Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e...
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC - SP
Daniel Blikstein
O direito real de habitação na sucessão hereditária
Doutorado em Direito
SÃO PAULO
2009
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC - SP
Daniel Blikstein
O direito real de habitação na sucessão hereditária
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Direito (Direito das Relações Sociais). Orientador: Prof. Dr. Francisco José Cahali
SÃO PAULO
2009
iii
Banca Examinadora
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São Paulo, de de 2009.
iv
Ao Davi. Que trouxe vida. Que bom é ter você, com a sua alegria de viver.
O sorriso mais lindo e cativante que eu já sorri.
A Adriana. Esposa de apoio incondicional. Carinho indispensável para viver.
Amor terno e eterno.
A Izidoro, Ester, Paulo, Simone e Flávia. Continuem assim, sempre ao meu
lado, em todas as horas, em todos os dias. O abraço que aconchega.
Ao Chefe, Saulo, avô.
v
Agradecimentos
Agradeço a Ele, pela vida.
Agradeço ao Prof. Dr. Francisco José Cahali, meu
orientador, mestre no sentido literal da palavra. Certamente, foi quem nos
ensinou a ensinar o direito de família e sucessões.
Agradeço ao apoio incondicional de três grandes amigos,
sem os quais este trabalho nunca teria se concretizado: Marcelo Truzzi Otero,
João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos.
Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves
Torrano, pela salutar convivência acadêmica.
Agradeço aos amigos da advocacia diária, alegre e
recompensadora – na pessoa de Silvana Machado Cella e Aldo José Fossa de
Sousa Lima – do Blikstein, Cella e Sousa Lima Advogados Associados.
Agradeço à PUC São Paulo, na pessoa dos professores
Francisco José Cahali, Martha de Toledo Machado e Oswaldo Peregrina
Rodrigues, que, ao qualificarem meu projeto para o trabalho final, souberam
indicar o indispensável caminho a ser trilhado.
Agradeço, por fim, ao apoio e dedicação desmedidos da
Profa. Maria Nair Moreira.
vi
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Carlos Drummond de Andrade
vii
RESUMO
Palavras-chave: família, entidades familiares, sucessão hereditária, direito real
de habitação.
O presente trabalho tem por finalidade analisar e discutir o
direito real de habitação e sua aplicação na sucessão hereditária, tal como se
coloca em nosso ordenamento jurídico atual, por intermédio da análise dos
ditames legais previstos sobre o tema.
Inserida em tal objetivo, a presente discussão reside na
exploração do tema por meio da análise da legislação brasileira e estrangeira a
ele concernente, visando discutir a utilidade e os limites do direito real de
habitação aplicado ao direito sucessório, principalmente, após as alterações
trazidas pelo atual Código Civil Brasileiro. Além da análise doutrinária, buscou-
se trazer as mais atuais decisões de nossos tribunais, enfrentando o tema em
seus vários aspectos.
O tema proposto é desenvolvido em cinco capítulos:
formação e evolução da família brasileira; aspectos gerais dos direitos reais;
direito real de habitação, seu conceito e evolução legislativa, bem como visão
no direito estrangeiro; uma visão geral do atual direito sucessório brasileiro e,
por fim, o enfrentamento dos temas relevantes que envolvem o direito real de
habitação na sucessão hereditária.
Dessa forma, procura-se abarcar, aqui, o enfrentamento
dos principais pontos controversos do tema, que geram inúmeros conflitos
judiciais, considerando sempre que, respeitada a forma legal, a formação e a
manutenção da família devem ser os mais importantes e protegidos institutos
sociais.
viii
ABSTRACT
Keywords: family, family entities, hereditary succession, real right to habitation.
The present paper is purposed to analyze and discuss the
real right to habitation and its application in hereditary succession, such as
established in our current legal system, by means of analysis of the legal rules
on the subject.
Inserted in such purpose, the present discussion will
explore the subject with an analysis of the Brazilian and foreign legislation,
aimed to address the utility and the limits of the real right to habitation applied to
the successional law, specially after modifications brought up by the current
Brazilian Code of Civil Procedure. In addition to the doctrinal analysis, this
paper will bring to light the most recent decisions from our courts of law,
challenging the subject from its various facets.
The proposed subject is approached in five chapters: the
formation and evolution of the Brazilian family; general aspects of real rights;
the real right to habitation, its concept and legislative evolution, as well as its
view under the foreign law; overview of the current Brazilian successional law;
and, finally, a contention with the relevant themes involving the real right to
habitation in the hereditary succession.
This way, this paper will aim to challenge the main points
of the theme, which generate innumerous judicial conflicts, always taking into
consideration that, observing the legal form, the formation and maintenance of
the family must be the most important and protected social institutions.
ix
RÉSUMÉ
Mots clés: famille, entités familiales, succession héréditaire, droit d’habitation.
Le but du présent travail est d’analyser et discuter le droit
réel d’habitation et son application à la succession héréditaire -- telle comme il
est établi dans notre ordonnance juridique actuelle -- grâce à l’analyse des
préceptes légaux prévus sur le thème.
Inserée dans cet objectif, la présente discussion consiste
dans l’exploration du sujet au moyen de l’analyse de la législation brésilienne et
étrangère, afin d’examiner l’utilité et les limites du droit réel d’habitation
appliqué au droit de succession, surtout après les changements apportés par le
Code Civil Brésilien actuel. Outre l’analyse doctrinale, on a cherché à apporter
les décisions les plus récentes de nos tribunaux, em abordant la question sous
ses plusieurs points de vue.
Nous avons examiné le thème proposé em cinq
chapitres: la formation et l’évolution de la famille brésilienne; les aspects
généraux des droits réels; le concept et l’évolution législative du droit réel
d’habitation, ainsi que sa conception dans le droit étranger; vue générale du
droit de succession actuellement au Brésil et, finalement, investigation des
questions pertinentes qui engagent le droit réel d’habitation dans la succession
héréditaire.
Somme toute, nous essayerons, donc, d’embrasser les
questions principales susceptibles d’engendrer d’innombrables conflits
judiciaires, toujours en tenant compte du fait que, une fois que la forme légale
ait été respectée, la formation et la manutention de la famille doivent être les
institutions sociales les plus importants et les plus protégées.
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................12
CAPÍTULO 1 - DA FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA...... ..............................................................................................17
1.1. Conceito e evolução da família......................................................................... 17
1.2. Conceito jurídico................................................................................................ 30 1.2.1. A família no Código Civil Brasileiro de 1916.................................................. 31 1.2.2. A família na Constituição Federal de 1988.................................................... 33 1.2.3. A família no atual Código Civil Brasileiro....................................................... 39
1.3. Das formas de constituição da família e das entidades familiares ................ 42 1.3.1. O casamento e sua natureza jurídica............................................................ 43 1.3.1.1. Da posse do estado de casado .............................................................. 46
1.3.2. Histórico e conceito da união estável ............................................................ 48 1.3.3. A família monoparental ................................................................................. 58 1.3.4. Outras formas familiares ............................................................................... 59
CAPÍTULO 2 - NOÇÕES FUNDAMENTAIS DOS DIREITOS REAIS..............70
2.1. Considerações iniciais ...................................................................................... 70
2.2. Visão geral dos direitos reais ........................................................................... 70 2.2.1. Princípios dos direitos reais .......................................................................... 79 2.2.2. Elementos e modalidades dos direitos reais ................................................. 87 2.2.2.1. Elementos dos direitos reais .................................................................. 90
CAPÍTULO 3 – O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO .......................................94
3.1. Aspectos iniciais................................................................................................ 94
3.2. Perspectiva histórica......................................................................................... 94
3.3. O direito real de habitação no Código Civil Brasileiro.................................. 101 3.3.1. O direito real de habitação na doutrina brasileira ........................................ 107
3.4. O direito real de habitação na legislação estrangeira................................... 118 3.4.1. Código Civil Francês ou Código Napoleão.................................................. 119 3.4.2. Código Civil Italiano .................................................................................... 123 3.4.3. Código Civil Português................................................................................ 127 3.4.4. Código Civil Alemão.................................................................................... 130
xi
3.4.5. Código Civil Espanhol ................................................................................. 132 3.4.6. Código Civil Chileno.................................................................................... 134 3.4.7. Código Civil Peruano .................................................................................. 136 3.4.8. Código Civil Argentino................................................................................. 137
CAPÍTULO 4 - ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO..................................................................................................142
4.1. Notas introdutórias.......................................................................................... 142
4.2. Conceito e fundamento do direito sucessório............................................... 142
4.3. Breves aspectos históricos do direito sucessório brasileiro ....................... 154 4.3.1. Das origens à fase brasileira pré-codificada................................................ 155 4.3.2. A fase codificada do direito sucessório brasileiro ........................................ 164
4.4. Espécies, transmissão sucessória e o princípio de saisine ......................... 175
CAPÍTULO 5 – O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA ...............................................................................................190
5.1. Primeiras observações.................................................................................... 190
5.2. Revisão histórica ............................................................................................. 191
5.3. Previsão no direito estrangeiro ...................................................................... 204 5.3.1. Código Civil Francês ................................................................................... 204 5.3.2. Código Civil e legislação portuguesa .......................................................... 205 5.3.3. Código Civil Italiano .................................................................................... 208 5.3.4. Código Civil Argentino................................................................................. 209
5.4. Conceito, natureza jurídica, finalidade e limites do instituto........................ 210
5.5. O direito real de habitação sucessório na união estável .............................. 228
CONCLUSÃO.................................................................................................244
REFERÊNCIAS ..............................................................................................258
12
INTRODUÇÃO
O Direito e a Sociedade sempre caminharam juntos.
Como frequentemente se observa, onde há sociedade, há o Direito, o que se
justifica pela necessidade contínua de regular os atos sociais, para que as
relações humanas se tornem mais uniformes e menos tumultuadas.
Com a entrada em vigor do Código Civil brasileiro de
2002, inúmeras alterações sobrevieram, algumas delas, inclusive, seguindo a
inspiração da Carta Constitucional de 1988. As principais mudanças dizem
respeito à igualdade entre filhos, bem como quanto à relação homem e mulher
e a constituição de outras formas familiares, a que se deu a denominação de
‘entidades familiares’.
A Constituição Federal de 1988 (principalmente no artigo
226), o atual Código Civil e as leis extravagantes visaram trazer novas
tendências ao direito de família e das sucessões, aumentando o poder do
Estado dentro do seio familiar. Nota-se, claramente, a intenção do legislador de
diferenciar, de uma vez por todas, o casamento da união estável, em vários
aspectos, principalmente, no direito sucessório.
No campo da sucessão hereditária, as novidades foram
diversas, principalmente quanto à sucessão do cônjuge e do companheiro que,
a partir de 11 de janeiro de 2003, passaram a ter disciplina própria, com vários
pontos divergentes.
13
Além disso, o direito real de habitação decorrente da
sucessão hereditária, que é o objeto deste trabalho, antes conferido ao cônjuge
e ao companheiro, também foi objeto de grande alteração, remanescendo, na
legislação codificada atual, apenas tal direito ao cônjuge sobrevivente, no artigo
1.831 do Código Civil vigente. Discute-se, pois, acerca da manutenção de tal
direito ao companheiro sobrevivente, visto que, para a mencionada situação,
nada diz o atual Código Civil.
A extensão atual do direito real de habitação aplicado ao
direito das sucessões é tema complexo e tormentoso, o que provocou o
interesse pelo desenvolvimento do presente trabalho que, a partir da leitura de
respeitada doutrina nacional e estrangeira, bem como da análise de julgados
dos tribunais pátrios, busca encontrar respostas às várias indagações
suscitadas, como pode ser verificado:
i. Qual a extensão do direito real de habitação na
sucessão hereditária? Haverá extinção de tal direito com o fim da viuvez? O
direito deferido abrange os bens móveis e utensílios domésticos? Se o falecido
possuir duas residências, como será a fixação do imóvel objeto do direito real
de habitação?
ii. O direito real de habitação, por sua natureza, pode
ser excluído por testamento? Se o sucessor for excluído da herança, perde ele
o direito real de habitação?
iii. O direito real de habitação pode ser aplicado,
atualmente, para a união estável? As leis extravagantes de 1994 e 1996 que
tratam da união estável estão válidas e vigentes nesse particular?
14
iv. Como é o regime do direito real de habitação nas
demais formas familiares?
v. Caso o habitador deixe o imóvel, seria possível o
retorno, posteriormente, na hipótese de necessidade? Se o habitador alugar o
imóvel para sobreviver com os frutos civis, pode perder o direito real
específico?
vi. Como é o direito real de habitação em outros
ordenamentos jurídicos?
Com o objetivo de buscar respostas aos problemas
levantados, utilizou-se, como método principal, a análise da doutrina brasileira
e estrangeira sobre o direito de família, direitos reais e direito das sucessões.
Para responder às questões acima levantadas, a estrutura
do trabalho apresenta-se dividida em cinco capítulos, finalizados pelas
conclusões e assim distribuídos:
a) o primeiro capítulo tratou da família brasileira, sua
evolução e demais entidades familiares, visando a situar a investigação no
âmbito da família e na família atual brasileira, visto que o objetivo principal do
direito de habitação aplicado à sucessão hereditária é manter e resguardar a
família e o lar conjugal;
b) o segundo capítulo examina os principais aspectos
dos direitos reais e dá uma visão geral do instituto, focando seus princípios,
elementos e modalidades;
c) na terceira parte do trabalho, aprofunda-se o estudo do
direito real de uso e de habitação, ambos originados no usufruto. A abordagem
15
parte de uma perspectiva histórica, para, em seguida, discorrer sobre o referido
direito real em nosso ordenamento jurídico e no direito estrangeiro;
d) no quarto capítulo, para introduzir a correlação entre o
direito real de habitação e o direito das sucessões, trata-se desse último com
enfoque na sucessão de forma geral e seus critérios, indicando as formas de
sucessão, a qualidade dos herdeiros e as principais características da
sucessão testamentária. O que se busca nesse capítulo é fornecer os
elementos necessários para o estudo do direito real de habitação na sucessão
hereditária, sem a pretensão de esgotar o estudo do direito sucessório
brasileiro;
e) no quinto e último capítulo, analisa-se o direito real de
habitação na sucessão hereditária, seus limites e formas de exercício, no
sentido de responder às questões postas inicialmente, nos objetivos do
presente trabalho.
Concluído o trabalho, não se pode afirmar que todas as
dúvidas foram dissipadas nem que as várias lacunas foram preenchidas, tendo
em vista a complexidade e novidade do tema. Resta, porém, a consciência de
ter laborado no que aqui se buscou: desenvolver uma abordagem bastante
ampla, não apenas focada no sentido social do direito real de habitação
sucessório, mas também na literal disposição legal e na opinião doutrinária e
jurisprudencial sobre o assunto.
É intenção do autor que o trabalho em tela possa
contribuir de forma significativa para a Sociedade, que espera do Direito um
solucionador para os seus problemas. Além disso, que coopere com o próprio
Direito, somando-se aos artigos e escritos que já foram elaborados sobre o
16
tema, procurando trazer novas soluções às indagações propostas. A partir da
análise do comportamento da doutrina e da jurisprudência pátria, será possível
participar para que se chegue a conclusões acerca das perguntas inicialmente
formuladas, discorrendo sobre o tema proposto e apresentando impressões e
observações sobre o comportamento jurídico do direito real de habitação
decorrente da sucessão hereditária.
17
Capítulo 1
DA FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA
1.1. Conceito e evolução da família
Neste primeiro capítulo, define-se a família e a família
brasileira em seus aspectos sociais, políticos e jurídicos. Tal conceituação
torna-se imprescindível para o encaminhamento da presente tese, visto que
conhecer o histórico e a situação atual da família brasileira é condição sem a
qual o estudo do direito real da habitação aplicado aos direitos sucessórios não
tem sentido. Isso se confirma, uma vez que a previsão legal de tal direito real
objetiva, de forma geral, a manutenção do lar familiar, mesmo com o
falecimento de um dos consortes.
Ademais, a conceituação de família e das entidades
familiares hoje reconhecidas por nosso ordenamento jurídico e pela doutrina e
jurisprudência nacional também se faz de imperiosa importância para que se
possa concluir acerca da extensão do direito real de habitação no direito
sucessório.
Pelo corte doutrinário, serão levadas a consideração, no
presente trabalho, as entidades familiares reconhecidas em nossa legislação,
bem como aquelas a que já se oferece (ou se discute oferecer) o mesmo
caráter ou que têm relevância social, tais como a família monoparental e a
união livre. Não é objetivo do presente trabalho discutir acerca das
18
modalidades de entidades familiares vigentes e sua validade no nosso
ordenamento jurídico. Dessa forma, a conceituação aqui formulada servirá
como fundamento para as conclusões a que se pretende chegar, mas se
abstém de aprofundar o questionamento sobre as modalidades de família e
entidades familiares a que se reconhecem tais direitos ou deveres.
Reconhecidas as formas familiares pela lei, pela doutrina ou pela
jurisprudência, objetiva-se, apenas, delinear se, em havendo tal
reconhecimento, prevaleceria ou não a oferta do benefício do direito real de
habitação aplicado ao direito sucessório.
Pelo conceito social e político geral, o termo “família” tem
várias acepções, tais como:
• forma importante de agrupamento dos indivíduos para
a perpetuação da espécie;
• célula mater da sociedade;
• seio familiar dentro do qual o ser humano se
desenvolve;
• comunidade constituída por um homem e uma mulher,
unidos por laço matrimonial ou em união de fato e,
eventualmente, pelos filhos nascidos dessa união;
• comunidade constituída por um dos genitores e seus
filhos (monoparentais);
• comunidade constituída por pessoas do mesmo sexo,
vivendo em regime semelhante ao marital;
19
• comunidade constituída por uma só pessoa ou pela
reunião de pessoas ligadas por traços sanguíneos ou
de amizade.
Em verdade, o significado de “família”, termo complexo e
de muitos significados, ultrapassa o conceito criado pelo senso comum,
podendo ser conceituado e definido por seus vários enfoques.
Para este estudo e para as conclusões a que se pretende
chegar, examinar-se-á a conceituação e a evolução da família e das entidades
familiares, principalmente sob o aspecto social, político e jurídico, e com foco
na contextualização de tal instituto dentro do direito real de habitação.
Nas palavras de Rolf Madaleno sobre a formação da
família, pode-se concluir que o homem sempre buscou acomodar-se em
grupos e, principalmente, ao lado de quem mantenha com ele relação de afeto
e amizade. Na lição do referido autor:
O Homem nunca quis estar só, é gregário por natureza e busca por regra a companhia de outra pessoa, para uma convivência quase sempre em regime de coabitação. Tem certo pendor pela vida familiar para sua plena satisfação como pessoa que galga etapas no vínculo afetivo para a formação de uma família, na sua adequação social.1
Do ponto de vista filológico e remontando às origens
latinas, a lição de Ernout e Meillet2, diz que o termo “família” provém de
famulus, “servidor”, designando, curiosamente, o conjunto de empregados que
1 Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.
13. 2 Dictionnaire Étymologique de la Langue Latine, 1967, p. 215.
20
trabalhavam e viviam sob um mesmo teto; depois, por um processo
metonímico, “família” passou a significar a casa inteira e seus moradores,
incluindo a mulher, os filhos e servidores que viviam sob o domínio do chefe, o
pater familiae.
Como se nota, a noção de família, desde a antiguidade
latina, já está envolvida com o conceito da autoridade do pater, “pai”. Em nosso
Direito, apesar de outras previsões legais esparsas, tal conceito só foi
amplamente discutido e alterado a partir da edição e vigência da Constituição
Federal de 1988.
Não se pretende aqui discutir o conceito geral de família,
mas fixar a sua noção exata, e o conceito de pater será importante para o
entendimento da evolução da família paternalista até os dias atuais, inclusive
em nosso país. Para o tema deste trabalho, torna-se relevante averiguar a
formação e desenvolvimento da família brasileira, posto que o direito real de
habitação não se apresenta originado, necessariamente, na família patriarcal,
mas, sim, voltado para a manutenção da família, em geral na própria residência
familiar, após a morte de um de seus genitores, mesmo que o sobrevivente não
participe da sucessão do falecido na qualidade de herdeiro.
O conceito do pater foi verificado com sutileza por Émile
Benveniste, em seu Le Vocabulaire des Institutions Indo-européennes3.
Segundo Benveniste, o primado do conceito de pater não é apenas romano,
mas pertence à antiguidade indo-europeia e reflete-se nas línguas indo-
europeias. Assim, o termo que designa “pai” é o mesmo e manteve-se estável
em todas essas línguas: grego pater, latim pater, sânscrito pitar, gótico fadar
3 vol. 1, p. 203-267.
21
etc. Essa estabilidade do vocabulário é índice da própria estabilidade do pater.
Benveniste observa em sua obra4, com muita propriedade, que, do vocábulo
pater, formaram-se termos importantes dele decorrentes, como: pátria,
patrimônio (conjunto de bens pertencentes ao chefe ou pai) e, sobretudo, a
forma adjetiva pátrio.
O pater é aquele que tem o direito de propriedade não só
no antigo Direito romano, mas também no antigo Direito indo-europeu. A figura
do pater diferencia-se do que chamamos de genitor, visto que este último
designa o pai que gerou fisicamente o filho. O pater, por sua vez, é a figura
social que conjuga as funções de chefe da casa (em grego, o oikou despotes,
“dono da casa”), representante do judiciário, chefe político e religioso. É o
denominado pater familiae. A conotação religiosa, e mesmo mitológica, é
comprovada pelo emprego do termo pater como qualificação permanente do
deus supremo dos indo-europeus: Zeus Pater (grego) e Júpiter (do latim dyeu
pater).
Também compondo a família, porém em contraposição ao
poder do pater familiae, vale mencionar o apagado papel jurídico da mater,
“mãe”. Assim, no latim, a forma adjetiva patrios (no português, pátrios) não tem
o equivalente feminino matrios, mas apenas o adjetivo maternos (no português,
maternos) cuja significação não corresponde às conotações de patrios.
Como anteriormente mencionado, neste primeiro capítulo
buscar-se-á definir, histórica e conceitualmente, o que é família – e as
entidades familiares -, dentro da visão e evolução social e política do instituto.
Além de tais conceitos, também será objeto de estudo a verificação da família e
4 Le Vocabulaire des Institutions Indo-européennes, vol. 1, p. 203-267.
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das entidades familiares no ordenamento jurídico brasileiro atual, com as novas
proteções constitucionais válidas desde a promulgação da Carta Magna de
1988 e do Código Civil de 2002.
Considerando os objetivos deste trabalho, começa-se por
definir a família do ponto de vista biológico. Sob esse prisma, família – ou, em
alguns casos, a entidade familiar - é a união de pessoas ligadas por um tronco
comum, como bem asseverou Caio Mário da Silva Pereira: “Em sentido
genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que
descendem de um tronco ancestral comum.” 5
Cabe ressaltar, no entanto, que, historicamente, dentro
desse tronco ancestral comum, as funções do homem e da mulher sofreram
grandes alterações.
A família transformou-se ao longo dos anos, de modo que
a figura do pater familiae passou a ter cada vez mais obrigações militares,
tendo de, frequentemente, deixar a cidade, abrindo espaço para surgir o poder
das mulheres e dos filhos dentro do matrimônio. Emergia, então, a concepção
cristã de família, naquele mesmo império romano que, anos antes, não
concedia qualquer direito à mulher. Essa nova concepção, por sua vez, estava
arraigada ao espírito da caridade e da ordem moral. Enfraqueceu-se a figura do
pater familiae, embora nunca se tenha retirado da família romana a
característica da unidade de poder nas mãos do pai.
Diante desse enfraquecimento do pater familiae, a família
começou a ganhar, cada vez mais, o caráter religioso e sacramental. Com isso,
as relações internas familiares foram se democratizando, cada qual assumiu o
5 Instituições de Direito Civil, vol. V, p. 13
23
seu papel familiar e a consanguinidade adquiriu importância fundamental na
vinculação biológica. Podiam os filhos e a mãe negociar, praticar atos jurídicos
e adquirir bens. Na mesma linha, passou-se a aceitar que os filhos e a genitora
auxiliassem na administração e cuidados da casa, tomando decisões conjuntas
com o pai. Entretanto, a grande mudança ocorrida no conceito de família veio
com a possibilidade de a mulher ter seu próprio patrimônio, distinto dos bens
da família e do homem.
Na atualidade, conceitua-se família de modo diverso do
exposto acima, e é importante salientar que a crise do instituto é tema
largamente discutido na sociedade contemporânea. O matrimônio deu lugar a
outras formas familiares, ainda não plenamente aceitas em nosso meio social.
No entanto, apesar de criticada, a família ainda é o mais antigo e sólido
instituto social, na medida em que o indivíduo que a ela pertence pode sentir-se
protegido e satisfeito, fazendo parte de seu meio social, seja por vínculos
sanguíneos, seja por vínculos afetivos.
Na atual concepção de família, a mulher assume, com o
homem, o papel da administração e sustentação, os filhos iniciam cedo a vida
profissional e, em geral, são gerados em menor número, devido a um problema
literalmente econômico: quanto menos filhos, menor o gasto. O Estado passou
a interferir muito mais na vida familiar. O comando do pater familiae – chefe de
família, sacerdote, juiz e chefe político - foi, paulatinamente, transferido para o
Estado. As alterações foram tão intensas que, atualmente, se concede à união
estável entre homem e mulher, à família monoparental, às famílias plurais, o
título de entidade familiar, aspecto impensável nos primórdios desse instituto.
24
Vale lembrar que as transformações na estrutura familiar
já se ensaiavam no Brasil desde a época colonial, sobretudo a partir do século
XVII , quando a economia dos países periféricos se tornou dependente do
capitalismo mercantil, como bem observa Luiz Carlos Bresser Pereira6. Na
verdade, a sociedade colonial brasileira passava por um dualismo intrínseco
que, segundo Bresser Pereira, foi muito bem ilustrado por Inácio Rangel:
O senhor de escravos brasileiro era ao mesmo tempo um dominus, no sentido romano, e um comerciante, no sentido holandês do século XVII, ou industrial, no sentido inglês, dos séculos XVIII e XIX. 7
A partir desse dualismo, o autor Bresser Pereira observa
que, ainda conforme Inácio Rangel, é necessário compreender o latifúndio
como internamente feudal e externamente capitalista.8
Já nos primórdios do século XX, ocorrem profundas
mudanças no cenário político, econômico, social e cultural, fruto da ação do
estado tecnoburocrático-capitalista planejador, definido por Bresser Pereira
como aquele estado que:
...caracteriza sua ação econômica não apenas pelo desenvolvimento e por estar a serviço da acumulação capitalista e do consumo de luxo capitalista e tecnoburocrático, mas também por ser um estado planejador. O planejamento econômico está inserido em todas as esferas da vida econômica estatal.9
A ideologia desse estado intervém de modo substancial
no processo de industrialização, no trabalho, na habitação, na saúde, na
6 Estado e subdesenvolvimento industrializado, p. 61. 7 Dualidade básica da economia brasileira, 1957, p. 30 APUD: Luiz Carlos
Bresser Pereira, Estado e subdesenvolvimento industrializado, p. 64. 8 Estado e subdesenvolvimento industrializado, p. 64. 9 Ibid., p. 113.
25
urbanização e, consequentemente, no próprio planejamento familiar. As
oportunidades de trabalho abrem-se para todos, homens e mulheres, o que
permite a inserção de toda a família no mercado de trabalho. A classe
trabalhadora, conscientizada de seus direitos, inicia um processo de
organização.
A partir desse contexto histórico, é possível entender as
preocupações quanto à família e às entidades familiares, tuteladas pela Lei do
Divórcio (1977), pelo novo texto constitucional de 1988 e pelo atual Código
Civil.
Nos dias atuais, como já foi exposto, é corrente a voz de
que a família passa por uma crise sem precedentes, atrelada às alterações de
seus fundamentos. Em verdade, a família mudou e mudou muito. A sociedade
e os cidadãos não têm conseguido acompanhar tais mutações, apesar do
constante discurso sobre a modernidade das relações familiares. Sobre a crise
familiar, afirmou magistralmente Caetano Lagrasta Neto:
Impõe-se ajudar na busca de uma nova relação familiar, baseada na felicidade e no sentimento, sem deixar para trás, como experiência frustrante e amarga, uma construção que, apesar de inacabada, não deve, necessariamente, ser objeto de mera demolição. Se assim for, prevalecerão sempre o remorso e o ódio, incapazes de construir qualquer nova edificação cuja base não seja a de uma falsa felicidade, assentada sobre o esquecimento e o abandono daqueles que, outrora, foram tão preciosos e queridos e que, por imperativo de consciência e civilidade, assim deveriam permanecer.10
Dessa forma, ao longo do século XX e até os dias atuais,
a família sofreu inúmeras mudanças, inclusive de função, natureza e
10 Direito de Família, p. 33.
26
concepção. O Estado passou a interessar-se pela interferência nas relações de
família, produzindo, no Brasil, uma carta constitucional totalmente voltada para
a proteção dos interesses da família.
Nesse momento, deixou-se de lado a família baseada no
poder e gerência do pai e passou-se à concepção de uma família fundada no
afeto, nas relações emocionais e sentimentais, com proteção do Estado11, seja
na Magna Carta, seja na codificação civil. A família brasileira atual não é mais
aquela baseada no pater familiae e na proteção exclusivamente patrimonial,
mas, sim, a família que suporta a necessidade emocional e psicológica de seu
integrante. É o que diz, com clareza, Teresa Wambier12, quando afirma que a
‘cara’ da família brasileira moderna mudou, tendo como papel principal os laços
de afetividade. A concepção atual de família, baseada também na intervenção
estatal, diverge, radicalmente, daquela existente no século XIX, no estado
liberal, em que o princípio era o da não intervenção nas relações privadas.
Paulo Luiz Netto Lôbo bem define a situação atual da família:
Assim, enquanto houver ‘affectio’ haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida. (...). A proteção do Estado à família é, hoje, princípio universalmente aceito e adotado nas constituições da maioria dos países, independentemente do sistema político ou ideológico.13
11 O Estado a que se refere o texto é o estado social, do século XX. No Brasil, tal
visão originou-se desde a Constituição Federal de 1934, perdurando até a chamada ‘Constituição cidadã’, de 1988.
12 Direitos de Família e do Menor, p. 83. 13 Direito Civil – Famílias, p. 1.
27
Como lembra acertadamente Paulo Lôbo14, já em 1948, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 16.3 dizia: “Art.
16.3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do estado.”
Nesse sentido, nosso ordenamento jurídico atual confere
ao Estado poderes para a proteção da família e de seus membros, visando,
com tal pretensão, mantê-la e preservá-la.
Acerca da constituição de família, diz Celso Ribeiro
Bastos: “Família é o conjunto de pessoas unidas por laço de parentesco. É
considerada a célula fundamental da sociedade.”15
A família, portanto, seja qual for a sua origem, passou a
significar o núcleo fundamental social, com reflexos pessoais, patrimoniais e
assistenciais.
Nas palavras de Maria Berenice Dias:
O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção.16
Apesar de a família e as entidades familiares atuais serem
baseadas no indivíduo, seus reflexos patrimoniais sempre foram objeto de
14 Direito Civil – Famílias, pp. 1 e 2. 15 Curso de Direito Constitucional, p. 496 16 Manual de Direito das Famílias, p. 43.
28
cuidado e codificação. O Código Civil brasileiro de 1916 continha mais de uma
centena de artigos com esse objetivo. A atual legislação civil codificada
também mantém, em muitas passagens, a forte visão patrimonial do direito de
família. Em várias situações, no Código Civil atual, o patrimônio sobreleva por
sobre a família propriamente dita, e interfere, diretamente, nas relações
privadas, com a finalidade de ver salvaguardados os bens amealhados, como,
por exemplo:
• Quando o Código Civil prevê a proibição do nubente
escolher o seu regime de bens, caso tenha acima de
60 anos (artigo 1641, II);
• Quando o Código Civil impõe ao nubente o regime da
separação obrigatória de bens, caso esteja em alguma
das situações previstas no artigo 1523 (artigo 1641, I).
As duas situações acima elencadas denotam que a
legislação civil vigente se preocupa, claramente, com a confusão patrimonial e
o prejuízo que isso possa trazer às relações familiares, fazendo clara
interferência na esfera pessoal e nas escolhas do indivíduo. No primeiro caso,
a previsão do regime da separação obrigatória de bens aos maiores de
sessenta anos é imposição que não se coaduna com a atual realidade
brasileira e mundial, onde o cidadão com 60, 65 ou 70 anos possui condições
suficientes de discernir o melhor, tanto no âmbito pessoal como no âmbito
patrimonial, para a sua vida.
Em que pesem os reflexos patrimoniais existentes no seio
familiar, é consenso que a família atual, inclusive posterior à Constituição
Federal de 1988, não é mais a tradicional família numerosa, chefiada por um
29
pater. A família atual é afetiva, voltada para as pessoas que a integram,
preocupada em dar suporte aos sentimentos e emoções do indivíduo, sempre
com respeito e tendo, como pano de fundo, o consagrado princípio da
dignidade da pessoa humana (Constituição Federal de 1988, art. 1º., III).17Tal
princípio reside, a partir dessa concepção, no próprio indivíduo, e não mais em
seu patrimônio ou no conjunto de bens que possa existir.
Sobre histórico da família desde o século XIX e as novas
e atuais relações familiares, não mais fundamentadas nas relações formais e
de poder, mas baseadas agora nas relações afetivas, Rodrigo da Cunha
Pereira discorre com clareza e precisão, em seu livro Princípios fundamentais
norteadores para o direito de família:
A família, no século XIX, era marcadamente patriarcal, e estruturava-se em torno do patrimônio familiar, visto que sua finalidade era, principalmente, econômica. O vínculo familiar tinha fundamentos formais. A família era, praticamente, um núcleo econômico e, tinha também grande representatividade religiosa e política. O pater familiae era o grande homem, o grande chefe, que acumulava em suas mãos uma imensa gama de poderes.
A mulher, por seu turno, limitava-se à execução das tarefas domésticas e à criação dos filhos, de modo a garantir o normal andamento das diretrizes familiares. Com o passar do tempo, a estrutura familiar foi sofrendo paulatinas modificações. Com o feminismo e a inserção da mulher no mercado de trabalho, esta estrutura hierárquica e tradicional sofreu transformações importantes.
A família deixou de ter muitos membros para ser nuclear. A mulher rompeu as barreiras do lar e assumiu uma carreira profissional. Sua
17 O princípio da dignidade da pessoa humana é tido por doutrinadores como
Paulo Luiz Netto Lôbo e Guilherme Calmon Nogueira da Gama, como princípio primeiro e fundamental das relações de família, tendo duas funções distintas. A primeira delas seria a proteção à pessoa contra qualquer ato degradante, praticado pelo particular ou pelo Estado. A segunda função seria a de promover a efetiva participação da pessoa nos destinos de sua comunidade, na criação de meios mínimos de sobrevivência e da própria existência.
30
contribuição financeira tornou-se essencial para a subsistência familiar. Diante da sua saída dos limites domésticos, fez-se necessária a efetivação da presença masculina, compartilhando as tarefas familiares, o que provocou, por conseguinte, um repensar do exercício da paternidade.
Diante dessa nova estrutura, a família passou a se vincular e a se manter preponderantemente por elos afetivos, em detrimento de motivações econômicas, que adquiriram uma importância secundária.18
1.2. Conceito jurídico
O Código Civil de 1916 previa a disciplina da família em
sua parte especial, livro I, artigos 180 a 484. No atual Código Civil, a família
está prevista em sua parte especial, livro IV, artigos 1.511 a 1.783. No direito
processual civil, a previsão acerca do direito de família encontra-se em
diversas passagens que disciplinam a sucessão e a dissolução do vínculo
matrimonial, demandas que envolvem guarda, visita e respectivas medidas
cautelares, para situação urgentes. É, também, prevista em diversas leis
esparsas, inclusive as que trouxeram a União Estável ao plano legal, mas,
primordialmente, na Constituição Federal de 1988. Nosso ordenamento
jurídico, destarte, prevê direitos e deveres do instituto da família e do direito de
família.
A principal característica da família, prevista, atualmente,
em nosso sistema jurídico, é a sua função social como base da sociedade –
entidade familiar -, aspecto trazido com o novo texto constitucional de 1988,
bem como com o atual Código Civil.
18 Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte:
Del Rey, 2006, p. 179-180.
31
1.2.1. A família no Código Civil Brasileiro de 1916
Como dito acima, o Códex Civil de 1916 previa a
disciplina do direito de família no livro I da parte especial. A referida lei, ora
revogada, situava a família, já com a idéia de entidade familiar, prevendo o
regime da comunhão total de bens como o regime legal.
Com a edição da Lei do Divórcio – Lei 6.515/77 -, além da
alteração do regime legal de bens para a comunhão parcial, o sistema de
dissolução do casamento passou a prever dois momentos distintos: a
separação judicial e o divórcio judicial19. Tal sistemática substituiu o antigo
desquite, regulando, então, a nova forma de resolução da sociedade e vínculo
conjugal. Era a inserção, em nosso ordenamento, da possibilidade de
rompimento do vínculo total de casamento, outrora vedado pela lei civil.
Toda a sistemática acima apontada foi confirmada pela lei
civil vigente, que giza, em seu artigo 1.640: “não havendo convenção, ou sendo
ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de
comunhão parcial”.
O Código Civil de 1916, como se verifica, não era e não
representou o instrumento mais moderno para o cuidado com o direito de
família, apesar de brilhante trabalho em seu todo. As disposições vinham do
projeto de lei apresentado por Clóvis Beviláqua, ainda influenciado pela
legislação imperial, datado do final dos anos 1800, bastante próprio para a
época que representava.
19 O sistema de dissolução do casamento já prevê a possibilidade de separação e divórcio extrajudicial, desde que as partes interessadas sejam maiores, não possuam filhos menores e estejam concordes em relação à partilha dos bens do casal, conforme o regime adotado.
32
No final dos anos de 1900 e começo do século XXI, várias
alterações legislativas foram proporcionando, à lei civil codificada, sua
modernização e seu atendimento aos anseios sociais. Certamente, as
alterações legislativas ocorridas, inclusive para prever novas formas de família,
não acompanham as mudanças sociais diárias. O movimento legislativo, aliás,
não pode seguir as alterações sociais na mesma velocidade em que elas
acontecem, sob pena de ser injusto, inócuo ou apressado.
As principais mudanças legislativas ocorridas neste
século dizem respeito, principalmente, à igualdade entre homem e mulher –
formando a entidade familiar, seja qual for a origem -. Há, também,
modernização das disposições sobre o casamento, seus efeitos jurídicos e
formas de dissolução, incluindo as disposições acerca dos regimes de bens. A
legislação cuidou, ainda, de atualizar as regras das relações de parentesco e
guarda. É certo que a concepção de que o Código Civil Pátrio de 1916 estava
desatualizado é corroborada por Washington de Barros Monteiro:
O Código Civil não retrata mais o panorama atual da família, por ele disciplinada à luz de princípios que não mais vigoram; as alterações introduzidas por leis especiais, revogando explicitamente o texto anterior, ou com ele incompatíveis, fazem com que o jurista se depare com um emaranhado de leis nem sempre precisas, desprovidas de um princípio inspirador único, de modo a tornar praticamente impossível um tratamento sistemático da matéria.20
A edição de leis extravagantes – algumas agora
codificadas – modernizou, na forma possível, as relações de família e o próprio
direito de família, principalmente naquilo que hoje se chama de ‘entidade
20 Curso de Direito Civil, vol. 2, p. 10.
33
familiar’. Passou-se a indicar a família como a organização condicionada a
exercer um papel baseado na dignidade da pessoa e de seus componentes. É
certo, também, que ainda há muito a estudar e a perseguir, principalmente, nas
novas modalidades familiares. Entretanto, a codificação somente deve ocorrer
após a experiência social e sempre tendo como base a nova visão familiar,
solidária e cooperativa. As formas familiares previstas no Código Civil de 1916
eram bastante restritas e vinculadas ao casamento, situação atualmente
modificada e modernizada. Nesse sentido, corrobora Guilherme Calmon
Nogueira da Gama, quando afirma:
O Direito Civil não pode mais ser analisado sob a ótica individualista, patrimonialista, tradicional e conservadora-elitista do período das codificações oitocentistas – do qual o Código Civil brasileiro de 1916 é exemplo mais próximo -, não sendo correto manter o dogma da completude e da exaustão dos Códigos diante das transformações operadas em inúmeros setores, como o político, social, econômico, cultural e familiar.21
1.2.2. A família na Constituição Federal de 1988
Em que pese a legislação ordinária brasileira ser bastante
extensa, as maiores alterações no conceito de família e de entidade familiar
ocorreram com a edição da atual Constituição Federal. O artigo 226, caput, diz
o seguinte: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
Como bem afirmado por Francisco José Cahali, acerca da
família perante a Constituição Federal:
A Constituição Federal, no plano subjetivo-teórico, retrata a posição ideológica de uma nação, fixando as diretrizes a serem seguidas pelo Legislador e Executivo, sob supervisão e controle do Judiciário, nas
21 Direito Civil: Família, p. xv.
34
respectivas funções institucionais, indicando à população o caminho para a convivência da sociedade.
(...) Embora no Brasil exista predominância
da influência política na sua elaboração, também os aspectos sociais, religiosos, intelectuais informam o constituinte na fixação de preceitos básicos, como ocorre nos demais Países.
Especificamente com relação ao Direito de Família, desde sua origem, nosso sistema recebeu significativa influência do direito romano, mantendo fidelidade ao conceito de família como “célula mater da sociedade.”22
Dessa forma, ao estudar o texto constitucional atual, há
que ter em vista que ele é o retrato da posição ideológica de nosso país, que,
em sua origem, foi demasiadamente influenciado pelas diretrizes do direito
romano.
Pela leitura do artigo 226 da Constituição Federal, nota-se
que a proteção legal à família, conceituada aqui de forma bastante genérica, foi
mantida e ampliada no seio constitucional e, com isso, a intervenção estatal
escancarou-se para demonstrar, de uma vez por todas, que a função do antigo
pater familiae romano deveria, agora, ser exercida pelo Estado.
Desde a Constituição Federal de 1934 (artigo 144),
passando pela Magna Carta de 1937 (artigos 124 a 127), também pela
Constituição Federal de 1946 (artigos 163 a 165) e de 1967 (artigo 167) e pela
Emenda Constitucional 1/1969 (mantendo o artigo 167 da Carta Constitucional
de 1967), verifica-se expressa disposição legal constitucional para a família,
inclusive no que tange à indissolubilidade do matrimônio.
22 A união estável e os alimentos entre os companheiros. Dissertação (Mestrado
em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 1995, p. 3-4.
35
Na Emenda Constitucional 9, de 1977, sobreveio grande
alteração constitucional, passando-se a permitir a dissolução do casamento por
intermédio do denominado divórcio. O novo instituto foi regulamentado pela Lei
6.515/77, também chamada de Lei do Divórcio.
Na Constituição Federal de 1988, toda a previsão legal de
proteção à família encontra guarida no capítulo VII do título VIII – da ordem
social.
As inovações trazidas pela Constituição Federal de 1998
são marcantes e trazem à legislação constitucional relevantes aspectos, sendo
importante destacar:
• reconhecimento da união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar;
• dever de auxílio aos pais, a ser realizado pelos filhos
maiores, em vista de enfermidade ou carência;
• igualdade entre homens e mulheres nos direitos
originados no matrimônio;
• igualdade de tratamento entre os filhos, advindos ou
não da relação de matrimônio, sendo proibida
qualquer forma de discriminação.
Além de proteção cuidadosa à família, a Constituição
Federal de 1988 buscou também proteger a criança e o adolescente, no que
foi, posteriormente, corroborada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
36
8.069 de 1990). No entanto, a previsão constitucional do artigo 22723 é
soberana e deve ser cumprida acima de toda e qualquer disposição. A criança
e o adolescente, portanto, obtiveram grande proteção constitucional, a ponto
de, mesmo estando dentro da família, poderem ser retirados do atual pátrio
poder24, passando aos cuidados do Estado, caso existam indícios de maus
tratos, violência ou outras formas de opressão. Na disputa de forças entre
todos os dispositivos legais que asseguram o poder do pai e da família diante
do novo texto constitucional, esse último deve sempre prevalecer.
Como tivemos a oportunidade de escrever, na obra DNA,
Paternidade e Filiação:
A referida disputa de forças entre as leis ordinárias e o novo texto constitucional já foram objeto de discussão jurisprudencial, tendo prevalecido, no Supremo Tribunal Federal, a indicação da revogação dos dispositivos infraconstitucionais que estejam incompatíveis com as disposições contidas nos artigos 226 a 230 da Constituição Federal de 1988. A família e o direito de família devem, pois, sempre ser ensinados e estudados sob o prisma constitucional, antes de qualquer outro dispositivo legal.
A adequação e aplicação da nova Lei Civil, em meio às regras constitucionais, tem como a mais difícil das tarefas, tornar real a denominada quebra da patriarcalidade e o nascimento da entidade familiar propriamente dita, tendo marido e mulher direitos e deveres, sempre iluminados pelo princípio constitucional da igualdade.25
23 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
24 O novo Código Civil Brasileiro extinguiu, de vez, o chamado pátrio poder, trazendo o conceito de poder familiar, indicando a atribuição de responsabilidade para pai e mãe quanto aos filhos, de forma equilibrada e igualitária.
25 p. 17.
37
Importa ressaltar que toda a discussão travada acerca da
concepção de família é fundamental para este trabalho sobre o direito real de
habitação na sucessão, visto que tal tema e o direito de habitação somente
podem ser entendidos a partir da fixação e visualização do conceito de família
e entidade familiar, inclusive para estender ou não tal direito real às demais
formas de família, que não a matrimonial.
É certo que o corte doutrinário obriga a incluir nesse rol,
ainda que em breves palavras, as famílias monoparentais, a união civil entre
pessoas do mesmo sexo e a convivência entre parentes e amigos. Tais
discussões serão travadas no presente capítulo. A Magna Carta de 1988
apenas trouxe, como previsão legal, a família originada no casamento, na
união estável e na relação estabelecida entre qualquer dos genitores e seus
descendentes (monoparental). Tais modalidades de família, como ora
mencionado, têm sua previsão expressa no artigo 226 da Carta Política de
1988, em especial no parágrafo 1º. (casamento); 3º. (união estável) e 4º.
(monoparental).
Acerca do tema explicitado e da diferenciação entre os
termos “família” e “entidade familiar”, tendo esta última sido elevada pela
Constituição Federal a uma nova categoria social, bem discorre Francisco José
Cahali, em sua dissertação sobre o tema:
Percebe-se, pela análise objetiva do texto Constitucional, ter sido mantida a histórica qualificação da família como base da sociedade; e, ao mesmo tempo, divorciando-se do tradicional amparo à família exclusivamente decorrente do casamento legítimo, estende-se a proteção do Estado também à entidade familiar constituída pela união estável entre o homem e a mulher, ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
38
(...) Tivemos a oportunidade de concluir que,
‘analisadas as várias posições que o texto possibilita, adotamos o entendimento que considera ter a Constituição criado uma categoria social mais ampla, sob a denominação de Entidade Familiar, diferenciada da até então família decorrente do casamento.
E nesta Entidade Familiar, também chamada indistintamente de Família, colocou-se a união estável entre o homem e a mulher, ou de um dos genitores com a prole, inserindo conceito mais amplo, portanto, que aquela categoria antes decorrente do casamento e filiação legítima.’26
Exemplificadamente, tem-se que, de forma mais
abrangente do que as disposições previstas na Constituição Federal do Brasil,
a Constituição de Portugal é bastante clara ao apontar a atuação do Poder
Público no trato com a família, informando, expressamente, que o Estado
deverá interferir no seio familiar para auxiliar no necessário, em especial na
educação dos filhos27.
Os artigos 36º. e 67º. da Constituição da República
Portuguesa preveem o direito ao matrimônio, sua dissolução, as relações de
filiação e paternidade e a proteção estatal à família. Entretanto, não há
qualquer disposição quanto a outros tipos de família ou mesmo quanto ao que
seria o conceito de entidade familiar. Nesse ponto, a Constituição Portuguesa é
omissa em relação às previsões da Magna Carta do Brasil.
No artigo 36º., 3, há a previsão de iguais direitos entre os
cônjuges, quando diz a Constituição Portuguesa: “os cônjuges têm iguais
direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e
educação dos filhos”.
26 Ibid., p. 5-6. 27 Art. 67º., 2, c da Magna Carta Portuguesa.
39
No texto da Constituição Portuguesa, nota-se grande
preocupação com a família e com a filiação, permitindo-se ao Estado,
claramente, a interferência ampla no seio familiar. A união estável ou outras
formas familiares, entretanto, não foram contempladas com qualquer previsão
nesse documento.
1.2.3. A família no atual Código Civil Brasileiro
O atual Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002, que
tramitou por mais de 25 anos no Congresso Nacional, buscou trazer inovações
ao direito de família, adaptando-se, inclusive, às principais alterações já
trazidas pela Carta Magna de 1988. Como afirmado por Guilherme Calmon
Nogueira da Gama, Direito Civil: Família, p. xv - xvi:
O advento do segundo Código Civil brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – não pode ser analisado sob o prisma do resgate da unidade do sistema pelo Novo Código. Os princípios e regras constantes da Constituição Federal de 1988 são normas jurídicas como quaisquer outras, com a nuance de se localizarem no topo da pirâmide normativa do ordenamento jurídico positivo, tendo a Constituição unificado o sistema com a devida hierarquização das normas, a prevalência e superioridade dos princípios e valores constitucionais, com funções de interpretação, de integração e de construção das demais normas jurídicas do ordenamento.
No aspecto formal, o atual Código Civil apresenta os
direitos relativos à família em seu livro IV da parte especial. A alteração
espacial do direito de família do Código Civil anterior para o atual é bastante
louvável, visto que, inclusive didaticamente, possibilita o estudo sistemático e
40
encadeado do Direito Civil, iniciando pela parte geral e seguindo pela parte
especial – com as obrigações, contratos, direitos reais, família e sucessões -.
Torna-se fundamental destacar que, dentre todas as
alterações contidas no Código Civil de 2002, sempre se vislumbra a aplicação
do princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges, firmemente
assinalada na Constituição Federal de 1988. Com essa visão, o artigo 1.511 do
Código Civil vigente apresenta, em legislação ordinária, a igualdade entre
homem e mulher, já descrita na Constituição Federal de 1988.
O estudo do Código Civil atual, portanto, é de extrema
importância e relevância para o presente trabalho, uma vez que tal lei buscou
adaptar à legislação ordinária (muitas vezes ultrapassada) as alterações
trazidas pela Lei 6.515 de 1977 – Lei do Divórcio –, pelas leis referentes à
União Estável (leis 8.971/94 e 9.278/96) e pela Constituição Federal de 1988.
Apesar de tais inovações, a Lei Civil brasileira codificada, atualmente em vigor,
deixou de fazer qualquer detalhamento expresso das outras formas de família,
como a monoparental (que possui apenas a previsão de sua existência no art.
226, parágrafo 4º. da Constituição Federal/88) ou a união livre entre pessoas
do mesmo sexo.
Também no sentido exemplificativo e pela influência da
legislação portuguesa sobre a de nosso país, nota-se que o Código Civil
português de 1974, com posteriores alterações, possui ampla previsão dos
direitos relativos à família, inclusive a união de fato entre pessoas do mesmo
sexo28.
28 A lei portuguesa 7, de 11 de maio de 2001, faz previsão expressa aos direitos
e deveres das uniões de fato, independentemente do sexo dos parceiros, desde que a
41
As disposições do Código Civil português são bastante
influentes na vida do cidadão, dado que dizem respeito a todas as situações
que envolvam a família, desde o casamento até a filiação, prevendo, mesmo, a
adoção.
A edição das leis 6 e 7, de 11 de maio de 2001, trouxe
para Portugal, em seu diploma legal extravagante, previsão de novas formas
de família, ampliando o rol já indicado no Código Civil. Dessa forma, a
legislação portuguesa, desde 2001, regula, expressamente, as uniões de fato,
seja entre pessoas de sexo oposto, seja de pessoas do mesmo sexo.
Quanto aos direitos dos cônjuges na constância do
casamento, a previsão segue a mesma linha da legislação brasileira,
oferecendo a marido e mulher/pai e mãe, os mesmos direitos e obrigações,
inclusive quanto ao chamado poder paternal – o poder familiar -. Diz o artigo
1901º, 1, do Código Civil português: “Na constância do matrimônio o exercício
do poder paternal pertence a ambos os pais”.
Quanto ao aspecto patrimonial do casamento, o Código
Civil português, no que tange à sucessão, afirma, em seu artigo 1699º, 1, a:
“Não podem ser objecto de convenção antenupcial: a) a regulamentação da
sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiros (...)”. Verifica-se, assim, que
não poderão os nubentes, exceto em situações excepcionais, dispor acerca da
sucessão hereditária, afastando, por exemplo, o direito real de habitação.
A influência, portanto, de nossa legislação (bem como da
legislação portuguesa, exemplificadamente) na família, nas entidades
união já tenha dois anos de duração. A lei portuguesa 6, de 11 de maio de 2001, faz previsão acerca das medidas de proteção para as pessoas que vivam de ‘economia comum’, desde que a união tenha se dado há mais de dois anos.
42
familiares e na vida do cidadão inserido dentro de tais institutos é bastante
clara e dotada de suporte proposital ofertado, expressamente, pela
Constituição Federal.
1.3. Das formas de constituição da família e das entidades familiares
Após a análise da previsão legal e do conceito de família,
passa-se a verificar as modalidades de formação de família e entidade familiar
existentes em nossa legislação e doutrina, em especial conceituando, de forma
breve (até pelo objetivo deste estudo), o casamento, a união estável, a união
livre, a família monoparental e a convivência entre parentes e amigos.
O estudo das formas familiares ou das chamadas
entidades familiares poderá trazer melhor visão de suas semelhanças e
diferenças, mas, principalmente, evidenciará que cada modalidade é autônoma
e independente. Esse pressuposto é fundamental para que se entenda o
conceito e a repercussão social de cada forma familiar, até mesmo para
justificar o tratamento diferenciado oferecido por nossa legislação para cada
um dos institutos. Cada entidade familiar tem seu tratamento legal e sua
repercussão patrimonial. Sobre tal discussão, são claras e precisas as palavras
de Oswaldo Peregrina Rodrigues:
Deveras, família ou entidade familiar, que são sinonímias, não se confundem com casamento ou com a união estável; assim como esta não se confunde com aquele. Com efeito, casamento é casamento; união estável é união estável; e, família é família; uma entidade jurídica não se confunde com a outra, porquanto cada qual delas ostenta os seus próprios efeitos jurígenos.29
29 A família decorrente do casamento e sua repercussão no Código Civil de
2002. Tese (Doutorado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2005, p. 116.
43
1.3.1. O casamento e sua natureza jurídica
O conceito de casamento é largamente discutido na
doutrina nacional. Segundo Clóvis Beviláqua, em seu compêndio Direito de
Família, esse conceito é de grande valia:
... um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesse, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer.30
Para Washington de Barros Monteiro, o casamento e a
família são institutos jurídicos antigos e largamente discutidos por vários
doutrinadores e juristas, como Laurent e Schopenhauer. Diz Washington de
Barros Monteiro que, para Laurent, o casamento é centro de todo o conceito de
sociedade, é “fundamento da sociedade, base da moralidade pública e
privada”31. Para Schopenhauer, entretanto, o casamento é a perda de direitos e
o ganho de deveres.
O conceito jurídico afirma ser o casamento uma união
permanente entre homem e mulher (há necessidade de diversidade de sexos
para a configuração do casamento), que, com a ajuda mútua e a reprodução,
visam constituir e manter uma família. Dessa forma, a idéia enfatizada por
Laurent é de grande importância para que se entenda o casamento como o
centro da sociedade e da moralidade. Apesar de duramente criticado por seus
30 Direito de Família, 8. ed. 31 Principes de Droit Civil Français, vol. 2, p. 527 APUD: Washington de Barros
Monteiro, Curso de Direito Civil, vol. 2, p. 11. Tal conceito é confirmado pelos filósofos Goethe e Lessing, também citados pelo mesmo autor.
44
vários aspectos, esse instituto mantém sempre a esperança da constituição da
família e é buscado por todo cidadão. Não fosse assim, o número de
casamentos no Brasil não subiria, ano a ano.
Dessa conceituação decorrem, segundo nosso
entendimento, exposto na obra DNA, Paternidade e Filiação, os seguintes
objetivos do casamento:
a) legitimar a família, levando-se em conta que a união estável também é entidade familiar e deve ser convertida em casamento, de acordo com o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988 e artigo 1.726 do Código Civil de 2002;
b) regular e legalizar as relações entre os cônjuges;
c) estabelecer comunhão de vida e interesses, com o auxílio mútuo entre os cônjuges, bem como novos direitos e deveres;
d) procriar os filhos, como conseqüência natural do vínculo matrimonial;
e) criar e educar os filhos, como conseqüência da procriação.32
Como visto, o matrimônio não é só a união entre homem
e mulher, mas, sim, a verdadeira celebração de um contrato entre os cônjuges,
com previsão legal de direitos e deveres que, não cumpridos, podem levar ao
fim do vínculo jurídico e ao fim desta modalidade de família33.
O contrato de casamento tem alguns elementos próprios
e específicos que o diferenciam dos demais, como a expressa solenidade –
com a presença do Estado, por intermédio do Juiz de casamentos -, a previsão
de contratantes de sexos opostos – obrigatoriamente - e as possibilidades de
dissolução.
32 pp. 22 e 23. 33 Em que pese o esforço legal, ainda que velado, de evitar-se a ruptura da
sociedade conjugal e do vínculo matrimonial, por conta da instabilidade trazida pela ocorrência de tais fatos.
45
A dissolução do vínculo de casamento, que já é corrente
na atualidade, surgiu em nossa legislação codificada apenas com a Emenda
Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977 e com a Lei do Divórcio (Lei 6.515,
de 26 de dezembro de 1977)34. É certo que tal possibilidade foi confirmada pelo
Código Civil atual, que permite a dissolução da convivência marital e do vínculo
conjugal pelo que se denomina o sistema separação-divórcio, projetado para
ocorrer, normalmente, em dois momentos distintos, havendo, entre eles, no
mínimo um ano de lapso temporal35.
Sobre a natureza jurídica do casamento, existem três
teorias principais. A primeira delas, a teoria institucionalista, afirma que o
casamento é uma instituição social originada na vontade das partes, mas
formalizada segundo critérios legais pertinentes, que não estão ao alvedrio das
partes contraentes. De outra banda, para a teoria contratualista, prevista no
direito canônico, o casamento seria um contrato, tornando-se perfeito e
acabado pela manifestação inequívoca da vontade dos nubentes. Em terceiro
lugar, surge a teoria mista, prevendo que o casamento, ato complexo que é,
não poderia ser um mero contrato e nem tomado como instituição somente.
Para esta teoria, o casamento é um contrato quanto à sua formação e uma
instituição quanto às suas características e finalidade.
Pelo conteúdo das teorias, a que parece ser mais
adequada, em nosso entendimento, é a primeira: o casamento é uma
34 Em 1977, a idéia era de retirar das leis do país a indissolubilidade do
casamento, prevista, mais fortemente, pela doutrina católica, no Concílio de Trento, o qual somente permitia a separação de corpos, mas nunca a ruptura do vínculo matrimonial.
35 É certo que o sistema separação-divórcio prevê a possibilidade de divórcio direto, sem prévia separação, inclusive extrajudicialmente, onde não será necessária a realização da separação para posterior divórcio.
46
instituição. Entretanto, não se pode deixar de levar em consideração as
palavras de Caio Mário da Silva Pereira36, de que o casamento é, na verdade,
um contrato especial, um contrato específico e diferente de todos os demais,
que contém as características do direito de família e dessa forma deve ser
analisado.
A doutrina moderna busca extrair do casamento o seu
lado afetivo e emocional para dar subsídio à família, afastando o caráter
puramente institucional do matrimônio. É certo que tal conceituação busca
encontrar o estado atual da família brasileira, fundada no casamento, não
alterando o consagrado conceito jurídico do tema.
1.3.1.1. Da posse do estado de casado
Importante é trazer à discussão o conceito da
denominada posse do estado de casado, em vista de que, se tal instituto fosse
aceito e produzisse efeitos em nosso ordenamento no campo sucessório,
poderia, em tese, gerar, no caso de viuvez, o direito real de habitação ao
cônjuge sobrevivente.
É certo que, não sendo possível comprovar o casamento
pela apresentação de documentos hábeis para tanto, há a possibilidade de
prová-lo pela posse de estado (prova indireta do casamento). A posse de
estado de casado não é uma prova única e suficiente para a comprovação do
36 Instituições de Direito Civil, vol. V, p. 35.
47
casamento como são as provas diretas – certidão de casamento, por exemplo.
Porém, em determinadas situações, tal fato pode se revelar eficaz37.
Como diz Washington de Barros Monteiro a posse do
estado de casado é a situação:
... de duas pessoas que sempre se comportaram, privada e publicamente, como marido e mulher, que sempre se encontraram no gozo recíproco da situação de esposos. Como tais se apresentam ou se apresentaram perante a sociedade e, no círculo familiar, consideram-nos todos como marido e mulher.38
Como o ordenamento jurídico brasileiro não aceita a
prova indireta como meio de prova cabal – não há presunção de casamento em
nosso direito -, a posse do estado de casado será simples meio de prova para
a comprovação da união jurídica, não levando, por si só, à conclusão da
existência do casamento. Assim, sendo prova indireta, o casal que se diz em
posse de estado de casado terá de comprovar o casamento para obter os
benefícios legais dele originados, como o direito real de habitação no caso de
sucessão. Como bem declara a doutrina nacional39, esse tipo de prova indireta
do casamento é aceita excepcionalmente, nos casos de benefício da prole
após a morte dos pais (artigo 1.545, Código Civil), bem como para cumprir a
37 Para sanar lacunas no assento de casamento e para beneficiar os filhos, a
posse de estado de casado é aceita. Para sua configuração, é necessária a coexistência de três elementos: nomen, tractatus e fama. O nomem consiste no fato de a mulher portar o nome do marido. O tractatus é a existência do tratamento social e recíproco entre os dois, como um casal. A fama é o reconhecimento social e familiar da existência do casamento entre as duas pessoas.
38 Curso de Direito Civil, vol. 2, p. 78. 39 Nesse sentido concordam os doutrinadores Washington de Barros Monteiro e
Caio Mário da Silva Pereira.
48
regra in dubio pro matrimonio, conforme o artigo 1.547 do Código Civil40, com
os cônjuges ainda vivos.
Pelo verificado, a posse do estado de casado é uma
forma indireta de comprovação do matrimônio, não se configurando como
prova direta, inclusive pela inexistência de casamento presumido no Brasil. Por
esses argumentos, a posse de estado de casado, por si só, não conduzirá a
prova do casamento, impedindo, assim, a configuração do direito real de
habitação na sucessão do falecido.
1.3.2. Histórico e conceito da união estável
A união estável entre homem e mulher já é instituto
previsto em nosso ordenamento, sendo tida como entidade familiar.
Como bem assevera Francisco José Cahali, conceituando
a união estável como entidade familiar e já existente desde a origem da
sociedade:
Efetivamente, como visto, no plano constitucional, foi criada uma nova categoria social denominada “entidade familiar”, decorrente da “união estável entre o homem e a mulher”.
Mas esta categoria tratada na Constituição Federal nada mais fez do que institucionalizar uma situação fática pré-existente, constituída pelas relações concubinárias já merecedoras de estudos tanto no campo social como no campo religioso e jurídico.
Desde a origem da sociedade, sempre existiu família formada entre o homem e a
40 “Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo
casamento, se os cônjuges, cujo matrimônio que se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.”
49
mulher e sua prole, como ente inafastável de uma civilização.41
A união estável desenvolveu-se com muita rapidez e
dinâmica em nosso ordenamento, principalmente, se for considerado que a sua
vinda ao texto legal brasileiro deu-se, com a importância que merecia, apenas
em 1988. O conceito de união estável é, portanto, bastante atual, estando
previsto na Constituição Federal de 1988, nas leis 8.971 de 1994 e 9.278 de
1996, bem como no Código Civil de 2002.
Em 1994, quando da vinda da primeira legislação sobre a
matéria, a ideia de legalizar a união estável originou-se na intenção de proteger
várias situações cotidianas e da vida fática, dentre elas, a união entre pessoas
de sexos opostos que, embora ainda com vínculo de casamento anterior, mas
sem qualquer convivência conjugal, não podiam legalizar a sua situação de
companheiros. Ainda, a referida legislação veio solucionar a situação daqueles
que, embora vivessem como ‘se casados fossem’, não possuíam o vínculo
conjugal formal e, com o falecimento do parceiro, se viam sem qualquer direito
sucessório em relação aos bens do falecido, mesmo que amealhados na
constância da união de fato.
Como tivemos oportunidade de expor em nossa obra
sobre o início da formação das uniões estáveis, ainda tidas como ‘posse do
estado de casado’:
No direito romano já se enxergava a possibilidade da declaração de casamento pela posse do estado de casado, o que abria precedente para confusão com o atual concubinato. Isso ocorria com o reconhecimento
41 A união estável e os alimentos entre os companheiros. Dissertação (Mestrado
em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 1995, pp. 3-4.
50
do estado de casado dos cônjuges que estivessem em convivência ininterrupta por mais de um ano.
O concubinato surgiu por causa do descaso do legislador pátrio, ao destruir as formas antigas de constituição de família, principalmente o casamento religioso (que hodiernamente é religioso com efeitos civis, portando-se verdadeiramente como um casamento civil) e o casamento de fato, que existiam nas Ordenações Filipinas, de 1603. Previam-se o casamento por palavras, por escritura e o casamento denominado ‘conusudos’, no qual eram considerados casados o homem e a mulher juntos por determinado tempo.42
Nas palavras de Jean Gaudemet43, o casamento religioso
e o chamado casamento de fato estão presentes desde a Antiguidade, como se
pode confirmar após criteriosa análise do Código de Hamurábi, do Código de
Manu e das Leis de Israel.
Assim como em tais ordenamentos, o casamento de fato
e o religioso também são previstos no direito escocês, ibérico, germânico e
anglo-saxão. No direito americano, há o instituto do marriage common law, que
é a união jurídica pela convivência permanente.
No Brasil, pelo Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, foi
encerrada a possibilidade de reconhecimento do casamento de fato. Tal
situação somente voltou ao ordenamento jurídico com a vigência da
Constituição Federal de 1988, com as leis 8.971/94 e 9278/96 e com o atual
Código Civil, que preveem, expressamente, a possibilidade do concubinato
puro.
42 DNA, Paternidade e Filiação. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 37. 43 Les Institutions de L’Antiquité. Paris: Sirey, 1967.
51
A união estável é prevista, atualmente, na Carta
Constitucional de 1988, em seu artigo 226, § 3º44. Também possui disposição
no Código Civil de 2002, em seu artigo 1723 e possuía regra expressa nas leis
8.971, de 29 de dezembro de 1994 (que dispõe sobre os direitos dos
companheiros a alimentos e à sucessão, inclusive o direito real de habitação) e
9.278, de 10 de maio de 1996 (que dispõe e regula o mencionado artigo 226, §
3º da Magna Carta de 1988, inclusive tratando do direito real de habitação).
O Código Civil vigente, em seu artigo 1.723, diz, com
clareza:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
A configuração da união estável, portanto, é o retrato de
uma união de fato, que adota, em princípio e no que couber, as regras do
modelo de regime de casamento da comunhão parcial de bens. No entanto, tal
união pode ser também regulamentada por um contrato expresso entre as
partes, conforme prevê, claramente, o artigo 1.725 do Código Civil atual,
inclusive quanto ao modelo do regime de bens a ser utilizado pelos
companheiros:
Artigo 1.725. Na união estável, salvo convenção válida entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
44 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.”
52
Francisco José Cahali, dissertando acerca do contrato de
convivência na união estável, afirma, com clareza, sobre o estado de fato do
casal e o contrato de convivência (que é condicionado à efetiva existência da
união estável):
O contrato de convivência tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelos elementos necessários, da união estável. A convenção não cria a união estável: esta se verifica no comportamento dos concubinos, não pela vontade manifestada apenas por escrito. (...) Respeitadas as suas peculiaridades, mais se assemelha o pacto ao contrato real (...).45
Tal questão, que parece ser simples, apresenta várias
facetas e dificuldades, em vista de que os interessados, para comprovar a sua
união estável, deverão apresentar provas cabais da existência e duração da
união de fato, além, é claro, de eventual contrato firmado entre as partes. De
qualquer forma, a união estável não é subordinada única e exclusivamente a
uma condição ou a prova documental (contrato de convivência, por exemplo). A
configuração da união estável entre homem e mulher dar-se-á com a efetiva
comprovação da existência de uma vida em comum por determinado período,
com o ânimo de viver e constituir família, de forma pública, duradoura e
contínua. Sobre o tema, vários autores dissertam e conceituam, como o já
citado Francisco José Cahali, Arnoldo Wald, Álvaro Villaça Azevedo, Caetano
Lagrasta Neto e Marco Aurélio S. Viana.
Para Euclides de Oliveira, a exigência do requisito da
relação duradoura é tautológica, na medida em que a configuração da união
45 Contrato de convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 60 –
61.
53
estável parte da existência de estabilidade entre o casal, que, por si só, já
presume a duração do relacionamento:
Por isso a conceituação legal de união estável como ‘duradoura’ não deixa de ser uma tautologia, uma vez que estabilidade pressupõe certa duração temporal, conclui-se que não existe união estável nos casos de relacionamento fugaz, passageiro, efêmero ou eventual.46
Para conceituar a união estável, Álvaro Villaça Azevedo
faz a distinção entre o concubinato puro e impuro. Quando um homem e uma
mulher reúnem as características de uma família de fato, com intuito de
construir a vida juntos, com filhos, patrimônio, entre outros, sem impedimentos
para constituir tal situação, haverá o chamado concubinato puro, que é a união
estável. Diz referido autor:
É puro o concubinato, quando se constitui a família de fato, sem qualquer detrimento da família legítima ou de outra família de fato (este poderá rotular-se, também, de concubinato leal).
(...) Impuro é o concubinato, se for adulterino,
incestuoso ou desleal, como, respectivamente, o de um homem casado, que mantenha, paralelamente a seu lar, outro de fato; o de um pai com sua filha; e o de um concubino formando um outro concubinato.
(...) Entendo que o concubinato puro ou
concubinato, simplesmente, ou união estável, na expressão atual de nossa Constituição, deve merecer, por parte dos Poderes Públicos, completa proteção...47
46 União estável: do concubinato ao casamento. 6ª ed. São Paulo: Método, 2003,
p. 129. 47 União Estável, in Revista do Advogado, nº 58, p. 16
54
A esse respeito, distinguindo a união estável do
concubinato, é importante lembrar as palavras de Rodrigo da Cunha Pereira,
em sua obra sobre o assunto:
União estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não-adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem vínculo do casamento civil. E concubinato é a relação entre homem e mulher na qual existem impedimentos para o casamento.48
Após a previsão da Carta Constitucional de 1998 e de
legislação específica extravagante, a união estável teve nova conceituação de
acordo com o texto da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que, em seu artigo 1º,
assim previa:
Art. 1º - É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
A previsão legal acerca da união estável, seja na
Constituição Federal, seja nas legislações extravagantes, seja no Código Civil
vigente, reconhecida em nosso ordenamento como entidade familiar, distinta
do casamento e da união livre, estabelece efeitos e traz inovações para os
companheiros.
Especificamente, no que tange aos direitos dos
companheiros, é fundamental lembrar a lição de Francisco José Cahali, em seu
livro Contrato de convivência na união estável, sobre o referido contrato e a
48 Concubinato e união estável. 7ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey,
2004, p. 29.
55
impossibilidade de exclusão do companheiro relativamente à herança e a seus
direitos hereditários:
(...) podemos manter as conclusões anteriormente apontadas, impedindo venha a ser excluído o sobrevivente da sucessão do companheiro por contrato de convivência, na sua qualidade de herdeiro, única posição mantida pelos motivos expostos. Pode-se apenas acrescentar nas razões a eventual sustentação da inclusão do convivente na posição de herdeiro necessário. E merece registro observar que a proibição de disposição da herança de pessoa viva vem reproduzida, com idêntica redação, no art. 426.49
Nota-se, portanto, que o companheiro não pode excluir o
outro de seus direitos hereditários, por meio de contrato escrito feito ainda em
vida.
São vários os aspectos sucessórios importantes que
afastam e assemelham o casamento e a união estável Com relação
especificamente ao direito real de habitação, assunto que será tratado
oportunamente no presente trabalho, as diferenças são bastante significativas
para ambos.
Ao que parece, pela leitura dos textos legais sobre o
assunto, o legislador pátrio, propositadamente, manteve pontos de diferença
entre o casamento e a união estável, diferenciando um instituto do outro, com
clareza, em diversos pontos de nossa legislação. A esse respeito, portanto, o
que se pode afirmar é que o casamento e a união estável são formas de
49 Ibid., pp. 266-267.
56
constituição de entidade familiar, mas cada qual possui suas características
próprias, com eventuais semelhanças e diferenças50.
A crítica da doutrina brasileira é bastante forte no sentido
de que eventuais distinções entre o cônjuge e o companheiro e sua posição
legal no direito de família e sucessões devem ser banidas de nosso
ordenamento. De qualquer forma, não é necessário estudo aprofundado para
verificar que a lei distingue, claramente, o cônjuge do companheiro, ofertando
direitos e deveres distintos para cada qual, na dependência de ser o vínculo
matrimonial ou de união estável, tanto no que tange aos direitos de família
quanto aos direitos sucessórios.
Sobre o tema, Miguel Reale, responsável pela comissão
elaboradora do atual Código Civil Brasileiro, em artigo publicado nos Estudos
Preliminares do Código Civil, apresenta a mens legis da Constituição Federal
de 1988 e do Código Civil de 2002. Nesse estudo, o autor firma claro
50 Acerca da distinção entre o casamento e a união estável veja-se parte do teor
dos seguintes julgados: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Embargos Infringentes 178/90, julgados
em 29/08/1990. Relator: Des. Barbosa Moreira: (...) as medidas protetoras porventura adotadas pelo Estado em benefício da família devem aproveitar também às uniões não formalizadas, mas estáveis, entre homem e mulher as quais se consideram, para esse fim, como “entidades familiares”. Daí a supor que a norma atribui ao homem ou à mulher, partícipe de união estável, situação jurídica totalmente equiparada à de homem casado ou mulher casada, medeia boa distância. Se as duas figuras estivessem igualadas, não faria sentido dizer que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Não se pode converter uma coisa em outra, a menos que sejam desiguais: se já são iguais, é desnecessária – e inconcebível – a conversão.
Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão 44714. Relator: Des. Alves Braga. (...) Há erro de perspectiva na afirmação que a Constituição da República equiparou o concubinato à família. Não houve equiparação, já que não foi abolido o casamento como base legal da constituição da família (...) O texto constitucional não usou a expressão equiparar em seu art. 226. A família continua sendo a base da sociedade e, o casamento, a base da constituição da família. Apenas reconheceu “para efeito de proteção do Estado” a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, programando a facilitação do casamento. Manteve, portanto, a distinção entre casamento e acasalamento”.
57
posicionamento acerca da distinção havida e existente entre o casamento e a
união estável na legislação brasileira, chegando a excluir, expressamente, da
abrangência desta última, a união homossexual. Diz o autor que a união
estável não é equiparada em todos os seus termos ao casamento, visto que a
própria Constituição Federal, ao buscar a sua conversão em matrimônio,
expressou claramente sua posição de reconhecer os dois institutos como
entidades familiares, autônomas e distintas uma da outra:
Como se vê, o casamento deixa de ser a única entidade familiar, muito embora continue a ser a forma por excelência da organização familiar, motivo pelo qual o novo Código Civil, em seu art. 1.511, estatui que ele ‘estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges’.
A união estável, que o legislador constituinte considerou destinada ao casamento, é formada por companheiros de sexo diferente, o que exclui a possibilidade de os homossexuais nela se abrigarem, devendo aguardar lei especial que discipline sua união. (...).
Na realidade, a união estável se situa entre o casamento e o concubinato, distinguindo-se de ambos, por ser aquele a entidade máxima, que a lei privilegia, e ser o outro constituído à margem da lei, com infração dos direitos e deveres que cabem ao cônjuge e aos companheiros.
(...) Tão significativa é a posição inferior da
união estável em confronto com o casamento, que, em matéria sucessória, a companheira e o companheiro não são equiparados aos cônjuges, dispondo o art. 1.790 do CC que cada um deles participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável (...).51
Miguel Reale segue ainda, na mesma obra, finalizando o
tema e afirmando claramente que a própria Constituição Federal de 1988
51 Estudos preliminares do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
pp. 70-73.
58
procurou distinguir o cônjuge do companheiro, quando propôs a conversão da
união estável em casamento, desde que fosse de interesse dos companheiros:
Entenderam, com tais limitações, os membros do Congresso Nacional (...), que, se os companheiros fossem em tudo equiparados aos cônjuges, não haveria razão para a conversão de sua união em casamento, objetivo final a ser atingido, segundo a ótica do legislador constituinte.52
1.3.3. A família monoparental
A família constituída por qualquer dos pais e seus
descendentes é a chamada família monoparental, prevista expressamente na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 4º, que afirma: “Art.
226. parágrafo 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Dessa forma, é tida como entidade familiar, gozando de
seus direitos e deveres, a família formada pelo pai ou pela mãe e seus
descendentes, sejam eles biológicos ou adotivos.
Oswaldo Peregrina Rodrigues conceitua essa forma de
entidade familiar:
A família monoparental surge, por variadas formas, de relacionamento entre o pai e a mãe e seus respectivos filhos, cujas fontes podem ser a mãe solteira e seu filho natural, mãe e filho adotivo, mãe (separada de fato, separada judicialmente, divorciada ou viúva) e seu filho, situações essas em que, mutatis mutandis, enquadra-se também o genitor com seus respectivos filhos.53
52 Ibid., p. 73. 53 Ibid., p. 117.
59
Apesar de constitucionalmente prevista, a família
monoparental, injustificadamente, não possui, no Código Civil, regulamentação
expressa, ficando à margem das outras formas de família para disciplinar suas
regras.
De qualquer forma, as regras de filiação, poder familiar e
relações entre pais e filhos ficam asseguradas pelas previsões legais
existentes.
1.3.4. Outras formas familiares
Após a conceituação do casamento, da união estável e da
família monoparental, ao lado do estudo da formação da família atual brasileira,
não se pode deixar de averiguar as novas formações familiares discutidas em
nossa legislação, doutrina e jurisprudência contemporâneas. Com essa
finalidade, segue-se a análise pontual de outras formas de constituição de
entidades familiares previstas em doutrinadores modernos – inclusive pela
realidade social que desafiam –, como Maria Berenice Dias, Paulo Luiz Netto
Lôbo e Guilherme Calmon Nogueira da Gama.
Acerca das entidades familiares e suas modalidades, diz
Paulo Lôbo, que:
“os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa.”54
O mesmo autor, ao abordar as formas de entidades
familiares, elenca onze hipóteses existentes, que, segundo ele, merecem
54 Famílias, p. 61.
60
atenção legislativa e jurisprudencial, e que teriam, em suma, as seguintes
formações55:
• homem e mulher casados, com ou sem filhos
biológicos e/ou não biológicos;
• homem e mulher em união estável com ou sem filhos
biológicos e/ou não biológicos;
• pai ou mãe e filhos biológicos e/ou adotivos
(monoparental);
• união de parentes e pessoas que convivem em
interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie
(anaparental);
• união de pessoas sem laço de parentesco, mas com
fortes laços de afetividade e ajuda mútua
(anaparental);
• união homossexual56;
• união concubinária (paralela)57;
• comunidade afetiva formada com os chamados ‘filhos
de criação’ ou entre esses e seus padrastos e
madrastas.58
55 Ibid., p. 56/57. 56 A união homossexual já é aceita em diversos ordenamentos jurídicos, dentre
eles o da Suécia, da Noruega e da Dinamarca. No Brasil, a tentativa de produzir lei sobre o assunto foi objeto do Projeto de Lei 1.151, de 1995, apresentado pela então deputada Marta Suplicy, que não obteve, até a presente data, aprovação para futura sanção.
57 Sobre o assunto, bem esclareceu o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 100.888 – BA, de 2001, ao conceder à ‘concubina’ o direito a constar como beneficiária em seguro de vida, pela existência de ‘bigamia’ em que o falecido mantinha famílias paralelas, com filhos e residência comuns às duas relações.
61
É certo que, por fugir ao escopo deste estudo, não serão
aqui aprofundados os tipos familiares acima indicados.
Entretanto, importa salientar que o direito real de
habitação somente se defere, em tese, ao casado ou àquele que esteja em
união estável (cuja discussão será também objeto deste trabalho). Por questão
analógica, quando da análise da existência ou não do direito real de habitação
ao companheiro sobrevivente, será aprofundada a análise da existência e
deferimento do instituto às uniões homossexuais59 (ou homoafetivas, como
quer a doutrina de Maria Berenice Dias) e às uniões concubinárias, dentro do
que já há disposto em nossa lei e doutrina.
58 Maria Berenice Dias, em seu Manual de Direito das Famílias, p. 40 - 55, define
as formas de família no capítulo denominado ‘Famílias Plurais’, ainda enumerando, além das outras formas familiares – e reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar -, a família eudemonista como a nova tendência familiar, baseada na afetividade e na emancipação de seus membros.
59 Acerca da identificação da união homossexual como entidade familiar, temos a recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a relatoria da Des. Maria Olivia Alves (conflito de competência 170.046-0/6-00, da comarca de São Paulo), determinando a competência das varas da família e não das varas cíveis para análise de pedido de reconhecimento de união homoafetiva com efeitos patrimoniais, cuja ementa diz o seguinte: ”EMENTA - Conflito Negativo - Cível e Família – União homoafetiva - Pedido declaratório - Pretensão voltada ao mero reconhecimento da união, para fins previdenciários - Ausência de discussão patrimonial - Omissão legal a ser suprida pela analogia e pelos princípios gerais de direito - Aplicação do art. 4º. da Lei de Introdução ao Código Civil - Situação equiparável à união estável, por aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana - Art. 227, § 3o, da Constituição Federal de que não tem interpretação restritiva — Proteção à família, em suas diversas formas de constituição - Matéria afeta ao Juízo da Família - Conflito procedente em que se reconhece a competência do Juízo suscitado (vara de família).
62
As relações estáveis homossexuais ou homoafetivas60,
como pode ser visto na jurisprudência pátria, não podem ser afastadas da
análise61, por se tratar de realidade social de grande ocorrência e, além de
outras repercussões, por gerar importantes efeitos patrimoniais na coletividade
em geral62. O tema, bastante complexo, tem discussões acirradas nos tribunais
brasileiros e estrangeiros. Apenas como ‘pano de fundo’ para a discussão e
tendo em vista que tal tipo de união, atualmente, em que pesem opiniões
diversas, já é reconhecido em nossa doutrina e jurisprudência como entidade
familiar, convém trazer à baila alguns pontos fundamentais do assunto
(inclusive porque não está nos objetivos no presente trabalho a discussão
aprofundada acerca da união homoafetiva).
Em primeiro lugar, sobre a conceituação da união
homossexual como entidade familiar, discorre Benedito Silvério Ribeiro,
60 Nesse sentido, veja-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul: Ementa – união homossexual. Reconhecimento de união estável. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas conseqüências previstas na união estável Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n° 70021637145, rel. Des. Rui Portanova).
61 O direito previdenciário brasileiro, por intermédio da Instrução Normativa 25 do ano de 2000 (do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS), garantiu o benefício da pensão por morte e auxílio-reclusão ao parceiro homossexual.
62 A situação do companherismo homoafetivo foi objeto, inclusive, de Ato Deliberativo do Supremo Tribunal Federal, no. 27/2009, que passou a permitir aos seus funcionários que vivam em relação homoafetiva, a inclusão de seus companheiros (as) no plano de saúde do Tribunal, o STF – MED.
63
manifestando opinião contrária a Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo, que a
consideram como tal:
A possibilidade de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar desponta-se remota no ordenamento jurídico brasileiro.
O legislador constitucional optou por estabelecer a união estável entre pessoas de sexos diferentes, não cabendo levar em conta princípios gerais como os da cidadania e da dignidade da pessoa humana.63
Diante da ausência de norma específica regulamentadora
da matéria, talvez a solução tenha de partir, nos dizeres de Caetano Lagrasta
Neto, citando o Ministro Gilmar Mendes, no acórdão prolatado em apelação
cível 552.574.4/4, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da
interpretação dos princípios constitucionais atualmente existentes, para deferir
à união homoafetiva a qualificação de união estável e não, simplesmente, a de
união de fato64.
A Magna Carta de 1988 não veda a possibilidade de
relacionamento com pessoas do mesmo sexo e, por tal motivo, tem de haver
uma solução legal para a situação fática mencionada. Em que pesem
respeitáveis entendimentos contrários65, leia-se a suma da decisão
mencionada:
63 Cautelares em família e sucessões. São Paulo: Saraiva: 2009, p. 26. 64 Há decisão do Supremo Tribunal Federal, em 03/02/06, por intermédio de voto
do Ministro Celso de Mello, na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3300 - Distrito Federal, que, além de outras questões, menciona o reconhecimento da união homossexual como entidade familiar e não como mera sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo.
65 Nesse sentido, veja-se acórdão do Des. Luiz Ambra, em julgamento de apelação cível 643.179-4/0-00, que, por maioria de votos não reconheceu a união homossexual como união estável, cuja ementa diz o seguinte: “União Estável. Reconhecimento em União homossexual. Sentença de improcedência corretamente decretada. (...).” No voto condutor do acórdão, o Des. Luiz Ambra bem esclarece que,
64
(...) O Estado oferece especial proteção à Família, princípio insculpido no art. 226 da CF. Entretanto, impõe-se a análise do seu § 3o, onde se reconhece como união estável a entidade familiar constituída por homem e mulher e que, pela toponímia e dicção não pode ser restritiva.
Na atividade jurisdicional, o juiz não deve se eximir de julgar, a pretexto de haver lacuna ou obscuridade da lei; isso porque a própria Constituição traz princípios abertos, indeterminados e plurissignificativos, cujas normas dependem da interpretação sistematizada num contexto jurídico, sem obediência a puros critérios de lógica formal e tampouco reduzida à mera análise lingüística. Ao contrário, obedece a razões históricas com base no problematicismo e razoabilidade do processo hermenêutico. Entre várias interpretações possíveis, adota-se aquela que corresponder aos valores éticos da pessoa e da convivência social. (cf. Gilmar Mendes, in Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, 2007).
Neste exercício de aplicação ao caso concreto, a norma passa a ser o resultado e não o pressuposto. O mesmo doutrinador, citando Gustavo Radbruch, observa que: a interpretação jurídica não é pensar de novo o que já foi pensado, é pensar até o fim o que começou a ser pensado. E continua; Em suma – ironiza Guastini -, a criação jurisprudencial do direito é pudicamente ocultada sob trajes menos vistosos e apresentada como simples explicitação de normas implícitas, como elaboração de normas que se considerem já existentes, embora em estado latente, no sistema legislativo, mesmo que o legislador não as tenha formulado expressamente. Críticas à parte, o que a experiência demonstra é que tudo isso ocorre de maneira necessária, não apenas em decorrência da insuprimível distância entre a generalidade/ abstração das normas e a especificidade/concretitude das situações da vida, mas também, em razão das constantes alterações no prisma histórico-social de aplicação do direito, transformações que ampliam aquela distância, suscitando problemas de justiça material, que o juiz do caso está obrigado a resolver prontamente, até porque não pode aguardar - reitere-se -, as sempre
realmente, a Constituição Federal de 1988 não proíbe o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, diz o relator, isso não autoriza e nem confere amparo legal para que se possa considerar a União homossexual como casamento ou união estável, tal como ocorre em outros países.
65
demoradas respostas do legislador. (op. cit. pp. 54/55 e 89).
Acatando a necessidade de conferir a igualdade formal
prevista no texto Constitucional, diz Glauber Moreno Talavera:
(...) os modelos convencionais afetos às minorias sociais devem ser regulados, pois embora não seja inverídico que a regulação desses modelos cerceia a liberdade dos conviventes, não é menos verdade que a falta de regulação os relega ao obscurantismo, solo fértil para cultivo da discriminação e preconceito.66
No sentido da análise ampla dos dispositivos
constitucionais, em favor do reconhecimento jurídico da união homossexual ou
homoafetiva como união estável e não como mera união de fato, manifesta-se
o acórdão em julgamento de Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Ementa – União Estável homoafetiva. Direito Sucessório. Analogia. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo. Impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a justiça colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe que seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos por maioria.
Voto: (...) A CF 226 caput é cláusula geral de inclusão, não sendo lícito excluir qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e notoriedade, sendo as famílias ali arroladas meramente exemplificativas, embora as mais comuns. As demais comunidades se acham implícitas, pois se cuida de conceito constitucional amplo e
66 União civil entre pessoas do mesmo sexo, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.
33.
66
indeterminado, a que a experiência da vida há de concretizar, conduzindo à tipicidade aberta, adaptável, dúctil, interpretação que se reforça quando o preceito constitucional usa o termo 'também', contido no art. 226, § 4o, que significa 'da mesma forma', outrossim, exprimindo-se uma idéia de inclusão destas unidades, sem afastar-se outras não previstas (voto vencedor do Des. José Carlos Teixeira Giorgis). (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 4º. Grupo de câmaras cíveis, EI 70003967676 - Porto Alegre, rel. para acórdão Des. Maria Berenice Dias, j.9.5.2003).
Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das
Famílias, observa:
Diante da nova definição legal, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, uma vez que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. A realidade demonstra que a unidade familiar não se resume apenas a casais heterossexuais.
As uniões homoafetivas já galgaram o status de unidade familiar.67
A extensão do direito real de habitação na sucessão
hereditária será tratada ao longo deste trabalho, mas já é possível afirmar que
esse caráter não é deferido à entidade familiar formada por filhos de criação,
por parentes que não chefiados pelo pai ou pela mãe ou pela união de pessoas
sem laços sanguíneos ou de adoção (família anaparental).
Entretanto, nesses casos, é possível, por exemplo, que
dois irmãos, de um total de quatro, vivam sob o mesmo teto e que seu
patrimônio tenha sido amealhado em conjunto pelos dois, inclusive o imóvel
residencial. Pergunta-se se, com o falecimento de um dos irmãos, poderia o
67 Manual de Direito das Famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009, p. 196.
67
outro, em vista da necessidade de partilhar o bem com os demais, pleitear o
direito de habitá-lo gratuitamente, mantendo a família anteriormente existente
(na hipótese dos irmãos serem os herdeiros). Tal questionamento será
oportunamente abordado, quando do aprofundamento do direito real de
habitação decorrente da sucessão.
Nessa hipótese, entretanto, independentemente da
discussão acerca do cabimento do direito real de habitação, a condição legal
do herdeiro colateral como mero herdeiro legal poderá ter efeitos. A lei
sucessória brasileira não confere aos colaterais a condição de herdeiros
necessários, podendo, por ato de disposição de última vontade do falecido ou
mesmo por doação, haver destinação exata do bem adquirido pelos dois que
ali residiam, garantindo ou não a manutenção da vida familiar no imóvel, após a
morte do outro.
Por fim, importa frisar que, para determinados casos, a
própria lei e a jurisprudência alargam o conceito de família, seja para
determinar a extensão da Lei 8.009/90 – impenhorabilidade do bem de família,
inclusive para solteiros que moram e vivem sozinhos – seja para reconhecer a
entidade familiar existente entre irmãos solteiros que vivem sob o mesmo
teto68.
68 Sobre essa hipótese, há vários julgados do Superior Tribunal de Justiça, que
reconhecem tais hipóteses como protegidas pela legislação em referência (Lei do bem de família – 8.009/90):
a) “Ementa - Execução. Penhora. Bem de família. Viúva. É impenhorável o imóvel residencial de pessoa solteira ou viúva. Lei 8.009/90. Precedentes. Recurso conhecido e provido. (Recursos Especial 420.086/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. turma, j. 27/08/2002, DJ 07/10/2002 p. 266)”.
b) “Ementa - Execução. Embargos de terceiro. Lei 8009/90. Impenhorabilidade. Moradia da família. Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na lei 8009/90, não podendo ser
68
Pode-se concluir, portanto, acerca da formação e
evolução da família brasileira, o seguinte:
• a família é instituição social e figura como base da
formação e manutenção da sociedade;
• atualmente, o conceito de família, do ponto de vista
jurídico, foi alargado para o que se denomina ‘entidade
familiar’;
• as entidades familiares são núcleos nos quais se
formam e se desenvolvem os mais diversos tipos de
organização familiar;
• as formas familiares mais comuns são as originadas
no casamento, na união estável, nas relações
monoparentais. Ainda há grande discussão sobre a
penhorado na execução de divida assumida por um deles. Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial 159851/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. turma, j. 19/03/1998, DJ 22/06/1998 p. 100)”.
c) “Ementa – Processual. Execução. Impenhorabilidade. Imóvel. Residência. Devedor solteiro e solitário. Lei 8.009/90. A interpretação teleológica do Art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário. (Embargos em Recurso Especial 182.223/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, j. 06/02/2002, DJ 07/04/2003 p. 209).”
d) “Ementa – Civil. Processual Civil. Locação. Bem de família. Móveis guarnecedores da residência. Impenhorabilidade. Locatária/executada que mora sozinha. Entidade familiar. Caracterização. Interpretação teleológica. Lei 8.009/90, art. 1º e Constituição Federal, art. 226, § 4º. - 1 - O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. 2 - Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial 205.170/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, 5ª. turma, j. 07/12/1999, DJ 07/02/2000 p. 173).”
69
qualificação da homoafetividade como entidade
familiar;
• de qualquer modo, seja na forma que for, nosso texto
legislativo apresenta vários dispositivos de proteção e
manutenção familiar, fortemente baseados na
Constituição Federal de 1988, que apresentou
inúmeros instrumentos de intervenção estatal na
família brasileira;
• o direito real da habitação decorrente da sucessão
hereditária é um dos instrumentos que a lei apresenta
para a manutenção da vida familiar e do lar conjugal.
Tais discussões serão objeto de análise, oportunamente,
de acordo com os objetivos do presente trabalho. No próximo capítulo,
ingressa-se propriamente no conceito e histórico dos direito reais, para, após,
tratar do direito real de habitação e suas consequências no direito sucessório.
70
Capítulo 2
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DOS DIREITOS REAIS
2.1. Considerações iniciais
Este capítulo volta-se para o estudo do direito real de
habitação de forma geral, com suas características e consequências. Para
organização do estudo, parte da conceituação dos direitos reais, para chegar
ao direito real de habitação em nosso direito e tal como se põe nos dias de
hoje.
Segue-se, pois, a análise do instituto, organizado da
forma acima explicitada.
2.2. Visão geral dos direitos reais
Para chegar ao conceito do direito real, inserido no direito
das coisas, cumpre fixar que este último trata da regulamentação das relações
entre as pessoas e os bens, no sentido jurídico, bem como da forma de sua
utilização e finalidade. Para tal conceituação – do direito das coisas -, nunca é
demais lembrar a lição de Clóvis Beviláqua:
Direito das coisas, na terminologia do Direito Civil, é o complexo de normas regulamentadoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio. Todavia há coisas espirituais, que também entram na esfera do direito patrimonial, como é o direito dos autores
71
sobre as suas produções literárias, artísticas ou científicas. 69
O conceito acima expendido levanta a questão da
significação dos termos “coisa” ou “bem” que será objeto da apropriação pelo
homem. Denomina-se “coisa” como o gênero do qual o bem ou os bens são
espécie. O sentido da palavra “bem” tem grande amplitude, dependendo do
enfoque oferecido, se filosófico, religioso, do senso comum ou jurídico.
No sentido jurídico, conceitua o termo Clóvis Beviláqua
dizendo que “para o direito, bens são os valores materiais ou imateriais, que
servem de objeto a uma relação jurídica”.70
Arruda Alvim oferece sua definição, informando, inclusive,
que o conceito brasileiro de “coisa”, apesar de não expresso taxativamente no
Código Civil, é perfeitamente válido para nosso ordenamento jurídico. Diz o
mencionado autor:
Num sentido jurídico amplo (ou, num plano de abstração), é coisa toda realidade que apresenta utilidade para o homem, inclusive os bens imateriais. Nesta acepção ampla o significado confunde-se com o de bem/bens. Pode-se dizer que o significado predominante no direito brasileiro é o de que as coisas são objetos corpóreos, existem no mundo físico, ocupando espaço e se apresentam formando um corpo, donde hão de ser tangíveis pelo homem e devem ter consistência, e, que não sejam pessoas (é este o significado assumido pelos Códigos Civis alemão, § 90; japonês, § 85 e pelo grego, art. 947, 1ª. alínea).
Ainda do ponto de vista jurídico, Arnaldo Rizzardo
esclarece:
69 Direito das Coisas, v.I, p. 11. 70 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v. I, p. 214.
72
Juridicamente, o bem constitui a coisa material ou imaterial, não necessariamente com valor econômico, e que vem a ser objeto da relação jurídica que se trava entre os seres humanos (...).71
Dessa forma, pela lição de Arnaldo Rizzardo, a ideia de
coisa ou bem, em nosso direito, está vinculada a valores materiais ou imateriais
que podem, em algum momento, ser objeto de uma relação jurídica. Encontra-
se inserido em tal conceito, podendo entender-se como bem, além daquilo que
pode ser fisicamente percebido, também as prestações ou os comportamentos
humanos. Por tal prisma, o conceito de bem é mais amplo do que o conceito de
coisa, motivo pelo qual o Código Civil, nos direitos reais, trata dos direitos das
coisas e não dos direitos dos bens.
Para o Código Civil português (art. 202º), o conceito de
coisa nos remete a tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas. Tal
conceito é genérico e se assemelha ao que se acata no ordenamento
brasileiro. Por outro lado, de forma restritiva, diz o Código Civil alemão (BGB,
artigo 90) que coisa é apenas o objeto corpóreo, excetuando da definição
aquilo que não possa ser apropriado fisicamente pelo homem.
O direito das coisas, norma que disciplina as relações dos
sujeitos com as coisas (e os bens) e a sua apropriação, está inserido em nosso
Código Civil entre os artigos 1.196 a 1.510. O atual Código Civil sofreu
significativa influência do Direito Civil alemão (BGB), inclusive em sua
localização física. Não que isso seja novidade, pois nosso Código Civil de 1916
já havia sofrido grandes influências do Código Civil alemão, como também da
legislação portuguesa.
71 Parte Geral do Código Civil, p. 339.
73
O Código Civil brasileiro seguiu, como o de outras
legislações (Código Civil suíço, peruano e argentino), o exemplo do Código
Civil alemão, que prevê livro expresso para o direito das coisas.
Pela lição de Cunha Gonçalves, a definição de que o
direito real é a relação da pessoa com a coisa é bastante simplista. A seu
sentir, “o direito real é exercido sobre a coisa e em relação aos homens”.
Segue o referido autor, referindo-se ao Código Civil alemão (BGB), dizendo
que, nessa legislação, “a essência da realidade reside no poder imediato da
pessoa sobre a coisa”.72Pela lição do citado autor:
Direito Real é a relação jurídica que permite atribuir a uma pessoa singular ou coletiva, ora o gozo completo de certa coisa, corpórea ou incorpórea, incluindo a faculdade de a alienar e até de a consumir ou destruir, salvas as limitações da natureza ou da lei (domínio), ora o gozo limitado de uma coisa, que é propriedade conjunta e indivisa daquela e de outras pessoas (compropriedade), ou que é propriedade de outrem (jus in re aliena), com a exclusão de todas as demais pessoas, as quais têm o dever correlativo da abstenção de perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dos mesmos direitos.73
Para Arruda Alvim, conceituando o direito das coisas,
tem-se que:
O Direito das Coisas estabelece as regras jurídicas que afetam diretamente as coisas e atribuem titularidade (direta e imediata, realizável esta por intermédio da posse) sobre uma coisa para uma pessoa (a um sujeito de direito), no que está implicado o dever de abstenção de todos os demais, com a outra faceta, diretamente emergente desse dever, que é a da exclusividade da fruição (uso) e a da
72 Tratado de Direito Civil, , v. II, tomo I, p. 156. 73 Ibid., p. 152.
74
disponibilidade do titular em relação ao seu direito real.74
Segue o mesmo autor, reiterando o conceito de que o
direito das coisas existe para conferir, a um sujeito, titularidade de direitos
incidentes sobre coisas, protegendo-os contra ilícitos praticados ou a serem
praticados por terceiros, bem como objetivando restaurar lesões causadas aos
referidos bens:
Portanto, pode-se dizer que o direito das coisas existe para atribuir titularidade de direitos sobre coisas e configurar todos os elementos com vistas a protegê-los dentro da sociedade, em prol de quem seja o titular, para o que se requer em relação ao último aspecto do concurso do processo, se ocorrerem conflitos, seja para impedir um ilícito em relação a uma tal situação (v.g., interdito proibitório, sediado no plano das ações possessórias), seja, mais comumente, para restaurar a lesão.75
Na definição de Arnoldo Wald, sobre o conceito do direito
das coisas, lê-se:
O direito das coisas abrange o conjunto de normas que regulam as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação, estabelecendo um vínculo imediato e direto entre o sujeito ativo ou titular do direito e a coisa sobre a qual o direito recai, criando um dever jurídico para todos os membros da sociedade.76
Os direitos reais, baseados na relação jurídica existente
entre pessoas e coisas, se opõem, em teoria, aos direitos pessoais, de
conceito e finalidade totalmente diversa em nosso direito.
74 Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. XI, t. I, p. 35-36. 75 Ibid., p. 36. 76 Direito Civil: Direito das coisas, v. IV, p. 1.
75
Em verdade, apenas no direito canônico, em sua Escola
Clássica, no século XII, é que se buscou a real distinção entre os direitos reais
e pessoais. Tal distinção indica que os direitos reais estariam relacionados à
vinculação entre uma pessoa (ou mais pessoas) e uma (ou mais) coisa
determinada, enquanto os direitos pessoais se referiam à relação entre as
pessoas e um vínculo obrigacional.
Nosso ordenamento, como já estudado, apegando-se à
citada Escola Clássica, reconhece a existência dos direitos autônomos, reais e
pessoais. Há, entretanto, direitos pessoais que só existem em função de um
direito real, denominadas obrigações propter rem. Esta categoria vincula os
direitos até então autônomos, visto que um só tem existência em função do
outro.
Certamente, o campo dos direitos reais é o ramo do
direito que mais sofreu influência do direito romano e, talvez, até por essa
razão, sua interpretação no mundo ocidental seja tão homogênea. Diz Cunha
Gonçalves, que:
...se consultarmos a história, veremos que o direito real já estava perfeitamente constituído muito antes de a obrigação passiva universal existir juridicamente. No direito romano, o conceito moderno da ‘obligatio’ só se formou no século V (428) de Roma, isto é, depois que a ‘Lei Poetelia’ substituiu a execução do ‘nexum’ no corpo do devedor pela execução dos respectivos bens.77
Apesar de o direito das coisas tratar das relações
particulares entre sujeitos e bens (ou coisas), é necessário que a nossa
legislação preveja a interferência estatal em algumas oportunidades, inclusive
77 Ibid., v. II, tomo I, p. 156.
76
para manter regras pré-determinadas de convivência e propriedade, como se
verá adiante.
De uma origem romana baseada no poder político
vinculado à propriedade e na propriedade individualista, verifica-se, desde o
século XX, a evolução do conceito de propriedade para contemplar também o
interesse público em detrimento do exclusivamente privado. Anteriormente, nas
Ordenações Filipinas, os direitos reais tinham sua base no direito romano e
canônico, com clara concepção feudal.
A vinda da legislação civil de 2002 não alterou a disciplina
dos direitos reais em nosso ordenamento, apenas trazendo a lume um conceito
de força e responsabilidade, já previsto em nossa Carta Constitucional (art. 5º,
XXIII e art. 170, III), que é o da função social da propriedade e, em
consequência, dos direitos reais.
Tal conceito, dentro do conjunto da legislação brasileira,
demonstra a interferência do Estado nas relações de propriedade,
originariamente, de preocupação dos particulares apenas78. A discussão sobre
a extensão de tal função atribuída à propriedade também foi complementada
com a edição do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), que, dentre outras regras,
possui previsão expressa da chamada usucapião coletiva.
Uma das grandes inovações do atual Código Civil no
campo dos direitos reais, portanto, veio no artigo 1.228 e parágrafos, em
especial no parágrafo 1º, quando afirma:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
78 É certo que a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), o Código de Mineração (Dec.
Lei 1.985/40) e o Código Florestal (Lei 4.771/65) são outros exemplos de lei que contém restrições e limites ao direito de propriedade.
77
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (...).
Ainda, há previsão, no mesmo artigo 1.228, parágrafo 4º.
e 5º., de uma nova espécie de desapropriação, determinada pelo Poder
Judiciário e baseada na chamada posse-trabalho. Conhecer tal inovação é
importante para que se possa entender a nova disposição do legislador em
conferir, claramente, a possibilidade de intervenção estatal nas relações
particulares de propriedade, em prol da coletividade.
Para este estudo e a nosso sentir, a instituição do direito
real de habitação decorrente da sucessão está vinculada, também, ainda que
em teoria, à função social da propriedade, na medida em que confere, na forma
do Código Civil atual, ao cônjuge sobrevivente, por exemplo, o direito a habitar
gratuitamente o imóvel familiar, independentemente de ser ou não herdeiro do
falecido. É, como se verifica, forma clara de intervenção estatal nas
disposições de liberalidade dos particulares, inclusive no campo da sucessão
legítima. Nesse particular, entretanto, cumpre ressaltar que o objetivo da
previsão legislativa e da instituição do direito real de habitação originado na
sucessão hereditária coloca-se em prol da manutenção da família e da ordem
social, mas, sempre, respeitando os princípios que regem os direitos reais, em
especial, da tipicidade e da taxatividade.
78
A ideia da função social da propriedade não é tão
contemporânea como parece. Pelas lições de J.M. de Carvalho Santos, em seu
Código Civil Brasileiro Interpretado, nota-se a preocupação, já de há muito,
com o caráter social da propriedade e da posse:
A propriedade, como a posse, tem, em verdade, o caráter social, no sentido de que só a sociedade permite esta posse como confere aquela propriedade e os demais direitos reais, não se podendo, por isso mesmo, conceber como possa a propriedade ser exercida contra o interesse social, a não ser que a ponto de sacrificá-lo, exterminá-lo, reduzi-lo a nada, pois se conceba a criatura poder se rebelar contra o criador, ter mais direito este, gozar de mais vantagens e regalias, a tanto equivale embaraçar o seu desenvolvimento, o seu progresso, o seu valor.79
Como mencionado neste capítulo, o direito real de
habitação decorrente da sucessão visa respeitar, ao que parece, além de
outros preceitos, a tentativa de manutenção da vida familiar (fundada na função
social da propriedade) e, por esse preceito, não poderia o cônjuge
sobrevivente, no exemplo acima ilustrado, após viver anos e anos com seu
consorte, ficar sem residência para habitar, esfacelando a família até então
constituída, pelo simples fato de, eventualmente, não ser herdeiro dos bens
deixados pelo falecido.80
79 v. 7, p. 270. 80 Pela concepção atual do princípio da dignidade da pessoa humana, que
coloca a família a partir das pessoas que a compõem, poderia-se-ia discutir se o direito real de habitação estaria vinculado à manutenção da vida familiar no lar conjugal e, por conseguinte, se tal direito preservaria o princípio, não permitindo que o indivíduo sofresse a sua própria degradação, após o falecimento de seu consorte.
79
2.2.1. Princípios dos direitos reais
A previsão legal do Código Civil acerca dos direitos reais,
como já explanado, tem seu início no artigo 1.196, porém, apenas no artigo
1.225 é que o legislador trouxe, efetivamente, o rol taxativo dos direitos reais
que se encontram à disposição do indivíduo – há outros direitos reais previstos
em legislação extravagante, mas sempre respeitado o numerus clausus do
instituto.
A própria Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), em seu
artigo 172, afirma que, no registro de imóveis, serão feitas as averbações
relativas a direitos reais sobre imóveis ‘reconhecidos em lei’, ou seja, somente
serão objeto do devido registro ou da devida averbação, direitos reais previstos
em lei (princípio da legalidade ou tipicidade). Veja-se o teor no citado artigo:
Artigo 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, " inter vivos" ou "mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.
Segundo preceitua Maria Helena Diniz – também
corroborada pela lição de Orlando Gomes, Gustavo Tepedino, Silvio Rodrigues,
Carlos Roberto Gonçalves e Arruda Alvim81–:
Os direitos reais não podem ser objeto de livre convenção das partes, que não podem, por si mesmas, criá-los, por estarem vinculadas aos
81 Em sentido contrário, Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de
Direito Civil, v. 3, p. 12, ao afirmar que a convenção particular, desde que não contrarie princípio de ordem pública, pode ser aceita para criar um direito real. Também não aceita o numerus clausus dos direitos reais no Direito Civil português, José de Oliveira Ascensão, afirmando ser o momento do abandono dessa restrição legal.
80
tipos jurídicos que a norma jurídica colocou à sua disposição. Estão limitados e regulados expressamente por norma jurídica, constituindo essa especificação da lei um numerus clausus. 82
Dessa forma, não que o rol dos direitos reais seja, por si
só, taxativo, também como o era no anterior Códex civil, no artigo 674. Em
verdade, os direitos reais propriamente ditos somente podem ser criados ou
extintos por lei, não estando à disposição do particular a sua criação ou
modificação. É certo que, nesse particular, cumpre lembrar que o particular
poderá renunciar ao exercício do direito real, mas tal ato não implica na
extinção, em tese, da modalidade.
Essa característica, de respeitar um rol numerus clausus
de tipos legais, é, assim como a publicidade dos atos, a mais importante
dentre os direitos reais e, por isso, sempre deve permear a sua existência e
utilização. Se houver qualquer imposição restritiva ao direito de propriedade ou
ao direito real e que não advenha de texto legal83, terá, certamente, natureza
obrigacional (jus ad rem) e não de direito real (jus in re), visto que emanada de
vontade das partes contratantes ou celebrantes.
Assim, no campo dos direitos obrigacionais,
contrariamente aos direitos reais, há a flexibilidade de sua constituição, não se
configurando apenas válidas e vigentes as hipóteses expressamente previstas
no Código Civil ou, eventualmente, em legislação esparsa, e sendo possível, a
82 Código Civil Anotado, p. 965. 83 Excepcionalmente, o direito real de habitação em decorrência da sucessão
hereditária possui características diferentes do direito real de habitação puro, visto que, por exemplo, por construção jurisprudencial, dispensa o devido registro para sua existência.
81
critério das partes interessadas, dentro dos limites legais e contratuais,
estipular uma ou algumas obrigações.
Pela lição de San Tiago Dantas:
...sendo certo que os direitos reais prevalecem erga omnes, seria inadmissível que duas, três ou mais pessoas pudessem, pelo acordo de suas vontades, criar deveres jurídicos para toda a sociedade.84
Apenas para exemplificar o critério adotado pelo princípio
mencionado do numerus clausus, importa lembrar que o compromisso de
compra e venda, com cláusula de irretratabilidade, atualmente previsto em
nosso Código Civil como direito real, teve origem no ordenamento jurídico
nacional por intermédio do Dec. Lei 58/37, ou seja, passou a ser considerado
figura do rol dos direitos reais desde que o referido Decreto-Lei o criou,
respeitando a regra acima referida.
Sobre o princípio da tipicidade ou legalidade, diz Arruda
Alvim:
Deve ser entendido – o princípio da tipicidade -, portanto, como a manifestação específica da legalidade no campo do direito das coisas, i. e., os direitos reais precisam estar normativamente previstos (CC de 1916, art. 674 e CC de 2002, art. 1.225); só podem existir, os direitos reais, como tais, se a situação enquadrar-se rigorosamente na regra de direito - subsumindo-se aos respectivos elementos definitórios -, que os prevê. A exigência de respeito à tipicidade, para ingresso no Registro de Imóveis, encontra-se, também, no art. 172 da Lei no. 6.015, porquanto se registráveis são os direitos reais, ‘reconhecidos em lei’, disto se seguindo que o regime de que se trate há de ter sido inteiramente observado e deve ser objeto de análise pelo registrador.85
84 Programa de Direito Civil, v. III, p. 18-19. 85 Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. XI, t. I, p. 424.
82
André Godinho, em sua obra específica sobre o tema,
assevera, distinguindo o princípio do numerus clausus do princípio da
tipicidade:
(...) enquanto o princípio da tipicidade se refere ao conteúdo estrutural do direito real e, portanto, à modalidade de seu exercício, o princípio do numerus clausus diz respeito única e exclusivamente à fonte do direito real.86
Os princípios da taxatividade (numerus clausus) e da
tipicidade (legalidade)87 dos direitos reais também são encontrados,
exemplificadamente, no direito português e no direito argentino. Diz, acerca da
matéria, o Código Civil Português, em seu artigo 1.306º.:
Art. 1.306º. Não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.
Segue o Código Civil Argentino, sobre a mesma previsão
legal:
Art. 2.502. Os direitos reais somente podem ser criados pela lei. Todo contrato ou disposição de última vontade que constituir
86 Direitos reais e autonomia da vontade: o princípio da tipicidade dos direitos
reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 16. 87 Pela lição de Arnoldo Wald, em seu Direito Civil: Direito das Coisas, v. 4. p. 31,
o princípio da taxatividade (numerus clausus) informa que: são direitos reais aqueles reconhecidos pela lei em vigor, vedando-se a criação de novos direitos reais pelas partes. Dessa forma, o princípio da taxatividade dos direitos reais afirma que eles só existem se forem criados por lei, ou seja, a norma enumera, taxativamente, os casos de sua aplicação, não havendo aplicação analógica da lei. Pelo princípio da tipicidade (também chamado de legalidade ou tipicidade estrita), além do direito real estar previsto em lei, seu conteúdo também necessita estar tipificado no texto legal, para que possa ser assim considerado.
83
outros direitos reais, ou modificar os que por este código se reconhecem, só valerá como constituição de direitos pessoais, se como tal puder valer. (tradução livre)
Podemos citar ainda, como princípios fundamentais dos
direitos reais:
• a) aderência ou especialização;
• b) absolutismo;
• c) publicidade;
• d) perpetuidade;
• e) exclusividade;
• f) elasticidade e consolidação.
O princípio da aderência informa que, entre a coisa e o
sujeito, há um vínculo, independentemente de qualquer sujeito passivo, até
porque o direito real é oponível erga omnes, dotado do direito de sequela. A
relação entre a pessoa e a coisa, portanto, é direta e imediata, existindo onde
quer que a coisa se encontre. Tal concepção é que oferece força suficiente
para a manutenção da teoria clássica ou realista dos direitos reais, posto que,
atualmente, o ponto fundamental que diferencia os direitos reais dos pessoais é
que, no primeiro, a atuação do sujeito é direta e imediata, sem a necessidade
de intervenção de qualquer outra parte ou terceiro. Tal princípio, portanto, é
base dos direitos reais e o diferencia sobremaneira dos direitos pessoais, onde
a prestação obrigada somente pode ser exigida do sujeito passivo ou dos
devedores, tidos como intermediários para o sujeito ativo chegar à coisa.
O artigo 1.228 do Código Civil diz, claramente, que o
proprietário pode usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem quer que
84
injustamente a detenha, explicitando a aderência da pessoa à coisa. É certo
que cada direito real terá as suas peculiaridades, principalmente, de acordo
com a função exercida.
O princípio do absolutismo refere-se à característica dos
direitos reais serem oponíveis erga omnes, ou seja, em face de todos, que, por
direito legalmente estabelecido, não podem turbar ou esbulhar o direito do
titular, ou ameaçar esse direito com atos de turbação ou esbulho. Tal princípio
segue a teoria clássica ou realista dos direitos reais. Como já explanado, em
decorrência do efeito erga omnes, origina-se o direito de sequela. Tal direito
nada mais é do que a possibilidade de buscar a coisa, bem como de exercer o
direito de preferência sobre ela, da qual há titularidade baseada em um direito
real, contra qualquer pessoa que a detenha injustamente.
Pela previsão do princípio da publicidade, na forma do
artigo 1.227 do Código Civil, os direitos reais sobre bens imóveis somente
podem ser adquiridos efetivamente com o devido registro no Cartório de
Registro de Imóveis do título objeto do vínculo. Os bens imobilizados por lei,
como navios e aeronaves, possuem disciplina própria, cujo registro e
publicidade se assemelham às regras dos bens imóveis, regras estas
específicas, que podem ser verificadas nas Leis 7.652/88 e 7.565/86. Para os
bens móveis, a confirmação do direito real viria pela tradição do bem. A
publicidade dos direitos reais sobre imóveis e móveis é proposital para
possibilitar a ciência a terceiros que, eventualmente, podem ser objeto de
demanda do titular, com vistas a exercer o seu direito de reaver a coisa de
quem quer que a detenha (efeito erga omnes).
85
Como afirmado por Arruda Alvim, tratando dos princípios88
dos direitos reais:
(...) o regime jurídico dos direitos reais (sobre imóveis) adota o princípio da publicidade. Tem-se que o desenvolvimento e evolução do princípio da publicidade é que fez nascer o sistema registral. É a partir da publicidade e em torno dela, que é quase sempre constitutiva em nosso sistema, como na hipótese de uma compra e venda (art. 1245, caput, do CC e art. 167, I, no. 29, da Lei no. 6.015), objeto de publicidade (registro), então com a transferência da propriedade, que encontramos o elemento principal do sistema de registros.89
Para o presente estudo, entretanto, como já foi dito
anteriormente, importa lembrar que o direito real de habitação decorrente da
sucessão não prescinde do necessário registro para sua vigência90, podendo
ser realizado a posteriori, com o respectivo formal de partilha, para que possa
surtir efeitos erga omnes. Tal característica atribui ao direito real de habitação,
originado na sucessão, um diferencial em relação aos direitos reais em geral,
aspecto que será analisado, com maior profundidade, em tópico próprio.
Pelo princípio da perpetuidade infere-se que o direito real,
em especial o direito de propriedade, é perpétuo e não se perde pelo não uso.
A extinção ou modificação de um direito real apenas se poderá dar pelos meios
88 A respeito dos registros a serem efetivados no registro de imóveis, por
exemplo, o artigo 172 da Lei de Registros Públicos, assim menciona: “Artigo 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, "inter vivos" ou "mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”.
89 Ibid., p. 421. 90 A respeito da desnecessidade de registro para constituição do direito real de
habitação decorrente da sucessão hereditária, vide Recursos Especiais 74.729/SP (rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira) e 565.820/PR (rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito) – STJ.
86
legais previamente expressos, tais como a renúncia, o abandono proposital, a
desapropriação, dentre outros.
O princípio da exclusividade consiste na regra de que não
há a incidência de direitos reais de igual conteúdo para a mesma coisa. Não é
possível, portanto, haver direitos reais ofertados a duas ou mais pessoas
diferentes, com mesmo objeto e conteúdo. Se houver direito real concomitante
entre vários titulares, certamente, cada qual possui a sua porção real e distinta
dos demais.
Por fim, os princípios da elasticidade e da consolidação,
nas palavras de Arruda Alvim, assim se conceituam e se situam, nos direitos
reais:
Vale dizer o desmembramento é o princípio que, num primeiro momento, designa a criação de direito real; e, inversamente, o da consolidação indica o término do direito real, com a volta do (s) elemento (s) constitutivo (s) (poder e faculdades respectivas) desse direito real ao âmbito dos poderes do titular do direito de propriedade de onde se haviam originado. São os princípios da elasticidade ou do desmembramento, e o da consolidação. (...). Assim, o direito de propriedade, sendo elástico, se desmembraria em todos os outros tipos de direitos reais possíveis, ou seja, pelo utilizar da expressão possíveis, significamos viabilidade de convivência de mais de um direito real, geneticamente ligados ao mesmo direito de propriedade. No entanto, se esse desmembramento é usual, porque pode corresponder às múltiplas necessidades de fruição do bem imóvel e mantença da titularidade, pode-se dizer que tende para a ulterior reunificação destes direitos em mãos do titular do direito de propriedade-matriz (consolidação), e, uma vez findo esse desdobramento, volta o proprietário a enfeixar em suas mãos a totalidade dos elementos representativos das faculdades, utilidades e poderes desse direito, todos eles juntos, sob
87
forma de domínio pleno; e, com isto os direitos reais, por isto mesmo, terão desaparecido.91
O princípio da elasticidade refere-se aos direitos reais,
facultando a esses seu desmembramento, sempre originado no direito real
mais completo, que é o direito de propriedade. Com a extinção de um direito
real específico (uso, usufruto, habitação, por exemplo), surgido do direito de
propriedade, há a consolidação desse direito real destacado no direito
originário.
No caso do direito real de habitação, por exemplo, ao
constituí-lo, a determinação das partes ou da lei destaca do direito de
propriedade o ius utendi, enquanto perdurar o direito instituído. Após sua
extinção, tal elemento da propriedade (direito de usar) retorna ao proprietário,
consolidando o direito do titular.
2.2.2. Elementos e modalidades dos direitos reais
O Código Civil Brasileiro prevê, em seu artigo 1.225, os
seguintes direito reais (com a inserção dos incisos XI e XII, de acordo com a
Lei 11.481, de 31 de maio de 2007):
Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação92;
91 Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, v. XI, t. 1,
2009, p. 436-437. 92 O direito real de habitação previsto no art. 1.225 do Código Civil atual é similar
ao direito real de habitação decorrente da sucessão, mencionado no art. 1.831 do mesmo diploma legal, visto que, neste último, algumas características o tornam diferenciado, como a desnecessidade de registro para sua constituição (como
88
VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para
fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso.
Como foi visto, os doze incisos citados do artigo 1.225
são as modalidades de direitos reais previstas em nosso Código Civil. É
importante lembrar que não se verifica em nossa legislação, como na Lei Civil
portuguesa e argentina93, a indicação expressa dos princípios da tipicidade e
da taxatividade dos direitos reais. A adoção de tais princípios, contudo, decorre
do próprio instituto e da construção doutrinária acerca do assunto. Entretanto,
isso não significa que o rol do Código Civil seja único, mas, sim, que as
hipóteses de direitos reais são taxativas, ou seja, é possível encontrar outras
modalidades ao longo do estudo do Código Civil e da legislação extravagante,
como o exemplo do próprio direito real de habitação atribuído aos
companheiros (previsão da Lei 9.278 de 1996, em seu artigo 7º., parágrafo
único94), da retrovenda (artigo 505 do Código Civil) e da alienação fiduciária em
garantia. Tais modalidades, em que pese estarem localizadas fisicamente fora
do ‘livro’ dos direitos reais, inclusive em legislação extravagante, decorrem,
exclusivamente, de previsão legal.
mencionado acima, relatando os Recursos Especiais 74.729/SP (rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira) e 565.820/PR (rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito) – STJ). Quanto aos direitos e deveres do habitador, também existem peculiaridades do direito assegurado no art. 1.831, que serão oportunamente aprofundadas.
93 Código Civil Português, artigo 1.306º e Código Civil Argentino, art. 2.502. 94 A discussão da vigência ou não de tal legislação em relação ao direito real de
habitação aos companheiros será objeto de discussão em tópico próprio.
89
Do rol acima indicado e outras mais encontradas no
Código Civil, a título exemplificativo, são quatro as espécies:
• o direito de propriedade, o mais amplo dos direitos
reais;
• os direitos reais de gozo ou fruição: concessão
especial para fins de moradia, enfiteuse (extinta),
concessão de direito real de uso, superfície, servidão,
usufruto, uso, habitação;
• os direitos reais de garantia: penhor, hipoteca e a
anticrese, alienação fiduciária e;
• a retrovenda e o direito do promitente comprador do
imóvel.
Cada qual dessas modalidades possui características
próprias, sempre pautadas pelos elementos inerentes aos direitos reais e à
propriedade (o mais completo dos direitos reais). Tais elementos qualificam os
direitos reais, a propriedade e a posse e são:
• direito de usar (jus utendi);
• direito de gozar ou fruir (jus fruendi);
• direito de dispor (jus abutendi) e;
• direito de reaver a coisa de quem quer que
injustamente a detenha (reivindicatio).
Como dito, o direito de propriedade é o mais completo e
mais amplo dos direitos reais, contendo, em seu exercício, todos os elementos
acima citados, ou seja: os direitos de usar, fruir, dispor e reivindicar contra
quem injustamente detenha a coisa.
90
Por outro lado, nos direitos reais de gozo ou fruição, de
garantia, ou no direito do promitente comprador, o respectivo titular exerce,
com plenitude, um ou alguns dos direitos que compõem a propriedade. Para
este estudo, apresentam-se, adiante, os elementos que estão envolvidos com
os direitos reais sobre coisas alheias (de gozo ou fruição), em especial, quanto
ao usufruto, uso e habitação.
A seguir, passa-se, então, à análise de cada um dos
elementos que compõem os direitos reais, visto que o exercício do direito real
de habitação, inclusive originado na sucessão, possui um ou alguns desses
elementos e tem seus limites estabelecidos por eles.
2.2.2.1. Elementos dos direitos reais
Os quatro elementos basilares do direito real, existentes
conjuntamente na propriedade (e, especificadamente, nos demais direitos
reais) são, para Arnoldo Wald95, divididos em sua vertente interna (da relação
existente entre o proprietário e o bem) e externa (da relação entre o proprietário
e os chamado sujeito passivo universal, existente no direito das coisas, que
gera eventuais conflitos e a necessidade do uso dos interditos possessórios).
Pela visão interna dos elementos dos direitos reais,
destacam-se:
a) Direito de usar (ius utendi): é a faculdade de, em
estando com a coisa, servir-se dela, do bem, do objeto da propriedade, sem,
todavia, alterar-lhe a substância, ou seja, sem alterar as características do bem
objeto do direito. A idéia de servir-se do bem está vinculada às utilidades da
95 Direito Civil – Direito das Coisas, v. 4, p. 22.
91
coisa. Nessa medida, o direito de usar pressupõe que o proprietário desfrute
das utilidades que a coisa tem e que a coisa proporciona, mas sem lhe alterar a
substância.
É certo que o direito de uso do bem é limitado aos demais
direitos previstos no Código Civil e demais legislações, como o uso nocivo da
propriedade, por exemplo.
No caso do direito real de habitação, transmite-se, ao
habitador e à sua família, o direito de usar, destacando-o do direito de
propriedade, conferido ao titular do domínio.
b) Direito de gozar ou fruir (ius fruendi): este elemento da
propriedade é o direito de perceber os frutos e/ou produtos que a coisa produz
ou pode produzir ao longo do tempo (podendo ser frutos naturais ou civis,
dependendo do caso, ou, cumulativamente, os dois). Pela disposição do
instituto e pela amplitude de suas consequências, é certo que o direito de fruir
ou gozar, no mais das vezes, termina por incluir, em seu exercício, o direito de
uso e a posse do bem. A recíproca não é verdadeira, por exemplo, no caso da
servidão, onde há o exclusivo direito de uso, sem qualquer permissão para a
fruição da coisa.
c) Direito de dispor (ius abutendi): O direito de dispor do
Código Civil Brasileiro é mais restrito do que a ideia contida no ius abutendi ou
disponendi dos romanos, mas, de qualquer forma, é o traço distintivo entre a
propriedade e os demais direitos reais. O direito de dispor da coisa consiste,
literalmente, na disposição que o titular tem sobre ela para alterar-lhe a
substância ou então consumi-la, destruí-la ou abandoná-la. Por tal
característica, o titular da propriedade ainda pode alienar ou ceder a coisa a
92
terceiros, transferindo o direito de propriedade, seja por venda, troca ou mesmo
doação.
O último elemento que compõe a propriedade, este de
vertente externa, é:
d) Direito de reaver a coisa de quem quer que
injustamente a detenha (reivindicatio). O direito supramencionado é o que
garante ao titular da propriedade ou da posse, dependendo das circunstâncias
(inclusive se houve divisão entre posse direta e indireta), o direito de proteger a
coisa contra o sujeito passivo universal, que, no caso concreto, passará a ter
qualificação: é aquele que pretende esbulhar ou turbar a posse ou já o fez. Tal
direito é o ponto máximo da propriedade, onde há a exclusão de terceiros
sobre a coisa que não lhes pertence legalmente – ou justamente - (a posse foi
obtida por atos violentos, clandestinos ou precários). Os direitos obrigacionais,
contrariamente ao previsto nos direitos reais, permitem ao titular dos créditos
nele inseridos promover a quitação forçada das obrigações somente contra os
sujeitos passivos que firmaram os negócios jurídicos, não existindo o sujeito
passivo universal.
É certo que a propriedade, por ser o mais completo dos
direitos reais, contém os quatro elementos acima citados. Nos demais direitos
reais, seja de garantia, seja sobre coisas alheias (de uso ou fruição), como já
foi explanado, o exercício do direito pelo titular abrange um ou alguns dos
elementos desmembrados da propriedade.
No capítulo seguinte, analisar-se-ão, portanto, os direitos
reais sobre coisas alheias, de gozo ou fruição, em especial o direito real de
habitação. Para tanto, apresenta-se uma breve análise sobre o usufruto e o
93
uso, visto que são institutos assemelhados e importantes para o entendimento
do objeto do presente trabalho.
94
Capítulo 3
O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
3.1. Aspectos iniciais
Como já se adiantou, passa-se agora a explorar, com a
necessária profundidade, o direito real de habitação, foco do presente estudo,
de modo a observar sua perspectiva histórica, previsão em outras legislações,
seu conceito jurídico e, em momento subsequente, sua aplicação no direito das
sucessões.
3.2. Perspectiva histórica
Historicamente, o direito real de habitação (habitatio)
surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como uma modalidade mais restrita
do que o originário direito real de usufruto. Em verdade, o direito real de uso e
o direito real de habitação decorrem do mais amplo dos direitos reais de gozo
ou fruição sobre coisas alheias, que é o usufruto96.
No direito germânico, contrariamente à nossa legislação
civil, o uso e a habitação são considerados modalidades do usufruto,
classificados nas denominadas servidões pessoais limitadas. No Código Civil
Alemão (BGB), portanto, não se faz a distinção entre o usufruto, o uso e a
96 O usufruto é assim definido por Paulo, no Digesto, Liv. 7º., Tít. 1º, Frag. 1º.:
“usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi, salva rerum substantia”, ou, em língua pátria, o direito de usar a coisa pertencente a terceiro, percebendo-lhe os frutos, sem alteração de sua substância.
95
habitação, tal como se coloca em nossa legislação. Para o direito germânico,
portanto, o direito real de habitação, como se verá a seguir, é modalidade
reflexa das servidões pessoais.
Os direitos reais de gozo ou fruição, denominados
usufruto, o uso e a habitação, têm suas origens vinculadas ao direito romano97
e, antes da vigência do Código Civil Brasileiro de 1916, a ele se recorria para
sua utilização.
Tais direitos reais de fruição são assim conceituados, pela
lição advinda do direito italiano, nas palavras de Roberto de Ruggiero:
Das quatro figuras típicas, conhecidas no direito romano, de gôzo de cousa alheia atribuído como direito real a uma pessoa determinada, apenas chegaram até ao nosso o usus fructus, o usus e a habitatio, tendo desaparecido as operae servorum. Mas esses três bem se podem reduzir a um conceito único, que é o do usufruto. Não é, na verdade, o direito de uso senão um usufruto mais restrito, um gôzo de cousa alheia limitado às necessidades do usuário e da sua família e não difere, assim, qualitativamente do gôzo ilimitado do usufrutuário, mas apenas quantitativamente. Por sua vez o direito de habitação não é mais do que uma forma particular do uso, caracterizada pela natureza especial da cousa sobre a qual o gôzo do usuário se concretiza: é um direito de uso sôbre uma casa de habitação.98
97 A origem do usufruto e de suas derivações pode ser verificada no Digesto de
Justiniano. Tal legislação, na verdade, é uma composição de fragmentos de doutrina de juristas clássicos da época (em vigor a partir de 30 de dezembro de 533). A reunião de textos e proposições dos inúmeros juristas que participaram do projeto foi um grande óbice para sua conclusão, em vista da divergência de opiniões e idéias. Por conta da necessidade de selecionar o que havia de melhor e mais condizente com as necessidades romanas, o Digesto (ou Digesta ou Pandectas), promulgado em 15 de dezembro de 533, passou a ser uma obra completa e um verdadeiro resumo do Direito Romano. Em vista da importância e complexidade do Digesto, diz-se que ele é a base de quase todos os Direitos modernos.
98 Instituições de Direito Civil, v. II, p. 424/425.
96
Acompanha o conceito acima exposto, inclusive quanto à
semelhança dos institutos, a lição de Silvio de Salvo Venosa. Note-se,
entretanto, que, apesar da mencionada semelhança entre os direitos reais de
gozo ou fruição, há distinção expressa na legislação brasileira acerca de cada
uma das modalidades, suas características peculiares e seus limites de
exercício99:
Usufruto, uso e habitação são direitos de gozo ou fruição sobre coisa alheia, merecendo estudo conjunto, pois uso e habitação são institutos mais restritos, porém, da mesma natureza, regidos pelo conteúdo geral mais amplo de usufruto.
(...) Portanto, usufruto é um direito real
transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva sua substância.100
Dessa forma, nota-se que o direito real de usufruto atribui
ao titular de seu exercício os direitos plenos de usar (ius utendi) e gozar (ius
fruendi) da coisa alheia. Por tal motivo, ou seja, por sua abrangência, tal
instituto é mais atraente do que o uso ou a habitação convencional. De
qualquer forma, não há, nessa hipótese – do usufruto -, a transmissão do
direito de disposição (ius abutendi) sobre a coisa, que fica reservado
exclusivamente ao nu-proprietário.
Instituído o usufruto, portanto, tem-se que permanecerá a
coisa, concomitantemente, em propriedade e posse indireta com o titular do
domínio (nu-proprietário), titular do bem e dotado do direito de disposição, bem
99 Conforme artigos 1.390 (usufruto), 1.412 (uso) e 1.414 (habitação) do Código
Civil Brasileiro de 2002. 100 Direito Civil: Direitos Reais, v. 5, p. 455.
97
como com o usufrutuário, que exercerá posse direta e os direitos atribuídos a
ele, de usar e fruir da coisa alheia. Com tal estrutura, não poderá o primeiro
(nu-proprietário) tomar quaisquer medidas contra o usufrutuário, que
embaracem ou atrapalhem o uso e a fruição do bem101, sob pena de, contra
ele, serem utilizadas as ações de defesa da posse102 (interditos possessórios
previstos na legislação civil brasileira103).
O direito real de uso e o direito real de habitação, por sua
vez, têm origem no usufruto e dele extraem várias de suas características e
formas de constituição e extinção. O primeiro, direito real de uso, tido por
Washington de Barros Monteiro como instituto sem qualquer utilização prática
ou significação jurídica em nosso país104, é assim conceituado, nas palavras de
mesmo autor:
Uso é usufruto restrito e, como este, ostenta as mesmas características: a) direito real, porque incide diretamente sobre a coisa; b) direito temporário; c) desmembramento da propriedade. Mas, por outro lado, tem predicados exclusivos, porquanto, ao contrário do usufruto, é indivisível e incessível. Nem seu exercício pode
101 Na hipótese de assim instituído, poderá o nu-proprietário exigir do
usufrutuário a prestação de caução, conforme giza o artigo 1.400 do Código Civil atual (antigo artigo 729 do Código Civil de 1916). Com isso, ao que parece, busca o legislador garantir a integridade da coisa ofertada em usufruto, bem como a liberdade de exercício do usufruto.
102 Nesse sentido, veja-se o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do então Ministro Carlos Alberto Menezes Direito sobre a matéria: “Ementa - Direito real de habitação. Ação possessória. Artigos 718, 748, 1.611, § 2º, e 1.572 do Código Civil de 1916. 1. O titular do direito real de habitação tem legitimidade ativa para utilizar a defesa possessória, pouco relevando que dirigida contra quem é compossuidor por força do art. 1.572 do Código Civil de 1916. Fosse diferente, seria inútil a garantia assegurada ao cônjuge sobrevivente de exercer o direito real de habitação. 2. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial 616027/SC, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª. turma, j. 4/06/2004, DJ 20/09/2004 p. 293).
103 Os interditos possessórios típicos são as ações de reintegração e manutenção de posse, bem como o interdito proibitório, conforme previsto no artigo 1.210 do Código Civil.
104 Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, v. 3, p. 315.
98
ceder-se. Tanto o usufrutuário como o usuário gozam de coisa alheia, porém, enquanto o gozo do primeiro se reveste de amplitude, o do segundo sofre restrições.105
O direito real de uso, portanto, nada mais é do que um
usufruto limitado ou restrito que atribui ao usuário apenas o direito de usar a
coisa (ius utendi). Chegou-se a denominá-lo como usufruto em miniatura. Em
vista das restrições legais existentes quanto à sua forma de atuação, tem-se
que o instituto é pouco utilizado em nosso país, em vista, inclusive, da
existência do usufruto. Esse último, por ser mais amplo e admitir em sua
constituição a celebração da forma e das regras que melhor convierem às
partes, salvaguardadas as disposições legais, mostra-se mais útil e mais
atrativo do que o direito real de uso. Desse prisma, nota-se que as partes
interessadas poderão constituir o usufruto em vez do uso, impondo eventuais
limitações ou restrições, sempre respeitando o texto legal.
O direito real de habitação (habitatio), por sua vez,
também considerado ramificação do direito real de usufruto e ainda mais
restrito do que o direito real de uso, tem também suas origens no direito
romano. Tal direito possui características peculiares e específicas, de modo
que sua utilização no direito das sucessões, decorrente de previsão legal, é
ponto fundamental de sua existência e estudo. Em verdade, esse é o objeto
central deste trabalho.
Em virtude da existência do direito real de habitação
decorrente do direito hereditário é que o instituto apresenta maior significação
em nosso direito, visto que a instituição de direito real dessa natureza, fora dos
105 Ibid., p. 315.
99
casos do direito sucessório, é uma hipótese bastante remota. Assim como no
uso, os interessados terminam por optar pelo usufruto, com imposição de
eventuais limitações, por sua abrangência e costumeira instituição em casos
semelhantes.
Como é lembrado por Eduardo Espínola106, o direito real
de habitação foi concebido, em seus primórdios (direito romano), como o uso
aplicado, especificamente, às casas (aedium usus). Entretanto, o direito de uso
constituído sobre uma casa é diferente do direito real de habitação, pelo
objetivo do instituto, pela possibilidade de cessão (o direito romano permitia a
locação do imóvel gravado) e, pela extinção em virtude do não uso, ao direito
real de habitação, que, necessariamente, recai em uma casa e possui
características próprias.
Na lição de Joannis Voet, tem-se que a habitação era, na
menção do Pandectas, alimentorum pars, ou seja, parte dos alimentos107. Tal
referência também é lembrada por Lafayette Rodrigues Pereira, quando
escreve sobre direito brasileiro das coisas108.
Após esse momento, o direito real de habitação foi
admitido como direito próprio, caracterizado na qualidade de usufructus
habitationis. Dessa forma, não mais se confunde, nos dias atuais, o direito real
de habitação com os antigos usus fructus aedium (usufruto de edifícios) ou com
o usus aedium109 (uso de casas), inclusive porque o atual direito real de habitar
106 Direitos Reais Limitados e Direitos Reais de Garantia, p. 286, nota 31. 107 Commentariorum ad pandectas: libri quinquaginta. Veneza: Sumptibus Petri
Milesi Edit., 1827, t. 1, p. 175. 108 Direito das Coisas, p. 277, nota 23. 109 Segundo A. Ernout e A. Meillet, em seu Dictionnaire Étymologique de la
Langue Latine, Paris: Klincksieck, 1957 e F. Gaffiot em seu Dictionnaire Illustré Latin-Français, Paris: Hachette, 1955, o termo aedium é a forma do caso genitivo plural de
100
não pode ser cedido ou locado pelo habitador, como anteriormente previsto em
tais disposições.
Ademais, na previsão romana, o direito originado no usus
aedium se extinguia pelo denominado ‘não uso’, o que não ocorre com a
habitação (habitatio), inclusive nos dias atuais.
O direito romano também fazia distinção exata entre os
institutos em sua previsão legislativa (tal como a legislação brasileira), mas,
com relação à cessão do direito real de gozo ou fruição, mencionava que era
permitido ao beneficiário alugar a casa cedida em habitação, como bem
observa Clóvis Beviláqua:
O direito romano, distinguindo a habitatio do usus e do usufructus, dava-lhe o caráter de direito especial (quasi proprium aliquod jus). O habitador podia morar na casa ou alugá-la. Estava obrigado a dar caução.110
Comentando a disposição do direito romano sobre o tema
– exercício do direito real de habitação e seus limites -, Rubens Limongi França
escreve:
No que tange ao exercício do Direito de Habitação determina o ordenamento (art. 746) que o titular, em relação à casa alheia, “não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”.
Estas disposições, porém, não são incompatíveis com a amplitude que o Direito Romano emprestava ao instituto: “semelhantemente, quem tem o uso de uma casa entende-se ter somente o direito de nela
aedes – (templo, lar, casa); aedium significa “das casas”. Aedes, aedium deram origem aos termos portugueses edifício, edificação, edícula, edificar. Aedes designa o conjunto de uma construção e tem o sentido de “lar”. Por outro lado, a forma habitationem (de onde veio o português habitar, habitação) é o caso acusativo de habitatio (moradia). Assim, pode-se dizer que aedium se refere ao “lar” e habitationem indica, simplesmente, moradia.
110 Direito das Coisas, p. 321.
101
habitar êle próprio, sem poder transferir a outrem esse direito. E apesar disso tem-se admitido seja-lhe lícito receber nela hóspede; tem o direito de habitar com sua mulher e filhos, e também com os libertos e com outras pessoas livres que se utiliza como servos. E, conseqüentemente, pertencendo o uso da casa à mulher, é-lhe lícito habitá-la com o marido.111
Em nosso direito, o usufruto, o uso e a habitação tinham
previsão expressa no Código Civil revogado de 1916, nos artigos 713 a 748.
Na atualidade, tais institutos mantêm a previsão legislativa autônoma, nos
artigos 1.390 a 1.146, como se verá a seguir, com a análise específica do
direito real de habitação em nosso direito e no direito estrangeiro.
3.3. O direito real de habitação no Código Civil Brasileiro
Como acima verificado, o direito real de habitação é
previsto no Código Civil Brasileiro de 2002, nos artigos 1.414, 1.415 e 1.416.
No revogado Código Civil, de 1916, a previsão de tal direito se encontrava nos
artigos 746, 747 e 748.
Verificando o instituto, é possível aferir que há duas
modalidades de direito real de habitação:
• direito real de habitação convencional ou voluntário
(estipulado respeitando-se a vontade das partes
envolvidas ou a vontade do instituidor, no caso do
testamento ou declaração unilateral de vontade, por
exemplo);
111 Manual de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 249.
102
• direito real de habitação legal (originado em
determinação legal, como, por exemplo, no artigo
1.831 do Código Civil – objeto deste estudo -, que o
estabelece em favor do cônjuge sobrevivente, no caso
de morte de seu consorte, relativamente ao imóvel
familiar, se for o único dessa natureza a inventariar).
Ao analisar os dispositivos legais da legislação civil atual,
nota-se que não houve, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002,
qualquer alteração no conceito e previsão legal do direito real de habitação no
bojo dos direitos reais, em relação ao Código Civil de 1916, que continua sendo
uma modalidade restrita do usufruto e do uso, especificamente para conceder,
como direito personalíssimo, a determinada pessoa ou a determinadas
pessoas, o direito gratuito de habitar a casa alheia112. As alterações havidas no
direito real de habitação decorrente da sucessão hereditária, que ocorreram e
foram significativas, serão analisadas em seguida, em tópico próprio.
Importante lembrar que, via de regra e seguindo a posição
majoritária da doutrina brasileira, com será visto adiante, o habitador está
proibido de alugar ou emprestar o imóvel, sendo apenas autorizado a morar
com sua família e empregados domésticos.
Conclui-se, dessa primeira análise, que o direito real em
comento é personalíssimo – ainda que incida em prol de várias pessoas
distintas, conforme diz o artigo 1.415 do Código Civil - e recai sempre sobre
112 Na lição de Maria Helena Diniz, em seu Curso de Direito Civil Brasileiro, 22. ed., 2007, p. 447, a obrigação de habitar não é, necessariamente, a fixação do domicílio: “De maneira que o conteúdo da habitação é o habitar, não consistindo na fixação de domicílio. É perfeitamente possível que se habite, sem que seja o lugar do domicílio aquele em que se habita. A habitação é a permanência temporária sem ânimo definitivo de ali permanecer, que caracteriza o domicílio”.
103
bem alheio, tal como prevê o direito civil germânico. Vejam-se os artigos 1.414
e 1.415 do atual Código Civil:
Artigo 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.
Artigo 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la.
O conceito de família, trazido pelas citadas modalidades
de direitos reais é vago e impreciso. Em verdade, como o direito real de
habitação é tratado como o uso com destinação específica de habitação
gratuita, é útil recorrer a algumas disposições do direito real de uso, para
melhor elucidação dos limites do direito real de habitação. Nesse sentido, veja-
se o artigo 1.412 do Código Civil:
Artigo 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família.
§ 1o Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver.
§ 2o As necessidades da família do usuário compreendem às de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.
Sobre essa imposição legal, Clóvis Beviláqua, ao
comentar o Código Civil Brasileiro de 1916, em seus artigos 743 e 744, afirma
que as necessidades pessoais do usuário e do habitador são as existentes na
constituição do direito e aquelas que sobrevierem após tal momento. Da
mesma forma, os filhos e empregados domésticos são tanto aqueles já
104
existentes no momento da instituição do direito real de uso ou habitação quanto
os que surgirem posteriormente. Veja-se o comentário do autor sobre tais
questões:
Entrou em duvida, se as necessidades pessoaes do usuário são as existentes no momento, em que se constituiu o uso, quaesquer que ellas venham a ser no curso da sua existência, emquanto subsistir o seu direito. Devemos seguir a interpretação mais favorável ao usuário, e declara que o seu direito subsiste e se desenvolve, se as suas necessidades pessoaes augmentarem. Não se considéram necessidades pessoaes as da industria ou commercio do usuário.
Na expressão filhos não se comprehendem sómente os que existem ao tempo da constituição do uso, mas, egualmente, os que sobrevierem. O mesmo se deve dizer das pessôas do serviço domestico.113
Seguindo a mesma disposição do Código Civil Argentino,
a lei civil brasileira afirma, com clareza, que, para a concessão do direito real
de uso – e de habitação –, deverão ser levadas em consideração as
necessidades pessoais do usuário – e do habitador -, de acordo com a sua
condição social e o lugar onde viver.
Ademais, o conceito de família, para fins de compreender
o direito real de uso e de habitação, inclui, no direito brasileiro, o próprio
habitador (ou ele sozinho), seu cônjuge, seus filhos solteiros e os empregados
domésticos necessários para a manutenção da vida familiar.
Quanto às demais disposições, como formas de
constituição ou de extinção, diz o artigo 1.416 do Código Civil Brasileiro de
2002 que a habitação aproveitará, naquilo que não for contrário à sua natureza,
113 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. 9. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1953, v. 3, p. 327 e 328.
105
as regras do usufruto, exceto quanto à extinção pelo não uso114. Leia-se, in
verbis:
Artigo 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.
As formas de extinção do usufruto são aplicáveis ao
direito real de habitação, exceto a extinção pelo não uso. Tais modalidades
estão expressamente previstas no artigo 1.410 do Código Civil de 2002,
conforme segue:
Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
I - pela renúncia ou morte do usufrutuário; II - pelo termo de sua duração; III - pela extinção da pessoa jurídica, em
favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;
IV - pela cessação do motivo de que se origina;
V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;
VI - pela consolidação; VII - por culpa do usufrutuário, quando
aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).
A esse respeito, acertada é a lição de Glauber Moreno
Talavera, em seu trabalho acerca da função social como paradigma dos
direitos reais de fruição, quando afirma que as disposições do usufruto também
114 Conforme a lição de Orlando Gomes, em seu Direitos Reais, 19. ed. atual. por
Luiz Edson Fachin, p. 355, 2004, pacífica em nossa doutrina, o direito real de habitação não se extingue pelo não uso.
106
se aplicam à habitação, exceto quanto àquilo que não se coaduna com a
essência da habitatio:
As disposições imanentes ao usufruto são aplicáveis à habitação, se estas não forem díspares da sua essência, acrescentando-se que, no período romanístico, a habitatio extinguia-se não apenas pelos modos de extinção do usufruto, mas também por força terminativa de capitis deminutio e pelo non usus.115
Sérgio Iglesias Nunes de Souza ainda complementa com
mais uma hipótese de extinção do direito real de habitação, quando o habitador
tenha fixado morada em outro local, em outro imóvel. Nessa hipótese, haveria
a extinção do direito constituído em vista da intransmissibilidade do referido
direito:
Contudo, a intransmissibilidade do direito à moradia, como direito de personalidade, não se confunde com a intransmissibilidade dos direitos reais. No primeiro caso, a sua intransmissibilidade é resultante da infungibilidade dos bens e direitos da pessoa e da irradiação de efeitos próprios (os direitos da personalidade). No segundo, o direito de usufruto, de uso, ou de habitação, de que no caso se cogita, supõe-se que em toda a transmissão haja a substituição total do titular do direito. Portanto, se isso ocorrer, não se tratará de direito de personalidade. Desse modo, enquanto o direito de habitação é direito real, o direito à moradia é direito de personalidade.116
Apenas como ideia complementar quanto às
possibilidades de extinção do direito real de uso e habitação, visto tratar-se de
115 A função social como paradigma dos direitos reais limitados de gozo ou
fruição sobre a coisa alheia. In: Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal, Rui Geraldo Camargo Viana e Rosa Maria de Andrade Nery (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 323.
116 Direito à moradia e de habitação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 173-174.
107
doutrina estrangeira, é importante lembrar a lição de José de Oliveira
Ascensão, quando, discorrendo sobre os direitos reais (em seu Direito Civil:
reais), afirma que o direito real de uso também se extingue pela ‘cessação da
necessidade pessoal’ que justificou a sua instituição:
Pelo contrário, temos de entrar em conta pelo menos com mais uma causa de extinção do direito de uso, além das de extinção do usufruto: a cessação da necessidade pessoal que justificou a constituição do direito. Se o morador usuário deixar de viver na localidade onde se encontra a habitação, extingue-se automaticamente o direito de habitação. Também quando a desnecessidade for originária deve considerar-se inválida a constituição desses direitos.117
3.3.1. O direito real de habitação na doutrina brasileira
Na lição de Pontes de Miranda, quando escreve sobre o
Código Civil Brasileiro de 1916, o direito real de habitação é tido como servidão
pessoal limitada, incidente sobre a totalidade ou parte de um imóvel, conforme
segue:
O direito (real) de habitação é servidão pessoal limitada, que recai sôbre todo ou parte do imóvel. O proprietário pode, ao constituí-lo, reservar-se o direito de também habitar no prédio, ou em parte dele. Só há gravame de todo o prédio, no primeiro caso; no segundo, só a parte real é gravada. O proprietário tem a faculdade de reservar a outra pessoa, ou a futuro proprietário o direito de também habitar, ou estabelecer que, à sua morte, ou a outro acontecimento, o direito de habitação passe a ser só da parte.118
117 Direito Civil: Reais. Lisboa: Coimbra Editora, 1993, p. 481. 118 Tratado de direito privado: direito das coisas, 1957, v. XIX, p. 381.
108
Segundo Clóvis Beviláqua, em seu Direito das coisas,
escrevendo na vigência do antigo Código Civil Brasileiro, direito real de
habitação é:
Habitação é o direito real de habitar, gratuitamente, casa alheia. O titular deste direito não pode emprestar, nem alugar a casa, mas, apenas, ocupá-la com a sua família (Código Civil, artigo 748). É uso limitado e regula-se, no que lhe for aplicável, pelas normas do usufruto. Como o usuário, o habitador não é obrigado a reparações, e o seu direito, não havendo limitação no título, dura com a sua vida. Limitando-se ao direito de morar, não pode a habitação abranger o uso da casa para estabelecimento industrial ou comercial, salvo se nela reside o habitador.119
Verifica-se, portanto, que o direito real de habitação
refere-se ao uso específico de casa alheia, para moradia, não podendo, o
habitador – contrariamente às previsões do direito romano – emprestar, ceder
ou locar o imóvel constituído para esse fim. Em nosso direito, a conceituação
da habitação como servidão pessoal não é adequada, visto que se trata de
verdadeiro direito real, incidente sobre uma coisa e não sobre pessoas ou
direitos pessoais.
Na visão de Lafayette Rodrigues Pereira, quando
conceitua o direito real em discussão, não existe a possibilidade de ceder o
imóvel objeto da habitação, mas poderia admitir-se a locação:
A habitação, direito real, se assemelha ao uso e se aproxima do usufruto, mas distingue-se de um e de outro. Consiste no direito de morar e residir na casa alheia. Constitui-se e extingue-se pelos mesmos modos que o usufruto, e é, em geral, sujeita às mesmas leis. São-lhe inerentes as particularidades seguintes:
119 Direito das coisas, p. 321.
109
1º. Aquêle que tem o direito de habitação pode alugar a casa, mas, não cedê-la a terceiro para habitar gratuitamente.
2º. A habitação não se extingue pelo não uso.120
Seguindo a lição de Clóvis Beviláqua e contrariamente ao
que afirma Lafayette, J. M. Carvalho Santos, em seu Código Civil Brasileiro
Interpretado, diz que não é possível alugar o imóvel objeto do direito real de
habitação121.
Ainda, diz J. M. Carvalho Santos, que também não será
possível ocupar o imóvel com hóspedes gratuitos, pois a habitação deverá
ocorrer apenas com a família do habitador. Nesse sentido, são as palavras do
mencionado autor, quando conceitua tal direito real:
A habitação é direito real do uso de uma casa, consistindo no direito de habitá-la gratuitamente. O texto supra, clara e positivamente, restringe esse direito, excluindo de modo expresso a faculdade de alugar o prédio, ou emprestá-lo, isto é, transferi-lo a título oneroso ou cedê-lo a título gratuito. Simplesmente ocupá-la com sua família, diz o texto legal, deixando evidente excluir a possibilidade de poder o titular receber hóspedes gratuitos, desde que se os considere, por tal fato, co-participantes do uso da casa, ou dar, em qualquer hipótese, hospedagem remunerada, bem como empregar a casa para estabelecimento de indústria ou comércio, se nela não habita.122
120 Direito das coisas, p. 276. 121 Em relação à impossibilidade de cessão do imóvel objeto do direito real de
habitação, J.M. Carvalho Santos, na mesma obra Código Civil Brasileiro Interpretado, v. IX, p. 485, complementa dizendo que essa vedação se dá também para a cessão onerosa de seu exercício. Diz, ainda, o referido autor, que tal direito também não pode ser penhorado.
122 Código Civil Brasileiro Interpretado, v. IX, p. 484.
110
Na lição de Rubens Limongi França, o direito real de
habitação também é limitado à moradia do habitador e de sua família, como
segue:
De nossa parte, consideramo-la um desmembramento da propriedade, cujo objeto é uma casa ou imóvel congênere, e que consiste na faculdade que tem o sujeito de utilizar a coisa para moradia sua e de sua família.123
Arnoldo Wald, ao conceituar o direito real de habitação,
também se apresenta contrário a qualquer forma de cessão ou locação do bem
sobre o qual se constituiu tal direito, assim como define o exercício da
habitação como impenhorável. Em relação ao uso do bem apenas com a
família do habitador, o mencionado autor entende que eventuais hóspedes
gratuitos podem habitar o imóvel, sem desvirtuar a sua natureza de moradia da
família:
O direito real de habitação consiste em utilizar gratuitamente imóvel alheio com o fim de moradia. Assim, o direito não pode ser cedido. O habitador não tem a faculdade de emprestar ou de alugar o imóvel gravado, mas tão-somente de ocupá-lo com a sua família, dependentes e eventuais hóspedes. Pela sua natureza, o direito de habitação é impenhorável.124
Orlando Gomes, na mesma linha de Caio Mário da Silva
Pereira125 e Washington de Barros Monteiro126, também pondera, em sua obra
Direitos Reais, atualizada por Luiz Edson Fachin, que o direito real de
habitação é incessível. Quanto à extensão do termo “família”, o referido autor
123 Manual de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 247. 124 Direito Civil: direito das coisas, v. 4, p. 276. 125 Instituições de Direito Civil: Direitos Reais, 20. ed. atual. por Carlos Edison do
Rêgo Monteiro Filho, 2009, v. IV, p. 262-263. 126 Curso de Direito Civil: Direito das coisas, 37. ed. atual. por Carlos Alberto
Dabus Maluf, 2003, v. 3, p. 318-319.
111
entende que poderão habitar o imóvel moradores não pertencentes à família,
desde que o façam gratuitamente, conforme segue:
Os direitos e obrigações do titular de habitação regem-se pelas normas do usufruto, no em que lhe não contrariarem a natureza. Seu direito restringe-se a ocupar a casa alheia, com a família. Não pode alugá-la nem emprestá-la. Impedido não está, contudo, de ter entre os moradores da casa pessoas que não sejam de sua família, desde, poderá, que não paguem hospedagem.127
Luciano de Camargo Penteado bem salienta acerca do
assunto:
Entre estas vedações legais está a da impossibilidade de celebrar sobre o imóvel contrato de locação ou comodato, ou ainda qualquer negócio jurídico que prive o titular da situação jurídica de habitação da posse do bem. Sendo praticado qualquer um destes atos, o direito real considera-se extinto por infração ao preceito legal do CC 1.414.128
Em relação à proteção legal do imóvel gravado com o
direito real de habitação, além da mencionada impenhorabilidade de seu
exercício, tratada por Arnoldo Wald, tem-se a opinião de Pablo Stolze
Gagliano, acerca da possibilidade da invocação do bem de família incidente
sobre o imóvel:
Como se trata de um direito amparado pela própria Constituição, que confere e garante o direito à moradia, forçoso convir que o habitador, posto não seja o dono do imóvel, poderá invocar a proteção legal do bem de família, caso seja demandado por dívidas contraídas por si ou seus familiares.129
127 Direitos Reais, 19. ed. atual. por Luiz Edson Fachin, 2004, p. 355. 128 Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 419. 129 Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2004, v. XIII, p. 214.
112
No que tange aos frutos originados no imóvel objeto do
direito real de habitação, é certo na doutrina que não poderão ser percebidos,
exceto em escala normal, que seja compatível com o exercício da habitação.
Não poderão o habitador ou mesmo sua família extrair da coisa frutos em larga
escala ou mesmo em escala comercial ou industrial, assim como não poderão
usar o imóvel com essas finalidades – industrial ou comercial -, tendo-o,
apenas, para morar.
Sobre a extração e utilização dos frutos do imóvel
gravado com o direito real de habitação, Pontes de Miranda bem esclarece, em
seu Tratado de Direito Privado:
Não se pode dizer que o habitador não faça seus, habitando a casa, o fruto que entra no conceito de utilização da casa. Os exemplos mais expressivos são os dos frutos das árvores plantadas no pátio interno, ou nos corredores, ou em torno da moradia, no que ela se separa do sítio desfrutável pelo nu proprietário. O limite conceptual da habitatio é o que importa.130
Em relação à possibilidade de cessão do bem, assim
como no que tange ao uso do imóvel para fins comerciais ou industriais, a
opinião de Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de Direito Civil, é
bastante clara e precisa:
Tem esse direito real característica própria: o uso de casa alheia limita-se à moradia do titular e de sua família. Não pode este servir-se dela para estabelecimento de fundo de comércio ou de indústria. Não pode alugá-la, nem emprestá-la. Ou serve-se dela para a própria residência e de sua família, ou desaparece o direito real.131
130 Ibid., p. 389. 131 Ibid., p. 318.
113
Maria Helena Diniz acompanha as lições acima citadas
acerca da impossibilidade de transformar o objeto da habitação em comércio
ou indústria e é bastante taxativa sobre o assunto, quando dele trata em seu
Curso de Direito Civil Brasileiro:
Seu objeto há de ser um bem imóvel, casa ou apartamento, com a destinação de proporcionar moradia gratuita, não podendo ser utilizado para estabelecimento de fundo de comércio ou de indústria. Portanto, esse direito deverá ser levado a assento no registro imobiliário (Lei 6.015/73, art. 167, I, n. 7).132
Nesse mesmo sentido de que o direito real de habitação é
personalíssimo e com destinação precisa e específica determinada em texto
legal, diz Carlos Roberto Gonçalves, em seu livro Direito Civil Brasileiro:
Não pode o titular do aludido direito, com efeito, extrair do imóvel outra utilidade que não seja a de residir. Não pode dele servir-se para estabelecimento de fundo de comércio ou de indústria. Se o fizer, desaparece o direito real. Todavia, pode o aludido titular utilizar também os seus acessórios e pertenças, tais como varandas, móveis, jardins etc. Falecendo o titular, o direito se extingue, ainda que haja cônjuges e familiares.133
Silvio de Salvo Venosa não concorda com a taxatividade
da proibição, afirmando que o direito real de habitação não impede o exercício
de atividades compatíveis com o direito de residência, tais como um pequeno
comércio, o atendimento de pacientes para o profissional liberal ou a prestação
de serviços em pequena escala134.
132 Curso de Direito Civil Brasileiro, v. IV, p. 447. 133 Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2006, v. V, p.
475. 134 Direito Civil: Direitos Reais, p. 484.
114
Por fim, em relação às despesas do imóvel, com tributos e
benfeitorias, é certo que ao habitador cabem todos os tributos que incidam
sobre o bem. Com relação às benfeitorias necessárias realizadas em proveito
próprio ou da família do habitador, também estas não serão indenizadas pelo
proprietário do imóvel. Caso as benfeitorias não revertam em proveito do
habitador ou de sua família, deverão ser indenizadas. Sobre tal regra, correta é
a aplicação analógica dos artigos 1.403 e 1.404 do Código Civil Brasileiro de
2002.135
No caso de não pagamento dos tributos respectivos a
cargo do habitador, a opinião de Carlos Roberto Gonçalves é a de que, nesse
caso, a habitação não se extingue, podendo o proprietário cobrar o habitador
dos valores devidos, pela via processual própria136.
Apesar da discussão acerca da restituição dos valores
despendidos pelo habitador com as benfeitorias necessárias, principalmente se
estas tiverem sido feitas em seu proveito próprio, a obrigação de conservação
da coisa é uma das mais importantes do direito real de habitação.
Eventualmente, mesmo tomando todas as medidas de segurança do bem,
poderá haver destruição do prédio sem culpa do habitador. Sobre tais
situações específicas, pontua, com precisão, Caio Mário da Silva Pereira,
concluindo pela responsabilidade do habitador na conservação da coisa, mas,
135 Código Civil Brasileiro de 2002: “Artigo 1.403. Incumbem ao usufrutuário: I -
as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu; II - as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída.
Artigo 1.404. Incumbem ao dono as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou aumentarem o rendimento da coisa usufruída.”
136 A esse respeito, veja-se a obra de Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, v. V, p. 476, bem com a RT 643/166.
115
não, na reedificação do imóvel destruído sem que houvesse concorrência de
culpa do habitador:
A situação especial do direito de habitação, que, como direito real, se não confunde com a utilização pessoal da coisa (locação, comodato), sugere a formulação de certas questões, que se respondem à luz dos princípios. A primeira, atinente à conservação do prédio, que incumbe obviamente ao titular do direito de habitação, desdobra-se em outra, a saber, se tem o devedor de reedificá-la em caso de perecimento inculpado. E a resposta será negativa. A destruição fortuita da coisa será motivo de resolver-se o direito, mas não gera o dever de reconstruir, por parte de quem tem a utilização. Se o título lhe impuser a realização do seguro, esta contribuição é obrigatória, devendo o valor segurado empregar-se na reedificação137
Dessa forma, pode-se concluir, em relação ao direito real
de habitação típico, previsto no Código Civil Brasileiro como direito real de gozo
ou fruição, que:
• o direito real de habitação é espécie restrita de uso,
cujo bem alheio é exclusivamente destinado a moradia
gratuita da família;
• o direito real de habitação é personalíssimo, devendo
ser exercido pelo seu titular e demais pessoas que a
lei permite, podendo ser instituído por lei ou por
convenção das partes;
• não há, contrariamente ao usufruto, o direito de
acrescer aos demais habitadores – se houver
137 Ibid., p. 263.
116
pluralidade – no caso de falecimento de um dos
habitadores;
• o conceito de família, para esse fim, engloba o cônjuge
(ou companheiro), os filhos menores, os empregados
e demais pessoas que habitem, vinculadas ao
habitador, gratuitamente, o imóvel;
• a habitação deverá ser exercida de acordo com as
necessidades pessoais do habitador e de sua família,
de forma que a mensuração de tais necessidades dar-
se-á de acordo com as condições pessoais e o lugar
onde viver;
• o direito real de habitação é um direito real limitado,
gratuito, incessível – intransmissível - e temporário;
• o direito real de habitação tem sua divisibilidade
expressa em lei, apenas na hipótese em que admite o
exercício simultâneo da habitação a mais de uma
pessoa;
• se o direito real de habitação for conferido a mais de
uma pessoa, todas elas o poderão exercer, mas, se
não o quiserem, não poderão cobrar aluguel daquela
que permanece em seu exercício;
• em regra, o direito real de habitação deve ser
constituído e extinto mediante o respectivo registro na
matrícula do imóvel correspondente, principalmente
para gerar efeitos erga omnes;
117
• em regra, as formas de constituição e de extinção da
habitação são as mesmas que as do usufruto (artigo
1.410 do Código Civil), exceto a extinção pelo não uso,
que não se aplica à habitação;
• acerca das formas de extinção dos direitos reais de
uso e de habitação, parece bastante plausível que
eles se extingam pela cessação da causa que os
originou ou mesmo pela fixação de residência, por
parte do habitador e sua família, em outro imóvel que
não o gravado com o respectivo direito real;
• quando instituído o direito real de habitação sobre a
totalidade do imóvel, não poderá ser instituído outro
direito real de gozo ou fruição, em vista de serem
mutuamente excludentes;
• o habitador é responsável pelos tributos incidentes
sobre a coisa, não tendo direito a indenização em
relação às benfeitorias necessárias que realizar
apenas em seu proveito ou de sua família;
• o habitador é responsável pela manutenção e
conservação do bem, inclusive no que tange às
respectivas despesas, mas não o será no caso de
destruição ou perecimento sem sua culpa;
• o exercício do direito real de habitação é
impenhorável, bem como pode ser protegido pelo bem
de família legal, da Lei 8.009/90;
118
• o habitador e sua família podem usar a coisa,
extraindo os frutos restritos e necessários ao exercício
do direito real de habitação apenas. Exceto nessa
hipótese, os demais frutos não poderão ser extraídos
pelo habitador e demais moradores;
• o imóvel gravado com o direito de habitação não
poderá ser utilizado para outros fins, como comerciais
ou industriais, exceto na hipótese de o habitador
desenvolver atividades compatíveis com o direito de
residência e de habitação;
• o habitador pode utilizar-se dos meios de proteção
possessória para defender seu direito real sobre coisa
alheia, contra quem o esteja turbando ou esbulhando
ou ameaçando da prática de tais atos, inclusive contra
o próprio titular da propriedade138.
3.4. O direito real de habitação na legislação estrangeira
No direito estrangeiro, em várias legislações, o direito real
de habitação (e o direito real de uso) possui previsão expressa e autônoma,
apesar de derivar, em todas elas, do usufruto. Como será visto, na seleção
efetivada abaixo, a habitação é o mais específico dos direitos reais dessa
natureza, se comparado ao usufruto e ao uso. Em verdade, pode-se considerá-
138 Nesse sentido é o já citado acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da
relatoria do então Ministro daquela Corte, Carlos Alberto Menezes Direito, no Recurso Especial 616.027-SC, julgado em 14.06.2004.
119
lo como de natureza personalíssima e instituído para a moradia da residência
familiar.
3.4.1. Código Civil Francês ou Código Napoleão
O Código Civil Francês, sem desprezo à legislação alemã,
é tido como a pedra inicial da ciência jurídica moderna. Nesse sentido, diz
Miguel Real, ao prefaciar a obra traduzida por Souza Diniz:
Pode considerar-se pacífico o reconhecimento de que é com o Código Civil de Napoleão que tem começo a Ciência Jurídica moderna, caracterizada sobretudo pela unidade sistemática e o rigor técnico-formal de seus dispositivos.139
No Código Napoleão de 1804, há a previsão expressa das
figuras do direito real de gozo ou fruição: usufruto (art. 578 a 624), uso e
habitação (artigos 625 a 636).
As palavras de Planiol e Ripert lembram que os direitos
reais de gozo ou fruição aqui tratados foram abordados pelo direito francês na
modalidade das servidões pessoais, assim como o foram no direito romano:
L’usufruit, l’usage et l’habitation portaient dans notre ancien droit le nom collectif de ‘servitudes personelles’. Cette qualification venait du droit romain : em latin le mot servitus s’employait pour désigner toutes les restrictions imposées au propriétaire dans l’intérêt d’autrui ; pour distinguer entre eux les droits très disparates compris sous cette dénomination commune, les jurisconsultes furent amenés à distinguer les servitudes personarum comprenant les droits de jouissance analogues à l’usufruit, et les servitudes praediorum, qui sont les servitudes proprement dites. De l’expression servitudes personarum, nous avont fait servitudes personnelles.
139 Código Napoleão. Rio de Janeiro: Record, 1962, trad. Souza Diniz, p. IX.
120
Tradução livre do autor: O usufruto, o uso e a habitação levavam no nosso antigo direito o nome coletivo de ‘servidões pessoais’. Essa qualificação vinha do direito romano: em latim o termo servitus se empregava para designar todas as restrições impostas ao proprietário no interesse de outrem; para distinguir entre eles, os direitos muito díspares, compreendidos sob essa denominação comum, os jurisconsultos foram levados a distinguir as servitudes personarum incluindo os direitos de gozo análogos ao usufruto, e as servitudes praediorum, que são as servidões propriamente ditas. Da expressão servitudes personarum, nós formamos a expressão ‘servidões pessoais’.140
Seguindo a mesma linha doutrinária de Planiol e Ripert,
afirmam os irmãos Mazeaud que o usufruto, o uso e a habitação são, na
verdade, servidões pessoais. Ainda, especificamente, em relação ao direito real
de habitação, dizem os referidos autores que essa modalidade de direito real é
um uso restrito, que não pode ser cedido e deve ser usado para o objetivo para
o qual foi constituído. Veja-se, in verbis:
L’usufruit n’est pas la seule servitude personnelle. Les droits d’usage et d’habitation sont aussi des droits réels attachés à la personne de leur titulaire et, par conséquent, au maximum viagers. Ils constituent des restrictions, d’ailleurs assez rares, au droit d’usufruit.
(...) Le droit d’habitation ne confère à la
personne que en bénéficie que l’usage d’une maison ou d’une partie de celle-ci pour ses besoins et ceux de sa famille. Les règles de l’habitation sont celles du droit d’usage (...), le droit d’habitation étant um droit d’usage restreint. Comme lui (...), il est incessible, insaisissable, n’est pas susceptible d’hypotèque, et ne peut être donné à bail. Le titulaire du droit doit habiter lui-même.141
140 Traité élémentaire de droit civil. 12. ed. Paris : Librarie Genérale de Droit et de
Jurisprudence, 1939, t. 1, p. 954. 141 Leçons de droit civil. Paris: Éditions Montchrestien, t. 12, p. 1299-1300.
Tradução livre do autor: “O usufruto não é a única servidão pessoal. Os direitos de uso e de habitação são também direitos reais ligados à pessoa de seu titular e,
121
Pela informação do artigo 625 do referido diploma legal, o
direito real de habitação se constitui e se extingue da mesma forma que o
usufruto (artigo 579), ou seja, se constitui pela lei ou pela vontade das partes e
se extingue, à luz da análise dos artigos 617 e 618, pela morte do habitador,
pelo decurso do tempo, pela confusão entre o titular do domínio e o habitador,
pelo não uso durante trinta anos, pela perda da coisa e por atos de abuso do
direito real (depredação etc.).
Ademais, conforme o artigo 628 do Código Napoleão, a
extensão do direito real de habitação constituído pela vontade das partes se
dará de acordo com as regras expostas no título respectivo, ampliando ou
restringindo o uso do bem ofertado, obviamente, com respeito às limitações
impostas por lei.
Em disposição semelhante ao BGB Alemão (Código Civil
Germânico), no artigo 626, o Código Civil Francês exige que, para o uso e a
habitação, seja realizado prévio inventário e seja oferecida caução, a título de
garantia.
No artigo 627, há interessante previsão de que o titular do
direito de habitação deve fruir do direito a ele concedido, como um bom pai de
família142. O conceito de “bom pai de família” é vago, mas remete ao exercício
consequentemente, no máximo, vitalícios. Eles constituem restrições, bem raras, aliás, ao direito de usufruto. (...)
O direito de habitação só confere à pessoa que dele se beneficia o uso de uma casa ou de uma parte desta para suas necessidades e as de sua família. As regras da habitação são aquelas do direito de uso (...), uma vez que o direito de habitação é um direito de uso restrito. Como ele (...), o direito de habitação é incessível, insequestrável, não pode ser hipotecado ou arrendado (alugado). O titular do direito deve habitar ele próprio.”
142 Previsão semelhante é feita no Código Civil Espanhol.
122
da habitação com especial proteção àquelas pessoas que com o titular
habitam.
Em especial disposição para os limites da constituição e
do exercício do direito real de habitação, o Código Civil Francês prevê,
segundo a tradução de Souza Diniz, em seus artigos 632, 633 e 634, as
seguintes regras:
Art. 632. Aquêle que tem um direito de habitação numa casa, pode aí morar com sua família, mesmo quando não fosse casado ao tempo em que êste direito lhe foi concedido.
Art. 633. O direito de habitação se
restringe ao que é necessário para a habitação daquele a quem êste direito foi concedido e de sua família.
Art. 634. O direito de habitação não pode
ser cedido nem alugado.143
Nota-se, portanto, que a lei civil francesa determina,
seguindo a linha de Justiniano, no Digesto, que o direito real de habitação é
tido, especificamente, como uso da casa. Nesse sentido, é a lição de Lafayette
Rodrigues Pereira, em seu Direito das Coisas: “segundo o Direito francês
(Cód., arts. 632 a 634) o direito de habitação confunde-se com o uso da
casa”.144
Por fim, tem-se que o Código Civil Francês dispõe que o
direito real de habitação é extensivo à família do habitador. Na mesma
legislação, entretanto, não pode o bem objeto do direito real ser ofertado por
cessão ou aluguel (nesse ponto, a lei francesa possui disposição contrária às
origens romanas do instituto, que previam e autorizavam esse tipo de situação
143 Código Napoleão. Rio de Janeiro: Record, 1962, trad. Souza Diniz, p. 123. 144 Direito das Coisas, p. 277, nota 23.
123
para o direito real de habitação, inclusive, prevendo a sua extinção pelo não
uso).
3.4.2. Código Civil Italiano
A lei civil italiana atual (Código Civil de 1942) sofreu
grande influência do direito civil francês e germânico, contrariamente ao Código
Civil Italiano anterior, de 1865, que era unicamente originado e inspirado no
Código Napoleão, de 1804.
O direito real de habitação, no direito italiano, assim como
na legislação francesa, também é expressamente previsto no Código Civil
respectivo, dentro do capítulo II, do livro III, que trata dos direitos reais de uso e
da habitação.
Alberto Trabucchi conceitua o direito real de habitação, ao
lado do direito real de uso, sob a égide da lei civil italiana, conforme segue, em
original e em tradução livre do autor:
L’uso è uma specie di usufrutto limitato, e Il diritto di abitazione è uma particolarità di uso che há per oggetto uma casa adibita appunto ad abitazione per il titolare del diritto stesso.
(...) Anche per l’abitazione, che consiste nel
solo diritto di abitare direttamente la casa o l’appartamento che ne è oggetto, l’art. 1022 fissa un limite al godimento : questo è riconosciuto alla sola persona del titolare e ai membri della sua famiglia.
(...) I diritti di uso e di abitazione, a differenza
dell’usufrutto, sono personalissimi, nel senso che non possono essere ceduti (1024) (...).
Tradução livre do autor: O uso é uma espécie de usufruto limitado
e o direito de habitação é uma espécie mais restrita do uso que tem por objeto uma casa destinada a moradia do próprio titular do direito.
124
(...) Mesmo para a habitação, que consiste
apenas no direito de residir na casa ou no apartamento que é o seu objeto, o art. 1022 estabelece um limite para o gozo: este é restrito ao titular do direito real e aos membros de sua família.
(...) Os direitos de uso e habitação, ao
contrário do usufruto, são personalíssimos, no sentido de que não podem ser transferidos ou cedidos (1024) (...).145
O artigo 1.022 do Códex Civil Italiano de 1942 assim
dispõe, acerca do mencionado direito real (no original e com a tradução de
Souza Diniz):
Art. 1022. Chi há Il diritto di abitazione di uma casa può abitaria limitatamente ai bisogni suoi e della famiglia.
Art. 1022. Quem tiver o direito de habitação de uma casa, poderá habilitá-la limitadamente às suas necessidades e às da sua família.146
Como verificado no artigo 1.022 acima indicado, o direito
de habitação será deferido ao habitador e à sua família, nos limites de suas
necessidades. Essa disposição é a que diferencia a habitação do uso, visto
que, na habitação, o bem é sempre destinado à moradia do habitador e de sua
família, na medida de suas necessidades, enquanto, no uso, não há essa
limitação.
Dessa forma, e seguindo o disposto no artigo 1.023 da
mesma legislação, tem-se que é utilizada, no direito civil italiano, regra
semelhante à prevista no direito civil brasileiro quanto à extensão do termo
“família” para fins de direito real de habitação. O artigo 1.023 do Código Civil
145 Istituzioni di Diritto Civile. 39. ed. Padova: Edizioni Cedam, 1999, p. 512-513. 146 Código Civil Italiano. Rio de Janeiro: Record, 1961, trad. Souza Diniz, p. 172.
125
Italiano147 estabelece que, no vocábulo “família”, vinculado aos direitos reais de
gozo ou fruição, estão inclusos os filhos nascidos depois do início do exercício
da habitação, os filhos reconhecidos, os filhos adotivos e as pessoas que
convivem com o habitador, na qualidade de prestadores de serviços
domésticos.
Diz Roberto de Ruggiero, traduzido em sua 6ª. edição por
Ary dos Santos, ao analisar a legislação Italiana revogada (antigo Código Civil
Italiano):
A nota fundamental característica que distingue o uso do usufruto, é a limitação das faculdades de gôzo atribuídas ao titular; economicamente destina-se ele a conferir a alguém uma utilidade proporcionada às suas necessidades, sem que se subtraia ao proprietário qualquer outra utilidade ulterior da cousa. É, pois, como aquele, um direito real sôbre cousa alheia, em virtude do qual o titular tem a faculdade de a usar e de tirar dela os frutos para satisfazer as suas necessidades e as de sua família e pode versar tanto sôbre imóveis como móveis (...), mas quando diz respeito a uma casa de habitação, toma o nome e a figura especial de direito de habitação, dando ao titular e à sua família o direito de a habitar.148
Segue ainda Roberto de Ruggiero, quando comenta a
legislação revogada e trata da extensão do conceito de necessidades suas e
de sua família na aplicação do direito real de habitação, de acordo com a Lei
Italiana:
Por família entende-se, porém, tanto neste caso como naquele, o grupo restrito
147 A previsão do artigo 1023 do Código Civil Italiano, segundo o artigo 153 do
decreto de execução do Código Civil e das disposições transitórias, de 30 de março de 1942, aplica-se a direitos reais de uso e habitação constituídos antes de 28 de outubro de 1941.
148 Instituições de Direito Civil. Trad. da 6. ed. italiana por Ary dos Santos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1936, v. 2, p. 436.
126
constituído pelo titular, pelo cônjuge, pelos filhos legítimos, legitimados, naturais, reconhecidos ou adoptivos, ainda que tenham nascido depois da constituição do uso ou da habitação, bem como as pessoas adstritas ao seu serviço. Por necessidades consideram-se todas aquelas a que o gôzo da cousa pode dar satisfação directa, de modo que, ao passo que a extensão da faculdade de desfruto se mede pelas necessidades mutáveis e contingentes do grupo, pelas condições econômicas e sociais de quem usa, exclue-se o direito de fazer própria uma quantidade maior de frutos para converter os excedentes noutra utilidade, ainda que se destinem a satisfazer outras necessidades, de natureza diversa.149
Seguindo a mesma linha do direito civil brasileiro, bem
como a regra do artigo 634 do Código Civil Francês (Código Napoleão), o
artigo 1.024 da lei civil italiana também proíbe a cessão ou locação dos direitos
incidentes sobre o bem ofertado em direito real de uso ou de habitação,
conferido a determinada pessoa.
Quanto às despesas e encargos do bem habitado, o
artigo 1025 do Códex Civil Italiano bem esclarece, informando que o habitador
será o responsável pelo pagamento das despesas de cultura dos frutos, das
benfeitorias ordinárias e dos tributos respectivos, assim como ocorre na
legislação brasileira.
As demais regras do uso e da habitação, conforme
expressa previsão legislativa, devem acompanhar as disposições relativas ao
usufruto.
149 Ibid., p. 436.
127
3.4.3. Código Civil Português
O Código Civil Português, de 1966, assim como o Código
Civil Italiano e o Francês, também possui disposição expressa, no livro III, título
III, capítulo IV, acerca do direito real de habitação.
Em verdade, a referida legislação apresenta o direito real
de habitação com subitem do uso (assim como faz, de forma menos incisiva, a
lei civil italiana), que se caracterizará quando o direito instituído for para casas
de morada.
José de Oliveira Ascensão, em seu Direito Civil: Reais,
conceitua o uso e a habitação no direito português, in verbis:
Direito de uso é o direito real de gozo de uma coisa, na medida das necessidades do titular e da sua família.
Direito de habitação é um direito real que para a lei não constituirá sequer um tipo diverso do direito de uso, pois haveria uma mera variação do objecto. De harmonia com o art. 1.484º/2 o direito de habitação seria simplesmente direito de uso, quando referido a casas de morada.150
Nesse particular, o direito civil português, no artigo 1.484,
2151, do Código Civil, adota a ideia outrora trabalhada por Justiniano (no direito
romano), de que a habitação é um direito real e estaria ligada ao uso da casa
(aedium usus).
Pela lição portuguesa, o direito de habitação, assim como
o de uso, consistirá, na medida das necessidades do beneficiário e de sua
150 Ibid., p. 479. 151 Artigo 1.484 do Código Civil Português: “1. O direito de uso consiste na
faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família. 2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação”.
128
família, em servir-se de coisa alheia e seus frutos. A fixação dos limites
envolvidos nas necessidades pessoais do habitador e de sua família será
estabelecida segundo a sua condição social, conforme dita o artigo 1.486 do
Código Civil Português.
As necessidades do usuário ou do morador usuário (no
caso da habitação), como visto acima, deverão ser verificadas segundo sua
condição social. Entretanto, bem salienta José de Oliveira Ascensão, quando
distingue entre o uso da habitação, no que tange à percepção dos frutos da
coisa gravada, e o direito real respectivo. Nesse particular, o autor informa que,
no direito real de habitação, em seu entendimento, não haveria qualquer forma
de extração de frutos, o que não ocorreria com o direito real de uso. Veja-se,
no original do autor:
A expressão direito de uso é imprópria. Este abrange também a fruição para satisfação directa de necessidades (veja-se o art. 1.489º) e não apenas o uso em sentido técnico. Já no direito de habitação não se encontra nenhuma modalidade de fruição.152
Quanto ao conceito de família, para fins de determinar a
extensão do direito real de habitação, o Código Civil Português assim
expressa, em seu artigo 1.487º:
Art. 1.487º. Na família do usuário ou do morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devidos alimentos e as pessoas que, convivendo com o respectivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas designadas.
152 Ibid., p. 479.
129
Seguindo a linha do direito civil italiano, a lei portuguesa
também previu que a família, beneficiada pela habitação, compreende o
cônjuge, os filhos solteiros, outros parentes (credores de pensão alimentícia) e
os empregados. Nesse particular, há divergência entre as legislações
supracitadas, visto que, na Itália, os filhos, naturais ou adotivos, fazem parte da
família, no sentido estrito do estudo. Já em Portugal, estão incluídos no
conceito de família, para fins de direito real de uso ou habitação, outros
parentes a quem o habitador deva alimentos.
O direito real de habitação português poderá ser
constituído por ato de vontade dos interessados, por testamento ou por
disposição legal153. Do teor do artigo 1.440º., apenas há a exceção de constituir
a habitação por usucapião, hipótese exclusa pelo artigo 1.293º., alínea b.
O artigo 2.103º – A, introduzido pelo Decreto-Lei 496 de
25 de novembro de 1977, trouxe uma forma especial de constituição do direito
real de habitação (também chamado de direito real de aquisição), decorrente
de lei, que é o originado no direito hereditário e que será analisado
oportunamente.
Há, ainda, no direito civil português, a partir do Decreto-
Lei 355 de 31 de dezembro de 1981 e do Decreto-Lei 275 de 05 de agosto de
1993, o denominado direito real de habitação periódica ou time sharing, como
conhecido no Brasil, principalmente para regular o mercado de unidades de
153 Nesse particular, assim como fazem a legislação francesa e a italiana, o
Código Civil Português, em seu artigo 1.485º., também remete as formas de constituição e extinção do uso e da habitação às disposições atinentes ao direito real de usufruto, no que couber, previstas nos artigos 1.440º. (constituição) e 1.476º (extinção).
130
hotéis ou flats para as férias ou fins turísticos, por espaço certo e, em geral,
curto de tempo, a cada ano.
Voltando ao direito real de habitação do Código Civil
Português, tem-se que o artigo 1.488º. prevê a intransmissibilidade de tal
direito real, não podendo ser cedido, locado ou onerado, por qualquer modo.
Deverá o habitador arcar com as reparações ordinárias, as despesas de
administração e os impostos e encargos anuais, proporcionalmente à área
ocupada.
Eventuais outros direitos e deveres do uso e da
habitação, nos dizeres do artigo 1.490º. da lei civil portuguesa, deverão ser
buscados nas regras relativas ao usufruto, que se encontram entre os artigos
1.439º. a 1.483º.
3.4.4. Código Civil Alemão
Como já explanado, o direito civil alemão considera o uso
e a habitação, na verdade, direitos reflexos da denominada servidão pessoal
limitada. As disposições específicas nesse sentido encontram-se no Código
Civil Alemão, também conhecido como BGB, título III, a partir do artigo 1.090.
No artigo 1.093 do BGB (Código Civil Alemão), na versão
traduzida por Souza Diniz, assim está disposto:
Art. 1.093. Como servidão pessoal limitada, pode também ser instituído o direito de utilizar-se (alguém) de um edifício, ou de parte de um edifício, para habitação, com exclusão do proprietário. A este direito encontram, analogamente, aplicação as disposições estabelecidas para o usufruto, nos §§ 1.031,
131
1.034, 1.036, no § 1.037 (1), e nos §§ 1.041, 1.042, 1.044, 1.049, 1.050, 1.057 e 1.062.154
Como se verifica, a lei civil alemã não instituiu o direito
real de uso e habitação como modalidades de direitos reais de fruição,
autônomos e independentes, como institutos decorrentes do usufruto. Em
verdade, no direito civil alemão, não se reconhecem tais institutos na forma que
se conhece, por exemplo, no Código Civil Brasileiro, em que o direito real de
uso e o de habitação têm autonomia, objeto e finalidade própria, ainda que
estejam diretamente ligados ao usufruto, inclusive quanto a alguns de seus
dispositivos.
No direito civil alemão, como lembra, com propriedade,
Sérgio Iglesias Nunes de Souza, os direitos reais de uso e habitação, apesar
de inseridos nas disposições das servidões pessoais limitadas, também se
utilizam de regras do usufruto, aplicadas analogamente, conforme citado na
nota anterior:
Assim, não há propriamente o reconhecimento do direito de habitação como concebido em outras legislações, mas um direito refletido pela servidão pessoal limitada, tratando a habitação como circunstância fática do exercício desse direito.
Assim, tratando o direito de habitação como servidão limitada, o Código Civil alemão permite que seja instituído o direito de alguém se utilizar de um edifício, ou de parte de um edifício, para habitação, com exclusão do proprietário. Entretanto, as disposições estabelecidas para o usufruto serão aplicadas, analogamente, para o direito de habitação, conforme o Código germânico, art. 1.093.155
154 Código Civil Alemão. Rio de Janeiro: Record, 1960, trad. Souza Diniz, p. 179. 155 Direito à moradia e de habitação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008, p. 89.
132
Na segunda parte do citado artigo 1.093 do Códex Civil
Alemão há ainda disposição expressa de que o habitador fica autorizado a
exercer a servidão com a sua família e com os empregados necessários para o
funcionamento e manutenção do lar. Ademais, no mesmo artigo, terceira parte,
diz a lei civil alemã que, caso a habitação incida sobre parte do imóvel e não
sobre a sua totalidade, o habitador, sua família e empregados podem usar as
áreas e instalações comuns do edifício no exercício de seu direito.
3.4.5. Código Civil Espanhol
Na legislação civil espanhola, o uso e a habitação são
expressamente previstos nos artigos 523 a 529. Tais previsões legais
acompanham a doutrina do Código Civil Francês, também chamado de Código
Napoleão, na medida em que conferem, ao contrato feito entre as partes, a
disponibilidade de instituir o direito real de habitação, da forma que melhor lhes
convier.
Em relação especificamente à habitação, diz o Código
Civil Espanhol, em seu artigo 524, que a quem for instituído tal direito, estará
conferida a garantia de habitar a casa alheia, de acordo com as suas
necessidades e as de sua família.
Pelo teor do artigo 525 da mesma legislação, não poderá
o habitador, em qualquer hipótese, ceder o bem objeto do direito real (como
também afirma a doutrina acerca da disposição no direito brasileiro, bem como
diz, expressamente, o Código Civil Português e o Código Civil Francês,
exemplificadamente).
133
Sobre os limites do exercício dos direitos relativos ao
habitador e sua família, discorre E.F. Camus, ao comentar o Código Civil
Espanhol:
En cuanto a los derechos que tiene el habitacionista, dispone el art. 524 en su párrafo segundo: La habitación da a quien tiene este derecho la facultad de ocupar en uma casa ajena las piezas necesarias para si y para las personas de su família.156
Quanto às formas de extinção, diz claramente o artigo
529157 do Código Civil Espanhol que a habitação se encerra pelas mesmas
formas pelas quais se dá a extinção do usufruto e, ainda, pelo abuso grave em
relação ao bem onerado e ao exercício da habitação. Nesse particular, a lei
civil espanhola apresenta, assim como o Código Napoleão, outra hipótese de
extinção do direito real de habitação, que seria o abuso no exercício do direito
real conferido ao habitador e à sua família. Certamente, a definição do que
seria um abuso grave está ofertada aos magistrados e à jurisprudência daquele
país.
Por fim, é importante mencionar a lição de Sérgio Iglesias
Nunes de Souza, quando lembra a previsão constitucional espanhola acerca
dos alimentos entre parentes e a relação do assunto com a habitação e o
direito real da habitação:
156 Código Civil Explicado. Havana: Cultural S/A - La Habana, 1944, v. 1, p. 459.
Tradução livre do autor: “Em relação aos direitos que tem o habitador, dispõe o art. 524 em sua segunda parte: a habitação dá a quem tem o referido direito a faculdade de ocupar uma casa alheia, de acordo com as necessidades suas e das pessoas de sua família.”
157 Artigo 529 do Código Civil Espanhol: “Los derechos de uso y habitación se extinguen por las mismas causas que el usufructo y además por abuso grave de la cosa y de la habitación”. Tradução livre do autor: “Os direitos de uso e habitação se extinguem pelas mesmas causas do usufruto, bem como por abuso grave da coisa e da habitação”.
134
A tutela da habitação no Código Civil espanhol tem início pela determinação expressa de que os alimentos prestados entre parentes compreendem tudo o que é indispensável para o sustento, mencionando esse Código como primeiro fator indispensável à habitação, conforme o art. 142, primeira parte: “Se entiende por alimentos todo lo que es indispensable para el sustento, habitación, vestido y asistencia médica, según la posición social de la família”. Tradução livre do autor: “Entende-se por alimentos tudo que seja indispensável para o sustento, habitação, vestimenta, assistência médica, segundo a posição social da família”.158
Pela análise constitucional, portanto, nota-se que faz
parte da composição da pensão alimentícia, no direito espanhol, não só a sua
porção natural, mas também a civil, com a inclusão, entre outros, da moradia
ou habitação do alimentando, de acordo com a sua capacidade e condição
social. Dessa forma, quanto melhor ou pior o nível social e econômico daquele
que irá receber os alimentos, maior ou menor será a imposição judicial no
montante pecuniário a ser concedido, que, obviamente, deverá incluir os
demais itens mencionados no citado artigo 142 da Constituição da República
Espanhola.
3.4.6. Código Civil Chileno
O Código Civil do Chile prevê, a partir do artigo 811, em
seu título X, os direitos reais de uso e habitação. Como foi visto em outros
ordenamentos jurídicos, também no Chile a habitação é modalidade restrita do
uso, especialmente destinada a exercer os direitos reais relativos a uma casa
de moradia. Esse é o teor do artigo 811, segunda parte, do Código Civil do
158 Direito à moradia e de habitação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008, p. 80-81 e nota 6.
135
Chile. Na legislação chilena, artigo 819, os direitos reais de uso e habitação
também não podem ser cedidos ou locados pelo usuário ou pelo habitador,
sendo permitido, de outra banda, a percepção e o consumo de frutos
originados no bem onerado.
A constituição e a extinção dos direitos de uso e de
habitação, por serem, no sentido amplo, espécies do usufruto, também se
regem por este último, como reza o artigo 812 do diploma civil chileno.
A extensão dos direitos, entretanto, será determinada no
título constitutivo do direito real de fruição ou, na falta, pelas disposições legais
atinentes à matéria (conforme artigo 814 do Código Civil Chileno). Nesse
particular, o artigo 815 da lei civil chilena determina que a habitação será
exercida de acordo com as necessidades pessoais do habitador, incluindo,
aqui, as de sua família. O conceito de família, nesse particular, inclui o cônjuge,
os filhos - seja os nascidos no momento da constituição do direito, seja os
sobrevindos posteriormente -, os empregados necessários para a família e as
pessoas que vivam com o habitador e à custa deste e, ainda, que dele sejam
credores alimentares.
Quanto à necessidade de caução para o exercício do
direito, contrariamente ao Código Napoleão, a lei chilena não exige a prestação
de caução, mas, apenas o denominado inventário159. Em relação aos cuidados
159 Diz o Código Civil Chileno, no original: “Art. 812. Los derechos de uso y
habitación se constituyen y pierden de la misma manera que el usufructo. Art. 813. Ni el usuario ni el habitador estarán obligados a prestar caución. Pero el habitador es obligado a inventario; y la misma obligación se extenderá al usuario, si el uso se constituye sobre cosas que deban restituirse en especie”. Tradução livre do autor: “Art. 812. Os direitos de uso e habitação se constituem e se extinguem da mesma forma que o usufruto. Art. 813. O usuário e o habitador não estão obrigados a prestar caução. Entretanto, o habitador é obrigado a fazer o inventário; e a mesma obrigação
136
com a coisa, diz o artigo 818 do Código Civil Chileno que o habitador deve usar
o objeto do direito real com moderação e cuidado, obrigando-se a contribuir
com as despesas ordinárias de conservação e cultivo, de acordo com seus
benefícios.
3.4.7. Código Civil Peruano
A previsão do direito real de habitação no direito civil
peruano encontra-se tipificado nos artigos 1.026 a 1.029 do respectivo Código
Civil160, onde há o devido resguardo a tais direitos, com a previsão clara de que
não poderão eles ser objeto de nenhum ato jurídico que os prejudique.
Especificamente, nos artigos 1.027º. e 1.028º da lei
citada, existem as seguintes disposições quanto ao direito real de habitação,
citadas em seu original:
Articulo 1.027º - Derecho de habitación Cuando el derecho de uso recae sobre
una casa o parte de ella para servir de morada, se estima constituido el derecho de habitación.
Articulo 1028º.- Extensión de los
derechos de uso y habitación. Los derechos de uso y habitación se
extienden a la familia del usuario, salvo disposición distinta.161
Nota-se, portanto, que, no direito civil peruano, da mesma
forma que em vários ordenamentos já abordados neste trabalho, o direito real
se estenderá ao usuário, se o uso incidir em coisas que devam ser restituídas em espécie”.
160 O novo Código Civil Peruano tem vigência desde 14 de novembro de 1984, mas foi promulgado em 24 de julho de 1984, sendo publicado em diário oficial, em 25 de julho de 1984.
161 Tradução livre do autor: “Art. 1.027º. Direito de Habitação. Quando o direito de uso recair sobre uma casa ou parte dela, para servir de moradia, haverá o direito de habitação. Art. 1.028º. Extensão dos direitos de uso e habitação. Os direitos de uso e habitação estendem-se à família do usuário, exceto disposição contrária.”
137
de habitação é uma espécie mais restrita do uso, quando se destina à moradia
do habitador e de sua família. Nesse ponto, a lei civil peruana possui previsão
diferenciada dos demais códigos até então estudados, pois permite a
disposição distinta da extensão do direito real de habitação, quando houver
consenso entre a parte estipulante e a parte beneficiária. Poderão as partes,
portanto, definir a real extensão do direito real a ser constituído, limitando
quantas pessoas e quais pessoas poderão utilizar-se do benefício.
3.4.8. Código Civil Argentino
Na lei civil argentina, também há a previsão expressa do
direito real de uso e do direito real de habitação, no livro III, título XI, nos artigos
2.948 a 2.969. No caso específico, conforme o artigo 2.967 do Código Civil
Argentino, o usuário e o habitador que têm posse sobre a totalidade do imóvel
são obrigados a dar fiança e a fazer o inventário do bem objeto do direito real,
assim como no usufruto.
Antes de dar início ao estudo da precisão legal de tais
direitos reais, releva frisar que, na legislação argentina, em seu artigo 267,
assim como na legislação brasileira e na espanhola, por exemplo, há
disposição expressa de que a obrigação alimentar compreende os
denominados alimentos naturais e os civis, abarcando, além de outros itens de
importância também fundamental, o direito à moradia e à habitação.
Quanto ao direito real de habitação propriamente dito, o
artigo 2.948 do Código Civil Argentino assim prevê, no original e com tradução
livre do autor:
138
Artículo 2948. El derecho de uso es un derecho real que
consiste en la facultad de servirse de la cosa de otro, independiente de la posesión de heredad alguna, con el cargo de conservar la substancia de ella; o de tomar sobre los frutos de un fundo ajeno, lo que sea preciso para las necesidades del usuario y de su familia. Si se refiere a una casa, y a la utilidad de morar en ella, se llama en este Código, derecho de habitación.
Tradução livre do Autor: Art. 2948. O direito de uso é um direito real que
consiste na faculdade de servir-se da coisa alheia, independente da posse de alguma herança, com a obrigação de conservar-lhe a substância; ou de tomar posse dos frutos de um fundo alheio, de acordo com o que seja preciso para as necessidades do usuário e de sua família. Quando se refere a uma casa e à utilidade de nela morar, é denominado, neste Código, como direito de habitação.
Nota-se, portanto, que a mencionada legislação também
adota a orientação de que o direito real de uso, direcionado especificamente a
habitar uma casa, é tido como direito real de habitação, e os dois derivam do
usufruto.
Nesse sentido, tem-se que, de acordo com os artigos
2.949 e 2.969 do Código Civil da Argentina, o direito real de uso e de habitação
se constituem e se extinguem da mesma forma que é constituído o usufruto,
ressalvadas eventuais disposições legais específicas ou mesmo dispostas nos
títulos de constituição da habitação (conforme artigo 2.952 do Código Civil
Argentino162).
162 Código Civil Argentino: “Artículo 2952. El uso y el derecho de habitación son
regidos por los títulos que los han constituido, y en su defecto, por las disposiciones siguientes.” Tradução livre do autor: “O uso e o direito de habitação são regidos pelos títulos que os constituiram e, em sua falta, pelas disposições seguintes.”
139
Os cuidados com o bem habitado seguem as regras
atinentes ao usufruto, como giza o artigo 2.966 do diploma legal acima citado.
Ademais, deverá o habitador promover o recolhimento, aos cofres públicos, das
taxas e impostos incidentes sobre o bem, conforme a parte do imóvel que
ocupe163.
A habitação da casa de moradia deverá ser feita de
acordo com as necessidades pessoais do habitador e de sua família, aferidas
por sua condição social. Na especificidade do direito real de habitação, família
compreende a mulher, os filhos, os empregados necessários para a família, as
pessoas que residam com o habitador e aqueles aos quais ele deva valor a
título de alimentos.
É o que dizem os artigos 2.953 e 2.954 da lei civil
argentina codificada, in verbis:
Artículo 2.953. El uso y la habitación se limitan a las necesidades personales del usuario, o del habitador y su familia, según su condición social. La familia comprende la mujer y los hijos legítimos y naturales, tanto los que existan al momento de la constitución, como los que naciesen después, el número de sirvientes necesarios, y además las personas que a la fecha de la constitución del uso o de la habitación vivían con el usuario o habitador, y las personas a quienes éstos deban alimentos.
Artículo 2954. Las necesidades
personales del usuario serán juzgadas en relación a las diversas circunstancias que puedan aumentarlas o disminuirlas, como a sus hábitos, estado de salud, y lugar donde viva, sin
163 Conforme o Código Civil Argentino, em seu artículo 2968: “El que tiene el
derecho de habitación de una casa, debe contribuir al pago de las cargas, de las contribuciones, y a las reparaciones de conservación, a prorrata de la parte de la casa que ocupe.” Tradução livre do autor: “Artigo 2.968. Aquele que tem o direito de habitação de uma casa deve contribuir com o pagamento das taxas, das contribuições e das despesas necessárias para conservação do bem, proporcionalmente à parte do imóvel que ocupe.”
140
que se le pueda oponer que no es persona necesitada.164
O regime do direito real de habitação no direito argentino
segue, em regra, as mesmas disposições dos demais ordenamentos jurídicos
estudados, com a previsão de seu exercício aplicado ao habitador e à sua
família, aferindo suas necessidades pelos seus hábitos, como também pelo
local onde vivam.
Com relação à qualificação das necessidades pessoais do
habitador, na mesma linha do que dispõe o artigo 1.412 do Código Civil
Brasileiro, cumpre relembrar o teor do artigo 2.954 do Código Civil da
Argentina, quando afirma que estas serão averiguadas pelas circunstâncias
específicas de cada qual, segundo seus hábitos, estado de saúde e local onde
viva.
Como se verifica, portanto, o direito real de habitação está
presente nos ordenamentos jurídicos dos países acima citados de forma
assemelhada à do nosso país, prevendo, além de outras questões, sua
incessibilidade, impossibilidade de locação e não permissão de exercício da
fruição plena.
Para permitir o aprofundamento do tema e sua aplicação
na sucessão hereditária, serão tratados, no próximo capítulo, os princípios
164 Tradução livre do autor: “Artigo 2.953. O uso e a habitação se limitam às
necessidades pessoais do usuário e do habitador, sua família, de acordo com sua condição social. A família compreende a mulher, os filhos, legítimos e naturais, tanto os que existam no momento da constituição, quanto os que nascerem depois, os empregados necessários e as pessoas que, na constituição do uso ou da habitação, viviam com o usuário ou com o habitador e as pessoas a quem esses devam alimentos. Artigo. 2.954. As necessidades pessoais do usuário serão julgadas em relação à diversas circunstâncias que podem aumentá-las ou diminuí-las, com seus hábitos, estado de saúde e o lugar onde vivam, sem que se possa alegar que não é pessoa necessitada.”.
141
gerais do direito sucessório e, em seguida, sua aplicação no direito real de
habitação.
142
Capítulo 4
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO
4.1. Notas introdutórias
O presente capítulo tem como objetivo estudar os
aspectos gerais do direito sucessório brasileiro. Em uma primeira análise, será
examinado o conceito e a verificação histórica do instituto para, em seguida, se
especificarem as regras atuais da sucessão, fundamentais para conduzir ao
estudo do direito real de habitação aplicado à sucessão hereditária.
É certo que, no presente trabalho, não se tem a pretensão
de esgotar o tema do direito sucessório brasileiro em todos os seus aspectos e,
nesse sentido, há o devido corte doutrinário, a fim de que se torne exequível o
devido aprofundamento nos temas que oferecem os elementos essenciais para
a conclusão deste estudo, voltado ao direito real de habitação na sucessão
hereditária.
4.2. Conceito e fundamento do direito sucessório
Para o estudo deste capítulo, importa ter, como pano de
fundo, o conceito de sucessão em geral e, em especial, da sucessão
hereditária ou sucessão causa mortis, devida em decorrência da morte de uma
pessoa.
143
Clóvis Beviláqua, ao dissertar sobre o direito hereditário
ou direito das sucessões, afirma, com clareza, ser a sucessão uma forma de
aquisição de bens e direitos em virtude do falecimento de alguém, como se
verifica, in verbis:
(...) se atendermos a que a sucessão é um modo de adquirir direitos reais e obrigacionais, a que o patrimônio é noção especial do direito das coisas, mas a sua transmissão mortis causa se acha intimamente ligada a êsse mesmo direito das coisas, ao da família, ao das obrigações e ao das pessoas consideradas isoladamente, reconheceremos a necessidade lógica de acrescentar-se um outro membro à classificação. Será êste o direito hereditário.
Direito hereditário ou das sucessões é o complexo dos princípios, segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir. Essa transmissão constitui a sucessão, o patrimônio transmitido denomina-se herança; e quem o recebe se diz herdeiro.165
Complementarmente ao acima exposto, o mesmo Clóvis
Beviláqua, na mesma obra, de forma pontual, conceitua a herança, termo
largamente utilizado no tema dos direitos sucessórios, como o conjunto de
direitos e obrigações deixados pelo falecido:
Herança é a universalidade dos bens que alguém deixa por ocasião de sua morte, e que os herdeiros adquirem. É o conjunto de bens, o patrimônio, que alguém deixa ao morrer.
(...) Essa totalidade de relações econômicas,
essa universalidade de direitos e obrigações, que forma o patrimônio, recebe a denominação de herança, quando, pelo falecimento da pessoa se a considera em relação à transmissão para outra ou outras pessoas. Portanto, a herança é o patrimônio observado no momento de sua passagem de um proprietário, que falece, para outro, que lhe toma o lugar.166
165 Direito das sucessões. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945, p. 14. 166 Ibid., p. 20.
144
Na lição de Itabaiana de Oliveira, nota-se a reiterada idéia
da sucessão vinculada à transmissão de bens e direitos decorrente do
falecimento de alguma pessoa natural, também associada à preocupação do
legislador quanto à permanência desses mesmos bens e direitos dentro da
família e da linha sucessória:
Sucessão é a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para o respectivo sujeito, constituindo um dos modos, ou títulos, de transmissão, ou de aquisição de bens, ou de direitos patrimoniais.
A idéia de sucessão está toda na permanência de uma relação de direito que perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares (...).
A palavra sucessão, na sua acepção jurídica, tem dois sentidos – lato e restrito:
(...) II – no sentido restrito – implica uma idéia
de morte, significando um dos modos de adquirir direitos e de transmitir, total ou parcialmente, a herança às pessoas a quem é devolvida – é a sucessão causa mortis. Neste sentido próprio e técnico, a sucessão é a transmissão do patrimônio de alguém, que morre, a uma ou a mais pessoas vivas (...).167
Nesse sentido, também vão as palavras de Carlos
Maximiliano sobre os direitos hereditários, alertando que a sucessão faz parte
da cadeia ininterrupta que une as gerações e constitui a forma para a
manutenção dos bens e da fruição sobre eles. Diz o autor que, no mais das
vezes, a aquisição e conquista dos bens pelo titular é feita como forma de
angariar patrimônio e de auxiliar e oferecer conforto a seus parentes e entes
queridos:
167 Tratado de Direito das Sucessões. São Paulo: Max Limonad, 1952, v. 1., p.
52-53.
145
O direito hereditário surge e afirma-se na sociedade qual complemento natural da geração entre os homens; esta é a causa de sucessão interminável na vida da humanidade. A mesma cadeia ininterrupta que une as gerações, constitue o nexo sucessório civil; a continuidade da vida implica lógicamente continuidade no gôzo dos bens necessários á existência e ao desenvolvimento progressivo dos indivíduos.
(...) Por afeto e bondade, leva adeante o seu
labutar: até conseguir iguais vantagens para os entes que o cercam, auxiliam e estimam.
O interesse pelo futuro e bem-estar da prole é instintivo; observa-se na própria natureza. As melhores espécies vegetais desapareceriam, se não houvesse o cuidado com as sementes.168
A mesma lição é trazida por Silvio Rodrigues, atualizado
por Zeno Veloso, em seu Direito Civil: Direito das Sucessões, quando discorre
sobre o conceito de sucessão:
A idéia de sucessão sugere, genericamente, a de transmissão de bens, pois implica a existência de um adquirente de valores, que substitui o antigo titular. Assim, em tese, a sucessão pode operar-se a título gratuito e oneroso, inter vivos e causa mortis. Todavia, quando se fala em direito das sucessões entende-se apenas a transmissão em decorrência de morte, excluindo-se, portanto, no alcance da expressão, a transmissão de bens por ato entre vivos.
Assim sendo, o direito das sucessões se apresenta como o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores.169
168 Direito das Sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942, v. 1., p.
22. 169 Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo:
Saraiva, 2002, v. 7, p 3.
146
Ainda sobre o conceito de sucessão e sucessão
hereditária (também denominada sucessão causa mortis), diz Ney de Mello
Almada:
Sucessão provém do étimo latino sucessio, ou seja, colocar-se uma pessoa em lugar de outra, dando seqüência a uma dada situação. Juridicamente, consiste no ingresso de uma pessoa numa relação jurídica na posição de outra, assegurada a mesma identidade do direito ou da obrigação ou, ainda, da relação. Com a inserção do sucessor num dos seus pólos, da mesma relação se abstrai o sucedido, processando-se mutação subjetiva.
Sempre que pronunciada a palavra, que encima este capítulo, acode-nos à mente a transmissão patrimonial mortis causa, caracterizada pelo fato de ocasionar, pela morte do titular, a transmissão universal de suas relações jurídicas (ativas ou passivas) aos herdeiros e legatários.170
Euclides de Oliveira171 também escreveu sobre o assunto,
conceituando o direito sucessório e apresentando as duas modalidades de
transmissão hereditária de bens e direitos existentes em nossa legislação:
legítima e testamentária.
É certo que nosso Código Civil privilegiou, outrora, a
sucessão testamentária, assim como o direito romano, originada na vontade do
titular do patrimônio que, em vida, por intermédio de documento hábil para tal
fim, destina bens para determinadas pessoas, que lhes serão entregues após a
morte do testador. Hoje, pelas limitações impostas aos testamentos, as duas
modalidades de sucessão podem conviver harmonicamente, sem preferência
de uma a outra. Em nosso direito, portanto, a sucessão legítima e a
170 Sucessões: legítima, testamentária, inventários e partilhas. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 23. 171 Direito de herança. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.
147
testamentária podem coexistir, contrariamente ao que ocorria no direito
romano, em que, havendo uma modalidade de sucessão, a outra estaria
totalmente excluída.
É certo que, na falta de testamento ou na hipótese de não
ser ele válido e regular, ter sido considerado nulo, anulável, caduco, entre
outros, serão aplicadas as regras legais de sucessão, a chamada sucessão
legítima. Caso exista opção pela sucessão testamentária, tem ela seus próprios
limites, pois o titular dos bens, existindo herdeiros necessários172, somente
pode dispor de metade de seu patrimônio (artigos 1.789 e 1.857, parágrafo 1º
do Código Civil). Veja-se a lição do autor, quando trata do direito de herança e
sua transmissão:
A transferência do acervo patrimonial deixado por uma pessoa falecida é direito que integra o rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (art. 5º, XXX, da Constituição Federal de 1988).
Opera-se a transmissão de bens do falecido quer seja por vontade do testador expressa em documento hábil (testamento ou codicilo) outorgando os bens aos sucessores nomeados, quer seja por disposição da lei, que determina quais as pessoas habilitadas a suceder, segundo a ordem de vocação hereditária.
São essas as duas grandes vertentes do direito sucessório: a sucessão testamentária e a sucessão legítima.173
172 Os herdeiros necessários são aqueles a quem a lei atribui uma cota
obrigatória da herança (metade do acervo hereditário destinado aos herdeiros), denominada legítima. Havendo herdeiros necessários, não poderão eles ser excluídos desta cota mínima da herança por ato de vontade do falecido (artigo 1.789 do Código Civil Brasileiro). A princípio, de acordo com o artigo 1.845 do Código Civil de 2002, são herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge do falecido. Há discussão acerca da qualificação do companheiro originado em União Estável, como herdeiro necessário, já que o atual Código Civil não o qualifica como tal.
173 Ibid., p. 1.
148
Pela definição de Francisco José Cahali, em seu Curso
Avançado de Direito Civil, escrito com Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka, lê-se:
Sucessão, na acepção da palavra, em sentido amplo indica a passagem, a transferência de um direito de uma pessoa (física ou jurídica) para outra. A relação jurídica inicialmente formada por determinados titulares passa, pela sucessão, a outros.
Opera-se, através desta seqüência, a troca de titulares de um direito, afastando-se uma pessoa da relação jurídica e, em seu lugar, ingressando outra, que assume todas as obrigações e direitos de seu antecessor. Subsiste o objeto original, mas substitui-lo na relação, inserindo-se um no lugar do outro. (...)
Ainda, a transferência dos direitos pode verificar-se em vida (sucessio inter vivos) ou em razão da morte de um dos sujeitos da relação jurídica (sucessio causa mortis), operando-se nesta última, sempre a sucessão a título universal, pois abrange todo o patrimônio da pessoa falecida.
(...) Também chamado direito hereditário,
apresenta-se como o conjunto de regras e complexo de princípios jurídicos pertinentes à passagem da titularidade do patrimônio de alguém que deixa de existir aos seus sucessores.174
Ainda sobre o conceito de direito das sucessões, Nelson
Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, no Código Civil Comentado,
complementam:
Direito de sucessões. Conceito. É parte do sistema de direito privado que tem por finalidade dar solução jurídica às questões atinentes à sorte do conjunto dos direitos e obrigações transmissíveis do que morreu. O direito de sucessões, também chamado direito sucessório ou hereditário, é expressão fidedigna dos anseios mais secretos do homem. Também
174 Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 23-24.
149
é mecanismo jurídico que atende à pretensão do sujeito de direito de projetar, para além de sua morte, soluções previdentes acerca dos destinos de sua família.175
No direito português, José de Oliveira Ascensão define
com precisão o tema, afirmando que a vida social e a sociedade exigem a
continuidade das relações jurídicas, mesmo após a morte de um ente querido.
O referido autor, em seu texto, busca, inclusive, indicar a intenção do legislador
com o trato do assunto, tanto no âmbito pessoal do falecido (caráter individual
do direito sucessório) quanto no âmbito social (caráter institucional do direito
sucessório). Veja-se:
A morte, como fenômeno definitivo e irreversível, é causa de descontinuidade na vida social.
Nas relações interpessoais há um epílogo.
Nas relações institucionais, nomeadamente familiares, há um hiato, que se procura diversas maneiras de colmatar.
No plano das relações patrimoniais há uma interrupção, de que podem sofrer inclusivamente todos os terceiros que mantinham laços jurídicos com o autor da sucessão.
Mas a vida social exige continuidade. Não suporta imobilismos; e mesmo aos abalos periódicos que a sacodem reage através da adopção sub-rogatória de fórmulas de continuidade.
O Direito das Sucessões realiza a finalidade institucional de dar a continuidade possível ao descontínuo causado pela morte.
A continuidade a que tende o Direito das Sucessões manifesta-se por uma pluralidade de pontos de vista.
No plano individual, ele procura assegurar finalidades próprias do autor da sucessão, mesmo para além do desaparecimento deste. Basta pensar na relevância do testamento.
175 Código Civil Comentado e legislação extravagante. 3. ed. rev., atual. e ampl.
da 2. ed. do Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 815.
150
(...) Mas tão importante como estas é a
continuidade na vida social. O falecido participou desta, fez contratos, contraiu dívidas... Não seria razoável que tudo se quebrasse com a morte, frustrando os contraentes. (...). A preocupação de assegurar essa continuação justa, tão visível por exemplo no processo de inventário, reforça o carácter institucional do Direito das Sucessões.176
Roberto de Ruggiero, na tradução de Ary dos Santos,
apresenta o conceito de direito sucessório vindo da lição do Código Civil
Italiano. Pelas palavras de Ruggiero, verifica-se, assim como no direito
brasileiro e português, a ideia de que o direito sucessório, além de ser útil ao
próprio falecido, que pode dispor de seus bens, se assim o quiser, é
imprescindível a toda a sociedade e a economia, na medida em que possibilita
a manutenção das relações jurídicas mantidas pelo falecido, agora com seus
sucessores:
A exigência sentida por qualquer sociedade juridicamente organizada, de que com a morte de uma pessoa as suas relações jurídicas não se extingam, mas que outras pessoas nelas entrem tomando o lugar do defunto, encontra satisfação no instituto da herança. Em qualquer outro campo pode ser verdade o mors omnia solvit, menos no direito, onde exigências não só morais e do espírito, mas sociais, políticas e, sobretudo, econômicas, impõem que, para a segurança do crédito, para a conservação e incremento da riqueza, as relações de uma pessoa continuem mesmo depois da sua morte; que no seu patrimônio se substitua um novo titular, o qual represente como que o continuador da personalidade do defunto.
O direito hereditário isto é: o complexo de normas que regulam a transferência dos bens do defunto para a pessoa que lhe sucede, tem precisamente nisto o seu fundamento racional e a sua justificação, que a morte não possa e não deva romper as relações de quem cessa de
176 Direito Civil: Sucessões. 5. ed. rev. Lisboa: Coimbra Editora, 2000, p. 11.
151
existir, porque a interrupção destas repercutir-se-ia com efeitos danosos sôbre tôda a economia geral.177
O conceito da sucessão tirado do direito francês possui
bastante semelhança com as demais definições estudadas, inclusive
distinguindo a sucessão legítima e testamentária. A sucessão, nas palavras
dos irmãos Mazeaud, discorrendo sobre o direito civil francês, pode ser assim
considerada:
Le mot succession est pris dans deux sens. Il désigne la transmission à cause de mort, la dévolution des biens du défunt – qu’on appelle le de cujus (‘is de cujus successionis agitur’, celui de la succession de qui il s’agit) – à ses successeurs. Le mot succession désigne également le patrimonie transmis : on dit qu’un hériter recueille la succession du de cujus.178
Voltando à lição de Itabaiana de Oliveira, em seu Tratado
de Direito das Sucessões, citando também D’Aguano, ao explicar o
fundamento científico do direito sucessório, nota-se que tal fenômeno tem
explicações biológicas e antropológicas, como segue:
D’Aguano justifica o fundamento científico do direito sucessório nas conclusões da biologia e da antropologia, sôbre o problema da hereditariedade bio-psicológico, segundo o qual os progenitores transmitem, pelo fato da geração, aos seus descendentes, não só os caracteres orgânicos, mas também as qualidades psíquicas, virtudes e defeitos; e conclui daí, como corolário lógico, conseqüência
177 Instituições de Direito Civil: direito das obrigações; direito hereditário. Trad. da
6. ed. Italiana por Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1958, v. 3, p. 495-496. 178 Leçons de Droit Civil : régimes matrimoniaux, successions e libéralités. Paris:
Editions Montchrestien, 1955, v. 4., p. 532. Tradução livre do autor: “O termo sucessão é utilizado em dois sentidos. Ele
designa a transmissão por causa de (ou em razão de) morte, a atribuição de bens do defunto -- que chamamos de cujus (is de cujus succesionis agitur, « aquele de cuja sucessão se trata ») -- a seus sucessores. A palavra sucessão designa também o patrimônio transmitido: diz-se que um herdeiro recolhe a sucessão do de cujus”.
152
necessária, a transmissão hereditária dos bens, de sorte que, se a lei admite e garante ao indivíduo a propriedade pessoal, deve reconhecer que a propriedade se transmite na sua propriedade, que é uma continuação biológica e psicológica dos progenitores.179
Nessa mesma linha de pensamento, Clóvis Beviláqua, no
livro Direito das Sucessões, afirma que há uma clara função social no direito
hereditário, principalmente na sucessão legítima, função esta que não pode ser
afastada pela lei ou por ideologias contrárias que a considerem imoral. A
referida imoralidade, citada na obra de Clóvis como atribuída a Montesquieu e
Augusto Comte, se dá porque, na opinião de tais autores, não deveria haver
obrigatoriedade legal dos ascendentes destinarem bens aos seus
descendentes. Veja-se a opinião de Clóvis Beviláqua acerca do assunto,
afastando a questão da imoralidade da sucessão hereditária legítima:
É indubitável que não é sómente por egoísmo que o indivíduo se afadiga na conquista dos bens, aumentando a riqueza social, maior estímulo é, por certo, o cuidado com a prole e o cônjuge; e ainda mais que o grupo social de onde fosse banido o direito sucessório veria faltar-lhe a base econômica da existência, porque, se voltarmos ao comunismo primitivo restabeleceremos as mesmas dolorosas contingências de que conseguiu emergir a humanidade, após lutas aspérrimas. E restabelecê-las-emos sem as compensações da primitiva ingenuidade e da confiança, que reinava entre os homens do mesmo grupo social.
(...) Sendo assim, cumpre aos legisladores
regularem a sucessão do modo mais consentâneo com os interêsses combinados da sociedade, da família e dos indivíduos, mas nunca eliminá-la por completo, como se fôsse um elemento perturbador da harmonia social.180
179 Ibid., p. 48. 180 Ibid., p. 16.
153
Como se verifica dos conceitos acima lançados, o direito
das sucessões ou direito hereditário trata das regras e princípios relativos ao
cuidado com a transmissão patrimonial do falecido aos seus sucessores, tendo,
inclusive, explicações biológicas, psicológicas e antropológicas de fundamental
importância social.
A sucessão hereditária não é mera transmissão de bens,
mas tem explicações mais profundas, alicerçadas nas relações pessoais e
familiares construídas durante a vida do cidadão e em suas inter-relações
sociais.
Acerca da transmissão do acervo hereditário, é importante
lembrar que a legislação busca atender e respeitar, em regra, duas vertentes
principais:
• a primeira, individual e familiar, na medida em que a
vontade do falecido será respeitada, na forma legal, no
que tange a transmissão e destino de seus bens ou
parte deles. Em geral, a destinação dos bens é feita
dentro da própria família, por conta das relações
afetivas e morais construídas durante a vida. Caso o
falecido tenha deixado vontade expressa por
intermédio de testamento, em instrumento próprio e
válido, será ele executado, na forma e nos limites
legais;
• a segunda, de caráter institucional e social, em vista
de que a continuidade das relações jurídicas mantidas
pelo falecido e a transmissão da titularidade de seus
154
bens a seus sucessores são extremamente benéficas
para a sociedade em geral, inclusive em termos
econômicos. Entende-se que assim seja, pois as
regras de sucessão hereditária não permitem (ou
pretendem não permitir) que contratos e negócios
realizados pelo falecido sejam rompidos, bem como
não deixam que os bens do falecido fiquem à própria
sorte, sem destino certo, seja por sua vontade
(sucessão testamentária) ou pela lei (sucessão
legítima).
4.3. Breves aspectos históricos do direito sucessório brasileiro
A ocorrência do evento morte, em suas modalidades, é
termo certo, apesar de todos os esforços e pesquisas para manter, a cada dia
mais, a longevidade humana e o patrimônio amealhado em vida. Sua
ocorrência, além das consequências psicológicas, familiares e sentimentais
causadas, também tem grande repercussão jurídica, em todos os ramos do
Direito.
Por tais motivos, Pontes de Miranda, ao comentar o fato
jurídico da morte, assim ensina:
A morte é um fato jurídico. O ser humano deixou de ser pessoa. Houve a morte civil. Ele não existe mais. No direito romano, herdeiro sómente havia de quem os tinha com status libertatis, status civitatis, e era pessoa sui iuris.
Se algum efeito se irradiou no momento mesmo em que o decujo faleceu, tem-se de considerar adquirido o direito, ou a pretensão, ou a ação, ou a exceção. Momento mesmo da aquisição e da morte é momento que dificilmente
155
se fixa. Daí ter-se de supor anterior à morte a irradiação da eficácia.
A declaração de morte é medida que se toma mesmo quando não se trata de sucessão. Dela teremos de cogitar, extensivamente, porque o sistema jurídico lhe atribui a eficácia do fato jurídico da morte. 181
Diante disso, o estudo do direito sucessório ou direito
hereditário está, como visto no item anterior, intimamente ligado à transmissão
patrimonial e de direitos, perpetuando, nos sucessores, as relações jurídicas
encerradas com o falecido.
Como já foi mencionado, a morte é um fato jurídico de
extrema relevância social e jurídica. A manutenção de bens no seio familiar e a
continuidade dos contratos e negócios jurídicos formulados pelo falecido182 são
anseios do Estado e do legislador, promovido, quando possível, por intermédio
das regras sucessórias.
4.3.1. Das origens à fase brasileira pré-codificada
As origens do direito sucessório hereditário, na lição de
Euclides de Oliveira, remontam os tempos primitivos183 e aos textos bíblicos.
Na visão do autor, tal ramo do direito foi um dos que mais sofreu
transformações ao longo da evolução dos tempos até os dias atuais, iniciando-
181 Tratado de direito privado: direito das sucessões. Rio de Janeiro: Borsoi,
1968, v. 55, p. 8-9. 182 Quando nos referimos à manutenção dos contratos e negócios jurídicos
formulados pelo falecido, certamente estamos nos referindo àqueles possíveis de serem mantidos, em vista de suas características próprias. É certo que, por exemplo, obrigações personalíssimas não sobreviverão ao falecimento de seu devedor, sendo extintas na forma da lei.
183 O direito sucessório tem bases no Código de Hamurábi (do rei Hamurábi – anos 2067-2025 a.cC.); no Código de Manu (Código surgido na Índia, nos anos de 1300 a 800 a.cC.), todos com traços protetivos ao filho homem primogênito e, já na época romana, na Lei das XII Tábuas (legislação que iniciou o processo de igualdade entre sexos no tratamento sucessório).
156
se com o oferecimento de tratamento totalmente protecionista aos primogênitos
do falecido:
Breve lance de olhos sobre as origens e a evolução do direito sucessório no decorrer do tempo mostra que, dentre os ramos do Direito, esse foi um dos que mais se transformou. Nos tempos primitivos, a herança beneficiava apenas os varões, e, dentre estes, o mais velho. Era o direito de primogenitura, que vigorava em povos do Oriente, assim entre os hebreus, como se conhece da leitura da Bíblia: Esaú, voltando faminto da caça, vendeu seus direitos de herdeiro primogênito para o irmão Jacó por um prato de lentilhas. Não havia benefício de herança ao cônjuge e, menos ainda, à concubina, embora os filhos desta pudessem herdar em porção diferenciada daquela reservada aos filhos havidos como legítimos. Ainda pelos textos bíblicos, verifica-se evolução no regime de atribuição de herança, ora dando-se ao primogênito porção dobrada em relação aos demais, ora possibilitando ao pai privar o filho desse direito e concedê-lo a outro. Mais tarde, certas leis admitiram que a filha pudesse herdar na falta de filhos, mas sob a condição de se casar na tribo do pai, de modo que os bens não saíssem da família.184
Em seguida, passada essa primeira fase de tratamento
desigual que beneficiava o primogênito apenas, a legislação antiga manteve
nova proteção, agora pelo sexo do herdeiro (principalmente na cultura da Índia,
romana e grega, baseada na religião como base fundamental da família), em
vista de que, a princípio, as mulheres deveriam ser excluídas do recebimento
de bens. Na visão da época, a manutenção dos bens com os filhos homens
deveria ocorrer, pois seriam esses que perpetuariam a família dentro dos
princípios religiosos do falecido.
184 Ibid., p. 15-16.
157
Nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka, as filhas eram afastadas do trato sucessório, ficando sem direito de
receber patrimônio do pai falecido, em vista de que, recebendo os bens e se
casando com terceiros, muitas vezes os maridos poderiam não dar
continuidade ao patrimônio familiar construído pelo pai falecido, bem como ao
culto religioso seguido pela família185.
A disposição de afastar as filhas mulheres de eventuais
direitos em vista da sucessão do pai falecido perpetuou-se no tempo até
poucos anos atrás. Na Espanha, por exemplo, houve a promulgação da
chamada Lei Sálica, somente revogada no ano de 1830, que excluía as
mulheres e seus descendentes de direitos relativos ao reinado.
Na Idade Média, os bens dos servos, após sua morte,
eram devolvidos aos proprietários originais, senhores feudais, sempre
superiores aos demais. Por intermédio dessa regra de sucessão e transmissão
de bens, a evolução do direito chegou ao conceito atual do denominado
princípio de saisine ou droit de saisine, pelo qual o morto transmite ao vivo (le
mort saisit le vif).
Para o direito romano, a prevalência sempre foi da
sucessão testamentária, em que o cidadão romano, usufruindo do jus civile,
poderia dispor de seus bens para após a morte. Caso não houvesse
testamento ou se o testamento não se referisse à totalidade dos bens, a
sucessão dar-se-ia pela forma da lei, chamada de ab intestato (atualmente
denominada sucessão legítima).
185 Comentários ao Código Civil: direito das sucessões, Antonio Junqueira de
Azevedo (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 20, p. 4.
158
Euclides de Oliveira, em seu Direito de Herança, ao tratar
da história do direito sucessório e abordando o direito romano, assim divide os
períodos de sua história:
Distinguem-se, na evolução do direito romano, diferenciados períodos de sua história, assim compartimentados:
a) direito antigo, ou pré-clássico (com destaque para a Lei das XII Tábuas – desde as origens de Roma até os anos entre 149 e 126 a.C.);
b) direito clássico, com notável influência do pretor e a edição do jus civile, que se estende até o fim do reinado de Deocleciano, em 305 d.C.;
c) direito pós-clássico, ou romano-helênico, que vai até a morte de Justiniano, em 565 d.C., por isso conhecido como ‘direito justinianeu’.
(...) No tocante às mudanças no trato do direito sucessório, aqueles momentos evolutivos do direito romano desdobram-se conforme os sistemas imperantes em cada época, desde o jus civile antiquum, passando pelos jus honorarium e pelo regime imperial (principado, e dominato) até alcançar o sistema das Novelas de Justiniano.186
No período em que teve vigência a Lei da XII Tábuas,
apesar de ainda com a figura do pater familiae muito forte, deixou-se de lado o
caráter meramente religioso do ordenamento, para que a regra se originasse
do anseio popular. Nessa época, o direito sucessório previa três classes de
herdeiros, com prioridade entre eles, sendo os primeiros privilegiados em
relação aos demais: os sui heredi (eram considerados herdeiros necessários,
não podendo renunciar à herança), os agnati (esses eram de parentesco
próximo ao falecido, mas não eram considerados herdeiros necessários –
denominados agnatos, sempre, quando se tratava de colaterais, advinham do
186 Ibid., p. 18-19.
159
lado paterno da família do falecido) e os gentiles (parentes mais distantes do
falecido).
A segunda fase romana, com o jus honorarium,
determinou um aumento expressivo daqueles que passaram a ser qualificados
e considerados como herdeiros, e eram incluídos outros descendentes e
colaterais (principalmente do lado materno do falecido, denominados
congnatos).
Na fase seguinte, passando primeiramente por Tertuliano
e Orficiano e, em seguida, por Justiniano187, com a consolidação do Corpus
Juris Civilis, o ordenamento passou a prever, além de outras regras, a
sucessão ab intestato. Além de tal disposição, o direito de Justiniano também
passou a não mais fazer distinção entre os colaterais agnatos e congnatos, no
que tange ao recebimento de bens do falecido, ou seja, não importava mais se
o herdeiro vinha da estirpe paterna ou materna do de cujus..
De outra banda, no direito germânico da época, a
sucessão surgiu em momento posterior. De início, o falecido era enterrado com
seus bens, não havendo sucessão hereditária. Posteriormente, com o
denominado sistema das parentelas é que se iniciou o tratamento sucessório.
A partir daí, as relações de sangue entre os parentes passaram a prevalecer,
não só para manter unida a família, mas também para que nela
permanecessem os bens amealhados por seus titulares. Em vista disso, não
187 José Carlos Moreira Alves, em seu Direito Romano, v. 2, p. 408, apresenta o
quadro-resumo dos herdeiros legítimos indicados nessa última fase romana, de Justiniano. Nesse quadro, verificam-se quatro classes de herdeiros, com as seguintes disposições: a) primeira classe: descendentes; b) segunda classe: ascendentes, irmãos germanos e os filhos desses irmãos, com regras entre eles; c) terceira classe: irmãos consanguíneos ou uterinos e seus filhos e d) quarta classe: os colaterais. Na falta de herdeiros, presumia-se que a herança seria entregue ao cônjuge sobrevivente.
160
se usava a modalidade de sucessão testamentária, a fim de que não houvesse
qualquer risco de, por ato de vontade do falecido, os bens de sua propriedade
serem transmitidos a alguém que não fazia parte do grupo familiar.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama bem observa sobre
a evolução do direito sucessório ao longo dos tempos. O autor pontua, com
precisão, que as distinções e privilégios de uns em detrimento de outros, no
que tange à sucessão, e a qualidade de herdeiro, consagrada nas legislações
antigas, deve, sempre que possível, ser afastada:
Durante muito tempo no curso da história da civilização, o Direito das Sucessões conviveu com determinados princípios e regras atributivas de privilégios e primazias a determinadas categorias de pessoas, em evidente tratamento discriminatório e odioso relativamente a outras pessoas, excluídas de qualquer benefício sucessório.188
No direito brasileiro, as maiores influências do sistema de
direito sucessório têm origem no direito romano e no direito canônico. Do
primeiro sistema (romano), adveio a ideia da existência de sucessão legítima
(ab intestato) e sucessão testamentária (ex testamento), oferecendo-se ao
cidadão, primeiramente, a possibilidade de determinar o destino de seus bens
para após a morte, por meio da redação de um testamento189. Na falta deste e,
quando da morte do de cujus, a sucessão hereditária seria feita pelas regras
legais pertinentes.
Acerca do assunto, é fundamental lembrar a lição de
Carlos Maximiliano:
188 Direito Civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 6. 189 O direito germânico apresentava-se frontalmente contrário às disposições do
direito romano quanto à sucessão testamentária, oferecendo total privilégio à sucessão legítima, advinda dos laços sanguíneos.
161
O testamento própriamente dito é invenção romana. Toleraram-no, de começo, ainda subordinado ao consenso ou á sancção dos comícios populares e só extensivo ao gado meúdo (pecúnia), não a res mancipi (escravos, animais grandes); pouco a pouco foi se dilatando a faculdade de dispor por um ato de última vontade.
(...) O direito de dispor da própria fortuna por
uma ato de última vontade surgiu com o progresso do individualismo, á medida que a pessoa se afirmava em face da família e do grupo étnico; desenvolveu-se a franquia a ponto da sucessão testamentária vir a ser a sucessão por excelência; pois a legítima é a forma tácita do testamento, supre a falta deste de acordo com a vontade presumível do falecido.190
Do segundo sistema, o do direito canônico, extraiu-se a
lição de igualdade no tratamento dos herdeiros ante o princípio da fraternidade,
que, anos mais tarde, passou a ser parte de várias legislações, incluindo a
brasileira.
Na época das Ordenações do Reino, com as legislações
Afonsinas (ano de 1446) e Manuelinas (ano de 1512), não se enxergavam
grandes temas sucessórios. Entretanto, foi em 1603, no reinado de Felipe III de
Espanha e II de Portugal, que se promulgaram, aplicadas também ao Brasil, as
Ordenações Filipinas, que preveem, em seu título XCVI, a disciplina sucessória
hereditária.
Durante todo esse período, as leis aplicáveis no Brasil
eram originadas na consolidação das legislações portuguesas. Em verdade,
como veremos a seguir, até o ano de 1916, continuou sendo aplicada no Brasil
a legislação portuguesa, não havendo, mesmo após a independência do país,
imediata vigência de lei própria.
190 Ibid., p. 29-30.
162
Em outros países, inclusive por influência do Código
Napoleão, houve edição dos respectivos códigos, em período anterior ao
brasileiro. Apenas a título de exemplo, temos: a) na Argentina – 1869; b) no
Chile – 1851 e c) na Espanha – 1889.
Já no ano de 1855, após a promulgação da
independência do Brasil e por força do disposto na Constituição Federal de
1824, que determinava a elaboração de uma lei civil consolidada, Teixeira de
Freitas foi convocado e apresentou à Nação, em 1858, a chamada
Consolidação das Leis Civis. Nessa legislação, havia previsão expressa acerca
do direito sucessório (a vocação hereditária estava prevista no artigo 959 de tal
Lei). Apesar de ‘nova’, a Consolidação das Leis Civis, em verdade, nos seus
muitos aspectos, manteve as regras das disposições do Império, em especial
das Ordenações Filipinas, inclusive no que tange às previsões acerca do direito
sucessório.
Na Consolidação acima referenciada, a sucessão legítima
configurava a aquisição de propriedade, apesar de oferecer precedência à
sucessão testamentária. Ademais, no caso de morte de alguém, seriam
chamados a sucedê-lo - nesta ordem – as seguintes pessoas: seus
descendentes (primeira classe), depois, seus ascendentes (segunda classe),
após, os colaterais até o décimo grau (terceira classe) e, por fim, na falta de
todos esses anteriores, o cônjuge sobrevivente (quarta classe). É certo que a
existência da classe mais próxima excluía a mais remota. Inexistindo quaisquer
herdeiros nas quatro classes acima indicadas, o Estado seria chamado a
arrecadar os bens do falecido.
163
Em seguida à vigência da Consolidação, Teixeira de
Freitas foi convidado a elaborar um Código Civil Brasileiro, o que acabou sendo
esboçado, mas nunca entrou em vigência. Com ele, vários outros projetos e
esboços surgiram, mas apenas o último chegou ao seu final, com a edição do
respectivo Código Civil: a) projeto de Joaquim Felício dos Santos; b) projeto de
Coelho Rodrigues; c) projeto de Nabuco de Araújo; d) consolidação de Carlos
de Carvalho e e) projeto Beviláqua.
Com edição e vigência da Lei Feliciano Pena – Decreto
1.839 de 31 de dezembro de 1907 -, que alterou a Consolidação das Leis Civis,
o cônjuge sobrevivente passou à terceira classe da sucessão, recebendo o
patrimônio de seu consorte falecido antes dos colaterais. Em relação a esses
últimos, passaram eles a receber a herança apenas até o sexto grau. A cota
disponível de testamento passou de um terço dos bens para metade, além de
outras alterações. Tal legislação foi a base para o Código Civil de 1916,
elaborado sob as ideias de Clóvis Beviláqua, que concordava com as
alterações efetuadas, principalmente a redução do parentesco colateral para
esse fim, do décimo para o sexto grau.
Sobre a evolução legislativa brasileira até o momento
anterior à codificação, com a entrada em vigor do Código Civil de 1916,
Euclides de Oliveira se manifesta, com clareza, no que toca à sucessão
hereditária:
Em suma, verifica-se que o direito brasileiro pré-codificado atinha-se aos princípios básicos do direito romano ditado por Justiniano, especialmente ao estabelecer a ordem da sucessão ab intestato, pelo parentesco e pela maior proximidade de graus. Nesse particular, o direito moderno repete as mesmas linhas estruturais, embora com substanciais
164
modificações que, de um lado, vieram a reforçar a posição do cônjuge como herdeiro, e, de outro, afastaram discriminações à posição sucessória pela natureza da filiação e pela forma de constituição da família de origem.191
4.3.2. A fase codificada do direito sucessório brasileiro
Em 1º. de janeiro de 1916, pela Lei no. 3.071, foi
publicado no Brasil o Código Civil, originado em projeto de Clóvis Beviláqua.
Tal Lei passou a vigorar em 1º. de janeiro de 1917, permanecendo vigente até
o dia 10 de janeiro de 2003, ou seja, por mais de oitenta e cinco anos
ininterruptos.
A partir de então e, aproveitando as disposições do
Decreto-Lei 9.461 de 15 de julho de 1946 (que limitou os parentes colaterais ao
quarto grau), o Brasil adquiriu expressa disciplina sucessória codificada que,
além de outras alterações, atribuiu novos direitos à mulher, seja na condição de
consorte sobrevivente, seja na condição de descendente, ascendente ou
colateral.
No Código Civil de 1916, com as alterações acima
mencionadas (bem como as da Lei 8.049/90), a ordem de vocação hereditária
estava prevista no artigo 1.603, contendo o Poder Público como um dos
beneficiados, com a seguinte disposição:
Art. 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes; II - aos ascendentes; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais; V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou
à União.
191 Ibid., p. 26.
165
É possível notar, portanto, o grande avanço dado no trato
com o direito das sucessões, no Código Civil de 1916, sob o influxo das idéias
de Clóvis Beviláqua. O cônjuge, que, naquela época, não era considerado
herdeiro necessário, seguindo a linha da Lei Feliciano Pena, foi mantido na
terceira classe dos herdeiros, antes dos colaterais.
Ao cônjuge, com inserções por legislação posterior (Lei
4.121/62), ainda eram garantidos, no artigo 1.611, o usufruto vidual incidente
sobre um quarto dos bens do falecido (se o casamento não fosse realizado no
regime da comunhão total de bens) e o direito real de habitação192, assuntos
que serão objeto de análise específica em tópico próprio.
Pelo artigo 1.611 do Código Civil de 1916 (alterado pela
Lei 6.515/77), era reconhecido o direito sucessório ao cônjuge, se não
estivesse dissolvida a sociedade conjugal (pelo antigo desquite ou, a partir de
1977, pelo divórcio). Por tal disposição, se o casal estivesse separado de fato
há já vários anos, mantinha-se o direito sucessório no caso de falecimento de
um deles. Veja-se o teor do artigo mencionado, in verbis:
Art. 1.611. Á falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.
192 Artigo 1.611 do Código Civil de 1916. (...) § 1o O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da
comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus.
§ 2o Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.
166
No entanto, ainda várias disposições mantinham a
herança da legislação portuguesa, como, por exemplo, o teor do artigo
1.605193, que ainda fazia distinção entre filhos legítimos, ilegítimos e adotivos,
matéria que somente foi revista na edição da Lei 6.515/77 e na Constituição
Federal de 1988.
Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor no Brasil o
atual Código Civil – Lei 10.406/02 -, com profundas e significativas alterações
no direito de família e sucessões. Quanto ao direito real de habitação194 e o
usufruto vidual, referida lei manteve o primeiro – com alterações – e não mais
fez previsão do segundo, o que será abordado em seguida.
Em primeiro lugar, importa citar uma alteração relevante
no próprio conceito de fim da pessoa natural, visto que a morte biológica, na
atual legislação, também pode ser declarada quando, em situações de risco,
houver grande probabilidade de que a pessoa tenha vindo a óbito. Essa
disposição foi muito benéfica para a declaração de óbito e início da sucessão
daquele que, por exemplo, sofreu um acidente e desapareceu sem que seu
corpo tenha sido encontrado. Pela norma legal anterior, em certos casos
semelhantes ao exemplificado, os herdeiros teriam de obter, anos após o
ocorrido, a declaração de ausência do desaparecido, para conseguir iniciar a
transmissão e partilha de bens.
193 Texto original do Código Civil de 1916, antes da alteração mencionada: Artigo
1.605. (...) § Havendo filho legítimo ou legitimado, só a metade do que a este couber em herança terá direito o filho natural reconhecido na constância do casamento (art. 358). § 2o Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a cada um destes.
194 Conforme artigo 1.831 do Código Civil de 2002.
167
Os artigos 6º. e 7º. do Código Civil de 2002 preveem o fim
da pessoa natural e a mencionada possibilidade de obtenção de declaração
judicial de morte presumida nos casos nela especificados, como se verifica da
leitura dos textos legais referidos:
Artigo 6º. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Artigo 7º. Pode ser declarada a morte
presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte
de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em
campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
A qualidade de cônjuge sobrevivente herdeiro, pelo
disposto no artigo 1.830 do Código Civil de 2002, foi bastante alterada em
relação à legislação anterior. Pelo Código Civil atual, o cônjuge sobrevivente
perde a qualidade de herdeiro no caso de estar separado judicialmente (hoje,
também extrajudicialmente) do falecido, ou, então, na hipótese de estar
separado de fato há mais de dois anos. Nesse último caso, não haverá a perda
dos direitos sucessórios do consorte sobrevivo, se ficar comprovado que a
convivência se tornou impossível sem culpa do mesmo. Diz o referido artigo, da
Lei atual:
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso,
168
de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
No que tange à ordem de vocação hereditária, a previsão
do Código Civil de 2002 é bastante diferente do Código anterior, além de
passar a considerar o cônjuge sobrevivo como herdeiro legítimo necessário. No
que se refere à união estável, a disposição sucessória do instituto, prevista até
então na legislação extravagante, foi absorvida pelo Código Civil, no artigo
1.790195, objeto de inúmeras críticas dos estudiosos, por três pontos principais:
a) a localização física do artigo é inapropriada, pois deveria constar do capítulo
que trata da sucessão legítima; b) a disposição legal deixou de equiparar ou
assemelhar a sucessão do companheiro à do cônjuge, e, em verdade, as
diferenciou significativamente e c) a sucessão do companheiro, em virtude do
falecimento do outro, só ocorrerá sobre os bens adquiridos onerosamente
durante a união e, na ordem de vocação, o companheiro somente receberá a
totalidade da herança se não existirem sucessores colaterais.
Acerca da ordem de vocação hereditária, com previsão
para os casos em que houver ou não matrimônio, veja-se a expressa
disposição do artigo 1.829 do Código Civil:
Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
195 Artigo 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
169
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.
Inácio de Carvalho Neto, em seu livro Direito Sucessório
do cônjuge e do companheiro, bem aborda as principais inovações do Código
Civil atual nesse particular:
No limiar do terceiro milênio vem a lume o novo Código Civil, fruto de longo processo legislativo que, pode-se dizer, iniciou-se há mais de cento e cinquenta anos. Isto porque não se trata de uma criação, mas de uma revisão ao Código Civil de 1916.
O novo Código Civil (Lei 10406/2002) inova profundamente a matéria relativa à sucessão do cônjuge e do companheiro. Foi esta, certamente, a maior alteração feita pelo novo Código em matéria de Direito das Sucessões. Melhorou muito o novo Código, como veremos, a situação do cônjuge.
A primeira alteração importante em matéria de sucessão do cônjuge no novo Código foi a colocação deste como herdeiro também nas duas primeiras classes preferenciais, em concorrência, portanto, com os descendentes e os ascendentes. (...).
Tal disposição substitui o usufruto vidual, e com grandes vantagens, pois agora o cônjuge não tem apenas o usufruto, mas, direito à parte da herança.196
Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, escrevendo
sobre o tema, assim preceitua e questiona:
196 Direito sucessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Método, 2007, p.
124-125.
170
Cremos que, com o privilégio do casamento em relação à união estável, esta última será utilizada como recurso, já que os companheiros não serão considerados herdeiros necessários e concorrerão até com parentes colaterais.
As perguntas que se elaboram diante da questão posta em debate são: será que a mudança legislativa veio ao encontro dos valores vigentes sociais? Em nome da família afetiva, as injustiças não poderão ser maiores? Com o grande número de separações e divórcios e o pragmatismo social e de resultados nas relações conjugais, é acertada a concorrência do cônjuge? Com a convivência de vários ex-casamentos, dos quais resultaram filhos de vários pais e mães, a solução seria a mais adequada?
Por outro lado, o cônjuge merece tratamento privilegiado, tal qual filhos e pais, em consonância com a visão de família no novo milênio, corolário das transformações ocorridas ao longo do século XX e que surtirão efeito no século XXI.197
Como já se viu pelas palavras de Miguel Reale198, a
disposição própria da união estável foi proposital e inspirada no próprio texto
constitucional de 1988, que fez distinção clara entre tal instituto e o casamento.
Em todos os casos, somente não receberão a sua cota
patrimonial hereditária os sucessores que não aceitarem a herança, por
intermédio de renúncia expressa199 ou forem dela excluídos, seja por sentença
judicial que decretar a deserdação (artigos 1.961 a 1965 do Código Civil) ou a
indignidade (artigos 1.814 a 1.818 do Código Civil).
Quanto à renúncia da herança, pode ela ser translativa
(opera-se como cessão de direitos e não como renúncia propriamente dita) ou
197 Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente. São Paulo:
Editora Letras Jurídicas, 2004, p. 189. 198 Estudos preliminares do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 71-74. 199 Artigos 1.804, parágrafo único e 1.806 do Código Civil Brasileiro de 2002.
171
abdicativa (essa modalidade, sim, caracteriza claramente a renúncia à herança,
sem nunca tê-la recebido).
É certo que não é possível aceitar a herança
parcialmente, visto que o ato de renúncia compreende todos os bens, direitos e
deveres do acervo hereditário. Entretanto, é possível, ao sucessor, renunciar à
herança e não ao legado (ou vice-versa), visto tratar-se de institutos de
qualidade diversa. Nesse sentido, diz Francisco José Cahali, quando trata do
assunto na obra Curso Avançado de Direito Civil, no livro do Direito das
Sucessões:
Nestas condições, poderá o sucessor aceitar a herança e repudiar o legado, ou, ao contrário, assegurar o recebimento do benefício singular, rejeitando a integralidade de sua quota parte a título universal (CC, art. 1.808, § 1º.).200
Na Terceira Jornada de Direito Civil, promovida pelo
Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, no ano de
2004, foi aprovado o enunciado 271, que trata da possibilidade de renúncia ao
direito real de habitação, sem a necessidade de renúncia à herança.
O entendimento demonstrado no referido enunciado
segue a diretriz da possibilidade acima alertada, da aceitação ou repúdio da
herança ou legado de forma autônoma, sendo possível aceitar os direitos de
uma qualidade, sem a necessidade de aceitar os demais e vice-versa. Veja-se
o texto aprovado do enunciado:
Enunciado no. 271. Artigo 1.831 do Código Civil: O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança.
200 Ibid., p. 94.
172
Quanto à exclusão do benefício do direito real de
habitação ao cônjuge afastado da sucessão, tal tema será oportunamente
tratado. Para tal discussão, cumpre ter sempre em mente dois importantes
pontos:
• o ato de renúncia ao patrimônio hereditário é solene,
irrevogável e pode referir-se, com autonomia e
independência, a critério do sucessor, a direitos de
qualidades distintas, seja a título de herança e/ou a
título de legado;
• a sentença que decreta a exclusão do sucessor da
herança, por deserdação ou indignidade, após o prazo
legal e eventuais recursos apresentados pelas partes,
tem o seu trânsito em julgado, não sendo mais
passível de qualquer alteração ou modificação
posterior. Em consequência de tal decisão, há a
exclusão do sucessor em relação à herança deixada
pelo falecido.
Por fim, é conveniente ter em mente a lição de Euclides
de Oliveira e Sebastião Amorim, no livro Inventários e Partilhas, sobre os
efeitos da exclusão do sucessor:
A exclusão compulsória do direito à sucessão dá-se nos casos de ingratidão do herdeiro ou legatário, por indignidade ou deserdação.
A indignidade e a deserdação têm por escopo punir quem se conduziu de forma injusta
173
contra o autor da herança, de modo a merecer reprimenda, tanto do ponto de vista moral como legal.
(...) Em qualquer dos casos, a consequência
será a exclusão do direito à herança. O indigno é considerado como se morto fosse, de modo que seus descendentes recebem a herança por representação.201
Quanto à concessão de outros e maiores benefícios ao
cônjuge sobrevivente – atendidos pelo Código Civil atual, principalmente ao
determinar que o cônjuge sobrevivente seja tido como herdeiro necessário e
concorra com os descendentes e ascendentes, na forma legal -, Silvio
Rodrigues, atualizado por Zeno Veloso, bem considera:
Não eram poucos os que achavam que a lei devia ser mais generosa para com o cônjuge na sucessão de seu consorte. Tal tendência, que entre nós se revelou na Lei Feliciano Pena (...), que colocou o cônjuge sobrevivente adiante dos colaterais, na ordem de vocação hereditária, persiste e se manifesta em muitos aspectos. Ela se manifestava na doutrina, pois muitos escritores reclamavam o chamamento do cônjuge antes dos ascendentes, na ordem de vocação hereditária, ou apregoavam o mister de se colocar o consorte sobrevivo entre os herdeiros necessários.202
Quanto ao companheiro, há grande celeuma sobre a sua
qualificação ou não como herdeiro necessário203. É nossa opinião que o
companheiro não é herdeiro necessário, até porque a lei assim não o indicou e,
ao que parece, propositadamente.
201 Inventários e partilhas: direito das sucessões – teoria e prática. 21. ed. rev. e
atual. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008, p. 49-50. 202 Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo:
Saraiva, 2002, v. 7, p 111. 203 Sobre o assunto, tramita na Câmara dos Deputados, projeto de lei proposto
pelo IBDFAM, de no. 508/2007, visando igualar a situação do cônjuge e do companheiro no que diz respeito à sucessão hereditária.
174
A esse respeito, é oportuna a lição de Marcelo Truzzi
Otero, em seu trabalho sobre o direito sucessório brasileiro:
Acreditamos que o legislador não incluiu o companheiro no rol dos herdeiros reservatários deliberada e conscientemente, razão pela qual o companheiro não é herdeiro necessário; qualidade desfrutada apenas pelos descendentes, pelos ascendentes e pelo cônjuge.
O fato, porém, de o companheiro não ostentar a qualidade de herdeiro necessário não significa que ele pode ser afastado da sucessão por vontade do outro, a exemplo do que se verifica com os colaterais. Na qualidade de herdeiro legal, ele participará necessariamente da sucessão do companheiro falecido, nos termos do artigo 1.790 do Código Civil que, peremptoriamente, estabelece que o companheiro ‘participará da sucessão do outro’, quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união, na forma nele estabelecida.
Assim é que, dissolvida a união estável, os conviventes não terão direito à meação, face o contrato de convivência disciplinando a separação total de bens, porém, este contrato não terá o condão de afastar o direito sucessório sobre os bens particulares adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, face o comando imperativo do artigo 1.790. Essa é a conseqüência da sua condição de sucessor legal, independentemente da qualidade de herdeiro necessário, que não ostenta, a exemplo do que se verifica nas hipóteses de sucessão anômala.204
Dessa forma, além de excluir o Estado do rol dos
herdeiros, o Código Civil instituiu, em clara disposição protetiva, a concorrência
sucessória do cônjuge sobrevivente com os descendentes e ascendentes,
visando, ao que parece, ofertar ao consorte um quinhão maior da herança,
para que, com isso, as bases familiares e patrimoniais possam ser mantidas,
204 A justa causa na clausulação da legítima do herdeiro necessário. Tese
(Doutorado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2008, p. 28-29.
175
concentradas em maior monta com uma única pessoa (nesse sentido, a atual
lei excluiu o usufruto vidual, substituindo-o, exatamente, pelos direitos acima
mencionados: a) alçar o cônjuge à condição de herdeiro necessário e b) indicá-
lo como concorrente com as duas primeiras classes na sucessão hereditária de
seu consorte falecido).
4.4. Espécies, transmissão sucessória e o princípio de saisine
No direito brasileiro, quanto ao momento de transmissão
da herança, vige o princípio de saisine205 ou, como no francês, droit de
saisine206.
Em verdade, por intermédio de tal princípio e tendo como
base que as relações jurídicas não podem ficar sem um titular, a transmissão
de bens do falecido a seus herdeiros ocorre, automaticamente e por
determinação legal, com o falecimento da pessoa natural. É o ditado que diz: “o
205 O princípio que prevê a transmissão automática e por força legal dos bens da
herança do falecido, no momento de sua morte, aos seus sucessores universais, ingressou no ordenamento jurídico português pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, sendo depois previsto na Consolidação das Laís Civis, de Teixeira de Freitas, no artigo 978. Tais disposições foram a origem da previsão atual do Código Civil (bem como do Código Civil anterior), do princípio de saisine. O dito Alvará de 1754 assim previa:
“Eu El-Rey faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem, que querendo evitar os inconvenientes, que resultam de se tomarem posses dos bens das pessoas que falecem, por outras ordinariamente estranhas, e a que não pertence a propriedades delles: Sou servido ordenar, que a posse Civil, que os defuntos em sua vida houverem tido passe logo nos bens livres aos herdeiros escritos ou legítimos; nos vinculados ao filho mais velho, ou neto, filho do primogênito, a falta este, ao irmão ou sobrinho; e sendo Morgado, ou prazo de nomeação, à pessoa que for nomeada pelo defunto, ou pela Lei.
A dita posse Civil terá todos os efeitos da posse natural, sem que seja necessário, que esta se tome; e havendo quem pretenda ter ação aos sobreditos bens, a poderá deduzir sobre a propriedade somente, e pelos meios competentes; e, para este efeito revogo qualquer Lei, Ordem, Regimento ou disposição de direito em contrário.(...).”
206 Apenas exemplificadamente, para ilustrar a importância do instituto, a regra de saisine também é prevista no Código Civil Francês (artigo 724), no Código Civil Português (artigo 2.050) e no Código Civil Argentino (artigo 3.279 e outros).
176
morto transmite ao vivo” (le mort saisit le vif). Nesse momento, a herança
transmite-se como um todo, na qualidade de bem imobilizado por determinação
legal, conforme diz o artigo 1.791 do Códex Civil:
Artigo 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
Com a morte da pessoa, portanto, dá-se a abertura da
sucessão, ainda que seus herdeiros não saibam, recebendo eles a posse207 e a
propriedade de uma porção ideal daquilo que, no futuro, será formalmente
partilhado. Nesse mesmo momento ocorrerão três eventos, a saber: a) a
abertura da sucessão, seguida por: b) delação hereditária, devolução
sucessória ou, simplesmente, delação e, por fim: c) pela aquisição da herança
(adição). Dessa forma, o patrimônio do falecido nunca permanecerá acéfalo,
como o qualifica Caio Mário da Silva Pereira208.
A formalização da transmissão hereditária e a atribuição
real da cota-parte de cada herdeiro ou legatário ocorrerá com a abertura do
procedimento processual, chamado de inventário209, de acordo com o teor do
artigo 1.796 do Código Civil, seguindo a regra de domicílio prevista no artigo
1.785 do mesmo diploma legal210. Assim, a transmissão dos bens por conta do
207 O legatário recebe, no ato do falecimento do autor da herança, apenas a
propriedade do legado. A posse do mesmo virá com a efetiva partilha do bem. 208 Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões, 17. ed. atual. por Carlos
Roberto Barbosa Moreira, 2009, v. VI, p. 16. 209 Artigo 1.796. No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão,
instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança.
210 Artigo 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.
177
princípio de saisine não fica prejudicada pela abertura tardia do inventário,
mesmo a destempo, conforme as determinações legais.
Por conta da adoção do princípio acima mencionado, com
a transmissão da herança no momento do falecimento do de cujus e não a
partir da formal e efetiva aceitação do acervo, por parte do herdeiro, várias
consequências decorrem, como, por exemplo:
• verificação da legislação aplicável à sucessão, que
ocorrerá no tempo de sua abertura, ou seja, no
momento do falecimento da pessoa (no Código Civil
atual, artigo 1.787211);
• identificação dos legitimados a suceder o falecido, leia-
se, dos herdeiros e daqueles já concebidos no
momento do óbito, aguardando seu nascimento (artigo
1.798 do Código Civil212). No caso de prole eventual, a
nossa legislação civil codificada, no artigo 1.799, I,
possui disposição própria;
• transmissão dos direitos incidentes sobre os bens do
falecido aos sucessores. Tais bens, portanto, podem,
a partir desse momento, sofrer constrição judicial ou
ser transmitidos (artigo 1.793 do Código Civil)213 por
211 Artigo 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao
tempo da abertura daquela. 212 Artigo 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas
no momento da abertura da sucessão. 213 Artigo 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que
disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
178
ato inter vivos214. Podem os herdeiros, ainda, proteger,
pelos interditos possessórios, a posse de tais bens.
Como afirma Francisco José Cahali, em obra conjunta
com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, denominada Curso Avançado
de Direito Civil, no capítulo sobre a sucessão em geral, acerca do droit de
saisine:
O que ocorre, em verdade, é uma ficção jurídica, a transmissão da herança se faz ipso jure, para dar a necessária continuidade na titularidade das relações jurídicas deixadas pelo falecido, que não podem ficar acéfalas. Com a definitiva partilha ou adjudicação da herança aos herdeiros, quando se desfaz a comunhão forçada, consolidando em seu patrimônio o quinhão herdado, a titularidade do acervo opera-se retroativamente, desde a data do falecimento.215
Note-se, portanto, que a transmissão da herança pela
regra do princípio de saisine revela-se mesmo uma ficção jurídica. De fato,
somente com a efetiva aceitação, por parte do herdeiro, (que poderá ser
expressa ou tácita), é que efetivamente se dará início à formalização da
partilha, inclusive porque o herdeiro poderá renunciar ao seu respectivo
quinhão, na forma dos artigos 1.804 a 1.813 do Código Civil216.
214 A possibilidade de cessão de direitos hereditários não fere o disposto no
artigo 426 do Código Civil, visto que tal disposição legal proíbe que se faça qualquer negócio jurídico com herança de pessoa viva. É o chamado pacta corvina. No caso estudado, já houve o falecimento da pessoa e pelo princípio de saisine, há a transmissão automática dos direitos sobre os bens aos sucessores do de cujus.
215 Ibid., p. 43. 216 Os artigos 1.804, 1.805, 1.806 e 1.808 do Código Civil de 2002 resumem tais
hipóteses de aceitação e renúncia da herança, como vemos abaixo: Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro,
desde a abertura da sucessão. Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.
179
Bem observa a doutrina nacional sobre a renúncia à
herança, afirmando, nas palavras de Orlando Gomes, que, efetivada esta, não
fará o sucessor jus a qualquer direito hereditário:
Renúncia é ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança.
A renúncia não depende do assentimento de quem quer que seja.
Não se presume. Há de resultar de expressa declaração. Tal como a aceitação, é negócio puro, não prevalecendo se feita sob condição ou a termo. Inadmissível, também, a renúncia parcial.
A renúncia é negócio formal. Deve constar, necessariamente, de escritura pública ou termo judicial. A forma, sendo da substância do ato, sua inobservância importa nulidade. O termo lavra-se nos próprios autos de inventário.
(...) Deve manifestar-se antes da aceitação,
isto é, da prática de qualquer ato que a induza.217
Na lei civil codificada atual, em seu artigo 1.784, há a
previsão expressa do droit de saisine (assim como dizia o Código Civil anterior,
em seu artigo 1.572). A leitura de tal artigo deve dar-se em conjunto com os
artigos 1.206 e 1.207, também do Código Civil atual, que discorrem sobre a
continuidade da posse de bens no caso de sucessão. Vejam-se os três
dispositivos legais:
Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro. § 1º. Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória. § 2º. Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.
Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.
Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.
217 Sucessões. 12. ed. rev., atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002 por Mário Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 25.
180
Artigo 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Artigo 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Artigo 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Ocorrido o falecimento, portanto, haverá a transmissão
aos sucessores do falecido, dos direitos incidentes sobre os bens deixados,
para, por intermédio do procedimento de inventário, ser formalmente
partilhados. Com a partilha e a expedição do respectivo formal ou carta, cada
sucessor receberá a sua porção real da herança deixada pelo de cujus.
A esse respeito e clarificando a questão da posse
ofertada ao sucessor, por conta do passamento de alguém, Eduardo de
Oliveira Leite assim preleciona, em seus comentários ao novo Código Civil
Brasileiro de 2002:
Finalmente, a posse que se transmite aos herdeiros, automaticamente, como vimos, não é provisória, é posse própria e definitiva, que pode assumir conotações distintas em decorrência da situação fática no momento da abertura da sucessão.
(...). É o princípio da saisine, da investidura
legal na herança, produzindo seus efeitos de forma amplíssima, desde a abertura da sucessão.218
Luiz Antônio Alves Torrano, em sua obra sobre a petição
de herança, também corrobora com a tese da transmissão automática do
218 Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 19.
181
patrimônio do falecido, não havendo qualquer necessidade de ato positivo do
sucessor:
De fato. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Di-lo o art. 1.784 do CC. Trata-se do princípio da saisine. (...) Até então, o titular dessas relações era o de cujus e, a partir daí, sem qualquer formalidade, o titular delas passa a ser o herdeiro.
Não há, por conseguinte, qualquer hiato nessa substituição. Ela se opera sem necessidade de ato algum por parte do herdeiro. A aceitação da herança por este constitui mera formalidade, cujos efeitos retroagem, entretanto, à abertura da sucessão (art. 1.804, caput).219
Como espécies de sucessão, existem algumas
modalidades.
Em primeiro, conforme o artigo 1.786220 do Código Civil e
em relação à fonte de que se origina, conforme já abordado, a sucessão
poderá ser legítima (artigos 1.829 a 1.855 do Código Civil) ou testamentária
(artigos 1.857 a 1.990 do Código Civil), se ocorrer, respectivamente, em virtude
de lei ou, então, por meio de ato de disposição de última vontade, elaborado
pelo falecido, na forma legal, pelo instrumento pertinente e regular.
Nas palavras de Cunha Gonçalves acerca da sucessão
legítima, observa-se que:
A sucessão diz-se legítima quando, por ter o dono dos bens falecido sem instituir sucessor, ou por ter sido anulada, revogada ou estar caduca a instituição, ou ter aquele disposto só de parte de seus bens, a lei, baseando-se na presunção derivada das relações de família e da
219 Petição de herança. Dissertação (Mestrado em Direito). São Paulo: PUC São
Paulo, 2007, p. 11. 220 Artigo 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.
182
afeição natural que, no seio desta, une os seus membros, indica quais serão os sucessores desses bens, graduando-os conforme os graus e a natureza do parentesco.221
No caso da sucessão testamentária, poderá ela ocorrer
quanto à totalidade dos bens do falecido, quando não existirem herdeiros
necessários. Havendo herdeiros nessa categoria, o testamento não os poderá
excluir da sucessão e somente poderá versar sobre a metade dos bens do
falecido222 ou em importe menor.
O conteúdo do testamento deve seguir a norma legal
pertinente, respeitando as cláusulas proibitivas, e não pode, sob pena de
invalidade, conter disposição que retire de algum sucessor ou terceiro qualquer
direito legalmente estabelecido, como, por exemplo, o direito real de habitação
decorrente da sucessão hereditária.
Nesse sentido, Silvio Rodrigues, na obra Direito Civil,
atualizada por Zeno Veloso, conceitua tal modalidade de sucessão,
estabelecendo suas regras e limites, em conformidade com os artigos 1.857 e
1.900223 do Código Civil:
221 Tratado de Direito Civil. São Paulo: Max Limonad, v. IX, t. II, s.d., n. 1.352. 222 Como já abordado, os herdeiros legítimos necessários são aqueles a quem a
lei atribui uma cota obrigatória da herança (metade do acervo hereditário destinado aos herdeiros), denominada legítima. Havendo herdeiros necessários, não poderão ser excluídos desta cota mínima da herança por ato de vontade do falecido (artigo 1.789 do Código Civil Brasileiro). A princípio, de acordo com o artigo 1.845 do Código Civil de 2002, são herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge do falecido. Os colaterais são denominados herdeiros legítimos facultativos. Há discussão acerca da qualificação do companheiro originado em União Estável, como herdeiro necessário, já que o atual Código Civil não o qualifica como tal.
223 Artigo 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1º. A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2º. São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
183
Por meio das disposições testamentárias, o testador não só dá destino a seus bens, após sua morte, como pode, também, fazer outras determinações de caráter não patrimonial e de seu interesse, de eventual repercussão após seu falecimento.
No que diz respeito às disposições patrimoniais, consistem na instituição do herdeiro ou na designação de legatários.224
Contrariamente às disposições do direito romano, em
nosso direito, as duas modalidades de sucessão – legítima e testamentária -
podem coexistir, caso o falecido tenha deixado testamento. Não tendo o
falecido deixado testamento, a sucessão se dará, em regra, pela forma
legítima, conforme giza o artigo 1.788 do Código Civil225.
Em uma primeira análise, seria possível concluir que a
nossa lei privilegia a sucessão testamentária, por derivar da vontade do
testador. Entretanto, Orlando Gomes, na obra Sucessões, atualizada por Mário
Roberto Carvalho de Faria, bem pontua sobre a tormentosa questão226,
firmando a posição de que a sucessão testamentária não é a regra, da qual a
sucessão legítima seria a exceção:
Verdadeiramente, a sucessão legítima deixou de ser supletiva, tantas têm sido as
Artigo 1.900. É nula a disposição: I - que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro; II - que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar; III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro; IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado; V - que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.
224 Ibid., p. 180. 225 Artigo 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos
herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
226 Concluindo pela ausência de preponderância entre a sucessão testamentária e a sucessão legítima, é o pensamento de Eduardo de Oliveira Leite, em seus Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 300.
184
limitações da liberdade de testar. A tal ponto que a sucessão testamentária passou a ser excepcional. De regra, realmente, as pessoas falecem intestadas. Nem é imprescindível seu conhecimento para a compreensão da sucessão legítima, como parece a alguns. Sua precedência não se justifica, assim, por motivos metódicos ou lógicos.227
Ainda sobre as espécies de sucessão hereditária,
subsiste outra classificação, que se funda, nas palavras de Francisco José
Cahali, na forma de destinação dos bens da herança228, dividindo-se nas
seguintes modalidades: a) sucessão a título universal (beneficiário é chamado
de herdeiro) e; b) sucessão a título singular ou particular (o beneficiário é
denominado legatário). Diz o referido autor:
A sucessão a título universal caracteriza-se pela transmissão do patrimônio do defunto como um todo (universitatis iuris), atribuindo-se de forma abstrata, aos sucessores, as respectivas partes ideais (ou quotas hereditárias, em percentual), podendo ser verificada tanto na sucessão legítima como na testamentária, esta última quando o testador institui herdeiro em fração de herança (...). Também assim se dará a sucessão se o herdeiro, mesmo único, receber a integralidade da herança (...).
A sucessão a título singular implica a transferência de bens determinados a pessoas determinadas. Dá-se apenas na sucessão testamentária, onde a disposição de última vontade contempla um ou vários beneficiários, com bem certo e determinado (...). O bem deixado denomina-se legado, e o beneficiário legatário, substituindo o falecido apenas na coisa legada.229
A sucessão a título universal, portanto, ocorrerá quando
não houver especificação de um ou vários bens definidos e determinados,
227 Ibid., p. 83-84. 228 Ibid., p. 53. 229 Ibid., p. 53.
185
recebendo o herdeiro o patrimônio hereditário ou porção dele, indiscriminada
(que será discriminada posteriormente na partilha, obedecendo aos quinhões
de cada um dos herdeiros do falecido). Ela poderá ocorrer na sucessão
legítima ou testamentária, se, nessa última, a deixa não for específica sobre
certo e determinado bem. Já na sucessão a título singular ou particular, o
legatário receberá um bem ou mais bens certos e determinados, indicados
expressamente no testamento formulado pelo falecido.
Apenas a título de esclarecimento, a lição de Arthur Vasco
Itabaiana de Oliveira, no Tratado de Direito das Sucessões, sobre a distinção
entre o herdeiro e o legatário, merece atenta e cuidadosa atenção, como
segue:
Conquanto o herdeiro e o legatário continuem a posse do de cujus e a recebam com os mesmos caracteres, qualidades e vícios, entretanto a instituição de herdeiro é fundamentalmente diversa da de legatário, porque:
a) o herdeiro sucede a título universal e o legatário a título singular ou particular;
b) o herdeiro responde pelas dívidas e encargos da herança na proporção de sua quota hereditária, pois sucede in omne jus quod defunctus habuit; enquanto que o legatário está isento desta responsabilidade, por isso mesmo que sucede sómente in rem aliquam singularem;
c) o herdeiro sucede numa porção ou quota indefinida da herança, e o legatário sucede só numa parte definida e determinada da herança;
d) o herdeiro tem direito de acionar, em juízo, para anular contratos e atos jurídicos feitos pelo autor da herança com terceiros, ao passo que êsse direito é negado ao legatário.230
Como se verifica, vários são os pontos que distinguem a
posição jurídica do herdeiro e do legatário, inclusive em relação às
230 Ibid., p. 59-60.
186
responsabilidades destes quanto às dívidas e encargos do patrimônio
hereditário deixado pelo de cujus.
Quanto ao direito real de habitação, a distinção entre
herdeiro e legatário tem grande importância, principalmente no que tange à
natureza jurídica de tal benefício legal. Em verdade, o direito real de habitação
decorrente da sucessão hereditária assemelha-se à sucessão a título singular
ou particular, mas o é por ordem e disposição legal, visto que a determinação e
a incidência recaem sobre bem certo e determinado231. Por outro lado, tal
benefício legal diferencia-se da deixa testamentária da natureza do legado, eis
que opera automaticamente e independentemente de registro. Com isso,
resulta que poderá haver sucessão ab intestato que recaia sobre bem
específico, aquele sobre o qual incida o direito real de habitação.
Em tal ótica, importa lembrar que tal direito real é
conferido ao cônjuge, que é herdeiro necessário. Se houver a aplicação de
instituto à união estável, também, quanto a isso, não haverá maiores
questionamentos, eis que a legislação outorga tal benefício específico por
imposição e não pede ato de vontade do falecido.
Numa visão mais conceitual, é interessante ter como base
que, doutrinariamente, o legatário não é herdeiro propriamente dito, tendo
apenas responsabilidade proporcional ao legado a ser recebido, e, para ser
investido na posse do bem deixado, depende do procedimento de inventário e
respectiva decisão judicial.
231 A esse respeito, é precisa a lição de Antonio Junqueira de Azevedo, em seu artigo: “O espírito de compromisso do direito das sucessões perante as exigências individualistas de autonomia da vontade e as supra-individualistas da família – herdeiro e legatário”. In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 04, jan/fev/mar., 2000, p. 57-63.
187
Dessa forma, no ato de falecimento do de cujus, a
transmissão da posse e da propriedade do patrimônio hereditário ocorre para
os sucessores universais (legítimos ou testamentários). Para os sucessores
particulares ou singulares, a transmissão dá-se, apenas, quanto à propriedade
dos bens respectivos, devendo os beneficiados aguardar posterior partilha,
para a regular formalização da sua cota hereditária de bens e transmissão
efetiva da posse do legado.
Com relação ao direito real de habitação conferido por
conta da sucessão hereditária, se for tomada como sucessão a título singular,
tem-se o caso excepcional, onde, no ato do falecimento do de cujus, haverá
transmissão de posse e propriedade ao legatário, sem a necessidade de
pedido expresso perante o inventário e os demais sucessores.
Clóvis Beviláqua, sem entrar na discussão do direito real
de habitação, discorre sobre o conceito e a transmissão da herança aos
sucessores, em seu Direito das Sucessões, quando afirma que o legatário, no
falecimento do de cujus, recebe a propriedade dos bens deixados em legado,
aguardando a posterior formalização da partilha em inventário para ter-lhes a
posse:
O Código Civil, sem muito se afastar dessas normas, deu-lhes mais clareza e harmonia. Aberta a sucessão, pela morte de alguém, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. O legatário, se a liberalidade é pura e simples, adquire a propriedade da coisa legada, desde a morte do testador (...), mas deve pedi-la ao herdeiro.232
232 Ibid., p. 32.
188
A mesma posição de Clóvis Beviláqua é defendida por
Orlando Gomes, em sua obra Sucessões – atualizada por Mário Roberto
Carvalho de Faria -, no capítulo que trata da devolução sucessória, onde o
autor afirma, claramente, que o legatário recebe a propriedade do bem no
momento da abertura da sucessão:
Em razão da regra, não precisa o herdeiro imissão de posse para se investir neste, continuando-se de pleno direito, ainda que se considere o inventariante possuidor direto. Quando ao legatário, tem de pedi-la, não obstante adquirir, desde logo, a propriedade do bem legado, se pura e simples a deixa.233
Maria Helena Diniz, ao abordar a situação do legatário no
momento da morte do de cujus, trata o tema de forma ainda mais
pormenorizada, distinguindo os bens fungíveis dos infungíveis, mas sem
ingressar na discussão da natureza jurídica do direito real de habitação e da
qualidade do beneficiário de tal direito:
É preciso lembra que o legatário, em relação ao herdeiro legítimo ou testamentário, tem uma situação diferente, pois só entra na posse dos bens após a partilha, adquirindo a propriedade dos bens infungíveis desde a abertura da sucessão, e dos fungíveis somente depois da partilha, tendo em vista que é sucessor a título singular, já que seu direito sucessório se refere a bens determinados e precisos.234
Encerrada esta visão geral sobre os direitos sucessórios,
o próximo capítulo passa a analisar o direito real de habitação aplicado ao
direito sucessório.
233 Ibid., p. 16. 234 Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007,
v. 6, p. 25.
189
Buscam-se, agora, seus aspectos gerais e os
questionamentos a que se visam responder, em vista da lacuna legal e
jurisprudencial que subsiste até o presente momento quanto ao assunto
colocado em discussão.
É certo que não se encontrará resposta definitiva às
questões levantadas, mas buscar-se-á, com os fundamentos trabalhados até
aqui, oferecer as saídas que se admitem como mais cabíveis e, legalmente,
mais sensatas.
190
Capítulo 5
O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA
5.1. Primeiras observações
Após discorrer sobre a família brasileira e sua evolução,
bem como acerca dos direitos reais – com foco no direito real de habitação – e
das regras gerais sobre os direitos sucessórios, tratar-se-á, neste quinto e
último capítulo, do direito real de habitação aplicado à sucessão hereditária.
Para examinar as diversas questões que o estudo do
direito real de habitação na sucessão hereditária apresenta, há que
desenvolver, em primeiro plano, uma abordagem histórica do instituto, desde o
seu surgimento no direito brasileiro – quando da alteração do então artigo
1.611 do Código Civil de 1916, em 27 de agosto de 1962, por intermédio do
Estatuto da Mulher Casada – , até a previsão legal atual. Em seguida, passa-se
ao conceito, aos objetivos e à natureza jurídica do direito mencionado,
referindo, ainda, a previsão legal em outros ordenamentos. Ao final, serão
levantadas, pontualmente, as várias indagações que o tema possui, com base
nos assuntos aprofundados no presente trabalho.
Além do direito real de habitação decorrente do direito
sucessório, também havia previsão do denominado usufruto vidual, que
consistia no usufruto de parte dos bens deixados pelo falecido. Tal instituto não
191
está mais em vigor em nosso ordenamento235, para qualquer uma das
modalidades sucessórias, seja decorrente do casamento, seja decorrente da
união estável ou das demais. É pacífico que o presente trabalho não versa,
especificamente, sobre o usufruto vidual236, mas, em vista de sua importância,
é válido fazer uma breve exposição sobre a questão a seguir, quando do início
da discussão das questões que envolvem o direito real de habitação.
Chama-se, mais uma vez, a atenção, para o fato de que,
como já foi dito anteriormente, o objetivo deste trabalho é problematizar o tema
proposto, buscando oferecer respostas às principais dúvidas e lacunas
existentes e aqui identificadas, sem, contudo, a pretensão de esgotar o tema,
que é extenso e palpitante em nossa rica doutrina e jurisprudência.
5.2. Revisão histórica
O direito real de habitação sobre o imóvel familiar,
incidente em decorrência da sucessão hereditária237, assim como o usufruto
vidual, ingressaram em nosso ordenamento jurídico com a vigência da Lei
235 Nesse sentido, não reconhecendo o usufruto vidual após o Código Civil de
2002, é o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a lavra do Des. Ruiter Oliva, cujo julgamento deu-se em 31 de agosto de 2004, no agravo de instrumento 3363924800: “Inventário. União estável. Usufruto vidual. Direito não previsto no novo código civil - pretendida cumulação dos direitos de meação e herança acarretando diminuição na participação dos herdeiros necessários inadmissibilidade - companheira que tem uma participação correspondente a metade dos bens adquiridos juntamente com o falecido - situação equivalente à que lograria se fosse casada no regime da comunhão parcial de bens - inteligência dos arts. 1.725, 1.790, ii e 1.829, i, do CC e do art. 226, § 3o, da CF - recurso não provido.”
236 Na vigência do Código Civil de 1916, o entendimento acerca do usufruto vidual era de que, se reconhecida a meação sobre os aquestos, não haveria o deferimento de tal benefício, conforme Agravos de Instrumento 227.111-4/7 (rel. Des. Waldemar Nogueira Filho) e 555.796-4/9 (rel. Des. Egídio Giacóia) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
237 A esse respeito e apenas a título de informação, é útil lembrar que o direito real de habitação e o usufruto eram previstos no Código de Hamurábi, em seus artigos 171, 172 e 180.
192
4.121, de 27 de agosto de 1962, publicada em Diário Oficial da União em 03 de
setembro de 1962, com vacatio legis de 45 dias, na presidência de João
Goulart.
A Lei 4.121/62, também denominada Estatuto da Mulher
Casada, tinha como objeto, curiosamente, dispor sobre a situação da mulher
casada, ou seja, em princípio, os dispositivos legais nela indicados forneceriam
benefícios e direitos à mulher vinculada a um homem por matrimônio.
Entretanto, os mencionados textos legais atinentes ao
direito real de habitação e ao usufruto vidual aplicavam-se tanto ao marido
quanto à mulher, favorecendo o cônjuge sobrevivente de forma geral, no caso
de falecimento do outro.
Em verdade, no que tange especificamente ao tema do
presente trabalho, o Estatuto da Mulher Casada trouxe importante alteração no
então artigo 1.611 do Código Civil de 1916, que dispunha, até então, sobre a
vocação hereditária e a situação do cônjuge, à falta de sucessores
descendentes ou ascendentes.
Com a vigência da Lei 4.121/62, o referido artigo 1.611
passou a ter dois parágrafos, um tratando do direito real de habitação238 e o
outro, do usufruto vidual, como se pode verificar, a seguir, pela leitura do texto
legal original, ainda mencionando o desquite, no caput do artigo alterado:
Lei no. 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sôbre a situação jurídica da
mulher casada. (...) Art. 1º Os artigos 6º, 233, 240, 242, 246,
248, 263, 269, 273, 326, 380, 393, 1.579 e 1.611
238 Provavelmente por erro de grafia, no texto original da Lei 4.121/62, o direito
real de habitação constou como direito real de habilitação.
193
do Código Civil e 469 do Código do Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:
I – Código Civil: (...) "Art. 1.611. Em falta de descendentes e
ascendentes, será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados.
§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus".
§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação (sic) relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.
Dessa forma, a partir da vigência da Lei 4.121 de 1962,
dois novos direitos foram garantidos ao cônjuge sobrevivente da época,
relativamente aos bens da herança:
• direito real de usufruto sobre bens do falecido,
chamado de usufruto vidual, até quando perdurasse a
viuvez, exceto se casado no regime da comunhão
universal de bens. Tal direito incidia na quarta parte da
herança, se houvesse filhos do falecido ou do casal,
podendo passar à metade dos bens, se não houvesse
filhos, independentemente de existirem ascendentes
sobrevivos;
• direito real de habitação sobre o imóvel destinado à
residência da família, exceto se casado por outro
194
regime, que não o da comunhão universal de bens. Tal
direito perduraria enquanto o habitador vivesse ou
permanecesse viúvo, independentemente de sua cota
hereditária, se houvesse. Por fim, é importante lembrar
que o imóvel objeto do direito real deveria ser o único
daquela natureza a inventariar.
Em princípio, como já se disse, a idéia do legislador de
1962, era afastar a clara inferioridade feminina prevista até então pelo Código
Civil de 1916 e legislação extravagante, inclusive no que tange aos direitos
civis ora existentes.
A esse respeito, Eduardo de Oliveira Leite bem leciona,
em seus Comentários ao novo Código Civil, informando que, apesar de
pequena a alteração legislativa de 1962, representou ela, em sua totalidade,
um grande avanço para os direitos femininos da época – e, no caso específico
do direito real de habitação e do usufruto vidual, a alteração significou muito
para a família e sua manutenção, bem como para a mulher e o homem:
(...) parágrafos foram introduzidos por força da Lei 4.121, de 1962 (Estatuto Jurídico da Mulher Casada) que procurava, assim, minorar os efeitos nefastos da inferioridade feminina decorrentes das discriminações de gênero.
Ainda que se considere tímida a proposta de 1962, foi extremamente útil na apontada melhoria da posição do cônjuge, resgatando o usufruto vidual e o direito real de habitação, quando o regime de bens fosse o da comunhão universal.239
239 Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões, Sálvio de
Figueiredo Teixeira (coord.). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 230.
195
José Luiz Gavião de Almeida, também quando comenta o
atual Código Civil, no artigo 1.831, lembra das origens do direito real de
habitação decorrente da sucessão hereditária, na legislação de 1962, tecendo
críticas aos limites impostos ao instituto, quando de sua inserção em nosso
ordenamento jurídico. Afirma o autor, com razão, que o direito real de
habitação, tal como posto originariamente em nosso país, conferia ao cônjuge
sobrevivente apenas o direito à manutenção do condomínio240 relativo ao
imóvel residencial do casal com os demais sucessores, não o amparando na
hipótese de não ter ele participação no bem, mesmo que habitasse ou residisse
com a família. Vejamos:
O referido direito real de habitação existia no Código anterior, no parágrafo 2º. do art. 1.611, parágrafo este acrescentado pela Lei no. 4.121, de 27-8-1962. Mas o referido direito obrigava o cônjuge sobrevivente a manter-se viúvo e só beneficiava aquele casado pelo regime da comunhão de bens. Era direito à não-extinção do condomínio, apenas. Não amparava aquele que, não tendo participação no bem, nele residia com a família, ou com o falecido.241
De qualquer forma, o direito real de habitação decorrente
da sucessão hereditária manteve-se válido e vigente em nossa legislação,
240 Atualmente, não há amparo para o pedido de extinção de condomínio, em
vista do exercício do direito real de habitação. Veja-se a seguinte ementa do Superior Tribunal de Justiça – STJ, na égide do Código Civil anterior: “Ementa. Civil. Cônjuge sobrevivente. Imóvel. Direito real de habitação. 1. Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no § 2º, do art. 1.611, do Código Civil de 1916. 2. Neste contexto, recusa o entendimento pretoriano, a extinção do condomínio pela alienação do imóvel a requerimento do filho, também herdeiro. 3. Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença julgando improcedente a ação de extinção de condomínio. (4a. turma, j. 14/10/2003, processo 199900927370).
241 Código Civil comentado: Direito das Sucessões. Sucessão em geral. Sucessão legítima, Álvaro Villaça Azevedo (coord). São Paulo: Atlas, 2003, t. XVIII, p. 219.
196
desde 1962, até posteriores modificações e a entrada em vigor do atual Códex
Civil. Como já foi visto, é importante lembrar que duras críticas foram
levantadas quanto à limitação do referido direito real à época, que, pela lei
vigente, era aplicável apenas aos casados na comunhão universal de bens242.
Em suma, como já foi explanado e com a leitura do artigo
1.611, parágrafo 2º. do Código Civil de 1916, nota-se que se garantia o direito
real de habitação ao cônjuge sobrevivente, nas seguintes condições:
• apenas enquanto permanecesse vivo e/ou viúvo;
• deveria o sobrevivente estar casado apenas sob o
regime da comunhão universal de bens;
• o imóvel objeto do direito real deveria ser o único bem
da mesma natureza a inventariar, sem prejuízo do que
lhe coubesse na herança.
Quanto a este último requisito, ao que parece, a lei civil
queria garantir a moradia da família, bastando verificar se o imóvel gravado era
242 A ementa a seguir, do ano de 2000, entendeu por adequada a limitação do
direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, se casado no regime da comunhão universal de bens. Veja-se: Inventário – Viúvo. Separação de bens. Usufruto vidual. Assim como as pessoas podem casar e também optar pelo regime de bens que melhor lhes aprouver, podem também não contrair casamento, optando pela união estável, sujeitando-se à disciplina legal de uma situação ou de outra, e desfrutando das vantagens e arcando com os ônus decorrentes da escolha feita. Se a recorrente contraiu casamento, sujeitou-se ao regime de separação obrigatória de bens e, em assim o fazendo, submeteu-se à disciplina legal desse regime, que constitui o estatuto patrimonial da sua relação conjugal. O art. 1.611, § 1º do CC tem clareza solar ao estabelecer que o cônjuge casado por um regime que não o da comunhão universal faz jus, enquanto permanecer viúvo, ao usufruto legal de uma quarta parte dos bens, se concorre na sucessão com filho do de cujus. Inexiste, para tal regime, o direito real de habitação. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Agravo de instrumento 70.001.488.337 – 7ª Câmara cível – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – D.O.E. 11.10.2000)
197
destinado à residência da família ou não, independentemente de ser o único
inventariado243.
Quanto ao requisito que impunha a limitação do regime de
bens, não sobreviveu após a edição da Lei 9.278/96, que, em seu artigo 7º. ,
previa disposição expressa da aplicação do direito real de habitação ao
companheiro, sem a distinção sobre regime de bens. Nesse sentido, Guilherme
Calmon Nogueira da Gama afirma que:
Considerando que o regime de comunhão universal nunca existirá no companheirismo, é lógico concluir que a lei propositadamente não restringiu o direito a tal regime para efeito de aplicá-lo em todos os casos, reforçando o caráter protetivo do direito sucessório de habitação para abranger todas as situações de uniões fundadas no companheirismo. Conseqüentemente, para evitar a inconstitucionalidade do dispositivo legal, pois estaria se criando mais direitos aos companheiros se comparados aos casados sob regime diverso da comunhão universal de bens, deve ser considerada cláusula de maior favorecimento, no sentido de alargar o direito real de habitação entre casados para todo e qualquer regime, aliás como já ocorre com o direito real de propriedade. Assim, o art. 1.611, § 2º., do Código Civil, deve sofrer uma modificação em seu alcance, para estender o benefício a todo e qualquer regime matrimonial e não somente ao da comunhão universal.244
Em seguida, pela Lei 10.050/2000, houve nova alteração
no referido artigo 1.611 do Código Civil de 1916, para estender o benefício do
parágrafo 2º ao filho necessitado portador de deficiência, na falta do pai ou da
mãe. Tal previsão legal não foi renovada com a vigência do Código Civil atual,
estando claramente revogada.
243 A esse respeito, importante é a lição de Orlando Gomes, em Sucessões, 12.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 65. 244 O companheirismo: uma espécie de família. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 452-453.
198
O Código Civil de 2002, que inovou sobremaneira em
relação ao Código Civil de 1916, especificamente no que tange ao direito real
de habitação na sucessão hereditária dos cônjuges, garantiu, em seu artigo
1.831, o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente. A disposição do
artigo 1.831 diz que tal direito existirá em favor do cônjuge sobrevivente:
• qualquer que seja o regime de bens;
• sem prejuízo da participação que exista na herança;
• relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, também desde que seja o único da mesma
natureza a inventariar.
Não menciona o Código Civil de 2002, para a vigência do
direito real conferido, a necessidade de que o cônjuge permaneça viúvo245,
podendo constituir nova família, sem que perca referido direito. Entretanto, em
virtude da morte do cônjuge beneficiado com o direito real de habitação, tenha
ele ou não constituído nova família, por seu caráter personalíssimo em relação
aos demais sucessores do de cujus, haverá certamente a extinção da
habitação.
A regra de direito intertemporal determina que, no caso do
direito real de habitação, havendo óbito anterior ao Código Civil de 2002, a
245 O já arquivado (arquivado em 31.1.2003, regimentalmente) Projeto de Lei
6960/02 propunha alteração no artigo 1.831 do Código Civil, para que passasse a constar: Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Na justificativa no. 141 lê-se: Não há razão para manter o direito real de habitação, se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. "Quem casa faz casa", proclama o dito popular. Melhor e mais previdente a restrição do art. 1.611, § 2o, do Código Civil de 1916.
199
regra do atual Código deverá ter vigência, em vista de ser mais benéfica do
que a do Código anterior. A jurisprudência já agasalha tal tese, como pode ser
verificado pela ementa abaixo:
Ementa – Direito Real de Habitação. Usufruto vidual sobre ¼ dos bens da obituada – Tendo o óbito ocorrido em 14.10.1999, é aplicável o disposto no § 1º do art. 1.611 do CC de 1916, segundo o que o viúvo, casado sob regime diverso da comunhão universal, possui direito ao usufruto vidual de 1/4 dos bens do falecido, já que o cônjuge falecido deixou filhos. Assim quanto àquela fração do imóvel, o apelado possui direito vitalício de usá-la ou de usufruir seus frutos. O Código revogado apenas concedia direito de habitação ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão universal, enquanto permanecesse viúvo. Por sua vez, a regra do art. 1.831 do Código em vigor é mais benéfica, na medida em que estende o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens do casamento, independentemente da participação que lhe caiba na herança, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. Ante o alcance social do novel dispositivo, é de se admitir, em situações como tais, em que o viúvo reside no imóvel há mais de trinta e cinco anos, não possuindo condições de conseguir outra moradia com a mesma dignidade, que seja aplicada a seu favor a norma mais benéfica, reconhecendo-se seu direito vitalício à habitação. (...). (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – ac. 27.976/2003 – 2ª Câmara Cível – Relª Desª Leila Mariano – DORJ 17.02.2005).
Veja-se o teor do mencionado artigo 1.831 do atual
Código Civil:
Artigo 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
200
Tal direito afigura-se, segundo Francisco José Cahali,
como:
Um direito personalíssimo e resolúvel, extinguindo-se com a morte do titular. Impede a fruição ampla, assim entendida a possibilidade de alugar, ceder em comodato etc., mas apenas compreende o direito de continuar utilizando diretamente a residência, sem qualquer ônus perante os titulares do domínio.
Na amplitude da ocupação contida no direito de habitação, faculta-se ao beneficiado, inclusive, ali constituir nova família, através de casamento ou união estável, pois não foi renovada a restrição contida na legislação revogada, condicionando o exercício deste benefício ao estado de viuvez.246
Quanto ao direito real de habitação como direito
sucessório decorrente da união estável, a notícia histórica é bastante diferente.
A legislação extravagante que tratou da matéria – Lei 8.971/94 e 9.278/96 -
bem versou sobre o direito real de habitação aos companheiros, como,
inclusive, acima citado.
Em 1994, com a edição e vigência da Lei 8.971, foi
inserida, no ordenamento, a previsão do usufruto sobre os bens do
companheiro falecido, ainda nada dizendo o texto legal sobre o direito real de
habitação. Veja-se o artigo 2º. da referida Lei de 1994:
Artigo 2º. As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do companheiro (a) nas seguintes condições:
I – o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns;
246 Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 218.
201
II - o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes.
Em 1996, sobreveio a Lei 9.278, consagrando as
previsões constitucionais de 1988, que já conceituavam a união estável como
entidade familiar. Os seus requisitos eram a convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
constituição de família. Sobre o direito real de habitação, a Lei 9.278/96, em
seu artigo 7º., parágrafo único, dizia:
Artigo 7º. (...) Parágrafo único. Dissolvida a união
estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Portanto, a partir de 1996, o direito real de habitação
deferido ao companheiro sobrevivente foi vigente em nossa legislação247.
Em análise da vigência da lei, tratando-se da Constituição
Federal e das duas legislações extravagantes que tratam da união estável,
assim se pronunciou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgado de
12 de abril de 2000, por intermédio de seu Relator, Desembargador Sérgio
247 Nesse sentido, é a ementa: “Dissolução de sociedade de fato – Morte de um
dos conviventes. Residência do casal adquirida pelo falecido antes da união estável. Ausência de direito à meação ou partilha do sobrevivente. Direito real de habitação assegurado enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento (parágrafo único do art. 7º da L. 9.278/96). (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – ac. 000.196.455-0/00 – 2ª Câmara cível – Rel. Des. Abreu Leite – DJMG 29.06.2001).”
202
Fernando de Vasconcellos Chaves, mantendo, naquela época, o direito real de
habitação e o usufruto vidual em favor do companheiro:
Ementa. União estável – Constituição de 1988. Colaboração presumida. Direito de habitação e usufruto. Sucumbência. 1. A união havida constituiu uma família, sendo irrelevante se iniciou antes da Constituição, importando é que findou sob a égide dessa nova carta de princípios. A união more uxorio existente antes da Constituição ganhou rótulo de união estável, mas não sofreu qualquer alteração na sua natureza e essência. A nova Carta trouxe ao campo do Direito o fato social relevante que reclamava o afastamento dos preconceitos, bem como o reconhecimento formal e a proteção do Estado. 2. Desnecessidade de prova da contribuição para o patrimonial, pois esta é presumida. 3. A Lei nº 9.278/96 não revogou a Lei nº 8.971/94, coexistindo o direito real de habitação com o usufruto vidual, que é mais benéfico aos conviventes. (...) Recurso provido em parte. (ac. AC 70.000.859.587)
Entretanto, tal regra não prevaleceu no atual Código Civil,
tendo o mesmo silenciado a esse respeito. Não há, como se vê, previsão legal
codificada para esse direito relativamente aos companheiros.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002,
portanto, vários debates foram travados quanto à manutenção ou não do direito
real de habitação aos companheiros248, em vista da previsão para os
cônjuges249.
248 Na ementa que se segue, não houve o deferimento do direito real da
habitação em vista da não configuração da união estável, cujos fatos se deram em período anterior ao atual Código Civil: “Ementa: união estável. A apelante e o de cujus, ainda que tenham se relacionado intimamente, não mantinham convivência com características de entidade familiar. Não residiam sob o mesmo teto, não possuíam filhos, enfim, não formavam um casal com comunhão plena de vida, vez que ausente a intenção de constituir família. Inexistindo união estável não há falar em direito real de habitação. (Apelação cível Nº 70006315386, Sétima câmara cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 18/06/2003).”
249 Apenas a título de discussão, são as ementas abaixo, já publicadas em Diário Oficial após a vigência do Código Civil de 2002:
203
A questão será tratada especificamente a seguir, mas,
historicamente, é importante lembrar que na Primeira Jornada de Direito Civil,
realizada no Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal,
em setembro de 2002, acerca do novo Código Civil, assim se concluiu, em
enunciado de número 117:
O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei no. 9278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo artigo 6º. caput, da CF/88.
Nota-se, enfim, que o direito real de habitação, após sua
primeira previsão legal, em 1962, não mais saiu de nosso ordenamento
jurídico, principalmente em relação ao cônjuge sobrevivente, buscando
garantir, cada vez mais, a formação e manutenção da família e da vida familiar.
Quanto ao usufruto vidual, a mesma sorte não teve o
instituto, que, a partir do Código Civil de 2002, não mais vige em nosso
ordenamento, até pela instituição da concorrência sucessória na sucessão
decorrente do matrimônio.
“União estável – Direito real de habitação que se outorga à companheira, na forma do art. 7º, parágrafo único, da L. 9.278/96, como meio jurídico de assegurar sobrevivência digna na fase posterior à dissolução da união. Provimento parcial do recurso da ré, para esse fim e não-provimento do recurso do autor, mantida a verba honorária. (Tribunal de Justiça de São Paulo – ac. 133.204-4/1 – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – DOESP 06.03.2003).”
Nesse segundo caso, inclusive, houve deferimento do benefício, mesmo existindo dois imóveis na posse do casal. Vejamos:
“União Estável – Direito Real de Habitação – 1. Sendo incontroversa a existência de união estável, a morte do varão gera o direito real de habitação para a companheira. Inteligência do art. 7º da L. 9.278/96. 2. O fato do casal ter coabitado simultaneamente em dois imóveis, um de propriedade do varão e outro locado pela mulher, não afasta o direito real de habitação desta, sendo inequívoco que o de cujus possuía apenas um imóvel e que era utilizado como residência. Recurso provido. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – ac. 70006907240 – 7ª Câmara cível – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – D.O.E. 17.02.2004).”
204
5.3. Previsão no direito estrangeiro
No direito estrangeiro, o direito real de habitação
decorrente da sucessão hereditária tem várias acepções, incluindo, por vezes,
os móveis que compõem o bem imóvel.
5.3.1. Código Civil Francês
No direito civil francês, a alteração legislativa de 03 de
dezembro de 2001, nos artigos 763 a 766, estabelece duas formas previstas de
direito real de habitação no caso de sucessão hereditária.
A primeira hipótese, que prevê o direito real de habitação
válido apenas por um ano, mas, com caráter obrigatório, é contida no artigo
763 do Código Civil, tendo a seguinte disposição, in verbis:
Art. 763. Si, à l’époque du décès, le conjoint successible occupe effectivement, à titre d’habitation principale, un logement appartenant aux époux ou dépendant totalement de la sucession, il a de plein droit, pendant une année, la jouissance gratuite de ce logement, ainsi que du mobilier, compris dans la succession, qui le garnit.250
Nota-se, assim, que a previsão legal francesa garante ao
cônjuge sobrevivente, de forma mandatória, o direito real de habitação, por um
ano, do imóvel que era a residência do casal, incluindo os móveis que
guarnecem a respectiva residência.
250 Tradução livre do autor: “Art. 763. Quando, no momento da morte, o cônjuge
sobrevivente ocupar efetivamente, a título de habitação principal, uma moradia pertencente aos esposos ou totalmente dependente da sucessão, ele tem, por força da lei, durante um ano, direito ao gozo gratuito dessa moradia, bem como do mobiliário, compreendido na sucessão, que o guarnece.”
205
Ademais, pelo mesmo artigo, é importante frisar que o
direito em comento é tido como resultante do casamento e não como efetivo
direito hereditário.
Já no artigo 764, há previsão diversa da acima citada,
com o direito real de habitação vitalício. Nessa hipótese, entretanto, o direito
real pode ser afastado por ato de disposição de última vontade (testamento) do
falecido.
Ainda, nessa segunda hipótese, poderá o habitador, na
forma da lei, alugar o imóvel, para, com a renda auferida, proporcionar os
meios necessários para a sobrevivência da família.
Nas duas hipóteses, pela leitura do artigo 766, o direito
real de habitação poderá ser convertido em renda vitalícia ou em constituição
de capital, sendo tais valores utilizados para a subsistência da família,
seguindo, assim, o caráter social da norma.
5.3.2. Código Civil e legislação portuguesa
Na legislação portuguesa, pela edição e vigência do
Decreto-Lei 496 de 25 de novembro de 1977, foi inserido o artigo 2103º, que
prevê, expressamente, ao cônjuge sobrevivente, o direito real de habitação do
imóvel residencial de moradia da família, incluindo os móveis, utensílios e
objetos que o guarnecem251.
251 Pelo teor do artigo 2103º. C, do Código Civil Português, os bens móveis que
guarnecem o imóvel permanecem para o exercício do direito real de habitação (denominado recheio). O mencionado artigo diz que recheio é o mobiliário e demais objetos e utensílios, destinados à composição, serviço e embelezamento da residência.
206
O exercício de tal direito seguirá a previsão legal,
especialmente se a garantia ao cônjuge sobrevivente exceder os direitos
sucessórios, ocasião em que os co-herdeiros terão direito a torna, exceto na
hipótese de o cônjuge permanecer menos de um ano no imóvel.
Diz o citado artigo, inclusive mencionando, em seu item
terceiro, a eventual necessidade de prestação de caução pelo futuro habitador
do imóvel:
Artigo 2103º, A. 1. O cônjuge sobrevivo tem direito a ser
encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver.
2. Salvo nos casos previstos no n. 2 do artigo 1093, caducam os direitos atribuídos no número anterior se o cônjuge não habitar a casa por prazo superior a um ano.
3. A pedido dos proprietários, pode o tribunal, quando o considere justificado, impor ao cônjuge a obrigação de prestar caução.
Na hipótese do imóvel residencial do casal não ser parte
do acervo hereditário, não havendo, portanto, direito real de habitação sobre
ele, o artigo 2103º., B, do Código Civil Português ainda prevê direitos do
cônjuge sobrevivente sobre os bens e utensílios que nele se encontram, na
mesma forma do que está previsto para o imóvel propriamente dito.
As atribuições preferenciais acima citadas podem ser
assim definidas, conforme José de Oliveira Ascensão, em seu livro Direito Civil
– Sucessões:
O Dec.-Lei no. 496/77 aditou os arts. 2103-A a 2103-C que contêm duas atribuições preferenciais em favor do cônjuge: o direito de
207
habitação da casa de morada da família e o direito de uso do respectivo recheio.
Anote-se que esta disposição não amplia o quinhão do cônjuge. A medida deste já foi dada por disposições anteriores. Apenas, se tais bens constarem da herança, o cônjuge tem direito a que os direitos de habitação e do uso do recheio lhe sejam encabeçados. Mas, se o valor exceder o da sua quota, ele fica devedor de tornas aos demais co-herdeiros (art. 2103-A/1).252
Interessante disposição da legislação portuguesa
encontra-se no artigo 5º. da Lei 6 de 11 de maio de 2001, bem como no artigo
4º. da Lei 7, de 11 de maio de 2001. Nas duas hipóteses, há a previsão legal
do exercício do direito real de habitação por, no máximo, cinco anos, para: a)
pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos (Lei 6/2001),
havendo o falecimento de alguma delas e b) duas pessoas que vivam em união
de fato há mais de dois anos, independentemente do sexo, no caso de morte
de um deles ou uma delas.
As referidas legislações, que passaram a ter vigência em
Portugal no ano de 2001, contêm previsões bastante avançadas em relação às
legislações de outros países, principalmente por prever o direito real de
habitação – e o direito de preferência na aquisição do bem - àqueles que vivam
juntos apenas por laços afetivos e por laços amorosos, seja de união entre
pessoas de sexos opostos ou de mesmo sexo.
Nesta última hipótese, da união de fato, veja-se o teor do
artigo 4º da Lei 7/2001:
Artigo 4º. 1 – Em caso de morte do membro da
união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de
252 Direito Civil: sucessões. 5. ed. rev. Lisboa: Coimbra Editora, 2000, p. 528-529.
208
habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.
2 – O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.
(...)
A previsão legal portuguesa é bastante contemporânea,
mas impõe restrições ao direito real, se houver descendentes com menos de
um ano de idade ou outros descendentes que conviviam com o falecido e
pretendam habitar o imóvel.
Por fim, ainda quanto à Lei 6 e 7 de 2001, o direito real de
habitação pode ser excluído, por ato de disposição de última vontade, se assim
o falecido se tiver manifestado (por testamento).
5.3.3. Código Civil Italiano
No Código Civil Italiano, desde alteração promovida em
19 de maio de 1975, passou a existir, também, previsão do direito real de
habitação e o direito de uso sobre os móveis da residência do casal.
O atual artigo 540 do Código Civil Italiano, quando trata
da reserva em favor do cônjuge, apresenta os referidos benefícios. Veja-se o
teor expresso da legislação mencionada:
Art. 540 Riserva a favore del coniuge A favore del coniuge (459) è riservata la
metà del patrimonio dell'altro coniuge, salve le disposizioni dell'Art. 542 per il caso di concorso con i figli.
Al coniuge, anche quando concorra con altri chiamati, sono riservati i diritti di abitazione sulla casa adibita a residenza familiare (144), e
209
di uso sui mobili che la corredano, se di proprietà del defunto o comuni.
Tali diritti gravano sulla porzione disponibile e, qualora questa non sia sufficiente, per il rimanente sulla quota di riserva del coniuge ed eventualmente sulla quota riservata ai figli.253
Há, como se vê, duas garantias legais: a) em relação ao
imóvel residencial familiar, o direito ao exercício da habitação e b) em relação
aos bens móveis que guarnecem o lar conjugal, o direito ao exercício do uso.
5.3.4. Código Civil Argentino
No direito civil argentino, também há previsão expressa
do direito real de habitação originado na sucessão hereditária.
O Código Civil Argentino contém tal regra em seu artigo
3.573-bis, in verbis:
Si a la muerte del causante éste dejare un solo inmueble habitable como integrante del haber hereditario y que hubiera constituido el hogar conyugal, cuya estimación no sobrepasare el indicado como límite máximo a las viviendas para ser declaradas bien de familia, y concurrieren otras personas con vocación hereditaria o como legatarios, el cónyuge supérstite tendrá derecho real de habitación en forma vitalicia y gratuita. Este derecho se perderá si el cónyuge supérstite contrajere nuevas nupcias.254
253 Tradução livre do autor: “Art. 540. Reserva em favor do cônjuge. A favor do cônjuge (459) é reservada a metade do patrimônio do outro cônjuge,
salvo a disposição do art. 542, para a hipótese de concurso com filhos. Ao cônjuge, ainda quando concorra com outros sucessores, são reservados o
direito real de habitação sobre a residência familiar (144) e o direito de uso dos móveis que a guarnecem, se de propriedade do falecido ou comum.
Tais direitos incidem sobre a porção disponível e, caso esta não se mostre suficiente, pelo remanescente sobre a cota de reserva do cônjuge e, eventualmente, sobre a cota reservada para os filhos.”
254 Tradução livre do autor: “Se, quando da morte do falecido, este deixar um único imóvel de residência como integrante de seu acervo hereditário e que havia constituído o lar conjugal, cuja estimação não ultrapasse o limite máximo aos imóveis para serem declarados bens de família, e concorrerem outros sucessores, o cônjuge
210
Nota-se, assim, que, no direito argentino, o direito real de
habitação somente existe se houver um único imóvel a ser inventariado (que se
destinava à moradia da família), e tem caráter gratuito e vitalício. Por outro
lado, diferentemente da previsão legal brasileira, tal benefício legal poderá ser
extinto, automaticamente, pelo novo casamento ou nova união do cônjuge
sobrevivente.
5.4. Conceito, natureza jurídica, finalidade e limites do instituto
Conceitualmente, o direito real de habitação aplicado à
sucessão hereditária foi criado para garantir a manutenção da família e do seio
familiar, conferindo ao cônjuge (ou ao companheiro) sobrevivente o direito de
habitar o lar conjugal na forma legal, independentemente do regime de bens
que havia no vínculo mantido com o falecido255. É, como afirma Euclides de
Oliveira256, em seu Direito de Herança, direito de correto fundo social.
Tal direito real é modalidade de sucessão a título singular,
configurando-se direito personalíssimo e resolúvel, que se extingue257 com a
sobrevivente terá o direito real de habitação de forma vitalícia e gratuita. O direito será extinto se o cônjuge sobrevivente contrair novas núpcias”.
255 Criticando a extensão do direito real de habitação, que não mais se encerra com o fim da viuvez, é importante a lição de Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, em seu Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente, São Paulo: Letras Jurídicas, 2004, p. 200. No mesmo sentido, de não acolher como positiva a alteração legislativa que retirou o fim da viuvez como modo de extinção do direito real da habitação decorrente da sucessão hereditária, são as palavras de Euclides de Oliveira, no livro Direito de herança, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 137. Em sentido contrário, apoiando a inexistência de limitação quanto ao estado de viuvez, veja Eduardo de Oliveira Leite, em Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 231.
256 Ibid., p. 200. 257 Nesse sentido, também é lição de Arnaldo Rizzardo, em seu livro Direito das
sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205, quando afirma: “A indisponibilidade do uso persiste enquanto viver o supérstite”.
211
morte258 do habitador259. Por tal razão, portanto, o referido direito real nunca
será perpétuo, em vista de que a relação jurídica existente se dará entre os
sucessores e o consorte do falecido apenas. Estabelecendo o cônjuge
sobrevivente nova união ou casamento e vindo a falecer, não haverá direito
real de habitação ao novo companheiro ou cônjuge relativamente ao imóvel
ocupado, pelo fato de que ele não mantém qualquer relação jurídica com os
sucessores do falecido primitivo, inclusive pelo caráter personalíssimo da
norma em comento.
A garantia do direito real de habitação tem seu lado
social, mas não pode embaraçar, sem qualquer limite temporal, a propriedade
dos titulares. Destarte, não há amparo para que se conclua pela ‘perpetuidade’
do instituto sobre o mesmo imóvel, no caso de novo casamento ou união
estável do sobrevivente.
Melhor seria que o direito real de habitação cessasse com
o fim da viuvez, visto que quem constitui nova união ou novo casamento,
presumidamente, deve ter condições de subsistência da nova família260 e não
embaraçará o direito de propriedade dos demais sucessores. Essa é a opinião
258 A extinção do direito real de habitação segue, como preceitua o artigo 1.416
do Código Civil de 2.002, as previsões de extinção do usufruto (artigo 1.410), dentre as quais se encontra a ‘morte do titular’. Dessa forma, não há alternativa, inclusive pela expressa determinação legal, de extinção do direito real de habitação com a morte do titular.
259 Nesse sentido, veja Eduardo de Oliveira Leite, em Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 232 e Francisco José Cahali, no Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 218.
260 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka tem opinião de que o direito real de habitação não deve ser extinto com o fim da viuvez, em vista de que tal imposição seria ‘eternizar a fidelidade ao falecido’, conforme se verifica da proposta legislativa contida no artigo Concorrência do companheiro e do cônjuge na sucessão dos descendentes. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 247.
212
de Zeno Veloso, que propõe, inclusive, a alteração do artigo 1.831 do Código
Civil, para que “ficasse constando que o direito real de habitação, no caso, será
extinto se o cônjuge sobrevivente constituir nova família – pelo casamento ou
pela união estável”.261
A mens legis não era de criar um direito que se
transmitisse indefinidamente, em claro e real prejuízo aos titulares do domínio.
É esse o entendimento de Arnoldo Wald, no livro Direito Civil: Direito das
Sucessões, quando afirma, acerca da manutenção da interpretação do Código
Civil anterior, no qual o direito real discutido se extinguia com o fim da viuvez
ou a constituição de união estável:
(...) que o novo Código Civil, no art. 1.831, assegura ao cônjuge viúvo o direito real de habitação, qualquer que seja o regime de bens. Interessante, porém, observar que, apesar de continuar sendo previsto o direito real de habitação, nada se menciona sobre o momento da cessação dessa situação na hipótese de o cônjuge viúvo se casar novamente ou constituir vida em comum com outra pessoa. De qualquer modo, nada leva a crer que o novo texto receberá interpretação diversa daquela existente à luz do art. 1.611, § 2º. do Código Civil de 1916.262
É certo que, nesse particular, deve ser analisado também
se o direito real de habitação está servindo ao fim a que se destina ou se o
habitador, casado com novo cônjuge, por exemplo, passa a ter outros imóveis
para residir e não o faz por singela má-fé ou abuso de direito, ou seja, para
prejudicar, claramente, o direito dos proprietários do bem gravado. Não se
261 Do direito sucessório dos companheiros. In: Direito de Família e o novo
Código Civil, Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). 4. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: 2006, p. 241.
262 Direito Civil: Direito das Sucessões. 14. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 6, p. 94.
213
pode privilegiar a má-fé ou o abuso de direito em claro prejuízo aos
proprietários do bem que, muitas vezes, têm necessidade de ocupar o imóvel
onerado. Nesse ponto, fundamental é relembrar a já citada lição de José de
Oliveira Ascensão, quando trata da extinção do direito real de habitação pela
‘cessação da necessidade pessoal’:
Pelo contrário, temos de entrar em conta pelo menos com mais uma causa de extinção do direito de uso, além das de extinção do usufruto: a cessação da necessidade pessoal que justificou a constituição do direito. Se o morador usuário deixar de viver na localidade onde se encontra a habitação, extingue-se automaticamente o direito de habitação. Também quando a desnecessidade for originária deve considerar-se inválida a constituição desses direitos.263
Como outra característica do direito real de habitação, é
importante concluir que o habitador e sua família possuem fruição restrita às
suas necessidades (na forma do artigo 1.412, parágrafo 2º. do Código Civil
atual), ou seja, o direito real de habitação decorrente da sucessão hereditária,
assim como o convencional, também não permite a locação, cessão, comodato
ou qualquer outra forma assemelhada de transmissão.
No que se entende por família e em vista do caráter social
da norma, melhor lição vem do direito estrangeiro (Código Civil Italiano, artigo
1.023; Código Civil Português, artigo 1.487 e Código Civil Argentino, artigo
2.953), quando, ao tratar do direito real de habitação convencional, inclui, além
das pessoas arroladas no artigo 1.412 do Código Civil Brasileiro, outros
dependentes do habitador.
263 Direito Civil: Reais. Lisboa: Coimbra Editora, 1993, p. 481.
214
Silvio Rodrigues, atualizado por Zeno Veloso, no livro
Direito das Sucessões, também relembra o objetivo e as finalidades do direito
real de habitação, quando afirma:
Além dessas disposições regulando a sucessão, em propriedade, do cônjuge sobrevivente, há o art. 1.831 do Código Civil, que lhe assegura, qualquer que seja o regime de bens, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. O legislador quer preservar as condições de vida, o ambiente, as relações, enfim, evitar que a viúva ou o viúvo tenha de se mudar, de ser privado de sua moradia.264
Eduardo de Oliveira Leite bem explica nesse sentido,
inclusive informando sobre a impossibilidade de cobrança de aluguel ou
qualquer valor assemelhado do habitador, quando comenta o artigo 1.831 do
Código Civil atual:
É que a intenção manifesta do legislador – via direito real de habitação – não é punir, ou suprimir direitos do cônjuge sobrevivente (como ocorria anteriormente, fazendo depender o benefício da manutenção da viuvez), mas sim, proteger os membros da família, assegurando-lhes o direito de habitação, quando ele é o único imóvel daquela natureza a inventariar. (...)
Não podem reclamar a posse direta, nem tampouco cobrar aluguel proporcional do imóvel, em razão do direito real de habitação.265
Quanto à sua natureza jurídica, é pacífico o entendimento
de que o direito real de habitação é legado ex lege, e que seu beneficiário, em
264 Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo:
Saraiva, 2002, v. 7, p. 116. 265 Ibid., p. 232.
215
consequente, é legatário legítimo. Orlando Gomes, atualizado por Mario
Roberto Carvalho de Faria, assim preceitua, sobre o tema:
O direito de habitação grava o imóvel enquanto viver o cônjuge supérstite, não restringindo o legislador sua duração ao período da viuvez.
Atribui-se-lhe sem prejuízo da participação que porventura lhe caiba na sucessão do consorte. Quando recolhe a totalidade da herança, como sucessor legal, não pode nascer o direito de habitação, dada a impossibilidade de constituí-lo na coisa própria.
O cônjuge sobrevivo não se torna herdeiro pela atribuição do direito real de habitação, senão legatário legítimo, com as seqüelas próprias de semelhante condição.266
Importa, ainda, frisar que o gravame incidirá
exclusivamente sobre o imóvel próprio residencial do casal, desde que seja o
único dessa natureza a inventariar. Essa restrição se justifica, pois, havendo
mais bens imóveis residenciais na herança, o consorte sobrevivente irá
receber, com certeza, a título de meação ou herança, algum dos bens deixados
pelo falecido, dando-se sempre preferência ao imóvel residencial da família.
Por fim, é certo que, nessa situação de multiplicidade de bens imóveis
residenciais na herança, pela própria mens legis, se o sobrevivente beneficiado
pelo direito real de habitação não receber qualquer dos bens a título de
meação ou herança, mesmo assim se constituirá o gravame, ao menos sobre
um imóvel a ser inventariado267.
266 Ibid., p. 65. 267 Na ementa contida na RT 616/83, nota-se que, quando há outros bens
capazes de manter a residência familiar, não haverá constituição do direito real de habitação. Veja-se a referida ementa, ainda prolatada sob a vigência do Código Civil de 1916: “Inventário. Partilha. Imóvel residencial comum. Uso por viúva meeira. Direito real de habitação invocado. Inadmissibilidade. Existência de outros bens da mesma natureza a ela atribuídos. Aluguel devido aos demais sucessores a título de indenização. Aplicação do § 2º. do art. 1.611 do CC.”
216
No Código Civil comentado, José Luiz Gavião de Almeida
aponta, com precisão, sobre essa hipótese de existirem vários imóveis
residenciais a ser inventariados, afirmando que, ao menos um dos imóveis
deve ser garantido ao consorte supérstite, mantendo-o no mesmo padrão de
conforto em que vivia:
Há que se entender, então, para não chancelar extrema injustiça, que, no caso de existirem vários imóveis residenciais e nenhum deles de propriedade do cônjuge sobrevivente, não tem ele direito real de habitação sobre o imóvel que utilizava, porque nesse caso podem os herdeiros, por conveniência, exigir a mudança de domicílio do sobrevivente para outro dos imóveis residenciais que foram objeto da herança.
A existência de outros imóveis residenciais não afasta o direito real de habitação, mas apenas o direito real de habitação sobre o bem que servia de moradia à família do falecido. Nesse caso, o imóvel ofertado em substituição não pode ser de conforto inferior. Deve-se garantir ao cônjuge sobrevivente a mesma situação que desfrutava em sua residência anterior.268
Por ser benefício ex vi legis, contrariamente ao direito real
da habitação convencional, o originado no artigo 1.831 do Código Civil,
inclusive por disposição legal da lei de registros públicos – Lei 6015/73,
alterada, nesse particular, pela Lei 6.216/75 -, em seu artigo 167, I, 7, não
necessita de registro imobiliário na matrícula do respectivo imóvel.
Na mesma linha decisória, é a seguinte ementa, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Ementa: União estável – Direito real de habitação – Desocupação do imóvel – Preliminar – Inépcia da inicial – Carência da ação – (...) Sendo incontroversa a convivência more uxoria, havendo litígio entre as partes e tendo a agravante outro imóvel para residir, prudente é a decisão que determinou a sua desocupação do imóvel. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento 70007124035 – 7ª câmara cível – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis – j. 03.12.2003).”
268 Ibid., p. 220.
217
A ementa abaixo, do Superior Tribunal de Justiça,
confirma o posicionamento, que é unânime na doutrina pátria269:
Embargos de terceiro – direito real de habitação – art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916 – usufruto – renúncia do usufruto: repercussão no direito real de habitação – registro imobiliário do direito real de habitação – precedentes da corte – 1. A renúncia ao usufruto não alcança o direito real de habitação, que decorre de lei e se destina a proteger o cônjuge sobrevivente, mantendo-o no imóvel destinado à residência da família. 2. O direito real de habitação não exige o registro imobiliário. 3. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial 565.820 – PR – 3ª Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 14.03.2005).
José Carlos Teixeira Giorgis, em artigo publicado na
revista do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM - apresenta, com
extrema clareza, o conceito, os objetivos e a natureza jurídica do direito real de
habitação decorrente da sucessão, quando afirma:
O direito real de habitação é a garantia assegurada ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens adotado no casamento e, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, de permanecer no imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, preservando-se a moradia da estirpe (CC, art. 1.831).
Em razão de sua destinação específica, o bem que servia à família será submetido a um regime especial, não se considerando somente a natureza do bem, mas a qualidade do sujeito a quem o direito sucessório será conferido. É sucessão anômala que derroga o princípio da unidade da sucessão e, como se trata de um legado ex lege, transmite-se ao cônjuge um direito real limitado quanto a objeto individualmente considerado, certo e determinado, separado do patrimônio hereditário
269 Nesse sentido é também o já citado acórdão do Superior Tribunal de Justiça –
STJ – no Recurso Especial 74.729, da relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
218
para tal fim, caracterizando tipicamente uma sucessão a título singular.
A especial natureza do direito real de habitação, como um verdadeiro legado e finalidade definida, impede que ele desocupe o imóvel; mas, ao contrário, tem dele posse imediata, exercida ainda que sobre a legítima dos descendentes e ascendentes, embora a metade do acervo pertença aos sucessores do autor da herança. 108
O cônjuge sobrevivo não se torna herdeiro pela atribuição do direito real de habitação, senão legatário legítimo, com as seqüelas próprias de semelhante condição.270
A existência do direito real de habitação ex vi legis,
decorrente da sucessão hereditária, não permite aos proprietários (seja da
totalidade ou de parte do imóvel objeto do direito real), requerer a extinção de
condomínio e a alienação da coisa comum. Esse entendimento é pacificado na
jurisprudência brasileira, como nos acórdãos precursores da matéria, proferidos
nos Recursos Especiais 234.276/RJ (cujo relator foi o Min. Fernando
Gonçalves), 107.273/PR (com o relator Min. Ruy Rosado de Aguiar), do
Superior Tribunal de Justiça.
A partir da análise já realizada, pode-se concluir, acerca
do usufruto vidual e do direito real de habitação originado na sucessão
hereditária que:
• o usufruto vidual não vigora mais em nosso
ordenamento jurídico, tendo sido substituído por outras
formas de proteção do sobrevivente, como, por
exemplo, a nova ordem de vocação hereditária, com a
270 Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo. In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 124-125.
219
concorrência do cônjuge em relação aos
descendentes e ascendentes e a qualificação do
cônjuge como herdeiro necessário;
• em relação à união estável, pela ausência de
dispositivo legal pertinente no Código Civil atual, não
mais se fala na vigência do usufruto vidual;
• o deferimento e o exercício do direito real de habitação
decorrente da sucessão hereditária independe do
regime de bens adotado pelo casal271;;
• o beneficiário do direito real, em vista de tal direito ser
de natureza sucessória, deve ser qualificado como
sucessor, na forma do artigo 1.830 do Código Civil, ou
seja, não haverá o deferimento do benefício se o
sobrevivente estiver separado judicialmente ou de fato
do falecido (neste último caso, a culpa pela separação
de fato deverá ser do sobrevivente);
• o benefício legal previsto será conferido, sem prejuízo
da participação que caiba ao consorte sobrevivente na
herança deixada pelo de cujus;
• mencionado direito real incide sobre o único imóvel
residencial próprio a ser inventariado –
271 Nesse sentido, é o teor do acórdão no Recurso Especial 826.838/RJ, do
Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Min. Castro Filho, ressalvando que o regime de bens adotado pelo casal não mais influencia no deferimento do direito real de habitação, que deve incidir sobre o imóvel de residência do casal, desde que seja o único dessa natureza a inventariar (certamente se o cônjuge sobrevivente herdar a totalidade do imóvel residencial, não há que se falar em direito real de habitação.
220
independentemente de ser o bem tido como particular
do falecido ou comum do casal - ou, em caso de
multiplicidade de bens imóveis residenciais próprios,
em, ao menos, um deles;
• não há qualquer distinção para o exercício de tal
direito em vista do imóvel ser considerado urbano ou
rural;
• na hipótese de multiplicidade de imóveis residenciais
próprios, caso o exercício do direito real de habitação
recaia em imóvel que não o da residência principal do
casal, deverá incidir sobre outro com o mesmo
conforto que havia no lar familiar;
• a existência de vários bens residenciais próprios a
inventariar não retira o direito ao benefício legal do
artigo 1.831 do Código Civil, exceto se o consorte
sobrevivente receber, a título de herança, imóvel
próprio que lhe dê residência;
• o direito real de habitação, por sua característica
própria e destinação específica, é direito
personalíssimo e resolúvel, extinguindo-se com a
morte do titular;
• não há mais a extinção do direito real de habitação
pela constituição de novo casamento ou nova união
estável, como era na lei anterior, mas há que se
observar a conduta de boa-fé do habitador no
221
exercício da habitação, sob pena de extinção pela
‘cessação da necessidade pessoal’;
• por tais objetivos, o uso e a fruição são restritos, não
podendo tal direito real ser cedido, em qualquer
hipótese e a qualquer título, sob pena de sua imediata
e automática extinção272;
• o direito real de habitação decorrente da sucessão
hereditária pode ser qualificado como forma de
sucessão anômala, a título singular, ou como legado
ex lege;
• o habitador é tido e qualificado como legatário
legítimo;
• por ser benefício originado em imposição legal, o
direito real de habitação não pode ser afastado por
testamento ou contrato de convivência273;
272 Filia-se a tal opinião Arnaldo Rizzardo, na obra Direito das sucessões. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205, quando afirma que o habitador não poderá, em qualquer hipótese, alugar ou emprestar o imóvel objeto do direito real de habitação.
273 Nesse sentido, interessante é o seguinte julgado, determinando o exercício do direito real de habitação sobre o imóvel residencial do casal, que havia sido doado ao filho do falecido ainda em vida: “Ementa: união estável. Direito real de habitação. Doação, pelo varão, de imóvel que servia de residência aos companheiros. Mesmo que o imóvel que era de propriedade exclusiva do companheiro tenha sido por ele doado ao filho (com reserva de usufruto ao doador) na vigência da convivência, estando edificada sobre aquela área a residência na qual moravam os conviventes, deve ser à mulher assegurado o direito real de habitação, em atendimento aos princípios constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana, solidariedade e mútua assistência. Em relação à proteção das pessoas no âmbito do direito de família, após lenta evolução legislativa, a Constituição Federal de 1988 instituiu como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. Em assim sendo, a aplicação normativa jamais poderá se afastar de tal princípio fundante. Portanto, a definição de todo e qualquer direito individual há que refletir a proteção especial que a Carta Constitucional confere, visto que ao aplicador do direito não é dado ser insensível a certas situações que a realidade apresenta. Há que ter em mente que a ratio que disciplina o direito real de habitação está inspirada em tais
222
• o direito real discutido é, portanto, caso excepcional de
legado originado em determinação legal, pelo qual o
habitador, no momento do falecimento do de cujus,
recebe a posse do bem para o exercício do benefício
legal;
• em vista do deferimento da posse do bem ao
habitador, não haverá qualquer interferência no
exercício do direito real, caso o referido bem esteja em
condomínio entre os sucessores e o habitador ou
apenas entre os primeiros;
• da mesma forma, tendo em vista que o direito de
habitação confere apenas a posse direta do bem
gravado, não haverá qualquer interferência dessa em
relação à porção legítima da herança, que deverá ser
regularmente distribuída entre os sucessores (que
suportarão o ônus real, se for o caso de ele existir);
• o direito de propriedade somente terá como
consequência a sua própria derivação, principalmente
quanto aos custos e à manutenção do bem;
• o exercício do direito real de habitação sucessório
deve ser feito pelo habitador e sua família, assim
entendida na forma legal (artigo 1.412, parágrafo 2º.
princípios e se volta para a solidariedade familiar, o que afasta a interpretação restritiva e assegura à companheira supérstite o direito de moradia, ainda que o imóvel já não mais pertencesse ao varão quando de sua morte. (apelação cível nº 70006535876, sétima câmara cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 27/08/2003)”.
223
do Código Civil atual), com posse direta sobre o bem,
podendo, inclusive utilizar-se dos interditos
possessórios para sua proteção;
• do habitador não poderá ser exigida qualquer
contraprestação para o exercício do direito de
habitação274, inclusive entre os habitadores, se houver
mais de um;
• o habitador deverá arcar unicamente com as despesas
de manutenção e encargos ordinários que recaiam
sobre o imóvel (impostos da propriedade, água, luz,
dentre outros), restando ao proprietário as demais,
inclusive as reparações ordinárias275.
• em vista de ser direito originado em disposição
expressa de lei, não há necessidade do registro
imobiliário para sua vigência e exercício em relação
aos sucessores. Para eventual oposição a terceiros,
será seguro fazer o devido registro.
Ainda quanto aos limites e à extensão do direito real de
habitação decorrente da sucessão hereditária, restam outras importantes
274 O acórdão da apelação com revisão 245.281.4/3-00, do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, com a relatoria do Des. Elcio Trujillo, afirma, claramente, acerca da impossibilidade de cobrança de aluguéis, bem como da imposição de qualquer restrição ao direito real de habitação sobre a totalidade do imóvel: “(...) Assegurado o direito de ocupação, ausente qualquer limitação no tocante à área de utilização, não se há, nos termos previstos pelo artigo 1.415 do Código Civil vigente (art. 747, do revogado Código), obrigar o beneficiário ao pagamento de alugueres”.
275 Nesse sentido é o acórdão na apelação com revisão 617.909-4/7-00, da relatoria do Des. Caetano Lagrasta Neto.
224
indagações. Em primeiro lugar, questiona-se se o beneficiário do direito real
discutido pode renunciar à herança e não ao direito real de habitação. A
resposta é afirmativa, visto que o direito real de habitação, como já foi
discutido, é legado ex lege, portanto, de qualidade distinta da herança. Para
confirmar tal entendimento, apela-se ao texto do enunciado 271 da Terceira
Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de
Justiça, que trata da possibilidade de renúncia ao direito real de habitação, sem
a necessidade de renúncia à herança.
Em segundo lugar, discute-se se o herdeiro excluído da
sucessão por indignidade ou deserdação também perderia o direito real de
habitação. Nesse particular, a resposta também é positiva, eis que, como
tratado no tópico específico, a consequência da exclusão por indignidade ou
deserdação é a perda total de todo e qualquer direito sucessório. Como em
nosso ordenamento o direito real de habitação do artigo 1.831 do Código Civil é
tido como direito sucessório (legado ex lege), não há qualquer fundamento
para mantê-lo no caso de exclusão da herança, com a sentença judicial que
decrete a indignidade ou a deserdação.
Sobre essa questão, a posição de Arnaldo Rizzardo é
diversa, quando afirma:
O cônjuge indigno não tem afetado o direito, eis que a indignidade restringe-se unicamente aos herdeiros e legatários. É possível que seja afastado da herança, a que se restringe a indignidade; não, porém, quanto à habitação.
No que pertine à deserdação, por se limitar à transmissão da herança, não é afetado o direito de habitação. 276
276 Direito das sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205.
225
Em terceiro lugar, há dúvida quanto aos bens que
guarnecem o imóvel objeto do direito real de habitação: estariam eles também
gravados com o ônus real? A resposta, nesse caso, é negativa, inclusive
respeitando o princípio da tipicidade dos direitos reais, visto que, para que tal
direito abrangesse os móveis, deveria haver previsão legal específica nesse
sentido. A decisão que se segue, do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem
apresenta essa situação, indeferindo o benefício sobre os bens móveis que
estavam no imóvel gravado:
Móveis. Inventário. Arrolamento. Bens móveis sob guarda da ex-companheira do inventariado. Restituição ordenada. Direito real de habitação que não alcança o uso desses bens. Direito do proprietário de ter em seu poder a coisa que lhe pertence. Prazo razoável concedido para a devolução. O objeto do direito real de habitação, por definição legal, há de ser bem imóvel de certa destinação, ou seja, casa ou apartamento, uma vez que tem por fim proporcionar moradia gratuita. Esse direito não constitui óbice a que sua titular restitua os bens móveis guardados no referido imóvel, dos quais é depositária, tendo em vista que é direito do proprietário ter em seu poder a coisa que lhe pertence. (Agravo de instrumento 165.604-4 – 9ª câmar de direito privado - Rel. Des. Ruiter Oliva – j. 17.10.2000)
Quanto às modalidades de extinção, uma questão sempre
surge: a desocupação momentânea do imóvel poderia causar a extinção do
direito mencionado? A resposta, nesse caso, inclusive em vista da ausência da
modalidade de extinção pelo não uso no que se refere ao direito real de
habitação, é negativa.
A desocupação momentânea do imóvel que servia de
residência conjugal não pode levar à extinção do direito real discutido, exceto
se ocorrer em vista de o sobrevivente ter-se mudado para outro bem imóvel de
226
sua propriedade (situação assemelhada à extinção do usufruto prevista no
artigo 1.410, IV, do Código Civil – cessação do motivo que originou o direito -),
garantindo-lhe a habitação.
Na hipótese acima aventada, a nosso ver (e até pela
intenção da norma), haverá a extinção do direito real de habitação, uma vez
que os titulares do domínio não podem remanescer perpetuamente
aguardando o sobrevivente tomar e deixar a posse do imóvel gravado, se não
existe mais o motivo que originou o direito real respectivo (que é a necessidade
de manter o lar conjugal para que o sobrevivente não fique desamparado).
É certo que não é objetivo e nem finalidade do direito real
de habitação decorrente da sucessão hereditária criar embaraços para os
titulares da propriedade. Da mesma forma, deve-se penalizar o habitador que
fizer uso indevido ou abuso de seu direito, em claro prejuízo aos titulares do
domínio (poderá ser extinto o direito pelo teor do artigo 1.410, VII, do Código
Civil de 2002). A jurisprudência não é pacífica na questão da desocupação,
como se verifica pelas seguintes ementas:
Superior Tribunal de Justiça, 4ª. Turma, Recurso Especial 285324/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, J. 22.03.2001. Ementa: Causa de pedir. Alteração. Fato novo superveniente. Desocupação do imóvel. Viúvo. Direito de habitação. Nova família. União estável. Nos termos do art. 462 do CPC, o juiz deve considerar fato superveniente, suficiente para determinar o julgamento da causa. Viúvo que constitui nova família em união estável e depois desocupa o imóvel integrante do espólio. Ação proposta pelo primeiro fato e julgada procedente pelo segundo. Admissibilidade. Recurso não conhecido.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Ementa: Ação de reconhecimento de união estável. Direito real de habitação da convivente sobrevivente. O art. 7º, parágrafo único, da lei nº
227
9.278/96 assegura ao sobrevivente da relação estável, direito real de habitação no imóvel em que residia com o falecido, não importando que tenha se retirado do imóvel, espontaneamente ou não, logo após o óbito. Apelação desprovida. (apelação cível nº 70005177076, oitava câmara cível, Relator Des. José Ataíde Siqueira Trindade, j. 21/11/2002)
Em quinto lugar, indaga-se se o direito real de habitação
poderia beneficiar outras formas familiares, como a união homossexual
(homoafetiva), a família monoparental, anaparental e outras.
Em que pese entendimento diverso de respeitável
doutrina brasileira, não é possível haver o benefício do direito real de habitação
para outras hipóteses que não as expressamente previstas em lei, por conta e
em respeito a dois princípios básicos e peremptórios dos direitos reais: a
tipicidade e o numerus clausus. É vedado ao intérprete criar novos direitos
reais ou modificar/alargar os limites dos já existentes.
Dessa forma, o direito real de habitação não pode ser
deferido a outras formas familiares que não o casamento e a união estável (se
for entendida como vigente a norma extravagante de 1996, que tinha previsão
expressa de tal direito).
No sentido oposto, foi a decisão não unânime do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, quando assegurou o direito real de habitação
sobre imóvel que não entrou na partilha da união homossexual, na Apelação
70003016136, relatada pelo Des. Rui Portanova (julgado em 08.11.2001). Veja-
se a ementa:
Ementa - Sociedade de fato. Dissolução. Reconhecimento. Tutela Antecipada. Cumulação de pedidos. 2. União estável. 3. Sociedade de fato. Casal do mesmo sexo. Homem. Dissolução.
228
Competência. Concubinato. Sociedade de fato. Distinção. Relação afetiva homossexual. Juiz. Decisão da lide. Lacuna ou obscuridade da lei. Aplicação do CPC 126º. Direito real de habitação. 8. Partilha de bens. critério. Relação homoafetiva.
Por fim, há dúvida quanto ao exercício simultâneo do
direito real de habitação, no caso do separado de fato ter constituído união
estável. Nesse caso, admitindo a existência do referido direito real à união
estável apenas para a discussão, tem-se que o exercício do gravame será feito
no imóvel de residência do casal ou da família. Dessa forma, quanto ao
casamento, haverá direito real de habitação incidente sobre o imóvel em que o
casal residia (se o cônjuge sobrevivente for, de fato, sucessor – artigo 1.830 do
Código Civil). Quanto à união estável, haverá o ônus sobre o imóvel que servia
de residência aos companheiros, caso se entenda a permanência de tal direito
atualmente. Essa, ao que parece, é a solução que decorre das premissas
acima discutidas.
5.5. O direito real de habitação sucessório na união estável
A vigência do direito real de habitação originado na
sucessão hereditária na união estável é assunto complexo e polêmico. Há
opiniões doutrinárias diversas, cada qual com a sua justificativa.
É certo que, como já visto, as leis de 1994 e 1996, que
tratam da união estável, no que tange aos direitos sucessórios, foram
superadas pela vigência do atual Código Civil, que, em seu artigo 1.790,
disciplinou a matéria.
229
Nunca é demais lembrar o esforço da comunidade jurídica
brasileira para trazer de volta tal benefício, o que denota o entendimento de
que ele, na atualidade, não existe277. Na Primeira Jornada de Direito Civil já
citada, realizada no Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça
Federal, foi publicado o enunciado de número 117, que defende:
O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei no. 9278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo artigo 6º. caput, da CF/88.
De mesma tendência era o teor do já arquivado Projeto de
Lei 6960/02, de autoria do então deputado Ricardo Fiúza, ao propor a inclusão
de um parágrafo único no artigo 1.790 do Código Civil, que passaria a ser
assim redigido (com a correspondente justificativa):
Art. 1790. ... Parágrafo único. Ao companheiro
sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.(NR)
Justificativa no. 144, pela alteração do artigo 1790: O art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor – Leis nos 8.971/94 e 9.278/96.
277 Na apelação com revisão 617.909-4/7-00, da relatoria do Des. Caetano
Lagrasta Neto, ficou decidido pela existência do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, inclusive tendo o imóvel sido adquirido antes da união estável.
230
A existência do direito real de habitação sucessório para a
união estável não é uma questão axiológica, de diferença de valores entre as
entidades familiares. Não é uma questão que se compare ao matrimônio, visto
que a união estável e o casamento são diferentes formas familiares, cada qual
com as suas vantagens e desvantagens.
O deferimento do direito real de habitação à união estável
depende da verificação ou não da vigência das legislações extravagantes, de
1994 e 1996, que tratam do tema sucessório. Não estando vigentes tais leis,
não existirá o benefício, uma vez que, pelos princípios da tipicidade e do
numerus clausus dos direitos reais, é vedada a criação ou modificação das
modalidades de direitos reais existentes, sob pena de sua absoluta
inexistência, ou seja, não se pode considerar abrangente o benefício, em
analogia ao casamento e ao artigo 1.831 do Código Civil. Não se trata aqui de
uma análise interpretativa da legislação, para conferir ou não determinado
direito real a algum beneficiário, inclusive porque tal interpretação se chocaria
com os princípios gerais dos direitos reais.
Ademais, há dois pontos não enfrentados pela doutrina
que afirma estar vigente o artigo 7º. da Lei 9278/96: a) o direito real de
habitação para o companheiro teria a limitação de vigência até a constituição
de nova união ou casamento, como já não prevê o artigo 1.831 do Código Civil
Brasileiro? e; b) se forem consideradas vigentes as Leis 8971/94 e 9278/96
quanto aos temas sucessórios dos companheiros, estaria sendo admitida a
vigência do usufruto278 aos que vivem em união estável, dando-lhes mais
278 Nesse sentido é o artigo 2º. da Lei 8971/94: As pessoas referidas no artigo
anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
231
benefícios do que aos casados, em vista de que tal instituto não vige mais para
o casamento? Ao que parece, isso não seria bem aceito na nossa doutrina, em
vista da importância do matrimônio em nosso país, inclusive historicamente.
Se a interpretação majoritária da doutrina, como já foi
visto neste trabalho, é de suposta igualdade entre cônjuges e companheiros,
para concluir pela vigência do artigo 7º. da Lei 9278/96, seria necessário
concluir, sem fundamento e em franca contradição, pela negativa de vigência
do artigo 2º. da Lei 8971/94.
Arnoldo Wald bem escreve, no livro Direito das
Sucessões, quando trata do tema, apresentando a intenção do legislador
constituinte de 1988, ao diferenciar a união estável279 do casamento:
Afinal, o legislador constituinte de 1988, apesar de ter elevado a união estável à categoria de entidade familiar merecedora a proteção do Estado, não a equiparou, em momento algum, ao casamento celebrado nos moldes dos arts. 180 e seguintes do Código Civil de 1916. Daí a premência da aplicação da nova exegese ao citado texto legal da lei civil.280
I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
279 Importante lembrar que o artigo 8°. da Lei 9278/96, seguindo o disposto no artigo 226 da Constituição Federal de 1988, também diferencia claramente o casamento da união estável, quando afirma ser autorizada a sua conversão. Se os institutos são iguais, não há motivo para sugerir aos companheiros a conversão da união em casamento. Veja-se o teor do mencionado artigo 8º.: Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.
280 Ibid., p. 94.
232
Segundo Silvio Rodrigues, no Direito Civil: Direito das
Sucessões, atualizado por Zeno Veloso, a questão, portanto, gira em torno da
verificação do seguinte:
(...) como o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, foi previsto em lei especial (Lei 9.278/96, art. 7o, parágrafo único), e como esse benefício não é incompatível com qualquer artigo do novo Código Civil, uma corrente poderá argumentar que ele não foi revogado, e subsiste. Em contrapartida, poderá surgir opinião afirmando que o aludido art. 7o., parágrafo único, da Lei no. 9.278/96 foi revogado pelo Código Civil, por ter este, no art. 1.790, regulado inteiramente a sucessão entre companheiros, e, portanto, não houve omissão quanto ao aludido direito real de habitação, mas silêncio eloqüente do legislador.281
A esse respeito, Silvio de Salvo Venosa282 opina
claramente sobre a manutenção do direito real de habitação ao companheiro
sobrevivente, pela inexistência de revogação expressa acerca da matéria283.
Eduardo de Oliveira Leite284 segue a mesma linha, propondo a manutenção de
tal direito real à união estável.
Nesse mesmo sentido, Miguel Reale assim preleciona,
opinando pela manutenção das legislações de 1.994 e 1.996 para a união
estável:
Observo, todavia, que, nessa matéria, o novo Código Civil não revogou, por ser lei posterior, as Leis 8.971, de 29 de dezembro de
281 Ibid., p. 119. 282 Direito civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 144. 283 Nesse mesmo sentido, é o que diz Pablo Stolze Gagliano, na obra Código
Civil Comentado: Direito das coisas. São Paulo: Atlas, 2004, v. 13, p. 218, quando opina pela mantença do direito real de habitação, sustentando a tese no princípio da vedação ao retrocesso, do eminente J. J. Gomes Canotilho.
284 Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 233.
233
1994, e 9.278, de 10 de maio de 1996, ocorrendo um caso típico de vigência concomitante a que acima me refiro.285
Ainda corroborando com a opinião da manutenção do
direito real de habitação para os companheiros, em união estável, em
decorrência da morte de um deles, Euclides de Oliveira assim escreve, em seu
Direito de herança:
Mas nem tudo está perdido para o desprotegido companheiro. Mesmo na falta de previsão no Código, e supondo que não se trate de omissão eloqüente mas de mero cochilo legislativo, poder-se-ia argumentar, em favor do companheiro, com a subsistência do disposto no art. 7º., parágrafo único, da antiga Lei da União Estável, n. 9.278/96, assim redigido: (...).
Não houve revogação expressa da referida lei pelo vigente Código Civil. Nem existe incompatibilidade de normas, uma vez que o Código regula outros aspectos do direito sucessório, mas nada alude quanto ao comentado direito de habitação.286
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, no IV
Congresso do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM –, propôs
alteração legislativa do artigo 1.831 do Código Civil para incluir o companheiro
no rol dos beneficiários pelo direito real de habitação decorrente da sucessão,
mantendo a exclusão do fim da viuvez como causa de extinção. A alteração do
mencionado artigo seria feita como forma de garantir à família, formada ou não
285 Estudos preliminares do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 73. 286 Direito de herança, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 179.
234
pelo casamento, a proteção constitucionalmente assegurada pelo art. 226,
parágrafo 3º da Constituição Federal287.
Luiz Felipe Brasil Santos também expressa posição
favorável à manutenção do benefício ao companheiro, arguindo o absurdo da
lei ao diferenciar, de forma tão drástica, o casamento da união estável, no que
tange ao trato sucessório288:
Atentos ao fato de que a união estável, assim como o casamento, é forma constitucionalmente reconhecida de constituir entidade familiar, a proposta trata de outorgar aos companheiros os mesmos direitos sucessórios de que desfrutam os cônjuges.
Assim, idêntica participação na herança lhes é atribuída, conforme se vê em todos os dispositivos que tratam do tema, a saber: arts. 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839 e 1.845.
Nessa linha, vale destacar a reintrodução do direito real de habitação em favor dos companheiros (art. 1.831), cuja supressão, no atual Código Civil – previsto que já estava na Lei nº 9.278/96 –, não encontra nenhum motivo razoável.289
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, em sua obra
Sucessões, referindo-se ao tema, afirma, claramente, que o direito real de
habitação deve ser considerado como mantido em relação aos companheiros,
287 Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos descendentes.
Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 246-247.
288 Nesse sentido é a ementa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Agravo de Instrumento 70018063016, da relatoria da Des. Maria Berenice Dias, julgado em 14/02/2007: Ementa. Sucessões. Inventário. União Estável. Pretensão de alienação de imóvel destinado à moradia do companheiro sobrevivente. Direito real de habitação. Despesas condominiais. Apesar de o Código Civil não ter conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico por força do parágrafo único do art. 7º. da Lei no. 9.278/96.(...).
289 Direito das Sucessões – Propostas de Alteração. In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 187.
235
pela vigência do artigo 7º. da Lei 9278/96, uma vez que o novo Código Civil
não revogou tal dispositivo expressamente, bem como não há
incompatibilidade entre o novo texto e o citado artigo 7º. Sustenta, por fim,
dever de respeito ao artigo 226 da Magna Carta de 1988, quando confere
especial proteção estatal aos companheiros:
Como não houve revogação expressa da Lei de 1996, bem como inexiste incompatibilidade entre o disposto no art. 1.831 do CC, e o art. 7º., parágrafo único, da Lei no. 9.278/96, adotando-se os critérios de interpretação e harmonização das normas jurídicas no interior do sistema, conclui-se pela vigência da regra do direito real de habitação em favor do companheiro sobrevivente.
Sobre o tema, deve-se considerar a aplicação do disposto no art. 226, caput, da Constituição Federal, a fim de considerar que a família fundada no companheirismo é merecedora de especial proteção estatal. Desse modo, caso houvesse interpretação no sentido de se considerar revogado o disposto na Lei de 1996, haveria violação ao comando constitucional, já que ocorreria postura no sentido de não proteger a família informal fundada na “união estável”.290
Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, no livro
Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente, reconhece a
posição diferenciada existente entre a sucessão do cônjuge e do companheiro.
Entretanto, por entender vigente a Lei 9.278/96, a autora corrobora a tese da
vigência do direito real de habitação aos companheiros, quando diz:
O convivente poderá concorrer ou não com o descendente e ascendente do falecido. É nítido no Código atual a prevalência sobre a união estável, pois o convivente não se beneficiará dos mesmos direitos sucessórios estendidos ao cônjuge sobrevivente. Terá direito, no entanto, ao direito real de habitação (Lei n. 9.278/96, art. 7º., parágrafo único), pois, diante
290 Direito civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 109.
236
da omissão do Código vigente, como já dissemos, prepondera a lei especial diante da geral.291
Sérgio Iglesias Nunes de Souza também concorda com a
manutenção do instituto para a união estável, fazendo alusão paradigmática
aos benefícios da impenhorabilidade do bem de família ao solteiro, para
proteção da moradia292.
Nesse particular, conferindo tratamento paradigmático ao
companheiro, em vista da impenhorabilidade do bem de família ao solteiro, é
fundamental relembrar que os princípios gerais dos direitos reais (leia-se, em
especial, princípio da tipicidade e numerus clausus), não permitem ao
legislador, ao julgador e ao intérprete, criar, modificar ou alargar os direitos
reais já existentes.
Dessa forma, em que pese o respeitável entendimento do
autor acima citado, a extensão do benefício do bem de família ao solteiro, por
proteção da moradia, não pode ser o único motivo a justificar a extensão do
direito real de habitação aos companheiros, sem que se aprofunde na questão
da vigência ou não da legislação de 1996.
Inácio de Carvalho Neto293, em sua obra Direito
sucessório do cônjuge e do companheiro, opina no sentido oposto, pela
ocorrência de revogação tácita do instituto conferido aos companheiros, nos
291 Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2004, p. 164. 292 Direito à moradia e de habitação: análise comparativa e suas implicações
teóricas e práticas com os direitos de personalidade. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 325-326.
293 Direito Sucessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Método, 2007, p. 193-194.
237
artigos que tratam de sucessão (Leis de 1.994 e 1.996), com a seguinte
justificativa:
Discutível será a manutenção do direito real de habitação estabelecido para os companheiros no art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96 e não repetido pelo novo Código, embora tenham os cônjuges semelhante direito (art. 1.831). Não tendo havido revogação expressa da lei, defendem a manutenção do dispositivo Silvio Venosa, (...), Giselda Hironaka, Aldemiro Rezende Dantas Júnior e Eduardo de Oliveira Leite. Há também quem entenda tratar-se referido dispositivo de norma especial, prevalecendo sobre o novo Código, que seria a lei geral. Embora de lege ferenda pudéssemos concordar (e defender) a permanência do direito de habitação para o companheiro, não nos parece, data venia, que lhe assista razão. A nova lei regula por completo a sucessão do companheiro e, embora possamos ver nisto um grande defeito da lei, o fato é que não lhe concede o direito real de habitação, pelo que nos parece estar tacitamente revogada a Lei da União Estável, revogação esta baseada no art. 2º. § 1º. da Lei de Introdução ao Código Civil.294
A mesma conclusão é a de Francisco José Cahali,
quando afirma, no Curso Avançado de Direito Civil: Direito das Sucessões:
Sob outro ângulo, parece-nos ter dado o legislador de 2002 sinais evidentes de afastar a união estável do casamento na seara sucessória. Se assim é, e sendo omisso quanto àqueles direitos, consideramos ter sido intencional restringir a participação do companheiro sobrevivente aos limitados termos do art. 1.790.
Enfim, embora contrários à modificação legislativa, por subtrair do companheiro-viúvo um direito assistencial outorgado ao cônjuge, nossa inclinação é no sentido de considerar insubsistentes pelo novo Código Civil o direito real de habitação e o usufruto vidual previstos na legislação anterior.295
294 Ibid., p. 193-194. 295 Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 234.
238
Defendendo posição contrária, Guilherme Calmon
Nogueira da Gama296 opina, claramente, que o direito real de habitação deve
ser considerado como mantido em relação aos companheiros, pela vigência do
artigo 7º. da Lei 9278/96, uma vez que o novo Código Civil não revogou tal
dispositivo expressamente, bem como não há incompatibilidade entre o novo
texto e o citado artigo 7º. Sustenta, por fim, dever de respeito ao artigo 226 da
Magna Carta de 1988, quando confere especial proteção estatal aos
companheiros.
Acerca da matéria, afirma Zeno Veloso297, em trabalho
sobre o direito real de habitação na sucessão do companheiro, que não há que
se falar em direito real de habitação ao companheiro, uma vez que o artigo 7º.
da Lei 9.278/96 não estaria mais vigente, por revogação tácita, em vista da
matéria ter sido inteiramente regulada pela lei nova. Zeno Veloso ainda
apresenta a lição que distingue omissão, lacuna normativa e silêncio eloquente,
para explicar sua posição.
Segundo Zeno Veloso, na mesma obra, “lacuna existe,
quando dada situação não é prevista ou regulada na norma, por omissão,
imprevidência, falha, esquecimento do legislador”298, sanando-se tal problema
com a integração (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 4º.299). Dificilmente
haverá lacuna efetiva e insanável no sistema, inclusive pela longa experiência
296 Direito civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 109. 297 Direito real de habitação da união estável. In: Novo Código Civil: questões
controvertidas, Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves (coord.). São Paulo: Método, 2004, v. 1, p. 413-415.
298 Ibid., p. 414. 299 Artigo 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
239
do sistema normativo que, ao longo dos anos, buscou prever todas as
questões e necessidades da vida humana.
O silêncio eloquente, por sua vez, é a intencional e
consciente atitude do legislador de não admitir ou não prever dada situação, e
o aplicador da norma não alcança suprir tal silêncio. Assim, nas palavras de
Zeno Veloso “o que se não disse não deixou de ser dito por falha, erronia,
olvido, mas porque não se quis dizer, efetivamente, excluindo da regra jurídica
o que não se disse” 300. Se for o caso de silêncio eloquente, não cabe ao
julgador ou ao intérprete da norma suprir o vazio, usar da analogia ou
preencher a incompletude, uma vez que, simplesmente, nesse caso, não há
vazio legislativo ou omissão, mas, sim, o silêncio proposital que contém, nesse
seu ‘vazio’, um comando afirmativo claro.
Disso, conclui Zeno Veloso, na referida obra, que a lei
atual provocou o silêncio discutido, ao afirmar “que direito real de habitação,
com relação ao imóvel residencial, para o companheiro sobrevivente, no
estágio atual do direito brasileiro, não existe mais” 301.
Em relação à vigência da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96,
no que tange à matéria sucessória, em que pesem os prejuízos que isso possa
causar ao instituto da união estável e aos companheiros, até que sobrevenha
alteração legislativa, não há alternativa senão reconhecer sua revogação (ou
derrogação, se somente nesse particular, mantendo-se as demais matérias
tratadas como vigentes), em vista de que o artigo 1.790 do Código Civil tratou,
com integralidade, da matéria sucessória da união estável.
300 Ibid., p. 415. 301 Ibid., p. 415.
240
Tal conclusão deriva do próprio texto do artigo 1.790,
quando diz: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável,
nas condições seguintes (...)” (grifamos).
Ora, já foi verificado que a natureza jurídica do direito real
de habitação é de direito sucessório, sendo legado ex lege. Dessa forma:
• premissa - quando o artigo 1.790 do Código Civil diz
que o companheiro ‘participará da sucessão’ do outro,
certamente está inferindo quais os direitos sucessórios
existem decorrentes da união estável e,
• premissa - sendo este o artigo que trata, na
integralidade, dos direitos sucessórios dos
companheiros e estando ele contido em legislação
posterior à Lei 9.278/96,
• conclusão - forçoso é concluir que a regra da lei
anterior (9.278/96) não mais tem vigência, por
revogação tácita, e, no Código Civil atual, não se inclui
o direito real de habitação em favor do companheiro.
Não se pode, sob pena de desapego à norma, considerar
válidos os dispositivos da união estável no Código Civil atual, “pinçando-se”
outros direitos na legislação extravagante de 1994 e 1996, sob pena de
conceder aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges (como, por
exemplo, o usufruto vidual).
241
Veja-se o teor do artigo 2º. da Lei de introdução ao
Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42), que trata da chamada ‘revogação tácita’,
não exigindo que a lei nova trate, pontual e especificadamente, sobre tudo
aquilo que a lei anterior tratava:
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Não vemos como empecilho às nossas conclusões o teor
da Lei Complementar 95, de 1998, (com as alterações da Lei Complementar
107, de 2001)302. Tais legislações foram confeccionadas para dispor sobre a
elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, como pede o
parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal. Assim, referidas
legislações não se destinam a conferir direitos civis aos cidadãos, mas, sim, a
regular a confecção e elaboração de leis.
Caso o legislador não siga as orientações das Leis
Complementares acima citadas, deverá haver, em lei, determinada sanção.
Entretanto, a vigência de norma que não respeitou a imposição das Leis
Complementares não pode significar a intromissão de tais Leis na regra
expressa do artigo 2º., parágrafo 1º. da Lei de Introdução ao Código Civil
(Decreto-Lei 4.657/42).
302 O artigo 9º. da Lei Complementar 95, com a alteração da Lei Complementar
107, quando trata da ‘confecção da lei’, assim diz: artigo 9º. A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.
242
Acerca do assunto, é fundamental lembrar a lição de
Eduardo Espinola e Eduardo Espinola Filho, ao comentarem a Lei de
introdução ao Código Civil Brasileiro, quando indica a possibilidade de
revogação tácita:
O segundo modo de abrogação tácita ocorre quando a lei posterior regula toda a matéria contida nos dispositivos da anterior. Se uma lei geral, por ex., um código, regula inteiramente o instituto de que se ocupava a lei precedente, se ambas desenvolvem dispositivos sôbre a mesma matéria, é bem possível que, na antiga, se encontrem alguns artigos, que se não mostrem de todo incompatíveis com as disposições da nova.
Surge, nêsse caso, a questão: aquêles dispositivos particulares da lei anterior, que se podem conciliar com as regras consignadas na posterior, perderam a sua eficácia ?
Assim se deve entender, quando se trate de uma lei geral, de um código, regulando inteiramente a matéria que se regia pela lei geral anterior, ou pelo código antes vigente.303
Pelo que se verifica, portanto, não estariam vigentes, no
âmbito sucessório, as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que tratavam da sucessão dos
companheiros.
Atualmente, vige em nosso ordenamento, quanto à regra
sucessória entre os companheiros, a disposição expressa do artigo 1.790 do
Código Civil de 2002, com seus prejuízos e benefícios, como quis,
propositadamente, o legislador brasileiro. Para os casos de regra sucessória na
união estável, nas hipóteses em que o falecimento do companheiro ocorreu
anteriormente ao atual Código, poderiam ser aplicados os direitos e garantias
das legislações extravagantes anteriores.
303 A Lei de introdução ao código civil brasileiro comentada. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1943, v. 1, p. 79-80.
243
Ademais, como o direito real de habitação segue os
princípios aqui aprofundados, principalmente o da tipicidade e o da
taxatividade, não se poderia conceber um direito real sem a correspondente e
expressa previsão legal, ainda que isso, a princípio, pareça afrontar um direito
essencialmente social. A realidade é que, no caso específico, não se pode
superar a ausência normativa apenas pelo caráter social da disposição legal,
inclusive sob pena de ferir a intenção do próprio legislador ao criá-la.
244
CONCLUSÃO
A análise dos temas propostos no presente estudo
permite reunir e salientar os aspectos relevantes da situação atual em que se
encontra a problemática enfocada, quanto às questões inicialmente aqui
formuladas. É o que a seguir se apresenta, como já foi feito ao final de cada
capítulo ou tópico e, em síntese, se relata.
1. A família, base da sociedade, é um sólido instituto
social e pode ter origem nas várias formas de entidades familiares previstas em
nosso ordenamento jurídico.
2. A família brasileira é hoje fundada, essencialmente,
no casamento e, mais modernamente, na união estável. Entretanto, ainda há
várias outras formas de entidades familiares previstas em lei e algumas
discutidas pela doutrina brasileira, como a monoparental (com previsão
constitucional), a homoafetiva, a anaparental dentre outras.
3. As entidades familiares são núcleos nos quais se
formam e se desenvolvem os mais diversos tipos de organização familiar.
4. A legislação brasileira distinguiu, de forma clara, as
relações originadas no matrimônio e na união estável.
245
5. Em que pesem as semelhanças formais entre o
casamento e a união estável são eles institutos diferentes, cada qual com seus
direitos e deveres.
6. A Constituição Federal de 1988, acompanhada pelo
Código Civil de 2002, oferecem à família proteção legal rígida, com vários
dispositivos para sua salvaguarda e introduzem forte interferência estatal nas
relações internas familiares.
7. A intenção do legislador brasileiro é clara no sentido
de prever normas para a manutenção da família e da convivência familiar,
ainda que nos momentos de crise (falecimento de um membro da família, por
exemplo), sempre que possível e dentro da lei.
8. O direito real da habitação decorrente da sucessão
hereditária é um dos instrumentos que a lei apresenta para a manutenção da
vida familiar e do lar conjugal.
9. Os direitos reais, em geral, possuem disciplina
própria, bastante evoluída em nossa legislação, e tratam das relações jurídicas
das pessoas com os bens. A composição plena da propriedade, que é o direito
real mais completo, conta com o direito de usar, de dispor, de fruir e de reaver
de quem injustamente detenha a coisa.
10. São princípios fundamentais e principais dos direito
reais, aplicáveis ao direito real de habitação, o princípio da taxatividade
(numerus clausus) e o princípio da tipicidade.
11. O princípio da taxatividade afirma serem direitos
reais aqueles reconhecidos pela lei em vigor e vedam a criação de novos
direitos reais pelas partes.
246
12. O princípio da tipicidade prevê que, além de estar
previsto em lei, o direito real deve ter seu conteúdo tipificado no texto legal,
para que possa ser assim considerado.
13. O direito real de habitação é espécie restrita de uso,
cujo bem alheio é exclusivamente destinado à moradia gratuita da família. Tal
direito é personalíssimo, deve ser exercido por seu titular e pelas demais
pessoas que a lei permite, e pode ser instituído por lei (ex vi legis) ou por
convenção das partes.
14. Não há, contrariamente ao usufruto, o direito de
acrescer aos demais habitadores – se houver pluralidade – no caso de
falecimento de um dos habitadores.
15. O conceito de família, para o exercício do direito real
de habitação, engloba o cônjuge, os filhos menores, os empregados e demais
pessoas vinculadas ao habitador, que residam gratuitamente no imóvel.
16. A habitação deverá ser exercida de acordo com as
necessidades pessoais do habitador e de sua família, de forma que a
mensuração de tais necessidades se faça de acordo com as condições
pessoais e o lugar onde viverem.
17. O direito real de habitação é um direito real limitado,
gratuito, incessível e temporário, tendo sua divisibilidade expressa em lei,
apenas na hipótese em que admite o exercício simultâneo da habitação a mais
de uma pessoa.
18. Se o direito real de habitação for conferido a mais de
uma pessoa, todas elas o poderão exercer, mas, se não o quiserem, não
poderão cobrar aluguel daquela que permanece em seu exercício.
247
19. Em regra, o direito real de habitação deve ser
constituído e extinto mediante o respectivo registro na matrícula do imóvel
correspondente, principalmente, para gerar efeitos erga omnes.
20. As formas de constituição e de extinção da
habitação são as mesmas que as do usufruto (artigo 1.410 do Código Civil),
exceto a extinção pelo não uso, que não se aplica à habitação.
21. Acerca das formas de extinção dos direitos reais de
uso e de habitação, parece bastante plausível que eles se extingam pela
cessação da causa que os originou ou mesmo pela fixação de residência, por
parte do habitador e sua família, em outro imóvel que não o gravado com o
respectivo direito real.
22. Quando instituído o direito real de habitação sobre a
totalidade do imóvel, não poderá ser instituído outro direito real de gozo ou
fruição, em vista de serem mutuamente excludentes.
23. O habitador é responsável pelos tributos incidentes
sobre a coisa e pelas despesas ordinárias (água, luz), não tendo direito a
indenização em relação às benfeitorias necessárias que realizar apenas em
seu proveito ou de sua família.
24. O habitador é responsável pela manutenção e
conservação do bem, mas não será responsabilizado pelo desgaste natural da
coisa ou no caso de destruição ou perecimento sem sua culpa;
25. O exercício do direito real de habitação é
impenhorável, bem como pode ser protegido pelo bem de família legal, pela Lei
8.009/90.
248
26. O habitador e sua família podem usar a coisa,
extraindo apenas os frutos restritos e necessários ao exercício do direito real
de habitação. Exceto nessa hipótese, os demais frutos não poderão ser
extraídos pelo habitador e demais moradores.
27. O imóvel gravado com o direito de habitação não
poderá ser utilizado para outros fins, como comerciais ou industriais, exceto na
hipótese de o habitador desenvolver atividades compatíveis com o direito de
residência e de habitação.
28. O habitador pode utilizar-se dos meios de proteção
possessória para defender seu direito real sobre coisa alheia, contra quem o
esteja turbando ou esbulhando ou ameaçando da prática de tais atos, inclusive
contra o próprio titular da propriedade.
29. A previsão do direito real de habitação no direito
estrangeiro guarda grande semelhança com o tipificado no direito brasileiro,
inclusive no decorrente da sucessão hereditária.
30. O direito sucessório, seja no direito italiano, no
direito brasileiro ou no português, é sempre útil ao próprio falecido, que pode
dispor de seus bens, se assim o quiser; é imprescindível a toda a sociedade e
à economia, na medida em que possibilita a manutenção das relações jurídicas
mantidas pelo falecido, agora com seus sucessores.
31. O direito sucessório brasileiro, nas suas duas
modalidades (sucessão legítima e testamentária), baseia-se no princípio da
saisine, com a transmissão da posse e propriedade (porção ideal) dos bens
aos herdeiros, independentemente de formalidades.
249
32. A lei prevê a existência de herdeiros e legatários, os
quais receberão bens certos e determinados, em virtude de ato de disposição
de última vontade (exceto no caso do direito real de habitação, que constitui
legatário ex lege).
33. A renúncia ao patrimônio hereditário é ato solene,
irrevogável e pode referir-se, com autonomia e independência, a critério do
sucessor, a direitos de qualidades distintas, seja a título de herança e/ou a
título de legado.
34. Em relação à exclusão da sucessão, a sentença que
decreta a exclusão do sucessor da herança, por deserdação ou indignidade,
após o prazo legal e eventuais recursos apresentados pelas partes, tem seu
trânsito em julgado, não sendo mais passível de qualquer alteração ou
modificação posterior. Em consequência de tal decisão, há a exclusão do
sucessor em relação à herança deixada pelo falecido em sua totalidade,
inclusive quanto a direitos ex vi legis.
35. Com relação ao direito real de habitação decorrente
da sucessão hereditária, pode-se afirmar que passou a vigorar, em nosso
direito, a partir da Lei 4.121 de 1962, que garantiu dois novos direitos ao
cônjuge sobrevivente da época, relativamente aos bens da herança:
a. direito real de usufruto sobre bens do falecido, chamado de
usufruto vidual, até quando perdurasse a viuvez, exceto se
casado no regime da comunhão universal de bens. Tal direito
incidia na quarta parte da herança, se houvesse filhos do falecido
ou do casal, podendo passar à metade dos bens, se não
250
houvesse filhos, independentemente de existirem ascendentes
sobrevivos;
b. direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da
família, exceto se casado por outro regime, que não o da
comunhão universal de bens. Tal direito perduraria enquanto o
habitador vivesse ou permanecesse viúvo, independentemente de
sua cota hereditária, se houvesse. Por fim, é importante lembrar
que o imóvel objeto do direito real deveria ser o único daquela
natureza a inventariar.
36. Tal direito real sobreviveu em nossa legislação até
os dias atuais, e, atualmente, tem previsão expressa para o cônjuge
sobrevivente, no artigo 1.831 do Código Civil.
37. No artigo 1.611, parágrafo 2º. do Código Civil de
1916, nota-se que a garantia do direito real de habitação ao cônjuge
sobrevivente ocorria nas seguintes condições:
a. apenas enquanto permanecesse vivo e/ou viúvo;
b. deveria o sobrevivente estar casado apenas sob o regime da
comunhão universal de bens;
c. o imóvel objeto do direito real deveria ser o único bem da mesma
natureza a inventariar, sem prejuízo do que lhe coubesse na
herança.
38. O Código Civil de 2002 inova sobremaneira em
relação ao Código Civil de 1916, especificamente no que tange ao direito real
de habitação na sucessão hereditária dos cônjuges, e assim o o estabelece em
seu artigo 1.831:
251
a. qualquer que seja o regime de bens;
b. sem prejuízo da participação que exista na herança;
c. relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde
que seja, também, o único da mesma natureza a inventariar.
39. Nota-se que houve a retirada de qualquer menção
ou distinção pelo regime de bens do casal, estendendo-se, ainda, o direito real
de habitação mesmo após o fim da viuvez (é vedado, porém, o direito real de
habitação sucessivo, para outras famílias, em vista do caráter personalíssimo
do instituto).
40. O usufruto vidual, seja para o casamento, seja para
a união estável, não vigora mais em nosso ordenamento jurídico, tendo sido
substituído por outras formas de proteção do sobrevivente, como, por exemplo,
a nova ordem de vocação hereditária, com a concorrência do cônjuge em
relação aos descendentes e ascendentes e a qualificação do cônjuge como
herdeiro necessário.
41. O beneficiário do direito real de habitação, em vista
de tal direito ser de natureza sucessória, deve ser qualificado como sucessor,
na forma do artigo 1.830 do Código Civil, ou seja, não haverá o deferimento do
benefício se o sobrevivente estiver separado judicialmente ou de fato do
falecido (neste último caso, a culpa pela separação de fato deverá ser do
sobrevivente).
42. O benefício legal previsto será conferido, sem
prejuízo da participação que caiba ao consorte sobrevivente na herança
deixada pelo de cujus.
252
43. Mencionado direito real incide sobre o único imóvel
residencial próprio a ser inventariado – independentemente de ser o bem tido
como particular do falecido ou comum do casal - ou, em caso de multiplicidade
de bens imóveis residenciais próprios, em, ao menos, um deles.
44. Não há qualquer distinção para o exercício de tal
direito em vista de ser o imóvel considerado urbano ou rural; na hipótese de
multiplicidade de imóveis residenciais próprios, caso o exercício do direito real
de habitação recaia em imóvel que não o da residência principal do casal,
deverá incidir sobre outro com o mesmo conforto que havia no lar familiar.
45. A existência de vários bens residenciais próprios a
inventariar não retira o direito ao benefício legal do artigo 1.831 do Código Civil,
exceto se o consorte sobrevivente receber, a título de herança, imóvel próprio
que lhe dê residência.
46. O direito real de habitação, por sua característica
própria e destinação específica, extingue-se com a morte do titular, por ser
personalíssimo e resolúvel.
47. Não há mais a extinção do direito real de habitação
pela constituição de novo casamento ou nova união estável, como era na lei
anterior, mas há que se observar a conduta de boa-fé do habitador no exercício
da habitação, sob pena de extinção pela ‘cessação da necessidade pessoal’.
48. Por tais objetivos, o uso e a fruição são restritos e
não podem ser cedidos, em qualquer hipótese e a qualquer título, sob pena de
sua imediata e automática extinção.
49. O direito real de habitação decorrente da sucessão
hereditária pode ser qualificado como forma de sucessão anômala, a título
253
singular, ou como legado ex lege, e o habitador é qualificado como legatário
legítimo.
50. Por ser benefício originado em imposição legal, o
direito real de habitação não pode ser afastado por testamento ou contrato de
convivência.
51. O direito real é, portanto, caso excepcional de
legado originado em determinação legal, pelo qual o habitador, no momento do
falecimento do de cujus, recebe a posse do bem para o exercício do benefício
legal.
52. Em vista do deferimento da posse do bem ao
habitador, não haverá qualquer interferência no exercício do direito real, caso o
referido bem esteja em condomínio entre os sucessores e o habitador ou
apenas entre os primeiros.
53. Da mesma forma, tendo em vista que o direito de
habitação confere apenas a posse direta do bem gravado, não haverá qualquer
interferência dessa posse em relação à porção legítima da herança, que deverá
ser regularmente distribuída entre os sucessores (que suportarão o ônus real,
caso ele exista).
54. O exercício do direito real de habitação sucessório,
assim como o convencional, deve ser feito pelo habitador e sua família, assim
entendida na forma legal (artigo 1.412, parágrafo 2º. do Código Civil atual),
com posse direta sobre o bem, e é-lhes facultado, inclusive, utilizar-se dos
interditos possessórios para sua proteção.
254
55. Do habitador não poderá ser exigida qualquer
contraprestação para o exercício do direito de habitação, mesmo entre os
habitadores, se houver mais de um.
56. O habitador deverá arcar unicamente com as
despesas de manutenção e encargos ordinários que recaiam sobre o imóvel
(impostos da propriedade, água, luz, dentre outros), restando ao proprietário as
demais, inclusive as reparações ordinárias.
57. Em vista de ser direito originado em disposição
expressa de lei, não há necessidade do registro imobiliário para sua vigência e
exercício em relação aos sucessores. Para eventual oposição a terceiros, será
seguro fazer o devido registro.
58. É possível renunciar ao direito real de habitação e
não à herança, em vista das qualidades distintas dos direitos mencionados
(herança e legado ex lege).
59. O herdeiro excluído da sucessão por indignidade ou
deserdação também perde o benefício ao direito real de habitação.
60. Os bens que guarnecem o imóvel objeto do direito
real de habitação não estão gravados com o ônus real, visto que não há
previsão legal expressa nesse sentido (contrariamente à previsão do direito
civil português).
61. A desocupação momentânea do imóvel não
causará, por si só, a extinção do direito real de habitação (tal direito não se
extingue pelo não uso). Se ocorrer a desocupação em vista de o sobrevivente
ter-se mudado para outro bem imóvel – que lhe garanta a habitação - de sua
propriedade (situação assemelhada à extinção do usufruto prevista no artigo
255
1.410, IV, do Código Civil – cessação do motivo que originou o direito -), haverá
a extinção do direito real.
62. Pela disposição legal dos direitos reais, não pode
haver o benefício do direito real de habitação para outras formas de entidades
familiares, que não as expressamente previstas em lei, por conta e em respeito
a dois princípios básicos e peremptórios dos direitos reais: a tipicidade e o
numerus clausus.
63. Nesse particular, é vedado ao intérprete criar novos
direitos reais ou modificar/alargar os limites dos já existentes.
64. Quanto ao exercício simultâneo do direito real de
habitação, no caso do separado de fato ter constituído união estável, o
exercício do gravame será feito no imóvel de residência do casal ou da família.
Nessa forma, quanto ao casamento, haverá direito real de habitação incidente
sobre o imóvel em que o casal residia (se o cônjuge sobrevivente for, de fato,
sucessor – artigo 1.830 do Código Civil). Quanto à união estável, haverá o
ônus sobre o imóvel que servia de residência aos companheiros, caso se
entenda a permanência atual de tal direito.
65. Em relação à manutenção do direito real de
habitação aos companheiros (e à vigência da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96,
no que tange à matéria sucessória), não há alternativa senão reconhecer sua
revogação (ou derrogação, se somente nesse particular, mantendo-se as
demais matérias tratadas como vigentes), em vista do que o artigo 1.790 do
Código Civil tratou, com integralidade, na matéria sucessória da união estável.
256
66. Tal conclusão deriva do próprio texto do artigo 1.790
do Código Civil de 2002, quando diz que o companheiro sobrevivente
‘participará da sucessão’ do outro nas condições ali previstas.
67. Como a natureza jurídica do direito real de habitação
em questão é de direito sucessório, sendo legado ex lege, conclui-se:
o premissa - quando o artigo 1.790 do Código Civil diz que o
companheiro ‘participará da sucessão’ do outro, certamente está
inferindo quais direitos sucessórios existem decorrentes da união
estável e,
o premissa - sendo este o artigo que trata, na integralidade, dos
direitos sucessórios dos companheiros e estando ele contido em
legislação posterior à Lei 9.278/96,
o conclusão - forçoso é concluir que a regra da lei anterior
(9.278/96) não mais tem vigência, por revogação tácita, e, no
Código Civil atual, não se inclui o direito real de habitação em
favor do companheiro.
68. Não se pode, sob pena de desapego à norma,
considerar válidos os dispositivos da união estável no Código Civil atual,
“pinçando-se” outros direitos na legislação extravagante de 1994 e 1996, sob
pena de conceder aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges (como,
por exemplo, o usufruto vidual), situação não acatada pela doutrina e
jurisprudência brasileira.
Como se pôde verificar, o tema tratado possui diversos
pontos polêmicos. No presente trabalho, procuramos enfrentar as questões
257
mais atuais e complexas, oferecendo as evidências e ponderações acima,
como resultado da pesquisa realizada.
Para finalizar, ressaltamos que o direito real de habitação
decorrente da sucessão hereditária é um direito essencial para a manutenção
da vida familiar, mas seu exercício deve seguir e cumprir sempre e
fundamentalmente dois princípios basilares do Código Civil atual: a eticidade e
a boa-fé.
258
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