PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · Uma atitude sem sentido que escapa às...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Interações Midiáticas Ana Cláudia e Silva Xavier ACASO ROTEIRIZADO: o aleatório como motif literário e midiático. Belo Horizonte 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Interações Midiáticas

Ana Cláudia e Silva Xavier

ACASO ROTEIRIZADO:

o aleatório como motif literário e midiático.

Belo Horizonte

2014

Ana Cláudia e Silva Xavier

ACASO ROTEIRIZADO:

O aleatório como motif literário e midiático.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social – Interações

Midiáticas, da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientador: Julio Pinto

Belo Horizonte

2014

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Xavier, Ana Cláudia e Silva

X3a Acaso roteirizado: o aleatório como motif literário e midiático / Ana Cláudia

e Silva Xavier. Belo Horizonte, 2014.

85 f. :il.

Orientador: Júlio Pinto

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Acaso. 2. Destino e fatalismo. 3. Televisão - Seriados. 4. Sobrenatural. 5.

Ficção - Técnica. I. Pinto, Júlio. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 82-34

Ana Cláudia e Silva Xavier

ACASO ROTEIRIZADO: o aleatório como motif literário e midiático.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Comunicação Social

– Interações Midiáticas, da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Comunicação.

__________________________________________________________

Prof. Dr. Julio Pinto (Orientador) – PUC Minas

__________________________________________________________

x

__________________________________________________________

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Belo Horizonte, 20 de agosto de 2014

AGRADECIMENTOS

Obrigada ao professor Julio Pinto, pelo incentivo, ensinamentos e por

me guiar ao longo deste longo processo.

Agradeço também a todos que de alguma forma me ajudaram durante a

longa produção deste trabalho. Mãe, avós, amigos /irmãos, vocês foram

essenciais. Obrigada pela compreensão, apoio incondicional e amor entregues

a mim durante todo esse tempo.

Gustavo, agradeço ao acaso, à sorte, destino ou quaisquer outras forças

que tenham te guiado até mim. A elas, mas especialmente a você, muito

obrigada.

Otsu desviou o rosto de pálpebras inchadas pelo calor das chamas e fitou o céu: — Pensava em como é misterioso este mundo. Parada neste lugar, consigo sentir este monte de estrelas, dentro da noite deserta... isto é, deserta não, pois tudo permanece no mesmo lugar, oculto pela escuridão... Como ia dizendo, consigo sentir as estrelas se mexendo, devagarinho, num amplo movimento. Não sei como, mas o mundo se move, eu o sinto. Ao mesmo tempo, também eu, esta pequena coisa insignificante, posso estar sendo manipulada por, vamos dizer, algo invisível, meu destino sendo modificado a todo instante, nesta mesma hora em que aqui estou... É nisso que pensava o tempo todo (YOSHIKAWA, 1999, p.94).

O mato chegava à altura dos ombros, carregado de sereno. Não corria o risco de ser visto de longe, o que lhe facilitava a fuga. E agora, para onde? Qualquer que fosse o destino, nada tinha além do que levava no corpo. A sorte espreitava, assim lhe parecia, oferecendo-lhe tanto boas oportunidades como desgraças. A direção que tomasse agora teria o poder de mudar para sempre o seu destino. Não acreditava que pudesse haver uma vida predestinada, inevitável. Tinha apenas de andar ao sabor do acaso.

Osaka, Kyoto, Nagoya ou Edo – para onde iria? De qualquer modo, não tinha conhecidos em lugar nenhum. O futuro abria-se à sua frente, tão incerto quanto a sorte nos dados. E tanto quanto a sorte nos dados, incerta era a vida de Matahachi. Deixaria que algum acontecimento fortuito guiasse seus passos, decidiu ele. (YOSHIKAWA, 1999, p. 378)

RESUMO

Autores literários e de outros meios e gêneros podem se apropriar de certos

elementos presentes no mundo real, com o objetivo de mimetizarem seus

efeitos em seus mundos imaginários. Isso ocorre frequentemente com os

diversos conceitos do destino e do acaso, que então se tornam tão presentes

na ficção quanto o são em nosso cotidiano fora dela. Os autores utilizam esses

elementos como ferramentas de criação, ocultando seu papel de controladores

e atribuindo-o às forças sobrenaturais. Esta dissertação busca elucidar a forma

como esse processo acontece. Foram escolhidos o clássico literário Jane Eyre

de Charlotte Brönte, o livro contemporâneo A Mulher do Viajante do Tempo de

Audrey Niffenegger e o seriado How I Met Your Mother, também atual. Esse

recorte permite que analisemos como a técnica está presente em uma obra

canônica, seu uso em um best seller que se comunica com a sociedade atual e

também sua transposição para uma obra amplamente veiculada em todo

mundo através da televisão. Este ponto é especialmente importante por vermos

atualmente uma maior valorização da produção televisiva e pela grande

audiência que acompanha este seriado especificamente. A análise da

apropriação destas crenças nos fornece não apenas o aprofundamento do

conhecimento de ferramentas criativas na ficção, mas também nos ajuda a

entender como o ser humano se relaciona com algumas das suas principais

indagações – existe algo que ordene nosso universo, ou estamos imersos no

caos?

Palavras – chave: Acaso. Destino. Literatura. Seriado. Jane Eyre. Charlotte

Brönte. Mulher do Viajante do Tempo. Audrey Niffenegger. How I Met Your

Mother.

ABSTRACT

The authors from literature and other media may appropriate certain elements

present in the real world, with the objective of imitating their effects in their

imaginary worlds. This happens frequently with the diverse concepts of destiny

and chance, who become as present in fiction as they are in our daily lives

outside it. The authors use these elements as creation tools, hiding their role as

controllers and attributing it to supernatural forces. This dissertation has the

goal to elucidate the way this process happens. The chosen works are the

literary classic Jane Eyre by Charlotte Brönte, the contemporary book The Time

Traveler’s Wife by Audrey Niffenegger and the television program How I Met

Your Mother, also contemporary. This selection allows us to analyze how the

technique is present in a canonical work, it’s use in a best seller that dialogues

with contemporary society and also it’s transposition to a work that is highly

broadcasted all over the world through television. This topic is especially

important since there has been an increase in the cultural value attributed to

television productions and the high amount of public that watches this TV show

specifically. The analysis of the appropriation of these beliefs provide us with

not only the deepening of knowledge of creative tools in fiction, but also helps

us understand how the human being relates to some of its main questionings –

is there something that gives order to our universe, or are we immerse in caos?

Keywords: Chance. Destiny. Literature. TV Show. Jane Eyre. Charlotte Brönte.

The Time Traveler’s Wife. Audrey Niffenegger. How I Met Your Mother.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Lições de vida de How I Met Your Mother ...................................56

FIGURA 2 – Confissão 1...................................................................................57

FIGURA 3 - Confissão 2....................................................................................57

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 10

2 O ACASO.......................................................................................................14 2.1 Modelos tecnológicos de Deleuze e Guatarri...................................................17 2.2 O fantástico de Todorov ..................................................................................... 19

2.3 O acaso enquanto motif ................................................................................. 22

2.4 O favoritismo do sobrenatural pelo amor romântico .............................. 24

3 O DESTINO INESCAPÁVEL EM JANE EYRE............................................. 27

3.1 Contextualização social ............................................................................... 27

3.2 O sobrenatural onipresente...................................................................... 35

3.3 O uso da primeira pessoa ....................................................................... 38

4 A CONSPIRAÇÃO DO ACASO EM HOW I MET YOUR MOTHER............. 43 4.1 O numinoso vs. A ciência........................................................................ 43 4.2 A sincronicidade jungiana....................................................................... 45 4.3 O universo como personagem................................................................ 48 4.4 Relação com o público............................................................................. 53

5 A ORDEM FUGIDIA EM A MULHER DO VIAJANTE NO TEMPO.............. 59 5.1 Linha de mundo de Einstein.................................................................... 59 5.2 Distúrbio cronológico e realismo............................................................ 60 5.3 Acidentes temporais................................................................................. 62 5.4 Keats e a capacidade negativa................................................................ 66

6 UMA CONCLUSÃO IMPOSSÍVEL................................................................ 76

REFERÊNCIAS................................................................................................ 81

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1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da existência humana somos forçados a lidar com o

aspecto caótico de nossa existência no mundo. Nossa falta de controle sobre nossas

próprias vidas e o ambiente onde estamos inseridos indica que estamos à mercê de

um caos desgovernado. Mas há também a possibilidade de sermos peças em um

plano maior, destinados a um final escolhido por uma força além de nossa

compreensão.

O ser humano, só e perdido no mundo, está em uma busca constante por

explicações. Enquanto muitos passam seus dias à procura de respostas e de

alguma forma de estabelecer normas e regras a serem seguidas pelas forças

universais, a aleatoriedade parece ser a única constante perceptível, e resta apenas

se deixar levar pelo fluxo absurdo dos acontecimentos diários. Os seres humanos,

ao se verem perdidos dentro de um universo que não entendem, podem escolher

entre duas opções: procurar explicações dentro de campos como a religião e a

metafísica, ou aceitarem que, de fato, a desordem é a única ordem a ser

encontrada.

Um dos nomes dados para essa força ordenadora é Acaso. Suas diversas

definições (que veremos mais profundamente no próximo capítulo) sugerem duas

possibilidades: a de um acontecimento aleatório e imprevisto (adotada pela ciência),

e a de algo determinado pelo destino, ordenado por uma força maior (vista

frequentemente em produtos midiáticos).

Um termo que se aproxima do primeiro significado é o "absurdo", que de

acordo com Martin Esslin (1968), originalmente caracterizava algo que estivesse fora

de harmonia em uma peça musical. No dicionário Aurélio, absurdo é algo que entra

em conflito com a racionalidade. Uma atitude sem sentido que escapa às regras e

condições pré-determinadas.

adj. Contrário à razão, ao senso comum: intenções absurdas. / Que fala ou age de maneira irracional; estúpido; disparatado; tolo. / &151; S.m. Tolice, asneira, disparate: cair no absurdo. // Por absurdo, falando de uma demonstração, diz-se do raciocínio que prova a verdade de uma proposição, provando o absurdo da proposição contrária. (AURÉLIO ONLINE, 2013).

Para a literatura, Esslin usa o conceito de Ionesco, que ao escrever sobre

Kafka afirmou que "absurdo é aquilo que não tem objetivo... Divorciado de suas

raízes religiosas, metafísicas e transcendentais, o homem está perdido; todas as

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suas ações se tornam sem sentido, absurdas, inúteis" (IONESCO apud ESSLIN,

1961, p. 304).

―[...] (o homem) encara corajosamente o fato de não ser mais possível àqueles para quem o mundo perdeu sua explicação e significação central continuar a aceitar formas de arte baseadas na preservação de critérios e conceitos que perderam sua validade, isto é, baseadas na possibilidade de se conhecer leis de conduta e valores absolutos decorrentes de uma firme base de certeza revelada sobre o objetivo do homem no universo. (ESSLIN, 1968, p. 346).

O tema é constantemente abordado na mídia. Como ele se relaciona de perto

com uma das maiores angústias humanas, é natural que ele se torne objeto

midiático. Afinal, como explica Everardo Rocha (2008, p. 8), ―o que marca o ser

humano é justamente sua particularidade de possuir e organizar símbolos que se

tornam linguagens articuladas, aptas a produzir qualquer tipo de narrativa‖.

Porém, uma análise de obras que abordam o acaso mostrou que ele não é

meramente retratado na trama de livros, peças, filmes, etc. Ele foi absorvido no

processo criativo, sendo utilizado por autores como inspiração para o

desenvolvimento de técnicas narrativas. Para que a trama ocorra mais fluidamente,

ou para que o autor possa se ocultar por detrás da transparência da linguagem

literária, televisiva, etc, o acaso passa então a reger a vida de personagens, assim

como muitos acreditam ocorrer no nosso mundo real. Assim, a mesma força

ordenadora (ou caótica) com que lidamos diariamente é inserida nos universos

ficcionais.

Para avaliar essa presença metafísica na produção cultural foram escolhidos

três objetos: os livros Jane Eyre e A mulher do viajante do tempo, e o seriado How I

Met Your Mother. Eles foram selecionados por mostrarem abordagens distintas do

acaso, sendo que estas são algumas das principais percepções que o público tem

do conceito.

Jane Eyre, de Charlotte Brontë, é um clássico consagrado, favorito de leitores

desde sua publicação no século XIX até hoje. O sobrenatural tem papel fundamental

no livro, e vemos a governanta Jane lidar com forças ocultas durante todo o

romance, até que ela chegue a seu objetivo no final do livro. O acaso aqui assume

um papel de destino e de predestinação divina, interferindo na vida dos personagens

através de coincidências fortuitas e de sinais numinosos transmitidos através de

forças da natureza, como raios e ventanias. Há um forte teor religioso na trama. As

preces de Jane são dirigidas ao deus Anglicano, que está sempre a postos para

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guia-la ou resgatá-la.

O seriado lida com uma forma bastante semelhante de acaso. How I Met Your

Mother começou a ser veiculado em 2005 e estreou seu último episódio em março

de 2014. Ao longo de sua produção, o sitcom conquistou um grande número de fãs

mostrando o personagem principal – Ted Mosby - em busca de seu grande amor,

sempre contando com o universo como garantia de que ele está no caminho certo.

As ideias de ‗o que tiver que ser, será‘ ou de que ‗o destino já está escrito‘ permeiam

conversas entre Ted e seus amigos e também as próprias ações dele mesmo e de

outros personagens. Os roteiros dos episódios, quando analisados como um todo,

mostram uma cadeia de acontecimentos que eram necessários para que o destino

de Ted e de seus amigos fosse atingido de acordo com as expectativas de cada um.

Se a representação do acaso em Jane Eyre e How I Met Your Mother

apresenta pontos em comum, a ficção científica /romance A mulher do viajante do

tempo – de Audrey Niffenegger – aborda um aspecto diferenciado. Henry e Clare

são forçados a lidar com uma condição genética que faz com que ele não consiga se

prender ao presente, viajando sem controle entre seu passado e futuro. Ele pode

visitar momentos importantes de sua vida, como seu casamento ou a morte da mãe,

podendo também ser levado para momentos e lugares aleatórios.

Enquanto Henry enfrenta o absurdo inexplicável de sua condição ele encontra

alguns pontos fixos que funcionam como âncoras, atraindo-o com mais frequência e

trazendo alguma estabilidade para sua vida. Ele conhece sua futura esposa em uma

de suas viagens, enquanto ela ainda era criança, começando então a visita-la

diversas vezes ao longo de sua infância e adolescência. Eles inevitavelmente se

casam, mas apenas quando se encontram no presente. Ele também é forçado a

lidar com a irreversibilidade da morte, revisitando diversas vezes o acidente fatal da

mãe. Em todas as visitas ele é incapaz de tomar qualquer atitude que previna o

acidente de carro que a mata.

A trama não identifica a força responsável pelas viagens de Henry. Ao

contrário, ela recolhe depoimentos dos personagens, que registram (como em um

diário) a forma como lidam com esse elemento caótico. Sem encontrar respostas, a

única certeza presente na vida de Henry e Clare é justamente a falta de respostas e

a permanência insistente da dúvida.

O ser humano sempre tentou explicar aquilo que não entendia. Ao

recuperarmos nossas primeiras formas de tentativas de explicar o mundo – os mitos

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–, vemos que o não saber sempre nos foi insuportável. Os primeiros mitos foram

criados para dar explicações sobre coisas variadas. Histórias foram criadas sobre

deuses que transformavam mulheres em corpos celestes, ou que castigavam

humanos com a explosão de vulcões. Hoje sabemos, por meio da ciência, que o

funcionamento de um vulcão não depende do bom comportamento humano, ou que

as Plêiades não poderiam ter sido sete irmãs, colocadas no céu para que ficassem a

salvo de um caçador gigante apaixonado. Mas outros aspectos do nosso universo

ainda são um mistério completo para nós, e, sem explicações plausíveis,

continuamos buscando amparo na ficção. A mitologia grega conta que os destinos

dos homens e deuses eram tecidos por três irmãs, o que não é muito diferente da

crença de que existe um único deus que planeja o futuro individual de cada ser

humano na Terra.

Ao criarmos religiões, ou ficcionalizarmos algo sobre o qual sabemos pouco

(ou quase nada), buscamos formas de entender esse elemento e de nos

aproximarmos dele, além de também criarmos um contexto onde podemos nos

enganar quanto à nossa impotência diante do desconhecido.

O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmo, as situações de ―estar no mundo‖ ou as relações sociais. (ROCHA, 2008, p. 7).

Nossas narrativas ficcionais, sejam elas místicas ou artísticas, buscam suas

inspirações na realidade, criando a partir disso uma outra esfera de interação entre o

ser humano e seu universo. Analisar a forma como o acaso é retratado nessas

ocasiões não nos proporcionará apenas mais conhecimento quanto às suas

representações culturais feitas na literatura e na televisão. Isso também nos ajudará

a compreender as várias percepções que formamos do acaso e os diferentes

conceitos que atribuímos a ele. Pesquisar o acaso é tentar compreender um aspecto

essencial da nossa humanidade – a angústia da dúvida e a sensação de desamparo

que surge a partir dela.

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2 O ACASO

Neste trabalho vamos assumir que o acaso é, para os autores das obras aqui

estudadas, aquilo que é percebido como um acidente. Isso não significa que ele será

abordado da mesma forma, até mesmo porque crenças são criadas e definidas de

formas diferentes, dependendo do contexto social e cultural em que a obra está

inserida. Mas ao observarmos a representação do conceito do acaso em diversas

línguas, percebemos que ele é algo constante não apenas na cultura ocidental,

como também na oriental.

Vejamos alguns exemplos. Se em português utilizamos o vocábulo ‗acaso‘

com o significado de acontecimento imprevisto ou ainda a ―causa fictícia de

acontecimentos que aparentemente só estão subordinados à lei das probabilidades‖

(AURÉLIO ONLINE, 2013), em inglês a palavra ‗chance‘ traz um significado bastante

semelhante. ―A - o elemento desconhecido e imprevisível em acontecimentos que

parecem não ter causa definível. B - uma força que presumidamente causa eventos

que não podem ser previstos ou controlados‖ (THE AMERICAN HERITAGE

DICTIONARY, 2003, tradução nossa)1. Em farsi, o acaso aparece como o vocábulo

صادف‗ e em punjabi como Ambos mantém o significado de ,‘ت

acontecimento fortuito, ou coincidência.

De acordo com Carl Sagan – em O Mundo Assombrado pelos Demônios - ―é

natural que as pessoas experimentem vários sistemas de crenças, para ver se têm

valia‖ (1995, p. 29). Isso também se aplica ao acaso e a forma como ele é percebido

por cada indivíduo. Vemos isso nitidamente nas obras analisadas neste trabalho.

Elas abordam o tema de formas muito diferentes, partindo da religião, passando pelo

holismo e chegando ao limiar científico da incerteza. Diferentes explicações são

dadas de acordo com as realidades sociais e com visões particulares de mundo dos

diferentes autores.

Em Jane Eyre, o caminho dos personagens foi cuidadosamente traçado por

um deus Anglicano, assim como o próprio deus de Charlotte Brönte. Ela, que havia

sido criada em um lar religioso (influência pelo pai pároco), transmitiu suas crenças

para sua personagem Jane. De acordo com Elizabeth Gaskell (1857), amiga

1a. The unknown and unpredictable element inhappenings that seems to have no assignable cause.b.

A force assumed to cause events that cannot be foreseen or controlled.

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próxima e biógrafa da autora, foi a confiança que Charlotte tinha em seu Deus que

impediu que ela sucumbisse ao desespero e à angústia em diversos momentos em

sua vida. O mesmo ocorre com Jane. Autora e personagem tinham uma fé

inabalável na providência divina, como vemos no capítulo vinte e oito, quando Jane

está perdida e sozinha.

Sabemos que Deus está em toda parte; porém, é quando sobre nós se estendem, e em largas escalas, as Suas obras que O sentimos mais nitidamente. E é na noite clara, em que vão rolando em silêncio os Seus mundos, que lemos mais claramente a Sua essência infinita, a Sua onipotência, a Sua onipresença. Eu me ajoelhara para rezar por Mr. Rochester. Olhos rasos d‘água, olhei para o alto, fitei a Via-Láctea. E recordando o que ela representa, as constelações incontáveis que ali sulcam o espaço irmanadas numa faixa azul, senti a ciência, e a força de Deus. Reassegurei-me da Sua capacidade de salvar a Criação. Convenci-me de que não perecerão a Terra, nem as almas, que ela abriga. E a minha prece foi de graças: a Fonte da Vida era também o Redentor dos espíritos. Mr. Rochester estava salvo: era de Deus e por Deus seria guardado. Tornei a me deitar. E, pouco depois, esquecia a tristeza no sono (EYRE, 2008, p. 202).

A palavra Deus é mencionada no livro cento e onze vezes e providência é

usado dez vezes. O segundo vocábulo é sempre utilizado quando um personagem

se refere a uma decisão que deveria ser tomada ou a uma situação onde alguém

precisou ser protegido de alguma forma. Sra. Fairfax e Jane passam por situações

em que agradecem a divina providência por tê-las guiado na direção correta. A

primeira quando escolhe contratar Jane como Governanta: ―Todos os dias agradeço

a Providência a escolha que me ensinou a fazer. Miss Eyre tem sido, para mim, uma

companheira inestimável e, para Adèle, uma mestra carinhosa e solícita‖. (EYRE,

2008, p. 78). E a segunda quando se lembra do momento em que escolheu deixar

Thornfield após descobrir que Sr. Rochester era casado. ―Senti então que estava

certa quando preferi a tradição e os princípios e enxotei e esmaguei os impulsos de

um instante de delírio. Deus me guiara para uma escolha acertada. Graças a Ele,

que assim o fizera!‖ (EYRE, 2008, p. 225)

Os momentos em que os personagens se voltam para Deus para pedir

acolhimento deixam ainda mais claro a força da dependência e confiança que eles

dedicam a essa força. A ela apenas é atribuído que a esposa oculta de Rochester

tenha escolhido atacar o véu de Jane, e não a governanta em si. É também ela

quem salva Jane da morte quando ela está perdida na charneca e a guia para a

segurança, mas somente depois de ser inspirada por uma reza: ―Oh, Providência!

Sustenha-me um pouco mais! Ajude! – guia-me!‖ (BRÖNTE, 2008, p. 206).

16

No entanto, é importante levar em conta o contexto em que a obra surgiu. O

livro foi publicado em 1847 e, como já vimos, escrito por uma autora especialmente

religiosa. É natural que Charlotte tenha buscado as explicações para os fatores

sobrenaturais de sua obra na religião na qual foi educada.

Em How I Met Your Mother o personagem principal tem, assim como Jane,

uma fé inabalável de que seu destino já foi traçado. Ele nomeia quem seria o

responsável por trás disso, se referindo a essa força como Universo. A crença de

Ted é comum a diferentes culturas. No Islamismo temos Maktub – já estava escrito –

um conceito islâmico que estabelece que todos os acontecimentos que surgem na

vida de uma pessoa teriam uma função específica, já que ―fatalisticamente, tudo o

que acontece no universo está previsto pela vontade divina‖ (AURÉLIO ONLINE,

2013).

O Universo estaria em sintonia com todos os seres vivos da Terra e os

movimentaria de acordo com planos já feitos previamente. Basta que os mortais

tenham fé e aceitem aquilo a que são submetidos.

No seriado, tudo e todos estão conectados, como se o Universo fosse uma

grande teia. Jung chama isso de sincronicidade, que afirma justamente a

interconectividade do universo. Porém, ao mesmo tempo que Jung busca a

causalidade física – partindo do campo científico, ele busca também ―preceitos

esotéricos e ocultistas de épocas pré-científicas como indícios de reconhecimento

intuitivo por parte do homem, da presença do princípio de sincronicidade no

universo‖ (PROGOFF, 1973, p.15).

Podemos considerar Sagan como opositor a isso quando ele diz que um dos

maiores apelos da pseudociência é que ela é capaz de dar respostas quando a

ciência não pode. A ansiedade em frente ao desconhecido ―nutre fantasias sobre

poderes pessoais que não temos e desejamos ter. (...) Renova nossa confiança na

centralidade e importância cósmica do homem‖ (SAGAN, 2005, p. 29).

Quando o personagem principal do seriado fala aos filhos, ele fala também ao

espectador. As lições aprendidas por ele devem ser aprendidas também pelo

público, ou pelo menos reconhecidas como verdadeiras dentro do mundo próprio do

seriado.

Crianças, eu tenho contado pra vocês a história de como eu conheci a sua mãe, e apesar de terem muitas coisas para se aprender dessa história, esta pode ser a maior. Os melhores momentos das suas vidas não serão necessariamente coisas que vocês fazem, eles serão também as coisas que

17

acontecem com vocês. Agora, eu não estou dizendo que vocês não podem agir para afetar o desenlace das suas vidas, vocês têm que agir, e vocês irão. Mas nunca se esqueçam que em qualquer dia, vocês podem sair pela porta da frente e suas vidas inteiras podem mudar para sempre. Vocês percebem, o universo tem um plano, crianças, e esse plano está sempre em movimento

2

(HOW I MET YOUR MOTHER, 2009, temp. 4, ep. 22, tradução nossa).

Já o livro A mulher do viajante do tempo de Audrey Niffenegger traz a

incerteza para o campo científico. Enquanto Jane Eyre e How I Met Your Mother

apresentam explicações para as forças que regem seus universos, A mulher do

viajante do tempo busca explicações na ciência para o numinoso presente no livro.

Quando o método científico falha, a incerteza permanece.

O livro levanta diversas questões metafísicas. A autora debate à possibilidade

da viagem no tempo, a existência de diversos universos e de elementos que os

conectem, realidades paralelas, etc. Niffenegger aborda também o destino, a

presença ou a ausência de Deus, a conexão entre almas gêmeas e outras questões

inatingíveis à física quântica. Nesta obra – que será analisada no terceiro capítulo –

a ciência e a metafísica convivem e interagem, sem que haja uma conclusão final,

mas sim ainda mais perguntas.

2.1 Modelos tecnológicos de Deleuze e Guatarri

Deleuze e Guattari trabalham com o conceito de espaço liso e espaço

estriado no quinto volume de Mil Platôs (1997). Partindo dessa ideia, podemos

pensar no universo como uma trama e criar uma relação com os modelos

desenvolvidos por eles. O modelo marítimo pode ajudar-nos a analisar Jane Eyre. O

oceano é por excelência o espaço liso e, por definição, no espaço liso pontos são

subordinados e devem obedecer a um trajeto. De acordo com os autores:

É a subordinação do hábitat ao percurso, a conformação do espaço do dentro ao espaço do fora: a tenda, o iglu, o barco. Tanto no liso como no estriado há paradas e trajeto; mas, no espaço liso, é o trajeto que provoca a parada, uma vez mais o intervalo toma tudo, o intervalo é substância (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 185).

2 Kids, I've been telling you the story of how I met your mother, and while there's many things to learn

from this story, this may be the biggest. The great moments of your life won't necessarily be the things you do, they'll also be the things that happen to you. Now, I'm not saying you can't take action to affect the outcome of your life, you have to take action, and you will. But never forget that on any day, you can step out the front door and your whole life can change forever. You see, the universe has a plan kids, and that plan is always in motion. A butterfly flaps its wings, and it starts to rain. It's a scary thought but it's also kind of wonderful. All these little parts of the machine constantly working, making sure that you end up exactly where you're supposed to be, exactly when you're supposed to be there. The right place at the right time.

18

O trajeto, por sua vez, é construído a partir de mudanças e ações locais, que

ocorrem devido às próprias condições do percurso a ser seguido e também da

variação do objetivo. Os pontos se movimentam para se adequarem a essas

condições, se orientando através de percepções, e não de propriedades. ―(..) o que

ocupa o espaço liso são as intensidades, os ventos e ruídos, as forças e as

qualidades tácteis e sonoras (...)‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 185).

Dessa forma, podemos relacionar isso ao trajeto de Jane dentro do livro.

Apesar de possuir seu livre arbítrio, sua liberdade de mobilidade dentro da trama é

bastante limitada. Ela é guiada pelas ações daqueles que a rodeiam e por

sensações espirituais que a acometem ao longo da obra e que influenciam suas

escolhas quanto às suas próprias atitudes. Assim, as escolhas feitas por ela e pelos

outros personagens são fundamentais para que ela chegue ao seu objetivo. Caso

algum personagem tivesse agido de outra forma isso desencadearia um

desenvolvimento completamente diferente para a trama, e seria impossível obter a

conclusão do romance na forma em que nós a lemos.

O modelo tecnológico desenvolvido por eles é especialmente interessante por

mostrar a oposição entre as características dos acasos demonstrados em How I Met

Your Mother e em A Mulher do Viajante do Tempo.

Aqui são usados o tecido e o feltro como exemplos de oposição. O tecido

poderia ser caracterizado como um espaço estriado por ser formado a partir de dois

elementos paralelos, mas que possuem funções diferentes. Enquanto alguns desses

elementos são fixos, outros são móveis, e estes se deslocam entre aqueles que são

estáticos. Outra característica seria a delimitação do espaço.

Em terceiro lugar, um tal espaço estriado está necessariamente delimitado, fechado ao menos de um lado: o tecido pode ser infinito em comprimento, mas não na sua largura, definida pelo quadro da urdidura; a necessidade de um vai-e-vem implica um espaço fechado (e as figuras circulares ou

cilíndricas já são elas mesmas fechadas) (DELEUZE; GUATTARI, 1997,

p. 180).

Já o espaço liso é representado pelo feltro, que possui um comportamento

completamente diferente por não ser feito através de um processo de

entrelaçamento, mas sim de prensa. Isso faz com que não haja diferenciação entre

fios e fibras, mas sim, um emaranhado sem começo ou fim.

Os autores também estabelecem uma associação com o tricô e o crochê.

Enquanto no tricô uma das agulhas cria a cadeia, e a outra as tramas. Mesmo que

19

elas se alternem, criam assim um espaço estriado. O crochê é diferente, já que a

agulha cria espaços abertos que podem ser continuados e qualquer direção

desejada.

O modelo tecnológico estriado se organiza da mesma forma que o Universo

dentro do seriado analisado aqui. As vidas dos personagens são guiadas por

objetivos já pré-definidos para eles. Diversos fatores variam ao longo das

temporadas, e os personagens mudam de ideia várias vezes. Ainda assim, as

atitudes tomadas por eles e mudanças causadas por outras questões dentro da

trama não alteram o destino final do trajeto. Isso é estático e inalterável.

O personagem Ted Mosby passa por diversos relacionamentos ao longo das

temporadas do seriado. Ele fica noivo duas vezes antes de finalmente conhecer a

mulher com quem definitivamente se casaria. Em ambos os noivados ele fica

confiante de que tomou a decisão certa e faz esforços para que tudo dê certo.

Porém, obstáculos surgem, e mais uma vez ele deve voltar a procurar a mulher de

sua vida. ―Essa é a coisa engraçada quanto ao destino, ele acontece tendo você

planejado ou não‖ (HOW I MET YOUR MOTHER, 2005, temp. 1, ep. 1, tradução

nossa).3 Assim, vemos que os personagens não têm escolha, além de esperar até

que o Universo revele seu plano final para eles.

O modelo tecnológico liso, por sua vez, é um representante do acaso dentro

do romance de Niffenegger. Não se sabe onde começa e termina o acaso. Suas

ações dentro do livro não são explicadas, e os personagens nunca chegam a

entender como o universo dentro da obra funciona. O destino, o sobrenatural e o

caos são engrenagens dentro desse acaso que dão pistas quanto ao que

personagens e leitores podem esperar dele, mas ainda assim ele permanece

indefinido. As únicas informações que a autora oferece são aquelas vivenciadas por

Clare e Henry, que nunca chegam a conclusão alguma.

2.2 O fantástico de Todorov

As três obras selecionadas possuem a temática comum do acaso causado

pelo sobrenatural, que surge de forma inexplicada. Para Tzvetan Todorov (2010),

isso se encaixa dentro da categoria do fantástico, ao fazer com que as leis reais e

naturais se relacionem com o imaginário místico ou sobrenatural.

3 That‘s the funny thing about destiny, it happens whether you planed it or not

20

Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste mesmo mundo familiar. Aquele que o percebe deve optar por uma das duas soluções possíveis; ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimento realmente ocorreu, é parte integrante da realidade, mas nesse caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós. (TODOROV, 2010, p. 30).

Os próprios personagens das narrativas fantásticas percebem essa relação,

sentindo a intromissão do fantástico em seus universos que eram, até então,

perfeitamente normais. Todorov nos apresenta a definição de três textos clássicos

sobre o tema.

Castex escreve em Le Conte fantastique em France: ―O Fantástico...se caracteriza...por uma intromissão brutal do mistério no quadro da vida real‖ (p. 8). Louis Vax, em L’Art et la Littérature fatastiques: ―A narrativa fantástica...gosta de nos apresentar, habitando o mundo real em que nos achamos, homens como nós, colocados justamente em presença do inexplicável‖ (p. 5). Roger Caillois em Au Coeur du fantastique: ―Todo o fantástico é ruptura da ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade cotidiana‖. (TODOROV, 2010, p. 30).

Assim, não é apenas o universo da obra que é invadido por objetos e ações

absurdos. O público também passa a se relacionar com esses elementos. O

leitor/espectador deve lidar com estas questões, hesitando diante dos

acontecimentos e, assim como os personagens, deve decidir se o sobrenatural ali

presente não seria, de fato, explicado por leis naturais.

A decisão feita pelos sujeitos intra e extra obra acabam por definir em qual

gênero a obra se encaixa. Se eles decidem que as leis do real não foram alteradas e

que os fenômenos possuem explicações naturais, a obra pertence ao gênero

estranho. Mas, se decide-se que novas leis naturais são necessárias para que os

fenômenos possam ser compreendidos a obra passa a fazer parte do maravilhoso.

Os trabalhos estudados aqui pertencem ao último gênero.

No maravilhoso o sobrenatural é algo inicialmente estranhado, mas que será

aceito. Narrativas maravilhosas sugerem a existência do fantástico mais fortemente

por manter a ausência de explicações, mantendo o limite entre natural e

sobrenatural, mesmo que detalhes presentes na trama auxiliem o leitor e os

personagens a se decidirem.

As tramas de Jane Eyre, A mulher do viajante do tempo e How I Met Your

Mother agem dessa forma. Os universos interiores das obras são submetidos à

participação constante do fantástico, que é recebido por seus habitantes com uma

21

mistura de surpresa e aceitação. Jane se relaciona bem com as eventuais vozes

carregadas pelo vento e sensações premonitórias. Henry e Clare, quando

incialmente apresentados à viagem do tempo, reagem inicialmente com assombro,

mas então a aceitam como algo cotidiano. E Ted, apesar de contar com a

interferência de forças sobrenaturais, se surpreende ao perceber suas ações. Esses

personagens, ao se verem diante do inexplicável, não buscam decifrá-lo. Apenas

aceitam sua existência e o incorporam em suas vidas como algo que é então quase

que naturalizado. Forças incialmente alheias aos seus mundos são integradas a eles

com tranquilidade.

Para Todorov, o fantástico proporciona uma contribuição única para as obras

onde é inserido.

Primeiramente o fantástico produz um efeito particular sobre o leitor – medo, ou horror, ou simplesmente curiosidade -, que os outros gêneros ou formas literárias não podem provocar. Em segundo lugar, o fantástico serve à narração, mantém o suspense: a presença de elementos fantásticos permite à intriga uma organização particularmente fechada. Finalmente, o fantástico tem uma função à primeira vista tautológica: permite descrever um universo fantástico, e este universo nem por isso tem qualquer realidade fora da linguagem; a descrição e o descrito não são de natureza diferente. (TODOROV, 2010, p. 100).

Isso permite que o autor controle diversos aspectos de sua obra. O fantástico

consegue auxiliar o autor e o narrador na manutenção do ritmo da narrativa pela sua

natureza repentina, inesperada, e permite até mesmo que sejam previstas algumas

das reações do público. Além disso, o fantástico dá liberdade total ao autor de

alterar o universo da forma como o conhecemos e usar quaisquer elementos que

queira sem preocupações práticas - como por exemplo a separação entre espírito e

matéria, a viagem no tempo e o destino pré-determinado, coisas completamente

improváveis no nosso mundo real.

Um dos pontos comuns entre as obras é a narrativa em primeira pessoa (que

será observada em maior profundidade no capítulo seguinte). Esta técnica também

permite que o autor ou roteirista exerça um desígnio específico e tenha maior

controle sobre sua narrativa. O uso do narrador em primeira pessoa indica uma

intenção do autor de valorizar o discurso de seu personagem, e não o seu próprio.

Quando somos apresentados a um narrador, automaticamente lhe damos nossa

confiança. Não esperamos que ele minta para nós. Essa confiança é redobrada

quando a narrativa é exposta através de uma pessoa comum. O leitor/espectador se

22

identifica com o personagem/narrador, e assim é mais fácil que o público aceite os

acontecimentos maravilhosos.

Enfatiza-se então o fato de que se trata do discurso de uma personagem mais do que do discurso do autor: a palavra está sujeita à caução, e podemos muito bem supor que todas as personagens sejam loucas; entretanto, pelo fato de não serem introduzidas por um discurso distinto do narrador, emprestamo-lhes ainda uma confiança paradoxal. Não nos é dito que o narrador mente e a possibilidade de que possa mentir de algum modo estruturalmente nos choca (...). (TODOROV, 2010, p. 94).

2.3 O acaso enquanto motif

A escolha do uso do elemento sobrenatural do acaso, enquanto tema do

fantástico, também favorece bastante essa intenção do autor disfarçar suas

intervenções na narrativa.

Em obras como as selecionadas, fica claro como o acaso pode se tornar uma

força incentivadora, atrás da qual autores podem facilmente se ocultar. Nelas vemos

como o conceito de câmera de Normam Friedman pode ser aplicado. É como se o

autor não fosse o construtor da história, desaparecendo dentro da narrativa. O acaso

é um fingimento e o autor permanece presente. A analogia com a câmera se encaixa

bem, pois a câmera nos ilude, fazendo parecer que não há alguém que a manipula.

Porém, o desaparecimento do autor nessa situação é ainda uma forma de ele

se impor.

"A arte da ficção", afirma, "não tem início até que o romancista pense sua estória como algo a ser mostrado, a ser tão exposta que se conte por si mesma [em vez de ser contada pelo autor]... ela deve parecer verdadeira, e é tudo. Ela não se faz parecer verdadeira por simples afirmação". Se a "verdade" artística é uma questão de compelir a expressão, de criar a ilusão da realidade, então um autor que fale em sua própria pessoa sobre as vidas e fortunas de outros estará colocando um obstáculo a mais entre sua ilusão e o leitor, em virtude de sua própria presença. Para remover esse obstáculo, o autor pode optar por limitar as funções de sua própria voz pessoal de uma maneira ou outra: "A única lei que ele deve obrigatoriamente obedecer, seja qual for o curso que esteja perseguindo, é a necessidade de ser consistente em algum plano, de seguir o princípio que adotou; e, obviamente, trata-se de um dos primeiros de seus preceitos, assim como para cada artista, de qualquer gênero, permitir-se apenas a latitude necessária, nada mais". (LUBBOCK apud FRIEDMAN, 2002, p. 170).

O autor assume então uma postura de contar/mostrar, em que usa seu

personagem para fazer com que a trama se conte por si mesma. Ele se oculta por

trás de técnicas narrativas e ferramentas disponibilizadas pelo dispositivo para exibir

sua estória sem que sua voz fale explicitamente. Isso é feito para que a trama seja

favorecida e possa ser contada da melhor forma possível. Como diz Friedman:

23

Quando um autor capitula na ficção, o faz para conquistar; ele abre mão de alguns privilégios e impõe certos limites para criar a ilusão da estória de maneira mais eficaz, o que constitui verdade artística em ficção. E é a serviço dessa verdade que ele põe toda a sua vida criativa. (FRIEDMAN, 2002, p 182).

O acaso funciona como um motif – ou seja, ―um elemento conspícuo, como

um tipo de incidente, aparato, referência ou fórmula que ocorre frequentemente em

trabalhos de literatura‖ (ABRAMS, 1999, p. 169)4. Um motif seria ainda:

A frequente repetição dentro de uma única obra de uma frase verbal ou musical significativa, ou uma descrição fixa ou complexo de imagens, como nas operas de Richard Wagner ou nos romances de Thomas Mann, James Joyce, Virginia Woolf, e William Faulkner‖ (ABRAMS, 1999, p. 170, tradução nossa)

5.

Considerando a possibilidade que o conceito de tema seja intercambiável com

o de motif, (como determinado por Abrams, 1999), podemos ainda considerar a

aplicação do primeiro como definição de ―um conceito ou doutrina geral, seja

implícito ou declarado, que um trabalho imaginativo é projetado para incorporar e

tornar persuasivo para o leitor‖ (ABRAMS, 1999, p. 170, tradução nossa).6

As definições de Abrams incluem o uso feito do acaso dentro das obras

selecionadas aqui. O acaso, representado em suas diversas formas (providência,

destino, aleatoriedade), é mencionado com frequência pelas autoras dos romances

e pelos roteiristas do seriado. Ele é ainda bastante significativo, sendo que o

andamento e a conclusão das tramas dependem fortemente dele.

As várias representações do acaso são uma constante em obras de diversos

gêneros, mas são especialmente participantes dentro da literatura fantástica. Para

Todorov (2010), essas forças fazem parte de um sonho de ganho de poder e

substituem ainda uma causalidade chamada por ele de deficiente. Se parte dos

acontecimentos em nossas vidas podem ser explicados facilmente de forma

racional, a porção de eventos sem explicação plausível seria então fruto do acaso,

uma ―causalidade isolada, que não está ligada diretamente às outras séries causais

que regem nossa vida‖. (TODOROV, 2010, p. 118). Se o acaso, especificamente,

4 ―A conspicuous element, such as a type of incident, device, reference, or formula, which occurs

frequently in works of literature‖.

5 ―The frequent repetition within a single work of a significant verbal or musical phrase, or set

description, or complex of images, as in the operas of Richard Wagner or in novels by Thomas Mann, James Joyce, Virginia Woolf, and William Faulkner‖. 6 “A general concept or doctrine, whether implicit or asserted, which an imaginative work is designed

to incorporate and make persuasive to the reader‖.

24

não for o conceito adotado, escolhe-se então uma causalidade generalizada

(TODOROV, 2010) que estabelece a conexão necessária entre os fatos e que

apresenta a intervenção sobrenatural.

O acaso e as suas variações (sorte, destino, etc) se transformam dentro do

acaso em um conceito mais amplo da causalidade generalizada, chamada também

por Todorov (2010) de pandeterminismo; ou seja, uma causalidade cuja origem e

especificação nos é desconhecida.

―Tudo, até o encontro de diversas séries causais (ou ―acaso‖) deve ter sua causa,

no sentido pleno da palavra, mesmo que esta só possa ser de ordem sobrenatural‖.

(TODOROV, 2010, p. 119).

Assim, nenhum elemento presente no universo é irrelevante, mesmo que ele

não aparente ter nada de extraordinário. ―Pois neste mundo não há nada de errôneo,

nem mesmo de estúpido. Sentir um erro é simplesmente não ver o esquema no qual

se inscreve tal acontecimento, não saber a que nível hierárquico este acontecimento

pertence‖. (WATTS apud TODOROV, 2010, p. 120).

Se tudo em um universo possui um significado e uma importância única, os

limites entre matéria, espírito e mente deixam de ser determinantes e passam a

permitir interações entre campos que normalmente estariam completamente restritos

a si mesmos. Todos os elementos podem, então, se comunicar, como se

pertencentes a uma única rede (algo que será abordado com maior profundidade no

quarto capítulo).

O espaço e o tempo são alguns dos principais elementos estruturais na

realidade, e sua estabilidade é um ponto primordial na relação entre o ser humano e

o mundo real e também da percepção que criamos dele. Mas, em textos fantásticos,

essa rigidez se perde e eles se tornam fluídos. ―O tempo e o espaço do mundo

sobrenatural (...) não são o tempo e o espaço da vida cotidiana. O tempo parece

aqui suspenso, ele se prolonga muito mais além daquilo que se crê possível‖.

(TODOROV, 2010, p. 126).

2.4 O favoritismo do sobrenatural pelo amor romântico

As forças sobrenaturais dos mundos fantásticos também afetam as vidas de

seus habitantes de outras formas, elas se intrometem com bastante frequência em

situações em que o amor romântico está envolvido. Se o relacionamento é aceito

pelas regras estabelecidas pelas forças de um determinado universo ficcional (ser

25

puro, previsto por uma lenda, um encontro entre almas gêmeas, etc), elas farão com

que o casal se una, mesmo que obstáculos tentem impedi-los.

Jane Eyre cruza o caminho de Rochester acidentalmente, e essa passagem

marca o início do relacionamento entre os dois. Posteriormente ela é levada de volta

a Rochester por vozes no vento, mas isso ocorre apenas depois que ele havia se

redimido diante dos olhos da providência divina. Apesar de Ted Mosby e Tracy

terem quase se conhecido em diversas ocasiões, eles se conhecem de fato somente

na noite em que ela supera a morte do ex namorado e se abre para a possibilidade

de se apaixonar novamente.

Quanto à A Mulher do Viajante do Tempo, a partir dos 36 anos de Henry,

suas viagens aleatórias ao passado o levam diversas vezes para a propriedade da

família de Clare, ainda com seis anos de idade. Quando eles finalmente se

encontram no presente dele (com 26 anos), Clare está com 20 anos e,

convenientemente, sabe tudo sobre suas viagens no tempo. Para um homem

problemático, taciturno e sem esperanças de felicidade, o surgimento de uma mulher

que não apenas conhece, mas também aceita seu segredo obscuro, é praticamente

um milagre. Eles podem ter se atraído através do espaço-tempo por serem almas

gêmeas, ou o espaço-tempo pode ter criado as condições para que eles se

tornassem pares ideais. Independentemente dos porquês (que nunca terão

resposta), ao levar Henry à infância de Clare, as forças desse universo criaram laços

duradouros entre os dois que acabaram por se transformar em um relacionamento

amoroso ideal.

Nós leitores não nos sentimos incomodados ao sermos confrontados com

esses acontecimentos por sabermos que estamos inseridos em universos ficcionais

controlados pelo maravilhoso, pelo fantástico. Compreendemos que a escolha do

autor de trazer o sobrenatural para sua trama é feita para que o texto se abra a

possibilidades que escritas realistas não proporcionariam. ―Para muitos autores, o

sobrenatural não era senão um pretexto para descrever coisas que não teriam

nunca ousado mencionar em termos realistas‖ (PENZOLT apud TODOROV, 2010, p.

167). Todorov (2010, p. 167) completa ainda que ―podemos duvidar de que os

acontecimentos sobrenaturais não passem de pretextos, mas há certamente uma

parte de verdade nesta afirmação: o fantástico permite franquear certos limites

inacessíveis quando a ele não se recorre‖.

26

O acaso, com sua função pandeterminística, é então o responsável apontado

para os acontecimentos dentro das obras, assim como fazemos em nossas próprias

vidas. Dentro ou fora da ficção, ele possui o papel de ferramenta sobrenatural

ordenadora e criadora de significados e de conexões. É sensato que os autores e

roteiristas se apropriem disso, levando parte do maravilhoso presente no nosso dia a

dia para suas obras, aproximando ainda mais as angústias e dúvidas existenciais de

seus personagens da humanidade real que inspirou suas criações.

27

3 O DESTINO INESCAPÁVEL EM JANE EYRE

Obras artísticas têm uma natureza dupla. De acordo com Lefebve (1975), se

por um lado elas se fecham em si mesmas enquanto objetos de linguagem, elas

também se abrem para o mundo onde estão inseridas, interagindo com essa

realidade. Assim, a obra existe em um entrelugar, estando presente em sua própria

realidade ficcional e também na realidade externa a ela.

Como a linguagem literária é aberta ao nosso mundo real, ela tem o privilégio

de expor questões que as ciências não são capazes de explicar. Se obras de

diversas mídias funcionam como um retrato do mundo e de nossa existência dentro

dele, elas são também uma forma de interrogação dessa vivência e do papel do ser

humano dentro do universo que ocupa.

3.1 Contextualização social

No século XIX surgiu um livro com uma sensibilidade especial para o

questionamento do arranjo social de sua época e também de dúvidas metafísicas,

que abordam as raízes de uma das maiores incertezas da humanidade: existe algo

que rege nossas ações ou um destino já traçado para nós sem que estejamos

cientes disso? O livro é Jane Eyre, uma obra notável exatamente por visivelmente

constituir esse limiar entre o ficcional e o documental.

Jane Eyre foi publicado em 1847 por Charlotte Brontë, a filha mais velha de

uma família que veio a ser conhecida pela criatividade e talento artístico não apenas

de Charlotte, mas também de suas irmãs Emily (que escreveu O Morro dos Ventos

Uivantes) e Anne (autora de Agnes Grey).

O romance foi a segunda tentativa de publicação de Charlotte. A primeira, o

livro O Professor, rendeu apenas uma resposta encorajadora da editora, mas Jane

Eyre foi imediatamente levado ao público, e a recepção foi tão positiva que a autora

se viu famosa de repente.

O contexto da época era de mudanças. De acordo com Arnold Weinstein

(2013), o final da década de quarenta no século XIX foi um momento de revoluções

fracassadas na Europa, mas ainda assim os líderes vitoriosos estavam lidando com

grupos sociais que lutavam por mais diretos, o socialismo e outras movimentações.

Exemplo dessas alterações foi a primeira convenção de direitos das mulheres,

realizada em 1848 nos Estados Unidos.

28

Essas reinvindicações se mesclavam, transformando-se em uma ameaça

insurrecional e contracultural para a hierarquia social. E assim Jane Eyre, que

questiona os limites entre classes sociais e o papel da mulher na sociedade, dentre

outros temas controversos, foi recebido como um trabalho de autoafirmação e de

insurreição. Weinstein acredita que é importante que o leitor tenha essas

informações para que ele compreenda o porquê de a obra possuir um potencial

ameaçador tão grande.

Jane, que impressiona o leitor do século XXI como uma figura amável e

espirituosa, é uma figura que perturbou leitores em 1847. O trabalho foi um

grande sucesso da noite para o dia, mas a própria Jane foi frequentemente

criticada. Que ela foi vista como insurrecionista, ela foi vista como alguém

que desafia os modelos apropriados de autoridade da sua época, então é

realmente voltar a aquela questão sobre a agência feminina, sobre a auto

assertividade feminina (WEINSTEIN, 2013, tradução nossa)7.

As irmãs Brontë lidavam com as limitações impostas ao seu sexo e

recorreram a uma estratégia usada por outras mulheres escritoras para receberem

atenção do mercado editorial. Charlotte, Emily e Anne ocultaram seu gênero,

escolhendo nomes falsos. Em uma nota biográfica do prefácio da edição de 1910 de

Morro Dos Ventos Uivantes, Charlotte explica que:

Aversas à publicidade pessoal, nós velamos nossos próprios nomes sob os

de Currer, Ellis e Acton Bell; a escolha ambígua sendo ditada por uma

forma de escrúpulo consciencioso ao assumir nomes Cristãos positivamente

masculinos, enquanto nós não gostávamos de nos declararmos mulheres,

porque – sem na época suspeitarmos que nossa forma de escrita e

pensamento não era o que é chamado ‗feminino‘ – nós tínhamos uma vaga

impressão de que autoras eram suscetíveis a serem vistas com preconceito;

nós tínhamos notado como críticos às vezes usam para seus castigos a

arma da personalidade e para sua recompensa, um lisonjeio que não é

elogio verdadeiro (BRONTË, 1910, tradução nossa).8

7 Jane, who strikes a reader in the 21st century, as a lovable feisty figure, is a figure who disturbed

readers in 1847. The book was a huge success overnight. But Jane herself was frequently criticized that she was thought of as insurrectionary. She was thought of as someone who challenged the appropriate authority models of her time. So, it's all really getting back to that question about female agency, about female self assertion (…). 8Averse to personal publicity, we veiled our own names under those of Currer, Ellis and Acton Bell; the

ambiguous choice being dictated by a sort of conscientious scruple at assuming Christian names

positively masculine, while we did not like to declare ourselves women, because — without at that

time suspecting that our mode of writing and thinking was not what is called 'feminine' – we had a

vague impression that authoresses are liable to be looked on with prejudice; we had noticed how

critics sometimes use for their chastisement the weapon of personality, and for their reward, a flattery,

which is not true praise.

29

No livro, a órfã Jane Eyre enfrenta uma infância de abusos físicos e

psicológicos. Ela passa seus primeiros anos na casa de uma tia, sendo tratada com

desprezo até ser enviada a uma instituição de caridade para ser educada - a

Instituição Lowood. Lá seus primeiros anos são marcados por maus tratos que,

aplicados a todas as alunas, eventualmente levam a escola a uma epidemia de tifo.

Nas passagens da Instituição Lowood, vemos alguns dos elementos

autobiográficos mais marcantes do livro. Assim como Jane, Charlotte também foi

aluna em uma instituição semelhante, juntamente com suas irmãs Maria, Elizabeth e

Emily. Lá as irmãs Brontë viveram sob condições próximas às vividas por Jane, e

biógrafos acreditam que a personagem Helen Burns, que era perseguida e

maltratada por uma professora, foi baseada em Maria.

Assim como no livro, a escola teve uma epidemia, mas de tuberculose, que

juntamente com as condições insalubres da instituição foi responsável pelas mortes

de Maria e de Elizabeth em 1825. Apesar de Charlotte e Emily terem sido retiradas

da escola, o tempo passado lá deixou marcas permanentes na saúde de ambas.

De volta à obra. Jane permanece na escola – que após a epidemia passa a

uma nova diretoria – e termina sua educação. Após oito anos na instituição ela

consegue uma colocação como governanta, anunciando sua disponibilidade em um

jornal e recebendo apenas uma resposta. A administradora de Thornfield – Sra.

Fairfax - a convida para ensinar a jovem Adele, colocada sobre os cuidados do

mestre da casa, que estava frequentemente viajando no exterior e raramente

visitava a Inglaterra.

Jane é bem recebida na casa, mas seus primeiros meses em Thornfield são

monótonos, e sua convivência social é restrita a algumas empregadas da casa, sua

pupila e a Sra. Fairfax. O nome do patrão é mencionado raramente e como algo

distante.

Justamente a falta de variedade no cotidiano da casa faz com que Jane

busque novidades onde era possível a ela, e em uma tarde especialmente parada,

se oferece para postar uma carta para Sra. Fairfax. É justamente essa ação que a

coloca no caminho de seu futuro marido. Ela e Sr. Rochester se conhecem de forma

bastante inusitada e abrupta, em uma das cenas com maior teor fantástico e

sobrenatural do livro.

30

Se esta primeira publicação de Charlotte contrastava com o ideal político

vigente, a presença do sobrenatural no livro se encaixava bem nos interesses do

público leitor da época. Como explica Safranski (2010), acontecimentos no século

XVIII fizeram com que o Iluminismo, e consequentemente a razão, perdessem

forças. As camadas sociais mais baixas não haviam sido atingidas pelo movimento e

a aristocracia do momento preferia práticas como a consulta a oráculos do que o

pensamento totalmente racional. Além disso, guerras que ocorreram nos anos 1780

e 1790 mostravam que a razão não era capaz de controlar tudo, especialmente a

natureza humana. Começa-se a ver a razão como algo incompleto e incapaz de

compreender ―a profundidade da vida e seu lado noturno‖. (SAFRANSKI, 2010, p.

52).

A literatura refletiu essa mudança, e os românticos atenderam ao desejo do

público pelo oculto. Charlotte participou dessa tendência, assim como sua irmã

Emily (que publicou Morro dos Ventos Uivantes também em 1847).

Emergindo na cultura literária do final do século, a ânsia pelo secreto e

fascinante é sintoma de uma mudança de mentalidade que rechaça o

espírito racionalista. Muitos duvidam do gradual crescimento do progresso

iluminado e até se desesperam, sonhando com um estado de emergência

que lhes permita deixar de lado algumas etapas e fazer logo a sua

felicidade individual – antes ainda que a razão triunfante garanta a felicidade

da humanidade. Aguardam-se mudanças surpreendentes, encontros que

tragam a grande felicidade. Os romances vivem disso. ―Sem nada suspeitar,

saí de casa, quando de repente...” (SAFRANSKI, 2010, p.52).

O destino então se torna fundamental dentro desses romances. Ele é a força

motriz que coloca todas as peças da trama em movimento e garante que elas

desempenhem seu papel apropriadamente. ―O poder miraculoso do destino ata elos

surpreendentes, deixa cair os homens, deixa-os galgar a alturas inimaginadas‖.

(SAFRANSKI, 2010, p. 52), explica. E foi exatamente isso que o destino fez no

momento em que Jane e Rochester são apresentados.

Ao caminhar sozinha por uma estrada em uma tarde de inverno, a criatividade

de Jane se apropriou das condições do ambiente (a aproximação do crepúsculo, a

estrada deserta, a lua já no céu) e reagiu adequadamente a barulhos que surgiram

repentinamente. Ela ouviu ruídos que indicavam a vinda de um cavalo adiante na

estrada, mas o interesse de Jane no sobrenatural levou-a a considerar outras

possibilidades.

Jovem, toda sorte de fantasias lindas e horrendas, povoavam-me o espírito;

entre farrapos de lembranças, nele se acumulavam recordações das

31

narrativas de Bessie. E estas, quando ressuscitavam, eram muito mais

impressivas de que na infância, porque traziam o vigor e a nitidez que a

mocidade lhes emprestava (BRONTË, 2008, p. 72).

A imaginação de Jane (que apreciou o estímulo que faltava no dia a dia

rotineiro de governanta) se voltou para uma lenda sobre um espírito do norte da

Inglaterra, o Gytrash, que assumia a forma de um cavalo, mula ou cão. Ele

assombrava viajantes que passavam por caminhos solitários. Com a aproximação

do barulho, surgiu entre a neblina um grande cachorro, que calmamente ignorou a

presença de Jane. Ele veio seguido de um cavalo montado por um homem,

desiludindo de vez a fantasia de Jane, já que o espírito da história não poderia ser

cavalgado por um humano. Tanto o cavalo quanto o cão eram apenas

acompanhantes de um homem como qualquer outro.

Com o passar do grupo, ela se prepara para seguir seu caminho quando

escuta o barulho de algo deslizando e uma exclamação contrariada. O cavalo havia

escorregado no gelo e caído, levando consigo o cavaleiro. O homem é forçado a

pedir ajuda à única pessoa ali presente para subir novamente em seu cavalo. Ele

não se apresenta, mas durante a breve interação com ela descobre que ela é a

governanta de Thornfield. Eles se despedem e cada um segue seu caminho.

Para Jane o evento já estava terminado. Como ela mesma diz ―o incidente

havia ocorrido e passado para mim: tinha sido um incidente sem importância, sem

romance, sem interesse de certa forma‖ (BRONTË, 2007, p. 109, tradução nossa)9. No

entanto, ela também admite que aquela hora havia sido uma variação na monotonia

de sua vida. Mesmo que ela tivesse realizado uma ação trivial, havia ainda assim,

sido algo ativo, contrário à passividade que regrava sua existência. Outro fator

importante também era marcante no ocorrido: ele havia proporcionado a Jane um

momento de interação com alguém do sexo oposto. Cercada de mulheres toda sua

vida, a aparição de um homem, mesmo que breve, havia deixado uma marca

duradoura.

A nova face, também, era como uma nova pintura introduzida à galeria da

memória; e era diferente de todas as outras penduradas lá: primeiramente

porque era masculina; e, segundamente, porque era escura, forte e severa.

Eu ainda a tinha diante de mim quando entrei em Hay, e entreguei a carta

9 The incident had occurred and was gone for me: it was an incident of no moment, no romance, no

interest in a sense

32

dentro da agência postal; eu a via enquanto andava depressa descendo a

colina no caminho de casa10

(BRONTË, 2007, p. 110, tradução nossa).

No caminho de volta para Thornfield, ela se mantém atenta a barulhos na

estrada e a quaisquer indícios que pudessem indicar que cão, cavalo e homem

pudessem surgir novamente. Porém, a estrada até a casa permanece vazia.

Somente quando Jane chega em casa, ela (e nós, leitores) descobrimos que

o cavaleiro era seu patrão. Coincidentemente, ao passar pela porta Jane conversa

consigo mesma sobre como seria bom ter mais aventuras em sua vida, sobre como

seria benéfica uma vida de incertezas e de provações. Voltar a Thornfield

representava voltar para a estagnação de seu dia a dia. Ela sofre com essas

antecipações e indagações até chegar na cozinha e ver um cão deitado em frente ao

fogão. Ela o reconhece como o animal encontrado na estrada e percebe que seu

dono era o Sr. Rochester, dono de Thornfield.

Os pedidos de Jane por mais emoção e aventura são atendidos. Desde o

momento em que ela conhece Rochester, é exatamente isso que acontece. Aos

poucos ela se apaixona pelo patrão, se sentindo atraída principalmente por sua

natureza obscura e misteriosa. O passado de Rochester é uma incógnita, contado

por ele como algo cheio de sofrimento e tentações às quais ele não pôde resistir – o

exato oposto de Jane. Ela representava para Rochester a pureza e força de caráter

que ele havia rejeitado em sua juventude. Assim, ele se aproxima dela, esperando

que através desse relacionamento pudesse se redimir de seus pecados anteriores.

Ele se declara e a data do casamento é marcada às pressas e sem que fosse feito

alarde.

No dia do casamento, Jane e o leitor recebe então a resposta para um

mistério que permeia a vida da governanta em Thornfield. Em diversas passagens

ela se depara com o que parece ser acessos de loucura de uma das empregadas,

que durante o dia ajuda nos serviços da casa e aparenta ter sua sanidade intacta,

mas demonstra à noite uma série de comportamentos inusitados que pareciam ser

percebidos apenas por Jane. Ela ouve uivos e risos, sonha com uma mulher que

invade seu quarto durante a noite e é chamada por Rochester para ajudar a cuidar 10

The new face, too, was like a new picture introduced to the gallery of memory; and it was dissimilar

to all the others hanging there: firstly, because it was masculine; and, secondly, because it was dark,

strong, and stern. I had it still before me when I entered Hay, and slipped the letter into the post-

office; I saw it as I walked fast down-hill all the way home.

33

de um visitante que havia sido violentamente atacado por essa pessoa. Ele oferece

uma explicação simplória e pede que Jane ignore o assunto, e ela obedece.

Durante a cerimônia a igreja está vazia, com a exceção de duas pessoas

desconhecidas, que interrompem os votos para afirmarem que o casamento seria

impossível. Rochester já era casado, e ele é forçado a revelar o motivo. Enganado

pelo pai e pelo irmão, ele havia se casado ainda jovem com uma mulher louca, que

viva presa em um sótão em Thornfield. A criada instável era na verdade sua

enfermeira, e a esposa seria a razão de Rochester viajar tanto e ter se entregue a

vícios e amantes em outros países.

Chegamos então a uma divisão do livro. Jane deve fazer uma escolha: se

tornar amante de Rochester (o que significaria viver em pecado) ou se distanciar de

seu patrão, deixando-o para trás juntamente com sua pupila e os novos amigos. Ela

escolhe fugir, mas devido ao desespero de abandonar um lugar onde havia sido tão

feliz e à revelação de algo que teria impossibilitado permanentemente sua união

com Rochester, Jane se perde em uma localidade desconhecida.

Nessa parte da trama vemos outra passagem onde o sobrenatural é

fundamental. Dois dias após deixar Thornfield, sem dinheiro e ainda sem ter

conseguido uma situação estável de subsistência, tendo recebido apenas esmolas,

Jane escolhe uma estrada para seguir, sendo influenciada apenas pelo sol e a

direção que permitisse que ela caminhasse contra ele. Mais dois dias se passam até

que ela, fraca demais para continuar, pede a seu Deus que a guie e que a sustente

um pouco mais. Prevendo sua morte, Jane decide escolher um lugar onde possa se

esconder e perecer em segurança. Pensando ter encontrado uma cavidade na terra,

ela chega até uma colina nivelada e é forçada a procurar outro local. Olhando o

terreno, ela percebe uma luz fraca à distância e usa suas últimas forças para chegar

a uma casa onde é acolhida.

Nesta casa está a peça fundamental para a evolução de Jane enquanto

personagem e também para a continuação da trama planejada por Charlotte. Lá ela

conhece uma família de duas irmãs e um irmão (Mary, Diana e St. John), e encontra

nessa família um ambiente onde ela pode se distanciar de Rochester e se ocupar de

forma útil e respeitável. Os irmãos são gentis, estudiosos e St. John, o pastor local,

consegue um trabalho para Jane como professora das meninas da vila. A

convivência com semelhantes e seu novo emprego dão a ela uma existência

contente, e ela tenta evitar se lembrar de seu passado em Thornfield. Ela oculta sua

34

identidade por quatro capítulos, até que um golpe do destino traz novas revelações.

Em uma visita à Jane, St. John tinha examinado alguns desenhos recentemente

feitos por ela, descobrindo que, em um lapso, ela havia escrito seu antigo nome no

papel. Após algum tempo ele retorna à escola e revela à Jane que havia

recentemente recebido notícias de uma governanta que estava desaparecida. A

informação tinha chegado até ele através do advogado do irmão de sua mãe, que

tinha se distanciado da família devido a um desentendimento ocorrido muito tempo

atrás. O homem havia morrido e deixado para Jane uma herança significativa e o

advogado entrou em contato com St. John, em busca de algo que pudesse ajudá-lo

a encontrá-la.

Esse momento é especialmente significativo para Jane, uma órfã rejeitada

pela tia que deveria tê-la acolhido. Ao descobrir que seus novos amigos eram seus

primos ela realiza seu maior sonho – ter uma família que a aceitasse e a tratasse

como igual. Assim, no desespero da fuga, Jane havia aleatoriamente ido de

encontro a algo que sempre havia estado ausente, mas que era o seu maior desejo

desde criança.

Este incidente mostra como a obra possibilita que linhas de tempo de

personagens diferentes se conectem devido a eventos fortuitos e acidentais, para

que a tautocronia criada pela autora mimetize o acaso.

Parei. Não confiava em mim para imaginar, muito menos para exprimir a

ideia que me assaltara...que tomara corpo...que em um segundo se firmara

e fortalecera como uma sólida probabilidade. As circunstâncias se haviam

tecido, entrelaçado, coordenado. A cadeia que até então fora um montão

informe de elos, surgia, agora concatenada, todos os anéis perfeitos, em

conexão absoluta. Antes que St. John dissesse mais uma palavra senti por

instinto do que se tratava. (BRONTË, 2007, p. 240, tradução nossa). 11

A romantização de coincidências é feita através do estranhamento de

situações como as retratadas nessa parte da obra. É claro que apenas Deus, vestido

de acaso, poderia ter levado Jane à porta de seus primos, mas é justamente o

mistério do funcionamento do Universo, a possibilidade de forças desconhecidas

que fazem desse fato algo tão interessante. O que fez com que Charlotte incluísse o

11

I stopped: I could not trust myself to entertain, much less to express, the thought that rushed upon

me—that embodied itself,—that, in a second, stood out a strong, solid probability. Circumstances knit

themselves, fitted themselves, shot into order: the chain that had been lying hitherto a formless lump

of links was drawn out straight,—every ring was perfect, the connection complete. I knew, by instinct,

how the matter stood, before St. John had said another word;

35

fator sobrenatural em sua obra e atraísse seus leitores foi talvez uma vontade de

descartar explicações de ações e fatos através da razão e aceitar o mistério e as

dúvidas que a fé traz, confiando na direção em que a força do destino apontasse.

Grosse explica que:

De todo o emaranhado de coincidências aparentes desponta uma mão

invisível que talvez paire sobre algum de nós, dominando-o no escuro, e o

fio que ele pensa tecer em despreocupada liberdade, foi tecido por ela há

muito tempo de antemão. (GROSSE apud SAFRANSKI, 2010, p. 54).

Grosse questiona ainda que ―se há um fio de desenvolvimento das forças

humanas através dos séculos e transformações nas mãos do destino e se o olho

humano pode percebê-lo – qual é ele?‖ (GROSSE apud SAFRANSKI, 2010, p. 54).

A resposta, dentro de obras artísticas e culturais, se adequará ao universo

particular criado pelo autor para aquele trabalho. Em Jane Eyre, o fio seria Deus,

dentro do contexto do cristianismo protestante. Grosse fala de uma mão invisível

controladora, mas dentro de Jane Eyre, essa força é a mão da própria autora,

imitando ações que fora da literatura não podem ser explicadas, mas que

frequentemente são caracterizadas como forças sobrenaturais.

3.2 O sobrenatural onipresente

Logo no início do romance, o leitor é apresentado à presença do sobrenatural

na trama através da aparição de fantasmas, mortes e sonhos. À medida que a

narrativa evolui, fica claro que forças ocultas estarão presentes durante todo o livro.

Fica claro também que aceitar o ocultismo e seu papel determinante deve

fazer parte do pacto ficcional que o leitor estabelece com a obra de Brontë. É preciso

estar atento às ações desse fator no livro e tomá-las como legítimas. O pacto é

absolutamente necessário. Se nos lembrarmos da afirmativa de Lefebve (1975) de

que a obra se relaciona com si mesma e também com o mundo que a contém, a

aceitação do universo interior a ela é o que permite o relacionamento do leitor com a

obra.

A obra, já o vimos, é campo de dois movimentos ou tendências

contraditórios: por um lado, fecha-se sobre si mesma enquanto linguagem;

por outro, abre-se para as coisas do mundo, reproduzidas numa presença

total e numa realidade inigualada. (LEFEBVE, 1975, p. 43).

Aqueles mais reticentes quanto à crença no oculto não ficam desamparados

frente a esse fator devido à forma como ele é introduzido na trama. Brontë manipula

36

o oculto e dá um embasamento forte para o seu uso, permitindo o acordo entre leitor

e autora, mesmo que esse não creia nesse elemento, e quaisquer reservas que o

público tenha podem ser deixadas de lado.

Não são apenas os personagens que fazem alusões ao sobrenatural, mas o

mundo em que essas pessoas estão inseridas é um mundo onde as ações ocultas

são possíveis e atuantes. Assim, o leitor não tem o papel de questionar a

autenticidade dessas forças. De acordo com Mᵃ. Ángeles Martínez García, ―no tiene

sentido preguntar si son o no verdaderas las afirmaciones del mundo ficcional en el

mundo real, ya que obedecen a condiciones de verdad diferentes‖ (GARCÍA, 2011,

p. 34).

Ainda assim, as ações das forças ocultas são críveis ao leitor por se

assemelharem a uma realidade exterior ao livro. Fantasmas, conexões especiais

entre almas gêmeas e sinais divinos são temas recorrentes em diversas sociedades,

debatidos arduamente e absolutamente reais para muitos.

Com essas ferramentas se torna possível que Brontë trace para seus

personagens um caminho que não é determinado por eles e que até mesmo parece

ser independente das vontades da autora. É como se o destino passasse a reger o

universo criado por ela, cabendo aos personagens navegar por entre essa força

sobrenatural, que chega até mesmo a orientá-los em suas decisões.

O primo de Jane a pede em casamento, não por amor, mas por acreditar que

sua vocação para a religião faria dela uma boa esposa para um missionário. O fervor

da fé de St. John e sua retórica a fazem acreditar que essa poderia ser a realização

de seu dever enquanto religiosa. Em sua hesitação, ela pede fervorosamente a

Deus que mostre o caminho que Ele queria que ela seguisse, pois sozinha ela seria

incapaz de se decidir.

Jane passa então por uma experiência interessante, e ela deixa que o leitor

julgue se suas sensações haviam sido frutos de um momento de descontrole

emocional ou, de fato, um sinal divino.

A casa estava em silêncio, pois creio que todos, com exceção de mim e de

St. John, já se achavam recolhidos. A luz do candeeiro extinguia-se: e o luar

inundava a sala. Meu coração pulsava precípite e surdamente. De repente

estremeceu, estacou, varado por uma sensação inexprimível, que me

percorreu todo o corpo. Não parecia com a de um choque elétrico, mas era,

como a de um choque elétrico, aguda, esquisita, violenta; atuou sobre os

meus sentidos como se eles até então estivessem entorpecidos,

convocando-os, acordando-os. E eles despertaram vacilantes: olhos e

37

ouvidos esperaram, enquanto os músculos tremiam. (BRONTË, 2007, P.

262, tradução nossa )12

Ela então ouve seu nome sendo chamando repetidas vezes, sem conseguir

identificar sua origem. Ela reconhece a voz como sendo a de Rochester, e percebe

que ela transmitia dor e urgência. Isso foi o suficiente para que Jane percebesse o

que deveria fazer. Seu dever não era o de se casar com St. John, mas sim procurar

Rochester. Ela mais uma vez se volta para Deus, mas em agradecimento.

Subi para o meu quarto, tranquei a porta e, de joelhos, orei a meu modo –

um modo diferente do de St. John, mas eficiente na sua maneira de ser.

Tive a impressão de ter chegado muito perto do Espírito Poderoso, e de que

minha alma agradecida se lançou aos seus pés ( BRONTË, 2007, p. 262,

tradução nossa).13

Apesar de Jane dizer ao leitor que ele é livre para interpretar o evento como

quiser, ela deixa claro o significado que ele teve para ela. Ela não duvida que a voz

que Rochester tenha sido levada até ela como indicação de que se casar com St.

John seria um desvio daquilo que estava planejado para seu futuro diante de Deus.

E assim Brontë pode dar início ao retorno da personagem a Thornfield, para

solucionar o mistério do que teria acontecido com Rochester.

A analogia da câmera de Friedman (2002) é exemplificada aqui. As cenas

mostradas por Brontë parecem ocorrer sozinhas, causadas por forças maiores. O

relato de Jane auxilia nessa ilusão, pois assim Brontë pode se esconder atrás não

apenas do sobrenatural que guia seu personagem, mas também da fala de um ser

ficcional, mas que se passa por real e nos pede que acreditemos em suas

declarações.

Se a principal função da ficção seria criar uma ilusão completa através de sua

narrativa, para criar esse efeito, o autor deve ser especialmente cuidadoso com a

escolha do ponto de vista a partir do qual contar a estória. Friedman aconselha que

12

All the house was still; for I believe all, except St. John and myself, were now retired to rest. The

one candle was dying out: the room was full of moonlight. My heart beat fast and thick: I heard its

throb. Suddenly it stood still to an inexpressible feeling that thrilled it through, and passed at once to

my head and extremities. The feeling was not like an electric shock, but it was quite as sharp, as

strange, as startling: it acted on my senses as if their utmost activity hitherto had been but torpor, from

which they were now summoned and forced to wake. They rose expectant: eye and ear waited while

the flesh quivered on my bones.

13 I mounted to my chamber; locked myself in; fell on my knees; and prayed in my way—a different

way to St. John‘s, but effective in its own fashion. I seemed to penetrate very near a Mighty Spirit; and

my soul rushed out in gratitude at His feet.

38

em casos em que o destaque será dado para ―o crescimento de uma personalidade

à medida que ela reage a experiências, o narrador-protagonista se provará mais

útil‖. (FRIEDMAN, 2002, p 177).

A partir do momento que o autor entrega o papel de narrador a um

personagem, ele abre mão inteiramente de sua voz. Sem a onisciência que o autor

poderia fornecer, o leitor fica limitado ao estado mental e às experiências de um

único personagem, especialmente em romances em primeira pessoa, como a obra

analisada aqui.

3.3 O uso da primeira pessoa

O papel de Jane enquanto protagonista depende fortemente de uma das

características mais marcantes do livro: o uso da primeira pessoa é fundamental

para a força que ela possui dentro do romance.

Discussões sobre o valor do uso da primeira pessoa no romance apresentam

diversos problemas da técnica. Estão entre eles a falta de confiabilidade do

narrador, a dificuldade de justificar sua presença em determinados momentos da

trama e um conhecimento parcial ou tendencioso do narrador. Brontë consegue

construir seu romance contornando esses problemas e lidando bem com eles,

fazendo com que o uso da primeira pessoa sirva bem ao seu papel de disfarce do

autor. Ela conta com a transparência do discurso literário, ―destinada a tornar-nos

presentes as coisas descritas e não o próprio discurso‖ (LEFEBVRE, 1975, pg 44).

De acordo com James Woods (2011), a primeira pessoa destaca o que ele

chama de ‗construção autoral‘, trazendo atenção para o autor e o seu trabalho

dentro do livro. Mas para evitar que isso aconteça, Brontë adota ainda outros

mecanismos para que ela fique nos bastidores e a trama siga seu caminho sem que

suas intervenções fiquem desconfortavelmente óbvias.

O conhecimento do leitor está atrelado às experiências de Jane e o que ela

divide com seu ouvinte. Assim, a narrativa é totalmente dependente do que é

revelado por ela. Felizmente, Jane mostra ser uma narradora confiável e sincera.

Se, como citado acima, a honestidade de alguns narradores em primeira pessoa é

questionável em outros romances, Brontë não enfrenta o mesmo problema por saber

construir bem sua personagem. Além da caracterização que pode ser feita através

da interação de Jane com outros personagens, vemos os esforços da própria Jane

em garantir a imparcialidade de seu depoimento.

39

Ela tem o hábito de fazer análises de si mesma e de suas ações ao longo do

romance.Isso é especialmente importante, já que a confiança do leitor em Jane é

essencial para a criação do pacto ficcional que ocorre entre leitor e trama. Saber que

o caráter de Jane é honesto permite a aceitação da presença do supernatural.

Outro fator que ajuda a suavizar o papel da autora na construção da trama e

que contribui para o papel desempenhado por Jane de narradora confiável é a forma

como ela obtém informações de fatos que ocorreram fora de sua presença. Como

ela não foi capaz de vivenciar o acontecimento, ela deve recorrer a relatos de outros

personagens do livro.

A forma como isso é feito é bastante orgânica, já que o leitor descobre certas

informações junto com Jane. Esse mesmo mecanismo, que aproxima a experiência

do leitor à de Jane está presente em todo o livro. Em diversas cenas ela tenta incluir

sua plateia na situação em que ela se encontra, fazendo uma transição do tempo da

narrativa. Apesar de o livro ser um relato de memórias, em determinadas passagens

– especialmente passagens com um teor dramático mais forte - a narradora traz sua

fala para o presente. Ela divide suas sensações e sentimentos assim como eles

ocorreram naquele exato momento, descrevendo com cuidado a cena, para que o

leitor fique tão imerso como ela mesma esteve.

Edgar F. Shannon explica que:

Em pelo menos sete passagens (o número nao é de importância mística),

variando em duraçao de 20 linhas a quase duas páginas, a autora emprega

esse artifício para transmitir ou tensão emocional crescente ou um novo

momento decisivo na história. (...) Através do presente do indicativo, o leitor,

ao invés de ser exigido que ele acredite em um relato das emoçoes de Jane

no passado, as vivencia no momento que elas surgem (SHANNON, 1950, p.

141, tradução nossa).14

Observemos duas cenas que descrevem bem a sincronia entre leitor e

narrador e a evolução de ambos dentro da trama como participantes que caminham

lado a lado. Shannon usa como exemplo em seu artigo o momento em que Jane, ao

caminhar sozinha por um jardim, percebe a presença de Rochester. A essa altura do

livro as tensões entre os dois estão acumuladas, e esse encontro precede a

proposta de casamento que o patrão faz.

14

In at least seven passages (the number is of no mystical import), varying in length from twenty lines

to almost two pages, the autor employs this device to convey either rising emotional tension or a new

departure in the story (...). Through the present tense, the reader, rather than being called upon to

believe a report of Jane‘s emotions in the past, experiences them at the moment they arise.

40

De muito que as roseiras bravas, as madeiras, os jasmins, os cravos e as

rosas pagavam à noite o seu tributo de incenso, o perfume não era,

entretanto, nem de flor, nem de seiva. Era – eu o conhecia – do charuto de

Mr. Rochester. Olhei em redor, escutei. Vi árvores carregadas de frutos.

Ouvi um Rouxinol cantando a meia milha distante. Não se divisava

nenhuma silhueta móvel, não se percebia nenhum passo aproximando-se.

Mas o odor aumentava. Era preciso escapulir. Corri para a trilha que

conduzia aos arbustos e vi Mr. Rochester entrando‖ (BRONTË, 2008, p.

154).

Primeiramente, o leitor acompanha o passeio de Jane, que descreve os

detalhes das cores do céu e do jardim e dos perfumes das flores. Quando ela é

interrompida pelo cheiro do charuto de Rochester, o leitor também é surpreendido.

Assim, não é apenas Jane que aproveita a beleza do jardim e se surpreende com a

presença de Rochester. Os leitores que a seguem são guiados pelas mesmas

emoções.

Outro exemplo citado por Shannon é o momento em que Jane percebe seu

amor por seu patrão. Ela é forçada a participar de uma festa dada em Thornfield, e a

cena mostra o momento em que Rochester entra no cômodo onde ele e seus

hóspedes se reuniram.

Ele entra por último: eu não estou olhando para o arco, ainda assim o vejo entrar. Eu tento concentrar minha atenção naquelas agulhas de tricô, na malha da bolsa que estou fazendo – eu desejo pensar apenas no trabalho que tenho em minhas mãos, ver apenas as contas prateadas e fios de seda que estão em meu colo; no entanto, eu distintivamente vejo sua figura, e inevitavelmente me lembro do momento em que a vi pela última vez; logo após eu ter prestado a ele o que ele havia considerado ser um serviço essencial, e ele, segurando minhas mãos, e olhando para meu rosto me estudou com olhos que revelaram um coração cheio e ansioso por transbordar; nessas emoções eu desempenhei um papel. O quão perto eu havia me aproximado dele naquele momento! O que havia ocorrido desde então para mudar suas e minhas posições? Ainda agora, o quão distantes e separados estávamos!

15 (BRONTË, 2007, p.166, tradução nossa).

Alguns capítulos antes, ela havia salvado a vida de Rochester. Sua esposa

tinha ateado fogo à sua cama e, entorpecido pela fumaça, ele não havia despertado.

Jane é acordada por ruídos e descobre o incêndio, alertando seu patrão e apagando

o fogo. O momento faz com que eles compartilhem um momento de intimidade

15

He comes in last: I am not looking at the arch, yet I see him enter. I try to concentrate my attention on those netting-needles, on the meshes of the purse I am forming—I wish to think only of the work I have in my hands, to see only the silver beads and silk threads that lie in my lap; whereas, I distinctly behold his figure, and I inevitably recall the moment when I last saw it; just after I had rendered him, what he deemed, an essential service, and he, holding my hand, and looking down on my face, surveyed me with eyes that revealed a heart full and eager to overflow; in whose emotions I had a part. How near had I approached him at that moment! What had occurred since, calculated to change his and my relative positions? Yet now, how distant, how far estranged we were!

41

intensa, mas no dia seguinte Rochester se ausenta da casa durante várias semanas.

A festa é a primeira vez que ela o vê após o incidente.

Jane traz o leitor para o presente e faz com que ele sinta a mesma ansiedade

que ela quando percebe a presença de seu patrão. O nervosismo que impossibilita a

contenção dos sentimentos de Jane é compartilhado, e o leitor também é carregado

para as lembranças que surgem quando a narrativa retorna ao tempo passado. A

fluidez da transição feita por Brontë aproxima o leitor do personagem e a auxilia no

seguimento da trama. A autora revela a paixão de Jane ao mesmo tempo em que

traz mais dramaticidade para a cena. Além disso, essa passagem é essencial para

informar as ações de Rochester em um momento crítico. Jane esperava estar mais

próxima de seu patrão após tê-lo resgatado do incêndio, e o leitor também cria essa

expectativa. As lembranças de Jane retomam para ela e para os leitores as

sensações da conexão estabelecida com Rochester nas semanas anteriores, e a

comparação que ela cria com a postura de seu amado no presente demonstra a

situação atual de frieza e distância. Aqui, Brontë contorna com facilidade e elegância

a ausência de um narrador onisciente, que pudesse ter acesso a todas as

informações e transmití-las sem obstáculos.

Como mencionado anteriormente, a obtenção de informações é um dos

problemas enfrentados por obras que possuem narradores em primeira pessoa.

Informações de eventos que não foram presenciados pelo narrador devem chegar

até ele de forma natural e, além disso, serem confiáveis.

Earl A. Knies (1954) define a segunda ida de Jane à hospedaria local como

uma cena brilhante, por apresentar ironia dramática, naturalidade, ajudar na

construção de suspense nesse momento da trama e ser bastante útil à escritora.

Após ouvir o chamado de Rochester e decidir procurá-lo, Jane volta para Thornfield

e descobre que restam apenas ruínas do local. Em busca de respostas, ela vai até a

hospedaria de uma cidade próxima e, sem se identificar como a antiga governanta

da casa, conversa com o dono.

A inteligência dessa passagem está na simplicidade da forma como a

informação chega até Jane. Na conversa com o estaleiro, ela descobre do acidente

que causou a destruição de Thornfield e a morte da esposa de Rochester, descobre

que ele está vivo e obtém o local onde pode encontrá-lo. Knies ressalta que essa

passagem traz de volta ao romance a intensidade que esteve presente durante o

42

início da trama, mas que pode ter se perdido durante a estadia de Jane na casa de

seus primos.

Respirei. Meu sangue recomeçou a circular, na convicção de que aquelas

palavras significavam que Mr. Edward – o meu Mr. Rochester (que Deus o

abençoasse onde estivesse) ainda era vivo: era, em suma, o atual

proprietário. Animadora expressão! Agora, com relativa calma, eu podia

ouvir tudo o mais, quaisquer que fossem as revelações. Desde que ele não

estava no túmulo – pensei – eu podia saber do seu paradeiro, mesmo que

fosse nos Antípodas (BRONTË, 2008, p. 295).

Jane descobre que durante sua ausência, um incêndio tinha causado não

apenas a destruição de Thornfield, mas também a morte da esposa de Rochester.

Ele tenta salvá-la, algo que deve ser destacado por indicar que apesar de ter vivido

durante anos imerso em maus hábitos, Rochester ainda possuia bondade em força

de caráter. O incêndio traz a redenção de Rochester, que também perde a visão e

uma das mãos no acidente.

Ele se muda com um casal de empregados para outra propriedade, onde

finalmente o casal se reencontra e pode iniciar sua vida juntos. As novas

circunstâncias permitem que eles se casem e tenham um filho, e com o tempo e os

cuidados de Jane, Rochester recuper a visão de um olho. Os personagens são

recompensados divinamente por agirem de modo aprovado por Deus e podem

finalmente ter vidas completas e felizes, deixando para trás as tribulações

enfrentadas em seus passados.

Os diversos exemplos citados ao longo deste capítulo mostram o porquê de

Jane ser uma narradora tão confiável, mesmo que o leitor esteja limitado ao seu

ponto de vista. Assim, em momento algum o leitor duvida da informação transmitida,

da legitimidade dos sentimentos de Jane ou dos valores transmitidos por ela. Isso

proporciona um equilíbrio entre a incerteza do sobrenatural e a palpabilidade das

experiências empíricas de nossa narradora.

Mesmo que o testemunho de Jane tenha momentos bastante incríveis e

fantasiosos, não duvidamos de sua veracidade e passamos a acreditar plenamente

que seja possível que não somente a vida da personagem principal, mas também a

de todos os envolvidos na trama, tenha sido guiada por algo superior a nós mesmos

e, inclusive, à sua própria criadora. O destino parece superar as vontades da

escritora e criar seu próprio caminho. O leitor, encantado com a tecelagem dessa

entidade, espelha as ações de Jane Eyre ao se deixar guiar por entre as páginas.

43

4 A CONSPIRAÇÃO DO ACASO EM HOW I MET YOUR MOTHER

Lidamos constantemente com a oposição entre as incertezas e a fé na

existência de uma ordem universal. Nos encontramos em um impasse entre os dois,

e até mesmo os mais crentes e os mais céticos se questionam em suas certezas,

duvidando de si mesmos e das evidências que os levaram às suas escolhas.

4.1 O numinoso vs. a ciência

Em um debate realizado em 2007 pela Richard Dawkins Foundation for

Reason and Science entre os chamados "Quatro Cavaleiros do Ateísmo"

(Christopher Hitchens, Daniel Dennett, Richard Dawkins e Sam Harris), Hitchens

conta que ao ler as cartas de Madre Teresa de Calcutá, se surpreendeu ao ver que

a fé em sua religião não era uma certeza em sua vida. No debate, ele cita que em

seus escritos, Madre Teresa diz a seus confessores e superiores que não consegue

crer.

Eu não consigo escutar uma voz, eu não consigo sentir a presença, mesmo na missa, mesmo nos sacramentos‖. Nada pequeno. E eles escrevem de volta para ela dizendo, ―(...) isso é bom. É ótimo. Você está sofrendo...isso te dá uma participação na crucificação. Te faz parte do Calvário. (HITCHENS, 2007, tradução nossa)

16.

Para Hitchens, esse é um argumento imbatível na questão da crença, por

afirmar que a sua própria dúvida é a demonstração da fé em si. Mas se até mesmo

uma das maiores representantes da fé católica no mundo não era infalível em sua

fé, como lidar com a incerteza, como lidar com o fato de que nós, seres humanos,

temos o conhecimento e a compreensão real de pouquíssimas coisas no nosso

mundo?

Enquanto uns lidam bem com o não saber e o mistério (como os Quatro

Cavaleiros do Ateísmo), outros precisam do conforto da ordem, preferindo acreditar

em algo que dê algum sentido para as idas e vindas das forças desconhecidas por

nós.

A busca por respostas não se restringiu apenas às religiões. Cientistas

tentaram de diversas formas encontrar provas de que o universo fosse

16

I can‘t hear a voice. I can‘t feel the presence, even in the mass, even in the sacraments‖. No small

thing. And they write back to her saying, ―that‘s good. That‘s great. You‘re suffering … it gives you a share in the crucifixion. It makes you part of Calvary.

44

determinístico. Laplace sugeriu o determinismo científico no século XIX, afirmando

que seria possível encontrar um conjunto de leis científicas que governariam tudo,

até mesmo a forma como os seres humanos se comportam.

A resposta a essa teoria foi o princípio da incerteza, de Werner Heisenberg.

Ele usou a projeção de luz sobre uma partícula para tentar prever sua posição e

velocidade no futuro. Para isso, é necessário conseguir medir precisamente a

posição e velocidade da partícula no momento atual. No livro Uma breve história do

tempo, Stephen Hawking dá uma explicação para leigos do processo.

Algumas ondas de luz se dispersarão pela partícula indicando sua posição. Entretanto, não seremos capazes de determinar a posição da partícula de maneira mais precisa do que através da distância entre as cristas das ondas de luz, de forma que será preciso usar luz de ondas curtas para se ter um grau razoável de confiabilidade no resultado do experimento. Mas segundo a hipótese quântica de Planck

17, não se pode usar uma quantidade

arbitrariamente pequena de luz; temos que usar pelo menos um quantum. Este quantum perturbará a partícula e mudará sua velocidade de forma não previsível. Quanto mais precisamente se medir a posição, mais curta a extensão da onda de luz necessária para atingir a maior energia de um único quantum. Assim, a velocidade da partícula será perturbada por uma quantidade maior. Em outras palavras, quanto mais precisamente se tentar medir a posição da partícula, menos precisamente se pode medir sua velocidade, e vice versa. Heisenberg demonstrou que a incerteza na posição da partícula determina a incerteza em sua velocidade, que determina que a massa da partícula nunca pode ser menor do que uma dada quantidade, conhecida como constante de Planck. Este limite, além disso, não depende de como se tenta medir a posição ou velocidade da partícula, nem do tipo de partícula: o princípio da incerteza de Heisenberg é uma propriedade fundamental e inescapável do mundo. (HAWKING, 1988, p. 87).

O princípio da incerteza força a ciência a reconhecer o acaso, a aleatoriedade

enquanto uma força que move o universo. Até mesmo Einstein teve dificuldade em

aceitar o conceito.

Frente à incerteza, os 'Cavaleiros do Ateísmo' reconhecem o valor da vivência

das perguntas como algo belo, e o desconhecido como o incentivo que moveria a

ciência. Assim, seria necessário aceitar essas questões e até mesmo recebê-las de

braços abertos. Era de se esperar que eles negassem a importância de experiências

sobrenaturais, mas no debate citado aqui, eles valorizam a experiência numinosa,

17 (...) Max Planck sugeriu, em 1900, que a luz, os raios-X e outras ondas pudessem não ser emitidos

a uma razão arbitrária, mas apenas em determinadas quantidades que chamou de quanta. Cada

quantum teria uma certa cota de energia, tanto maior quanto mais alta a frequência das ondas; assim

a uma frequência suficientemente alta, a emissão de um único quantum exigiria mais energia do que

a disponível. Portanto, a radiação em altas frequências seria reduzida e, então, a razão de perda de

energia de um corpo seria finita. (HAWKING, 1988, p. 86)

45

criticando a necessidade de enquadrá-la dentro da ordem de uma divindade

específica.

É um fato triste que as pessoas, em um sentido, não confiem sua própria valoração de suas experiências numinosas. Eles acham que realmente não é tão bom quanto parece, a não ser que seja de Deus, e alguma forma de prova de religião. Não, é tão maravilhoso quanto parece. É tão importante quanto. É o melhor momento da sua vida. E é o momento em que você esquece de si mesmo e se torna algo melhor do que você nunca pensou que pudesse ser de alguma forma. E vê, em toda humildade, a maravilha da natureza. É isso! E isso é maravilhoso. Mas, não acrescente nada a isso como, meu deus, isso deve ter que ter sido dado a mim por alguém ainda mais maravilhoso". (DENNETT, 2007, tradução nossa)

18.

O que Dennett faz com essa afirmação é tirar o numinoso, o sobrenatural, da

ordem onde ele é incluído por religiões, como uma manifestação de forças

espirituais, e trazê-lo para o incerto.

4.2 A sincronicidade Jungiana

Leibniz fala de uma "harmonia preestabelecida". Neste modelo, o universo

seria constituído de unidades que, enquanto partes individuais, estariam conectadas

e se relacionariam entre si. "Todo corpo reage a tudo que acontece no universo, de

tal sorte que, se alguém pudesse perceber tudo, poderia ler em cada coisa o que

está acontecendo em toda parte". (LEIBNIZ apud PROGOFF, 1973, p. 66).

Este conceito foi absorvido por Jung, que acreditava que para compreender a

não racionalidade do inconsciente dos seus pacientes era preciso buscar um maior

entendimento de práticas que fugiam às explicações da ciência. As conclusões

obtidas com esses métodos seriam verdadeiras por atingirem essa paisagem

inconsciente através de percepções simbólicas. Isso atenderia melhor aos objetivos

de Jung dentro do seu entendimento da prática psicoterápica.

Isso deu origem aos seus escritos sobre o conceito da sincronicidade,

definida a partir da observação que Jung fez de pontos comuns entre ocorrências

em sonhos e no modo de interpretação sugerido por textos orientais clássicos. O

18

It‘s a sad fact that people, in a sense, won‘t trust their own valuing of their numinous experiences. They think it isn‘t really as good as it seems, unless it‘s from God, and some kind of a proof of religion. No, it‘s just as wonderful as it seems. It‘s just as important. It is the best moment in your life. And it‘s the moment when you forget yourself and become better than you ever thought you could be in some way. And see, in all humbleness, the wonderfulness of nature. That‘s it! And that‘s wonderful. But, it doesn‘t add anything to say, golly, that has to have been given to me by somebody even more wonderful.

46

pontapé inicial desse conceito também teve contribuições de grandes cientistas da

época. Ao conversar com Albert Einstein, Nils Bohr e Wolfgang Pauli, Jung chegou à

conclusão de que o átomo não seria apenas a unidade básica do mundo físico, mas

também a unidade básica da psique humana.

Observando a analogia, Jung imaginou que, se grandes quantidades de

energia podiam ser liberadas rompendo-se a unidade elementar do átomo,

quantidades equivalentes de energia poderiam ser produzidas se se

abrissem de igual maneira as profundezas da psique. (PROGOFF, 1973, p.

9).

Os trabalhos de Jung sobre a sincronicidade foram muito mal recebidos, em

parte por apresentarem conceitos abstratos, cuja natureza impossibilitava uma

explicação definitiva. Mas eles também foram rejeitados por irem contra um dos

conceitos mais presentes na modernidade - a causalidade.

A crença na primazia da causa e efeito é um dos dogmas centrais da visão

ocidental de vida. Em nossa época, certamente encontramos menos

oposição ao questionamento de qualquer doutrina religiosa, do que ao

questionamento do princípio elementar de causalidade. (PROGOFF, 1973,

p.47).

Porém, Jung parte do pressuposto estabelecido por David Hume (apud

PROGOFF, 1973) de que a causalidade é algo atribuído a eventos pelo observador.

Ela tampouco seria algo concreto, mas apenas deduzido. Assim,

epistemologicamente, seria equivocado determinar a causalidade como algo factual.

Assim como a sincronicidade, ela teria apenas o valor experimental. A diferença de

abordagem dos dois conceitos seria devido à racionalidade humana, que por

questões práticas elegeu a causalidade como lei, fazendo com que ela se tornasse

um ―hábito universal de pensamento‖.

Jung levou essa ideia além, trazendo os arquétipos para suas

experimentações, obtendo então uma compreensão maior da profundidade psíquica

de seus pacientes - algo que não era acessível a outros pesquisadores. Assim, um

dos objetivos destas pesquisas de Jung era mostrar de que formas o mundo poderia

ser compreendido caso fossem consideradas outras opções além da causalidade. O

desenvolvimento do seu argumento busca expandir o pensamento científico,

buscando uma abordagem psíquica de fenômenos que nos mostrariam outras

facetas na natureza do ser humano e do mundo.

47

Uma das formas utilizadas por Jung para ter acesso à sincronicidade do

universo de forma indireta foi o texto clássico chinês I Ching, também conhecido

como Livro das Mutações. Não se sabe a data exata de seu surgimento, mas

acredita-se que suas primeiras versões datem de antes de 1150 AEC. A autoria da

obra também é incerta sendo atribuída ao ser mítico Fu Hsi e possuindo textos

contribuídos pelo rei Wên, o duque de Chou e Confúcio. Inicialmente, o livro era

visto apenas como um livro de filosofia. Sua função oracular foi adotada mais tarde,

por volta de 206 AEC.

Apesar de não haver uma explicação da forma como o I Ching pode obter

respostas confiáveis, o oráculo é usado em todo o mundo. O método consiste no

lançamento de três moedas, seis vezes consecutivas, e na consulta do livro, que

traz a interpretação dos lançamentos de acordo com a formação de hexagramas. A

interpretação dos hexagramas mostra ao consulente respostas para indagações.

Desta forma, o lançamento das moedas e o resultado obtido estariam se

relacionando, de uma forma não compreendida, com o universo particular desse

indivíduo. As moedas cairiam de uma forma significativa para esta pessoa, de

acordo com suas experiências passadas e futuras de vida e o funcionamento das

forças universais de uma forma geral.

Dois elementos distintos estão presentes na experiência do I Ching. Um é a

situação, num dado momento de tempo, da vida de uma determinada

pessoa. O outro é o ato de lançar as moedas e relacioná-lo, através de uma

fórmula definida, a um texto antigo. É óbvio que eles não estão ligados entre

si por um elo causal, mas, ainda assim mantêm uma relação significativa.

Dessa forma, no momento em que se encontram, algo de extraordinário,

precioso, acontece.

Superficialmente, parece tratar-se de acaso. Mas, para Jung, era

evidentemente algo mais do que mero acaso, se bem que não se tratasse

também de causalidade. (PROGOFF, 1973, p. 45).

Para Jung, a dimensão interna da experiência humana, inacessível aos

métodos científicos tradicionais, se abre diante da sincronicidade. A inclusão de

conceitos teleológicos dentro da causalidade, considerando-se que cada ser tenha

um propósito inerente de vida que seja orientado pelos seus aspectos interiores

funcionaria exatamente a partir do acaso, que seria essencial para a realização

deste propósito final. O conceito de acaso significativo (ou coincidência significativa)

relaciona situações cotidianas a um propósito que, ao se desenvolver, se tornaria o

destino do indivíduo. O mundo físico se comunicaria com o mundo interior – a alma,

48

por assim dizer – do indivíduo. Como explica Progoff (1973), os corpos agiriam por

leis causais eficientes, já a alma agiria de acordo com as leis teleológicas, que a

auxiliariam na busca da realização do seu destino existencial.

Progoff cita um exemplo de como isso poderia ser visto no dia a dia de

alguém, sem o uso de oráculos. Um indivíduo está passando por um problema, mas

não o divide com ninguém. Neste momento, ele recebe a visita de uma pessoa, que

não está de qualquer forma relacionada a aquela situação. O indivíduo e sua visita

conversam sobre temas diversos, até que, sem que saiba, o visitante faz um

comentário que traz a resposta para os problemas do indivíduo. Lembrando que ele

não sabia absolutamente nada sobre as indagações do outro e não possuía a

intenção de oferecer conselhos, como pode ser que ele trouxe exatamente a

resposta para o problema não mencionado?

Pode-se traçar um elo causal até certo ponto dessa situação. A visita não é

aleatória, já que essas pessoas se conheceram de alguma forma e possuem um

contexto passado em comum, que teria levado até a ocorrência da visita. Este

evento possui uma relação causal, mas ela para aí. A forma como o visitante trouxe

uma solução para o problema do indivíduo em questão seria uma coincidência

significativa.

Já que a causalidade em si não abrange o fato da coincidência, o mais que podemos dizer é que os eventos do tipo causa e efeito fornecem as matérias-primas com as quais se realizam as coincidências significativas. A significância destas coincidências – isto é, a qualidade especial de significado que faz delas não apenas eventos não relacionados, mas sim coincidências verdadeiras – não deriva, de nodo algum, dos fatores circunstanciais que podem ser reconstituídos em termos de causalidade (PROGOFF, 1973, p. 55).

Dessa forma, Jung foi capaz de iluminar uma área sobre a qual pouco se

sabe. Apesar de não obter respostas definitivas e de não ter sido bem recebida

inicialmente, a obra de Jung que aborda a sincronicidade traz propostas

interessantes de interpretação das coincidências percebidas em nosso dia a dia.

4.3 O Universo como personagem

Um produto midiático em que as forças desconhecidas do universo são

determinantes e criadoras de significado é o sitcom How I Met Your Mother (em

tradução livre, Como Conheci Sua Mãe), que estreou no canal CBS em 19 de

setembro de 2005. Criado por Carter Bays e Craig Thomas, no seriado, o acaso e o

49

destino são vistos como forças confiáveis, que exercem efeitos marcantes nas vidas

dos seres humanos. Neste sitcom, o personagem Ted conta para seus filhos como

conheceu sua esposa Tracy.

O roteiro apresenta analepses e prolepses que mostram a relação que os

personagens têm com as forças do acaso e do destino e que também funcionam

como uma ferramenta para os roteiristas recuperarem a história do grupo, permitindo

que eles os mostrem aos espectadores.

Ao longo das temporadas Ted descreve as situações mais importantes que

viveu com seu grupo de amigos (Marshall, Lily, Barney, Robin), mas sem contar

diretamente em qual momento exato conheceu a mulher com quem se casou. Essa

informação só é revelada na última temporada. Ele dá dicas, mostrando os

caminhos e as coincidências que o levaram a conhecê-la. Para Ted, o Universo

funcionava de forma que ele fosse levado a encontrar a mulher dos seus sonhos, e

durante o período de tempo em que teve que esperar pelo encontro, o Universo foi

vagarosamente unindo os dois.

Mas antes que isso acontecesse, Ted cometeu diversos erros, às vezes

contrariando até mesmo as próprias regras que ele estabeleceu para si mesmo para

a interpretação dos sinais enviados pelo Universo. Porém, inevitavelmente, ele

atinge seu objetivo no final. Como falamos nas páginas anteriores, o corpo responde

às leis causais, mas a alma obedeceria a leis que buscassem a conclusão do

objetivo maior do ser. Assim, ela seria a responsável pela conexão entre o ser e o

acaso, ou seja, a reunião aparentemente aleatória e acidental de fatores que não

poderiam ser ligadas a elos causais, mas que estariam relacionadas ao âmago de

um ser, levando-o à realização do seu destino.

Como o Universo no seriado é uma força onipresente e onisciente, ele

participa da trama do seriado. Sua participação é essencial, e em diversos

momentos os personagens se referem a ele diretamente, como se ele fosse outro

integrante do grupo. Além disso, o Universo é responsabilizado por diversas ações

na trama, como se ele diretamente escolhesse interagir com os personagens.

No primeiro episódio da primeira temporada (Pilot), Ted conhece Robin e os

dois tem um encontro mal sucedido. Eles ficam amigos, mas Ted ainda está

apaixonado por ela. Suas primeiras tentativas de iniciar um relacionamento com ela

não têm sucesso, e então ele desiste.

50

Ted estava cansado de tentar encontrar a mulher perfeita para ele através de

métodos convencionais (bares, cafés, shows) e decide que talvez fosse melhor

contar com métodos científicos. Ele cria um perfil em um site de encontros, que

consegue pareá-lo com apenas uma mulher, que seria absolutamente perfeita para

ele. No último momento, ele desiste desse encontro e prefere correr atrás de Robin.

Assim, no último episódio da temporada (Come On), Ted tenta conquista-la uma

última vez. Frente aos fracassos anteriores, seus amigos (que também compartilham

da opinião de Ted quanto à onipotência do Universo) tentam dissuadi-lo.

Barney: Robin de novo? Ted, o Universo claramente não quer que você e a Robin fiquem juntos. Não irrite o Universo. O Universo vai te dar um tapa. Ted: Mas você não acha que o Universo tem coisas mais importantes para se preocupar do que a minha vida amorosa? Marshall: A menos que a sua vida amorosa seja a cola mantendo todo o Universo junto.... Uau. Arrepios. Alguém mais sentiu arrepios? Ted: Olha, eu entendo que nós já fomos por esse caminho antes, mas o fato é que, o que quer que eu faça, tudo sempre acaba voltando para a Robin, então...eu tenho que fazer isso. (Barney dá um tapa nele) Ted: Ai! Que diabos? Barney: Isso não fui eu. Foi o Universo.

19 (HOW I MET YOUR MOTHER,

2006, temp. 1, ep. 22, tradução nossa).

Sua nova tentativa também é mal sucedida. Robin não consegue dar uma

resposta, dizendo que esse relacionamento não estava destinado a acontecer. Ted

ainda assim não fica satisfeito e decide obter um ato divino que mostrasse a Robin

que sim, o namoro dos dois poderia dar certo e teria, inclusive, o aval do Universo.

Robin tinha uma viagem de acampamento planejada com um colega de

trabalho interessado nela. A única coisa que impediria essa viagem seria mau

tempo. Assim, Ted chama uma conhecida especialista em cultura nativo americana

e pede que ela o ensine a fazer a dança da chuva. Apesar de ela não conhecer a

coreografia correta, ele dança uma versão improvisada por horas, sem obter

resultados. Frustrado, ele grita para o Universo, demandando atenção.

Barney: Ted, o que você está fazendo? Ted: Uma Dança da Chuva. Barney: Cara, isso não é uma Dança da Chuva. Isso é uma criança gorda com uma abelha nas calças.

19

Barney: Robin again? Ted, the universe clearly does not want you and Robin to be together. Don't piss off the universe. The universe will slap you. / Ted Mosby: But don't you think the universe has more important things to worry about than my dating life? / Marshall Eriksen: Unless your dating life is the glue holding the entire universe together... Whoa. Chills. Anybody else get chills? / Ted Mosby: Look, I realize we've been down this road before, but the fact is, whatever I do, it all keeps coming back to Robin, so... I gotta do this. / [Barney slaps him] / Ted Mosby: Ow! What the hell? / Barney: That wasn't me. That was the universe.

51

Ted: Olha, eu duvido muito que o Grande Espírito seja rigoroso com coreografia. É a intenção que conta. Ela está saindo em meia hora. Barney: Esses são os seus anos mais legais. Você está desperdiçando eles nessa garota. Isso não vai funcionar! Ted: Sim. Eu sei disso. Barney: Bem, então por que você está fazendo isso? Ted: Porque eu amo ela. Eu amo ela! Eu falei isso pra ela na primeira noite em que nós saímos, e aqui estamos, oito meses depois, e nada mudou. Então sim, eu sei que isso não vai funcionar. Mas isso tem que funcionar! Você está me escutando, Universo? Este é o Ted Mosby falando! Me dê chuva! Vamos! Vamos! Vamos! Vamos! (Começa a chover) Barney: Ah, qual é?

20 (HOW I MET YOUR MOTHER, 2006, temp. 1, ep. 22,

tradução nossa).

Ele então volta à casa de Robin e ela finalmente aceita começar um namoro

com ele.

Um exemplo interessante de como os personagens dependem do Universo é

a presença de doppelgängers dos personagens principais no seriado. Um

doppelgänger é, originalmente, um monstro alemão que assumia a imagem de uma

pessoa viva, trazendo maus presságios. Lendas semelhantes fazem parte da

mitologia de diversas culturas, como a egípcia, nórdica e finlandesa. Porém, nos

dias de hoje, a palavra representa apenas alguém se seja muito semelhante a uma

pessoa, sem possuir qualquer significado supernatural ou sinistro.

Os personagens Marshall e Lily estavam em um impasse: ele estava pronto

para ter um bebê, mas ela não. Sem conseguirem chegar a uma decisão, eles

escolhem contar com as forças do Universo. Ao longo do seriado os personagens

encontraram doppelgängers de quatro dos cinco amigos do grupo. As aparições

sempre aconteciam por acaso, em momentos aleatórios. Assim, encontrar o duplo

do quinto amigo (Barney) seria claramente um sinal do Universo, indicando que o

momento correto havia chegado. Ao deixarem a decisão de algo tão importante nas

mãos de uma força onisciente, vemos que os personagens acreditam mais no bom

senso dessa força do que em suas próprias capacidades de escolher corretamente o

caminho a seguir. Ao depositarem essa fé no que eles chamam de Universo, a

20

Barney: Hey, Ted. Whatcha doing? / Ted: A rain dance. Barney: Dude, that‘s not a rain dance.

That‘s a fat kid with a bee in his pants. / Ted: Look, I highly doubt the Great Spirit is a stickler for

choreography. It‘s the thought that counts. She‘s leaving in half an hour. / Barney: These are your

awesome years. You‘re wasting them on this girl. This isn‘t gonna work! / Ted: Yeah. I know that.

Barney: Well, then why are you doing this? / Ted: Because I love her. I love her! I told her that the first

night we went out, and here it is, eight months later, and nothing‘s changed. So yes, I know this isn‘t

gonna work. But it has to work! You hear me, Universe! This is Ted Mosby talking! Give me some rain!

Come on! Come on! Come on! Come on! /(Rain starts falling down) / Barney: Oh, come on!

52

ansiedade da dúvida é transferida. Não há mais a necessidade de eles lidarem com

a incerteza que rodeia essa gravidez, pois a responsabilidade deixa de ser do casal.

Há um objeto presente em grande parte do seriado que mostra o quão

marcante é a conexão entre os personagens e o Universo e como ela é responsável

pelo desenvolvimento da trama. No décimo segundo episódio da terceira temporada

(No Tomorrow), após ir a uma festa de dia de São Patrício, Ted encontra uma

sombrinha amarela. Este objeto pertencia à futura esposa de Ted, que também

estava na festa e a perdeu lá. Ela se torna um ícone de como o público e o próprio

protagonista reconhecerão essa personagem. A sombrinha amarela é também um

objeto que liga Ted à esposa, mesmo que eles não tenham se encontrado no

seriado, ela mostra que de certa forma o Universo antecipa a associação e o

relacionamento que está previsto para eles em seus destinos.

Nesta situação específica, podemos retomar as coincidências significativas de

Jung e demonstrar como elas funcionariam no contexto específico do seriado. Ted

tinha um motivo para estar especificamente nessa boate naquela noite. Assim como

sua futura esposa. Até esse momento, a linha da causalidade pode ser estabelecida.

Mas os fatores que levaram Ted a encontrar a sombrinha já fogem dessa regra. Ele

precisa voltar a boate porque havia esquecido seu celular. Quando ele sai, percebe

que começou a chover, e então volta ao interior da boate, onde ele encontra uma

sombrinha amarela que ele usa para se proteger da chuva.

Ele fica com ela durante duas temporadas. A sombrinha só volta para a futura

esposa de Ted no décimo segundo episódio da quinta temporada (Girls Versus

Suits). Ted está saindo com uma mulher cuja colega de apartamento é a futura

esposa de Ted. Ele vai até o apartamento de sua namorada e eles terminam. Ele

havia levado consigo a sombrinha amarela, mas ao sair a esquece, fazendo com

que ela volte para sua dona original. Quando Ted e Tracy finalmente se encontram,

ela está com a sombrinha. Esse é, finalmente, o momento que dá início ao

relacionamento dos dois.

Em todas as situações em que seus caminhos se cruzam, há explicações

causais para que os personagens estejam nos locais que estão, naquele mesmo

momento. Mas não é possível encontrar um motivo causal para que a sombrinha

seja um ponto de conexão entre os dois sem que eles ao menos se conheçam.

Assim, nos voltamos para a sincronicidade do Universo do seriado para entender o

porquê dessa questão. A sombrinha amarela seria um indicativo de que apesar de

53

as vidas de Ted e Tracy estarem fluindo separadamente, o destino já havia

predestinado que em algum momento eles se juntariam. A sombrinha é um símbolo

da conexão cósmica que os dois compartilhavam, mesmo que eles não soubessem

que ela existia.

Uma passagem do livro de Progoff pode ser aplicada aqui, mesmo que sua

função original fosse explicar o exemplo do visitante com a resposta de um

problema, citado por ele em seu texto e reproduzido nas páginas anteriores deste

mesmo capítulo. Seu uso aqui tem o objetivo de mostrar como as duas situações se

encaixam dentro do mesmo conceito da coincidência significativa.

Quando você e seu visitante21

se reúnem, cada qual possui uma experiência de vida que se estende até o passado em termos de causa e efeito, e tudo converge para aquele momento determinado do encontro entre ambos. A chegada de cada um até o ponto em que estão se cumprimentando e começando a conversar representa a culminação de uma linha vertical de desenvolvimento que se move num fluxo contínuo desde o passado e atua separadamente sobre cada um, em termos de pressões e do quadro de experiência própria de cada pessoa.

No momento em que os dois se encontram, porém, toda esta causalidade ligada ao passado torna-se parte de uma constelação do presente, parte de um esquema que atravessa horizontalmente o tempo e ao qual a categoria de causalidade, que é em essência vertical – ou seja, contínua no tempo – não pode se aplicar. (PROGOFF, 1973, p. 54).

Assim vemos como o acaso é algo extremamente relevante no seriado.

Dando a ele o nome de ‗Universo‘, os roteiristas conseguem guiar os personagens

até o objetivo da trama e justificar relacionamentos e atitudes que, de outra forma,

poderiam não ser tão bem interligadas dentro do roteiro.

4.4 Relação com o público

Há também a questão de as intervenções universais dentro do seriado serem

um grande diferencial. Os roteiristas contam com a relação que o público tem com

forças como o destino e o acaso em suas crenças pessoais. Essa familiaridade faria

com que a audiência formasse um relacionamento mais próximo com o seriado.

Quando o público de uma obra ficcional decide consumi-la, precisa entender

que seu mundo interior pode ser baseado na realidade, mas que ele não

necessariamente ficará limitado às suas regras. ―De início, quando lemos ficção,

entabulamos um acordo tácito com seu autor, que finge ser verdadeiro aquilo que

21

Nota da autora: Ted e Tracy, para nossos propósitos.

54

escreveu e nos pede que finjamos que levamos a sério‖. (ECO, 2013, p. 72).

Porém, quando lidamos com crenças como o destino e forças semelhantes,

deve-se levar em conta que elas fazem parte da realidade cotidiana de grande parte

desse público. Aliás, para Eco, a forma como o destino de certos personagens é

absoluto, mesmo que eles tentem fugir dele, tem muito a dizer quanto à atitude

humana. Os leitores e espectadores refletiriam sobre o seu próprio mundo real da

mesma forma que os habitantes do mundo da ficção refletem sobre o seu. ―A ficção

sugere que nossa perspectiva do mundo verdadeiro talvez seja tão imperfeita quanto

a visão que os personagens de ficção têm de seu mundo‖. (ECO, 2013, p. 108).

Assim, personagens bem criados por seus autores seriam representações fiéis da

condição existencial do público.

O exemplo da sombrinha amarela e outros casos vistos no seriado levaram o

público a reconhecer o papel de criador de significados que o Universo tem dentro

do programa e aprendem a contar com ela dentro do contexto dos personagens,

estando atentos a sinais que possam estar inseridos no roteiro.

De acordo com Toby Miller apud Marcel Vieira Barreto Silva, ―a televisão em

seu modelo tradicional, mesmo diante das transformações tecnológicas e culturais

em curso, ainda é o meio de comunicação dominante nos Estados Unidos‖. (SILVA,

2013, p.16). O mesmo é válido para o Brasil, e esse fato faz com que o acesso ao

público seja mais amplo e expressivo.

A internet permite que o público amplie seu interesse pelo seriado, buscando

mais informações e maior interação com o programa em redes sociais e fóruns. De

acordo com Marcel Vieira Barreto Silva, a chamada cultura das séries se tornou mais

forte devido à articulação entre a inovação de formatos narrativos, o contexto

tecnológico e as diversas formas de consumo atuais. Assim, essa cultura está se

definindo como:

(...) um cenário cultural singular com suas próprias e específicas dinâmicas

de produção, circulação e consumo. Mesmo se circunscrevendo a um

universo audiovisual sobretudo estrangeiro (e mais especificamente norte-

americano), é fundamental aqui no Brasil que voltemos a atenção para

essas dinâmicas, visto que elas estão presentes nas práticas culturais de

inúmeras pessoas, influenciando novos roteiristas e diretores, tornando-se

referência para nossos próprios programas (SILVA, 2013, p.16).

O público se torna mais presente e atuante nesse espaço, e isso deixa mais

claro como essas pessoas se identificam (ou não) com o produto. No caso de How I

55

Met Your Mother, esse aspecto é bastante expressivo, especialmente agora que o

seriado se aproxima de sua temporada final.

No Tumblr, uma comunidade virtual onde usuários produzem e compartilham

textos, imagens, etc sobre diversos temas, uma imagem recebeu 64,114 anotações

(até a produção deste texto). Ou seja, compartilhamentos, comentários e cliques em

um ícone em forma de coração, que indica que o internauta "gostou" da postagem.

Nela, o usuário do Tumblr rustyoldboat postou uma lista (Figura 1) de coisas que fãs

aprenderam com How I Met Your Mother. Estão escritos bordões dos personagens,

valores tirados de falas e lições que os próprios personagens aprenderam ao longo

do seriado. O segundo e o terceiro tópico da lista criada pelo usuário são destinados

à relação que os personagens têm com o Universo. O segundo tópico diz que não

se deve correr "atrás do que não funciona", mas sim deixar o Universo assumir a

situação. O terceiro afirma que "as coisas acontecem por uma razão". A ideia geral

que pode ser retirada do seriado, é que as forças universais conspiram ao favor dos

personagens, fazendo com que eles passem por provações, aprendam, e então

cheguem aonde devem estar para conseguirem o que desejavam. Os espectadores

parecem compreender essa ideia e até mesmo adotá-la como algo para suas

próprias vidas.

Essa atitude não é muito diferente daquela vista quando o romance começou

a se popularizar, cerca de 1800. O crescimento do interesse na literatura aumentava

também o fascínio por ela. ―As pessoas procuravam pela vida por trás da literatura e,

de maneira contrária, estavam fascinadas pela perspectiva que a literatura podia

formar da vida‖ (SAFRANSKI, 2010, p. 49).

O perfil himymconfession publica opiniões e impressões enviadas pelos fãs

do seriado. Uma das publicações (Figura 2) é a confissão de um espectador que diz

que algumas pessoas que assistem o seriado podem não perceber que para que

Ted conhecesse sua esposa ele tinha que terminar seu relacionamento com uma de

suas namoradas (a personagem Robin). Após Ted e Robin se separarem, ela se

torna parte do seu grupo de amigos e se casa com Barney. Na festa de casamento

dos dois, Ted conhece a mulher com quem ele se casa no final. Outra publicação

abordando esse mesmo tema (Figura 3) traz um espectador falando que esse

acontecimento na vida de Ted é inspirador, mostrando que certas coisas devem ser

desfeitas para que coisas melhores venham.

56

Figura 1 – Lições de vida de How I Met Your Mother

Fonte: imagem de rustyoldboat

57

Figura 2 – Confissão 1

Fonte: himymconfessions22

Figura 3 – Confissão 2

Fonte: himymconfessions23

22

Eu meio que acho que o que as pessoas não entendem é que sem o Swarkles (n.a: nome dado pelos fãs ao casal

Barney e Robin), Ted nunca teria conhecido a mãe. 23

Como o Ted, eu recentemente perdi a minha Robin, que provavelmente era o amor da minha vida. Mas ver a

58

Vemos claramente como alguns espectadores podem relacionar conceitos da

série com suas vidas. Safranski explica que ―a leitura intensificada faz com que a

vida e a leitura se aproximem‖. (SAFRANSKI, 2010, p. 49). O mesmo ocorre com

programas televisivos. O público pode se interessar tanto por aquilo que vê no ecrã

que procura encontrar elementos semelhantes em sua vida, transformando a ficção

em vivência. Ao se identificarem com os modelos de seriados, filmes, etc. O

espectador passa a buscar que seu cotidiano espelhe a dramaticidade ficcional.

Tanto os fãs da série, que escolhem contar com forças universais em suas

vidas, quanto os cientistas, que preferem crer na aleatoriedade e na incerteza,

fizeram escolhas em um salto de fé. A preferência de cada se relacionará ao seu

espaço onírico.

(P)essoas de diferentes culturas habitam mundos sensórios distintos e, portanto, espaços potencialmente distintos. A origem dessa afirmação está em que o mundo é percebido através de filtros culturais que são formados por alguns elementos biológicos inerentes ao ser humano, e outros que se diferenciam entre culturas. (DUARTE, 2002, p. 52).

Apesar de as afirmações individuais e de suas explicações particulares para

suas dúvidas, ambos os espaços onde habitam a aleatoriedade e a tautocronia são

vivenciados por uma mesma pessoa de forma cotidiana. Eles se comunicam e se

entrelaçam, de forma que seus limites e domínios são incertos até mesmo para os

mais determinados. Um crente reconhece a improbabilidade de sua fé e o ateu

reconhece o valor da experiência sobrenatural. Mas a incerteza e a permanência

inevitável do mistério ainda dominam.

Mãe me dá tanta esperança. Boas coisas devem acabar para que coisas melhores apareçam.

59

5 A ORDEM FUGIDIA EM A MULHER DO VIAJANTE NO TEMPO

Se em Jane Eyre e em How I Met Your Mother o acaso é determinado por

forças conhecidas e bem compreendidas pelos personagens, em A mulher do

viajante do tempo (A Esposa do Viajante do Tempo) o desconhecido é imperativo.

Os personagens se perdem nas forças particulares desse universo e conhecem

muito pouco sobre sua realidade.

O livro conta a história de Henry e Clare. Henry tem uma condição genética

que faz com que ele viaje involuntariamente entre o passado, o presente e o futuro.

A trama é contada por esses dois personagens, alternando entre seus pontos de

vista. Assim acompanhamos Henry em seus deslocamentos, mas somos ancorados

pela continuidade temporal de Clare, que também dá ao leitor outra visão da doença

de seu esposo.

O livro não traz questionamentos religiosos ou supersticiosos, passando

apenas ocasionalmente por essas questões, sem que elas tenham peso na trama.

Ao invés disso, Niffenegger parece buscar seu embasamento na ciência. As

explicações que os personagens encontram para as viagens temporais de Henry e

as consequências que podem partir delas ecoam teorias que seriam encontradas em

textos científicos.

5.1 Linha de Mundo de Einstein

Albert Einstein desenvolveu o método da linha de mundo para organizar

paradoxos temporais. Michio Kaku (2000) divide esses paradoxos em duas

categorias. Na primeira, a viagem no tempo é responsável por alterações em fatos já

estabelecidos na estrutura espaço-tempo. A segunda categoria inclui eventos que

não possuem começo nem fim.

Acompanhar uma trama em que personagens se deslocam constantemente

através do tempo, se encontrando com versões passadas e presentes de si mesmos

e de outros, pode ser confuso. A linha de mundo agrupa todas as informações que

dizem respeito a esse personagem, como uma biografia.

Na teoria da relatividade de Einstein, é impossível interromper e retomar uma

linha de mundo. Quando o personagem retorna ao passado não o está destruindo, e

60

sim ajudando sua realização. E por isso, dentro do conceito de Einstein, o passado

não poderia ser modificado em uma viagem temporal.

Apesar de nem personagens nem autora citarem Einstein, Henry comprova a

efetividade dessa regra, contrariando um costume do gênero, que determina que o

viajante evite contato com pessoas do passado. Voltando a momentos traumáticos

em sua vida, ele percebe que o passado continua o mesmo apesar de seus esforços

para muda-lo. Ele tenta impedir a morte da mãe, brigas com o pai, mas o que já

havia ocorrido no passado permanece, e ele é forçado a viver essas mesmas

situações novamente.

É parte das regras. Pessoas que viajam no tempo não devem sair por aí falando com pessoas normais quando eles visitam seus tempos, porque nós podemos bagunçar as coisas. Na verdade, eu não acredito nisso; as coisas acontecem do jeito que elas aconteceram uma vez e apenas uma vez. Eu não sou um proponente de universos em divisão. (NIFFENEGGER, 2004 p 48).

24

5.2 Distúrbio cronológico e realismo

A ciência também está fortemente presente em um dos pontos chave do livro.

Henry descobre ao longo da história que o que causa suas viagens é um distúrbio

genético. Não é um dom especial dado a ele para que ele atingisse um objetivo

maior, e sim um acidente genético. Ainda assim a explicação é insuficiente e

inexata. A autora escolhe não explicar as particularidades da doença de Henry.

Cientificamente, o leitor recebe apenas três linhas de informação fragmentada,

obtidas indiretamente por Clare enquanto seu marido conversava com seu médico

ao telefone. ―4 genes: per 4, ausência de tempo1, Relógio, novo gene = viajante no

tempo?? Crom = 17 x 2, 4, 25, 200 + repete TAG, ligado ao sexo? Não, + receptores

de dopamina demais, que proteínas???‖ (NIFFENEGGER, 2004, p. 322).25

O resto do que é sabido dessa doença é adquirido da mesma forma pelo leitor

e pelos personagens – empiricamente. Enquanto Henry explica para a esposa aquilo

que ele aprendeu e os dois dividem suas experiências, o leitor apreende essa

informação. Os personagens são a fonte principal de informação. As explicações

24 ‘Its part of the rules. People who time travel aren‘t supposed to go around talking to regular people

while they visit their times, because we might mess things up‘. Actually, I don‘t believe this; things happen the way they happened, once and only once. I‘m not a proponent of splitting universes.

25

4 genes: per4, timeless1, Clock, new gene = timetraveller?? Chrom = 17 x 2, 4, 25, 200+ repeats

TAG, sex linked? No, +too many dopamine recpts, what proteins???

61

fisiológicas para as viagens de Henry são secundárias. As questões centrais que

rodeiam a condição de Henry são suas relações com outras pessoas e os

questionamentos existenciais que surgem a partir das viagens.

O fato de a ciência ser a escolha para a explicação de algo tão absurdo e

fantasioso demonstra a intenção da autora de aproximar essa questão da realidade.

Em tempos em que o acesso ao conhecimento científico foi facilitado com os

avanços na comunicação, a população em geral se aproximou desse tipo de

conteúdo. Com isso, a ciência se popularizou a ponto de se tornar tema de seriados

famosos em todo o mundo, ganhou espaço dentro de talk shows e cientistas como

Bill Nye e Neil Degrasse Tyson se tornaram celebridades. Assim, é compreensível

que mais pessoas se voltem para o tema.

Joseph Conrad (assim como os cavaleiros do ateísmo, citados no capítulo

anterior) defende o maravilhoso dentro da experiência humana, mas mantendo-o

como mistério e excluindo a religião e outras linhas de pensamento que trariam

essas experiências para o sobrenatural.

Não, eu sou firme demais na minha consciência do maravilhoso para ser fascinado pelo mero sobrenatural que (tome como você quiser) é apenas um artigo manufaturado, a fabricação de mentes insensíveis às delicadezas íntimas das nossas relações com os mortos e os vivos, em suas multitudes incontáveis; uma profanação de nossas memórias mais ternas; um ultraje à nossa dignidade. (CONRAD apud HITCHENS, 2007, p. 85).

26

Outro fator que aproxima a viagem no tempo de Henry da realidade é a

referenciação que a autora faz à cidade onde Henry e Clare vivem e o contexto

cultural em que o casal está inserido. Chicago é mencionada com frequência, e

acompanhamos a vivência que o casal tem do espaço urbano e o relacionamento

que eles desenvolvem com locais específicos. Ambos citam bandas e autores não

ficcionais também com frequência. Isso aproxima os personagens de um público que

também está inserido em um universo que inclui esses mesmos elementos, mesmo

que este mundo seja real e aquele imaginário.

Como explica Mᵃ Ángeles Martinez García, ―existem autores que estabelecem

todo um inventário de objetos que obedecem a um nível ou outro de combinação

25

No, I am too firm in my consciousness of the marvelous to be ever fascinated by the mere supernatural which (take it any way you like) is but a manufactured article, the fabrication of minds insensitive to the intimate delicacies of our relation to the dead and to the living, in their countless multitudes; a desecration of our tenderest memories; an outrage on our dignity.

62

entre elementos reais e de ficção‖ (GARCÍA, 2011, p. 32).27 Para ela, a realidade é o

pilar em que a ficção se baseia para sua construção, já que mesmo que o texto se

distancie de sua inspiração real original, ele deve em algum momento se basear em

algo concreto. ―Os mundos possíveis da ficção se aninham no seio dos mundos

reais, já que ficção parte de mundos cotidianos, próximos, para refazê-los,

reformulá-los, transformá-los em definitivos e voltar a lançá-los no mundo real

efetivo‖ (GOODMAN apud GARCÍA, 2011, p. 32).28

5.3 Acidentes temporais

Partindo do pressuposto de que os autores escolhem utilizar elementos reais

como fundamento para a construção das tramas, vemos como Niffenegger escolheu

uma caracterização extremamente realista, mesmo que ela tenha aspectos que

envolvam a ficção científica. As leis da física e o estudo de DNA humano são mais

concretos do que entidades religiosas ou teorias holísticas. Dentro deste universo

particular, Niffenegger fornece provas que Eyre e os roteiristas de How I Met Your

Mother não podem dar. Enquanto Niffenegger nos oferece dados obtidos através de

métodos científicos nos quais confiamos, os outros apresentam apenas a fé dos

seus personagens nas suas experiências enquanto comprovação de suas crenças.

O que as três obras têm em comum seria o compartilhamento das experiências dos

personagens, que enfrentam situações fantasiosas, mas que dentro de seus

universos, são absolutamente reais.

Como vimos, a incerteza – parte intrínseca do conhecimento científico – é

mantida. A autora não fornece explicações aos personagens ou a nós, e isso faz

com que a dúvida também seja parte fundamental do livro. Dividimos diversos

questionamentos com Clare e Henry, e acompanhamos suas tentativas de criação

de sentido para elementos do livro.

O livre arbítrio, por exemplo, é uma questão central. As viagens de Henry são

alternadamente aleatórias ou significativas. Momentos mais carregados de sentido o

27

Hay autores que establecen todo um inventario de objetos que obedecen a um nível u outro de combinación entre elementos reales y de ficción‖, 28

―Mundos posibles de la ficción anidan en el seno de los mundos reales, ya que la ficción parte de

mundos cotidianos, cercanos, para rehacerlos, reformularlos, transformarlos en definitiva, y volver a lanzarlos al mundo real efectivo‖.

63

atraem, e ele é forçado a visitar esses eventos com maior frequência. Em certos

momentos, ele sente vontade de interferir na conclusão de eventos negativos, mas é

incapacitado pelas próprias leis das suas viagens. O livre arbítrio existiria apenas no

presente, e o passado pertenceria a um momento já definido.

Exatamente essa definição faz com que o passado seja favorecido pelo

‗acaso‘ que rege os trajetos de Henry. Como esse controle não é consciente e não é

algo que a ciência explique dentro desse universo, contamos com as próprias

conclusões dos personagens quanto à forma que essa força age.

Primeiro de tudo, eu acho que é uma coisa cerebral. Eu acho que é muito parecido com epilepsia, porque tende a acontecer quando eu estou estressado, e existem pistas físicas, como luz piscando, que podem causar isso. E porque coisas como correr, sexo e meditação tendem a me ajudar a ficar no presente. Segundo, eu não tenho absolutamente nenhum controle consciente de quando ou onde eu vou, quanto tempo eu fico, ou quando eu volto. (...) Tendo dito isso, meu subconsciente parece exercer um controle tremendo, porque eu passo muito tempo no meu próprio passado, visitando eventos que são interessantes ou importantes (...). Eu tenho a tendência de ir a lugares em que eu já estive em tempo real, apesar de eu me encontrar em outros lugares e tempos mais aleatórios. (NIFFENEGGER, 2004, p. 81, tradução nossa).

29

Porém, assim como a aleatoriedade é parte marcante dessa condição

genética, existem momentos que se aproximariam das teorias de determinismo. Em

alguns momentos do livro, parece que há uma força ordenadora guiando o trajeto

dos personagens. Um forte exemplo disso é a forma como Henry e Clare se

conhecem.

Um dia, enquanto Clare brincava sozinha em uma clareira perto de sua casa,

ela é surpreendida por um homem, que surge entre alguns arbustos repentinamente.

Ela tinha seis anos, e esta foi a primeira de muitas visitas que ela recebe de Henry.

Ele - que coincidentemente começou a viajar no tempo aos seis anos de idade – já

sabia que estava diante da versão infantil de sua esposa, mas Clare não tinha ideia

do que estava acontecendo. Durante anos as viagens ao passado levaram Henry a

29 ―First of all, I think it's a brain thing. I think it's a lot like epilepsy, because it tends to happen when

I'm stressed, and there are physical cues, like flashing light, that can prompt it. And because things like running, and sex, and meditation tend to help me stay put in the present. Secondly, I have absolutely no conscious control over when or where I go, how long I stay, or when I come back. (…) Having said that, my subconscious seems to exert tremendous control, because I spend a lot of time in my own past, visiting events that are interesting or important (…). I tend to go to places I've already been in real time, although I do find myself in other, more random times and places.

64

esse mesmo lugar, até que eles finalmente se encontram no tempo presente de

ambos, quando Clare atinge a idade adulta.

Outra passagem do livro também relacionada ao futuro relacionamento dos

dois trás o sobrenatural para a trama. Ainda criança, Clare brinca com uma tábua

Ouija com suas amigas. Este objeto é utilizado em consultas de necromancia. Na

tábua, normalmente, estão escritos o alfabeto, números de zero a nove e as

palavras sim, não e adeus. Através de um ponteiro, é possível fazer perguntas aos

mortos, que responderiam levando esse ponteiro até as letras ou palavras. Quando

as meninas perguntam à tábua quais meninos gostavam da Clare, o ponteiro é

levado a cinco letras, formando a palavra ‗Henry‘ espontaneamente.

Você não quer saber?‘ ‗Não,‘ eu digo, mas eu coloco meus dedos no plástico branco mesmo assim. Ruth coloca seus dedos nele também e nada se move. Nós estamos tocando a coisa muito levemente, nós estamos tentando fazer do jeito certo e não empurrar. Então ele começa a se mover, devagar. Ele vai em círculos, e então para no H. Aí ele vai mais rápido. E, N, R, Y. ‗Henry,‘ diz Mary Christina. (...) Ruth e eu nos levantamos e Laura e Nancy se sentam. Nancy está de costas pra mim, então eu não consigo ver o rosto dela quando ela pergunta, ‗Quem é Henry?‘ Todas olham pra mim e ficam muito quietas. Eu olho para a tábua. Nada. Justamente quando eu estava pensando que estava segura, a coisa de plástico começa a se mover. H, ela diz. Eu acho que talvez ela só vai soletrar Henry de novo; afinal, Nancy e Laura não sabem nada sobre o Henry. Eu nem mesmo sei tanto sobre Henry. Então ela continua: U, S, B, A, N, D. (n.a: marido, em inglês) Elas todas olham pra mim. ‗Bem, eu não sou casada; eu só tenho onze anos.‘ ‗Mas quem é Henry? Laura se pergunta. ‗Eu não sei. Talvez ele seja alguém que eu nem conheci ainda‘. Ela acena. Todas estão assustadas. Eu estou muito assustada. Marido? Marido? (NIFFENEGGER, 2004, p. 100, tradução nossa).

30

O que fez com que a clareira se tornasse uma destinação recorrente para

Henry? E por que ele foi levado até Clare, e não a outra menina? A aparente

inevitabilidade da união amorosa entre eles, reforçada pela resposta da tábua Ouija,

transmite que a autora incluiu em sua trama um poder ordenador que não foi

explicitado, mas que de alguma forma está presente. Assim, Niffenegger oscila entre

30

―Don‘t you want to know?‖ ―No,‖ I say, but I put my fingers on the white plastic anyway. Ruth puts her fingers on too and nothing moves. We are both touching the thing very lightly, we are trying to do it right and not push. Then it starts to move, slow. It goes in circles, and then stops on H. Then it speeds up. E, N, R, Y. ―Henry,‖ says Mary Christina (...) Nancy has her back to me, so I can‘t see her face when she asks, ―Who is Henry?‖ Everybody looks at me and gets real quiet. I watch the board. Nothing. Just as I‘m thinking I‘m safe, the plastic thing starts to move. H, it says. I think maybe it will just spell Henry again; after all, Nancy and Laura don‘t know anything about Henry. I don‘t even know that much about Henry. Then it goes on: U, S, B, A, N, D. They all look at me. ―Well, I‘m not married; I‘m only eleven.‖ ―But who‘s Henry?‖ wonders Laura. ―I don‘t know. Maybe he‘s somebody I haven‘t met yet.‖ She nods. Everyone is weirded out. I‘m very weirded out. Husband? Husband?

65

o caos e o determinismo, mas oferecendo respostas apenas naquilo que poderia ser

racionalmente demonstrado. A autora oculta sua presença sem explicar parte

daquilo que a substituí dentro da trama do livro.

Os mecanismos escolhidos por Niffenegger (evidenciados ou não) permitem

que ela construa a narrativa da forma como ela quer, fazendo com que os

personagens reajam exatamente da forma necessária. Dessa forma, ela cria um

relacionamento amoroso que é o grande centro da obra e o grande chamariz para o

leitor. Mais do que as viagens no tempo e os diversos questionamentos da condição

humana, é a relação entre Clare e Henry que é o grande destaque no livro. A forma

como eles foram unidos por forças maiores que eles, incontroláveis e aparentemente

inevitáveis, une-os em laços que relacionamentos tradicionais não poderiam obter.

Ao conhecer Henry ainda criança e continuamente receber suas visitas

durante sua infância e adolescência, Clare nem mesmo recebe a oportunidade de se

ligar emocionalmente a outras pessoas. Ela não namora meninos de sua idade no

colégio e escolhe ter apenas uma relação casual durante a faculdade para

extravasar a frustração de ser forçada a esperar por Henry durante dois anos, sem

saber onde encontrá-lo e sem receber mais visitas. Mesmo irritada, ela aguarda por

ele.

Quando um amigo tenta fazer com que Clare desista de se casar com Henry,

ela explica a ele como, de uma forma que ela desconhece, a vida dos dois está

conectada além do seu controle.

‗Com Henry, eu posso ver tudo exposto na minha frente, como um mapa, passado e futuro, tudo de uma vez, como um anjo... ‘Eu balanço minha cabeça. Eu não consigo colocar em palavras. ‗Eu posso alcançar dentro dele e tocar o tempo... ele me ama. Nós somos casados por que... nós somos parte um do outro...‘ Eu vacilo. ‗Já aconteceu. Tudo de uma vez‘. (…) ‗Você não vê que está atrasado? Você está falando sobre alguém que eu conheço desde que eu tinha seis anos. Eu conheço ele. Você encontrou ele duas vezes e você está me dizendo para desistir. Bem, eu não posso. Eu vi meu futuro; eu não posso muda-lo, e eu não mudaria se eu pudesse‘. (...) Não tinha outro jeito. Nossas vidas estão interligadas (NIFFENEGGER, 2004, p. 67, tradução nossa).

31

31 ―With Henry, I can see everything laid out, like a map, past and future, everything at once, like an

angel....‖I shake my head. I can‘t put it into words. ―I can reach into him and touch time.. .he loves me. We‘re married because.. .we‘re part of each other....‖I falter. ―It‘s happened already. All at once.‖ (…) ―Don‘t you see that you‘re too late? You‘re talking about somebody I‘ve known since I was six. I know him. You‘ve met him twice and you‘re trying to tell me to jump off the train. Well, I can‘t. I‘ve seen my future; I can‘t change it, and I wouldn‘t if I could.‖ (...) ―It couldn‘t be helped; our lives are all tangled together.

66

Mesmo quando Clare se questiona quanto à natureza de seu relacionamento

com Henry e se pergunta sobre as chances de seu casamento dar certo ela

reconhece a inevitabilidade da união, acreditando que exatamente por isso está

fazendo a coisa certa.

Henry me ama. Henry está aqui, finalmente, aqui, finalmente. E eu amo ele Eu passo minhas mãos sobre meus seios e um filme fino de saliva é liquefeito pela água e se dispersa. Por que tudo tem que ser complicado? A parte complicada já não acabou agora? Eu submerjo meu cabelo, assisto ele flutuar à minha volta, escuro e como uma rede. Eu nunca escolhi o Henry, e ele nunca me escolheu. Então como isso poderia ser um erro? (NIFFENEGGER, 2004, p. 75, tradução nossa).

32

5.4 Keats e a Capacidade Negativa

Para lidar melhor com as inconstâncias em sua vida, Henry define para si

mesmo que é melhor ter o mínimo de informação possível sobre seu futuro. Ele

aplica isso às pessoas que convivem com ele, quebrando essa regra pouquíssimas

vezes. Algumas das informações que ele concorda em passar para as pessoas

envolvem doenças e fatalidades. Ele informa a seu amigo soropositivo que o

encontra no futuro, informando-o de que ele está vivo e saudável; e ele também

conta a Clare que sua mãe não morrerá cometendo suicídio, por exemplo.

Uma passagem do livro mostra bem como ele faz a distinção entre o que

pode ser transmitido e o que ele acredita que deva permanecer um mistério. Quando

Henry conhece Gomez, um amigo de Clare, eles discutem sua condição e Gomez

exige saber sobre o seu futuro.

―Nós nos conhecemos em 2000?‖ ―Sim‖, eu sorrio pra ele. ―Nós somos bom amigos‖. ―Me diga meu futuro.‖ Ah, não. Má ideia. ―Não‖ ―Por que não?‖ ―Gomez. Coisas acontecem. Saber sobre elas adiantadamente faz com que tudo fique…esquisito. Você não consegue mudar nada, de qualquer forma.‖ ―Por quê?‖ ―A causação só vai para frente. As coisas acontecem uma vez, só uma vez. Se você sabe de coisas...eu me sinto aprisionado, na maior parte do tempo.

32 Henry loves me. Henry is here, finally, now, finally. And I love him. I run my hands over my breasts

and a thin film of saliva is reaquified by the water and disperses. Why does everything have to be complicated? Isn’t the complicated part behind us now? I submerge my hair, watch it float around me, dark and net-like. I never chose Henry, and he never chose me. So how could it be a mistake?

67

Se você está no tempo, sem saber...você é livre. Confie em mim.‖ Ele parece frustrado (NIFFENEGGER, 2004, p. 105, tradução nossa).

33

Para Henry, conhecer seu futuro condiciona o presente e muda a forma como

ele percebe o mundo e seus relacionamentos pessoais. Como é impossível alterar o

que já aconteceu e o que acontecerá, não faz sentido conhecer o futuro.

O poeta inglês John Keats, assim como Henry, escolhe evitar as perguntas e

possibilidades de respostas para grandes questionamentos metafísicos, preferindo

viver com a dúvida e o desconhecido. Ele criou o termo capacidade negativa, que de

acordo com sua própria descrição seria ―quando um homem é capaz de estar em

incertezas, mistérios, dúvidas, sem nenhuma busca irritável por fato ou razão‖.

(KEATS apud POPOVA, 2012).34

Li Ou elabora ainda mais a expressão, tirando-a de um âmbito elusivo e

estabelecendo um centro conceitual sólido:

No centro está a capacidade de um grande poeta de permanecer ‗negativo‘, no sentido de ser capaz de resistir ao apego instintivo à certeza, resolução e conclusão na crença firme de que boa poesia é marcada pela permissão de uma experiência humana em grande escala que é abundante e diversa demais para ser reduzida a um sistema organizadamente unificado ou conceitualizado (OU, 2009, p. 23, tradução nossa)

35.

Ou seja – para Keats e Li Ou, ser negativamente capaz seria estar aberto à

todas as possibilidades da experiência sem se ater a doutrinas ou conceitos pré-

estabelecidos. Apenas assim o poeta poderia obter uma visão verdadeira do mundo,

mesmo que o abandono das certezas seja desconfortável.

Essa expressão foi mencionada apenas uma vez entre as obras e

correspondências de Keats (ela foi escrita em uma carta destinada aos seus

33

―Do we know each other in 2000?‖/ ―Yeah.‖ I grin at him. ―We‘re good friends.‖ / ―Tell me my future.‖/

Oh, no. Bad idea. ―Nope.‖ /―Why not?‖ /―Gomez. Things happen. Knowing about them in advance makes everything.. .weird. You can‘t change anything, anyway.‖ / ―Why not?‖ /―Causation only runs forward. Things happen once, only once. If you know things... I feel trapped, most of the time. If you are in time, not knowing...you‘re free. Trust me.‖ He looks frustrated. ―You‘ll be the best man at our wedding. I‘ll be yours. You have a great life, Gomez. But I‘m not going to tell you the particulars.‖

34

―When man is capable of being in uncertainties, mysteries, doubts, without any irritable reaching after fact and reason.‖ 35

At the centre is a great poet‘s capability of remaining ‗negative‘, in the sense of being able to resist the instinctive clinging to certitude, resolution and closure in the firm belief that great poetry is marked by its allowance for a full-scale human experience that is too copious and diverse to be reduced to a neatly unified or conceptualized system.

68

irmãos). Ainda assim, o conceito está fortemente presente em sua obra. Em suas

correspondências isso fica bastante óbvio. Ele faz questão de reiterar que é

verdadeiro apenas aquilo que a mente pode imaginar como belo. Assim, Keats opõe

razão e emoção, associando a capacidade negativa à primazia do sentimento. A

beleza poética jamais poderia ser obtida através da razão e dos fatos, e apenas uma

vida rica em emoção e imaginação seria capaz de levar o poeta à experiências

estéticas e vivências que o levariam à excelência artística.

O uso que Keats faz da palavra ‗beleza‘ não está associada somente ao seu

significado comum. Ele a percebe como algo que ―não implica em sensualidade,

mas em uma experiência estética intensa que incorpora a vida humana que é cheia

de desagradáveis e, por sua intensidade, os transforma em beleza artística e

verdade poética‖. (OU, 2009, p. 26).36

Outra interpretação da capacidade negativa afirma que ela também seria

imperativa no trabalho artístico. O autor deveria abandonar sua identidade para

então focar no objeto sendo analisado. De acordo com M. H. Abrams em seu

Glossary of Literary Terms (1999), o termo pode:

(...) caracterizar um autor impessoal ou objetivo como oposto a um subjetivo que está pessoalmente envolvido com os personagens e ações representados em um trabalho de literatura e oposto a um autor que usa um trabalho literário para apresentar suas crenças pessoais.

37 (ABRAMS, 1999,

p. 174, tradução nossa)

Apesar de o poeta cunhar o termo Capacidade Negativa em 1817, seu

trabalho começou a mostrar o amadurecimento deste conceito somente em 1818.

Foi então que seus poemas começaram a mostrar algumas das características mais

marcantes das suas grandes obras. Keats passou a valorizar as experiências e

instigar oposições e conflitos, evitando chegar a conclusões. O poema Ode Sobre

uma Urna Grega demonstra bem como ambas as interpretações estão presentes no

trabalho de Keats.

(...) seus poemas passaram a exemplificar uma mente amadurecida de capacidade negativa, marcada pela recusa deliberada de resolução, a inclusão de ambos os lados da oposição e a exploração de suas

36

does not imply sensuousness, but an intense aesthetic experience that embodies the actual human life that is full of ‗disagreeables‘, and by its intensity, transforms it into artistic beauty and poetic truth‖. P26 37 (…) characterize an impersonal or objective author as opposed to a subjective one who is personally

involved with the characters and actions represented in a work of literature and as opposed to an author who uses a literary work to present his or her personal beliefs‖

69

interdependências paradoxais e conflitos irreconciliáveis, e uma mudança ativa de ponto de vista que dá à sua poesia um escopo dramático (OU, 2009, p. 250, tradução nossa).

38

Ode Sobre uma Urna Grega (Ode On a Grecian Urn) I Inviolada noiva de quietude e paz, (Thou still unravish‘d bride of quietness,) Filha do tempo lento e da muda harmonia, (Thou foster-child of silence and slow time,) Silvestre historiadora que em silêncio dás (Sylvan historian, who canst thus express) Uma lição floral mais doce que a poesia: (A flowery tale more sweetly than our rhyme:) Que lenda flor-franjada envolve tua imagem (What leaf-fring‘d legend haunts about thy shape) De homens ou divindades, para sempre errantes. (Of deities or mortals, or of both,) Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo? (In Tempe or the dales of Arcady?) Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes? (What men or gods are these? What maidens loth?) Que louca fuga? Que perseguição sem termo? (What mad pursuit? What struggle to escape?) Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem? (What pipes and timbrels? What wild ecstasy?) II A música seduz. Mas ainda é mais cara (Heard melodies are sweet, but those unheard) Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom; (Are sweeter; therefore, ye soft pipes, play on;) Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara (Not to the sensual ear, but, more endear'd,) O supremo saber da música sem som: (Pipe to the spirit ditties of no tone:) Jovem cantor, não há como parar a dança, (Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave A flor não murcha, a árvore não se desnuda; (Thy song, nor ever can those trees be bare Amante afoito, se o teu beijo não alcança (Bold lover, never, never canst thou kiss) A amada meta, não sou eu quem te lamente: (Though winning near the goal — yet, do not grieve Se não chegas ao fim, ela também não muda,

38 His poems began to exemplify a matured mind of negative capability, marked by the deliberate

refusal of resolution, the inclusion of both sides of the opposition and the exploration of their paradoxical interdependence and irreconcilable conflict, and an active shift of point of view that gives his poetry a dramatic scope.

70

(She cannot fade, though thou hast not thy bliss,) É sempre jovem e a amarás eternamente. (For ever wilt thou love, and she be fair!) III Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor (Ah, happy, happy boughs! that cannot shed) Das folhas e não teme a fuga da estação; (Your leaves, nor ever bid the Spring adieu;) Ah! feliz melodista, pródigo cantor (And, happy melodist, unwearied,) Capaz de renovar para sempre a canção; (For ever piping songs for ever new;) Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante! (More happy love! more happy, happy love!) Para sempre a querer fruir, em pleno hausto, (For ever warm and still to be enjoy‘d,) Para sempre a estuar de vida palpitante, (For ever panting, and for ever young;) Acima da paixão humana e sua lida (All breathing human passion far above,) Que deixa o coração desconsolado e exausto, (That leaves a heart high-sorrowful and cloy‘d,) A fronte incendiada e língua ressequida. (A burning forehead, and a parching tongue.) IV Quem são esses chegando para o sacrifício? (Who are these coming to the sacrifice?) Para que verde altar o sacerdote impele (To what green altar, O mysterious priest,) A rês a caminhar para o solene ofício, (Lead‘st thou that heifer lowing at the skies,) De grinalda vestida a cetinosa pele? (And all her silken flanks with garlands drest?) Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente (What little town by river or sea shore,) Ou no alto da colina foi despovoar (Or mountain-built with peaceful citadel,) Nesta manhã de sol a piedosa gente? (Is emptied of this folk, this pious morn?) Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe (And, little town, thy streets for evermore) Em tuas ruas, e ninguém virá contar (Will silent be; and not a soul to tell) Por que razão estás abandonada e triste. (Why thou art desolate, can e‘er return.) V Ática forma! Altivo porte! em tua trama (O Attic shape! Fair attitude! with brede) Homens de mármore e mulheres emolduras (Of marble men and maidens overwrought,) Como galhos de floresta e palmilhada grama:

71

(With forest branches and the trodden weed Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas (Thou, silent form, dost tease us out of thought) Tal como a eternidade: Fria Pastoral! (As doth eternity: Cold Pastoral!) Quando a idade apagar toda a atual grandeza, (When old age shall this generation waste,) Tu ficarás, em meio às dores dos demais, (Thou shalt remain, in midst of other woe) Amiga, a redizer o dístico imortal: (Than ours, a friend to man, to whom thou say‘st "A beleza é a verdade, a verdade a beleza" (―Beauty is truth, truth beauty,‖ — that is all) — É tudo o que há para saber, e nada mais.

( Ye know on earth, and all ye need to know) (KEATS, 2001, p. 238).39

No poema Keats encontra um momento de satisfação ao observar uma urna

grega, que teria capturado uma representação de experiência terrena de felicidade.

Para Ou (2008), a transformação dessa situação em arte leva o observador à um

estado de transcendência, onde a imaginação supera a experiência terrena. A

beleza artística da urna é então o único conhecimento ao qual é possível chegar,

mesmo que ele exista como uma forma incompleta de saber (à qual todos os seres

humanos estão condenados). A conclusão do poema é feita sob a capacidade

negativa. Nem imaginação nem a realidade humana são vitoriosas em seu conflito.

A intromissão da imaginação na experiência humana e o conflito que surge disso

mostra um paradoxo doloroso que expressa o sofrimento e o potencial emocional

que surgem como efeito dele. Portanto:

‗Beleza é verdade, verdade beleza‘, mesmo que seja apenas meio conhecimento. Afinal, o conhecimento humano, confinado por sua mortalidade, pode ser apenas meio conhecimento. Buscar a onisciência da eternidade é então uma tentativa fútil de buscar algo impossível. Assim, não importa quem diga o quê nas últimas duas linhas, o fim parece apresentar uma mensagem de capacidade negativa do poeta. A beleza na urna, capturada da experiência instantânea de felicidade terrena, quando belamente repetida na arte, se transforma em uma verdade imaginativa que transcende sua existência terrena, como o próprio Keats escreve: ―de agora em diante nós vamos desfrutar ao termos o que nós chamamos de felicidade na Terra repetida em melhor tom e então repetida (OU, 2009, p. 321).

40

39 Tradução: Augusto de Campos

40

Therefore, ‗Beauty is truth, truth beauty‘, even if it‘s only half knowledge. After all, human knowledge, confined by it‘s mortality, can only be half knowledge. Reaching out for the omniscience of eternity then is a futile attempt to reach after something impossible. Therefore, no matter who says what in the last two lines, the end seems to deliver a message of negative capability from the poet. The beauty on the urn, captured from the instantaneous experience of earthly happiness, when finely repeated in art, turns into an imaginative truth that transcends it‘s earthly existence, as Keats writes

72

Os personagens principais de A Mulher do Viajante do Tempo também

possuem essa capacidade negativa. Henry e Clare sabem que não conseguirão

obter todas as respostas para o que estão enfrentando. Por mais que a ciência

consiga elucidar alguns pontos, estes são ainda pequenos perto da complexidade da

condição de Henry. Aqui, assim como em diversas outras questões, a ciência é

insuficiente.

Atualmente vemos um aumento de interesse do público leigo pela ciência. Se

a geração romântica de 1800 valorizava o misterioso, a geração contemporânea tem

se voltado cada vez mais para o científico. Vemos isso nitidamente com o astrofísico

estado-unidense Neil DeGrasse Tyson, que apresentou em 2014 o seriado

documental Cosmos: Uma Odisséia do Espaço-Tempo. O programa é a sequência

de um seriado apresentado pelo também astrofísico (também astrônomo e

cosmólogo) Carl Sagan em 1980. O seriado ilustra e explica diversos temas

científicos, passando por Giordano Bruno, supernovas, a divisão do átomo, etc.

O produtor Seth MacFarlane foi influenciado pelo programa de Sagan, o que o

fez se interessar pelo projeto. Para ele, Cosmos é uma ponte que diminui a distância

entre o conhecimento acadêmico o público leigo. Tanto crítica quanto público

também se interessaram pelo programa, que nos Estados Unidos foi veiculado nos

canais Fox e National Geographic para 181 países. Ele recebeu o prêmio de melhor

reality show da Television Critics Association e teve uma resposta amplamente

positiva de público. O site The Hollywood Reporter afirma que de acordo com as

projeções mundiais da emissora, mais de 40 milhões de pessoas assistiram ao

programa. Ann Druyan, viúva de Sagan, é produtora e criadora da série original e

também da atual. Ela diz que as manifestações do público são emocionantes.

(a resposta do público) veio na forma de inúmeros tweets de pessoas e e-mails do público, dizendo que Cosmos aproximou famílias, que as noites de domingo se tornaram um momento familiar novamente e que muitos pais e filhos e crianças e casais estão assistindo esta série juntos, e mais que isso, que todos estão profundamente emocionados pelo que é um programa rigorosamente científico. Esse era o meu sonho desde o princípio. (DRUYAN apud MALIK, 2014)

41

himself: ‗we shall enjoy ourselves here after by having what we called happiness on Earth repeated in a finer tone and so repeated‘. 41

"It has come in the form of myriad tweets from people and emails from the public saying that 'Cosmos' has brought families together, that Sunday nights have become a family time again and how

73

Além de Tyson, outros cientistas (também estado-unidenses) têm se tornado

populares. Bill Nye, cientista educacional participou da 17ª temporada do programa

Dancing With The Stars (Dançando Com as Estrelas, em tradução livre), fez

participações recorrentes em seriados e talk shows e também escreveu

documentários e um programa de TV.

O seriado britânico Doctor Who, cujo último episódio havia sido veiculado em

1989, voltou a ser produzido em 2005 e terá uma nova temporada em 2015. O

personagem principal viaja através do espaço tempo utilizando tecnologia alienígena

avançada, e as explicações científicas para os diversos fenômenos que ocorrem no

programa (mesmo que sejam fantasiosas) sempre possuem um fundo de verdade.

Nisso, o programa se aproxima de outro seriado, Big Bang Theory, em que

um grupo de amigos cientistas discute sobre teorias das cordas, descobertas

astronômicas, neurociência, dentre diversos outros temas. O seriado foi iniciado em

2007 e está no ar até hoje. Vale ressaltar que sua vinheta introdutória recupera o

processo evolutivo terrestre desde o Big Bang até os dias de hoje.

Para o semiólogo Charles Peirce, o método da ciência seria o ideal para a

busca do conhecimento, por fornecer uma única solução, que seria sempre a

mesma obtida por qualquer pessoa que a procurasse.

Existem coisas reais, cujas características são inteiramente independentes

das nossas opiniões acerca delas; estas realidades afectam os nossos sentidos de acordo com leis regulares, e embora as nossas sensações sejam tão diferentes como o são as nossas relações aos objectos, contudo, tirando proveito das leis da percepção, podemos descobrir, através do raciocínio como as coisas realmente são; e qualquer homem, se possuir suficiente experiência e raciocinar o suficiente sobre o assunto, será conduzido à única conclusão verdadeira.(PEIRCE, 1877)

42

(N.a: tradução de Anabela Gradim Alves)

No entanto, essa valorização científica não seria apenas outra forma de

buscar respostas? A crença científica poderia ser apenas outra opção para se

combater a angústia da dúvida. Neil deGrasse Tyson diz em seu seriado que o

método científico levará o ser humano à verdade, mas mesmo que o método

many parents and children and couples are watching this series together and most of all how profoundly moved they are by what is a rigorously scientific show. That was my dream from the beginning. 42

There are Real things, whose characters are entirely independent of our opinions about them; those Reals affect our senses according to regular laws, and, though our sensations are as different as are our relations to the objects, yet, by taking advantage of the laws of perception, we can ascertain by reasoning how things really and truly are; and any man, if he have sufficient experience and he reason enough about it, will be led to the one True conclusion.

74

científico possa trazer a solução de alguns mistérios, ele não é definitivo, mas sim

algo que está em constante modificação e evolução.

Como buscadores da verdade, nós devemos também questionar e suspeitar de nossas próprias ideias enquanto realizamos nossas investigações, para evitarmos cair em preconceito ou em um raciocínio descuidado. Siga este caminho, e a verdade será revelada a você. Este é o método da ciência (TYSON, 2014).

43

A declaração de Tyson aqui é quase espiritual e bastante determinística. Ele

parece se esquecer de que erros podem ser cometidos e que, mais importante,

obter a verdade absoluta possa ser algo impossível.

Leis estipuladas como absolutas há séculos podem ser derrubadas por novas

descobertas. Comprovações feitas por profissionais renomados podem ser corruptas

ou simplesmente errôneas. Infelizmente (ou não) nem mesmo os mais poderosos

telescópios e microscópios podem responder todas as nossas indagações.

Keats percebe a incerteza como um estado mais próximo da realidade das

coisas. Ao tentar obter sempre a resposta absoluta, a ciência e a razão estariam se

enganando. Apesar de o conhecimento e os fatos reconfortarem a mente humana,

quanto mais se sabe, mais se encontra de inadequado no mundo.

Voltando ao livro A mulher do viajante do tempo: quanto mais Henry viaja,

visitando outros momentos no tempo e espaço, mais ele se perde. Ele obtém mais

fatos sobre si mesmo em seus trajetos, mas ao mesmo tempo eles fornecem mais

material que deve ser decifrado. Sua escolha de evitar experimentações com a

provocação de mudanças na história, por exemplo, mostra, que mesmo tendo a

possibilidade de saber mais, ele prefere ficar no escuro. Outro viajante poderia tentar

causar mudanças nos lugares onde vai, plantar informações, investigando assim o

funcionamento do universo. Henry e Clare fazem o oposto. Tentam causar o mínimo

de interferências, evitando assim o conhecimento mas também as consequências

que ele traria.

Clare é uma artista plástica. Ela pinta e desenha, e em uma tarde em seu

presente, mas no passado de Henry, estava fazendo um retrato dele. Ao terminar

ela começa a escrever a data do desenho, mas ele a impede.

―Não!‖ , eu digo. ―Ele não tem data.‖

43

As seekers after truth, we must also suspect and question our own ideas as we perform our investigations, to avoid falling into prejudice or careless thinking. Take this course, and truth will be revealed to you. This is the method of science.

75

―Não?‖ ―Eu já vi ele antes. Não tem data nele.‖ ―Ok.‖ Clare apaga a data e escreve Meadowlark ao invés. ―Pronto.‖ Ela olha para mim, intrigada. ―Já aconteceu de você voltar para o seu presente e ver que algo mudou? Quer dizer, e se eu escrevesse a data nesse desenho agora? O que aconteceria?‖ ―Eu não sei. Tenta,‖ eu digo, curioso. Clare apaga a palavra Meadowlark e escreve 11 de Setembro, 1988. ―Pronto‖, ela diz. ―Isso foi fácil‖. Nós olhamos um para o outro, confusos. Clare ri. ―Se nós violamos o continuum espaço-temporal não é muito óbvio‖

44 (NIFFENEGGER, 2004, p. 79).

Eles tentam fazer um teste, mas por medo do que poderia acontecer Clare

mais tarde retira a data.

―Eu fiquei assustada com o seu comentário de Terceira Guerra Mundial. Eu comecei a pensar, e se nós nunca nos conhecermos no futuro porque eu insisti em testar isso?‖ ―Estou feliz que você tenha feito isso.‖ ―Por quê?‖ ―Não sei. Eu só estou.‖ Nós olhamos um para o outro, e então Clare sorri, e eu ergo os ombros e é isso. Mas por que parece que algo impossível quase aconteceu? Por que eu me sinto tão aliviado?

45 (NIFFENEGGER, 2004, p.

79).

Agindo assim, eles escolhem permanecer com o questionamento. E se Clare

não tivesse tirado a data? E se o futuro foi alterado por causa disso? E se ações tão

pequenas assim forem realmente fundamentais para o funcionamento da força

ordenadora do universo de Niffenegger? Eles Nunca saberão, e com essa escolha

forçam também o leitor a viver sem receber respostas. Os personagens

(mascarando a ação da autora) nos forçam a viver com eles dentro das regras da

capacidade negativa de Keats – sempre perguntando, mas nunca concluindo.

44

―Don‘t,‖ I say. ―It‘s not dated.‖ / ―It‘s not?‖ / ―I‘ve seen it before. There‘s no date on it.‖ / ―Okay.‖ Clare

erases the date and writes Meadowlark on it instead. ―Done.‖ She looks at me, puzzled. ―Do you ever find that you go back to your present and something has changed? I mean, what if I wrote the date on this drawing right now? What would happen?‖ / ―I don‘t know. Try it,‖ I say, curious. Clare erases the word Meadowlark and writes September 11, 1988. / ―There,‖ she says, ―that was easy.‖ We look at each other, bemused. Clare laughs. ―If I‘ve violated the space-time continuum it isn‘t very obvious.‖ 45 ―I got all freaked by your World War III comment. I started thinking, what if we never meet in the

future because I insisted on testing this out?‖ / ―I‘m glad you did.‖ / ―Why?‖ / ―I don‘t know. I just am.‖ We stare at each other, and then Clare smiles, and I shrug, and that‘s that. But why does it seem as though something impossible almost happened? Why do I feel so relieved?

76

6 UMA CONCLUSÃO IMPOSSÍVEL

Para Carl Sagan (1995), a pseudociência (que incluiria a Sincronicidade, o

uso do I Ching e outros oráculos, etc), seria a válvula de escape encontrada por

muitos para se sentirem melhor em relação à angústia da dúvida. A impossibilidade

de confrontar achados da pseudociência com a realidade dificultariam a sua

desaprovação e facilitariam a argumentação dos seus defensores. Os padrões pelos

quais a pseudociência deve passar são muito menos rígidos do que aqueles

enfrentados pela ciência.

Essas questões facilitam a apresentação desses métodos ao público geral,

que pode decidir não aplicar o bom senso e o ceticismo e eleger essas teorias como

verdade. É claro que essas crenças apresentam vantagens que atraem as pessoas,

e Sagan compara alguns desses benefícios a poderes semelhantes a aqueles

possuídos por super-heróis.

A pseudociência fala às necessidades emocionais poderosas que a ciência frequentemente deixa de satisfazer. Nutre as fantasias sobre poderes pessoais que não temos e desejamos ter (como aqueles atribuídos aos super-heróis das histórias em quadrinhos modernas e, no passado, aos deuses) (SAGAN, 1995, p. 29).

Algumas das ofertas da pseudociência trariam ao homem a crença (ou

confirmariam um pensamento já arraigado) que ele é realmente o centro do

Universo, possuindo portanto uma importância cósmica inegável. Assim, seria

perfeitamente possível que o homem conseguisse encontrar curas para doenças

terminais, obter alguma forma de continuar sua existência após a morte e adquirir

respostas para diversas outras questões que confortassem sua busca por

conclusões.

No entanto, a ciência faz promessas não muito diferente destas. A mudança

fundamental no método científico seria o combate às ideias pré-concebidas. Os

resultados obtidos ao longo dos séculos são tão maravilhosos que poderiam ser

confundidos com mágica.

(O método da ciência) carregou nossos emissários robóticos ao limite do

Sistema solar e além. Dobrou nossa expectativa de vida, fez com que os

mundos perdidos do passado revivessem. A ciência nos permitiu prever

eventos no futuro distante e nos comunicarmos uns com os outros na

77

velocidade da luz (...). Esta forma de pensamento nos deu poderes que o

próprio Alhazen teria considerado como magia (TYSON, 2014).46

Para Neil deGrasse Tyson, o pensamento científico seria tão poderoso que

ele surpreenderia até mesmo um dos primeiros cientistas de todos os tempos. Ibn

Alhazen, árabe nascido em 965 E.C., desenvolveu trabalhos sobre o método

científico que influenciaram gênios como Leonardo Da Vinci, Galileu, Descartes e

Kepler.

Retomemos a fala de Sagan já vista introdutoriamente. ―É natural que as

pessoas experimentem vários sistemas de crenças, para ver se têm valia‖ (1995, p.

29). Milan Kundera, em A arte do romance (2009), relaciona isso ao próprio

surgimento do romance. O gênero seria responsável por desvendar diferentes

aspectos da existência humana, investigar a vida sentimental e interior, relatar a

historicidade humana e avaliar o papel do irracional no comportamento humano –

funções que variariam de acordo com o autor. A busca pelo conhecimento seria a

motivação do romance, acompanhando a evolução do ser humano.

A ‗paixão do conhecer‘ (...) se apossou dele então, para que ele perscrute a vida concreta do homem e a proteja contra o ‗esquecimento do ser‘; para que ele mantenha ‗ o mundo da vida‘ sob uma iluminação perpétua. (KUNDERA, 2009, p. 13).

Kundera recupera a obra Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, para

demonstrar como uma das primeiras expressões do romance europeu (o livro foi

publicado em 1605) abordou o esforço de se lidar não com apenas uma grande

verdade, mas sim com diversas versões relativas e contraditórias da verdade. Assim,

Cervantes já saberia que a única certeza possível seria a sabedoria do incerto. ―O

homem deseja um mundo onde o bem e o mal sejam nitidamente discerníveis, pois

existe nele a vontade inata e indomável de julgar antes de compreender. Sobre essa

vontade estão fundadas as religiões e ideologias.‖ (KUNDERA, 2009, p. 14).

46 So powerful that it's carried our robotic emissaries to the edge of the solar system and beyond. It

has doubled our lifespan, made the lost worlds of the past come alive. Science has enabled us to

predict events in the distant future and to communicate with each other at the speed of light, as I am

with you, right at this moment. This way of thinking has given us powers that al-Hazen himself would

have regarded as wizardry.

78

O problema é que o romance (e outras obras artísticas ou culturais)

dificilmente dialogará com o discurso das religiões caraterizado por Kundera como

dogmático e apodítico; oposto ao discurso literário - relativo e ambíguo. Não há certo

e errado dentro do Universo da ficção, e a necessidade que o ser humano sente em

desenvolver sistemas de crenças que vão além do método científico revela

limitações.

Nesse ―ou – ou então‖ está contida a incapacidade de suportar a relatividade essencial das coisas humanas, a incapacidade de encarar a ausência do Juiz supremo. Devido a essa incapacidade, a sabedoria do romance (a sabedoria da incerteza), é difícil de aceitar, de compreender. (KUNDERA, 2009, p. 15).

O que havia levado Dom Quixote a deixar sua casa seria sua incapacidade de

reconhecer a mão de Deus em seu mundo, responsável por organizar seus valores,

desenvolvimento e designar significados aos seus diversos elementos. Kundera não

menciona outras mídias além da literatura, mas podemos nos apropriar de seus

argumentos para analisa-las também. Assim como na literatura, os seriados

televisivos (e filmes, peças, músicas, etc) nos dariam um espelhamento do mundo

real reinado pelo incerto.

O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana, na armadilha em que se transformou o mundo. (...) Que a vida seja uma armadilha, isso sempre soubemos: nascemos sem ter pedido, em um corpo que não escolhemos e destinados a morrer. (KUNDERA, 2009, p. 32).

A definição do vocábulo ‗romance‘, feita por Kundera (2009), estabelece que

ele seria uma forma de prosa através da qual autores utilizam o que ele chama de

‗egos experimentais‘ (personagens) para investigar temas existenciais. Já o

romancista seria alguém que tateia às escuras, em busca de respostas e se

enveredando no ―mapa espiritual de seu tempo, de sua nação, no mapa da história

das ideias.‖ (KUNDERA, 2009, p. 137).

Guiados por esse argumento de Milan Kundera, e voltando ao que lemos nos

capítulos anteriores, percebemos então que todos os elementos presentes na obra

estão buscando uma única coisa: respostas. Tanto os criadores, quanto os

personagens e o público tentam encontrar sentido e ordem em seus mundos.

Porém, criadores e público habitam o universo real, e podem apenas passar algum

tempo na ficção. Eventualmente essa fantasia deve ser abandonada. Kundera nos

fala que quando Ema Bovary (personagem de Gustave Flaubert, publicada

79

originalmente em 1857) começa a sofrer com o tédio de seu cotidiano, suas

idealizações, sonhos e devaneios ganham importância, ou, nas palavras do autor: ―o

infinito perdido do mundo exterior é substituído pelo infinito da alma‖. (KUNDERA,

2009, p. 15) Ema sofria pelos personagens dos romances que lia, e tirava dos livros

inspirações para atitudes a serem tomadas para acabar com seus dias enfadonhos.

Ela se esforçava para encontrar na ficção aquilo que faltava em sua vida. Ou seja,

encontramos conforto em obras culturais porque elas nos dão em um devaneio algo

que seria impossível encontrarmos na realidade.

Frente a isso, podemos nos sentir bastante deprimidos. Afinal, estamos

destinados a uma vida de buscas, mas sem nunca encontrarmos aquilo que

procuramos. Por sorte, como vimos no capítulo anterior, John Keats nos indica uma

alternativa para esse ideal inatingível.

Que coisa feliz seria se conseguíssemos acomodar nossos pensamentos, decidir nossa opinião quanto a qualquer assunto em cinco minutos e permanecermos contentes – ou seja, construir uma espécie de chalé mental de pensamentos calmos e agradáveis. (…) Mas, infelizmente, isso nunca ocorrerá, pois assim como o dono do chalé material sabe que existem lugares como a França e a Itália e os Andes e a Montanha Ardente, o dono do chalé espiritual tem conhecimento da terra semi incógnita das coisas sobrenaturais; e não consegue, por sua vida, se controlar (KEATS apud OU, 2009, p. 28).

47

Com essa observação, feita em uma carta enviada para seu amigo James

Rice em 24 de março de 1818, Keats reconhece a natureza inquieta da mente

humana e a dificuldade de mantê-la tranquila e serena. Mesmo que esse estado seja

incômodo, ele está mais próximo do real do que a obtenção de conclusões

inabaláveis e, com isso, a calmaria mental permanente.

Keats estabelece uma metáfora para transmitir seu ideal de busca por

conhecimento. A abelha seria o homem, perseguindo incessantemente o

conhecimento, representado pela flor.

Assim, não vamos correndo e coletando como uma abelha, zunindo aqui e ali impacientemente por um conhecimento daquilo a que devemos chegar: mas vamos abrir nossas folhas como uma flor e sermos passivos e

47 What a happy thing it would be if we could settle our thoughts, make our minds up on any matter in

five Minutes and remain content – that is to build a sort of mental Cottage of feelings quiet and pleasant (…) – but Alas! This never can be: <the> for as the material Cottager knows there are such places as france and Italy and the Andes and the Burning Mountains – so the spiritual Cottager has knowledge of the terra semi incognita of things unearthly; and cannot for his Life, keep in the check rein.

80

receptivos – formando botões pacientemente sob o olho de Apolo e pegando dicas de cada nobre inseto que nos favorecer com uma visita. (KEATS apud OU, 2009, p. 27, tradução nossa).

48

Assim Keats determina que a passividade na busca do conhecimento pode

ser mais proveitosa do que a ansiedade da procura. Ele também acredita que deve-

se estar aberto a todas as manifestações de conhecimento. A capacidade negativa

implica que a complexidade da mente humana seria capaz de possuir pensamentos

opostos e contraditórios. Dessa forma a mente não teria a necessidade de estar

correta ou de encontrar a verdade absoluta, permanecendo pacificamente no centro

do mistério e das dúvidas.

Esta abordagem seria mais realista por adaptar o ser humano ao seu mundo,

ao invés de manipular sua percepção para que ela absorva apenas determinados

elementos, criando uma versão particular da realidade.

Ocorre aqui a desvalorização da definição da experiência e a valorização da

vivência, incorporando todas as suas facetas, mesmo que elas entrem em conflito.

Essa seria, enfim, a realidade da experiência humana de mundo. Ela pode não ser a

mais confortável ou a mais atraente. Mas se estamos, afinal, em busca da verdade,

devemos reconhecer que nossa realidade é, pura e simplesmente, terra incógnita.

48 [L]et us not therefore go hurrying about and collecting honey-bee like, buzzing here and there

impatiently from a knowledge of what is to be arrived at: but let us open our leaves like a flower and be passive and receptive – budding patiently under the eye of Apollo and taking hints from evey noble insect that favors us with a visit

81

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