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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DE ASSUNÇÃO ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA MESTRADO EM TEOLOGIA São Paulo 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DE ASSUNÇÃO

ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA

PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

MESTRADO EM TEOLOGIA

São Paulo

2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DE ASSUNÇÃO

ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA

PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

MESTRADO EM TEOLOGIA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de

Teologia Nossa Senhora da Assunção, como exigência

parcial para a obtenção do título de Mestre em Teologia

sob a orientação do Prof. Dr. Denilson Geraldo.

São Paulo

2015

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DEDICATÓRIA

A Santa Teresa de Lisieux pela graça de ter concluído este trabalho. À minha querida irmã,

Dra. Emídia Coêlho Pereira, que, não estando mais na terra, da comunhão dos santos, alegrar-

se-á pela conclusão deste estudo.

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Existem, de uma extremidade do mundo à outra, milhões de almas, cuja vida interior sofreu a influência benfazeja deste pequeno livro: História de uma Alma.

Cardeal Pacelli (Pio XII) na consagração da Basílica de Santa Teresa em Lisieux, em

11.7.1937.

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AGRADECIMENTO

Agradeço à Trindade Santa pela graça da força da brisa que levou a termo este trabalho.

À Santa Teresinha, hábil no Espírito Santo, por me sustentar no desafio.

Ao Diretor Prof. Pe. Dr. Valeriano S. Costa pela atenção que sempre me dispensou.

Ao Prof. Pe. Dr. Denilson Geraldo pelos incentivos que permitiram a meta.

Aos meus queridos professores da Graduação e Mestrado, homens e mulheres servidores de

Deus a serviço do Reino, que, com paciência e sabedoria, desbravaram minha mente e meu

coração para o trajeto da “teologia do amor”.

Do mais profundo da alma, agradeço ao Prof. Pe. Dr. Boris Nef Ulloa pelo salutar apoio para

a reintegração do Mestrado.

Ao Prof. Ms. Dr. Sérgio Conrad que me introduziu na caminhada.

Aos meus queridos pais que, desde cedo, me ensinaram a amar a Deus, a Maria e ao próximo

(in m.).

A um ausente que proporcionou o aprimoramento e o aprofundamento da minha fé.

A todos que colaboraram para o término deste mestrado “uma chuva de rosas”.

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ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA

PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

RESUMO

O trabalho tenta mostrar a importância da doutrina e da teologia de Santa Teresa de Lisieux

para a Igreja e o mundo. O impacto causado pela publicação de História de uma Alma, em

termos mundiais, que levou Sua Santidade, o Papa Pio XI, a denominá-la “a criança querida

do mundo”. Os capítulos tendem a mostrar aspectos relevantes de sua vida, a qual não se pode

separar de seus escritos, e a vivência da Palavra de Deus que forjaram a sua espiritualidade e

intimidade com Deus. O alcance da “pequena via”, sua “Scientia amoris”, com o objetivo

claro de evangelização de todos para levá-los a Cristo. Como o amor no coração da Igreja

objetiva, ainda mais, o desejo de evangelização para salvar almas para o Amado, realizando o

seu desejo apostólico. A profundidade de sua doutrina cristológica na intimidade com Deus

levou-a aos títulos: Padroeira das Missões e Doutora da Igreja e a ser amada e venerada em

todo o mundo.

Palavras-chave: Cristologia, Teresa de Lisieux, Teologia Pastoral, amor.

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ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA

PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

ABSTRACT

The work attempts to show the importance of doctrine and theology of Saint Therese of

Lisieux for the Church and the world. The impact caused by the publication of “Story of a

Soul”, in world terms, that led His Holiness, Pope Pius XI, to name it "the Darling child of the

world". The chapters tend to show relevant aspects of your life, which one cannot be

separated from her writings, and the experience of the God’s Word who forged his spirituality

and intimacy with God. The scope of the "little way", her "Scientia amoris", with the clear

goal of evangelization of all to lead them to Christ. As the love in the heart of the Church

aims even more the desire of evangelization to save souls for the beloved, fulfill realizing her

apostolic desire. The depth of her Christological doctrine on intimacy with God took on the

titles: Patron Saint of the Missions and Doctor of the Church and be loved and revered

throughout the world.

Keywords: Christology, Teresa de Lisieux, Pastoral Theology, love.

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LISTA DE SIGLAS

A Manuscrito Autobiográfico dedicado à Madre Agnes de Jésus (1895)

B-M Carta à Irmã Marie du Sacre-Coeur (1896)

C-G Manuscrito Autobiográfico dedicado à Madre Marie de Goenzague (1897)

CJ Caderno Amarelo

DCL Documentação do Carmelo de Lisieux

DCS Últimos Conselhos e Lembranças

DE Últimos Colóquios

DYN Dynamique de la Confiance

HA História de uma Alma

LT Cartas de Teresa - numeradas

NECMA Nova Edição do Centenário, vol. dos Manuscritos Autobiográficos

NV Novíssima Verba

PN Poesias

Pri Orações

VT Vida Teresiana. Revista trimestral publicada em Lisieux, desde 1961

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................

CAPÍTULO I - TERESA, SUA INFÂNCIA E JUVENTUDE 1 ASPECTOS RELEVANTES DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE SANTA TERESA .

1.1 A Trajetória Espiritual de Santa Teresa no Aprofundamento da Intimidade com Deus - a Sagrada Escritura, os Pais do Carmelo Reformado e Imitação de Cristo .......

1.2 Oferta de Santa Teresa ao Amor Misericordioso de Deus – Salmo 88 - Plena Intimidade com o Amado e Transmissão aos Irmãos ....................................................

1.3 A Manifestação da Intimidade no Amor Transbordante a Deus nas suas Correspondências Evangelizadoras e Missionárias .......................................................

CAPÍTULO II - A INTIMIDADE DE SANTA TERESA COM DEUS NA PEQUENA VIA E SUA FORÇA EVANGELIZADORA .............................................. 1 A INTIMIDADE EM HISTÓRIA DE UMA ALMA E SUA DIMENSÃO EVANGELIZADORA E MISSIONÁRIA ............................................................................ 2 EVOLUÇÃO DESTA INTIMIDADE COM DEUS E SEU ALCANCE EVANGELIZADOR ............................................................................................................... CAPÍTULO III - A FORÇA DO AMOR DE TERESA NA INTIMIDADE COM DEUS PARA A SUA MISSÃO E EVANGELIZAÇÃO DA IGREJA SOB A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO 1 O ALCANCE DA DOUTRINA DE SANTA TERESA DE LISEUX NAS AÇÕES EVANGELIZADORAS DA IGREJA .................................................................................. 2 A PEQUENA VIA COMO MODELO COMUNITÁRIO DE EVANGELIZAÇÃO TRANSFORMANDO OS CRISTÃOS EM DISCÍPULOS E MISSIONÁRIOS .............. CONCLUSÃO ............................................................................................................................ BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................

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10 INTRODUÇÃO

A escolha do tema A intimidade de Santa Teresa de Lisieux com Deus e seu

reflexo na pastoral e na missão da Igreja foi gestada ao longo dos anos de vivência do

carisma carmelitano.

A espiritualidade de Santa Teresa me atraiu desde a infância. Com o decorrer

dos anos, foi-se acentuando o desejo de trabalhar com mais profundidade a sua

trajetória de intimidade com Deus, a fim de tentar mostrar quão profunda é sua

doutrina, que muitos consideram apenas como “água de rosas”. Ademais, surgiu,

ainda, o desafio de mostrar o seu alcance evangelizador e missionário que muitos

desconhecem.

Pretende-se explicitar, dentro da simplicidade peculiar a Santa Teresa, que esta

doutrina, calcada na fé, no amor, na esperança e na caridade, é profunda na sua

essência, apesar da vestimenta despojada. Ela é iluminada e enriquecida pelo Espírito

Santo que conduz a alma a uma identificação com Deus. Teresa fala disto a respeito de

sua conversão no Natal de 1886.

Visa-se, ainda, neste trabalho, mostrar a importância de sua doutrina e de sua

teologia para a Igreja, o mundo e nossa sociedade contemporânea, tão carente de

valores espirituais. Em se partindo desta perspectiva, será observado como a vivência

de tantos acontecimentos levaram-na a despejar sua alma em todos os seus escritos.

Fato relevante é o percurso feito por História de uma Alma, percurso ininterrupto, sua

volta ao mundo, cumprindo assim a frase profética da Santa neste sentido.

Nesta trajetória, ter-se-á, pouco a pouco, desvendado o paradoxo que, poder-

se-ia dizer, humanamente inexplicável, do fato de uma vida escondida na clausura ser

capaz, em tempo recorde, de fazer-se estrela de luz em todos os continentes. Estas

circunstâncias levaram o Papa Pio XI a denominá-la - “a criança querida do mundo”.

Este trabalho consta de três capítulos, assim divididos: no primeiro, propõe-se

delinear os aspectos relevantes da infância e juventude de Santa Teresa, no qual se

explicitarão dados importantes que forjaram esta espiritualidade, a ponto de ela dizer,

aos dois anos de idade, - “quero ser religiosa”. Observam-se, ainda, neste capítulo, os

elementos basilares para a sua trajetória espiritual. Nesta fase de introdução na fé vai

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11 mostrar um ponto central, que é a sua primeira comunhão, o primeiro beijo de Jesus

em sua alma. Esta passagem muito significativa na vida espiritual de Teresa, a levou a

assumir, com grande perseverança, combates e obstáculos para ser “apóstola no

Carmelo”. Teresa fala da oposição formal do superior do Carmelo à sua entrada com

quinze anos e de sua viagem a Roma, para pedi-la diretamente ao Papa Leão XIII. Em

seguida, impregnando-se das fontes da Sagrada Escritura, Imitação de Cristo e dos pais

espirituais do Carmelo Reformado, Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz,

aprofundou seu processo de intimidade com Deus. Neste caminhar, estabeleceu o lema

de cantar “eternamente as misericórdias do Senhor” (Sl 88,2), para transmiti-las aos

irmãos dentro e fora do Carmelo. Neste percurso, de intimidade com Deus, fez de

todos os seus escritos e de sua vivência verdadeiras obras missionárias e

evangelizadoras.

No segundo capítulo, tratar-se-á de sua entrada e consagração no Carmelo.

Será exposta a etapa de sua profissão religiosa e vivência carmelitana e, ainda, os

pormenores de sua trajetória de intimidade com Deus até a sua entrega total. Neste

período, Teresa fará descobrir a sua “pequena via” e o Santo Evangelho como fonte

viva de inspiração e o seu reflexo evangelizador. Prosseguindo na narração, Teresa

detalha como conseguiu adentrar à Arca Divina, assim chamava o Carmelo. Explicita

as penas como postulante, noviça e professa usando a imagem de flores colhidas entre

espinhos e, ainda, sua audácia de criança ao receber do Espírito Santo um caminho de

confiança e de amor. Este caminho que ela vai expor, com a mesma audácia, que é a

sua “pequena via”. Expõe maravilhada a descoberta da misericórdia como a perfeição

divina central, fundamental, e a forma como contemplou os outros atributos divinos.

Nesta trajetória vitoriosa vai descobrir a sua vocação, o Amor e a sua filiação à Igreja,

o que vai detalhar com muita propriedade. Evocar-se-ão trajetos desta intimidade em

Histórias de uma Alma como fonte de sua evolução espiritual e sua dimensão

evangelizadora e missionária. Assim, chegar-se-á ao ápice da vocação de Santa

Teresinha - o amor profundo a Deus, sua entrega total a esta intimidade com o Senhor,

a ponto de dizer: “Amar é doar tudo e doar-se a si mesma”.

No terceiro e último capítulo, propõe-se apresentar a força do amor de Santa

Teresa na intimidade com Deus, este amor descoberto por ela como sua verdadeira

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12 vocação para transformar vidas e levá-las ao Jesus Amado, Caminho, Verdade e Vida

(Jo 14,6). Como conhecedora de que o sofrimento é parte inerente à missão da Igreja,

Santa Teresa parte para o desafio, vendo como São Paulo, que o amor norteia sua

resposta como evangelizadora e missionária. O seu desejo de salvar almas caminha

junto com aquele de ensinar-lhes a sua “pequena via” – “via de confiança e de total

abandono no Senhor”, até a sua “morte de amor” (Ms C. 7v).

A sua “pequena via”, sua “Scientia Amoris”, desvela uma doutrina simples

para evangelizar a todos e levá-los a Cristo. É a simplicidade do abandonar-se no colo

do Pai como uma criança, o poder do amor à Igreja, à obra evangelizadora e às almas,

que conduzem Santa Teresa ao desejo do apostolado. Este amor profundo e total que

vive Santa Teresa, esta cristologia do abaixamento, a levou aos títulos de “Padroeira

das Missões” e “Doutora da Igreja”. A intimidade profunda com Deus, sua teologia

que tem raízes na sua própria experiência vivida e doada fizeram-na conhecida e

venerada em todos os continentes.

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CAPÍTULO I

TERESA, SUA INFÂNCIA E JUVENTUDE

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14 1 ASPECTOS RELEVANTES DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE SANTA TERESA

Marie Françoise Thérèse Martin nasceu em 2 de janeiro de 1873, em Alençon1,

França, nona filha de Louis e Zélie Martin, nascida Guérin. Esperada com muito amor, pois

Zélie Martin amava as crianças, como deixa claro em suas correspondências. Sua mãe, tão

extasiada em sua maternidade, confiava a sua cunhada, que, quando cantava, o bebê cantava

consigo (DE MEESTER, 2008, p. 29). Santa Teresa foi batizada em 4 de janeiro de 1873 na

Igreja de Notre-Dame de Alençon, tendo como madrinha sua irmã Marie e como padrinho

Paul-Albert Boul, filho de um amigo do seu pai, que contava apenas nove anos de idade na

época.

Apesar deste amor, Teresa, com apenas quinze dias de nascida, foi acometida de uma

enterite aguda e, com três meses, sofreu outra enfermidade, da qual sua mãe quase perdera a

esperança de salvá-la. Teresa foi confiada à senhora Rose Taillé, ama-de-leite, que a levou a

Semallé2, no campo, onde cresceu no meio das flores e dos animais; daí o seu gosto pela

natureza. Esta foi a primeira dor da separação ressentida por Teresa; treze meses mais tarde,

uma nova dor, separando-se de Rose para retornar à sua mãe na cidade. Sua mãe-de-leite só

teve elogios para a pequena Teresa. Desde sua tenra idade mostrava-se viva e muito sensível,

sorridente e de uma inteligência precoce, porém capaz de violentas cóleras. No seu lar, torna-

se a preferida de todos, que não lhe pouparam carinhos. As recordações de sua primeira

infância são as mais felizes e diz que “tudo lhe sorria na terra e que encontrava flores sob cada

passo”3. Santa Teresa fala desta época como “os anos ensolarados”4 de sua infância que

deixaram marcas indeléveis em sua vida. Sua poesia, O Cântico de Celina, leva o leitor a esta

época, pois apresenta uma verdadeira comunhão com a natureza5.

Teresa, em razão de sua tendência à impaciência, desde cedo, foi habituada a “fazer

prazer a Jesus”6, tendo cada dia um rosário de práticas a serem realizadas7. Porém, com quatro

anos e meio de idade, Teresa perdeu sua mãe; o seu sol brilhante passará por um pesado

eclipse, que dará início a uma nova fase de sua vida, a mais dolorosa.

1 Pequena cidade, situada na Baixa-Normandia; atualmente, com quase 29.000 habitantes e, na época de Santa

Teresa, com aproximadamente 16.000 habitantes. Famosa pela renda “point d’Alençon”, que a mãe de Santa Teresa fabricava.

2 Pequeno burgo, distante de aproximadamente 10 km de Alençon, com mais ou menos 500 habitantes na época. 3 SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. Histoire d’une Âme. Manuscrits

autobiographiques, 2000, p. 13. 4 Idem, p. 13. 5 Cf. PN 18. Obras Completas. 2009, p. 671. 6 Foi uma frase que a família de Teresa encontrou para fazê-la ficar mais tranquila como criança. 7 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. Manuscritos

Autobiográficos. 1975, p. 42.

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Houve uma quebra da fase que só era beleza, ternura e amor em sua existência

marcada por dias felizes em família, passeios e pequenas viagens. Todas essas alegrias

simples calaram no coração das crianças da família Martin. Os serões familiares, animados

pelo pai com poesias, cantos e com a confecção de pequenos brinquedos para as filhas,

deixaram suaves recordações. Estes traços permanentes de harmonia e felicidade familiar

marcaram para sempre as almas das crianças. Teresa, a mais sensível, nos dá o seu relato que

toca a nossa sensibilidade, querendo que esta família se perpetue para que sirva de exemplo

hoje, em que os pais entregam a educação dos filhos à televisão e à internet.

Bastante protegida por seu pai e suas irmãs mais velhas, logo tomou Paulina como

sua segunda mãe. A família muda para Lisieux, a fim de permanecer próximo do tio, irmão da

senhora Zélie e primos. Estes deram muito amor e ternura à Teresa que, até seus oito anos e

meio, não fora à escola. Suas duas irmãs mais velhas serviram-lhe de professoras, e seu pai a

levava a passear todas as tardes. Em 1881, frequentou o colégio das Beneditinas (Abadia), em

Lisieux, do qual não tem boas recordações, em razão dos ciúmes das colegas pelo seu

sucesso. Contudo, seu segundo ano na escola foi ainda mais triste. O motivo desta tristeza foi

quando sua segunda mãe entrou no Carmelo, causando-lhe uma dor profunda, pois imaginava

que as duas entrariam juntas. Teresa adoeceu e, na noite de Páscoa, foi acometida de tremores

estranhos que duraram cerca de sete semanas. Segundo o médico da família, era uma doença

grave e estranha, levando-a a uma espécie de regressão infantil. Contudo, depois da cura e de

vários questionamentos e suposições, Santa Teresa acreditava tratar-se de uma doença por

“acinte”, trazendo “verdadeiro martírio” a sua alma8. Porém, não se tratava de fato consciente,

não sendo responsável por isso. A família viveu uma grande aflição fazendo novenas de

missas, a fim de obter de Deus a graça da cura.

Santa Teresa nasceu num lar pleno de amor e felicidade. Fruto de um casal, cujo

ideal era o religioso, mas, pelos desígnios de Deus, não foram aceitos como vocacionados e,

mais tarde, encontraram-se construindo a linda família, que é exemplo para o mundo. Nela

reinava uma fé sólida. Deus estava presente em todos os acontecimentos, sendo louvado

permanentemente. A oração em família era norma de todos os dias; missas matinais,

comunhão frequente; embora esta última fosse rara naquela época, em razão do jansenismo9.

Faziam vésperas dominicais e retiros. A vida familiar era ritmada pelo círculo litúrgico,

peregrinações, respeito escrupuloso dos jejuns e abstinências. Tudo isso era associado à ação

8 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Santa Face. História de uma Alma. 1974, p. 77. 9 Jansenismo - de Cornelius Jansen (1585-1638) - Doutrina sobre a graça e a predestinação. Movimento religioso

e intelectual. Moral cristã com rigor na prática. Na França, os jansenistas eram uma espécie de puritanos católicos.

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16 pastoral dos pais com as crianças abandonadas, alcoólatras e idosos, ensinando suas filhas a

respeitarem os pobres na sua dignidade. Assim, podemos associar algumas características

espirituais da família Martin como: oração, devoção Mariana, amor aos pobres e a Igreja, os

quais vão se desenvolver profundamente na vida de Santa Teresa.

Estas características não impediam o contato com outras pessoas, pois frequentavam

também o Ciclo Católico e os vizinhos. Não viviam isolados para manter o padrão de

religiosidade e o amor a Deus e ao próximo, sendo bem conscientes da realidade da época.

Prova disso é a correspondência da mãe de Teresa com a sua irmã, a freira Marie-Dosithée, de

12 de novembro de 1876, quando esta demonstrava preocupação por Marie, com 16 anos

então, ao se encontrar com amigas de sua idade, ao que a mãe de Teresa respondeu que não se

podia no mundo viver como lobos10. Em carta à Paulina, em 10 de maio de 1877, mostrava-se

atenciosa e carinhosa com suas filhas, pois mencionava Teresa e Celina como anjos de

bênção, pequenas naturezas angélicas. Observa-se que a família Martin possuía uma

espiritualidade sólida alicerçada nos ensinamentos do Evangelho e da Santa Igreja. Assim, se

pode constatar que o profundo amor de Teresa ao Evangelho vem desta fonte familiar e daí a

sua repercussão na intimidade com Deus na pastoral e na missão da Igreja.

Foi nesta família de muito amor, realista, vivendo o amor de Deus e onde era de

suma importância o espírito familiar, que cresceu Teresa, esta rosa do jardim de Deus. Já nos

primeiros dias após o seu nascimento, quando do seu batismo, recebeu do pai de uma criança

presente ao sacramento um pequeno poema de caráter premonitório. Eis os dois últimos

versos: “... Botão que acaba de desabrochar, Tu serás Rosa um dia”11. Realmente, Teresa é

esta Rosa colhida por Deus, bem cedo, de seu jardim terrestre, para complementar, com mais

uma, a beleza do jardim celeste. Aliás, a flor era um símbolo muito amado por Teresa, que se

denominava, a si mesma, a pequena flor, não hesitando em colocar, no seu manuscrito, o

título de: “História primaveril de uma florzinha”. Talvez se possa questionar o porquê dos

dados biográficos acima, porém, se faz necessário para tentar elucidar fatos de sua vivência

no amor de Deus e sua audácia, pois ela mesma retoma suas memórias em todo o seu texto da

“História de uma Alma”. Mostra que a frase “Meu Deus, escolho tudo”, pronunciada com

apenas dois anos de idade em relação à cesta ofertada pela irmã Leonie a ela e a Celina

constitui, disse ela, “o apanhado de toda sua vida”12.

10 Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. História de uma Alma. 1975, p. 11. 11 Ibid., p. 12. 12 Ibid., p 45.

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Santa Teresa diz, relembrando o mesmo episódio, não querer ser santa pela metade,

porém se submete à vontade de Deus e acrescenta: “escolho tudo o que vós quiserdes! ...”13.

Ainda, quando começou a redigir a primeira parte do livro “História de uma Alma”,

ou seja, o “Manuscrito A”, o mais longo, deixou claro que cantaria as “misericórdias do

Senhor”. Esta invocação à misericórdia é o sinal mais elevado da graça de Deus sobre os

místicos, e a união com Deus é o grau máximo do caminho espiritual.14 Estas vão acompanhá-

la sempre, sendo o que se passa desde o início dos seus escritos redigidos por obediência à

Madre Inês (sua irmã Paulina). Contém toda a infância feliz e radiante de Santa Teresa, apesar

das escuras nuvens, em razão da morte de sua querida mãe. É um relato de coração aberto, no

qual tudo é dito com a simplicidade de uma criança, de forma transparente, nada ocultando.

Desta forma, partilha com o mundo a ciência do amor recebida do “Doutor dos doutores”15,

do qual recebeu todas as graças, que a guia e a inspira naquilo que deve fazer. Esta “florzinha

branca” foi cultivada com a água viva da Palavra do Mestre. Criou-se, assim, esta intimidade

fortalecida pela misericórdia de Deus, a ponto de se realizar nela as palavras do Salmo 22.

Percebe-se a simplicidade de Santa Teresa, como a criança espontânea que se livra a falar da

misericórdia de Deus na sua vida, “Porque eu era pequena e fraca, Ele se abaixou até mim e

me instruía secretamente sobre as coisas do seu Amor” (Lc 1,46 ss). Constata-se que este

amor misericordioso vivenciado no mais íntimo da alma por Santa Teresa a levou a uma

interiorização mais profunda do amor de Jesus e, ao mesmo tempo, estendeu-o às dimensões

do mundo. O Santo João Paulo II afirmara que “Apenas o amor misericórdia é capaz de

reconduzir o homem a si mesmo”16.

Enlevada da prodigalidade deste amor, tornou o olhar para o exterior de sua vida e

viu que o Senhor fez maravilhas, fazendo suas as palavras da Virgem Santíssima.

A juventude de Santa Teresa compreendeu um período muito significativo da sua

vida, nos planos de grandes alegrias e também grandes angústias, como o sofrimento na

Abadia17.

Apesar das dificuldades de relacionamento com as colegas, ali permaneceu até março

de 1886. Esse período corresponde à sua vida em Lisieux, para onde mudaram, instalando-se

no “Les Buissonnets”18, em 16 de novembro de 1877, após o falecimento de sua mãe, em 28

13 Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. História de uma Alma. 1975, p. 45. 14 Cf. Urs von Balthasar. Il cristiano. P. 32. 15 Op. cit., p. 176. 16 Cf. JOÃO PAULO II. Enc. Dives in Misericordia, 14: AAS72 (1980), 1223. 17 Pensionato das Monjas Beneditinas, funcionando desde o século XVI em Lisieux. 18 Sobrado, no meio de um jardim, em Lisieux, residência da família Martin, a partir de 1877, após o falecimento

da mãe de Teresa. Atualmente, les Buissonnets é um museu, com a maioria dos móveis da época.

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18 de agosto do mesmo ano. Santa Teresa dizia-se “bem desenvolvida na nova residência para

começar a conhecer o mundo e as misérias de que anda cheio”.19 Nesse local, em companhia

da irmã Paulina, tomou a decisão de nunca distanciar sua alma do olhar de Jesus, “a fim de

poder navegar tranquila em direção à Pátria dos Céus! ...”.20 O período de residência no Les

Buissonnets resume-se nas palavras: “Um tempo feliz que passou rápido demais”.

As suas tentativas de buscar afeições na escola foram infrutíferas; porém, isto não se

transformou em frustração, pois ela se voltou para Jesus, o único capaz de suprir esta sede de

amor que carregava em si. “Apenas tu, Jesus, podes contentar minha alma, pois até ao infinito

tenho necessidade de amar.”21 Apesar do seu romantismo ao escrever, influência do seu

ambiente familiar e social, ela lutou consigo mesma de forma rigorosa, a fim de seguir o

ensinamento do Senhor, de amar em verdade, a Deus e ao próximo. Desta forma, conseguiu

viver com suas colegas na Abadia, tentando vencer sua grande sensibilidade que a levava

constantemente a derramar copiosas lágrimas. Nessa época, Paulina, sua irmã e segunda mãe,

entrou para o Carmelo; no entanto, antes de ser arrebatada do lar, grandes sofrimentos viveu

Teresa e lágrimas amargas derramou, pois ainda “não compreendia o gozo do sacrifício”.22

Paulina explicou-lhe o que era o Carmelo, o que traduziu para Teresa “o deserto onde o Bom

Deus queria que fosse também esconder-se (...) era a certeza de um chamado divino”.23

Santa Teresa levava uma vida de adolescente bem nascida e criada à sombra de um

lar cristão, onde o amor a Deus e ao próximo eram moedas correntes. Todos os sofrimentos

pelas perdas de familiares não afetaram em nada o espírito cristão, a vivência do Evangelho e

o louvor à Maria no seio da família. Santa Teresa tinha suas crises, porém o amor que a

cercava era mais forte e, assim, pôde superar o que a impedia de se sentir mais forte para amar

o Amado. Sentiu a verdadeira vocação. “O chamado divino era tão premente que, se me fora

preciso atravessar as chamas tê-lo-ia feito para me conservar fiel a Jesus”.24 Santa Teresa faz

saber que o desejo do Carmelo não era por causa da Paulina ali se encontrar, “mas por Jesus

tão somente...”.25 Entretanto, sabia dos muitos cadinhos que tinha de passar até atingir o

almejado. Santa Teresa quando escreve seus pensamentos, já no Carmelo, fala das graças que

o Bom Deus lhe concedeu, acrescentando que o amadurecimento de sua alma se fez “no

19 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada-Face. História de uma Alma. 1975, p. 66. 20 Idem 21 SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus. Manuscrits autobiographiques. 1957, p. 9. 22 Op. cit., p. 73. 23 Idem 24 Ibid., p. 116. 25 Op. cit., p. 73.

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19 cadinho de provações externas e interiores”.26 Santa Teresa diz não ter medo do sofrimento e

se abandona a ele como uma criança nos braços do pai e completa: “O sofrimento me

estendeu os braços e eu me lancei com amor” (Ms A, 19,5).

Há inúmeros fatos que povoam a adolescência de Santa Teresa e que deveriam

ilustrar sua trajetória de intimidade com Deus e seu espírito pastoral e missionário. A sua

doença aos dez anos e, sobretudo, a que sofreu em Pentecostes, curada pelo sorriso da Virgem

(Ms A, 30v e 31r), permaneceram sem verdadeira explicação para a medicina. Entretanto,

vale relembrar alguns fatos que mais fortemente influenciaram a sua espiritualidade e a

conduziram ao seu objetivo. Trata-se de suas investidas para conseguir entrar no Carmelo.

Tinha sempre a companhia de seu pai querido. Em sua companhia, foi ao encontro de

Monsenhor Révérony, Vigário-Geral que representava a Diocese de Bayeux, a fim de obter do

superior eclesiástico, Monsenhor Delatroëtte, a sonhada permissão. Não obtendo resultado

positivo, ela e o pai se engajaram numa peregrinação a Roma para a comemoração do Jubileu

Sacerdotal do Papa Leão XIII. Santa Teresa tinha como objetivo pedir diretamente ao Papa a

autorização para entrar no Carmelo. A viagem teve sua primeira parada em Paris, onde Teresa

diz que a única maravilha encontrada foi a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias. Sentiu ali a

felicidade de criança, e seu pensamento a levou a se colocar sob o manto maternal.27 Pediu a

proteção de São José, pois na ocasião não sabia ainda que: “Tudo é puro para os que são

puros” (Tit 1,15) e, em seguida, visitaram a Igreja do Sagrado Coração de Jesus em

Montmartre, prosseguindo a viagem a Roma, bem protegidos, como dizia Santa Teresa.

Todas as impressões deixadas pela peregrinação a Roma convergiam para Jesus e

para a vida de amor, simplicidade e fraternidade que ela buscava no Carmelo. Santa Teresa

caminha a passos firmes rumo ao seu objetivo, o Amado e, na sua primeira comunhão, relata:

sentiu-se amada por Jesus e entregou-se ao seu amor para sempre. Foi, diz ela, não mais um

olhar, mas uma fusão. Teresa desaparece no seio do oceano. É a cristologia típica de Santa

Teresa a do abaixamento, fruto de sua liberdade (Ms C, 10v.). “Dá-se a verdadeira libertação,

a de se abrir ao amor de Cristo”.28 Santa Teresa apresenta-se como mestra, não apenas de

espiritualidade, mas, ainda, entre outros, da simplicidade e da pobreza, o que revela nos seus

escritos e suas ações; por esta razão, afirma que em sua vida “tudo é graça”. Assim, vai bem

ao encontro do que diz a DSI: “Pois aquele que reconhece a sua pobreza diante de Deus, em

26 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada-Face. História de uma Alma. 1975, p. 31. 27 Ibid., p. 125. 28 Cf. JOÃO PAULO II. Enc. Redemptoris Missio, 11: AAS 83 (1991), 259.

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20 qualquer que seja a situação que viveu, constitui o objeto de uma atenção especial de Deus”.29

Assim, Santa Teresa, cada vez mais forte pela misericórdia do Senhor, continuava a perseguir

o seu ideal, uma vez que não retornou de Roma com a tão sonhada autorização e sim com a

resposta de Sua Santidade: “... Entrareis, se o Bom Deus o quiser.”30 Apesar da resposta,

sentiu algo de convincente em sua voz e experimentou a felicidade por ter visitado, no sétimo

dia em Roma, a maior das maravilhas: Leão XIII. Santa Teresa diz que apesar da resposta

obtida, tudo o que viu de belo em Roma “fez crescer sua alma ao contato com coisas

santas...”. Foi uma viagem instrutiva, pois lhe mostrou “a vaidade de tudo quanto passa, e que

tudo debaixo do sol é tribulação de espírito” (Ecl 2,11.). Compreendeu que todos os títulos de

nobreza dos muitos viajantes e seus “d” não lhes pareciam que fumaça (...) e compreendeu

que a verdadeira grandeza reside na alma e não no nome, pois como diz Isaias “(...) aos seus

servos dará outro nome” (Is 65,15).

Quanto às belezas do trajeto até Roma, passando pelos Alpes suíços, dizia guardá-las

no seu coração e na mente para que, na clausura, se lembrasse do poder e das maravilhas de

Deus, bem como do poder dado às criaturas31. Toda a beleza dessa paisagem fazia despertar

em sua alma profundos pensamentos e, na força da provação do Carmelo, já prisioneira,

recordar-se-ia dela, a fim de que lhe desse coragem para esquecer os pobres e mesquinhos

interesses, prendendo-se à grandeza e ao poder de Deus a quem quer unicamente amar - meu

coração pressentiu o que Jesus reserva àqueles que O amam (Ms A, 58v. 1 Cor 2,9).

Outro fato relevante de sua vida foi sua introdução na sociedade de Alençon, que ela

descreve como quinze dias de beleza, para depois concluir que tudo eram aparência, vaidade e

aflição do espírito (Ecl 2,11). Viu o vazio das pessoas e, nelas, só aparência de cristãos.

Contemplou toda aquela ostentação, examinou os pormenores e não se deixou enganar, apesar

de ver encanto naquela vida. O valor da vida para aquelas pessoas repousava na vaidade32.

Naquele ambiente, parecia que o Senhor precisava lutar por um espaço, e a sabedoria se faz

presente “Porque a fascinação das frivolidades seduz até o espírito distanciado do mal” (Sa

4,12). Santa Teresa não hesitava em recusar todas as pérolas ali vistas e preferiu os alfinetes

do céu, o serviço humilde e escondido do Carmelo. Na época, tinha apenas 10 anos e faz a

retrospectiva como Carmelita em 1895.

Santa Teresa divide a sua vida até a entrada no Carmelo em três períodos ou fases. O

primeiro período corresponde à feliz infância, da qual já foram tecidas considerações: “Quão

29 Cf. DSI n° 324. 30 Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. História de uma Alma. 1975, p. 137. 31 Ibid., p. 127-128. 32 Ibid., p.85-86.

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21 feliz era nessa idade” (Ms A, 11r ). O segundo vai dos quatros anos e meio (morte de sua

querida mãe) até os 14 anos, fase entremeada de alegrias e tristezas em companhia dos

familiares nos “Buissonnets”, quando teve Paulina, sua segunda irmã, como mãe, e uma fase

de tristeza pela perda desta segunda mãe, pois Paulina entrou para o Carmelo. Santa Teresa

explicita nesta fase também outros fatos dramáticos de sua vida, como: sua doença nervosa da

infância, inexplicável33, os meses de escrúpulos e a doença de seu querido pai. O terceiro

período é o que ela traduz como o mais belo e mais cheio de graças. Ele compreende a viagem

a Roma e suas batalhas para entrar no Carmelo. Santa Teresa conviveu com “sofrimento e

separações contínuas” (DE MEESTER, 2008, p.30). Contudo, foi neste período que aconteceu

a verdadeira conversão, na Noite Santa do Natal de 1886. Santa Teresa evoca o milagre

operado por Deus em sua vida que a fez deixar definitivamente a infância34. Este período foi

também marcado por uma doença nervosa, inexplicável35, diz o Dr. Gaipral. O Dr. Nolta, o

primeiro a atendê-la, deu o mesmo diagnóstico (Ms A, 28r). Vários são os estudiosos

psiquiatras e psicólogos que têm estudado este caso, sem qualquer conclusão definitiva para a

ciência. Foi também a fase de escrúpulos, torrentes de lágrimas e curada pelo sorriso da

Virgem. Entretanto, naquela Noite Santa teve a sua libertação e, a partir daí, começou, sem

parar, o que denominou a “corrida de gigantes”36. Jesus substituiu totalmente aquelas suas

inócuas alegrias da infância, recuperando, assim, toda a força e ânimo perdidos com a morte

de sua mãe. Jesus conduziu “a pequena flor branca” ao Carmelo, pois sabia que era fraca e,

por isso, não a expõe à tentação e usa de sua condescendência porque ela é pobre e pequena.

Santa Teresa mostra-se bem imbuída pela ideia da misericórdia (Ms A, 38v), que “cantará

eternamente”.

Santa Teresa diz que Jesus a transformou em pescadora de almas. Foi a verdadeira

aliança, pois estando na juventude, Jesus percebeu que “chegara o tempo de ser amada”37. A

sua amada, nessa ocasião, ainda se alimentava com a “flor de farinha”, alusão ao livro

Imitação de Cristo38, mas fora acrescentado “óleo e mel” em abundância, referência às

Profecias de Ezequiel. Esta nutrição espiritual, mais substancial, Santa Teresa diz ter

33 Cf. Revista Carmel, 1959/2, p 81-96. 34 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. 1975, p. 108. 35 Op. cit., p. 81-86. 36 Ibid., p. 108. 37 Ibid., p.112 38 Obra devocional, atribuída ao padre alemão Tomás de Kempis, conhecida como Kempense e escrita em 1441. Santa Teresa disse que o podia recitar inteiramente.

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22 encontrado no livro do conferencista padre Charles-Marie-Antoine Orminjon39, uma vez que

ainda não tinha descoberto a riqueza insondável do Santo Evangelho.

Depois de todas as lutas sem tréguas para entrar no Carmelo e, depois da audiência

com o Santo Padre, sentia uma amargura exterior, porém, paz interior; sinal da confiança que

guardava dentro de si de obter a graça tão esperada. Aprendeu a aceitar a vontade de Deus e

“ofereceu-se a Jesus para ser a sua bolinha insignificante, com a qual Ele podia brincar, pisar,

esmagar ou apertar ao seu coração misericordioso.” (Ms A, 64r ). De provação em provação,

teve a sua fé mais consolidada para enfrentar maiores tempestades que não tardariam a

chegar, a fim de fazê-la crescer no abandono e nas virtudes, tão necessárias à vida de clausura

e à santificação40.

1.1 A Trajetória Espiritual de Santa Teresa no Aprofundamento da Intimidade com Deus - A Sagrada Escritura, os Pais do Carmelo Reformado e Imitação de Cristo

Com apenas dois anos de idade repetia o que ouvia falar de sua irmã Paulina, que

seria religiosa. Esta convicção fora guardada, apesar de não compreender naquela época o seu

verdadeiro significado. Em 1876, como já fora mencionado, a sua mãe já falava do

convencimento de Teresa para fazer práticas religiosas, espécie de pequenos sacrifícios para

agradar a Jesus41. Bem pequena, aprendeu o hábito de jamais se queixar de alguma injustiça;

uma virtude natural, sem dúvida, adquirida na formação que recebera em casa e na

perseverança do seu exercício.

Com quatro anos já sentia a necessidade e a responsabilidade de fazer as suas

orações diárias, como ressalta no seu relato do Manuscrito A, evocando sua infância, semanas

antes do falecimento de sua mãe42. É interessante observar-se que a primeira palavra que

conseguiu soletrar, sem ajuda, foi “Céus”43. Santa Teresa mostrava sua preferência nos

estudos pelo Catecismo e História Sagrada. Nos passeios com o pai às tardes, visitavam

sempre uma Igreja e o Santíssimo Sacramento. Apesar do desvelo de seu pai, Santa Teresa diz

que a Terra lhe parecia “um lugar de exílio e sonhava com o Céu” (Ms A, 14v).

Com seis anos demonstrou um coração fraterno em relação aos pobres, pois ao

encontrar com um deles, quando passeava com seu pai, fez o propósito de rezar por ele no dia

39 Este livro reúne as suas conferências proferidas em Chambéry, França; editado em 1881 com o título: Fim do

mundo presente e mistérios da vida futura. 40 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. 1975, p. 170. 41 Ibid., p. 108-109. 42 Ibid., p. 49. 43 Ibid., p. 52.

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23 de sua primeira comunhão, o que cumpriu mais tarde.44 Santa Teresa fala de seu costume de

oferecer seu coração a Deus com uma fórmula ensinada por sua mãe e, no mês de maio, como

não podia frequentar a Igreja pela sua idade, organizava em casa um pequeno altar, bem

ornado, em louvor à Maria e aí rezava com Vitória, a empregada da família.

Relembra que sua primeira confissão foi com o padre Ducellier45 e orientada por

Paulina. Fê-la com espírito de fé e convicção da presença de Deus na pessoa do sacerdote.46 A

confissão era feita na ocasião de todas as festas litúrgicas. Teresa relembra o sermão de seu

confessor sobre a Paixão de Cristo e esclarece que daí em diante passou a compreender todas

as homilias e aguardava o domingo com suspiros “pelo eterno repouso do Céu...”47.

Maria, sua irmã mais velha, foi a catequista que a preparou para a primeira

comunhão, durante três meses. Teresa multiplicava os sacrifícios, para bem se preparar para

receber o Amor; porém, na Abadia tinha o Abade Louis-Victor Domin, que lhe deu lições de

catecismo e pregou os dois retiros para a comunhão. Santa Teresa conta da atenção com que

ouvia as instruções do padre Domin e, também, de seus pensamentos dirigidos a sua irmã

Paulina, que se encontrava em retiro, para a sua profissão religiosa no Carmelo. Santa Teresa

recebeu a absolvição sacramental e, em seguida, a confissão geral. Sua primeira comunhão e

profissão de Paulina aconteceram em 8 de maio de 1884. Santa Teresa diz que foi o primeiro

beijo de Jesus na sua alma48 e que, então, houve uma fusão para sempre, entre Jesus e ela49. A

segunda Eucaristia foi na festa da Ascensão, uma nova e profunda alegria.

Em 14 de junho do mesmo ano, foi seu Crisma, para o qual fez novo retiro para

receber o Sacramento. Foi celebrado por Dom Flavian-Abel-Antoinin Hugonin, bispo de

Bayeux, e teve como madrinha sua irmã Leônia. Santa Teresa diz ter se preparado com grande

zelo para a recepção do Sacramento do Amor, a visita do Espírito Santo; porém, dizia não

compreender porque não se dava certa atenção no tocante à preparação. Contudo, ela com a

alma feliz como os apóstolos O aguardava. Sentiu a brisa leve, tal como o profeta Elie

entendeu o murmúrio no Monte Horeb. Esta recepção amorosa deu-lhe a força para o

sofrimento, porque, logo mais, o martírio de sua alma deveria começar50.

A sua vida eclesial era constante. Na família, desde criança, com a idade para

frequentar a Igreja, participava da liturgia e orações. Participou da Associação dos Anjos e 44 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. 1975, p. 55. 45 Vigário cooperador na Catedral de São Pedro em Lisieux. 46 Op. cit., p. 57. 47 Ibid., p. 59. 48 Ibid., p. 90. 49 Idem. 50 Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sante-Face. Histoire d’une Ame. Manuscrits autobiographiques. 2000, p. 84 (Ms A, 36v).

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24 muito lhe agradaram as práticas e devoções. Depois da primeira comunhão, recebeu a fita de

aspirante à Filha de Maria, que substituiu a dos Anjos. Santa Teresa fazia as suas confissões e

participava da Santa Missa. A Eucaristia não era frequente na época e necessitava de

autorização do confessor.

A trajetória espiritual de Santa Teresa, como se vê, seguiu o ritmo das Moradas de

Santa Tereza d’Ávila, ou seja, por etapas bem definidas e vividas para alcançar o grau mais

elevado do amor, a união íntima com Deus. Desta forma, este caminho místico vai a um nível

mais profundo simbolizado pelo Matrimônio Espiritual.51 Deu-se tudo lentamente, contudo,

com a firmeza de uma rocha e, considerando-se sua curta vida, como já fora dito, foi rápida e

com o seu ideal alcançado, consumida pelo “fogo do amor” do Amado.

1.2 Oferta de Santa Teresa ao Amor Misericordioso de Deus - Salmo 88 - Plena Intimidade com o Amado e Transmissão aos Irmãos

Para se compreender, ao modo de Santa Teresa, todos os acontecimentos de sua vida

como uma ação contínua das graças do Senhor, faz-se necessário atentar para a forma como

começa a escrever sua autobiografia. Bem no início de seus manuscritos, diz: “... não farei

senão uma única coisa: começar a cantar o que hei de repetir eternamente – “as misericórdias

do Senhor!!!”...52. A misericórdia constitui o ponto central de seu texto e, como perfeição

divina essencial a leva a contemplar todas as outras como plenas de amor, mesmo a justiça,

assim se apresenta. É seu grande tema do “Ms A” a gratuidade do amor de Deus que

centralizará sua mensagem no Ms C 2r, 20. A misericórdia representa o fio condutor de sua

vida como se observa a seguir.

Santa Teresa considera que, em sua vida, tudo é graça e que não existem méritos.

Tudo é fruto do amor misericordioso de Deus, a começar pelo seu nascimento, no seio de uma

família tão amável e fervorosa; a graça de, desde sua pequena infância, nada recusar a Jesus; o

desejo de consagrar sua vida ao Senhor e também de se tornar uma grande santa como Joana

d’Arc. Santa Teresa a amava e a admirava, sendo por ela influenciada pela sua coragem e seus

feitos. Escreveu e representou no Carmelo peças de Teatro sobre sua vida e, quando se refere

a ela no texto, diz: “minha querida irmã”.53 Foi ainda Jesus que, por sua graça, desde cedo, lhe

deu o prazer do silêncio, da oração e o amor à Eucaristia. Também na sua pequena infância

tomou como hábito fazer sacrifícios e nunca se queixar de nada. Esta graça do amor

51 Cf. SANTA TERESA de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. 1981. 52 Ibid., p. 29 53 Ibid., p. 200.

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25 misericordioso de Deus a acompanhou até os seus últimos dias na terra, doente, já não

podendo mais comungar disse: “tudo é graça”54. Santa Teresa, ao escrever seus manuscritos,

faz uma verdadeira “litania” (DESCOUVEMONT, 1997, p. 59) de graças, chegando a evocá-

las quase cem vezes. Como “tudo é graça”, para Santa Teresa, isto confirma que sua vida é

um oceano de graças (Ms A, 84r).

Teresa diz que, quando se recorda de certo período de sua vida, antes da graça do

Natal de 1886 (já comentado no texto), sua alma transborda de agradecimentos. A partir daí,

diz a Santa, não perdeu qualquer batalha, por mais difícil que se apresentasse; caminhava de

vitória em vitória. Santa Teresa, em 1894, faz a confirmação da grande graça do Natal, a

graça da conversão total, pois Jesus a “revestiu de sua armadura” (Ms A, 45r ), o que a levou a

tomar em mãos, sua própria vida. Ela confia na misericórdia do Senhor, pois “Deus tem

compaixão de quem lhe apraz e faz misericórdia a quem Ele quer aplicar misericórdia” (Ms

A, 205) e conclui: pois o abaixar-se é próprio do amor (Ms A, 3r ). Ao escrever seus

pensamentos sobre as graças que o Bom Deus achou por bem lhe conceder sente-se mais

fortificada pelas provações exteriores e interiores. Num ímpeto de energia, ergue a cabeça e

pode ver com clareza que nela se realizou as palavras do Sl. XXII (Ms A, 3v).

Desta forma, vieram os frutos tão abundantes e a prática das virtudes teológicas

tornaram-se doces e naturais.55 Daí em diante, diz Santa Teresa, a cada graça que ela recebia

do Senhor com fidelidade, Ele dava inúmeras outras. Teresa continua a falar de sua vocação

dizendo que, se os sábios que passaram sua vida estudando fossem interrogá-la, eles ficariam

admirados ao ver uma criança de quatorze anos compreender os segredos da perfeição. Estes

segredos que toda a ciência deles não pode descobrir, porque para possuí-los é necessário ser

pobre de espírito56, cultivar humildade, um esvaziar-se, abandonar-se nas mãos de Deus, pois

Ele se fez pobre por nós (2 Cor 8,9). Trata-se do caminho que leva o homem “criado à

semelhança” de Deus à perfeição, à comunhão perfeita com Ele. Atingir esta pobreza

espiritual é conhecer o seu nada como fez Santa Teresa, realizando a vontade do Pai, pois

“tudo é graça”. O Papa Francisco, grande enaltecedor da misericórdia de Deus e seu

vivenciador no dia a dia, exorta o povo de Deus a esta prática vivida por Santa Teresa, pois,

“É importante a coragem de me entregar à misericórdia de Jesus, confiar na sua paciência,

refugiar-me sempre nas feridas do seu amor”.57 A pobreza de espírito significa compreender

que as graças são dons de Deus, não para serem armazenados, mas vividos e transmitidos a

54 Cf. SANTA TERESA de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. 1981, p. 271. 55 Ibid., p. 115. 56 Ibid., p. 116. 57 Cf. A Igreja da Misericórdia. 2014, p. 13.

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26 todos os irmãos, especialmente aos missionários. Santa Teresa, no seu “querer tudo”, fazia

seus desejos irem “às raias do infinito” (Ms B, 2v-3v). Assim, abriu a Bíblia e leu 1 Cor

capítulos 12 e 13; qual foi a sua surpresa ao descobrir na leitura que a Igreja tem um coração e

que este era “Ardente de Amor”. Foi aí que Teresa descobriu ser o amor mais abrangente,

eterno. Constatou, então, sua vocação: o Amor. A caridade deu-lhe a chave da sua vocação,

“o segredo de apossar-se da chama Sagrada fará transformar o nada em fogo” (Ms B, 2r ).

Santa Teresa num momento de provação contra a fé recebeu do Amado esta luz no seu

coração, que foi crescendo gradativamente, a caridade (Ms C, 12r) e, no momento, transcreve

um versículo bastante significativo do profeta Isaias “Se tu privares para o faminto, e se tu

saciares o oprimido, tua luz brilhará nas trevas, a escuridão será para ti como a claridade do

meio dia” (Is 58,10). Assim, se pode constatar que Santa Teresa exerce esta sua vocação da

maneira mais autêntica, seguindo a Doutrina Social da Igreja e o Catecismo da Igreja Católica

que diz: “A caridade não pode se reduzir apenas à dimensão terrestre das relações humanas e

sociais, porque toda a sua eficácia vem da referência a Deus” e acrescentam o parágrafo de

Santa Teresa: No entardecer desta vida, comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois

não Vos peço, Senhor, que contabilizeis minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas

aos vossos olhos. Quero, portanto, me revestir da nossa própria justiça e receber de vosso

Amor a possessão eterna de vós-mesmo”58. Entretanto, a evangelização e a missão

representavam muito para Santa Teresa que compreendeu, em 9 de junho, dia da festa da

Santíssima Trindade, “o quanto Jesus deseja ser amado” (Ms A, 84r ). Com este propósito

queria percorrer todo o universo, chegar até as “ilhas mais remotas ”, para levar o nome de

Jesus e seu Evangelho. Contudo, uma única missão não lhe bastaria, pois desejava fincar a

cruz de Cristo em todos e nos mais longínquos continentes.

Como já fora abordado no resumo deste primeiro capítulo o processo de intimidade

com Deus estabelecido por Santa Teresa de cantar “eternamente as misericórdias do Senhor”

estavam intimamente ligados ao desejo de levá-las às irmãs carmelitas e além da clausura.

Constata-se que tudo o que escreveu e viveu está impregnado do amor de Deus, da

sua misericórdia e desta vontade férrea de transformá-lo em ação missionária e

evangelizadora. É este amor transbordante de Deus, em Jesus Cristo na Trindade, que Santa

Teresa vive e o tem enraizado em sua alma. Ele vai se derramar levando a mensagem do

Evangelho de Cristo na prisão e, além das fronteiras, aos missionários. Observa-se que a alma

de Santa Teresa está inflamada deste amor e, desta forma, mostra não permanecer inativa,

58 Cf. Doutrina Social da Igreja n° 583 e Cat. da Igreja Católica n° 2011.

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27 assim, quer ser “tudo” para Jesus: “guerreiro, sacerdote, apóstolo, doutor e mártir”. Contudo,

é o Amor, no coração da Igreja que vai concretizar todos estes sonhos.

Foi esta confiança de criança na misericórdia de Deus que fez com que todas as

barreiras e obstáculos existentes, impedindo sua entrada no Carmelo, caíssem por terra. Em

todos os combates, quando falta a força, a confiança faz Jesus assumir o comando, “Com

humildade, fará o que lhe for possível realizar e, com humildade, confiará o resto do

Senhor”59. A oração e o abandono são receitas eficazes, diz a Santa, para se chegar ao Amado.

Santa Teresa, nessa época, não tinha ainda treze anos. Estudava na Abadia e, já em sua mente,

armazenava alguns elementos que farão mais tarde parte de sua “pequena via”.

Pelas razões expostas, vê-se que Santa Teresa desde criança foi agraciada por Deus.

Ela foi escolhida e modelada desde o ventre materno (Isaias 44, 1-2) e, por isso, Deus cuidou

tão bem desta preciosa figura que, pouco a pouco e com perseverança, foi conquistando seu

espaço. Mostrou que todo aquele que confia no Senhor, que se abandona à sua misericórdia,

consegue realizar os seus sonhos e tornar-se um exemplo de vida para os demais; não por seus

méritos, deixa claro, mas pela infinita misericórdia de Deus. É a esperança, esta virtude

teologal, purificada através da pobreza espiritual, que leva a alma à perfeição, a doar-se sem

limites ao Amado e fazê-Lo amado. É a própria beatitude que Jesus proclamou no Sermão da

Montanha (Mt 5,3). O sofrimento pode preparar para acolher o Reino. É o apoio da doutrina

dos Pais Espirituais São João da Cruz e Santa Teresa d’Ávila que deixam seus traços na

querida Santa Teresa; porém, guardando uma perfeita e extraordinária autonomia, fazendo a

título solitário a sua trajetória. Ela mesma confirma suas fontes e, de modo particular e, em

dado momento diz que, lendo São João da Cruz, pedia ao Bom Deus que operasse nela o que

São João da Cruz dizia na sua doutrina: pedindo que fosse consumida rapidamente no Amor.

É o amor disposto ao sacrifício e, na sua evolução para a entrega total através das

purificações, chega ao ápice. Dá-se aí “o envolvimento” na dinâmica de sua doação. A

“mística” do Sacramento, que se funda no abaixamento de Deus até nós, tem um alcance

muito alto.60 Em seguida, Santa Teresa acrescenta “Ah! é incrível como todas as minhas

esperanças se realizaram” (GAUCHER, 1997, p.182). É nesta mesma esperança que Santa

Teresa deixou ao mundo contemporâneo seus escritos, com sua doutrina simples do caminho

da contemplação, para se chegar ao Amado. Entrega a “pequena via” para que o homem se

levante da sua inércia do ateísmo e caminhe em direção a Deus, fonte de vida e de graças. O

Vaticano II confirmou este pensamento, pois “indicou que a missão da Igreja neste mundo

59 BENTO XVI. Carta Encíclica. Deus é Amor. 35. 60 Ibid., 13.

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28 consiste em ajudar o ser humano a descobrir em Deus o sentido último de sua existência, pois

apenas Ele responde aos mais profundos desejos do coração humano”61.

Este caminho, ditado pelo profundo desejo de “amar Jesus e fazê-lo amado”, é

colocado à disposição de todos os que aspiram a uma perfeição da vida espiritual, não

importando a condição de vida, raça ou religião, pois é universal. É a santidade aberta a todos,

antecipando, assim, os apelos do Vaticano II62 no seu chamamento de todos à santidade. Santa

Teresa parece dirigir os seus escritos a todos os estressados do século XXI, levar sua doutrina

aos menores deste mundo, para toda uma legião de pequenas almas. Parece querer fazer o

rejuvenescimento deste mundo, velho e enfermo, numa Europa descristianizada, convidando a

todos a se tornarem crianças, através de uma doutrina própria, instruída pelo próprio Deus.

Santa Teresa diz, ainda, que avançar neste caminho faz parte de uma decisão interior

de cada um na aceitação de sua pequenez humana e espiritual e entregar-se ao amor

misericordioso de Deus. Colocar-se em suas mãos e pedir ajuda à Mãe Santíssima, a Virgem

Maria, como fez Teresa, pois como o apóstolo mais amado, as almas recebem Maria e gozam

mais especialmente de sua presença e ação. Assim, a vida com Maria, por Maria e em Maria,

cuja vida não foi a não ser amor, torna-se uma doçura63. Caminho da obediência a Deus e do

silêncio para Lhe escutar, aceitar os seus desígnios, caminhando firme e resoluta para o “face

a face”; é a vida com Deus em Cristo e no Espírito Santo. Esta vida com Maria tem bases

profundas no amor espiritual purificado e é isto que se presencia em Santa Teresa. Deus uniu

intimamente Jesus e Maria para a realização de seu desígnio de misericórdia. O desejo de

humildade, simplicidade, de não chamar a atenção sobre si. Santa Teresa se nutria da

meditação sobre a vida escondida de Cristo e da Virgem Maria. Ela se deliciava do “Discurso

sobre a vida escondida de Deus” de Bossuet e o passava as suas noviças (CSG. p.7). Para esta

missão comum, Deus os fez tão semelhantes um ao outro que permite a transcendência da

união hipostática reservada a Cristo. Não se pode, então, os separar. Assim, uma teologia

marial firme, precisando as verdades, não pode ser elaborada que à luz de Cristo Jesus; este

Cristo que se humilhou e se entregou à morte de Cruz para o resgate de humanidade. É o

mesmo “Jesus que torna doce o que há de mais amargo”64. Era assim que o Senhor fazia

brilhar em Teresa a sua misericórdia, porque, como afirmava, ela era “pequena e fraca”. Ele

se abaixava para instruí-la em segredo das coisas do seu amor, pois o abaixar-se é próprio do

61 Cf. Const. Past. Gaudium et Spes, 41. 62 Etienne MICHELIN. THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus au coeur du Vatican II, dans Thérèse de l’Enfant-Jesus, Docteur de l’Amour. 1990/1991, p. 73-110. 63 Cf. PÉRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jésus. Je veux voir Dieu. 1998, p.897. 64 Cf. Imitação de Cristo, III, cap. 5.

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29 Amor 65, do qual Teresa evoca a “kénose” da Carta de Paulo aos Filipenses (2,7-8). Trata-se

do despojamento total, o servo sofredor e humilhado. Este sentimento de pobreza, pequenez,

do nada, fragilidade de criança, desenvolvidos na alma, é que vai chamar o Bom Deus a esta

descida, para levar a alma nos seus braços, fazendo uma renovação para cada uma. A atitude

do Verbo se encarnando na natureza pecadora, a fim de levá-la às profundezas da Trindade

Santa. É esta cooperação esperada pelo Espírito para esta renovação espiritual que Santa

Teresa quis deixar ao mundo.

1.3 A Manifestação da Intimidade no Amor Transbordante a Deus nas suas Correspondências Evangelizadoras e Missionárias

Observa-se que suas correspondências missionárias para os irmãos espirituais, Abade

Bellière e Pe. Roulland são belíssimas, plenas de ensinamentos da via da confiança e do amor

que descobriu sozinha, guiada pelo Espírito Santo na força do amor. Bellière escreveu à

Madre Gonzague que suas cartas são verdadeiros tesouros, complemento de sua história.

“Exprimem o dinamismo de uma vida na busca do amor absoluto” (Cf. Thérèse de Lisieux.

Obras Completas (OC), 1992). Constituem elementos de uma verdadeira biografia

inseparáveis dos manuscritos, tudo caminhando rumo ao objetivo - o amor misericordioso que

Santa Teresa fez a própria experiência em cada etapa de sua vida e que quer revelar a todos.

A obsessão pela salvação dos pecadores e de todos não deixa de recrudescer no final

de sua vida terrena. Nutre-a pela troca de correspondência com seus irmãos espirituais a quem

promete ajudar proficiente: “Quando tiver aportado, ensinar-vos-ei, querido irmãozinho de

minha alma, como devereis singrar pelo mar tempestuoso do mundo” e, confirmando

ensinamentos e conselhos anteriores, reforça: “com o abandono e o amor de uma criança,

ciente de que seu pai lhe quer bem e não poderá deixá-la abandonada na hora do perigo... O

caminho da confiança, simples e amorosa, é bem indicado para vós” (Thérèse de Lisieux, OC.

p. 618 ss). Nesta carta 261, Santa Teresa intercala citações bíblicas do Gênese ao Apocalipse,

na esperança de levar o irmão espiritual a trafegar pelas águas seguras da misericórdia de

Deus.

Na carta n° 224 Teresa diz que, sem dúvida, ele sorriu lendo a poesia “mes Armes”,

mas poderá sorrir mais, pois quando criança sonhava combater nos campos de batalha. Isto,

quando começou a estudar a história da França, os textos sobre Joana d’Arc que a

encantavam. Contudo, ficou o desejo e a coragem de imitá-la. Pensava que o Céu a convidaria

65 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p. 116.

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30 ao combate, mas logo sua alma entendeu a voz do Esposo que a chamava para conquistas

mais gloriosas e na solidão do Carmelo. “Compreendi então, que minha missão não era a de

fazer coroar um rei mortal, mas a de fazer amar o Rei do Céu, de submeter a Ele o reino dos

corações” (Cf. Thérèse de Lisieux. OC, 1992, p. 582 ss). Em outra correspondência, sempre

com ensinamentos, fala de suas orações e sacrifícios pelo apostolado missionário dos irmãos

e, com o sentimento de garantia das graças, escreve: “…que o Bom Deus a tratou sempre

como uma criança “mimada” e é verdade que sua cruz me seguiu desde o berço, mas esta cruz

Jesus me fez amar com paixão, Ele me fez sempre desejar aquilo que Ele queria me dar…”

(Cf. LT 253 in Thérèse de Lisieux. OC, 1992, p. 607-608).

Ao irmão espiritual, Pe. Roulland, escreve com a mesma pertinência várias cartas

como mencionado acima e, numa delas diz: O que me atrai à Pátria dos Céus é o chamado do

Senhor […] e o pensamento de que O poderei fazer amar por uma multidão de almas que o

bendirão eternamente e não pensava na beatitude eterna - repouso” (Cf. Thérèse de Lisieux.

OC, 1992, p. 611-612).

Santa Teresa, já no fim de sua vida, escreve ao seu irmão espiritual, Abade Bellière,

em resposta a sua carta, dizendo que desde a infância estava intimamente persuadida de que

sua permanência na terra seria curta (LT 258) e, para consolá-lo, empresta as palavras do

Esposo, o qual não deverá se ofender, pois seus bens são seus. Lança mão ao Evangelho de

São João, 16, 5-7: “Eu vou para o Pai […] é de vosso interesse que eu parta…” e “Quando

serei ao porto o ensinarei…”. Fala-lhe ainda da “pequena via” e do “elevador” do amor para

se elevar a Deus. Santa Teresa sonhava partilhar com os irmãos o alimento espiritual (LT

261), pois um grande número de “pequenas almas” e uma legião de “pequenas vítimas”

acolherá, viverá e confirmará na própria existência esta “pequena via”, bem direta, bem curta,

toda nova.

O chamado de Deus para Teresa foi decisivo para que assumisse a participação no

caminho de Cristo. A sua ação, como se pode observar em cada etapa de sua vida apresentou

obstáculos, muitas vezes, além de suas forças, porém, nada disso a impediu de ser uma

verdadeira mensageira de Cristo. Desempenhou sua missão na família, no Carmelo e

adjacências, além dos mares e fronteiras. Isto levou a Igreja a dizer que a sua ação era um

modelo a ser seguido e que todos aqueles que pretendem de coração seguir Jesus Cristo terão

que trilhar o caminho deixado pela “maior Santa de todos os tempos modernos” (Santo Pio

X).

O novo jeito de ser missionário é a vocação do Carmelo, através da oração, sacrifício

e penitência “… pois a única finalidade das nossas orações e dos nossos sacrifícios é ser

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31 apóstolo dos apóstolos, rezando para eles enquanto evangelizam almas…” (Ms A 56v). Santa

Teresa mostra o seu caráter missionário dizendo querer “fincar a Cruz de Cristo nos 5

Continentes” (Ms B, 2v). Ela adota a evangelização do coração, amor… “é amar Jesus com

todas as forças do nosso coração, salvar almas para Ele e fazê-Lo amado!… “Minha espada é

o Amor! Com ele expulsarei o estranho do reino e vos proclamarei Rei das almas… Amemos

Jesus até a loucura para salvar almas, almas de padres; sobretudo, Jesus quer um olhar, um

suspiro só para Ele.” (Ms A, 69v LT 261). Em outra correspondência com os irmãos

missionários instruiu sobre sua doutrina e testemunho dizendo:

“Eis, meu irmão aquilo que penso da justiça do Bom Deus. A minha vida é feita de

confiança e amor, não compreendo as almas que têm medo de um amigo tão terno…” (LT

226). Teresa escreveu em setembro de 1896 “Ah! Apesar de minha pequenez, gostaria de

esclarecer as almas como os Profetas, os Doutores…” (Ms B, 3r)… eu sinto a vocação […] de

Doutor…”. Pode-se constatar que Deus realizou todos os seus desejos, e ela o diz “…sempre

Ele me deu o que desejei ou melhor…” (Ms C, 31r).

Aos onze 11 anos, Teresa, no retiro para a 1ª comunhão, já mostrava a semente

espiritual da missão e chamava a atenção das colegas, pois como diz “… atraia a atenção por

causa de um grande Crucifixo que Leônia me tinha dado e que colocava na cintura à “moda

dos missionários” (Cf. História de uma Alma, p. 88).

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CAPÍTULO II

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA COM DEUS NA PEQUENA VIA E SUA FORÇA EVANGELIZADORA

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33 1 A INTIMIDADE EM HISTÓRIA DE UMA ALMA E SUA DIMENSÃO EVANGELIZADORA E MISSIONÁRIA

A realização do sonho de Teresa, ou seja, a entrada no Carmelo, ocorreu na festa de

Pentecostes, em 9 de abril de 1888, onde viveu grande emoção, porém sem sofrimentos e com

uma paz profunda em sua alma. Naquele dia, pela manhã, “após ter lançado um último olhar

sobre os Buissonnets, esse ninho gracioso da minha infância que não devia mais rever, parti

de braços dados com meu Rei querido para subir a montanha de Carmelo...” (DE MEESTER,

2008, p. 171). Ali, recebeu a bênção de seu pai; abriu-se, finalmente as portas da “Arca

Divina”66 para que a pombinha entrasse e, logo em seguida, se fechariam.

Teresa, simbolizando aquela “florzinha branca” que o seu pai lhe ofereceu no

momento que deu seu consentimento para a entrada no Carmelo; porém, retirando dela todas

as raízes, ato simbólico, para que começasse a viver em terreno mais fértil. Esta “florzinha” é,

em pessoa, aquela que seu pai lhe dera, transplantada dos “Buissonnets” para o Carmelo e que

teria de “desabrochar à sombra da Cruz. As lágrimas, o Sangue de Jesus, tornaram-se seu

orvalho e, o seu Sol era a sua Adorável Face, velada de pranto”67. Foi Madre Agnès, sua irmã

Paulina, que lhe revelou os segredos da Sagrada Face (MS A, 71 s ), que passou a ser o

espelho para Teresa, pois nela via “a alma e o coração do seu Bem-Amado”68. É esta Sagrada

Face, este Sol Divino, que vai dissipar toda a sua dor, pois neste mesmo ano de sua entrada no

Carmelo, seu querido pai foi acometido de uma doença circulatória causando grandes

preocupações e sofrimentos às filhas. A Sagrada Face vai se impor aos olhos de Teresa até a

consumação de seus dias, conduzindo-a a redigir o “Ato de Oferta ao Amor Misericordioso”,

elevando ao ápice de sua vida espiritual. “Tua Face é minha única riqueza”69. Assim, Teresa

avança a passos largos na espiritualidade e é sob esta luz que essa “florzinha do inverno”70,

faz a sua tomada de hábito, em 10 de janeiro de 1890.

A natureza colaborou com o pedido de Teresa, pois Deus vestiu a natureza com seu

manto de neve, tal qual sua noivinha. Foi a felicidade completa e, nesse dia, assina, pela

primeira vez, o nobre nome da Sagrada-Face. Seu querido pai fez-se presente à cerimônia e,

como sempre, brilhou com muita dignidade para a felicidade da família, na sua última festa

aqui na terra. A sua profissão foi em 8 de setembro. Teresa diz que Jesus quis lhe dar uma joia

“nova” nas suas núpcias, o sofrimento pela ausência de seu pai na cerimônia, por se encontrar

66 Assim era denominado o Carmelo e foi a expressão utilizada por Santa Teresa. 67 SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p.161. 68 PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jesus. Je veux voir Dieu. 1998, p. 875. 69 Ibid., p. 874. 70 Santa Teresa nasceu em fevereiro, inverno no hemisfério norte.

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34 enfermo; era como se estivesse “verdadeiramente órfã” [...], mas podendo levantar os olhos

“ao Céu com confiança e dizer com toda a verdade: Pai Nosso que estais no Céu” (DE

MEESTER, 2008, p. 184), o que correspondia ao pensamento de Teresa a respeito de seu pai,

pois o considerava santo e já desfrutando do seu lugar no Céu, apesar de ainda se encontrar na

terra, alusão ao Evangelho de São João (17, 11, 14), fazendo a sua exegese plena. A tomada

do véu em 24 de setembro de 1890 foi de tristeza, porém de muita paz. Faltaram-lhe pessoas

de referência em sua vida como o seu querido pai e o Padre Pichon, seu confessor e diretor

espiritual. As lágrimas não tardaram a banhar-lhe a face, para incompreensão de alguns, mas

foi “Jesus que a deixou com suas próprias forças, a fim de que visse o quanto ainda era

pequena”71. Teresa diz agradecer a Deus por tê-la mostrado pequena e fraca (Ms C, 4r).

Apesar do sofrimento, Teresa sentia-se submersa num rio de paz. Foi um dia de muita oração

para todos, mas, sobretudo, para o seu pai querido. Foi o oferecimento a Jesus de si própria, a

fim de que sua suprema vontade fosse cumprida. Na devoção à Sagrada-Face, Teresa encontra

sempre consolação para a provação da enfermidade de seu pai e traz-lhe enriquecimento

interior. Teresa associa a Face de Cristo a de seu pai e as duas se sobrepõem e se unem. “Elas

não fazem mais que uma na alma e sob o olhar de Teresa”72.

Foi o enriquecimento interior desta devoção à Sagrada-Face, segundo Santa Teresa,

que a orientou para a Oferenda ao Amor Misericordioso, dois sublimes ápices de sua vida

espiritual, como já mencionado. Neste dia da profissão ela declara a Jesus, sabendo que já não

se pertence mais e sim a Ele “que O ama com amor infinito, pleno... que atinge a raias da

loucura”73.

Contudo, já sabia, através das Escrituras, que o amor de Deus fora derramado “nos

corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5) e que é o mesmo Espírito Santo que

nos ensina tudo (1 Jo 2, 20-27). Teresa, como sempre, não se deixa abater pelo sofrimento e

segue em frente na sua corrida para a salvação das almas para o Amado com a força do

Espírito Santo, pois reconhece a sua fragilidade. É esta mesma certeza de que fala frei Conrad

De Meester que o Espírito Santo é uma fonte viva, fogo, caridade, unção espiritual. Ele

penetra pelos poros do coração, isto, para melhor amar e adorar” (Cf Jubiler avec la Trinité.

Sofadi. Bruxelles, 1999, nº 5). Foi assim que Teresa, hábil no Espírito Santo, recebeu Dele

toda a unção para sua intimidade com Deus e para transmiti-la, através de sua experiência e

vivência aos irmãos e ao mundo.

71 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 174. 72 Cf. PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant -Jesus. Je veux voir Dieu. 1998, p. 881. 73 Idem.

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35

Ademais, sabe Teresa que a graça de Deus e seu amor misericordioso estão sempre

presentes e, apoiada na leitura da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios, embora

acreditando não dispor de grandes virtudes, diz ter sempre Jesus que vem ao seu socorro,

dizendo-lhe: “Minha graça te é suficiente” (2Cor 12, 7-10). Mas Teresa rememora fatos de

sua vida ao escrever o Manuscrito “C” a pedido de Madre Gonzague e agradece-lhe a mão

forte por não a ter poupado de humilhações, pois, “Jesus sabia bem que era preciso à sua

florzinha a agua vivificante da humilhação; ela era fraca demais para criar raiz sem essa

ajuda” (Ms C, 1v).

É neste contexto da graça de Deus que, na comunidade, Teresa encontra uma irmã

que tem o talento de desagradá-la em todas as coisas: em suas maneiras, em suas palavras e

em seu caráter. Tudo lhe parece desagradável74. Todavia, a misericórdia ensina-lhe que é

preciso ir além do que vemos. Assim, vendo que não amava suas irmãs como o próprio Cristo,

discerniu “que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se

espantar com sua fraqueza” (DE MEESTER, 2008, p. 246-55). Sua atitude diante da pessoa

deverá se basear na verdadeira caridade fraterna, observando os mistérios desta virtude e não

se atendo apenas na prática e na sua visão exterior, como já mencionado. O exterior nem

sempre é reflexo do interior e Teresa compreendeu que o segmento de Jesus é amar como Ele

próprio ama. Assim, ela se apressa para ver na irmã suas virtudes, seus bons desejos e chega à

conclusão que, mesmo aquilo que lhe pode parecer uma falta, pode ser a razão da intenção de

um ato de virtude. Conclui, portanto, que nunca se deve julgar75.

Teresa dedicou-se muito a esta caridade fraterna. Vemos claramente isto no seu

manuscrito dedicado à Madre Marie de Gonzague. Nele escreveu tudo o que compreendia

sobre as “misteriosas profundezas da caridade”76. Era a caridade fraterna, puramente

espiritual, pois recebeu muitas luzes a este respeito e não deseja guardá-las só para si, diz

Teresa. O ensinamento do Mestre é: “Emprestai sem nada esperar em troca, e grande será

vossa recompensa” (Lc 6, 34-35). O fio condutor de todos os atos deverá ser o amor que

conduz as almas a Deus para fazê-Lo amado, mas também a vontade de amar todas as irmãs

de sua comunidade, amá-las como Jesus as ama. “Sim, eu sinto quando sou caridosa, é

somente Jesus que age em mim” (Ms B, 13).

Teresa pensava que a verdadeira caridade consistia em atitudes e que o amor viria a

sanar suas dificuldades, pois “Jesus, o artista das almas, alegra-se quando não paramos no

74 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma - Manuscritos autobiográficos. 1975, p. 229. 75 Ibid., p. 228. 76 Ibid., p. 236.

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36 exterior, mas penetramos até o íntimo das pessoas e admiramos a beleza do santuário que ele

escolheu por morada”77. Os belos pensamentos têm que levar às obras, pois São Paulo mostra

que a caridade é a maior das virtudes; portanto, a mais teológica. Teresa compreende

profundamente o valor desta virtude na prática. Ela é o próprio Cristo (Ágape), é o próprio

Deus do Amor. Santa Teresa assimilou que “a caridade é a alma da santidade à qual todos são

chamados. Ela dirige todos os meios de santificação, dá-lhes forma e os conduz ao fim” (LG,

42).

São João da Cruz, que Teresa lia bastante buscando luzes, mostra que as virtudes

teologais são os fundamentos e a alma da própria reflexão teológica, bem como da vida

espiritual (Subida do Monte Carmelo - Livros II e III). O amor caridade é plenamente divino e

humano e, através dele, nascem e vivem todas as outras virtudes. Teresa doava-se a sua

prática no convívio com suas irmãs no Carmelo. Este amor era praticado fielmente, a fim de

não causar pena, mesmo involuntariamente a nenhuma das irmãs, pois isto a perturbava

profundamente. Teresa cita a sua tristeza e pesar, quando criança, ao voltar de uma pescaria

com seu pai e dar um óbulo a um senhor que andava com dificuldade e este não o aceitou,

levando Teresa ao constrangimento. “Não consigo descrever o que se passou em meu coração.

Quisera consolá-lo e reconfortá-lo”78. Intimamente, comprometeu-se a rezar por ele no dia de

sua primeira comunhão, o que realmente o fez.

A vida de profunda oração leva à caridade, ao progresso espiritual, tendo como

fundamento a humildade e o abandono, libertando do egoísmo que conduz a alma a amar

todas as pessoas. Toda a tradição cristã sempre viu na oração de abandono um autêntico ato

de amor (Sl 131, 2). As Escrituras colocam a importância da colocação de si mesmo-corpo e

preocupações nas mãos de Deus e Ele te sustentará (Sl 55, 23). Deve-se amar e provar este

amor pelo irmão, praticando as obras de caridade fraterna; eis o que Santa Teresa ensina,

quando a irmã a desgostava: “Não me contentava somente em rezar pela irmã que me

atormentava tanto, mas me esforçava por lhe prestar todos os serviços possíveis e, quando

tinha a tentação de lhe responder de maneira desagradável, contentava-me em dar-lhe meu

mais amável sorriso e procurava desviar a conversa”79. Teresa encontrara a força da alma no

amor de Jesus, compreendendo que o abandono de si era o desejado por Ele. Assim, sentiu

numa palavra a caridade entrar no seu coração, a necessidade de se esquecer para dar prazer e,

77 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma - Manuscritos autobiográficos. 1975, p. 229. 78 SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 54. 79 Ibid., p. 229.

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37 desde então, foi feliz! (Ms B, 45v). Nesta felicidade do abandono, Teresa diz: “Não, não

existe alegria comparável à que goza o verdadeiro pobre de espírito”80.

Agindo assim, sem dúvida, a exemplo do Mestre no amor, pode-se avaliar onde se

está no amor próprio e, ainda, como está o cabedal humildade e o segmento de Jesus Cristo, o

Mestre dos mestres. Para que o Amor se realize plenamente, ensina Teresa, faz-se necessário

que se abaixe até o nada e o transforme em fogo. É este fogo do Espírito Santo que conduz a

alma à ação para salvar almas e conduzi-las ao Amado. Teresa descobriu e passa a ensinar que

“a caridade é o caminho por excelência que leva a Deus com segurança” (Ms B, 3 v) e que o

Espírito Santo é o “Mestre interior” e o princípio de toda vida propriamente divina em Cristo

Jesus.

Santa Teresa percorreu todo um caminho para chegar à intimidade com Deus,

confiante no Amor misericordioso, reconhecendo suas próprias imperfeições, mas certa de

que “jamais o Senhor inspirava o irrealizável”81. Contudo, não se desencorajou mesmo

conhecendo a sua pequenez; pelo contrário, lançou-se no desafio de “procurar o meio de

chegar ao Céu por um caminho totalmente novo”82. Qual seria esse pequeno caminho senão o

dos pequeninos que se abandonam nos braços do Pai confiantes na sua proteção e

misericórdia. Trata-se da fé que nos leva à confiança neste Deus, “que tem sede de que nós

tenhamos sede dele”83, e que nos chama a participar de seu amor. Este Deus pleno de Amor e

misericórdia, que Teresa viveu até o extremo. Contudo, apenas a confiança pode conduzir ao

amor e isto supõe aceitar-se na sua pequenez e fragilidade, abrir-se à graça de Deus. Teresa

conclui seu pensamento dizendo que é a confiança e nada mais do que a confiança que deve

nos conduzir ao amor.

No Carmelo, Santa Teresa aperfeiçoou profundamente o despojamento de tudo, a fim

de se entregar totalmente ao Amor de Jesus. Esse pequeno caminho é aquele da simplicidade,

do reconhecer-se “no nada”, do tornar-se criança; é o caminho seguro do amor que transporta

ao Pai. Este caminho do abandonar-se inteiramente leva direto a esta Fornalha divina que é a

Trindade Santa. Esta Fornalha de Amor, diz Teresa, para levá-la ao verdadeiro amor

Trinitário, amando Jesus de um amor sem medida, infinito. Teresa reforça o seu pensamento,

seu método do abandono e diz não possuir outra bússola. É o cumprimento da vontade de

Deus que interessa para a sua alma, sem que ninguém consiga pôr obstáculos (S. T., HA, p.

185). Teresa segue os pensamentos do Amado que diz: “Imolai a Deus sacrifícios de louvores

80 SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 233. 81 Ibid., p. 214. 82 Idem. 83 Cf. SANTO AGOSTINHO. Quaest 64,4: PL 40,56.

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38 e de ações de graças” (Sl 49, 9-14). Eis o que Ele espera, pois, quando mendigou água à

samaritana era o amor da pobre criatura que reclamava. Na sua trajetória, Jesus encontrou

ingratos e indiferentes (...), mesmo entre os próprios discípulos (Ms M, 1v). Mas, pouco

importa; é este amor fundado nas virtudes teológicas que Teresa vive em permanência no

relacionamento com a Trindade Santa e já passado pelo “cadinho”, levando-a a esta amizade,

à intimidade com o Amado. Teresa tem profunda consciência de que cada ação deverá levar

ao amor, pois, “este é o fim; é para alcançá-lo que corremos, é para ele que corremos; uma

vez chegados, é nele que repousaremos”84.

Em sua trajetória, já bem alicerçada nas “luzes”, Teresa assinala mais uma vez a

fonte onde encontra esta “água viva” que leva à união com Deus: a Sagrada Escritura, a

Imitação de Cristo e os pais espirituais carmelitanos. Reforça o seu pensamento anterior que,

sobretudo, o Evangelho é o verdadeiro tesouro de sua vida e que a levou a esta união com

Deus. Nele vê como Deus leva em consideração suas fraquezas e as fragilidades da natureza

humana, quando perdoou o filho pródigo (Lc 15,31). “Nele encontro tudo quanto minha pobre

alminha necessita”85.

Teresa, consciente dos deveres para com Deus e de sua responsabilidade em relação

à Igreja e ao Carmelo, não se deixa convencer pelas fantasias. Segue as normas com

escrupulosa fidelidade. É importante salientar que ela não entrou no Carmelo para se adaptar

aos defeitos das outras irmãs, como diz, mas para viver como carmelita descalça, segundo o

espírito carmelitano. Tampouco para observar as suas irmãs, nem para medir o grau de

fidelidade de suas vivências. Entrou para viver a vida carmelitana e o faz com absoluta

coerência e total firmeza de vontade, enfrentando todas as batalhas e alcançando sempre

vitórias, pois a sua força era o amor caridade para chegar ao Amado e levá-Lo aos irmãos.

Teresa tinha clara consciência da finalidade de sua vocação. Tudo ela vivia no

espírito de fé no Amor misericordioso, razão pela qual se inseria na vida comum, vivendo-a

com grande seriedade e simplicidade. As repugnâncias, as antipatias e as dificuldades

inerentes à sua nova situação de vida foram superadas com verdadeiro espírito de fé, caridade

e amor, colocando este último como a mola mestra do seu viver, para Deus e para o próximo.

Observa-se isto no Ms C que traduz a profundeza de iluminações evangélicas e a delicadeza

sem limite do seu amor fraterno (DE MEESTER, 1995, 355). Este amor vivenciado

possibilitou que Teresa realizasse todas as suas aspirações, sendo este amor que a levou à

84 SANTO AGOSTINHO, In ep Jo 10,4 - in Cat. Igr. Cat. 1829. 85 SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p.186.

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39 audácia de se oferecer como vítima do Amor de Jesus86. Teresa sente a força deste amor que a

invade, mesmo sendo ela uma pequena criatura e imperfeita, transformando-a em um

verdadeiro fogo de amor em retribuição ao de Jesus, pois sabe que o “Amor se paga com

amor”.

2 EVOLUÇÃO DESTA INTIMIDADE COM DEUS E SEU ALCANCE EVANGELIZADOR

Santa Teresa, através das leituras da Imitação de Cristo, da Sagrada Escritura e dos

pais espirituais carmelitanos, Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz mostra, ainda, como,

soube haurir estes ensinamentos. Decidiu, com a simplicidade de uma criança, viver o

Evangelho de Cristo e ser o amor no coração da Igreja. Tendo o Evangelho como paradigma e

o amor como meta essencial para viver para Deus e em Deus, entregou-se sem reservas ao

Amor Misericordioso. Sua vivência com o Sagrado Coração de Jesus, com a Eucaristia, com a

Igreja e com Maria, com um coração pobre de criança, fez germinar e crescer a sua “pequena

via”.

O Evangelho é a fonte viva, cuja Palavra tem poder de transformação. Teresa diz já

não encontrar nada nos outros livros, acrescentando que os deixa para os grandes espíritos,

pois ela não os entende. Assim, se dedicava à leitura da Sagrada Escritura na qual encontrava

o verdadeiro alimento e onde ocorria o seu encontro com Deus. O Evangelho, sim, a faz

respirar “os perfumes de Jesus” porque, diz Teresa, uma alma inflamada de amor não pode

ficar inativa, assim prolonga para os irmãos a mensagem evangélica. Desta forma, viveu o

amor total numa densidade e plenitude raras e, de modo autêntico, o carisma carmelitano,

chegando à sua doutrina, produto de uma redescoberta do Evangelho de Cristo, na sua

essência. Como filho de Deus em Cristo, amamos o Pai de um amor filial, na confiança e no

abandono, e lamenta que os irmãos não tenham bastante confiança no Bem-Amado, tão

poderoso e tão misericordioso.

Teresa retorna a evocar a pobreza espiritual como uma atitude absolutamente

indispensável para quem aspira permanecer com Ele que disse: “(...) aprendei de mim que sou

doce e humilde de coração” (Mt 11,29). Como a humildade, a pobreza abre a alma, ela a torna

atenta e permeável às inspirações e leve sob a influência do Espírito Santo. A pobreza é que

mantém na transparência e na simplicidade, pois Deus se volta para os pobres e lhes abre os

corações. Trata-se de tornar-se pobre e humilde de coração de uma maneira profunda, habitual

e verdadeira em todos os sentidos, em todos os atos da vida, no comportamento, no cotidiano.

86 SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 201.

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40 É o abandonar-se à Providência divina, é reconhecer sua própria situação de “mãos vazias”,

seu “nada” e, como diz, é “ter realizado todas as obras de São Paulo, e se acredita ainda, um

servidor inútil, eu descobria que tinha mãos vazias”87.

A pobreza no plano espiritual é uma disposição e uma atitude que se estendem a

todos e nos levam progressivamente a nos considerar um “nada”, a se esquecer, a se separar

de todo amor próprio. Renunciar à sua própria vontade, fazendo a vontade de Deus. Esta

pobreza conduz à união transformante e, quanto mais perfeita, exclui tudo o que não concerne

a Deus. Assim pensava Santa Teresa. O que Deus nos pede é uma ascese mística, uma

cooperação à sua ação primeira de ter amado o homem e, certo da fidelidade da alma, Ele

realiza sua obra. A oração, o silêncio e a solidão são os caminhos para isto, ensina Santa

Teresa. É dentro desta solidão do Carmelo, da paz e do silêncio que se purifica e desenvolve a

esperança deste encontro com o Amado. Nesta ascese, São Paulo indica as etapas e os frutos

quando escreve nas Escrituras Sagradas, em Rm 5, 3-5 e no qual Santa Teresa se inspira para,

no deserto do Carmelo, alcançar a perfeita comunhão e intimidade com Deus, desaparecer no

Oceano do Amor. É um exercício difícil para se chegar a este estado, que apenas a oração não

é suficiente, pois implica, ainda, outros atributos, incluindo a convivência diária com aqueles

que nos cercam. Ensina que sem esta pobreza de espírito não se pode entrar no Reino de

Deus, que é este estado de intimidade com Cristo. Isto só acontece quando se torna

verdadeiramente pobre, totalmente despojado. Pois diz o Senhor: “Permanecei no meu amor”

(Jo 15,9). Isto prova que viver o amor e permanecer Nele é a condição para este encontro de

união entre Cristo e a alma. Constitui-se numa troca, pois Teresa recebia Dele as graças e,

através delas, oferecia o sangue do Divino Mestre às almas e, a Ele, entregava estas almas já

refrescadas pela gota divina. Assim, se criava um ciclo virtuoso, esta Ciranda de Amor que

aumentava a sede de sua pobre alma para amar a Deus e fazê-lo amado88. Santa Teresa

carregava em seu coração este zelo pelas almas para conduzi-las ao Divino Sol. Trata-se de

seu projeto ao entrar no Carmelo – “salvar as almas e, sobretudo, rezar pelos sacerdotes”89.

Teresa explica que este desejo lhe veio na Noite de Natal de 1886 (Ms A, 45 v). Parecia

entender Jesus lhe dizer como à samaritana: “Dai-me de beber!” (Ms A, 46 v). Era a troca de

amor que se estabelecia entre Jesus e Teresa. Jesus fez crescer em seu coração a sede das

almas e Teresa lhe oferece almas para salvar. Assim, antes de sua profissão, foi interrogada

pelo superior do Mosteiro, Delatroëtte, sobre o motivo de sua vinda ao Carmelo, respondendo

87 Cf. Derniers Entretiens 23.6,1018. 88 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p.111. 89 Ibid., p.158.

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41 Teresa: “Vim para salvar almas e, sobretudo, a fim de rezar pelos padres” (Ms A, 69 v).

Porém, naquele momento, Teresa sentiu o chamado de Jesus para que rezasse pelos grandes

pecadores. “Eu queimava do desejo de arrancá-los das chamas eternas” (Ms A, 45 v).

Teresa tem grandes desejos que aumentam com o amor que cultiva. Desejos de

sofrimentos por Cristo e pelas almas, desejos profundos de apostolado que vão se transformar

em verdadeiros martírios90. Este amor de Teresa dá-lhe possibilidades de realizar todas as

suas aspirações, colocando-a no coração da Igreja, para encontrar nela a vida, como o corpo

encontra no coração. Nada mais é do que a própria Imitação de Cristo, pois amou até o

extremo para vivificar a todos. Deu-se na sua plenitude de amor para levar o homem à

perfeição. Com o seu gesto de amor, desce para amar, salvar, conquistar e resgatar seus filhos.

Assim, este movimento que é peculiar do amor e próprio do apostolado perfeito de Jesus,

Teresa não perde de vista, para se aproximar cada vez mais da intimidade com o Amado.

Esta trajetória não se fez sem sofrimentos, pois deles nem o próprio Cristo ficou

isento; mas Teresa permaneceu firme animada pelo mesmo Espírito de Amor. Assim, Teresa

ensina que nestas horas cruciais, sempre bebendo da fonte que é Jesus, diz: “Se sombrias

nuvens vierem esconder o Astro do Amor, o pequeno pássaro não muda de lugar; sabe que lá,

além das nuvens, seu Sol brilha sempre, que seu brilho não será eclipsado um só momento”

(Ms B, 5 r). E assim, Santa Teresa se compara com um pássaro sem grandes plumagens para

voar com as águias. Na sua pequenez e fragilidade, não pode voar em direção ao Amado.

Desta forma, descobre o “elevador”, termo da tecnologia moderna, utilizado como símbolo,

para galgar a perfeição. Teresa sentia-se muito pequena em sua espiritualidade; portanto,

impossibilitada de escalar os difíceis degraus da perfeição, como fizeram os grandes Santos.

Ela questionava a si própria em comparação aos heróis e mártires da Santidade. Dizia à Madre

que era do seu conhecimento seu desejo de ser santa e acrescenta: “quando me comparo aos

santos, constato que há entre eles e eu a mesma diferença que existe entre uma montanha cujo

cume se perde nos altos céus e o grão de areia obscuro calçado sob os pés dos passantes” (Ms

C, 2v). Contudo, realiza Teresa que todos são agradáveis a Deus, pois seguiram o movimento

do Espírito Santo e o Senhor mesmo disse: “Dizei ao justo que tudo está bem” (Is 3,10).

Entretanto, Teresa compreende que os grandes Santos criados por Deus são os lírios e rosas,

mas Ele criou também pequeninas flores e estas margaridas e violetas devem contentar-se por

alegrar o Bom Deus quando Ele as abaixa aos seus pés (Ms A, 2v).

90 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p. 199-201.

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Nesta alegoria, Teresa se coloca como pequenina flor que na sua pequenez e

fragilidade não lhe resta que buscar meios para galgar a perfeição e viver plenamente esta

intimidade com Deus.

Assim, seria necessário recorrer ao simbólico do elevador já mencionado. Segundo

De Meester, esta descoberta de Teresa data do fim de 1894 e início de 1895, época em que

Celina entra no Carmelo e traz consigo um caderno com cópias de textos bíblicos, dos quais

ela se serve e descobre este versículo, que lhe dá a resposta à sua busca: “Se alguém é

pequenino que venha a mim” (Pr 9,4). Eis a chave para a sua descoberta do elevador, que a

levará ao Céu em plena intimidade, pois os meios “são os vossos braços, ó Jesus!”91. Contudo,

Teresa quer permanecer a “eterna pequenina de Jesus”, como diz o Evangelho de João: “É

necessário que Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).

Como Teresa gosta de penetrar a fundo cada pensamento para objetivar sua

descoberta e aprofundar sua intimidade com Jesus, prosseguiu nas suas indagações, passando

por Isaias quando fala da esperança para o povo de Deus, que será tratado como a criança que

a mãe acaricia, consola e acalenta (Is 66, 12-13).

Teresa exultava de alegria por ter descoberto nas novas técnicas do seu tempo esta

imagem tão simbólica para ela, o “elevador”. Este Jesus que ela busca e que já lhe concedeu

tantas graças, ultrapassando mesmo suas expectativas, é também Aquele que ela quer cantar

sempre as misericórdias, pelas inúmeras e tantas maravilhas que lhe foram concedidas.

Contudo, aconselha que, para receber o benefício do Amor divino, é necessário se humilhar,

reconhecer o seu nada e eis o que muitas almas não querem ou não podem fazer. Relembra

que trabalhar a humildade, elemento importante de sua pequena via, não é fácil; exige

trabalho e exercícios espirituais constantes. A oração, é claro, eleva a alma até o ponto em que

se identifica com Deus, mas, de acordo com Santa Teresa, não é o único meio de atingir a

Santidade; é necessário ser pequeno, acreditar-se fraco, abandonar-se em Deus. É seguir o

Mestre que, com humildade, foi ao extremo do amor despojando-se até a Cruz. Santa Teresa

fala da iluminação dos santos e de suas doutrinas evangélicas e que bem souberam haurir da

“ciência divina” em prol da humanidade. A oração abrasada de amor foi a alavanca que os

santos utilizaram para levantar o mundo92. Porém, ela se reconhece incapaz destes grandes

feitos, mas sabe que a grandeza da Santidade está no grau do amor, não importando ser

apenas um “grão de areia” ou uma “montanha”, desde que seu desejo único seja “dar prazer a

Jesus” (Ms C, 3r .3v).

91 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p. 214. 92 Ibid., p. 263-264.

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Este caminho dado por Santa Teresa é cheio de simplicidade, mas de infinito amor. É

nesta via que se encontram os dons recebidos de Deus, no agir e na prática de Santa Teresa a

serviço do próximo, da Igreja e do mundo. Nesta “pequena via”, depara-se com esta Santa,

unida intimamente a Deus desde sua tenra idade e que, progressivamente, vai refletindo na

sua ação contemplativa sobre a santidade de Deus traduzida no seu amor infinito. Ser uma

grande Santa era o seu desejo e, em virtude de sua humildade e, tendo o olhar fixo em Jesus

Cristo, não se dava conta do seu potencial latente de santidade, quando dizia: “(...) desejo ser

santa, mas sinto minha insuficiência, e vos peço, ó meu Deus, sede vós mesmo minha

santidade”93. Contudo, esta constatação de sua incapacidade a leva a crescer cada vez mais

nas virtudes e no profundo amor que a ligam a uma incessante intimidade com Deus. A

Sagrada Face, a sua contemplação assídua, proporciona-lhe maior aprofundamento nos

mistérios de Cristo. Nesta intimidade, reconhece a santidade como dom de Deus, que é

preciso buscá-la na fonte, na água viva da Palavra de Deus e do Evangelho, que é o próprio

Jesus Cristo.

Santa Teresa quer levar a todos por este caminho, bem acessível, segundo ela, ao

amor do Amado, Teresa não hesita do seu propósito: “Quero ensinar as almas os pequenos

meios que me foram tão proveitosos, dizer-lhes que há só uma coisa a fazer aqui na terra:

jogar para Jesus as flores de pequenos sacrifícios” (DE, 17.7.2).

A sua “pequena via” ilustra a palavra evangélica de Lucas, quando fala da

simplicidade (Lc 10,41), e a de Marcos, quando diz: “Deixai as criancinhas virem a mim”

(Mc 10,14) e revivendo também, com bastante heroísmo, todas as passividades sofredoras

descritas pela tradição mística. Esta “pequena via” é o seu caminho espiritual, bem particular

a ela, que coloca em Deus toda a sua confiança num despojamento total e cuja vida depende

do Espírito Santificador. Teresa se junta às palavras de São Paulo, quando fala da condução

dos filhos de Deus pelo Espírito Santo (Rm 8,14). Teresa fala da Santidade como uma

disposição do coração, que faz com que a alma se torne humilde e pequena e se abandone nos

braços de Jesus, centro do Sol do Amor, pois a adorável Trindade não cessa de distribuir seus

dons inestimáveis sobre a alma a pobre pequena Teresa (MS A, 85v). Esta confiança

audaciosa e teológica é sem limites para ela e é a que ensina a todos os homens, dando-lhes a

certeza de que ela “tornar-se-á uma grande santa”94.

Apesar do grande amor dedicado ao seu querido pai terreno, Teresa queria ficar com

seu Pai Celeste no Carmelo, no silêncio do sonhado deserto, onde conseguiria aprofundar sua

93 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p. 280. 94 Ibid., p.85.

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44 intimidade com Deus, Aquele que quer “amar até a loucura”95. E assim, na clausura cresce a

intimidade com seu sagrado Esposo, num encontro duradouro, na alegria de sentir o olhar

amoroso de Jesus sobre ela (DESCOUVEMONT, 1997, p. 151). Viver bem escondida na

Arca Divina, atrás da clausura, para imitar o Amado que se esconde sob o véu da Eucaristia,

loucura do Amor, e abrindo-a a transformação espiritual, pois é isto que acontece, Ele se dá

para transformar quem O recebe.

Apesar de suas leituras edificantes, como a Imitação de Cristo, São João da Cruz,

Santa Teresa d’Ávila e outras mais, foi no Evangelho, como já fora mencionado, que sentiu a

presença viva de Jesus a lhe falar e retira dele os ensinamentos para colocar em prática na sua

vivência comunitária, conforme seja do agrado do Senhor. Foi bebendo desta fonte

inesgotável que aprendeu cada vez mais que o caminho para Deus é o amor, pois Ele é o

próprio Amor. Quando Teresa diz “Jesus, eu te amo”, esta frase representa a essência de seus

escritos, não se tratando de sentimentalismo e sim da própria veia cristocêntrica da caridade

teológica, haurida no Santo Evangelho, tendo como objetividade levar as almas a Cristo e

fazê-Lo Amado. Como já mencionado, Teresa descobriu a sua vocação, o amor, abandonando

práticas penitenciais correntes na época e vivenciadas no seu Carmelo e advertindo, ainda, sua

irmã, Madre Agnès, sobre seus perigos. Acrescenta que, para viver a santidade, não há

necessidade de penitências espetaculares; é suficiente colocar muito amor nas atividades mais

ordinárias do dia a dia (LT 65).

Teresa, desde criança, já adotara o radicalismo para a sua santidade. Partindo do

episódio já relatado sobre a cesta de boneca, ofertada por Leonie. Assim, em espírito, volta à

infância e diz: “Meu Deus, escolho tudo. Não quero ser santa pela metade”96. Este desejo de

santidade profundo a aproximava cada vez mais desta intimidade com Deus, de maneira bem

peculiar à Santa Teresa. Contudo, este caminho não lhe foi sem dificuldades no início, como

deixa transparecer nos seus escritos. Teresa era apenas uma adolescente e já tinha como certa

a sua entrada no Carmelo, depois que Paulina, sua irmã e segunda mãe, fez a sua iniciação. O

Senhor acolheu este puro sentimento e conduziu Teresa à sua intimidade, como na sua

Palavra: “deixai vir a mim as criancinhas” (Lc 18,16), pois era assim mesmo que ela se

considerava, pequena e fraca como uma criança.

Os depoimentos de Madre Agnès revelam esta criança penetrada pelo amor de Deus,

que vai tecendo, pela graça e misericórdia do Senhor e pela liberdade de deliberação, sua

intimidade profunda com Deus. Todavia, Teresa sabe das dificuldades a serem enfrentadas,

95 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p.186. 96 Ibid., p. 45.

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45 mas não se apavora, pois tem a certeza de que o Esposo estará sempre vigilante para socorrê-

la, já que desde criança, na sua primeira comunhão, já fizera a sua declaração de amor e de

fidelidade para sempre97.

Esta intimidade de Teresa com Deus teve sempre o amor como base, pois não queria

apenas amar e ser amada, mas fazê-Lo amado. Esta “união total” para ela, só seria possível no

Carmelo. Teresa espelhou-se cada vez mais no Evangelho para a realização do sonho de

entrar na Arca Divina, para viver intensamente o amor com o Amado. É sempre sua “pequena

via”, na imitação dos pequeninos do Evangelho, que lhe dá o profundo sentimento de doar-se

totalmente a Deus, pertencer-Lhe, viver Nele e morrer de amor por Ele, eis o seu propósito,

firme e verdadeiro, até o final de seus dias na terra.

Na continuidade do percurso de sua trajetória, Santa Teresa declara no Ato de

Oferenda (Pri 6) que amar a Deus e fazer amá-Lo, trabalhar para Ele e para a Igreja, salvando

almas, e “viver um ato de perfeito Amor” é o seu propósito.

Impregnada da Palavra de Deus, “o Rei da Pátria do Sol brilhante, que veio viver 33

anos na terra das trevas, e as trevas não compreenderam que esse Divino Rei era a luz do

mundo”98. Teresa reforça o simbolismo do frágil pássaro, coberto apenas por uma tênue

penugem e mostra seu nada diante do Amor. Ela afirma ter olhos e coração de águia para

ousar fixar o Sol Divino, o Sol do Amor, sem jamais fraquejar diante de sua própria

impotência, sem se amedrontar99, pois sabe que Ele virá sempre em busca de seu pobre

passarinho, neste gesto de amor que desce para resgatá-lo e levar em seus braços de Pai esta

pequena vítima do seu amor. Assim, se observa a síntese deste duplo movimento do amor,

perfeito gesto do apostolado de Teresa, que se confunde com a própria ação do Mestre, como

já mencionado no texto. É o seu desejo infinito do Amado e, como não passa de pequeno

passarinho, sem poder alçar voo, irá “rumo ao Sol do Amor com as próprias asas da Águia

Divina”, como denominou os braços de Jesus100.

Por fim, Santa Teresa diz que Jesus é missionário da Santíssima Trindade, e quer

inflamar a todos de sua própria ternura e de seu fogo apostólico para o Reino de Deus, e a

presença de Jesus deverá marcar profundamente a presença no próximo (Ms C, 13r).

97 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. 1975, p. 90. 98 Ibid., p. 218. 99 Ibid., p. 204. 100 Ibid., p. 206.

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CAPÍTULO III

A FORÇA DO AMOR DE TERESA NA INTIMIDADE COM DEUS PARA A SUA MISSÃO E EVANGELIZAÇÃO DA IGREJA SOB A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

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Santa Teresa mostrou ao universo dos homens sua capacidade como apóstola do

Evangelho de Cristo, sua força marcada pelo amor a Deus, na total entrega de si mesma. Deu

a conhecer ao mundo, como São Paulo, que se tornar apóstola e missionária é graça de Deus.

Paulo, como discípulo de Gamaliel, sem dúvida, conheceu o texto da vocação de Jeremias, a

quem Deus conhecia – “Antes mesmo de se modelar no ventre materno” (Jr 1,5). Paulo diz, na

Epístola aos Romanos, que foi “separado para o Evangelho de Cristo” (Rm 1,1) e que, com

esta inspiração captada em Jeremias, considerava-se “destinado” ao apostolado pela graça de

Deus. Santa Teresa inspirou-se em São Paulo na sua consagração à vida religiosa. Sentia-se

também implicada neste “separar” do mundo e “destinada” a algo mais profundo - a missão

da Igreja e a evangelização das almas a partir da clausura. Explicitou a raiz de sua

espiritualidade, este encontro pessoal com Deus no silêncio do Carmelo de Lisieux. Desfrutou

desta intimidade e fê-la atravessar os recônditos da clausura, atingindo todos os continentes.

Nesta “corrida de gigantes”, Santa Teresa tornou-se “pescadora de almas” para o Amado,

elevando-as até a “fornalha ardente”, a fim de se purificarem para o Senhor. Assim, nesta

intimidade, mergulhou no Absoluto, lançando-se no fogo do seu amor infinito e abrasador

para salvar almas e transformar vidas.

1 O ALCANCE DA DOUTRINA DE SANTA TERESA DE LISIEUX NAS AÇÕES EVANGELIZADORAS DA IGREJA

Para falar de Santa Teresa e sua doutrina para a ação evangelizadora da Igreja

implica levantar opinião de algumas personalidades de renome, evocando o impacto causado

pela publicação do seu livro “História de uma Alma”.

Em 1934, o escritor francês Henri Ghéon, que a princípio externou certa resistência à

atração de sua devoção, vai não apenas mudar a sua opinião, mas escrever um livro à glória de

Santa Teresa. Isto foi o maior dos milagres feitos por ela, diz ele na sua introdução,

acrescentando que, em nenhuma época, em nenhum lugar, nenhum livro, mesmo divino,

alcançou tanto sucesso e de maneira tão rápida. Nenhuma literatura piedosa foi capaz de

levantar tal maré de fervor e de entusiasmo, de acender esta multidão de fogos, pode-se dizer

de minas, estourando todas ao mesmo tempo, nos quatro cantos da terra habitada, se Deus não

tivesse aí envolvido (1934, p. 10-11).

E. Mersch reconheceu na teologia teresiana da “infância espiritual” uma importância

teológica profunda (1938, p. 825) e, mais tarde, em 1944, numa obra teológica, diz que a

doutrina de Santa Teresa, seus escritos, são “Tesouros da Teologia”.

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Fernand Oullette, também escritor, fala do impacto do livro sobre as almas e diz que

a sua expansão rápida através do mundo, através das línguas é, em si, um prodígio (1996, p.

24). Urs von Balthasar, no seu livro Thérèse von Lisieux (1996, p.132), escreve que “Como

sempre, em Santa Teresa, sua vida é plena de germe de doutrina que a teologia tem que

desenvolver para ser ricamente fecundada”. Balthasar defende a fecundação da teologia pela

santidade. Yves Congar, no seu livro Pour uné Eglise servente et pauvre, fala sobre Santa

Teresa e sua obra: “Os faróis que a mão de Deus acendeu no início do século atómico” (1963,

p. 123).

Padre Pichon, diretor espiritual de Teresa e testemunha no Processo Ordinário, fala

do impacto do livro no Canadá, na Áustria e em diversos países europeus. Diz que é

absolutamente extraordinária esta difusão do renome de santidade e da influência sobrenatural

de Santa Teresa e, ainda, que seria inexplicável sem a intervenção excepcional do Bom Deus.

Nenhum reclame pode explicar a atração das almas por esta biografia.101

O Abade André Combes escreveu que Teresa operou uma das revoluções, uma das

mais extraordinárias e das mais grandiosas que o Espírito Santo provocou na evolução da

humanidade. Revolução silenciosa e escondida, da qual os frutos são inúmeros (1948, p.184).

Frei Marie-Eugène de l’Enfant-Jésus fala do sucesso do livro “História de uma

Alma” e acrescenta que há todo este divino em Santa Teresa, sua santidade, sua descoberta de

Deus, de sua misericórdia, o que realizou nela, precisamente, através da contemplação (1987,

p. 67-68).

Bento XV escreveu, em 14 de agosto de 1921, no decreto sobre a heroicidade das

virtudes de Santa Teresa em vias de beatificação, dos seus abundantes frutos de salvação,

admiráveis e universais (GAUCHER, 2000, p. 144).

Pio XII, ainda Cardeal, visitou Lisieux para a bênção da Basílica e eis o que declarou

a respeito da “História de uma Alma”: “Existem, de uma extremidade do mundo a outra,

milhões de almas, cuja vida interior sofreu a influência benfazeja deste pequeno livro”102. O

Papa João Paulo II, falando aos bispos da França, disse: “A Santa Padroeira das Missões é de

vossa região. A partir de Lisieux, Santa Teresa do Menino-Jesus e da Sagrada-Face fez brilhar

no mundo seu ardor missionário. Seu ensinamento espiritual de uma luminosa simplicidade

continua a tocar os fiéis de todas as condições e de todas as culturas...”103.

101 Pe. Pichon foi o primeiro confessor e diretor espiritual de Teresa no Carmelo de Lisieux. 102 VIE THÉRÉSIENNE - Revue de Lisieux, nº 93, 1984, p. 23. 103 Cf. Doc. Catholique, nº 2047, 5.4.1992, p. 305.

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O padre Godefroid Madeleine, de Abadia de Mondaye, perto de Bayeux na França,

muito apreciado e respeitado no Carmelo, foi a quem a Madre Marie de Gonzague se dirigiu,

pedindo-lhe que lesse algumas páginas do manuscrito de Teresa.

2 A PEQUENA VIA COMO MODELO COMUNITÁRIO DE EVANGELIZAÇÃO TRANSFORMANDO OS CRISTÃOS EM DISCÍPULOS E MISSIONÁRIOS

O conhecimento da Sagrada Escritura em Santa Teresa não é o fruto de longas horas

de leitura, pois o tempo no Carmelo era cronometrado, mas, sobretudo, dom de Deus e

inspiração do Espírito Santo. Ele pode dar àquele que crê a devida inteligência e conduzi-lo à

Verdade (Jo 16,13). É através destas leituras, ruminando cada palavra, que ela descobre sua

“pequena via”, “o coração do Evangelho”, legando esclarecimentos: “Devo, pois suportar-me

tal qual sou, com todas as minhas imperfeições. Mas, procurarei um meio de ir para o Céu por

uma trilha bem reta, bem curta, uma trilha inteiramente nova” (Ms C. 213r ). A via da infância

espiritual que é feita de humildade, de confiança e abandono à misericórdia de Deus. Santa

Teresa é verdadeiramente amorosa da Palavra de Deus e encontra nela novas luzes que, sem

demora, partilha com as suas irmãs carmelitas com a simplicidade que lhe é própria. Desta

forma, Teresa proclama o seu testemunho apostólico, fazendo presente em si, no meio de suas

irmãs a vida de Cristo pelo Espírito Santo. Frei Eugène-Marie esclarece que “para ser um

perfeito apóstolo é necessário ser tomado pelo Espírito Santo”104. O Espírito Santo, presente

na vida do apóstolo, dinamiza em sua alma tudo o que lhe é necessário à sua missão, tendo

como centro o Evangelho de Cristo e a glória de Deus na salvação das almas. Portanto, a

união com Deus, esta intimidade de Santa Teresa com Ele tem como finalidade, entre outras,

uma autêntica dimensão de apostolado.

No silêncio da clausura viveu esta intimidade com Deus, sempre às pegadas do

Mestre que, no silêncio da noite, subia à montanha, para ouvir seu Pai e, ainda, depois da

multiplicação dos pães, subia ao monte para rezar (Mt 14,23). Aproximando-se da sua hora

final, em 17 de julho de 1890, Santa Teresa não se esqueceu dos seus e garantiu: “Quero

passar o meu céu fazendo o bem sobre a terra”105. Nesta perspectiva, dizia ela ao Senhor, que

na terra sempre cumpriu os Seus desejos e caber-Lhe-ia agora fazer os seus. A morte para

Santa Teresa era vida, a vida tão sonhada do face a face. E, nos seus últimos momentos

declarou – “Não morro, entro na vida”106. O teólogo alemão Karl Rahner, falando da morte,

104 Cf. PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jésus, ocd. Au souffle de l’Esprit. 2004, p. 302. 105 SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma - Manuscritos autobiográficos, 1975, p. 267. 106 Ibid., p. 275.

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50 diz que ela é “um ato supremo de amor e valentia que o crente realiza, abandonando-se à

vontade de Deus”107. Esta foi, portanto, a atitude da tão querida e amada Santa Teresa de

Lisieux.

Santa Teresa encontrou na Igreja o seu lugar para servir com amor a Jesus com

bastante convicção e fé apostólica. Reconhecia que todo apostolado tem como finalidade e

edificação do Corpo místico de Cristo total, que é a Santa Mãe Igreja. Teresa reconhecia não

se tratar de tarefa fácil, mas como o amor no coração da Igreja e Jesus, seu Mestre, nunca lhe

dera tarefa além de suas forças, seguia em frente, confiante na sua promessa. “Mas o

Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome vos ensinará tudo e vos recordará

tudo o que vos disse [...] Ele vos guiará na verdade plena [...] e vos anunciará as coisas

futuras” (Jo 14,26; 16,13). É o Espírito Santo que vai prolongar e completar na terra a missão

de Jesus; portanto, é a missão do Espírito santo no mundo108. Teresa sentiu a manifestação do

Espírito, uma teofania exterior, uma leve brisa, como mencionado acima, e que ela tinha

conhecimento por meio das Epístolas de São Paulo que explicam a sua ação nas almas, a

graça de Deus, a vida divina que une a Cristo. É a abertura da alma a Deus para que o Espírito

Santo a leve à santificação (Rm 5,5). Assim, este Sol da alma opera em Santa Teresa, dando-

lhe as graças do exercício do amor em sua comunidade, apesar das inúmeras dificuldades ali

encontradas, quando diz ter “encontrado mais espinhos que flores” (Ms A, 69v). O Espírito

Santo que leva à prática das virtudes que tão bem Teresa soube viver e ensinar no mundo da

clausura e além de seus muros. Este mesmo Espírito de Amor leva Teresa ao apostolado

edificante com seus irmãos espirituais ajudando de forma concreta a Igreja na sua obra

missionária evangelizadora, pois, como disse o Papa Pio XII na sua Encíclica Mystici

Corporis “o Espírito Santo é a alma da Igreja”. A sua presença vai dinamizar toda a ação da

Igreja, levando os membros de seu corpo a um movimento contínuo para a sua edificação, o

seu enriquecimento espiritual e de seus próprios membros; Ele é, portanto, o santificador das

almas e o verdadeiro construtor da Igreja. Mas é na liberdade que opera, sabe o que quer,

como e quando quer. Contudo, o Espírito Santo pede a colaboração do ser humano para sua

obra e foi assim que Deus enviou o Arcanjo Gabriel para solicitar a colaboração maternal da

Virgem Maria completando a realização do plano divino, colaboração inteligente e livre,

instrumental. Da mesma forma, Teresa se abandona em Deus para possuí-Lo, produzir frutos

e poder transmiti-Lo a todos, levando-os à santidade por meio de sua pequena doutrina.

Teresa, cônscia de suas responsabilidades no chamado de Deus para o apostolado, para a

107 Cf. Rahner, Karl. Dimensiones del martírio. Concilium nº. 3, 1983, Ed. Ital., pp. 25-29. 108 Cf. PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jesus. Au Souffle de l’Esprit. 1990, p. 311ss.

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51 salvação das almas, não hesita em empregar todos os meios e colocar-se, como criança, em

suas mãos, para que o Espírito Santo dinamize o seu agir salvando “almas para o Senhor”.

Teresa fala bastante da caridade; este amor que lhe foi derramado na alma pela “Fornalha

Ardente”, a fim de viver em Deus e para Deus, salvando almas para Ele, fazendo-O Amado

em todos os pontos da Terra.

É nesta convicção já trabalhada, ditada pela força e dinamismo do Espírito Santo que

Santa Teresa tem a sua certeza de evangelizar e transformar vidas. Jesus Cristo e o Espírito

Santo têm papeis relevantes na sua vida e ações. Isto pode ser facilmente observado no

movimento vivificador da fé, provocado pela publicação de História de uma Alma. Santa

Teresa está unida a Cristo nesta intimidade que lhe é peculiar, para fazê-Lo conhecido e

amado por todos, sob a mesma ação do Espírito Santo, nesta ciranda do Amor Trinitário. Foi

neste mister que Historia de uma Alma levou a doutrina de Santa Teresa a todo o universo.

Neste caminhar sem vacilar para o Amado, Santa Teresa amou profundamente o Deus

Menino, entregando-se a Ele, tornando-se uma criança. Com que carinho, com que devoção e

com que amor o adornava no claustro! Mais tarde, amou a sua Cruz e contemplando-a pode

meditar sobre o grande amor que Jesus dedicou ao mundo. É no Sinal da Cruz que se entende

a força da Trindade Santa e recordam-se os ensinamentos de Cristo em relação aos irmãos.

Através da Cruz Santa Teresa ensina a morrer para si mesmo, para que nosso irmão tenha vida

plena, no contexto “do humanismo integral e solidário”109. Esta cruz que Santa Teresa

abraçou com tanto amor é, portanto, a revelação da plenitude do Amor de Cristo como

Trindade, que fez brotar e frutificar nela a magnitude do seu amor a Jesus e aos irmãos,

seguindo Jesus “que resume toda a Revelação pedindo ao cristão de se enriquecer de Deus”

(Lc 12,21). No Amor Trinitário110, que é em sua síntese o, mistério de Deus, amou Maria,

Mãe de Jesus, a quem Santa Teresa chamava mamãe e, no cântico que compôs para a Virgem

– “Por que te amo, ó Maria!”111 - derramou o seu coração e a sua alma. Esta Mãe que deu ao

mundo o Deus real, o Deus conosco, com quem Santa Teresa vive cotidianamente esta

intimidade que nos é revelada pela sua capacidade missionária e evangelizadora. Este mesmo

amor, imitação do Amor de Cristo, dedicava aos irmãos, inspirando-se sempre no Evangelho,

a fim de que o seu agir não negligenciasse os ensinamentos do Amado.

109 Cf. La Doctrine Sociale de l’Église. 2005, p.185, n° 327. 110 O intelectual Emmanuel Mounier declarou Santa Teresa de Lisieux como uma “expert” do Espírito Santo (Cf. B. Bro La Gloire et le Mendiant. Cerf. p. 16-17). 111 PN 54. Maio 1987. Obras Completas. Cerf. p. 750.

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Teresa dá sempre graças a Deus pela sua misericórdia infinita, pois obras grandiosas

não são do seu alcance. “Não pode pregar o Evangelho nem derramar seu sangue […] Porém,

não importa, os irmãos espirituais trabalham e ela… fica junto do trono do Rei e da Rainha,

amando, jogando flores no trono, pequenos sacrifícios…” (B, 4r-4v). Desta forma, Teresa

sabendo da sua precariedade, no belíssimo texto redigido a Jesus, fala destes modestos

oferecimentos como cantares e flores partindo de um coração pequenino, mas, com certeza,

diz ela, farão prazer a Jesus e, ao mesmo tempo, “provocarão sorrisos da Igreja Triunfante”;

porém, esta colherá as insignificantes dádivas e as levará às mãos do Divino Mestre. Do

trono, será lançada sobre a pobre Igreja Padecente “esta água viva” que lhe extinguirá as

chamas e, ainda, sobre a Igreja Militante, para que alcance as vitórias.

Assim pensava Santa Teresa como verdadeira filha de Deus. E, no íntimo da vida

trinitária, prosseguir o seu objetivo que é ensinar a sua doutrina e salvar almas para o Amado.

Na oração e atitude de Teresa buscando e vendo Deus em cada irmão, tendo como meta sua

salvação, praticando, em profunda sintonia com Jesus, o amor ao próximo.

Santa Teresa assumiu ser o amor no coração da Igreja, logo tem os olhos da fé

abertos para Deus e Nele quer repousar em perfeita união, pois o Espírito Santo tomou

possessão da alma de Teresa. Ela atingiu este amor que só a alma “enamorada” de Deus pode

alcançar e, como diz São João da Cruz sobre a “igualdade de amor”, … dar a Deus quando

nosso amor é perfeito, o amor que Ele nos dá, amá-Lo à medida que Ele nos ama e tão

perfeitamente como Ele nos ama112. É o próprio amar em Deus, porque todos são seus filhos

amados, colocar-se receptivos, abertos ao Espírito de Amor que opera em cada um, à

condição que a vontade esteja livre. Assim Santa Teresa agiu, pois a união ao Espírito Santo é

necessária para atingir a perfeição do seu apostolado. Esta presença do Espírito Santo revelou-

se em Santa Teresa com força e vigor para a experiência dos “oceanos de graças” recebidas

que “inundaram sua alma” e a impressão deixada é que “o Amor me penetra e me envolve”

(Ms A, 84v-84r).

Teresa se identifica ao Cristo na ordem da graça de Deus tão presente nela, pois diz:

“Eu não vejo bem o que eu terei a mais após a morte que já não tive nesta vida. Verei o Bom

Deus, é verdade! Mas, para estar com Ele, eu já estou plenamente aqui na terra” (CJ 15.5.7).

Esta identificação de Santa Teresa realiza-se pela graça; assim todas as suas ações são

fecundas, harmonizando-as ao ritmo de Cristo. Teresa reza com o Espírito Santo que a conduz

no mais profundo do amor misericordioso. Assim, neste estágio de profundidade espiritual,

112 Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ. Cântico Espiritual. OC, p. 887-888.

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53 quando das tentações contra a fé, ela diz que “… aceita comer o pão da dor, e da mesa coberta

de amargura, onde comem pobres pecadores” (Ms C, 6r). Ela assume comer este pão da

incredulidade moderna com muito amor para salvar almas, sendo o verdadeiro farol para o

mundo, pedindo a Jesus: “A única graça que vos peço é de nunca vos ofender” (Ms C, 6v).

Santa Teresa recebeu a graça de compreender em sua totalidade o valor do

sofrimento para a salvação das almas. Penetrou no mais profundo da misericórdia infinita pela

fraqueza do outro que ela experimentou, em relação às faltas de suas irmãs, agindo com

perfeita indulgência. Era a confiança sem limite em Deus que a transformava sem cessar na

sua trajetória rumo à santidade, pois dizia: “Eu não passo mais de três minutos sem pensar em

Deus”113, eis a perfeita união ao Espírito Santo.

Teresa, ainda, apesar dos sofrimentos pela doença, conservava o humor, caminhando

apesar deles, mas sentindo paz interior com o seu Crucifixo sempre nas mãos, olhando-o

contemplava também o sofrimento de Jesus e sua dor, pois Jesus Cristo foi homem da dor (Is

53,3), mas também da vitória, da alegria por resgatar toda humanidade das trevas para a luz.

Então, diz às suas irmãs: “É a morte de Jesus na cruz que eu pedi” (CJ 4.6.1; 4.7.2), porque

ela lhe parecia mais bela. Falando do muito sofrimento que passava dizia só poder explicá-lo

“pelos desejos ardentes que eu tive de salvar almas” (CJ 30.9). Contudo, este sofrimento a

identificava com Jesus e declarava: “Eu não poderia entrar de repouso no Céu até que o Corpo

Místico de Cristo seja completo, até que o número dos eleitos seja completo” (CJ 17.7).

Assim é a vida dos santos, continua ativa no Céu, a fim de que o Corpo de Cristo seja

restaurado, completo, atingindo toda sua beleza. Portanto, diz Santa Teresa que “No Céu,

minha glória será feita da luz que irradia da fronte de minha mãe, a Igreja”114 (Ms B, 4v).

Porém, no exílio, as flores e a alegria colhidas dos sofrimentos também ela oferecerá ao Sol

do Amor pelos pecadores, na sua missão de salvar almas. Impulsionada pelo Espírito Santo na

sua humildade e pequenez, conduz muitas almas para o Senhor e, num total despojamento de

si, entrega-as ao Amor em inteira liberdade de ação para O fazer amado. É com o dinamismo

dado pelo Espírito Santo ao amor de Teresa que ela assume suas ações para o apostolado cada

vez mais aberto aos irmãos e à Igreja.

Desta forma, é considerada verdadeiro modelo e apóstola do Evangelho de Cristo no

espírito da “pequena via”, missionária da oração e do sacrifício na missão evangelizadora

universal.

113 Cf. Conseils et Souvenirs, p. 77. 114 Cf. Je veux voir Dieu. OC, p. 1077.

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Teresa de Lisieux é “uma autêntica mestra da fé e da vida cristã”115, luz e influência

no mundo inteiro. A síntese de sua teologia e espiritualidade numa bibliografia internacional

composta de 1690 títulos levou o Papa João Paulo II a proclamar no domingo das Missões, 19

de outubro de 1997, a Padroeira principal das Missões, Doutora da Igreja116. Na Carta

Apostólica do Papa João Paulo II consta a declaração que, dos estudos elaborados a partir dos

três manuscritos estudados, existe uma unidade temática e a descrição progressiva de sua vida

com o seu itinerário espiritual. Trata-se de escritos originais, A História de sua Alma. Deixa

transparecer nela que, na sua curta existência, Deus apresentou uma mensagem específica ao

mundo, mostrando uma via evangélica, a via da infância espiritual, que todos podem

percorrer, pois todos são chamados à santidade117.

Na sua declaração solene, diz o Santo Padre estar respondendo aos anseios de um

grande número de irmãos do Episcopado, bem como os de uma multidão de fiéis do mundo

inteiro; assim, encerra a sua alocução declarando Santa Teresa do Menino-Jesus e da Sagrada-

Face, Doutora da Igreja Universal118 e, no Céu, Santa Teresa deve ter respondido: “Tudo é

graça!…”.

A primeira edição de História de uma Alma data de 1898, com apenas 2000

exemplares, que fez surgir na Igreja Católica este “furacão de glória119 nas palavras de Sua

Santidade Papa Pio XI. O Cardeal e grande teólogo Yves Congar a qualificou, juntamente

com Charles de Foucauld, como “farol atômico”, aceso pela Providência no limiar do século

XX (DE MEESTER, 2008, p. 13).

Observa-se que as palavras e a doutrina de Santa Teresa ultrapassaram os tempos

atuais, já que a sua “pequena via” é acessível a todos e em qualquer época. O teólogo e grande

especialista de Santa Teresa, Pe. Hyacinthe Petitot que, em 1925, publicou um livro de

teologia sobre sua doutrina, tinha razão ao escrever que sua vida tão curta foi angélica e

divina e que sua influência se faria em muitos domínios e que isto seria ainda apreciado nos

séculos vindouros. Acrescenta, ainda, que ela foi a promotora de uma nova época para a

Igreja Católica120.

Não apenas o desejo de Teresa de rezar e fazer sacrifícios para salvar almas ocupava

a sua mente, mas o seu sentir persuadida de poder contribuir à conversão dos pecadores e para

115 Cf. PAPA JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Divini amoris scientia n°8. 116 Santa Teresa é a Doutora de n° 33 e a mais jovem de todas. 117 Cf. PAPA JOÃO PAULO II. OC. n° 6. 118 Ibid., n° 12. 119 Cf. in GAUCHER, Guy. OC p. 159 e VT n° 92, outubro de 1983 e janeiro de 1984 (Vida Teresiana, Revista publicada desde 1961). 120 Op. cit., p. 159-160.

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55 a santidade dos padres. Entretanto, como já mencionado, este intenso desejo de trabalhar pela

conversão dos pecadores surgiu, intensamente, no Natal de 1886. Assim, aos 14 anos obteve a

conversão “in extremis” do criminoso Pranzini, o que vai avivar o seu ardor apostólico.

Aplica-se mais e mais na sua missão e, de repente, compreende a obra de Santa Teresa

d’Ávila, ou seja, a Reforma do Carmelo. Teresa declara “que rezar e fazer sacrifícios pelos

pecadores a encantava, mais pelas almas dos padres, que acreditava mais puras do que o

cristal, lhe pareciam surpreendentes! Na Itália, compreendeu sua vocação”… isto não era para

ir buscar tão longe, um tão útil conhecimento…” (A, 56r) Foi aí que também compreendeu

sua missão na Igreja de ser “apóstolo dos apóstolos” na sua vocação contemplativa pelas

orações e sacrifícios. Constata-se que este zelo apostólico Teresa já tinha antes de entrar no

Carmelo, o mesmo de Santa Teresa d’Ávila que dizia: “Darei mil vidas para salvar uma alma”

(1888, p. 8). Teresa não ficou apenas fazendo sacrifícios e rezando pelos mais próximos, mas

à dimensão do mundo, pois o Carmelo de Lisieux mantinha correspondência regular com o de

Saigon, primeiro Carmelo no Sudeste Asiático, fundado em 1861 pelo Carmelo de Lisieux.

Teresa guardava o sonho de ir para Hanoi, a outra fundação, se não fosse o problema da

doença. Contudo, sua missão além das fronteiras se realiza através dos seus dois irmãos

espirituais missionários já explicitado acima. As duas peças de teatro que escreveu sobre

Joana d’Arc estão cheias de seus próprios desejos apostólicos e inspiram muitas comunidades

a vivência desta arte nestas peças, pois tem características marcantes de Santa Teresa.

Atualmente, observa-se o surgimento de comunidades e associações que

desenvolvem a espiritualidade de Santa Teresa, levando-a a ser conhecida e amada,

divulgando e vivenciando a sua “pequena via” como verdadeiros discípulos missionários.

Como diz o DA, o “discípulo missionário” é alguém apaixonado por Cristo, a quem conhece o

Mestre que o conduz e acompanha (277). Como se pode observar, “a espiritualidade dos

apóstolos e santos marcou a espiritualidade e o estilo de vida de nossas igrejas” (279-b).

Assim, observamos que Santa Teresa com sua vida exemplo e testemunho permanece como

modelo para o povo de Deus e esta dimensão espiritual levou o cristão a uma adesão pela fé,

oração e caridade ao Bem Amado. Dessa forma, cabe aos sacerdotes darem testemunho de

vida feliz e de santidade no serviço do Senhor (315). Todavia, se faz importante a formação

de autênticos discípulos missionários com profundo conhecimento da palavra de Deus,

estabelecendo com Cristo, como Santa Teresa de Lisieux, uma relação de amizade e amor

(320). O padre e teólogo dominicano Molinié escreveu: “Foi necessário esperar Teresa do

Menino-Jesus para reencontrar um movimento de espiritualidade no âmbito planetário, cuja

amplitude seja exatamente as dimensões do Evangelho” (1968, p. 97).

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Santa Teresa é o guia que o Espírito Santo colocou na sua época como mestra para

distribuir sua luz, para revelar o Amor e fazê-Lo amado. Teresa exerce uma grande influência

em todo o universo através de sua obra e “está entre todos os grandes mestres espirituais da

Igreja, dentre os mais poderosos condutores de almas de todos os tempos”121.

O Papa João Paulo II declarou que o ensinamento de Teresa é uma verdadeira ciência

do amor e a expressão luminosa do seu conhecimento do mistério de Cristo e de sua

experiência pessoal da graça. Ela ajuda os homens e as mulheres de hoje e ajudará os de

amanhã a melhor perceber os dons de Deus e a divulgar a Boa Nova de seu Amor Infinito122

e, ainda acrescenta que sua doutrina deverá ser reconhecida dentre as mais profundas e

fecundas. Dentro de sua simplicidade e transparência, esta doutrina atinge a todos os que

assumem trilhar as sábias veredas do Mestre para chegar à montanha, uma vez que Teresa

“busca apenas a verdade”, que é o resumo de sua vida123. Esta verdade é a que o Vaticano II

disse ao afirmar que todos os homens, crentes ou não, têm parte na luz divina e todos a

buscam. É o próprio Jesus que se apresenta à humanidade como caminho, verdade e luz (Jo

14, 6). O próprio Deus enviou o Espírito Santo a sua Igreja para conduzi-la à verdade total e

proclamou. “A paz esteja conosco” (Lc 24,36). O Vaticano II propõe esta paz de Cristo, esta

busca da verdade a todos os homens (GS 15). Teresa deixou a sua “pequena via”, caminho

simples e reto da verdade, acessível a todos, a fim de que o Amor misericordioso seja

reconhecido e amado por todos. E, como a graça é transcendente, passa de cultura a cultura,

de povo a povo, em cada rosto diferente, mas, o importante é que Deus é uma constante

verdade para todos. Foi assim e, ainda, é hoje e será amanhã, sem dúvida, a trajetória da

influência de Santa Teresa no mundo, alimentando almas e levando-as a Jesus. Esta “pequena

via”, tão grande em alcance, vivida na confiança sem limites na misericórdia infinita, não

poderia ser diferente, pois, segundo Santa Teresa, “Jesus a instruiu em segredo” e que,

somente Ele a ensinou (Ms B, 5v). O que Ele pede em troca é apenas o abandono, entregar-se

a Ele sem reserva e compreender toda a ternura de seu Amor infinito (Ms B, 1v). Teresa quer

mostrar às pequenas almas a condescendência de Deus, que Ele é um verdadeiro Pai para

todos (Ms B, 5v). É a ciência do amor, deixar que o Senhor instrua a alma, esvaziar-se de si

mesmo. Jesus mostra a Teresa e ela ensina o único caminho que leva à Fornalha divina, o

abandono da criancinha que repousa sem medo nos braços do Pai. Assim, Santa Teresa

ensina, através da profunda fé no Amor misericordioso, a audaciosa confiança na misericórdia

121 Cf. PÉRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jésus. Ton Amour a grandi avec moi. 1987, p. 168-169. 122 Cf. PAPA JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Divini amoris scientia nº 12. 123 Cf. SANTA TERESA do Menino-Jesus e da Sagrada-Face. OC. p. 204.

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57 desta teologia espiritual, constituindo todos os seus desejos de santidade para o Senhor e

fecundidade apostólica missionária para o mundo.

Faz-se interessante observar que todos os Papas, de Bento XV ao Papa Francisco,

enaltecem a atuação de Santa Teresa no mundo por meio de sua doutrina.

O Papa Bento XV, em 1921, proclamando a heroicidade de Santa Teresa, declara

sem hesitação: “Aí está o segredo da santidade, não apenas para os franceses, mas para todos

os fiéis distribuídos no mundo inteiro”124. Não fala do seu ensinamento ou doutrina, mas de

sua “virtude dominante” […] No final: De onde, ainda este amplo tesouro de doutrina?

Segredos que Deus revela às crianças (p. 13).

Pio XI, em 1923, no momento da aprovação dos milagres para a Beatificação, chama

Teresa de “a pequena Teresa, uma palavra de Deus” e na Beatificação acrescenta: por ordem

de suas Superioras, Teresa escreveu para a edificação e salvação de muitos a História de uma

Alma, a fim de mostrar a via que leva à plenitude do Amor125. Apenas na Canonização, em

17.5.1925, define-a como “mestra de doutrina”. Ainda na Beatificação declara: “É certo que a

voz de Deus e a voz do povo estão como que divinamente unidas para exaltar a Venerável

Teresa do Menino-Jesus; mas é a voz do povo que reconheceu e seguiu a voz de Deus” (p.

41). Teresa de Lisieux é um milagre de virtude e prodígio de milagres (p. 43). É interessante

observar a importância dos escritos de Santa Teresa, pois, desde 1923, a Igreja fixou

Indulgências à recitação da última parte do Ato de Oferenda, para encorajar os fiéis a fazerem

dessa Oferenda uma oração própria.

Santa Teresa, na sua doutrina, não quis limitar sua ação a um número de almas

privilegiadas, mas a todos, conquistando o mundo inteiro como o seu desejo apostólico

claramente expresso em seus escritos. Queria evangelizar toda a humanidade e este desejo

universal foi plenamente realizado. Observa-se que foram premonitórios os versos dirigidos a

Jesus, quando ainda redigia a História de uma Alma. Recorda Teresa “Que eu quero, ó meu

Deus, levar longe o teu Fogo, Lembra-Te.”. Teresa não se dirige a Jesus como a um íntimo,

na segunda pessoa do singular, como São Paulo o faz em (Gl 2,20).

Teresa faz uma espécie de discurso a Jesus no qual se pode observar uma cooperação

apostólica da união de Teresa com Deus. Faz, ainda, uma verdadeira oração a Jesus que

responde positivamente e ela cresce a cada dia na sua vida espiritual, abandonando-se e

reconhecendo a supremacia do Amor de Deus e do seu nada (Novíssima Verba, 1927, p. 125-

126). É este caminho de confiança e de total abandono, reconhecendo a sua pequenez,

124 Cf.. Ed. de l’Office central de Lisieux, p. 10. 125 Cf.. Ed. de l’Office Central de Lisieux, p. 27.30.47.

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58 colocando sua força no “deixar fazer Jesus e, graças a Ele, todos os obstáculos serão

ultrapassados. Teresa quer ensinar a todos este caminho, simples e direto, que leva a Deus…

Assim, diz: “minha missão vai começar: minha missão de fazer amar o Bom Deus como eu O

amo, de dar minha pequena via às almas” (Novíssima Verba, 1927, p. 81).

É esta confiança sem limites que constitui um aspecto essencial de sua “pequena

via”, a criança que tudo espera de misericórdia de Deus de quem espera tudo, gratuitamente,

pois não há méritos, tem “mãos vazias” e apenas a misericórdia de Deus poderá conduzi-la ao

céu. Teresa que legou a todos este caminho para que cheguem a Deus sem dificuldades,

através desta via simples e direta; mas, para atingir, o objetivo ensina que a confiança, o

abandono e tornar-se criança são necessários.

Como Teresa sabia que o Amor é tudo e que na enfermaria a sua única ocupação era

amar, então estavam na raiz das atividades apostólicas as mais variadas; assim, seu desejo de

ser útil à Igreja após sua morte, como de fato o é na obra evangelizadora e missionária, pois

está presente nos novos movimentos da Igreja e nas novas comunidades e no mundo. Suas

relíquias percorreram o universo tocando o coração de muitos e levando à conversão.

Como dizia, “o próprio do Amor é de se abaixar” (A 2v; B 3,v); ela queria seguir seu

exemplo para servir à Igreja, colocar-se como um pequeno nada, esvaziada de si mesma,

colocando-se ao serviço do Corpo do Divino Esposo.

Santa Teresa deixa um exemplo extraordinário de sua convicção teológica na

“pequena via” em relação à condescendência de Deus em relação às pequenas almas. Explica

que, se todos fossem “doutores”, santos, Ele possivelmente não se abaixaria com frequência e,

por esta razão, criou “a criança e o homem primitivo”, pois é “próprio Dele se abaixar” e “é

até os seus corações que Ele digna de se abaixar, estão aí estas flores do campo cuja

simplicidade O encanta…” (A, 3r). Teresa também se encanta com a grande misericórdia do

Senhor na sua forma de se manifestar.

Teresa sempre se viu como a “pequena flor” comparada aos “lírios”, suas irmãs, e

tem convicção de sua pequenez (C, 2v). Contudo, o importante para Teresa é saber que a

santidade está ao alcance das “pequenas almas” nas quais ela se situa; assim, na sua confiança

infinita, abandona-se à misericórdia divina. Faz-se pertinente observar que a partir de certo

momento ela sempre escreve nas correspondências, quando assina “toute petite”.

Santa Teresa tem esta capacidade de se abandonar com inteira confiança a Jesus para

se fazer amar e, consequentemente, para amá-Lo sem medidas, como diz.

Ela, ainda, faz uma verdadeira sequência de seus qualificativos - pobre, pequena,

fraca, passarinho, pequena alma, imperfeita etc. para expressar a condescendência de Deus

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59 sobre ela “…é porque ela é pequena e fraca criança que Ele se abaixa até ela e que Ele quer

fazer irradiar nela sua misericórdia” (A, 49r), e Teresa declara que sua única riqueza é “…de

amar a Deus de todo o seu coração e de ser aqui na Terra pobre de espírito (Ms A, 32v). É

nesta trajetória que Teresa chega com mais profundidade espiritual ao Ato de Oblação, como

já mencionado, a este Deus de Amor e misericórdia que ela vai testemunhar não apenas no

Carmelo, mas no mundo. Quer levar todos a conhecer os segredos que lhe foram revelados

por Jesus (B, 5v). Quando descobriu a sua vocação no coração de Igreja, exultou por ter

descoberto o caminho sem erro, pois é simples e acessível a todos. Esta significativa

descoberta, como mencionada pela própria Santa, foi pela Palavra de Deus, o próprio coração

de sua vida e da sua doutrina. Como disse, foi ensinada por Cristo que é a Palavra viva (DV

25). Sua obra é rica em citações bíblicas e, por esta razão, a sua doutrina da infância espiritual

encontra o coração do Evangelho e, consequentemente, o coração da Igreja, levando-a ao

universalismo. Pelas traduções em tantos idiomas diferentes, pode-se arriscar a dizer que sua

doutrina toca todos os corações, sem fronteiras quer humanas, espirituais eclesiais (ortodoxos,

protestantes), religiosas (muçulmanos, budistas). Comprova-se a afirmação do Pe. Madeleine

de que o livro de Teresa poderia ultrapassar as fronteiras do mundo católico, o que,

historicamente, está comprovado (GAUCHER, OC, 2000, p. 62-63).

Santa Teresa guardava a Palavra de Jesus no seu coração. A Sagrada Escritura

significava para ela o próprio encontro com Deus Misericordioso. Desta forma recebia o

Espírito Santo, autor dos livros Sagrados, que diviniza todos os que com fé frequentam as

Escrituras e os nutre com a caridade. Assim, Teresa bem nutrida, guardou tudo no seu coração

e ensina a todos a habitar na Palavra de Deus para habitar no Jesus misericordioso e em seu

amor. Santa Teresa ensina as virtudes naturais informadas pelo amor para se chegar à

santidade, desmitificando o conceito de seu tempo; um chamado de vocação universal à

santidade, mesmo para o homem “pequeno”, pois o acento é colocado na misericórdia de

Deus. Na sua doutrina há a revalorização da esperança, o sentido eclesial com a

responsabilidade recíproca e a interação na Igreja. Desta forma, pode-se constatar que a

palavra que Deus disse ao mundo, através de Teresa é centrada na noção de santidade, sobre o

caminho que a leva e sobre o meio evangélico no qual se realiza. Sua via da infância espiritual

aparece como uma tradução do ideal evangélico, providencialmente oferecido ao mundo

moderno (CONGAR, 1954, p. 588).

Como se pode observar no desenvolvimento do trabalho, temos opiniões as mais

variadas a respeito da mensagem de Santa Teresa para todo o mundo. Papas fizeram-na “a

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60 estrela de seu pontificado”, como João Paulo XXIII. Pio XI, falando da luz de Cristo que ela

levou a todos os continentes, a denomina “A criança querida do mundo”.

Para reforçar o impacto da doutrina de Santa Teresa, como modelo de evangelização

para a Igreja e para o mundo, cita-se mais uma vez o Sumo Pontífice Pio XI, no Jubileu de

Santa Teresa: “Se esta via da infância espiritual se generalizasse, vê-se quão facilmente se

realizaria esta reforma da sociedade humana que nós nos temos proposto desde o início de

nosso Pontificado. […] esta doutrina que se deve chamar daqui por diante, “teresiana” é, por

si, capaz de procurar facilmente a regeneração cristã de toda a sociedade humana […], uma

doutrina capaz de ajudar o Soberano Pontífice a transformar a humanidade em Igreja de

Cristo”126. A doutrina de Santa Teresa foi e ainda é enaltecida por todos que têm a graça de ler

seus escritos. Pode-se observar este fenômeno nas grandes correntes espirituais, inspirando

santos e veneráveis como Santa Edith Stein, São Raphael Kalinowski, Maximilian Kobbe e

muitos outros.

Como já citado neste trabalho, grandes escritores, padres e filósofos enalteceram o

aporte da mensagem de Santa Teresa para o mundo. O conteúdo de sua doutrina, traduzindo

este desejo ardente de Deus, que é “a beatitude suprema do ser humano” (BERARDINO,

2000, p. 245), ensinou, como disse o Papa João Paulo II, falando aos Bispos da França, dos

Papas aos mais humildes cristãos, pois a Padroeira das Missões faz ressonar sua doutrina até

os confins da terra. Os testemunhos vão além das fronteiras confessionais, diz o Papa127.

A própria autora universaliza sua mensagem, os “segredos do amor” que foram

dados “por Jesus, pede que Ele os revele a outras ‘pequenas almas’, para que Ele tenha uma

legião delas, dignas do seu Amor” (Ms B, 5v ). O que mais acrescentar sobre esta Santa e sua

doutrina, que são verdadeiras minas; este modelo de evangelização que transforma almas,

levando-as para Deus? - Tudo é graça!…

126 Cf.. Ed. de l’Office Central de Lisieux, p. 74. 127 Cf. Documentation Catholique n° 2040 e 2047, 1991, p. 1087 e 305.

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61 CONCLUSÃO

Na apresentação deste trabalho, esclarecemos alguns aspectos da vida de Santa

Teresa julgados relevantes para o entendimento de sua intimidade com Deus, pois o

seu pensamento, a espiritualidade e sua teologia integram-se no seu próprio ser, em

cada etapa de sua vida e, portanto, aos seus escritos. Faz-se então necessário um olhar

minucioso sobre o desenrolar dos seus períodos para o aprofundamento de sua vida

religiosa, de suas leituras, iluminações e, ainda, de seus sofrimentos128. Suas

características como serva do Senhor já desabrochavam em tenra idade como nos

declara: “Vosso amor sempre me preveniu desde a infância, comigo cresceu, e agora

se tornou um abismo, cuja profundeza não sei calcular”.129 Sua infância e juventude,

como foram abordadas, numa família pura e linda, jardim de lírios, para usar a alegoria

de Santa Teresa, muito influenciaram na sua trajetória de intimidade com Deus. Esta

intimidade que já brotara na infância, pois, com apenas quatro anos de idade, aprendeu

a pedir perdão, reconhecer seus erros e a fazer prazer a Jesus nas suas pequenas

práticas (cf. Carta de sua mãe à Paulina, de 13.02.1877).

Através de sua vida, pode-se observar a plena e transparente convicção

vocacional de Teresa. Já, aos nove anos, tinha escolhido seu nome de religiosa, Teresa

do Menino Jesus, como Teresita, a sobrinha de Santa Teresa d’Ávila, que entrou no

Carmelo, na Espanha, com apenas nove anos de idade. O propósito de Teresa era amar

Jesus e fazê-lo amado. Aos 17 anos, já carmelita, Teresa acrescenta o nome da Sagrada

Face (Ms A, 84r). Santa Teresa compôs uma oração (n° 12) para se consagrar

solenemente à “Face Adorável de Jesus”, em 06.08.1896, na festa da Transfiguração

do Senhor, com as irmãs que tinham o nome Sagrada-Face. A imagem da Sagrada-

Face de Tours (Fr) foi circundada por três medalhões ovais dispostos em meia coroa

contendo as fotos de cada consagrada e as iniciais dos nomes de batismo de cada uma:

C; L.f. e Marie F. e, no verso, a oração. O ato foi realizado de joelhos aos pés da

Virgem Maria. Parece que esta devoção data de 1885; quando criança, ela e seus

familiares faziam parte da Confraria da Sagrada-Face de Tours (Fr)130. Santa Teresa

128 Cf. Les Mots de SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant- Jesus et de la Sainte-Face. Introduction.1996. 129 SANTA TERESA do Menino-Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. Manuscritos Autobiográficos.1975, p. 261. 130 Cf. DL VI. p. 162. (Cf. Vie em Images. Pierre DESCOUVEMENT et Helmut Nils LOOSE,1995.).

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62 sente-se fascinada pela Sagrada-Face de Cristo e deseja se parecer com Ele. Fala da

impressão que lhe causou a leitura de Isaias para sua devoção. A Sagrada-Face, diz

Teresa, “... é o astro que guia meus passos”; “meu doce Sol de cada dia” (PN 20, 1 e 3),

sendo a primeira carmelita de Lisieux a usar este nobre título, bem como do Menino

Jesus. Assim, dava continuidade a sua escalada para a intimidade com Deus e seu

reflexo na pastoral e na missão da Igreja.

Observa-se, através dos seus relatos, que esta flor de santidade foi

transplantada do vale da doçura, para desabrochar sempre à sombra da Cruz; porém,

guardando para si, escondido, as consequências de todos os espinhos colhidos131.

Contudo, diz continuar firme na sua via real da Cruz, pois diz “Cantarei mesmo

quando me for necessário colher minhas flores entre espinhos tanto quanto mais

longos e pontiagudos forem os espinhos mais melodioso será meu cantar” (Ms B, 4v ).

Esta trajetória espiritual de intimidade com Deus também teve fases de

provações. O Papa Bento XVI fala a respeito, relembrando a sólida base de formação

religiosa de Santa Teresa e de sua existência marcada profundamente pela fé na Igreja.

Ela, que vivia num mundo blindado e sólido, vê-se, de repente, confrontada com o

abismo escondido na estrutura firme em que vivia. Encontra-se em jogo o todo: tudo

ou nada. Falta-lhe o chão sob os pés, nada além do abismo sem fundo (RATZINGER,

2005, p. 33-34). Frei E. Renault - ocd, considera esta provação de fé de Teresa como

teste supremo do caminho da confiança e do amor (RENAULT, 1991, p. 16).

Teresa, na trajetória de sua intimidade com Deus, trouxe aos contemporâneos

a democratização da santidade, pois todos podem, sem dificuldade, alcançá-la por

meio da doutrina da “pequena via”, nova como o Santo Evangelho. Como declara

Santa Teresa, a sua doutrina que leva à santidade é para todos, sem exceção, apenas a

humildade e o abandono são necessários para a sua prática; não é necessária a

intelectualidade. Trouxe este Deus que se abaixa até o “nada” para se dar a todos,

gratuitamente. É o caminho ecumênico da comunhão, trabalhado no Vaticano II (Cat.

Igreja Católica, 1998, p. 235-238, nº 820ss). Este caminho novo, trazido até nós por

ela, é o do amor e da misericórdia de Deus. Teresa se apresenta a Deus como um

131 Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada-Face. História de uma Alma. Manuscritos Autobiográficos. 1975, p. 203.

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63 abismo de pobreza, mas Deus se apresenta a ela “como um abismo de Amor, que pede

para ser amado” (FLAMMES, 2006, p. 28) Este amor fará dilatar o coração e o olhar,

para ver e amar nossos irmãos na sua realidade e levá-los a Cristo. Amar como o

próprio Deus ama, “na perfeição do seu Amor Misericordioso.” (FLAMMES, 2006, p.

25). Envolvemo-nos na dinâmica de sua doação e “A mística do Sacramento que se

funda no abaixamento de Deus até nós, é de um alcance muito diverso e conduz muito

mais alto...” (RATZINGER. Carta Encíclica Deus é Amor, 13).

Este caminho da doutrina de Santa Teresa, na intimidade com Deus, todos têm

a capacidade de vivê-lo, dependendo da disposição de cada um para a reconstrução de

uma nova sociedade nos valores cristãos. Teresa, em História de uma Alma, clássico

do cristianismo, presenteou ao mundo sua trajetória de intimidade com Deus,

verdadeira renovação para a Igreja e, como tantos papas disseram: de Pio X, Bento XV

a João Paulo II, um ensinamento universal. Inclusive, o Papa Francisco já declarou sua

devoção a Santa Teresa de Lisieux, quando de sua vinda ao Brasil, dizendo carregar

com ele a imagem da Santa. Todos eles foram mais ou menos “teresianos”. Graças à

sua teologia específica de intimidade com Deus, esta grande ciência do amor divino a

levou a ser a estrela de muitos pontificados, proclamada Padroeira das Missões e

Doutora da Igreja132.

Esta Santa, enclausurada, que levou sua mensagem de amor e intimidade com

Deus e de esperança aos cinco continentes, foi e verdadeiro “furacão de glória”

(GAUCHER, 1996, p. 159), como disse o Papa Pio XI. Ele e o Papa Pio XII foram

unânimes ao afirmar que a “pequena via” de Santa Teresa é o “próprio Coração do

Evangelho encontrado por ela” (DESCOUVEMONT, 1997, p. 42).

O testemunho explicitado por Teresa de sua vida em Deus e para Deus, a

partir da clausura, mostra-nos como a sua oração no silêncio do Carmelo e a

contemplação faziam-na presente no mundo. Desta forma, Teresa colocava-se

permanentemente a serviço do Senhor e, de certo modo, no coração do mundo e, mais

ainda, no coração da Igreja133, pelo seu alcance evangelizador e missionário,

angariando e salvando almas para o Amado.

132 Cf. VT. N° 92, outubro 1983 e 93 e janeiro de 1984 (Vida Teresiana, revista). 133 Cf. Dimensión contemplativa de la vida religiosa, nº. 25, 4 - 7 marzo de 1980.

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No silêncio da clausura viveu esta intimidade com Deus, sempre às pegadas do

Mestre, e no silêncio da noite subia à montanha, para ouvir seu Pai e, ainda, depois da

multiplicação dos pães, subia ao monte para rezar (Mt 14,23). Aproximando-se da sua hora

final, em 17 de julho de 1890, Santa Teresa não se esqueceu dos seus e garantiu: “Quero

passar o meu céu fazendo o bem sobre a terra”134. Nesta perspectiva, dizia ela ao Senhor, que

na terra sempre cumpriu os Seus desejos e caber-Lhe-ia agora fazer os seus. A morte para

Santa Teresa era vida, a vida tão sonhada do face a face. E, nos seus últimos momentos

declarou – “Não morro, entro na vida”135. O teólogo alemão Karl Rahner, falando da morte,

diz que ela é “um ato supremo de amor e valentia que o crente realiza, abandonando-se à

vontade de Deus” (1983, p. 25-29). Esta foi, portanto, a atitude da tão querida e amada Santa

Teresa de Lisieux.

Como bem constatou o papa Paulo VI, em “Anunciar o Evangelho” (1975), “o

homem contemporâneo escuta com maior atenção os testemunhos que os mestres ou,

se ele escuta os mestres é porque eles são testemunhas”. Assim, o testemunho de

Teresa constitui uma proclamação silenciosa, porém, forte e eficaz do Evangelho de

Cristo. Isto vai ao encontro com a intuição de Santa Teresa que declarou: “Jesus me

deu um meio simples de concretizar minha missão. Ele me fez compreender esta

palavra dos Cânticos: ‘Arrasta-me contigo, corramos ao odor dos teus perfumes.’.”

(Ct 1,3) e Teresa acrescenta que não se faz necessário dizer que o seguimento sem

dificuldades é consequência natural da atração de Deus (Ms C, 33v-34r).

O chamado de Jesus para Teresa ressoou no mais profundo do seu coração e

sua resposta foi dada na confiança e no abandono de uma criança. Esta decisão, na

pura intimidade com Deus, fez-se acompanhar de outras: ser pescadora de almas para

o Amado, rezar pelos sacerdotes, praticar o desapego e superar todos os medos. Desta

forma, Teresa, levando a sua cruz, caminha sem hesitação para Jesus, alimentada pela

Palavra e suas outras fontes de espiritualidade. Em plena intimidade com Ele, partilha

sua vida e seu testemunho com suas irmãs carmelitas, esquecendo-se, para que Ele seja

amado e glorificado.

Santa Teresa tirou grandes lições dos pais espirituais carmelitas, Santa Teresa

d’Ávila e São João da Cruz, para a sua intimidade com Deus. Contudo, guardou na

134 SANTA TERESA Do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma - Manuscritos autobiográficos. 1975, p. 267. 135 Ibid. p. 275.

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65 essência uma particularidade toda sua. Seu amadurecimento espiritual fez-se no ritmo

das Moradas de Santa Teresa, não esquecendo o que a mãe do Carmelo afirmou: “O

Senhor quer obras” (Moradas, V 3,11). Assim, com muita fé, confiança e amor, foi

galgando cada passo, reconhecendo a sua fraqueza e imperfeição, a fim de conquistar

almas para o Amado e fazê-Lo amado. Teresa, na sua subida para Deus, não se

esqueceu de seu papel comunitário, seu amor à Igreja. Desta forma, rezar pelos

sacerdotes e ajudar espiritualmente as suas irmãs fazia parte do seu dia a dia, como

“amor” no coração do Carmelo e da Igreja. Quanto às obras, quando virá para cumprir

sua promessa de recompensa, diz Santa Teresa: Ele ficará bem, decepcionado comigo.

“Não tenho obras. Ele me dará segundo suas próprias obras136” “..., pois tudo vem do

Bom Deus. E o que me couber de glória será um dom gratuito, que a mim não

pertencerá”137.

O seguimento de Cristo adotado por Teresa elevou-se à plena intimidade na

vivência do Evangelho, que a conduziu a encontrar a “pequena via”, doutrina para

todos, em todos os tempos, dado a sua atualidade, fruto da ação dinâmica do Espírito

Santo. Apenas na intimidade com Deus, podemos adquirir o olhar contemplativo, a

fim de vê-Lo em cada irmão (MACCISE, 1993, p. 66). Assim fez Santa Teresa no

Carmelo, em contato com aquelas irmãs mais problemáticas. Ela conseguiu, pela graça

do Espírito Santo, a força interior que harmoniza o coração daqueles que creem com o

coração de Cristo e leva-os a amar os irmãos como Ele os amou [...] “O amor ao

próximo enunciado por Jesus consiste no fato de amar em Jesus e com Jesus a pessoa

que não me agrada” (BENTO XVI. Carta Encíclica, 18,19). Como discípula de Jesus,

Teresa absorveu todos os seus ensinamentos hauridos da Sagrada Escritura e

colocados em prática da forma que lhe é peculiar, adotando, assim, um agir diferente

do vigente no Carmelo. Teresa agia na liberdade de alguém que conheceu a Verdade.

Isto vai ao encontro com a palavra do Mestre que disse aos que o seguiam para se

tornarem seus verdadeiros discípulos; tinham que observar o seguinte: “Conhecereis a

verdade e a verdade vos libertará.” (Jo 8,32). A sua doutrina faz parte integrante de

sua vida, pois, como se pode observar, a sua “pequena via” (Ms B, 1v) é fruto dos

136 Cf. Derniers Entretiens, 15.5.1897. 137 SANTA TERESA do Menino-Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 272.

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66 mais variados acontecimentos de sua existência em família e no Carmelo de Lisieux.

Observa-se que este “coração” da sua mensagem de amor e de solidariedade tem suas

raízes aí e, mais tarde, no próprio Evangelho de Cristo, seu manancial, quando declara

só ter um Diretor: Jesus (Ms A, 71r; 74r ).

Teresa seguiu a Cristo no modelo de seu Evangelho, sem nada esquecer ou

negligenciar. Pelo Evangelho, orientou a sua vida e ação ao serviço dos irmãos,

demarcando um modelo próprio de evangelização. Construiu esta intimidade com

Deus, discernindo a sua vontade à luz da Palavra e atentando para os “sinais dos

tempos”, tornando, desta forma, a sua doutrina atualíssima.

Nesta sua intimidade com Deus, fruto de seu aprofundamento e interiorização

da fé (MACCISE, 1993, p. 63), conquistou a essência do Evangelho, que se traduz no

amor a Deus e ao próximo, sobretudo àqueles mais desprovidos, como certas irmãs no

Carmelo, um seminarista a quem dedicou muitas orações pela sua conversão e,

também, o condenado à morte Panzini. Ficam latentes suas bases firmes para o seu

apostolado evangelizador. Mostrou ao mundo uma nova e atual maneira de

evangelizar, mesmo a partir da clausura, mas sob a força do Espírito Santo que

dinamiza e atualiza a mensagem de Cristo de forma perene.

A doutrina de Teresa continua viva e atual na mente e no coração, não apenas

dos missionários evangelizadores, mas também de muitos grupos que se utilizam da

sua “pequena via” no seu trabalho comunitário de evangelização. Para dar um enfoque

bem atual de sua influência hoje, encontramos, dentre outros, o belo testemunho de

Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, na Amazônia. Dom Erwin considera

Santa Teresa seu “anjo de guarda”, presença nas horas alegres e tristes, nomeando-a

“padroeira de sua missão episcopal”. Ele nos relata que compreendeu a sua profunda

mensagem evangélica transmitida ao mundo, anunciando o Evangelho através de seu

testemunho. Hoje, conhecida e venerada por todo o mundo, Teresa é missionária,

apóstola e mártir do amor (SUESS, 2009, p. 260 e 269). Observa-se que Teresa é

inesgotável, oferecendo inspiração para muitos trabalhos não apenas de conteúdo

puramente espiritual, mas também marcados pela missão e evangelização da Igreja.

Pelo coração e pela vivência como carmelita descalça - ocds pode-se ser

tentado a dizer que Santa Teresa e sua espiritualidade fazem parte do dia a dia de todo

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67 carmelita; assim, parece oportuno e interessante trabalhar o tema, para mostrar, na

simplicidade, a profundeza de sua doutrina que muitos julgam “água de rosas”.

Pretende-se mostrar que esta doutrina da fé, da esperança, caridade e amor de

vestimenta simples é, contudo, profunda na sua essência, iluminada e enriquecida pelo

Espírito Santo, que leva a uma identificação da alma com Deus. Isto foi o que Santa

Teresa denominou sua conversão no Natal de 1886. Este trabalho visa, também,

mostrar a importância desta doutrina e sua teologia para a Igreja, para o mundo e para

a sociedade contemporânea.

Nesta perspectiva, será observado como todos os acontecimentos vividos por

Teresa levaram-na a escrever História de uma Alma e o porquê da volta ao mundo

feita por esta obra neste percurso ininterrupto e, ainda, sua frase profética neste

sentido. É nesta trajetória que será, pouco a pouco, desvendado o paradoxo que, poder-

se-ia dizer humanamente inexplicável, do fato de uma vida escondida na clausura

poder, em tão pouco tempo, fazer brilhar sua grande luz em todos os continentes,

levando o Papa Pio XI a denominá-la “a criança querida do mundo”.

Este “farol atômico” (DE MEESTER, 2008, p.13), como tão bem a denominou o

grande teólogo Yves Congar, buscou e encontrou o caminho curto e simples para chegar à

intimidade com Deus e, através Dele, ser a grande evangelizadora e missionária a serviço do

Reino de Deus. Neste espírito chegou aos “confins da terra”, levando o seu desafio para

transformar vidas e fazê-las viver para o Amado.

A Teologia Pastoral muito contribuiu para a realização deste projeto. Forneceu o

embasamento teórico, o alicerce para reler Santa Teresa e detectar todo o seu sentido

evangelizador. Através de sua intimidade com Deus e do seu testemunho, ainda tão vivo e

atual na época contemporânea, observamos quão significativa é sua doutrina para a edificação

da Igreja. Desta forma, a Teologia Pastoral teve papel relevante para elucidar a capacidade

evangelizadora de Santa Teresa, pois nenhum conteúdo evangelizador prescinde do

testemunho. Santa Teresa não apenas legou o seu tesouro aos seus contemporâneos, mas

continua obsequiando o mundo e seduzindo almas para o bem Amado, pois guardava sempre

em mente, a dimensão eclesial de tudo o que realizava, considerando-se “o amor no coração

da Igreja”.

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