PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · Uma atitude sem sentido que escapa às...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Interações Midiáticas
Ana Cláudia e Silva Xavier
ACASO ROTEIRIZADO:
o aleatório como motif literário e midiático.
Belo Horizonte
2014
Ana Cláudia e Silva Xavier
ACASO ROTEIRIZADO:
O aleatório como motif literário e midiático.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social – Interações
Midiáticas, da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Comunicação.
Orientador: Julio Pinto
Belo Horizonte
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Xavier, Ana Cláudia e Silva
X3a Acaso roteirizado: o aleatório como motif literário e midiático / Ana Cláudia
e Silva Xavier. Belo Horizonte, 2014.
85 f. :il.
Orientador: Júlio Pinto
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.
1. Acaso. 2. Destino e fatalismo. 3. Televisão - Seriados. 4. Sobrenatural. 5.
Ficção - Técnica. I. Pinto, Júlio. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.
CDU: 82-34
Ana Cláudia e Silva Xavier
ACASO ROTEIRIZADO: o aleatório como motif literário e midiático.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social
– Interações Midiáticas, da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Comunicação.
__________________________________________________________
Prof. Dr. Julio Pinto (Orientador) – PUC Minas
__________________________________________________________
x
__________________________________________________________
x
Belo Horizonte, 20 de agosto de 2014
AGRADECIMENTOS
Obrigada ao professor Julio Pinto, pelo incentivo, ensinamentos e por
me guiar ao longo deste longo processo.
Agradeço também a todos que de alguma forma me ajudaram durante a
longa produção deste trabalho. Mãe, avós, amigos /irmãos, vocês foram
essenciais. Obrigada pela compreensão, apoio incondicional e amor entregues
a mim durante todo esse tempo.
Gustavo, agradeço ao acaso, à sorte, destino ou quaisquer outras forças
que tenham te guiado até mim. A elas, mas especialmente a você, muito
obrigada.
Otsu desviou o rosto de pálpebras inchadas pelo calor das chamas e fitou o céu: — Pensava em como é misterioso este mundo. Parada neste lugar, consigo sentir este monte de estrelas, dentro da noite deserta... isto é, deserta não, pois tudo permanece no mesmo lugar, oculto pela escuridão... Como ia dizendo, consigo sentir as estrelas se mexendo, devagarinho, num amplo movimento. Não sei como, mas o mundo se move, eu o sinto. Ao mesmo tempo, também eu, esta pequena coisa insignificante, posso estar sendo manipulada por, vamos dizer, algo invisível, meu destino sendo modificado a todo instante, nesta mesma hora em que aqui estou... É nisso que pensava o tempo todo (YOSHIKAWA, 1999, p.94).
O mato chegava à altura dos ombros, carregado de sereno. Não corria o risco de ser visto de longe, o que lhe facilitava a fuga. E agora, para onde? Qualquer que fosse o destino, nada tinha além do que levava no corpo. A sorte espreitava, assim lhe parecia, oferecendo-lhe tanto boas oportunidades como desgraças. A direção que tomasse agora teria o poder de mudar para sempre o seu destino. Não acreditava que pudesse haver uma vida predestinada, inevitável. Tinha apenas de andar ao sabor do acaso.
Osaka, Kyoto, Nagoya ou Edo – para onde iria? De qualquer modo, não tinha conhecidos em lugar nenhum. O futuro abria-se à sua frente, tão incerto quanto a sorte nos dados. E tanto quanto a sorte nos dados, incerta era a vida de Matahachi. Deixaria que algum acontecimento fortuito guiasse seus passos, decidiu ele. (YOSHIKAWA, 1999, p. 378)
RESUMO
Autores literários e de outros meios e gêneros podem se apropriar de certos
elementos presentes no mundo real, com o objetivo de mimetizarem seus
efeitos em seus mundos imaginários. Isso ocorre frequentemente com os
diversos conceitos do destino e do acaso, que então se tornam tão presentes
na ficção quanto o são em nosso cotidiano fora dela. Os autores utilizam esses
elementos como ferramentas de criação, ocultando seu papel de controladores
e atribuindo-o às forças sobrenaturais. Esta dissertação busca elucidar a forma
como esse processo acontece. Foram escolhidos o clássico literário Jane Eyre
de Charlotte Brönte, o livro contemporâneo A Mulher do Viajante do Tempo de
Audrey Niffenegger e o seriado How I Met Your Mother, também atual. Esse
recorte permite que analisemos como a técnica está presente em uma obra
canônica, seu uso em um best seller que se comunica com a sociedade atual e
também sua transposição para uma obra amplamente veiculada em todo
mundo através da televisão. Este ponto é especialmente importante por vermos
atualmente uma maior valorização da produção televisiva e pela grande
audiência que acompanha este seriado especificamente. A análise da
apropriação destas crenças nos fornece não apenas o aprofundamento do
conhecimento de ferramentas criativas na ficção, mas também nos ajuda a
entender como o ser humano se relaciona com algumas das suas principais
indagações – existe algo que ordene nosso universo, ou estamos imersos no
caos?
Palavras – chave: Acaso. Destino. Literatura. Seriado. Jane Eyre. Charlotte
Brönte. Mulher do Viajante do Tempo. Audrey Niffenegger. How I Met Your
Mother.
ABSTRACT
The authors from literature and other media may appropriate certain elements
present in the real world, with the objective of imitating their effects in their
imaginary worlds. This happens frequently with the diverse concepts of destiny
and chance, who become as present in fiction as they are in our daily lives
outside it. The authors use these elements as creation tools, hiding their role as
controllers and attributing it to supernatural forces. This dissertation has the
goal to elucidate the way this process happens. The chosen works are the
literary classic Jane Eyre by Charlotte Brönte, the contemporary book The Time
Traveler’s Wife by Audrey Niffenegger and the television program How I Met
Your Mother, also contemporary. This selection allows us to analyze how the
technique is present in a canonical work, it’s use in a best seller that dialogues
with contemporary society and also it’s transposition to a work that is highly
broadcasted all over the world through television. This topic is especially
important since there has been an increase in the cultural value attributed to
television productions and the high amount of public that watches this TV show
specifically. The analysis of the appropriation of these beliefs provide us with
not only the deepening of knowledge of creative tools in fiction, but also helps
us understand how the human being relates to some of its main questionings –
is there something that gives order to our universe, or are we immerse in caos?
Keywords: Chance. Destiny. Literature. TV Show. Jane Eyre. Charlotte Brönte.
The Time Traveler’s Wife. Audrey Niffenegger. How I Met Your Mother.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Lições de vida de How I Met Your Mother ...................................56
FIGURA 2 – Confissão 1...................................................................................57
FIGURA 3 - Confissão 2....................................................................................57
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 10
2 O ACASO.......................................................................................................14 2.1 Modelos tecnológicos de Deleuze e Guatarri...................................................17 2.2 O fantástico de Todorov ..................................................................................... 19
2.3 O acaso enquanto motif ................................................................................. 22
2.4 O favoritismo do sobrenatural pelo amor romântico .............................. 24
3 O DESTINO INESCAPÁVEL EM JANE EYRE............................................. 27
3.1 Contextualização social ............................................................................... 27
3.2 O sobrenatural onipresente...................................................................... 35
3.3 O uso da primeira pessoa ....................................................................... 38
4 A CONSPIRAÇÃO DO ACASO EM HOW I MET YOUR MOTHER............. 43 4.1 O numinoso vs. A ciência........................................................................ 43 4.2 A sincronicidade jungiana....................................................................... 45 4.3 O universo como personagem................................................................ 48 4.4 Relação com o público............................................................................. 53
5 A ORDEM FUGIDIA EM A MULHER DO VIAJANTE NO TEMPO.............. 59 5.1 Linha de mundo de Einstein.................................................................... 59 5.2 Distúrbio cronológico e realismo............................................................ 60 5.3 Acidentes temporais................................................................................. 62 5.4 Keats e a capacidade negativa................................................................ 66
6 UMA CONCLUSÃO IMPOSSÍVEL................................................................ 76
REFERÊNCIAS................................................................................................ 81
10
1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da existência humana somos forçados a lidar com o
aspecto caótico de nossa existência no mundo. Nossa falta de controle sobre nossas
próprias vidas e o ambiente onde estamos inseridos indica que estamos à mercê de
um caos desgovernado. Mas há também a possibilidade de sermos peças em um
plano maior, destinados a um final escolhido por uma força além de nossa
compreensão.
O ser humano, só e perdido no mundo, está em uma busca constante por
explicações. Enquanto muitos passam seus dias à procura de respostas e de
alguma forma de estabelecer normas e regras a serem seguidas pelas forças
universais, a aleatoriedade parece ser a única constante perceptível, e resta apenas
se deixar levar pelo fluxo absurdo dos acontecimentos diários. Os seres humanos,
ao se verem perdidos dentro de um universo que não entendem, podem escolher
entre duas opções: procurar explicações dentro de campos como a religião e a
metafísica, ou aceitarem que, de fato, a desordem é a única ordem a ser
encontrada.
Um dos nomes dados para essa força ordenadora é Acaso. Suas diversas
definições (que veremos mais profundamente no próximo capítulo) sugerem duas
possibilidades: a de um acontecimento aleatório e imprevisto (adotada pela ciência),
e a de algo determinado pelo destino, ordenado por uma força maior (vista
frequentemente em produtos midiáticos).
Um termo que se aproxima do primeiro significado é o "absurdo", que de
acordo com Martin Esslin (1968), originalmente caracterizava algo que estivesse fora
de harmonia em uma peça musical. No dicionário Aurélio, absurdo é algo que entra
em conflito com a racionalidade. Uma atitude sem sentido que escapa às regras e
condições pré-determinadas.
adj. Contrário à razão, ao senso comum: intenções absurdas. / Que fala ou age de maneira irracional; estúpido; disparatado; tolo. / &151; S.m. Tolice, asneira, disparate: cair no absurdo. // Por absurdo, falando de uma demonstração, diz-se do raciocínio que prova a verdade de uma proposição, provando o absurdo da proposição contrária. (AURÉLIO ONLINE, 2013).
Para a literatura, Esslin usa o conceito de Ionesco, que ao escrever sobre
Kafka afirmou que "absurdo é aquilo que não tem objetivo... Divorciado de suas
raízes religiosas, metafísicas e transcendentais, o homem está perdido; todas as
11
suas ações se tornam sem sentido, absurdas, inúteis" (IONESCO apud ESSLIN,
1961, p. 304).
―[...] (o homem) encara corajosamente o fato de não ser mais possível àqueles para quem o mundo perdeu sua explicação e significação central continuar a aceitar formas de arte baseadas na preservação de critérios e conceitos que perderam sua validade, isto é, baseadas na possibilidade de se conhecer leis de conduta e valores absolutos decorrentes de uma firme base de certeza revelada sobre o objetivo do homem no universo. (ESSLIN, 1968, p. 346).
O tema é constantemente abordado na mídia. Como ele se relaciona de perto
com uma das maiores angústias humanas, é natural que ele se torne objeto
midiático. Afinal, como explica Everardo Rocha (2008, p. 8), ―o que marca o ser
humano é justamente sua particularidade de possuir e organizar símbolos que se
tornam linguagens articuladas, aptas a produzir qualquer tipo de narrativa‖.
Porém, uma análise de obras que abordam o acaso mostrou que ele não é
meramente retratado na trama de livros, peças, filmes, etc. Ele foi absorvido no
processo criativo, sendo utilizado por autores como inspiração para o
desenvolvimento de técnicas narrativas. Para que a trama ocorra mais fluidamente,
ou para que o autor possa se ocultar por detrás da transparência da linguagem
literária, televisiva, etc, o acaso passa então a reger a vida de personagens, assim
como muitos acreditam ocorrer no nosso mundo real. Assim, a mesma força
ordenadora (ou caótica) com que lidamos diariamente é inserida nos universos
ficcionais.
Para avaliar essa presença metafísica na produção cultural foram escolhidos
três objetos: os livros Jane Eyre e A mulher do viajante do tempo, e o seriado How I
Met Your Mother. Eles foram selecionados por mostrarem abordagens distintas do
acaso, sendo que estas são algumas das principais percepções que o público tem
do conceito.
Jane Eyre, de Charlotte Brontë, é um clássico consagrado, favorito de leitores
desde sua publicação no século XIX até hoje. O sobrenatural tem papel fundamental
no livro, e vemos a governanta Jane lidar com forças ocultas durante todo o
romance, até que ela chegue a seu objetivo no final do livro. O acaso aqui assume
um papel de destino e de predestinação divina, interferindo na vida dos personagens
através de coincidências fortuitas e de sinais numinosos transmitidos através de
forças da natureza, como raios e ventanias. Há um forte teor religioso na trama. As
preces de Jane são dirigidas ao deus Anglicano, que está sempre a postos para
12
guia-la ou resgatá-la.
O seriado lida com uma forma bastante semelhante de acaso. How I Met Your
Mother começou a ser veiculado em 2005 e estreou seu último episódio em março
de 2014. Ao longo de sua produção, o sitcom conquistou um grande número de fãs
mostrando o personagem principal – Ted Mosby - em busca de seu grande amor,
sempre contando com o universo como garantia de que ele está no caminho certo.
As ideias de ‗o que tiver que ser, será‘ ou de que ‗o destino já está escrito‘ permeiam
conversas entre Ted e seus amigos e também as próprias ações dele mesmo e de
outros personagens. Os roteiros dos episódios, quando analisados como um todo,
mostram uma cadeia de acontecimentos que eram necessários para que o destino
de Ted e de seus amigos fosse atingido de acordo com as expectativas de cada um.
Se a representação do acaso em Jane Eyre e How I Met Your Mother
apresenta pontos em comum, a ficção científica /romance A mulher do viajante do
tempo – de Audrey Niffenegger – aborda um aspecto diferenciado. Henry e Clare
são forçados a lidar com uma condição genética que faz com que ele não consiga se
prender ao presente, viajando sem controle entre seu passado e futuro. Ele pode
visitar momentos importantes de sua vida, como seu casamento ou a morte da mãe,
podendo também ser levado para momentos e lugares aleatórios.
Enquanto Henry enfrenta o absurdo inexplicável de sua condição ele encontra
alguns pontos fixos que funcionam como âncoras, atraindo-o com mais frequência e
trazendo alguma estabilidade para sua vida. Ele conhece sua futura esposa em uma
de suas viagens, enquanto ela ainda era criança, começando então a visita-la
diversas vezes ao longo de sua infância e adolescência. Eles inevitavelmente se
casam, mas apenas quando se encontram no presente. Ele também é forçado a
lidar com a irreversibilidade da morte, revisitando diversas vezes o acidente fatal da
mãe. Em todas as visitas ele é incapaz de tomar qualquer atitude que previna o
acidente de carro que a mata.
A trama não identifica a força responsável pelas viagens de Henry. Ao
contrário, ela recolhe depoimentos dos personagens, que registram (como em um
diário) a forma como lidam com esse elemento caótico. Sem encontrar respostas, a
única certeza presente na vida de Henry e Clare é justamente a falta de respostas e
a permanência insistente da dúvida.
O ser humano sempre tentou explicar aquilo que não entendia. Ao
recuperarmos nossas primeiras formas de tentativas de explicar o mundo – os mitos
13
–, vemos que o não saber sempre nos foi insuportável. Os primeiros mitos foram
criados para dar explicações sobre coisas variadas. Histórias foram criadas sobre
deuses que transformavam mulheres em corpos celestes, ou que castigavam
humanos com a explosão de vulcões. Hoje sabemos, por meio da ciência, que o
funcionamento de um vulcão não depende do bom comportamento humano, ou que
as Plêiades não poderiam ter sido sete irmãs, colocadas no céu para que ficassem a
salvo de um caçador gigante apaixonado. Mas outros aspectos do nosso universo
ainda são um mistério completo para nós, e, sem explicações plausíveis,
continuamos buscando amparo na ficção. A mitologia grega conta que os destinos
dos homens e deuses eram tecidos por três irmãs, o que não é muito diferente da
crença de que existe um único deus que planeja o futuro individual de cada ser
humano na Terra.
Ao criarmos religiões, ou ficcionalizarmos algo sobre o qual sabemos pouco
(ou quase nada), buscamos formas de entender esse elemento e de nos
aproximarmos dele, além de também criarmos um contexto onde podemos nos
enganar quanto à nossa impotência diante do desconhecido.
O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmo, as situações de ―estar no mundo‖ ou as relações sociais. (ROCHA, 2008, p. 7).
Nossas narrativas ficcionais, sejam elas místicas ou artísticas, buscam suas
inspirações na realidade, criando a partir disso uma outra esfera de interação entre o
ser humano e seu universo. Analisar a forma como o acaso é retratado nessas
ocasiões não nos proporcionará apenas mais conhecimento quanto às suas
representações culturais feitas na literatura e na televisão. Isso também nos ajudará
a compreender as várias percepções que formamos do acaso e os diferentes
conceitos que atribuímos a ele. Pesquisar o acaso é tentar compreender um aspecto
essencial da nossa humanidade – a angústia da dúvida e a sensação de desamparo
que surge a partir dela.
14
2 O ACASO
Neste trabalho vamos assumir que o acaso é, para os autores das obras aqui
estudadas, aquilo que é percebido como um acidente. Isso não significa que ele será
abordado da mesma forma, até mesmo porque crenças são criadas e definidas de
formas diferentes, dependendo do contexto social e cultural em que a obra está
inserida. Mas ao observarmos a representação do conceito do acaso em diversas
línguas, percebemos que ele é algo constante não apenas na cultura ocidental,
como também na oriental.
Vejamos alguns exemplos. Se em português utilizamos o vocábulo ‗acaso‘
com o significado de acontecimento imprevisto ou ainda a ―causa fictícia de
acontecimentos que aparentemente só estão subordinados à lei das probabilidades‖
(AURÉLIO ONLINE, 2013), em inglês a palavra ‗chance‘ traz um significado bastante
semelhante. ―A - o elemento desconhecido e imprevisível em acontecimentos que
parecem não ter causa definível. B - uma força que presumidamente causa eventos
que não podem ser previstos ou controlados‖ (THE AMERICAN HERITAGE
DICTIONARY, 2003, tradução nossa)1. Em farsi, o acaso aparece como o vocábulo
صادف‗ e em punjabi como Ambos mantém o significado de ,‘ت
acontecimento fortuito, ou coincidência.
De acordo com Carl Sagan – em O Mundo Assombrado pelos Demônios - ―é
natural que as pessoas experimentem vários sistemas de crenças, para ver se têm
valia‖ (1995, p. 29). Isso também se aplica ao acaso e a forma como ele é percebido
por cada indivíduo. Vemos isso nitidamente nas obras analisadas neste trabalho.
Elas abordam o tema de formas muito diferentes, partindo da religião, passando pelo
holismo e chegando ao limiar científico da incerteza. Diferentes explicações são
dadas de acordo com as realidades sociais e com visões particulares de mundo dos
diferentes autores.
Em Jane Eyre, o caminho dos personagens foi cuidadosamente traçado por
um deus Anglicano, assim como o próprio deus de Charlotte Brönte. Ela, que havia
sido criada em um lar religioso (influência pelo pai pároco), transmitiu suas crenças
para sua personagem Jane. De acordo com Elizabeth Gaskell (1857), amiga
1a. The unknown and unpredictable element inhappenings that seems to have no assignable cause.b.
A force assumed to cause events that cannot be foreseen or controlled.
15
próxima e biógrafa da autora, foi a confiança que Charlotte tinha em seu Deus que
impediu que ela sucumbisse ao desespero e à angústia em diversos momentos em
sua vida. O mesmo ocorre com Jane. Autora e personagem tinham uma fé
inabalável na providência divina, como vemos no capítulo vinte e oito, quando Jane
está perdida e sozinha.
Sabemos que Deus está em toda parte; porém, é quando sobre nós se estendem, e em largas escalas, as Suas obras que O sentimos mais nitidamente. E é na noite clara, em que vão rolando em silêncio os Seus mundos, que lemos mais claramente a Sua essência infinita, a Sua onipotência, a Sua onipresença. Eu me ajoelhara para rezar por Mr. Rochester. Olhos rasos d‘água, olhei para o alto, fitei a Via-Láctea. E recordando o que ela representa, as constelações incontáveis que ali sulcam o espaço irmanadas numa faixa azul, senti a ciência, e a força de Deus. Reassegurei-me da Sua capacidade de salvar a Criação. Convenci-me de que não perecerão a Terra, nem as almas, que ela abriga. E a minha prece foi de graças: a Fonte da Vida era também o Redentor dos espíritos. Mr. Rochester estava salvo: era de Deus e por Deus seria guardado. Tornei a me deitar. E, pouco depois, esquecia a tristeza no sono (EYRE, 2008, p. 202).
A palavra Deus é mencionada no livro cento e onze vezes e providência é
usado dez vezes. O segundo vocábulo é sempre utilizado quando um personagem
se refere a uma decisão que deveria ser tomada ou a uma situação onde alguém
precisou ser protegido de alguma forma. Sra. Fairfax e Jane passam por situações
em que agradecem a divina providência por tê-las guiado na direção correta. A
primeira quando escolhe contratar Jane como Governanta: ―Todos os dias agradeço
a Providência a escolha que me ensinou a fazer. Miss Eyre tem sido, para mim, uma
companheira inestimável e, para Adèle, uma mestra carinhosa e solícita‖. (EYRE,
2008, p. 78). E a segunda quando se lembra do momento em que escolheu deixar
Thornfield após descobrir que Sr. Rochester era casado. ―Senti então que estava
certa quando preferi a tradição e os princípios e enxotei e esmaguei os impulsos de
um instante de delírio. Deus me guiara para uma escolha acertada. Graças a Ele,
que assim o fizera!‖ (EYRE, 2008, p. 225)
Os momentos em que os personagens se voltam para Deus para pedir
acolhimento deixam ainda mais claro a força da dependência e confiança que eles
dedicam a essa força. A ela apenas é atribuído que a esposa oculta de Rochester
tenha escolhido atacar o véu de Jane, e não a governanta em si. É também ela
quem salva Jane da morte quando ela está perdida na charneca e a guia para a
segurança, mas somente depois de ser inspirada por uma reza: ―Oh, Providência!
Sustenha-me um pouco mais! Ajude! – guia-me!‖ (BRÖNTE, 2008, p. 206).
16
No entanto, é importante levar em conta o contexto em que a obra surgiu. O
livro foi publicado em 1847 e, como já vimos, escrito por uma autora especialmente
religiosa. É natural que Charlotte tenha buscado as explicações para os fatores
sobrenaturais de sua obra na religião na qual foi educada.
Em How I Met Your Mother o personagem principal tem, assim como Jane,
uma fé inabalável de que seu destino já foi traçado. Ele nomeia quem seria o
responsável por trás disso, se referindo a essa força como Universo. A crença de
Ted é comum a diferentes culturas. No Islamismo temos Maktub – já estava escrito –
um conceito islâmico que estabelece que todos os acontecimentos que surgem na
vida de uma pessoa teriam uma função específica, já que ―fatalisticamente, tudo o
que acontece no universo está previsto pela vontade divina‖ (AURÉLIO ONLINE,
2013).
O Universo estaria em sintonia com todos os seres vivos da Terra e os
movimentaria de acordo com planos já feitos previamente. Basta que os mortais
tenham fé e aceitem aquilo a que são submetidos.
No seriado, tudo e todos estão conectados, como se o Universo fosse uma
grande teia. Jung chama isso de sincronicidade, que afirma justamente a
interconectividade do universo. Porém, ao mesmo tempo que Jung busca a
causalidade física – partindo do campo científico, ele busca também ―preceitos
esotéricos e ocultistas de épocas pré-científicas como indícios de reconhecimento
intuitivo por parte do homem, da presença do princípio de sincronicidade no
universo‖ (PROGOFF, 1973, p.15).
Podemos considerar Sagan como opositor a isso quando ele diz que um dos
maiores apelos da pseudociência é que ela é capaz de dar respostas quando a
ciência não pode. A ansiedade em frente ao desconhecido ―nutre fantasias sobre
poderes pessoais que não temos e desejamos ter. (...) Renova nossa confiança na
centralidade e importância cósmica do homem‖ (SAGAN, 2005, p. 29).
Quando o personagem principal do seriado fala aos filhos, ele fala também ao
espectador. As lições aprendidas por ele devem ser aprendidas também pelo
público, ou pelo menos reconhecidas como verdadeiras dentro do mundo próprio do
seriado.
Crianças, eu tenho contado pra vocês a história de como eu conheci a sua mãe, e apesar de terem muitas coisas para se aprender dessa história, esta pode ser a maior. Os melhores momentos das suas vidas não serão necessariamente coisas que vocês fazem, eles serão também as coisas que
17
acontecem com vocês. Agora, eu não estou dizendo que vocês não podem agir para afetar o desenlace das suas vidas, vocês têm que agir, e vocês irão. Mas nunca se esqueçam que em qualquer dia, vocês podem sair pela porta da frente e suas vidas inteiras podem mudar para sempre. Vocês percebem, o universo tem um plano, crianças, e esse plano está sempre em movimento
2
(HOW I MET YOUR MOTHER, 2009, temp. 4, ep. 22, tradução nossa).
Já o livro A mulher do viajante do tempo de Audrey Niffenegger traz a
incerteza para o campo científico. Enquanto Jane Eyre e How I Met Your Mother
apresentam explicações para as forças que regem seus universos, A mulher do
viajante do tempo busca explicações na ciência para o numinoso presente no livro.
Quando o método científico falha, a incerteza permanece.
O livro levanta diversas questões metafísicas. A autora debate à possibilidade
da viagem no tempo, a existência de diversos universos e de elementos que os
conectem, realidades paralelas, etc. Niffenegger aborda também o destino, a
presença ou a ausência de Deus, a conexão entre almas gêmeas e outras questões
inatingíveis à física quântica. Nesta obra – que será analisada no terceiro capítulo –
a ciência e a metafísica convivem e interagem, sem que haja uma conclusão final,
mas sim ainda mais perguntas.
2.1 Modelos tecnológicos de Deleuze e Guatarri
Deleuze e Guattari trabalham com o conceito de espaço liso e espaço
estriado no quinto volume de Mil Platôs (1997). Partindo dessa ideia, podemos
pensar no universo como uma trama e criar uma relação com os modelos
desenvolvidos por eles. O modelo marítimo pode ajudar-nos a analisar Jane Eyre. O
oceano é por excelência o espaço liso e, por definição, no espaço liso pontos são
subordinados e devem obedecer a um trajeto. De acordo com os autores:
É a subordinação do hábitat ao percurso, a conformação do espaço do dentro ao espaço do fora: a tenda, o iglu, o barco. Tanto no liso como no estriado há paradas e trajeto; mas, no espaço liso, é o trajeto que provoca a parada, uma vez mais o intervalo toma tudo, o intervalo é substância (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 185).
2 Kids, I've been telling you the story of how I met your mother, and while there's many things to learn
from this story, this may be the biggest. The great moments of your life won't necessarily be the things you do, they'll also be the things that happen to you. Now, I'm not saying you can't take action to affect the outcome of your life, you have to take action, and you will. But never forget that on any day, you can step out the front door and your whole life can change forever. You see, the universe has a plan kids, and that plan is always in motion. A butterfly flaps its wings, and it starts to rain. It's a scary thought but it's also kind of wonderful. All these little parts of the machine constantly working, making sure that you end up exactly where you're supposed to be, exactly when you're supposed to be there. The right place at the right time.
18
O trajeto, por sua vez, é construído a partir de mudanças e ações locais, que
ocorrem devido às próprias condições do percurso a ser seguido e também da
variação do objetivo. Os pontos se movimentam para se adequarem a essas
condições, se orientando através de percepções, e não de propriedades. ―(..) o que
ocupa o espaço liso são as intensidades, os ventos e ruídos, as forças e as
qualidades tácteis e sonoras (...)‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 185).
Dessa forma, podemos relacionar isso ao trajeto de Jane dentro do livro.
Apesar de possuir seu livre arbítrio, sua liberdade de mobilidade dentro da trama é
bastante limitada. Ela é guiada pelas ações daqueles que a rodeiam e por
sensações espirituais que a acometem ao longo da obra e que influenciam suas
escolhas quanto às suas próprias atitudes. Assim, as escolhas feitas por ela e pelos
outros personagens são fundamentais para que ela chegue ao seu objetivo. Caso
algum personagem tivesse agido de outra forma isso desencadearia um
desenvolvimento completamente diferente para a trama, e seria impossível obter a
conclusão do romance na forma em que nós a lemos.
O modelo tecnológico desenvolvido por eles é especialmente interessante por
mostrar a oposição entre as características dos acasos demonstrados em How I Met
Your Mother e em A Mulher do Viajante do Tempo.
Aqui são usados o tecido e o feltro como exemplos de oposição. O tecido
poderia ser caracterizado como um espaço estriado por ser formado a partir de dois
elementos paralelos, mas que possuem funções diferentes. Enquanto alguns desses
elementos são fixos, outros são móveis, e estes se deslocam entre aqueles que são
estáticos. Outra característica seria a delimitação do espaço.
Em terceiro lugar, um tal espaço estriado está necessariamente delimitado, fechado ao menos de um lado: o tecido pode ser infinito em comprimento, mas não na sua largura, definida pelo quadro da urdidura; a necessidade de um vai-e-vem implica um espaço fechado (e as figuras circulares ou
cilíndricas já são elas mesmas fechadas) (DELEUZE; GUATTARI, 1997,
p. 180).
Já o espaço liso é representado pelo feltro, que possui um comportamento
completamente diferente por não ser feito através de um processo de
entrelaçamento, mas sim de prensa. Isso faz com que não haja diferenciação entre
fios e fibras, mas sim, um emaranhado sem começo ou fim.
Os autores também estabelecem uma associação com o tricô e o crochê.
Enquanto no tricô uma das agulhas cria a cadeia, e a outra as tramas. Mesmo que
19
elas se alternem, criam assim um espaço estriado. O crochê é diferente, já que a
agulha cria espaços abertos que podem ser continuados e qualquer direção
desejada.
O modelo tecnológico estriado se organiza da mesma forma que o Universo
dentro do seriado analisado aqui. As vidas dos personagens são guiadas por
objetivos já pré-definidos para eles. Diversos fatores variam ao longo das
temporadas, e os personagens mudam de ideia várias vezes. Ainda assim, as
atitudes tomadas por eles e mudanças causadas por outras questões dentro da
trama não alteram o destino final do trajeto. Isso é estático e inalterável.
O personagem Ted Mosby passa por diversos relacionamentos ao longo das
temporadas do seriado. Ele fica noivo duas vezes antes de finalmente conhecer a
mulher com quem definitivamente se casaria. Em ambos os noivados ele fica
confiante de que tomou a decisão certa e faz esforços para que tudo dê certo.
Porém, obstáculos surgem, e mais uma vez ele deve voltar a procurar a mulher de
sua vida. ―Essa é a coisa engraçada quanto ao destino, ele acontece tendo você
planejado ou não‖ (HOW I MET YOUR MOTHER, 2005, temp. 1, ep. 1, tradução
nossa).3 Assim, vemos que os personagens não têm escolha, além de esperar até
que o Universo revele seu plano final para eles.
O modelo tecnológico liso, por sua vez, é um representante do acaso dentro
do romance de Niffenegger. Não se sabe onde começa e termina o acaso. Suas
ações dentro do livro não são explicadas, e os personagens nunca chegam a
entender como o universo dentro da obra funciona. O destino, o sobrenatural e o
caos são engrenagens dentro desse acaso que dão pistas quanto ao que
personagens e leitores podem esperar dele, mas ainda assim ele permanece
indefinido. As únicas informações que a autora oferece são aquelas vivenciadas por
Clare e Henry, que nunca chegam a conclusão alguma.
2.2 O fantástico de Todorov
As três obras selecionadas possuem a temática comum do acaso causado
pelo sobrenatural, que surge de forma inexplicada. Para Tzvetan Todorov (2010),
isso se encaixa dentro da categoria do fantástico, ao fazer com que as leis reais e
naturais se relacionem com o imaginário místico ou sobrenatural.
3 That‘s the funny thing about destiny, it happens whether you planed it or not
20
Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste mesmo mundo familiar. Aquele que o percebe deve optar por uma das duas soluções possíveis; ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimento realmente ocorreu, é parte integrante da realidade, mas nesse caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós. (TODOROV, 2010, p. 30).
Os próprios personagens das narrativas fantásticas percebem essa relação,
sentindo a intromissão do fantástico em seus universos que eram, até então,
perfeitamente normais. Todorov nos apresenta a definição de três textos clássicos
sobre o tema.
Castex escreve em Le Conte fantastique em France: ―O Fantástico...se caracteriza...por uma intromissão brutal do mistério no quadro da vida real‖ (p. 8). Louis Vax, em L’Art et la Littérature fatastiques: ―A narrativa fantástica...gosta de nos apresentar, habitando o mundo real em que nos achamos, homens como nós, colocados justamente em presença do inexplicável‖ (p. 5). Roger Caillois em Au Coeur du fantastique: ―Todo o fantástico é ruptura da ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade cotidiana‖. (TODOROV, 2010, p. 30).
Assim, não é apenas o universo da obra que é invadido por objetos e ações
absurdos. O público também passa a se relacionar com esses elementos. O
leitor/espectador deve lidar com estas questões, hesitando diante dos
acontecimentos e, assim como os personagens, deve decidir se o sobrenatural ali
presente não seria, de fato, explicado por leis naturais.
A decisão feita pelos sujeitos intra e extra obra acabam por definir em qual
gênero a obra se encaixa. Se eles decidem que as leis do real não foram alteradas e
que os fenômenos possuem explicações naturais, a obra pertence ao gênero
estranho. Mas, se decide-se que novas leis naturais são necessárias para que os
fenômenos possam ser compreendidos a obra passa a fazer parte do maravilhoso.
Os trabalhos estudados aqui pertencem ao último gênero.
No maravilhoso o sobrenatural é algo inicialmente estranhado, mas que será
aceito. Narrativas maravilhosas sugerem a existência do fantástico mais fortemente
por manter a ausência de explicações, mantendo o limite entre natural e
sobrenatural, mesmo que detalhes presentes na trama auxiliem o leitor e os
personagens a se decidirem.
As tramas de Jane Eyre, A mulher do viajante do tempo e How I Met Your
Mother agem dessa forma. Os universos interiores das obras são submetidos à
participação constante do fantástico, que é recebido por seus habitantes com uma
21
mistura de surpresa e aceitação. Jane se relaciona bem com as eventuais vozes
carregadas pelo vento e sensações premonitórias. Henry e Clare, quando
incialmente apresentados à viagem do tempo, reagem inicialmente com assombro,
mas então a aceitam como algo cotidiano. E Ted, apesar de contar com a
interferência de forças sobrenaturais, se surpreende ao perceber suas ações. Esses
personagens, ao se verem diante do inexplicável, não buscam decifrá-lo. Apenas
aceitam sua existência e o incorporam em suas vidas como algo que é então quase
que naturalizado. Forças incialmente alheias aos seus mundos são integradas a eles
com tranquilidade.
Para Todorov, o fantástico proporciona uma contribuição única para as obras
onde é inserido.
Primeiramente o fantástico produz um efeito particular sobre o leitor – medo, ou horror, ou simplesmente curiosidade -, que os outros gêneros ou formas literárias não podem provocar. Em segundo lugar, o fantástico serve à narração, mantém o suspense: a presença de elementos fantásticos permite à intriga uma organização particularmente fechada. Finalmente, o fantástico tem uma função à primeira vista tautológica: permite descrever um universo fantástico, e este universo nem por isso tem qualquer realidade fora da linguagem; a descrição e o descrito não são de natureza diferente. (TODOROV, 2010, p. 100).
Isso permite que o autor controle diversos aspectos de sua obra. O fantástico
consegue auxiliar o autor e o narrador na manutenção do ritmo da narrativa pela sua
natureza repentina, inesperada, e permite até mesmo que sejam previstas algumas
das reações do público. Além disso, o fantástico dá liberdade total ao autor de
alterar o universo da forma como o conhecemos e usar quaisquer elementos que
queira sem preocupações práticas - como por exemplo a separação entre espírito e
matéria, a viagem no tempo e o destino pré-determinado, coisas completamente
improváveis no nosso mundo real.
Um dos pontos comuns entre as obras é a narrativa em primeira pessoa (que
será observada em maior profundidade no capítulo seguinte). Esta técnica também
permite que o autor ou roteirista exerça um desígnio específico e tenha maior
controle sobre sua narrativa. O uso do narrador em primeira pessoa indica uma
intenção do autor de valorizar o discurso de seu personagem, e não o seu próprio.
Quando somos apresentados a um narrador, automaticamente lhe damos nossa
confiança. Não esperamos que ele minta para nós. Essa confiança é redobrada
quando a narrativa é exposta através de uma pessoa comum. O leitor/espectador se
22
identifica com o personagem/narrador, e assim é mais fácil que o público aceite os
acontecimentos maravilhosos.
Enfatiza-se então o fato de que se trata do discurso de uma personagem mais do que do discurso do autor: a palavra está sujeita à caução, e podemos muito bem supor que todas as personagens sejam loucas; entretanto, pelo fato de não serem introduzidas por um discurso distinto do narrador, emprestamo-lhes ainda uma confiança paradoxal. Não nos é dito que o narrador mente e a possibilidade de que possa mentir de algum modo estruturalmente nos choca (...). (TODOROV, 2010, p. 94).
2.3 O acaso enquanto motif
A escolha do uso do elemento sobrenatural do acaso, enquanto tema do
fantástico, também favorece bastante essa intenção do autor disfarçar suas
intervenções na narrativa.
Em obras como as selecionadas, fica claro como o acaso pode se tornar uma
força incentivadora, atrás da qual autores podem facilmente se ocultar. Nelas vemos
como o conceito de câmera de Normam Friedman pode ser aplicado. É como se o
autor não fosse o construtor da história, desaparecendo dentro da narrativa. O acaso
é um fingimento e o autor permanece presente. A analogia com a câmera se encaixa
bem, pois a câmera nos ilude, fazendo parecer que não há alguém que a manipula.
Porém, o desaparecimento do autor nessa situação é ainda uma forma de ele
se impor.
"A arte da ficção", afirma, "não tem início até que o romancista pense sua estória como algo a ser mostrado, a ser tão exposta que se conte por si mesma [em vez de ser contada pelo autor]... ela deve parecer verdadeira, e é tudo. Ela não se faz parecer verdadeira por simples afirmação". Se a "verdade" artística é uma questão de compelir a expressão, de criar a ilusão da realidade, então um autor que fale em sua própria pessoa sobre as vidas e fortunas de outros estará colocando um obstáculo a mais entre sua ilusão e o leitor, em virtude de sua própria presença. Para remover esse obstáculo, o autor pode optar por limitar as funções de sua própria voz pessoal de uma maneira ou outra: "A única lei que ele deve obrigatoriamente obedecer, seja qual for o curso que esteja perseguindo, é a necessidade de ser consistente em algum plano, de seguir o princípio que adotou; e, obviamente, trata-se de um dos primeiros de seus preceitos, assim como para cada artista, de qualquer gênero, permitir-se apenas a latitude necessária, nada mais". (LUBBOCK apud FRIEDMAN, 2002, p. 170).
O autor assume então uma postura de contar/mostrar, em que usa seu
personagem para fazer com que a trama se conte por si mesma. Ele se oculta por
trás de técnicas narrativas e ferramentas disponibilizadas pelo dispositivo para exibir
sua estória sem que sua voz fale explicitamente. Isso é feito para que a trama seja
favorecida e possa ser contada da melhor forma possível. Como diz Friedman:
23
Quando um autor capitula na ficção, o faz para conquistar; ele abre mão de alguns privilégios e impõe certos limites para criar a ilusão da estória de maneira mais eficaz, o que constitui verdade artística em ficção. E é a serviço dessa verdade que ele põe toda a sua vida criativa. (FRIEDMAN, 2002, p 182).
O acaso funciona como um motif – ou seja, ―um elemento conspícuo, como
um tipo de incidente, aparato, referência ou fórmula que ocorre frequentemente em
trabalhos de literatura‖ (ABRAMS, 1999, p. 169)4. Um motif seria ainda:
A frequente repetição dentro de uma única obra de uma frase verbal ou musical significativa, ou uma descrição fixa ou complexo de imagens, como nas operas de Richard Wagner ou nos romances de Thomas Mann, James Joyce, Virginia Woolf, e William Faulkner‖ (ABRAMS, 1999, p. 170, tradução nossa)
5.
Considerando a possibilidade que o conceito de tema seja intercambiável com
o de motif, (como determinado por Abrams, 1999), podemos ainda considerar a
aplicação do primeiro como definição de ―um conceito ou doutrina geral, seja
implícito ou declarado, que um trabalho imaginativo é projetado para incorporar e
tornar persuasivo para o leitor‖ (ABRAMS, 1999, p. 170, tradução nossa).6
As definições de Abrams incluem o uso feito do acaso dentro das obras
selecionadas aqui. O acaso, representado em suas diversas formas (providência,
destino, aleatoriedade), é mencionado com frequência pelas autoras dos romances
e pelos roteiristas do seriado. Ele é ainda bastante significativo, sendo que o
andamento e a conclusão das tramas dependem fortemente dele.
As várias representações do acaso são uma constante em obras de diversos
gêneros, mas são especialmente participantes dentro da literatura fantástica. Para
Todorov (2010), essas forças fazem parte de um sonho de ganho de poder e
substituem ainda uma causalidade chamada por ele de deficiente. Se parte dos
acontecimentos em nossas vidas podem ser explicados facilmente de forma
racional, a porção de eventos sem explicação plausível seria então fruto do acaso,
uma ―causalidade isolada, que não está ligada diretamente às outras séries causais
que regem nossa vida‖. (TODOROV, 2010, p. 118). Se o acaso, especificamente,
4 ―A conspicuous element, such as a type of incident, device, reference, or formula, which occurs
frequently in works of literature‖.
5 ―The frequent repetition within a single work of a significant verbal or musical phrase, or set
description, or complex of images, as in the operas of Richard Wagner or in novels by Thomas Mann, James Joyce, Virginia Woolf, and William Faulkner‖. 6 “A general concept or doctrine, whether implicit or asserted, which an imaginative work is designed
to incorporate and make persuasive to the reader‖.
24
não for o conceito adotado, escolhe-se então uma causalidade generalizada
(TODOROV, 2010) que estabelece a conexão necessária entre os fatos e que
apresenta a intervenção sobrenatural.
O acaso e as suas variações (sorte, destino, etc) se transformam dentro do
acaso em um conceito mais amplo da causalidade generalizada, chamada também
por Todorov (2010) de pandeterminismo; ou seja, uma causalidade cuja origem e
especificação nos é desconhecida.
―Tudo, até o encontro de diversas séries causais (ou ―acaso‖) deve ter sua causa,
no sentido pleno da palavra, mesmo que esta só possa ser de ordem sobrenatural‖.
(TODOROV, 2010, p. 119).
Assim, nenhum elemento presente no universo é irrelevante, mesmo que ele
não aparente ter nada de extraordinário. ―Pois neste mundo não há nada de errôneo,
nem mesmo de estúpido. Sentir um erro é simplesmente não ver o esquema no qual
se inscreve tal acontecimento, não saber a que nível hierárquico este acontecimento
pertence‖. (WATTS apud TODOROV, 2010, p. 120).
Se tudo em um universo possui um significado e uma importância única, os
limites entre matéria, espírito e mente deixam de ser determinantes e passam a
permitir interações entre campos que normalmente estariam completamente restritos
a si mesmos. Todos os elementos podem, então, se comunicar, como se
pertencentes a uma única rede (algo que será abordado com maior profundidade no
quarto capítulo).
O espaço e o tempo são alguns dos principais elementos estruturais na
realidade, e sua estabilidade é um ponto primordial na relação entre o ser humano e
o mundo real e também da percepção que criamos dele. Mas, em textos fantásticos,
essa rigidez se perde e eles se tornam fluídos. ―O tempo e o espaço do mundo
sobrenatural (...) não são o tempo e o espaço da vida cotidiana. O tempo parece
aqui suspenso, ele se prolonga muito mais além daquilo que se crê possível‖.
(TODOROV, 2010, p. 126).
2.4 O favoritismo do sobrenatural pelo amor romântico
As forças sobrenaturais dos mundos fantásticos também afetam as vidas de
seus habitantes de outras formas, elas se intrometem com bastante frequência em
situações em que o amor romântico está envolvido. Se o relacionamento é aceito
pelas regras estabelecidas pelas forças de um determinado universo ficcional (ser
25
puro, previsto por uma lenda, um encontro entre almas gêmeas, etc), elas farão com
que o casal se una, mesmo que obstáculos tentem impedi-los.
Jane Eyre cruza o caminho de Rochester acidentalmente, e essa passagem
marca o início do relacionamento entre os dois. Posteriormente ela é levada de volta
a Rochester por vozes no vento, mas isso ocorre apenas depois que ele havia se
redimido diante dos olhos da providência divina. Apesar de Ted Mosby e Tracy
terem quase se conhecido em diversas ocasiões, eles se conhecem de fato somente
na noite em que ela supera a morte do ex namorado e se abre para a possibilidade
de se apaixonar novamente.
Quanto à A Mulher do Viajante do Tempo, a partir dos 36 anos de Henry,
suas viagens aleatórias ao passado o levam diversas vezes para a propriedade da
família de Clare, ainda com seis anos de idade. Quando eles finalmente se
encontram no presente dele (com 26 anos), Clare está com 20 anos e,
convenientemente, sabe tudo sobre suas viagens no tempo. Para um homem
problemático, taciturno e sem esperanças de felicidade, o surgimento de uma mulher
que não apenas conhece, mas também aceita seu segredo obscuro, é praticamente
um milagre. Eles podem ter se atraído através do espaço-tempo por serem almas
gêmeas, ou o espaço-tempo pode ter criado as condições para que eles se
tornassem pares ideais. Independentemente dos porquês (que nunca terão
resposta), ao levar Henry à infância de Clare, as forças desse universo criaram laços
duradouros entre os dois que acabaram por se transformar em um relacionamento
amoroso ideal.
Nós leitores não nos sentimos incomodados ao sermos confrontados com
esses acontecimentos por sabermos que estamos inseridos em universos ficcionais
controlados pelo maravilhoso, pelo fantástico. Compreendemos que a escolha do
autor de trazer o sobrenatural para sua trama é feita para que o texto se abra a
possibilidades que escritas realistas não proporcionariam. ―Para muitos autores, o
sobrenatural não era senão um pretexto para descrever coisas que não teriam
nunca ousado mencionar em termos realistas‖ (PENZOLT apud TODOROV, 2010, p.
167). Todorov (2010, p. 167) completa ainda que ―podemos duvidar de que os
acontecimentos sobrenaturais não passem de pretextos, mas há certamente uma
parte de verdade nesta afirmação: o fantástico permite franquear certos limites
inacessíveis quando a ele não se recorre‖.
26
O acaso, com sua função pandeterminística, é então o responsável apontado
para os acontecimentos dentro das obras, assim como fazemos em nossas próprias
vidas. Dentro ou fora da ficção, ele possui o papel de ferramenta sobrenatural
ordenadora e criadora de significados e de conexões. É sensato que os autores e
roteiristas se apropriem disso, levando parte do maravilhoso presente no nosso dia a
dia para suas obras, aproximando ainda mais as angústias e dúvidas existenciais de
seus personagens da humanidade real que inspirou suas criações.
27
3 O DESTINO INESCAPÁVEL EM JANE EYRE
Obras artísticas têm uma natureza dupla. De acordo com Lefebve (1975), se
por um lado elas se fecham em si mesmas enquanto objetos de linguagem, elas
também se abrem para o mundo onde estão inseridas, interagindo com essa
realidade. Assim, a obra existe em um entrelugar, estando presente em sua própria
realidade ficcional e também na realidade externa a ela.
Como a linguagem literária é aberta ao nosso mundo real, ela tem o privilégio
de expor questões que as ciências não são capazes de explicar. Se obras de
diversas mídias funcionam como um retrato do mundo e de nossa existência dentro
dele, elas são também uma forma de interrogação dessa vivência e do papel do ser
humano dentro do universo que ocupa.
3.1 Contextualização social
No século XIX surgiu um livro com uma sensibilidade especial para o
questionamento do arranjo social de sua época e também de dúvidas metafísicas,
que abordam as raízes de uma das maiores incertezas da humanidade: existe algo
que rege nossas ações ou um destino já traçado para nós sem que estejamos
cientes disso? O livro é Jane Eyre, uma obra notável exatamente por visivelmente
constituir esse limiar entre o ficcional e o documental.
Jane Eyre foi publicado em 1847 por Charlotte Brontë, a filha mais velha de
uma família que veio a ser conhecida pela criatividade e talento artístico não apenas
de Charlotte, mas também de suas irmãs Emily (que escreveu O Morro dos Ventos
Uivantes) e Anne (autora de Agnes Grey).
O romance foi a segunda tentativa de publicação de Charlotte. A primeira, o
livro O Professor, rendeu apenas uma resposta encorajadora da editora, mas Jane
Eyre foi imediatamente levado ao público, e a recepção foi tão positiva que a autora
se viu famosa de repente.
O contexto da época era de mudanças. De acordo com Arnold Weinstein
(2013), o final da década de quarenta no século XIX foi um momento de revoluções
fracassadas na Europa, mas ainda assim os líderes vitoriosos estavam lidando com
grupos sociais que lutavam por mais diretos, o socialismo e outras movimentações.
Exemplo dessas alterações foi a primeira convenção de direitos das mulheres,
realizada em 1848 nos Estados Unidos.
28
Essas reinvindicações se mesclavam, transformando-se em uma ameaça
insurrecional e contracultural para a hierarquia social. E assim Jane Eyre, que
questiona os limites entre classes sociais e o papel da mulher na sociedade, dentre
outros temas controversos, foi recebido como um trabalho de autoafirmação e de
insurreição. Weinstein acredita que é importante que o leitor tenha essas
informações para que ele compreenda o porquê de a obra possuir um potencial
ameaçador tão grande.
Jane, que impressiona o leitor do século XXI como uma figura amável e
espirituosa, é uma figura que perturbou leitores em 1847. O trabalho foi um
grande sucesso da noite para o dia, mas a própria Jane foi frequentemente
criticada. Que ela foi vista como insurrecionista, ela foi vista como alguém
que desafia os modelos apropriados de autoridade da sua época, então é
realmente voltar a aquela questão sobre a agência feminina, sobre a auto
assertividade feminina (WEINSTEIN, 2013, tradução nossa)7.
As irmãs Brontë lidavam com as limitações impostas ao seu sexo e
recorreram a uma estratégia usada por outras mulheres escritoras para receberem
atenção do mercado editorial. Charlotte, Emily e Anne ocultaram seu gênero,
escolhendo nomes falsos. Em uma nota biográfica do prefácio da edição de 1910 de
Morro Dos Ventos Uivantes, Charlotte explica que:
Aversas à publicidade pessoal, nós velamos nossos próprios nomes sob os
de Currer, Ellis e Acton Bell; a escolha ambígua sendo ditada por uma
forma de escrúpulo consciencioso ao assumir nomes Cristãos positivamente
masculinos, enquanto nós não gostávamos de nos declararmos mulheres,
porque – sem na época suspeitarmos que nossa forma de escrita e
pensamento não era o que é chamado ‗feminino‘ – nós tínhamos uma vaga
impressão de que autoras eram suscetíveis a serem vistas com preconceito;
nós tínhamos notado como críticos às vezes usam para seus castigos a
arma da personalidade e para sua recompensa, um lisonjeio que não é
elogio verdadeiro (BRONTË, 1910, tradução nossa).8
7 Jane, who strikes a reader in the 21st century, as a lovable feisty figure, is a figure who disturbed
readers in 1847. The book was a huge success overnight. But Jane herself was frequently criticized that she was thought of as insurrectionary. She was thought of as someone who challenged the appropriate authority models of her time. So, it's all really getting back to that question about female agency, about female self assertion (…). 8Averse to personal publicity, we veiled our own names under those of Currer, Ellis and Acton Bell; the
ambiguous choice being dictated by a sort of conscientious scruple at assuming Christian names
positively masculine, while we did not like to declare ourselves women, because — without at that
time suspecting that our mode of writing and thinking was not what is called 'feminine' – we had a
vague impression that authoresses are liable to be looked on with prejudice; we had noticed how
critics sometimes use for their chastisement the weapon of personality, and for their reward, a flattery,
which is not true praise.
29
No livro, a órfã Jane Eyre enfrenta uma infância de abusos físicos e
psicológicos. Ela passa seus primeiros anos na casa de uma tia, sendo tratada com
desprezo até ser enviada a uma instituição de caridade para ser educada - a
Instituição Lowood. Lá seus primeiros anos são marcados por maus tratos que,
aplicados a todas as alunas, eventualmente levam a escola a uma epidemia de tifo.
Nas passagens da Instituição Lowood, vemos alguns dos elementos
autobiográficos mais marcantes do livro. Assim como Jane, Charlotte também foi
aluna em uma instituição semelhante, juntamente com suas irmãs Maria, Elizabeth e
Emily. Lá as irmãs Brontë viveram sob condições próximas às vividas por Jane, e
biógrafos acreditam que a personagem Helen Burns, que era perseguida e
maltratada por uma professora, foi baseada em Maria.
Assim como no livro, a escola teve uma epidemia, mas de tuberculose, que
juntamente com as condições insalubres da instituição foi responsável pelas mortes
de Maria e de Elizabeth em 1825. Apesar de Charlotte e Emily terem sido retiradas
da escola, o tempo passado lá deixou marcas permanentes na saúde de ambas.
De volta à obra. Jane permanece na escola – que após a epidemia passa a
uma nova diretoria – e termina sua educação. Após oito anos na instituição ela
consegue uma colocação como governanta, anunciando sua disponibilidade em um
jornal e recebendo apenas uma resposta. A administradora de Thornfield – Sra.
Fairfax - a convida para ensinar a jovem Adele, colocada sobre os cuidados do
mestre da casa, que estava frequentemente viajando no exterior e raramente
visitava a Inglaterra.
Jane é bem recebida na casa, mas seus primeiros meses em Thornfield são
monótonos, e sua convivência social é restrita a algumas empregadas da casa, sua
pupila e a Sra. Fairfax. O nome do patrão é mencionado raramente e como algo
distante.
Justamente a falta de variedade no cotidiano da casa faz com que Jane
busque novidades onde era possível a ela, e em uma tarde especialmente parada,
se oferece para postar uma carta para Sra. Fairfax. É justamente essa ação que a
coloca no caminho de seu futuro marido. Ela e Sr. Rochester se conhecem de forma
bastante inusitada e abrupta, em uma das cenas com maior teor fantástico e
sobrenatural do livro.
30
Se esta primeira publicação de Charlotte contrastava com o ideal político
vigente, a presença do sobrenatural no livro se encaixava bem nos interesses do
público leitor da época. Como explica Safranski (2010), acontecimentos no século
XVIII fizeram com que o Iluminismo, e consequentemente a razão, perdessem
forças. As camadas sociais mais baixas não haviam sido atingidas pelo movimento e
a aristocracia do momento preferia práticas como a consulta a oráculos do que o
pensamento totalmente racional. Além disso, guerras que ocorreram nos anos 1780
e 1790 mostravam que a razão não era capaz de controlar tudo, especialmente a
natureza humana. Começa-se a ver a razão como algo incompleto e incapaz de
compreender ―a profundidade da vida e seu lado noturno‖. (SAFRANSKI, 2010, p.
52).
A literatura refletiu essa mudança, e os românticos atenderam ao desejo do
público pelo oculto. Charlotte participou dessa tendência, assim como sua irmã
Emily (que publicou Morro dos Ventos Uivantes também em 1847).
Emergindo na cultura literária do final do século, a ânsia pelo secreto e
fascinante é sintoma de uma mudança de mentalidade que rechaça o
espírito racionalista. Muitos duvidam do gradual crescimento do progresso
iluminado e até se desesperam, sonhando com um estado de emergência
que lhes permita deixar de lado algumas etapas e fazer logo a sua
felicidade individual – antes ainda que a razão triunfante garanta a felicidade
da humanidade. Aguardam-se mudanças surpreendentes, encontros que
tragam a grande felicidade. Os romances vivem disso. ―Sem nada suspeitar,
saí de casa, quando de repente...” (SAFRANSKI, 2010, p.52).
O destino então se torna fundamental dentro desses romances. Ele é a força
motriz que coloca todas as peças da trama em movimento e garante que elas
desempenhem seu papel apropriadamente. ―O poder miraculoso do destino ata elos
surpreendentes, deixa cair os homens, deixa-os galgar a alturas inimaginadas‖.
(SAFRANSKI, 2010, p. 52), explica. E foi exatamente isso que o destino fez no
momento em que Jane e Rochester são apresentados.
Ao caminhar sozinha por uma estrada em uma tarde de inverno, a criatividade
de Jane se apropriou das condições do ambiente (a aproximação do crepúsculo, a
estrada deserta, a lua já no céu) e reagiu adequadamente a barulhos que surgiram
repentinamente. Ela ouviu ruídos que indicavam a vinda de um cavalo adiante na
estrada, mas o interesse de Jane no sobrenatural levou-a a considerar outras
possibilidades.
Jovem, toda sorte de fantasias lindas e horrendas, povoavam-me o espírito;
entre farrapos de lembranças, nele se acumulavam recordações das
31
narrativas de Bessie. E estas, quando ressuscitavam, eram muito mais
impressivas de que na infância, porque traziam o vigor e a nitidez que a
mocidade lhes emprestava (BRONTË, 2008, p. 72).
A imaginação de Jane (que apreciou o estímulo que faltava no dia a dia
rotineiro de governanta) se voltou para uma lenda sobre um espírito do norte da
Inglaterra, o Gytrash, que assumia a forma de um cavalo, mula ou cão. Ele
assombrava viajantes que passavam por caminhos solitários. Com a aproximação
do barulho, surgiu entre a neblina um grande cachorro, que calmamente ignorou a
presença de Jane. Ele veio seguido de um cavalo montado por um homem,
desiludindo de vez a fantasia de Jane, já que o espírito da história não poderia ser
cavalgado por um humano. Tanto o cavalo quanto o cão eram apenas
acompanhantes de um homem como qualquer outro.
Com o passar do grupo, ela se prepara para seguir seu caminho quando
escuta o barulho de algo deslizando e uma exclamação contrariada. O cavalo havia
escorregado no gelo e caído, levando consigo o cavaleiro. O homem é forçado a
pedir ajuda à única pessoa ali presente para subir novamente em seu cavalo. Ele
não se apresenta, mas durante a breve interação com ela descobre que ela é a
governanta de Thornfield. Eles se despedem e cada um segue seu caminho.
Para Jane o evento já estava terminado. Como ela mesma diz ―o incidente
havia ocorrido e passado para mim: tinha sido um incidente sem importância, sem
romance, sem interesse de certa forma‖ (BRONTË, 2007, p. 109, tradução nossa)9. No
entanto, ela também admite que aquela hora havia sido uma variação na monotonia
de sua vida. Mesmo que ela tivesse realizado uma ação trivial, havia ainda assim,
sido algo ativo, contrário à passividade que regrava sua existência. Outro fator
importante também era marcante no ocorrido: ele havia proporcionado a Jane um
momento de interação com alguém do sexo oposto. Cercada de mulheres toda sua
vida, a aparição de um homem, mesmo que breve, havia deixado uma marca
duradoura.
A nova face, também, era como uma nova pintura introduzida à galeria da
memória; e era diferente de todas as outras penduradas lá: primeiramente
porque era masculina; e, segundamente, porque era escura, forte e severa.
Eu ainda a tinha diante de mim quando entrei em Hay, e entreguei a carta
9 The incident had occurred and was gone for me: it was an incident of no moment, no romance, no
interest in a sense
32
dentro da agência postal; eu a via enquanto andava depressa descendo a
colina no caminho de casa10
(BRONTË, 2007, p. 110, tradução nossa).
No caminho de volta para Thornfield, ela se mantém atenta a barulhos na
estrada e a quaisquer indícios que pudessem indicar que cão, cavalo e homem
pudessem surgir novamente. Porém, a estrada até a casa permanece vazia.
Somente quando Jane chega em casa, ela (e nós, leitores) descobrimos que
o cavaleiro era seu patrão. Coincidentemente, ao passar pela porta Jane conversa
consigo mesma sobre como seria bom ter mais aventuras em sua vida, sobre como
seria benéfica uma vida de incertezas e de provações. Voltar a Thornfield
representava voltar para a estagnação de seu dia a dia. Ela sofre com essas
antecipações e indagações até chegar na cozinha e ver um cão deitado em frente ao
fogão. Ela o reconhece como o animal encontrado na estrada e percebe que seu
dono era o Sr. Rochester, dono de Thornfield.
Os pedidos de Jane por mais emoção e aventura são atendidos. Desde o
momento em que ela conhece Rochester, é exatamente isso que acontece. Aos
poucos ela se apaixona pelo patrão, se sentindo atraída principalmente por sua
natureza obscura e misteriosa. O passado de Rochester é uma incógnita, contado
por ele como algo cheio de sofrimento e tentações às quais ele não pôde resistir – o
exato oposto de Jane. Ela representava para Rochester a pureza e força de caráter
que ele havia rejeitado em sua juventude. Assim, ele se aproxima dela, esperando
que através desse relacionamento pudesse se redimir de seus pecados anteriores.
Ele se declara e a data do casamento é marcada às pressas e sem que fosse feito
alarde.
No dia do casamento, Jane e o leitor recebe então a resposta para um
mistério que permeia a vida da governanta em Thornfield. Em diversas passagens
ela se depara com o que parece ser acessos de loucura de uma das empregadas,
que durante o dia ajuda nos serviços da casa e aparenta ter sua sanidade intacta,
mas demonstra à noite uma série de comportamentos inusitados que pareciam ser
percebidos apenas por Jane. Ela ouve uivos e risos, sonha com uma mulher que
invade seu quarto durante a noite e é chamada por Rochester para ajudar a cuidar 10
The new face, too, was like a new picture introduced to the gallery of memory; and it was dissimilar
to all the others hanging there: firstly, because it was masculine; and, secondly, because it was dark,
strong, and stern. I had it still before me when I entered Hay, and slipped the letter into the post-
office; I saw it as I walked fast down-hill all the way home.
33
de um visitante que havia sido violentamente atacado por essa pessoa. Ele oferece
uma explicação simplória e pede que Jane ignore o assunto, e ela obedece.
Durante a cerimônia a igreja está vazia, com a exceção de duas pessoas
desconhecidas, que interrompem os votos para afirmarem que o casamento seria
impossível. Rochester já era casado, e ele é forçado a revelar o motivo. Enganado
pelo pai e pelo irmão, ele havia se casado ainda jovem com uma mulher louca, que
viva presa em um sótão em Thornfield. A criada instável era na verdade sua
enfermeira, e a esposa seria a razão de Rochester viajar tanto e ter se entregue a
vícios e amantes em outros países.
Chegamos então a uma divisão do livro. Jane deve fazer uma escolha: se
tornar amante de Rochester (o que significaria viver em pecado) ou se distanciar de
seu patrão, deixando-o para trás juntamente com sua pupila e os novos amigos. Ela
escolhe fugir, mas devido ao desespero de abandonar um lugar onde havia sido tão
feliz e à revelação de algo que teria impossibilitado permanentemente sua união
com Rochester, Jane se perde em uma localidade desconhecida.
Nessa parte da trama vemos outra passagem onde o sobrenatural é
fundamental. Dois dias após deixar Thornfield, sem dinheiro e ainda sem ter
conseguido uma situação estável de subsistência, tendo recebido apenas esmolas,
Jane escolhe uma estrada para seguir, sendo influenciada apenas pelo sol e a
direção que permitisse que ela caminhasse contra ele. Mais dois dias se passam até
que ela, fraca demais para continuar, pede a seu Deus que a guie e que a sustente
um pouco mais. Prevendo sua morte, Jane decide escolher um lugar onde possa se
esconder e perecer em segurança. Pensando ter encontrado uma cavidade na terra,
ela chega até uma colina nivelada e é forçada a procurar outro local. Olhando o
terreno, ela percebe uma luz fraca à distância e usa suas últimas forças para chegar
a uma casa onde é acolhida.
Nesta casa está a peça fundamental para a evolução de Jane enquanto
personagem e também para a continuação da trama planejada por Charlotte. Lá ela
conhece uma família de duas irmãs e um irmão (Mary, Diana e St. John), e encontra
nessa família um ambiente onde ela pode se distanciar de Rochester e se ocupar de
forma útil e respeitável. Os irmãos são gentis, estudiosos e St. John, o pastor local,
consegue um trabalho para Jane como professora das meninas da vila. A
convivência com semelhantes e seu novo emprego dão a ela uma existência
contente, e ela tenta evitar se lembrar de seu passado em Thornfield. Ela oculta sua
34
identidade por quatro capítulos, até que um golpe do destino traz novas revelações.
Em uma visita à Jane, St. John tinha examinado alguns desenhos recentemente
feitos por ela, descobrindo que, em um lapso, ela havia escrito seu antigo nome no
papel. Após algum tempo ele retorna à escola e revela à Jane que havia
recentemente recebido notícias de uma governanta que estava desaparecida. A
informação tinha chegado até ele através do advogado do irmão de sua mãe, que
tinha se distanciado da família devido a um desentendimento ocorrido muito tempo
atrás. O homem havia morrido e deixado para Jane uma herança significativa e o
advogado entrou em contato com St. John, em busca de algo que pudesse ajudá-lo
a encontrá-la.
Esse momento é especialmente significativo para Jane, uma órfã rejeitada
pela tia que deveria tê-la acolhido. Ao descobrir que seus novos amigos eram seus
primos ela realiza seu maior sonho – ter uma família que a aceitasse e a tratasse
como igual. Assim, no desespero da fuga, Jane havia aleatoriamente ido de
encontro a algo que sempre havia estado ausente, mas que era o seu maior desejo
desde criança.
Este incidente mostra como a obra possibilita que linhas de tempo de
personagens diferentes se conectem devido a eventos fortuitos e acidentais, para
que a tautocronia criada pela autora mimetize o acaso.
Parei. Não confiava em mim para imaginar, muito menos para exprimir a
ideia que me assaltara...que tomara corpo...que em um segundo se firmara
e fortalecera como uma sólida probabilidade. As circunstâncias se haviam
tecido, entrelaçado, coordenado. A cadeia que até então fora um montão
informe de elos, surgia, agora concatenada, todos os anéis perfeitos, em
conexão absoluta. Antes que St. John dissesse mais uma palavra senti por
instinto do que se tratava. (BRONTË, 2007, p. 240, tradução nossa). 11
A romantização de coincidências é feita através do estranhamento de
situações como as retratadas nessa parte da obra. É claro que apenas Deus, vestido
de acaso, poderia ter levado Jane à porta de seus primos, mas é justamente o
mistério do funcionamento do Universo, a possibilidade de forças desconhecidas
que fazem desse fato algo tão interessante. O que fez com que Charlotte incluísse o
11
I stopped: I could not trust myself to entertain, much less to express, the thought that rushed upon
me—that embodied itself,—that, in a second, stood out a strong, solid probability. Circumstances knit
themselves, fitted themselves, shot into order: the chain that had been lying hitherto a formless lump
of links was drawn out straight,—every ring was perfect, the connection complete. I knew, by instinct,
how the matter stood, before St. John had said another word;
35
fator sobrenatural em sua obra e atraísse seus leitores foi talvez uma vontade de
descartar explicações de ações e fatos através da razão e aceitar o mistério e as
dúvidas que a fé traz, confiando na direção em que a força do destino apontasse.
Grosse explica que:
De todo o emaranhado de coincidências aparentes desponta uma mão
invisível que talvez paire sobre algum de nós, dominando-o no escuro, e o
fio que ele pensa tecer em despreocupada liberdade, foi tecido por ela há
muito tempo de antemão. (GROSSE apud SAFRANSKI, 2010, p. 54).
Grosse questiona ainda que ―se há um fio de desenvolvimento das forças
humanas através dos séculos e transformações nas mãos do destino e se o olho
humano pode percebê-lo – qual é ele?‖ (GROSSE apud SAFRANSKI, 2010, p. 54).
A resposta, dentro de obras artísticas e culturais, se adequará ao universo
particular criado pelo autor para aquele trabalho. Em Jane Eyre, o fio seria Deus,
dentro do contexto do cristianismo protestante. Grosse fala de uma mão invisível
controladora, mas dentro de Jane Eyre, essa força é a mão da própria autora,
imitando ações que fora da literatura não podem ser explicadas, mas que
frequentemente são caracterizadas como forças sobrenaturais.
3.2 O sobrenatural onipresente
Logo no início do romance, o leitor é apresentado à presença do sobrenatural
na trama através da aparição de fantasmas, mortes e sonhos. À medida que a
narrativa evolui, fica claro que forças ocultas estarão presentes durante todo o livro.
Fica claro também que aceitar o ocultismo e seu papel determinante deve
fazer parte do pacto ficcional que o leitor estabelece com a obra de Brontë. É preciso
estar atento às ações desse fator no livro e tomá-las como legítimas. O pacto é
absolutamente necessário. Se nos lembrarmos da afirmativa de Lefebve (1975) de
que a obra se relaciona com si mesma e também com o mundo que a contém, a
aceitação do universo interior a ela é o que permite o relacionamento do leitor com a
obra.
A obra, já o vimos, é campo de dois movimentos ou tendências
contraditórios: por um lado, fecha-se sobre si mesma enquanto linguagem;
por outro, abre-se para as coisas do mundo, reproduzidas numa presença
total e numa realidade inigualada. (LEFEBVE, 1975, p. 43).
Aqueles mais reticentes quanto à crença no oculto não ficam desamparados
frente a esse fator devido à forma como ele é introduzido na trama. Brontë manipula
36
o oculto e dá um embasamento forte para o seu uso, permitindo o acordo entre leitor
e autora, mesmo que esse não creia nesse elemento, e quaisquer reservas que o
público tenha podem ser deixadas de lado.
Não são apenas os personagens que fazem alusões ao sobrenatural, mas o
mundo em que essas pessoas estão inseridas é um mundo onde as ações ocultas
são possíveis e atuantes. Assim, o leitor não tem o papel de questionar a
autenticidade dessas forças. De acordo com Mᵃ. Ángeles Martínez García, ―no tiene
sentido preguntar si son o no verdaderas las afirmaciones del mundo ficcional en el
mundo real, ya que obedecen a condiciones de verdad diferentes‖ (GARCÍA, 2011,
p. 34).
Ainda assim, as ações das forças ocultas são críveis ao leitor por se
assemelharem a uma realidade exterior ao livro. Fantasmas, conexões especiais
entre almas gêmeas e sinais divinos são temas recorrentes em diversas sociedades,
debatidos arduamente e absolutamente reais para muitos.
Com essas ferramentas se torna possível que Brontë trace para seus
personagens um caminho que não é determinado por eles e que até mesmo parece
ser independente das vontades da autora. É como se o destino passasse a reger o
universo criado por ela, cabendo aos personagens navegar por entre essa força
sobrenatural, que chega até mesmo a orientá-los em suas decisões.
O primo de Jane a pede em casamento, não por amor, mas por acreditar que
sua vocação para a religião faria dela uma boa esposa para um missionário. O fervor
da fé de St. John e sua retórica a fazem acreditar que essa poderia ser a realização
de seu dever enquanto religiosa. Em sua hesitação, ela pede fervorosamente a
Deus que mostre o caminho que Ele queria que ela seguisse, pois sozinha ela seria
incapaz de se decidir.
Jane passa então por uma experiência interessante, e ela deixa que o leitor
julgue se suas sensações haviam sido frutos de um momento de descontrole
emocional ou, de fato, um sinal divino.
A casa estava em silêncio, pois creio que todos, com exceção de mim e de
St. John, já se achavam recolhidos. A luz do candeeiro extinguia-se: e o luar
inundava a sala. Meu coração pulsava precípite e surdamente. De repente
estremeceu, estacou, varado por uma sensação inexprimível, que me
percorreu todo o corpo. Não parecia com a de um choque elétrico, mas era,
como a de um choque elétrico, aguda, esquisita, violenta; atuou sobre os
meus sentidos como se eles até então estivessem entorpecidos,
convocando-os, acordando-os. E eles despertaram vacilantes: olhos e
37
ouvidos esperaram, enquanto os músculos tremiam. (BRONTË, 2007, P.
262, tradução nossa )12
Ela então ouve seu nome sendo chamando repetidas vezes, sem conseguir
identificar sua origem. Ela reconhece a voz como sendo a de Rochester, e percebe
que ela transmitia dor e urgência. Isso foi o suficiente para que Jane percebesse o
que deveria fazer. Seu dever não era o de se casar com St. John, mas sim procurar
Rochester. Ela mais uma vez se volta para Deus, mas em agradecimento.
Subi para o meu quarto, tranquei a porta e, de joelhos, orei a meu modo –
um modo diferente do de St. John, mas eficiente na sua maneira de ser.
Tive a impressão de ter chegado muito perto do Espírito Poderoso, e de que
minha alma agradecida se lançou aos seus pés ( BRONTË, 2007, p. 262,
tradução nossa).13
Apesar de Jane dizer ao leitor que ele é livre para interpretar o evento como
quiser, ela deixa claro o significado que ele teve para ela. Ela não duvida que a voz
que Rochester tenha sido levada até ela como indicação de que se casar com St.
John seria um desvio daquilo que estava planejado para seu futuro diante de Deus.
E assim Brontë pode dar início ao retorno da personagem a Thornfield, para
solucionar o mistério do que teria acontecido com Rochester.
A analogia da câmera de Friedman (2002) é exemplificada aqui. As cenas
mostradas por Brontë parecem ocorrer sozinhas, causadas por forças maiores. O
relato de Jane auxilia nessa ilusão, pois assim Brontë pode se esconder atrás não
apenas do sobrenatural que guia seu personagem, mas também da fala de um ser
ficcional, mas que se passa por real e nos pede que acreditemos em suas
declarações.
Se a principal função da ficção seria criar uma ilusão completa através de sua
narrativa, para criar esse efeito, o autor deve ser especialmente cuidadoso com a
escolha do ponto de vista a partir do qual contar a estória. Friedman aconselha que
12
All the house was still; for I believe all, except St. John and myself, were now retired to rest. The
one candle was dying out: the room was full of moonlight. My heart beat fast and thick: I heard its
throb. Suddenly it stood still to an inexpressible feeling that thrilled it through, and passed at once to
my head and extremities. The feeling was not like an electric shock, but it was quite as sharp, as
strange, as startling: it acted on my senses as if their utmost activity hitherto had been but torpor, from
which they were now summoned and forced to wake. They rose expectant: eye and ear waited while
the flesh quivered on my bones.
13 I mounted to my chamber; locked myself in; fell on my knees; and prayed in my way—a different
way to St. John‘s, but effective in its own fashion. I seemed to penetrate very near a Mighty Spirit; and
my soul rushed out in gratitude at His feet.
38
em casos em que o destaque será dado para ―o crescimento de uma personalidade
à medida que ela reage a experiências, o narrador-protagonista se provará mais
útil‖. (FRIEDMAN, 2002, p 177).
A partir do momento que o autor entrega o papel de narrador a um
personagem, ele abre mão inteiramente de sua voz. Sem a onisciência que o autor
poderia fornecer, o leitor fica limitado ao estado mental e às experiências de um
único personagem, especialmente em romances em primeira pessoa, como a obra
analisada aqui.
3.3 O uso da primeira pessoa
O papel de Jane enquanto protagonista depende fortemente de uma das
características mais marcantes do livro: o uso da primeira pessoa é fundamental
para a força que ela possui dentro do romance.
Discussões sobre o valor do uso da primeira pessoa no romance apresentam
diversos problemas da técnica. Estão entre eles a falta de confiabilidade do
narrador, a dificuldade de justificar sua presença em determinados momentos da
trama e um conhecimento parcial ou tendencioso do narrador. Brontë consegue
construir seu romance contornando esses problemas e lidando bem com eles,
fazendo com que o uso da primeira pessoa sirva bem ao seu papel de disfarce do
autor. Ela conta com a transparência do discurso literário, ―destinada a tornar-nos
presentes as coisas descritas e não o próprio discurso‖ (LEFEBVRE, 1975, pg 44).
De acordo com James Woods (2011), a primeira pessoa destaca o que ele
chama de ‗construção autoral‘, trazendo atenção para o autor e o seu trabalho
dentro do livro. Mas para evitar que isso aconteça, Brontë adota ainda outros
mecanismos para que ela fique nos bastidores e a trama siga seu caminho sem que
suas intervenções fiquem desconfortavelmente óbvias.
O conhecimento do leitor está atrelado às experiências de Jane e o que ela
divide com seu ouvinte. Assim, a narrativa é totalmente dependente do que é
revelado por ela. Felizmente, Jane mostra ser uma narradora confiável e sincera.
Se, como citado acima, a honestidade de alguns narradores em primeira pessoa é
questionável em outros romances, Brontë não enfrenta o mesmo problema por saber
construir bem sua personagem. Além da caracterização que pode ser feita através
da interação de Jane com outros personagens, vemos os esforços da própria Jane
em garantir a imparcialidade de seu depoimento.
39
Ela tem o hábito de fazer análises de si mesma e de suas ações ao longo do
romance.Isso é especialmente importante, já que a confiança do leitor em Jane é
essencial para a criação do pacto ficcional que ocorre entre leitor e trama. Saber que
o caráter de Jane é honesto permite a aceitação da presença do supernatural.
Outro fator que ajuda a suavizar o papel da autora na construção da trama e
que contribui para o papel desempenhado por Jane de narradora confiável é a forma
como ela obtém informações de fatos que ocorreram fora de sua presença. Como
ela não foi capaz de vivenciar o acontecimento, ela deve recorrer a relatos de outros
personagens do livro.
A forma como isso é feito é bastante orgânica, já que o leitor descobre certas
informações junto com Jane. Esse mesmo mecanismo, que aproxima a experiência
do leitor à de Jane está presente em todo o livro. Em diversas cenas ela tenta incluir
sua plateia na situação em que ela se encontra, fazendo uma transição do tempo da
narrativa. Apesar de o livro ser um relato de memórias, em determinadas passagens
– especialmente passagens com um teor dramático mais forte - a narradora traz sua
fala para o presente. Ela divide suas sensações e sentimentos assim como eles
ocorreram naquele exato momento, descrevendo com cuidado a cena, para que o
leitor fique tão imerso como ela mesma esteve.
Edgar F. Shannon explica que:
Em pelo menos sete passagens (o número nao é de importância mística),
variando em duraçao de 20 linhas a quase duas páginas, a autora emprega
esse artifício para transmitir ou tensão emocional crescente ou um novo
momento decisivo na história. (...) Através do presente do indicativo, o leitor,
ao invés de ser exigido que ele acredite em um relato das emoçoes de Jane
no passado, as vivencia no momento que elas surgem (SHANNON, 1950, p.
141, tradução nossa).14
Observemos duas cenas que descrevem bem a sincronia entre leitor e
narrador e a evolução de ambos dentro da trama como participantes que caminham
lado a lado. Shannon usa como exemplo em seu artigo o momento em que Jane, ao
caminhar sozinha por um jardim, percebe a presença de Rochester. A essa altura do
livro as tensões entre os dois estão acumuladas, e esse encontro precede a
proposta de casamento que o patrão faz.
14
In at least seven passages (the number is of no mystical import), varying in length from twenty lines
to almost two pages, the autor employs this device to convey either rising emotional tension or a new
departure in the story (...). Through the present tense, the reader, rather than being called upon to
believe a report of Jane‘s emotions in the past, experiences them at the moment they arise.
40
De muito que as roseiras bravas, as madeiras, os jasmins, os cravos e as
rosas pagavam à noite o seu tributo de incenso, o perfume não era,
entretanto, nem de flor, nem de seiva. Era – eu o conhecia – do charuto de
Mr. Rochester. Olhei em redor, escutei. Vi árvores carregadas de frutos.
Ouvi um Rouxinol cantando a meia milha distante. Não se divisava
nenhuma silhueta móvel, não se percebia nenhum passo aproximando-se.
Mas o odor aumentava. Era preciso escapulir. Corri para a trilha que
conduzia aos arbustos e vi Mr. Rochester entrando‖ (BRONTË, 2008, p.
154).
Primeiramente, o leitor acompanha o passeio de Jane, que descreve os
detalhes das cores do céu e do jardim e dos perfumes das flores. Quando ela é
interrompida pelo cheiro do charuto de Rochester, o leitor também é surpreendido.
Assim, não é apenas Jane que aproveita a beleza do jardim e se surpreende com a
presença de Rochester. Os leitores que a seguem são guiados pelas mesmas
emoções.
Outro exemplo citado por Shannon é o momento em que Jane percebe seu
amor por seu patrão. Ela é forçada a participar de uma festa dada em Thornfield, e a
cena mostra o momento em que Rochester entra no cômodo onde ele e seus
hóspedes se reuniram.
Ele entra por último: eu não estou olhando para o arco, ainda assim o vejo entrar. Eu tento concentrar minha atenção naquelas agulhas de tricô, na malha da bolsa que estou fazendo – eu desejo pensar apenas no trabalho que tenho em minhas mãos, ver apenas as contas prateadas e fios de seda que estão em meu colo; no entanto, eu distintivamente vejo sua figura, e inevitavelmente me lembro do momento em que a vi pela última vez; logo após eu ter prestado a ele o que ele havia considerado ser um serviço essencial, e ele, segurando minhas mãos, e olhando para meu rosto me estudou com olhos que revelaram um coração cheio e ansioso por transbordar; nessas emoções eu desempenhei um papel. O quão perto eu havia me aproximado dele naquele momento! O que havia ocorrido desde então para mudar suas e minhas posições? Ainda agora, o quão distantes e separados estávamos!
15 (BRONTË, 2007, p.166, tradução nossa).
Alguns capítulos antes, ela havia salvado a vida de Rochester. Sua esposa
tinha ateado fogo à sua cama e, entorpecido pela fumaça, ele não havia despertado.
Jane é acordada por ruídos e descobre o incêndio, alertando seu patrão e apagando
o fogo. O momento faz com que eles compartilhem um momento de intimidade
15
He comes in last: I am not looking at the arch, yet I see him enter. I try to concentrate my attention on those netting-needles, on the meshes of the purse I am forming—I wish to think only of the work I have in my hands, to see only the silver beads and silk threads that lie in my lap; whereas, I distinctly behold his figure, and I inevitably recall the moment when I last saw it; just after I had rendered him, what he deemed, an essential service, and he, holding my hand, and looking down on my face, surveyed me with eyes that revealed a heart full and eager to overflow; in whose emotions I had a part. How near had I approached him at that moment! What had occurred since, calculated to change his and my relative positions? Yet now, how distant, how far estranged we were!
41
intensa, mas no dia seguinte Rochester se ausenta da casa durante várias semanas.
A festa é a primeira vez que ela o vê após o incidente.
Jane traz o leitor para o presente e faz com que ele sinta a mesma ansiedade
que ela quando percebe a presença de seu patrão. O nervosismo que impossibilita a
contenção dos sentimentos de Jane é compartilhado, e o leitor também é carregado
para as lembranças que surgem quando a narrativa retorna ao tempo passado. A
fluidez da transição feita por Brontë aproxima o leitor do personagem e a auxilia no
seguimento da trama. A autora revela a paixão de Jane ao mesmo tempo em que
traz mais dramaticidade para a cena. Além disso, essa passagem é essencial para
informar as ações de Rochester em um momento crítico. Jane esperava estar mais
próxima de seu patrão após tê-lo resgatado do incêndio, e o leitor também cria essa
expectativa. As lembranças de Jane retomam para ela e para os leitores as
sensações da conexão estabelecida com Rochester nas semanas anteriores, e a
comparação que ela cria com a postura de seu amado no presente demonstra a
situação atual de frieza e distância. Aqui, Brontë contorna com facilidade e elegância
a ausência de um narrador onisciente, que pudesse ter acesso a todas as
informações e transmití-las sem obstáculos.
Como mencionado anteriormente, a obtenção de informações é um dos
problemas enfrentados por obras que possuem narradores em primeira pessoa.
Informações de eventos que não foram presenciados pelo narrador devem chegar
até ele de forma natural e, além disso, serem confiáveis.
Earl A. Knies (1954) define a segunda ida de Jane à hospedaria local como
uma cena brilhante, por apresentar ironia dramática, naturalidade, ajudar na
construção de suspense nesse momento da trama e ser bastante útil à escritora.
Após ouvir o chamado de Rochester e decidir procurá-lo, Jane volta para Thornfield
e descobre que restam apenas ruínas do local. Em busca de respostas, ela vai até a
hospedaria de uma cidade próxima e, sem se identificar como a antiga governanta
da casa, conversa com o dono.
A inteligência dessa passagem está na simplicidade da forma como a
informação chega até Jane. Na conversa com o estaleiro, ela descobre do acidente
que causou a destruição de Thornfield e a morte da esposa de Rochester, descobre
que ele está vivo e obtém o local onde pode encontrá-lo. Knies ressalta que essa
passagem traz de volta ao romance a intensidade que esteve presente durante o
42
início da trama, mas que pode ter se perdido durante a estadia de Jane na casa de
seus primos.
Respirei. Meu sangue recomeçou a circular, na convicção de que aquelas
palavras significavam que Mr. Edward – o meu Mr. Rochester (que Deus o
abençoasse onde estivesse) ainda era vivo: era, em suma, o atual
proprietário. Animadora expressão! Agora, com relativa calma, eu podia
ouvir tudo o mais, quaisquer que fossem as revelações. Desde que ele não
estava no túmulo – pensei – eu podia saber do seu paradeiro, mesmo que
fosse nos Antípodas (BRONTË, 2008, p. 295).
Jane descobre que durante sua ausência, um incêndio tinha causado não
apenas a destruição de Thornfield, mas também a morte da esposa de Rochester.
Ele tenta salvá-la, algo que deve ser destacado por indicar que apesar de ter vivido
durante anos imerso em maus hábitos, Rochester ainda possuia bondade em força
de caráter. O incêndio traz a redenção de Rochester, que também perde a visão e
uma das mãos no acidente.
Ele se muda com um casal de empregados para outra propriedade, onde
finalmente o casal se reencontra e pode iniciar sua vida juntos. As novas
circunstâncias permitem que eles se casem e tenham um filho, e com o tempo e os
cuidados de Jane, Rochester recuper a visão de um olho. Os personagens são
recompensados divinamente por agirem de modo aprovado por Deus e podem
finalmente ter vidas completas e felizes, deixando para trás as tribulações
enfrentadas em seus passados.
Os diversos exemplos citados ao longo deste capítulo mostram o porquê de
Jane ser uma narradora tão confiável, mesmo que o leitor esteja limitado ao seu
ponto de vista. Assim, em momento algum o leitor duvida da informação transmitida,
da legitimidade dos sentimentos de Jane ou dos valores transmitidos por ela. Isso
proporciona um equilíbrio entre a incerteza do sobrenatural e a palpabilidade das
experiências empíricas de nossa narradora.
Mesmo que o testemunho de Jane tenha momentos bastante incríveis e
fantasiosos, não duvidamos de sua veracidade e passamos a acreditar plenamente
que seja possível que não somente a vida da personagem principal, mas também a
de todos os envolvidos na trama, tenha sido guiada por algo superior a nós mesmos
e, inclusive, à sua própria criadora. O destino parece superar as vontades da
escritora e criar seu próprio caminho. O leitor, encantado com a tecelagem dessa
entidade, espelha as ações de Jane Eyre ao se deixar guiar por entre as páginas.
43
4 A CONSPIRAÇÃO DO ACASO EM HOW I MET YOUR MOTHER
Lidamos constantemente com a oposição entre as incertezas e a fé na
existência de uma ordem universal. Nos encontramos em um impasse entre os dois,
e até mesmo os mais crentes e os mais céticos se questionam em suas certezas,
duvidando de si mesmos e das evidências que os levaram às suas escolhas.
4.1 O numinoso vs. a ciência
Em um debate realizado em 2007 pela Richard Dawkins Foundation for
Reason and Science entre os chamados "Quatro Cavaleiros do Ateísmo"
(Christopher Hitchens, Daniel Dennett, Richard Dawkins e Sam Harris), Hitchens
conta que ao ler as cartas de Madre Teresa de Calcutá, se surpreendeu ao ver que
a fé em sua religião não era uma certeza em sua vida. No debate, ele cita que em
seus escritos, Madre Teresa diz a seus confessores e superiores que não consegue
crer.
Eu não consigo escutar uma voz, eu não consigo sentir a presença, mesmo na missa, mesmo nos sacramentos‖. Nada pequeno. E eles escrevem de volta para ela dizendo, ―(...) isso é bom. É ótimo. Você está sofrendo...isso te dá uma participação na crucificação. Te faz parte do Calvário. (HITCHENS, 2007, tradução nossa)
16.
Para Hitchens, esse é um argumento imbatível na questão da crença, por
afirmar que a sua própria dúvida é a demonstração da fé em si. Mas se até mesmo
uma das maiores representantes da fé católica no mundo não era infalível em sua
fé, como lidar com a incerteza, como lidar com o fato de que nós, seres humanos,
temos o conhecimento e a compreensão real de pouquíssimas coisas no nosso
mundo?
Enquanto uns lidam bem com o não saber e o mistério (como os Quatro
Cavaleiros do Ateísmo), outros precisam do conforto da ordem, preferindo acreditar
em algo que dê algum sentido para as idas e vindas das forças desconhecidas por
nós.
A busca por respostas não se restringiu apenas às religiões. Cientistas
tentaram de diversas formas encontrar provas de que o universo fosse
16
I can‘t hear a voice. I can‘t feel the presence, even in the mass, even in the sacraments‖. No small
thing. And they write back to her saying, ―that‘s good. That‘s great. You‘re suffering … it gives you a share in the crucifixion. It makes you part of Calvary.
44
determinístico. Laplace sugeriu o determinismo científico no século XIX, afirmando
que seria possível encontrar um conjunto de leis científicas que governariam tudo,
até mesmo a forma como os seres humanos se comportam.
A resposta a essa teoria foi o princípio da incerteza, de Werner Heisenberg.
Ele usou a projeção de luz sobre uma partícula para tentar prever sua posição e
velocidade no futuro. Para isso, é necessário conseguir medir precisamente a
posição e velocidade da partícula no momento atual. No livro Uma breve história do
tempo, Stephen Hawking dá uma explicação para leigos do processo.
Algumas ondas de luz se dispersarão pela partícula indicando sua posição. Entretanto, não seremos capazes de determinar a posição da partícula de maneira mais precisa do que através da distância entre as cristas das ondas de luz, de forma que será preciso usar luz de ondas curtas para se ter um grau razoável de confiabilidade no resultado do experimento. Mas segundo a hipótese quântica de Planck
17, não se pode usar uma quantidade
arbitrariamente pequena de luz; temos que usar pelo menos um quantum. Este quantum perturbará a partícula e mudará sua velocidade de forma não previsível. Quanto mais precisamente se medir a posição, mais curta a extensão da onda de luz necessária para atingir a maior energia de um único quantum. Assim, a velocidade da partícula será perturbada por uma quantidade maior. Em outras palavras, quanto mais precisamente se tentar medir a posição da partícula, menos precisamente se pode medir sua velocidade, e vice versa. Heisenberg demonstrou que a incerteza na posição da partícula determina a incerteza em sua velocidade, que determina que a massa da partícula nunca pode ser menor do que uma dada quantidade, conhecida como constante de Planck. Este limite, além disso, não depende de como se tenta medir a posição ou velocidade da partícula, nem do tipo de partícula: o princípio da incerteza de Heisenberg é uma propriedade fundamental e inescapável do mundo. (HAWKING, 1988, p. 87).
O princípio da incerteza força a ciência a reconhecer o acaso, a aleatoriedade
enquanto uma força que move o universo. Até mesmo Einstein teve dificuldade em
aceitar o conceito.
Frente à incerteza, os 'Cavaleiros do Ateísmo' reconhecem o valor da vivência
das perguntas como algo belo, e o desconhecido como o incentivo que moveria a
ciência. Assim, seria necessário aceitar essas questões e até mesmo recebê-las de
braços abertos. Era de se esperar que eles negassem a importância de experiências
sobrenaturais, mas no debate citado aqui, eles valorizam a experiência numinosa,
17 (...) Max Planck sugeriu, em 1900, que a luz, os raios-X e outras ondas pudessem não ser emitidos
a uma razão arbitrária, mas apenas em determinadas quantidades que chamou de quanta. Cada
quantum teria uma certa cota de energia, tanto maior quanto mais alta a frequência das ondas; assim
a uma frequência suficientemente alta, a emissão de um único quantum exigiria mais energia do que
a disponível. Portanto, a radiação em altas frequências seria reduzida e, então, a razão de perda de
energia de um corpo seria finita. (HAWKING, 1988, p. 86)
45
criticando a necessidade de enquadrá-la dentro da ordem de uma divindade
específica.
É um fato triste que as pessoas, em um sentido, não confiem sua própria valoração de suas experiências numinosas. Eles acham que realmente não é tão bom quanto parece, a não ser que seja de Deus, e alguma forma de prova de religião. Não, é tão maravilhoso quanto parece. É tão importante quanto. É o melhor momento da sua vida. E é o momento em que você esquece de si mesmo e se torna algo melhor do que você nunca pensou que pudesse ser de alguma forma. E vê, em toda humildade, a maravilha da natureza. É isso! E isso é maravilhoso. Mas, não acrescente nada a isso como, meu deus, isso deve ter que ter sido dado a mim por alguém ainda mais maravilhoso". (DENNETT, 2007, tradução nossa)
18.
O que Dennett faz com essa afirmação é tirar o numinoso, o sobrenatural, da
ordem onde ele é incluído por religiões, como uma manifestação de forças
espirituais, e trazê-lo para o incerto.
4.2 A sincronicidade Jungiana
Leibniz fala de uma "harmonia preestabelecida". Neste modelo, o universo
seria constituído de unidades que, enquanto partes individuais, estariam conectadas
e se relacionariam entre si. "Todo corpo reage a tudo que acontece no universo, de
tal sorte que, se alguém pudesse perceber tudo, poderia ler em cada coisa o que
está acontecendo em toda parte". (LEIBNIZ apud PROGOFF, 1973, p. 66).
Este conceito foi absorvido por Jung, que acreditava que para compreender a
não racionalidade do inconsciente dos seus pacientes era preciso buscar um maior
entendimento de práticas que fugiam às explicações da ciência. As conclusões
obtidas com esses métodos seriam verdadeiras por atingirem essa paisagem
inconsciente através de percepções simbólicas. Isso atenderia melhor aos objetivos
de Jung dentro do seu entendimento da prática psicoterápica.
Isso deu origem aos seus escritos sobre o conceito da sincronicidade,
definida a partir da observação que Jung fez de pontos comuns entre ocorrências
em sonhos e no modo de interpretação sugerido por textos orientais clássicos. O
18
It‘s a sad fact that people, in a sense, won‘t trust their own valuing of their numinous experiences. They think it isn‘t really as good as it seems, unless it‘s from God, and some kind of a proof of religion. No, it‘s just as wonderful as it seems. It‘s just as important. It is the best moment in your life. And it‘s the moment when you forget yourself and become better than you ever thought you could be in some way. And see, in all humbleness, the wonderfulness of nature. That‘s it! And that‘s wonderful. But, it doesn‘t add anything to say, golly, that has to have been given to me by somebody even more wonderful.
46
pontapé inicial desse conceito também teve contribuições de grandes cientistas da
época. Ao conversar com Albert Einstein, Nils Bohr e Wolfgang Pauli, Jung chegou à
conclusão de que o átomo não seria apenas a unidade básica do mundo físico, mas
também a unidade básica da psique humana.
Observando a analogia, Jung imaginou que, se grandes quantidades de
energia podiam ser liberadas rompendo-se a unidade elementar do átomo,
quantidades equivalentes de energia poderiam ser produzidas se se
abrissem de igual maneira as profundezas da psique. (PROGOFF, 1973, p.
9).
Os trabalhos de Jung sobre a sincronicidade foram muito mal recebidos, em
parte por apresentarem conceitos abstratos, cuja natureza impossibilitava uma
explicação definitiva. Mas eles também foram rejeitados por irem contra um dos
conceitos mais presentes na modernidade - a causalidade.
A crença na primazia da causa e efeito é um dos dogmas centrais da visão
ocidental de vida. Em nossa época, certamente encontramos menos
oposição ao questionamento de qualquer doutrina religiosa, do que ao
questionamento do princípio elementar de causalidade. (PROGOFF, 1973,
p.47).
Porém, Jung parte do pressuposto estabelecido por David Hume (apud
PROGOFF, 1973) de que a causalidade é algo atribuído a eventos pelo observador.
Ela tampouco seria algo concreto, mas apenas deduzido. Assim,
epistemologicamente, seria equivocado determinar a causalidade como algo factual.
Assim como a sincronicidade, ela teria apenas o valor experimental. A diferença de
abordagem dos dois conceitos seria devido à racionalidade humana, que por
questões práticas elegeu a causalidade como lei, fazendo com que ela se tornasse
um ―hábito universal de pensamento‖.
Jung levou essa ideia além, trazendo os arquétipos para suas
experimentações, obtendo então uma compreensão maior da profundidade psíquica
de seus pacientes - algo que não era acessível a outros pesquisadores. Assim, um
dos objetivos destas pesquisas de Jung era mostrar de que formas o mundo poderia
ser compreendido caso fossem consideradas outras opções além da causalidade. O
desenvolvimento do seu argumento busca expandir o pensamento científico,
buscando uma abordagem psíquica de fenômenos que nos mostrariam outras
facetas na natureza do ser humano e do mundo.
47
Uma das formas utilizadas por Jung para ter acesso à sincronicidade do
universo de forma indireta foi o texto clássico chinês I Ching, também conhecido
como Livro das Mutações. Não se sabe a data exata de seu surgimento, mas
acredita-se que suas primeiras versões datem de antes de 1150 AEC. A autoria da
obra também é incerta sendo atribuída ao ser mítico Fu Hsi e possuindo textos
contribuídos pelo rei Wên, o duque de Chou e Confúcio. Inicialmente, o livro era
visto apenas como um livro de filosofia. Sua função oracular foi adotada mais tarde,
por volta de 206 AEC.
Apesar de não haver uma explicação da forma como o I Ching pode obter
respostas confiáveis, o oráculo é usado em todo o mundo. O método consiste no
lançamento de três moedas, seis vezes consecutivas, e na consulta do livro, que
traz a interpretação dos lançamentos de acordo com a formação de hexagramas. A
interpretação dos hexagramas mostra ao consulente respostas para indagações.
Desta forma, o lançamento das moedas e o resultado obtido estariam se
relacionando, de uma forma não compreendida, com o universo particular desse
indivíduo. As moedas cairiam de uma forma significativa para esta pessoa, de
acordo com suas experiências passadas e futuras de vida e o funcionamento das
forças universais de uma forma geral.
Dois elementos distintos estão presentes na experiência do I Ching. Um é a
situação, num dado momento de tempo, da vida de uma determinada
pessoa. O outro é o ato de lançar as moedas e relacioná-lo, através de uma
fórmula definida, a um texto antigo. É óbvio que eles não estão ligados entre
si por um elo causal, mas, ainda assim mantêm uma relação significativa.
Dessa forma, no momento em que se encontram, algo de extraordinário,
precioso, acontece.
Superficialmente, parece tratar-se de acaso. Mas, para Jung, era
evidentemente algo mais do que mero acaso, se bem que não se tratasse
também de causalidade. (PROGOFF, 1973, p. 45).
Para Jung, a dimensão interna da experiência humana, inacessível aos
métodos científicos tradicionais, se abre diante da sincronicidade. A inclusão de
conceitos teleológicos dentro da causalidade, considerando-se que cada ser tenha
um propósito inerente de vida que seja orientado pelos seus aspectos interiores
funcionaria exatamente a partir do acaso, que seria essencial para a realização
deste propósito final. O conceito de acaso significativo (ou coincidência significativa)
relaciona situações cotidianas a um propósito que, ao se desenvolver, se tornaria o
destino do indivíduo. O mundo físico se comunicaria com o mundo interior – a alma,
48
por assim dizer – do indivíduo. Como explica Progoff (1973), os corpos agiriam por
leis causais eficientes, já a alma agiria de acordo com as leis teleológicas, que a
auxiliariam na busca da realização do seu destino existencial.
Progoff cita um exemplo de como isso poderia ser visto no dia a dia de
alguém, sem o uso de oráculos. Um indivíduo está passando por um problema, mas
não o divide com ninguém. Neste momento, ele recebe a visita de uma pessoa, que
não está de qualquer forma relacionada a aquela situação. O indivíduo e sua visita
conversam sobre temas diversos, até que, sem que saiba, o visitante faz um
comentário que traz a resposta para os problemas do indivíduo. Lembrando que ele
não sabia absolutamente nada sobre as indagações do outro e não possuía a
intenção de oferecer conselhos, como pode ser que ele trouxe exatamente a
resposta para o problema não mencionado?
Pode-se traçar um elo causal até certo ponto dessa situação. A visita não é
aleatória, já que essas pessoas se conheceram de alguma forma e possuem um
contexto passado em comum, que teria levado até a ocorrência da visita. Este
evento possui uma relação causal, mas ela para aí. A forma como o visitante trouxe
uma solução para o problema do indivíduo em questão seria uma coincidência
significativa.
Já que a causalidade em si não abrange o fato da coincidência, o mais que podemos dizer é que os eventos do tipo causa e efeito fornecem as matérias-primas com as quais se realizam as coincidências significativas. A significância destas coincidências – isto é, a qualidade especial de significado que faz delas não apenas eventos não relacionados, mas sim coincidências verdadeiras – não deriva, de nodo algum, dos fatores circunstanciais que podem ser reconstituídos em termos de causalidade (PROGOFF, 1973, p. 55).
Dessa forma, Jung foi capaz de iluminar uma área sobre a qual pouco se
sabe. Apesar de não obter respostas definitivas e de não ter sido bem recebida
inicialmente, a obra de Jung que aborda a sincronicidade traz propostas
interessantes de interpretação das coincidências percebidas em nosso dia a dia.
4.3 O Universo como personagem
Um produto midiático em que as forças desconhecidas do universo são
determinantes e criadoras de significado é o sitcom How I Met Your Mother (em
tradução livre, Como Conheci Sua Mãe), que estreou no canal CBS em 19 de
setembro de 2005. Criado por Carter Bays e Craig Thomas, no seriado, o acaso e o
49
destino são vistos como forças confiáveis, que exercem efeitos marcantes nas vidas
dos seres humanos. Neste sitcom, o personagem Ted conta para seus filhos como
conheceu sua esposa Tracy.
O roteiro apresenta analepses e prolepses que mostram a relação que os
personagens têm com as forças do acaso e do destino e que também funcionam
como uma ferramenta para os roteiristas recuperarem a história do grupo, permitindo
que eles os mostrem aos espectadores.
Ao longo das temporadas Ted descreve as situações mais importantes que
viveu com seu grupo de amigos (Marshall, Lily, Barney, Robin), mas sem contar
diretamente em qual momento exato conheceu a mulher com quem se casou. Essa
informação só é revelada na última temporada. Ele dá dicas, mostrando os
caminhos e as coincidências que o levaram a conhecê-la. Para Ted, o Universo
funcionava de forma que ele fosse levado a encontrar a mulher dos seus sonhos, e
durante o período de tempo em que teve que esperar pelo encontro, o Universo foi
vagarosamente unindo os dois.
Mas antes que isso acontecesse, Ted cometeu diversos erros, às vezes
contrariando até mesmo as próprias regras que ele estabeleceu para si mesmo para
a interpretação dos sinais enviados pelo Universo. Porém, inevitavelmente, ele
atinge seu objetivo no final. Como falamos nas páginas anteriores, o corpo responde
às leis causais, mas a alma obedeceria a leis que buscassem a conclusão do
objetivo maior do ser. Assim, ela seria a responsável pela conexão entre o ser e o
acaso, ou seja, a reunião aparentemente aleatória e acidental de fatores que não
poderiam ser ligadas a elos causais, mas que estariam relacionadas ao âmago de
um ser, levando-o à realização do seu destino.
Como o Universo no seriado é uma força onipresente e onisciente, ele
participa da trama do seriado. Sua participação é essencial, e em diversos
momentos os personagens se referem a ele diretamente, como se ele fosse outro
integrante do grupo. Além disso, o Universo é responsabilizado por diversas ações
na trama, como se ele diretamente escolhesse interagir com os personagens.
No primeiro episódio da primeira temporada (Pilot), Ted conhece Robin e os
dois tem um encontro mal sucedido. Eles ficam amigos, mas Ted ainda está
apaixonado por ela. Suas primeiras tentativas de iniciar um relacionamento com ela
não têm sucesso, e então ele desiste.
50
Ted estava cansado de tentar encontrar a mulher perfeita para ele através de
métodos convencionais (bares, cafés, shows) e decide que talvez fosse melhor
contar com métodos científicos. Ele cria um perfil em um site de encontros, que
consegue pareá-lo com apenas uma mulher, que seria absolutamente perfeita para
ele. No último momento, ele desiste desse encontro e prefere correr atrás de Robin.
Assim, no último episódio da temporada (Come On), Ted tenta conquista-la uma
última vez. Frente aos fracassos anteriores, seus amigos (que também compartilham
da opinião de Ted quanto à onipotência do Universo) tentam dissuadi-lo.
Barney: Robin de novo? Ted, o Universo claramente não quer que você e a Robin fiquem juntos. Não irrite o Universo. O Universo vai te dar um tapa. Ted: Mas você não acha que o Universo tem coisas mais importantes para se preocupar do que a minha vida amorosa? Marshall: A menos que a sua vida amorosa seja a cola mantendo todo o Universo junto.... Uau. Arrepios. Alguém mais sentiu arrepios? Ted: Olha, eu entendo que nós já fomos por esse caminho antes, mas o fato é que, o que quer que eu faça, tudo sempre acaba voltando para a Robin, então...eu tenho que fazer isso. (Barney dá um tapa nele) Ted: Ai! Que diabos? Barney: Isso não fui eu. Foi o Universo.
19 (HOW I MET YOUR MOTHER,
2006, temp. 1, ep. 22, tradução nossa).
Sua nova tentativa também é mal sucedida. Robin não consegue dar uma
resposta, dizendo que esse relacionamento não estava destinado a acontecer. Ted
ainda assim não fica satisfeito e decide obter um ato divino que mostrasse a Robin
que sim, o namoro dos dois poderia dar certo e teria, inclusive, o aval do Universo.
Robin tinha uma viagem de acampamento planejada com um colega de
trabalho interessado nela. A única coisa que impediria essa viagem seria mau
tempo. Assim, Ted chama uma conhecida especialista em cultura nativo americana
e pede que ela o ensine a fazer a dança da chuva. Apesar de ela não conhecer a
coreografia correta, ele dança uma versão improvisada por horas, sem obter
resultados. Frustrado, ele grita para o Universo, demandando atenção.
Barney: Ted, o que você está fazendo? Ted: Uma Dança da Chuva. Barney: Cara, isso não é uma Dança da Chuva. Isso é uma criança gorda com uma abelha nas calças.
19
Barney: Robin again? Ted, the universe clearly does not want you and Robin to be together. Don't piss off the universe. The universe will slap you. / Ted Mosby: But don't you think the universe has more important things to worry about than my dating life? / Marshall Eriksen: Unless your dating life is the glue holding the entire universe together... Whoa. Chills. Anybody else get chills? / Ted Mosby: Look, I realize we've been down this road before, but the fact is, whatever I do, it all keeps coming back to Robin, so... I gotta do this. / [Barney slaps him] / Ted Mosby: Ow! What the hell? / Barney: That wasn't me. That was the universe.
51
Ted: Olha, eu duvido muito que o Grande Espírito seja rigoroso com coreografia. É a intenção que conta. Ela está saindo em meia hora. Barney: Esses são os seus anos mais legais. Você está desperdiçando eles nessa garota. Isso não vai funcionar! Ted: Sim. Eu sei disso. Barney: Bem, então por que você está fazendo isso? Ted: Porque eu amo ela. Eu amo ela! Eu falei isso pra ela na primeira noite em que nós saímos, e aqui estamos, oito meses depois, e nada mudou. Então sim, eu sei que isso não vai funcionar. Mas isso tem que funcionar! Você está me escutando, Universo? Este é o Ted Mosby falando! Me dê chuva! Vamos! Vamos! Vamos! Vamos! (Começa a chover) Barney: Ah, qual é?
20 (HOW I MET YOUR MOTHER, 2006, temp. 1, ep. 22,
tradução nossa).
Ele então volta à casa de Robin e ela finalmente aceita começar um namoro
com ele.
Um exemplo interessante de como os personagens dependem do Universo é
a presença de doppelgängers dos personagens principais no seriado. Um
doppelgänger é, originalmente, um monstro alemão que assumia a imagem de uma
pessoa viva, trazendo maus presságios. Lendas semelhantes fazem parte da
mitologia de diversas culturas, como a egípcia, nórdica e finlandesa. Porém, nos
dias de hoje, a palavra representa apenas alguém se seja muito semelhante a uma
pessoa, sem possuir qualquer significado supernatural ou sinistro.
Os personagens Marshall e Lily estavam em um impasse: ele estava pronto
para ter um bebê, mas ela não. Sem conseguirem chegar a uma decisão, eles
escolhem contar com as forças do Universo. Ao longo do seriado os personagens
encontraram doppelgängers de quatro dos cinco amigos do grupo. As aparições
sempre aconteciam por acaso, em momentos aleatórios. Assim, encontrar o duplo
do quinto amigo (Barney) seria claramente um sinal do Universo, indicando que o
momento correto havia chegado. Ao deixarem a decisão de algo tão importante nas
mãos de uma força onisciente, vemos que os personagens acreditam mais no bom
senso dessa força do que em suas próprias capacidades de escolher corretamente o
caminho a seguir. Ao depositarem essa fé no que eles chamam de Universo, a
20
Barney: Hey, Ted. Whatcha doing? / Ted: A rain dance. Barney: Dude, that‘s not a rain dance.
That‘s a fat kid with a bee in his pants. / Ted: Look, I highly doubt the Great Spirit is a stickler for
choreography. It‘s the thought that counts. She‘s leaving in half an hour. / Barney: These are your
awesome years. You‘re wasting them on this girl. This isn‘t gonna work! / Ted: Yeah. I know that.
Barney: Well, then why are you doing this? / Ted: Because I love her. I love her! I told her that the first
night we went out, and here it is, eight months later, and nothing‘s changed. So yes, I know this isn‘t
gonna work. But it has to work! You hear me, Universe! This is Ted Mosby talking! Give me some rain!
Come on! Come on! Come on! Come on! /(Rain starts falling down) / Barney: Oh, come on!
52
ansiedade da dúvida é transferida. Não há mais a necessidade de eles lidarem com
a incerteza que rodeia essa gravidez, pois a responsabilidade deixa de ser do casal.
Há um objeto presente em grande parte do seriado que mostra o quão
marcante é a conexão entre os personagens e o Universo e como ela é responsável
pelo desenvolvimento da trama. No décimo segundo episódio da terceira temporada
(No Tomorrow), após ir a uma festa de dia de São Patrício, Ted encontra uma
sombrinha amarela. Este objeto pertencia à futura esposa de Ted, que também
estava na festa e a perdeu lá. Ela se torna um ícone de como o público e o próprio
protagonista reconhecerão essa personagem. A sombrinha amarela é também um
objeto que liga Ted à esposa, mesmo que eles não tenham se encontrado no
seriado, ela mostra que de certa forma o Universo antecipa a associação e o
relacionamento que está previsto para eles em seus destinos.
Nesta situação específica, podemos retomar as coincidências significativas de
Jung e demonstrar como elas funcionariam no contexto específico do seriado. Ted
tinha um motivo para estar especificamente nessa boate naquela noite. Assim como
sua futura esposa. Até esse momento, a linha da causalidade pode ser estabelecida.
Mas os fatores que levaram Ted a encontrar a sombrinha já fogem dessa regra. Ele
precisa voltar a boate porque havia esquecido seu celular. Quando ele sai, percebe
que começou a chover, e então volta ao interior da boate, onde ele encontra uma
sombrinha amarela que ele usa para se proteger da chuva.
Ele fica com ela durante duas temporadas. A sombrinha só volta para a futura
esposa de Ted no décimo segundo episódio da quinta temporada (Girls Versus
Suits). Ted está saindo com uma mulher cuja colega de apartamento é a futura
esposa de Ted. Ele vai até o apartamento de sua namorada e eles terminam. Ele
havia levado consigo a sombrinha amarela, mas ao sair a esquece, fazendo com
que ela volte para sua dona original. Quando Ted e Tracy finalmente se encontram,
ela está com a sombrinha. Esse é, finalmente, o momento que dá início ao
relacionamento dos dois.
Em todas as situações em que seus caminhos se cruzam, há explicações
causais para que os personagens estejam nos locais que estão, naquele mesmo
momento. Mas não é possível encontrar um motivo causal para que a sombrinha
seja um ponto de conexão entre os dois sem que eles ao menos se conheçam.
Assim, nos voltamos para a sincronicidade do Universo do seriado para entender o
porquê dessa questão. A sombrinha amarela seria um indicativo de que apesar de
53
as vidas de Ted e Tracy estarem fluindo separadamente, o destino já havia
predestinado que em algum momento eles se juntariam. A sombrinha é um símbolo
da conexão cósmica que os dois compartilhavam, mesmo que eles não soubessem
que ela existia.
Uma passagem do livro de Progoff pode ser aplicada aqui, mesmo que sua
função original fosse explicar o exemplo do visitante com a resposta de um
problema, citado por ele em seu texto e reproduzido nas páginas anteriores deste
mesmo capítulo. Seu uso aqui tem o objetivo de mostrar como as duas situações se
encaixam dentro do mesmo conceito da coincidência significativa.
Quando você e seu visitante21
se reúnem, cada qual possui uma experiência de vida que se estende até o passado em termos de causa e efeito, e tudo converge para aquele momento determinado do encontro entre ambos. A chegada de cada um até o ponto em que estão se cumprimentando e começando a conversar representa a culminação de uma linha vertical de desenvolvimento que se move num fluxo contínuo desde o passado e atua separadamente sobre cada um, em termos de pressões e do quadro de experiência própria de cada pessoa.
No momento em que os dois se encontram, porém, toda esta causalidade ligada ao passado torna-se parte de uma constelação do presente, parte de um esquema que atravessa horizontalmente o tempo e ao qual a categoria de causalidade, que é em essência vertical – ou seja, contínua no tempo – não pode se aplicar. (PROGOFF, 1973, p. 54).
Assim vemos como o acaso é algo extremamente relevante no seriado.
Dando a ele o nome de ‗Universo‘, os roteiristas conseguem guiar os personagens
até o objetivo da trama e justificar relacionamentos e atitudes que, de outra forma,
poderiam não ser tão bem interligadas dentro do roteiro.
4.4 Relação com o público
Há também a questão de as intervenções universais dentro do seriado serem
um grande diferencial. Os roteiristas contam com a relação que o público tem com
forças como o destino e o acaso em suas crenças pessoais. Essa familiaridade faria
com que a audiência formasse um relacionamento mais próximo com o seriado.
Quando o público de uma obra ficcional decide consumi-la, precisa entender
que seu mundo interior pode ser baseado na realidade, mas que ele não
necessariamente ficará limitado às suas regras. ―De início, quando lemos ficção,
entabulamos um acordo tácito com seu autor, que finge ser verdadeiro aquilo que
21
Nota da autora: Ted e Tracy, para nossos propósitos.
54
escreveu e nos pede que finjamos que levamos a sério‖. (ECO, 2013, p. 72).
Porém, quando lidamos com crenças como o destino e forças semelhantes,
deve-se levar em conta que elas fazem parte da realidade cotidiana de grande parte
desse público. Aliás, para Eco, a forma como o destino de certos personagens é
absoluto, mesmo que eles tentem fugir dele, tem muito a dizer quanto à atitude
humana. Os leitores e espectadores refletiriam sobre o seu próprio mundo real da
mesma forma que os habitantes do mundo da ficção refletem sobre o seu. ―A ficção
sugere que nossa perspectiva do mundo verdadeiro talvez seja tão imperfeita quanto
a visão que os personagens de ficção têm de seu mundo‖. (ECO, 2013, p. 108).
Assim, personagens bem criados por seus autores seriam representações fiéis da
condição existencial do público.
O exemplo da sombrinha amarela e outros casos vistos no seriado levaram o
público a reconhecer o papel de criador de significados que o Universo tem dentro
do programa e aprendem a contar com ela dentro do contexto dos personagens,
estando atentos a sinais que possam estar inseridos no roteiro.
De acordo com Toby Miller apud Marcel Vieira Barreto Silva, ―a televisão em
seu modelo tradicional, mesmo diante das transformações tecnológicas e culturais
em curso, ainda é o meio de comunicação dominante nos Estados Unidos‖. (SILVA,
2013, p.16). O mesmo é válido para o Brasil, e esse fato faz com que o acesso ao
público seja mais amplo e expressivo.
A internet permite que o público amplie seu interesse pelo seriado, buscando
mais informações e maior interação com o programa em redes sociais e fóruns. De
acordo com Marcel Vieira Barreto Silva, a chamada cultura das séries se tornou mais
forte devido à articulação entre a inovação de formatos narrativos, o contexto
tecnológico e as diversas formas de consumo atuais. Assim, essa cultura está se
definindo como:
(...) um cenário cultural singular com suas próprias e específicas dinâmicas
de produção, circulação e consumo. Mesmo se circunscrevendo a um
universo audiovisual sobretudo estrangeiro (e mais especificamente norte-
americano), é fundamental aqui no Brasil que voltemos a atenção para
essas dinâmicas, visto que elas estão presentes nas práticas culturais de
inúmeras pessoas, influenciando novos roteiristas e diretores, tornando-se
referência para nossos próprios programas (SILVA, 2013, p.16).
O público se torna mais presente e atuante nesse espaço, e isso deixa mais
claro como essas pessoas se identificam (ou não) com o produto. No caso de How I
55
Met Your Mother, esse aspecto é bastante expressivo, especialmente agora que o
seriado se aproxima de sua temporada final.
No Tumblr, uma comunidade virtual onde usuários produzem e compartilham
textos, imagens, etc sobre diversos temas, uma imagem recebeu 64,114 anotações
(até a produção deste texto). Ou seja, compartilhamentos, comentários e cliques em
um ícone em forma de coração, que indica que o internauta "gostou" da postagem.
Nela, o usuário do Tumblr rustyoldboat postou uma lista (Figura 1) de coisas que fãs
aprenderam com How I Met Your Mother. Estão escritos bordões dos personagens,
valores tirados de falas e lições que os próprios personagens aprenderam ao longo
do seriado. O segundo e o terceiro tópico da lista criada pelo usuário são destinados
à relação que os personagens têm com o Universo. O segundo tópico diz que não
se deve correr "atrás do que não funciona", mas sim deixar o Universo assumir a
situação. O terceiro afirma que "as coisas acontecem por uma razão". A ideia geral
que pode ser retirada do seriado, é que as forças universais conspiram ao favor dos
personagens, fazendo com que eles passem por provações, aprendam, e então
cheguem aonde devem estar para conseguirem o que desejavam. Os espectadores
parecem compreender essa ideia e até mesmo adotá-la como algo para suas
próprias vidas.
Essa atitude não é muito diferente daquela vista quando o romance começou
a se popularizar, cerca de 1800. O crescimento do interesse na literatura aumentava
também o fascínio por ela. ―As pessoas procuravam pela vida por trás da literatura e,
de maneira contrária, estavam fascinadas pela perspectiva que a literatura podia
formar da vida‖ (SAFRANSKI, 2010, p. 49).
O perfil himymconfession publica opiniões e impressões enviadas pelos fãs
do seriado. Uma das publicações (Figura 2) é a confissão de um espectador que diz
que algumas pessoas que assistem o seriado podem não perceber que para que
Ted conhecesse sua esposa ele tinha que terminar seu relacionamento com uma de
suas namoradas (a personagem Robin). Após Ted e Robin se separarem, ela se
torna parte do seu grupo de amigos e se casa com Barney. Na festa de casamento
dos dois, Ted conhece a mulher com quem ele se casa no final. Outra publicação
abordando esse mesmo tema (Figura 3) traz um espectador falando que esse
acontecimento na vida de Ted é inspirador, mostrando que certas coisas devem ser
desfeitas para que coisas melhores venham.
57
Figura 2 – Confissão 1
Fonte: himymconfessions22
Figura 3 – Confissão 2
Fonte: himymconfessions23
22
Eu meio que acho que o que as pessoas não entendem é que sem o Swarkles (n.a: nome dado pelos fãs ao casal
Barney e Robin), Ted nunca teria conhecido a mãe. 23
Como o Ted, eu recentemente perdi a minha Robin, que provavelmente era o amor da minha vida. Mas ver a
58
Vemos claramente como alguns espectadores podem relacionar conceitos da
série com suas vidas. Safranski explica que ―a leitura intensificada faz com que a
vida e a leitura se aproximem‖. (SAFRANSKI, 2010, p. 49). O mesmo ocorre com
programas televisivos. O público pode se interessar tanto por aquilo que vê no ecrã
que procura encontrar elementos semelhantes em sua vida, transformando a ficção
em vivência. Ao se identificarem com os modelos de seriados, filmes, etc. O
espectador passa a buscar que seu cotidiano espelhe a dramaticidade ficcional.
Tanto os fãs da série, que escolhem contar com forças universais em suas
vidas, quanto os cientistas, que preferem crer na aleatoriedade e na incerteza,
fizeram escolhas em um salto de fé. A preferência de cada se relacionará ao seu
espaço onírico.
(P)essoas de diferentes culturas habitam mundos sensórios distintos e, portanto, espaços potencialmente distintos. A origem dessa afirmação está em que o mundo é percebido através de filtros culturais que são formados por alguns elementos biológicos inerentes ao ser humano, e outros que se diferenciam entre culturas. (DUARTE, 2002, p. 52).
Apesar de as afirmações individuais e de suas explicações particulares para
suas dúvidas, ambos os espaços onde habitam a aleatoriedade e a tautocronia são
vivenciados por uma mesma pessoa de forma cotidiana. Eles se comunicam e se
entrelaçam, de forma que seus limites e domínios são incertos até mesmo para os
mais determinados. Um crente reconhece a improbabilidade de sua fé e o ateu
reconhece o valor da experiência sobrenatural. Mas a incerteza e a permanência
inevitável do mistério ainda dominam.
Mãe me dá tanta esperança. Boas coisas devem acabar para que coisas melhores apareçam.
59
5 A ORDEM FUGIDIA EM A MULHER DO VIAJANTE NO TEMPO
Se em Jane Eyre e em How I Met Your Mother o acaso é determinado por
forças conhecidas e bem compreendidas pelos personagens, em A mulher do
viajante do tempo (A Esposa do Viajante do Tempo) o desconhecido é imperativo.
Os personagens se perdem nas forças particulares desse universo e conhecem
muito pouco sobre sua realidade.
O livro conta a história de Henry e Clare. Henry tem uma condição genética
que faz com que ele viaje involuntariamente entre o passado, o presente e o futuro.
A trama é contada por esses dois personagens, alternando entre seus pontos de
vista. Assim acompanhamos Henry em seus deslocamentos, mas somos ancorados
pela continuidade temporal de Clare, que também dá ao leitor outra visão da doença
de seu esposo.
O livro não traz questionamentos religiosos ou supersticiosos, passando
apenas ocasionalmente por essas questões, sem que elas tenham peso na trama.
Ao invés disso, Niffenegger parece buscar seu embasamento na ciência. As
explicações que os personagens encontram para as viagens temporais de Henry e
as consequências que podem partir delas ecoam teorias que seriam encontradas em
textos científicos.
5.1 Linha de Mundo de Einstein
Albert Einstein desenvolveu o método da linha de mundo para organizar
paradoxos temporais. Michio Kaku (2000) divide esses paradoxos em duas
categorias. Na primeira, a viagem no tempo é responsável por alterações em fatos já
estabelecidos na estrutura espaço-tempo. A segunda categoria inclui eventos que
não possuem começo nem fim.
Acompanhar uma trama em que personagens se deslocam constantemente
através do tempo, se encontrando com versões passadas e presentes de si mesmos
e de outros, pode ser confuso. A linha de mundo agrupa todas as informações que
dizem respeito a esse personagem, como uma biografia.
Na teoria da relatividade de Einstein, é impossível interromper e retomar uma
linha de mundo. Quando o personagem retorna ao passado não o está destruindo, e
60
sim ajudando sua realização. E por isso, dentro do conceito de Einstein, o passado
não poderia ser modificado em uma viagem temporal.
Apesar de nem personagens nem autora citarem Einstein, Henry comprova a
efetividade dessa regra, contrariando um costume do gênero, que determina que o
viajante evite contato com pessoas do passado. Voltando a momentos traumáticos
em sua vida, ele percebe que o passado continua o mesmo apesar de seus esforços
para muda-lo. Ele tenta impedir a morte da mãe, brigas com o pai, mas o que já
havia ocorrido no passado permanece, e ele é forçado a viver essas mesmas
situações novamente.
É parte das regras. Pessoas que viajam no tempo não devem sair por aí falando com pessoas normais quando eles visitam seus tempos, porque nós podemos bagunçar as coisas. Na verdade, eu não acredito nisso; as coisas acontecem do jeito que elas aconteceram uma vez e apenas uma vez. Eu não sou um proponente de universos em divisão. (NIFFENEGGER, 2004 p 48).
24
5.2 Distúrbio cronológico e realismo
A ciência também está fortemente presente em um dos pontos chave do livro.
Henry descobre ao longo da história que o que causa suas viagens é um distúrbio
genético. Não é um dom especial dado a ele para que ele atingisse um objetivo
maior, e sim um acidente genético. Ainda assim a explicação é insuficiente e
inexata. A autora escolhe não explicar as particularidades da doença de Henry.
Cientificamente, o leitor recebe apenas três linhas de informação fragmentada,
obtidas indiretamente por Clare enquanto seu marido conversava com seu médico
ao telefone. ―4 genes: per 4, ausência de tempo1, Relógio, novo gene = viajante no
tempo?? Crom = 17 x 2, 4, 25, 200 + repete TAG, ligado ao sexo? Não, + receptores
de dopamina demais, que proteínas???‖ (NIFFENEGGER, 2004, p. 322).25
O resto do que é sabido dessa doença é adquirido da mesma forma pelo leitor
e pelos personagens – empiricamente. Enquanto Henry explica para a esposa aquilo
que ele aprendeu e os dois dividem suas experiências, o leitor apreende essa
informação. Os personagens são a fonte principal de informação. As explicações
24 ‘Its part of the rules. People who time travel aren‘t supposed to go around talking to regular people
while they visit their times, because we might mess things up‘. Actually, I don‘t believe this; things happen the way they happened, once and only once. I‘m not a proponent of splitting universes.
25
4 genes: per4, timeless1, Clock, new gene = timetraveller?? Chrom = 17 x 2, 4, 25, 200+ repeats
TAG, sex linked? No, +too many dopamine recpts, what proteins???
61
fisiológicas para as viagens de Henry são secundárias. As questões centrais que
rodeiam a condição de Henry são suas relações com outras pessoas e os
questionamentos existenciais que surgem a partir das viagens.
O fato de a ciência ser a escolha para a explicação de algo tão absurdo e
fantasioso demonstra a intenção da autora de aproximar essa questão da realidade.
Em tempos em que o acesso ao conhecimento científico foi facilitado com os
avanços na comunicação, a população em geral se aproximou desse tipo de
conteúdo. Com isso, a ciência se popularizou a ponto de se tornar tema de seriados
famosos em todo o mundo, ganhou espaço dentro de talk shows e cientistas como
Bill Nye e Neil Degrasse Tyson se tornaram celebridades. Assim, é compreensível
que mais pessoas se voltem para o tema.
Joseph Conrad (assim como os cavaleiros do ateísmo, citados no capítulo
anterior) defende o maravilhoso dentro da experiência humana, mas mantendo-o
como mistério e excluindo a religião e outras linhas de pensamento que trariam
essas experiências para o sobrenatural.
Não, eu sou firme demais na minha consciência do maravilhoso para ser fascinado pelo mero sobrenatural que (tome como você quiser) é apenas um artigo manufaturado, a fabricação de mentes insensíveis às delicadezas íntimas das nossas relações com os mortos e os vivos, em suas multitudes incontáveis; uma profanação de nossas memórias mais ternas; um ultraje à nossa dignidade. (CONRAD apud HITCHENS, 2007, p. 85).
26
Outro fator que aproxima a viagem no tempo de Henry da realidade é a
referenciação que a autora faz à cidade onde Henry e Clare vivem e o contexto
cultural em que o casal está inserido. Chicago é mencionada com frequência, e
acompanhamos a vivência que o casal tem do espaço urbano e o relacionamento
que eles desenvolvem com locais específicos. Ambos citam bandas e autores não
ficcionais também com frequência. Isso aproxima os personagens de um público que
também está inserido em um universo que inclui esses mesmos elementos, mesmo
que este mundo seja real e aquele imaginário.
Como explica Mᵃ Ángeles Martinez García, ―existem autores que estabelecem
todo um inventário de objetos que obedecem a um nível ou outro de combinação
25
No, I am too firm in my consciousness of the marvelous to be ever fascinated by the mere supernatural which (take it any way you like) is but a manufactured article, the fabrication of minds insensitive to the intimate delicacies of our relation to the dead and to the living, in their countless multitudes; a desecration of our tenderest memories; an outrage on our dignity.
62
entre elementos reais e de ficção‖ (GARCÍA, 2011, p. 32).27 Para ela, a realidade é o
pilar em que a ficção se baseia para sua construção, já que mesmo que o texto se
distancie de sua inspiração real original, ele deve em algum momento se basear em
algo concreto. ―Os mundos possíveis da ficção se aninham no seio dos mundos
reais, já que ficção parte de mundos cotidianos, próximos, para refazê-los,
reformulá-los, transformá-los em definitivos e voltar a lançá-los no mundo real
efetivo‖ (GOODMAN apud GARCÍA, 2011, p. 32).28
5.3 Acidentes temporais
Partindo do pressuposto de que os autores escolhem utilizar elementos reais
como fundamento para a construção das tramas, vemos como Niffenegger escolheu
uma caracterização extremamente realista, mesmo que ela tenha aspectos que
envolvam a ficção científica. As leis da física e o estudo de DNA humano são mais
concretos do que entidades religiosas ou teorias holísticas. Dentro deste universo
particular, Niffenegger fornece provas que Eyre e os roteiristas de How I Met Your
Mother não podem dar. Enquanto Niffenegger nos oferece dados obtidos através de
métodos científicos nos quais confiamos, os outros apresentam apenas a fé dos
seus personagens nas suas experiências enquanto comprovação de suas crenças.
O que as três obras têm em comum seria o compartilhamento das experiências dos
personagens, que enfrentam situações fantasiosas, mas que dentro de seus
universos, são absolutamente reais.
Como vimos, a incerteza – parte intrínseca do conhecimento científico – é
mantida. A autora não fornece explicações aos personagens ou a nós, e isso faz
com que a dúvida também seja parte fundamental do livro. Dividimos diversos
questionamentos com Clare e Henry, e acompanhamos suas tentativas de criação
de sentido para elementos do livro.
O livre arbítrio, por exemplo, é uma questão central. As viagens de Henry são
alternadamente aleatórias ou significativas. Momentos mais carregados de sentido o
27
Hay autores que establecen todo um inventario de objetos que obedecen a um nível u outro de combinación entre elementos reales y de ficción‖, 28
―Mundos posibles de la ficción anidan en el seno de los mundos reales, ya que la ficción parte de
mundos cotidianos, cercanos, para rehacerlos, reformularlos, transformarlos en definitiva, y volver a lanzarlos al mundo real efectivo‖.
63
atraem, e ele é forçado a visitar esses eventos com maior frequência. Em certos
momentos, ele sente vontade de interferir na conclusão de eventos negativos, mas é
incapacitado pelas próprias leis das suas viagens. O livre arbítrio existiria apenas no
presente, e o passado pertenceria a um momento já definido.
Exatamente essa definição faz com que o passado seja favorecido pelo
‗acaso‘ que rege os trajetos de Henry. Como esse controle não é consciente e não é
algo que a ciência explique dentro desse universo, contamos com as próprias
conclusões dos personagens quanto à forma que essa força age.
Primeiro de tudo, eu acho que é uma coisa cerebral. Eu acho que é muito parecido com epilepsia, porque tende a acontecer quando eu estou estressado, e existem pistas físicas, como luz piscando, que podem causar isso. E porque coisas como correr, sexo e meditação tendem a me ajudar a ficar no presente. Segundo, eu não tenho absolutamente nenhum controle consciente de quando ou onde eu vou, quanto tempo eu fico, ou quando eu volto. (...) Tendo dito isso, meu subconsciente parece exercer um controle tremendo, porque eu passo muito tempo no meu próprio passado, visitando eventos que são interessantes ou importantes (...). Eu tenho a tendência de ir a lugares em que eu já estive em tempo real, apesar de eu me encontrar em outros lugares e tempos mais aleatórios. (NIFFENEGGER, 2004, p. 81, tradução nossa).
29
Porém, assim como a aleatoriedade é parte marcante dessa condição
genética, existem momentos que se aproximariam das teorias de determinismo. Em
alguns momentos do livro, parece que há uma força ordenadora guiando o trajeto
dos personagens. Um forte exemplo disso é a forma como Henry e Clare se
conhecem.
Um dia, enquanto Clare brincava sozinha em uma clareira perto de sua casa,
ela é surpreendida por um homem, que surge entre alguns arbustos repentinamente.
Ela tinha seis anos, e esta foi a primeira de muitas visitas que ela recebe de Henry.
Ele - que coincidentemente começou a viajar no tempo aos seis anos de idade – já
sabia que estava diante da versão infantil de sua esposa, mas Clare não tinha ideia
do que estava acontecendo. Durante anos as viagens ao passado levaram Henry a
29 ―First of all, I think it's a brain thing. I think it's a lot like epilepsy, because it tends to happen when
I'm stressed, and there are physical cues, like flashing light, that can prompt it. And because things like running, and sex, and meditation tend to help me stay put in the present. Secondly, I have absolutely no conscious control over when or where I go, how long I stay, or when I come back. (…) Having said that, my subconscious seems to exert tremendous control, because I spend a lot of time in my own past, visiting events that are interesting or important (…). I tend to go to places I've already been in real time, although I do find myself in other, more random times and places.
64
esse mesmo lugar, até que eles finalmente se encontram no tempo presente de
ambos, quando Clare atinge a idade adulta.
Outra passagem do livro também relacionada ao futuro relacionamento dos
dois trás o sobrenatural para a trama. Ainda criança, Clare brinca com uma tábua
Ouija com suas amigas. Este objeto é utilizado em consultas de necromancia. Na
tábua, normalmente, estão escritos o alfabeto, números de zero a nove e as
palavras sim, não e adeus. Através de um ponteiro, é possível fazer perguntas aos
mortos, que responderiam levando esse ponteiro até as letras ou palavras. Quando
as meninas perguntam à tábua quais meninos gostavam da Clare, o ponteiro é
levado a cinco letras, formando a palavra ‗Henry‘ espontaneamente.
Você não quer saber?‘ ‗Não,‘ eu digo, mas eu coloco meus dedos no plástico branco mesmo assim. Ruth coloca seus dedos nele também e nada se move. Nós estamos tocando a coisa muito levemente, nós estamos tentando fazer do jeito certo e não empurrar. Então ele começa a se mover, devagar. Ele vai em círculos, e então para no H. Aí ele vai mais rápido. E, N, R, Y. ‗Henry,‘ diz Mary Christina. (...) Ruth e eu nos levantamos e Laura e Nancy se sentam. Nancy está de costas pra mim, então eu não consigo ver o rosto dela quando ela pergunta, ‗Quem é Henry?‘ Todas olham pra mim e ficam muito quietas. Eu olho para a tábua. Nada. Justamente quando eu estava pensando que estava segura, a coisa de plástico começa a se mover. H, ela diz. Eu acho que talvez ela só vai soletrar Henry de novo; afinal, Nancy e Laura não sabem nada sobre o Henry. Eu nem mesmo sei tanto sobre Henry. Então ela continua: U, S, B, A, N, D. (n.a: marido, em inglês) Elas todas olham pra mim. ‗Bem, eu não sou casada; eu só tenho onze anos.‘ ‗Mas quem é Henry? Laura se pergunta. ‗Eu não sei. Talvez ele seja alguém que eu nem conheci ainda‘. Ela acena. Todas estão assustadas. Eu estou muito assustada. Marido? Marido? (NIFFENEGGER, 2004, p. 100, tradução nossa).
30
O que fez com que a clareira se tornasse uma destinação recorrente para
Henry? E por que ele foi levado até Clare, e não a outra menina? A aparente
inevitabilidade da união amorosa entre eles, reforçada pela resposta da tábua Ouija,
transmite que a autora incluiu em sua trama um poder ordenador que não foi
explicitado, mas que de alguma forma está presente. Assim, Niffenegger oscila entre
30
―Don‘t you want to know?‖ ―No,‖ I say, but I put my fingers on the white plastic anyway. Ruth puts her fingers on too and nothing moves. We are both touching the thing very lightly, we are trying to do it right and not push. Then it starts to move, slow. It goes in circles, and then stops on H. Then it speeds up. E, N, R, Y. ―Henry,‖ says Mary Christina (...) Nancy has her back to me, so I can‘t see her face when she asks, ―Who is Henry?‖ Everybody looks at me and gets real quiet. I watch the board. Nothing. Just as I‘m thinking I‘m safe, the plastic thing starts to move. H, it says. I think maybe it will just spell Henry again; after all, Nancy and Laura don‘t know anything about Henry. I don‘t even know that much about Henry. Then it goes on: U, S, B, A, N, D. They all look at me. ―Well, I‘m not married; I‘m only eleven.‖ ―But who‘s Henry?‖ wonders Laura. ―I don‘t know. Maybe he‘s somebody I haven‘t met yet.‖ She nods. Everyone is weirded out. I‘m very weirded out. Husband? Husband?
65
o caos e o determinismo, mas oferecendo respostas apenas naquilo que poderia ser
racionalmente demonstrado. A autora oculta sua presença sem explicar parte
daquilo que a substituí dentro da trama do livro.
Os mecanismos escolhidos por Niffenegger (evidenciados ou não) permitem
que ela construa a narrativa da forma como ela quer, fazendo com que os
personagens reajam exatamente da forma necessária. Dessa forma, ela cria um
relacionamento amoroso que é o grande centro da obra e o grande chamariz para o
leitor. Mais do que as viagens no tempo e os diversos questionamentos da condição
humana, é a relação entre Clare e Henry que é o grande destaque no livro. A forma
como eles foram unidos por forças maiores que eles, incontroláveis e aparentemente
inevitáveis, une-os em laços que relacionamentos tradicionais não poderiam obter.
Ao conhecer Henry ainda criança e continuamente receber suas visitas
durante sua infância e adolescência, Clare nem mesmo recebe a oportunidade de se
ligar emocionalmente a outras pessoas. Ela não namora meninos de sua idade no
colégio e escolhe ter apenas uma relação casual durante a faculdade para
extravasar a frustração de ser forçada a esperar por Henry durante dois anos, sem
saber onde encontrá-lo e sem receber mais visitas. Mesmo irritada, ela aguarda por
ele.
Quando um amigo tenta fazer com que Clare desista de se casar com Henry,
ela explica a ele como, de uma forma que ela desconhece, a vida dos dois está
conectada além do seu controle.
‗Com Henry, eu posso ver tudo exposto na minha frente, como um mapa, passado e futuro, tudo de uma vez, como um anjo... ‘Eu balanço minha cabeça. Eu não consigo colocar em palavras. ‗Eu posso alcançar dentro dele e tocar o tempo... ele me ama. Nós somos casados por que... nós somos parte um do outro...‘ Eu vacilo. ‗Já aconteceu. Tudo de uma vez‘. (…) ‗Você não vê que está atrasado? Você está falando sobre alguém que eu conheço desde que eu tinha seis anos. Eu conheço ele. Você encontrou ele duas vezes e você está me dizendo para desistir. Bem, eu não posso. Eu vi meu futuro; eu não posso muda-lo, e eu não mudaria se eu pudesse‘. (...) Não tinha outro jeito. Nossas vidas estão interligadas (NIFFENEGGER, 2004, p. 67, tradução nossa).
31
31 ―With Henry, I can see everything laid out, like a map, past and future, everything at once, like an
angel....‖I shake my head. I can‘t put it into words. ―I can reach into him and touch time.. .he loves me. We‘re married because.. .we‘re part of each other....‖I falter. ―It‘s happened already. All at once.‖ (…) ―Don‘t you see that you‘re too late? You‘re talking about somebody I‘ve known since I was six. I know him. You‘ve met him twice and you‘re trying to tell me to jump off the train. Well, I can‘t. I‘ve seen my future; I can‘t change it, and I wouldn‘t if I could.‖ (...) ―It couldn‘t be helped; our lives are all tangled together.
66
Mesmo quando Clare se questiona quanto à natureza de seu relacionamento
com Henry e se pergunta sobre as chances de seu casamento dar certo ela
reconhece a inevitabilidade da união, acreditando que exatamente por isso está
fazendo a coisa certa.
Henry me ama. Henry está aqui, finalmente, aqui, finalmente. E eu amo ele Eu passo minhas mãos sobre meus seios e um filme fino de saliva é liquefeito pela água e se dispersa. Por que tudo tem que ser complicado? A parte complicada já não acabou agora? Eu submerjo meu cabelo, assisto ele flutuar à minha volta, escuro e como uma rede. Eu nunca escolhi o Henry, e ele nunca me escolheu. Então como isso poderia ser um erro? (NIFFENEGGER, 2004, p. 75, tradução nossa).
32
5.4 Keats e a Capacidade Negativa
Para lidar melhor com as inconstâncias em sua vida, Henry define para si
mesmo que é melhor ter o mínimo de informação possível sobre seu futuro. Ele
aplica isso às pessoas que convivem com ele, quebrando essa regra pouquíssimas
vezes. Algumas das informações que ele concorda em passar para as pessoas
envolvem doenças e fatalidades. Ele informa a seu amigo soropositivo que o
encontra no futuro, informando-o de que ele está vivo e saudável; e ele também
conta a Clare que sua mãe não morrerá cometendo suicídio, por exemplo.
Uma passagem do livro mostra bem como ele faz a distinção entre o que
pode ser transmitido e o que ele acredita que deva permanecer um mistério. Quando
Henry conhece Gomez, um amigo de Clare, eles discutem sua condição e Gomez
exige saber sobre o seu futuro.
―Nós nos conhecemos em 2000?‖ ―Sim‖, eu sorrio pra ele. ―Nós somos bom amigos‖. ―Me diga meu futuro.‖ Ah, não. Má ideia. ―Não‖ ―Por que não?‖ ―Gomez. Coisas acontecem. Saber sobre elas adiantadamente faz com que tudo fique…esquisito. Você não consegue mudar nada, de qualquer forma.‖ ―Por quê?‖ ―A causação só vai para frente. As coisas acontecem uma vez, só uma vez. Se você sabe de coisas...eu me sinto aprisionado, na maior parte do tempo.
32 Henry loves me. Henry is here, finally, now, finally. And I love him. I run my hands over my breasts
and a thin film of saliva is reaquified by the water and disperses. Why does everything have to be complicated? Isn’t the complicated part behind us now? I submerge my hair, watch it float around me, dark and net-like. I never chose Henry, and he never chose me. So how could it be a mistake?
67
Se você está no tempo, sem saber...você é livre. Confie em mim.‖ Ele parece frustrado (NIFFENEGGER, 2004, p. 105, tradução nossa).
33
Para Henry, conhecer seu futuro condiciona o presente e muda a forma como
ele percebe o mundo e seus relacionamentos pessoais. Como é impossível alterar o
que já aconteceu e o que acontecerá, não faz sentido conhecer o futuro.
O poeta inglês John Keats, assim como Henry, escolhe evitar as perguntas e
possibilidades de respostas para grandes questionamentos metafísicos, preferindo
viver com a dúvida e o desconhecido. Ele criou o termo capacidade negativa, que de
acordo com sua própria descrição seria ―quando um homem é capaz de estar em
incertezas, mistérios, dúvidas, sem nenhuma busca irritável por fato ou razão‖.
(KEATS apud POPOVA, 2012).34
Li Ou elabora ainda mais a expressão, tirando-a de um âmbito elusivo e
estabelecendo um centro conceitual sólido:
No centro está a capacidade de um grande poeta de permanecer ‗negativo‘, no sentido de ser capaz de resistir ao apego instintivo à certeza, resolução e conclusão na crença firme de que boa poesia é marcada pela permissão de uma experiência humana em grande escala que é abundante e diversa demais para ser reduzida a um sistema organizadamente unificado ou conceitualizado (OU, 2009, p. 23, tradução nossa)
35.
Ou seja – para Keats e Li Ou, ser negativamente capaz seria estar aberto à
todas as possibilidades da experiência sem se ater a doutrinas ou conceitos pré-
estabelecidos. Apenas assim o poeta poderia obter uma visão verdadeira do mundo,
mesmo que o abandono das certezas seja desconfortável.
Essa expressão foi mencionada apenas uma vez entre as obras e
correspondências de Keats (ela foi escrita em uma carta destinada aos seus
33
―Do we know each other in 2000?‖/ ―Yeah.‖ I grin at him. ―We‘re good friends.‖ / ―Tell me my future.‖/
Oh, no. Bad idea. ―Nope.‖ /―Why not?‖ /―Gomez. Things happen. Knowing about them in advance makes everything.. .weird. You can‘t change anything, anyway.‖ / ―Why not?‖ /―Causation only runs forward. Things happen once, only once. If you know things... I feel trapped, most of the time. If you are in time, not knowing...you‘re free. Trust me.‖ He looks frustrated. ―You‘ll be the best man at our wedding. I‘ll be yours. You have a great life, Gomez. But I‘m not going to tell you the particulars.‖
34
―When man is capable of being in uncertainties, mysteries, doubts, without any irritable reaching after fact and reason.‖ 35
At the centre is a great poet‘s capability of remaining ‗negative‘, in the sense of being able to resist the instinctive clinging to certitude, resolution and closure in the firm belief that great poetry is marked by its allowance for a full-scale human experience that is too copious and diverse to be reduced to a neatly unified or conceptualized system.
68
irmãos). Ainda assim, o conceito está fortemente presente em sua obra. Em suas
correspondências isso fica bastante óbvio. Ele faz questão de reiterar que é
verdadeiro apenas aquilo que a mente pode imaginar como belo. Assim, Keats opõe
razão e emoção, associando a capacidade negativa à primazia do sentimento. A
beleza poética jamais poderia ser obtida através da razão e dos fatos, e apenas uma
vida rica em emoção e imaginação seria capaz de levar o poeta à experiências
estéticas e vivências que o levariam à excelência artística.
O uso que Keats faz da palavra ‗beleza‘ não está associada somente ao seu
significado comum. Ele a percebe como algo que ―não implica em sensualidade,
mas em uma experiência estética intensa que incorpora a vida humana que é cheia
de desagradáveis e, por sua intensidade, os transforma em beleza artística e
verdade poética‖. (OU, 2009, p. 26).36
Outra interpretação da capacidade negativa afirma que ela também seria
imperativa no trabalho artístico. O autor deveria abandonar sua identidade para
então focar no objeto sendo analisado. De acordo com M. H. Abrams em seu
Glossary of Literary Terms (1999), o termo pode:
(...) caracterizar um autor impessoal ou objetivo como oposto a um subjetivo que está pessoalmente envolvido com os personagens e ações representados em um trabalho de literatura e oposto a um autor que usa um trabalho literário para apresentar suas crenças pessoais.
37 (ABRAMS, 1999,
p. 174, tradução nossa)
Apesar de o poeta cunhar o termo Capacidade Negativa em 1817, seu
trabalho começou a mostrar o amadurecimento deste conceito somente em 1818.
Foi então que seus poemas começaram a mostrar algumas das características mais
marcantes das suas grandes obras. Keats passou a valorizar as experiências e
instigar oposições e conflitos, evitando chegar a conclusões. O poema Ode Sobre
uma Urna Grega demonstra bem como ambas as interpretações estão presentes no
trabalho de Keats.
(...) seus poemas passaram a exemplificar uma mente amadurecida de capacidade negativa, marcada pela recusa deliberada de resolução, a inclusão de ambos os lados da oposição e a exploração de suas
36
does not imply sensuousness, but an intense aesthetic experience that embodies the actual human life that is full of ‗disagreeables‘, and by its intensity, transforms it into artistic beauty and poetic truth‖. P26 37 (…) characterize an impersonal or objective author as opposed to a subjective one who is personally
involved with the characters and actions represented in a work of literature and as opposed to an author who uses a literary work to present his or her personal beliefs‖
69
interdependências paradoxais e conflitos irreconciliáveis, e uma mudança ativa de ponto de vista que dá à sua poesia um escopo dramático (OU, 2009, p. 250, tradução nossa).
38
Ode Sobre uma Urna Grega (Ode On a Grecian Urn) I Inviolada noiva de quietude e paz, (Thou still unravish‘d bride of quietness,) Filha do tempo lento e da muda harmonia, (Thou foster-child of silence and slow time,) Silvestre historiadora que em silêncio dás (Sylvan historian, who canst thus express) Uma lição floral mais doce que a poesia: (A flowery tale more sweetly than our rhyme:) Que lenda flor-franjada envolve tua imagem (What leaf-fring‘d legend haunts about thy shape) De homens ou divindades, para sempre errantes. (Of deities or mortals, or of both,) Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo? (In Tempe or the dales of Arcady?) Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes? (What men or gods are these? What maidens loth?) Que louca fuga? Que perseguição sem termo? (What mad pursuit? What struggle to escape?) Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem? (What pipes and timbrels? What wild ecstasy?) II A música seduz. Mas ainda é mais cara (Heard melodies are sweet, but those unheard) Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom; (Are sweeter; therefore, ye soft pipes, play on;) Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara (Not to the sensual ear, but, more endear'd,) O supremo saber da música sem som: (Pipe to the spirit ditties of no tone:) Jovem cantor, não há como parar a dança, (Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave A flor não murcha, a árvore não se desnuda; (Thy song, nor ever can those trees be bare Amante afoito, se o teu beijo não alcança (Bold lover, never, never canst thou kiss) A amada meta, não sou eu quem te lamente: (Though winning near the goal — yet, do not grieve Se não chegas ao fim, ela também não muda,
38 His poems began to exemplify a matured mind of negative capability, marked by the deliberate
refusal of resolution, the inclusion of both sides of the opposition and the exploration of their paradoxical interdependence and irreconcilable conflict, and an active shift of point of view that gives his poetry a dramatic scope.
70
(She cannot fade, though thou hast not thy bliss,) É sempre jovem e a amarás eternamente. (For ever wilt thou love, and she be fair!) III Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor (Ah, happy, happy boughs! that cannot shed) Das folhas e não teme a fuga da estação; (Your leaves, nor ever bid the Spring adieu;) Ah! feliz melodista, pródigo cantor (And, happy melodist, unwearied,) Capaz de renovar para sempre a canção; (For ever piping songs for ever new;) Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante! (More happy love! more happy, happy love!) Para sempre a querer fruir, em pleno hausto, (For ever warm and still to be enjoy‘d,) Para sempre a estuar de vida palpitante, (For ever panting, and for ever young;) Acima da paixão humana e sua lida (All breathing human passion far above,) Que deixa o coração desconsolado e exausto, (That leaves a heart high-sorrowful and cloy‘d,) A fronte incendiada e língua ressequida. (A burning forehead, and a parching tongue.) IV Quem são esses chegando para o sacrifício? (Who are these coming to the sacrifice?) Para que verde altar o sacerdote impele (To what green altar, O mysterious priest,) A rês a caminhar para o solene ofício, (Lead‘st thou that heifer lowing at the skies,) De grinalda vestida a cetinosa pele? (And all her silken flanks with garlands drest?) Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente (What little town by river or sea shore,) Ou no alto da colina foi despovoar (Or mountain-built with peaceful citadel,) Nesta manhã de sol a piedosa gente? (Is emptied of this folk, this pious morn?) Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe (And, little town, thy streets for evermore) Em tuas ruas, e ninguém virá contar (Will silent be; and not a soul to tell) Por que razão estás abandonada e triste. (Why thou art desolate, can e‘er return.) V Ática forma! Altivo porte! em tua trama (O Attic shape! Fair attitude! with brede) Homens de mármore e mulheres emolduras (Of marble men and maidens overwrought,) Como galhos de floresta e palmilhada grama:
71
(With forest branches and the trodden weed Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas (Thou, silent form, dost tease us out of thought) Tal como a eternidade: Fria Pastoral! (As doth eternity: Cold Pastoral!) Quando a idade apagar toda a atual grandeza, (When old age shall this generation waste,) Tu ficarás, em meio às dores dos demais, (Thou shalt remain, in midst of other woe) Amiga, a redizer o dístico imortal: (Than ours, a friend to man, to whom thou say‘st "A beleza é a verdade, a verdade a beleza" (―Beauty is truth, truth beauty,‖ — that is all) — É tudo o que há para saber, e nada mais.
( Ye know on earth, and all ye need to know) (KEATS, 2001, p. 238).39
No poema Keats encontra um momento de satisfação ao observar uma urna
grega, que teria capturado uma representação de experiência terrena de felicidade.
Para Ou (2008), a transformação dessa situação em arte leva o observador à um
estado de transcendência, onde a imaginação supera a experiência terrena. A
beleza artística da urna é então o único conhecimento ao qual é possível chegar,
mesmo que ele exista como uma forma incompleta de saber (à qual todos os seres
humanos estão condenados). A conclusão do poema é feita sob a capacidade
negativa. Nem imaginação nem a realidade humana são vitoriosas em seu conflito.
A intromissão da imaginação na experiência humana e o conflito que surge disso
mostra um paradoxo doloroso que expressa o sofrimento e o potencial emocional
que surgem como efeito dele. Portanto:
‗Beleza é verdade, verdade beleza‘, mesmo que seja apenas meio conhecimento. Afinal, o conhecimento humano, confinado por sua mortalidade, pode ser apenas meio conhecimento. Buscar a onisciência da eternidade é então uma tentativa fútil de buscar algo impossível. Assim, não importa quem diga o quê nas últimas duas linhas, o fim parece apresentar uma mensagem de capacidade negativa do poeta. A beleza na urna, capturada da experiência instantânea de felicidade terrena, quando belamente repetida na arte, se transforma em uma verdade imaginativa que transcende sua existência terrena, como o próprio Keats escreve: ―de agora em diante nós vamos desfrutar ao termos o que nós chamamos de felicidade na Terra repetida em melhor tom e então repetida (OU, 2009, p. 321).
40
39 Tradução: Augusto de Campos
40
Therefore, ‗Beauty is truth, truth beauty‘, even if it‘s only half knowledge. After all, human knowledge, confined by it‘s mortality, can only be half knowledge. Reaching out for the omniscience of eternity then is a futile attempt to reach after something impossible. Therefore, no matter who says what in the last two lines, the end seems to deliver a message of negative capability from the poet. The beauty on the urn, captured from the instantaneous experience of earthly happiness, when finely repeated in art, turns into an imaginative truth that transcends it‘s earthly existence, as Keats writes
72
Os personagens principais de A Mulher do Viajante do Tempo também
possuem essa capacidade negativa. Henry e Clare sabem que não conseguirão
obter todas as respostas para o que estão enfrentando. Por mais que a ciência
consiga elucidar alguns pontos, estes são ainda pequenos perto da complexidade da
condição de Henry. Aqui, assim como em diversas outras questões, a ciência é
insuficiente.
Atualmente vemos um aumento de interesse do público leigo pela ciência. Se
a geração romântica de 1800 valorizava o misterioso, a geração contemporânea tem
se voltado cada vez mais para o científico. Vemos isso nitidamente com o astrofísico
estado-unidense Neil DeGrasse Tyson, que apresentou em 2014 o seriado
documental Cosmos: Uma Odisséia do Espaço-Tempo. O programa é a sequência
de um seriado apresentado pelo também astrofísico (também astrônomo e
cosmólogo) Carl Sagan em 1980. O seriado ilustra e explica diversos temas
científicos, passando por Giordano Bruno, supernovas, a divisão do átomo, etc.
O produtor Seth MacFarlane foi influenciado pelo programa de Sagan, o que o
fez se interessar pelo projeto. Para ele, Cosmos é uma ponte que diminui a distância
entre o conhecimento acadêmico o público leigo. Tanto crítica quanto público
também se interessaram pelo programa, que nos Estados Unidos foi veiculado nos
canais Fox e National Geographic para 181 países. Ele recebeu o prêmio de melhor
reality show da Television Critics Association e teve uma resposta amplamente
positiva de público. O site The Hollywood Reporter afirma que de acordo com as
projeções mundiais da emissora, mais de 40 milhões de pessoas assistiram ao
programa. Ann Druyan, viúva de Sagan, é produtora e criadora da série original e
também da atual. Ela diz que as manifestações do público são emocionantes.
(a resposta do público) veio na forma de inúmeros tweets de pessoas e e-mails do público, dizendo que Cosmos aproximou famílias, que as noites de domingo se tornaram um momento familiar novamente e que muitos pais e filhos e crianças e casais estão assistindo esta série juntos, e mais que isso, que todos estão profundamente emocionados pelo que é um programa rigorosamente científico. Esse era o meu sonho desde o princípio. (DRUYAN apud MALIK, 2014)
41
himself: ‗we shall enjoy ourselves here after by having what we called happiness on Earth repeated in a finer tone and so repeated‘. 41
"It has come in the form of myriad tweets from people and emails from the public saying that 'Cosmos' has brought families together, that Sunday nights have become a family time again and how
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Além de Tyson, outros cientistas (também estado-unidenses) têm se tornado
populares. Bill Nye, cientista educacional participou da 17ª temporada do programa
Dancing With The Stars (Dançando Com as Estrelas, em tradução livre), fez
participações recorrentes em seriados e talk shows e também escreveu
documentários e um programa de TV.
O seriado britânico Doctor Who, cujo último episódio havia sido veiculado em
1989, voltou a ser produzido em 2005 e terá uma nova temporada em 2015. O
personagem principal viaja através do espaço tempo utilizando tecnologia alienígena
avançada, e as explicações científicas para os diversos fenômenos que ocorrem no
programa (mesmo que sejam fantasiosas) sempre possuem um fundo de verdade.
Nisso, o programa se aproxima de outro seriado, Big Bang Theory, em que
um grupo de amigos cientistas discute sobre teorias das cordas, descobertas
astronômicas, neurociência, dentre diversos outros temas. O seriado foi iniciado em
2007 e está no ar até hoje. Vale ressaltar que sua vinheta introdutória recupera o
processo evolutivo terrestre desde o Big Bang até os dias de hoje.
Para o semiólogo Charles Peirce, o método da ciência seria o ideal para a
busca do conhecimento, por fornecer uma única solução, que seria sempre a
mesma obtida por qualquer pessoa que a procurasse.
Existem coisas reais, cujas características são inteiramente independentes
das nossas opiniões acerca delas; estas realidades afectam os nossos sentidos de acordo com leis regulares, e embora as nossas sensações sejam tão diferentes como o são as nossas relações aos objectos, contudo, tirando proveito das leis da percepção, podemos descobrir, através do raciocínio como as coisas realmente são; e qualquer homem, se possuir suficiente experiência e raciocinar o suficiente sobre o assunto, será conduzido à única conclusão verdadeira.(PEIRCE, 1877)
42
(N.a: tradução de Anabela Gradim Alves)
No entanto, essa valorização científica não seria apenas outra forma de
buscar respostas? A crença científica poderia ser apenas outra opção para se
combater a angústia da dúvida. Neil deGrasse Tyson diz em seu seriado que o
método científico levará o ser humano à verdade, mas mesmo que o método
many parents and children and couples are watching this series together and most of all how profoundly moved they are by what is a rigorously scientific show. That was my dream from the beginning. 42
There are Real things, whose characters are entirely independent of our opinions about them; those Reals affect our senses according to regular laws, and, though our sensations are as different as are our relations to the objects, yet, by taking advantage of the laws of perception, we can ascertain by reasoning how things really and truly are; and any man, if he have sufficient experience and he reason enough about it, will be led to the one True conclusion.
74
científico possa trazer a solução de alguns mistérios, ele não é definitivo, mas sim
algo que está em constante modificação e evolução.
Como buscadores da verdade, nós devemos também questionar e suspeitar de nossas próprias ideias enquanto realizamos nossas investigações, para evitarmos cair em preconceito ou em um raciocínio descuidado. Siga este caminho, e a verdade será revelada a você. Este é o método da ciência (TYSON, 2014).
43
A declaração de Tyson aqui é quase espiritual e bastante determinística. Ele
parece se esquecer de que erros podem ser cometidos e que, mais importante,
obter a verdade absoluta possa ser algo impossível.
Leis estipuladas como absolutas há séculos podem ser derrubadas por novas
descobertas. Comprovações feitas por profissionais renomados podem ser corruptas
ou simplesmente errôneas. Infelizmente (ou não) nem mesmo os mais poderosos
telescópios e microscópios podem responder todas as nossas indagações.
Keats percebe a incerteza como um estado mais próximo da realidade das
coisas. Ao tentar obter sempre a resposta absoluta, a ciência e a razão estariam se
enganando. Apesar de o conhecimento e os fatos reconfortarem a mente humana,
quanto mais se sabe, mais se encontra de inadequado no mundo.
Voltando ao livro A mulher do viajante do tempo: quanto mais Henry viaja,
visitando outros momentos no tempo e espaço, mais ele se perde. Ele obtém mais
fatos sobre si mesmo em seus trajetos, mas ao mesmo tempo eles fornecem mais
material que deve ser decifrado. Sua escolha de evitar experimentações com a
provocação de mudanças na história, por exemplo, mostra, que mesmo tendo a
possibilidade de saber mais, ele prefere ficar no escuro. Outro viajante poderia tentar
causar mudanças nos lugares onde vai, plantar informações, investigando assim o
funcionamento do universo. Henry e Clare fazem o oposto. Tentam causar o mínimo
de interferências, evitando assim o conhecimento mas também as consequências
que ele traria.
Clare é uma artista plástica. Ela pinta e desenha, e em uma tarde em seu
presente, mas no passado de Henry, estava fazendo um retrato dele. Ao terminar
ela começa a escrever a data do desenho, mas ele a impede.
―Não!‖ , eu digo. ―Ele não tem data.‖
43
As seekers after truth, we must also suspect and question our own ideas as we perform our investigations, to avoid falling into prejudice or careless thinking. Take this course, and truth will be revealed to you. This is the method of science.
75
―Não?‖ ―Eu já vi ele antes. Não tem data nele.‖ ―Ok.‖ Clare apaga a data e escreve Meadowlark ao invés. ―Pronto.‖ Ela olha para mim, intrigada. ―Já aconteceu de você voltar para o seu presente e ver que algo mudou? Quer dizer, e se eu escrevesse a data nesse desenho agora? O que aconteceria?‖ ―Eu não sei. Tenta,‖ eu digo, curioso. Clare apaga a palavra Meadowlark e escreve 11 de Setembro, 1988. ―Pronto‖, ela diz. ―Isso foi fácil‖. Nós olhamos um para o outro, confusos. Clare ri. ―Se nós violamos o continuum espaço-temporal não é muito óbvio‖
44 (NIFFENEGGER, 2004, p. 79).
Eles tentam fazer um teste, mas por medo do que poderia acontecer Clare
mais tarde retira a data.
―Eu fiquei assustada com o seu comentário de Terceira Guerra Mundial. Eu comecei a pensar, e se nós nunca nos conhecermos no futuro porque eu insisti em testar isso?‖ ―Estou feliz que você tenha feito isso.‖ ―Por quê?‖ ―Não sei. Eu só estou.‖ Nós olhamos um para o outro, e então Clare sorri, e eu ergo os ombros e é isso. Mas por que parece que algo impossível quase aconteceu? Por que eu me sinto tão aliviado?
45 (NIFFENEGGER, 2004, p.
79).
Agindo assim, eles escolhem permanecer com o questionamento. E se Clare
não tivesse tirado a data? E se o futuro foi alterado por causa disso? E se ações tão
pequenas assim forem realmente fundamentais para o funcionamento da força
ordenadora do universo de Niffenegger? Eles Nunca saberão, e com essa escolha
forçam também o leitor a viver sem receber respostas. Os personagens
(mascarando a ação da autora) nos forçam a viver com eles dentro das regras da
capacidade negativa de Keats – sempre perguntando, mas nunca concluindo.
44
―Don‘t,‖ I say. ―It‘s not dated.‖ / ―It‘s not?‖ / ―I‘ve seen it before. There‘s no date on it.‖ / ―Okay.‖ Clare
erases the date and writes Meadowlark on it instead. ―Done.‖ She looks at me, puzzled. ―Do you ever find that you go back to your present and something has changed? I mean, what if I wrote the date on this drawing right now? What would happen?‖ / ―I don‘t know. Try it,‖ I say, curious. Clare erases the word Meadowlark and writes September 11, 1988. / ―There,‖ she says, ―that was easy.‖ We look at each other, bemused. Clare laughs. ―If I‘ve violated the space-time continuum it isn‘t very obvious.‖ 45 ―I got all freaked by your World War III comment. I started thinking, what if we never meet in the
future because I insisted on testing this out?‖ / ―I‘m glad you did.‖ / ―Why?‖ / ―I don‘t know. I just am.‖ We stare at each other, and then Clare smiles, and I shrug, and that‘s that. But why does it seem as though something impossible almost happened? Why do I feel so relieved?
76
6 UMA CONCLUSÃO IMPOSSÍVEL
Para Carl Sagan (1995), a pseudociência (que incluiria a Sincronicidade, o
uso do I Ching e outros oráculos, etc), seria a válvula de escape encontrada por
muitos para se sentirem melhor em relação à angústia da dúvida. A impossibilidade
de confrontar achados da pseudociência com a realidade dificultariam a sua
desaprovação e facilitariam a argumentação dos seus defensores. Os padrões pelos
quais a pseudociência deve passar são muito menos rígidos do que aqueles
enfrentados pela ciência.
Essas questões facilitam a apresentação desses métodos ao público geral,
que pode decidir não aplicar o bom senso e o ceticismo e eleger essas teorias como
verdade. É claro que essas crenças apresentam vantagens que atraem as pessoas,
e Sagan compara alguns desses benefícios a poderes semelhantes a aqueles
possuídos por super-heróis.
A pseudociência fala às necessidades emocionais poderosas que a ciência frequentemente deixa de satisfazer. Nutre as fantasias sobre poderes pessoais que não temos e desejamos ter (como aqueles atribuídos aos super-heróis das histórias em quadrinhos modernas e, no passado, aos deuses) (SAGAN, 1995, p. 29).
Algumas das ofertas da pseudociência trariam ao homem a crença (ou
confirmariam um pensamento já arraigado) que ele é realmente o centro do
Universo, possuindo portanto uma importância cósmica inegável. Assim, seria
perfeitamente possível que o homem conseguisse encontrar curas para doenças
terminais, obter alguma forma de continuar sua existência após a morte e adquirir
respostas para diversas outras questões que confortassem sua busca por
conclusões.
No entanto, a ciência faz promessas não muito diferente destas. A mudança
fundamental no método científico seria o combate às ideias pré-concebidas. Os
resultados obtidos ao longo dos séculos são tão maravilhosos que poderiam ser
confundidos com mágica.
(O método da ciência) carregou nossos emissários robóticos ao limite do
Sistema solar e além. Dobrou nossa expectativa de vida, fez com que os
mundos perdidos do passado revivessem. A ciência nos permitiu prever
eventos no futuro distante e nos comunicarmos uns com os outros na
77
velocidade da luz (...). Esta forma de pensamento nos deu poderes que o
próprio Alhazen teria considerado como magia (TYSON, 2014).46
Para Neil deGrasse Tyson, o pensamento científico seria tão poderoso que
ele surpreenderia até mesmo um dos primeiros cientistas de todos os tempos. Ibn
Alhazen, árabe nascido em 965 E.C., desenvolveu trabalhos sobre o método
científico que influenciaram gênios como Leonardo Da Vinci, Galileu, Descartes e
Kepler.
Retomemos a fala de Sagan já vista introdutoriamente. ―É natural que as
pessoas experimentem vários sistemas de crenças, para ver se têm valia‖ (1995, p.
29). Milan Kundera, em A arte do romance (2009), relaciona isso ao próprio
surgimento do romance. O gênero seria responsável por desvendar diferentes
aspectos da existência humana, investigar a vida sentimental e interior, relatar a
historicidade humana e avaliar o papel do irracional no comportamento humano –
funções que variariam de acordo com o autor. A busca pelo conhecimento seria a
motivação do romance, acompanhando a evolução do ser humano.
A ‗paixão do conhecer‘ (...) se apossou dele então, para que ele perscrute a vida concreta do homem e a proteja contra o ‗esquecimento do ser‘; para que ele mantenha ‗ o mundo da vida‘ sob uma iluminação perpétua. (KUNDERA, 2009, p. 13).
Kundera recupera a obra Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, para
demonstrar como uma das primeiras expressões do romance europeu (o livro foi
publicado em 1605) abordou o esforço de se lidar não com apenas uma grande
verdade, mas sim com diversas versões relativas e contraditórias da verdade. Assim,
Cervantes já saberia que a única certeza possível seria a sabedoria do incerto. ―O
homem deseja um mundo onde o bem e o mal sejam nitidamente discerníveis, pois
existe nele a vontade inata e indomável de julgar antes de compreender. Sobre essa
vontade estão fundadas as religiões e ideologias.‖ (KUNDERA, 2009, p. 14).
46 So powerful that it's carried our robotic emissaries to the edge of the solar system and beyond. It
has doubled our lifespan, made the lost worlds of the past come alive. Science has enabled us to
predict events in the distant future and to communicate with each other at the speed of light, as I am
with you, right at this moment. This way of thinking has given us powers that al-Hazen himself would
have regarded as wizardry.
78
O problema é que o romance (e outras obras artísticas ou culturais)
dificilmente dialogará com o discurso das religiões caraterizado por Kundera como
dogmático e apodítico; oposto ao discurso literário - relativo e ambíguo. Não há certo
e errado dentro do Universo da ficção, e a necessidade que o ser humano sente em
desenvolver sistemas de crenças que vão além do método científico revela
limitações.
Nesse ―ou – ou então‖ está contida a incapacidade de suportar a relatividade essencial das coisas humanas, a incapacidade de encarar a ausência do Juiz supremo. Devido a essa incapacidade, a sabedoria do romance (a sabedoria da incerteza), é difícil de aceitar, de compreender. (KUNDERA, 2009, p. 15).
O que havia levado Dom Quixote a deixar sua casa seria sua incapacidade de
reconhecer a mão de Deus em seu mundo, responsável por organizar seus valores,
desenvolvimento e designar significados aos seus diversos elementos. Kundera não
menciona outras mídias além da literatura, mas podemos nos apropriar de seus
argumentos para analisa-las também. Assim como na literatura, os seriados
televisivos (e filmes, peças, músicas, etc) nos dariam um espelhamento do mundo
real reinado pelo incerto.
O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana, na armadilha em que se transformou o mundo. (...) Que a vida seja uma armadilha, isso sempre soubemos: nascemos sem ter pedido, em um corpo que não escolhemos e destinados a morrer. (KUNDERA, 2009, p. 32).
A definição do vocábulo ‗romance‘, feita por Kundera (2009), estabelece que
ele seria uma forma de prosa através da qual autores utilizam o que ele chama de
‗egos experimentais‘ (personagens) para investigar temas existenciais. Já o
romancista seria alguém que tateia às escuras, em busca de respostas e se
enveredando no ―mapa espiritual de seu tempo, de sua nação, no mapa da história
das ideias.‖ (KUNDERA, 2009, p. 137).
Guiados por esse argumento de Milan Kundera, e voltando ao que lemos nos
capítulos anteriores, percebemos então que todos os elementos presentes na obra
estão buscando uma única coisa: respostas. Tanto os criadores, quanto os
personagens e o público tentam encontrar sentido e ordem em seus mundos.
Porém, criadores e público habitam o universo real, e podem apenas passar algum
tempo na ficção. Eventualmente essa fantasia deve ser abandonada. Kundera nos
fala que quando Ema Bovary (personagem de Gustave Flaubert, publicada
79
originalmente em 1857) começa a sofrer com o tédio de seu cotidiano, suas
idealizações, sonhos e devaneios ganham importância, ou, nas palavras do autor: ―o
infinito perdido do mundo exterior é substituído pelo infinito da alma‖. (KUNDERA,
2009, p. 15) Ema sofria pelos personagens dos romances que lia, e tirava dos livros
inspirações para atitudes a serem tomadas para acabar com seus dias enfadonhos.
Ela se esforçava para encontrar na ficção aquilo que faltava em sua vida. Ou seja,
encontramos conforto em obras culturais porque elas nos dão em um devaneio algo
que seria impossível encontrarmos na realidade.
Frente a isso, podemos nos sentir bastante deprimidos. Afinal, estamos
destinados a uma vida de buscas, mas sem nunca encontrarmos aquilo que
procuramos. Por sorte, como vimos no capítulo anterior, John Keats nos indica uma
alternativa para esse ideal inatingível.
Que coisa feliz seria se conseguíssemos acomodar nossos pensamentos, decidir nossa opinião quanto a qualquer assunto em cinco minutos e permanecermos contentes – ou seja, construir uma espécie de chalé mental de pensamentos calmos e agradáveis. (…) Mas, infelizmente, isso nunca ocorrerá, pois assim como o dono do chalé material sabe que existem lugares como a França e a Itália e os Andes e a Montanha Ardente, o dono do chalé espiritual tem conhecimento da terra semi incógnita das coisas sobrenaturais; e não consegue, por sua vida, se controlar (KEATS apud OU, 2009, p. 28).
47
Com essa observação, feita em uma carta enviada para seu amigo James
Rice em 24 de março de 1818, Keats reconhece a natureza inquieta da mente
humana e a dificuldade de mantê-la tranquila e serena. Mesmo que esse estado seja
incômodo, ele está mais próximo do real do que a obtenção de conclusões
inabaláveis e, com isso, a calmaria mental permanente.
Keats estabelece uma metáfora para transmitir seu ideal de busca por
conhecimento. A abelha seria o homem, perseguindo incessantemente o
conhecimento, representado pela flor.
Assim, não vamos correndo e coletando como uma abelha, zunindo aqui e ali impacientemente por um conhecimento daquilo a que devemos chegar: mas vamos abrir nossas folhas como uma flor e sermos passivos e
47 What a happy thing it would be if we could settle our thoughts, make our minds up on any matter in
five Minutes and remain content – that is to build a sort of mental Cottage of feelings quiet and pleasant (…) – but Alas! This never can be: <the> for as the material Cottager knows there are such places as france and Italy and the Andes and the Burning Mountains – so the spiritual Cottager has knowledge of the terra semi incognita of things unearthly; and cannot for his Life, keep in the check rein.
80
receptivos – formando botões pacientemente sob o olho de Apolo e pegando dicas de cada nobre inseto que nos favorecer com uma visita. (KEATS apud OU, 2009, p. 27, tradução nossa).
48
Assim Keats determina que a passividade na busca do conhecimento pode
ser mais proveitosa do que a ansiedade da procura. Ele também acredita que deve-
se estar aberto a todas as manifestações de conhecimento. A capacidade negativa
implica que a complexidade da mente humana seria capaz de possuir pensamentos
opostos e contraditórios. Dessa forma a mente não teria a necessidade de estar
correta ou de encontrar a verdade absoluta, permanecendo pacificamente no centro
do mistério e das dúvidas.
Esta abordagem seria mais realista por adaptar o ser humano ao seu mundo,
ao invés de manipular sua percepção para que ela absorva apenas determinados
elementos, criando uma versão particular da realidade.
Ocorre aqui a desvalorização da definição da experiência e a valorização da
vivência, incorporando todas as suas facetas, mesmo que elas entrem em conflito.
Essa seria, enfim, a realidade da experiência humana de mundo. Ela pode não ser a
mais confortável ou a mais atraente. Mas se estamos, afinal, em busca da verdade,
devemos reconhecer que nossa realidade é, pura e simplesmente, terra incógnita.
48 [L]et us not therefore go hurrying about and collecting honey-bee like, buzzing here and there
impatiently from a knowledge of what is to be arrived at: but let us open our leaves like a flower and be passive and receptive – budding patiently under the eye of Apollo and taking hints from evey noble insect that favors us with a visit
81
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