maior e mais indicativo deste fato é a próprio Protocolo de

Palermo160, no art. 6°, §2°, alínea “e”, ao delimitar a possibilidade de adoção do bem

jurídico antecedente, na consideração de um dos seus efeitos, nos seguintes

termos:

“Se assim o exigirem os princípios fundamentais do direito interno deum estado parte, poderá estabelecer-se que as infrações enunciadasno parágrafo 1° do presente artigo não sejam aplicáveis as pessoasque tenham cometido a infração principal.”

A Exposição de Motivos, em que pese sua certa ambiguidade neste ponto,

parece ter seguido na mesma esteira, a saber:

“É certo que a “lavagem de dinheiro” constitui um conjunto deoperações comerciais ou financeiras que procuram a incorporaçãona economia de cada país, de modo transitório ou permanente, dosrecursos, bens e serviços que geralmente "se originan e estánconexos con transacciones de macro o micro tráfico ilícito dedrogas", como o reconhece a literatura internacional em geral eespecialmente da América Latina (cf. Raul Peña Cabrera, Tratado deDerecho Penal - Trafico de drogas y lavabo de dinero, EdicionesJuridicas, Lima, Peru, IV).”

Caso fosse um bem jurídico destacado, e dissociado do crime antecedente,

não faria nenhum sentido a característica parasitária da lavagem de capitais. Neste

160 BRASIL, Decreto n.° n.° 5.017 de 12 de março de 2004, “Promulga a Convenção das naçõesUnidas contra o Crime Organizado Transnacional”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso aos 10.12.2015.

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sentido, afirma com propriedade Vicente Greco Filho161:

”a lavagem de dinheiro não tutela bem jurídico nuclear, mas bemjurídico periférico ou satélite, no caso, do crime antecedente. O crimede lavagem não tem existência própria; depende da existência docrime antecedente, a cuja existência está condicionado.”

Ainda não que seja adepto da tese, da superproteção do bem jurídico

antecedente, Marco Antônio de Barros162 acaba por trazer interessante

posicionamento, ao demonstrar o caráter instrumental, ligado, por conseguinte, ao

crime antecedente, “in verbis”:

Uma das principais finalidades da Lei de Lavagem é a de conferir aopoder público incumbido do exercício da persecução penal osinstrumentos legais necessários à recuperação de ativos sujos, debens e direitos, que tenham sido obtidos por criminosos mediantepráticas delituosas. O que se quer impedir é que o lavador desfrutedo produto ilicitamente conquistado ou dos rendimentos que estepossa lhe proporcionar. Sabe-se que as medidas assecuratóriasvisam garantir a preservação das coisas, a fim de que elas não sedeteriorem, desapareçam, ou sejam utilizadas para fins contráriosaos do interesse da Justiça. Por isso o legislador autoriza ao juizdecretar as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores doinvestigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostaspessoas que sejam instrumento ou proveito de crimes de lavagem oude infração penal antecedente.

Todos estes critérios apontam ao sentido da punição da lavagem de capitais,

como espécie de ferramenta no combate da criminalidade. Pois bem, não haveria

sentido de uma ferramenta, sem finalidade, sem que seja feita para a transposição

de um obstáculo ou barreira. Este aspecto é a pedra angular para a consideração do

bem jurídico, pois não há como prever um instrumento inútil. Pode-se alegar a

ineficácia ou irrelevância, mas nunca a falta de uma utilidade inata.

A instrumentalidade e a finalidade do instituto não deixam transparecer outro

interesse valorado ou salvaguardado em aspecto central e preponderante. A

161 GRECO FILHO, Vicente. “Tipicidade, bem jurídico e lavagem de valores” in FARIA DA COSTA,José de.; SILVA, Marco Antônio Marques da., “Direito penal especial, processo penal e direitosfundamentais: visão luso-brasileira”, São Paulo: Quatier Latin, 2006.

162 BARROS, Marco Antônio de. “Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas.” 3ª.eição.rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 214

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potencialização da atividade criminosa, com o expediente de reciclagem, toma

proporções gigantescas, representado a retirada de todo e qualquer contraestímulo

ou freio para a ação criminosa. Afeta-se, com o uso deste expediente, na mesma

monta, a prevenção geral (por retirar o aspecto de temor de aplicação da pena), e a

prevenção especial (por segregar da aplicação da justiça o agente criminoso).

De outro giro, a lavagem pode ser utilizada como um “post factum”, ao tratar-

se de crime parasitário, mas também pode utilizar-se como ato preparatório de outro

delito inserido na cadeia dos acontecimentos. Dá-se este fato quando

operacionaliza-se, diversos crimes ligados pelo proveito econômico. Outro aspecto

que vem a favor desta tese é o financiamento do terrorismo, no qual a origem do

capital precisa ficar oculta aos órgãos de inteligência, como aptidão ao ato de

terrorismo. Tal delito guarda tamanha similitude, ainda que não haja tipificação, no

ordenamento jurídico pátrio, ao ponto dos órgãos de inteligência financeira

proferirem recomendações conjuntas para as duas modalidades delitivas.

Em abono a este ponto de vista a legislação alemã consagra expressamente

a teoria da superproteção ao bem jurídico. A expressa disposição, inclusive acaba

por retirar de aplicação a dupla punição, em consagração do princípio do “ne bis in

idem”.163 Até mesmo o Código Penal de 1940, no art. 180, optou pela tese de

superproteção ao bem jurídico antecedente, quando fez a inserção topográfica do

delito de receptação, nos crimes que afetam o patrimônio.

Em consideração de todos os aspectos lesados, pela instrumentalidade, pela

característica parasitária, imbricado ao problema de consideração de entes

universais como bens jurídicos, faz-se forçoso o reconhecimento da superproteção

como cerne do bem jurídico lesado. O critério de preponderância aponta para a

direção do bem jurídico antecedente como lesado, ainda que ocorram, em variadas

situações, interesses diversos atingidos pela prática de lavagem de capitais.

163 REVISTA DO ADVOGADO, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo – ASSP, 2014,ano XXXIV, número 125, “Corrupção e lavagem: é possível punir o agente da primeira também pelocrime parasitário.”, TORON, Alberto Zacharias, pág. 17/23. BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI,Pierpaolo Cruz.“Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à lei9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12.” São Paulo: Saraiva, 2012, p. 54/55.

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3.3.5. Do Critério Adotado.

Pelas razões expostas, a solução mais plausível por evitar a tutela de um

ente universal situado no plano das ideias, além de resguardar a verdadeira

finalidade da incriminação da lavagem de capitais, é a adoção da teoria da

superproteção do bem jurídico antecedente.

Apenas faz sentido a aplicação da lavagem de capitais, quando estiver em

pauta a criminalidade antecedente, assim sendo, não pode ser outro o bem jurídico

tutelado que não seja o da criminalidade antecedente.

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4. INFLUÊNCIAS DOUTRINÁRIAS NA LAVAGEM DE DINHEIRO

4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

No capítulo anterior houve a identificação do conceito de bem jurídico como

de superproteção do bem antecedente, bem como foi defendida a inviabilidade de

manutenção de bens impalpáveis, que trespassem os indivíduos na forma de tutela

da coletividade. Ao analisar que a lavagem de capitais deve atender aos critérios de

fragmentariedade, lesividade e fragmentariedade restou claro que tal sistemática

não comporta a defesa de um bem virtual e espiritualizado.

Posto isto, faremos algumas análises das tendências de algumas correntes

filosóficas do utilitarismo e funcionalismo em suas vertentes extremadas e

moderadas, além da abordagem das velocidades, na construção de diferentes

mecanismos penais, na tentativa de ressaltar possíveis reflexos na legislação da

lavagem de capitais.

Ainda que não sejam decorrentes de interpretação autêntica, ou de

confissão por parte de comissão de elaboração legislativa, houve o influxo de

diversos ideais das correntes apontadas.

Registre-se, por oportuno, que não se sabe ao certo o modo pelo qual as

citadas correntes, manifestamente filosóficas e doutrinárias, foram assimiladas pelo

legislador pátrio. Embora, a presença de alguns traços parece ser evidente.

Passadas estas breves considerações, passaremos a análise, em primeiro plano

das influências da corrente utilitária, como meio de construção teórica.

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4.2. CORRENTES FILOSÓFICAS E MODELOS EPISTEMOLÓGICIOS

4.2.1. Influências Utilitárias

Na busca das influências utilitárias, como movimento filosófico, será

necessário notar que todas as vezes são festejados os benefícios do combate à

lavagem de capitais, como medida de redução da criminalidade. Sempre são

lembrados os aspectos de utilização da legislação de combate à lavagem como

forma de redução de propagação da criminalidade, bem como para confisco e

apreensão de frutos e produtos dos crimes.

Estes benefícios têm causado a expansão do combate a lavagem de capitais

até campos antes impensáveis. A maior prova desta afirmação é a reforma efetuada

na lei de lavagem de capitais, para abarcar as infrações penais, em local de crimes

de notada gradividades, como delitos antecedentes. Assim sendo, busca-se

encontrar os porquês desta alteração.

A primeira solução parece ser a utilização de filosofia utilitarista. Pois bem.

Comecemos, então, por analisá-la. Definir, em expressão sintética, a filosofia do

utilitarismo não é tarefa das mais fáceis. Tal fato decorre das diversas formas e

correntes que se desenvolveram conjuntamente, iniciando como teoria ética e,

posteriormente, permeando por diversos campos até chegar ao campo das ciências

sociais.

As premissas básicas, inicialmente ligadas ao chamado hedonismo

universal, em certo modo epicurista164, revela a máxima derivada da moralidade, na

qual o utilitarismo foi abeberar-se. Vale dizer, a premissa maior é a busca do prazer,

e evitar a dor. Sopesar estes dois fatos seriam para Jeremy Bentham (1748 -

164 O epicurismo revela o sistema filosófica, que define a necessidade de busca dos prazeres deforma equilibrada. Muito próximo da virtude da temperança descrita por Platão, no mito deProtágoras, quando afirma que o meio termo é preferível, aos extremos.

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1832)165 o fundamental, eis que a “nature has placed mankind under the governance

of two sovereign masters, pain, and pleasure. It is for them alone to point out what

we ought to do, as well as to determine what we shall do (...)166”

Daí decorre, em breve síntese, que a teoria que poderia condensar as

correntes utilitárias: “uma ação (regra prática ou instituição) é moralmente correta ou

está justificada se, dentre as possibilidades, ela apresentar o maior saldo líquido de

consequências desejáveis sobre aquelas indesejáveis.167”.

Em outra formatação, seria sopesar o “the greatest happines of the greatest

number”168, para servir a utilidade como a forma de atingir um objetivo. Não

significaria atingir em perfeita homogeneidade dos interesses, mas em preterir algo,

no escopo do ideal “mais vantajoso” a ser seguido. Em exemplificação dos reflexos

penais deste movimento, de origem filosófica, observa Enrique Bacigalupo169, como

pode ser notado:

“Nos dias de hoje, e ao largo do século XX, a história do direitopenal se expressa no intento de sintetizar pontos de vista opostos. Ocritério utilitário é aceito no que mitiga o rigor do princípio da justiça(por exemplo, enquanto se admite com diferentes intensidade –segundo os ordenamentos jurídicos – o agravamento das penaspara o reincidente habitual, não se admite a sentençaindeterminada).

Algumas das tendências destas correntes utilitaristas foram usadas para o

desenvolvimento da teoria chamada de moral do interesse geral. Através da qual,

haveria de ser considerado não apenas a quantidade de prazer, mas também a

qualidade tal como desenvolvido por Jonh Stuart Mill, para quando houvesse conflito

165 BENTHAM, Jeremy. “An introduction to the principles of morals and legislation ”, Kitchener:Batoche Books, 2000, pág. 14-15.

166 BENTHAM, Jeremy. “An introduction to the principles of morals and legislation”, Kitchener:Batoche Books, 2000, pág. 14-15.

167 PICOLI, Rogério Antonio. “Utilitarismos, bentham e a história da tradição”, São João Del Rei:Universidade Federal de São João Del Rei ano V, número V, 2010.

168 ABLEE, Ernest. “A history of english utilitarism”, Londres: Swan Sonneschein, 1902, pág. xi/xiii.

169 BACIGALUPO, Enrique. “Direito penal: Parte geral.”, São Paulo: Malheiros, 2005, pág. 22.

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entre o interesse geral e o particular, deve-se prevalecer o primeiro170.

A teoria de sopesar os fatos em Direito Penal, para conjecturar qual a

medida mais adequada, em franca aplicação do utilitarismo inglês de J. Bentham,

pode ser notado em afirmações categóricas, tal como de Jesús-Maria da Silva

Sanchez171, do qual existem necessidades de consideração de custo e benefício,

para eficiência das garantias do Direito Penal.

Parece ser bastante próximo tal princípio da lavagem de capitais, quando

adota-se o conceito da necessidade de combate a criminalidade. Ora, a hipótese em

comento é utilização prática de corrente utilitária, ao ponderar as vantagens em

função das desvantagens. A “defesa social” pelo enfrentamento da criminalidade, ou

na expressão de encerramento da exposição de motivos, EM 692/MJ, nos seguintes

termos: “(...)da convicção de que, uma vez convertido em lei, seja mais um eficiente

instrumento na luta contra as modalidades mais audaciosas do crime organizado e

de suas ilícitas conexões.”

Revela certo utilitarismo, a ponderação de fatos, com a defesa social ante a

criminalidade, ainda que possa enfrentar uma ruptura com o Código Penal,

mormente sua sistematização. Vale dizer, a lavagem de capitais, ainda que forneça

instrumento de grande importância, poderia entrar em conflito, – desculpada a

expressão, mas trata de verdadeiro choque –, em antinomia filosófica com o modelo

até então desenvolvido.

Grande demonstração de utilitarismo, fora a expansão do rol de crimes

antecedentes para abarcar até o amplo conceito de infrações penais. Houve

demonstração de fúria legislativa, ao estender a punibilidade do crime de lavagem

em elevado patamar, até mesmo para o campo de contravenções, por meio de

medida utilitária. Isto porque cotejando a gravidade abstrata do crime de lavagem de

170 JOLIVET, Régis. “Curso de filosofia”, 3ª edição, Tradução de Eduardo Prado de Mendonça, Riode Janeiro: Agir Editora, 1968, pág. 385/387.

171 SÁNCHES, Jesús-Maria Silva. “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais.”, Série as ciências criminais no século XXI, volume 11, São Paulo: Revistados Tribunais, 2002.

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capitais (pena de reclusão de três a dez anos); com a gravidade da infração penal

antecedente, por exemplo uma contravenção penal de jogo de azar (prisão simples

de três meses a um ano); fica patente a falta de proporcionalidade.

Assim, concluir a ponderação citada com o saldo benéfico, pela redução de

criminalidade (consequências desejáveis), ainda que possa causar efeitos adversos

de manifesta desproporcionalidade e incongruência lógica (consequências

indesejáveis), é apta a demostrar a presença do utilitarismo.

Bastante esclarecedora a consideração de von Bar172 sobre a formatação da

necessidade de apenação, segundo a teoria de Jeremy Bentham, “in verbis”:

“Bentham completely abandons any attempt to justify criminallaw from the viewpoint of the criminal. He simply declares it asan axiom that crimes must prevented by punishments; and thatsince the law is founded simply upon general utility, it seemssufficient to describe the punishment as advantageous for themaintenance of the general legal system, this being obvious.Therefore the only endeavor of the legislator should be, on onehand not acts whose punishment would not serve a usefulpurpose, or would in fact be harmful, and also not apply thosekinds of punishment which would attain such a result, and onthe other hand to threaten harmful acts with sufficient andeffective punishments.”

Outra expressão de traço utilitarismo, ocorre na expressão da lei de lavagem

de capitais de considerar como infração antecedente a praticada no estrangeiro.

Como buscaremos demonstrar a breve trecho tal concepção pode incidir em erro de

proibição. Diante de tal premissa, existe utilitarismo no balanceamento das

consequências desejáveis e indesejáveis, com vistas a proteção social da

criminalidade.

Diversas passagens poderiam ser citadas para fins de demonstração da

existência de traços utilitários, mas o que deve ter destaque são as consequências

da adoção do utilitarismo. Ao efetuar a busca do melhor em termos gerais, pode

haver a desconsideração de situações indispensáveis para o vínculo social. Apenas

172 BAR, Carl Ludwig von, “The continental legal history series: A history of continental criminal law”, Vol. ¨6, Boston: Little, Brown, and Co., 1916, pág. 435436.

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a consideração de algo como útil, não é coincidente com a dignidade da pessoa

humana, bem como com o princípio da culpabilidade.

A escolha dos valores constitucionais ligados a pessoa humana, bem como

a incidência de princípios mormente o da proporcionalidade em sua dupla vocação

de proibição de excesso e insuficiência de proteção; acabam por afastar a aplicação

desmedida do utilitarismo.

Por estes motivos, a leitura da lavagem de capitais demanda certo

temperamento, para evitar apenas que seja considerado o aspecto utilitário. O

mesmo deve ser dito na aplicação de determinados institutos, para que não haja

descompasso na aplicação da lavagem de capitais em relação ao sistema punitivo.

A utilidade da lavagem de capitais enseja a consideração sobre a existência

de influxos dos movimentos epistemológicos do funcionalismo, ainda que de modo

velado. De fato, apenas uma revolução nos ideais de um novo movimento, seriam

necessários para lastrar a existência de uma legislação “sui generis”, inovadora ao

ponto de representar ruptura nos modelos antes desenvolvidos.

Por estes motivos, far-se-á necessário o enfrentamento da próxima epígrafe

como forma de fornecimento de uma base filosófica ao crime de lavagem de

capitais.

4.2.2. Justificação Funcionalista.

A própria epígrafe denota a dificuldade de enfrentamento da questão

funcionalista pela miríade de assuntos que decorrer. São diversas as correntes, e

mais diversificadas são as indagações, que surgem com a temática do

funcionalismo. Ainda que o funcionalismo seja um movimento em expansão e

inacabado, no qual é praticamente impossível indicar somente uma nota dominante,

surgem diversos sinais que coagulam-no em um mesmo ponto.

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Porém, ao presente estudo, ainda que de forma superficial, e sem a

pretensão de exaurir a matéria, interessa buscar a influência do movimento

epistemológico funcionalista, em linhas gerais, na lavagem de capitais. A

identificação dos traços gerais deste movimento, e seus reflexos, na incriminação da

lavagem de capitais, bastará, eis que pretende-se tão somente indicar a influência.

Foge ao escopo do presente estudo vergastar todas as derivações deste

movimento, bem como indicar qual deve ser o seu desenvolvimento.

A função da identificação da teoria funcionalista, no presente momento,

servirá de parâmetro para análise dos porquês das alterações legislativas, tendentes

ao recrudescimento no combate a lavagem de capitais, bem como desvendar

possíveis origens de tratamento legislativo da matéria.

Inicialmente, em franca interpretação gramatical, o termo denota a presença

do radial função, ligado ao sufixo “ismo”, oriundo do grego, designativo de escola,

crença, sistema, origem, profissão, estado afecção ou doença173, para dizer um

sistema a ser seguido, algo consolidado. Na formação gramatical resulta no

substantivo abstrato, designativo de predisposição para exprimir uma função174. Esta

última palavra com o designativo das atividades, como por exemplo, na frase: as

funções legislativas, executivas e judiciárias.

Em busca da origem filosófica, pontifica Luciano Anderson de Souza175 pela

origem ligada a teoria dos sistemas, “in verbis”:

“Neste ambiente, desponta o funcionalismo penal, que consiste emum instrumento teórico destinado a assegurar a funcionalidade dosistema social em seu aspecto (subsistema) jurídico-criminal e, sob

173 TÔRRES, Arthur de Almeida. “Moderna gramática expositiva da língua portuguesa.”, 21ª edição, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1968, pág. 53.

174 FARIA, Ernesto. “Dicionário escolar: latino – português”, 2ª edição, Rio de Janeiro: Ministério daEdução e Cultura, (1956), pág. 518. GRAVE; João. “Lello universal em quatro volumes: novodicionário enciclopédico luso-brasileiro.”, (Portugal) Pôrto: Lello & Irmão, (1900 -).

175 SOUZA, Luciano Anderson de. “A expansão do direito penal e globalização”, São Paulo: QuartierLatin, 2007, pág. 44/45.

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sua alcunha, encontram-se duas vertentes fundamentais:funcionalismo teórico-racional, que apresenta influência daorientação estruturalista de T. Parsons, e funcionalismo sistêmico ounormativista, que tem no sociólogo alemão Niklas Luhmann suaprincipal influência.”

As premissas teóricas da corrente epistemológica decorrem dos sistemas

sociais, inicialmente apresentado pelo sociólogo americano Talcott Parsons176, e

desenvolvida pelo discípulo o alemão Niklas Luhmann177.

Os frutos das teorias exposadas pelos autores, no campo de estudo das

sociedades, são as delimitações das funções de seus elementos, nas

características: de comunicação, entorno, “autopoiese”, ambiente e de redução de

complexidade. Seguindo esta esteira, o sistema social é regido pela interação de

diversos sistemas, os quais por sua vez são autorreferenciados, autocentrados e

regidos pelos seus próprios métodos e funções. Não que sejam sistemas estanques

ou herméticos, pois permitem a comunicação, com os demais sistemas que fariam a

composição, “in totum”, da sociedade. Tal como um indivíduo que de desenvolve são

os subsistemas.

Na visão de Klaus Tiedmann178 sobre o funcionalismo e a característica dos

sistemas sociais, “in literriam”:

(…) que os bens jurídicos são valores somente relativos,concretamente dependentes do respectivo sistema de dominação(unidades funcionais) e que, consequentemente dependente, osefeitos disfuncionais (socialmente danosos), são diversos em funçãodo sistema global respectivo, não apenas tem se convertido emquestão fechada na dogmática penal, senão que, também para ojulgamento quanto ao merecimento e necessidade de pena aocomportamento humano, isto é, para a política jurídico-penal e areforma do Direito Penal, atinge um significado diretamente

176 PARSONS, Talcott. “The social system”, Londres: Routledge, 1991.

177 LUHMMAN, Niklas; GIORGI, Raffaele De. “Teoria de'lla societá”, 11ª edição, Milão: Franco Angeli,2003.

178 TIEDMANN, Klaus. “Stand und tendenzen von strafreschtswisenchaft und kriminologie in derBundersrepublik Deustschand”, Juristenzeitung, 1980, pág. 489-490, apúd. SÁNCHES, Jesús-MariaSilva. “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais.”,Série as ciências criminais no século XXI, volume 11, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág.107.

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fundamental.”

Claus Roxin179, descreve a função teleológica funcionalista do movimento

epistemológico do funcionalismo, como pode ser notado:

“Aproximadamente desde 1970 se han efectuado intentos muydiscutidos de desarrollar un sistema "racional-final (o teleológico)" o"funcional" del Derecho penal. Los defensores de esta orientaciónestán de acuerdo — con muchas diferencias en lo demás — enrechazar el punto de partida del sistema finalista y parten de lahipótesis de que la formación del sistema jurídico penal no puedevincularse a realidades ontológicas previas (acción, causalidad,estructuras lógico-reales, etc.), sino que única y exclusivamentepuede guiarse por las finalidades del Derecho penal.”

A revolução trazida pela corrente funcionalista é no sentido de fazer com que

o sistema punitivo e o Direito Penal esteja voltado a construção de Política Criminal.

Através deste novo sentido, busca-se o abandono do aspecto ontológico e

neokantiano, de abordagem finalista, para a consecução uma função última do

Direito Penal, orientado no sentido da prevenção geral. Por variados meios e

diferentes construções, convergem os autores funcionalistas neste ponto.

Constatação, acima apontada, que também foi feita por Paulo César

Busato180, como pode-se notar do seu escólio:

“Desde logo, é possível perceber que não se admite mais do jurista,uma postura anódina, um pretenso <<distanciamento científico>>.Considerado o sistema de imputação como instrumento de umarealização de determinada política criminal, a eleição do que devaser o perfil desta última tem o poder de influenciar na determinaçãodas categorias internas que compõem a rede de conceitos capaz deafirmar que houve crime. A instrumentalidade da teoria do delito emface da realização de um esquema político-criminal de controle socialé mais do que evidente.”

Convém esclarecer, que o afastamento do modelo de estado ao modelo

ontológico, apenas para a garantia de uma defesa social, acabaria por afastar o

direito de sua real valia, “id est”, formata-se o direito penal em visão reducionista. A

179 ROXIN, Claus. “Derecho penal: Parte geral”, Tomo I, Madrid: Civitas, 1997, pág. 203/204. 180 BUSATO, Paulo César. “Direito penal: parte geral”, São Paulo: Atlas, 2013, pág. 237/239.

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ligação à defesa da norma, apenas e tão somente, é visão normativista e

transcendental, pela qual reduz tudo a expressão lógica de funcionalidade

normativista. Nem se pense que tal afirmação conota um abandono da

normatividade.

Pelo contrário, a expressão do direito não pode estar ligada puramente ao

campo dogmático, com abandono, ou em nítido corte epistemológico, para cingir do

estudo aspectos fáticos valorativos. O modelo filosófico impõe diferentes efeitos ao

próprio campo do direito de modo contundente. A criação como se fosse um

conjunto disjunto, em apartado aos problemas valorativos, cria apenas uma forma de

redução simplificação de aplicação do direito, mas passa a ser algo despreocupado

com determinado valor. 181

Expressão deste ponto, de corte epistemológico, é encontrada em Hans

Kelsen na obra “Teoria Pura do Direito182”, na qual defende o escalonamento das

normas como se a norma hipotética fosse uma expressão lógica de orientação do

sistema183. A vinculação ao fundamento de validade das normas, nas quais uma

fonte normativa superior fosse capaz de delimitar o conceito de validade da inferior,

em critério de compatibilidade seria o suficiente, para atendimento do campo

dogmático, da validade. Neste aspecto, não importam ou interferem, valores éticos

ou políticos, tendo sido satisfeita a norma fundamental, sob a forma de vetor de

orientação. Sem dúvida, apresenta-se como redução de complexidade ao abjurar, no

aspecto operacional, da análise de foro filosófico ou ético valorativo184.

181 CICCO, Cláudio de. “História do pensamento jurídico e da filosofia do direito”, 7 ª edição, SãoPaulo: Saraiva, 2013.

182 KELSEN, Hans. “Teoria Pura do Direito”, tradução de João Batista machado, 8ª edição, 2ªtiragem, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011,

183 KELSEN, Hans. “Teoria Pura do Direito”, opus. cit., pág. 218-219.

184 A fundamentação teórica do autor parte da junção de dois princípios, do estático e do dinâmico.Segundo Hans Kelsen, a obediência a norma, não parte da análise do conteúdo, mas apenas dasubsunção normativa. A norma hipotética fundamental seria responsável por definir como válida anorma, não cabendo consideração sobre seu valor. Convém transcrever as palavras do mencionadoautor: “O valor em sentido objetivo, ou seja, o valor que consiste na relação de um objeto com odesejo ou vontade de uma pessoa, distingue-se do valor em sentido objetivo - ou seja do valor queconsiste na relação de uma conduta com uma norma objetivamente válida – ainda na medida em queaquele pode ter grandes variações, pois o desejo ou vontade do homem é susceptível de diferentesgraus de intensidade, ao passo que a graduação no sentido objetivo não é possível, visto uma

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Ademais, impende considerar, que Hans Kelsen, afirma categoricamente a

indefinição do conceito de justiça, através da desconstrução de um conceito, fato

decorrente de afirmações da negação de valores, com redução de complexidade

através da análise apenas dogmática.

Concomitantemente, existe o ideal sociológico de Niklas Luhmann185 com a

sua redução de complexidade, na adoção da teoria dos sistemas, fato que muito se

aproxima de uma visão reducionista. A formatação orientada ao Direito Penal de

enfrentamento é tida como aspecto de funcionalidade, adaptada aos hodiernos

modelos de ameaça, são aspectos da espécie de modernização do Direito Penal, 186.

A retirada do Direito Penal do indivíduo no concernente a dignidade da

pessoa humana, entendida como evolução do conceito inicial de Giovani Pico Della

Mirandolla (1463 – 1494)187, afasta-se do ponto de vista antropocêntrico, e da

finalidade última do direito penal, em espécie de direito asséptico, e despreocupado

da construção da justiça e outros valores que lhe são caros.

Denota-se a questão da funcionalidade ou de problemas disfuncionais, tal

como apresentados por Amelung, pelo fato da instrumentalização da pessoa

humana188, tratando-a como meio de ordem ao sistema, para fins de preservação de

sua capacidade operacional.

Ainda nesta linha, parece ser procedente a constatação de Eugênio Raul

conduta somente pode ser conforme ou não ser conforme a uma norma objetivamente válida,contrariá-la ou não a contrariar – mas não ser-lhe conforme ou contrariá-la em maior ou menor grau.”(KELSEN, Hans, “Teoria pura do direito”, opus cit. pág. 22).

185 LUHMMAN, Niklas; GIORGI, Raffaele De. “Teoria de'lla societá”, 11ª edição, Milão: Franco Angeli,2003, passim.

186 HASSEMER, Winfrid. “Introdução aos fundamentos do direito penal” 2ª edição, rev. e ampli.,tradução de “Einführung in die Grundlagen des Strafreschts”, Proto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,2005

187 MIRANDOLLA, Giovani Pico Della. “Oration on diginity of man”, Chicago: Gateway, 1956.

188 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da., “Constituição e Crime. Uma perspectiva dacriminalização e da descriminalização”, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995,

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Zafaroni189, sobre a retirada da fundamentação antropológica do direito penal,

valendo sua transcrição, nos seguintes termos:

“O pensamento penal que encobre o homem, que se afasta de suaimagem, acaba perdendo-se, porque este direito penal deixa de serútil ao homem, procurando ser <<para>> as coisas. Quando issoacontece, o direito penal dá um giro para o pensamento primitivo,frequentemente confundido com o sinal assinalado. É assim que sepretendem resolver problemas sociais em casos particulares, proibiro que não se pode obter, aumentar irracionalmente as penas paracompensar impunidade etc. (…) Quando o direito penal deixa defacilitar a escolha e a realização, converte-se em um elementofrustrante, que deve ser destruído e que acaba se destruindo, porqueaté agora nenhum direito penal sem fundamento antropológicoconseguiu destruir a natureza humana, mas apenas submetê-latemporariamente.”

Em suma, o principal traço que pode ser constatado na corrente

epistemológica do funcionalismo é a tomada de posição da função penal como

espécie de redução de complexidade, orientada a reformulação de conceitos, tudo

orientado como uma função social. Em busca da definição da manifestação deste

traço funcionalista, na lavagem de capitais, concretamente na adoção de um

conceito alargado de autor, bem como na adoção de conceito de territorialidade,

exemplos concretos abordados nos próximos capítulos.

A lavagem de capitais parece ter tendência de funcionalismo teleológico, de

Claus Roxin, ao buscar a prevenção geral, com a adoção da tese de superproteção

do crime antecedente. Considerando-se os efeitos deletérios da retirada do aspecto

ontológico, bem como a realização de defesa social, o “traço essencial” funcionalista

transparece.

A cominação de uma pena exacerbada, em desproporção com a gama

extensa gama de crimes antecedentes, demonstra um dos aspectos funcionalistas. A

função da pena adquire finalidade de prevenção geral, em contrafluxo na tendência

de despenalização, e de outras formas de combate, tais como medidas cautelares

diversas da pena de prisão.

189 ZAFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. “Manual de direito penal brasileiro:Parte Geral”, 5ª edição rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pág. 358/359.

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Em suma, o critério da lavagem de capitais, na sua função instrumental e na

marca de tutela de bens antecedentes, periféricos190, parece ter o “disegnno di

legge”, ligado a construção de Política Criminal.

Todas as características apontadas, ensejam a sucessão de fases penais,

trazendo a pauta as velocidades do direito penal, fato que será o próximo objeto de

análise.

4.2.3 Velocidades Do Direito Penal.

Como expressão da evolução penal ao longo dos tempos, tem-se

desenvolvido uma sistematização, para explicação da sucessão das formas de

enfrentamento do Direito Penal. Em sucessão de fases – não com o abandono, mas

no ideal de cumulatividade –, como verdadeira, tomada de posição, face aos novos

anseios sociais, ocorreu a idealização, por parte de Jesús-Maria Silva Sánches191, de

diferentes espectros de atuação penal.

Os argumentos utilizados para a descrição das alterações socais, com a

necessária alteração do Direito Penal, podem ser condensados em breve síntese,

nos seguintes: 1.-) a necessidade de revolução criada pela globalização com os

“crimes of powerful”, diferenciados do paradigma clássico tradicional; 2.-) prescindir

da tradição anglo-saxã e franca nas regras de imputação, alinhando-se ao

paradigma alemão, em resposta à delinquência mundial; 3.-) necessidade de

homogenização, com resposta de tendência uniforme, por meio da adoção de

tratados de uniformização em Parte Geral, tendo em vista que podem estar

distanciados os responsáveis e o lugar de execução dos atos criminosos; 4.-)

tendência de universalização do Direito, favorecido pela globalização política e

190 Nomenclatura de Vicente Greco Filho. Para mais detalhes consulte o capítulo sobre o bemjurídico tutelado pela lavagem de capitais.

191 SÁNCHES, Jesús-Maria Silva. “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais.”, Série as ciências criminais no século XXI, volume 11, São Paulo: Revistados Tribunais, 2002, passim.

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cultural.

Diante de tais premissas, houve a delimitação de três núcleos de

enfrentamentos, nas três velocidades do Direito Penal. No chamado direito penal de

primeira velocidade, está em pauta a pena de prisão como medida de combate a

lesão historicamente reconhecida de bens jurídicos. Em segunda velocidade, seria a

necessidade de adoção de penalidades mais brandas, em contrapartida ao

enfraquecimento das garantias penais e processuais penais.

Ligado ao ideal da terceira velocidade do direito penal, busca-se a

legitimação do direito penal do inimigo. Impõe a aplicação das medidas extremadas,

àquele que abandonará, de modo duradouro, as regras sociais, pela vinculação

profissional ou atuação paralela ao poder estatal.

A indicação do comportamento social, bem como a vida pregressa do agente

ensejam ao “inimigo”, pela indução da falta de segurança cognitiva mínima das

condutas, e por negação frontal dos princípios políticos e socioeconômicos. Contra

estes fatos haveria a necessidade de redução das garantias substantivas e

processuais do agente, que se enquadre nesta situação de abandono das regras

sociais192.

Registre-se, de passagem, que este fato lembra em muito as situações

excepcionais de índole constitucional, representadas pelo Estado de Sítio e pelo

Estado de Defesa, nos quais existe permissivo da supressão de garantias e direitos.

Com efeito, a teoria do direito penal do inimigo, e do direito de terceira velocidade,

criam um estado de defesa singularizado, concentrado e persistente193.

192 SÁNCHES, Jesús-Maria Silva. “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais.”, Série as ciências criminais no século XXI, volume 11, São Paulo: Revistados Tribunais, 2002, passim.

193 Saliente-se, que a medida excepcional do Estado de Defesa, detém regramento procedimental ematerial descrito no próprio texto constitucional, além do acompanhamento parlamentar, tudovinculado estritamente ao princípio da necessidade e a mais profunda desordem social, tal como nocaso de guerra. Enquanto a teoria do direito penal do inimigo não existe nenhum parâmetro decontrole.

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Enquanto no sistema constitucional de crises194 a necessidade impera, tendo

em vista a excepcionalidade da medida, inclusive com presença de elementos de

controle, por meio de sistemas de freios e contrapesos; o direito penal do inimigo

está vinculado ao “indivíduo que se conduz de modo desviado, não oferece garantia

de um comportamento pessoal.195”

A caracterização da teoria do inimigo, na formatação de análise de vida

pretérita, enfrenta algumas indagações. Ainda que seja de aplicação teórica

notadamente excepcional, acaba por assemelhar-se com a “culpabilidade por

conduta de vida social196”. Nesses termos, a busca da vida pretérita, na formatação

do perfil de um determinado agente criminoso, acabaria por criar um padrão,

culminando, portanto no afastamento do direito penal do fato.

Dissipa a mais tênue dúvida da característica de aproximação do direito

penal de autor com o direito penal do inimigo, a fundamentação de Manuel Cancio

Meliá197, como pode ser notado:

“Como é sabido, o Direito penal do inimigo jurídico-positivo vulnera,assim se afirma habitualmente na discussão, em diversos pontos, oprincípio do direito penal do fato. Na doutrina tradicional, o princípiodo direito penal do fato se entende como aquele princípiogenuinamente liberal, de acordo com o qual devem ser excluídospensamentos, isto é, rechaçando-se um Direito penal orientado na<<atitude interna>> do autor (…) Esta segunda divergência é, comoocorre com a função da pena que a produz, estrutural: não é quehaja um cumprimento melhor ou pior do direito penal do fato – o queocorre em muitos outros âmbitos de <<antecipação>> das barreirasde punição – mas que a regulação tem, desde o início, uma direçãoidentificação de um determinado grupo de sujeitos – os <<inimigos>>- mais que na identificação de um <<fato>>.”

194 Ainda que muitos aleguem que se trata de um direito penal de emergência, de fato, o termodenota o surgimento, de emergir, vir a superfície; fato diverso da urgência, como necessidade deenfrentamento a uma situação que não comporta delonga.

195 JAKOBS, Günter.; MELIÁ, Manoel Cancio. “Direito penal do inimigo: Noções e críticas”, Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2007, pág. 45-47.

196 CONDE, Muñoz, “Edmund Mezger y el derecho penal de su tempo: estudos sobre el derechopenal em el nacionalsocialismo”, 4ª edição, Valência: Tirant lo Blanch, 2003.

197 “in” JAKOBS, Günter.; MELIÁ, Manoel Cancio. “Direito penal do inimigo: Noções e críticas”, Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007.

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Sob outro prisma, a formatação enseja a consideração precisa de quais

fatos ou fatores inclinam para a aplicação deste instituto como medida excepcional.

O risco de convolar este instrumento, em medida arbitrária é grande, frente a falta de

rígidos critérios que possam indicar a presença do pretenso “inimigo”.

Não obstante, a situação emergencial de enfrentamento desta criminalidade,

a formatação, bem como a análise da vida pregressa, em meios processuais, pode

tornar a medida excepcional em extremamente corriqueira. Conclusão esta a que

chega Jesús Maria-Silva Sánches198, ao citar Sérgio Moccia, com a temática da

“perenne emergencia”.

Sob o aspecto da criminalidade econômica, da qual a lavagem de capitais é

tida como uma vertente, o enfrentamento proposto pelo autor em comento seria o de

terceira velocidade. Para enfrentamento desta nova forma advoga-se pela

necessidade de flexibilização de diversas regras processuais e materiais, para que

compra com a função. Pondera Jesús Maria da Silva Sánches199, em relação à

criminalidade econômica, a saber:

“Em contra partida, a propósito do Direito Penal econômico, por exemplo,caberia uma flexibilização controlada de das regras de imputação (a saber,imputação penal das pessoas jurídicas, ampliação dos critérios de autoriaou da comissão por omissão, dos requisitos de vencibilidade do erro), comotambém dos políticos criminais (por exemplo, o princípio da legalidade, omandado de determinação ou o princípio da culpabilidade). Tais princípios,efetivamente, são suscetíveis de uma acolhida gradual e, da mesma formaque se dá hoje entre o Direito Penal e o Direito Administrativo sancionador,não teriam por que (sic) ser integrados em idêntica medida nos dois níveisde Direito Penal com ou sem penas de prisão.”

Abstrai-se, da leitura a forma de combate através de uma gradual aceitação

de princípios quando estiver em pauta a criminalidade econômica. A grande saída

seria a redução dos princípios, na razão direta da redução da penalidade, como se

fosse uma contrapartida. Em espécie de ponderação, para a redução de garantias,

198 SÁNCHES, Jesús-Maria Silva. “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais.”, Série as ciências criminais no século XXI, volume 11, São Paulo: Revistados Tribunais, 2002, pág. 144-147.

199 SÁNCHES, Jesús-Maria Silva. “A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais.”, Série as ciências criminais no século XXI, volume 11, São Paulo: Revistados Tribunais, 2002, passim.

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estaria o Direito Penal, cumprindo com sua função, de servir de medida destinada ao

combate a criminalidade.

Dentre as velocidades expostas pela citada teoria, o modelo de legislação

apresentado pela Lei n.° 9.605/98 parece estar ligada ao conceito de redução de

garantias, embora tenha olvidado da sugerida redução das penalidades, como

contrapartida. Assim, é necessário muito cuidado com neste nebuloso campo da

redução de garantias com vistas a salvaguarda de direitos socialmente relevantes.

A aplicação e construção da lavagem de capitais, dado o regramento isolado

da lavagem de capitais, parece comportar sua inserção até mesmo na terceira

velocidade na tese em análise. Por este motivo, é necessária máxima cautela na

utilização desta poderosa ferramenta, a qual pode dar margem a erosão do Estado

Democrático de Direito caso não respeite aos princípios penais.

Não deve-se utilizar de tendências funcionais e utilitárias de modo cego e

extremado, para precatar danos irreparáveis a toda a sociedade, ao criar uma

ferramenta a serviço da arbitrariedade. O conceito de inimigo é plástico, seduzindo

ao aplicador da norma edifique a justiça sobre as bases da barbárie.

Por derradeiro, impende considerar que não há negação das imensas

utilidades do instrumento da lavagem, apenas, com o presente estudo, pretende-se

demonstrar a necessidade de utilização do sistema punitivo de forma coerente e

ressoante com um modelo filosófico adequado ao Estado Democrático de Direito.

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5. EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI DE LAVAGEM;

5.1. DA TERRITORIALIDADE DA LEI PENAL.

Os elementos do Estado são apontados como a população, o território, e o

governo. Corolário deste princípio é a delimitação do território pela soberania,

entendida esta última como capacidade de declaração do direito pelo ente estatal200.

Em essência, o conceito revela a capacidade de autodeterminação.

Soberana é conceito umbilicalmente legado à independência na forma de

reger-se e de declarar seu ordenamento jurídico. Seu conceito envolve algo de

supremacia201, pois é “uma autoridade superior que não pode ser limitada por

nenhum outro poder202.” Demonstração inequívoca, do ideal em apreço, é o princípio

da independência nacional, escudado no art. 1°, inciso I, da Carta Magna.

A grande marca da capacidade de dizer o Direito, de forma suficiente, e de

modo autônomo, está ligada justamente ao Direito Penal. Neste ramo, restritivo por

excelência, as sanções mais contundente são aplicadas, ligando-se a soberania do

ente estatal em sua capacidade de declará-lo.

Destas singelas alegações, as quais nada mais são de que axiomas da

Teoria Geral do Estado, surge uma assertiva plenamente válida: o Direito Penal tem

200 Não há que se falar em um ente soberano, derivado de suserano, caso se sujeite as regrasdeclaradas por outro ente ou estado. Devido a atual fase de globalização, com a consequenteredução de autonomia dos Estados na formação de blocos econômicos, pode-se dizer que vêmenfraquecendo o conceito deste aspecto. Não é “per si”, algo maléfico ou benéfico, este fato, mas nãopode-se negar o enfraquecimento do ente soberano com sua adoção.

201 Conforme afirma Darcy Azambuja, a soberania é um conceito supremo e irresistível na ordemjurídica interna, porém deve respeitar limites e autolimitação, tal como a obediência ao direitodeclarado na ordem jurídica, para não convolar em arbitrariedade. (AZAMBUJA, Darcy, “Teoria Geraldo Estado”, 6ª edição, Porto Alegre: Globo, 1976, pág. 67-69.)

202 MALUF, Sahid, “Teoria do Estado”, 26ª edição, São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 29.

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vigência territorial. Dessa forma, e como em qualquer norma do Direito, sua vigência

está ligada a soberania, e a capacidade de declaração do direito.

Saliente-se, que não é um conceito totalmente rígido, pois admite certo

enfraquecimento, com a construção da teoria da territorialidade mitigada ou

temperada203. Assim, a redução da presença da lei em determinado território tendo

por escopo resguardar situações em que a lei penal ceda lugar às outras atividades,

tais como as relações diplomáticas ou consulares204, delineadas nas convenções

sobre relações diplomáticas de 1961 e das relações consulares de 1963.

As prerrogativas e imunidades diplomáticas são instituídas com vistas à

facilitação e a garantia das relações diplomáticas, ao tratar de normas de

convivência com outras Nações, tendo sempre presente a reciprocidade.

Considerando-se, que não estão ligada a pessoa, mas estritamente a função

pessoal, podem ser denominadas de prerrogativas funcionais, mas nunca poderiam

ser chamados de privilégios205.

Averiguado que o Direito Penal tem vigência em determinado território

deveremos nos resguardar do conceito de território para a sua real avaliação da

dimensão do espaço físico no qual há a validade da norma penal. O conceito de

território, portanto, abrange os seguintes: terrestre, marítimo, aéreo e por extensão.

Em breve síntese, por refugir ao escopo do presente estudo, existe o

território terrestre como porção de terras entre fronteiras; o território marítimo, com

sua peculiar delimitação travada por convenções marítimas definido pelo mar

203 GARCIA, Basileu, “Instituições de Direito Penal”, Vol. I, Tomo I, 2ª edição, São Paulo: MaxLimonad, 1954 pág. 172-175.

204 RESEK, José Francisco, “Direito internacional público. Curso elementar”, 5ª edição, São Paulo:Saraiva, 1995, pág. 171-175.

205 Ainda que existam autores que tratam os dois conceitos como idênticos, há que se diferenciar asduas situações. O primeiro conceito de prerrogativa, é ligado ao exercício do cargo ou função pública,constituindo-se “in officio” ou “propter officium”. No conceito de privilégio, em significado de leiprivativa, impõe-se a visão de algo ligado a pessoa, do qual ela é detentora, como no caso dasOrdenações do Reino, as quais dispunham dos fidalgos e mouros.

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territorial206; o território aéreo, correspondente a coluna de ar sobrejacente, aos

territórios terrestre e marítimo. Por fim, não podemos deixar de mencionar o território

por extensão o qual compreende alguns tipos de navios e as aeronaves, a teor do

art. 5°, §§ 1° e 2° do Código Penal.

Uma vez que existe a real dimensão do território de determinado Estado

passaremos a notar que existirão situações, nas quais um elemento de conexão

internacional tornará necessário que a lei passe a ter vigência extraterritorial.

A legislação necessitará de conviver com as demais legislações traçadas

através dos demais códices estrangeiros, para abarcar situações em que um

determinado crime teve por início de seus atos preparatórios em determinada

localidade, mas o resultado somente se consumou em outro local. Ao invés, existirão

situações em que o agente pratica todos os atos somente em um território, mas

acaba por evadir-se para homiziar-se em outro território207. Problema este referente

ao instituto da extradição, como expressão de “jus avocandi”208 do Estado em

requerer que determinado sujeito retorne para puni-lo.

Do mesmo modo, incidem nesta problemática as questões atinentes aos

vínculos de nacionalidade209 (relação do Estado com seus súditos), bem como

questões de relevância de proteção de determinado bem jurídico como de

206 Para a correta delimitação do conceito de território consulte MELLO, Celso D. de Albuquerque.“Curso de direito internacional público”, 2° volume, 6ª edição, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, (1937 -),pág. 715-818.

207 Extradição é definida segundo Celso D. de Albuquerque Mello: “A extradição pode ser definidacomo sendo o ato do qual um indivíduo é entregue por um Estado a outro, que seja competente a fimde processá-lo e puni-lo. (…) O instituto da extradição tem em favor da sua existência diversasrazões. A primeira delas é a própria noção da justiça que exige a punição dos criminosos. Grotius jáescrevia “aut dedere aut punire” (ou extraditar ou punir).” (MELLO, Celso D. de Albuquerque. “Cursode direito internacional público”, 2° volume, 6ª edição, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, (1937 -), pág.601/602.)

208 ACCIOLY, Hildebrando, “Manual de Direito Internacional Público”, 11ª edição, São Paulo: Saraiva,1985, págs. 78/79.

209 No presente estudo foi adotada a definição de nacionalidade como: “Nacionais são as pessoassubmetidas à autoridade direta de um Estado, às quais este reconhece direitos civis e políticos edeve proteção, além das suas fronteiras. Nacionalidade é a qualidade inerente a essas pessoas eque lhes dá uma situação capaz de as localizar e identificar, na coletividade.” (ACCIOLY, Hildebrando,“Manual de Direito Internacional Público”...opus cit., pág. 70-71).

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fundamental importância para um determinado Estado. Por meio de tais questões,

que é possível colacionar os princípios tais como: da proteção, real ou da defesa,

princípio da nacionalidade ativa ou passiva, princípio da bandeira ou pavilhão.

Com efeito, estas normas de convivência buscam extirpar a impunidade

quando estiver em pauta questões transnacionais, acautelando lacunas e conflitos

normativos. A inserção topográfica indicada pelo Código Penal, no seu Título I,

epigrafado da “Da aplicação da Lei Penal”, demonstra seu real intento.

As hipóteses extraterritorialidade, a uma açodada análise, podem parecer

algo despropositado e contrário ao próprio elemento do estado, da soberania com

seu limite territorial, como o anteriormente exposto. Mas a visão por meio deste

prisma não resiste a uma análise mais apurada do seu real intento.

Não seria ao menos plausível considerar a viabilidade da impunidade de um

criminoso somente pelo fato de haver retornado ao país de origem de sua

nacionalidade, com a consequente impossibilidade de extradição por vedação

constitucional. As regras de extraterritorialidade têm o escopo de resguardar as

abjurações do direito de punibilidade quando o fato ocorreu em outros locais.

A “mens legis” começa a despontar dos princípios210 adotados tais como do

princípio real da defesa (para proteção de interesse e bens jurídicos de grande valia

que tornam necessário precatar qualquer lesão ainda que ocorrida em outro Estado);

princípio da personalidade ativa e passiva (também conhecido pelo estatuto pessoal,

para evitar que determinados vínculos de nacionalidade tornem-se escudos a

persecução penal); princípio da justiça universal ou cosmopolita (tamanha a

gravidade dos fatos a repressão deve ser por todos os países, ainda que nenhum

fato possua relação territorial com o território ao qual o agente se encontre) e o

210 Pode-se iniciar por exemplos concretos, para demonstrar o interesse de uma legislação, mas aforma concreta de tratar, parece-nos que estivéssemos retomando ponto de vista fundamentalmentenominalista da realidade. Em outras palavas, a ideia de princípios e entes universais, em determinadomomento e agora parece ter sido retomado, têm sido enfraquecida, quando começam a ganhar forçamovimentos concretos do conceito de justiça, derivados de vários modelos, tais como do Professor daUniversidade “Havard Law School”, na obra de SANDEL, Michael J. “What's the right thing to do?”, 1ªedição, Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2010.

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princípio do pavilhão ou bandeira211.

A necessidade de apuração e punição de fatos com notória potencialidade

lesiva demandam ora a mitigação da aplicação territorial de uma legislação, e ora a

aplicação extraterritorial. O mesmo ocorre devido aos esforços dos Estados em

salvaguardar interesses nacionais, os quais podem ser lesados, por agentes

situados no exterior (ao agente por praticar atos à distância e ao desenvolver suas

ações dentro do território e evadir-se, na tentativa de subtração da consequência

dos seus atos).

Até o presente momento, buscou-se demonstrar os motivos pelos quais o

legislador buscou proteger de situações de impunidade, com a previsão de vigência

extraterritorial da lei penal. Inserido nesta temática existe a lavagem de capitais,

como expressão de crime transnacional. Nesta modalidade delitiva, associada ao

escamoteamento e ao modo velado de transpasse dos capitais, há necessidade de

enfrentamento dos atos que ocorram no estrangeiro.

Tais fatos ficaram bastante claros quando da exposição da tipologia da

lavagem de capitais, com a utilização de várias nações e os benefícios fornecidos

pelos seus diferentes ordenamentos jurídicos. Assim sendo, passaremos a análise

de como foi realizado o enfrentamento pela lei de lavagem de capitais no tocante a

necessidade de combate deste crime transfronteiriço.

A análise será feita por meio de dois institutos, em primeiro da

extraterritorialidade da lei de lavagem de capitais, e em segundo a homologação da

sentença penal estrangeira.

211 GARCIA, Basileu. “Instituições de Direito Penal”, Volume I, Tomo I, São Paulo: Max Limonad,1954, pág. 163.

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5.1.1. Da extraterritorialidade da lei de lavagem de capitais.

Conforme disciplina a Lei n.° 9.613/1998212, com as alterações trazidas pela

Lei n.° 12.683/2012, é irrelevante o fato de que a infração antecedente tenha

ocorrido em outro território. Vejamos as citadas disposições:

Art. 2° - O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:(…)II.- independem do processo e julgamento das infraçõesantecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juizcompetente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobreunidade de processo e julgamento

O essencial para nosso estudo está descrito no trecho: “...infrações

antecedentes, ainda que praticadas em outro país”. Desta afirmação decorrem duas

consequências. Em primeiro, o fato jurídico uma infração praticada em outro país.

Em segundo, por silenciar a respeito do fato ser ou não considerado como criminoso

em nosso país.

Alçar como penalmente relevante a prática de um fato ocorrido no exterior,

não deixa de denotar a presença de aplicação extraterritorial de uma legislação. Ora,

ao dar valor e estender a punibilidade de um fato, acabaremos por torná-lo relevante

segundo nosso direito. Operou-se, portanto, a criação de um fato penalmente

relevante a presença de qualquer bem de qualquer infração antecedente, ainda que

praticada no exterior

Inicialmente parece correta a disposição da lei de lavagem de capitais, na

tentativa de retirar o Brasil do destino dos capitais de origem espúria. Vale dizer, ao

incriminar a ocultação ou dissimulação, de natureza origem e movimentação de

valores, tendo por crime antecedente infração praticada no exterior, faz-se a

212 As disposições originárias eram pouco diversas, mas no conteúdo do presente estudo possuíama mesma forma apenas silenciando sobre a competência da reunião de processos. A redaçãooriginária da Lei 9.613/1998: “II.- independem do processo e julgamento das infrações antecedentes,ainda que praticados e outro país.”

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proibição da remessa dos frutos e produtos para território nacional. Neste diapasão,

o combate a criminalidade transnacional parece ter sido correto.

Entretanto, exige-se muita cautela na citada cominação. Não se pode olvidar,

que alçar como penalmente “ainda que as infrações tenham sido praticadas no

exterior” é expressão de assombrosa abrangência. Com efeito, o conceito de

infrações penais é muito amplo.

Ao estender a punibilidade a qualquer infração que tenha sido cometida no

exterior geramos certo magnetismo com o princípio da justiça cosmopolita ou da

competência universal213l. Veja, aqui busca-se a punição por atos praticados em

outra localidade, ainda que não tivesse contato com o território pátrio.

Na aplicação do citado dispositivo legal surge uma dúvida: qual seria a

legislação a ser aplicada na consideração da infração antecedente? Seria a nacional

ou a estrangeira e, ainda, há necessidade de homogeneidade entre ambas? A breve

trecho enfrentaremos esta questão.

Diante de tais questionamentos devemos começar por analisar a tentativa de

consideração do princípio da justiça universal ou cosmopolita. Nesses termos, afirma

Luiz Jiménez de Asúa214 que seria leviana a aplicação do princípio da justiça

Universal ou Cosmopolita, nos seguintes termos:

“La doctrina de la Justicia mundial, aunque estimada por algunosescritores como un concepto generoso y seductor, parece aún muylejana, porque supone una igualdad de civilización y unidad delegislación que ha de tardar largo tiempo en lograse. Otros van aúnamá lejos en la repulsa, considerándola como “científicamenteinsostenible y prácticamente inaplicable”, porque “pasa por alto laprofunda diferencia de las disposiciones penales, aun entre países

213 Poderia objetar-se que o princípio cosmopolita, trata de situação diversa. Sem embargo destadefesa que contém bons argumentos, existe certa aproximação com o citado ideal. Finalisticamentena previsão de punibilidade de qualquer infração penal antecedente praticada no estrangeiro,estamos trazendo para a esfera de criminalidade atos sem qualquer conexão com o territórionacional. A gravidade do fato acabaria por atrair a necessidade de julgamento em território nacional.

214 ASÚA; Luiz Jiménez de. “Tratado de Derecho Penal: Filosofia y Ley Penal”, Tomo II, 5ª Edição,Editorial Losada, Buenos Aires, pág. 757/758.

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vecinos; no torna em consideración las dificultad del procedimientopenal, que carece de la posibilidad de poder practicarinmediatamente la prueba; y, a pesar de todo, no concede al ordenjurídico nacional otra protección esencialmente más enérgica que laque se obtiene por la expulsión del extranjero sospechoso…. Peroinsistimos en que esta hora es inaplicable cono doctrina absoluta, ysólo puede defenderse como principio complementario de laterritorialidad, para aquellos delitos que lesionen la comunidad deintereses.”

A seu turno, Basileu Garcia215 também afirma que é ideal irrealizável, ao

aplicar o Direito Penal de forma harmônica por todos os povos, pela não

coincidência de costumes e ante a tamanha dificuldade na colheita de provas, no

estrangeiro. Este problema ganha importância ímpar no crime de lavagem de

capitais, por ser modalidade delitiva em grande parte das vezes associado a

transição de fronteiras216

Quando estiver em pauta a criminalização em diferente localidades,

possivelmente ocorrerá incongruência, ao dispensar tratamento igualitário para

diferentes culturas e valores. O grande problema advém das mutações temporais e

locais em função das culturas, dos costumes e das alterações entre os diferentes

povos.

É sabido que um crime de homicídio sempre será criminalizado em qualquer

localidade, por ser um delito de extrema gravidade e ligado a própria concepção de

criminalidade. Além disto, diversos outros crimes podem ser apontados como de

obrigatória consideração em todos os ordenamentos jurídicos, tais como crimes

contra o patrimônio, contra a liberdade, etc.

Porém, na imensa maioria dos delitos ocorre diferente consideração entre os

povos. A variedade é grande, não só na escolha por criminalizar ou não certa

215 GARCIA, Basileu. “Instituiçõe de Direito Penal”, Volume I, Tomo I, Editora Max Limonad, 1954,São Paulo pág. 163.

216 GILMORE; W. C., “International efforts to combat money laundering” Cambridge: GrotiusPublications, 1992, e STESSENS, Guy, “Money laundering: A new international law enforcement model”,Reino Unido: Cambridge University Press, 2000, pág. 18.

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conduta, mas na própria forma de construção do tipo penal, e de sua relação com

outros institutos penais.

Um singelo exemplo seria a tipificação do Crime de Conspiração segundo a

Legislação dos norte-americanos. Ao compulsar os Diplomas Legais pátrios teremos

oportunidade de notar que é muito diverso de todos os crimes, em que pese o fato

de possuir certa similitude com o atual crime de Associação Criminosa, descrito pelo

art. 288 do Código Penal217.

Diante de tais premissas, parece ser impraticável a homogenização da

legislação penal entre todas as localidades. O mesmo ocorre quando tentarmos

aplicar as legislações penais de forma imbricada. A variabilidade causará dificuldade

de interpretação e aplicação ao caso concreto pelas divergências, como foi antes

demonstrado.

Imagine-se agora a situação sob o panorama da pessoa que recebe capitais

no território pátrio, oriundos de outra localidade, a qual desconheça as condutas que

são tipificadas.

É sabido que a falta ou o defeito, no conhecimento das circunstâncias ou da

incidência de proibição normativa, quando escusável acaba por excluir o dolo, a teor

do artigo 21 do Código Penal. A construção do erro de tipo e do erro de proibição

incidem justamente neste campo, para que seja garantida a possibilidade livre

deliberação face ao comando proibitivo.

Não poderia ser diferente ao sistema penal que tem por escopo punir fatos

em que incidam o conteúdo da possibilidade de orientação de adesão ou não à

prática delitiva218. O aspecto não se confunde com a ignorância da lei, a qual é

217 “Art. 288 – Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.”

218 A concepção do livre arbítrio é sem dúvida uma das formatações que podem debitadas à EscolaClássica do Direito Penal, com sua eminência do aspecto jurídico do conceito de crime além deoutros postulados que também corroboram neste sentido tal como a igualdade entre as pessoas,indicando que todos podem ou não praticar crimes. Oposto a este ideal existe em outras escolas taiscomo a Escola Criminológica, quando prega a influência e ou certo grau de determinismo do meioatravés de Criminologia Socialista, ou da Escola Positiva em sua fase antropológica a qual prega aligação do crime aos caracteres genéticos.

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peremptoriamente repelida pelo precito da Lei de Introdução às Normas de Direito

Brasileiro219, através do art. 3°, ao descrever: “ninguém se escusa de cumprir a lei,

alegando que não a conhece”, a qual é decorrente da parêmia latina, “ignorantia

juris neminem excusat”220.

Demanda cautela, por outro lado, a aplicação do princípio do “locus regit

actum”, eis que, há necessidade de definição do referencial do agente. Vale dizer, a

pessoa que comete o crime antecedente fora do território nacional estará ciente da

normatização do território em cuja ação é desenvolvida a prática ilícita. Porém,

aquele que está em território diverso apenas recebendo valores, deverá ter ser

avaliada a possibilidade de avaliação da ilicitude dos valores recebidos.

Assim, quando ocorrer uma dissociação territorial entre a prática da infração

antecedente e a localidade em que desenvolvem-se os atos de lavagem de capitais

(nas fases de “layering” e de “integration”) é imperativa uma correspondência virtual

entre as duas legislações.

Parece teratológico exigir ao agente, situado em território pátrio, o

conhecimento do ordenamento jurídico adventício, para saber da licitude do objeto –

bens, direitos e valores – proveniente do estrangeiro, sejam fruto ou produto de

determinada ação. Acabaríamos por extrapolar o conteúdo da consciência da

ilicitude por meio do conhecimento do conteúdo da proibição, segundo o local de

proveniência dos bens.

219 BRASIL, Decreto-lei n.° 4.657 de 04 de setembro de 1942, ”Lei de introdução as normas dedireito brasileiro” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.lei/Del4657compilado.htm>, Acesso aos 10.11.2015.

220 Na assertiva de Francisco de Assis Toledo para diferenciar o erro da ignorância, pelo panorâmalegal anterior a Lei 7.210/1984, a saber: “O Direito não se reduz à lei, à regra legislada. O “tipodelectivo”, necessariamente lei (nullun crimem sine lege), não se confunde, pois, com a “normajurídica”, que lhe dá fundamento. Aquele é um modelo de conduta proibida, esta é um mandamento(proibitivo ou perceptivo). O espectro da norma é, pois, muito mais amplo que o do tipo penal. Dessaconcepção, segue-se que a ignorância da lei penal, do preceito punitivo, não coincide perfeitamentecom a ignorância da norma de Direito. Assim, o legislador pátrio, quando estabelece ainescusabilidade da ignorância ou da errada compreensão da lei, não pode estar se referindo àignorância ou à errada compreensão do Direito, a menos que se queira reduzir este àquela, reduçãoessa hoje inaceitável.” (TOLEDO, Francisco de Assis, “O erro no Direito Penal”, São Paulo: Saraiva,1977, pág. 131).

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Consequentemente, desaguaria na falta de culpabilidade221 ao agente, a

constatação da impossibilidade de conhecimento com ausência de previsibilidade, e

com ausência de dolo, por incidência de erro de proibição.

Acabaria potencializando o exemplo diante da dificuldade de determinado

fato ser considerado atípico no país de destino dos capitais em relação ao local de

prática do delito antecedente. Outro fator a corroborar a impossibilidade é a grande

existência na Lavagem de Capitais da presença de ações que são notadamente

lícitas, mas pelo tipo e origem dos capitais envolvidos passam a ser de origem ilícita.

Denota-se, portanto, que o fato considerado pela legislação não razoável o

conhecimento de um fato e sua tipificação ocorrida em outra localidade quando a luz

do direito do local onde se encontra o agente da pretensa lavagem de capitais tal

fato não é punível. Ou seja, caso os bens fossem oriundos de ação na mesma

localidade – desenvolvida a ação antecedente – não haveria possibilidade de

tipicidade, mas por terem sido transpostas as fronteiras haverá punibilidade ao

agente.

A dupla tipicidade, tem por escopo justamente tornar possível o

conhecimento da infração penal dada a uniformidade de tratamento pelos Estados

envolvidos como acomodação de duas legislações com vistas a evitar conflitos.

Para que sejamos fiéis aos intentos de necessidade de conhecimento do

caráter proibitivo, representado na potencial consciência da ilicitude, e na potencial

consciência do injusto, é imperativo que sejam dadas condições fáticas do agente

conhecer a contrariedade da conduta e ordenamento jurídico. Age com falta de

consciência da ilicitude quem “pratica o fato supondo, com uma valoração na esfera

do profano, não estar obrigado a omitir ou praticar a conduta proibida ou ordenada

pela norma222”

221 Quanto a alocação da Potencial Consciência da Ilicitude, existe certo dissenso doutrinário, maspela redação do art. 21 do Código Penal, parece-me mais correta a inserção de seu estudo dentro datemática da Culpabilidade tendo em vista a orientação da teoria finalista da ação.

222 TOLEDO, Francisco de Assis, “O erro no Direito Penal”, São Paulo: Saraiva, 1977, pág. 133.

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Seria necessário, para atender estas diretrizes, que fosse criado, “de lege

ferenda” uma hipótese de condicionamento da extraterritorialidade nos moldes do

art. 7°, inciso II, e § 2°, do Código Penal. Mister se faz, que a lei previsse uma norma

tampão entre dois ordenamentos, traduzida no requisito de constatação de dupla

tipicidade.

Não há outra saída com a expansão trazida com a reforma legislativa para

agregar todas as formas de criminalidade ou de contravenção como delitos

antecedentes. Somente a dupla tipicidade poderia ser uma barreira e uma forma

concreta de conhecimento da origem ilícita dos valores.

Única alternativa seria nos aproximamos do chamado erro de proibição ao

mirar no coração da teoria da dupla tipicidade, sendo oportuno notar que os

pressupostos são os mesmos. Nas palavras de Francisco de Assis Toledo223, o erro

de proibição tem justamente o condão de separar-se da ignorância da lei inserindo-

se na potencial consciência da ilicitude, nos seguintes termos:

“Mas essa é uma questão de pura obrigatoriedade abstrata da leique não extrapola o problema da culpabilidade do agente por umfato concreto. Aquela diz com o fundamento de validade da lei. Estevai além, envolvendo-se com a própria existência do crime ao qualse devam aplicar as leis que se têm por inapelavelmente vigentes.Em outras palavras: o ignorante das leis não se exime de pena sópelo fato dessa ignorância. Poderá, porém, eximir-se, se não atuouculpavelmente, por falta de consciência da ilicitude, se essa falta forescusável, ou seja, inevitável. Em suma, se não cometeu crimealgum. Disto resulta necessariamente uma importante distinção entreerro de vigência, que realmente constitui uma espécie de ignorantialegis, inescusável, e o erro sobre a ilicitude do fato (erro sobre oestar proibido ou, abreviadamente, erro de proibição, do alemãoVerbotsirrrtum), que pode se escusável, se inevitável”

No erro de proibição escusável o agente, desenvolve sua conduta quando

imagina que sua ação perfeitamente abrangida pelo ordenamento jurídico. Muito se

aproxima a hipótese de um agente que detém um bem ou valor advindo de outro

223 TOLEDO, Francisco de Assis. “Princípios Básicos de Direito Penal”, 5ª edição, 12ª Tiragem, SãoPaulo: Saraiva, 2007, pág. 217.

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país, mas caso fossem provenientes da mesma localidade seriam lícitos.

Somente a conjugação da punibilidade nos dois territórios podem

desencadear a punição pela lavagem de capitais. Não seria incorreto imaginar na

própria conjugação do erro de proibição como elemento de restrição da punibilidade,

quando estivermos em ausente a potencial consciência da ilicitude.

Impõe-se, em tese a presença do erro de proibição, diante do atual

panorama legal, como restrição ao conteúdo da Lei de lavagem de capitais, em

interpretação sistêmica com os institutos do Código Penal. Saliente-se, que o “erro

protege a boa-fé; não é uma brecha no sistema penal por onde possam transitar os

espertos, mas o instrumento de que se devem valer juízes, promotores e advogados

para a realização da idéia (sic) de Justiça224”.

Por conseguinte, apenas estaríamos extirpando da esfera da criminalidade

os que agem sem amparo de sua ação, ausentes de ciência do caráter ilícito de

suas ações de modo inevitável, e portante de modo totalmente escusável.

Certamente não trataremos de pessoas que mereçam as duras reprimendas da lei

de lavagem, sem consciência de que estão operando com bens ou valores

proibidos.

O regramento modelo do CICAD225 tem orientação da necessidade de

consideração da dupla tipicidade como elemento para a consideração da

extraterritorialidade da lavagem de capitais. Também neste aspecto, existe a

previsão do Protocolo de Palermo, ao delimitar como necessária a aplicação do

critério da dupla tipicidade. Assim dispõe a convenção de Palermo, no art. 6°, § 2°

alínea “c”:

“Para os efeitos da alínea “b”, as infrações principais incluirão asinfrações cometidas tanto dentro como fora da jurisdição do Estadoparte interessado. No entanto, as infrações cometidas fora da

224 TOLEDO, Francisco de Assis, “O erro no Direito Penal”, São Paulo: Saraiva, 1977, pág. 105.

225 Vide escorço histórico para as referências concernentes ao regramento.

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jurisdição de um Estado Parte só constituirão infração principalquando o ato correspondente constitua infração penal à luz do direitointerno do Estado em que tenha sido praticado e constitua infraçãopenal à luz do direito interno do Estado Parte que aplique o presenteArtigo se o crime aí tivesse sido cometido.”

Existe, também, disposição semelhante do Diploma Internacional da

Convenção de Mérida, promulgada pelo Decreto n.° 5.687/2006, conforme art. 23,

“item 2”, alínea “c”, nos seguintes termos.

“(...)Não obstante, os delitos cometidos fora da jurisdição de umEstado Parte constituirão delito determinante sempre e quando o atocorrespondente seja o delito de acordo com a legislação interna doEstado em que se aplique ou ponha em prática o presente Artigo seo delito houvesse sido cometido ali.”

Diante do exposto, é necessária a constatação da dupla tipicidade como

questão prejudicial, para a aplicação extraterritorial da Lei de Lavagem de Capitais,

e do erro de proibição, o qual acaba excluindo o dolo do agente. Ainda que não haja

previsão legal explícita neste sentido, a interpretação sistêmica dos postulados

penais não deixa outra margem de consideração.

Seguir pelo caminho inverso é uma expressão da quebra ao princípio vetor

do sistema penal, representado pela culpabilidade, como vedação a

responsabilização objetiva. Ainda que hajam pontos de utilidade da formatação da

atual legislação, o risco do uso de utilitarismo neste campo poderá ensejar a punição

de pessoas que não são o verdadeiro alvo do combate a lavagem de capitais. Deixar

a margem de interpretação, sem consideração da dupla tipicidade, é relegar ao erro

de proibição o filtro necessário.

5.1.2. Homologação da sentença penal estrangeira;

No tocante a soberania, conforme foi descrito no início do presente capítulo,

insere-se a supremacia judiciária do Estado na capacidade de aplicação do Direito.

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Tal como na extraterritorialidade mitigada, o conceito de soberania, precisa ceder

lugar para necessidade, em determinadas situações, de reconhecimento de ato

julgado por outro ente soberano. Caso contrário, restaria prejudicado o ideal de

justiça, além de criar uma chaga no campo das relações internacionais.

Ademais, as convenções e os tratados internacionais são uníssonos na

necessidade de implementação de cooperação judiciária entre os Estados, sob pena

de ver frustrado o combate a criminalidade transnacional. Desse modo, haverá

necessidade de harmonização da independência nacional com a necessidade de

cooperação judiciária, como medida imprescindível no combate da lavagem de

capitais.

Para que seja possível a realização deste intento, faz-se necessário

estabelecer as condições pelas quais ocorrerá validação do ato adventício. Com

efeito, a resolução deste delicado problema foi objeto de consideração constitucional

ao estabelecer a necessidade de homologação da sentença estrangeira pelo

Superior Tribunal de Justiça, a teor do art. 102, inciso X, da Magna Carta.

Restam excluídos, do procedimento de homologação da sentença

estrangeira, as sanções penais privativas de liberdade, as restritivas226 de liberdade,

além das medidas restritivas de direitos, As medidas inerentes ao cerceamento de

liberdade devem, em regra, ficar afetas ao rito e processo de extradição, para

entrega do condenado, conforme regulado pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei n.°

6.815/1980227 .

Saliente-se, de início, que o processo de validação da sentença proferida por

uma autoridade judiciária, estranha ao território em que ela tenha eficácia, é matéria

226 A utilização da classificação em “restritivas de liberdade”, deve-se a possibilidade de declaraçãodos estrangeiros como “persona non grata”, e de sua expulsão, medida esta vedada em relação aosbrasileiros natos e naturalizados, a não ser o crime cometido seja anterior ao processo denaturalização, ou decorrente do envolvimento com tráfico de entorpecentes, conforme disposto no art.5°, inciso LI, da Constituição Federal.

227 BRASIL, Lei n.° 6.815, de 19 de agosto de 1980 “Define a situação jurídica do estrangeiro noBrasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras providências.”, publicada no D.O.U de21.08.1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6815.htm>. Acesso aos10.12.2015.

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de conteúdo limitado. Sem embargo, servirá o instituto de homologação apenas e

tão somente na execução de constrições patrimoniais, por efeitos patrimoniais

decorrentes da sentença, e na imposição de medidas de segurança ao inimputável.

Nesta esteira, é importante notar as disposições do Código Penal,

concernentes aos efeitos que serão validados em território nacional, a saber:

“Art. 9° A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileiraproduz na espécia as mesmas consequências, pode ser homologadano Brasil para:I. – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e aoutros efeitos civis;II. - sujeitá-lo a medida de segurança;Parágrafo único. A homologação depende:a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parteinteressada;b) para os outros efeitos, a existência de tratado de extradição com opaís de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta detratado, de requisição do Ministro da Justiça.”

Da leitura do citado dispositivo denota-se a impossibilidade de homologação

de sentença estrangeira, para fins de execução de constrições patrimonias de

natureza civil. Não a margem de interpretação diante do inciso I, ao declarar como

passível de homologação apenas “a reparação do dano, restituições e outros efeitos

civis.”. Ficam excluídos da homologação de sentença estrangeira os efeitos penais

decorrentes da condenação, tais como a imposição de pena de multa, perda de

bens e valores e o confisco dos frutos e produtos do crime.

Apenas na lei de lavagem de capitais existe disposição atinente a constrição

patrimonial decorrente de condenação penal. Vejamos as disposições da Lei n.° 9.

613/98228, “in verbis”:

“Art. 8° O juiz determinará, na hipótese de existência de tratado ouconvenção, internacional e por solicitação da autoridade estrangeiracompetente, medidas assecuratórias sobre bens e valores, direitos evalores oriundos dos crimes descritos no art. 1° praticados no

228 BRASIL, Lei n.° 9.613 de 03 de março de 1998, “Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ouocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitosprevistos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outrasprovidências.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613.htm>. Acesso aos10.12.2015.

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estrangeiro.§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo, independentemente de tratadoou convenção internacional, quando o governo do país da autoridadesolicitante prometer reciprocidade ao Brasil.§ 2° Na falta de tratado ou convenção, os bens ou valores privadossujeitos a medidas assecuratórias por solicitação de autoridadeestrangeira competente ou os recursos provenientes da suaalienação serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, naproporção de metade, ressalvado o direito do lesado ou de terceirode boa-fé.”

Por estes motivos, somente poderão ser executados, no território pátrio,

efeitos penais patrimoniais da sentença estrangeira quando vinculados à lei de

lavagem de capitais. Fato que não ressoa como correto, porque deveriam ser

estendidos a todos os crimes, não restando razoável sua aplicação restrita ao bojo

da lei de lavagem de capitais.

Por outro lado, causa certa estranheza o fato de disciplinar sobre um

costume internacional, ao determinar o confisco de metade dos valores quando os

bens forem oriundos da prática de crimes praticados no exterior. Melhor saída seria

deixar ao campo da diplomacia, ou ao encargo do DRCI, a avaliação da destinação,

em acordo com a autoridade solicitante sobre a destinação dos bens.

Tendo em vista que é prática costumeira das relações internacionais, em

situações concretas o engessamento legal, pode causar embaraço, ao ponto de

comprometer futuras operações com determinada nação.

De qualquer modo, existe imperativa necessidade de leitura conforme o

texto constitucional, para seja garantido o procedimento de homologação da

sentença estrangeira como preservação da soberania nacional. Apenas o pedido

que receber a aprovação do Superior Tribunal de Justiça poderá ser cumprido, para

a remessa dos valores.

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6. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO;

6.1.Enfrentamento da Codelinquência.

Neste ponto do presente trabalho cumpre indagar os conflitos da Lei de

lavagem de capitais, Lei n.° 9.613/1998, com as alterações trazidas pela Lei n.°

12.683/2012, no tocante à associação de pessoas ou codelinquência penal.

Neste intento é imprescindível que tenhamos em mente as teorias adotadas

pelo nosso ordenamento jurídico, quando estivermos tratando das formas pelas

quais determinados indivíduos podem se associar para a prática de um crime.

É sabido que, normalmente, um crime envolve etapas preparatórias e

executórias, nas quais, para lograr êxito na empreitada delitiva faz-se necessário o

auxílio de diversos agentes. Até mesmo em atividades criminosas com baixo grau de

sofisticação já podemos notar a facilidade e, por vezes, a necessidade de diversos

agentes com o propósito de atingir a “meta optata”.

Exemplo muito claro disto é um simples furto noturno em que diversos

agentes, com clara divisão de tarefas, fazem pacto com vistas à subtração. Através

deste pacto, determinado sujeito torna-se responsável pelo arrombamento, enquanto

outro encarrega-se da vigilância e, por fim, um terceiro detém a tarefa de recolher os

objetos da ação delitiva.

Denota-se, do prosaico exemplo, que a tarefa criminosa aparenta maior

probabilidade de sucesso quando amparada por diversos agentes. Ainda que a

associação não seja apenas no sentido de facilitação acaba colaborando na

operacionalização da atividade criminosa. Tarefa esta que se pode dizer

potencializada quando as dimensões e o vulto da atividade delitiva crescem.

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A título de exemplo, basta que vislumbremos a movimentação de grandes

quantias de dinheiro para pagamento de fornecedores, entrega da propina de

agentes públicos, remuneração pelo transporte de insumos, logística, dentre muitas

outras formas que podem ser citadas. Tudo deságua na imperativa necessidade de

fazer movimentação de capitais, com velocidade e vazão de modo seguro.

Este exemplo toma uma tônica diferenciada quando estivermos tratando de

crimes financeiros ou crimes econômicos, nos quais o volume dos capitais

envolvidos e a delicadeza, aliada à necessária sutileza no trato, tornam praticamente

impossível que o crime de lavagem de capitais seja uma atividade praticada de

modo isolado por um agente. Isto quando não estivermos tratando de tipologia desta

forma de criminalidade, necessariamente, associada ao próprio número de agentes

como participantes da cadeia delitiva.

Apenas a título de ilustração, cito o famoso e já bastante difundido método

de cometimento de lavagem através da pulverização dos valores por meio de muitos

agentes, destinado a burlar limites de notificação. Técnica esta pela qual usam-se

diversas pessoas com a finalidade de repartir o valor ao fazer uma transação

financeira vultosa, sem que caia sobre os auspícios das autoridades bancárias ou

monetárias.

Assim sendo, o crime de lavagem demonstra-se como delito no qual haverá,

por diversas razões de fato, e por inerência da atividade, a tendência do encontro de

diversos agentes. Não se diga que estaríamos tratando de crime plurilateral,

plurissubjetivo ou de encontro necessário. A descrição típica da conduta não deixa

margem para inferir tal hipótese, mas sua execução pela sutileza e complexidade,

certamente, trata de atividade a reclamar a concorrência de diversos agentes.

Saliente-se, que o próprio uso de pessoas jurídicas, notadamente de

instituições financeiras, como meio ou como objeto para esta criminalidade,

contrasta o fato da necessidade de diversos agentes para a consecução desta

modalidade delitiva.

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Considerando, que esta modalidade criminosa é tarefa atrativa de alguns ou

de muitos agentes, mister se faz atentarmos as teorias penais sobre a punibilidade

do concurso de pessoas, para traçar um limite objetivo e concreto neste campo. Far-

se-á absolutamente necessário explanar sobre as teorias do concurso de agentes

com vistas a cortar, com fio de uma navalha, as condutas responsáveis pela

codelinquência na lavagem de capitais.

Poderíamos chegar a indagação: seria necessário enfrentar as teorias sobre

codelinquência para desvendar, em sede de legislação extravagante, tal matéria?

Seria deveras visionário imaginar que apenas esta modalidade de criminalidade

necessitaria de diferentes teorias sobre o concurso de agentes? A falta de sintonia

com o sistema traçado pelo Código Penal não traria conflito justamente em matéria

atinente a Parte Geral, no tocante à aplicação da Lei Penal?

Ao meu sentir, todas estas dúvidas e outras mais que venham a surgir neste

momento, revelam a necessidade de enfrentamento do concurso de agentes.

Ressalte-se, que não podemos deixar margem de dúvida em um campo que trata

justamente da extensão da punibilidade, ao sabor da interpretação subjetivista do

aplicador da norma.

Passadas estas breves considerações, iniciaremos a análise da disposição

do Código Penal, insculpidas no art. 29, do seguinte modo: “quem, de qualquer

modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua

culpabilidade.”; inferindo-se que a punibilidade será única para todos os

participantes, variando apenas sua gradação na medida de sua reprovabilidade.

A passagem em testilha é reforçada pela adoção teoria da causalidade229, ao

adotar a equivalência dos antecedentes para tratamento do nexo causal. Conforme

afirma Nélson Hungria230 que “precisamente com fundamento na teoria da

229 Conforme disposição do art. 13, do Código Penal, Decreto 2.848/1940: “O resultado, de quedepende a existência do crime, somente é imputável a quem deu causa. Considera-se causa a açãoou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” 230 HUNGRIA, Nélson. “Comentários ao código penal”, Volume I, 2° Tomo, Rio de Janeiro: Forense,1953, pág. 393.

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equivalência (ou da condictio sine qua non) surgiu uma doutrina que ocorre assim

perfeita congruência entre os dois sistemas e trata-se de forma unitária de visão do

tema, na denominada Teoria Monista231.

A teoria da equivalência dos antecedentes ou “condicio sine qua non”,

idealizada por Von Bar e por Von Buri232, determina que todos os eventos ligados a

certa ação, detêm a mesma valia na cadeia de acontecimentos, regredindo

temporalmente para abarcar os eventos que deram causa ao efeito ou ao resultado

produzido.

É cediço que a teoria encontra seu fundamento filosófico em Jonh Stuart

Mill233, com a explanação das causas não ligadas ao aspecto penal, mas como

justificação da ciência indutiva, como pode ser notado:

“The notion of causation is deemed, by the schools of metaphysicsand most powerful tie, such as cannot, or at least does not, existbetween any physical fact ant that other physical fact on which it isinvariably consequent, and which is popularly termed its cause: andthence is deduced the supposed necessity of ascending higher, intothe essences and inherent constitution of things, to find the truecause, the cause which is not only followed by, but actually producesthe effect. No such necessity exists for the purpose of the presentinquiry, nor will any such doctrine be found in the following pages.The only notion of a cause, which theory of induction requires, is suchnotion as can be gained form experience. The Law of Causation, therecognition of which is the main pillar of inductive science, isrecognition of which is the main pillar of inductive science, is but thefamiliar truth, that invariability of succession is found by observationto obtain between every fact in nature and some other fact which hasproceeded it; independently of all consideration respecting the

231 O Monismo é, segundo a filosofia, uma corrente, pela qual uma única motivação ou razão,percorre os mais diversos campos – aproximando-se da razão universal dos estoicos –, como sefosse um regramento ou norma que transpasse a todos. Um exemplo de filósofo que pode ser tipocomo monista por excelência é Baurach de Espinoza, ao tratar da existência da substância comoelemento essencial de tudo; ao aplicar em proposições, nas quais pontifica: que seja indivisível, quenão pode ser produzida por outra substância, e por ser absolutamente infinita. (ESPINOZA,Benedictus de. “Ethica: Ordino geometrico demonstrata.”, Vol. n.° 31, Chicago: University of Chicago,Greats Book of Western World, 1952).

232 BURI, Maximilian Von. “Ueber Causalitat und deren Verantwortung”, Leipzig, (1878-), pág. 05-11,Acesso digital. Disponível em <http://www.deutschestextarchiv.de/book/view/buri_causalitaet_1873?p=4>. Acesso aos 23.10.2015.

233 MILL, Jonh Stuart. “Logic Rationative and Dedutive”, Londres: Longmans, Greens & Co., (1889), pág. 364.

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ultimate mode of production of phenomena, and of every otherquestion regarding the nature of “Things in themselves”.”

O problema filosófico ligado a ideia da causalidade não se esgota nem

mesmo pode ser contido na análise deste autor. Dá-se, na realidade, sua inserção

em problemática muito mais ampla que remonta a formatação de aristotélica234 da

teoria das quatro causas, passando por diversos outros autores para finalmente

desaguar em Stuart Mill.

Saliente-se, que não poderíamos falar de forma mais correta que uma

determinada ação é relevante ao resultado, com a amplitude de que todas as ações

são aptas a produção de um resultado, para a seguir, adotar diferentes critérios

quando da punibilidade. Seguir o caminho inverso, traria um verdadeiro

descompasso, na tentativa de buscar a maior regressão possível dentro de um

critério de produção de resultado, ao promover verdadeira separação “a posteriori”.

Levantam-se diversos autores de renome contra a teoria monista, por ser de

cunho filosófico e remontar a Stuart Mill, dada a necessidade de considerar todos os

eventos ligados para a produção de um resultado, como elos em uma corrente.

Objeta-se a citada teoria, porque sua adoção implica em extrema punibilidade ao

abarcar todos os eventos de modo igualitário. Vicenzo Manzini235 critica orientação

semelhante do Código Penal Italiano, nos seguintes termos:

“Nem se poderia justificar o sistema adotado com o argumento deque toda condição de efeito é sua causa. Não é com postuladosfilosóficos que se podem decidir semelhantes questões, mas com aconsideração concreta da quantidade, qualidade e eficácia daatividade individual que coopera no delito. Não é tarefa do DireitoPenal avaliar, abstrata e unitariamente, o processo produtor dodelito; devemos sobretudo analisar esse processo em relação com aação e a responsabilidades individuais.”

Em que pese a preocupação na delimitação da participação de cada um dos

234 Teoria das Quatro Causas, pela qual em um juízo universal haveria a pertinência de determinadoobjeto somente quando estivermos com a presença simultânea das quatro causas que são a causafinal, a causa material, a causa formal e por fim a causa

235 MANZINI, Vicenzo; “Trattato de Dirittto Penale Italiano”, Volume I, Milão: Fratelli Bocca, (1908),pág. 345/348.

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agentes não podemos esquecer que tudo decorre, inicialmente, de um

posicionamento psicológico na análise da vontade dos agentes em participarem da

obra comum. O próprio vínculo subjetivo indica a finalidade máxima da ação – a

destinação pretendida pelo agente.

A teoria edificada pelo grande mestre italiano levaria, em últimas

consequências, ao casuísmo de elencos de atividades de partícipes, com risco de

ser incompleto, para fins de descortinar o auxílio prestado pelo agente. A exaustão

do rol de atividades ou a diferenciação acabaria por ser tarefa hercúlea de difícil

êxito, com duvidosa utilidade prática.

Ademais, a teoria unitária ao dispensar tratamento igualitário é interessante,

pois, em caráter retrospectivo, é difícil imaginar se a falta de determinado aspecto

haveria impedido a realização. Somente os autores do crime poderiam discernir

quais as ações são determinantes a realização, tal como avaliado. Exemplo disto, é

a simples presença física de determinado partícipe como condição para a realização

do fato. Neste aspecto interessante a passagem de Edgard Magalhães Noronha236, a

saber:

(…) se o resultado é uno e se as ações convergem para ele não háque falar em multiplicidade de delitos, isolando-se ou separando-seos participantes e correndo-se até o risco de deixar impunes algunsdeles quando sua conduta não atingir a fase da execução do tipo”

Confrontando as duas teorias, abstrai-se que a Teoria Monista é mais

apurada. Enquanto na Dualista, considera-se um aspecto de protagonismo da ação

delitiva do autor, bem como reserva uma forma coadjuvante aos partícipes,

separando-os em relação ao delito cometido; na Teoria Monista, define-se como

único o crime praticado por autores e partícipes.

O conceito de participação, como elemento coadjuvante no delito, é o

grande predicado da Teoria Dualista do concurso de pessoas, entretanto não parece

236 NORONHA; Edgard, Magalhães. “Direito penal: Dos crimes contra a pessoa e dos crimes contrao patrimônio.”, Volume 2, 20ª Edição, São Paulo: Saraiva, (1984).

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justo tentar delimitar, no desdobramento dos eventos, quais as ações mais

importantes na realização do tipo penal, enquanto atividades principais e

secundárias. Não podemos dizer, em visão retrospectiva e fora da atividade, qual

seria, no curso da ação delitiva, a atividade mais importante, pois a importância

existe para a pessoa que pratica a atividade naquele momento, sendo a análise “a

posteriori”, meramente de cunho especulativo.

Na teoria da Causalidade Adequada237, há maior aproximação com a Teoria

Dualística do concurso de agentes, ao brindar determinado evento como mais

valioso frente aos demais. Ao fazer separação de eventos, com vistas a rotular a

importância em determinada cadeia, pode-se causar grandes disparidades, quando

o critério for extremamente rígido.

Eugênio Raúl Zaffaroni238, busca destacar os extremos das teorias que

elevam a critério absoluto a vontade de realização do fato como autor. No chamado

“animus actoris” existe a problematização da extensão de fatos que podem não

integrar a esfera de ação, ainda que exista a vontade de realização.

Em outro giro, separar eventos de maior importância e agentes que detêm

aspecto de protagonismo da ação delitiva parece aproximar-se em muito da Escola

Positiva do Direito Penal, ao apresentar, de modo transverso, uma classificação de

criminosos. Suas premissas parecem estar presentes quando tratamos de tipificar

em um crime os autores e em outro os partícipes. Saliente-se, que tais conceitos

não estão ligados as tradicionais classes de criminosos habituais ou ocasionais, mas

revela uma classificação entre criminosos, face a situação concreta apresentada.

237“ Francesco Antolisei, ao dissertar sobre esta teoria, afirma: “Secondo questa teoria, affinché per ildiritto esistia un rapporto di causalità ocorre che l'uomo abbia determinato l'evento com una azioneproporzionata, adequata. Ma quand'eche un'azione si considera tale? Si risponde: è adequata l'azioneche è in generale idonea a determinare l'effeto; in altri termini, l'azione che si representa atta adeterminarlo sulla base dell'id quod plerunque accidit. Ocorre cioé l'idonieità astratta, de stabilirsi comguidizio “ex ante”, alla stregua dell'esperienza dei casi simili. E siccome siffatta idonietà, comeabbiamo avuto ocasione di relevare trattando della nozione di pericolo, non è altro cche la probalità,questa sarabbe requisito essenziale per l'esistenza del rapporto causale nel senso del diritto.”(ANTOLISEI, Francesco, “Manuale di diritto penale: Parte generale”, Milão: Dott A. Giufrè, 2003, pág.244).

238 ZAFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. “Manual de direito penal brasileiro:Parte Geral”, 5ª edição rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Na chamada teoria Dualista ou Dualística é defendido que existiria

propriamente um crime para os autores e outro para os partícipes. Parece de certo

modo, em visão açodada, que o Código Penal tivesse adotado tal posição, com

supedâneo na parte final do “cáput” art. 29.

Giuseppe Bettiol239 parece resolver grande parte do problema da falta de

delimitação das condutas dos agentes, ao tratar que:

“uma coisa é estabelecer idêntico tratamento para todos osparticipantes relativamente a sanção, e outra coisa é renunciar auma demarcação entre as várias figuras da participação, as quaiscorrespondem a uma exigência lógica e a uma realidade psicológicae social que seria inteiramente vão negar.”

Diante de todos os fatores acima apontados, resolvendo verdadeira questão

fulcral do Direito Penal, acerca da codelinquência, o legislador ordinário optou pela

adoção da teoria monista no concurso de agentes. Nesses termos, haverá incidência

do mesmo tipo penal para todos aqueles que concorrerem para um determinado

crime. Não há tipo reservado para autores, coautores e partícipes. Todos incidem na

mesma cominação quando estiverem presentes os requisitos para o concurso de

pessoas.

Na lavagem de capitais a teoria a ser aplicada é a teoria monista no

concurso de pessoas, bem como a teoria da equivalência dos antecedentes causais,

no tocante ao nexo de causalidade. Decorre, da aplicação das teorias em apreço,

que todas as pessoas que de qualquer modo contribuírem a prática de lavagem de

capitais incidirão no tipo da lavagem.

Desde o simples aconselhamento, até a efetiva realização do tipo penal,

acaba por trazer a incidência do tipo penal da lavagem de capitais. Uma vez

constatado que existem os requisitos para o concurso de pessoas, deverá ocorrer a

tipificação de um único crime para todos os agentes.

239 BETTIOL, Giuseppe. “Direito penal”, tradução de Paulo José da Costa Júnior, Alberto da SilvaFranco e Everardo Cunha Luna, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, pág. 206

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Uma visão açodada pode causar embaraço, quando confrontar o dever de

manutenção de registros e pela comunicação de operações suspeitas. Porém

existem situações distintas. Caso haja a intenção de efetiva colaboração na

empreitada criminosa, a qual se efetiva pela infringência dos deveres de

comunicação, ou de manutenção de registros haverá participação na lavagem

(participação omissiva em crime comissivo).

Situação diversa, trata da colaboração prestada no caso de o agente, de

modo descuidado, ter infringido o dever administrativo. Nesta última hipótese,

haverá apenas a infração administrativa, haja vista a impossibilidade de colaboração

(participação em crime doloso, com ato culposo).

Com a pacificação do conceito através desta modalidade, devemos agora

resolver suas outras questões do conceito de Autor para o Direito Penal, bem como

da delimitação da participação, para podermos analisar o conceito traçado pela Lei

de Lavagem de Capitais.

6.1.1.Conceito de autor e de partícipe.

Em que pese a aderência a Teoria Monística, o legislador penal

expressamente curva-se diante da necessidade de distinção entre as figuras do

autor e de seus cúmplices, como expressamente revelado pela Exposição de

Motivos do então Ministro da Justiça, “in verbis”:

“Sem completo retorno à experiência passada, curva-se, contudo, oProjeto aos críticos dessa teoria, ao optar, na parte final do art. 29, eem seus dois parágrafos, por regras precisas, que distinguem aautoria da participação. Distinção aliás, reclamada com eloquênciapela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas.”

Convém citar as disposições do Código Penal, ao trilhar um critério misto,

para melhor definir a distinção tratada, nos seguintes termos.

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“Art. 29. - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incidenas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1° Se a participação for de menor importância, a pena pode serdiminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).§ 2° Se algum dos concorrentes quis participar de crime menosgrave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa mesma será aumentadaaté a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultadomais grave. “

Sob este prisma, mister se faz diferenciar os autores e seus cúmplices. Com

efeito, a separação foi feita para alterar a dosimetria da pena, quando da segunda

etapa, para incidir atenuantes e agravantes. As disposições são diversas convindo

transcrevê-las para melhor clarear sua sistemática:

“Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que:I—promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividadedos demais;II – coage ou induz outrem à execução material do crime;III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à suaautoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidadepessoal;IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessade recompensa; (...)Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena; (…)III – ter o agente:(…)c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou emcumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência deemoção, provocada por ato injusto da vítima240.”

Neste aspecto, denota-se a necessidade de separação das duas figuras:

uma como principal na realização do crime, chamada de autora; e outra secundária,

de atuação coadjuvante, denominada de partícipe. Deve-se ponderar, ainda, que a

reprimenda apresentará variação na constatação do autor e tenderá a ser atenuada

aos partícipes, que desempenharem uma atuação de pouca relevância em relação

ao resultado, a teor do § 1 ° do art. 29, do CP.

240 Tais disposições como muito bem lembrado por Esther Figueredo Ferraz, decorre da aceitaçãodo Projeto de Alcântara Machado, em quase sua íntegra. Apenas variou na relação ao excesso demandato, que foi alçada a exceptuamento e abrandamento da teoria traçada pelo art. 29, com seurigor decorrente. (FERRAZ, Esther Figueredo,“Co-delinquencia no Direito Penal Brasileiro”, SãoPaulo: Universidade de São Paulo, (Tese de Livre Docência), 1947, pág. 67)

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As teorias variam em todo o espectro para a diferenciação das figuras acima

citadas. Assim sendo, impende considerar que as teorias têm o único propósito de

diferenciação da figura do autor e de seus acólitos ou sectários, mas não tem por

propósito definir a extensão da punibilidade.

Ademais, a mensuração da causa e efeito é matéria de causalidade e

somente a ela deve respeito, não importando a delimitação dos conceitos de autoria

e de participação, como régua para definir a causalidade. A matéria deve estar em

ressonância com a causalidade, para não trazer interpretação incoerente, mas

nunca para sopesar causas, condições e concausas, como necessárias a

determinação de um efeito.

Foi afirmado a breve trecho, que há sintonia do sistema penal ao

estabelecer, de forma paritária, a equivalência dos antecedentes com a teoria

Monista no concurso de agentes, mas isto não habilita que uma passe a imiscuir-se

no campo de atuação da outra. Forma-se, na realidade, uma amálgama de ambos

os conceitos para interpretação uniforme. Porém, ainda existem círculos de atuação

distintos.

Por este motivo, deve-se atenção caso seja adotada a teoria do conceito de

autor pela teoria objetivo-formal, também chamada de “teoria do domínio do fato”.

Pode-se notar que a citada teoria apenas e tão somente possui o condão de

peneirar atividades, dentro de um contexto fático, de modo a estabelecer distinções

entre autor e partícipe. Não serve para determinar a relevância de uma conduta,

restringindo-se, única e tão somente, em afirmar se é o aspecto central ou

secundário da ação delitiva.

Nesses termos, não há que se falar em responsabilidade decorrente do

simples fato de ser chefe de determinada empresa, ou por estar no topo de

comando de determinada instituição hierarquizada. A extensão da punibilidade, para

o ápice da hierarquia, somente poderá ocorrer quando restar comprovado o

elemento subjetivo, no sentido da promoção da empreitada criminosa, através da

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colaboração do agente. A chamada “autoria de gabinete”241, não pode prescindir de

comprovação de dolo, de causalidade física e psíquica, com a ação das pessoas

que estão sob comando.

Não é a teoria do domínio do fato que atraí o nexo causal, mas única e

exclusivamente, presta-se a modificar o conceito de autor para aquele que possua

condição de alteração no curso da ação criminosa. Em outras palavras, far-se-á uma

classificação entre os agentes que concorrem ao crime, consagrando como autor ao

que detenha capacidade de alteração da ação delitiva ao seu dispor..

A formatação inicial da teoria do domínio do fato é atribuída a Hans

Welzel242. Impende considerar a formatação inicial, para que seja possível visualizar

a fundamentação teórica da capacidade do autor alterar o curso da ação delitiva,

conforme pode ser notado:

“El concepto finalista de autor resulta de las determinacionesfundamentales del concepto de la acción finalista y del de lo injustopersonal, ya que, como se sabe, el centro personal de acción delhecho antijurídico. Por eso pertenece a la autoría en general eldominio finalista del hecho (como elemento general de lo injustopersonal de los tipos dolosos); a él se agregan, en muchos casos,como elementos específicos de autoría, las características objetivasy subjetivas personales de lo injusto. Pertenecen al concepto deautor: 1. la característica de autor: el dominio finalista del hecho.Dueño del hecho es quien lo ejecuta en forma finalista, sobre la basede su decisión de voluntad. 2. Las características específicas deautoría: a) las características objetivas personales de autor: losespeciales deberes del autor, inmanentes a su posición: p. ej., comofuncionario, soldado, etc. b) las características subjetivas-personalesde autor: las intenciones especiales, tendencias y formas de ánimo osentimiento: p. ej., intención de apropiación, propósito deshonesto,ánimo brutal.”

Ressalte-se, que a doutrina originária estabelece o conceito finalista de

241 Questão das mais relevantes, diz respeito a admissibilidade da denúncia nos casos em que háautoria por meio de determinada sociedade, quando ao aspecto de individualização da conduta, bemcomo a presença de denúncia genérica ou geral. A este respeito vide OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de.,“Curso de Processo Penal”, 18ª edição, São Paulo: Atlas, 2014, pág. 168-171.

242 WELZEL; Hans. “Studien zum System des Strafeschts, Zeitschrift für die gesamteStrafrechtswissenchaft”, n.° 58, 1939, pág. 491 e na obra WELZEL; Hans “Derecho Penal: ParteGeral”, Buenos Aires: Roque Depalma, tradução de Carlo Fontán Balestra,1956, pág. 105-107.

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autor em abono à teoria finalista da ação. Revela correição conceitual, sua adoção

em relação à realização de algo orientado à finalidade de cometer um fato delitivo,

possuindo a direção na tomada daquele resultado. Tal como recordado por Juarez

Tavarez243, revolvendo a filosofia tomística, que “a necessidade com que a flecha se

move e pela qual se dirige ao alvo, foi-lhe imprimida por quem a lançara e não

pertence a flecha”

Premissas estas capazes de demonstrar, com a vênia pelo uso da metáfora,

que o detentor o domínio final da ação é o arqueiro “atirador da flecha”, no caso o

mandante, que reúna características objetivas pessoais de compelir ou impelir ao

comandado sua ação, com vínculo subjetivo (características subjetivas pessoais, na

acepção de Hans Welzel); tornando-a apta a realização máxima da finalidade. Por

sua vez, o executor funciona como a flecha disparada, a qual não consegue desviar

sua trajetória sem intercorrência de uma força externa244, “in casu” uma contraordem

do mandante.

Parece que no domínio do fato há de se considerar notável capacidade de

comando por parte do mandante, que permitirá equiparar o executor à flecha

lançada. Ademais, o executor deverá reunir em sua ação juízo de reprovabilidade,

por não se tratar de caso de autoria mediata. No caso de autoria mediata, estaria em

pauta a utilização de executor sem juízo de reprovabilidade, por exemplo, um louco,

pessoa coagida, etc.

Preceitos estes que não podem ser olvidados e têm de ser levados em

consideração para a adoção da teoria do domínio do fato. Se, por um lado, a teoria

do domínio do fato resolve a questão do mandante, o problema passa a ser a

243 TAVAREZ, Juarez Estevam Xavier. “Teoria do delito: variações e tendências”, São Paulo: Revistados Tribunais, 1980, pág. 54-55., acrescentando sua concepção sintética com as influências deEmanuel Kant e de Hegel, nos seguintes termos: “O finalismo funciona, pois como um conceitoregulador do entendimento humano, destinado a complementar a explicação mecânica dosfenômenos.”

244 Uma lei da natureza, de descrição do campo da física, ao reger o movimento balístico, afirma:que nenhum corpo é capaz de alterar sua trajetória, por força interna, sem que haja a ação de umaforça interna deste movimento. Assim sendo, somente o lançador é capaz de imprimir a trajetória e odestino do objeto arremessado, a menos que haja uma força externa – por meio de ação ou reação –possa alterar o curso da trajetória inicialmente imprimida.

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delimitação do executor e sua falta de capacidade de ação, diante do fato a ele

impelido.

Diante das dificuldades de aplicação da teoria do domínio do fato, tal como

proposto por Hans Welzel, existe certo temperamento e modificação por parte de

Claus Roxin. A teoria foi bastante alterada, partindo de uma tendência inicial própria

do finalismo, para uma tendência funcionalista. Assim sendo, na teoria reformulada,

haveria a presença de três formas de autoria, como: i.) a autoria direta como o

domínio da ação, cuja ação é desenvolvida pelo próprio agente; ii.) a autoria mediata

como domínio da vontade, na qual o executor é verdadeiro instrumento de

realização da prática delitiva; iii.) por fim, existe o domínio funcional do fato, no qual

ocorre a divisão de tarefas na empreitada delitiva, sendo distribuídas entre os

diversos coautores, como expressão dos atos de planejamento e execução245.

A distinção entre autores e coautores, pela teoria do domínio do fato, além

de não resolver problemas de imputação, e não ter sido o critério adotado pelo

Código Penal brasileiro, necessita de certo cuidado em sua aplicação. Não é a

simples posição na cadeia de comando de determinada organização que traduz o

domínio do fato. A presença do elemento subjetivo permanece como condição para

a imputação, segundo a teoria em comento.

A distinção entre autores e partícipes, realizada pela teoria do domínio do

fato, não pode ser confundida com a teoria elaborada por Claus Roxin 246, a respeito

245 Ideais estes retirados da obra de ROXIN, Claus. “Derecho penal. Parte geral. Especiales formasde aparicion del delito”, Tomo II, Pamplona: Civitas, 2014, pág. 80-111. A síntese do estudo fornecido,e apresentada no presente parágrafo foi extraída de BUSATO, Paulo César. “Direito penal: partegeral”, São Paulo: Atlas, 2013, pág. 237/239. pág. 708-711.

246 Claus Roxin defende que a dominação de estruturas de poder corresponde aos seguintescritérios:“Ela se baseia na tese de que em uma organização delitiva os homens de trás, que ordenamfatos puníveis com poder de mando autônomo, também podem ser responsabilizados como autoresmediatos, se os executores diretos igualmente forem punidos como autores plenamenteresponsáveis. Estes homens de trás são caracterizados, na linguagem alemã corrente, como ‘autoresde escritório’ (Schreibtischtäter). Minha idéia era a de transpor este conceito cotidiano às precisascategorias da dogmática jurídica. A razão imediata para este esforço era justamente o processopromovido em Jerusalém contra Adolf Eichmann, um dos principais responsáveis pelo assassinato dejudeus no período nazista” ROXIN, Claus. “O domínio por organização como forma independente deautoria mediata”. Revista Eletrônica Acadêmica de Direito: Law E-journal – Panóptica, ano 3, n. 17,nov. 2009.

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do domínio de estruturas de poder. Enquanto naquela existe a presença de certa

normalidade, esta pressupõe que o agente esteja em meio a uma organização, que

pelo domínio do poder estatal – um aparato de poder –, tenha refugido

completamente da legalidade247.

Esta criação fora idealizada, justamente, para atacar o uso da máquina

estatal pelo Partido Nacional-Socialista, nascedouro do nazismo alemão no período

da Segunda Gerra Mundial; não servindo seus fundamentos para aplicação em

casos de criminalidade comum.

Por todos os motivos expostos, é forçoso o reconhecimento de que nosso

legislador optou pela teoria restritiva do conceito de autor, para descrever como

autor quem realiza as condutas descritas no tipo penal, complementando pela teoria

da autoria mediata. O critério da teoria do domínio do fato, ainda que reúna certas

vantagens, poderia ser objeto de consideração legislativa, “de lege ferenda”,

entretanto, não há margem legal para sua aplicação no atual panorama do

ordenamento jurídico.

Assim sendo, atualmente, existe necessidade de aplicação do conceito

restritivo de autor como somente aquele que executa a ação descrita no tipo penal,

excetuada a hipótese de autoria mediata. Os demais sujeitos que auxiliem a

realização da atividade, com vínculo subjetivo, de modo secundário, serão tratados

por partícipes. A distinção trará algumas alterações na dosimetria da pena, mas isto

não implica em impunidade.

Ademais, diante do caso concreto, deverá ser avaliada a presença de

247 Gustavo Henrique Badaró tem posicionamento sobre esta questão, nos seguintes termos: “Hácerta polêmica doutrinária sobre a aplicabilidade desta hipótese de autoria mediata através deaparatos organizados de poder para empresas ou instituições que desenvolvem primordialmenteatividades lícitas onde, eventualmente, ocorrem delitos praticados por ordem de seus dirigentes emseu benefício. Posta a questão, ficamos como o posicionamento de Roxin, para quem nas instituiçõesque operam dentro da lei, as ordens para cometer delito não podem fundamentar um domínio, e sesão obedecidas, não decorrem de estruturas de poder, mas de uma iniciativa particular dos agentesenvolvidos.” (BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Lavagem de dinheiro: aspectospenais e processuais penais: Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12.” SãoPaulo: Saraiva, 2012, pág. 121-122).

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participação de menor importância e cooperação dolosamente distinta (art. 29, §§ 1°

e 2° do Código Penal), mas em situações notadamente excepcionais, de modo que

a teoria apresentada pelo Código não se mostra vetusta.

Poderia ser adotado o critério da teoria do domínio do fato, mas, em caráter

especulativo, não serviria para o enfrentamento de problemas de causalidade e de

imputação, responsáveis pelo nexo de causalidade. Saliente-se, que a presença do

princípio da culpabilidade determina a presença do elemento subjetivo, ainda que

seja formulada nova teoria penal.

Por estes motivos na lavagem de capitais, o agente que executar a

descrição do tipo penal será o autor, enquanto que os cúmplices serão as pessoas

que auxiliarem por meio de auxílio, induzimento e instigação. Por estes motivos, as

pessoas que usarem de qualquer espécie de expediente visando a dissimulação ou

ocultação do capital espúrio serão os autores da lavagem.

Nas estruturas empresariais, há que se considerar as relações de

subordinação e de reverência, mas não é fator isolado de incriminação. Apenas

quando restar comprovado a necessidade de que um ato foi praticado por um gestor

com presença de elemento subjetivo que poderá aventar a hipótese de incriminação.

A comprovação do dolo, pode ser inferida de circunstâncias objetivas, tal como

aprovação de determinado ato, reversão de benefícios ao gestor, costume do

desenvolvimento das atividades, etc. Os meios de comprovação são temática do

processo penal, mas a apreensão de documentos e arquivos, normalmente, é capaz

de revelar o intento.

Por fim, o conhecimento e a familiaridade com o setor empresarial, através

do conhecimento dos mecanismos de atuação e da tipologia da lavagem de capitais

é capaz de fornecer substrato para a avaliação teórica, auxiliando na comprovação

do dolo do agente e de seus partícipes.

Em suma, a teoria do conceito restritivo de autor ainda está vigência no

panorama jurídico atual. Por outro lado, a sua alteração para a teoria do domínio do

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177

fato não trará o efeito de atingir pessoas sem demonstração do dolo, nem mesmo de

exasperar a punição.

Passado este ponto, passaremos à análise de tipificações na lavagem de

capitais sobre o concurso de pessoas.

6.1.2. Da participação em grupo, associação e escritório.

Após a definição do conceito de autor pela teoria restritiva, passaremos a

abordar os aspectos da Lei de lavagem de capitais, mormente o art. 1°, § 2°, inciso

II, da Lei n.° 9.613/1998248, ao dispor em tipo derivado, de forma equiparada de

realização da lavagem de capitais.

A cominação legal foi talhada da seguinte maneira:

“§ 2° - Incorre, ainda, na mesma pena quem: (…)II – participa de grupo, associação, ou escritório tendo conhecimentode que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática decrimes previstos nesta Lei.”

A Exposição de Motivos da Lei n.° 9.613/1998249, tenta jogar luz à questão,

como fonte interpretativa, ao estabelecer:

“49. Em terceiro lugar, estão abrangidos pelo projeto duas outrascondutas relevantes: (...)

248 BRASIL, Lei n.° 9.613 de 03 de março de 1998, “Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ouocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitosprevistos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outrasprovidências.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613.htm>. Acesso aos10.12.2015.

249 BRASIL, Lei n.° 9.613 de 03 de março de 1998, “Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ouocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitosprevistos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outrasprovidências.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613.htm>. Acesso aos10.12.2015.

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b) a participação em "grupo, associação ou escritório tendoconhecimento de que sua atividade principal ou secundária édirigida" para o fim de lavar bens, direitos ou valores provenientesdos referidos crimes antecedentes.”

Assim sendo, a legislação notadamente amplia o conceito de causalidade,

para fins de cometimento de lavagem de capitais. Ocorre a maior abrangência uma,

vez que a simples ciência do cometimento da lavagem de capitais como atividade

primária, ou como atividade secundária, ensejará a mesma punição descrita no

“cáput” do art. 1° da Lei n.° 9.613/98.

Mister se faz, atentar que a conduta descrita não representa um auxílio

direto na cadeia de eventos. Apenas e tão somente ocorre o fato de emprestar seus

esforços para a manutenção de determinada atividade, sem que haja vínculo

psíquico direcionado à atividade-fim. Repita-se, que não foi punido prestar auxílio

direto à lavagem de capitais, mas de modo transverso ou reflexo, incriminou-se

espécie de assessoramento à manutenção da estrutura, ou do aparato utilizado na

lavagem de capitais. A formatação não deixa dúvidas ao elencar a participação em

local que desenvolva em segundo plano a lavagem de capitais.

Em muito se assemelha tal hipótese a chamada simples conivência, ou

“concurso negativo”, porquanto não pode haver codelinquência em voga, quando

estiver presente situação de total ausência de vínculo subjetivo, ou até mesmo de

nexo causal. Parece ocorrer imposição de nexo causal entre a conduta de prestar

auxílio ao próprio grupo ou à associação.

Em outras palavras, o auxílio incriminado é aquele prestado por participar do

grupo, associação ou escritório. É punível a simples presença em estrutura,

empresarial ou jurídica, que desenvolva atividades descritas no art. 1° da Lei n.°

9.613/1998.

Vislumbremos a seguinte hipótese: determinado posto de combustíveis é

instalado com a finalidade de lavagem de capitais para associação criminosa

proveniente de tráfico de drogas. Porém, nem toda a atividade do posto é destinada

ao encobrimento da origem dos capitais, mas apenas e tão somente uma taxa de

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10% (dez por cento) do faturamento é usado como meio para a prática delitiva.

Todos os funcionários que soubessem da inserção de bens de origem ilícita,

ainda que em nada houvessem contribuído para a efetiva prática delitiva, (através de

auxílio ou execução de atos de dissimulação ou ocultação de origem, natureza,

localização, etc.), estariam sujeitos ao juízo de tipicidade pela simples 'presença no

grupo”.

Como já foi possível antever, ocorre similitude com o concurso negativo,

conforme as afirmações de Esther Figueredo Ferraz250, a saber:

“E como concorrer significa causar em conjunto com outros, conclui-se que não se pode incidir nas penas cominadas ao crime quem nãoo causa de qualquer forma, quem assume em relação ao delito poroutrem praticado uma atitude puramente negativa, quem porexemplo não impede a prática de uma infração que sabe vai sercometida ou não apresenta denúncia à autoridade pública. Aatividade denominada participação absolutamente negativa ouconivência não pode ser considerada ato de participação e, como talnão pode ser incriminada, pois não há participação onde não existeconcurso de ação e vontade.” (…) “Não se confunde a simplesconivência ou “concurso absolutamente negativo” com o concursopor atos negativos. Este é perfeitamente possível dentro do sistemado Código que faz incidir nas penas do crime quem quer que, “dequalquer modo”, concorre para ele (artigo 25), e define causa comosendo “a ação ou omissão sem qual não o resultado não teriaocorrido” (artigo 11).”

A hipótese descrita pode ser adequada ao preceito primário ensejando a

punição ao agente que nem mesmo emprestou vínculo subjetivo à atividade de

lavagem de dinheiro. Correto dizer que de modo transverso sua atividade pode ter

contribuído à lavagem, mas não emprestou de forma deliberada e consciente sua

ação à atividade criminosa. Assim sendo, apenas lidou com atividades lícitas e

nunca destinou seus atos, de qualquer modo, à prática delitiva.

Parece-me perfeita a colocação de Vicenzo Manzini251, ao dizer que não se

250 FERRAZ, Esther Figueredo, “Codelinquência no Direito Penal Brasileiro”, São Paulo:Universidade de São Paulo, (Tese de Livre Docência), 1947, pág. 99-100.

251 MANZINI, Vicenzo; “Trattato de Dirittto Penale Italiano”, Volume I, Milão: Fratelli Bocca, (1908),pág. 345/348.

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pode confundir a hipótese de “complicità negativa o conivenza” com a “complicità

medianti fatti omissive (la quale è punible sempre quando l'omittente abbia violato un

dovere giuridico di agire)”. O fato incriminado, pela descrição do tipo no art. 1°, §2°,

inciso II, da Lei de lavagem, é a simples conivência da pura participação, sem o dolo

de colaboração.

Diante de tal premissa, o núcleo do tipo consiste no verbo “participar” - de

tomar parte, comunicar, associar-se –, ação esta comissiva representada por fazer

algo, portanto, infere-se que a conduta almejada pelo legislador é que “não participe

de grupo escritório ou associação”. A abstenção de colaboração com o grupo é o

que se impõe. Assim, configura-se uma hipótese de conivência o fato de “participar”

com o grupo escritório ou associação.

Não se trata de punir pela omissão, a qual somente teria lugar quando

houvesse a exigência de um dever jurídico de agir diante de um fato que ocorrera

sobre seus auspícios, conforme art. 13, § 2°, do Código Penal. Por este motivo, são

denominados de crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão, nos quais

busca-se um resultado advindo da omissão.

Seguir a direção inversa acabaria por criar hipótese muito parecida com a

definida pelo Código Penal Republicano de 1890252, arts. 22 e 23, ao dispor da

solidariedade nos crimes de imprensa:

“Art. 22. Nos crimes de abuso da liberdade de communicação dopensamento são solidariamente responsaveis: (...)Art. 23. Nestes crimes não se dá cumplicidade, e a acção criminalrespectiva poderá ser intentada contra qualquer dos responsáveissolidários, a arbítrio do queixoso.”.

Ora, a solidariedade, enquanto instituto civil, de certo modo, acaba por se

aproximar da mera conivência do concurso de pessoas, porque ambos decorrem

obrigações e efeitos de uma imposição legal. Esta afirmação é objeto de toda a sorte

252 BRASIL. Decreto n.° 847, de 11 de outubro de 1890, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/c civil_03/decreto/1851-1899/D847.htm>. Acesso aos 10.12.2015.

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de críticas, mas é necessária para demonstrar a falta de precisão técnica da

lavagem de capitais, ao talhar a modalidade de incriminação em apreço.

Provavelmente, a iniciativa legislativa da lavagem de capitais tenha o escopo

de combater a participação por meio de ações neutras. Talvez tivesse a aproximação

aos ideais de imputação objetiva (delineando novo campo de causalidade), ao

descrever o aumento de risco proibido – auxiliar a estrutura usada para o delito – por

meio de uma ação lícita, mas que acabasse em auxílio ao criminoso253.

Há de se considerar, por oportuno, a tarefa de grande fôlego da doutrina e

jurisprudência alemã, no desenvolvimento das teorias de participação por meio de

ações neutras e sua relação com a causalidade, quando adotado novo critério de

incriminação. Ressalte-se, que o critério de valia, representado tanto pela

causalidade física quanto psíquica254, tem de ser diferenciado para comportar as

ações neutras.

Ao erigir uma ação válida para fins de concurso de agentes,é imprescindível

que tenha concurso de vontade entre os agentes. Não haverá colaboração sem a

adesão da vontade de dois ou mais agentes. Seguir no caminho contrário seria

afrontar a Carta Magna, por infringência ao princípio da culpabilidade255.

253 Embora existam divergências na definição das ações neutras, o critério é o mesmo perfilado, porLuís Greco, ao dizer que são as ações denominadas de neutras, como aquelas em que hacontribuição em fato alheio, mas que guardam uma aparência de total normalidade, em uma primeiravista. (GRECO. Luís. “Cumplicidade através de ações neutras: A imputação objetiva na participação.”,Rio de Janeiro: Renovar, 2004.)

254 Conforme afirma Edgard Magalhães de Noronha: “não importa a necessidade de “pactumsceleris” ou acordo prévio. Será ele a regra, porém é dispensável. Basta que um partícipeconscientemente adira à ação do outro. Pode haver até ignorância deste, como ocorre no exemploclássico de um criado que, para se vingar do amo deixa a porta aberta para um ladrão entrar. Ainsciência deste não impede a co-autoria.”. (NORONHA, Edgard Magalhães de. “Direito Penal”, 1°volume, 10ª edição, São Paulo: Saraiva, (1973), pág. 203).

255 A final, o princípio da culpabilidade deve ser entendido como: “em primeiro lugar, pois, o princípioda culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, umaresponsabilidade objetiva, derivada tão só de uma associação causal entre a conduta e um resultadode lesão ou perigo para um bem jurídico. É indispensável a culpabilidade.” (BATISTA, Nilo.“Introdução crítica ao direito penal brasileiro”, 11ª edição, Rio de Janeiro: Revan, [1990], pág. 104-105).

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De outro giro, existe manifesta imprecisão técnico-legislativa ao tipificar:

“grupo, associação ou escritório”. Neste campo a forma acaba por vincular, em

respeito ao primado da legalidade pela vedação de integração analógica de norma

incriminadora. Caso realmente houvesse intenção do legislador, melhor seria que

tivesse usado uma forma casuística e outra genérica, para fins de interpretação

analógica256.

Eis que surge a seguinte consideração: qual seria o elemento conectivo

entre grupo, associação e escritório? Difícil encontrar uma linha que trespasse estas

três figuras no mesmo jaez incriminatório. Grupo, no léxico257, é definido como uma

determinada quantidade de pessoas ou coisas, que possam ser abrangidas pelo

olhar de uma pessoa. Associação detém conceito técnico no Código Civil, além de

legislações extravagantes usarem deste ideal, e.g., a Lei de Organizações

Criminosas258, além da nova rubrica do tipo descrito no artigo 288 do Código Penal.

O concento de escritório, por sua vez, foi previsto no Estatuto da Advocacia,

quando descreve o local onde os Advogados desempenham sua atividade e reúnem

materiais e bens para realização do seu mister. As disposições da Lei n.°

8.906/1994, no artigo 7°, inciso II, com redação da Lei n.° 11.767/2008 são de solar

clareza neste ponto, da seguinte forma:

“Art. 7 ° São direitos do advogado:(…)II – a inviolabilidade do seu escritório ou local de trabalho, bem comode seus instrumentos de trabalho, correspondência escrita,eletrônica, telefônica e telemática desde que relativas ao exercício

256 Uma importante diferenciação é explicada por Fernando da Costa Tourinho Filho: “Analogia einterpretação analógica possuem conteúdos diversos em Direito Penal. A primeira trata de meio deintegração da norma, com a possibilidade de criação de tipos penais alargados, em relação aodescrito no texto. Enquanto a segunda tem a finalidade de extensão do descrito no texto legal, com aabstração do real sentido contido em forma de abarcar casos análogos.” (TOURINHO FILHO,Fernando da Costa. “Processo penal”, 15ª edição, São Paulo: Saraiva, 1994, pág. 153).

257 GRAVE; João. “Lello Universal em quatro volumes: novo dicionário enciclopédico luso-brasileiro.”, Porto: Lello & Irmão, (1900 -1953).

258 A fluidez do conceito de organização criminosa, reflete de certo modo a forma de associação,conferindo a este respeito, sobre a dificuldade de tipificação. Confira a este respeito: SILVA, Eduardoda.,“Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da lei n.° 12.850/13”, São Paulo: Atlas,2014, pág. 11-20.

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da advocacia;”

Então, por exemplo, não haveria responsabilidade por participação em

conselho de gestão empresarial, pois esta figura não estaria adequada aos tipos

descritos, eis que não é grupo (ao contar até mesmo com personalidade jurídica,

inclusive para fins penais, a teor da Lei n.° 9.605/1998), nem mesmo associação e

muito menos escritório. Ainda que houvesse um condão entre as diversas

modalidades delimitadas pela legislação, restaria inviável tal analogia, por

alargamento do tipo incriminador259.

Em caráter especulativo, talvez houvesse uma tentativa da legislação ao

trazer um concepção funcional de culpabilidade260, em consideração à motivação do

agente na promoção da atividade criminosa. O motivo da ação, direcionado à

manutenção do grupo, associação ou escritório é de claro aspecto funcionalista com

a finalidade de prevenção geral.

Nesses termos, há alargamento indevido e problemático para inclusão de

outra teoria diferente da adotada pelo Código Penal, excepcionando a convivência

harmônica dos sistemas (art. 9°, CP). Tudo isto culmina na imperativa necessidade

de modificação da leitura, de modo restritivo do dispositivo legal em comento. Além

da necessidade de coadunar com os princípios penais, os quais não podem ser

relegados ao segundo plano.

A legislação não foi capaz de enfrentar o problema da lavagem de capitais

do modo correto, através da criação de um microssistema legislativo de modo

259 Vedação de analogia, por ser atentatória ao primado da legalidade, quando do alargamento detipos penais, em tarefa que substitua ao legislador. Nesse sentido confira o livro de LUISI, Luiz.“Princípios constitucionais penais”, 2ª edição, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003.

260 Em explanação sobre o ideal do conceito funcional de culpabilidade existe o escólio de FernandoGalvão: “Considerando que o conceito dogmático de culpabilidade define-se em conformidade com amissão a que se lhe atribui desempenhar na sociedade, modernamente, Günter Jakobs defende umaconcepção funcional para a culpabilidade. Para ele, as necessidades de prevenção geral determinamos pressupostos da reprovação jurídico-penal, Nessa perspectiva, a função do conceito deculpabilidade é identificar a motivação individual contrária ao Direito que autoriza a punição. No deficitde fidelidade ao Direito residiria a causa da responsabilidade, e a pena é instrumentalizada com ointuito de estabilizar a ordem jurídica que foi abalada pela conduta do autor que se comportousocialmente com defeito de motivação.” (GALVÃO, Fernando, “Direito Penal. Curso completo”, 2ªedição, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pág. 339.)

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competente e coerente com os demais princípios penais. Ao revés, em

demonstração de força legislativa, buscou-se somente extensão de punibilidade de

pessoas e fatos, ao ponto de causar situações notadamente injustas.

É imperativa a conclusão da necessidade de temperamento na leitura das

disposições da lavagem de capitais, para que seja feita a incriminação somente

quando houver o vínculo subjetivo da conduta entre os agentes.

A incriminação de “participação em grupo” ou nas formas específicas não

pode prevalecer sem vínculo subjetivo à promoção da atividade criminosa do

agente. A punição com ausência do vínculo subjetivo é forma de responsabilidade

objetiva, sem consideração à intencionalidade do agente. Assim, é necessária

interpretação restritiva da disposição legal em apreço.

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7. CONCLUSÕES.

Como conclusão do presente estudo seguem os principais tópicos em

representação dos ideais expostos.

1.-) A lavagem de capitais tem uma ligação inicial com os atos de encobrimento,

representado pelo ideal de auxílio na empreitada delitiva, servindo de estímulo ao

executor da ação criminosa. Com revolução deste ideal ocorre o desligamento do

encobrimento do concurso de agentes, devido à impossibilidade de colaboração em

fato já consumado, para a formatação de delitos especiais (receptação e auxílio),

nos quais também pode ser encontrado o gérmen da lavagem de capitais da sua

característica parasitária e acessória;

2.-) Os documentos internacionais reforçam e determinam o caráter instrumental e

funcional (destinado a prevenção geral) da lavagem de capitais, ao tratá-la como

instrumento de combate a criminalidade organizada, ao narcotráfico e a

criminalidade transnacional. Seu surgimento, ladeado por outras ferramentas

imprescindíveis, no combate a esta “nova forma de criminalidade”, deixa

transparecer suas funções de enfrentamento, bem como sua ligação umbilical à

criminalidade antecedente;

3.-) O estudo das fases da lavagem de capitais deixa claro que, diante do caso

concreto, não há fases estanques e absolutamente rígidas na trajetória do crime.

Existe, apenas e tão somente, um critério de análise, para fins científicos e de

aplicação da lei. Ainda que a divisão possa não obedecer, “in concreto”, as três fases

da lavagem, seu estudo e apreciação é capaz de revelar a delimitação do início dos

atos de execução, bem como qual das fases do crime foi atingida, dentre crime

tentado, consumado ou exaurido;

4.-) As fases da lavagem de capitais dentre “placement”, “layering” e “integration”,

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devem apontar, “in concreto”, quais são os atos e fatos praticados e qual é o

preenchimento do tipo descrito na Lei n.° 9.613/1998. Saliente-se, que a primeira

fase de lavagem de capitais, “placement”, pode indicar apenas o exaurimento de um

crime antecedente, no qual se busca o proveito da atividade antecedente, servindo

de mero exaurimento;

5.-) A análise da tipologia da lavagem de capitais, demonstra a utilização de

sistemas com maior potencialidade lesiva, bem como a utilização de estratagemas

dos mais variados, para fins de escamoteamento dos capitais de origem espúria,

bem como para sua reintegração à atividade econômica delitiva. Não está restrito à

utilização dos capitais lavados como elemento de proveito pessoal do sujeito ativo

ou de seus sequazes, pelo contrário, a presença de um capital dissociado pode

retroalimentar a cadeia delitiva, servindo de mola propulsora da criminalidade

originária, da qual o delito é parasitário;

6.-) Na análise do bem jurídico-penal, salvaguardado pela lavagem de capitais, faz-

se necessário delimitar, como questão prejudicial, o interesse ou o valor a ser

resguardado de dano ou de periclitação. Com efeito, é imprescindível atentar que na

lavagem de capitais não se pode abandonar os princípios penais, ao criar sistema

legislativo que abjure a todos os fundamentos e aos rudimentos essenciais do

sistema punitivo, notadamente aos princípios da lesividade, ofensividade e

fragmentariedade;

7.-) O bem jurídico da lavagem de capitais tem de ser considerado como algo

concreto, negando-se aspectos idealistas de proteção, pelo fato dos entes universais

(defesa da sociedade, ordem econômica, ordem financeira, dentre outros), ficarem

relegados ao plano das ideias. Por outro lado, o problema filosófico remonta ao

empirismo de Jonh Locke. Daí decorre que somente se pode apreender as coisas

através dos sentidos, relegando ao plano imaginário a existência de um ente

universal;

8.-) No combate da criminalidade econômica, ambiental e das relações de consumo,

além da lavagem de capitais, existe necessidade peremptória de que sejam

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concretizados tais entes, verdadeiramente universais, em aspectos particulares,

decorrentes do ideal abstrato. A tutela de um ideal não faz par com o Direito Penal,

por representar um abandono de princípios que lhe são caros, haja vista a

impossibilidade fática de constatação de lesão ou de periclitação de um “bem

jurídico espiritualizado ou virtual”;

9.-) Existe impossibilidade de combater a lavagem de capitais, tendo por parâmetro

a proteção da norma, como bem jurídico, pois é medida reducionista de

complexidade e atrela-se à visão reducionista do Direito. Acabaria, portanto, com a

criação de sistema de mera compatibilidade normativa, aproximando-se de sistema

“puro” do Direito, tal como preconizado por Hans Kelsen ou da teoria dos sistemas

de Niklas Luhmann, enquanto redução de complexidade;

10.-) A consideração de uma teoria do direito não pode prescindir de valores, tais

como a construção do conceito de justiça ou da dignidade da pessoa humana,

fatores estes de limitação, decorrentes da necessidade de adoção de aspecto

tridimensional do Direito, pelo prisma fático, valorativo e dogmático;

11.-) Em aglutinação das conclusões ante expostas, é imperativa a necessidade de

consideração do bem jurídico como sendo a superproteção ao bem jurídico tutelado

pelo crime antecedente, haja vista a característica de serem impalpáveis os demais

bens jurídico-penais apresentados pela doutrina. Em caráter residual e secundário,

poderiam serem lesados tais ideais, mas sob aspecto de preponderância o bem

jurídico lesado é o mesmo do crime antecedente;

12.-) A constatação do crime de lavagem como caráter instrumental e ligado à

utilidade no combate a criminalidade, traz à pauta considerações sobre a teoria do

utilitarismo, bem como ao movimento funcionalista do Direito Penal e, por fim, a

teoria das velocidades do Direito Penal. O enquadramento em cada um destes

movimentos faz-se necessário através da avaliação de suas premissas e eventuais

conflitos com a ruptura do sistema idealizado no Código Penal;

13.-) A descrição de um determinado modelo jurídico como utilitário implica em

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sopesar vantagens e desvantagens na construção do sistema penal. O utilitarismo

normativo de Jeremy Bentham leva à conclusão da utilização da lavagem de

capitais, pelo balanço dos efeitos sociais benéficos e de seus efeitos deletérios (tais

como vulneração do sigilo bancário, maior controle de setor produtivo, afetação das

relações privadas e o conteúdo de sigilo);

14.-) Ligado à formatação da teoria dos sistemas, desponta o movimento

epistemológico funcionalista como aspecto de reforma do Direito Penal, tendo por

meta a construção de política criminal, orientada para a prevenção geral. Porém,

existe a necessidade de cuidado quando da adoção do funcionalismo, quando

estiver em pauta a redução de complexidade do Direito Penal. A retirada do aspecto

valorativo do Direito pode trazer margem à arbitrariedade, subtraindo o norte da

construção da Justiça e da dignidade da pessoa humana;

15.-) O combate a lavagem de capitais, transparece como uma forma de

enfrentamento em relação às velocidades do direito penal, aproximando-se ao

Direito Penal de terceira velocidade. Na classificação de Jesús-Maria da Silva

Sánches, tal velocidade, necessitaria de uma nova formatação de princípios penais

e na construção de redução de garantias. Esta visão demanda muito cuidado, bem

como a adoção do aspecto funcionalista em sua vertente extremada;

16.-) Afigura-se como questão problemática a retirada do aspecto ontológico, na

construção de um sistema punitivo, para a adoção de funcionalismo, quando da

defesa da sociedade ou de proteção a própria normatividade;

17.-) No concurso de pessoas na lavagem de capitais, é imposta a teoria Monista do

concurso de pessoas, a qual é perfeitamente congruente com a teoria dos

antecedentes causais, no tocante ao nexo de causalidade. Tais teorias se impõem

como defluentes do sistema penal, consagrado pela Parte Geral do Código Penal.

18.-) O conceito de autor a ser adotado na lavagem de capitais é o restritivo, de

modo que será autor do crime de lavagem de capitais, aquele que execute a ação

descrita no tipo, ou que faça uso de autoria mediata. Os demais que colaborem ao

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crime, com vínculo subjetivo, serão tidos por auxiliares, como partícipes, nas

modalidades de auxílio, instigação ou induzimento. Assim, sendo apenas pode

colaborar como partícipe, aquele que apresente dolo na consecução do tipo,

realizada a ação por meio de atos omissivos ou comissivos.

19-) Na definição de participação em grupo, associação e escritório existe

necessidade de cuidado para a aplicação do nexo causal, bem como do vínculo

subjetivo, para evitar situações de grave injustiça;

20-) Na extraterritorialidade da lavagem de capitais, há que se considerar a

presença de erro de proibição escusável, quando o agente estiver em território

nacional e desconhecer a ilicitude do crime antecedente, segundo o ordenamento

jurídico pátrio. Por outro lado, deve haver consideração da dupla tipicidade, como

forma de compatibilização do elemento de conexão internacional, presente na lei de

lavagem de capitais.

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190

BIBLIOGRAFIA;

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