Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e...

276
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel Blikstein O direito real de habitação na sucessão hereditária Doutorado em Direito SÃO PAULO 2009

Transcript of Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e...

Page 1: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC - SP

Daniel Blikstein

O direito real de habitação na sucessão hereditária

Doutorado em Direito

SÃO PAULO

2009

Page 2: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC - SP

Daniel Blikstein

O direito real de habitação na sucessão hereditária

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Direito (Direito das Relações Sociais). Orientador: Prof. Dr. Francisco José Cahali

SÃO PAULO

2009

Page 3: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

iii

Banca Examinadora

____________________________

____________________________

____________________________

____________________________

___________________________

São Paulo, de de 2009.

Page 4: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

iv

Ao Davi. Que trouxe vida. Que bom é ter você, com a sua alegria de viver.

O sorriso mais lindo e cativante que eu já sorri.

A Adriana. Esposa de apoio incondicional. Carinho indispensável para viver.

Amor terno e eterno.

A Izidoro, Ester, Paulo, Simone e Flávia. Continuem assim, sempre ao meu

lado, em todas as horas, em todos os dias. O abraço que aconchega.

Ao Chefe, Saulo, avô.

Page 5: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

v

Agradecimentos

Agradeço a Ele, pela vida.

Agradeço ao Prof. Dr. Francisco José Cahali, meu

orientador, mestre no sentido literal da palavra. Certamente, foi quem nos

ensinou a ensinar o direito de família e sucessões.

Agradeço ao apoio incondicional de três grandes amigos,

sem os quais este trabalho nunca teria se concretizado: Marcelo Truzzi Otero,

João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos.

Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

Torrano, pela salutar convivência acadêmica.

Agradeço aos amigos da advocacia diária, alegre e

recompensadora – na pessoa de Silvana Machado Cella e Aldo José Fossa de

Sousa Lima – do Blikstein, Cella e Sousa Lima Advogados Associados.

Agradeço à PUC São Paulo, na pessoa dos professores

Francisco José Cahali, Martha de Toledo Machado e Oswaldo Peregrina

Rodrigues, que, ao qualificarem meu projeto para o trabalho final, souberam

indicar o indispensável caminho a ser trilhado.

Agradeço, por fim, ao apoio e dedicação desmedidos da

Profa. Maria Nair Moreira.

Page 6: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

vi

Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

Carlos Drummond de Andrade

Page 7: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

vii

RESUMO

Palavras-chave: família, entidades familiares, sucessão hereditária, direito real

de habitação.

O presente trabalho tem por finalidade analisar e discutir o

direito real de habitação e sua aplicação na sucessão hereditária, tal como se

coloca em nosso ordenamento jurídico atual, por intermédio da análise dos

ditames legais previstos sobre o tema.

Inserida em tal objetivo, a presente discussão reside na

exploração do tema por meio da análise da legislação brasileira e estrangeira a

ele concernente, visando discutir a utilidade e os limites do direito real de

habitação aplicado ao direito sucessório, principalmente, após as alterações

trazidas pelo atual Código Civil Brasileiro. Além da análise doutrinária, buscou-

se trazer as mais atuais decisões de nossos tribunais, enfrentando o tema em

seus vários aspectos.

O tema proposto é desenvolvido em cinco capítulos:

formação e evolução da família brasileira; aspectos gerais dos direitos reais;

direito real de habitação, seu conceito e evolução legislativa, bem como visão

no direito estrangeiro; uma visão geral do atual direito sucessório brasileiro e,

por fim, o enfrentamento dos temas relevantes que envolvem o direito real de

habitação na sucessão hereditária.

Dessa forma, procura-se abarcar, aqui, o enfrentamento

dos principais pontos controversos do tema, que geram inúmeros conflitos

judiciais, considerando sempre que, respeitada a forma legal, a formação e a

manutenção da família devem ser os mais importantes e protegidos institutos

sociais.

Page 8: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

viii

ABSTRACT

Keywords: family, family entities, hereditary succession, real right to habitation.

The present paper is purposed to analyze and discuss the

real right to habitation and its application in hereditary succession, such as

established in our current legal system, by means of analysis of the legal rules

on the subject.

Inserted in such purpose, the present discussion will

explore the subject with an analysis of the Brazilian and foreign legislation,

aimed to address the utility and the limits of the real right to habitation applied to

the successional law, specially after modifications brought up by the current

Brazilian Code of Civil Procedure. In addition to the doctrinal analysis, this

paper will bring to light the most recent decisions from our courts of law,

challenging the subject from its various facets.

The proposed subject is approached in five chapters: the

formation and evolution of the Brazilian family; general aspects of real rights;

the real right to habitation, its concept and legislative evolution, as well as its

view under the foreign law; overview of the current Brazilian successional law;

and, finally, a contention with the relevant themes involving the real right to

habitation in the hereditary succession.

This way, this paper will aim to challenge the main points

of the theme, which generate innumerous judicial conflicts, always taking into

consideration that, observing the legal form, the formation and maintenance of

the family must be the most important and protected social institutions.

Page 9: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

ix

RÉSUMÉ

Mots clés: famille, entités familiales, succession héréditaire, droit d’habitation.

Le but du présent travail est d’analyser et discuter le droit

réel d’habitation et son application à la succession héréditaire -- telle comme il

est établi dans notre ordonnance juridique actuelle -- grâce à l’analyse des

préceptes légaux prévus sur le thème.

Inserée dans cet objectif, la présente discussion consiste

dans l’exploration du sujet au moyen de l’analyse de la législation brésilienne et

étrangère, afin d’examiner l’utilité et les limites du droit réel d’habitation

appliqué au droit de succession, surtout après les changements apportés par le

Code Civil Brésilien actuel. Outre l’analyse doctrinale, on a cherché à apporter

les décisions les plus récentes de nos tribunaux, em abordant la question sous

ses plusieurs points de vue.

Nous avons examiné le thème proposé em cinq

chapitres: la formation et l’évolution de la famille brésilienne; les aspects

généraux des droits réels; le concept et l’évolution législative du droit réel

d’habitation, ainsi que sa conception dans le droit étranger; vue générale du

droit de succession actuellement au Brésil et, finalement, investigation des

questions pertinentes qui engagent le droit réel d’habitation dans la succession

héréditaire.

Somme toute, nous essayerons, donc, d’embrasser les

questions principales susceptibles d’engendrer d’innombrables conflits

judiciaires, toujours en tenant compte du fait que, une fois que la forme légale

ait été respectée, la formation et la manutention de la famille doivent être les

institutions sociales les plus importants et les plus protégées.

Page 10: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

x

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................12

CAPÍTULO 1 - DA FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA...... ..............................................................................................17

1.1. Conceito e evolução da família......................................................................... 17

1.2. Conceito jurídico................................................................................................ 30 1.2.1. A família no Código Civil Brasileiro de 1916.................................................. 31 1.2.2. A família na Constituição Federal de 1988.................................................... 33 1.2.3. A família no atual Código Civil Brasileiro....................................................... 39

1.3. Das formas de constituição da família e das entidades familiares ................ 42 1.3.1. O casamento e sua natureza jurídica............................................................ 43 1.3.1.1. Da posse do estado de casado .............................................................. 46

1.3.2. Histórico e conceito da união estável ............................................................ 48 1.3.3. A família monoparental ................................................................................. 58 1.3.4. Outras formas familiares ............................................................................... 59

CAPÍTULO 2 - NOÇÕES FUNDAMENTAIS DOS DIREITOS REAIS..............70

2.1. Considerações iniciais ...................................................................................... 70

2.2. Visão geral dos direitos reais ........................................................................... 70 2.2.1. Princípios dos direitos reais .......................................................................... 79 2.2.2. Elementos e modalidades dos direitos reais ................................................. 87 2.2.2.1. Elementos dos direitos reais .................................................................. 90

CAPÍTULO 3 – O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO .......................................94

3.1. Aspectos iniciais................................................................................................ 94

3.2. Perspectiva histórica......................................................................................... 94

3.3. O direito real de habitação no Código Civil Brasileiro.................................. 101 3.3.1. O direito real de habitação na doutrina brasileira ........................................ 107

3.4. O direito real de habitação na legislação estrangeira................................... 118 3.4.1. Código Civil Francês ou Código Napoleão.................................................. 119 3.4.2. Código Civil Italiano .................................................................................... 123 3.4.3. Código Civil Português................................................................................ 127 3.4.4. Código Civil Alemão.................................................................................... 130

Page 11: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

xi

3.4.5. Código Civil Espanhol ................................................................................. 132 3.4.6. Código Civil Chileno.................................................................................... 134 3.4.7. Código Civil Peruano .................................................................................. 136 3.4.8. Código Civil Argentino................................................................................. 137

CAPÍTULO 4 - ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO..................................................................................................142

4.1. Notas introdutórias.......................................................................................... 142

4.2. Conceito e fundamento do direito sucessório............................................... 142

4.3. Breves aspectos históricos do direito sucessório brasileiro ....................... 154 4.3.1. Das origens à fase brasileira pré-codificada................................................ 155 4.3.2. A fase codificada do direito sucessório brasileiro ........................................ 164

4.4. Espécies, transmissão sucessória e o princípio de saisine ......................... 175

CAPÍTULO 5 – O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA ...............................................................................................190

5.1. Primeiras observações.................................................................................... 190

5.2. Revisão histórica ............................................................................................. 191

5.3. Previsão no direito estrangeiro ...................................................................... 204 5.3.1. Código Civil Francês ................................................................................... 204 5.3.2. Código Civil e legislação portuguesa .......................................................... 205 5.3.3. Código Civil Italiano .................................................................................... 208 5.3.4. Código Civil Argentino................................................................................. 209

5.4. Conceito, natureza jurídica, finalidade e limites do instituto........................ 210

5.5. O direito real de habitação sucessório na união estável .............................. 228

CONCLUSÃO.................................................................................................244

REFERÊNCIAS ..............................................................................................258

Page 12: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

12

INTRODUÇÃO

O Direito e a Sociedade sempre caminharam juntos.

Como frequentemente se observa, onde há sociedade, há o Direito, o que se

justifica pela necessidade contínua de regular os atos sociais, para que as

relações humanas se tornem mais uniformes e menos tumultuadas.

Com a entrada em vigor do Código Civil brasileiro de

2002, inúmeras alterações sobrevieram, algumas delas, inclusive, seguindo a

inspiração da Carta Constitucional de 1988. As principais mudanças dizem

respeito à igualdade entre filhos, bem como quanto à relação homem e mulher

e a constituição de outras formas familiares, a que se deu a denominação de

‘entidades familiares’.

A Constituição Federal de 1988 (principalmente no artigo

226), o atual Código Civil e as leis extravagantes visaram trazer novas

tendências ao direito de família e das sucessões, aumentando o poder do

Estado dentro do seio familiar. Nota-se, claramente, a intenção do legislador de

diferenciar, de uma vez por todas, o casamento da união estável, em vários

aspectos, principalmente, no direito sucessório.

No campo da sucessão hereditária, as novidades foram

diversas, principalmente quanto à sucessão do cônjuge e do companheiro que,

a partir de 11 de janeiro de 2003, passaram a ter disciplina própria, com vários

pontos divergentes.

Page 13: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

13

Além disso, o direito real de habitação decorrente da

sucessão hereditária, que é o objeto deste trabalho, antes conferido ao cônjuge

e ao companheiro, também foi objeto de grande alteração, remanescendo, na

legislação codificada atual, apenas tal direito ao cônjuge sobrevivente, no artigo

1.831 do Código Civil vigente. Discute-se, pois, acerca da manutenção de tal

direito ao companheiro sobrevivente, visto que, para a mencionada situação,

nada diz o atual Código Civil.

A extensão atual do direito real de habitação aplicado ao

direito das sucessões é tema complexo e tormentoso, o que provocou o

interesse pelo desenvolvimento do presente trabalho que, a partir da leitura de

respeitada doutrina nacional e estrangeira, bem como da análise de julgados

dos tribunais pátrios, busca encontrar respostas às várias indagações

suscitadas, como pode ser verificado:

i. Qual a extensão do direito real de habitação na

sucessão hereditária? Haverá extinção de tal direito com o fim da viuvez? O

direito deferido abrange os bens móveis e utensílios domésticos? Se o falecido

possuir duas residências, como será a fixação do imóvel objeto do direito real

de habitação?

ii. O direito real de habitação, por sua natureza, pode

ser excluído por testamento? Se o sucessor for excluído da herança, perde ele

o direito real de habitação?

iii. O direito real de habitação pode ser aplicado,

atualmente, para a união estável? As leis extravagantes de 1994 e 1996 que

tratam da união estável estão válidas e vigentes nesse particular?

Page 14: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

14

iv. Como é o regime do direito real de habitação nas

demais formas familiares?

v. Caso o habitador deixe o imóvel, seria possível o

retorno, posteriormente, na hipótese de necessidade? Se o habitador alugar o

imóvel para sobreviver com os frutos civis, pode perder o direito real

específico?

vi. Como é o direito real de habitação em outros

ordenamentos jurídicos?

Com o objetivo de buscar respostas aos problemas

levantados, utilizou-se, como método principal, a análise da doutrina brasileira

e estrangeira sobre o direito de família, direitos reais e direito das sucessões.

Para responder às questões acima levantadas, a estrutura

do trabalho apresenta-se dividida em cinco capítulos, finalizados pelas

conclusões e assim distribuídos:

a) o primeiro capítulo tratou da família brasileira, sua

evolução e demais entidades familiares, visando a situar a investigação no

âmbito da família e na família atual brasileira, visto que o objetivo principal do

direito de habitação aplicado à sucessão hereditária é manter e resguardar a

família e o lar conjugal;

b) o segundo capítulo examina os principais aspectos

dos direitos reais e dá uma visão geral do instituto, focando seus princípios,

elementos e modalidades;

c) na terceira parte do trabalho, aprofunda-se o estudo do

direito real de uso e de habitação, ambos originados no usufruto. A abordagem

Page 15: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

15

parte de uma perspectiva histórica, para, em seguida, discorrer sobre o referido

direito real em nosso ordenamento jurídico e no direito estrangeiro;

d) no quarto capítulo, para introduzir a correlação entre o

direito real de habitação e o direito das sucessões, trata-se desse último com

enfoque na sucessão de forma geral e seus critérios, indicando as formas de

sucessão, a qualidade dos herdeiros e as principais características da

sucessão testamentária. O que se busca nesse capítulo é fornecer os

elementos necessários para o estudo do direito real de habitação na sucessão

hereditária, sem a pretensão de esgotar o estudo do direito sucessório

brasileiro;

e) no quinto e último capítulo, analisa-se o direito real de

habitação na sucessão hereditária, seus limites e formas de exercício, no

sentido de responder às questões postas inicialmente, nos objetivos do

presente trabalho.

Concluído o trabalho, não se pode afirmar que todas as

dúvidas foram dissipadas nem que as várias lacunas foram preenchidas, tendo

em vista a complexidade e novidade do tema. Resta, porém, a consciência de

ter laborado no que aqui se buscou: desenvolver uma abordagem bastante

ampla, não apenas focada no sentido social do direito real de habitação

sucessório, mas também na literal disposição legal e na opinião doutrinária e

jurisprudencial sobre o assunto.

É intenção do autor que o trabalho em tela possa

contribuir de forma significativa para a Sociedade, que espera do Direito um

solucionador para os seus problemas. Além disso, que coopere com o próprio

Direito, somando-se aos artigos e escritos que já foram elaborados sobre o

Page 16: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

16

tema, procurando trazer novas soluções às indagações propostas. A partir da

análise do comportamento da doutrina e da jurisprudência pátria, será possível

participar para que se chegue a conclusões acerca das perguntas inicialmente

formuladas, discorrendo sobre o tema proposto e apresentando impressões e

observações sobre o comportamento jurídico do direito real de habitação

decorrente da sucessão hereditária.

Page 17: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

17

Capítulo 1

DA FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA

1.1. Conceito e evolução da família

Neste primeiro capítulo, define-se a família e a família

brasileira em seus aspectos sociais, políticos e jurídicos. Tal conceituação

torna-se imprescindível para o encaminhamento da presente tese, visto que

conhecer o histórico e a situação atual da família brasileira é condição sem a

qual o estudo do direito real da habitação aplicado aos direitos sucessórios não

tem sentido. Isso se confirma, uma vez que a previsão legal de tal direito real

objetiva, de forma geral, a manutenção do lar familiar, mesmo com o

falecimento de um dos consortes.

Ademais, a conceituação de família e das entidades

familiares hoje reconhecidas por nosso ordenamento jurídico e pela doutrina e

jurisprudência nacional também se faz de imperiosa importância para que se

possa concluir acerca da extensão do direito real de habitação no direito

sucessório.

Pelo corte doutrinário, serão levadas a consideração, no

presente trabalho, as entidades familiares reconhecidas em nossa legislação,

bem como aquelas a que já se oferece (ou se discute oferecer) o mesmo

caráter ou que têm relevância social, tais como a família monoparental e a

união livre. Não é objetivo do presente trabalho discutir acerca das

Page 18: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

18

modalidades de entidades familiares vigentes e sua validade no nosso

ordenamento jurídico. Dessa forma, a conceituação aqui formulada servirá

como fundamento para as conclusões a que se pretende chegar, mas se

abstém de aprofundar o questionamento sobre as modalidades de família e

entidades familiares a que se reconhecem tais direitos ou deveres.

Reconhecidas as formas familiares pela lei, pela doutrina ou pela

jurisprudência, objetiva-se, apenas, delinear se, em havendo tal

reconhecimento, prevaleceria ou não a oferta do benefício do direito real de

habitação aplicado ao direito sucessório.

Pelo conceito social e político geral, o termo “família” tem

várias acepções, tais como:

• forma importante de agrupamento dos indivíduos para

a perpetuação da espécie;

• célula mater da sociedade;

• seio familiar dentro do qual o ser humano se

desenvolve;

• comunidade constituída por um homem e uma mulher,

unidos por laço matrimonial ou em união de fato e,

eventualmente, pelos filhos nascidos dessa união;

• comunidade constituída por um dos genitores e seus

filhos (monoparentais);

• comunidade constituída por pessoas do mesmo sexo,

vivendo em regime semelhante ao marital;

Page 19: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

19

• comunidade constituída por uma só pessoa ou pela

reunião de pessoas ligadas por traços sanguíneos ou

de amizade.

Em verdade, o significado de “família”, termo complexo e

de muitos significados, ultrapassa o conceito criado pelo senso comum,

podendo ser conceituado e definido por seus vários enfoques.

Para este estudo e para as conclusões a que se pretende

chegar, examinar-se-á a conceituação e a evolução da família e das entidades

familiares, principalmente sob o aspecto social, político e jurídico, e com foco

na contextualização de tal instituto dentro do direito real de habitação.

Nas palavras de Rolf Madaleno sobre a formação da

família, pode-se concluir que o homem sempre buscou acomodar-se em

grupos e, principalmente, ao lado de quem mantenha com ele relação de afeto

e amizade. Na lição do referido autor:

O Homem nunca quis estar só, é gregário por natureza e busca por regra a companhia de outra pessoa, para uma convivência quase sempre em regime de coabitação. Tem certo pendor pela vida familiar para sua plena satisfação como pessoa que galga etapas no vínculo afetivo para a formação de uma família, na sua adequação social.1

Do ponto de vista filológico e remontando às origens

latinas, a lição de Ernout e Meillet2, diz que o termo “família” provém de

famulus, “servidor”, designando, curiosamente, o conjunto de empregados que

1 Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.

13. 2 Dictionnaire Étymologique de la Langue Latine, 1967, p. 215.

Page 20: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

20

trabalhavam e viviam sob um mesmo teto; depois, por um processo

metonímico, “família” passou a significar a casa inteira e seus moradores,

incluindo a mulher, os filhos e servidores que viviam sob o domínio do chefe, o

pater familiae.

Como se nota, a noção de família, desde a antiguidade

latina, já está envolvida com o conceito da autoridade do pater, “pai”. Em nosso

Direito, apesar de outras previsões legais esparsas, tal conceito só foi

amplamente discutido e alterado a partir da edição e vigência da Constituição

Federal de 1988.

Não se pretende aqui discutir o conceito geral de família,

mas fixar a sua noção exata, e o conceito de pater será importante para o

entendimento da evolução da família paternalista até os dias atuais, inclusive

em nosso país. Para o tema deste trabalho, torna-se relevante averiguar a

formação e desenvolvimento da família brasileira, posto que o direito real de

habitação não se apresenta originado, necessariamente, na família patriarcal,

mas, sim, voltado para a manutenção da família, em geral na própria residência

familiar, após a morte de um de seus genitores, mesmo que o sobrevivente não

participe da sucessão do falecido na qualidade de herdeiro.

O conceito do pater foi verificado com sutileza por Émile

Benveniste, em seu Le Vocabulaire des Institutions Indo-européennes3.

Segundo Benveniste, o primado do conceito de pater não é apenas romano,

mas pertence à antiguidade indo-europeia e reflete-se nas línguas indo-

europeias. Assim, o termo que designa “pai” é o mesmo e manteve-se estável

em todas essas línguas: grego pater, latim pater, sânscrito pitar, gótico fadar

3 vol. 1, p. 203-267.

Page 21: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

21

etc. Essa estabilidade do vocabulário é índice da própria estabilidade do pater.

Benveniste observa em sua obra4, com muita propriedade, que, do vocábulo

pater, formaram-se termos importantes dele decorrentes, como: pátria,

patrimônio (conjunto de bens pertencentes ao chefe ou pai) e, sobretudo, a

forma adjetiva pátrio.

O pater é aquele que tem o direito de propriedade não só

no antigo Direito romano, mas também no antigo Direito indo-europeu. A figura

do pater diferencia-se do que chamamos de genitor, visto que este último

designa o pai que gerou fisicamente o filho. O pater, por sua vez, é a figura

social que conjuga as funções de chefe da casa (em grego, o oikou despotes,

“dono da casa”), representante do judiciário, chefe político e religioso. É o

denominado pater familiae. A conotação religiosa, e mesmo mitológica, é

comprovada pelo emprego do termo pater como qualificação permanente do

deus supremo dos indo-europeus: Zeus Pater (grego) e Júpiter (do latim dyeu

pater).

Também compondo a família, porém em contraposição ao

poder do pater familiae, vale mencionar o apagado papel jurídico da mater,

“mãe”. Assim, no latim, a forma adjetiva patrios (no português, pátrios) não tem

o equivalente feminino matrios, mas apenas o adjetivo maternos (no português,

maternos) cuja significação não corresponde às conotações de patrios.

Como anteriormente mencionado, neste primeiro capítulo

buscar-se-á definir, histórica e conceitualmente, o que é família – e as

entidades familiares -, dentro da visão e evolução social e política do instituto.

Além de tais conceitos, também será objeto de estudo a verificação da família e

4 Le Vocabulaire des Institutions Indo-européennes, vol. 1, p. 203-267.

Page 22: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

22

das entidades familiares no ordenamento jurídico brasileiro atual, com as novas

proteções constitucionais válidas desde a promulgação da Carta Magna de

1988 e do Código Civil de 2002.

Considerando os objetivos deste trabalho, começa-se por

definir a família do ponto de vista biológico. Sob esse prisma, família – ou, em

alguns casos, a entidade familiar - é a união de pessoas ligadas por um tronco

comum, como bem asseverou Caio Mário da Silva Pereira: “Em sentido

genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que

descendem de um tronco ancestral comum.” 5

Cabe ressaltar, no entanto, que, historicamente, dentro

desse tronco ancestral comum, as funções do homem e da mulher sofreram

grandes alterações.

A família transformou-se ao longo dos anos, de modo que

a figura do pater familiae passou a ter cada vez mais obrigações militares,

tendo de, frequentemente, deixar a cidade, abrindo espaço para surgir o poder

das mulheres e dos filhos dentro do matrimônio. Emergia, então, a concepção

cristã de família, naquele mesmo império romano que, anos antes, não

concedia qualquer direito à mulher. Essa nova concepção, por sua vez, estava

arraigada ao espírito da caridade e da ordem moral. Enfraqueceu-se a figura do

pater familiae, embora nunca se tenha retirado da família romana a

característica da unidade de poder nas mãos do pai.

Diante desse enfraquecimento do pater familiae, a família

começou a ganhar, cada vez mais, o caráter religioso e sacramental. Com isso,

as relações internas familiares foram se democratizando, cada qual assumiu o

5 Instituições de Direito Civil, vol. V, p. 13

Page 23: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

23

seu papel familiar e a consanguinidade adquiriu importância fundamental na

vinculação biológica. Podiam os filhos e a mãe negociar, praticar atos jurídicos

e adquirir bens. Na mesma linha, passou-se a aceitar que os filhos e a genitora

auxiliassem na administração e cuidados da casa, tomando decisões conjuntas

com o pai. Entretanto, a grande mudança ocorrida no conceito de família veio

com a possibilidade de a mulher ter seu próprio patrimônio, distinto dos bens

da família e do homem.

Na atualidade, conceitua-se família de modo diverso do

exposto acima, e é importante salientar que a crise do instituto é tema

largamente discutido na sociedade contemporânea. O matrimônio deu lugar a

outras formas familiares, ainda não plenamente aceitas em nosso meio social.

No entanto, apesar de criticada, a família ainda é o mais antigo e sólido

instituto social, na medida em que o indivíduo que a ela pertence pode sentir-se

protegido e satisfeito, fazendo parte de seu meio social, seja por vínculos

sanguíneos, seja por vínculos afetivos.

Na atual concepção de família, a mulher assume, com o

homem, o papel da administração e sustentação, os filhos iniciam cedo a vida

profissional e, em geral, são gerados em menor número, devido a um problema

literalmente econômico: quanto menos filhos, menor o gasto. O Estado passou

a interferir muito mais na vida familiar. O comando do pater familiae – chefe de

família, sacerdote, juiz e chefe político - foi, paulatinamente, transferido para o

Estado. As alterações foram tão intensas que, atualmente, se concede à união

estável entre homem e mulher, à família monoparental, às famílias plurais, o

título de entidade familiar, aspecto impensável nos primórdios desse instituto.

Page 24: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

24

Vale lembrar que as transformações na estrutura familiar

já se ensaiavam no Brasil desde a época colonial, sobretudo a partir do século

XVII , quando a economia dos países periféricos se tornou dependente do

capitalismo mercantil, como bem observa Luiz Carlos Bresser Pereira6. Na

verdade, a sociedade colonial brasileira passava por um dualismo intrínseco

que, segundo Bresser Pereira, foi muito bem ilustrado por Inácio Rangel:

O senhor de escravos brasileiro era ao mesmo tempo um dominus, no sentido romano, e um comerciante, no sentido holandês do século XVII, ou industrial, no sentido inglês, dos séculos XVIII e XIX. 7

A partir desse dualismo, o autor Bresser Pereira observa

que, ainda conforme Inácio Rangel, é necessário compreender o latifúndio

como internamente feudal e externamente capitalista.8

Já nos primórdios do século XX, ocorrem profundas

mudanças no cenário político, econômico, social e cultural, fruto da ação do

estado tecnoburocrático-capitalista planejador, definido por Bresser Pereira

como aquele estado que:

...caracteriza sua ação econômica não apenas pelo desenvolvimento e por estar a serviço da acumulação capitalista e do consumo de luxo capitalista e tecnoburocrático, mas também por ser um estado planejador. O planejamento econômico está inserido em todas as esferas da vida econômica estatal.9

A ideologia desse estado intervém de modo substancial

no processo de industrialização, no trabalho, na habitação, na saúde, na

6 Estado e subdesenvolvimento industrializado, p. 61. 7 Dualidade básica da economia brasileira, 1957, p. 30 APUD: Luiz Carlos

Bresser Pereira, Estado e subdesenvolvimento industrializado, p. 64. 8 Estado e subdesenvolvimento industrializado, p. 64. 9 Ibid., p. 113.

Page 25: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

25

urbanização e, consequentemente, no próprio planejamento familiar. As

oportunidades de trabalho abrem-se para todos, homens e mulheres, o que

permite a inserção de toda a família no mercado de trabalho. A classe

trabalhadora, conscientizada de seus direitos, inicia um processo de

organização.

A partir desse contexto histórico, é possível entender as

preocupações quanto à família e às entidades familiares, tuteladas pela Lei do

Divórcio (1977), pelo novo texto constitucional de 1988 e pelo atual Código

Civil.

Nos dias atuais, como já foi exposto, é corrente a voz de

que a família passa por uma crise sem precedentes, atrelada às alterações de

seus fundamentos. Em verdade, a família mudou e mudou muito. A sociedade

e os cidadãos não têm conseguido acompanhar tais mutações, apesar do

constante discurso sobre a modernidade das relações familiares. Sobre a crise

familiar, afirmou magistralmente Caetano Lagrasta Neto:

Impõe-se ajudar na busca de uma nova relação familiar, baseada na felicidade e no sentimento, sem deixar para trás, como experiência frustrante e amarga, uma construção que, apesar de inacabada, não deve, necessariamente, ser objeto de mera demolição. Se assim for, prevalecerão sempre o remorso e o ódio, incapazes de construir qualquer nova edificação cuja base não seja a de uma falsa felicidade, assentada sobre o esquecimento e o abandono daqueles que, outrora, foram tão preciosos e queridos e que, por imperativo de consciência e civilidade, assim deveriam permanecer.10

Dessa forma, ao longo do século XX e até os dias atuais,

a família sofreu inúmeras mudanças, inclusive de função, natureza e

10 Direito de Família, p. 33.

Page 26: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

26

concepção. O Estado passou a interessar-se pela interferência nas relações de

família, produzindo, no Brasil, uma carta constitucional totalmente voltada para

a proteção dos interesses da família.

Nesse momento, deixou-se de lado a família baseada no

poder e gerência do pai e passou-se à concepção de uma família fundada no

afeto, nas relações emocionais e sentimentais, com proteção do Estado11, seja

na Magna Carta, seja na codificação civil. A família brasileira atual não é mais

aquela baseada no pater familiae e na proteção exclusivamente patrimonial,

mas, sim, a família que suporta a necessidade emocional e psicológica de seu

integrante. É o que diz, com clareza, Teresa Wambier12, quando afirma que a

‘cara’ da família brasileira moderna mudou, tendo como papel principal os laços

de afetividade. A concepção atual de família, baseada também na intervenção

estatal, diverge, radicalmente, daquela existente no século XIX, no estado

liberal, em que o princípio era o da não intervenção nas relações privadas.

Paulo Luiz Netto Lôbo bem define a situação atual da família:

Assim, enquanto houver ‘affectio’ haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida. (...). A proteção do Estado à família é, hoje, princípio universalmente aceito e adotado nas constituições da maioria dos países, independentemente do sistema político ou ideológico.13

11 O Estado a que se refere o texto é o estado social, do século XX. No Brasil, tal

visão originou-se desde a Constituição Federal de 1934, perdurando até a chamada ‘Constituição cidadã’, de 1988.

12 Direitos de Família e do Menor, p. 83. 13 Direito Civil – Famílias, p. 1.

Page 27: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

27

Como lembra acertadamente Paulo Lôbo14, já em 1948, a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 16.3 dizia: “Art.

16.3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à

proteção da sociedade e do estado.”

Nesse sentido, nosso ordenamento jurídico atual confere

ao Estado poderes para a proteção da família e de seus membros, visando,

com tal pretensão, mantê-la e preservá-la.

Acerca da constituição de família, diz Celso Ribeiro

Bastos: “Família é o conjunto de pessoas unidas por laço de parentesco. É

considerada a célula fundamental da sociedade.”15

A família, portanto, seja qual for a sua origem, passou a

significar o núcleo fundamental social, com reflexos pessoais, patrimoniais e

assistenciais.

Nas palavras de Maria Berenice Dias:

O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção.16

Apesar de a família e as entidades familiares atuais serem

baseadas no indivíduo, seus reflexos patrimoniais sempre foram objeto de

14 Direito Civil – Famílias, pp. 1 e 2. 15 Curso de Direito Constitucional, p. 496 16 Manual de Direito das Famílias, p. 43.

Page 28: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

28

cuidado e codificação. O Código Civil brasileiro de 1916 continha mais de uma

centena de artigos com esse objetivo. A atual legislação civil codificada

também mantém, em muitas passagens, a forte visão patrimonial do direito de

família. Em várias situações, no Código Civil atual, o patrimônio sobreleva por

sobre a família propriamente dita, e interfere, diretamente, nas relações

privadas, com a finalidade de ver salvaguardados os bens amealhados, como,

por exemplo:

• Quando o Código Civil prevê a proibição do nubente

escolher o seu regime de bens, caso tenha acima de

60 anos (artigo 1641, II);

• Quando o Código Civil impõe ao nubente o regime da

separação obrigatória de bens, caso esteja em alguma

das situações previstas no artigo 1523 (artigo 1641, I).

As duas situações acima elencadas denotam que a

legislação civil vigente se preocupa, claramente, com a confusão patrimonial e

o prejuízo que isso possa trazer às relações familiares, fazendo clara

interferência na esfera pessoal e nas escolhas do indivíduo. No primeiro caso,

a previsão do regime da separação obrigatória de bens aos maiores de

sessenta anos é imposição que não se coaduna com a atual realidade

brasileira e mundial, onde o cidadão com 60, 65 ou 70 anos possui condições

suficientes de discernir o melhor, tanto no âmbito pessoal como no âmbito

patrimonial, para a sua vida.

Em que pesem os reflexos patrimoniais existentes no seio

familiar, é consenso que a família atual, inclusive posterior à Constituição

Federal de 1988, não é mais a tradicional família numerosa, chefiada por um

Page 29: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

29

pater. A família atual é afetiva, voltada para as pessoas que a integram,

preocupada em dar suporte aos sentimentos e emoções do indivíduo, sempre

com respeito e tendo, como pano de fundo, o consagrado princípio da

dignidade da pessoa humana (Constituição Federal de 1988, art. 1º., III).17Tal

princípio reside, a partir dessa concepção, no próprio indivíduo, e não mais em

seu patrimônio ou no conjunto de bens que possa existir.

Sobre histórico da família desde o século XIX e as novas

e atuais relações familiares, não mais fundamentadas nas relações formais e

de poder, mas baseadas agora nas relações afetivas, Rodrigo da Cunha

Pereira discorre com clareza e precisão, em seu livro Princípios fundamentais

norteadores para o direito de família:

A família, no século XIX, era marcadamente patriarcal, e estruturava-se em torno do patrimônio familiar, visto que sua finalidade era, principalmente, econômica. O vínculo familiar tinha fundamentos formais. A família era, praticamente, um núcleo econômico e, tinha também grande representatividade religiosa e política. O pater familiae era o grande homem, o grande chefe, que acumulava em suas mãos uma imensa gama de poderes.

A mulher, por seu turno, limitava-se à execução das tarefas domésticas e à criação dos filhos, de modo a garantir o normal andamento das diretrizes familiares. Com o passar do tempo, a estrutura familiar foi sofrendo paulatinas modificações. Com o feminismo e a inserção da mulher no mercado de trabalho, esta estrutura hierárquica e tradicional sofreu transformações importantes.

A família deixou de ter muitos membros para ser nuclear. A mulher rompeu as barreiras do lar e assumiu uma carreira profissional. Sua

17 O princípio da dignidade da pessoa humana é tido por doutrinadores como

Paulo Luiz Netto Lôbo e Guilherme Calmon Nogueira da Gama, como princípio primeiro e fundamental das relações de família, tendo duas funções distintas. A primeira delas seria a proteção à pessoa contra qualquer ato degradante, praticado pelo particular ou pelo Estado. A segunda função seria a de promover a efetiva participação da pessoa nos destinos de sua comunidade, na criação de meios mínimos de sobrevivência e da própria existência.

Page 30: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

30

contribuição financeira tornou-se essencial para a subsistência familiar. Diante da sua saída dos limites domésticos, fez-se necessária a efetivação da presença masculina, compartilhando as tarefas familiares, o que provocou, por conseguinte, um repensar do exercício da paternidade.

Diante dessa nova estrutura, a família passou a se vincular e a se manter preponderantemente por elos afetivos, em detrimento de motivações econômicas, que adquiriram uma importância secundária.18

1.2. Conceito jurídico

O Código Civil de 1916 previa a disciplina da família em

sua parte especial, livro I, artigos 180 a 484. No atual Código Civil, a família

está prevista em sua parte especial, livro IV, artigos 1.511 a 1.783. No direito

processual civil, a previsão acerca do direito de família encontra-se em

diversas passagens que disciplinam a sucessão e a dissolução do vínculo

matrimonial, demandas que envolvem guarda, visita e respectivas medidas

cautelares, para situação urgentes. É, também, prevista em diversas leis

esparsas, inclusive as que trouxeram a União Estável ao plano legal, mas,

primordialmente, na Constituição Federal de 1988. Nosso ordenamento

jurídico, destarte, prevê direitos e deveres do instituto da família e do direito de

família.

A principal característica da família, prevista, atualmente,

em nosso sistema jurídico, é a sua função social como base da sociedade –

entidade familiar -, aspecto trazido com o novo texto constitucional de 1988,

bem como com o atual Código Civil.

18 Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte:

Del Rey, 2006, p. 179-180.

Page 31: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

31

1.2.1. A família no Código Civil Brasileiro de 1916

Como dito acima, o Códex Civil de 1916 previa a

disciplina do direito de família no livro I da parte especial. A referida lei, ora

revogada, situava a família, já com a idéia de entidade familiar, prevendo o

regime da comunhão total de bens como o regime legal.

Com a edição da Lei do Divórcio – Lei 6.515/77 -, além da

alteração do regime legal de bens para a comunhão parcial, o sistema de

dissolução do casamento passou a prever dois momentos distintos: a

separação judicial e o divórcio judicial19. Tal sistemática substituiu o antigo

desquite, regulando, então, a nova forma de resolução da sociedade e vínculo

conjugal. Era a inserção, em nosso ordenamento, da possibilidade de

rompimento do vínculo total de casamento, outrora vedado pela lei civil.

Toda a sistemática acima apontada foi confirmada pela lei

civil vigente, que giza, em seu artigo 1.640: “não havendo convenção, ou sendo

ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de

comunhão parcial”.

O Código Civil de 1916, como se verifica, não era e não

representou o instrumento mais moderno para o cuidado com o direito de

família, apesar de brilhante trabalho em seu todo. As disposições vinham do

projeto de lei apresentado por Clóvis Beviláqua, ainda influenciado pela

legislação imperial, datado do final dos anos 1800, bastante próprio para a

época que representava.

19 O sistema de dissolução do casamento já prevê a possibilidade de separação e divórcio extrajudicial, desde que as partes interessadas sejam maiores, não possuam filhos menores e estejam concordes em relação à partilha dos bens do casal, conforme o regime adotado.

Page 32: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

32

No final dos anos de 1900 e começo do século XXI, várias

alterações legislativas foram proporcionando, à lei civil codificada, sua

modernização e seu atendimento aos anseios sociais. Certamente, as

alterações legislativas ocorridas, inclusive para prever novas formas de família,

não acompanham as mudanças sociais diárias. O movimento legislativo, aliás,

não pode seguir as alterações sociais na mesma velocidade em que elas

acontecem, sob pena de ser injusto, inócuo ou apressado.

As principais mudanças legislativas ocorridas neste

século dizem respeito, principalmente, à igualdade entre homem e mulher –

formando a entidade familiar, seja qual for a origem -. Há, também,

modernização das disposições sobre o casamento, seus efeitos jurídicos e

formas de dissolução, incluindo as disposições acerca dos regimes de bens. A

legislação cuidou, ainda, de atualizar as regras das relações de parentesco e

guarda. É certo que a concepção de que o Código Civil Pátrio de 1916 estava

desatualizado é corroborada por Washington de Barros Monteiro:

O Código Civil não retrata mais o panorama atual da família, por ele disciplinada à luz de princípios que não mais vigoram; as alterações introduzidas por leis especiais, revogando explicitamente o texto anterior, ou com ele incompatíveis, fazem com que o jurista se depare com um emaranhado de leis nem sempre precisas, desprovidas de um princípio inspirador único, de modo a tornar praticamente impossível um tratamento sistemático da matéria.20

A edição de leis extravagantes – algumas agora

codificadas – modernizou, na forma possível, as relações de família e o próprio

direito de família, principalmente naquilo que hoje se chama de ‘entidade

20 Curso de Direito Civil, vol. 2, p. 10.

Page 33: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

33

familiar’. Passou-se a indicar a família como a organização condicionada a

exercer um papel baseado na dignidade da pessoa e de seus componentes. É

certo, também, que ainda há muito a estudar e a perseguir, principalmente, nas

novas modalidades familiares. Entretanto, a codificação somente deve ocorrer

após a experiência social e sempre tendo como base a nova visão familiar,

solidária e cooperativa. As formas familiares previstas no Código Civil de 1916

eram bastante restritas e vinculadas ao casamento, situação atualmente

modificada e modernizada. Nesse sentido, corrobora Guilherme Calmon

Nogueira da Gama, quando afirma:

O Direito Civil não pode mais ser analisado sob a ótica individualista, patrimonialista, tradicional e conservadora-elitista do período das codificações oitocentistas – do qual o Código Civil brasileiro de 1916 é exemplo mais próximo -, não sendo correto manter o dogma da completude e da exaustão dos Códigos diante das transformações operadas em inúmeros setores, como o político, social, econômico, cultural e familiar.21

1.2.2. A família na Constituição Federal de 1988

Em que pese a legislação ordinária brasileira ser bastante

extensa, as maiores alterações no conceito de família e de entidade familiar

ocorreram com a edição da atual Constituição Federal. O artigo 226, caput, diz

o seguinte: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”

Como bem afirmado por Francisco José Cahali, acerca da

família perante a Constituição Federal:

A Constituição Federal, no plano subjetivo-teórico, retrata a posição ideológica de uma nação, fixando as diretrizes a serem seguidas pelo Legislador e Executivo, sob supervisão e controle do Judiciário, nas

21 Direito Civil: Família, p. xv.

Page 34: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

34

respectivas funções institucionais, indicando à população o caminho para a convivência da sociedade.

(...) Embora no Brasil exista predominância

da influência política na sua elaboração, também os aspectos sociais, religiosos, intelectuais informam o constituinte na fixação de preceitos básicos, como ocorre nos demais Países.

Especificamente com relação ao Direito de Família, desde sua origem, nosso sistema recebeu significativa influência do direito romano, mantendo fidelidade ao conceito de família como “célula mater da sociedade.”22

Dessa forma, ao estudar o texto constitucional atual, há

que ter em vista que ele é o retrato da posição ideológica de nosso país, que,

em sua origem, foi demasiadamente influenciado pelas diretrizes do direito

romano.

Pela leitura do artigo 226 da Constituição Federal, nota-se

que a proteção legal à família, conceituada aqui de forma bastante genérica, foi

mantida e ampliada no seio constitucional e, com isso, a intervenção estatal

escancarou-se para demonstrar, de uma vez por todas, que a função do antigo

pater familiae romano deveria, agora, ser exercida pelo Estado.

Desde a Constituição Federal de 1934 (artigo 144),

passando pela Magna Carta de 1937 (artigos 124 a 127), também pela

Constituição Federal de 1946 (artigos 163 a 165) e de 1967 (artigo 167) e pela

Emenda Constitucional 1/1969 (mantendo o artigo 167 da Carta Constitucional

de 1967), verifica-se expressa disposição legal constitucional para a família,

inclusive no que tange à indissolubilidade do matrimônio.

22 A união estável e os alimentos entre os companheiros. Dissertação (Mestrado

em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 1995, p. 3-4.

Page 35: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

35

Na Emenda Constitucional 9, de 1977, sobreveio grande

alteração constitucional, passando-se a permitir a dissolução do casamento por

intermédio do denominado divórcio. O novo instituto foi regulamentado pela Lei

6.515/77, também chamada de Lei do Divórcio.

Na Constituição Federal de 1988, toda a previsão legal de

proteção à família encontra guarida no capítulo VII do título VIII – da ordem

social.

As inovações trazidas pela Constituição Federal de 1998

são marcantes e trazem à legislação constitucional relevantes aspectos, sendo

importante destacar:

• reconhecimento da união estável entre o homem e a

mulher como entidade familiar;

• dever de auxílio aos pais, a ser realizado pelos filhos

maiores, em vista de enfermidade ou carência;

• igualdade entre homens e mulheres nos direitos

originados no matrimônio;

• igualdade de tratamento entre os filhos, advindos ou

não da relação de matrimônio, sendo proibida

qualquer forma de discriminação.

Além de proteção cuidadosa à família, a Constituição

Federal de 1988 buscou também proteger a criança e o adolescente, no que

foi, posteriormente, corroborada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

Page 36: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

36

8.069 de 1990). No entanto, a previsão constitucional do artigo 22723 é

soberana e deve ser cumprida acima de toda e qualquer disposição. A criança

e o adolescente, portanto, obtiveram grande proteção constitucional, a ponto

de, mesmo estando dentro da família, poderem ser retirados do atual pátrio

poder24, passando aos cuidados do Estado, caso existam indícios de maus

tratos, violência ou outras formas de opressão. Na disputa de forças entre

todos os dispositivos legais que asseguram o poder do pai e da família diante

do novo texto constitucional, esse último deve sempre prevalecer.

Como tivemos a oportunidade de escrever, na obra DNA,

Paternidade e Filiação:

A referida disputa de forças entre as leis ordinárias e o novo texto constitucional já foram objeto de discussão jurisprudencial, tendo prevalecido, no Supremo Tribunal Federal, a indicação da revogação dos dispositivos infraconstitucionais que estejam incompatíveis com as disposições contidas nos artigos 226 a 230 da Constituição Federal de 1988. A família e o direito de família devem, pois, sempre ser ensinados e estudados sob o prisma constitucional, antes de qualquer outro dispositivo legal.

A adequação e aplicação da nova Lei Civil, em meio às regras constitucionais, tem como a mais difícil das tarefas, tornar real a denominada quebra da patriarcalidade e o nascimento da entidade familiar propriamente dita, tendo marido e mulher direitos e deveres, sempre iluminados pelo princípio constitucional da igualdade.25

23 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e

ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

24 O novo Código Civil Brasileiro extinguiu, de vez, o chamado pátrio poder, trazendo o conceito de poder familiar, indicando a atribuição de responsabilidade para pai e mãe quanto aos filhos, de forma equilibrada e igualitária.

25 p. 17.

Page 37: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

37

Importa ressaltar que toda a discussão travada acerca da

concepção de família é fundamental para este trabalho sobre o direito real de

habitação na sucessão, visto que tal tema e o direito de habitação somente

podem ser entendidos a partir da fixação e visualização do conceito de família

e entidade familiar, inclusive para estender ou não tal direito real às demais

formas de família, que não a matrimonial.

É certo que o corte doutrinário obriga a incluir nesse rol,

ainda que em breves palavras, as famílias monoparentais, a união civil entre

pessoas do mesmo sexo e a convivência entre parentes e amigos. Tais

discussões serão travadas no presente capítulo. A Magna Carta de 1988

apenas trouxe, como previsão legal, a família originada no casamento, na

união estável e na relação estabelecida entre qualquer dos genitores e seus

descendentes (monoparental). Tais modalidades de família, como ora

mencionado, têm sua previsão expressa no artigo 226 da Carta Política de

1988, em especial no parágrafo 1º. (casamento); 3º. (união estável) e 4º.

(monoparental).

Acerca do tema explicitado e da diferenciação entre os

termos “família” e “entidade familiar”, tendo esta última sido elevada pela

Constituição Federal a uma nova categoria social, bem discorre Francisco José

Cahali, em sua dissertação sobre o tema:

Percebe-se, pela análise objetiva do texto Constitucional, ter sido mantida a histórica qualificação da família como base da sociedade; e, ao mesmo tempo, divorciando-se do tradicional amparo à família exclusivamente decorrente do casamento legítimo, estende-se a proteção do Estado também à entidade familiar constituída pela união estável entre o homem e a mulher, ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Page 38: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

38

(...) Tivemos a oportunidade de concluir que,

‘analisadas as várias posições que o texto possibilita, adotamos o entendimento que considera ter a Constituição criado uma categoria social mais ampla, sob a denominação de Entidade Familiar, diferenciada da até então família decorrente do casamento.

E nesta Entidade Familiar, também chamada indistintamente de Família, colocou-se a união estável entre o homem e a mulher, ou de um dos genitores com a prole, inserindo conceito mais amplo, portanto, que aquela categoria antes decorrente do casamento e filiação legítima.’26

Exemplificadamente, tem-se que, de forma mais

abrangente do que as disposições previstas na Constituição Federal do Brasil,

a Constituição de Portugal é bastante clara ao apontar a atuação do Poder

Público no trato com a família, informando, expressamente, que o Estado

deverá interferir no seio familiar para auxiliar no necessário, em especial na

educação dos filhos27.

Os artigos 36º. e 67º. da Constituição da República

Portuguesa preveem o direito ao matrimônio, sua dissolução, as relações de

filiação e paternidade e a proteção estatal à família. Entretanto, não há

qualquer disposição quanto a outros tipos de família ou mesmo quanto ao que

seria o conceito de entidade familiar. Nesse ponto, a Constituição Portuguesa é

omissa em relação às previsões da Magna Carta do Brasil.

No artigo 36º., 3, há a previsão de iguais direitos entre os

cônjuges, quando diz a Constituição Portuguesa: “os cônjuges têm iguais

direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e

educação dos filhos”.

26 Ibid., p. 5-6. 27 Art. 67º., 2, c da Magna Carta Portuguesa.

Page 39: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

39

No texto da Constituição Portuguesa, nota-se grande

preocupação com a família e com a filiação, permitindo-se ao Estado,

claramente, a interferência ampla no seio familiar. A união estável ou outras

formas familiares, entretanto, não foram contempladas com qualquer previsão

nesse documento.

1.2.3. A família no atual Código Civil Brasileiro

O atual Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002, que

tramitou por mais de 25 anos no Congresso Nacional, buscou trazer inovações

ao direito de família, adaptando-se, inclusive, às principais alterações já

trazidas pela Carta Magna de 1988. Como afirmado por Guilherme Calmon

Nogueira da Gama, Direito Civil: Família, p. xv - xvi:

O advento do segundo Código Civil brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – não pode ser analisado sob o prisma do resgate da unidade do sistema pelo Novo Código. Os princípios e regras constantes da Constituição Federal de 1988 são normas jurídicas como quaisquer outras, com a nuance de se localizarem no topo da pirâmide normativa do ordenamento jurídico positivo, tendo a Constituição unificado o sistema com a devida hierarquização das normas, a prevalência e superioridade dos princípios e valores constitucionais, com funções de interpretação, de integração e de construção das demais normas jurídicas do ordenamento.

No aspecto formal, o atual Código Civil apresenta os

direitos relativos à família em seu livro IV da parte especial. A alteração

espacial do direito de família do Código Civil anterior para o atual é bastante

louvável, visto que, inclusive didaticamente, possibilita o estudo sistemático e

Page 40: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

40

encadeado do Direito Civil, iniciando pela parte geral e seguindo pela parte

especial – com as obrigações, contratos, direitos reais, família e sucessões -.

Torna-se fundamental destacar que, dentre todas as

alterações contidas no Código Civil de 2002, sempre se vislumbra a aplicação

do princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges, firmemente

assinalada na Constituição Federal de 1988. Com essa visão, o artigo 1.511 do

Código Civil vigente apresenta, em legislação ordinária, a igualdade entre

homem e mulher, já descrita na Constituição Federal de 1988.

O estudo do Código Civil atual, portanto, é de extrema

importância e relevância para o presente trabalho, uma vez que tal lei buscou

adaptar à legislação ordinária (muitas vezes ultrapassada) as alterações

trazidas pela Lei 6.515 de 1977 – Lei do Divórcio –, pelas leis referentes à

União Estável (leis 8.971/94 e 9.278/96) e pela Constituição Federal de 1988.

Apesar de tais inovações, a Lei Civil brasileira codificada, atualmente em vigor,

deixou de fazer qualquer detalhamento expresso das outras formas de família,

como a monoparental (que possui apenas a previsão de sua existência no art.

226, parágrafo 4º. da Constituição Federal/88) ou a união livre entre pessoas

do mesmo sexo.

Também no sentido exemplificativo e pela influência da

legislação portuguesa sobre a de nosso país, nota-se que o Código Civil

português de 1974, com posteriores alterações, possui ampla previsão dos

direitos relativos à família, inclusive a união de fato entre pessoas do mesmo

sexo28.

28 A lei portuguesa 7, de 11 de maio de 2001, faz previsão expressa aos direitos

e deveres das uniões de fato, independentemente do sexo dos parceiros, desde que a

Page 41: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

41

As disposições do Código Civil português são bastante

influentes na vida do cidadão, dado que dizem respeito a todas as situações

que envolvam a família, desde o casamento até a filiação, prevendo, mesmo, a

adoção.

A edição das leis 6 e 7, de 11 de maio de 2001, trouxe

para Portugal, em seu diploma legal extravagante, previsão de novas formas

de família, ampliando o rol já indicado no Código Civil. Dessa forma, a

legislação portuguesa, desde 2001, regula, expressamente, as uniões de fato,

seja entre pessoas de sexo oposto, seja de pessoas do mesmo sexo.

Quanto aos direitos dos cônjuges na constância do

casamento, a previsão segue a mesma linha da legislação brasileira,

oferecendo a marido e mulher/pai e mãe, os mesmos direitos e obrigações,

inclusive quanto ao chamado poder paternal – o poder familiar -. Diz o artigo

1901º, 1, do Código Civil português: “Na constância do matrimônio o exercício

do poder paternal pertence a ambos os pais”.

Quanto ao aspecto patrimonial do casamento, o Código

Civil português, no que tange à sucessão, afirma, em seu artigo 1699º, 1, a:

“Não podem ser objecto de convenção antenupcial: a) a regulamentação da

sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiros (...)”. Verifica-se, assim, que

não poderão os nubentes, exceto em situações excepcionais, dispor acerca da

sucessão hereditária, afastando, por exemplo, o direito real de habitação.

A influência, portanto, de nossa legislação (bem como da

legislação portuguesa, exemplificadamente) na família, nas entidades

união já tenha dois anos de duração. A lei portuguesa 6, de 11 de maio de 2001, faz previsão acerca das medidas de proteção para as pessoas que vivam de ‘economia comum’, desde que a união tenha se dado há mais de dois anos.

Page 42: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

42

familiares e na vida do cidadão inserido dentro de tais institutos é bastante

clara e dotada de suporte proposital ofertado, expressamente, pela

Constituição Federal.

1.3. Das formas de constituição da família e das entidades familiares

Após a análise da previsão legal e do conceito de família,

passa-se a verificar as modalidades de formação de família e entidade familiar

existentes em nossa legislação e doutrina, em especial conceituando, de forma

breve (até pelo objetivo deste estudo), o casamento, a união estável, a união

livre, a família monoparental e a convivência entre parentes e amigos.

O estudo das formas familiares ou das chamadas

entidades familiares poderá trazer melhor visão de suas semelhanças e

diferenças, mas, principalmente, evidenciará que cada modalidade é autônoma

e independente. Esse pressuposto é fundamental para que se entenda o

conceito e a repercussão social de cada forma familiar, até mesmo para

justificar o tratamento diferenciado oferecido por nossa legislação para cada

um dos institutos. Cada entidade familiar tem seu tratamento legal e sua

repercussão patrimonial. Sobre tal discussão, são claras e precisas as palavras

de Oswaldo Peregrina Rodrigues:

Deveras, família ou entidade familiar, que são sinonímias, não se confundem com casamento ou com a união estável; assim como esta não se confunde com aquele. Com efeito, casamento é casamento; união estável é união estável; e, família é família; uma entidade jurídica não se confunde com a outra, porquanto cada qual delas ostenta os seus próprios efeitos jurígenos.29

29 A família decorrente do casamento e sua repercussão no Código Civil de

2002. Tese (Doutorado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2005, p. 116.

Page 43: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

43

1.3.1. O casamento e sua natureza jurídica

O conceito de casamento é largamente discutido na

doutrina nacional. Segundo Clóvis Beviláqua, em seu compêndio Direito de

Família, esse conceito é de grande valia:

... um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesse, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer.30

Para Washington de Barros Monteiro, o casamento e a

família são institutos jurídicos antigos e largamente discutidos por vários

doutrinadores e juristas, como Laurent e Schopenhauer. Diz Washington de

Barros Monteiro que, para Laurent, o casamento é centro de todo o conceito de

sociedade, é “fundamento da sociedade, base da moralidade pública e

privada”31. Para Schopenhauer, entretanto, o casamento é a perda de direitos e

o ganho de deveres.

O conceito jurídico afirma ser o casamento uma união

permanente entre homem e mulher (há necessidade de diversidade de sexos

para a configuração do casamento), que, com a ajuda mútua e a reprodução,

visam constituir e manter uma família. Dessa forma, a idéia enfatizada por

Laurent é de grande importância para que se entenda o casamento como o

centro da sociedade e da moralidade. Apesar de duramente criticado por seus

30 Direito de Família, 8. ed. 31 Principes de Droit Civil Français, vol. 2, p. 527 APUD: Washington de Barros

Monteiro, Curso de Direito Civil, vol. 2, p. 11. Tal conceito é confirmado pelos filósofos Goethe e Lessing, também citados pelo mesmo autor.

Page 44: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

44

vários aspectos, esse instituto mantém sempre a esperança da constituição da

família e é buscado por todo cidadão. Não fosse assim, o número de

casamentos no Brasil não subiria, ano a ano.

Dessa conceituação decorrem, segundo nosso

entendimento, exposto na obra DNA, Paternidade e Filiação, os seguintes

objetivos do casamento:

a) legitimar a família, levando-se em conta que a união estável também é entidade familiar e deve ser convertida em casamento, de acordo com o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988 e artigo 1.726 do Código Civil de 2002;

b) regular e legalizar as relações entre os cônjuges;

c) estabelecer comunhão de vida e interesses, com o auxílio mútuo entre os cônjuges, bem como novos direitos e deveres;

d) procriar os filhos, como conseqüência natural do vínculo matrimonial;

e) criar e educar os filhos, como conseqüência da procriação.32

Como visto, o matrimônio não é só a união entre homem

e mulher, mas, sim, a verdadeira celebração de um contrato entre os cônjuges,

com previsão legal de direitos e deveres que, não cumpridos, podem levar ao

fim do vínculo jurídico e ao fim desta modalidade de família33.

O contrato de casamento tem alguns elementos próprios

e específicos que o diferenciam dos demais, como a expressa solenidade –

com a presença do Estado, por intermédio do Juiz de casamentos -, a previsão

de contratantes de sexos opostos – obrigatoriamente - e as possibilidades de

dissolução.

32 pp. 22 e 23. 33 Em que pese o esforço legal, ainda que velado, de evitar-se a ruptura da

sociedade conjugal e do vínculo matrimonial, por conta da instabilidade trazida pela ocorrência de tais fatos.

Page 45: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

45

A dissolução do vínculo de casamento, que já é corrente

na atualidade, surgiu em nossa legislação codificada apenas com a Emenda

Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977 e com a Lei do Divórcio (Lei 6.515,

de 26 de dezembro de 1977)34. É certo que tal possibilidade foi confirmada pelo

Código Civil atual, que permite a dissolução da convivência marital e do vínculo

conjugal pelo que se denomina o sistema separação-divórcio, projetado para

ocorrer, normalmente, em dois momentos distintos, havendo, entre eles, no

mínimo um ano de lapso temporal35.

Sobre a natureza jurídica do casamento, existem três

teorias principais. A primeira delas, a teoria institucionalista, afirma que o

casamento é uma instituição social originada na vontade das partes, mas

formalizada segundo critérios legais pertinentes, que não estão ao alvedrio das

partes contraentes. De outra banda, para a teoria contratualista, prevista no

direito canônico, o casamento seria um contrato, tornando-se perfeito e

acabado pela manifestação inequívoca da vontade dos nubentes. Em terceiro

lugar, surge a teoria mista, prevendo que o casamento, ato complexo que é,

não poderia ser um mero contrato e nem tomado como instituição somente.

Para esta teoria, o casamento é um contrato quanto à sua formação e uma

instituição quanto às suas características e finalidade.

Pelo conteúdo das teorias, a que parece ser mais

adequada, em nosso entendimento, é a primeira: o casamento é uma

34 Em 1977, a idéia era de retirar das leis do país a indissolubilidade do

casamento, prevista, mais fortemente, pela doutrina católica, no Concílio de Trento, o qual somente permitia a separação de corpos, mas nunca a ruptura do vínculo matrimonial.

35 É certo que o sistema separação-divórcio prevê a possibilidade de divórcio direto, sem prévia separação, inclusive extrajudicialmente, onde não será necessária a realização da separação para posterior divórcio.

Page 46: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

46

instituição. Entretanto, não se pode deixar de levar em consideração as

palavras de Caio Mário da Silva Pereira36, de que o casamento é, na verdade,

um contrato especial, um contrato específico e diferente de todos os demais,

que contém as características do direito de família e dessa forma deve ser

analisado.

A doutrina moderna busca extrair do casamento o seu

lado afetivo e emocional para dar subsídio à família, afastando o caráter

puramente institucional do matrimônio. É certo que tal conceituação busca

encontrar o estado atual da família brasileira, fundada no casamento, não

alterando o consagrado conceito jurídico do tema.

1.3.1.1. Da posse do estado de casado

Importante é trazer à discussão o conceito da

denominada posse do estado de casado, em vista de que, se tal instituto fosse

aceito e produzisse efeitos em nosso ordenamento no campo sucessório,

poderia, em tese, gerar, no caso de viuvez, o direito real de habitação ao

cônjuge sobrevivente.

É certo que, não sendo possível comprovar o casamento

pela apresentação de documentos hábeis para tanto, há a possibilidade de

prová-lo pela posse de estado (prova indireta do casamento). A posse de

estado de casado não é uma prova única e suficiente para a comprovação do

36 Instituições de Direito Civil, vol. V, p. 35.

Page 47: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

47

casamento como são as provas diretas – certidão de casamento, por exemplo.

Porém, em determinadas situações, tal fato pode se revelar eficaz37.

Como diz Washington de Barros Monteiro a posse do

estado de casado é a situação:

... de duas pessoas que sempre se comportaram, privada e publicamente, como marido e mulher, que sempre se encontraram no gozo recíproco da situação de esposos. Como tais se apresentam ou se apresentaram perante a sociedade e, no círculo familiar, consideram-nos todos como marido e mulher.38

Como o ordenamento jurídico brasileiro não aceita a

prova indireta como meio de prova cabal – não há presunção de casamento em

nosso direito -, a posse do estado de casado será simples meio de prova para

a comprovação da união jurídica, não levando, por si só, à conclusão da

existência do casamento. Assim, sendo prova indireta, o casal que se diz em

posse de estado de casado terá de comprovar o casamento para obter os

benefícios legais dele originados, como o direito real de habitação no caso de

sucessão. Como bem declara a doutrina nacional39, esse tipo de prova indireta

do casamento é aceita excepcionalmente, nos casos de benefício da prole

após a morte dos pais (artigo 1.545, Código Civil), bem como para cumprir a

37 Para sanar lacunas no assento de casamento e para beneficiar os filhos, a

posse de estado de casado é aceita. Para sua configuração, é necessária a coexistência de três elementos: nomen, tractatus e fama. O nomem consiste no fato de a mulher portar o nome do marido. O tractatus é a existência do tratamento social e recíproco entre os dois, como um casal. A fama é o reconhecimento social e familiar da existência do casamento entre as duas pessoas.

38 Curso de Direito Civil, vol. 2, p. 78. 39 Nesse sentido concordam os doutrinadores Washington de Barros Monteiro e

Caio Mário da Silva Pereira.

Page 48: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

48

regra in dubio pro matrimonio, conforme o artigo 1.547 do Código Civil40, com

os cônjuges ainda vivos.

Pelo verificado, a posse do estado de casado é uma

forma indireta de comprovação do matrimônio, não se configurando como

prova direta, inclusive pela inexistência de casamento presumido no Brasil. Por

esses argumentos, a posse de estado de casado, por si só, não conduzirá a

prova do casamento, impedindo, assim, a configuração do direito real de

habitação na sucessão do falecido.

1.3.2. Histórico e conceito da união estável

A união estável entre homem e mulher já é instituto

previsto em nosso ordenamento, sendo tida como entidade familiar.

Como bem assevera Francisco José Cahali, conceituando

a união estável como entidade familiar e já existente desde a origem da

sociedade:

Efetivamente, como visto, no plano constitucional, foi criada uma nova categoria social denominada “entidade familiar”, decorrente da “união estável entre o homem e a mulher”.

Mas esta categoria tratada na Constituição Federal nada mais fez do que institucionalizar uma situação fática pré-existente, constituída pelas relações concubinárias já merecedoras de estudos tanto no campo social como no campo religioso e jurídico.

Desde a origem da sociedade, sempre existiu família formada entre o homem e a

40 “Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo

casamento, se os cônjuges, cujo matrimônio que se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.”

Page 49: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

49

mulher e sua prole, como ente inafastável de uma civilização.41

A união estável desenvolveu-se com muita rapidez e

dinâmica em nosso ordenamento, principalmente, se for considerado que a sua

vinda ao texto legal brasileiro deu-se, com a importância que merecia, apenas

em 1988. O conceito de união estável é, portanto, bastante atual, estando

previsto na Constituição Federal de 1988, nas leis 8.971 de 1994 e 9.278 de

1996, bem como no Código Civil de 2002.

Em 1994, quando da vinda da primeira legislação sobre a

matéria, a ideia de legalizar a união estável originou-se na intenção de proteger

várias situações cotidianas e da vida fática, dentre elas, a união entre pessoas

de sexos opostos que, embora ainda com vínculo de casamento anterior, mas

sem qualquer convivência conjugal, não podiam legalizar a sua situação de

companheiros. Ainda, a referida legislação veio solucionar a situação daqueles

que, embora vivessem como ‘se casados fossem’, não possuíam o vínculo

conjugal formal e, com o falecimento do parceiro, se viam sem qualquer direito

sucessório em relação aos bens do falecido, mesmo que amealhados na

constância da união de fato.

Como tivemos oportunidade de expor em nossa obra

sobre o início da formação das uniões estáveis, ainda tidas como ‘posse do

estado de casado’:

No direito romano já se enxergava a possibilidade da declaração de casamento pela posse do estado de casado, o que abria precedente para confusão com o atual concubinato. Isso ocorria com o reconhecimento

41 A união estável e os alimentos entre os companheiros. Dissertação (Mestrado

em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 1995, pp. 3-4.

Page 50: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

50

do estado de casado dos cônjuges que estivessem em convivência ininterrupta por mais de um ano.

O concubinato surgiu por causa do descaso do legislador pátrio, ao destruir as formas antigas de constituição de família, principalmente o casamento religioso (que hodiernamente é religioso com efeitos civis, portando-se verdadeiramente como um casamento civil) e o casamento de fato, que existiam nas Ordenações Filipinas, de 1603. Previam-se o casamento por palavras, por escritura e o casamento denominado ‘conusudos’, no qual eram considerados casados o homem e a mulher juntos por determinado tempo.42

Nas palavras de Jean Gaudemet43, o casamento religioso

e o chamado casamento de fato estão presentes desde a Antiguidade, como se

pode confirmar após criteriosa análise do Código de Hamurábi, do Código de

Manu e das Leis de Israel.

Assim como em tais ordenamentos, o casamento de fato

e o religioso também são previstos no direito escocês, ibérico, germânico e

anglo-saxão. No direito americano, há o instituto do marriage common law, que

é a união jurídica pela convivência permanente.

No Brasil, pelo Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, foi

encerrada a possibilidade de reconhecimento do casamento de fato. Tal

situação somente voltou ao ordenamento jurídico com a vigência da

Constituição Federal de 1988, com as leis 8.971/94 e 9278/96 e com o atual

Código Civil, que preveem, expressamente, a possibilidade do concubinato

puro.

42 DNA, Paternidade e Filiação. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 37. 43 Les Institutions de L’Antiquité. Paris: Sirey, 1967.

Page 51: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

51

A união estável é prevista, atualmente, na Carta

Constitucional de 1988, em seu artigo 226, § 3º44. Também possui disposição

no Código Civil de 2002, em seu artigo 1723 e possuía regra expressa nas leis

8.971, de 29 de dezembro de 1994 (que dispõe sobre os direitos dos

companheiros a alimentos e à sucessão, inclusive o direito real de habitação) e

9.278, de 10 de maio de 1996 (que dispõe e regula o mencionado artigo 226, §

3º da Magna Carta de 1988, inclusive tratando do direito real de habitação).

O Código Civil vigente, em seu artigo 1.723, diz, com

clareza:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

A configuração da união estável, portanto, é o retrato de

uma união de fato, que adota, em princípio e no que couber, as regras do

modelo de regime de casamento da comunhão parcial de bens. No entanto, tal

união pode ser também regulamentada por um contrato expresso entre as

partes, conforme prevê, claramente, o artigo 1.725 do Código Civil atual,

inclusive quanto ao modelo do regime de bens a ser utilizado pelos

companheiros:

Artigo 1.725. Na união estável, salvo convenção válida entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

44 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.”

Page 52: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

52

Francisco José Cahali, dissertando acerca do contrato de

convivência na união estável, afirma, com clareza, sobre o estado de fato do

casal e o contrato de convivência (que é condicionado à efetiva existência da

união estável):

O contrato de convivência tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelos elementos necessários, da união estável. A convenção não cria a união estável: esta se verifica no comportamento dos concubinos, não pela vontade manifestada apenas por escrito. (...) Respeitadas as suas peculiaridades, mais se assemelha o pacto ao contrato real (...).45

Tal questão, que parece ser simples, apresenta várias

facetas e dificuldades, em vista de que os interessados, para comprovar a sua

união estável, deverão apresentar provas cabais da existência e duração da

união de fato, além, é claro, de eventual contrato firmado entre as partes. De

qualquer forma, a união estável não é subordinada única e exclusivamente a

uma condição ou a prova documental (contrato de convivência, por exemplo). A

configuração da união estável entre homem e mulher dar-se-á com a efetiva

comprovação da existência de uma vida em comum por determinado período,

com o ânimo de viver e constituir família, de forma pública, duradoura e

contínua. Sobre o tema, vários autores dissertam e conceituam, como o já

citado Francisco José Cahali, Arnoldo Wald, Álvaro Villaça Azevedo, Caetano

Lagrasta Neto e Marco Aurélio S. Viana.

Para Euclides de Oliveira, a exigência do requisito da

relação duradoura é tautológica, na medida em que a configuração da união

45 Contrato de convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 60 –

61.

Page 53: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

53

estável parte da existência de estabilidade entre o casal, que, por si só, já

presume a duração do relacionamento:

Por isso a conceituação legal de união estável como ‘duradoura’ não deixa de ser uma tautologia, uma vez que estabilidade pressupõe certa duração temporal, conclui-se que não existe união estável nos casos de relacionamento fugaz, passageiro, efêmero ou eventual.46

Para conceituar a união estável, Álvaro Villaça Azevedo

faz a distinção entre o concubinato puro e impuro. Quando um homem e uma

mulher reúnem as características de uma família de fato, com intuito de

construir a vida juntos, com filhos, patrimônio, entre outros, sem impedimentos

para constituir tal situação, haverá o chamado concubinato puro, que é a união

estável. Diz referido autor:

É puro o concubinato, quando se constitui a família de fato, sem qualquer detrimento da família legítima ou de outra família de fato (este poderá rotular-se, também, de concubinato leal).

(...) Impuro é o concubinato, se for adulterino,

incestuoso ou desleal, como, respectivamente, o de um homem casado, que mantenha, paralelamente a seu lar, outro de fato; o de um pai com sua filha; e o de um concubino formando um outro concubinato.

(...) Entendo que o concubinato puro ou

concubinato, simplesmente, ou união estável, na expressão atual de nossa Constituição, deve merecer, por parte dos Poderes Públicos, completa proteção...47

46 União estável: do concubinato ao casamento. 6ª ed. São Paulo: Método, 2003,

p. 129. 47 União Estável, in Revista do Advogado, nº 58, p. 16

Page 54: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

54

A esse respeito, distinguindo a união estável do

concubinato, é importante lembrar as palavras de Rodrigo da Cunha Pereira,

em sua obra sobre o assunto:

União estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não-adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem vínculo do casamento civil. E concubinato é a relação entre homem e mulher na qual existem impedimentos para o casamento.48

Após a previsão da Carta Constitucional de 1998 e de

legislação específica extravagante, a união estável teve nova conceituação de

acordo com o texto da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que, em seu artigo 1º,

assim previa:

Art. 1º - É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

A previsão legal acerca da união estável, seja na

Constituição Federal, seja nas legislações extravagantes, seja no Código Civil

vigente, reconhecida em nosso ordenamento como entidade familiar, distinta

do casamento e da união livre, estabelece efeitos e traz inovações para os

companheiros.

Especificamente, no que tange aos direitos dos

companheiros, é fundamental lembrar a lição de Francisco José Cahali, em seu

livro Contrato de convivência na união estável, sobre o referido contrato e a

48 Concubinato e união estável. 7ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey,

2004, p. 29.

Page 55: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

55

impossibilidade de exclusão do companheiro relativamente à herança e a seus

direitos hereditários:

(...) podemos manter as conclusões anteriormente apontadas, impedindo venha a ser excluído o sobrevivente da sucessão do companheiro por contrato de convivência, na sua qualidade de herdeiro, única posição mantida pelos motivos expostos. Pode-se apenas acrescentar nas razões a eventual sustentação da inclusão do convivente na posição de herdeiro necessário. E merece registro observar que a proibição de disposição da herança de pessoa viva vem reproduzida, com idêntica redação, no art. 426.49

Nota-se, portanto, que o companheiro não pode excluir o

outro de seus direitos hereditários, por meio de contrato escrito feito ainda em

vida.

São vários os aspectos sucessórios importantes que

afastam e assemelham o casamento e a união estável Com relação

especificamente ao direito real de habitação, assunto que será tratado

oportunamente no presente trabalho, as diferenças são bastante significativas

para ambos.

Ao que parece, pela leitura dos textos legais sobre o

assunto, o legislador pátrio, propositadamente, manteve pontos de diferença

entre o casamento e a união estável, diferenciando um instituto do outro, com

clareza, em diversos pontos de nossa legislação. A esse respeito, portanto, o

que se pode afirmar é que o casamento e a união estável são formas de

49 Ibid., pp. 266-267.

Page 56: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

56

constituição de entidade familiar, mas cada qual possui suas características

próprias, com eventuais semelhanças e diferenças50.

A crítica da doutrina brasileira é bastante forte no sentido

de que eventuais distinções entre o cônjuge e o companheiro e sua posição

legal no direito de família e sucessões devem ser banidas de nosso

ordenamento. De qualquer forma, não é necessário estudo aprofundado para

verificar que a lei distingue, claramente, o cônjuge do companheiro, ofertando

direitos e deveres distintos para cada qual, na dependência de ser o vínculo

matrimonial ou de união estável, tanto no que tange aos direitos de família

quanto aos direitos sucessórios.

Sobre o tema, Miguel Reale, responsável pela comissão

elaboradora do atual Código Civil Brasileiro, em artigo publicado nos Estudos

Preliminares do Código Civil, apresenta a mens legis da Constituição Federal

de 1988 e do Código Civil de 2002. Nesse estudo, o autor firma claro

50 Acerca da distinção entre o casamento e a união estável veja-se parte do teor

dos seguintes julgados: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Embargos Infringentes 178/90, julgados

em 29/08/1990. Relator: Des. Barbosa Moreira: (...) as medidas protetoras porventura adotadas pelo Estado em benefício da família devem aproveitar também às uniões não formalizadas, mas estáveis, entre homem e mulher as quais se consideram, para esse fim, como “entidades familiares”. Daí a supor que a norma atribui ao homem ou à mulher, partícipe de união estável, situação jurídica totalmente equiparada à de homem casado ou mulher casada, medeia boa distância. Se as duas figuras estivessem igualadas, não faria sentido dizer que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Não se pode converter uma coisa em outra, a menos que sejam desiguais: se já são iguais, é desnecessária – e inconcebível – a conversão.

Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão 44714. Relator: Des. Alves Braga. (...) Há erro de perspectiva na afirmação que a Constituição da República equiparou o concubinato à família. Não houve equiparação, já que não foi abolido o casamento como base legal da constituição da família (...) O texto constitucional não usou a expressão equiparar em seu art. 226. A família continua sendo a base da sociedade e, o casamento, a base da constituição da família. Apenas reconheceu “para efeito de proteção do Estado” a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, programando a facilitação do casamento. Manteve, portanto, a distinção entre casamento e acasalamento”.

Page 57: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

57

posicionamento acerca da distinção havida e existente entre o casamento e a

união estável na legislação brasileira, chegando a excluir, expressamente, da

abrangência desta última, a união homossexual. Diz o autor que a união

estável não é equiparada em todos os seus termos ao casamento, visto que a

própria Constituição Federal, ao buscar a sua conversão em matrimônio,

expressou claramente sua posição de reconhecer os dois institutos como

entidades familiares, autônomas e distintas uma da outra:

Como se vê, o casamento deixa de ser a única entidade familiar, muito embora continue a ser a forma por excelência da organização familiar, motivo pelo qual o novo Código Civil, em seu art. 1.511, estatui que ele ‘estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges’.

A união estável, que o legislador constituinte considerou destinada ao casamento, é formada por companheiros de sexo diferente, o que exclui a possibilidade de os homossexuais nela se abrigarem, devendo aguardar lei especial que discipline sua união. (...).

Na realidade, a união estável se situa entre o casamento e o concubinato, distinguindo-se de ambos, por ser aquele a entidade máxima, que a lei privilegia, e ser o outro constituído à margem da lei, com infração dos direitos e deveres que cabem ao cônjuge e aos companheiros.

(...) Tão significativa é a posição inferior da

união estável em confronto com o casamento, que, em matéria sucessória, a companheira e o companheiro não são equiparados aos cônjuges, dispondo o art. 1.790 do CC que cada um deles participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável (...).51

Miguel Reale segue ainda, na mesma obra, finalizando o

tema e afirmando claramente que a própria Constituição Federal de 1988

51 Estudos preliminares do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

pp. 70-73.

Page 58: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

58

procurou distinguir o cônjuge do companheiro, quando propôs a conversão da

união estável em casamento, desde que fosse de interesse dos companheiros:

Entenderam, com tais limitações, os membros do Congresso Nacional (...), que, se os companheiros fossem em tudo equiparados aos cônjuges, não haveria razão para a conversão de sua união em casamento, objetivo final a ser atingido, segundo a ótica do legislador constituinte.52

1.3.3. A família monoparental

A família constituída por qualquer dos pais e seus

descendentes é a chamada família monoparental, prevista expressamente na

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 4º, que afirma: “Art.

226. parágrafo 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Dessa forma, é tida como entidade familiar, gozando de

seus direitos e deveres, a família formada pelo pai ou pela mãe e seus

descendentes, sejam eles biológicos ou adotivos.

Oswaldo Peregrina Rodrigues conceitua essa forma de

entidade familiar:

A família monoparental surge, por variadas formas, de relacionamento entre o pai e a mãe e seus respectivos filhos, cujas fontes podem ser a mãe solteira e seu filho natural, mãe e filho adotivo, mãe (separada de fato, separada judicialmente, divorciada ou viúva) e seu filho, situações essas em que, mutatis mutandis, enquadra-se também o genitor com seus respectivos filhos.53

52 Ibid., p. 73. 53 Ibid., p. 117.

Page 59: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

59

Apesar de constitucionalmente prevista, a família

monoparental, injustificadamente, não possui, no Código Civil, regulamentação

expressa, ficando à margem das outras formas de família para disciplinar suas

regras.

De qualquer forma, as regras de filiação, poder familiar e

relações entre pais e filhos ficam asseguradas pelas previsões legais

existentes.

1.3.4. Outras formas familiares

Após a conceituação do casamento, da união estável e da

família monoparental, ao lado do estudo da formação da família atual brasileira,

não se pode deixar de averiguar as novas formações familiares discutidas em

nossa legislação, doutrina e jurisprudência contemporâneas. Com essa

finalidade, segue-se a análise pontual de outras formas de constituição de

entidades familiares previstas em doutrinadores modernos – inclusive pela

realidade social que desafiam –, como Maria Berenice Dias, Paulo Luiz Netto

Lôbo e Guilherme Calmon Nogueira da Gama.

Acerca das entidades familiares e suas modalidades, diz

Paulo Lôbo, que:

“os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa.”54

O mesmo autor, ao abordar as formas de entidades

familiares, elenca onze hipóteses existentes, que, segundo ele, merecem

54 Famílias, p. 61.

Page 60: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

60

atenção legislativa e jurisprudencial, e que teriam, em suma, as seguintes

formações55:

• homem e mulher casados, com ou sem filhos

biológicos e/ou não biológicos;

• homem e mulher em união estável com ou sem filhos

biológicos e/ou não biológicos;

• pai ou mãe e filhos biológicos e/ou adotivos

(monoparental);

• união de parentes e pessoas que convivem em

interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie

(anaparental);

• união de pessoas sem laço de parentesco, mas com

fortes laços de afetividade e ajuda mútua

(anaparental);

• união homossexual56;

• união concubinária (paralela)57;

• comunidade afetiva formada com os chamados ‘filhos

de criação’ ou entre esses e seus padrastos e

madrastas.58

55 Ibid., p. 56/57. 56 A união homossexual já é aceita em diversos ordenamentos jurídicos, dentre

eles o da Suécia, da Noruega e da Dinamarca. No Brasil, a tentativa de produzir lei sobre o assunto foi objeto do Projeto de Lei 1.151, de 1995, apresentado pela então deputada Marta Suplicy, que não obteve, até a presente data, aprovação para futura sanção.

57 Sobre o assunto, bem esclareceu o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 100.888 – BA, de 2001, ao conceder à ‘concubina’ o direito a constar como beneficiária em seguro de vida, pela existência de ‘bigamia’ em que o falecido mantinha famílias paralelas, com filhos e residência comuns às duas relações.

Page 61: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

61

É certo que, por fugir ao escopo deste estudo, não serão

aqui aprofundados os tipos familiares acima indicados.

Entretanto, importa salientar que o direito real de

habitação somente se defere, em tese, ao casado ou àquele que esteja em

união estável (cuja discussão será também objeto deste trabalho). Por questão

analógica, quando da análise da existência ou não do direito real de habitação

ao companheiro sobrevivente, será aprofundada a análise da existência e

deferimento do instituto às uniões homossexuais59 (ou homoafetivas, como

quer a doutrina de Maria Berenice Dias) e às uniões concubinárias, dentro do

que já há disposto em nossa lei e doutrina.

58 Maria Berenice Dias, em seu Manual de Direito das Famílias, p. 40 - 55, define

as formas de família no capítulo denominado ‘Famílias Plurais’, ainda enumerando, além das outras formas familiares – e reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar -, a família eudemonista como a nova tendência familiar, baseada na afetividade e na emancipação de seus membros.

59 Acerca da identificação da união homossexual como entidade familiar, temos a recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a relatoria da Des. Maria Olivia Alves (conflito de competência 170.046-0/6-00, da comarca de São Paulo), determinando a competência das varas da família e não das varas cíveis para análise de pedido de reconhecimento de união homoafetiva com efeitos patrimoniais, cuja ementa diz o seguinte: ”EMENTA - Conflito Negativo - Cível e Família – União homoafetiva - Pedido declaratório - Pretensão voltada ao mero reconhecimento da união, para fins previdenciários - Ausência de discussão patrimonial - Omissão legal a ser suprida pela analogia e pelos princípios gerais de direito - Aplicação do art. 4º. da Lei de Introdução ao Código Civil - Situação equiparável à união estável, por aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana - Art. 227, § 3o, da Constituição Federal de que não tem interpretação restritiva — Proteção à família, em suas diversas formas de constituição - Matéria afeta ao Juízo da Família - Conflito procedente em que se reconhece a competência do Juízo suscitado (vara de família).

Page 62: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

62

As relações estáveis homossexuais ou homoafetivas60,

como pode ser visto na jurisprudência pátria, não podem ser afastadas da

análise61, por se tratar de realidade social de grande ocorrência e, além de

outras repercussões, por gerar importantes efeitos patrimoniais na coletividade

em geral62. O tema, bastante complexo, tem discussões acirradas nos tribunais

brasileiros e estrangeiros. Apenas como ‘pano de fundo’ para a discussão e

tendo em vista que tal tipo de união, atualmente, em que pesem opiniões

diversas, já é reconhecido em nossa doutrina e jurisprudência como entidade

familiar, convém trazer à baila alguns pontos fundamentais do assunto

(inclusive porque não está nos objetivos no presente trabalho a discussão

aprofundada acerca da união homoafetiva).

Em primeiro lugar, sobre a conceituação da união

homossexual como entidade familiar, discorre Benedito Silvério Ribeiro,

60 Nesse sentido, veja-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul: Ementa – união homossexual. Reconhecimento de união estável. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas conseqüências previstas na união estável Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n° 70021637145, rel. Des. Rui Portanova).

61 O direito previdenciário brasileiro, por intermédio da Instrução Normativa 25 do ano de 2000 (do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS), garantiu o benefício da pensão por morte e auxílio-reclusão ao parceiro homossexual.

62 A situação do companherismo homoafetivo foi objeto, inclusive, de Ato Deliberativo do Supremo Tribunal Federal, no. 27/2009, que passou a permitir aos seus funcionários que vivam em relação homoafetiva, a inclusão de seus companheiros (as) no plano de saúde do Tribunal, o STF – MED.

Page 63: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

63

manifestando opinião contrária a Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo, que a

consideram como tal:

A possibilidade de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar desponta-se remota no ordenamento jurídico brasileiro.

O legislador constitucional optou por estabelecer a união estável entre pessoas de sexos diferentes, não cabendo levar em conta princípios gerais como os da cidadania e da dignidade da pessoa humana.63

Diante da ausência de norma específica regulamentadora

da matéria, talvez a solução tenha de partir, nos dizeres de Caetano Lagrasta

Neto, citando o Ministro Gilmar Mendes, no acórdão prolatado em apelação

cível 552.574.4/4, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da

interpretação dos princípios constitucionais atualmente existentes, para deferir

à união homoafetiva a qualificação de união estável e não, simplesmente, a de

união de fato64.

A Magna Carta de 1988 não veda a possibilidade de

relacionamento com pessoas do mesmo sexo e, por tal motivo, tem de haver

uma solução legal para a situação fática mencionada. Em que pesem

respeitáveis entendimentos contrários65, leia-se a suma da decisão

mencionada:

63 Cautelares em família e sucessões. São Paulo: Saraiva: 2009, p. 26. 64 Há decisão do Supremo Tribunal Federal, em 03/02/06, por intermédio de voto

do Ministro Celso de Mello, na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3300 - Distrito Federal, que, além de outras questões, menciona o reconhecimento da união homossexual como entidade familiar e não como mera sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo.

65 Nesse sentido, veja-se acórdão do Des. Luiz Ambra, em julgamento de apelação cível 643.179-4/0-00, que, por maioria de votos não reconheceu a união homossexual como união estável, cuja ementa diz o seguinte: “União Estável. Reconhecimento em União homossexual. Sentença de improcedência corretamente decretada. (...).” No voto condutor do acórdão, o Des. Luiz Ambra bem esclarece que,

Page 64: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

64

(...) O Estado oferece especial proteção à Família, princípio insculpido no art. 226 da CF. Entretanto, impõe-se a análise do seu § 3o, onde se reconhece como união estável a entidade familiar constituída por homem e mulher e que, pela toponímia e dicção não pode ser restritiva.

Na atividade jurisdicional, o juiz não deve se eximir de julgar, a pretexto de haver lacuna ou obscuridade da lei; isso porque a própria Constituição traz princípios abertos, indeterminados e plurissignificativos, cujas normas dependem da interpretação sistematizada num contexto jurídico, sem obediência a puros critérios de lógica formal e tampouco reduzida à mera análise lingüística. Ao contrário, obedece a razões históricas com base no problematicismo e razoabilidade do processo hermenêutico. Entre várias interpretações possíveis, adota-se aquela que corresponder aos valores éticos da pessoa e da convivência social. (cf. Gilmar Mendes, in Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, 2007).

Neste exercício de aplicação ao caso concreto, a norma passa a ser o resultado e não o pressuposto. O mesmo doutrinador, citando Gustavo Radbruch, observa que: a interpretação jurídica não é pensar de novo o que já foi pensado, é pensar até o fim o que começou a ser pensado. E continua; Em suma – ironiza Guastini -, a criação jurisprudencial do direito é pudicamente ocultada sob trajes menos vistosos e apresentada como simples explicitação de normas implícitas, como elaboração de normas que se considerem já existentes, embora em estado latente, no sistema legislativo, mesmo que o legislador não as tenha formulado expressamente. Críticas à parte, o que a experiência demonstra é que tudo isso ocorre de maneira necessária, não apenas em decorrência da insuprimível distância entre a generalidade/ abstração das normas e a especificidade/concretitude das situações da vida, mas também, em razão das constantes alterações no prisma histórico-social de aplicação do direito, transformações que ampliam aquela distância, suscitando problemas de justiça material, que o juiz do caso está obrigado a resolver prontamente, até porque não pode aguardar - reitere-se -, as sempre

realmente, a Constituição Federal de 1988 não proíbe o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, diz o relator, isso não autoriza e nem confere amparo legal para que se possa considerar a União homossexual como casamento ou união estável, tal como ocorre em outros países.

Page 65: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

65

demoradas respostas do legislador. (op. cit. pp. 54/55 e 89).

Acatando a necessidade de conferir a igualdade formal

prevista no texto Constitucional, diz Glauber Moreno Talavera:

(...) os modelos convencionais afetos às minorias sociais devem ser regulados, pois embora não seja inverídico que a regulação desses modelos cerceia a liberdade dos conviventes, não é menos verdade que a falta de regulação os relega ao obscurantismo, solo fértil para cultivo da discriminação e preconceito.66

No sentido da análise ampla dos dispositivos

constitucionais, em favor do reconhecimento jurídico da união homossexual ou

homoafetiva como união estável e não como mera união de fato, manifesta-se

o acórdão em julgamento de Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa – União Estável homoafetiva. Direito Sucessório. Analogia. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo. Impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a justiça colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe que seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos por maioria.

Voto: (...) A CF 226 caput é cláusula geral de inclusão, não sendo lícito excluir qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e notoriedade, sendo as famílias ali arroladas meramente exemplificativas, embora as mais comuns. As demais comunidades se acham implícitas, pois se cuida de conceito constitucional amplo e

66 União civil entre pessoas do mesmo sexo, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.

33.

Page 66: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

66

indeterminado, a que a experiência da vida há de concretizar, conduzindo à tipicidade aberta, adaptável, dúctil, interpretação que se reforça quando o preceito constitucional usa o termo 'também', contido no art. 226, § 4o, que significa 'da mesma forma', outrossim, exprimindo-se uma idéia de inclusão destas unidades, sem afastar-se outras não previstas (voto vencedor do Des. José Carlos Teixeira Giorgis). (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 4º. Grupo de câmaras cíveis, EI 70003967676 - Porto Alegre, rel. para acórdão Des. Maria Berenice Dias, j.9.5.2003).

Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das

Famílias, observa:

Diante da nova definição legal, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, uma vez que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. A realidade demonstra que a unidade familiar não se resume apenas a casais heterossexuais.

As uniões homoafetivas já galgaram o status de unidade familiar.67

A extensão do direito real de habitação na sucessão

hereditária será tratada ao longo deste trabalho, mas já é possível afirmar que

esse caráter não é deferido à entidade familiar formada por filhos de criação,

por parentes que não chefiados pelo pai ou pela mãe ou pela união de pessoas

sem laços sanguíneos ou de adoção (família anaparental).

Entretanto, nesses casos, é possível, por exemplo, que

dois irmãos, de um total de quatro, vivam sob o mesmo teto e que seu

patrimônio tenha sido amealhado em conjunto pelos dois, inclusive o imóvel

residencial. Pergunta-se se, com o falecimento de um dos irmãos, poderia o

67 Manual de Direito das Famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009, p. 196.

Page 67: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

67

outro, em vista da necessidade de partilhar o bem com os demais, pleitear o

direito de habitá-lo gratuitamente, mantendo a família anteriormente existente

(na hipótese dos irmãos serem os herdeiros). Tal questionamento será

oportunamente abordado, quando do aprofundamento do direito real de

habitação decorrente da sucessão.

Nessa hipótese, entretanto, independentemente da

discussão acerca do cabimento do direito real de habitação, a condição legal

do herdeiro colateral como mero herdeiro legal poderá ter efeitos. A lei

sucessória brasileira não confere aos colaterais a condição de herdeiros

necessários, podendo, por ato de disposição de última vontade do falecido ou

mesmo por doação, haver destinação exata do bem adquirido pelos dois que

ali residiam, garantindo ou não a manutenção da vida familiar no imóvel, após a

morte do outro.

Por fim, importa frisar que, para determinados casos, a

própria lei e a jurisprudência alargam o conceito de família, seja para

determinar a extensão da Lei 8.009/90 – impenhorabilidade do bem de família,

inclusive para solteiros que moram e vivem sozinhos – seja para reconhecer a

entidade familiar existente entre irmãos solteiros que vivem sob o mesmo

teto68.

68 Sobre essa hipótese, há vários julgados do Superior Tribunal de Justiça, que

reconhecem tais hipóteses como protegidas pela legislação em referência (Lei do bem de família – 8.009/90):

a) “Ementa - Execução. Penhora. Bem de família. Viúva. É impenhorável o imóvel residencial de pessoa solteira ou viúva. Lei 8.009/90. Precedentes. Recurso conhecido e provido. (Recursos Especial 420.086/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. turma, j. 27/08/2002, DJ 07/10/2002 p. 266)”.

b) “Ementa - Execução. Embargos de terceiro. Lei 8009/90. Impenhorabilidade. Moradia da família. Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na lei 8009/90, não podendo ser

Page 68: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

68

Pode-se concluir, portanto, acerca da formação e

evolução da família brasileira, o seguinte:

• a família é instituição social e figura como base da

formação e manutenção da sociedade;

• atualmente, o conceito de família, do ponto de vista

jurídico, foi alargado para o que se denomina ‘entidade

familiar’;

• as entidades familiares são núcleos nos quais se

formam e se desenvolvem os mais diversos tipos de

organização familiar;

• as formas familiares mais comuns são as originadas

no casamento, na união estável, nas relações

monoparentais. Ainda há grande discussão sobre a

penhorado na execução de divida assumida por um deles. Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial 159851/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. turma, j. 19/03/1998, DJ 22/06/1998 p. 100)”.

c) “Ementa – Processual. Execução. Impenhorabilidade. Imóvel. Residência. Devedor solteiro e solitário. Lei 8.009/90. A interpretação teleológica do Art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário. (Embargos em Recurso Especial 182.223/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, j. 06/02/2002, DJ 07/04/2003 p. 209).”

d) “Ementa – Civil. Processual Civil. Locação. Bem de família. Móveis guarnecedores da residência. Impenhorabilidade. Locatária/executada que mora sozinha. Entidade familiar. Caracterização. Interpretação teleológica. Lei 8.009/90, art. 1º e Constituição Federal, art. 226, § 4º. - 1 - O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. 2 - Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial 205.170/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, 5ª. turma, j. 07/12/1999, DJ 07/02/2000 p. 173).”

Page 69: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

69

qualificação da homoafetividade como entidade

familiar;

• de qualquer modo, seja na forma que for, nosso texto

legislativo apresenta vários dispositivos de proteção e

manutenção familiar, fortemente baseados na

Constituição Federal de 1988, que apresentou

inúmeros instrumentos de intervenção estatal na

família brasileira;

• o direito real da habitação decorrente da sucessão

hereditária é um dos instrumentos que a lei apresenta

para a manutenção da vida familiar e do lar conjugal.

Tais discussões serão objeto de análise, oportunamente,

de acordo com os objetivos do presente trabalho. No próximo capítulo,

ingressa-se propriamente no conceito e histórico dos direito reais, para, após,

tratar do direito real de habitação e suas consequências no direito sucessório.

Page 70: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

70

Capítulo 2

NOÇÕES FUNDAMENTAIS DOS DIREITOS REAIS

2.1. Considerações iniciais

Este capítulo volta-se para o estudo do direito real de

habitação de forma geral, com suas características e consequências. Para

organização do estudo, parte da conceituação dos direitos reais, para chegar

ao direito real de habitação em nosso direito e tal como se põe nos dias de

hoje.

Segue-se, pois, a análise do instituto, organizado da

forma acima explicitada.

2.2. Visão geral dos direitos reais

Para chegar ao conceito do direito real, inserido no direito

das coisas, cumpre fixar que este último trata da regulamentação das relações

entre as pessoas e os bens, no sentido jurídico, bem como da forma de sua

utilização e finalidade. Para tal conceituação – do direito das coisas -, nunca é

demais lembrar a lição de Clóvis Beviláqua:

Direito das coisas, na terminologia do Direito Civil, é o complexo de normas regulamentadoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio. Todavia há coisas espirituais, que também entram na esfera do direito patrimonial, como é o direito dos autores

Page 71: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

71

sobre as suas produções literárias, artísticas ou científicas. 69

O conceito acima expendido levanta a questão da

significação dos termos “coisa” ou “bem” que será objeto da apropriação pelo

homem. Denomina-se “coisa” como o gênero do qual o bem ou os bens são

espécie. O sentido da palavra “bem” tem grande amplitude, dependendo do

enfoque oferecido, se filosófico, religioso, do senso comum ou jurídico.

No sentido jurídico, conceitua o termo Clóvis Beviláqua

dizendo que “para o direito, bens são os valores materiais ou imateriais, que

servem de objeto a uma relação jurídica”.70

Arruda Alvim oferece sua definição, informando, inclusive,

que o conceito brasileiro de “coisa”, apesar de não expresso taxativamente no

Código Civil, é perfeitamente válido para nosso ordenamento jurídico. Diz o

mencionado autor:

Num sentido jurídico amplo (ou, num plano de abstração), é coisa toda realidade que apresenta utilidade para o homem, inclusive os bens imateriais. Nesta acepção ampla o significado confunde-se com o de bem/bens. Pode-se dizer que o significado predominante no direito brasileiro é o de que as coisas são objetos corpóreos, existem no mundo físico, ocupando espaço e se apresentam formando um corpo, donde hão de ser tangíveis pelo homem e devem ter consistência, e, que não sejam pessoas (é este o significado assumido pelos Códigos Civis alemão, § 90; japonês, § 85 e pelo grego, art. 947, 1ª. alínea).

Ainda do ponto de vista jurídico, Arnaldo Rizzardo

esclarece:

69 Direito das Coisas, v.I, p. 11. 70 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v. I, p. 214.

Page 72: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

72

Juridicamente, o bem constitui a coisa material ou imaterial, não necessariamente com valor econômico, e que vem a ser objeto da relação jurídica que se trava entre os seres humanos (...).71

Dessa forma, pela lição de Arnaldo Rizzardo, a ideia de

coisa ou bem, em nosso direito, está vinculada a valores materiais ou imateriais

que podem, em algum momento, ser objeto de uma relação jurídica. Encontra-

se inserido em tal conceito, podendo entender-se como bem, além daquilo que

pode ser fisicamente percebido, também as prestações ou os comportamentos

humanos. Por tal prisma, o conceito de bem é mais amplo do que o conceito de

coisa, motivo pelo qual o Código Civil, nos direitos reais, trata dos direitos das

coisas e não dos direitos dos bens.

Para o Código Civil português (art. 202º), o conceito de

coisa nos remete a tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas. Tal

conceito é genérico e se assemelha ao que se acata no ordenamento

brasileiro. Por outro lado, de forma restritiva, diz o Código Civil alemão (BGB,

artigo 90) que coisa é apenas o objeto corpóreo, excetuando da definição

aquilo que não possa ser apropriado fisicamente pelo homem.

O direito das coisas, norma que disciplina as relações dos

sujeitos com as coisas (e os bens) e a sua apropriação, está inserido em nosso

Código Civil entre os artigos 1.196 a 1.510. O atual Código Civil sofreu

significativa influência do Direito Civil alemão (BGB), inclusive em sua

localização física. Não que isso seja novidade, pois nosso Código Civil de 1916

já havia sofrido grandes influências do Código Civil alemão, como também da

legislação portuguesa.

71 Parte Geral do Código Civil, p. 339.

Page 73: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

73

O Código Civil brasileiro seguiu, como o de outras

legislações (Código Civil suíço, peruano e argentino), o exemplo do Código

Civil alemão, que prevê livro expresso para o direito das coisas.

Pela lição de Cunha Gonçalves, a definição de que o

direito real é a relação da pessoa com a coisa é bastante simplista. A seu

sentir, “o direito real é exercido sobre a coisa e em relação aos homens”.

Segue o referido autor, referindo-se ao Código Civil alemão (BGB), dizendo

que, nessa legislação, “a essência da realidade reside no poder imediato da

pessoa sobre a coisa”.72Pela lição do citado autor:

Direito Real é a relação jurídica que permite atribuir a uma pessoa singular ou coletiva, ora o gozo completo de certa coisa, corpórea ou incorpórea, incluindo a faculdade de a alienar e até de a consumir ou destruir, salvas as limitações da natureza ou da lei (domínio), ora o gozo limitado de uma coisa, que é propriedade conjunta e indivisa daquela e de outras pessoas (compropriedade), ou que é propriedade de outrem (jus in re aliena), com a exclusão de todas as demais pessoas, as quais têm o dever correlativo da abstenção de perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dos mesmos direitos.73

Para Arruda Alvim, conceituando o direito das coisas,

tem-se que:

O Direito das Coisas estabelece as regras jurídicas que afetam diretamente as coisas e atribuem titularidade (direta e imediata, realizável esta por intermédio da posse) sobre uma coisa para uma pessoa (a um sujeito de direito), no que está implicado o dever de abstenção de todos os demais, com a outra faceta, diretamente emergente desse dever, que é a da exclusividade da fruição (uso) e a da

72 Tratado de Direito Civil, , v. II, tomo I, p. 156. 73 Ibid., p. 152.

Page 74: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

74

disponibilidade do titular em relação ao seu direito real.74

Segue o mesmo autor, reiterando o conceito de que o

direito das coisas existe para conferir, a um sujeito, titularidade de direitos

incidentes sobre coisas, protegendo-os contra ilícitos praticados ou a serem

praticados por terceiros, bem como objetivando restaurar lesões causadas aos

referidos bens:

Portanto, pode-se dizer que o direito das coisas existe para atribuir titularidade de direitos sobre coisas e configurar todos os elementos com vistas a protegê-los dentro da sociedade, em prol de quem seja o titular, para o que se requer em relação ao último aspecto do concurso do processo, se ocorrerem conflitos, seja para impedir um ilícito em relação a uma tal situação (v.g., interdito proibitório, sediado no plano das ações possessórias), seja, mais comumente, para restaurar a lesão.75

Na definição de Arnoldo Wald, sobre o conceito do direito

das coisas, lê-se:

O direito das coisas abrange o conjunto de normas que regulam as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação, estabelecendo um vínculo imediato e direto entre o sujeito ativo ou titular do direito e a coisa sobre a qual o direito recai, criando um dever jurídico para todos os membros da sociedade.76

Os direitos reais, baseados na relação jurídica existente

entre pessoas e coisas, se opõem, em teoria, aos direitos pessoais, de

conceito e finalidade totalmente diversa em nosso direito.

74 Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. XI, t. I, p. 35-36. 75 Ibid., p. 36. 76 Direito Civil: Direito das coisas, v. IV, p. 1.

Page 75: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

75

Em verdade, apenas no direito canônico, em sua Escola

Clássica, no século XII, é que se buscou a real distinção entre os direitos reais

e pessoais. Tal distinção indica que os direitos reais estariam relacionados à

vinculação entre uma pessoa (ou mais pessoas) e uma (ou mais) coisa

determinada, enquanto os direitos pessoais se referiam à relação entre as

pessoas e um vínculo obrigacional.

Nosso ordenamento, como já estudado, apegando-se à

citada Escola Clássica, reconhece a existência dos direitos autônomos, reais e

pessoais. Há, entretanto, direitos pessoais que só existem em função de um

direito real, denominadas obrigações propter rem. Esta categoria vincula os

direitos até então autônomos, visto que um só tem existência em função do

outro.

Certamente, o campo dos direitos reais é o ramo do

direito que mais sofreu influência do direito romano e, talvez, até por essa

razão, sua interpretação no mundo ocidental seja tão homogênea. Diz Cunha

Gonçalves, que:

...se consultarmos a história, veremos que o direito real já estava perfeitamente constituído muito antes de a obrigação passiva universal existir juridicamente. No direito romano, o conceito moderno da ‘obligatio’ só se formou no século V (428) de Roma, isto é, depois que a ‘Lei Poetelia’ substituiu a execução do ‘nexum’ no corpo do devedor pela execução dos respectivos bens.77

Apesar de o direito das coisas tratar das relações

particulares entre sujeitos e bens (ou coisas), é necessário que a nossa

legislação preveja a interferência estatal em algumas oportunidades, inclusive

77 Ibid., v. II, tomo I, p. 156.

Page 76: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

76

para manter regras pré-determinadas de convivência e propriedade, como se

verá adiante.

De uma origem romana baseada no poder político

vinculado à propriedade e na propriedade individualista, verifica-se, desde o

século XX, a evolução do conceito de propriedade para contemplar também o

interesse público em detrimento do exclusivamente privado. Anteriormente, nas

Ordenações Filipinas, os direitos reais tinham sua base no direito romano e

canônico, com clara concepção feudal.

A vinda da legislação civil de 2002 não alterou a disciplina

dos direitos reais em nosso ordenamento, apenas trazendo a lume um conceito

de força e responsabilidade, já previsto em nossa Carta Constitucional (art. 5º,

XXIII e art. 170, III), que é o da função social da propriedade e, em

consequência, dos direitos reais.

Tal conceito, dentro do conjunto da legislação brasileira,

demonstra a interferência do Estado nas relações de propriedade,

originariamente, de preocupação dos particulares apenas78. A discussão sobre

a extensão de tal função atribuída à propriedade também foi complementada

com a edição do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), que, dentre outras regras,

possui previsão expressa da chamada usucapião coletiva.

Uma das grandes inovações do atual Código Civil no

campo dos direitos reais, portanto, veio no artigo 1.228 e parágrafos, em

especial no parágrafo 1º, quando afirma:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de

78 É certo que a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), o Código de Mineração (Dec.

Lei 1.985/40) e o Código Florestal (Lei 4.771/65) são outros exemplos de lei que contém restrições e limites ao direito de propriedade.

Page 77: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

77

reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser

exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (...).

Ainda, há previsão, no mesmo artigo 1.228, parágrafo 4º.

e 5º., de uma nova espécie de desapropriação, determinada pelo Poder

Judiciário e baseada na chamada posse-trabalho. Conhecer tal inovação é

importante para que se possa entender a nova disposição do legislador em

conferir, claramente, a possibilidade de intervenção estatal nas relações

particulares de propriedade, em prol da coletividade.

Para este estudo e a nosso sentir, a instituição do direito

real de habitação decorrente da sucessão está vinculada, também, ainda que

em teoria, à função social da propriedade, na medida em que confere, na forma

do Código Civil atual, ao cônjuge sobrevivente, por exemplo, o direito a habitar

gratuitamente o imóvel familiar, independentemente de ser ou não herdeiro do

falecido. É, como se verifica, forma clara de intervenção estatal nas

disposições de liberalidade dos particulares, inclusive no campo da sucessão

legítima. Nesse particular, entretanto, cumpre ressaltar que o objetivo da

previsão legislativa e da instituição do direito real de habitação originado na

sucessão hereditária coloca-se em prol da manutenção da família e da ordem

social, mas, sempre, respeitando os princípios que regem os direitos reais, em

especial, da tipicidade e da taxatividade.

Page 78: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

78

A ideia da função social da propriedade não é tão

contemporânea como parece. Pelas lições de J.M. de Carvalho Santos, em seu

Código Civil Brasileiro Interpretado, nota-se a preocupação, já de há muito,

com o caráter social da propriedade e da posse:

A propriedade, como a posse, tem, em verdade, o caráter social, no sentido de que só a sociedade permite esta posse como confere aquela propriedade e os demais direitos reais, não se podendo, por isso mesmo, conceber como possa a propriedade ser exercida contra o interesse social, a não ser que a ponto de sacrificá-lo, exterminá-lo, reduzi-lo a nada, pois se conceba a criatura poder se rebelar contra o criador, ter mais direito este, gozar de mais vantagens e regalias, a tanto equivale embaraçar o seu desenvolvimento, o seu progresso, o seu valor.79

Como mencionado neste capítulo, o direito real de

habitação decorrente da sucessão visa respeitar, ao que parece, além de

outros preceitos, a tentativa de manutenção da vida familiar (fundada na função

social da propriedade) e, por esse preceito, não poderia o cônjuge

sobrevivente, no exemplo acima ilustrado, após viver anos e anos com seu

consorte, ficar sem residência para habitar, esfacelando a família até então

constituída, pelo simples fato de, eventualmente, não ser herdeiro dos bens

deixados pelo falecido.80

79 v. 7, p. 270. 80 Pela concepção atual do princípio da dignidade da pessoa humana, que

coloca a família a partir das pessoas que a compõem, poderia-se-ia discutir se o direito real de habitação estaria vinculado à manutenção da vida familiar no lar conjugal e, por conseguinte, se tal direito preservaria o princípio, não permitindo que o indivíduo sofresse a sua própria degradação, após o falecimento de seu consorte.

Page 79: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

79

2.2.1. Princípios dos direitos reais

A previsão legal do Código Civil acerca dos direitos reais,

como já explanado, tem seu início no artigo 1.196, porém, apenas no artigo

1.225 é que o legislador trouxe, efetivamente, o rol taxativo dos direitos reais

que se encontram à disposição do indivíduo – há outros direitos reais previstos

em legislação extravagante, mas sempre respeitado o numerus clausus do

instituto.

A própria Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), em seu

artigo 172, afirma que, no registro de imóveis, serão feitas as averbações

relativas a direitos reais sobre imóveis ‘reconhecidos em lei’, ou seja, somente

serão objeto do devido registro ou da devida averbação, direitos reais previstos

em lei (princípio da legalidade ou tipicidade). Veja-se o teor no citado artigo:

Artigo 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, " inter vivos" ou "mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.

Segundo preceitua Maria Helena Diniz – também

corroborada pela lição de Orlando Gomes, Gustavo Tepedino, Silvio Rodrigues,

Carlos Roberto Gonçalves e Arruda Alvim81–:

Os direitos reais não podem ser objeto de livre convenção das partes, que não podem, por si mesmas, criá-los, por estarem vinculadas aos

81 Em sentido contrário, Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de

Direito Civil, v. 3, p. 12, ao afirmar que a convenção particular, desde que não contrarie princípio de ordem pública, pode ser aceita para criar um direito real. Também não aceita o numerus clausus dos direitos reais no Direito Civil português, José de Oliveira Ascensão, afirmando ser o momento do abandono dessa restrição legal.

Page 80: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

80

tipos jurídicos que a norma jurídica colocou à sua disposição. Estão limitados e regulados expressamente por norma jurídica, constituindo essa especificação da lei um numerus clausus. 82

Dessa forma, não que o rol dos direitos reais seja, por si

só, taxativo, também como o era no anterior Códex civil, no artigo 674. Em

verdade, os direitos reais propriamente ditos somente podem ser criados ou

extintos por lei, não estando à disposição do particular a sua criação ou

modificação. É certo que, nesse particular, cumpre lembrar que o particular

poderá renunciar ao exercício do direito real, mas tal ato não implica na

extinção, em tese, da modalidade.

Essa característica, de respeitar um rol numerus clausus

de tipos legais, é, assim como a publicidade dos atos, a mais importante

dentre os direitos reais e, por isso, sempre deve permear a sua existência e

utilização. Se houver qualquer imposição restritiva ao direito de propriedade ou

ao direito real e que não advenha de texto legal83, terá, certamente, natureza

obrigacional (jus ad rem) e não de direito real (jus in re), visto que emanada de

vontade das partes contratantes ou celebrantes.

Assim, no campo dos direitos obrigacionais,

contrariamente aos direitos reais, há a flexibilidade de sua constituição, não se

configurando apenas válidas e vigentes as hipóteses expressamente previstas

no Código Civil ou, eventualmente, em legislação esparsa, e sendo possível, a

82 Código Civil Anotado, p. 965. 83 Excepcionalmente, o direito real de habitação em decorrência da sucessão

hereditária possui características diferentes do direito real de habitação puro, visto que, por exemplo, por construção jurisprudencial, dispensa o devido registro para sua existência.

Page 81: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

81

critério das partes interessadas, dentro dos limites legais e contratuais,

estipular uma ou algumas obrigações.

Pela lição de San Tiago Dantas:

...sendo certo que os direitos reais prevalecem erga omnes, seria inadmissível que duas, três ou mais pessoas pudessem, pelo acordo de suas vontades, criar deveres jurídicos para toda a sociedade.84

Apenas para exemplificar o critério adotado pelo princípio

mencionado do numerus clausus, importa lembrar que o compromisso de

compra e venda, com cláusula de irretratabilidade, atualmente previsto em

nosso Código Civil como direito real, teve origem no ordenamento jurídico

nacional por intermédio do Dec. Lei 58/37, ou seja, passou a ser considerado

figura do rol dos direitos reais desde que o referido Decreto-Lei o criou,

respeitando a regra acima referida.

Sobre o princípio da tipicidade ou legalidade, diz Arruda

Alvim:

Deve ser entendido – o princípio da tipicidade -, portanto, como a manifestação específica da legalidade no campo do direito das coisas, i. e., os direitos reais precisam estar normativamente previstos (CC de 1916, art. 674 e CC de 2002, art. 1.225); só podem existir, os direitos reais, como tais, se a situação enquadrar-se rigorosamente na regra de direito - subsumindo-se aos respectivos elementos definitórios -, que os prevê. A exigência de respeito à tipicidade, para ingresso no Registro de Imóveis, encontra-se, também, no art. 172 da Lei no. 6.015, porquanto se registráveis são os direitos reais, ‘reconhecidos em lei’, disto se seguindo que o regime de que se trate há de ter sido inteiramente observado e deve ser objeto de análise pelo registrador.85

84 Programa de Direito Civil, v. III, p. 18-19. 85 Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. XI, t. I, p. 424.

Page 82: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

82

André Godinho, em sua obra específica sobre o tema,

assevera, distinguindo o princípio do numerus clausus do princípio da

tipicidade:

(...) enquanto o princípio da tipicidade se refere ao conteúdo estrutural do direito real e, portanto, à modalidade de seu exercício, o princípio do numerus clausus diz respeito única e exclusivamente à fonte do direito real.86

Os princípios da taxatividade (numerus clausus) e da

tipicidade (legalidade)87 dos direitos reais também são encontrados,

exemplificadamente, no direito português e no direito argentino. Diz, acerca da

matéria, o Código Civil Português, em seu artigo 1.306º.:

Art. 1.306º. Não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.

Segue o Código Civil Argentino, sobre a mesma previsão

legal:

Art. 2.502. Os direitos reais somente podem ser criados pela lei. Todo contrato ou disposição de última vontade que constituir

86 Direitos reais e autonomia da vontade: o princípio da tipicidade dos direitos

reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 16. 87 Pela lição de Arnoldo Wald, em seu Direito Civil: Direito das Coisas, v. 4. p. 31,

o princípio da taxatividade (numerus clausus) informa que: são direitos reais aqueles reconhecidos pela lei em vigor, vedando-se a criação de novos direitos reais pelas partes. Dessa forma, o princípio da taxatividade dos direitos reais afirma que eles só existem se forem criados por lei, ou seja, a norma enumera, taxativamente, os casos de sua aplicação, não havendo aplicação analógica da lei. Pelo princípio da tipicidade (também chamado de legalidade ou tipicidade estrita), além do direito real estar previsto em lei, seu conteúdo também necessita estar tipificado no texto legal, para que possa ser assim considerado.

Page 83: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

83

outros direitos reais, ou modificar os que por este código se reconhecem, só valerá como constituição de direitos pessoais, se como tal puder valer. (tradução livre)

Podemos citar ainda, como princípios fundamentais dos

direitos reais:

• a) aderência ou especialização;

• b) absolutismo;

• c) publicidade;

• d) perpetuidade;

• e) exclusividade;

• f) elasticidade e consolidação.

O princípio da aderência informa que, entre a coisa e o

sujeito, há um vínculo, independentemente de qualquer sujeito passivo, até

porque o direito real é oponível erga omnes, dotado do direito de sequela. A

relação entre a pessoa e a coisa, portanto, é direta e imediata, existindo onde

quer que a coisa se encontre. Tal concepção é que oferece força suficiente

para a manutenção da teoria clássica ou realista dos direitos reais, posto que,

atualmente, o ponto fundamental que diferencia os direitos reais dos pessoais é

que, no primeiro, a atuação do sujeito é direta e imediata, sem a necessidade

de intervenção de qualquer outra parte ou terceiro. Tal princípio, portanto, é

base dos direitos reais e o diferencia sobremaneira dos direitos pessoais, onde

a prestação obrigada somente pode ser exigida do sujeito passivo ou dos

devedores, tidos como intermediários para o sujeito ativo chegar à coisa.

O artigo 1.228 do Código Civil diz, claramente, que o

proprietário pode usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem quer que

Page 84: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

84

injustamente a detenha, explicitando a aderência da pessoa à coisa. É certo

que cada direito real terá as suas peculiaridades, principalmente, de acordo

com a função exercida.

O princípio do absolutismo refere-se à característica dos

direitos reais serem oponíveis erga omnes, ou seja, em face de todos, que, por

direito legalmente estabelecido, não podem turbar ou esbulhar o direito do

titular, ou ameaçar esse direito com atos de turbação ou esbulho. Tal princípio

segue a teoria clássica ou realista dos direitos reais. Como já explanado, em

decorrência do efeito erga omnes, origina-se o direito de sequela. Tal direito

nada mais é do que a possibilidade de buscar a coisa, bem como de exercer o

direito de preferência sobre ela, da qual há titularidade baseada em um direito

real, contra qualquer pessoa que a detenha injustamente.

Pela previsão do princípio da publicidade, na forma do

artigo 1.227 do Código Civil, os direitos reais sobre bens imóveis somente

podem ser adquiridos efetivamente com o devido registro no Cartório de

Registro de Imóveis do título objeto do vínculo. Os bens imobilizados por lei,

como navios e aeronaves, possuem disciplina própria, cujo registro e

publicidade se assemelham às regras dos bens imóveis, regras estas

específicas, que podem ser verificadas nas Leis 7.652/88 e 7.565/86. Para os

bens móveis, a confirmação do direito real viria pela tradição do bem. A

publicidade dos direitos reais sobre imóveis e móveis é proposital para

possibilitar a ciência a terceiros que, eventualmente, podem ser objeto de

demanda do titular, com vistas a exercer o seu direito de reaver a coisa de

quem quer que a detenha (efeito erga omnes).

Page 85: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

85

Como afirmado por Arruda Alvim, tratando dos princípios88

dos direitos reais:

(...) o regime jurídico dos direitos reais (sobre imóveis) adota o princípio da publicidade. Tem-se que o desenvolvimento e evolução do princípio da publicidade é que fez nascer o sistema registral. É a partir da publicidade e em torno dela, que é quase sempre constitutiva em nosso sistema, como na hipótese de uma compra e venda (art. 1245, caput, do CC e art. 167, I, no. 29, da Lei no. 6.015), objeto de publicidade (registro), então com a transferência da propriedade, que encontramos o elemento principal do sistema de registros.89

Para o presente estudo, entretanto, como já foi dito

anteriormente, importa lembrar que o direito real de habitação decorrente da

sucessão não prescinde do necessário registro para sua vigência90, podendo

ser realizado a posteriori, com o respectivo formal de partilha, para que possa

surtir efeitos erga omnes. Tal característica atribui ao direito real de habitação,

originado na sucessão, um diferencial em relação aos direitos reais em geral,

aspecto que será analisado, com maior profundidade, em tópico próprio.

Pelo princípio da perpetuidade infere-se que o direito real,

em especial o direito de propriedade, é perpétuo e não se perde pelo não uso.

A extinção ou modificação de um direito real apenas se poderá dar pelos meios

88 A respeito dos registros a serem efetivados no registro de imóveis, por

exemplo, o artigo 172 da Lei de Registros Públicos, assim menciona: “Artigo 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, "inter vivos" ou "mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”.

89 Ibid., p. 421. 90 A respeito da desnecessidade de registro para constituição do direito real de

habitação decorrente da sucessão hereditária, vide Recursos Especiais 74.729/SP (rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira) e 565.820/PR (rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito) – STJ.

Page 86: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

86

legais previamente expressos, tais como a renúncia, o abandono proposital, a

desapropriação, dentre outros.

O princípio da exclusividade consiste na regra de que não

há a incidência de direitos reais de igual conteúdo para a mesma coisa. Não é

possível, portanto, haver direitos reais ofertados a duas ou mais pessoas

diferentes, com mesmo objeto e conteúdo. Se houver direito real concomitante

entre vários titulares, certamente, cada qual possui a sua porção real e distinta

dos demais.

Por fim, os princípios da elasticidade e da consolidação,

nas palavras de Arruda Alvim, assim se conceituam e se situam, nos direitos

reais:

Vale dizer o desmembramento é o princípio que, num primeiro momento, designa a criação de direito real; e, inversamente, o da consolidação indica o término do direito real, com a volta do (s) elemento (s) constitutivo (s) (poder e faculdades respectivas) desse direito real ao âmbito dos poderes do titular do direito de propriedade de onde se haviam originado. São os princípios da elasticidade ou do desmembramento, e o da consolidação. (...). Assim, o direito de propriedade, sendo elástico, se desmembraria em todos os outros tipos de direitos reais possíveis, ou seja, pelo utilizar da expressão possíveis, significamos viabilidade de convivência de mais de um direito real, geneticamente ligados ao mesmo direito de propriedade. No entanto, se esse desmembramento é usual, porque pode corresponder às múltiplas necessidades de fruição do bem imóvel e mantença da titularidade, pode-se dizer que tende para a ulterior reunificação destes direitos em mãos do titular do direito de propriedade-matriz (consolidação), e, uma vez findo esse desdobramento, volta o proprietário a enfeixar em suas mãos a totalidade dos elementos representativos das faculdades, utilidades e poderes desse direito, todos eles juntos, sob

Page 87: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

87

forma de domínio pleno; e, com isto os direitos reais, por isto mesmo, terão desaparecido.91

O princípio da elasticidade refere-se aos direitos reais,

facultando a esses seu desmembramento, sempre originado no direito real

mais completo, que é o direito de propriedade. Com a extinção de um direito

real específico (uso, usufruto, habitação, por exemplo), surgido do direito de

propriedade, há a consolidação desse direito real destacado no direito

originário.

No caso do direito real de habitação, por exemplo, ao

constituí-lo, a determinação das partes ou da lei destaca do direito de

propriedade o ius utendi, enquanto perdurar o direito instituído. Após sua

extinção, tal elemento da propriedade (direito de usar) retorna ao proprietário,

consolidando o direito do titular.

2.2.2. Elementos e modalidades dos direitos reais

O Código Civil Brasileiro prevê, em seu artigo 1.225, os

seguintes direito reais (com a inserção dos incisos XI e XII, de acordo com a

Lei 11.481, de 31 de maio de 2007):

Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação92;

91 Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, v. XI, t. 1,

2009, p. 436-437. 92 O direito real de habitação previsto no art. 1.225 do Código Civil atual é similar

ao direito real de habitação decorrente da sucessão, mencionado no art. 1.831 do mesmo diploma legal, visto que, neste último, algumas características o tornam diferenciado, como a desnecessidade de registro para sua constituição (como

Page 88: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

88

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para

fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso.

Como foi visto, os doze incisos citados do artigo 1.225

são as modalidades de direitos reais previstas em nosso Código Civil. É

importante lembrar que não se verifica em nossa legislação, como na Lei Civil

portuguesa e argentina93, a indicação expressa dos princípios da tipicidade e

da taxatividade dos direitos reais. A adoção de tais princípios, contudo, decorre

do próprio instituto e da construção doutrinária acerca do assunto. Entretanto,

isso não significa que o rol do Código Civil seja único, mas, sim, que as

hipóteses de direitos reais são taxativas, ou seja, é possível encontrar outras

modalidades ao longo do estudo do Código Civil e da legislação extravagante,

como o exemplo do próprio direito real de habitação atribuído aos

companheiros (previsão da Lei 9.278 de 1996, em seu artigo 7º., parágrafo

único94), da retrovenda (artigo 505 do Código Civil) e da alienação fiduciária em

garantia. Tais modalidades, em que pese estarem localizadas fisicamente fora

do ‘livro’ dos direitos reais, inclusive em legislação extravagante, decorrem,

exclusivamente, de previsão legal.

mencionado acima, relatando os Recursos Especiais 74.729/SP (rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira) e 565.820/PR (rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito) – STJ). Quanto aos direitos e deveres do habitador, também existem peculiaridades do direito assegurado no art. 1.831, que serão oportunamente aprofundadas.

93 Código Civil Português, artigo 1.306º e Código Civil Argentino, art. 2.502. 94 A discussão da vigência ou não de tal legislação em relação ao direito real de

habitação aos companheiros será objeto de discussão em tópico próprio.

Page 89: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

89

Do rol acima indicado e outras mais encontradas no

Código Civil, a título exemplificativo, são quatro as espécies:

• o direito de propriedade, o mais amplo dos direitos

reais;

• os direitos reais de gozo ou fruição: concessão

especial para fins de moradia, enfiteuse (extinta),

concessão de direito real de uso, superfície, servidão,

usufruto, uso, habitação;

• os direitos reais de garantia: penhor, hipoteca e a

anticrese, alienação fiduciária e;

• a retrovenda e o direito do promitente comprador do

imóvel.

Cada qual dessas modalidades possui características

próprias, sempre pautadas pelos elementos inerentes aos direitos reais e à

propriedade (o mais completo dos direitos reais). Tais elementos qualificam os

direitos reais, a propriedade e a posse e são:

• direito de usar (jus utendi);

• direito de gozar ou fruir (jus fruendi);

• direito de dispor (jus abutendi) e;

• direito de reaver a coisa de quem quer que

injustamente a detenha (reivindicatio).

Como dito, o direito de propriedade é o mais completo e

mais amplo dos direitos reais, contendo, em seu exercício, todos os elementos

acima citados, ou seja: os direitos de usar, fruir, dispor e reivindicar contra

quem injustamente detenha a coisa.

Page 90: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

90

Por outro lado, nos direitos reais de gozo ou fruição, de

garantia, ou no direito do promitente comprador, o respectivo titular exerce,

com plenitude, um ou alguns dos direitos que compõem a propriedade. Para

este estudo, apresentam-se, adiante, os elementos que estão envolvidos com

os direitos reais sobre coisas alheias (de gozo ou fruição), em especial, quanto

ao usufruto, uso e habitação.

A seguir, passa-se, então, à análise de cada um dos

elementos que compõem os direitos reais, visto que o exercício do direito real

de habitação, inclusive originado na sucessão, possui um ou alguns desses

elementos e tem seus limites estabelecidos por eles.

2.2.2.1. Elementos dos direitos reais

Os quatro elementos basilares do direito real, existentes

conjuntamente na propriedade (e, especificadamente, nos demais direitos

reais) são, para Arnoldo Wald95, divididos em sua vertente interna (da relação

existente entre o proprietário e o bem) e externa (da relação entre o proprietário

e os chamado sujeito passivo universal, existente no direito das coisas, que

gera eventuais conflitos e a necessidade do uso dos interditos possessórios).

Pela visão interna dos elementos dos direitos reais,

destacam-se:

a) Direito de usar (ius utendi): é a faculdade de, em

estando com a coisa, servir-se dela, do bem, do objeto da propriedade, sem,

todavia, alterar-lhe a substância, ou seja, sem alterar as características do bem

objeto do direito. A idéia de servir-se do bem está vinculada às utilidades da

95 Direito Civil – Direito das Coisas, v. 4, p. 22.

Page 91: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

91

coisa. Nessa medida, o direito de usar pressupõe que o proprietário desfrute

das utilidades que a coisa tem e que a coisa proporciona, mas sem lhe alterar a

substância.

É certo que o direito de uso do bem é limitado aos demais

direitos previstos no Código Civil e demais legislações, como o uso nocivo da

propriedade, por exemplo.

No caso do direito real de habitação, transmite-se, ao

habitador e à sua família, o direito de usar, destacando-o do direito de

propriedade, conferido ao titular do domínio.

b) Direito de gozar ou fruir (ius fruendi): este elemento da

propriedade é o direito de perceber os frutos e/ou produtos que a coisa produz

ou pode produzir ao longo do tempo (podendo ser frutos naturais ou civis,

dependendo do caso, ou, cumulativamente, os dois). Pela disposição do

instituto e pela amplitude de suas consequências, é certo que o direito de fruir

ou gozar, no mais das vezes, termina por incluir, em seu exercício, o direito de

uso e a posse do bem. A recíproca não é verdadeira, por exemplo, no caso da

servidão, onde há o exclusivo direito de uso, sem qualquer permissão para a

fruição da coisa.

c) Direito de dispor (ius abutendi): O direito de dispor do

Código Civil Brasileiro é mais restrito do que a ideia contida no ius abutendi ou

disponendi dos romanos, mas, de qualquer forma, é o traço distintivo entre a

propriedade e os demais direitos reais. O direito de dispor da coisa consiste,

literalmente, na disposição que o titular tem sobre ela para alterar-lhe a

substância ou então consumi-la, destruí-la ou abandoná-la. Por tal

característica, o titular da propriedade ainda pode alienar ou ceder a coisa a

Page 92: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

92

terceiros, transferindo o direito de propriedade, seja por venda, troca ou mesmo

doação.

O último elemento que compõe a propriedade, este de

vertente externa, é:

d) Direito de reaver a coisa de quem quer que

injustamente a detenha (reivindicatio). O direito supramencionado é o que

garante ao titular da propriedade ou da posse, dependendo das circunstâncias

(inclusive se houve divisão entre posse direta e indireta), o direito de proteger a

coisa contra o sujeito passivo universal, que, no caso concreto, passará a ter

qualificação: é aquele que pretende esbulhar ou turbar a posse ou já o fez. Tal

direito é o ponto máximo da propriedade, onde há a exclusão de terceiros

sobre a coisa que não lhes pertence legalmente – ou justamente - (a posse foi

obtida por atos violentos, clandestinos ou precários). Os direitos obrigacionais,

contrariamente ao previsto nos direitos reais, permitem ao titular dos créditos

nele inseridos promover a quitação forçada das obrigações somente contra os

sujeitos passivos que firmaram os negócios jurídicos, não existindo o sujeito

passivo universal.

É certo que a propriedade, por ser o mais completo dos

direitos reais, contém os quatro elementos acima citados. Nos demais direitos

reais, seja de garantia, seja sobre coisas alheias (de uso ou fruição), como já

foi explanado, o exercício do direito pelo titular abrange um ou alguns dos

elementos desmembrados da propriedade.

No capítulo seguinte, analisar-se-ão, portanto, os direitos

reais sobre coisas alheias, de gozo ou fruição, em especial o direito real de

habitação. Para tanto, apresenta-se uma breve análise sobre o usufruto e o

Page 93: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

93

uso, visto que são institutos assemelhados e importantes para o entendimento

do objeto do presente trabalho.

Page 94: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

94

Capítulo 3

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

3.1. Aspectos iniciais

Como já se adiantou, passa-se agora a explorar, com a

necessária profundidade, o direito real de habitação, foco do presente estudo,

de modo a observar sua perspectiva histórica, previsão em outras legislações,

seu conceito jurídico e, em momento subsequente, sua aplicação no direito das

sucessões.

3.2. Perspectiva histórica

Historicamente, o direito real de habitação (habitatio)

surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como uma modalidade mais restrita

do que o originário direito real de usufruto. Em verdade, o direito real de uso e

o direito real de habitação decorrem do mais amplo dos direitos reais de gozo

ou fruição sobre coisas alheias, que é o usufruto96.

No direito germânico, contrariamente à nossa legislação

civil, o uso e a habitação são considerados modalidades do usufruto,

classificados nas denominadas servidões pessoais limitadas. No Código Civil

Alemão (BGB), portanto, não se faz a distinção entre o usufruto, o uso e a

96 O usufruto é assim definido por Paulo, no Digesto, Liv. 7º., Tít. 1º, Frag. 1º.:

“usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi, salva rerum substantia”, ou, em língua pátria, o direito de usar a coisa pertencente a terceiro, percebendo-lhe os frutos, sem alteração de sua substância.

Page 95: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

95

habitação, tal como se coloca em nossa legislação. Para o direito germânico,

portanto, o direito real de habitação, como se verá a seguir, é modalidade

reflexa das servidões pessoais.

Os direitos reais de gozo ou fruição, denominados

usufruto, o uso e a habitação, têm suas origens vinculadas ao direito romano97

e, antes da vigência do Código Civil Brasileiro de 1916, a ele se recorria para

sua utilização.

Tais direitos reais de fruição são assim conceituados, pela

lição advinda do direito italiano, nas palavras de Roberto de Ruggiero:

Das quatro figuras típicas, conhecidas no direito romano, de gôzo de cousa alheia atribuído como direito real a uma pessoa determinada, apenas chegaram até ao nosso o usus fructus, o usus e a habitatio, tendo desaparecido as operae servorum. Mas esses três bem se podem reduzir a um conceito único, que é o do usufruto. Não é, na verdade, o direito de uso senão um usufruto mais restrito, um gôzo de cousa alheia limitado às necessidades do usuário e da sua família e não difere, assim, qualitativamente do gôzo ilimitado do usufrutuário, mas apenas quantitativamente. Por sua vez o direito de habitação não é mais do que uma forma particular do uso, caracterizada pela natureza especial da cousa sobre a qual o gôzo do usuário se concretiza: é um direito de uso sôbre uma casa de habitação.98

97 A origem do usufruto e de suas derivações pode ser verificada no Digesto de

Justiniano. Tal legislação, na verdade, é uma composição de fragmentos de doutrina de juristas clássicos da época (em vigor a partir de 30 de dezembro de 533). A reunião de textos e proposições dos inúmeros juristas que participaram do projeto foi um grande óbice para sua conclusão, em vista da divergência de opiniões e idéias. Por conta da necessidade de selecionar o que havia de melhor e mais condizente com as necessidades romanas, o Digesto (ou Digesta ou Pandectas), promulgado em 15 de dezembro de 533, passou a ser uma obra completa e um verdadeiro resumo do Direito Romano. Em vista da importância e complexidade do Digesto, diz-se que ele é a base de quase todos os Direitos modernos.

98 Instituições de Direito Civil, v. II, p. 424/425.

Page 96: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

96

Acompanha o conceito acima exposto, inclusive quanto à

semelhança dos institutos, a lição de Silvio de Salvo Venosa. Note-se,

entretanto, que, apesar da mencionada semelhança entre os direitos reais de

gozo ou fruição, há distinção expressa na legislação brasileira acerca de cada

uma das modalidades, suas características peculiares e seus limites de

exercício99:

Usufruto, uso e habitação são direitos de gozo ou fruição sobre coisa alheia, merecendo estudo conjunto, pois uso e habitação são institutos mais restritos, porém, da mesma natureza, regidos pelo conteúdo geral mais amplo de usufruto.

(...) Portanto, usufruto é um direito real

transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva sua substância.100

Dessa forma, nota-se que o direito real de usufruto atribui

ao titular de seu exercício os direitos plenos de usar (ius utendi) e gozar (ius

fruendi) da coisa alheia. Por tal motivo, ou seja, por sua abrangência, tal

instituto é mais atraente do que o uso ou a habitação convencional. De

qualquer forma, não há, nessa hipótese – do usufruto -, a transmissão do

direito de disposição (ius abutendi) sobre a coisa, que fica reservado

exclusivamente ao nu-proprietário.

Instituído o usufruto, portanto, tem-se que permanecerá a

coisa, concomitantemente, em propriedade e posse indireta com o titular do

domínio (nu-proprietário), titular do bem e dotado do direito de disposição, bem

99 Conforme artigos 1.390 (usufruto), 1.412 (uso) e 1.414 (habitação) do Código

Civil Brasileiro de 2002. 100 Direito Civil: Direitos Reais, v. 5, p. 455.

Page 97: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

97

como com o usufrutuário, que exercerá posse direta e os direitos atribuídos a

ele, de usar e fruir da coisa alheia. Com tal estrutura, não poderá o primeiro

(nu-proprietário) tomar quaisquer medidas contra o usufrutuário, que

embaracem ou atrapalhem o uso e a fruição do bem101, sob pena de, contra

ele, serem utilizadas as ações de defesa da posse102 (interditos possessórios

previstos na legislação civil brasileira103).

O direito real de uso e o direito real de habitação, por sua

vez, têm origem no usufruto e dele extraem várias de suas características e

formas de constituição e extinção. O primeiro, direito real de uso, tido por

Washington de Barros Monteiro como instituto sem qualquer utilização prática

ou significação jurídica em nosso país104, é assim conceituado, nas palavras de

mesmo autor:

Uso é usufruto restrito e, como este, ostenta as mesmas características: a) direito real, porque incide diretamente sobre a coisa; b) direito temporário; c) desmembramento da propriedade. Mas, por outro lado, tem predicados exclusivos, porquanto, ao contrário do usufruto, é indivisível e incessível. Nem seu exercício pode

101 Na hipótese de assim instituído, poderá o nu-proprietário exigir do

usufrutuário a prestação de caução, conforme giza o artigo 1.400 do Código Civil atual (antigo artigo 729 do Código Civil de 1916). Com isso, ao que parece, busca o legislador garantir a integridade da coisa ofertada em usufruto, bem como a liberdade de exercício do usufruto.

102 Nesse sentido, veja-se o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do então Ministro Carlos Alberto Menezes Direito sobre a matéria: “Ementa - Direito real de habitação. Ação possessória. Artigos 718, 748, 1.611, § 2º, e 1.572 do Código Civil de 1916. 1. O titular do direito real de habitação tem legitimidade ativa para utilizar a defesa possessória, pouco relevando que dirigida contra quem é compossuidor por força do art. 1.572 do Código Civil de 1916. Fosse diferente, seria inútil a garantia assegurada ao cônjuge sobrevivente de exercer o direito real de habitação. 2. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial 616027/SC, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª. turma, j. 4/06/2004, DJ 20/09/2004 p. 293).

103 Os interditos possessórios típicos são as ações de reintegração e manutenção de posse, bem como o interdito proibitório, conforme previsto no artigo 1.210 do Código Civil.

104 Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, v. 3, p. 315.

Page 98: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

98

ceder-se. Tanto o usufrutuário como o usuário gozam de coisa alheia, porém, enquanto o gozo do primeiro se reveste de amplitude, o do segundo sofre restrições.105

O direito real de uso, portanto, nada mais é do que um

usufruto limitado ou restrito que atribui ao usuário apenas o direito de usar a

coisa (ius utendi). Chegou-se a denominá-lo como usufruto em miniatura. Em

vista das restrições legais existentes quanto à sua forma de atuação, tem-se

que o instituto é pouco utilizado em nosso país, em vista, inclusive, da

existência do usufruto. Esse último, por ser mais amplo e admitir em sua

constituição a celebração da forma e das regras que melhor convierem às

partes, salvaguardadas as disposições legais, mostra-se mais útil e mais

atrativo do que o direito real de uso. Desse prisma, nota-se que as partes

interessadas poderão constituir o usufruto em vez do uso, impondo eventuais

limitações ou restrições, sempre respeitando o texto legal.

O direito real de habitação (habitatio), por sua vez,

também considerado ramificação do direito real de usufruto e ainda mais

restrito do que o direito real de uso, tem também suas origens no direito

romano. Tal direito possui características peculiares e específicas, de modo

que sua utilização no direito das sucessões, decorrente de previsão legal, é

ponto fundamental de sua existência e estudo. Em verdade, esse é o objeto

central deste trabalho.

Em virtude da existência do direito real de habitação

decorrente do direito hereditário é que o instituto apresenta maior significação

em nosso direito, visto que a instituição de direito real dessa natureza, fora dos

105 Ibid., p. 315.

Page 99: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

99

casos do direito sucessório, é uma hipótese bastante remota. Assim como no

uso, os interessados terminam por optar pelo usufruto, com imposição de

eventuais limitações, por sua abrangência e costumeira instituição em casos

semelhantes.

Como é lembrado por Eduardo Espínola106, o direito real

de habitação foi concebido, em seus primórdios (direito romano), como o uso

aplicado, especificamente, às casas (aedium usus). Entretanto, o direito de uso

constituído sobre uma casa é diferente do direito real de habitação, pelo

objetivo do instituto, pela possibilidade de cessão (o direito romano permitia a

locação do imóvel gravado) e, pela extinção em virtude do não uso, ao direito

real de habitação, que, necessariamente, recai em uma casa e possui

características próprias.

Na lição de Joannis Voet, tem-se que a habitação era, na

menção do Pandectas, alimentorum pars, ou seja, parte dos alimentos107. Tal

referência também é lembrada por Lafayette Rodrigues Pereira, quando

escreve sobre direito brasileiro das coisas108.

Após esse momento, o direito real de habitação foi

admitido como direito próprio, caracterizado na qualidade de usufructus

habitationis. Dessa forma, não mais se confunde, nos dias atuais, o direito real

de habitação com os antigos usus fructus aedium (usufruto de edifícios) ou com

o usus aedium109 (uso de casas), inclusive porque o atual direito real de habitar

106 Direitos Reais Limitados e Direitos Reais de Garantia, p. 286, nota 31. 107 Commentariorum ad pandectas: libri quinquaginta. Veneza: Sumptibus Petri

Milesi Edit., 1827, t. 1, p. 175. 108 Direito das Coisas, p. 277, nota 23. 109 Segundo A. Ernout e A. Meillet, em seu Dictionnaire Étymologique de la

Langue Latine, Paris: Klincksieck, 1957 e F. Gaffiot em seu Dictionnaire Illustré Latin-Français, Paris: Hachette, 1955, o termo aedium é a forma do caso genitivo plural de

Page 100: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

100

não pode ser cedido ou locado pelo habitador, como anteriormente previsto em

tais disposições.

Ademais, na previsão romana, o direito originado no usus

aedium se extinguia pelo denominado ‘não uso’, o que não ocorre com a

habitação (habitatio), inclusive nos dias atuais.

O direito romano também fazia distinção exata entre os

institutos em sua previsão legislativa (tal como a legislação brasileira), mas,

com relação à cessão do direito real de gozo ou fruição, mencionava que era

permitido ao beneficiário alugar a casa cedida em habitação, como bem

observa Clóvis Beviláqua:

O direito romano, distinguindo a habitatio do usus e do usufructus, dava-lhe o caráter de direito especial (quasi proprium aliquod jus). O habitador podia morar na casa ou alugá-la. Estava obrigado a dar caução.110

Comentando a disposição do direito romano sobre o tema

– exercício do direito real de habitação e seus limites -, Rubens Limongi França

escreve:

No que tange ao exercício do Direito de Habitação determina o ordenamento (art. 746) que o titular, em relação à casa alheia, “não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”.

Estas disposições, porém, não são incompatíveis com a amplitude que o Direito Romano emprestava ao instituto: “semelhantemente, quem tem o uso de uma casa entende-se ter somente o direito de nela

aedes – (templo, lar, casa); aedium significa “das casas”. Aedes, aedium deram origem aos termos portugueses edifício, edificação, edícula, edificar. Aedes designa o conjunto de uma construção e tem o sentido de “lar”. Por outro lado, a forma habitationem (de onde veio o português habitar, habitação) é o caso acusativo de habitatio (moradia). Assim, pode-se dizer que aedium se refere ao “lar” e habitationem indica, simplesmente, moradia.

110 Direito das Coisas, p. 321.

Page 101: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

101

habitar êle próprio, sem poder transferir a outrem esse direito. E apesar disso tem-se admitido seja-lhe lícito receber nela hóspede; tem o direito de habitar com sua mulher e filhos, e também com os libertos e com outras pessoas livres que se utiliza como servos. E, conseqüentemente, pertencendo o uso da casa à mulher, é-lhe lícito habitá-la com o marido.111

Em nosso direito, o usufruto, o uso e a habitação tinham

previsão expressa no Código Civil revogado de 1916, nos artigos 713 a 748.

Na atualidade, tais institutos mantêm a previsão legislativa autônoma, nos

artigos 1.390 a 1.146, como se verá a seguir, com a análise específica do

direito real de habitação em nosso direito e no direito estrangeiro.

3.3. O direito real de habitação no Código Civil Brasileiro

Como acima verificado, o direito real de habitação é

previsto no Código Civil Brasileiro de 2002, nos artigos 1.414, 1.415 e 1.416.

No revogado Código Civil, de 1916, a previsão de tal direito se encontrava nos

artigos 746, 747 e 748.

Verificando o instituto, é possível aferir que há duas

modalidades de direito real de habitação:

• direito real de habitação convencional ou voluntário

(estipulado respeitando-se a vontade das partes

envolvidas ou a vontade do instituidor, no caso do

testamento ou declaração unilateral de vontade, por

exemplo);

111 Manual de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 249.

Page 102: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

102

• direito real de habitação legal (originado em

determinação legal, como, por exemplo, no artigo

1.831 do Código Civil – objeto deste estudo -, que o

estabelece em favor do cônjuge sobrevivente, no caso

de morte de seu consorte, relativamente ao imóvel

familiar, se for o único dessa natureza a inventariar).

Ao analisar os dispositivos legais da legislação civil atual,

nota-se que não houve, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002,

qualquer alteração no conceito e previsão legal do direito real de habitação no

bojo dos direitos reais, em relação ao Código Civil de 1916, que continua sendo

uma modalidade restrita do usufruto e do uso, especificamente para conceder,

como direito personalíssimo, a determinada pessoa ou a determinadas

pessoas, o direito gratuito de habitar a casa alheia112. As alterações havidas no

direito real de habitação decorrente da sucessão hereditária, que ocorreram e

foram significativas, serão analisadas em seguida, em tópico próprio.

Importante lembrar que, via de regra e seguindo a posição

majoritária da doutrina brasileira, com será visto adiante, o habitador está

proibido de alugar ou emprestar o imóvel, sendo apenas autorizado a morar

com sua família e empregados domésticos.

Conclui-se, dessa primeira análise, que o direito real em

comento é personalíssimo – ainda que incida em prol de várias pessoas

distintas, conforme diz o artigo 1.415 do Código Civil - e recai sempre sobre

112 Na lição de Maria Helena Diniz, em seu Curso de Direito Civil Brasileiro, 22. ed., 2007, p. 447, a obrigação de habitar não é, necessariamente, a fixação do domicílio: “De maneira que o conteúdo da habitação é o habitar, não consistindo na fixação de domicílio. É perfeitamente possível que se habite, sem que seja o lugar do domicílio aquele em que se habita. A habitação é a permanência temporária sem ânimo definitivo de ali permanecer, que caracteriza o domicílio”.

Page 103: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

103

bem alheio, tal como prevê o direito civil germânico. Vejam-se os artigos 1.414

e 1.415 do atual Código Civil:

Artigo 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.

Artigo 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la.

O conceito de família, trazido pelas citadas modalidades

de direitos reais é vago e impreciso. Em verdade, como o direito real de

habitação é tratado como o uso com destinação específica de habitação

gratuita, é útil recorrer a algumas disposições do direito real de uso, para

melhor elucidação dos limites do direito real de habitação. Nesse sentido, veja-

se o artigo 1.412 do Código Civil:

Artigo 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família.

§ 1o Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver.

§ 2o As necessidades da família do usuário compreendem às de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.

Sobre essa imposição legal, Clóvis Beviláqua, ao

comentar o Código Civil Brasileiro de 1916, em seus artigos 743 e 744, afirma

que as necessidades pessoais do usuário e do habitador são as existentes na

constituição do direito e aquelas que sobrevierem após tal momento. Da

mesma forma, os filhos e empregados domésticos são tanto aqueles já

Page 104: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

104

existentes no momento da instituição do direito real de uso ou habitação quanto

os que surgirem posteriormente. Veja-se o comentário do autor sobre tais

questões:

Entrou em duvida, se as necessidades pessoaes do usuário são as existentes no momento, em que se constituiu o uso, quaesquer que ellas venham a ser no curso da sua existência, emquanto subsistir o seu direito. Devemos seguir a interpretação mais favorável ao usuário, e declara que o seu direito subsiste e se desenvolve, se as suas necessidades pessoaes augmentarem. Não se considéram necessidades pessoaes as da industria ou commercio do usuário.

Na expressão filhos não se comprehendem sómente os que existem ao tempo da constituição do uso, mas, egualmente, os que sobrevierem. O mesmo se deve dizer das pessôas do serviço domestico.113

Seguindo a mesma disposição do Código Civil Argentino,

a lei civil brasileira afirma, com clareza, que, para a concessão do direito real

de uso – e de habitação –, deverão ser levadas em consideração as

necessidades pessoais do usuário – e do habitador -, de acordo com a sua

condição social e o lugar onde viver.

Ademais, o conceito de família, para fins de compreender

o direito real de uso e de habitação, inclui, no direito brasileiro, o próprio

habitador (ou ele sozinho), seu cônjuge, seus filhos solteiros e os empregados

domésticos necessários para a manutenção da vida familiar.

Quanto às demais disposições, como formas de

constituição ou de extinção, diz o artigo 1.416 do Código Civil Brasileiro de

2002 que a habitação aproveitará, naquilo que não for contrário à sua natureza,

113 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. 9. ed. Rio de

Janeiro: Francisco Alves, 1953, v. 3, p. 327 e 328.

Page 105: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

105

as regras do usufruto, exceto quanto à extinção pelo não uso114. Leia-se, in

verbis:

Artigo 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.

As formas de extinção do usufruto são aplicáveis ao

direito real de habitação, exceto a extinção pelo não uso. Tais modalidades

estão expressamente previstas no artigo 1.410 do Código Civil de 2002,

conforme segue:

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I - pela renúncia ou morte do usufrutuário; II - pelo termo de sua duração; III - pela extinção da pessoa jurídica, em

favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV - pela cessação do motivo de que se origina;

V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI - pela consolidação; VII - por culpa do usufrutuário, quando

aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).

A esse respeito, acertada é a lição de Glauber Moreno

Talavera, em seu trabalho acerca da função social como paradigma dos

direitos reais de fruição, quando afirma que as disposições do usufruto também

114 Conforme a lição de Orlando Gomes, em seu Direitos Reais, 19. ed. atual. por

Luiz Edson Fachin, p. 355, 2004, pacífica em nossa doutrina, o direito real de habitação não se extingue pelo não uso.

Page 106: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

106

se aplicam à habitação, exceto quanto àquilo que não se coaduna com a

essência da habitatio:

As disposições imanentes ao usufruto são aplicáveis à habitação, se estas não forem díspares da sua essência, acrescentando-se que, no período romanístico, a habitatio extinguia-se não apenas pelos modos de extinção do usufruto, mas também por força terminativa de capitis deminutio e pelo non usus.115

Sérgio Iglesias Nunes de Souza ainda complementa com

mais uma hipótese de extinção do direito real de habitação, quando o habitador

tenha fixado morada em outro local, em outro imóvel. Nessa hipótese, haveria

a extinção do direito constituído em vista da intransmissibilidade do referido

direito:

Contudo, a intransmissibilidade do direito à moradia, como direito de personalidade, não se confunde com a intransmissibilidade dos direitos reais. No primeiro caso, a sua intransmissibilidade é resultante da infungibilidade dos bens e direitos da pessoa e da irradiação de efeitos próprios (os direitos da personalidade). No segundo, o direito de usufruto, de uso, ou de habitação, de que no caso se cogita, supõe-se que em toda a transmissão haja a substituição total do titular do direito. Portanto, se isso ocorrer, não se tratará de direito de personalidade. Desse modo, enquanto o direito de habitação é direito real, o direito à moradia é direito de personalidade.116

Apenas como ideia complementar quanto às

possibilidades de extinção do direito real de uso e habitação, visto tratar-se de

115 A função social como paradigma dos direitos reais limitados de gozo ou

fruição sobre a coisa alheia. In: Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal, Rui Geraldo Camargo Viana e Rosa Maria de Andrade Nery (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 323.

116 Direito à moradia e de habitação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 173-174.

Page 107: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

107

doutrina estrangeira, é importante lembrar a lição de José de Oliveira

Ascensão, quando, discorrendo sobre os direitos reais (em seu Direito Civil:

reais), afirma que o direito real de uso também se extingue pela ‘cessação da

necessidade pessoal’ que justificou a sua instituição:

Pelo contrário, temos de entrar em conta pelo menos com mais uma causa de extinção do direito de uso, além das de extinção do usufruto: a cessação da necessidade pessoal que justificou a constituição do direito. Se o morador usuário deixar de viver na localidade onde se encontra a habitação, extingue-se automaticamente o direito de habitação. Também quando a desnecessidade for originária deve considerar-se inválida a constituição desses direitos.117

3.3.1. O direito real de habitação na doutrina brasileira

Na lição de Pontes de Miranda, quando escreve sobre o

Código Civil Brasileiro de 1916, o direito real de habitação é tido como servidão

pessoal limitada, incidente sobre a totalidade ou parte de um imóvel, conforme

segue:

O direito (real) de habitação é servidão pessoal limitada, que recai sôbre todo ou parte do imóvel. O proprietário pode, ao constituí-lo, reservar-se o direito de também habitar no prédio, ou em parte dele. Só há gravame de todo o prédio, no primeiro caso; no segundo, só a parte real é gravada. O proprietário tem a faculdade de reservar a outra pessoa, ou a futuro proprietário o direito de também habitar, ou estabelecer que, à sua morte, ou a outro acontecimento, o direito de habitação passe a ser só da parte.118

117 Direito Civil: Reais. Lisboa: Coimbra Editora, 1993, p. 481. 118 Tratado de direito privado: direito das coisas, 1957, v. XIX, p. 381.

Page 108: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

108

Segundo Clóvis Beviláqua, em seu Direito das coisas,

escrevendo na vigência do antigo Código Civil Brasileiro, direito real de

habitação é:

Habitação é o direito real de habitar, gratuitamente, casa alheia. O titular deste direito não pode emprestar, nem alugar a casa, mas, apenas, ocupá-la com a sua família (Código Civil, artigo 748). É uso limitado e regula-se, no que lhe for aplicável, pelas normas do usufruto. Como o usuário, o habitador não é obrigado a reparações, e o seu direito, não havendo limitação no título, dura com a sua vida. Limitando-se ao direito de morar, não pode a habitação abranger o uso da casa para estabelecimento industrial ou comercial, salvo se nela reside o habitador.119

Verifica-se, portanto, que o direito real de habitação

refere-se ao uso específico de casa alheia, para moradia, não podendo, o

habitador – contrariamente às previsões do direito romano – emprestar, ceder

ou locar o imóvel constituído para esse fim. Em nosso direito, a conceituação

da habitação como servidão pessoal não é adequada, visto que se trata de

verdadeiro direito real, incidente sobre uma coisa e não sobre pessoas ou

direitos pessoais.

Na visão de Lafayette Rodrigues Pereira, quando

conceitua o direito real em discussão, não existe a possibilidade de ceder o

imóvel objeto da habitação, mas poderia admitir-se a locação:

A habitação, direito real, se assemelha ao uso e se aproxima do usufruto, mas distingue-se de um e de outro. Consiste no direito de morar e residir na casa alheia. Constitui-se e extingue-se pelos mesmos modos que o usufruto, e é, em geral, sujeita às mesmas leis. São-lhe inerentes as particularidades seguintes:

119 Direito das coisas, p. 321.

Page 109: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

109

1º. Aquêle que tem o direito de habitação pode alugar a casa, mas, não cedê-la a terceiro para habitar gratuitamente.

2º. A habitação não se extingue pelo não uso.120

Seguindo a lição de Clóvis Beviláqua e contrariamente ao

que afirma Lafayette, J. M. Carvalho Santos, em seu Código Civil Brasileiro

Interpretado, diz que não é possível alugar o imóvel objeto do direito real de

habitação121.

Ainda, diz J. M. Carvalho Santos, que também não será

possível ocupar o imóvel com hóspedes gratuitos, pois a habitação deverá

ocorrer apenas com a família do habitador. Nesse sentido, são as palavras do

mencionado autor, quando conceitua tal direito real:

A habitação é direito real do uso de uma casa, consistindo no direito de habitá-la gratuitamente. O texto supra, clara e positivamente, restringe esse direito, excluindo de modo expresso a faculdade de alugar o prédio, ou emprestá-lo, isto é, transferi-lo a título oneroso ou cedê-lo a título gratuito. Simplesmente ocupá-la com sua família, diz o texto legal, deixando evidente excluir a possibilidade de poder o titular receber hóspedes gratuitos, desde que se os considere, por tal fato, co-participantes do uso da casa, ou dar, em qualquer hipótese, hospedagem remunerada, bem como empregar a casa para estabelecimento de indústria ou comércio, se nela não habita.122

120 Direito das coisas, p. 276. 121 Em relação à impossibilidade de cessão do imóvel objeto do direito real de

habitação, J.M. Carvalho Santos, na mesma obra Código Civil Brasileiro Interpretado, v. IX, p. 485, complementa dizendo que essa vedação se dá também para a cessão onerosa de seu exercício. Diz, ainda, o referido autor, que tal direito também não pode ser penhorado.

122 Código Civil Brasileiro Interpretado, v. IX, p. 484.

Page 110: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

110

Na lição de Rubens Limongi França, o direito real de

habitação também é limitado à moradia do habitador e de sua família, como

segue:

De nossa parte, consideramo-la um desmembramento da propriedade, cujo objeto é uma casa ou imóvel congênere, e que consiste na faculdade que tem o sujeito de utilizar a coisa para moradia sua e de sua família.123

Arnoldo Wald, ao conceituar o direito real de habitação,

também se apresenta contrário a qualquer forma de cessão ou locação do bem

sobre o qual se constituiu tal direito, assim como define o exercício da

habitação como impenhorável. Em relação ao uso do bem apenas com a

família do habitador, o mencionado autor entende que eventuais hóspedes

gratuitos podem habitar o imóvel, sem desvirtuar a sua natureza de moradia da

família:

O direito real de habitação consiste em utilizar gratuitamente imóvel alheio com o fim de moradia. Assim, o direito não pode ser cedido. O habitador não tem a faculdade de emprestar ou de alugar o imóvel gravado, mas tão-somente de ocupá-lo com a sua família, dependentes e eventuais hóspedes. Pela sua natureza, o direito de habitação é impenhorável.124

Orlando Gomes, na mesma linha de Caio Mário da Silva

Pereira125 e Washington de Barros Monteiro126, também pondera, em sua obra

Direitos Reais, atualizada por Luiz Edson Fachin, que o direito real de

habitação é incessível. Quanto à extensão do termo “família”, o referido autor

123 Manual de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 247. 124 Direito Civil: direito das coisas, v. 4, p. 276. 125 Instituições de Direito Civil: Direitos Reais, 20. ed. atual. por Carlos Edison do

Rêgo Monteiro Filho, 2009, v. IV, p. 262-263. 126 Curso de Direito Civil: Direito das coisas, 37. ed. atual. por Carlos Alberto

Dabus Maluf, 2003, v. 3, p. 318-319.

Page 111: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

111

entende que poderão habitar o imóvel moradores não pertencentes à família,

desde que o façam gratuitamente, conforme segue:

Os direitos e obrigações do titular de habitação regem-se pelas normas do usufruto, no em que lhe não contrariarem a natureza. Seu direito restringe-se a ocupar a casa alheia, com a família. Não pode alugá-la nem emprestá-la. Impedido não está, contudo, de ter entre os moradores da casa pessoas que não sejam de sua família, desde, poderá, que não paguem hospedagem.127

Luciano de Camargo Penteado bem salienta acerca do

assunto:

Entre estas vedações legais está a da impossibilidade de celebrar sobre o imóvel contrato de locação ou comodato, ou ainda qualquer negócio jurídico que prive o titular da situação jurídica de habitação da posse do bem. Sendo praticado qualquer um destes atos, o direito real considera-se extinto por infração ao preceito legal do CC 1.414.128

Em relação à proteção legal do imóvel gravado com o

direito real de habitação, além da mencionada impenhorabilidade de seu

exercício, tratada por Arnoldo Wald, tem-se a opinião de Pablo Stolze

Gagliano, acerca da possibilidade da invocação do bem de família incidente

sobre o imóvel:

Como se trata de um direito amparado pela própria Constituição, que confere e garante o direito à moradia, forçoso convir que o habitador, posto não seja o dono do imóvel, poderá invocar a proteção legal do bem de família, caso seja demandado por dívidas contraídas por si ou seus familiares.129

127 Direitos Reais, 19. ed. atual. por Luiz Edson Fachin, 2004, p. 355. 128 Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 419. 129 Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2004, v. XIII, p. 214.

Page 112: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

112

No que tange aos frutos originados no imóvel objeto do

direito real de habitação, é certo na doutrina que não poderão ser percebidos,

exceto em escala normal, que seja compatível com o exercício da habitação.

Não poderão o habitador ou mesmo sua família extrair da coisa frutos em larga

escala ou mesmo em escala comercial ou industrial, assim como não poderão

usar o imóvel com essas finalidades – industrial ou comercial -, tendo-o,

apenas, para morar.

Sobre a extração e utilização dos frutos do imóvel

gravado com o direito real de habitação, Pontes de Miranda bem esclarece, em

seu Tratado de Direito Privado:

Não se pode dizer que o habitador não faça seus, habitando a casa, o fruto que entra no conceito de utilização da casa. Os exemplos mais expressivos são os dos frutos das árvores plantadas no pátio interno, ou nos corredores, ou em torno da moradia, no que ela se separa do sítio desfrutável pelo nu proprietário. O limite conceptual da habitatio é o que importa.130

Em relação à possibilidade de cessão do bem, assim

como no que tange ao uso do imóvel para fins comerciais ou industriais, a

opinião de Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de Direito Civil, é

bastante clara e precisa:

Tem esse direito real característica própria: o uso de casa alheia limita-se à moradia do titular e de sua família. Não pode este servir-se dela para estabelecimento de fundo de comércio ou de indústria. Não pode alugá-la, nem emprestá-la. Ou serve-se dela para a própria residência e de sua família, ou desaparece o direito real.131

130 Ibid., p. 389. 131 Ibid., p. 318.

Page 113: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

113

Maria Helena Diniz acompanha as lições acima citadas

acerca da impossibilidade de transformar o objeto da habitação em comércio

ou indústria e é bastante taxativa sobre o assunto, quando dele trata em seu

Curso de Direito Civil Brasileiro:

Seu objeto há de ser um bem imóvel, casa ou apartamento, com a destinação de proporcionar moradia gratuita, não podendo ser utilizado para estabelecimento de fundo de comércio ou de indústria. Portanto, esse direito deverá ser levado a assento no registro imobiliário (Lei 6.015/73, art. 167, I, n. 7).132

Nesse mesmo sentido de que o direito real de habitação é

personalíssimo e com destinação precisa e específica determinada em texto

legal, diz Carlos Roberto Gonçalves, em seu livro Direito Civil Brasileiro:

Não pode o titular do aludido direito, com efeito, extrair do imóvel outra utilidade que não seja a de residir. Não pode dele servir-se para estabelecimento de fundo de comércio ou de indústria. Se o fizer, desaparece o direito real. Todavia, pode o aludido titular utilizar também os seus acessórios e pertenças, tais como varandas, móveis, jardins etc. Falecendo o titular, o direito se extingue, ainda que haja cônjuges e familiares.133

Silvio de Salvo Venosa não concorda com a taxatividade

da proibição, afirmando que o direito real de habitação não impede o exercício

de atividades compatíveis com o direito de residência, tais como um pequeno

comércio, o atendimento de pacientes para o profissional liberal ou a prestação

de serviços em pequena escala134.

132 Curso de Direito Civil Brasileiro, v. IV, p. 447. 133 Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2006, v. V, p.

475. 134 Direito Civil: Direitos Reais, p. 484.

Page 114: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

114

Por fim, em relação às despesas do imóvel, com tributos e

benfeitorias, é certo que ao habitador cabem todos os tributos que incidam

sobre o bem. Com relação às benfeitorias necessárias realizadas em proveito

próprio ou da família do habitador, também estas não serão indenizadas pelo

proprietário do imóvel. Caso as benfeitorias não revertam em proveito do

habitador ou de sua família, deverão ser indenizadas. Sobre tal regra, correta é

a aplicação analógica dos artigos 1.403 e 1.404 do Código Civil Brasileiro de

2002.135

No caso de não pagamento dos tributos respectivos a

cargo do habitador, a opinião de Carlos Roberto Gonçalves é a de que, nesse

caso, a habitação não se extingue, podendo o proprietário cobrar o habitador

dos valores devidos, pela via processual própria136.

Apesar da discussão acerca da restituição dos valores

despendidos pelo habitador com as benfeitorias necessárias, principalmente se

estas tiverem sido feitas em seu proveito próprio, a obrigação de conservação

da coisa é uma das mais importantes do direito real de habitação.

Eventualmente, mesmo tomando todas as medidas de segurança do bem,

poderá haver destruição do prédio sem culpa do habitador. Sobre tais

situações específicas, pontua, com precisão, Caio Mário da Silva Pereira,

concluindo pela responsabilidade do habitador na conservação da coisa, mas,

135 Código Civil Brasileiro de 2002: “Artigo 1.403. Incumbem ao usufrutuário: I -

as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu; II - as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída.

Artigo 1.404. Incumbem ao dono as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou aumentarem o rendimento da coisa usufruída.”

136 A esse respeito, veja-se a obra de Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, v. V, p. 476, bem com a RT 643/166.

Page 115: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

115

não, na reedificação do imóvel destruído sem que houvesse concorrência de

culpa do habitador:

A situação especial do direito de habitação, que, como direito real, se não confunde com a utilização pessoal da coisa (locação, comodato), sugere a formulação de certas questões, que se respondem à luz dos princípios. A primeira, atinente à conservação do prédio, que incumbe obviamente ao titular do direito de habitação, desdobra-se em outra, a saber, se tem o devedor de reedificá-la em caso de perecimento inculpado. E a resposta será negativa. A destruição fortuita da coisa será motivo de resolver-se o direito, mas não gera o dever de reconstruir, por parte de quem tem a utilização. Se o título lhe impuser a realização do seguro, esta contribuição é obrigatória, devendo o valor segurado empregar-se na reedificação137

Dessa forma, pode-se concluir, em relação ao direito real

de habitação típico, previsto no Código Civil Brasileiro como direito real de gozo

ou fruição, que:

• o direito real de habitação é espécie restrita de uso,

cujo bem alheio é exclusivamente destinado a moradia

gratuita da família;

• o direito real de habitação é personalíssimo, devendo

ser exercido pelo seu titular e demais pessoas que a

lei permite, podendo ser instituído por lei ou por

convenção das partes;

• não há, contrariamente ao usufruto, o direito de

acrescer aos demais habitadores – se houver

137 Ibid., p. 263.

Page 116: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

116

pluralidade – no caso de falecimento de um dos

habitadores;

• o conceito de família, para esse fim, engloba o cônjuge

(ou companheiro), os filhos menores, os empregados

e demais pessoas que habitem, vinculadas ao

habitador, gratuitamente, o imóvel;

• a habitação deverá ser exercida de acordo com as

necessidades pessoais do habitador e de sua família,

de forma que a mensuração de tais necessidades dar-

se-á de acordo com as condições pessoais e o lugar

onde viver;

• o direito real de habitação é um direito real limitado,

gratuito, incessível – intransmissível - e temporário;

• o direito real de habitação tem sua divisibilidade

expressa em lei, apenas na hipótese em que admite o

exercício simultâneo da habitação a mais de uma

pessoa;

• se o direito real de habitação for conferido a mais de

uma pessoa, todas elas o poderão exercer, mas, se

não o quiserem, não poderão cobrar aluguel daquela

que permanece em seu exercício;

• em regra, o direito real de habitação deve ser

constituído e extinto mediante o respectivo registro na

matrícula do imóvel correspondente, principalmente

para gerar efeitos erga omnes;

Page 117: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

117

• em regra, as formas de constituição e de extinção da

habitação são as mesmas que as do usufruto (artigo

1.410 do Código Civil), exceto a extinção pelo não uso,

que não se aplica à habitação;

• acerca das formas de extinção dos direitos reais de

uso e de habitação, parece bastante plausível que

eles se extingam pela cessação da causa que os

originou ou mesmo pela fixação de residência, por

parte do habitador e sua família, em outro imóvel que

não o gravado com o respectivo direito real;

• quando instituído o direito real de habitação sobre a

totalidade do imóvel, não poderá ser instituído outro

direito real de gozo ou fruição, em vista de serem

mutuamente excludentes;

• o habitador é responsável pelos tributos incidentes

sobre a coisa, não tendo direito a indenização em

relação às benfeitorias necessárias que realizar

apenas em seu proveito ou de sua família;

• o habitador é responsável pela manutenção e

conservação do bem, inclusive no que tange às

respectivas despesas, mas não o será no caso de

destruição ou perecimento sem sua culpa;

• o exercício do direito real de habitação é

impenhorável, bem como pode ser protegido pelo bem

de família legal, da Lei 8.009/90;

Page 118: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

118

• o habitador e sua família podem usar a coisa,

extraindo os frutos restritos e necessários ao exercício

do direito real de habitação apenas. Exceto nessa

hipótese, os demais frutos não poderão ser extraídos

pelo habitador e demais moradores;

• o imóvel gravado com o direito de habitação não

poderá ser utilizado para outros fins, como comerciais

ou industriais, exceto na hipótese de o habitador

desenvolver atividades compatíveis com o direito de

residência e de habitação;

• o habitador pode utilizar-se dos meios de proteção

possessória para defender seu direito real sobre coisa

alheia, contra quem o esteja turbando ou esbulhando

ou ameaçando da prática de tais atos, inclusive contra

o próprio titular da propriedade138.

3.4. O direito real de habitação na legislação estrangeira

No direito estrangeiro, em várias legislações, o direito real

de habitação (e o direito real de uso) possui previsão expressa e autônoma,

apesar de derivar, em todas elas, do usufruto. Como será visto, na seleção

efetivada abaixo, a habitação é o mais específico dos direitos reais dessa

natureza, se comparado ao usufruto e ao uso. Em verdade, pode-se considerá-

138 Nesse sentido é o já citado acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da

relatoria do então Ministro daquela Corte, Carlos Alberto Menezes Direito, no Recurso Especial 616.027-SC, julgado em 14.06.2004.

Page 119: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

119

lo como de natureza personalíssima e instituído para a moradia da residência

familiar.

3.4.1. Código Civil Francês ou Código Napoleão

O Código Civil Francês, sem desprezo à legislação alemã,

é tido como a pedra inicial da ciência jurídica moderna. Nesse sentido, diz

Miguel Real, ao prefaciar a obra traduzida por Souza Diniz:

Pode considerar-se pacífico o reconhecimento de que é com o Código Civil de Napoleão que tem começo a Ciência Jurídica moderna, caracterizada sobretudo pela unidade sistemática e o rigor técnico-formal de seus dispositivos.139

No Código Napoleão de 1804, há a previsão expressa das

figuras do direito real de gozo ou fruição: usufruto (art. 578 a 624), uso e

habitação (artigos 625 a 636).

As palavras de Planiol e Ripert lembram que os direitos

reais de gozo ou fruição aqui tratados foram abordados pelo direito francês na

modalidade das servidões pessoais, assim como o foram no direito romano:

L’usufruit, l’usage et l’habitation portaient dans notre ancien droit le nom collectif de ‘servitudes personelles’. Cette qualification venait du droit romain : em latin le mot servitus s’employait pour désigner toutes les restrictions imposées au propriétaire dans l’intérêt d’autrui ; pour distinguer entre eux les droits très disparates compris sous cette dénomination commune, les jurisconsultes furent amenés à distinguer les servitudes personarum comprenant les droits de jouissance analogues à l’usufruit, et les servitudes praediorum, qui sont les servitudes proprement dites. De l’expression servitudes personarum, nous avont fait servitudes personnelles.

139 Código Napoleão. Rio de Janeiro: Record, 1962, trad. Souza Diniz, p. IX.

Page 120: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

120

Tradução livre do autor: O usufruto, o uso e a habitação levavam no nosso antigo direito o nome coletivo de ‘servidões pessoais’. Essa qualificação vinha do direito romano: em latim o termo servitus se empregava para designar todas as restrições impostas ao proprietário no interesse de outrem; para distinguir entre eles, os direitos muito díspares, compreendidos sob essa denominação comum, os jurisconsultos foram levados a distinguir as servitudes personarum incluindo os direitos de gozo análogos ao usufruto, e as servitudes praediorum, que são as servidões propriamente ditas. Da expressão servitudes personarum, nós formamos a expressão ‘servidões pessoais’.140

Seguindo a mesma linha doutrinária de Planiol e Ripert,

afirmam os irmãos Mazeaud que o usufruto, o uso e a habitação são, na

verdade, servidões pessoais. Ainda, especificamente, em relação ao direito real

de habitação, dizem os referidos autores que essa modalidade de direito real é

um uso restrito, que não pode ser cedido e deve ser usado para o objetivo para

o qual foi constituído. Veja-se, in verbis:

L’usufruit n’est pas la seule servitude personnelle. Les droits d’usage et d’habitation sont aussi des droits réels attachés à la personne de leur titulaire et, par conséquent, au maximum viagers. Ils constituent des restrictions, d’ailleurs assez rares, au droit d’usufruit.

(...) Le droit d’habitation ne confère à la

personne que en bénéficie que l’usage d’une maison ou d’une partie de celle-ci pour ses besoins et ceux de sa famille. Les règles de l’habitation sont celles du droit d’usage (...), le droit d’habitation étant um droit d’usage restreint. Comme lui (...), il est incessible, insaisissable, n’est pas susceptible d’hypotèque, et ne peut être donné à bail. Le titulaire du droit doit habiter lui-même.141

140 Traité élémentaire de droit civil. 12. ed. Paris : Librarie Genérale de Droit et de

Jurisprudence, 1939, t. 1, p. 954. 141 Leçons de droit civil. Paris: Éditions Montchrestien, t. 12, p. 1299-1300.

Tradução livre do autor: “O usufruto não é a única servidão pessoal. Os direitos de uso e de habitação são também direitos reais ligados à pessoa de seu titular e,

Page 121: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

121

Pela informação do artigo 625 do referido diploma legal, o

direito real de habitação se constitui e se extingue da mesma forma que o

usufruto (artigo 579), ou seja, se constitui pela lei ou pela vontade das partes e

se extingue, à luz da análise dos artigos 617 e 618, pela morte do habitador,

pelo decurso do tempo, pela confusão entre o titular do domínio e o habitador,

pelo não uso durante trinta anos, pela perda da coisa e por atos de abuso do

direito real (depredação etc.).

Ademais, conforme o artigo 628 do Código Napoleão, a

extensão do direito real de habitação constituído pela vontade das partes se

dará de acordo com as regras expostas no título respectivo, ampliando ou

restringindo o uso do bem ofertado, obviamente, com respeito às limitações

impostas por lei.

Em disposição semelhante ao BGB Alemão (Código Civil

Germânico), no artigo 626, o Código Civil Francês exige que, para o uso e a

habitação, seja realizado prévio inventário e seja oferecida caução, a título de

garantia.

No artigo 627, há interessante previsão de que o titular do

direito de habitação deve fruir do direito a ele concedido, como um bom pai de

família142. O conceito de “bom pai de família” é vago, mas remete ao exercício

consequentemente, no máximo, vitalícios. Eles constituem restrições, bem raras, aliás, ao direito de usufruto. (...)

O direito de habitação só confere à pessoa que dele se beneficia o uso de uma casa ou de uma parte desta para suas necessidades e as de sua família. As regras da habitação são aquelas do direito de uso (...), uma vez que o direito de habitação é um direito de uso restrito. Como ele (...), o direito de habitação é incessível, insequestrável, não pode ser hipotecado ou arrendado (alugado). O titular do direito deve habitar ele próprio.”

142 Previsão semelhante é feita no Código Civil Espanhol.

Page 122: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

122

da habitação com especial proteção àquelas pessoas que com o titular

habitam.

Em especial disposição para os limites da constituição e

do exercício do direito real de habitação, o Código Civil Francês prevê,

segundo a tradução de Souza Diniz, em seus artigos 632, 633 e 634, as

seguintes regras:

Art. 632. Aquêle que tem um direito de habitação numa casa, pode aí morar com sua família, mesmo quando não fosse casado ao tempo em que êste direito lhe foi concedido.

Art. 633. O direito de habitação se

restringe ao que é necessário para a habitação daquele a quem êste direito foi concedido e de sua família.

Art. 634. O direito de habitação não pode

ser cedido nem alugado.143

Nota-se, portanto, que a lei civil francesa determina,

seguindo a linha de Justiniano, no Digesto, que o direito real de habitação é

tido, especificamente, como uso da casa. Nesse sentido, é a lição de Lafayette

Rodrigues Pereira, em seu Direito das Coisas: “segundo o Direito francês

(Cód., arts. 632 a 634) o direito de habitação confunde-se com o uso da

casa”.144

Por fim, tem-se que o Código Civil Francês dispõe que o

direito real de habitação é extensivo à família do habitador. Na mesma

legislação, entretanto, não pode o bem objeto do direito real ser ofertado por

cessão ou aluguel (nesse ponto, a lei francesa possui disposição contrária às

origens romanas do instituto, que previam e autorizavam esse tipo de situação

143 Código Napoleão. Rio de Janeiro: Record, 1962, trad. Souza Diniz, p. 123. 144 Direito das Coisas, p. 277, nota 23.

Page 123: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

123

para o direito real de habitação, inclusive, prevendo a sua extinção pelo não

uso).

3.4.2. Código Civil Italiano

A lei civil italiana atual (Código Civil de 1942) sofreu

grande influência do direito civil francês e germânico, contrariamente ao Código

Civil Italiano anterior, de 1865, que era unicamente originado e inspirado no

Código Napoleão, de 1804.

O direito real de habitação, no direito italiano, assim como

na legislação francesa, também é expressamente previsto no Código Civil

respectivo, dentro do capítulo II, do livro III, que trata dos direitos reais de uso e

da habitação.

Alberto Trabucchi conceitua o direito real de habitação, ao

lado do direito real de uso, sob a égide da lei civil italiana, conforme segue, em

original e em tradução livre do autor:

L’uso è uma specie di usufrutto limitato, e Il diritto di abitazione è uma particolarità di uso che há per oggetto uma casa adibita appunto ad abitazione per il titolare del diritto stesso.

(...) Anche per l’abitazione, che consiste nel

solo diritto di abitare direttamente la casa o l’appartamento che ne è oggetto, l’art. 1022 fissa un limite al godimento : questo è riconosciuto alla sola persona del titolare e ai membri della sua famiglia.

(...) I diritti di uso e di abitazione, a differenza

dell’usufrutto, sono personalissimi, nel senso che non possono essere ceduti (1024) (...).

Tradução livre do autor: O uso é uma espécie de usufruto limitado

e o direito de habitação é uma espécie mais restrita do uso que tem por objeto uma casa destinada a moradia do próprio titular do direito.

Page 124: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

124

(...) Mesmo para a habitação, que consiste

apenas no direito de residir na casa ou no apartamento que é o seu objeto, o art. 1022 estabelece um limite para o gozo: este é restrito ao titular do direito real e aos membros de sua família.

(...) Os direitos de uso e habitação, ao

contrário do usufruto, são personalíssimos, no sentido de que não podem ser transferidos ou cedidos (1024) (...).145

O artigo 1.022 do Códex Civil Italiano de 1942 assim

dispõe, acerca do mencionado direito real (no original e com a tradução de

Souza Diniz):

Art. 1022. Chi há Il diritto di abitazione di uma casa può abitaria limitatamente ai bisogni suoi e della famiglia.

Art. 1022. Quem tiver o direito de habitação de uma casa, poderá habilitá-la limitadamente às suas necessidades e às da sua família.146

Como verificado no artigo 1.022 acima indicado, o direito

de habitação será deferido ao habitador e à sua família, nos limites de suas

necessidades. Essa disposição é a que diferencia a habitação do uso, visto

que, na habitação, o bem é sempre destinado à moradia do habitador e de sua

família, na medida de suas necessidades, enquanto, no uso, não há essa

limitação.

Dessa forma, e seguindo o disposto no artigo 1.023 da

mesma legislação, tem-se que é utilizada, no direito civil italiano, regra

semelhante à prevista no direito civil brasileiro quanto à extensão do termo

“família” para fins de direito real de habitação. O artigo 1.023 do Código Civil

145 Istituzioni di Diritto Civile. 39. ed. Padova: Edizioni Cedam, 1999, p. 512-513. 146 Código Civil Italiano. Rio de Janeiro: Record, 1961, trad. Souza Diniz, p. 172.

Page 125: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

125

Italiano147 estabelece que, no vocábulo “família”, vinculado aos direitos reais de

gozo ou fruição, estão inclusos os filhos nascidos depois do início do exercício

da habitação, os filhos reconhecidos, os filhos adotivos e as pessoas que

convivem com o habitador, na qualidade de prestadores de serviços

domésticos.

Diz Roberto de Ruggiero, traduzido em sua 6ª. edição por

Ary dos Santos, ao analisar a legislação Italiana revogada (antigo Código Civil

Italiano):

A nota fundamental característica que distingue o uso do usufruto, é a limitação das faculdades de gôzo atribuídas ao titular; economicamente destina-se ele a conferir a alguém uma utilidade proporcionada às suas necessidades, sem que se subtraia ao proprietário qualquer outra utilidade ulterior da cousa. É, pois, como aquele, um direito real sôbre cousa alheia, em virtude do qual o titular tem a faculdade de a usar e de tirar dela os frutos para satisfazer as suas necessidades e as de sua família e pode versar tanto sôbre imóveis como móveis (...), mas quando diz respeito a uma casa de habitação, toma o nome e a figura especial de direito de habitação, dando ao titular e à sua família o direito de a habitar.148

Segue ainda Roberto de Ruggiero, quando comenta a

legislação revogada e trata da extensão do conceito de necessidades suas e

de sua família na aplicação do direito real de habitação, de acordo com a Lei

Italiana:

Por família entende-se, porém, tanto neste caso como naquele, o grupo restrito

147 A previsão do artigo 1023 do Código Civil Italiano, segundo o artigo 153 do

decreto de execução do Código Civil e das disposições transitórias, de 30 de março de 1942, aplica-se a direitos reais de uso e habitação constituídos antes de 28 de outubro de 1941.

148 Instituições de Direito Civil. Trad. da 6. ed. italiana por Ary dos Santos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1936, v. 2, p. 436.

Page 126: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

126

constituído pelo titular, pelo cônjuge, pelos filhos legítimos, legitimados, naturais, reconhecidos ou adoptivos, ainda que tenham nascido depois da constituição do uso ou da habitação, bem como as pessoas adstritas ao seu serviço. Por necessidades consideram-se todas aquelas a que o gôzo da cousa pode dar satisfação directa, de modo que, ao passo que a extensão da faculdade de desfruto se mede pelas necessidades mutáveis e contingentes do grupo, pelas condições econômicas e sociais de quem usa, exclue-se o direito de fazer própria uma quantidade maior de frutos para converter os excedentes noutra utilidade, ainda que se destinem a satisfazer outras necessidades, de natureza diversa.149

Seguindo a mesma linha do direito civil brasileiro, bem

como a regra do artigo 634 do Código Civil Francês (Código Napoleão), o

artigo 1.024 da lei civil italiana também proíbe a cessão ou locação dos direitos

incidentes sobre o bem ofertado em direito real de uso ou de habitação,

conferido a determinada pessoa.

Quanto às despesas e encargos do bem habitado, o

artigo 1025 do Códex Civil Italiano bem esclarece, informando que o habitador

será o responsável pelo pagamento das despesas de cultura dos frutos, das

benfeitorias ordinárias e dos tributos respectivos, assim como ocorre na

legislação brasileira.

As demais regras do uso e da habitação, conforme

expressa previsão legislativa, devem acompanhar as disposições relativas ao

usufruto.

149 Ibid., p. 436.

Page 127: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

127

3.4.3. Código Civil Português

O Código Civil Português, de 1966, assim como o Código

Civil Italiano e o Francês, também possui disposição expressa, no livro III, título

III, capítulo IV, acerca do direito real de habitação.

Em verdade, a referida legislação apresenta o direito real

de habitação com subitem do uso (assim como faz, de forma menos incisiva, a

lei civil italiana), que se caracterizará quando o direito instituído for para casas

de morada.

José de Oliveira Ascensão, em seu Direito Civil: Reais,

conceitua o uso e a habitação no direito português, in verbis:

Direito de uso é o direito real de gozo de uma coisa, na medida das necessidades do titular e da sua família.

Direito de habitação é um direito real que para a lei não constituirá sequer um tipo diverso do direito de uso, pois haveria uma mera variação do objecto. De harmonia com o art. 1.484º/2 o direito de habitação seria simplesmente direito de uso, quando referido a casas de morada.150

Nesse particular, o direito civil português, no artigo 1.484,

2151, do Código Civil, adota a ideia outrora trabalhada por Justiniano (no direito

romano), de que a habitação é um direito real e estaria ligada ao uso da casa

(aedium usus).

Pela lição portuguesa, o direito de habitação, assim como

o de uso, consistirá, na medida das necessidades do beneficiário e de sua

150 Ibid., p. 479. 151 Artigo 1.484 do Código Civil Português: “1. O direito de uso consiste na

faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família. 2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação”.

Page 128: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

128

família, em servir-se de coisa alheia e seus frutos. A fixação dos limites

envolvidos nas necessidades pessoais do habitador e de sua família será

estabelecida segundo a sua condição social, conforme dita o artigo 1.486 do

Código Civil Português.

As necessidades do usuário ou do morador usuário (no

caso da habitação), como visto acima, deverão ser verificadas segundo sua

condição social. Entretanto, bem salienta José de Oliveira Ascensão, quando

distingue entre o uso da habitação, no que tange à percepção dos frutos da

coisa gravada, e o direito real respectivo. Nesse particular, o autor informa que,

no direito real de habitação, em seu entendimento, não haveria qualquer forma

de extração de frutos, o que não ocorreria com o direito real de uso. Veja-se,

no original do autor:

A expressão direito de uso é imprópria. Este abrange também a fruição para satisfação directa de necessidades (veja-se o art. 1.489º) e não apenas o uso em sentido técnico. Já no direito de habitação não se encontra nenhuma modalidade de fruição.152

Quanto ao conceito de família, para fins de determinar a

extensão do direito real de habitação, o Código Civil Português assim

expressa, em seu artigo 1.487º:

Art. 1.487º. Na família do usuário ou do morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devidos alimentos e as pessoas que, convivendo com o respectivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas designadas.

152 Ibid., p. 479.

Page 129: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

129

Seguindo a linha do direito civil italiano, a lei portuguesa

também previu que a família, beneficiada pela habitação, compreende o

cônjuge, os filhos solteiros, outros parentes (credores de pensão alimentícia) e

os empregados. Nesse particular, há divergência entre as legislações

supracitadas, visto que, na Itália, os filhos, naturais ou adotivos, fazem parte da

família, no sentido estrito do estudo. Já em Portugal, estão incluídos no

conceito de família, para fins de direito real de uso ou habitação, outros

parentes a quem o habitador deva alimentos.

O direito real de habitação português poderá ser

constituído por ato de vontade dos interessados, por testamento ou por

disposição legal153. Do teor do artigo 1.440º., apenas há a exceção de constituir

a habitação por usucapião, hipótese exclusa pelo artigo 1.293º., alínea b.

O artigo 2.103º – A, introduzido pelo Decreto-Lei 496 de

25 de novembro de 1977, trouxe uma forma especial de constituição do direito

real de habitação (também chamado de direito real de aquisição), decorrente

de lei, que é o originado no direito hereditário e que será analisado

oportunamente.

Há, ainda, no direito civil português, a partir do Decreto-

Lei 355 de 31 de dezembro de 1981 e do Decreto-Lei 275 de 05 de agosto de

1993, o denominado direito real de habitação periódica ou time sharing, como

conhecido no Brasil, principalmente para regular o mercado de unidades de

153 Nesse particular, assim como fazem a legislação francesa e a italiana, o

Código Civil Português, em seu artigo 1.485º., também remete as formas de constituição e extinção do uso e da habitação às disposições atinentes ao direito real de usufruto, no que couber, previstas nos artigos 1.440º. (constituição) e 1.476º (extinção).

Page 130: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

130

hotéis ou flats para as férias ou fins turísticos, por espaço certo e, em geral,

curto de tempo, a cada ano.

Voltando ao direito real de habitação do Código Civil

Português, tem-se que o artigo 1.488º. prevê a intransmissibilidade de tal

direito real, não podendo ser cedido, locado ou onerado, por qualquer modo.

Deverá o habitador arcar com as reparações ordinárias, as despesas de

administração e os impostos e encargos anuais, proporcionalmente à área

ocupada.

Eventuais outros direitos e deveres do uso e da

habitação, nos dizeres do artigo 1.490º. da lei civil portuguesa, deverão ser

buscados nas regras relativas ao usufruto, que se encontram entre os artigos

1.439º. a 1.483º.

3.4.4. Código Civil Alemão

Como já explanado, o direito civil alemão considera o uso

e a habitação, na verdade, direitos reflexos da denominada servidão pessoal

limitada. As disposições específicas nesse sentido encontram-se no Código

Civil Alemão, também conhecido como BGB, título III, a partir do artigo 1.090.

No artigo 1.093 do BGB (Código Civil Alemão), na versão

traduzida por Souza Diniz, assim está disposto:

Art. 1.093. Como servidão pessoal limitada, pode também ser instituído o direito de utilizar-se (alguém) de um edifício, ou de parte de um edifício, para habitação, com exclusão do proprietário. A este direito encontram, analogamente, aplicação as disposições estabelecidas para o usufruto, nos §§ 1.031,

Page 131: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

131

1.034, 1.036, no § 1.037 (1), e nos §§ 1.041, 1.042, 1.044, 1.049, 1.050, 1.057 e 1.062.154

Como se verifica, a lei civil alemã não instituiu o direito

real de uso e habitação como modalidades de direitos reais de fruição,

autônomos e independentes, como institutos decorrentes do usufruto. Em

verdade, no direito civil alemão, não se reconhecem tais institutos na forma que

se conhece, por exemplo, no Código Civil Brasileiro, em que o direito real de

uso e o de habitação têm autonomia, objeto e finalidade própria, ainda que

estejam diretamente ligados ao usufruto, inclusive quanto a alguns de seus

dispositivos.

No direito civil alemão, como lembra, com propriedade,

Sérgio Iglesias Nunes de Souza, os direitos reais de uso e habitação, apesar

de inseridos nas disposições das servidões pessoais limitadas, também se

utilizam de regras do usufruto, aplicadas analogamente, conforme citado na

nota anterior:

Assim, não há propriamente o reconhecimento do direito de habitação como concebido em outras legislações, mas um direito refletido pela servidão pessoal limitada, tratando a habitação como circunstância fática do exercício desse direito.

Assim, tratando o direito de habitação como servidão limitada, o Código Civil alemão permite que seja instituído o direito de alguém se utilizar de um edifício, ou de parte de um edifício, para habitação, com exclusão do proprietário. Entretanto, as disposições estabelecidas para o usufruto serão aplicadas, analogamente, para o direito de habitação, conforme o Código germânico, art. 1.093.155

154 Código Civil Alemão. Rio de Janeiro: Record, 1960, trad. Souza Diniz, p. 179. 155 Direito à moradia e de habitação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008, p. 89.

Page 132: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

132

Na segunda parte do citado artigo 1.093 do Códex Civil

Alemão há ainda disposição expressa de que o habitador fica autorizado a

exercer a servidão com a sua família e com os empregados necessários para o

funcionamento e manutenção do lar. Ademais, no mesmo artigo, terceira parte,

diz a lei civil alemã que, caso a habitação incida sobre parte do imóvel e não

sobre a sua totalidade, o habitador, sua família e empregados podem usar as

áreas e instalações comuns do edifício no exercício de seu direito.

3.4.5. Código Civil Espanhol

Na legislação civil espanhola, o uso e a habitação são

expressamente previstos nos artigos 523 a 529. Tais previsões legais

acompanham a doutrina do Código Civil Francês, também chamado de Código

Napoleão, na medida em que conferem, ao contrato feito entre as partes, a

disponibilidade de instituir o direito real de habitação, da forma que melhor lhes

convier.

Em relação especificamente à habitação, diz o Código

Civil Espanhol, em seu artigo 524, que a quem for instituído tal direito, estará

conferida a garantia de habitar a casa alheia, de acordo com as suas

necessidades e as de sua família.

Pelo teor do artigo 525 da mesma legislação, não poderá

o habitador, em qualquer hipótese, ceder o bem objeto do direito real (como

também afirma a doutrina acerca da disposição no direito brasileiro, bem como

diz, expressamente, o Código Civil Português e o Código Civil Francês,

exemplificadamente).

Page 133: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

133

Sobre os limites do exercício dos direitos relativos ao

habitador e sua família, discorre E.F. Camus, ao comentar o Código Civil

Espanhol:

En cuanto a los derechos que tiene el habitacionista, dispone el art. 524 en su párrafo segundo: La habitación da a quien tiene este derecho la facultad de ocupar en uma casa ajena las piezas necesarias para si y para las personas de su família.156

Quanto às formas de extinção, diz claramente o artigo

529157 do Código Civil Espanhol que a habitação se encerra pelas mesmas

formas pelas quais se dá a extinção do usufruto e, ainda, pelo abuso grave em

relação ao bem onerado e ao exercício da habitação. Nesse particular, a lei

civil espanhola apresenta, assim como o Código Napoleão, outra hipótese de

extinção do direito real de habitação, que seria o abuso no exercício do direito

real conferido ao habitador e à sua família. Certamente, a definição do que

seria um abuso grave está ofertada aos magistrados e à jurisprudência daquele

país.

Por fim, é importante mencionar a lição de Sérgio Iglesias

Nunes de Souza, quando lembra a previsão constitucional espanhola acerca

dos alimentos entre parentes e a relação do assunto com a habitação e o

direito real da habitação:

156 Código Civil Explicado. Havana: Cultural S/A - La Habana, 1944, v. 1, p. 459.

Tradução livre do autor: “Em relação aos direitos que tem o habitador, dispõe o art. 524 em sua segunda parte: a habitação dá a quem tem o referido direito a faculdade de ocupar uma casa alheia, de acordo com as necessidades suas e das pessoas de sua família.”

157 Artigo 529 do Código Civil Espanhol: “Los derechos de uso y habitación se extinguen por las mismas causas que el usufructo y además por abuso grave de la cosa y de la habitación”. Tradução livre do autor: “Os direitos de uso e habitação se extinguem pelas mesmas causas do usufruto, bem como por abuso grave da coisa e da habitação”.

Page 134: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

134

A tutela da habitação no Código Civil espanhol tem início pela determinação expressa de que os alimentos prestados entre parentes compreendem tudo o que é indispensável para o sustento, mencionando esse Código como primeiro fator indispensável à habitação, conforme o art. 142, primeira parte: “Se entiende por alimentos todo lo que es indispensable para el sustento, habitación, vestido y asistencia médica, según la posición social de la família”. Tradução livre do autor: “Entende-se por alimentos tudo que seja indispensável para o sustento, habitação, vestimenta, assistência médica, segundo a posição social da família”.158

Pela análise constitucional, portanto, nota-se que faz

parte da composição da pensão alimentícia, no direito espanhol, não só a sua

porção natural, mas também a civil, com a inclusão, entre outros, da moradia

ou habitação do alimentando, de acordo com a sua capacidade e condição

social. Dessa forma, quanto melhor ou pior o nível social e econômico daquele

que irá receber os alimentos, maior ou menor será a imposição judicial no

montante pecuniário a ser concedido, que, obviamente, deverá incluir os

demais itens mencionados no citado artigo 142 da Constituição da República

Espanhola.

3.4.6. Código Civil Chileno

O Código Civil do Chile prevê, a partir do artigo 811, em

seu título X, os direitos reais de uso e habitação. Como foi visto em outros

ordenamentos jurídicos, também no Chile a habitação é modalidade restrita do

uso, especialmente destinada a exercer os direitos reais relativos a uma casa

de moradia. Esse é o teor do artigo 811, segunda parte, do Código Civil do

158 Direito à moradia e de habitação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008, p. 80-81 e nota 6.

Page 135: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

135

Chile. Na legislação chilena, artigo 819, os direitos reais de uso e habitação

também não podem ser cedidos ou locados pelo usuário ou pelo habitador,

sendo permitido, de outra banda, a percepção e o consumo de frutos

originados no bem onerado.

A constituição e a extinção dos direitos de uso e de

habitação, por serem, no sentido amplo, espécies do usufruto, também se

regem por este último, como reza o artigo 812 do diploma civil chileno.

A extensão dos direitos, entretanto, será determinada no

título constitutivo do direito real de fruição ou, na falta, pelas disposições legais

atinentes à matéria (conforme artigo 814 do Código Civil Chileno). Nesse

particular, o artigo 815 da lei civil chilena determina que a habitação será

exercida de acordo com as necessidades pessoais do habitador, incluindo,

aqui, as de sua família. O conceito de família, nesse particular, inclui o cônjuge,

os filhos - seja os nascidos no momento da constituição do direito, seja os

sobrevindos posteriormente -, os empregados necessários para a família e as

pessoas que vivam com o habitador e à custa deste e, ainda, que dele sejam

credores alimentares.

Quanto à necessidade de caução para o exercício do

direito, contrariamente ao Código Napoleão, a lei chilena não exige a prestação

de caução, mas, apenas o denominado inventário159. Em relação aos cuidados

159 Diz o Código Civil Chileno, no original: “Art. 812. Los derechos de uso y

habitación se constituyen y pierden de la misma manera que el usufructo. Art. 813. Ni el usuario ni el habitador estarán obligados a prestar caución. Pero el habitador es obligado a inventario; y la misma obligación se extenderá al usuario, si el uso se constituye sobre cosas que deban restituirse en especie”. Tradução livre do autor: “Art. 812. Os direitos de uso e habitação se constituem e se extinguem da mesma forma que o usufruto. Art. 813. O usuário e o habitador não estão obrigados a prestar caução. Entretanto, o habitador é obrigado a fazer o inventário; e a mesma obrigação

Page 136: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

136

com a coisa, diz o artigo 818 do Código Civil Chileno que o habitador deve usar

o objeto do direito real com moderação e cuidado, obrigando-se a contribuir

com as despesas ordinárias de conservação e cultivo, de acordo com seus

benefícios.

3.4.7. Código Civil Peruano

A previsão do direito real de habitação no direito civil

peruano encontra-se tipificado nos artigos 1.026 a 1.029 do respectivo Código

Civil160, onde há o devido resguardo a tais direitos, com a previsão clara de que

não poderão eles ser objeto de nenhum ato jurídico que os prejudique.

Especificamente, nos artigos 1.027º. e 1.028º da lei

citada, existem as seguintes disposições quanto ao direito real de habitação,

citadas em seu original:

Articulo 1.027º - Derecho de habitación Cuando el derecho de uso recae sobre

una casa o parte de ella para servir de morada, se estima constituido el derecho de habitación.

Articulo 1028º.- Extensión de los

derechos de uso y habitación. Los derechos de uso y habitación se

extienden a la familia del usuario, salvo disposición distinta.161

Nota-se, portanto, que, no direito civil peruano, da mesma

forma que em vários ordenamentos já abordados neste trabalho, o direito real

se estenderá ao usuário, se o uso incidir em coisas que devam ser restituídas em espécie”.

160 O novo Código Civil Peruano tem vigência desde 14 de novembro de 1984, mas foi promulgado em 24 de julho de 1984, sendo publicado em diário oficial, em 25 de julho de 1984.

161 Tradução livre do autor: “Art. 1.027º. Direito de Habitação. Quando o direito de uso recair sobre uma casa ou parte dela, para servir de moradia, haverá o direito de habitação. Art. 1.028º. Extensão dos direitos de uso e habitação. Os direitos de uso e habitação estendem-se à família do usuário, exceto disposição contrária.”

Page 137: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

137

de habitação é uma espécie mais restrita do uso, quando se destina à moradia

do habitador e de sua família. Nesse ponto, a lei civil peruana possui previsão

diferenciada dos demais códigos até então estudados, pois permite a

disposição distinta da extensão do direito real de habitação, quando houver

consenso entre a parte estipulante e a parte beneficiária. Poderão as partes,

portanto, definir a real extensão do direito real a ser constituído, limitando

quantas pessoas e quais pessoas poderão utilizar-se do benefício.

3.4.8. Código Civil Argentino

Na lei civil argentina, também há a previsão expressa do

direito real de uso e do direito real de habitação, no livro III, título XI, nos artigos

2.948 a 2.969. No caso específico, conforme o artigo 2.967 do Código Civil

Argentino, o usuário e o habitador que têm posse sobre a totalidade do imóvel

são obrigados a dar fiança e a fazer o inventário do bem objeto do direito real,

assim como no usufruto.

Antes de dar início ao estudo da precisão legal de tais

direitos reais, releva frisar que, na legislação argentina, em seu artigo 267,

assim como na legislação brasileira e na espanhola, por exemplo, há

disposição expressa de que a obrigação alimentar compreende os

denominados alimentos naturais e os civis, abarcando, além de outros itens de

importância também fundamental, o direito à moradia e à habitação.

Quanto ao direito real de habitação propriamente dito, o

artigo 2.948 do Código Civil Argentino assim prevê, no original e com tradução

livre do autor:

Page 138: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

138

Artículo 2948. El derecho de uso es un derecho real que

consiste en la facultad de servirse de la cosa de otro, independiente de la posesión de heredad alguna, con el cargo de conservar la substancia de ella; o de tomar sobre los frutos de un fundo ajeno, lo que sea preciso para las necesidades del usuario y de su familia. Si se refiere a una casa, y a la utilidad de morar en ella, se llama en este Código, derecho de habitación.

Tradução livre do Autor: Art. 2948. O direito de uso é um direito real que

consiste na faculdade de servir-se da coisa alheia, independente da posse de alguma herança, com a obrigação de conservar-lhe a substância; ou de tomar posse dos frutos de um fundo alheio, de acordo com o que seja preciso para as necessidades do usuário e de sua família. Quando se refere a uma casa e à utilidade de nela morar, é denominado, neste Código, como direito de habitação.

Nota-se, portanto, que a mencionada legislação também

adota a orientação de que o direito real de uso, direcionado especificamente a

habitar uma casa, é tido como direito real de habitação, e os dois derivam do

usufruto.

Nesse sentido, tem-se que, de acordo com os artigos

2.949 e 2.969 do Código Civil da Argentina, o direito real de uso e de habitação

se constituem e se extinguem da mesma forma que é constituído o usufruto,

ressalvadas eventuais disposições legais específicas ou mesmo dispostas nos

títulos de constituição da habitação (conforme artigo 2.952 do Código Civil

Argentino162).

162 Código Civil Argentino: “Artículo 2952. El uso y el derecho de habitación son

regidos por los títulos que los han constituido, y en su defecto, por las disposiciones siguientes.” Tradução livre do autor: “O uso e o direito de habitação são regidos pelos títulos que os constituiram e, em sua falta, pelas disposições seguintes.”

Page 139: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

139

Os cuidados com o bem habitado seguem as regras

atinentes ao usufruto, como giza o artigo 2.966 do diploma legal acima citado.

Ademais, deverá o habitador promover o recolhimento, aos cofres públicos, das

taxas e impostos incidentes sobre o bem, conforme a parte do imóvel que

ocupe163.

A habitação da casa de moradia deverá ser feita de

acordo com as necessidades pessoais do habitador e de sua família, aferidas

por sua condição social. Na especificidade do direito real de habitação, família

compreende a mulher, os filhos, os empregados necessários para a família, as

pessoas que residam com o habitador e aqueles aos quais ele deva valor a

título de alimentos.

É o que dizem os artigos 2.953 e 2.954 da lei civil

argentina codificada, in verbis:

Artículo 2.953. El uso y la habitación se limitan a las necesidades personales del usuario, o del habitador y su familia, según su condición social. La familia comprende la mujer y los hijos legítimos y naturales, tanto los que existan al momento de la constitución, como los que naciesen después, el número de sirvientes necesarios, y además las personas que a la fecha de la constitución del uso o de la habitación vivían con el usuario o habitador, y las personas a quienes éstos deban alimentos.

Artículo 2954. Las necesidades

personales del usuario serán juzgadas en relación a las diversas circunstancias que puedan aumentarlas o disminuirlas, como a sus hábitos, estado de salud, y lugar donde viva, sin

163 Conforme o Código Civil Argentino, em seu artículo 2968: “El que tiene el

derecho de habitación de una casa, debe contribuir al pago de las cargas, de las contribuciones, y a las reparaciones de conservación, a prorrata de la parte de la casa que ocupe.” Tradução livre do autor: “Artigo 2.968. Aquele que tem o direito de habitação de uma casa deve contribuir com o pagamento das taxas, das contribuições e das despesas necessárias para conservação do bem, proporcionalmente à parte do imóvel que ocupe.”

Page 140: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

140

que se le pueda oponer que no es persona necesitada.164

O regime do direito real de habitação no direito argentino

segue, em regra, as mesmas disposições dos demais ordenamentos jurídicos

estudados, com a previsão de seu exercício aplicado ao habitador e à sua

família, aferindo suas necessidades pelos seus hábitos, como também pelo

local onde vivam.

Com relação à qualificação das necessidades pessoais do

habitador, na mesma linha do que dispõe o artigo 1.412 do Código Civil

Brasileiro, cumpre relembrar o teor do artigo 2.954 do Código Civil da

Argentina, quando afirma que estas serão averiguadas pelas circunstâncias

específicas de cada qual, segundo seus hábitos, estado de saúde e local onde

viva.

Como se verifica, portanto, o direito real de habitação está

presente nos ordenamentos jurídicos dos países acima citados de forma

assemelhada à do nosso país, prevendo, além de outras questões, sua

incessibilidade, impossibilidade de locação e não permissão de exercício da

fruição plena.

Para permitir o aprofundamento do tema e sua aplicação

na sucessão hereditária, serão tratados, no próximo capítulo, os princípios

164 Tradução livre do autor: “Artigo 2.953. O uso e a habitação se limitam às

necessidades pessoais do usuário e do habitador, sua família, de acordo com sua condição social. A família compreende a mulher, os filhos, legítimos e naturais, tanto os que existam no momento da constituição, quanto os que nascerem depois, os empregados necessários e as pessoas que, na constituição do uso ou da habitação, viviam com o usuário ou com o habitador e as pessoas a quem esses devam alimentos. Artigo. 2.954. As necessidades pessoais do usuário serão julgadas em relação à diversas circunstâncias que podem aumentá-las ou diminuí-las, com seus hábitos, estado de saúde e o lugar onde vivam, sem que se possa alegar que não é pessoa necessitada.”.

Page 141: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

141

gerais do direito sucessório e, em seguida, sua aplicação no direito real de

habitação.

Page 142: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

142

Capítulo 4

ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO

4.1. Notas introdutórias

O presente capítulo tem como objetivo estudar os

aspectos gerais do direito sucessório brasileiro. Em uma primeira análise, será

examinado o conceito e a verificação histórica do instituto para, em seguida, se

especificarem as regras atuais da sucessão, fundamentais para conduzir ao

estudo do direito real de habitação aplicado à sucessão hereditária.

É certo que, no presente trabalho, não se tem a pretensão

de esgotar o tema do direito sucessório brasileiro em todos os seus aspectos e,

nesse sentido, há o devido corte doutrinário, a fim de que se torne exequível o

devido aprofundamento nos temas que oferecem os elementos essenciais para

a conclusão deste estudo, voltado ao direito real de habitação na sucessão

hereditária.

4.2. Conceito e fundamento do direito sucessório

Para o estudo deste capítulo, importa ter, como pano de

fundo, o conceito de sucessão em geral e, em especial, da sucessão

hereditária ou sucessão causa mortis, devida em decorrência da morte de uma

pessoa.

Page 143: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

143

Clóvis Beviláqua, ao dissertar sobre o direito hereditário

ou direito das sucessões, afirma, com clareza, ser a sucessão uma forma de

aquisição de bens e direitos em virtude do falecimento de alguém, como se

verifica, in verbis:

(...) se atendermos a que a sucessão é um modo de adquirir direitos reais e obrigacionais, a que o patrimônio é noção especial do direito das coisas, mas a sua transmissão mortis causa se acha intimamente ligada a êsse mesmo direito das coisas, ao da família, ao das obrigações e ao das pessoas consideradas isoladamente, reconheceremos a necessidade lógica de acrescentar-se um outro membro à classificação. Será êste o direito hereditário.

Direito hereditário ou das sucessões é o complexo dos princípios, segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir. Essa transmissão constitui a sucessão, o patrimônio transmitido denomina-se herança; e quem o recebe se diz herdeiro.165

Complementarmente ao acima exposto, o mesmo Clóvis

Beviláqua, na mesma obra, de forma pontual, conceitua a herança, termo

largamente utilizado no tema dos direitos sucessórios, como o conjunto de

direitos e obrigações deixados pelo falecido:

Herança é a universalidade dos bens que alguém deixa por ocasião de sua morte, e que os herdeiros adquirem. É o conjunto de bens, o patrimônio, que alguém deixa ao morrer.

(...) Essa totalidade de relações econômicas,

essa universalidade de direitos e obrigações, que forma o patrimônio, recebe a denominação de herança, quando, pelo falecimento da pessoa se a considera em relação à transmissão para outra ou outras pessoas. Portanto, a herança é o patrimônio observado no momento de sua passagem de um proprietário, que falece, para outro, que lhe toma o lugar.166

165 Direito das sucessões. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945, p. 14. 166 Ibid., p. 20.

Page 144: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

144

Na lição de Itabaiana de Oliveira, nota-se a reiterada idéia

da sucessão vinculada à transmissão de bens e direitos decorrente do

falecimento de alguma pessoa natural, também associada à preocupação do

legislador quanto à permanência desses mesmos bens e direitos dentro da

família e da linha sucessória:

Sucessão é a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para o respectivo sujeito, constituindo um dos modos, ou títulos, de transmissão, ou de aquisição de bens, ou de direitos patrimoniais.

A idéia de sucessão está toda na permanência de uma relação de direito que perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares (...).

A palavra sucessão, na sua acepção jurídica, tem dois sentidos – lato e restrito:

(...) II – no sentido restrito – implica uma idéia

de morte, significando um dos modos de adquirir direitos e de transmitir, total ou parcialmente, a herança às pessoas a quem é devolvida – é a sucessão causa mortis. Neste sentido próprio e técnico, a sucessão é a transmissão do patrimônio de alguém, que morre, a uma ou a mais pessoas vivas (...).167

Nesse sentido, também vão as palavras de Carlos

Maximiliano sobre os direitos hereditários, alertando que a sucessão faz parte

da cadeia ininterrupta que une as gerações e constitui a forma para a

manutenção dos bens e da fruição sobre eles. Diz o autor que, no mais das

vezes, a aquisição e conquista dos bens pelo titular é feita como forma de

angariar patrimônio e de auxiliar e oferecer conforto a seus parentes e entes

queridos:

167 Tratado de Direito das Sucessões. São Paulo: Max Limonad, 1952, v. 1., p.

52-53.

Page 145: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

145

O direito hereditário surge e afirma-se na sociedade qual complemento natural da geração entre os homens; esta é a causa de sucessão interminável na vida da humanidade. A mesma cadeia ininterrupta que une as gerações, constitue o nexo sucessório civil; a continuidade da vida implica lógicamente continuidade no gôzo dos bens necessários á existência e ao desenvolvimento progressivo dos indivíduos.

(...) Por afeto e bondade, leva adeante o seu

labutar: até conseguir iguais vantagens para os entes que o cercam, auxiliam e estimam.

O interesse pelo futuro e bem-estar da prole é instintivo; observa-se na própria natureza. As melhores espécies vegetais desapareceriam, se não houvesse o cuidado com as sementes.168

A mesma lição é trazida por Silvio Rodrigues, atualizado

por Zeno Veloso, em seu Direito Civil: Direito das Sucessões, quando discorre

sobre o conceito de sucessão:

A idéia de sucessão sugere, genericamente, a de transmissão de bens, pois implica a existência de um adquirente de valores, que substitui o antigo titular. Assim, em tese, a sucessão pode operar-se a título gratuito e oneroso, inter vivos e causa mortis. Todavia, quando se fala em direito das sucessões entende-se apenas a transmissão em decorrência de morte, excluindo-se, portanto, no alcance da expressão, a transmissão de bens por ato entre vivos.

Assim sendo, o direito das sucessões se apresenta como o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores.169

168 Direito das Sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942, v. 1., p.

22. 169 Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo:

Saraiva, 2002, v. 7, p 3.

Page 146: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

146

Ainda sobre o conceito de sucessão e sucessão

hereditária (também denominada sucessão causa mortis), diz Ney de Mello

Almada:

Sucessão provém do étimo latino sucessio, ou seja, colocar-se uma pessoa em lugar de outra, dando seqüência a uma dada situação. Juridicamente, consiste no ingresso de uma pessoa numa relação jurídica na posição de outra, assegurada a mesma identidade do direito ou da obrigação ou, ainda, da relação. Com a inserção do sucessor num dos seus pólos, da mesma relação se abstrai o sucedido, processando-se mutação subjetiva.

Sempre que pronunciada a palavra, que encima este capítulo, acode-nos à mente a transmissão patrimonial mortis causa, caracterizada pelo fato de ocasionar, pela morte do titular, a transmissão universal de suas relações jurídicas (ativas ou passivas) aos herdeiros e legatários.170

Euclides de Oliveira171 também escreveu sobre o assunto,

conceituando o direito sucessório e apresentando as duas modalidades de

transmissão hereditária de bens e direitos existentes em nossa legislação:

legítima e testamentária.

É certo que nosso Código Civil privilegiou, outrora, a

sucessão testamentária, assim como o direito romano, originada na vontade do

titular do patrimônio que, em vida, por intermédio de documento hábil para tal

fim, destina bens para determinadas pessoas, que lhes serão entregues após a

morte do testador. Hoje, pelas limitações impostas aos testamentos, as duas

modalidades de sucessão podem conviver harmonicamente, sem preferência

de uma a outra. Em nosso direito, portanto, a sucessão legítima e a

170 Sucessões: legítima, testamentária, inventários e partilhas. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 23. 171 Direito de herança. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.

Page 147: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

147

testamentária podem coexistir, contrariamente ao que ocorria no direito

romano, em que, havendo uma modalidade de sucessão, a outra estaria

totalmente excluída.

É certo que, na falta de testamento ou na hipótese de não

ser ele válido e regular, ter sido considerado nulo, anulável, caduco, entre

outros, serão aplicadas as regras legais de sucessão, a chamada sucessão

legítima. Caso exista opção pela sucessão testamentária, tem ela seus próprios

limites, pois o titular dos bens, existindo herdeiros necessários172, somente

pode dispor de metade de seu patrimônio (artigos 1.789 e 1.857, parágrafo 1º

do Código Civil). Veja-se a lição do autor, quando trata do direito de herança e

sua transmissão:

A transferência do acervo patrimonial deixado por uma pessoa falecida é direito que integra o rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (art. 5º, XXX, da Constituição Federal de 1988).

Opera-se a transmissão de bens do falecido quer seja por vontade do testador expressa em documento hábil (testamento ou codicilo) outorgando os bens aos sucessores nomeados, quer seja por disposição da lei, que determina quais as pessoas habilitadas a suceder, segundo a ordem de vocação hereditária.

São essas as duas grandes vertentes do direito sucessório: a sucessão testamentária e a sucessão legítima.173

172 Os herdeiros necessários são aqueles a quem a lei atribui uma cota

obrigatória da herança (metade do acervo hereditário destinado aos herdeiros), denominada legítima. Havendo herdeiros necessários, não poderão eles ser excluídos desta cota mínima da herança por ato de vontade do falecido (artigo 1.789 do Código Civil Brasileiro). A princípio, de acordo com o artigo 1.845 do Código Civil de 2002, são herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge do falecido. Há discussão acerca da qualificação do companheiro originado em União Estável, como herdeiro necessário, já que o atual Código Civil não o qualifica como tal.

173 Ibid., p. 1.

Page 148: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

148

Pela definição de Francisco José Cahali, em seu Curso

Avançado de Direito Civil, escrito com Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka, lê-se:

Sucessão, na acepção da palavra, em sentido amplo indica a passagem, a transferência de um direito de uma pessoa (física ou jurídica) para outra. A relação jurídica inicialmente formada por determinados titulares passa, pela sucessão, a outros.

Opera-se, através desta seqüência, a troca de titulares de um direito, afastando-se uma pessoa da relação jurídica e, em seu lugar, ingressando outra, que assume todas as obrigações e direitos de seu antecessor. Subsiste o objeto original, mas substitui-lo na relação, inserindo-se um no lugar do outro. (...)

Ainda, a transferência dos direitos pode verificar-se em vida (sucessio inter vivos) ou em razão da morte de um dos sujeitos da relação jurídica (sucessio causa mortis), operando-se nesta última, sempre a sucessão a título universal, pois abrange todo o patrimônio da pessoa falecida.

(...) Também chamado direito hereditário,

apresenta-se como o conjunto de regras e complexo de princípios jurídicos pertinentes à passagem da titularidade do patrimônio de alguém que deixa de existir aos seus sucessores.174

Ainda sobre o conceito de direito das sucessões, Nelson

Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, no Código Civil Comentado,

complementam:

Direito de sucessões. Conceito. É parte do sistema de direito privado que tem por finalidade dar solução jurídica às questões atinentes à sorte do conjunto dos direitos e obrigações transmissíveis do que morreu. O direito de sucessões, também chamado direito sucessório ou hereditário, é expressão fidedigna dos anseios mais secretos do homem. Também

174 Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São

Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 23-24.

Page 149: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

149

é mecanismo jurídico que atende à pretensão do sujeito de direito de projetar, para além de sua morte, soluções previdentes acerca dos destinos de sua família.175

No direito português, José de Oliveira Ascensão define

com precisão o tema, afirmando que a vida social e a sociedade exigem a

continuidade das relações jurídicas, mesmo após a morte de um ente querido.

O referido autor, em seu texto, busca, inclusive, indicar a intenção do legislador

com o trato do assunto, tanto no âmbito pessoal do falecido (caráter individual

do direito sucessório) quanto no âmbito social (caráter institucional do direito

sucessório). Veja-se:

A morte, como fenômeno definitivo e irreversível, é causa de descontinuidade na vida social.

Nas relações interpessoais há um epílogo.

Nas relações institucionais, nomeadamente familiares, há um hiato, que se procura diversas maneiras de colmatar.

No plano das relações patrimoniais há uma interrupção, de que podem sofrer inclusivamente todos os terceiros que mantinham laços jurídicos com o autor da sucessão.

Mas a vida social exige continuidade. Não suporta imobilismos; e mesmo aos abalos periódicos que a sacodem reage através da adopção sub-rogatória de fórmulas de continuidade.

O Direito das Sucessões realiza a finalidade institucional de dar a continuidade possível ao descontínuo causado pela morte.

A continuidade a que tende o Direito das Sucessões manifesta-se por uma pluralidade de pontos de vista.

No plano individual, ele procura assegurar finalidades próprias do autor da sucessão, mesmo para além do desaparecimento deste. Basta pensar na relevância do testamento.

175 Código Civil Comentado e legislação extravagante. 3. ed. rev., atual. e ampl.

da 2. ed. do Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 815.

Page 150: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

150

(...) Mas tão importante como estas é a

continuidade na vida social. O falecido participou desta, fez contratos, contraiu dívidas... Não seria razoável que tudo se quebrasse com a morte, frustrando os contraentes. (...). A preocupação de assegurar essa continuação justa, tão visível por exemplo no processo de inventário, reforça o carácter institucional do Direito das Sucessões.176

Roberto de Ruggiero, na tradução de Ary dos Santos,

apresenta o conceito de direito sucessório vindo da lição do Código Civil

Italiano. Pelas palavras de Ruggiero, verifica-se, assim como no direito

brasileiro e português, a ideia de que o direito sucessório, além de ser útil ao

próprio falecido, que pode dispor de seus bens, se assim o quiser, é

imprescindível a toda a sociedade e a economia, na medida em que possibilita

a manutenção das relações jurídicas mantidas pelo falecido, agora com seus

sucessores:

A exigência sentida por qualquer sociedade juridicamente organizada, de que com a morte de uma pessoa as suas relações jurídicas não se extingam, mas que outras pessoas nelas entrem tomando o lugar do defunto, encontra satisfação no instituto da herança. Em qualquer outro campo pode ser verdade o mors omnia solvit, menos no direito, onde exigências não só morais e do espírito, mas sociais, políticas e, sobretudo, econômicas, impõem que, para a segurança do crédito, para a conservação e incremento da riqueza, as relações de uma pessoa continuem mesmo depois da sua morte; que no seu patrimônio se substitua um novo titular, o qual represente como que o continuador da personalidade do defunto.

O direito hereditário isto é: o complexo de normas que regulam a transferência dos bens do defunto para a pessoa que lhe sucede, tem precisamente nisto o seu fundamento racional e a sua justificação, que a morte não possa e não deva romper as relações de quem cessa de

176 Direito Civil: Sucessões. 5. ed. rev. Lisboa: Coimbra Editora, 2000, p. 11.

Page 151: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

151

existir, porque a interrupção destas repercutir-se-ia com efeitos danosos sôbre tôda a economia geral.177

O conceito da sucessão tirado do direito francês possui

bastante semelhança com as demais definições estudadas, inclusive

distinguindo a sucessão legítima e testamentária. A sucessão, nas palavras

dos irmãos Mazeaud, discorrendo sobre o direito civil francês, pode ser assim

considerada:

Le mot succession est pris dans deux sens. Il désigne la transmission à cause de mort, la dévolution des biens du défunt – qu’on appelle le de cujus (‘is de cujus successionis agitur’, celui de la succession de qui il s’agit) – à ses successeurs. Le mot succession désigne également le patrimonie transmis : on dit qu’un hériter recueille la succession du de cujus.178

Voltando à lição de Itabaiana de Oliveira, em seu Tratado

de Direito das Sucessões, citando também D’Aguano, ao explicar o

fundamento científico do direito sucessório, nota-se que tal fenômeno tem

explicações biológicas e antropológicas, como segue:

D’Aguano justifica o fundamento científico do direito sucessório nas conclusões da biologia e da antropologia, sôbre o problema da hereditariedade bio-psicológico, segundo o qual os progenitores transmitem, pelo fato da geração, aos seus descendentes, não só os caracteres orgânicos, mas também as qualidades psíquicas, virtudes e defeitos; e conclui daí, como corolário lógico, conseqüência

177 Instituições de Direito Civil: direito das obrigações; direito hereditário. Trad. da

6. ed. Italiana por Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1958, v. 3, p. 495-496. 178 Leçons de Droit Civil : régimes matrimoniaux, successions e libéralités. Paris:

Editions Montchrestien, 1955, v. 4., p. 532. Tradução livre do autor: “O termo sucessão é utilizado em dois sentidos. Ele

designa a transmissão por causa de (ou em razão de) morte, a atribuição de bens do defunto -- que chamamos de cujus (is de cujus succesionis agitur, « aquele de cuja sucessão se trata ») -- a seus sucessores. A palavra sucessão designa também o patrimônio transmitido: diz-se que um herdeiro recolhe a sucessão do de cujus”.

Page 152: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

152

necessária, a transmissão hereditária dos bens, de sorte que, se a lei admite e garante ao indivíduo a propriedade pessoal, deve reconhecer que a propriedade se transmite na sua propriedade, que é uma continuação biológica e psicológica dos progenitores.179

Nessa mesma linha de pensamento, Clóvis Beviláqua, no

livro Direito das Sucessões, afirma que há uma clara função social no direito

hereditário, principalmente na sucessão legítima, função esta que não pode ser

afastada pela lei ou por ideologias contrárias que a considerem imoral. A

referida imoralidade, citada na obra de Clóvis como atribuída a Montesquieu e

Augusto Comte, se dá porque, na opinião de tais autores, não deveria haver

obrigatoriedade legal dos ascendentes destinarem bens aos seus

descendentes. Veja-se a opinião de Clóvis Beviláqua acerca do assunto,

afastando a questão da imoralidade da sucessão hereditária legítima:

É indubitável que não é sómente por egoísmo que o indivíduo se afadiga na conquista dos bens, aumentando a riqueza social, maior estímulo é, por certo, o cuidado com a prole e o cônjuge; e ainda mais que o grupo social de onde fosse banido o direito sucessório veria faltar-lhe a base econômica da existência, porque, se voltarmos ao comunismo primitivo restabeleceremos as mesmas dolorosas contingências de que conseguiu emergir a humanidade, após lutas aspérrimas. E restabelecê-las-emos sem as compensações da primitiva ingenuidade e da confiança, que reinava entre os homens do mesmo grupo social.

(...) Sendo assim, cumpre aos legisladores

regularem a sucessão do modo mais consentâneo com os interêsses combinados da sociedade, da família e dos indivíduos, mas nunca eliminá-la por completo, como se fôsse um elemento perturbador da harmonia social.180

179 Ibid., p. 48. 180 Ibid., p. 16.

Page 153: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

153

Como se verifica dos conceitos acima lançados, o direito

das sucessões ou direito hereditário trata das regras e princípios relativos ao

cuidado com a transmissão patrimonial do falecido aos seus sucessores, tendo,

inclusive, explicações biológicas, psicológicas e antropológicas de fundamental

importância social.

A sucessão hereditária não é mera transmissão de bens,

mas tem explicações mais profundas, alicerçadas nas relações pessoais e

familiares construídas durante a vida do cidadão e em suas inter-relações

sociais.

Acerca da transmissão do acervo hereditário, é importante

lembrar que a legislação busca atender e respeitar, em regra, duas vertentes

principais:

• a primeira, individual e familiar, na medida em que a

vontade do falecido será respeitada, na forma legal, no

que tange a transmissão e destino de seus bens ou

parte deles. Em geral, a destinação dos bens é feita

dentro da própria família, por conta das relações

afetivas e morais construídas durante a vida. Caso o

falecido tenha deixado vontade expressa por

intermédio de testamento, em instrumento próprio e

válido, será ele executado, na forma e nos limites

legais;

• a segunda, de caráter institucional e social, em vista

de que a continuidade das relações jurídicas mantidas

pelo falecido e a transmissão da titularidade de seus

Page 154: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

154

bens a seus sucessores são extremamente benéficas

para a sociedade em geral, inclusive em termos

econômicos. Entende-se que assim seja, pois as

regras de sucessão hereditária não permitem (ou

pretendem não permitir) que contratos e negócios

realizados pelo falecido sejam rompidos, bem como

não deixam que os bens do falecido fiquem à própria

sorte, sem destino certo, seja por sua vontade

(sucessão testamentária) ou pela lei (sucessão

legítima).

4.3. Breves aspectos históricos do direito sucessório brasileiro

A ocorrência do evento morte, em suas modalidades, é

termo certo, apesar de todos os esforços e pesquisas para manter, a cada dia

mais, a longevidade humana e o patrimônio amealhado em vida. Sua

ocorrência, além das consequências psicológicas, familiares e sentimentais

causadas, também tem grande repercussão jurídica, em todos os ramos do

Direito.

Por tais motivos, Pontes de Miranda, ao comentar o fato

jurídico da morte, assim ensina:

A morte é um fato jurídico. O ser humano deixou de ser pessoa. Houve a morte civil. Ele não existe mais. No direito romano, herdeiro sómente havia de quem os tinha com status libertatis, status civitatis, e era pessoa sui iuris.

Se algum efeito se irradiou no momento mesmo em que o decujo faleceu, tem-se de considerar adquirido o direito, ou a pretensão, ou a ação, ou a exceção. Momento mesmo da aquisição e da morte é momento que dificilmente

Page 155: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

155

se fixa. Daí ter-se de supor anterior à morte a irradiação da eficácia.

A declaração de morte é medida que se toma mesmo quando não se trata de sucessão. Dela teremos de cogitar, extensivamente, porque o sistema jurídico lhe atribui a eficácia do fato jurídico da morte. 181

Diante disso, o estudo do direito sucessório ou direito

hereditário está, como visto no item anterior, intimamente ligado à transmissão

patrimonial e de direitos, perpetuando, nos sucessores, as relações jurídicas

encerradas com o falecido.

Como já foi mencionado, a morte é um fato jurídico de

extrema relevância social e jurídica. A manutenção de bens no seio familiar e a

continuidade dos contratos e negócios jurídicos formulados pelo falecido182 são

anseios do Estado e do legislador, promovido, quando possível, por intermédio

das regras sucessórias.

4.3.1. Das origens à fase brasileira pré-codificada

As origens do direito sucessório hereditário, na lição de

Euclides de Oliveira, remontam os tempos primitivos183 e aos textos bíblicos.

Na visão do autor, tal ramo do direito foi um dos que mais sofreu

transformações ao longo da evolução dos tempos até os dias atuais, iniciando-

181 Tratado de direito privado: direito das sucessões. Rio de Janeiro: Borsoi,

1968, v. 55, p. 8-9. 182 Quando nos referimos à manutenção dos contratos e negócios jurídicos

formulados pelo falecido, certamente estamos nos referindo àqueles possíveis de serem mantidos, em vista de suas características próprias. É certo que, por exemplo, obrigações personalíssimas não sobreviverão ao falecimento de seu devedor, sendo extintas na forma da lei.

183 O direito sucessório tem bases no Código de Hamurábi (do rei Hamurábi – anos 2067-2025 a.cC.); no Código de Manu (Código surgido na Índia, nos anos de 1300 a 800 a.cC.), todos com traços protetivos ao filho homem primogênito e, já na época romana, na Lei das XII Tábuas (legislação que iniciou o processo de igualdade entre sexos no tratamento sucessório).

Page 156: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

156

se com o oferecimento de tratamento totalmente protecionista aos primogênitos

do falecido:

Breve lance de olhos sobre as origens e a evolução do direito sucessório no decorrer do tempo mostra que, dentre os ramos do Direito, esse foi um dos que mais se transformou. Nos tempos primitivos, a herança beneficiava apenas os varões, e, dentre estes, o mais velho. Era o direito de primogenitura, que vigorava em povos do Oriente, assim entre os hebreus, como se conhece da leitura da Bíblia: Esaú, voltando faminto da caça, vendeu seus direitos de herdeiro primogênito para o irmão Jacó por um prato de lentilhas. Não havia benefício de herança ao cônjuge e, menos ainda, à concubina, embora os filhos desta pudessem herdar em porção diferenciada daquela reservada aos filhos havidos como legítimos. Ainda pelos textos bíblicos, verifica-se evolução no regime de atribuição de herança, ora dando-se ao primogênito porção dobrada em relação aos demais, ora possibilitando ao pai privar o filho desse direito e concedê-lo a outro. Mais tarde, certas leis admitiram que a filha pudesse herdar na falta de filhos, mas sob a condição de se casar na tribo do pai, de modo que os bens não saíssem da família.184

Em seguida, passada essa primeira fase de tratamento

desigual que beneficiava o primogênito apenas, a legislação antiga manteve

nova proteção, agora pelo sexo do herdeiro (principalmente na cultura da Índia,

romana e grega, baseada na religião como base fundamental da família), em

vista de que, a princípio, as mulheres deveriam ser excluídas do recebimento

de bens. Na visão da época, a manutenção dos bens com os filhos homens

deveria ocorrer, pois seriam esses que perpetuariam a família dentro dos

princípios religiosos do falecido.

184 Ibid., p. 15-16.

Page 157: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

157

Nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka, as filhas eram afastadas do trato sucessório, ficando sem direito de

receber patrimônio do pai falecido, em vista de que, recebendo os bens e se

casando com terceiros, muitas vezes os maridos poderiam não dar

continuidade ao patrimônio familiar construído pelo pai falecido, bem como ao

culto religioso seguido pela família185.

A disposição de afastar as filhas mulheres de eventuais

direitos em vista da sucessão do pai falecido perpetuou-se no tempo até

poucos anos atrás. Na Espanha, por exemplo, houve a promulgação da

chamada Lei Sálica, somente revogada no ano de 1830, que excluía as

mulheres e seus descendentes de direitos relativos ao reinado.

Na Idade Média, os bens dos servos, após sua morte,

eram devolvidos aos proprietários originais, senhores feudais, sempre

superiores aos demais. Por intermédio dessa regra de sucessão e transmissão

de bens, a evolução do direito chegou ao conceito atual do denominado

princípio de saisine ou droit de saisine, pelo qual o morto transmite ao vivo (le

mort saisit le vif).

Para o direito romano, a prevalência sempre foi da

sucessão testamentária, em que o cidadão romano, usufruindo do jus civile,

poderia dispor de seus bens para após a morte. Caso não houvesse

testamento ou se o testamento não se referisse à totalidade dos bens, a

sucessão dar-se-ia pela forma da lei, chamada de ab intestato (atualmente

denominada sucessão legítima).

185 Comentários ao Código Civil: direito das sucessões, Antonio Junqueira de

Azevedo (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 20, p. 4.

Page 158: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

158

Euclides de Oliveira, em seu Direito de Herança, ao tratar

da história do direito sucessório e abordando o direito romano, assim divide os

períodos de sua história:

Distinguem-se, na evolução do direito romano, diferenciados períodos de sua história, assim compartimentados:

a) direito antigo, ou pré-clássico (com destaque para a Lei das XII Tábuas – desde as origens de Roma até os anos entre 149 e 126 a.C.);

b) direito clássico, com notável influência do pretor e a edição do jus civile, que se estende até o fim do reinado de Deocleciano, em 305 d.C.;

c) direito pós-clássico, ou romano-helênico, que vai até a morte de Justiniano, em 565 d.C., por isso conhecido como ‘direito justinianeu’.

(...) No tocante às mudanças no trato do direito sucessório, aqueles momentos evolutivos do direito romano desdobram-se conforme os sistemas imperantes em cada época, desde o jus civile antiquum, passando pelos jus honorarium e pelo regime imperial (principado, e dominato) até alcançar o sistema das Novelas de Justiniano.186

No período em que teve vigência a Lei da XII Tábuas,

apesar de ainda com a figura do pater familiae muito forte, deixou-se de lado o

caráter meramente religioso do ordenamento, para que a regra se originasse

do anseio popular. Nessa época, o direito sucessório previa três classes de

herdeiros, com prioridade entre eles, sendo os primeiros privilegiados em

relação aos demais: os sui heredi (eram considerados herdeiros necessários,

não podendo renunciar à herança), os agnati (esses eram de parentesco

próximo ao falecido, mas não eram considerados herdeiros necessários –

denominados agnatos, sempre, quando se tratava de colaterais, advinham do

186 Ibid., p. 18-19.

Page 159: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

159

lado paterno da família do falecido) e os gentiles (parentes mais distantes do

falecido).

A segunda fase romana, com o jus honorarium,

determinou um aumento expressivo daqueles que passaram a ser qualificados

e considerados como herdeiros, e eram incluídos outros descendentes e

colaterais (principalmente do lado materno do falecido, denominados

congnatos).

Na fase seguinte, passando primeiramente por Tertuliano

e Orficiano e, em seguida, por Justiniano187, com a consolidação do Corpus

Juris Civilis, o ordenamento passou a prever, além de outras regras, a

sucessão ab intestato. Além de tal disposição, o direito de Justiniano também

passou a não mais fazer distinção entre os colaterais agnatos e congnatos, no

que tange ao recebimento de bens do falecido, ou seja, não importava mais se

o herdeiro vinha da estirpe paterna ou materna do de cujus..

De outra banda, no direito germânico da época, a

sucessão surgiu em momento posterior. De início, o falecido era enterrado com

seus bens, não havendo sucessão hereditária. Posteriormente, com o

denominado sistema das parentelas é que se iniciou o tratamento sucessório.

A partir daí, as relações de sangue entre os parentes passaram a prevalecer,

não só para manter unida a família, mas também para que nela

permanecessem os bens amealhados por seus titulares. Em vista disso, não

187 José Carlos Moreira Alves, em seu Direito Romano, v. 2, p. 408, apresenta o

quadro-resumo dos herdeiros legítimos indicados nessa última fase romana, de Justiniano. Nesse quadro, verificam-se quatro classes de herdeiros, com as seguintes disposições: a) primeira classe: descendentes; b) segunda classe: ascendentes, irmãos germanos e os filhos desses irmãos, com regras entre eles; c) terceira classe: irmãos consanguíneos ou uterinos e seus filhos e d) quarta classe: os colaterais. Na falta de herdeiros, presumia-se que a herança seria entregue ao cônjuge sobrevivente.

Page 160: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

160

se usava a modalidade de sucessão testamentária, a fim de que não houvesse

qualquer risco de, por ato de vontade do falecido, os bens de sua propriedade

serem transmitidos a alguém que não fazia parte do grupo familiar.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama bem observa sobre

a evolução do direito sucessório ao longo dos tempos. O autor pontua, com

precisão, que as distinções e privilégios de uns em detrimento de outros, no

que tange à sucessão, e a qualidade de herdeiro, consagrada nas legislações

antigas, deve, sempre que possível, ser afastada:

Durante muito tempo no curso da história da civilização, o Direito das Sucessões conviveu com determinados princípios e regras atributivas de privilégios e primazias a determinadas categorias de pessoas, em evidente tratamento discriminatório e odioso relativamente a outras pessoas, excluídas de qualquer benefício sucessório.188

No direito brasileiro, as maiores influências do sistema de

direito sucessório têm origem no direito romano e no direito canônico. Do

primeiro sistema (romano), adveio a ideia da existência de sucessão legítima

(ab intestato) e sucessão testamentária (ex testamento), oferecendo-se ao

cidadão, primeiramente, a possibilidade de determinar o destino de seus bens

para após a morte, por meio da redação de um testamento189. Na falta deste e,

quando da morte do de cujus, a sucessão hereditária seria feita pelas regras

legais pertinentes.

Acerca do assunto, é fundamental lembrar a lição de

Carlos Maximiliano:

188 Direito Civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 6. 189 O direito germânico apresentava-se frontalmente contrário às disposições do

direito romano quanto à sucessão testamentária, oferecendo total privilégio à sucessão legítima, advinda dos laços sanguíneos.

Page 161: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

161

O testamento própriamente dito é invenção romana. Toleraram-no, de começo, ainda subordinado ao consenso ou á sancção dos comícios populares e só extensivo ao gado meúdo (pecúnia), não a res mancipi (escravos, animais grandes); pouco a pouco foi se dilatando a faculdade de dispor por um ato de última vontade.

(...) O direito de dispor da própria fortuna por

uma ato de última vontade surgiu com o progresso do individualismo, á medida que a pessoa se afirmava em face da família e do grupo étnico; desenvolveu-se a franquia a ponto da sucessão testamentária vir a ser a sucessão por excelência; pois a legítima é a forma tácita do testamento, supre a falta deste de acordo com a vontade presumível do falecido.190

Do segundo sistema, o do direito canônico, extraiu-se a

lição de igualdade no tratamento dos herdeiros ante o princípio da fraternidade,

que, anos mais tarde, passou a ser parte de várias legislações, incluindo a

brasileira.

Na época das Ordenações do Reino, com as legislações

Afonsinas (ano de 1446) e Manuelinas (ano de 1512), não se enxergavam

grandes temas sucessórios. Entretanto, foi em 1603, no reinado de Felipe III de

Espanha e II de Portugal, que se promulgaram, aplicadas também ao Brasil, as

Ordenações Filipinas, que preveem, em seu título XCVI, a disciplina sucessória

hereditária.

Durante todo esse período, as leis aplicáveis no Brasil

eram originadas na consolidação das legislações portuguesas. Em verdade,

como veremos a seguir, até o ano de 1916, continuou sendo aplicada no Brasil

a legislação portuguesa, não havendo, mesmo após a independência do país,

imediata vigência de lei própria.

190 Ibid., p. 29-30.

Page 162: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

162

Em outros países, inclusive por influência do Código

Napoleão, houve edição dos respectivos códigos, em período anterior ao

brasileiro. Apenas a título de exemplo, temos: a) na Argentina – 1869; b) no

Chile – 1851 e c) na Espanha – 1889.

Já no ano de 1855, após a promulgação da

independência do Brasil e por força do disposto na Constituição Federal de

1824, que determinava a elaboração de uma lei civil consolidada, Teixeira de

Freitas foi convocado e apresentou à Nação, em 1858, a chamada

Consolidação das Leis Civis. Nessa legislação, havia previsão expressa acerca

do direito sucessório (a vocação hereditária estava prevista no artigo 959 de tal

Lei). Apesar de ‘nova’, a Consolidação das Leis Civis, em verdade, nos seus

muitos aspectos, manteve as regras das disposições do Império, em especial

das Ordenações Filipinas, inclusive no que tange às previsões acerca do direito

sucessório.

Na Consolidação acima referenciada, a sucessão legítima

configurava a aquisição de propriedade, apesar de oferecer precedência à

sucessão testamentária. Ademais, no caso de morte de alguém, seriam

chamados a sucedê-lo - nesta ordem – as seguintes pessoas: seus

descendentes (primeira classe), depois, seus ascendentes (segunda classe),

após, os colaterais até o décimo grau (terceira classe) e, por fim, na falta de

todos esses anteriores, o cônjuge sobrevivente (quarta classe). É certo que a

existência da classe mais próxima excluía a mais remota. Inexistindo quaisquer

herdeiros nas quatro classes acima indicadas, o Estado seria chamado a

arrecadar os bens do falecido.

Page 163: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

163

Em seguida à vigência da Consolidação, Teixeira de

Freitas foi convidado a elaborar um Código Civil Brasileiro, o que acabou sendo

esboçado, mas nunca entrou em vigência. Com ele, vários outros projetos e

esboços surgiram, mas apenas o último chegou ao seu final, com a edição do

respectivo Código Civil: a) projeto de Joaquim Felício dos Santos; b) projeto de

Coelho Rodrigues; c) projeto de Nabuco de Araújo; d) consolidação de Carlos

de Carvalho e e) projeto Beviláqua.

Com edição e vigência da Lei Feliciano Pena – Decreto

1.839 de 31 de dezembro de 1907 -, que alterou a Consolidação das Leis Civis,

o cônjuge sobrevivente passou à terceira classe da sucessão, recebendo o

patrimônio de seu consorte falecido antes dos colaterais. Em relação a esses

últimos, passaram eles a receber a herança apenas até o sexto grau. A cota

disponível de testamento passou de um terço dos bens para metade, além de

outras alterações. Tal legislação foi a base para o Código Civil de 1916,

elaborado sob as ideias de Clóvis Beviláqua, que concordava com as

alterações efetuadas, principalmente a redução do parentesco colateral para

esse fim, do décimo para o sexto grau.

Sobre a evolução legislativa brasileira até o momento

anterior à codificação, com a entrada em vigor do Código Civil de 1916,

Euclides de Oliveira se manifesta, com clareza, no que toca à sucessão

hereditária:

Em suma, verifica-se que o direito brasileiro pré-codificado atinha-se aos princípios básicos do direito romano ditado por Justiniano, especialmente ao estabelecer a ordem da sucessão ab intestato, pelo parentesco e pela maior proximidade de graus. Nesse particular, o direito moderno repete as mesmas linhas estruturais, embora com substanciais

Page 164: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

164

modificações que, de um lado, vieram a reforçar a posição do cônjuge como herdeiro, e, de outro, afastaram discriminações à posição sucessória pela natureza da filiação e pela forma de constituição da família de origem.191

4.3.2. A fase codificada do direito sucessório brasileiro

Em 1º. de janeiro de 1916, pela Lei no. 3.071, foi

publicado no Brasil o Código Civil, originado em projeto de Clóvis Beviláqua.

Tal Lei passou a vigorar em 1º. de janeiro de 1917, permanecendo vigente até

o dia 10 de janeiro de 2003, ou seja, por mais de oitenta e cinco anos

ininterruptos.

A partir de então e, aproveitando as disposições do

Decreto-Lei 9.461 de 15 de julho de 1946 (que limitou os parentes colaterais ao

quarto grau), o Brasil adquiriu expressa disciplina sucessória codificada que,

além de outras alterações, atribuiu novos direitos à mulher, seja na condição de

consorte sobrevivente, seja na condição de descendente, ascendente ou

colateral.

No Código Civil de 1916, com as alterações acima

mencionadas (bem como as da Lei 8.049/90), a ordem de vocação hereditária

estava prevista no artigo 1.603, contendo o Poder Público como um dos

beneficiados, com a seguinte disposição:

Art. 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes; II - aos ascendentes; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais; V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou

à União.

191 Ibid., p. 26.

Page 165: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

165

É possível notar, portanto, o grande avanço dado no trato

com o direito das sucessões, no Código Civil de 1916, sob o influxo das idéias

de Clóvis Beviláqua. O cônjuge, que, naquela época, não era considerado

herdeiro necessário, seguindo a linha da Lei Feliciano Pena, foi mantido na

terceira classe dos herdeiros, antes dos colaterais.

Ao cônjuge, com inserções por legislação posterior (Lei

4.121/62), ainda eram garantidos, no artigo 1.611, o usufruto vidual incidente

sobre um quarto dos bens do falecido (se o casamento não fosse realizado no

regime da comunhão total de bens) e o direito real de habitação192, assuntos

que serão objeto de análise específica em tópico próprio.

Pelo artigo 1.611 do Código Civil de 1916 (alterado pela

Lei 6.515/77), era reconhecido o direito sucessório ao cônjuge, se não

estivesse dissolvida a sociedade conjugal (pelo antigo desquite ou, a partir de

1977, pelo divórcio). Por tal disposição, se o casal estivesse separado de fato

há já vários anos, mantinha-se o direito sucessório no caso de falecimento de

um deles. Veja-se o teor do artigo mencionado, in verbis:

Art. 1.611. Á falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.

192 Artigo 1.611 do Código Civil de 1916. (...) § 1o O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da

comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus.

§ 2o Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

Page 166: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

166

No entanto, ainda várias disposições mantinham a

herança da legislação portuguesa, como, por exemplo, o teor do artigo

1.605193, que ainda fazia distinção entre filhos legítimos, ilegítimos e adotivos,

matéria que somente foi revista na edição da Lei 6.515/77 e na Constituição

Federal de 1988.

Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor no Brasil o

atual Código Civil – Lei 10.406/02 -, com profundas e significativas alterações

no direito de família e sucessões. Quanto ao direito real de habitação194 e o

usufruto vidual, referida lei manteve o primeiro – com alterações – e não mais

fez previsão do segundo, o que será abordado em seguida.

Em primeiro lugar, importa citar uma alteração relevante

no próprio conceito de fim da pessoa natural, visto que a morte biológica, na

atual legislação, também pode ser declarada quando, em situações de risco,

houver grande probabilidade de que a pessoa tenha vindo a óbito. Essa

disposição foi muito benéfica para a declaração de óbito e início da sucessão

daquele que, por exemplo, sofreu um acidente e desapareceu sem que seu

corpo tenha sido encontrado. Pela norma legal anterior, em certos casos

semelhantes ao exemplificado, os herdeiros teriam de obter, anos após o

ocorrido, a declaração de ausência do desaparecido, para conseguir iniciar a

transmissão e partilha de bens.

193 Texto original do Código Civil de 1916, antes da alteração mencionada: Artigo

1.605. (...) § Havendo filho legítimo ou legitimado, só a metade do que a este couber em herança terá direito o filho natural reconhecido na constância do casamento (art. 358). § 2o Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a cada um destes.

194 Conforme artigo 1.831 do Código Civil de 2002.

Page 167: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

167

Os artigos 6º. e 7º. do Código Civil de 2002 preveem o fim

da pessoa natural e a mencionada possibilidade de obtenção de declaração

judicial de morte presumida nos casos nela especificados, como se verifica da

leitura dos textos legais referidos:

Artigo 6º. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

Artigo 7º. Pode ser declarada a morte

presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte

de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em

campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

A qualidade de cônjuge sobrevivente herdeiro, pelo

disposto no artigo 1.830 do Código Civil de 2002, foi bastante alterada em

relação à legislação anterior. Pelo Código Civil atual, o cônjuge sobrevivente

perde a qualidade de herdeiro no caso de estar separado judicialmente (hoje,

também extrajudicialmente) do falecido, ou, então, na hipótese de estar

separado de fato há mais de dois anos. Nesse último caso, não haverá a perda

dos direitos sucessórios do consorte sobrevivo, se ficar comprovado que a

convivência se tornou impossível sem culpa do mesmo. Diz o referido artigo, da

Lei atual:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso,

Page 168: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

168

de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

No que tange à ordem de vocação hereditária, a previsão

do Código Civil de 2002 é bastante diferente do Código anterior, além de

passar a considerar o cônjuge sobrevivo como herdeiro legítimo necessário. No

que se refere à união estável, a disposição sucessória do instituto, prevista até

então na legislação extravagante, foi absorvida pelo Código Civil, no artigo

1.790195, objeto de inúmeras críticas dos estudiosos, por três pontos principais:

a) a localização física do artigo é inapropriada, pois deveria constar do capítulo

que trata da sucessão legítima; b) a disposição legal deixou de equiparar ou

assemelhar a sucessão do companheiro à do cônjuge, e, em verdade, as

diferenciou significativamente e c) a sucessão do companheiro, em virtude do

falecimento do outro, só ocorrerá sobre os bens adquiridos onerosamente

durante a união e, na ordem de vocação, o companheiro somente receberá a

totalidade da herança se não existirem sucessores colaterais.

Acerca da ordem de vocação hereditária, com previsão

para os casos em que houver ou não matrimônio, veja-se a expressa

disposição do artigo 1.829 do Código Civil:

Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

195 Artigo 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do

outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Page 169: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

169

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.

Inácio de Carvalho Neto, em seu livro Direito Sucessório

do cônjuge e do companheiro, bem aborda as principais inovações do Código

Civil atual nesse particular:

No limiar do terceiro milênio vem a lume o novo Código Civil, fruto de longo processo legislativo que, pode-se dizer, iniciou-se há mais de cento e cinquenta anos. Isto porque não se trata de uma criação, mas de uma revisão ao Código Civil de 1916.

O novo Código Civil (Lei 10406/2002) inova profundamente a matéria relativa à sucessão do cônjuge e do companheiro. Foi esta, certamente, a maior alteração feita pelo novo Código em matéria de Direito das Sucessões. Melhorou muito o novo Código, como veremos, a situação do cônjuge.

A primeira alteração importante em matéria de sucessão do cônjuge no novo Código foi a colocação deste como herdeiro também nas duas primeiras classes preferenciais, em concorrência, portanto, com os descendentes e os ascendentes. (...).

Tal disposição substitui o usufruto vidual, e com grandes vantagens, pois agora o cônjuge não tem apenas o usufruto, mas, direito à parte da herança.196

Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, escrevendo

sobre o tema, assim preceitua e questiona:

196 Direito sucessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Método, 2007, p.

124-125.

Page 170: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

170

Cremos que, com o privilégio do casamento em relação à união estável, esta última será utilizada como recurso, já que os companheiros não serão considerados herdeiros necessários e concorrerão até com parentes colaterais.

As perguntas que se elaboram diante da questão posta em debate são: será que a mudança legislativa veio ao encontro dos valores vigentes sociais? Em nome da família afetiva, as injustiças não poderão ser maiores? Com o grande número de separações e divórcios e o pragmatismo social e de resultados nas relações conjugais, é acertada a concorrência do cônjuge? Com a convivência de vários ex-casamentos, dos quais resultaram filhos de vários pais e mães, a solução seria a mais adequada?

Por outro lado, o cônjuge merece tratamento privilegiado, tal qual filhos e pais, em consonância com a visão de família no novo milênio, corolário das transformações ocorridas ao longo do século XX e que surtirão efeito no século XXI.197

Como já se viu pelas palavras de Miguel Reale198, a

disposição própria da união estável foi proposital e inspirada no próprio texto

constitucional de 1988, que fez distinção clara entre tal instituto e o casamento.

Em todos os casos, somente não receberão a sua cota

patrimonial hereditária os sucessores que não aceitarem a herança, por

intermédio de renúncia expressa199 ou forem dela excluídos, seja por sentença

judicial que decretar a deserdação (artigos 1.961 a 1965 do Código Civil) ou a

indignidade (artigos 1.814 a 1.818 do Código Civil).

Quanto à renúncia da herança, pode ela ser translativa

(opera-se como cessão de direitos e não como renúncia propriamente dita) ou

197 Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente. São Paulo:

Editora Letras Jurídicas, 2004, p. 189. 198 Estudos preliminares do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

p. 71-74. 199 Artigos 1.804, parágrafo único e 1.806 do Código Civil Brasileiro de 2002.

Page 171: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

171

abdicativa (essa modalidade, sim, caracteriza claramente a renúncia à herança,

sem nunca tê-la recebido).

É certo que não é possível aceitar a herança

parcialmente, visto que o ato de renúncia compreende todos os bens, direitos e

deveres do acervo hereditário. Entretanto, é possível, ao sucessor, renunciar à

herança e não ao legado (ou vice-versa), visto tratar-se de institutos de

qualidade diversa. Nesse sentido, diz Francisco José Cahali, quando trata do

assunto na obra Curso Avançado de Direito Civil, no livro do Direito das

Sucessões:

Nestas condições, poderá o sucessor aceitar a herança e repudiar o legado, ou, ao contrário, assegurar o recebimento do benefício singular, rejeitando a integralidade de sua quota parte a título universal (CC, art. 1.808, § 1º.).200

Na Terceira Jornada de Direito Civil, promovida pelo

Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, no ano de

2004, foi aprovado o enunciado 271, que trata da possibilidade de renúncia ao

direito real de habitação, sem a necessidade de renúncia à herança.

O entendimento demonstrado no referido enunciado

segue a diretriz da possibilidade acima alertada, da aceitação ou repúdio da

herança ou legado de forma autônoma, sendo possível aceitar os direitos de

uma qualidade, sem a necessidade de aceitar os demais e vice-versa. Veja-se

o texto aprovado do enunciado:

Enunciado no. 271. Artigo 1.831 do Código Civil: O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança.

200 Ibid., p. 94.

Page 172: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

172

Quanto à exclusão do benefício do direito real de

habitação ao cônjuge afastado da sucessão, tal tema será oportunamente

tratado. Para tal discussão, cumpre ter sempre em mente dois importantes

pontos:

• o ato de renúncia ao patrimônio hereditário é solene,

irrevogável e pode referir-se, com autonomia e

independência, a critério do sucessor, a direitos de

qualidades distintas, seja a título de herança e/ou a

título de legado;

• a sentença que decreta a exclusão do sucessor da

herança, por deserdação ou indignidade, após o prazo

legal e eventuais recursos apresentados pelas partes,

tem o seu trânsito em julgado, não sendo mais

passível de qualquer alteração ou modificação

posterior. Em consequência de tal decisão, há a

exclusão do sucessor em relação à herança deixada

pelo falecido.

Por fim, é conveniente ter em mente a lição de Euclides

de Oliveira e Sebastião Amorim, no livro Inventários e Partilhas, sobre os

efeitos da exclusão do sucessor:

A exclusão compulsória do direito à sucessão dá-se nos casos de ingratidão do herdeiro ou legatário, por indignidade ou deserdação.

A indignidade e a deserdação têm por escopo punir quem se conduziu de forma injusta

Page 173: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

173

contra o autor da herança, de modo a merecer reprimenda, tanto do ponto de vista moral como legal.

(...) Em qualquer dos casos, a consequência

será a exclusão do direito à herança. O indigno é considerado como se morto fosse, de modo que seus descendentes recebem a herança por representação.201

Quanto à concessão de outros e maiores benefícios ao

cônjuge sobrevivente – atendidos pelo Código Civil atual, principalmente ao

determinar que o cônjuge sobrevivente seja tido como herdeiro necessário e

concorra com os descendentes e ascendentes, na forma legal -, Silvio

Rodrigues, atualizado por Zeno Veloso, bem considera:

Não eram poucos os que achavam que a lei devia ser mais generosa para com o cônjuge na sucessão de seu consorte. Tal tendência, que entre nós se revelou na Lei Feliciano Pena (...), que colocou o cônjuge sobrevivente adiante dos colaterais, na ordem de vocação hereditária, persiste e se manifesta em muitos aspectos. Ela se manifestava na doutrina, pois muitos escritores reclamavam o chamamento do cônjuge antes dos ascendentes, na ordem de vocação hereditária, ou apregoavam o mister de se colocar o consorte sobrevivo entre os herdeiros necessários.202

Quanto ao companheiro, há grande celeuma sobre a sua

qualificação ou não como herdeiro necessário203. É nossa opinião que o

companheiro não é herdeiro necessário, até porque a lei assim não o indicou e,

ao que parece, propositadamente.

201 Inventários e partilhas: direito das sucessões – teoria e prática. 21. ed. rev. e

atual. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008, p. 49-50. 202 Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo:

Saraiva, 2002, v. 7, p 111. 203 Sobre o assunto, tramita na Câmara dos Deputados, projeto de lei proposto

pelo IBDFAM, de no. 508/2007, visando igualar a situação do cônjuge e do companheiro no que diz respeito à sucessão hereditária.

Page 174: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

174

A esse respeito, é oportuna a lição de Marcelo Truzzi

Otero, em seu trabalho sobre o direito sucessório brasileiro:

Acreditamos que o legislador não incluiu o companheiro no rol dos herdeiros reservatários deliberada e conscientemente, razão pela qual o companheiro não é herdeiro necessário; qualidade desfrutada apenas pelos descendentes, pelos ascendentes e pelo cônjuge.

O fato, porém, de o companheiro não ostentar a qualidade de herdeiro necessário não significa que ele pode ser afastado da sucessão por vontade do outro, a exemplo do que se verifica com os colaterais. Na qualidade de herdeiro legal, ele participará necessariamente da sucessão do companheiro falecido, nos termos do artigo 1.790 do Código Civil que, peremptoriamente, estabelece que o companheiro ‘participará da sucessão do outro’, quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união, na forma nele estabelecida.

Assim é que, dissolvida a união estável, os conviventes não terão direito à meação, face o contrato de convivência disciplinando a separação total de bens, porém, este contrato não terá o condão de afastar o direito sucessório sobre os bens particulares adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, face o comando imperativo do artigo 1.790. Essa é a conseqüência da sua condição de sucessor legal, independentemente da qualidade de herdeiro necessário, que não ostenta, a exemplo do que se verifica nas hipóteses de sucessão anômala.204

Dessa forma, além de excluir o Estado do rol dos

herdeiros, o Código Civil instituiu, em clara disposição protetiva, a concorrência

sucessória do cônjuge sobrevivente com os descendentes e ascendentes,

visando, ao que parece, ofertar ao consorte um quinhão maior da herança,

para que, com isso, as bases familiares e patrimoniais possam ser mantidas,

204 A justa causa na clausulação da legítima do herdeiro necessário. Tese

(Doutorado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2008, p. 28-29.

Page 175: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

175

concentradas em maior monta com uma única pessoa (nesse sentido, a atual

lei excluiu o usufruto vidual, substituindo-o, exatamente, pelos direitos acima

mencionados: a) alçar o cônjuge à condição de herdeiro necessário e b) indicá-

lo como concorrente com as duas primeiras classes na sucessão hereditária de

seu consorte falecido).

4.4. Espécies, transmissão sucessória e o princípio de saisine

No direito brasileiro, quanto ao momento de transmissão

da herança, vige o princípio de saisine205 ou, como no francês, droit de

saisine206.

Em verdade, por intermédio de tal princípio e tendo como

base que as relações jurídicas não podem ficar sem um titular, a transmissão

de bens do falecido a seus herdeiros ocorre, automaticamente e por

determinação legal, com o falecimento da pessoa natural. É o ditado que diz: “o

205 O princípio que prevê a transmissão automática e por força legal dos bens da

herança do falecido, no momento de sua morte, aos seus sucessores universais, ingressou no ordenamento jurídico português pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, sendo depois previsto na Consolidação das Laís Civis, de Teixeira de Freitas, no artigo 978. Tais disposições foram a origem da previsão atual do Código Civil (bem como do Código Civil anterior), do princípio de saisine. O dito Alvará de 1754 assim previa:

“Eu El-Rey faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem, que querendo evitar os inconvenientes, que resultam de se tomarem posses dos bens das pessoas que falecem, por outras ordinariamente estranhas, e a que não pertence a propriedades delles: Sou servido ordenar, que a posse Civil, que os defuntos em sua vida houverem tido passe logo nos bens livres aos herdeiros escritos ou legítimos; nos vinculados ao filho mais velho, ou neto, filho do primogênito, a falta este, ao irmão ou sobrinho; e sendo Morgado, ou prazo de nomeação, à pessoa que for nomeada pelo defunto, ou pela Lei.

A dita posse Civil terá todos os efeitos da posse natural, sem que seja necessário, que esta se tome; e havendo quem pretenda ter ação aos sobreditos bens, a poderá deduzir sobre a propriedade somente, e pelos meios competentes; e, para este efeito revogo qualquer Lei, Ordem, Regimento ou disposição de direito em contrário.(...).”

206 Apenas exemplificadamente, para ilustrar a importância do instituto, a regra de saisine também é prevista no Código Civil Francês (artigo 724), no Código Civil Português (artigo 2.050) e no Código Civil Argentino (artigo 3.279 e outros).

Page 176: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

176

morto transmite ao vivo” (le mort saisit le vif). Nesse momento, a herança

transmite-se como um todo, na qualidade de bem imobilizado por determinação

legal, conforme diz o artigo 1.791 do Códex Civil:

Artigo 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

Com a morte da pessoa, portanto, dá-se a abertura da

sucessão, ainda que seus herdeiros não saibam, recebendo eles a posse207 e a

propriedade de uma porção ideal daquilo que, no futuro, será formalmente

partilhado. Nesse mesmo momento ocorrerão três eventos, a saber: a) a

abertura da sucessão, seguida por: b) delação hereditária, devolução

sucessória ou, simplesmente, delação e, por fim: c) pela aquisição da herança

(adição). Dessa forma, o patrimônio do falecido nunca permanecerá acéfalo,

como o qualifica Caio Mário da Silva Pereira208.

A formalização da transmissão hereditária e a atribuição

real da cota-parte de cada herdeiro ou legatário ocorrerá com a abertura do

procedimento processual, chamado de inventário209, de acordo com o teor do

artigo 1.796 do Código Civil, seguindo a regra de domicílio prevista no artigo

1.785 do mesmo diploma legal210. Assim, a transmissão dos bens por conta do

207 O legatário recebe, no ato do falecimento do autor da herança, apenas a

propriedade do legado. A posse do mesmo virá com a efetiva partilha do bem. 208 Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões, 17. ed. atual. por Carlos

Roberto Barbosa Moreira, 2009, v. VI, p. 16. 209 Artigo 1.796. No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão,

instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança.

210 Artigo 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.

Page 177: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

177

princípio de saisine não fica prejudicada pela abertura tardia do inventário,

mesmo a destempo, conforme as determinações legais.

Por conta da adoção do princípio acima mencionado, com

a transmissão da herança no momento do falecimento do de cujus e não a

partir da formal e efetiva aceitação do acervo, por parte do herdeiro, várias

consequências decorrem, como, por exemplo:

• verificação da legislação aplicável à sucessão, que

ocorrerá no tempo de sua abertura, ou seja, no

momento do falecimento da pessoa (no Código Civil

atual, artigo 1.787211);

• identificação dos legitimados a suceder o falecido, leia-

se, dos herdeiros e daqueles já concebidos no

momento do óbito, aguardando seu nascimento (artigo

1.798 do Código Civil212). No caso de prole eventual, a

nossa legislação civil codificada, no artigo 1.799, I,

possui disposição própria;

• transmissão dos direitos incidentes sobre os bens do

falecido aos sucessores. Tais bens, portanto, podem,

a partir desse momento, sofrer constrição judicial ou

ser transmitidos (artigo 1.793 do Código Civil)213 por

211 Artigo 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao

tempo da abertura daquela. 212 Artigo 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas

no momento da abertura da sucessão. 213 Artigo 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que

disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

Page 178: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

178

ato inter vivos214. Podem os herdeiros, ainda, proteger,

pelos interditos possessórios, a posse de tais bens.

Como afirma Francisco José Cahali, em obra conjunta

com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, denominada Curso Avançado

de Direito Civil, no capítulo sobre a sucessão em geral, acerca do droit de

saisine:

O que ocorre, em verdade, é uma ficção jurídica, a transmissão da herança se faz ipso jure, para dar a necessária continuidade na titularidade das relações jurídicas deixadas pelo falecido, que não podem ficar acéfalas. Com a definitiva partilha ou adjudicação da herança aos herdeiros, quando se desfaz a comunhão forçada, consolidando em seu patrimônio o quinhão herdado, a titularidade do acervo opera-se retroativamente, desde a data do falecimento.215

Note-se, portanto, que a transmissão da herança pela

regra do princípio de saisine revela-se mesmo uma ficção jurídica. De fato,

somente com a efetiva aceitação, por parte do herdeiro, (que poderá ser

expressa ou tácita), é que efetivamente se dará início à formalização da

partilha, inclusive porque o herdeiro poderá renunciar ao seu respectivo

quinhão, na forma dos artigos 1.804 a 1.813 do Código Civil216.

214 A possibilidade de cessão de direitos hereditários não fere o disposto no

artigo 426 do Código Civil, visto que tal disposição legal proíbe que se faça qualquer negócio jurídico com herança de pessoa viva. É o chamado pacta corvina. No caso estudado, já houve o falecimento da pessoa e pelo princípio de saisine, há a transmissão automática dos direitos sobre os bens aos sucessores do de cujus.

215 Ibid., p. 43. 216 Os artigos 1.804, 1.805, 1.806 e 1.808 do Código Civil de 2002 resumem tais

hipóteses de aceitação e renúncia da herança, como vemos abaixo: Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro,

desde a abertura da sucessão. Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.

Page 179: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

179

Bem observa a doutrina nacional sobre a renúncia à

herança, afirmando, nas palavras de Orlando Gomes, que, efetivada esta, não

fará o sucessor jus a qualquer direito hereditário:

Renúncia é ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança.

A renúncia não depende do assentimento de quem quer que seja.

Não se presume. Há de resultar de expressa declaração. Tal como a aceitação, é negócio puro, não prevalecendo se feita sob condição ou a termo. Inadmissível, também, a renúncia parcial.

A renúncia é negócio formal. Deve constar, necessariamente, de escritura pública ou termo judicial. A forma, sendo da substância do ato, sua inobservância importa nulidade. O termo lavra-se nos próprios autos de inventário.

(...) Deve manifestar-se antes da aceitação,

isto é, da prática de qualquer ato que a induza.217

Na lei civil codificada atual, em seu artigo 1.784, há a

previsão expressa do droit de saisine (assim como dizia o Código Civil anterior,

em seu artigo 1.572). A leitura de tal artigo deve dar-se em conjunto com os

artigos 1.206 e 1.207, também do Código Civil atual, que discorrem sobre a

continuidade da posse de bens no caso de sucessão. Vejam-se os três

dispositivos legais:

Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro. § 1º. Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória. § 2º. Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

217 Sucessões. 12. ed. rev., atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002 por Mário Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 25.

Page 180: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

180

Artigo 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

Artigo 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Artigo 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Ocorrido o falecimento, portanto, haverá a transmissão

aos sucessores do falecido, dos direitos incidentes sobre os bens deixados,

para, por intermédio do procedimento de inventário, ser formalmente

partilhados. Com a partilha e a expedição do respectivo formal ou carta, cada

sucessor receberá a sua porção real da herança deixada pelo de cujus.

A esse respeito e clarificando a questão da posse

ofertada ao sucessor, por conta do passamento de alguém, Eduardo de

Oliveira Leite assim preleciona, em seus comentários ao novo Código Civil

Brasileiro de 2002:

Finalmente, a posse que se transmite aos herdeiros, automaticamente, como vimos, não é provisória, é posse própria e definitiva, que pode assumir conotações distintas em decorrência da situação fática no momento da abertura da sucessão.

(...). É o princípio da saisine, da investidura

legal na herança, produzindo seus efeitos de forma amplíssima, desde a abertura da sucessão.218

Luiz Antônio Alves Torrano, em sua obra sobre a petição

de herança, também corrobora com a tese da transmissão automática do

218 Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. 4. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 19.

Page 181: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

181

patrimônio do falecido, não havendo qualquer necessidade de ato positivo do

sucessor:

De fato. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Di-lo o art. 1.784 do CC. Trata-se do princípio da saisine. (...) Até então, o titular dessas relações era o de cujus e, a partir daí, sem qualquer formalidade, o titular delas passa a ser o herdeiro.

Não há, por conseguinte, qualquer hiato nessa substituição. Ela se opera sem necessidade de ato algum por parte do herdeiro. A aceitação da herança por este constitui mera formalidade, cujos efeitos retroagem, entretanto, à abertura da sucessão (art. 1.804, caput).219

Como espécies de sucessão, existem algumas

modalidades.

Em primeiro, conforme o artigo 1.786220 do Código Civil e

em relação à fonte de que se origina, conforme já abordado, a sucessão

poderá ser legítima (artigos 1.829 a 1.855 do Código Civil) ou testamentária

(artigos 1.857 a 1.990 do Código Civil), se ocorrer, respectivamente, em virtude

de lei ou, então, por meio de ato de disposição de última vontade, elaborado

pelo falecido, na forma legal, pelo instrumento pertinente e regular.

Nas palavras de Cunha Gonçalves acerca da sucessão

legítima, observa-se que:

A sucessão diz-se legítima quando, por ter o dono dos bens falecido sem instituir sucessor, ou por ter sido anulada, revogada ou estar caduca a instituição, ou ter aquele disposto só de parte de seus bens, a lei, baseando-se na presunção derivada das relações de família e da

219 Petição de herança. Dissertação (Mestrado em Direito). São Paulo: PUC São

Paulo, 2007, p. 11. 220 Artigo 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

Page 182: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

182

afeição natural que, no seio desta, une os seus membros, indica quais serão os sucessores desses bens, graduando-os conforme os graus e a natureza do parentesco.221

No caso da sucessão testamentária, poderá ela ocorrer

quanto à totalidade dos bens do falecido, quando não existirem herdeiros

necessários. Havendo herdeiros nessa categoria, o testamento não os poderá

excluir da sucessão e somente poderá versar sobre a metade dos bens do

falecido222 ou em importe menor.

O conteúdo do testamento deve seguir a norma legal

pertinente, respeitando as cláusulas proibitivas, e não pode, sob pena de

invalidade, conter disposição que retire de algum sucessor ou terceiro qualquer

direito legalmente estabelecido, como, por exemplo, o direito real de habitação

decorrente da sucessão hereditária.

Nesse sentido, Silvio Rodrigues, na obra Direito Civil,

atualizada por Zeno Veloso, conceitua tal modalidade de sucessão,

estabelecendo suas regras e limites, em conformidade com os artigos 1.857 e

1.900223 do Código Civil:

221 Tratado de Direito Civil. São Paulo: Max Limonad, v. IX, t. II, s.d., n. 1.352. 222 Como já abordado, os herdeiros legítimos necessários são aqueles a quem a

lei atribui uma cota obrigatória da herança (metade do acervo hereditário destinado aos herdeiros), denominada legítima. Havendo herdeiros necessários, não poderão ser excluídos desta cota mínima da herança por ato de vontade do falecido (artigo 1.789 do Código Civil Brasileiro). A princípio, de acordo com o artigo 1.845 do Código Civil de 2002, são herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge do falecido. Os colaterais são denominados herdeiros legítimos facultativos. Há discussão acerca da qualificação do companheiro originado em União Estável, como herdeiro necessário, já que o atual Código Civil não o qualifica como tal.

223 Artigo 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

§ 1º. A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.

§ 2º. São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.

Page 183: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

183

Por meio das disposições testamentárias, o testador não só dá destino a seus bens, após sua morte, como pode, também, fazer outras determinações de caráter não patrimonial e de seu interesse, de eventual repercussão após seu falecimento.

No que diz respeito às disposições patrimoniais, consistem na instituição do herdeiro ou na designação de legatários.224

Contrariamente às disposições do direito romano, em

nosso direito, as duas modalidades de sucessão – legítima e testamentária -

podem coexistir, caso o falecido tenha deixado testamento. Não tendo o

falecido deixado testamento, a sucessão se dará, em regra, pela forma

legítima, conforme giza o artigo 1.788 do Código Civil225.

Em uma primeira análise, seria possível concluir que a

nossa lei privilegia a sucessão testamentária, por derivar da vontade do

testador. Entretanto, Orlando Gomes, na obra Sucessões, atualizada por Mário

Roberto Carvalho de Faria, bem pontua sobre a tormentosa questão226,

firmando a posição de que a sucessão testamentária não é a regra, da qual a

sucessão legítima seria a exceção:

Verdadeiramente, a sucessão legítima deixou de ser supletiva, tantas têm sido as

Artigo 1.900. É nula a disposição: I - que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro; II - que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar; III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro; IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado; V - que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.

224 Ibid., p. 180. 225 Artigo 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos

herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

226 Concluindo pela ausência de preponderância entre a sucessão testamentária e a sucessão legítima, é o pensamento de Eduardo de Oliveira Leite, em seus Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 300.

Page 184: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

184

limitações da liberdade de testar. A tal ponto que a sucessão testamentária passou a ser excepcional. De regra, realmente, as pessoas falecem intestadas. Nem é imprescindível seu conhecimento para a compreensão da sucessão legítima, como parece a alguns. Sua precedência não se justifica, assim, por motivos metódicos ou lógicos.227

Ainda sobre as espécies de sucessão hereditária,

subsiste outra classificação, que se funda, nas palavras de Francisco José

Cahali, na forma de destinação dos bens da herança228, dividindo-se nas

seguintes modalidades: a) sucessão a título universal (beneficiário é chamado

de herdeiro) e; b) sucessão a título singular ou particular (o beneficiário é

denominado legatário). Diz o referido autor:

A sucessão a título universal caracteriza-se pela transmissão do patrimônio do defunto como um todo (universitatis iuris), atribuindo-se de forma abstrata, aos sucessores, as respectivas partes ideais (ou quotas hereditárias, em percentual), podendo ser verificada tanto na sucessão legítima como na testamentária, esta última quando o testador institui herdeiro em fração de herança (...). Também assim se dará a sucessão se o herdeiro, mesmo único, receber a integralidade da herança (...).

A sucessão a título singular implica a transferência de bens determinados a pessoas determinadas. Dá-se apenas na sucessão testamentária, onde a disposição de última vontade contempla um ou vários beneficiários, com bem certo e determinado (...). O bem deixado denomina-se legado, e o beneficiário legatário, substituindo o falecido apenas na coisa legada.229

A sucessão a título universal, portanto, ocorrerá quando

não houver especificação de um ou vários bens definidos e determinados,

227 Ibid., p. 83-84. 228 Ibid., p. 53. 229 Ibid., p. 53.

Page 185: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

185

recebendo o herdeiro o patrimônio hereditário ou porção dele, indiscriminada

(que será discriminada posteriormente na partilha, obedecendo aos quinhões

de cada um dos herdeiros do falecido). Ela poderá ocorrer na sucessão

legítima ou testamentária, se, nessa última, a deixa não for específica sobre

certo e determinado bem. Já na sucessão a título singular ou particular, o

legatário receberá um bem ou mais bens certos e determinados, indicados

expressamente no testamento formulado pelo falecido.

Apenas a título de esclarecimento, a lição de Arthur Vasco

Itabaiana de Oliveira, no Tratado de Direito das Sucessões, sobre a distinção

entre o herdeiro e o legatário, merece atenta e cuidadosa atenção, como

segue:

Conquanto o herdeiro e o legatário continuem a posse do de cujus e a recebam com os mesmos caracteres, qualidades e vícios, entretanto a instituição de herdeiro é fundamentalmente diversa da de legatário, porque:

a) o herdeiro sucede a título universal e o legatário a título singular ou particular;

b) o herdeiro responde pelas dívidas e encargos da herança na proporção de sua quota hereditária, pois sucede in omne jus quod defunctus habuit; enquanto que o legatário está isento desta responsabilidade, por isso mesmo que sucede sómente in rem aliquam singularem;

c) o herdeiro sucede numa porção ou quota indefinida da herança, e o legatário sucede só numa parte definida e determinada da herança;

d) o herdeiro tem direito de acionar, em juízo, para anular contratos e atos jurídicos feitos pelo autor da herança com terceiros, ao passo que êsse direito é negado ao legatário.230

Como se verifica, vários são os pontos que distinguem a

posição jurídica do herdeiro e do legatário, inclusive em relação às

230 Ibid., p. 59-60.

Page 186: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

186

responsabilidades destes quanto às dívidas e encargos do patrimônio

hereditário deixado pelo de cujus.

Quanto ao direito real de habitação, a distinção entre

herdeiro e legatário tem grande importância, principalmente no que tange à

natureza jurídica de tal benefício legal. Em verdade, o direito real de habitação

decorrente da sucessão hereditária assemelha-se à sucessão a título singular

ou particular, mas o é por ordem e disposição legal, visto que a determinação e

a incidência recaem sobre bem certo e determinado231. Por outro lado, tal

benefício legal diferencia-se da deixa testamentária da natureza do legado, eis

que opera automaticamente e independentemente de registro. Com isso,

resulta que poderá haver sucessão ab intestato que recaia sobre bem

específico, aquele sobre o qual incida o direito real de habitação.

Em tal ótica, importa lembrar que tal direito real é

conferido ao cônjuge, que é herdeiro necessário. Se houver a aplicação de

instituto à união estável, também, quanto a isso, não haverá maiores

questionamentos, eis que a legislação outorga tal benefício específico por

imposição e não pede ato de vontade do falecido.

Numa visão mais conceitual, é interessante ter como base

que, doutrinariamente, o legatário não é herdeiro propriamente dito, tendo

apenas responsabilidade proporcional ao legado a ser recebido, e, para ser

investido na posse do bem deixado, depende do procedimento de inventário e

respectiva decisão judicial.

231 A esse respeito, é precisa a lição de Antonio Junqueira de Azevedo, em seu artigo: “O espírito de compromisso do direito das sucessões perante as exigências individualistas de autonomia da vontade e as supra-individualistas da família – herdeiro e legatário”. In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 04, jan/fev/mar., 2000, p. 57-63.

Page 187: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

187

Dessa forma, no ato de falecimento do de cujus, a

transmissão da posse e da propriedade do patrimônio hereditário ocorre para

os sucessores universais (legítimos ou testamentários). Para os sucessores

particulares ou singulares, a transmissão dá-se, apenas, quanto à propriedade

dos bens respectivos, devendo os beneficiados aguardar posterior partilha,

para a regular formalização da sua cota hereditária de bens e transmissão

efetiva da posse do legado.

Com relação ao direito real de habitação conferido por

conta da sucessão hereditária, se for tomada como sucessão a título singular,

tem-se o caso excepcional, onde, no ato do falecimento do de cujus, haverá

transmissão de posse e propriedade ao legatário, sem a necessidade de

pedido expresso perante o inventário e os demais sucessores.

Clóvis Beviláqua, sem entrar na discussão do direito real

de habitação, discorre sobre o conceito e a transmissão da herança aos

sucessores, em seu Direito das Sucessões, quando afirma que o legatário, no

falecimento do de cujus, recebe a propriedade dos bens deixados em legado,

aguardando a posterior formalização da partilha em inventário para ter-lhes a

posse:

O Código Civil, sem muito se afastar dessas normas, deu-lhes mais clareza e harmonia. Aberta a sucessão, pela morte de alguém, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. O legatário, se a liberalidade é pura e simples, adquire a propriedade da coisa legada, desde a morte do testador (...), mas deve pedi-la ao herdeiro.232

232 Ibid., p. 32.

Page 188: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

188

A mesma posição de Clóvis Beviláqua é defendida por

Orlando Gomes, em sua obra Sucessões – atualizada por Mário Roberto

Carvalho de Faria -, no capítulo que trata da devolução sucessória, onde o

autor afirma, claramente, que o legatário recebe a propriedade do bem no

momento da abertura da sucessão:

Em razão da regra, não precisa o herdeiro imissão de posse para se investir neste, continuando-se de pleno direito, ainda que se considere o inventariante possuidor direto. Quando ao legatário, tem de pedi-la, não obstante adquirir, desde logo, a propriedade do bem legado, se pura e simples a deixa.233

Maria Helena Diniz, ao abordar a situação do legatário no

momento da morte do de cujus, trata o tema de forma ainda mais

pormenorizada, distinguindo os bens fungíveis dos infungíveis, mas sem

ingressar na discussão da natureza jurídica do direito real de habitação e da

qualidade do beneficiário de tal direito:

É preciso lembra que o legatário, em relação ao herdeiro legítimo ou testamentário, tem uma situação diferente, pois só entra na posse dos bens após a partilha, adquirindo a propriedade dos bens infungíveis desde a abertura da sucessão, e dos fungíveis somente depois da partilha, tendo em vista que é sucessor a título singular, já que seu direito sucessório se refere a bens determinados e precisos.234

Encerrada esta visão geral sobre os direitos sucessórios,

o próximo capítulo passa a analisar o direito real de habitação aplicado ao

direito sucessório.

233 Ibid., p. 16. 234 Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007,

v. 6, p. 25.

Page 189: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

189

Buscam-se, agora, seus aspectos gerais e os

questionamentos a que se visam responder, em vista da lacuna legal e

jurisprudencial que subsiste até o presente momento quanto ao assunto

colocado em discussão.

É certo que não se encontrará resposta definitiva às

questões levantadas, mas buscar-se-á, com os fundamentos trabalhados até

aqui, oferecer as saídas que se admitem como mais cabíveis e, legalmente,

mais sensatas.

Page 190: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

190

Capítulo 5

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA

5.1. Primeiras observações

Após discorrer sobre a família brasileira e sua evolução,

bem como acerca dos direitos reais – com foco no direito real de habitação – e

das regras gerais sobre os direitos sucessórios, tratar-se-á, neste quinto e

último capítulo, do direito real de habitação aplicado à sucessão hereditária.

Para examinar as diversas questões que o estudo do

direito real de habitação na sucessão hereditária apresenta, há que

desenvolver, em primeiro plano, uma abordagem histórica do instituto, desde o

seu surgimento no direito brasileiro – quando da alteração do então artigo

1.611 do Código Civil de 1916, em 27 de agosto de 1962, por intermédio do

Estatuto da Mulher Casada – , até a previsão legal atual. Em seguida, passa-se

ao conceito, aos objetivos e à natureza jurídica do direito mencionado,

referindo, ainda, a previsão legal em outros ordenamentos. Ao final, serão

levantadas, pontualmente, as várias indagações que o tema possui, com base

nos assuntos aprofundados no presente trabalho.

Além do direito real de habitação decorrente do direito

sucessório, também havia previsão do denominado usufruto vidual, que

consistia no usufruto de parte dos bens deixados pelo falecido. Tal instituto não

Page 191: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

191

está mais em vigor em nosso ordenamento235, para qualquer uma das

modalidades sucessórias, seja decorrente do casamento, seja decorrente da

união estável ou das demais. É pacífico que o presente trabalho não versa,

especificamente, sobre o usufruto vidual236, mas, em vista de sua importância,

é válido fazer uma breve exposição sobre a questão a seguir, quando do início

da discussão das questões que envolvem o direito real de habitação.

Chama-se, mais uma vez, a atenção, para o fato de que,

como já foi dito anteriormente, o objetivo deste trabalho é problematizar o tema

proposto, buscando oferecer respostas às principais dúvidas e lacunas

existentes e aqui identificadas, sem, contudo, a pretensão de esgotar o tema,

que é extenso e palpitante em nossa rica doutrina e jurisprudência.

5.2. Revisão histórica

O direito real de habitação sobre o imóvel familiar,

incidente em decorrência da sucessão hereditária237, assim como o usufruto

vidual, ingressaram em nosso ordenamento jurídico com a vigência da Lei

235 Nesse sentido, não reconhecendo o usufruto vidual após o Código Civil de

2002, é o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a lavra do Des. Ruiter Oliva, cujo julgamento deu-se em 31 de agosto de 2004, no agravo de instrumento 3363924800: “Inventário. União estável. Usufruto vidual. Direito não previsto no novo código civil - pretendida cumulação dos direitos de meação e herança acarretando diminuição na participação dos herdeiros necessários inadmissibilidade - companheira que tem uma participação correspondente a metade dos bens adquiridos juntamente com o falecido - situação equivalente à que lograria se fosse casada no regime da comunhão parcial de bens - inteligência dos arts. 1.725, 1.790, ii e 1.829, i, do CC e do art. 226, § 3o, da CF - recurso não provido.”

236 Na vigência do Código Civil de 1916, o entendimento acerca do usufruto vidual era de que, se reconhecida a meação sobre os aquestos, não haveria o deferimento de tal benefício, conforme Agravos de Instrumento 227.111-4/7 (rel. Des. Waldemar Nogueira Filho) e 555.796-4/9 (rel. Des. Egídio Giacóia) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

237 A esse respeito e apenas a título de informação, é útil lembrar que o direito real de habitação e o usufruto eram previstos no Código de Hamurábi, em seus artigos 171, 172 e 180.

Page 192: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

192

4.121, de 27 de agosto de 1962, publicada em Diário Oficial da União em 03 de

setembro de 1962, com vacatio legis de 45 dias, na presidência de João

Goulart.

A Lei 4.121/62, também denominada Estatuto da Mulher

Casada, tinha como objeto, curiosamente, dispor sobre a situação da mulher

casada, ou seja, em princípio, os dispositivos legais nela indicados forneceriam

benefícios e direitos à mulher vinculada a um homem por matrimônio.

Entretanto, os mencionados textos legais atinentes ao

direito real de habitação e ao usufruto vidual aplicavam-se tanto ao marido

quanto à mulher, favorecendo o cônjuge sobrevivente de forma geral, no caso

de falecimento do outro.

Em verdade, no que tange especificamente ao tema do

presente trabalho, o Estatuto da Mulher Casada trouxe importante alteração no

então artigo 1.611 do Código Civil de 1916, que dispunha, até então, sobre a

vocação hereditária e a situação do cônjuge, à falta de sucessores

descendentes ou ascendentes.

Com a vigência da Lei 4.121/62, o referido artigo 1.611

passou a ter dois parágrafos, um tratando do direito real de habitação238 e o

outro, do usufruto vidual, como se pode verificar, a seguir, pela leitura do texto

legal original, ainda mencionando o desquite, no caput do artigo alterado:

Lei no. 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sôbre a situação jurídica da

mulher casada. (...) Art. 1º Os artigos 6º, 233, 240, 242, 246,

248, 263, 269, 273, 326, 380, 393, 1.579 e 1.611

238 Provavelmente por erro de grafia, no texto original da Lei 4.121/62, o direito

real de habitação constou como direito real de habilitação.

Page 193: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

193

do Código Civil e 469 do Código do Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

I – Código Civil: (...) "Art. 1.611. Em falta de descendentes e

ascendentes, será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados.

§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus".

§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação (sic) relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

Dessa forma, a partir da vigência da Lei 4.121 de 1962,

dois novos direitos foram garantidos ao cônjuge sobrevivente da época,

relativamente aos bens da herança:

• direito real de usufruto sobre bens do falecido,

chamado de usufruto vidual, até quando perdurasse a

viuvez, exceto se casado no regime da comunhão

universal de bens. Tal direito incidia na quarta parte da

herança, se houvesse filhos do falecido ou do casal,

podendo passar à metade dos bens, se não houvesse

filhos, independentemente de existirem ascendentes

sobrevivos;

• direito real de habitação sobre o imóvel destinado à

residência da família, exceto se casado por outro

Page 194: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

194

regime, que não o da comunhão universal de bens. Tal

direito perduraria enquanto o habitador vivesse ou

permanecesse viúvo, independentemente de sua cota

hereditária, se houvesse. Por fim, é importante lembrar

que o imóvel objeto do direito real deveria ser o único

daquela natureza a inventariar.

Em princípio, como já se disse, a idéia do legislador de

1962, era afastar a clara inferioridade feminina prevista até então pelo Código

Civil de 1916 e legislação extravagante, inclusive no que tange aos direitos

civis ora existentes.

A esse respeito, Eduardo de Oliveira Leite bem leciona,

em seus Comentários ao novo Código Civil, informando que, apesar de

pequena a alteração legislativa de 1962, representou ela, em sua totalidade,

um grande avanço para os direitos femininos da época – e, no caso específico

do direito real de habitação e do usufruto vidual, a alteração significou muito

para a família e sua manutenção, bem como para a mulher e o homem:

(...) parágrafos foram introduzidos por força da Lei 4.121, de 1962 (Estatuto Jurídico da Mulher Casada) que procurava, assim, minorar os efeitos nefastos da inferioridade feminina decorrentes das discriminações de gênero.

Ainda que se considere tímida a proposta de 1962, foi extremamente útil na apontada melhoria da posição do cônjuge, resgatando o usufruto vidual e o direito real de habitação, quando o regime de bens fosse o da comunhão universal.239

239 Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões, Sálvio de

Figueiredo Teixeira (coord.). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 230.

Page 195: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

195

José Luiz Gavião de Almeida, também quando comenta o

atual Código Civil, no artigo 1.831, lembra das origens do direito real de

habitação decorrente da sucessão hereditária, na legislação de 1962, tecendo

críticas aos limites impostos ao instituto, quando de sua inserção em nosso

ordenamento jurídico. Afirma o autor, com razão, que o direito real de

habitação, tal como posto originariamente em nosso país, conferia ao cônjuge

sobrevivente apenas o direito à manutenção do condomínio240 relativo ao

imóvel residencial do casal com os demais sucessores, não o amparando na

hipótese de não ter ele participação no bem, mesmo que habitasse ou residisse

com a família. Vejamos:

O referido direito real de habitação existia no Código anterior, no parágrafo 2º. do art. 1.611, parágrafo este acrescentado pela Lei no. 4.121, de 27-8-1962. Mas o referido direito obrigava o cônjuge sobrevivente a manter-se viúvo e só beneficiava aquele casado pelo regime da comunhão de bens. Era direito à não-extinção do condomínio, apenas. Não amparava aquele que, não tendo participação no bem, nele residia com a família, ou com o falecido.241

De qualquer forma, o direito real de habitação decorrente

da sucessão hereditária manteve-se válido e vigente em nossa legislação,

240 Atualmente, não há amparo para o pedido de extinção de condomínio, em

vista do exercício do direito real de habitação. Veja-se a seguinte ementa do Superior Tribunal de Justiça – STJ, na égide do Código Civil anterior: “Ementa. Civil. Cônjuge sobrevivente. Imóvel. Direito real de habitação. 1. Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no § 2º, do art. 1.611, do Código Civil de 1916. 2. Neste contexto, recusa o entendimento pretoriano, a extinção do condomínio pela alienação do imóvel a requerimento do filho, também herdeiro. 3. Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença julgando improcedente a ação de extinção de condomínio. (4a. turma, j. 14/10/2003, processo 199900927370).

241 Código Civil comentado: Direito das Sucessões. Sucessão em geral. Sucessão legítima, Álvaro Villaça Azevedo (coord). São Paulo: Atlas, 2003, t. XVIII, p. 219.

Page 196: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

196

desde 1962, até posteriores modificações e a entrada em vigor do atual Códex

Civil. Como já foi visto, é importante lembrar que duras críticas foram

levantadas quanto à limitação do referido direito real à época, que, pela lei

vigente, era aplicável apenas aos casados na comunhão universal de bens242.

Em suma, como já foi explanado e com a leitura do artigo

1.611, parágrafo 2º. do Código Civil de 1916, nota-se que se garantia o direito

real de habitação ao cônjuge sobrevivente, nas seguintes condições:

• apenas enquanto permanecesse vivo e/ou viúvo;

• deveria o sobrevivente estar casado apenas sob o

regime da comunhão universal de bens;

• o imóvel objeto do direito real deveria ser o único bem

da mesma natureza a inventariar, sem prejuízo do que

lhe coubesse na herança.

Quanto a este último requisito, ao que parece, a lei civil

queria garantir a moradia da família, bastando verificar se o imóvel gravado era

242 A ementa a seguir, do ano de 2000, entendeu por adequada a limitação do

direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, se casado no regime da comunhão universal de bens. Veja-se: Inventário – Viúvo. Separação de bens. Usufruto vidual. Assim como as pessoas podem casar e também optar pelo regime de bens que melhor lhes aprouver, podem também não contrair casamento, optando pela união estável, sujeitando-se à disciplina legal de uma situação ou de outra, e desfrutando das vantagens e arcando com os ônus decorrentes da escolha feita. Se a recorrente contraiu casamento, sujeitou-se ao regime de separação obrigatória de bens e, em assim o fazendo, submeteu-se à disciplina legal desse regime, que constitui o estatuto patrimonial da sua relação conjugal. O art. 1.611, § 1º do CC tem clareza solar ao estabelecer que o cônjuge casado por um regime que não o da comunhão universal faz jus, enquanto permanecer viúvo, ao usufruto legal de uma quarta parte dos bens, se concorre na sucessão com filho do de cujus. Inexiste, para tal regime, o direito real de habitação. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Agravo de instrumento 70.001.488.337 – 7ª Câmara cível – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – D.O.E. 11.10.2000)

Page 197: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

197

destinado à residência da família ou não, independentemente de ser o único

inventariado243.

Quanto ao requisito que impunha a limitação do regime de

bens, não sobreviveu após a edição da Lei 9.278/96, que, em seu artigo 7º. ,

previa disposição expressa da aplicação do direito real de habitação ao

companheiro, sem a distinção sobre regime de bens. Nesse sentido, Guilherme

Calmon Nogueira da Gama afirma que:

Considerando que o regime de comunhão universal nunca existirá no companheirismo, é lógico concluir que a lei propositadamente não restringiu o direito a tal regime para efeito de aplicá-lo em todos os casos, reforçando o caráter protetivo do direito sucessório de habitação para abranger todas as situações de uniões fundadas no companheirismo. Conseqüentemente, para evitar a inconstitucionalidade do dispositivo legal, pois estaria se criando mais direitos aos companheiros se comparados aos casados sob regime diverso da comunhão universal de bens, deve ser considerada cláusula de maior favorecimento, no sentido de alargar o direito real de habitação entre casados para todo e qualquer regime, aliás como já ocorre com o direito real de propriedade. Assim, o art. 1.611, § 2º., do Código Civil, deve sofrer uma modificação em seu alcance, para estender o benefício a todo e qualquer regime matrimonial e não somente ao da comunhão universal.244

Em seguida, pela Lei 10.050/2000, houve nova alteração

no referido artigo 1.611 do Código Civil de 1916, para estender o benefício do

parágrafo 2º ao filho necessitado portador de deficiência, na falta do pai ou da

mãe. Tal previsão legal não foi renovada com a vigência do Código Civil atual,

estando claramente revogada.

243 A esse respeito, importante é a lição de Orlando Gomes, em Sucessões, 12.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 65. 244 O companheirismo: uma espécie de família. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, p. 452-453.

Page 198: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

198

O Código Civil de 2002, que inovou sobremaneira em

relação ao Código Civil de 1916, especificamente no que tange ao direito real

de habitação na sucessão hereditária dos cônjuges, garantiu, em seu artigo

1.831, o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente. A disposição do

artigo 1.831 diz que tal direito existirá em favor do cônjuge sobrevivente:

• qualquer que seja o regime de bens;

• sem prejuízo da participação que exista na herança;

• relativamente ao imóvel destinado à residência da

família, também desde que seja o único da mesma

natureza a inventariar.

Não menciona o Código Civil de 2002, para a vigência do

direito real conferido, a necessidade de que o cônjuge permaneça viúvo245,

podendo constituir nova família, sem que perca referido direito. Entretanto, em

virtude da morte do cônjuge beneficiado com o direito real de habitação, tenha

ele ou não constituído nova família, por seu caráter personalíssimo em relação

aos demais sucessores do de cujus, haverá certamente a extinção da

habitação.

A regra de direito intertemporal determina que, no caso do

direito real de habitação, havendo óbito anterior ao Código Civil de 2002, a

245 O já arquivado (arquivado em 31.1.2003, regimentalmente) Projeto de Lei

6960/02 propunha alteração no artigo 1.831 do Código Civil, para que passasse a constar: Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Na justificativa no. 141 lê-se: Não há razão para manter o direito real de habitação, se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. "Quem casa faz casa", proclama o dito popular. Melhor e mais previdente a restrição do art. 1.611, § 2o, do Código Civil de 1916.

Page 199: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

199

regra do atual Código deverá ter vigência, em vista de ser mais benéfica do

que a do Código anterior. A jurisprudência já agasalha tal tese, como pode ser

verificado pela ementa abaixo:

Ementa – Direito Real de Habitação. Usufruto vidual sobre ¼ dos bens da obituada – Tendo o óbito ocorrido em 14.10.1999, é aplicável o disposto no § 1º do art. 1.611 do CC de 1916, segundo o que o viúvo, casado sob regime diverso da comunhão universal, possui direito ao usufruto vidual de 1/4 dos bens do falecido, já que o cônjuge falecido deixou filhos. Assim quanto àquela fração do imóvel, o apelado possui direito vitalício de usá-la ou de usufruir seus frutos. O Código revogado apenas concedia direito de habitação ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão universal, enquanto permanecesse viúvo. Por sua vez, a regra do art. 1.831 do Código em vigor é mais benéfica, na medida em que estende o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens do casamento, independentemente da participação que lhe caiba na herança, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. Ante o alcance social do novel dispositivo, é de se admitir, em situações como tais, em que o viúvo reside no imóvel há mais de trinta e cinco anos, não possuindo condições de conseguir outra moradia com a mesma dignidade, que seja aplicada a seu favor a norma mais benéfica, reconhecendo-se seu direito vitalício à habitação. (...). (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – ac. 27.976/2003 – 2ª Câmara Cível – Relª Desª Leila Mariano – DORJ 17.02.2005).

Veja-se o teor do mencionado artigo 1.831 do atual

Código Civil:

Artigo 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Page 200: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

200

Tal direito afigura-se, segundo Francisco José Cahali,

como:

Um direito personalíssimo e resolúvel, extinguindo-se com a morte do titular. Impede a fruição ampla, assim entendida a possibilidade de alugar, ceder em comodato etc., mas apenas compreende o direito de continuar utilizando diretamente a residência, sem qualquer ônus perante os titulares do domínio.

Na amplitude da ocupação contida no direito de habitação, faculta-se ao beneficiado, inclusive, ali constituir nova família, através de casamento ou união estável, pois não foi renovada a restrição contida na legislação revogada, condicionando o exercício deste benefício ao estado de viuvez.246

Quanto ao direito real de habitação como direito

sucessório decorrente da união estável, a notícia histórica é bastante diferente.

A legislação extravagante que tratou da matéria – Lei 8.971/94 e 9.278/96 -

bem versou sobre o direito real de habitação aos companheiros, como,

inclusive, acima citado.

Em 1994, com a edição e vigência da Lei 8.971, foi

inserida, no ordenamento, a previsão do usufruto sobre os bens do

companheiro falecido, ainda nada dizendo o texto legal sobre o direito real de

habitação. Veja-se o artigo 2º. da referida Lei de 1994:

Artigo 2º. As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do companheiro (a) nas seguintes condições:

I – o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns;

246 Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São

Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 218.

Page 201: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

201

II - o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes.

Em 1996, sobreveio a Lei 9.278, consagrando as

previsões constitucionais de 1988, que já conceituavam a união estável como

entidade familiar. Os seus requisitos eram a convivência duradoura, pública e

contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de

constituição de família. Sobre o direito real de habitação, a Lei 9.278/96, em

seu artigo 7º., parágrafo único, dizia:

Artigo 7º. (...) Parágrafo único. Dissolvida a união

estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Portanto, a partir de 1996, o direito real de habitação

deferido ao companheiro sobrevivente foi vigente em nossa legislação247.

Em análise da vigência da lei, tratando-se da Constituição

Federal e das duas legislações extravagantes que tratam da união estável,

assim se pronunciou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgado de

12 de abril de 2000, por intermédio de seu Relator, Desembargador Sérgio

247 Nesse sentido, é a ementa: “Dissolução de sociedade de fato – Morte de um

dos conviventes. Residência do casal adquirida pelo falecido antes da união estável. Ausência de direito à meação ou partilha do sobrevivente. Direito real de habitação assegurado enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento (parágrafo único do art. 7º da L. 9.278/96). (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – ac. 000.196.455-0/00 – 2ª Câmara cível – Rel. Des. Abreu Leite – DJMG 29.06.2001).”

Page 202: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

202

Fernando de Vasconcellos Chaves, mantendo, naquela época, o direito real de

habitação e o usufruto vidual em favor do companheiro:

Ementa. União estável – Constituição de 1988. Colaboração presumida. Direito de habitação e usufruto. Sucumbência. 1. A união havida constituiu uma família, sendo irrelevante se iniciou antes da Constituição, importando é que findou sob a égide dessa nova carta de princípios. A união more uxorio existente antes da Constituição ganhou rótulo de união estável, mas não sofreu qualquer alteração na sua natureza e essência. A nova Carta trouxe ao campo do Direito o fato social relevante que reclamava o afastamento dos preconceitos, bem como o reconhecimento formal e a proteção do Estado. 2. Desnecessidade de prova da contribuição para o patrimonial, pois esta é presumida. 3. A Lei nº 9.278/96 não revogou a Lei nº 8.971/94, coexistindo o direito real de habitação com o usufruto vidual, que é mais benéfico aos conviventes. (...) Recurso provido em parte. (ac. AC 70.000.859.587)

Entretanto, tal regra não prevaleceu no atual Código Civil,

tendo o mesmo silenciado a esse respeito. Não há, como se vê, previsão legal

codificada para esse direito relativamente aos companheiros.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002,

portanto, vários debates foram travados quanto à manutenção ou não do direito

real de habitação aos companheiros248, em vista da previsão para os

cônjuges249.

248 Na ementa que se segue, não houve o deferimento do direito real da

habitação em vista da não configuração da união estável, cujos fatos se deram em período anterior ao atual Código Civil: “Ementa: união estável. A apelante e o de cujus, ainda que tenham se relacionado intimamente, não mantinham convivência com características de entidade familiar. Não residiam sob o mesmo teto, não possuíam filhos, enfim, não formavam um casal com comunhão plena de vida, vez que ausente a intenção de constituir família. Inexistindo união estável não há falar em direito real de habitação. (Apelação cível Nº 70006315386, Sétima câmara cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 18/06/2003).”

249 Apenas a título de discussão, são as ementas abaixo, já publicadas em Diário Oficial após a vigência do Código Civil de 2002:

Page 203: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

203

A questão será tratada especificamente a seguir, mas,

historicamente, é importante lembrar que na Primeira Jornada de Direito Civil,

realizada no Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal,

em setembro de 2002, acerca do novo Código Civil, assim se concluiu, em

enunciado de número 117:

O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei no. 9278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo artigo 6º. caput, da CF/88.

Nota-se, enfim, que o direito real de habitação, após sua

primeira previsão legal, em 1962, não mais saiu de nosso ordenamento

jurídico, principalmente em relação ao cônjuge sobrevivente, buscando

garantir, cada vez mais, a formação e manutenção da família e da vida familiar.

Quanto ao usufruto vidual, a mesma sorte não teve o

instituto, que, a partir do Código Civil de 2002, não mais vige em nosso

ordenamento, até pela instituição da concorrência sucessória na sucessão

decorrente do matrimônio.

“União estável – Direito real de habitação que se outorga à companheira, na forma do art. 7º, parágrafo único, da L. 9.278/96, como meio jurídico de assegurar sobrevivência digna na fase posterior à dissolução da união. Provimento parcial do recurso da ré, para esse fim e não-provimento do recurso do autor, mantida a verba honorária. (Tribunal de Justiça de São Paulo – ac. 133.204-4/1 – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – DOESP 06.03.2003).”

Nesse segundo caso, inclusive, houve deferimento do benefício, mesmo existindo dois imóveis na posse do casal. Vejamos:

“União Estável – Direito Real de Habitação – 1. Sendo incontroversa a existência de união estável, a morte do varão gera o direito real de habitação para a companheira. Inteligência do art. 7º da L. 9.278/96. 2. O fato do casal ter coabitado simultaneamente em dois imóveis, um de propriedade do varão e outro locado pela mulher, não afasta o direito real de habitação desta, sendo inequívoco que o de cujus possuía apenas um imóvel e que era utilizado como residência. Recurso provido. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – ac. 70006907240 – 7ª Câmara cível – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – D.O.E. 17.02.2004).”

Page 204: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

204

5.3. Previsão no direito estrangeiro

No direito estrangeiro, o direito real de habitação

decorrente da sucessão hereditária tem várias acepções, incluindo, por vezes,

os móveis que compõem o bem imóvel.

5.3.1. Código Civil Francês

No direito civil francês, a alteração legislativa de 03 de

dezembro de 2001, nos artigos 763 a 766, estabelece duas formas previstas de

direito real de habitação no caso de sucessão hereditária.

A primeira hipótese, que prevê o direito real de habitação

válido apenas por um ano, mas, com caráter obrigatório, é contida no artigo

763 do Código Civil, tendo a seguinte disposição, in verbis:

Art. 763. Si, à l’époque du décès, le conjoint successible occupe effectivement, à titre d’habitation principale, un logement appartenant aux époux ou dépendant totalement de la sucession, il a de plein droit, pendant une année, la jouissance gratuite de ce logement, ainsi que du mobilier, compris dans la succession, qui le garnit.250

Nota-se, assim, que a previsão legal francesa garante ao

cônjuge sobrevivente, de forma mandatória, o direito real de habitação, por um

ano, do imóvel que era a residência do casal, incluindo os móveis que

guarnecem a respectiva residência.

250 Tradução livre do autor: “Art. 763. Quando, no momento da morte, o cônjuge

sobrevivente ocupar efetivamente, a título de habitação principal, uma moradia pertencente aos esposos ou totalmente dependente da sucessão, ele tem, por força da lei, durante um ano, direito ao gozo gratuito dessa moradia, bem como do mobiliário, compreendido na sucessão, que o guarnece.”

Page 205: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

205

Ademais, pelo mesmo artigo, é importante frisar que o

direito em comento é tido como resultante do casamento e não como efetivo

direito hereditário.

Já no artigo 764, há previsão diversa da acima citada,

com o direito real de habitação vitalício. Nessa hipótese, entretanto, o direito

real pode ser afastado por ato de disposição de última vontade (testamento) do

falecido.

Ainda, nessa segunda hipótese, poderá o habitador, na

forma da lei, alugar o imóvel, para, com a renda auferida, proporcionar os

meios necessários para a sobrevivência da família.

Nas duas hipóteses, pela leitura do artigo 766, o direito

real de habitação poderá ser convertido em renda vitalícia ou em constituição

de capital, sendo tais valores utilizados para a subsistência da família,

seguindo, assim, o caráter social da norma.

5.3.2. Código Civil e legislação portuguesa

Na legislação portuguesa, pela edição e vigência do

Decreto-Lei 496 de 25 de novembro de 1977, foi inserido o artigo 2103º, que

prevê, expressamente, ao cônjuge sobrevivente, o direito real de habitação do

imóvel residencial de moradia da família, incluindo os móveis, utensílios e

objetos que o guarnecem251.

251 Pelo teor do artigo 2103º. C, do Código Civil Português, os bens móveis que

guarnecem o imóvel permanecem para o exercício do direito real de habitação (denominado recheio). O mencionado artigo diz que recheio é o mobiliário e demais objetos e utensílios, destinados à composição, serviço e embelezamento da residência.

Page 206: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

206

O exercício de tal direito seguirá a previsão legal,

especialmente se a garantia ao cônjuge sobrevivente exceder os direitos

sucessórios, ocasião em que os co-herdeiros terão direito a torna, exceto na

hipótese de o cônjuge permanecer menos de um ano no imóvel.

Diz o citado artigo, inclusive mencionando, em seu item

terceiro, a eventual necessidade de prestação de caução pelo futuro habitador

do imóvel:

Artigo 2103º, A. 1. O cônjuge sobrevivo tem direito a ser

encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver.

2. Salvo nos casos previstos no n. 2 do artigo 1093, caducam os direitos atribuídos no número anterior se o cônjuge não habitar a casa por prazo superior a um ano.

3. A pedido dos proprietários, pode o tribunal, quando o considere justificado, impor ao cônjuge a obrigação de prestar caução.

Na hipótese do imóvel residencial do casal não ser parte

do acervo hereditário, não havendo, portanto, direito real de habitação sobre

ele, o artigo 2103º., B, do Código Civil Português ainda prevê direitos do

cônjuge sobrevivente sobre os bens e utensílios que nele se encontram, na

mesma forma do que está previsto para o imóvel propriamente dito.

As atribuições preferenciais acima citadas podem ser

assim definidas, conforme José de Oliveira Ascensão, em seu livro Direito Civil

– Sucessões:

O Dec.-Lei no. 496/77 aditou os arts. 2103-A a 2103-C que contêm duas atribuições preferenciais em favor do cônjuge: o direito de

Page 207: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

207

habitação da casa de morada da família e o direito de uso do respectivo recheio.

Anote-se que esta disposição não amplia o quinhão do cônjuge. A medida deste já foi dada por disposições anteriores. Apenas, se tais bens constarem da herança, o cônjuge tem direito a que os direitos de habitação e do uso do recheio lhe sejam encabeçados. Mas, se o valor exceder o da sua quota, ele fica devedor de tornas aos demais co-herdeiros (art. 2103-A/1).252

Interessante disposição da legislação portuguesa

encontra-se no artigo 5º. da Lei 6 de 11 de maio de 2001, bem como no artigo

4º. da Lei 7, de 11 de maio de 2001. Nas duas hipóteses, há a previsão legal

do exercício do direito real de habitação por, no máximo, cinco anos, para: a)

pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos (Lei 6/2001),

havendo o falecimento de alguma delas e b) duas pessoas que vivam em união

de fato há mais de dois anos, independentemente do sexo, no caso de morte

de um deles ou uma delas.

As referidas legislações, que passaram a ter vigência em

Portugal no ano de 2001, contêm previsões bastante avançadas em relação às

legislações de outros países, principalmente por prever o direito real de

habitação – e o direito de preferência na aquisição do bem - àqueles que vivam

juntos apenas por laços afetivos e por laços amorosos, seja de união entre

pessoas de sexos opostos ou de mesmo sexo.

Nesta última hipótese, da união de fato, veja-se o teor do

artigo 4º da Lei 7/2001:

Artigo 4º. 1 – Em caso de morte do membro da

união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de

252 Direito Civil: sucessões. 5. ed. rev. Lisboa: Coimbra Editora, 2000, p. 528-529.

Page 208: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

208

habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.

2 – O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.

(...)

A previsão legal portuguesa é bastante contemporânea,

mas impõe restrições ao direito real, se houver descendentes com menos de

um ano de idade ou outros descendentes que conviviam com o falecido e

pretendam habitar o imóvel.

Por fim, ainda quanto à Lei 6 e 7 de 2001, o direito real de

habitação pode ser excluído, por ato de disposição de última vontade, se assim

o falecido se tiver manifestado (por testamento).

5.3.3. Código Civil Italiano

No Código Civil Italiano, desde alteração promovida em

19 de maio de 1975, passou a existir, também, previsão do direito real de

habitação e o direito de uso sobre os móveis da residência do casal.

O atual artigo 540 do Código Civil Italiano, quando trata

da reserva em favor do cônjuge, apresenta os referidos benefícios. Veja-se o

teor expresso da legislação mencionada:

Art. 540 Riserva a favore del coniuge A favore del coniuge (459) è riservata la

metà del patrimonio dell'altro coniuge, salve le disposizioni dell'Art. 542 per il caso di concorso con i figli.

Al coniuge, anche quando concorra con altri chiamati, sono riservati i diritti di abitazione sulla casa adibita a residenza familiare (144), e

Page 209: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

209

di uso sui mobili che la corredano, se di proprietà del defunto o comuni.

Tali diritti gravano sulla porzione disponibile e, qualora questa non sia sufficiente, per il rimanente sulla quota di riserva del coniuge ed eventualmente sulla quota riservata ai figli.253

Há, como se vê, duas garantias legais: a) em relação ao

imóvel residencial familiar, o direito ao exercício da habitação e b) em relação

aos bens móveis que guarnecem o lar conjugal, o direito ao exercício do uso.

5.3.4. Código Civil Argentino

No direito civil argentino, também há previsão expressa

do direito real de habitação originado na sucessão hereditária.

O Código Civil Argentino contém tal regra em seu artigo

3.573-bis, in verbis:

Si a la muerte del causante éste dejare un solo inmueble habitable como integrante del haber hereditario y que hubiera constituido el hogar conyugal, cuya estimación no sobrepasare el indicado como límite máximo a las viviendas para ser declaradas bien de familia, y concurrieren otras personas con vocación hereditaria o como legatarios, el cónyuge supérstite tendrá derecho real de habitación en forma vitalicia y gratuita. Este derecho se perderá si el cónyuge supérstite contrajere nuevas nupcias.254

253 Tradução livre do autor: “Art. 540. Reserva em favor do cônjuge. A favor do cônjuge (459) é reservada a metade do patrimônio do outro cônjuge,

salvo a disposição do art. 542, para a hipótese de concurso com filhos. Ao cônjuge, ainda quando concorra com outros sucessores, são reservados o

direito real de habitação sobre a residência familiar (144) e o direito de uso dos móveis que a guarnecem, se de propriedade do falecido ou comum.

Tais direitos incidem sobre a porção disponível e, caso esta não se mostre suficiente, pelo remanescente sobre a cota de reserva do cônjuge e, eventualmente, sobre a cota reservada para os filhos.”

254 Tradução livre do autor: “Se, quando da morte do falecido, este deixar um único imóvel de residência como integrante de seu acervo hereditário e que havia constituído o lar conjugal, cuja estimação não ultrapasse o limite máximo aos imóveis para serem declarados bens de família, e concorrerem outros sucessores, o cônjuge

Page 210: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

210

Nota-se, assim, que, no direito argentino, o direito real de

habitação somente existe se houver um único imóvel a ser inventariado (que se

destinava à moradia da família), e tem caráter gratuito e vitalício. Por outro

lado, diferentemente da previsão legal brasileira, tal benefício legal poderá ser

extinto, automaticamente, pelo novo casamento ou nova união do cônjuge

sobrevivente.

5.4. Conceito, natureza jurídica, finalidade e limites do instituto

Conceitualmente, o direito real de habitação aplicado à

sucessão hereditária foi criado para garantir a manutenção da família e do seio

familiar, conferindo ao cônjuge (ou ao companheiro) sobrevivente o direito de

habitar o lar conjugal na forma legal, independentemente do regime de bens

que havia no vínculo mantido com o falecido255. É, como afirma Euclides de

Oliveira256, em seu Direito de Herança, direito de correto fundo social.

Tal direito real é modalidade de sucessão a título singular,

configurando-se direito personalíssimo e resolúvel, que se extingue257 com a

sobrevivente terá o direito real de habitação de forma vitalícia e gratuita. O direito será extinto se o cônjuge sobrevivente contrair novas núpcias”.

255 Criticando a extensão do direito real de habitação, que não mais se encerra com o fim da viuvez, é importante a lição de Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, em seu Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente, São Paulo: Letras Jurídicas, 2004, p. 200. No mesmo sentido, de não acolher como positiva a alteração legislativa que retirou o fim da viuvez como modo de extinção do direito real da habitação decorrente da sucessão hereditária, são as palavras de Euclides de Oliveira, no livro Direito de herança, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 137. Em sentido contrário, apoiando a inexistência de limitação quanto ao estado de viuvez, veja Eduardo de Oliveira Leite, em Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 231.

256 Ibid., p. 200. 257 Nesse sentido, também é lição de Arnaldo Rizzardo, em seu livro Direito das

sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205, quando afirma: “A indisponibilidade do uso persiste enquanto viver o supérstite”.

Page 211: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

211

morte258 do habitador259. Por tal razão, portanto, o referido direito real nunca

será perpétuo, em vista de que a relação jurídica existente se dará entre os

sucessores e o consorte do falecido apenas. Estabelecendo o cônjuge

sobrevivente nova união ou casamento e vindo a falecer, não haverá direito

real de habitação ao novo companheiro ou cônjuge relativamente ao imóvel

ocupado, pelo fato de que ele não mantém qualquer relação jurídica com os

sucessores do falecido primitivo, inclusive pelo caráter personalíssimo da

norma em comento.

A garantia do direito real de habitação tem seu lado

social, mas não pode embaraçar, sem qualquer limite temporal, a propriedade

dos titulares. Destarte, não há amparo para que se conclua pela ‘perpetuidade’

do instituto sobre o mesmo imóvel, no caso de novo casamento ou união

estável do sobrevivente.

Melhor seria que o direito real de habitação cessasse com

o fim da viuvez, visto que quem constitui nova união ou novo casamento,

presumidamente, deve ter condições de subsistência da nova família260 e não

embaraçará o direito de propriedade dos demais sucessores. Essa é a opinião

258 A extinção do direito real de habitação segue, como preceitua o artigo 1.416

do Código Civil de 2.002, as previsões de extinção do usufruto (artigo 1.410), dentre as quais se encontra a ‘morte do titular’. Dessa forma, não há alternativa, inclusive pela expressa determinação legal, de extinção do direito real de habitação com a morte do titular.

259 Nesse sentido, veja Eduardo de Oliveira Leite, em Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 232 e Francisco José Cahali, no Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 218.

260 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka tem opinião de que o direito real de habitação não deve ser extinto com o fim da viuvez, em vista de que tal imposição seria ‘eternizar a fidelidade ao falecido’, conforme se verifica da proposta legislativa contida no artigo Concorrência do companheiro e do cônjuge na sucessão dos descendentes. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 247.

Page 212: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

212

de Zeno Veloso, que propõe, inclusive, a alteração do artigo 1.831 do Código

Civil, para que “ficasse constando que o direito real de habitação, no caso, será

extinto se o cônjuge sobrevivente constituir nova família – pelo casamento ou

pela união estável”.261

A mens legis não era de criar um direito que se

transmitisse indefinidamente, em claro e real prejuízo aos titulares do domínio.

É esse o entendimento de Arnoldo Wald, no livro Direito Civil: Direito das

Sucessões, quando afirma, acerca da manutenção da interpretação do Código

Civil anterior, no qual o direito real discutido se extinguia com o fim da viuvez

ou a constituição de união estável:

(...) que o novo Código Civil, no art. 1.831, assegura ao cônjuge viúvo o direito real de habitação, qualquer que seja o regime de bens. Interessante, porém, observar que, apesar de continuar sendo previsto o direito real de habitação, nada se menciona sobre o momento da cessação dessa situação na hipótese de o cônjuge viúvo se casar novamente ou constituir vida em comum com outra pessoa. De qualquer modo, nada leva a crer que o novo texto receberá interpretação diversa daquela existente à luz do art. 1.611, § 2º. do Código Civil de 1916.262

É certo que, nesse particular, deve ser analisado também

se o direito real de habitação está servindo ao fim a que se destina ou se o

habitador, casado com novo cônjuge, por exemplo, passa a ter outros imóveis

para residir e não o faz por singela má-fé ou abuso de direito, ou seja, para

prejudicar, claramente, o direito dos proprietários do bem gravado. Não se

261 Do direito sucessório dos companheiros. In: Direito de Família e o novo

Código Civil, Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). 4. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: 2006, p. 241.

262 Direito Civil: Direito das Sucessões. 14. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 6, p. 94.

Page 213: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

213

pode privilegiar a má-fé ou o abuso de direito em claro prejuízo aos

proprietários do bem que, muitas vezes, têm necessidade de ocupar o imóvel

onerado. Nesse ponto, fundamental é relembrar a já citada lição de José de

Oliveira Ascensão, quando trata da extinção do direito real de habitação pela

‘cessação da necessidade pessoal’:

Pelo contrário, temos de entrar em conta pelo menos com mais uma causa de extinção do direito de uso, além das de extinção do usufruto: a cessação da necessidade pessoal que justificou a constituição do direito. Se o morador usuário deixar de viver na localidade onde se encontra a habitação, extingue-se automaticamente o direito de habitação. Também quando a desnecessidade for originária deve considerar-se inválida a constituição desses direitos.263

Como outra característica do direito real de habitação, é

importante concluir que o habitador e sua família possuem fruição restrita às

suas necessidades (na forma do artigo 1.412, parágrafo 2º. do Código Civil

atual), ou seja, o direito real de habitação decorrente da sucessão hereditária,

assim como o convencional, também não permite a locação, cessão, comodato

ou qualquer outra forma assemelhada de transmissão.

No que se entende por família e em vista do caráter social

da norma, melhor lição vem do direito estrangeiro (Código Civil Italiano, artigo

1.023; Código Civil Português, artigo 1.487 e Código Civil Argentino, artigo

2.953), quando, ao tratar do direito real de habitação convencional, inclui, além

das pessoas arroladas no artigo 1.412 do Código Civil Brasileiro, outros

dependentes do habitador.

263 Direito Civil: Reais. Lisboa: Coimbra Editora, 1993, p. 481.

Page 214: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

214

Silvio Rodrigues, atualizado por Zeno Veloso, no livro

Direito das Sucessões, também relembra o objetivo e as finalidades do direito

real de habitação, quando afirma:

Além dessas disposições regulando a sucessão, em propriedade, do cônjuge sobrevivente, há o art. 1.831 do Código Civil, que lhe assegura, qualquer que seja o regime de bens, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. O legislador quer preservar as condições de vida, o ambiente, as relações, enfim, evitar que a viúva ou o viúvo tenha de se mudar, de ser privado de sua moradia.264

Eduardo de Oliveira Leite bem explica nesse sentido,

inclusive informando sobre a impossibilidade de cobrança de aluguel ou

qualquer valor assemelhado do habitador, quando comenta o artigo 1.831 do

Código Civil atual:

É que a intenção manifesta do legislador – via direito real de habitação – não é punir, ou suprimir direitos do cônjuge sobrevivente (como ocorria anteriormente, fazendo depender o benefício da manutenção da viuvez), mas sim, proteger os membros da família, assegurando-lhes o direito de habitação, quando ele é o único imóvel daquela natureza a inventariar. (...)

Não podem reclamar a posse direta, nem tampouco cobrar aluguel proporcional do imóvel, em razão do direito real de habitação.265

Quanto à sua natureza jurídica, é pacífico o entendimento

de que o direito real de habitação é legado ex lege, e que seu beneficiário, em

264 Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo:

Saraiva, 2002, v. 7, p. 116. 265 Ibid., p. 232.

Page 215: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

215

consequente, é legatário legítimo. Orlando Gomes, atualizado por Mario

Roberto Carvalho de Faria, assim preceitua, sobre o tema:

O direito de habitação grava o imóvel enquanto viver o cônjuge supérstite, não restringindo o legislador sua duração ao período da viuvez.

Atribui-se-lhe sem prejuízo da participação que porventura lhe caiba na sucessão do consorte. Quando recolhe a totalidade da herança, como sucessor legal, não pode nascer o direito de habitação, dada a impossibilidade de constituí-lo na coisa própria.

O cônjuge sobrevivo não se torna herdeiro pela atribuição do direito real de habitação, senão legatário legítimo, com as seqüelas próprias de semelhante condição.266

Importa, ainda, frisar que o gravame incidirá

exclusivamente sobre o imóvel próprio residencial do casal, desde que seja o

único dessa natureza a inventariar. Essa restrição se justifica, pois, havendo

mais bens imóveis residenciais na herança, o consorte sobrevivente irá

receber, com certeza, a título de meação ou herança, algum dos bens deixados

pelo falecido, dando-se sempre preferência ao imóvel residencial da família.

Por fim, é certo que, nessa situação de multiplicidade de bens imóveis

residenciais na herança, pela própria mens legis, se o sobrevivente beneficiado

pelo direito real de habitação não receber qualquer dos bens a título de

meação ou herança, mesmo assim se constituirá o gravame, ao menos sobre

um imóvel a ser inventariado267.

266 Ibid., p. 65. 267 Na ementa contida na RT 616/83, nota-se que, quando há outros bens

capazes de manter a residência familiar, não haverá constituição do direito real de habitação. Veja-se a referida ementa, ainda prolatada sob a vigência do Código Civil de 1916: “Inventário. Partilha. Imóvel residencial comum. Uso por viúva meeira. Direito real de habitação invocado. Inadmissibilidade. Existência de outros bens da mesma natureza a ela atribuídos. Aluguel devido aos demais sucessores a título de indenização. Aplicação do § 2º. do art. 1.611 do CC.”

Page 216: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

216

No Código Civil comentado, José Luiz Gavião de Almeida

aponta, com precisão, sobre essa hipótese de existirem vários imóveis

residenciais a ser inventariados, afirmando que, ao menos um dos imóveis

deve ser garantido ao consorte supérstite, mantendo-o no mesmo padrão de

conforto em que vivia:

Há que se entender, então, para não chancelar extrema injustiça, que, no caso de existirem vários imóveis residenciais e nenhum deles de propriedade do cônjuge sobrevivente, não tem ele direito real de habitação sobre o imóvel que utilizava, porque nesse caso podem os herdeiros, por conveniência, exigir a mudança de domicílio do sobrevivente para outro dos imóveis residenciais que foram objeto da herança.

A existência de outros imóveis residenciais não afasta o direito real de habitação, mas apenas o direito real de habitação sobre o bem que servia de moradia à família do falecido. Nesse caso, o imóvel ofertado em substituição não pode ser de conforto inferior. Deve-se garantir ao cônjuge sobrevivente a mesma situação que desfrutava em sua residência anterior.268

Por ser benefício ex vi legis, contrariamente ao direito real

da habitação convencional, o originado no artigo 1.831 do Código Civil,

inclusive por disposição legal da lei de registros públicos – Lei 6015/73,

alterada, nesse particular, pela Lei 6.216/75 -, em seu artigo 167, I, 7, não

necessita de registro imobiliário na matrícula do respectivo imóvel.

Na mesma linha decisória, é a seguinte ementa, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Ementa: União estável – Direito real de habitação – Desocupação do imóvel – Preliminar – Inépcia da inicial – Carência da ação – (...) Sendo incontroversa a convivência more uxoria, havendo litígio entre as partes e tendo a agravante outro imóvel para residir, prudente é a decisão que determinou a sua desocupação do imóvel. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento 70007124035 – 7ª câmara cível – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis – j. 03.12.2003).”

268 Ibid., p. 220.

Page 217: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

217

A ementa abaixo, do Superior Tribunal de Justiça,

confirma o posicionamento, que é unânime na doutrina pátria269:

Embargos de terceiro – direito real de habitação – art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916 – usufruto – renúncia do usufruto: repercussão no direito real de habitação – registro imobiliário do direito real de habitação – precedentes da corte – 1. A renúncia ao usufruto não alcança o direito real de habitação, que decorre de lei e se destina a proteger o cônjuge sobrevivente, mantendo-o no imóvel destinado à residência da família. 2. O direito real de habitação não exige o registro imobiliário. 3. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial 565.820 – PR – 3ª Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 14.03.2005).

José Carlos Teixeira Giorgis, em artigo publicado na

revista do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM - apresenta, com

extrema clareza, o conceito, os objetivos e a natureza jurídica do direito real de

habitação decorrente da sucessão, quando afirma:

O direito real de habitação é a garantia assegurada ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens adotado no casamento e, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, de permanecer no imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, preservando-se a moradia da estirpe (CC, art. 1.831).

Em razão de sua destinação específica, o bem que servia à família será submetido a um regime especial, não se considerando somente a natureza do bem, mas a qualidade do sujeito a quem o direito sucessório será conferido. É sucessão anômala que derroga o princípio da unidade da sucessão e, como se trata de um legado ex lege, transmite-se ao cônjuge um direito real limitado quanto a objeto individualmente considerado, certo e determinado, separado do patrimônio hereditário

269 Nesse sentido é também o já citado acórdão do Superior Tribunal de Justiça –

STJ – no Recurso Especial 74.729, da relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Page 218: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

218

para tal fim, caracterizando tipicamente uma sucessão a título singular.

A especial natureza do direito real de habitação, como um verdadeiro legado e finalidade definida, impede que ele desocupe o imóvel; mas, ao contrário, tem dele posse imediata, exercida ainda que sobre a legítima dos descendentes e ascendentes, embora a metade do acervo pertença aos sucessores do autor da herança. 108

O cônjuge sobrevivo não se torna herdeiro pela atribuição do direito real de habitação, senão legatário legítimo, com as seqüelas próprias de semelhante condição.270

A existência do direito real de habitação ex vi legis,

decorrente da sucessão hereditária, não permite aos proprietários (seja da

totalidade ou de parte do imóvel objeto do direito real), requerer a extinção de

condomínio e a alienação da coisa comum. Esse entendimento é pacificado na

jurisprudência brasileira, como nos acórdãos precursores da matéria, proferidos

nos Recursos Especiais 234.276/RJ (cujo relator foi o Min. Fernando

Gonçalves), 107.273/PR (com o relator Min. Ruy Rosado de Aguiar), do

Superior Tribunal de Justiça.

A partir da análise já realizada, pode-se concluir, acerca

do usufruto vidual e do direito real de habitação originado na sucessão

hereditária que:

• o usufruto vidual não vigora mais em nosso

ordenamento jurídico, tendo sido substituído por outras

formas de proteção do sobrevivente, como, por

exemplo, a nova ordem de vocação hereditária, com a

270 Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo. In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 124-125.

Page 219: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

219

concorrência do cônjuge em relação aos

descendentes e ascendentes e a qualificação do

cônjuge como herdeiro necessário;

• em relação à união estável, pela ausência de

dispositivo legal pertinente no Código Civil atual, não

mais se fala na vigência do usufruto vidual;

• o deferimento e o exercício do direito real de habitação

decorrente da sucessão hereditária independe do

regime de bens adotado pelo casal271;;

• o beneficiário do direito real, em vista de tal direito ser

de natureza sucessória, deve ser qualificado como

sucessor, na forma do artigo 1.830 do Código Civil, ou

seja, não haverá o deferimento do benefício se o

sobrevivente estiver separado judicialmente ou de fato

do falecido (neste último caso, a culpa pela separação

de fato deverá ser do sobrevivente);

• o benefício legal previsto será conferido, sem prejuízo

da participação que caiba ao consorte sobrevivente na

herança deixada pelo de cujus;

• mencionado direito real incide sobre o único imóvel

residencial próprio a ser inventariado –

271 Nesse sentido, é o teor do acórdão no Recurso Especial 826.838/RJ, do

Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Min. Castro Filho, ressalvando que o regime de bens adotado pelo casal não mais influencia no deferimento do direito real de habitação, que deve incidir sobre o imóvel de residência do casal, desde que seja o único dessa natureza a inventariar (certamente se o cônjuge sobrevivente herdar a totalidade do imóvel residencial, não há que se falar em direito real de habitação.

Page 220: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

220

independentemente de ser o bem tido como particular

do falecido ou comum do casal - ou, em caso de

multiplicidade de bens imóveis residenciais próprios,

em, ao menos, um deles;

• não há qualquer distinção para o exercício de tal

direito em vista do imóvel ser considerado urbano ou

rural;

• na hipótese de multiplicidade de imóveis residenciais

próprios, caso o exercício do direito real de habitação

recaia em imóvel que não o da residência principal do

casal, deverá incidir sobre outro com o mesmo

conforto que havia no lar familiar;

• a existência de vários bens residenciais próprios a

inventariar não retira o direito ao benefício legal do

artigo 1.831 do Código Civil, exceto se o consorte

sobrevivente receber, a título de herança, imóvel

próprio que lhe dê residência;

• o direito real de habitação, por sua característica

própria e destinação específica, é direito

personalíssimo e resolúvel, extinguindo-se com a

morte do titular;

• não há mais a extinção do direito real de habitação

pela constituição de novo casamento ou nova união

estável, como era na lei anterior, mas há que se

observar a conduta de boa-fé do habitador no

Page 221: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

221

exercício da habitação, sob pena de extinção pela

‘cessação da necessidade pessoal’;

• por tais objetivos, o uso e a fruição são restritos, não

podendo tal direito real ser cedido, em qualquer

hipótese e a qualquer título, sob pena de sua imediata

e automática extinção272;

• o direito real de habitação decorrente da sucessão

hereditária pode ser qualificado como forma de

sucessão anômala, a título singular, ou como legado

ex lege;

• o habitador é tido e qualificado como legatário

legítimo;

• por ser benefício originado em imposição legal, o

direito real de habitação não pode ser afastado por

testamento ou contrato de convivência273;

272 Filia-se a tal opinião Arnaldo Rizzardo, na obra Direito das sucessões. 3. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205, quando afirma que o habitador não poderá, em qualquer hipótese, alugar ou emprestar o imóvel objeto do direito real de habitação.

273 Nesse sentido, interessante é o seguinte julgado, determinando o exercício do direito real de habitação sobre o imóvel residencial do casal, que havia sido doado ao filho do falecido ainda em vida: “Ementa: união estável. Direito real de habitação. Doação, pelo varão, de imóvel que servia de residência aos companheiros. Mesmo que o imóvel que era de propriedade exclusiva do companheiro tenha sido por ele doado ao filho (com reserva de usufruto ao doador) na vigência da convivência, estando edificada sobre aquela área a residência na qual moravam os conviventes, deve ser à mulher assegurado o direito real de habitação, em atendimento aos princípios constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana, solidariedade e mútua assistência. Em relação à proteção das pessoas no âmbito do direito de família, após lenta evolução legislativa, a Constituição Federal de 1988 instituiu como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. Em assim sendo, a aplicação normativa jamais poderá se afastar de tal princípio fundante. Portanto, a definição de todo e qualquer direito individual há que refletir a proteção especial que a Carta Constitucional confere, visto que ao aplicador do direito não é dado ser insensível a certas situações que a realidade apresenta. Há que ter em mente que a ratio que disciplina o direito real de habitação está inspirada em tais

Page 222: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

222

• o direito real discutido é, portanto, caso excepcional de

legado originado em determinação legal, pelo qual o

habitador, no momento do falecimento do de cujus,

recebe a posse do bem para o exercício do benefício

legal;

• em vista do deferimento da posse do bem ao

habitador, não haverá qualquer interferência no

exercício do direito real, caso o referido bem esteja em

condomínio entre os sucessores e o habitador ou

apenas entre os primeiros;

• da mesma forma, tendo em vista que o direito de

habitação confere apenas a posse direta do bem

gravado, não haverá qualquer interferência dessa em

relação à porção legítima da herança, que deverá ser

regularmente distribuída entre os sucessores (que

suportarão o ônus real, se for o caso de ele existir);

• o direito de propriedade somente terá como

consequência a sua própria derivação, principalmente

quanto aos custos e à manutenção do bem;

• o exercício do direito real de habitação sucessório

deve ser feito pelo habitador e sua família, assim

entendida na forma legal (artigo 1.412, parágrafo 2º.

princípios e se volta para a solidariedade familiar, o que afasta a interpretação restritiva e assegura à companheira supérstite o direito de moradia, ainda que o imóvel já não mais pertencesse ao varão quando de sua morte. (apelação cível nº 70006535876, sétima câmara cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 27/08/2003)”.

Page 223: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

223

do Código Civil atual), com posse direta sobre o bem,

podendo, inclusive utilizar-se dos interditos

possessórios para sua proteção;

• do habitador não poderá ser exigida qualquer

contraprestação para o exercício do direito de

habitação274, inclusive entre os habitadores, se houver

mais de um;

• o habitador deverá arcar unicamente com as despesas

de manutenção e encargos ordinários que recaiam

sobre o imóvel (impostos da propriedade, água, luz,

dentre outros), restando ao proprietário as demais,

inclusive as reparações ordinárias275.

• em vista de ser direito originado em disposição

expressa de lei, não há necessidade do registro

imobiliário para sua vigência e exercício em relação

aos sucessores. Para eventual oposição a terceiros,

será seguro fazer o devido registro.

Ainda quanto aos limites e à extensão do direito real de

habitação decorrente da sucessão hereditária, restam outras importantes

274 O acórdão da apelação com revisão 245.281.4/3-00, do Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo, com a relatoria do Des. Elcio Trujillo, afirma, claramente, acerca da impossibilidade de cobrança de aluguéis, bem como da imposição de qualquer restrição ao direito real de habitação sobre a totalidade do imóvel: “(...) Assegurado o direito de ocupação, ausente qualquer limitação no tocante à área de utilização, não se há, nos termos previstos pelo artigo 1.415 do Código Civil vigente (art. 747, do revogado Código), obrigar o beneficiário ao pagamento de alugueres”.

275 Nesse sentido é o acórdão na apelação com revisão 617.909-4/7-00, da relatoria do Des. Caetano Lagrasta Neto.

Page 224: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

224

indagações. Em primeiro lugar, questiona-se se o beneficiário do direito real

discutido pode renunciar à herança e não ao direito real de habitação. A

resposta é afirmativa, visto que o direito real de habitação, como já foi

discutido, é legado ex lege, portanto, de qualidade distinta da herança. Para

confirmar tal entendimento, apela-se ao texto do enunciado 271 da Terceira

Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de

Justiça, que trata da possibilidade de renúncia ao direito real de habitação, sem

a necessidade de renúncia à herança.

Em segundo lugar, discute-se se o herdeiro excluído da

sucessão por indignidade ou deserdação também perderia o direito real de

habitação. Nesse particular, a resposta também é positiva, eis que, como

tratado no tópico específico, a consequência da exclusão por indignidade ou

deserdação é a perda total de todo e qualquer direito sucessório. Como em

nosso ordenamento o direito real de habitação do artigo 1.831 do Código Civil é

tido como direito sucessório (legado ex lege), não há qualquer fundamento

para mantê-lo no caso de exclusão da herança, com a sentença judicial que

decrete a indignidade ou a deserdação.

Sobre essa questão, a posição de Arnaldo Rizzardo é

diversa, quando afirma:

O cônjuge indigno não tem afetado o direito, eis que a indignidade restringe-se unicamente aos herdeiros e legatários. É possível que seja afastado da herança, a que se restringe a indignidade; não, porém, quanto à habitação.

No que pertine à deserdação, por se limitar à transmissão da herança, não é afetado o direito de habitação. 276

276 Direito das sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205.

Page 225: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

225

Em terceiro lugar, há dúvida quanto aos bens que

guarnecem o imóvel objeto do direito real de habitação: estariam eles também

gravados com o ônus real? A resposta, nesse caso, é negativa, inclusive

respeitando o princípio da tipicidade dos direitos reais, visto que, para que tal

direito abrangesse os móveis, deveria haver previsão legal específica nesse

sentido. A decisão que se segue, do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem

apresenta essa situação, indeferindo o benefício sobre os bens móveis que

estavam no imóvel gravado:

Móveis. Inventário. Arrolamento. Bens móveis sob guarda da ex-companheira do inventariado. Restituição ordenada. Direito real de habitação que não alcança o uso desses bens. Direito do proprietário de ter em seu poder a coisa que lhe pertence. Prazo razoável concedido para a devolução. O objeto do direito real de habitação, por definição legal, há de ser bem imóvel de certa destinação, ou seja, casa ou apartamento, uma vez que tem por fim proporcionar moradia gratuita. Esse direito não constitui óbice a que sua titular restitua os bens móveis guardados no referido imóvel, dos quais é depositária, tendo em vista que é direito do proprietário ter em seu poder a coisa que lhe pertence. (Agravo de instrumento 165.604-4 – 9ª câmar de direito privado - Rel. Des. Ruiter Oliva – j. 17.10.2000)

Quanto às modalidades de extinção, uma questão sempre

surge: a desocupação momentânea do imóvel poderia causar a extinção do

direito mencionado? A resposta, nesse caso, inclusive em vista da ausência da

modalidade de extinção pelo não uso no que se refere ao direito real de

habitação, é negativa.

A desocupação momentânea do imóvel que servia de

residência conjugal não pode levar à extinção do direito real discutido, exceto

se ocorrer em vista de o sobrevivente ter-se mudado para outro bem imóvel de

Page 226: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

226

sua propriedade (situação assemelhada à extinção do usufruto prevista no

artigo 1.410, IV, do Código Civil – cessação do motivo que originou o direito -),

garantindo-lhe a habitação.

Na hipótese acima aventada, a nosso ver (e até pela

intenção da norma), haverá a extinção do direito real de habitação, uma vez

que os titulares do domínio não podem remanescer perpetuamente

aguardando o sobrevivente tomar e deixar a posse do imóvel gravado, se não

existe mais o motivo que originou o direito real respectivo (que é a necessidade

de manter o lar conjugal para que o sobrevivente não fique desamparado).

É certo que não é objetivo e nem finalidade do direito real

de habitação decorrente da sucessão hereditária criar embaraços para os

titulares da propriedade. Da mesma forma, deve-se penalizar o habitador que

fizer uso indevido ou abuso de seu direito, em claro prejuízo aos titulares do

domínio (poderá ser extinto o direito pelo teor do artigo 1.410, VII, do Código

Civil de 2002). A jurisprudência não é pacífica na questão da desocupação,

como se verifica pelas seguintes ementas:

Superior Tribunal de Justiça, 4ª. Turma, Recurso Especial 285324/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, J. 22.03.2001. Ementa: Causa de pedir. Alteração. Fato novo superveniente. Desocupação do imóvel. Viúvo. Direito de habitação. Nova família. União estável. Nos termos do art. 462 do CPC, o juiz deve considerar fato superveniente, suficiente para determinar o julgamento da causa. Viúvo que constitui nova família em união estável e depois desocupa o imóvel integrante do espólio. Ação proposta pelo primeiro fato e julgada procedente pelo segundo. Admissibilidade. Recurso não conhecido.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Ementa: Ação de reconhecimento de união estável. Direito real de habitação da convivente sobrevivente. O art. 7º, parágrafo único, da lei nº

Page 227: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

227

9.278/96 assegura ao sobrevivente da relação estável, direito real de habitação no imóvel em que residia com o falecido, não importando que tenha se retirado do imóvel, espontaneamente ou não, logo após o óbito. Apelação desprovida. (apelação cível nº 70005177076, oitava câmara cível, Relator Des. José Ataíde Siqueira Trindade, j. 21/11/2002)

Em quinto lugar, indaga-se se o direito real de habitação

poderia beneficiar outras formas familiares, como a união homossexual

(homoafetiva), a família monoparental, anaparental e outras.

Em que pese entendimento diverso de respeitável

doutrina brasileira, não é possível haver o benefício do direito real de habitação

para outras hipóteses que não as expressamente previstas em lei, por conta e

em respeito a dois princípios básicos e peremptórios dos direitos reais: a

tipicidade e o numerus clausus. É vedado ao intérprete criar novos direitos

reais ou modificar/alargar os limites dos já existentes.

Dessa forma, o direito real de habitação não pode ser

deferido a outras formas familiares que não o casamento e a união estável (se

for entendida como vigente a norma extravagante de 1996, que tinha previsão

expressa de tal direito).

No sentido oposto, foi a decisão não unânime do Tribunal

de Justiça do Rio Grande do Sul, quando assegurou o direito real de habitação

sobre imóvel que não entrou na partilha da união homossexual, na Apelação

70003016136, relatada pelo Des. Rui Portanova (julgado em 08.11.2001). Veja-

se a ementa:

Ementa - Sociedade de fato. Dissolução. Reconhecimento. Tutela Antecipada. Cumulação de pedidos. 2. União estável. 3. Sociedade de fato. Casal do mesmo sexo. Homem. Dissolução.

Page 228: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

228

Competência. Concubinato. Sociedade de fato. Distinção. Relação afetiva homossexual. Juiz. Decisão da lide. Lacuna ou obscuridade da lei. Aplicação do CPC 126º. Direito real de habitação. 8. Partilha de bens. critério. Relação homoafetiva.

Por fim, há dúvida quanto ao exercício simultâneo do

direito real de habitação, no caso do separado de fato ter constituído união

estável. Nesse caso, admitindo a existência do referido direito real à união

estável apenas para a discussão, tem-se que o exercício do gravame será feito

no imóvel de residência do casal ou da família. Dessa forma, quanto ao

casamento, haverá direito real de habitação incidente sobre o imóvel em que o

casal residia (se o cônjuge sobrevivente for, de fato, sucessor – artigo 1.830 do

Código Civil). Quanto à união estável, haverá o ônus sobre o imóvel que servia

de residência aos companheiros, caso se entenda a permanência de tal direito

atualmente. Essa, ao que parece, é a solução que decorre das premissas

acima discutidas.

5.5. O direito real de habitação sucessório na união estável

A vigência do direito real de habitação originado na

sucessão hereditária na união estável é assunto complexo e polêmico. Há

opiniões doutrinárias diversas, cada qual com a sua justificativa.

É certo que, como já visto, as leis de 1994 e 1996, que

tratam da união estável, no que tange aos direitos sucessórios, foram

superadas pela vigência do atual Código Civil, que, em seu artigo 1.790,

disciplinou a matéria.

Page 229: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

229

Nunca é demais lembrar o esforço da comunidade jurídica

brasileira para trazer de volta tal benefício, o que denota o entendimento de

que ele, na atualidade, não existe277. Na Primeira Jornada de Direito Civil já

citada, realizada no Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça

Federal, foi publicado o enunciado de número 117, que defende:

O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei no. 9278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo artigo 6º. caput, da CF/88.

De mesma tendência era o teor do já arquivado Projeto de

Lei 6960/02, de autoria do então deputado Ricardo Fiúza, ao propor a inclusão

de um parágrafo único no artigo 1.790 do Código Civil, que passaria a ser

assim redigido (com a correspondente justificativa):

Art. 1790. ... Parágrafo único. Ao companheiro

sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.(NR)

Justificativa no. 144, pela alteração do artigo 1790: O art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor – Leis nos 8.971/94 e 9.278/96.

277 Na apelação com revisão 617.909-4/7-00, da relatoria do Des. Caetano

Lagrasta Neto, ficou decidido pela existência do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, inclusive tendo o imóvel sido adquirido antes da união estável.

Page 230: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

230

A existência do direito real de habitação sucessório para a

união estável não é uma questão axiológica, de diferença de valores entre as

entidades familiares. Não é uma questão que se compare ao matrimônio, visto

que a união estável e o casamento são diferentes formas familiares, cada qual

com as suas vantagens e desvantagens.

O deferimento do direito real de habitação à união estável

depende da verificação ou não da vigência das legislações extravagantes, de

1994 e 1996, que tratam do tema sucessório. Não estando vigentes tais leis,

não existirá o benefício, uma vez que, pelos princípios da tipicidade e do

numerus clausus dos direitos reais, é vedada a criação ou modificação das

modalidades de direitos reais existentes, sob pena de sua absoluta

inexistência, ou seja, não se pode considerar abrangente o benefício, em

analogia ao casamento e ao artigo 1.831 do Código Civil. Não se trata aqui de

uma análise interpretativa da legislação, para conferir ou não determinado

direito real a algum beneficiário, inclusive porque tal interpretação se chocaria

com os princípios gerais dos direitos reais.

Ademais, há dois pontos não enfrentados pela doutrina

que afirma estar vigente o artigo 7º. da Lei 9278/96: a) o direito real de

habitação para o companheiro teria a limitação de vigência até a constituição

de nova união ou casamento, como já não prevê o artigo 1.831 do Código Civil

Brasileiro? e; b) se forem consideradas vigentes as Leis 8971/94 e 9278/96

quanto aos temas sucessórios dos companheiros, estaria sendo admitida a

vigência do usufruto278 aos que vivem em união estável, dando-lhes mais

278 Nesse sentido é o artigo 2º. da Lei 8971/94: As pessoas referidas no artigo

anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

Page 231: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

231

benefícios do que aos casados, em vista de que tal instituto não vige mais para

o casamento? Ao que parece, isso não seria bem aceito na nossa doutrina, em

vista da importância do matrimônio em nosso país, inclusive historicamente.

Se a interpretação majoritária da doutrina, como já foi

visto neste trabalho, é de suposta igualdade entre cônjuges e companheiros,

para concluir pela vigência do artigo 7º. da Lei 9278/96, seria necessário

concluir, sem fundamento e em franca contradição, pela negativa de vigência

do artigo 2º. da Lei 8971/94.

Arnoldo Wald bem escreve, no livro Direito das

Sucessões, quando trata do tema, apresentando a intenção do legislador

constituinte de 1988, ao diferenciar a união estável279 do casamento:

Afinal, o legislador constituinte de 1988, apesar de ter elevado a união estável à categoria de entidade familiar merecedora a proteção do Estado, não a equiparou, em momento algum, ao casamento celebrado nos moldes dos arts. 180 e seguintes do Código Civil de 1916. Daí a premência da aplicação da nova exegese ao citado texto legal da lei civil.280

I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

279 Importante lembrar que o artigo 8°. da Lei 9278/96, seguindo o disposto no artigo 226 da Constituição Federal de 1988, também diferencia claramente o casamento da união estável, quando afirma ser autorizada a sua conversão. Se os institutos são iguais, não há motivo para sugerir aos companheiros a conversão da união em casamento. Veja-se o teor do mencionado artigo 8º.: Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.

280 Ibid., p. 94.

Page 232: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

232

Segundo Silvio Rodrigues, no Direito Civil: Direito das

Sucessões, atualizado por Zeno Veloso, a questão, portanto, gira em torno da

verificação do seguinte:

(...) como o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, foi previsto em lei especial (Lei 9.278/96, art. 7o, parágrafo único), e como esse benefício não é incompatível com qualquer artigo do novo Código Civil, uma corrente poderá argumentar que ele não foi revogado, e subsiste. Em contrapartida, poderá surgir opinião afirmando que o aludido art. 7o., parágrafo único, da Lei no. 9.278/96 foi revogado pelo Código Civil, por ter este, no art. 1.790, regulado inteiramente a sucessão entre companheiros, e, portanto, não houve omissão quanto ao aludido direito real de habitação, mas silêncio eloqüente do legislador.281

A esse respeito, Silvio de Salvo Venosa282 opina

claramente sobre a manutenção do direito real de habitação ao companheiro

sobrevivente, pela inexistência de revogação expressa acerca da matéria283.

Eduardo de Oliveira Leite284 segue a mesma linha, propondo a manutenção de

tal direito real à união estável.

Nesse mesmo sentido, Miguel Reale assim preleciona,

opinando pela manutenção das legislações de 1.994 e 1.996 para a união

estável:

Observo, todavia, que, nessa matéria, o novo Código Civil não revogou, por ser lei posterior, as Leis 8.971, de 29 de dezembro de

281 Ibid., p. 119. 282 Direito civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 144. 283 Nesse mesmo sentido, é o que diz Pablo Stolze Gagliano, na obra Código

Civil Comentado: Direito das coisas. São Paulo: Atlas, 2004, v. 13, p. 218, quando opina pela mantença do direito real de habitação, sustentando a tese no princípio da vedação ao retrocesso, do eminente J. J. Gomes Canotilho.

284 Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XXI, p. 233.

Page 233: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

233

1994, e 9.278, de 10 de maio de 1996, ocorrendo um caso típico de vigência concomitante a que acima me refiro.285

Ainda corroborando com a opinião da manutenção do

direito real de habitação para os companheiros, em união estável, em

decorrência da morte de um deles, Euclides de Oliveira assim escreve, em seu

Direito de herança:

Mas nem tudo está perdido para o desprotegido companheiro. Mesmo na falta de previsão no Código, e supondo que não se trate de omissão eloqüente mas de mero cochilo legislativo, poder-se-ia argumentar, em favor do companheiro, com a subsistência do disposto no art. 7º., parágrafo único, da antiga Lei da União Estável, n. 9.278/96, assim redigido: (...).

Não houve revogação expressa da referida lei pelo vigente Código Civil. Nem existe incompatibilidade de normas, uma vez que o Código regula outros aspectos do direito sucessório, mas nada alude quanto ao comentado direito de habitação.286

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, no IV

Congresso do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM –, propôs

alteração legislativa do artigo 1.831 do Código Civil para incluir o companheiro

no rol dos beneficiários pelo direito real de habitação decorrente da sucessão,

mantendo a exclusão do fim da viuvez como causa de extinção. A alteração do

mencionado artigo seria feita como forma de garantir à família, formada ou não

285 Estudos preliminares do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

p. 73. 286 Direito de herança, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 179.

Page 234: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

234

pelo casamento, a proteção constitucionalmente assegurada pelo art. 226,

parágrafo 3º da Constituição Federal287.

Luiz Felipe Brasil Santos também expressa posição

favorável à manutenção do benefício ao companheiro, arguindo o absurdo da

lei ao diferenciar, de forma tão drástica, o casamento da união estável, no que

tange ao trato sucessório288:

Atentos ao fato de que a união estável, assim como o casamento, é forma constitucionalmente reconhecida de constituir entidade familiar, a proposta trata de outorgar aos companheiros os mesmos direitos sucessórios de que desfrutam os cônjuges.

Assim, idêntica participação na herança lhes é atribuída, conforme se vê em todos os dispositivos que tratam do tema, a saber: arts. 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839 e 1.845.

Nessa linha, vale destacar a reintrodução do direito real de habitação em favor dos companheiros (art. 1.831), cuja supressão, no atual Código Civil – previsto que já estava na Lei nº 9.278/96 –, não encontra nenhum motivo razoável.289

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, em sua obra

Sucessões, referindo-se ao tema, afirma, claramente, que o direito real de

habitação deve ser considerado como mantido em relação aos companheiros,

287 Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos descendentes.

Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 246-247.

288 Nesse sentido é a ementa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Agravo de Instrumento 70018063016, da relatoria da Des. Maria Berenice Dias, julgado em 14/02/2007: Ementa. Sucessões. Inventário. União Estável. Pretensão de alienação de imóvel destinado à moradia do companheiro sobrevivente. Direito real de habitação. Despesas condominiais. Apesar de o Código Civil não ter conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico por força do parágrafo único do art. 7º. da Lei no. 9.278/96.(...).

289 Direito das Sucessões – Propostas de Alteração. In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 187.

Page 235: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

235

pela vigência do artigo 7º. da Lei 9278/96, uma vez que o novo Código Civil

não revogou tal dispositivo expressamente, bem como não há

incompatibilidade entre o novo texto e o citado artigo 7º. Sustenta, por fim,

dever de respeito ao artigo 226 da Magna Carta de 1988, quando confere

especial proteção estatal aos companheiros:

Como não houve revogação expressa da Lei de 1996, bem como inexiste incompatibilidade entre o disposto no art. 1.831 do CC, e o art. 7º., parágrafo único, da Lei no. 9.278/96, adotando-se os critérios de interpretação e harmonização das normas jurídicas no interior do sistema, conclui-se pela vigência da regra do direito real de habitação em favor do companheiro sobrevivente.

Sobre o tema, deve-se considerar a aplicação do disposto no art. 226, caput, da Constituição Federal, a fim de considerar que a família fundada no companheirismo é merecedora de especial proteção estatal. Desse modo, caso houvesse interpretação no sentido de se considerar revogado o disposto na Lei de 1996, haveria violação ao comando constitucional, já que ocorreria postura no sentido de não proteger a família informal fundada na “união estável”.290

Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, no livro

Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente, reconhece a

posição diferenciada existente entre a sucessão do cônjuge e do companheiro.

Entretanto, por entender vigente a Lei 9.278/96, a autora corrobora a tese da

vigência do direito real de habitação aos companheiros, quando diz:

O convivente poderá concorrer ou não com o descendente e ascendente do falecido. É nítido no Código atual a prevalência sobre a união estável, pois o convivente não se beneficiará dos mesmos direitos sucessórios estendidos ao cônjuge sobrevivente. Terá direito, no entanto, ao direito real de habitação (Lei n. 9.278/96, art. 7º., parágrafo único), pois, diante

290 Direito civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 109.

Page 236: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

236

da omissão do Código vigente, como já dissemos, prepondera a lei especial diante da geral.291

Sérgio Iglesias Nunes de Souza também concorda com a

manutenção do instituto para a união estável, fazendo alusão paradigmática

aos benefícios da impenhorabilidade do bem de família ao solteiro, para

proteção da moradia292.

Nesse particular, conferindo tratamento paradigmático ao

companheiro, em vista da impenhorabilidade do bem de família ao solteiro, é

fundamental relembrar que os princípios gerais dos direitos reais (leia-se, em

especial, princípio da tipicidade e numerus clausus), não permitem ao

legislador, ao julgador e ao intérprete, criar, modificar ou alargar os direitos

reais já existentes.

Dessa forma, em que pese o respeitável entendimento do

autor acima citado, a extensão do benefício do bem de família ao solteiro, por

proteção da moradia, não pode ser o único motivo a justificar a extensão do

direito real de habitação aos companheiros, sem que se aprofunde na questão

da vigência ou não da legislação de 1996.

Inácio de Carvalho Neto293, em sua obra Direito

sucessório do cônjuge e do companheiro, opina no sentido oposto, pela

ocorrência de revogação tácita do instituto conferido aos companheiros, nos

291 Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente. São Paulo: Letras

Jurídicas, 2004, p. 164. 292 Direito à moradia e de habitação: análise comparativa e suas implicações

teóricas e práticas com os direitos de personalidade. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 325-326.

293 Direito Sucessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Método, 2007, p. 193-194.

Page 237: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

237

artigos que tratam de sucessão (Leis de 1.994 e 1.996), com a seguinte

justificativa:

Discutível será a manutenção do direito real de habitação estabelecido para os companheiros no art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96 e não repetido pelo novo Código, embora tenham os cônjuges semelhante direito (art. 1.831). Não tendo havido revogação expressa da lei, defendem a manutenção do dispositivo Silvio Venosa, (...), Giselda Hironaka, Aldemiro Rezende Dantas Júnior e Eduardo de Oliveira Leite. Há também quem entenda tratar-se referido dispositivo de norma especial, prevalecendo sobre o novo Código, que seria a lei geral. Embora de lege ferenda pudéssemos concordar (e defender) a permanência do direito de habitação para o companheiro, não nos parece, data venia, que lhe assista razão. A nova lei regula por completo a sucessão do companheiro e, embora possamos ver nisto um grande defeito da lei, o fato é que não lhe concede o direito real de habitação, pelo que nos parece estar tacitamente revogada a Lei da União Estável, revogação esta baseada no art. 2º. § 1º. da Lei de Introdução ao Código Civil.294

A mesma conclusão é a de Francisco José Cahali,

quando afirma, no Curso Avançado de Direito Civil: Direito das Sucessões:

Sob outro ângulo, parece-nos ter dado o legislador de 2002 sinais evidentes de afastar a união estável do casamento na seara sucessória. Se assim é, e sendo omisso quanto àqueles direitos, consideramos ter sido intencional restringir a participação do companheiro sobrevivente aos limitados termos do art. 1.790.

Enfim, embora contrários à modificação legislativa, por subtrair do companheiro-viúvo um direito assistencial outorgado ao cônjuge, nossa inclinação é no sentido de considerar insubsistentes pelo novo Código Civil o direito real de habitação e o usufruto vidual previstos na legislação anterior.295

294 Ibid., p. 193-194. 295 Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São

Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 234.

Page 238: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

238

Defendendo posição contrária, Guilherme Calmon

Nogueira da Gama296 opina, claramente, que o direito real de habitação deve

ser considerado como mantido em relação aos companheiros, pela vigência do

artigo 7º. da Lei 9278/96, uma vez que o novo Código Civil não revogou tal

dispositivo expressamente, bem como não há incompatibilidade entre o novo

texto e o citado artigo 7º. Sustenta, por fim, dever de respeito ao artigo 226 da

Magna Carta de 1988, quando confere especial proteção estatal aos

companheiros.

Acerca da matéria, afirma Zeno Veloso297, em trabalho

sobre o direito real de habitação na sucessão do companheiro, que não há que

se falar em direito real de habitação ao companheiro, uma vez que o artigo 7º.

da Lei 9.278/96 não estaria mais vigente, por revogação tácita, em vista da

matéria ter sido inteiramente regulada pela lei nova. Zeno Veloso ainda

apresenta a lição que distingue omissão, lacuna normativa e silêncio eloquente,

para explicar sua posição.

Segundo Zeno Veloso, na mesma obra, “lacuna existe,

quando dada situação não é prevista ou regulada na norma, por omissão,

imprevidência, falha, esquecimento do legislador”298, sanando-se tal problema

com a integração (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 4º.299). Dificilmente

haverá lacuna efetiva e insanável no sistema, inclusive pela longa experiência

296 Direito civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 109. 297 Direito real de habitação da união estável. In: Novo Código Civil: questões

controvertidas, Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves (coord.). São Paulo: Método, 2004, v. 1, p. 413-415.

298 Ibid., p. 414. 299 Artigo 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Page 239: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

239

do sistema normativo que, ao longo dos anos, buscou prever todas as

questões e necessidades da vida humana.

O silêncio eloquente, por sua vez, é a intencional e

consciente atitude do legislador de não admitir ou não prever dada situação, e

o aplicador da norma não alcança suprir tal silêncio. Assim, nas palavras de

Zeno Veloso “o que se não disse não deixou de ser dito por falha, erronia,

olvido, mas porque não se quis dizer, efetivamente, excluindo da regra jurídica

o que não se disse” 300. Se for o caso de silêncio eloquente, não cabe ao

julgador ou ao intérprete da norma suprir o vazio, usar da analogia ou

preencher a incompletude, uma vez que, simplesmente, nesse caso, não há

vazio legislativo ou omissão, mas, sim, o silêncio proposital que contém, nesse

seu ‘vazio’, um comando afirmativo claro.

Disso, conclui Zeno Veloso, na referida obra, que a lei

atual provocou o silêncio discutido, ao afirmar “que direito real de habitação,

com relação ao imóvel residencial, para o companheiro sobrevivente, no

estágio atual do direito brasileiro, não existe mais” 301.

Em relação à vigência da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96,

no que tange à matéria sucessória, em que pesem os prejuízos que isso possa

causar ao instituto da união estável e aos companheiros, até que sobrevenha

alteração legislativa, não há alternativa senão reconhecer sua revogação (ou

derrogação, se somente nesse particular, mantendo-se as demais matérias

tratadas como vigentes), em vista de que o artigo 1.790 do Código Civil tratou,

com integralidade, da matéria sucessória da união estável.

300 Ibid., p. 415. 301 Ibid., p. 415.

Page 240: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

240

Tal conclusão deriva do próprio texto do artigo 1.790,

quando diz: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do

outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável,

nas condições seguintes (...)” (grifamos).

Ora, já foi verificado que a natureza jurídica do direito real

de habitação é de direito sucessório, sendo legado ex lege. Dessa forma:

• premissa - quando o artigo 1.790 do Código Civil diz

que o companheiro ‘participará da sucessão’ do outro,

certamente está inferindo quais os direitos sucessórios

existem decorrentes da união estável e,

• premissa - sendo este o artigo que trata, na

integralidade, dos direitos sucessórios dos

companheiros e estando ele contido em legislação

posterior à Lei 9.278/96,

• conclusão - forçoso é concluir que a regra da lei

anterior (9.278/96) não mais tem vigência, por

revogação tácita, e, no Código Civil atual, não se inclui

o direito real de habitação em favor do companheiro.

Não se pode, sob pena de desapego à norma, considerar

válidos os dispositivos da união estável no Código Civil atual, “pinçando-se”

outros direitos na legislação extravagante de 1994 e 1996, sob pena de

conceder aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges (como, por

exemplo, o usufruto vidual).

Page 241: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

241

Veja-se o teor do artigo 2º. da Lei de introdução ao

Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42), que trata da chamada ‘revogação tácita’,

não exigindo que a lei nova trate, pontual e especificadamente, sobre tudo

aquilo que a lei anterior tratava:

Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Não vemos como empecilho às nossas conclusões o teor

da Lei Complementar 95, de 1998, (com as alterações da Lei Complementar

107, de 2001)302. Tais legislações foram confeccionadas para dispor sobre a

elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, como pede o

parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal. Assim, referidas

legislações não se destinam a conferir direitos civis aos cidadãos, mas, sim, a

regular a confecção e elaboração de leis.

Caso o legislador não siga as orientações das Leis

Complementares acima citadas, deverá haver, em lei, determinada sanção.

Entretanto, a vigência de norma que não respeitou a imposição das Leis

Complementares não pode significar a intromissão de tais Leis na regra

expressa do artigo 2º., parágrafo 1º. da Lei de Introdução ao Código Civil

(Decreto-Lei 4.657/42).

302 O artigo 9º. da Lei Complementar 95, com a alteração da Lei Complementar

107, quando trata da ‘confecção da lei’, assim diz: artigo 9º. A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.

Page 242: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

242

Acerca do assunto, é fundamental lembrar a lição de

Eduardo Espinola e Eduardo Espinola Filho, ao comentarem a Lei de

introdução ao Código Civil Brasileiro, quando indica a possibilidade de

revogação tácita:

O segundo modo de abrogação tácita ocorre quando a lei posterior regula toda a matéria contida nos dispositivos da anterior. Se uma lei geral, por ex., um código, regula inteiramente o instituto de que se ocupava a lei precedente, se ambas desenvolvem dispositivos sôbre a mesma matéria, é bem possível que, na antiga, se encontrem alguns artigos, que se não mostrem de todo incompatíveis com as disposições da nova.

Surge, nêsse caso, a questão: aquêles dispositivos particulares da lei anterior, que se podem conciliar com as regras consignadas na posterior, perderam a sua eficácia ?

Assim se deve entender, quando se trate de uma lei geral, de um código, regulando inteiramente a matéria que se regia pela lei geral anterior, ou pelo código antes vigente.303

Pelo que se verifica, portanto, não estariam vigentes, no

âmbito sucessório, as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que tratavam da sucessão dos

companheiros.

Atualmente, vige em nosso ordenamento, quanto à regra

sucessória entre os companheiros, a disposição expressa do artigo 1.790 do

Código Civil de 2002, com seus prejuízos e benefícios, como quis,

propositadamente, o legislador brasileiro. Para os casos de regra sucessória na

união estável, nas hipóteses em que o falecimento do companheiro ocorreu

anteriormente ao atual Código, poderiam ser aplicados os direitos e garantias

das legislações extravagantes anteriores.

303 A Lei de introdução ao código civil brasileiro comentada. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1943, v. 1, p. 79-80.

Page 243: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

243

Ademais, como o direito real de habitação segue os

princípios aqui aprofundados, principalmente o da tipicidade e o da

taxatividade, não se poderia conceber um direito real sem a correspondente e

expressa previsão legal, ainda que isso, a princípio, pareça afrontar um direito

essencialmente social. A realidade é que, no caso específico, não se pode

superar a ausência normativa apenas pelo caráter social da disposição legal,

inclusive sob pena de ferir a intenção do próprio legislador ao criá-la.

Page 244: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

244

CONCLUSÃO

A análise dos temas propostos no presente estudo

permite reunir e salientar os aspectos relevantes da situação atual em que se

encontra a problemática enfocada, quanto às questões inicialmente aqui

formuladas. É o que a seguir se apresenta, como já foi feito ao final de cada

capítulo ou tópico e, em síntese, se relata.

1. A família, base da sociedade, é um sólido instituto

social e pode ter origem nas várias formas de entidades familiares previstas em

nosso ordenamento jurídico.

2. A família brasileira é hoje fundada, essencialmente,

no casamento e, mais modernamente, na união estável. Entretanto, ainda há

várias outras formas de entidades familiares previstas em lei e algumas

discutidas pela doutrina brasileira, como a monoparental (com previsão

constitucional), a homoafetiva, a anaparental dentre outras.

3. As entidades familiares são núcleos nos quais se

formam e se desenvolvem os mais diversos tipos de organização familiar.

4. A legislação brasileira distinguiu, de forma clara, as

relações originadas no matrimônio e na união estável.

Page 245: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

245

5. Em que pesem as semelhanças formais entre o

casamento e a união estável são eles institutos diferentes, cada qual com seus

direitos e deveres.

6. A Constituição Federal de 1988, acompanhada pelo

Código Civil de 2002, oferecem à família proteção legal rígida, com vários

dispositivos para sua salvaguarda e introduzem forte interferência estatal nas

relações internas familiares.

7. A intenção do legislador brasileiro é clara no sentido

de prever normas para a manutenção da família e da convivência familiar,

ainda que nos momentos de crise (falecimento de um membro da família, por

exemplo), sempre que possível e dentro da lei.

8. O direito real da habitação decorrente da sucessão

hereditária é um dos instrumentos que a lei apresenta para a manutenção da

vida familiar e do lar conjugal.

9. Os direitos reais, em geral, possuem disciplina

própria, bastante evoluída em nossa legislação, e tratam das relações jurídicas

das pessoas com os bens. A composição plena da propriedade, que é o direito

real mais completo, conta com o direito de usar, de dispor, de fruir e de reaver

de quem injustamente detenha a coisa.

10. São princípios fundamentais e principais dos direito

reais, aplicáveis ao direito real de habitação, o princípio da taxatividade

(numerus clausus) e o princípio da tipicidade.

11. O princípio da taxatividade afirma serem direitos

reais aqueles reconhecidos pela lei em vigor e vedam a criação de novos

direitos reais pelas partes.

Page 246: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

246

12. O princípio da tipicidade prevê que, além de estar

previsto em lei, o direito real deve ter seu conteúdo tipificado no texto legal,

para que possa ser assim considerado.

13. O direito real de habitação é espécie restrita de uso,

cujo bem alheio é exclusivamente destinado à moradia gratuita da família. Tal

direito é personalíssimo, deve ser exercido por seu titular e pelas demais

pessoas que a lei permite, e pode ser instituído por lei (ex vi legis) ou por

convenção das partes.

14. Não há, contrariamente ao usufruto, o direito de

acrescer aos demais habitadores – se houver pluralidade – no caso de

falecimento de um dos habitadores.

15. O conceito de família, para o exercício do direito real

de habitação, engloba o cônjuge, os filhos menores, os empregados e demais

pessoas vinculadas ao habitador, que residam gratuitamente no imóvel.

16. A habitação deverá ser exercida de acordo com as

necessidades pessoais do habitador e de sua família, de forma que a

mensuração de tais necessidades se faça de acordo com as condições

pessoais e o lugar onde viverem.

17. O direito real de habitação é um direito real limitado,

gratuito, incessível e temporário, tendo sua divisibilidade expressa em lei,

apenas na hipótese em que admite o exercício simultâneo da habitação a mais

de uma pessoa.

18. Se o direito real de habitação for conferido a mais de

uma pessoa, todas elas o poderão exercer, mas, se não o quiserem, não

poderão cobrar aluguel daquela que permanece em seu exercício.

Page 247: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

247

19. Em regra, o direito real de habitação deve ser

constituído e extinto mediante o respectivo registro na matrícula do imóvel

correspondente, principalmente, para gerar efeitos erga omnes.

20. As formas de constituição e de extinção da

habitação são as mesmas que as do usufruto (artigo 1.410 do Código Civil),

exceto a extinção pelo não uso, que não se aplica à habitação.

21. Acerca das formas de extinção dos direitos reais de

uso e de habitação, parece bastante plausível que eles se extingam pela

cessação da causa que os originou ou mesmo pela fixação de residência, por

parte do habitador e sua família, em outro imóvel que não o gravado com o

respectivo direito real.

22. Quando instituído o direito real de habitação sobre a

totalidade do imóvel, não poderá ser instituído outro direito real de gozo ou

fruição, em vista de serem mutuamente excludentes.

23. O habitador é responsável pelos tributos incidentes

sobre a coisa e pelas despesas ordinárias (água, luz), não tendo direito a

indenização em relação às benfeitorias necessárias que realizar apenas em

seu proveito ou de sua família.

24. O habitador é responsável pela manutenção e

conservação do bem, mas não será responsabilizado pelo desgaste natural da

coisa ou no caso de destruição ou perecimento sem sua culpa;

25. O exercício do direito real de habitação é

impenhorável, bem como pode ser protegido pelo bem de família legal, pela Lei

8.009/90.

Page 248: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

248

26. O habitador e sua família podem usar a coisa,

extraindo apenas os frutos restritos e necessários ao exercício do direito real

de habitação. Exceto nessa hipótese, os demais frutos não poderão ser

extraídos pelo habitador e demais moradores.

27. O imóvel gravado com o direito de habitação não

poderá ser utilizado para outros fins, como comerciais ou industriais, exceto na

hipótese de o habitador desenvolver atividades compatíveis com o direito de

residência e de habitação.

28. O habitador pode utilizar-se dos meios de proteção

possessória para defender seu direito real sobre coisa alheia, contra quem o

esteja turbando ou esbulhando ou ameaçando da prática de tais atos, inclusive

contra o próprio titular da propriedade.

29. A previsão do direito real de habitação no direito

estrangeiro guarda grande semelhança com o tipificado no direito brasileiro,

inclusive no decorrente da sucessão hereditária.

30. O direito sucessório, seja no direito italiano, no

direito brasileiro ou no português, é sempre útil ao próprio falecido, que pode

dispor de seus bens, se assim o quiser; é imprescindível a toda a sociedade e

à economia, na medida em que possibilita a manutenção das relações jurídicas

mantidas pelo falecido, agora com seus sucessores.

31. O direito sucessório brasileiro, nas suas duas

modalidades (sucessão legítima e testamentária), baseia-se no princípio da

saisine, com a transmissão da posse e propriedade (porção ideal) dos bens

aos herdeiros, independentemente de formalidades.

Page 249: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

249

32. A lei prevê a existência de herdeiros e legatários, os

quais receberão bens certos e determinados, em virtude de ato de disposição

de última vontade (exceto no caso do direito real de habitação, que constitui

legatário ex lege).

33. A renúncia ao patrimônio hereditário é ato solene,

irrevogável e pode referir-se, com autonomia e independência, a critério do

sucessor, a direitos de qualidades distintas, seja a título de herança e/ou a

título de legado.

34. Em relação à exclusão da sucessão, a sentença que

decreta a exclusão do sucessor da herança, por deserdação ou indignidade,

após o prazo legal e eventuais recursos apresentados pelas partes, tem seu

trânsito em julgado, não sendo mais passível de qualquer alteração ou

modificação posterior. Em consequência de tal decisão, há a exclusão do

sucessor em relação à herança deixada pelo falecido em sua totalidade,

inclusive quanto a direitos ex vi legis.

35. Com relação ao direito real de habitação decorrente

da sucessão hereditária, pode-se afirmar que passou a vigorar, em nosso

direito, a partir da Lei 4.121 de 1962, que garantiu dois novos direitos ao

cônjuge sobrevivente da época, relativamente aos bens da herança:

a. direito real de usufruto sobre bens do falecido, chamado de

usufruto vidual, até quando perdurasse a viuvez, exceto se

casado no regime da comunhão universal de bens. Tal direito

incidia na quarta parte da herança, se houvesse filhos do falecido

ou do casal, podendo passar à metade dos bens, se não

Page 250: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

250

houvesse filhos, independentemente de existirem ascendentes

sobrevivos;

b. direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da

família, exceto se casado por outro regime, que não o da

comunhão universal de bens. Tal direito perduraria enquanto o

habitador vivesse ou permanecesse viúvo, independentemente de

sua cota hereditária, se houvesse. Por fim, é importante lembrar

que o imóvel objeto do direito real deveria ser o único daquela

natureza a inventariar.

36. Tal direito real sobreviveu em nossa legislação até

os dias atuais, e, atualmente, tem previsão expressa para o cônjuge

sobrevivente, no artigo 1.831 do Código Civil.

37. No artigo 1.611, parágrafo 2º. do Código Civil de

1916, nota-se que a garantia do direito real de habitação ao cônjuge

sobrevivente ocorria nas seguintes condições:

a. apenas enquanto permanecesse vivo e/ou viúvo;

b. deveria o sobrevivente estar casado apenas sob o regime da

comunhão universal de bens;

c. o imóvel objeto do direito real deveria ser o único bem da mesma

natureza a inventariar, sem prejuízo do que lhe coubesse na

herança.

38. O Código Civil de 2002 inova sobremaneira em

relação ao Código Civil de 1916, especificamente no que tange ao direito real

de habitação na sucessão hereditária dos cônjuges, e assim o o estabelece em

seu artigo 1.831:

Page 251: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

251

a. qualquer que seja o regime de bens;

b. sem prejuízo da participação que exista na herança;

c. relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde

que seja, também, o único da mesma natureza a inventariar.

39. Nota-se que houve a retirada de qualquer menção

ou distinção pelo regime de bens do casal, estendendo-se, ainda, o direito real

de habitação mesmo após o fim da viuvez (é vedado, porém, o direito real de

habitação sucessivo, para outras famílias, em vista do caráter personalíssimo

do instituto).

40. O usufruto vidual, seja para o casamento, seja para

a união estável, não vigora mais em nosso ordenamento jurídico, tendo sido

substituído por outras formas de proteção do sobrevivente, como, por exemplo,

a nova ordem de vocação hereditária, com a concorrência do cônjuge em

relação aos descendentes e ascendentes e a qualificação do cônjuge como

herdeiro necessário.

41. O beneficiário do direito real de habitação, em vista

de tal direito ser de natureza sucessória, deve ser qualificado como sucessor,

na forma do artigo 1.830 do Código Civil, ou seja, não haverá o deferimento do

benefício se o sobrevivente estiver separado judicialmente ou de fato do

falecido (neste último caso, a culpa pela separação de fato deverá ser do

sobrevivente).

42. O benefício legal previsto será conferido, sem

prejuízo da participação que caiba ao consorte sobrevivente na herança

deixada pelo de cujus.

Page 252: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

252

43. Mencionado direito real incide sobre o único imóvel

residencial próprio a ser inventariado – independentemente de ser o bem tido

como particular do falecido ou comum do casal - ou, em caso de multiplicidade

de bens imóveis residenciais próprios, em, ao menos, um deles.

44. Não há qualquer distinção para o exercício de tal

direito em vista de ser o imóvel considerado urbano ou rural; na hipótese de

multiplicidade de imóveis residenciais próprios, caso o exercício do direito real

de habitação recaia em imóvel que não o da residência principal do casal,

deverá incidir sobre outro com o mesmo conforto que havia no lar familiar.

45. A existência de vários bens residenciais próprios a

inventariar não retira o direito ao benefício legal do artigo 1.831 do Código Civil,

exceto se o consorte sobrevivente receber, a título de herança, imóvel próprio

que lhe dê residência.

46. O direito real de habitação, por sua característica

própria e destinação específica, extingue-se com a morte do titular, por ser

personalíssimo e resolúvel.

47. Não há mais a extinção do direito real de habitação

pela constituição de novo casamento ou nova união estável, como era na lei

anterior, mas há que se observar a conduta de boa-fé do habitador no exercício

da habitação, sob pena de extinção pela ‘cessação da necessidade pessoal’.

48. Por tais objetivos, o uso e a fruição são restritos e

não podem ser cedidos, em qualquer hipótese e a qualquer título, sob pena de

sua imediata e automática extinção.

49. O direito real de habitação decorrente da sucessão

hereditária pode ser qualificado como forma de sucessão anômala, a título

Page 253: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

253

singular, ou como legado ex lege, e o habitador é qualificado como legatário

legítimo.

50. Por ser benefício originado em imposição legal, o

direito real de habitação não pode ser afastado por testamento ou contrato de

convivência.

51. O direito real é, portanto, caso excepcional de

legado originado em determinação legal, pelo qual o habitador, no momento do

falecimento do de cujus, recebe a posse do bem para o exercício do benefício

legal.

52. Em vista do deferimento da posse do bem ao

habitador, não haverá qualquer interferência no exercício do direito real, caso o

referido bem esteja em condomínio entre os sucessores e o habitador ou

apenas entre os primeiros.

53. Da mesma forma, tendo em vista que o direito de

habitação confere apenas a posse direta do bem gravado, não haverá qualquer

interferência dessa posse em relação à porção legítima da herança, que deverá

ser regularmente distribuída entre os sucessores (que suportarão o ônus real,

caso ele exista).

54. O exercício do direito real de habitação sucessório,

assim como o convencional, deve ser feito pelo habitador e sua família, assim

entendida na forma legal (artigo 1.412, parágrafo 2º. do Código Civil atual),

com posse direta sobre o bem, e é-lhes facultado, inclusive, utilizar-se dos

interditos possessórios para sua proteção.

Page 254: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

254

55. Do habitador não poderá ser exigida qualquer

contraprestação para o exercício do direito de habitação, mesmo entre os

habitadores, se houver mais de um.

56. O habitador deverá arcar unicamente com as

despesas de manutenção e encargos ordinários que recaiam sobre o imóvel

(impostos da propriedade, água, luz, dentre outros), restando ao proprietário as

demais, inclusive as reparações ordinárias.

57. Em vista de ser direito originado em disposição

expressa de lei, não há necessidade do registro imobiliário para sua vigência e

exercício em relação aos sucessores. Para eventual oposição a terceiros, será

seguro fazer o devido registro.

58. É possível renunciar ao direito real de habitação e

não à herança, em vista das qualidades distintas dos direitos mencionados

(herança e legado ex lege).

59. O herdeiro excluído da sucessão por indignidade ou

deserdação também perde o benefício ao direito real de habitação.

60. Os bens que guarnecem o imóvel objeto do direito

real de habitação não estão gravados com o ônus real, visto que não há

previsão legal expressa nesse sentido (contrariamente à previsão do direito

civil português).

61. A desocupação momentânea do imóvel não

causará, por si só, a extinção do direito real de habitação (tal direito não se

extingue pelo não uso). Se ocorrer a desocupação em vista de o sobrevivente

ter-se mudado para outro bem imóvel – que lhe garanta a habitação - de sua

propriedade (situação assemelhada à extinção do usufruto prevista no artigo

Page 255: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

255

1.410, IV, do Código Civil – cessação do motivo que originou o direito -), haverá

a extinção do direito real.

62. Pela disposição legal dos direitos reais, não pode

haver o benefício do direito real de habitação para outras formas de entidades

familiares, que não as expressamente previstas em lei, por conta e em respeito

a dois princípios básicos e peremptórios dos direitos reais: a tipicidade e o

numerus clausus.

63. Nesse particular, é vedado ao intérprete criar novos

direitos reais ou modificar/alargar os limites dos já existentes.

64. Quanto ao exercício simultâneo do direito real de

habitação, no caso do separado de fato ter constituído união estável, o

exercício do gravame será feito no imóvel de residência do casal ou da família.

Nessa forma, quanto ao casamento, haverá direito real de habitação incidente

sobre o imóvel em que o casal residia (se o cônjuge sobrevivente for, de fato,

sucessor – artigo 1.830 do Código Civil). Quanto à união estável, haverá o

ônus sobre o imóvel que servia de residência aos companheiros, caso se

entenda a permanência atual de tal direito.

65. Em relação à manutenção do direito real de

habitação aos companheiros (e à vigência da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96,

no que tange à matéria sucessória), não há alternativa senão reconhecer sua

revogação (ou derrogação, se somente nesse particular, mantendo-se as

demais matérias tratadas como vigentes), em vista do que o artigo 1.790 do

Código Civil tratou, com integralidade, na matéria sucessória da união estável.

Page 256: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

256

66. Tal conclusão deriva do próprio texto do artigo 1.790

do Código Civil de 2002, quando diz que o companheiro sobrevivente

‘participará da sucessão’ do outro nas condições ali previstas.

67. Como a natureza jurídica do direito real de habitação

em questão é de direito sucessório, sendo legado ex lege, conclui-se:

o premissa - quando o artigo 1.790 do Código Civil diz que o

companheiro ‘participará da sucessão’ do outro, certamente está

inferindo quais direitos sucessórios existem decorrentes da união

estável e,

o premissa - sendo este o artigo que trata, na integralidade, dos

direitos sucessórios dos companheiros e estando ele contido em

legislação posterior à Lei 9.278/96,

o conclusão - forçoso é concluir que a regra da lei anterior

(9.278/96) não mais tem vigência, por revogação tácita, e, no

Código Civil atual, não se inclui o direito real de habitação em

favor do companheiro.

68. Não se pode, sob pena de desapego à norma,

considerar válidos os dispositivos da união estável no Código Civil atual,

“pinçando-se” outros direitos na legislação extravagante de 1994 e 1996, sob

pena de conceder aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges (como,

por exemplo, o usufruto vidual), situação não acatada pela doutrina e

jurisprudência brasileira.

Como se pôde verificar, o tema tratado possui diversos

pontos polêmicos. No presente trabalho, procuramos enfrentar as questões

Page 257: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

257

mais atuais e complexas, oferecendo as evidências e ponderações acima,

como resultado da pesquisa realizada.

Para finalizar, ressaltamos que o direito real de habitação

decorrente da sucessão hereditária é um direito essencial para a manutenção

da vida familiar, mas seu exercício deve seguir e cumprir sempre e

fundamentalmente dois princípios basilares do Código Civil atual: a eticidade e

a boa-fé.

Page 258: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

258

REFERÊNCIAS

AGUIRRE, J. R. B. e BARROS, A. B. de C. Elementos de direito civil. São

Paulo: Premier Máxima, 2006.

ALMADA, N. de M. Sucessões: legítima, testamentária, inventários e

partilhas. São Paulo: Malheiros, 2006.

ALMEIDA, J. L. G. de. Código Civil comentado: Direito das Sucessões.

Sucessão em geral. Sucessão legítima, Álvaro Villaça Azevedo (coord). São

Paulo: Atlas, 2003, t. XVIII.

ALVES, J. C. M. Direito romano. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. 1 e

2.

ALVIM, A. Comentário ao código civil. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e

Universitária, 1968, v. 1.

AMORIM, S.; OLIVEIRA, E. B. de. Inventários e partilhas: direito das

sucessões – teoria e prática. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Livraria e

Editora Universitária de Direito, 2008.

ARAÚJO, L. A. D. e NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional.

São Paulo: Saraiva, 1998.

Page 259: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

259

ARRUDA ALVIM NETTO, J. M. de. Comentários ao Código Civil Brasileiro:

do direito das coisas – livro introdutório, Arruda Alvim e Thereza Alvim

(coord). Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. XI, t. I.

ASCENSÃO, J. de. O. A tipicidade dos direitos reais. Lisboa, 1968.

________. Direito Civil: Reais. 5. ed. rev. e ampl. Lisboa: Coimbra Editora,

1993.

________. Direito Civil: sucessões. 5. ed. rev. Lisboa: Coimbra Editora, 2000.

AZEVEDO, A. J. de. O espírito de compromisso do direito das sucessões

perante as exigências individualistas de autonomia da vontade e as supra-

individualistas da família – herdeiro e legatário. In: Revista Brasileira de

Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto

Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 04, jan/fev/mar., 2000, p. 57-63.

AZEVEDO, A. V. União estável: Revista do Advogado da Associação dos

Advogados de São Paulo, São Paulo, n. 58, p. 14-29, 2000.

________. Estatuto de família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

AZEVEDO, P. F. de. Aplicação do direito e contexto social. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1996.

BANDEIRA DE MELO. C. A.; Discricionariedade e controle jurisdicional. 2.

ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

BARBOSA, C. de L. C. Direito de família. 1. ed. São Paulo: Suprema Cultura,

2003.

BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2000.

BASTOS, E. F.; DIAS, M. B. (coord). A família além dos mitos. Belo

Horizonte: Del Rey, 2008.

Page 260: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

260

BEDAQUE, J. R. dos S. Direito e processo: influência do direito material

sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

BÉNABENT, A. Droit civil la famille. 6. ed. Paris : Librarie de la Cour de

Cassation, 1994.

BENHAME, M. Direito Civil: teoria geral. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,

2000.

BENVENISTE, É. Le vocabulaire des institutions indo-européennes. Paris:

Les Editions de Minuit, 1969, v. 1.

BEVILÁQUA, C. Direito das sucessões. 4. ed. rev. e acresc. pelo autor até a

p. 277. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945.

________. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 9. ed.

Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1953, v. I e III.

________. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 8. ed.

atual. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1953, v. VI.

________. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956.

________. Direito das coisas. 4. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de

Janeiro: Forense, 1956, v. I.

BIGLIAZI GERI, L. Usufrutto, uso e abitazione. Milão: A. Giuffrè, 1979.

BITTAR, C. A. Direito de família. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991.

BLIKSTEIN, D. Súmula 301 do STJ e as vicissitudes do exame pericial de

DNA. In: Prova, exame médico e presunção: o artigo 232 do código civil,

Fredie Didier Júnior e Rodrigo Mazzei (org.). Salvador: JusPodivm, p. 37-58,

2006.

________. DNA, Paternidade e Filiação. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

Page 261: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

261

BRANDÃO, D. V. C. Regime de bens no novo Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2007.

BRASIL. Código Civil e legislação civil em vigor. 18. ed. atual. Theotônio

Negrão, org. com a colaboração de José Roberto Ferreira Gouvêa. São Paulo:

1999.

BRASIL. Novo Código Civil : texto comparado – código civil de 2002,

código civil de 1916. Sílvio de Salvo Venosa, org. São Paulo : Atlas, 2002.

CAHALE, C. Y. H. K. A sucessão do cônjuge no Código Civil de 2002.

Dissertação (Mestrado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2007.

CAHALI, F. J. A união estável (características e diretrizes dos seus efeitos)

e os alimentos entre os companheiros (principais aspectos). Dissertação

(Mestrado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 1995.

________. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva,

2002.

________. Direito intertemporal no livro de família (regime de bens e alimentos)

e sucessões. Anais do IV congresso brasileiro de direito de família [do

Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

________. Família e sucessões no código civil de 2002: acórdãos,

sentenças, pareceres e normas administrativas. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, v. 1.

________. Família e sucessões no código civil de 2002 - II: acórdãos,

sentenças, pareceres e normas administrativas. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005, v. 2.

Page 262: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

262

________. e HIRONAKA, G. M. F. N. Curso avançado de direito civil: direito

das sucessões. 2. ed. rev. e atual. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, v.

6.

CAHALI, Y. S. Dos Alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CAMUS, E. F. Código Civil explicado. Havana: Cultural, S.A. – La Habana,

1944, v. 1.

CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed.

Coimbra: Almedina, 1999.

CARNELUTTI, F. La prueba civil. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1982.

CARVALHO DE MENDONÇA, M.I. Do usufructo, do uso e da habitação: no

código civil brasileiro. Rio de Janeiro: Conselheiro Cândido de Oliveira, 1922.

CARVALHO NETO, I. Direito Sucessório do cônjuge e do companheiro.

São Paulo: Método, 2007.

CARVALHO SANTOS, J.M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. 3. ed.

Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943, v. 9.

________. Código Civil Brasileiro Interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1976, v. 7.

CASSETARI, C. et al. Introdução crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro:

Forense: 2006.

________. et al. Direito Civil: Direito das sucessões, Christiano Cassetari e

Márcia Maria Menin (coord.) e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

(orient.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 8.

COELHO, F. U. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 4.

Page 263: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

263

COLTRO, A. C. M. Da tutela. In: Direito de família e o novo Código Civil,

Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). 4. ed. rev. e atual.

Belo Horizonte: 2006, p. 251-278.

CORTEZ, L. F. A. As mudanças sociais da família e o Direito. In: Sociologia

Geral e do Direito, Arnaldo Lemos Filho, Glauco Barsalini, Luis Renato

Vedovato, Oscar Melin Filho (org.). 3. ed. Campinas: Alínea, 2004, v. 1, p. 285-

308.

COUTURE, E. J. Introdução ao estudo do processo civil. Trad. de Mozart

Victor Russomano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

DANELUZZI, M. H. M. B. Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge

sobrevivente. São Paulo: Editoria Letras Jurídicas, 2004.

DANTAS JÚNIOR, A. R. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo.

In: Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de

Direito de Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p.

128-143.

DELGADO, M. L. e ALVES, J. F. (coord.). Novo Código Civil: questões

controvertidas. São Paulo: Método, 2003.

DIAS, M. B. Manual das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

________. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2009.

________. ; PEREIRA, R. da C. (coord.) Direito de família e o novo código

civil. 4. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

DINIZ, M. H. Código civil anotado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

________. Código civil anotado. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006.

Page 264: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

264

________. Curso de direito civil brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995,

v. 1 e 5.

________. Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2007, v. 4.

________. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2007, v. 6.

________. Conflito de normas. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

________. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 14. ed.

São Paulo : Saraiva, 2009.

DOWER, N. G. B. Curso renovado de direito civil: direito das coisas. 1. ed.

São Paulo: Nelpa, 1972, v. 3.

DUTRA, C. M. B. O direito real de habitação na sucessão do convivente

supérstite. Dissertação (Mestrado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo,

2007.

ESPANHA. Code Civil Espagnol, traduction française de Mlle. Le Pelley.

Paris : Marcel Girárd Librarie-Éditeur, 1932.

ESPÍNOLA, E. Os direitos reais limitados ou os direitos sobre a coisa

alheia e os direitos reais de garantia no direito civil brasileiro. Rio de

Janeiro: Conquista, 1958.

________. Sistema do direito civil brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro:

Conquista, 1960, v.1.

________.; ESPINOLA FILHO, E. A lei de introdução ao código civil

brasileiro comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943, v. 1.

ERNOUT, A. ; MEILLET, A. Dictionnaire étymologique de la langue latine.

Paris : Klincksieck, 1967.

Page 265: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

265

FACHIN, L. E. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro:

Renovar, 1999.

________. e RUZYK, C. E. P. Código civil comentado: direito de família,

casamento: arts. 1511 a 1590. São Paulo: Atlas, 2003.

FARIA, M. R. C. de. Direito das Sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2003.

FERREIRA FILHO, M. G. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999.

FRANÇA. Código Napoleão ou Código Civil dos Franceses, tradução de

Souza Diniz. Rio de Janeiro: Record, 1962.

GAFFIOT, F. Dictionnaire Illustré Latin-Français. Paris : Hachette, 1955.

GAGLIANO, P. S. Código Civil Comentado: Direito das coisas. São Paulo:

Atlas, 2004, v. 13.

________.; PAMPLONA FILHO, R. Novo Curso de Direito Civil. 8. ed. rev.

atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1.

GAMA, G. C. N. da. O companheirismo: uma espécie de família. 2. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

________. Direito civil: sucessões. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

________. Direito civil: Família. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

________. Princípios Constitucionais de Direito de família. São Paulo:

Atlas, 2008.

GAUDEMET, J. Les institutions de l’antiquité. Paris: Sirey, 1967.

GIORGIS, J. C. T. Os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo. In: Revista

Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de

Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 88-127.

Page 266: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

266

GODINHO, A. P. da Rocha. Direitos reais e autonomia da vontade: o

princípio da tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

GONÇALVES, C. R. Direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

________. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, V, VI e VII.

GONÇALVES, L. da C. Tratado de Direito Civil. 2. ed. atual. e aum. São

Paulo: Max Limonad, v. XI, t. 1. [1973].

________. Tratado de Direito Civil. São Paulo: Max Limonad, v. IX, t. II, s.d.

GOMES, O. Direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

________. Sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1970.

________. Sucessões. 12. ed. rev., atual. e aumentada de acordo com o

Código Civil de 2002 por Mário Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro:

Forense, 2004.

________. Direitos Reais. 19. ed. atual. por Luiz Edson Fachin. Rio de

Janeiro: Forense, 2004.

GOULART, N. R.; SEFFRIN, P. E. F. Usufruto, uso e habitação: teoria e

prática. Rio de Janeiro: Forense, 1986, 129 p.

HIRONAKA, G. M. F. N. Estudos de direito civil. Belo Horizonte: Del Rey,

2000.

________. Comentários ao Código Civil: direito das sucessões, Antonio

Junqueira de Azevedo (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 20.

________.; PEREIRA, R. da C. (coord.). Direito das sucessões e o novo

código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

________. Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos

descendentes. Anais do IV congresso brasileiro de direito de família [do

Page 267: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

267

Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 217-

248.

________. Direito sucessório brasileiro: ontem, hoje e amanhã. Disponível

em: http://www.gontijo-familia.adv.br. Acesso em 15 de janeiro de 2009.

ITABAIANA DE OLIVEIRA, A. V. Tratado de Direito das Sucessões. 4. ed.

rev. e atual. com a colaboração de Aires Itabaiana de Oliveira. São Paulo: Max

Limonad, 1952, v. 1.

ITÁLIA. Código Civil Italiano, tradução de Souza Diniz. Rio de Janeiro:

Record, 1961.

ITÁLIA. Codice Civile e di Procedura Civile. Trento: Alpha Test, 2006.

LAGRASTA NETO, C. Direito de família. São Paulo: Malheiros, 2000.

LEITE, E. de O. Temas de direito de família. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1994.

________. Direito civil aplicado: direito das sucessões. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, v.6.

________. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005, v.5.

________. Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões,

Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v.

XXI.

LIMA, R. M. C. Sucessão do companheiro: questões polêmicas.

Dissertação (Mestrado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2007.

LIMONGI FRANÇA, R. Manual de Direito Civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, s.d., v. 3.

Page 268: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

268

LISBOA, R. S. Manual de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2006, v. 5.

LÔBO, P. L. N. Famílias. 2. ed. São Paulo, Saraiva: 2009.

LOPES, J. B. Ação declaratória. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1995.

LOTUFO, M. A. Z. Curso Avançado de Direito Civil: Direito de Família. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MADALENO, R. Direito de Família: aspectos polêmicos. 2. ed. rev. e atual.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

________. Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2004.

________. Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007.

________. O novo direito sucessório brasileiro. Disponível em:

http://www.gontijo-familia.adv.br. Acesso em 15 de janeiro de 2009.

MALHEIROS FILHO, F. União estável. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1998.

MARCATO, A. C. (coord.) Código de processo civil interpretado. São Paulo:

Atlas, 2004.

MAXIMILIANO, C. Direito das sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1942, v.1.

MAZEAUD, H. et L. ; MAZEAUD, J. Leçons de Droit Civil : obligations e

biens. Paris : Editions Montchrestien, 1955, v. 2.

________. Leçons de Droit Civil : régimes matrimoniaux, successions e

libéralités. Paris : Editions Montchrestien, 1955, v. 4.

Page 269: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

269

MENDONÇA, S. Projeto e monografia jurídica. 2. ed. Campinas: Millennium

Editora, 2005.

MIRANDA, J. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra,

2000, v. 2.

MONTEIRO, W. de B. Curso de direito civil. 37. ed. rev. e atual. por Carlos

Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3.

________. Curso de direito civil. 39. ed. rev. e atual. por Ana Cristina de

Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

MORAES, A. de. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

MORAES, M. C. B. de. Constituição e direito civil: tendências. In: Revista dos

Tribunais. São Paulo, v. 779, p. 47-63, 2000.

NERY JR., N.; NERY, R. M. de A. Código de processo civil comentado. 10.

ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

________. Código civil comentado e legislação extravagante. 3. ed. rev.

ampl. da 2. ed. do Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2005.

NEVARES, A. L. M. Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro no

Código Civil de 2002: uma abordagem à luz do direito civil-constitucional.

Revista Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de

Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 36, jun/jul, 2006.

OLIVEIRA, E. B. de. União estável: do concubinato ao casamento. 6. ed.

São Paulo: Método, 2003.

________. Direito de herança: a nova ordem da sucessão. São Paulo:

Saraiva, 2005.

Page 270: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

270

PASSOS, G. P. Glossário francês-português de termos jurídicos. São

Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, 1985, boletim 43.

PEDROTTI, I. A. Concubinato e união estável. São Paulo: Universitária de

Direito, 1997.

PENA JÚNIOR. M. C. Curso completo de direito das sucessões. São Paulo:

Método, 2009.

PENTEADO. L. de C. Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1999, v. 1 e 5.

________. Direito civil: alguns aspectos de sua evolução. Rio de Janeiro:

Forense, 2001.

________. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2004, v. 5.

________. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 17. ed. rev. e

atual. por Carlos Roberto Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 6.

________. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil e teoria

geral do direito civil. 23. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes.

Rio de Janeiro: Forense, 2009, v.1.

_______. Instituições de direito civil: direitos reais. 20. ed. rev. e atual. por

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v.4.

PEREIRA, L. R. Direito das coisas. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1956.

Page 271: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

271

PEREIRA, L. C. B. Estado e subdesenvolvimento industrializado. 2. ed. São

Paulo: Brasiliense, 1981.

PEREIRA, R. da C. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed.

Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

________. Novo Código Civil: Da família. Porto Alegre: Síntese, 2003.

________. (coord.) Código Civil anotado. Porto Alegre: Síntese, 2004.

________. Concubinato e união estável. 7ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte:

Del Rey, 2004.

________. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo

Horizonte: Del Rey, 2006.

PERLINGIERI, P. Perfis de direito civil. 2. ed. Trad. Maria Cristina de Cicco.

Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

PLANIOL, M.; RIPERT, G. Traité élémentaire de droit civil. 12. ed. Paris :

Librarie Genérale de Droit et de Jurisprudence, 1939, t. 1.

________. Traité élémentaire de droit civil. 13. ed. Paris : Librarie Genérale

de Droit et de Jurisprudence, 1946, t. 1.

PONTES DE MIRANDA. F. C. Tratado de direito privado: direito das coisas.

2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957, t. 19.

________. Tratado de direito privado: direito das sucessões. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1968, t. 55.

PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa: Lei do Tribunal

Constitucional, comentada por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. 8. ed.

Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

PORTUGAL. Código Civil e diplomas complementares. 7. ed. rev. e atual.

Lisboa: Quid Juris, 2006.

Page 272: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

272

REALE, M. Lições preliminares de direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

________. Estudos preliminares do código civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003.

RESCIGNO, P. Trattato di diritto privato: sucessioni. Torino: UTET, 1991, v.

5. t. 1.

RIBEIRO, B. S. Tratado de usucapião. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1 e

2.

________. Cautelares em família e sucessões. São Paulo: Saraiva: 2009.

RIZZARDO, A. Direito de família. Rio de Janeiro: Aide, v. 2, 1994.

________. Direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

________. Direito das sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

________. Parte Geral do Código Civil. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense, 2007.

RODRIGUES, O. P. A família decorrente do casamento e sua repercussão

no Código Civil de 2002. Tese (Doutorado em Direito). São Paulo: PUC São

Paulo, 2005.

RODRIGUES, S. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva,

1982, v. 6.

________. Direito civil: direito de família. 27. ed. atual. por Francisco José

Cahali. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 6.

________. Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. por Zeno

Veloso. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 7.

RUGGIERO, R. de. Instituições de Direito Civil. 3. ed. Trad. da 6. ed. italiana

por Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1936, v. 2.

Page 273: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

273

________. Instituições de Direito Civil: direito das obrigações; direito

hereditário. Trad. da 6. ed. italiana por Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva,

1958, v. 3.

________. Instituições de Direito Civil: introdução e parte geral: direito

das pessoas. 3. ed. Trad. da 6. ed. italiana por Ary dos Santos. São Paulo:

Saraiva, 1971, v. 1.

SAN TIAGO DANTAS, F. C. Programa de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro:

Rio, 1981, v. 3.

SANTOS, F. C. de A. Direito do promitente comprador e Direitos reais de

garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SANTOS, L. F. B. Direito das Sucessões – Propostas de Alteração. In: Revista

Brasileira de Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de

Família]. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 29, abr/mai., 2005, p. 185-190.

________. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível

em: http://www.gontijo-familia.adv.br. Acesso em 15 de janeiro de 2009.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo:

Malheiros, 1995.

SILVA FILHO, A. M. da. HLA e DNA: novas técnicas de determinação do

vínculo genético, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1990, v. 655.

SIMÃO, J. F.; TARTUCE, F. Direito Civil – Direito das Sucessões. São

Paulo: Método, 2007, v. 6.

SOUZA, S. I. N. Direito à moradia e de habitação: análise comparativa e

suas implicações teóricas e práticas com os direitos de personalidade. 2.

ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

Page 274: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

274

TALAVERA, G. M. A função social como paradigma dos direitos reais limitados

de gozo ou fruição sobre coisa alheia. In: Temas Atuais de Direito Civil na

Constituição Federal, Rui Geraldo de Camargo Viana e Rosa Maria de

Andrade Nery (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 277-326, 2000.

________. União Civil Entre Pessoas do Mesmo Sexo. Rio de Janeiro:

Forense, 2004.

TARTUCE, F. Novos princípios do direito de família brasileiro. In: Manual de

direito das famílias e das sucessões, Ana Carolina Brochado Teixeira e

Gustavo Pereira Leite Ribeiro (coord.). Belo Horizonte: Del Rey, p. 35-51, 2008.

TEIXEIRA, A. C. B.; RIBEIRO, G. P. L. (coord). Manual de direito das famílias

e das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

TEPEDINO, G. Usufruto legal do cônjuge viúvo. Rio de Janeiro: Forense,

1990.

________. (coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRANO, L. A. A. Petição de herança. Dissertação (Mestrado em Direito).

São Paulo: PUC São Paulo, 2007.

TRABUCCHI, A. Istituzioni de Diritto Civile. 39. ed. Padova: Edizioni Cedam,

1999.

TRUZZI OTERO, M. A separação judicial no código civil. Revista Brasileira de

Direito de Família [do Instituto Brasileiro de Direito de Família]. Porto Alegre:

Síntese/IBDFAM, n. 34, fev/mar, 2006.

________. A justa causa na clausulação da legítima do herdeiro

necessário. Tese (Doutorado em Direito). São Paulo: PUC São Paulo, 2008.

Page 275: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

275

VELOSO, Z. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo:

Malheiros, 1997.

________. Direito real de habitação da união estável. In: Novo Código Civil:

questões controvertidas, Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves

(coord.). São Paulo: Método, 2004, v. 1, p. 405-416.

________. Do direito sucessório dos companheiros. In: Direito de família e o

novo Código Civil, Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.).

4. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: 2006, p. 235-249.

VENEZIAN, G. Dell’usufruto dell’uso e dell’abitazione. 2. ed. Napoli-Torino:

Eugênio Marghieri e UTET, 1936.

VENOSA, S. de S. Direito civil: direito das sucessões. 1. ed. São Paulo:

Atlas, 2001, v. 6.

________. Direito civil: direito reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. 5.

________. Direito civil: direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

________. Direito civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

VIANA, M. A. S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999.

________. Comentários ao novo código civil: dos direitos reais, Sálvio de

Figueiredo Teixeira (coord.). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. XVI.

VIANA, R. G. C.; NERY, R. M. de A. (org.). Temas Atuais de Direito Civil na

Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

VOET. J. Commentariorum ad pandectas: libri quinquaginta. Veneza:

Sumptibus Petri Milesi Edit., 1827, t. 1.

WALD, A. Curso de direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1981.

________. O novo direito de família. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

Page 276: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Daniel ...João Ricardo Brandão Aguirre e Maurício Dellova de Campos. Agradeço também ao professor Luiz Antonio Alves

276

________. Direito Civil: Direito das Coisas. 12. ed. reform. São Paulo:

Saraiva, 2009, v. 4.

________. Direito Civil: Direito das Sucessões. 14. ed. reform. São Paulo:

Saraiva, 2009, v. 6.

WAMBIER, T. A. A. Direitos de família e do menor. 3. ed. Belo Horizonte: Del

Rey, 1993.

________. e LEITE, E. de O. (org.). Repertório de doutrina sobre direito de

família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 4.

ZANNONI, E. A. Derecho Civil: derecho de las sucesiones. 4. ed. Buenos

Aires: Astrea, 2001, v. 1.