PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … garcia.pdf · No final dos anos de 1980 e,...
Transcript of PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … garcia.pdf · No final dos anos de 1980 e,...
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Faculdade de Fonoaudiologia
LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO: UMA AÇÃO FONOAUDIOLÓGICA PARA A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Denise Garcia Paschoali
Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP
Sob orientação da Prfª. Cristiane C. Mori- de Angelis
São Paulo 2007
AGRADECIMENTOS
Agradeço a querida amiga, professora e orientadora Cris Mori que possibilitou
que este trabalho fosse realizado e cujo amor pela profissão foi meu maior
incentivo;
Agradeço a todos os professores que com muita dedicação, amor e interesse
pelo ensino e aprimoramento da profissão contribuíram para a minha formação,
durante os quatro anos de curso;
Agradeço aos meus filhos, Fernanda e Luís Felipe e ao meu pai Wilson pelo
total apoio e cumplicidade mesmo nas minhas inúmeras ausências;
Um agradecimento especial a uma grande mulher, que nunca me faltou, cuja
garra, determinação e dedicação foram meu espelho e de quem tenho muitas
saudades: minha mãe;
As minhas amigas, minhas meninas queridas, Cris, Gabi, Meri, Pat, pela
parceria, pelo carinho, amizade, juventude; Doção, Alê, pelas risadas, pela
companhia, pela confiança, enfim a todas que carinhosamente me acolheram,
me apoiaram e com a alegria própria da juventude me ajudaram nesta
conquista. Sentirei saudades.
2
SUMÁRIO
Resumo pg. 4
Capítulo 1 – Introdução pg. 6
Capítulo 2 – Considerações teóricas pg. 10
Capítulo 3 - Objetivos, Objetivos específicos e Metodologia pg. 20
Capítulo 4 - Resultados e discussão pg. 22
Capítulo 5 – Considerações Finais pg. 46
Referências Bibliográficas pg. 50
3
RESUMO
Introdução: A atuação do fonoaudiólogo na área educacional coincide com a
constituição da Fonoaudiologia há mais de 70 anos e, neste período, muitas
mudanças marcaram as práticas fonoaudiológicas na escola. Desde a década
de 1990, encontram-se atuações guiadas pela idéia de promoção de práticas
letradas e de fomento à variedade de textos para leitura e produção. Com base
nestes princípios, foi realizada uma ação de formação destinada a 20
professores do Ensino Fundamental da rede pública de ensino do município de
Barueri que se realizou em 10 encontros de 4 horas de duração cada um. Esta
pesquisa dedicou-se aos primeiros cinco encontros desta ação de formação.
Teoria: Foram adotados os pressupostos da teoria enunciativo-discursiva para
explicar a linguagem, com ênfase nas noções de letramento, esferas de
circulação da língua e gêneros do discurso. A relação entre desenvolvimento e
aprendizado foi compreendida numa perspectiva socioconstrutivista. Objetivo:
Elaborar uma Unidade Didática que levasse os professores à compreensão da
distinção entre alfabetização e letramento, da relação dinâmica entre
aprendizado e desenvolvimento e das principais capacidades leitoras.
Metodologia: Seleção de textos teóricos que discutissem os conceitos de
alfabetização, letramento, relação entre aprendizado e desenvolvimento e
capacidades de leitura e elaboração de apresentações de slides ou
questionários que permitissem a apropriação destes conceitos. Resultados:
Os conceitos de letramento e alfabetização foram discutidos por meio de
resumos de textos, seguidos por questionários de leitura que focalizaram
diferentes capacidades leitoras. A relação entre desenvolvimento e
aprendizado, bem como as capacidades de leitura foram apresentadas por
meios de slides. Tanto numa metodologia quanto noutra, os professores
tiveram a oportunidade de discutir os conceitos apresentados. Considerações
Finais: Apesar de, no primeiro encontro, os professores terem demonstrado
não conhecer o termo letramento e a relação deste com a alfabetização, a
discussão do texto mostrou um grupo sensível a esta noção, relatando
experiências de trabalhos com gêneros discursivos bem como com alguns
elementos das situações de produção quando da solicitação de alguma
produção textual. Os professores mostraram clareza sobre o papel da escola
4
na desmistificação de certos mitos como, por exemplo, o da existência de uma
única variedade lingüística aceitável. Quanto às capacidades de leitura, o grupo
mostrou conhecer as capacidades de decodificação e algumas capacidades de
compreensão, mas desconheciam as capacidades de comparação e
generalização de informações. Em relação às capacidades de apreciação e
réplica, embora os professores as desconhecessem, reconheceram sua
importância e foram capazes de citar algumas atividades que as mobilizariam.
5
Capítulo 1
Introdução
A relação entre a Fonoaudiologia e a Educação não é apenas antiga, mas, sobretudo
constitutiva. De acordo com Berberian (1995), as primeiras práticas fonoaudiológicas
nasceram na escola e se voltavam à correção de questões ligadas à pronúncia e a
estrangeirismos.
Das primeiras práticas fonoaudiológicas na escola, nas décadas de 1930 e 1940, até
os dias atuais, algumas mudanças acometeram a relação entre a Fonoaudiologia e a
Educação. Na década de 1960, com a criação dos primeiros cursos de
Fonoaudiologia, verificou-se uma tentativa de a profissão consolidar-se como um
fazer essencialmente clínico, desvinculado da escola e, por tal razão, as práticas
fonoaudiológicas “escolares” perderam fôlego ou, ao menos (o que é mais provável),
deixaram de ser literalizadas. A década de 1980 marcou um momento em que a
Fonoaudiologia Escolar voltou à cena; o que foi fortemente influenciado pelo fato de
estar em discussão a entrada desta área na grade curricular do curso da PUC-SP
(Ferreira, 1984). Embora esta década marque o momento de reflexões sobre como
se deveria estruturar a Fonoaudiologia escolar, as publicações revelam que as
práticas na escola ainda se marcavam por reedição, dentro da escola, de fazeres
clínicos, sobretudo a triagem (Calheta, 2005).
No final dos anos de 1980 e, sobretudo, a partir dos anos de 1990, começa a surgir,
na Fonoaudiologia, a idéia de outra forma de atuação fonoaudiológica nas escolas,
voltada às práticas de promoção de saúde. É neste contexto, que o fonoaudiólogo
começa a ser reconhecido como um dos profissionais que podem atuar na formação
de professores. Exemplos de trabalhos de formação de professores realizados por
fonoaudiólogos podem ser conferidos em Calheta (2004; 2005); Giroto (1999); Mori-
de Angelis (2005), dentre outros.
Assim sendo, a preocupação com a formação de professores, especialmente dos
professores alfabetizadores, tem sido tema de estudo e reflexão de vários
profissionais; dentre eles, o fonoaudiólogo.
A questão da aquisição e desenvolvimento da linguagem oral vem sendo,
tradicionalmente, o tema de maior destaque daquelas ações de formação de
professores empreendidas por fonoaudiólogos. No entanto, mais recentemente,
6
sobretudo na década atual, começam a surgir trabalhos que focalizam a aquisição e
desenvolvimento da linguagem escrita, a alfabetização e o letramento. É nesta
perspectiva que se insere a ação de formação de professores que será discutida
neste trabalho.
Em 2006, a PUC-SP firmou uma parceria com a Prefeitura Municipal de Barueri, na
qual a PUC-SP ficou responsável por levar ao município de Barueri cursos de
graduação e de pós-graduação latu sensu nas áreas de saúde, educação, gestão e
meio-ambiente. Além disso, ficou estabelecido que os profissionais da PUC-SP, por
meio de estágios e outras atividades extensionistas, ofereceriam à população e aos
servidores públicos do município serviços e ações de formação.
Ao longo do ano de 2007, a professora Cristiane Mori-de Angelis ministrou uma
disciplina eletiva dirigida aos quarto anistas do curso de Fonoaudiologia intitulada
Para formar fonoaudiólogos que formam professores. O estágio desta disciplina
consubstanciou-se numa ação de formação oferecida a 20 professores da rede
municipal de ensino de Barueri dos 1º ao 5º anos do Ensino Fundamental. A ação
organizou-se em 10 encontros, que ocorreram entre 01 de setembro e 01 de
dezembro, sempre aos sábados, das 08h às 12h00. Os encontros aconteceram no
campus Barueri e foram realizados pelos alunos da disciplina mencionada, com a
supervisão presencial da professora responsável.
Aqueles alunos que escolheram realizar sua pesquisa final de graduação (TCC)
nesta disciplina ficaram responsáveis pelo planejamento, organização e realização
dos encontros. Esta pesquisa, em particular, dedicou-se aos cinco primeiros
encontros, os quais, por seu caráter introdutório, dedicaram-se a discutir os eixos de
organização dos PCN, as noções de alfabetização, letramento, função social da
escola, relação entre aprendizado e desenvolvimento e capacidades de leitura.
A relação entre o ensino e a aprendizagem constituiu-se em um dos focos da
formação, uma vez que o que se tem observado é que os professores estão voltados
somente para a prática do ensino, ficando o processo de aprendizagem a cargo
exclusivamente do aluno. Como conseqüência dessa ausência da mediação pelo
professor, verifica-se que, além de nem todos os alunos aprenderem a ler e a
escrever, constrói-se o estigma dessas crianças como sendo portadoras de alguma
deficiência.
7
Segundo Cagliari (1999 b),
“... os educadores têm prestado pouca atenção no equilíbrio entre o ensinar
e o aprender e menos ainda no processo de refazer o que não deu certo...
Não basta aplicar métodos e técnicas, não basta apenas mediar um
processo de oferta de oportunidades de aprender. Em primeiro lugar é
preciso conhecer e muito bem tudo o que diz respeito ao processo de
letramento. Por exemplo, é preciso conhecer muito bem o que uma pessoa
precisa saber para ler e escrever. A história da vida de cada um é muito
importante, mas mais importante para a escola é saber o que fazer diante
dessa realidade, sobretudo quando o aluno vem com muito pouca
experiência de uso da leitura e da escrita”.
A citação de Cagliari remete-nos, pois, a dois conceitos fundamentais na ação de
formação aqui discutida, quais sejam: a alfabetização e o letramento. De fato, a
técnica da (de)codificação tem sido o foco do processo de ensino, sobretudo nas
séries iniciais do Ensino Fundamental. A profusão de textos sobre qual o melhor
método de alfabetização (cf. Soares, 2006) é um indício de como a alfabetização tem
ocupado não apenas os professores alfabetizadores, mas também os pesquisadores
da academia. Nos anos de 1980, no entanto, o conceito de letramento começa a
surgir e a interferir nas pesquisas sobre a alfabetização. Mais especificamente, este
conceito surge justamente para separar aqueles estudos sobre a alfabetização, ou
seja, sobre a tecnologia de ler e escrever, daqueles outros que se dedicavam a
aspectos do desenvolvimento da linguagem escrita e ao uso da linguagem escrita em
diferentes situações. A presença maciça de pesquisas, hoje, sobre a ontogênese do
letramento, sobre os diferentes usos e funções da linguagem escrita, sobre as
diversas práticas de letramento, sobre graus e perfis de letramento, dentre outros
aspectos, mostra que a noção de letramento consolidou-se e, quer se queira ou não
(pensando-se, aqui, na instituição escolar), impõe-se a todos aqueles que devem
lidar com a educação.
A ação de formação de professores que aqui será apresentada e discutida não
fugirá, pois, a esta realidade. Ao contrário, ela foi organizada sobre os seguintes
pilares: eixos de organização dos PCN, alfabetização, letramento, função social da
escola, relação entre aprendizado e desenvolvimento e capacidades de leitura.
8
Tendo em vista que esta pesquisa dedicou-se aos encontros introdutórios,
passaremos, no próximo capítulo, a apresentar aqueles conceitos e noções que nos
foram essenciais ao planejamento e execução dos cinco primeiros encontros com os
professores. Cabe ressaltar que, neste capítulo, apresentaremos a discussão de
parte dos trabalhos que inspiraram nossa pesquisa, qual seja, daqueles textos que
não foram discutidos com os professores, ao longo da ação. Desta forma, parte dos
textos lidos aparecerá apenas no Capítulo 4, quando, ao apresentarmos o material
empregado nos encontros, traremos a reflexão realizada sobre estes textos.
No Capítulo 3, apresentaremos os objetivos e a metodologia empregada. No
Capítulo 4, serão apresentados os resultados desta pesquisa que, adiante-se,
consubstanciam-se no material e nos expedientes empregados durante os
encontros. Por fim, no Capítulo 5, serão apresentadas as considerações finais, ou
seja, alguns apontamentos sobre o que, em nossa análise, foi alcançado com a ação
realizada.
9
Capítulo 2
Considerações teóricas
A atuação do fonoaudiólogo nas escolas remonta à própria origem das práticas
fonoaudiológicas (Berberian, 1995), mas, ao longo dos mais de 70 anos que
separam as primeiras práticas dos dias atuais, as formas de intervenção
fonoaudiológicas alteraram-se muito.
Até a década de 1980, a inserção do fonoaudiólogo nas escolas buscava a
cura ou a melhoria dos problemas vocais, de linguagem e de audição que
acometiam não só os alunos, como também os professores. O foco estava
voltado para a doença e para os sintomas que poderiam levar a um diagnóstico
dos distúrbios da comunicação. No entanto, estudos demonstraram que esse
fazer clínico não atendia todas as necessidades da escola. Era necessário que
a Fonoaudiologia atuasse de maneira preventiva. Esta nova visão
“(...) preconizava atividades de orientação a pais e professores
e a realização de procedimentos de triagem, sendo este último
entendido como possibilidade de dimensionar/ pré-diagnosticar
as patologias encontradas para posterior encaminhamento para
terapia fonoaudiológica (...). Tal procedimento previa ainda o
diagnóstico/conhecimento da realidade institucional e
direcionamento de temas para futuras orientações que
viabilizariam a prevenção, no intuito de impedir a ocorrência
e/ou minimizar os efeitos dos sintomas” (Calheta, 2004:176)
Até então o fazer fonoaudiológico nas escolas era marcado por ações
determinadas pelas patologias e alterações orgânicas nos alunos, que era
passivo na aprendizagem. Para Calheta (2004), no entanto, a atuação deve
priorizar
“(...) o desenvolvimento de discussões sobre a excelência
do trabalho com o letramento em sua dimensão social
(conforme Kleiman, 1995), buscando contemplar reflexões
10
sobre os diversos usos e sentidos atribuídos às
linguagens oral e escrita nas mais heterogêneas parcerias
discursivas, a serem firmadas entre o fonoaudiólogo e os
educadores e entre educadores e alunos, vistos como
sujeitos ativamente participativos” (p.177).
Ainda segundo Calheta (2004), a assessoria fonoaudiológica em escolas,
balizada pela noção de letramento, leva não só a discussões de atividades
realizadas pelos professores em sala de aula, como também ao entendimento,
por parte dos professores, de que podem atuar junto a outros interlocutores da
criança, contribuindo, assim, para uma melhor formação dessas crianças, tanto
no contexto escolar como no contexto familiar.
Apoiando-nos, então, nos princípios que Calheta preconiza para atuação
fonoaudiológica com educadores, buscamos trabalhos que nos auxiliassem a
planejar e executar a ação de formação que empreenderíamos. Nesta busca,
as reflexões de Cagliari sobre o papel do professor na alfabetização
pareceram-nos muito relevantes.
Cagliari (1999 b) parte do pressuposto de que o ensino e a aprendizagem são
os objetivos básicos de uma escola.
O autor faz um breve histórico para explicar essa dicotomia na alfabetização,
pontuando que o ensino sempre foi o foco das cartilhas, que servem como
material de orientação e de consulta para ao aluno.
Cartilhas como a Caminho Suave começaram a inovar, abrindo um espaço
para os exercícios, como comprovação de que o assunto fora aprendido pelo
aluno. A partir da década de 60, surgem também os manuais do professor, que
cuidavam não só do ensino, mas também orientavam sobre como o aluno
deveria desenvolver a aprendizagem. Esta inovação coincide com o
aparecimento do “período preparatório ou de prontidão”, quando o aluno
desenvolvia uma grande quantidade de tarefas, quase sempre com pouca
explicação e com aparência de brincadeira.
Na década de 1980, as atividades de prontidão apresentadas pelas cartilhas
usavam uma metodologia considerada ideal para o processo de alfabetização,
11
já que buscava ser lúdica. Na realidade, o que mudava era só a aparência, pois
o ensino ainda baseava-se no “faça seguindo o modelo”. Com isso os alunos
aprendiam, mas os professores somente aplicavam os métodos ditados por
pacotes educacionais. Dessa forma, os professores deixaram de lado os
estudos e pesquisas e passaram a seguir as orientações governamentais,
implantando as idéias construtivistas da psicogênese da língua escrita, de
Emília Ferreiro, sendo qualquer idéia divergente sumariamente rejeitada.
A psicogênese da língua escrita trouxe grande contribuição para a
compreensão do processo de letramento, mas sob outro aspecto, este
“método” não mostra ao professor como ele deve fazer se o aprendizado não
sair conforme o que está sendo preconizado por Ferreiro. O que não foi
previsto por ela é que cada aluno tem uma conduta diante do aprendizado da
leitura e da escrita. A conseqüência disso foi a destruição de boas idéias
adquiridas pelos alunos, colocando em dúvida muitas outras que já sabiam.
O método construtivista, segundo o autor, lida com os erros transitórios, para
os quais o professor não precisa realizar um trabalho de pesquisa para resolvê-
los, mas não prevê aqueles que emperram o aprendizado. Outra característica
deste método é que o professor deve funcionar apenas como mediador
passivo, cabendo ao aluno progredir nos estudos por meio da produção de
textos espontâneos. Visa à observação das idéias dos alunos por meio da
produção dos textos e não a produção de textos baseada em idéias aprendidas
pelas explicações dadas pelo professor que, neste caso, teria a função de
ensinar e não apenas de mediar passivamente as ações de seus alunos.
Para o autor
“...saber fazer e saber explicar como se faz e como não
deve ser feito é a melhor forma de conhecimento, é
saber as causas, os efeitos e suas razões. Negar a
transmissão do conhecimento, restringindo ou até
mesmo negando a atividade de ensinar do professor é
um grande equívoco educacional. Ser “mediador” não
pode ser entendido apenas como sendo um aplicador de
pacotes educacionais ou um mero constatador do que o
aluno faz ou deixa de fazer. Ser mediador deve
12
significar, antes de qualquer coisa, estar entre o
conhecimento e o aprendiz e estabelecer um canal de
comunicação entre esses dois pontos”(p.225).
Nesta última citação o autor coloca, com muita propriedade, qual é a exata
função do professor na difícil tarefa de alfabetizar seus alunos.
Para que a alfabetização seja efetiva e aconteça da melhor maneira, a
formação dos professores responsáveis por esta ação é um fator de extrema
importância. Cagliari (1999 a) postula algumas noções básicas que a criança
precisa ter para poder aprender a ler e a escrever; noções essas que, para os
professores, muitas vezes, não estão claras. Uma ação de formação deveria,
pois, garantir que estas noções fossem compreendidas pelos professores, de
modo que, em suas práticas diárias, eles pudessem saber, efetivamente, o que
ensinar a seus alunos.
Estas noções básicas, para o autor, estão relacionadas ao processo de
alfabetização e são, pois, indispensáveis para que uma pessoa consiga decifrar
algo escrito no nosso sistema de escrita que, por sua natureza, função e usos,
é um sistema fonográfico do tipo alfabético ortográfico (p.131).
O autor explica que sentiu necessidade de fazer tal levantamento quando, num
curso de reciclagem para professores, percebeu que estes não sabiam explicar
quais os conhecimentos que uma criança precisaria ter para poder escrever ou,
quando explicavam, suas teorias mostravam-se falhas quando aplicadas, por
serem de difícil compreensão.
O que ele procura enfatizar é a importância da pesquisa e de um bom suporte
técnico, para que o professor tenha condições de analisar as produções do
aluno, seus conhecimentos e o que ainda lhe falta saber para alcançar o
objetivo maior: a alfabetização.
Em resumo, o autor coloca, com muita propriedade, que o sucesso do aluno
depende, na grande maioria, da formação do professor, e que esta formação
tem se mostrado deficiente. Existem estatísticas oficiais que revelam que cerca
de 50% das crianças não se alfabetizam no primeiro ano escolar, comprovando
tal teoria.
13
Uma das dificuldades encontradas na formação técnica dos professores
encontra-se no desconhecimento de onde procurar as informações necessárias
para desenvolver adequadamente seu trabalho, ou seja, para conseguir
alfabetizar seus alunos.
Cagliari coloca que a alfabetização é um processo que envolve a linguagem
oral e escrita classificando-a, dessa forma, como uma questão lingüística e que
somente por meio de reflexões dessa natureza é que se pode ter uma real
dimensão do processo de alfabetização.
O professor, durante toda sua formação, normalmente aprende como ensinar e
não o que ensinar, isto é, aprende a metodologia e não os conteúdos
específicos das matérias, fazendo com que o aluno apenas decifre o que está
escrito sem, no entanto, entender seu conteúdo. Nesta abordagem a
importância maior está em aprender a ler, decifrar o código:
Aprender a ler não é entender, porque a compreensão do
conteúdo de uma mensagem depende crucialmente do
conhecimento geral da língua e o que está escrito precisa
desse conhecimento de linguagem oral para ser
assimilado corretamente. (...) ler em primeira abordagem é
decifrar e transformar o que está escrito em material de
linguagem oral e, somente depois disto, a compreensão
de um texto se processa (p.134).
Neste trabalho, o autor apresentou as noções que considera básicas para
decifrar a escrita, divididas em tópicos e explicadas individualmente facilitando,
dessa forma, sua compreensão.
A primeira noção apontada por ele é que o aluno precisa ser falante da língua
portuguesa, pois o texto a ser lido estará escrito em português. Portanto, todo
conjunto de regras que configura a gramática da língua portuguesa deve ser
conhecido e explicado corretamente para que as interpretações sobre o que
está escrito sejam corretas. Trata-se, pois, da necessidade de conhecimento
14
lingüístico, cuja apropriação e desenvolvimento estão, na maioria das vezes,
nas mãos da própria escola.
A outra noção é que a criança deve saber a diferença entre desenho e
escrita. Estes dois elementos, desenho e escrita, são representações gráficas
e, portanto, da mesma natureza. É preciso saber que toda a escrita é uma
forma de desenho, mas nem todo desenho é uma forma de escrita. A diferença
básica é que o desenho se refere a um objeto e a escrita refere-se à linguagem
oral. A escrita apresenta a possibilidade de nomear os objetos (desenhos), já
os desenhos não representam as palavras.
A noção de palavra é muito importante no sistema de escrita, tendo um
especial valor no processo de decifração, pois a palavra não se relaciona
apenas à segmentação da fala, mas também representa uma unidade de
significado.
Sob este aspecto, algumas crianças escolhem determinados desenhos para
representar algumas formas gráficas das letras. O autor cita como exemplo a
letra cursiva que, quando apresentada a algumas crianças, pode levá-las a
escrever fazendo rabiscos lineares, como se fossem linhas escritas. Se o
material apresentado para a criança for impresso, algumas delas poderão fazer
bolinhas e figuras geométricas, para a sua representação. Ao mesmo tempo
em que “escrevem” dessa maneira, as crianças “lêem seus textos”, pois
acreditam que a escrita vem associada à fala.
Ainda dentro desse contexto DOLZ & PASQUIER (1996) propuseram um
“decálogo” para ensinar a escrever, propondo esclarecer quais são as
principais linhas de ação didática para o ensino/aprendizagem da escrita. Para
isto os autores elegeram 10 pontos que julgam essenciais (para o alcance
dessa meta), a saber:
1. Diversidade textual – A variedade de textos é um ponto importante a
ser destacado. O ensino da produção textual não pode ser visto como único
para todos os tipos de textos, pois cada texto possui características lingüísticas
específicas que exigem estratégias diferenciadas. Isto se dá devido a uma
particularidade da nossa língua: a de adaptação a diferentes situações de seu
uso. O aluno deve ter consciência dessa diversidade e ser ensinado a produzir
15
textos de acordo com as particularidades de cada um, ou seja, seu objetivo, a
quem o texto se destina e o lugar social onde o texto circulará.
2. Aprendizagem precoce – Por ser um processo longo e complexo, o
ensino da escrita deve ser iniciado logo nos primeiros anos da escolaridade,
pois a aprendizagem das habilidades necessárias é lenta e longa. Isso não
significa que se deve antecipar tal processo. O ideal é que se obedeça às reais
possibilidades dos alunos. O aluno precisa sentir a necessidade de se
comunicar, de ser compreendido, qual o papel que desempenha ao escrever e
qual a finalidade de escrever. Isto pode ser feito por meio de atividades em que
o professor pode servir de escriba, colocando no papel as idéias de seus
alunos que ainda não conseguem produzir textos escritos, como por exemplo,
descrição de um lugar conhecido, contando um fato que presenciou ou um
passeio com a família no final de semana etc..
3. Aprendizagem em espiral – De acordo com Dolz e Paquier
Numerosos métodos de ensino propuseram – e ainda
propõem – abordar a produção escrita como um progresso
de texto em texto. Estes métodos propõem abordar,
durante o ano escolar, um tipo de discurso (a narração) ou
um gênero textual (o conto), para, no ano seguinte, passar
a outro (a exposição) e, no seguinte, a um terceiro (a
argumentação).
Nestes métodos de ensino, prevê-se que cada uma dessas etapas é pré-
requisito para o início de outra etapa. A este tipo de ensino dá-se o nome de
progressão linear (aditiva). Em oposição, tem-se a progressão em espiral, em
que a proposta é
uma progressão em curva, distanciando-nos gradualmente
do ensinado, para voltarmos abordá-lo mais tarde, a partir
de uma dimensão ou de uma perspectiva distinta.
16
Neste caso, a variedade discursiva (narração, explicação, argumentação,
descrição e diálogo) acontece em todos os níveis escolares. O que varia, de
um nível escolar a outro, é o gênero textual (conto de fadas, relato de
experiências, lenda, relato histórico etc.) e as dimensões textuais estudadas
(tempos verbais, usos dos organizadores textuais, pontuação etc.).
4. Começar com tarefas complexas – Os autores declaram preferir
começar o processo de aprendizagem por atividades que vão desde as mais
complexas para as mais simples, para depois voltar às complexas novamente,
diferentemente do princípio aditivo. Explicam que, desta forma, são as
situações de comunicação complexas que darão ao aluno condições de
compor seus textos.
5. Ensino intensivo – Segundo os autores,
(...) o ensino que o aluno recebe e, conseqüentemente,
as aprendizagens que realiza são mais eficazes, duráveis
e profundas se o trabalho se dá de maneira intensiva,
concentrado num período breve de não mais de duas ou
três semanas.
Justificam essa afirmação explicando que atividades cotidianas voltadas para o
mesmo objetivo geram melhor aprendizagem, diminuindo as chances de
esquecimento. Esse tempo de uma, duas ou três semanas, dependendo da
idade da criança, não pode ser estendido com o risco de o aluno perder o
interesse pelo ensino e também por não entender as razões pelas quais está
fazendo tais atividades.
6. Textos sociais – Os alunos devem aprender a produzir textos
referentes a situações de produção definidas, reais e não imitar os textos
escolares, que não representam a realidade e sim foram criados especialmente
para ilustrar determinadas situações (os pseudo-textos).
7. A revisão como atividade de aprendizagem – A releitura do texto, sua
revisão e, conseqüentemente, a reescrita desse texto devem ser ensinadas aos
alunos, pois fazem parte do processo de produção escrita. É ideal que a
17
releitura do texto aconteça depois de certo espaço de tempo da primeira
escrita. É na revisão que o aluno aprimora seu texto inicial com a ajuda dos
instrumentos lingüísticos que aprendeu durante as atividades em classe.
8. Método indutivo: apropriação por parte do aluno – Este método é
chamado de indutivo porque orienta o aluno a descobrir e se apropriar das
habilidades necessárias para o seu desenvolvimento. Isto acontece por meio
de observações e exercícios concretos realizados pelo professor.
9. Regulação interna e externa – O aluno ao produzir um texto deve ser
crítico em relação às suas atividades para poder controlar os itens a seguir:
• Entender o que foi pedido pelo professor;
• Ter algum conhecimento sobre o assunto que será escrito;
• Planejar a organização do texto (começo, meio e fim);
• Saber conectar as diversas partes do texto;
• Conectar as palavras e as frases (concordâncias nominal e verbal,
regência etc.);
• Assegurar a continuidade de sentido do conjunto do texto
(progressão temática);
• Imprimir as proposições em função da perspectiva enunciativa
adotada.
Estes itens funcionam como uma lista de controle, que o professor ajuda o
aluno a fazer. Esta lista funcionará como um guia de regulação externa e,
progressivamente, passará a ter a função de um regulador interno, uma vez
que o aluno consegue incorporar tal conteúdo não precisando mais da ajuda da
lista.
10. Seqüências didáticas – Incluem os pontos discutidos anteriormente e
visam possibilitar que os alunos aprendam a escrever diferentes tipos de
textos, graças a um ensino sistemático que lhes viabilize os instrumentos
comunicativos e lingüísticos.
18
Evidentemente, os textos aqui discutidos não encerram os subsídios
teóricos necessários aos encontros da ação de formação de professores que
nos propusemos a planejar. No entanto, os demais trabalhos que cumpriram
esta função serão, como já explicado anteriormente, apresentados no Capítulo
4, dedicado aos resultados. Tais trabalhos foram adaptados em resumos e
roteiros de leitura que foram apresentados aos professores e, por esta razão,
tratá-los, aqui, seria uma redundância.
19
CAPÍTULO 3
Objetivos
O objetivo deste trabalho foi o de construir, com um grupo de professores do
Ensino Fundamental I da rede pública de Barueri, uma base sólida de
conhecimentos gerais que permitissem a compreensão dos eixos de
organização dos PCN, das noções de alfabetização, de letramento, da função
social da escola, da relação entre aprendizado e desenvolvimento e das
capacidades de leitura. Estes conhecimentos deveriam constituir-se como uma
base teórica geral que permitisse a apropriação dos conteúdos subseqüentes,
quais sejam, esferas de atividade humana e proficiência em leitura e produção
de determinados gêneros do discurso.
Objetivos específicos
Um dos objetivos específicos deste trabalho foi o de construir um conjunto de
resenhas sobre textos que abordassem alguns conceitos centrais desta ação
de formação, tais como alfabetização e letramento; concepção de escrita;
noção de desenvolvimento e aprendizagem; noção de sujeito; papel da escola
e do professor.
Além disso, visou também garantir, por meio de atividades que priorizassem as
capacidades de leitura adequadas, a compreensão dos conteúdos viabilizados
pela leitura, por meio da formulação de questões de ativação de conhecimento
prévio, localização, comparação e generalização de informações; exploração
da intertextualidade; solicitação de apreciações teóricas e de aplicação prática,
dentre outras capacidades.
Metodologia
Como já foi mencionado na introdução deste trabalho, a PUC-SP firmou uma
parceria com a Prefeitura Municipal de Barueri e se comprometeu, dentre
outros pontos, a oferecer serviços e ações de formação aos funcionários desta
Prefeitura em algumas áreas, sendo a de Educação uma das áreas. A ação
que discutiremos neste trabalho tem como público alvo professores que atuam
no ensino fundamental da Prefeitura de Barueri, que selecionou um grupo de
vinte professores da sua rede pública de ensino para tal evento. Este grupo
participou de 10 encontros, planejados e elaborados por alunos da Faculdade
20
de Fonoaudiologia e de cursos de extensão da PUC-SP, supervisionados pela
Professora Cristiane Mori-de Angelis. A ação teve início em 01/09 e foi
finalizada em 01/12, totalizando os 10 encontros previstos que aconteceram
sempre aos sábados, das 8:00 às 12:00 hs.
Para que tal ação pudesse ser realizada, foram lidos vários textos que
abordavam os conceitos centrais já citados, necessários para o
desenvolvimento desta ação de formação e confeccionadas resenhas desses
textos. Alguns dos textos foram selecionados e entregues aos professores,
juntamente com questionários e roteiros de leitura que facilitassem a discussão
dos temas propostos e outros textos foram escolhidos para serem
apresentados por meio de apresentação de slides.
Esta parte da ação de formação aqui descrita totalizou cinco encontros.
21
Capítulo 4
Resultados e Discussão
No presente trabalho, dedicamo-nos ao planejamento e execução dos cinco
primeiros encontros que exploraram os eixo de organização dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, as noções de alfabetização, de letramento, a relação
entre aprendizado e desenvolvimento e as capacidades de leitura.
1º encontro (01/9) – Por meio de uma apresentação de slides, este encontro
visou apresentar aos professores o modo de organização dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, principal documento oficial que orienta a organização
do ensino. Como se poderá notar pela apresentação que se seguirá, neste
encontro, a discussão buscou demonstrar que o ensino de Língua Portuguesa
deve estar baseado em dois eixos: o eixo do uso e o eixo da reflexão.
(Slide 1)
A formação de professores do Ensino Fundamental
Profa Cristiane Cagnoto Mori-de Angelis
(Slide 2)
Relevância dos PCN para uma formação de professores
�Diminuição dos altos níveis de fracasso escolar
�Contribuição no combate ao iletrismo
�Promoção sistemática do letramento
�Construção da cidadania
(Slide 3)
Ponto de partida
�Não são grades de objetivos e/ ou conteúdos curriculares
�Adotam uma perspectiva enunciativa de língua
�Organizam-se em dois grandes eixos: Uso e Reflexão
(Slide 4)
22
PCNs: Como operacionalizar?
�Dada a diversidade regional, cultural e política existente no país, os PCNs
são, apenas, referências. Assim sendo, a construção dos currículos deverá ser
feita pelos órgãos educacionais (estaduais e municipais) e pelas próprias
escolas. Isso implica em vários níveis de transposição didática.
(Slide 5)
O que é Transposição Didática?
�Transformações a que um conteúdo de conhecimento é submetido com o
objetivo de ser objeto de ensino e aprendizagem.
(Slide 6)
Os níveis de transposição didática
�Formação inicial e continuada de professores e análise de materiais didáticos
�Documentos e propostas curriculares dos níveis municipais e estaduais
�Projeto pedagógico da escola
�Realização do currículo em sala de aula
(Slide 7)
Níveis de atuação na formação de professores
�Formação inicial: implica os cursos de graduação
�Formação continuada: destina-se aos professores em serviço
Ambos os níveis implicam o tratamento de materiais didáticos
(Slide 8)
Materiais Didáticos
�Compreensão dos sistemas nacionais de avaliação do livro didático (PNLD e
Guia de Livros Didáticos)
�Escolha do livro didático
�Análise de material didático não avaliado previamente
�Capacidade de elaboração de materiais didáticos
23
(Slide 9)
Principais indicações dos PCNs
Quanto aos conteúdos de Língua Portuguesa: devem se organizar em dois
eixos de práticas de linguagem:
1. As práticas de uso da linguagem
2. As práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem
(Slide 10)
As práticas de uso da linguagem:
�Práticas de escuta e de leitura de textos
�Práticas de produção de textos orais e escritos
(Slide 11)
As práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem
�Práticas de análise lingüística: modo como se organizam os enunciados e
os discursos; processos de significação; questões de variação lingüística,
dentre outros.
(Slide 12)
Principais indicações dos PCNs
Quanto à organização e seqüenciação dos conteúdos:
�O grau de complexidade do objeto e as exigências da tarefa
�O projeto educativo da escola e os objetivos do ensino
�As possibilidades e as necessidades de aprendizagem
24
(Slide 13)
Conseqüências
�Tanto os objetos de ensino quanto a forma de organização dos conteúdos
propostos pelos PCNs exigem, de imediato, reformulações nas graduações que
se encarregam da formação inicial de professores.
(Slide 14)
PCNs: desafios para a formação de professores
Quanto ao objeto de ensino:
�Compreender a teoria da enunciação e a teoria de gêneros
A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (...) cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
sendo isso que denominamos gêneros do discurso... A riqueza e a variedade
de gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade
humana é inesgotável... (Bakhtin, 1953/1979: 279, apud PCN, 1998).
(Slide 15)
PCNs: desafios para a formação de professores
�Compreender a diferença entre gênero e texto
Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das
intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos
discursos, os quais geram usos sociais que os determinam (PCN, 1998: 21).
�Romper com concepções cristalizadas sobre o ensino da gramática
(Slide 16)
PCNs: desafios para a formação de professores
Quanto à organização e progressão curricular:
�Capacitação dos professores para a elaboração de projetos de ensino-
aprendizagem
�Capacitação dos professores para a seleção de objetivos de ensino
�Evitar que o LD determine o projeto pedagógico
25
(Slide 17)
PCNs: desafios para a formação de professores
�Capacitar o professor em uma teoria de ensino-aprendizagem de vezo sócio-
histórico, para que ele seja capaz de avaliar o desenvolvimento real de seus
alunos (possibilidades de aprendizagem) e de criar ZPDs (necessidades de
aprendizagem)
(Slide 18)
Implicações para a Fonoaudiologia
Atuação clínica:
�Compreensão da realidade escolar (em especial, do professor)
�Compreensão do modo de funcionamento da linguagem escrita do sujeito
(práticas pedagógicas e material didático)
(Slide 19)
Implicações para a Fonoaudiologia
Assessoria:
�Planejamento do projeto pedagógico
�Realização do currículo na sala de aula
�Análise e preparação de material didático
�Análise de necessidades e ações especiais
2º encontro (15/9) – Este encontro foi dedicado à exploração das capacidades
de leitura. Mais especificamente, foi feita uma apresentação de slides inspirada
no texto de Rojo, 2004. Nossa intenção foi a de discutir com os professores a
importância do desenvolvimento das capacidades de leitura para a promoção
do letramento e, conseqüentemente, para o pleno exercício da cidadania. Para
justificar a importância da leitura para o letramento e para a cidadania, as
diferentes capacidades leitoras foram organizadas em três blocos: as
capacidades de decodificação, as capacidades de compreensão e as
capacidades de apreciação e réplica. Os slides apresentados e discutidos
foram os seguintes:
26
(Slide 1)
Letramento e capacidades de leitura para a cidadania
Roxane H. R. Rojo (2004)
(Slide 2)
Ler é melhor que estudar (Ziraldo)
� Esta frase revela a ineficiência da escola e sua distância em relação às
práticas sociais significativas.
� A maior parcela de nossa população, embora hoje possa estudar, não chega
a ler.
� Ler continua, pois, a ser privilégio das elites.
(Slide 3)
Por que a população não lê?
As práticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem senão uma
pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas
pela sociedade.
Costuma-se privilegiar o processo de revozeamento dos textos de autoridade
(escolar; científica), que devem ser memorizados para que o currículo seja
cumprido.
(Slide 4)
O que é ser letrado? O que é ler?
Ser letrado e ler na vida e na cidadania é (...) escapar da literalidade dos textos
e interpretá-los, colocando-os em relação com outros textos e discursos, de
maneira situada na realidade social: é discutir com os textos, replicando e
avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos: é, enfim, trazer
o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas
na vida são muito variadas e dependentes do contexto, cada um deles exigindo
certas capacidades leitoras e outras não. (Rojo, 2004: 2)
(Slide 5 e 6)
Capacidades de leitura: Capacidades de decodificação
27
� Compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros
sistemas de representação;
� Dominar as convenções gráficas;
� Conhecer o alfabeto;
� Compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita;
� Dominar as relações entre grafemas e fonemas;
� Saber decodificar palavras e textos escritos;
� Saber ler reconhecendo globalmente as palavras;
� Ampliar a sacada do olhar para porções maiores de textos que meras
palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura.
(Slide 7e 8)
Capacidades de leitura: Capacidades de compreensão:
� Ativação de conhecimentos de mundo;
� Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos;
� Checagem de hipóteses;
� Localização e/ou cópia de informações;
� Comparação de informações;
� Generalização;
� Produção de inferências locais;
� Produção de inferências globais.
(Slide 9 e 10)
Capacidades de leitura: Capacidades de apreciação e réplica
� Recuperação do contexto de produção do texto;
� Definição de finalidades e metas de atividades de leitura;
� Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático);
� Percepção de relações de interdiscursividade;
� Percepção de outras linguagens;
28
� Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas;
� Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos
(Slide 11)
A contribuição do letramento escolar e das diversas disciplinas no
processo de formação do leitor
A escola tem como função não só transmitir os conhecimentos acumulados
pela humanidade ao longo dos anos, como também, contribuir para a formação
moral e ética dos cidadãos, tornando-os aptos a viver em sociedade.
(Slide 12)
A contribuição do letramento escolar e das diversas disciplinas no
processo de formação do leitor
Falar na formação do leitor cidadão é justamente não olhar só uma das faces
desta moeda: é permitir a nossos alunos a confiança na possibilidade e as
capacidades necessárias ao exercício pleno da compreensão. Portanto, trata-
se de nos acercarmos da palavra não de maneira autoritária, colada ao
discurso do autor, para repeti-lo “de cór”, mas de maneira internamente
persuasiva, isto é, podendo penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras
do autor, mesclar-nos a elas, fazendo de suas palavras nossas palavras, para
adotá-las, contrariá-las, criticá-las, em permanente revisão e réplica.
3º encontro (29/9): Este encontro dedicou-se à discussão de dois temas
diferentes, porém relacionados. Na primeira parte do encontro, discutimos a
relevância social da escola e, para tanto, os professores leram uma síntese de
SOARES, MAGDA. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo,
Ática, 1993. Subseqüentemente, em pequenos grupos (de 4 a 5 professores),
eles responderam um questionário. Tanto o texto quanto o questionário
encontram-se a seguir:
SOARES, M. Linguagem e escola: Uma perspectiva social. São Paulo: Editora
Ática,1993.
Neste texto a autora faz uma análise das relações entre escola e linguagem
para que se tenha uma melhor compreensão do problema da educação das
29
camadas populares no Brasil, que constituem a grande maioria da nossa
população.
O fracasso escolar dos alunos pertencentes às classes socioeconômicas
menos favorecidas é demonstrado por meio do alto número de evasões e
também pela adoção do sistema de aprovação automática do aluno, esteja ele
apto ou não para avançar no seu estudo. O maior problema é que a grande
maioria desses alunos segue adiante nos seus estudos sem estarem prontos e
a falta de prontidão por parte desses alunos pode ser atribuída
ao conflito entre a linguagem de uma escola
fundamentalmente a serviço das classes privilegiadas,
cujos padrões lingüísticos usa e quer ver usados, e a
linguagem das camadas populares, que essa escola
censura e estigmatiza”.
A autora cita, neste livro, uma frase de Mario Quintana, segundo a qual o
sucesso ou o fracasso na escola são atribuídos às características individuais
de cada aluno. Nesta frase, Quintana diz que a escola oferece “igualdade de
oportunidades”; o bom aproveitamento dessas oportunidades dependerá do
dom – aptidão, inteligência, talento – de cada um, nomeada pela autora de
ideologia do dom.
Assim, a escola teria a função de adaptar os alunos à sociedade, de acordo
com suas capacidades. O aluno seria o responsável pela sua incapacidade de
adaptação.
Embora este pensamento ainda vigore em muitas escolas, começou-se a
perceber que essas diferenças não ocorriam somente entre indivíduos, mas
também entre grupos de indivíduos, com maior ocorrência entre as classes não
privilegiadas. Tal fato levou ao surgimento de outra ideologia, a ideologia da
deficiência cultural. Nesta visão, as crianças pertencentes às classes sociais
mais favorecidas têm, desde a primeira infância, acesso a condições que lhes
permitem o desenvolvimento de características, tais como hábitos,
conhecimentos, interesses, habilidades etc., favorecendo seu bom
30
desempenho na escola. Recebem incentivos contínuos do ambiente onde
vivem: os adultos lêem para elas, são incentivadas a perguntar e a responder,
têm mais acesso a materiais escritos etc. Como conseqüência, essas crianças
se desenvolvem lingüística e cognitivamente, não apresentando problemas de
aprendizagem.
Por outro lado, as condições de vida e as formas de socialização das crianças
pertencentes às classes menos favorecidas não contribuem para o
desenvolvimento dessas características. O argumento usado é o de que a
quantidade e a qualidade das situações de interação entre a criança e o meio
onde vive não proporcionam as condições adequadas para um bom
desenvolvimento. Dessa maneira, as crianças teriam mais dificuldades na
aprendizagem.
Essas crianças chegam à escola com uma linguagem deficiente, impedindo
que tenham sucesso na aprendizagem. Seu vocabulário é pobre, usam frases
incompletas, curtas, monossilábicas, cometem erros de concordância,
regência, pronúncia e comunicam-se mais por meio de recursos não verbais.
Resumindo, são crianças lingüisticamente deficitárias, o que estaria
relacionado à capacidade intelectual da criança.
Neste caso, a culpa de fracasso também recairia no aluno, pois este seria
portador de déficits socioculturais. Nesta visão, a função da escola seria a de
“compensar” as deficiências do aluno.
Do ponto de vista das ciências sociais e antropológicas, não existem culturas
superiores e inferiores. O que existem são culturas diferentes. Dessa forma,
outra explicação surgiu para o fracasso escolar: a ideologia das diferenças
culturais.
Nessa visão, a escola valoriza a cultura das classes dominantes, dentro da
sociedade capitalista como é a nossa. Assim, o aluno que não pertence a essa
classe encontra, na escola, padrões culturais diferentes dos seus e que são
apresentados a eles como certos. Este aluno sofre um processo de
marginalização cultural e fracassa, não por deficiências intelectuais ou
culturais, como foi sugerido na ideologia do dom e na ideologia da deficiência
cultural. Fracassa porque é diferente.
31
Neste caso, a responsabilidade pelo fracasso escolar cabe à escola, que
transforma diferença em deficiência.
É importante ressaltar que tanto na ideologia das deficiências culturais quanto
na ideologia das diferenças culturais são fundamentais as relações existentes
entre linguagem e cultura para a explicação do fracasso escolar.
A ideologia da deficiência cultural tem como principal e mais forte argumento o
conceito de déficit lingüístico.
Por outro lado, o principal suporte da ideologia das diferenças culturais está
apoiado em estudos da Sociolingüística sobre a linguagem das camadas
populares. Estes estudos mostram que esta linguagem é diferente da
linguagem socialmente privilegiada e não inferior ou deficiente.
A autora ressalta que é importante lembrar que
a linguagem é, ao mesmo tempo, o principal produto da
cultura, e é o principal instrumento para a sua
transmissão. Por isso, o confronto ou comparação entre
culturas – que é, em essência, o que está presente tanto
na ideologia da deficiência cultural quanto na ideologia
das diferenças culturais – é, básica e primordialmente, um
confronto ou comparação entre os usos da língua numa
ou noutra cultura.
A autora afirma ainda que
o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares,
de variantes lingüística, social e escolarmente
estigmatizadas, provoca preconceitos lingüísticos e leva a
dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer
ver usada a variante-padrão socialmente prestigiada.
O questionário abaixo foi entregue aos professores para fomentar a discussão
que se faria subseqüentemente. Cabe destacar que havia dois objetivos
relacionados a esse questionário: em primeiro lugar, visava-se discutir os
principais conceitos e noções defendidos no texto lido, de modo a levar os
32
professores à compreensão do papel que a escola tradicionalmente
desempenha na manutenção de certos mitos. Além disso, objetivava-se
demonstrar certas capacidades de leitura que haviam sido privilegiadas no
enunciado das questões apresentadas. Para que nosso leitor acompanhe o
que foi realizado, as capacidades de leitura enfatizadas em cada questão
aparecem, na versão abaixo, entre parênteses. No entanto, na versão entregue
aos professores, esta menção foi retirada, justamente para permitir que
discutíssemos com eles qual capacidade estava sendo focalizada por cada
uma das questões.
Ressalte-se que os professores responderam a primeira questão do
questionário antes de lerem o texto e as demais questões foram respondidas
por eles, apenas após a leitura.
1) “Em termos lingüísticos, a escola cobra do aluno justamente aquilo que o
aluno vai à escola para aprender”. O que você entende por esta afirmação?
(Ativação de conhecimentos prévios). Qual será, em sua opinião, a posição do
texto sobre esta questão? (Formulação de hipóteses)
2) “Eu não nasci prá ler e escrever; não dou prá isso”. A qual ideologia liga-se
esta afirmação? Explique. (Comparação e generalização de informações)
3) Quais são as diferenças efetivas entre as ideologias da deficiência cultural e
da diferença cultural? (Comparação e generalização de informações)
4) Após ter lido o texto, você mudaria sua resposta à 1ª pergunta? Em quê?
(Checagem de hipótese e síntese)
5) As teses defendidas por este texto aplicam-se à realidade escolar que você
vivencia? Justifique. (Solicitação de apreciação relativa a valores éticos e
políticos)
Os professores apresentaram suas respostas e a discussão sobre os tópicos
foi socializada.
Na segunda parte do encontro, foram discutidas as noções de letramento e
alfabetização e, mais particularmente, a relação entre elas. Para isso, os
professores leram as sínteses de dois textos, quais sejam: SOARES, MAGDA
As muitas facetas da alfabetização. In Alfabetização e letramento. São Paulo,
33
Contexto, 2006: 13-25 e SOARES, MAGDA. Letramento em verbete. In
Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 2000: 15-25.
Na seqüência, eles responderam um questionário, cujas perguntas não
apenas focalizavam ambos os textos, mas também – algumas delas –
buscavam relacionar os textos, de modo que a intertextualidade entre eles
fosse explicitada e compreendida. Tanto os textos quanto o questionário
seguem na seqüência.
Soares, Magda. As muitas facetas da alfabetização. In: Alfabetização e
letramento. São Paulo, Contexto, 2006: 13-25.
Segundo a autora, até os anos de 1980, não se chegou a nenhuma conclusão
sobre o fracasso do ensino, porque as pesquisas realizadas abordaram o tema
a partir de diferentes áreas (Psicologia, Lingüística, Pedagogia), procurando um
único culpado para o fracasso: ou o aluno, ou o professor, ou o método
adotado, que eram analisados separadamente, como se se tratasse de uma
questão excludente.
A partir da década de 1990, com o surgimento do conceito de letramento,
começou a haver uma articulação entre as diversas variáveis que competem
para o processo de ensino-aprendizagem.
No que concerne ao conceito de alfabetização, vale destacar a diferença entre
o processo de aquisição da língua oral e escrita, que tem um tempo
determinado para ocorrer, e o processo de desenvolvimento da língua oral e
escrita, que é ininterrupto. Com o passar dos anos, essa diferenciação foi se
consubstanciando nas categorias de alfabetização e letramento. De toda
forma, para refletir sobre o processo de alfabetização, é preciso considerar
suas variadas facetas. Por um lado, a alfabetização corresponde a um
processo de aquisição do código escrito, de habilidades de leitura e escrita,
envolvendo não só a representação de fonemas em grafemas (e vice-versa),
mas também o processo de expressão e compreensão de significados.
Observem-se a este respeito as seguintes afirmações:
a) Pedro já sabe ler e escrever.
b) Pedro já leu Monteiro Lobato e já escreveu um texto sobre este autor.
34
Refletir sobre o escopo diferenciado das duas afirmações acima obriga,
inevitavelmente, a reconhecer que a alfabetização vai além da conversão
grafofonológica. Por outro lado, é preciso também considerar os aspectos
sócio-culturais da alfabetização, ou seja, afastar-se de uma visão individualista
deste processo. Neste caso, a alfabetização será compreendida de forma
diferenciada, conforme o meio onde a criança está inserida e, sobre este ponto,
vale pontuar que as pesquisas sobre o alfabetismo funcional tencionam levar
em conta este aspecto, ou seja, as determinantes sócio-culturais da
aprendizagem.
Quanto à natureza do processo, a alfabetização tem sido vista como um
conjunto de habilidades fundamentadas em perspectivas psicológicas,
psicolingüísticas, sociolingüísticas e lingüísticas.
A abordagem psicológica enfatiza a relação entre inteligência e alfabetização.
Recentemente, o foco voltou-se para abordagens cognitivas, sobretudo no
quadro da Psicologia Genética de Piaget, baseado em sua teoria dos
processos de aquisição de conhecimento, voltando-se para a análise de
problemas, aproximando-se muito dos estudos psicolingüísticos: caracterização
da maturidade lingüística da criança para a aprendizagem da leitura e da
escrita, as relações entre linguagem e memória, a interação entre a informação
visual e não visual no processo da leitura, a determinação da quantidade de
informação que é apreendida pelo sistema visual, quando a criança lê etc.
O enfoque psicolingüístico nos estudos sobre a alfabetização ainda é pouco
difundido no Brasil, assim como a perspectiva sociolingüística da alfabetização,
que a estuda como um processo relacionado aos usos sociais da língua. É
nesta perspectiva que se coloca o problema das diferenças dialetais.
As variações dialetais podem interferir na alfabetização, pois determinam
diferenças entre os sistemas fonológico e ortográfico, e também diferenças de
léxico, morfologia e sintaxe. Isso colocado deve-se pensar que a alfabetização
não ocorre da mesma forma das várias regiões brasileiras.
Outro fator que determina diferenças na natureza do processo de
alfabetização é a classe social. As crianças que pertencem a uma classe social
mais favorecida e que convivem com falantes de um dialeto mais próximo à
35
chamada norma padrão terão seu processo de alfabetização ocorrendo de
forma diferente (as escolas valorizam as línguas escrita e falada mais próximas
da variedade padrão, pois as crianças adaptam-se mais facilmente às suas
expectativas em relação às funções e usos da língua) daquelas pertencentes a
classes mais populares, cujo dialeto é mais distante da língua escrita.
Além das diferenças dialetais, outro problema de natureza sociolingüística é
que as línguas oral e escrita servem a diferentes funções de comunicação, são
usadas em diferentes situações sociais e com objetivos diferentes, mas isso
não costuma ser alvo de reflexão durante o processo de alfabetização.
Vê-se, portanto, que o processo de alfabetização é fortemente influenciado
pela cultura e pelo meio onde a criança está inserida.
SOARES, Magda. Letramento em verbete, Belo Horizonte: Autêntica, 2000,
p.15-25,In Letramento, um tema em três gêneros.
Neste texto, Magda Soares abordou os termos alfabetização e letramento
numa tentativa de elucidar a diferença existente entre eles e também porque,
na época da publicação do texto, o termo letramento ainda era teoricamente
novo. Ainda hoje o significado desta palavra é pouco compreendida.
A autora cita Angela Kleiman quando refere que este termo foi usado pela
primeira vez por Mary Kato em seu livro No mundo da escrita: uma
perspectiva psicolingüística, editora Ática, escrito em 1986. Somente em
1988 é que, provavelmente, letramento ganha estatuto de termo técnico no
livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, Editora Pontes,
escrito por Leda Vediani Tfouni, onde a autora diferencia alfabetização de
letramento.
Em 1995 este termo aparece como título de um livro organizado por Ângela
Kleiman: Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a
prática social da escrita, Mercado das Letras.
Magda Soares coloca também que o surgimento de novos termos acontece
quando os já existentes não dão conta de explicar fatos, idéias ou mesmo
maneiras novas de se compreender os fenômenos. O que a autora coloca é
que termos como analfabetismo, analfabeto, alfabetizar, alfabetização, etc. já
não conseguiam definir todas as condições do sujeito em relação à leitura e à
36
escrita. Mostra que a palavra analfabetismo é definida no Novo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa como sendo “o estado ou condição de
analfabeto” e analfabeto como “o que não sabe ler e escrever”, assim como
letrado como sendo “aquele versado em letras, erudito” e iletrado como
“aquele que não tem conhecimentos literários”. Buscou o sentido da palavra
letramento na tradução para o português da palavra inglesa “literacy” cujo
significado é “o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e
escrever. Implícita nesse conceito está a idéia de que a escrita traz
conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, lingüísticas,
quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o individuo que
aprende a usa-la (...)”.
Aí podemos perceber que letramento é muito mais que alfabetização, ou seja,
aprender a técnica de como ler e escrever. “Letramento é o resultado da ação
de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire
um grupo social ou um individuo como conseqüência de ter se apropriado da
escrita”.
A diferença entre as duas definições fica bem clara: alfabetização é quando o
indivíduo apenas aprende a ler e escrever e não aquele que tem condições de
se apropriar da leitura e da escrita e de incorporá-las à prática social.
Neste texto a autora ressalta que somente saber ler e escrever não é mais
suficiente para enfrentar uma nova realidade que se apresenta na vida dos
indivíduos. É preciso, também, fazer uso, apropriar-se da leitura e da escrita,
incorpora-la às práticas sociais que delas dependem. Daí a necessidade do
surgimento de um termo que definisse essa situação nova do individuo, uma
vez que o termo alfabetização não dava conta disso.
Um exemplo citado pela autora é que no passado o Censo, na sua pesquisa,
perguntava se o indivíduo sabia escrever o nome para saber se ele era
analfabeto. Agora a pergunta que se faz é se ele sabe escrever um bilhete
simples. Neste exemplo fica evidenciado, mesmo que muito sutilmente, uma
tentativa de se medir o grau de letramento da população.
Por fim a autora reforça este conceito dizendo que uma pessoa pode ser
analfabeta por não ter tido oportunidade de aprender os mecanismos para
37
desenvolver essas habilidades, mas se vive em um meio onde a leitura e a
escrita estão presentes, ou seja, se ouve leituras de jornais, cartas, avisos, se
pede ajuda a alguém para escrever uma carta, ditando-a, utilizando vocabulário
e estrutura da língua escrita, pode-se dizer que esta pessoa é letrada, pois está
envolvida em práticas sociais de leitura e de escrita. Continua, dizendo que se
pode dizer o mesmo da criança que ainda não se alfabetizou mas que folheia
livros, brinca de escrever, ouve histórias, enfim, está em contato com material
escrito. Neste caso, também, pode-se dizer que esta criança é analfabeta, mas
que “(...) já penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrado”.
Novamente, na versão aqui apresentada do roteiro de leitura aparecerão, entre
parênteses, as capacidades de leitura enfatizadas por cada questão, as quais,
porém, não foram explicitadas na versão entregue aos professores, justamente
para permitir que também elas fossem alvo de nossas discussões posteriores.
Roteiro de Leitura
SOARES, Magda. As muitas facetas da Alfabetização. In: Alfabetização e
letramento. São Paulo: Contexto, 2006, p.13-25.
SOARES, Magda. Letramento em verbete. In: Letramento, um tema em três
gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p.15-25.
1) Qual o significado das palavras analfabeto e alfabetização, de acordo com
os textos lidos? (Localização de informações)
2) Defina a palavra “letramento”, indique sua origem e cite as idéias
concernentes a esse conceito. (Localização, comparação e generalização de
informações)
3) Comente a afirmação contida num dos textos: “...somente saber ler e
escrever não é mais suficiente para enfrentar uma nova realidade que se
apresenta na vida dos indivíduos”. Com base nas respostas anteriores a que
termo (alfabetização/letramento) se aplica esta afirmação? Por quê?
(comparação de informações e exploração da intertextualidade)
4) Ainda baseados nas duas primeiras respostas e também nos textos lidos,
destaque a diferença existente entre os processos de aquisição e de
38
desenvolvimento da línguagem (oral e escrita). (Localização e comparação de
informações/ exploração da intertextualidade)
5) Quais os aspectos levados em conta pela autora quando ela menciona no
texto o termo alfabetismo funcional? (Localização e generalização de
informações)
6) Você concorda que as variações dialetais possam interferir na
alfabetização? Explique. (Solicitação de apreciação relativa à extrapolação do
texto lido ao contexto profissional do leitor)
7) De acordo com a perspectiva sociológica, quais são os aspectos que
interferem na alfabetização? (Localização de informações)
8) Uma pessoa pode ser considerada letrada, mesmo não sendo alfabetizada?
Explique. (Generalização de informações/ síntese)
4º encontro (06/10): No quarto encontro, discutimos o modo como a teoria
socioconstrutivista, tal como desenvolvida por Lev Vigotski, compreende a
linguagem escrita e a relação entre desenvolvimento e aprendizado. Sobre este
último ponto, a noção de Zona de Desenvolvimento Proximal, ZPD, mereceu
destaque. Esta discussão foi feita por meio de uma apresentação, cujos slides
estão abaixo:
(Slide 1)
“Garantindo a todos o direito de aprender”: Uma visão socio-
construtivista da aprendizagem da linguagem escrita no ensino básico.
Perspectiva sócio-construtivista vygotskiana de ensino/aprendizagem
(Roxane H.R.Rojo)
(Slide 2)
Fracasso escolar: retenção e evasão
Letramento
39
(Slide 3)
LEI DA DUPLA FORMAÇÃO
“Todas as funções psico- intelectuais superiores aparecem duas vezes no
decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades
coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas; a
segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do
pensamento das crianças, ou seja, como funções intrapsíquicas” (Vygotski,
1933: 114).
Funções psico-intelectuais superiores
1ª. Atividades coletivas/sociais (funções interpsíquicas);
2ª. Atividades individuais como propriedades internas do pensamento da
criança (funções intrapsíquicas)
(Slide 4)
ZONA PROXIMAL DE DESENVOLVIMENTO (ZPD)
É a distância entre o nível de desenvolvimento real – que corresponde àquelas
funções psicológicas superiores que já estão plenamente desenvolvidas e,
portanto, resulta em tarefas que a criança consegue realizar sozinha - e o nível
de desenvolvimento potencial – que corresponde àquelas funções psicológicas
superiores que estão em desenvolvimento e, portanto, espelha-se em tarefas
para as quais a criança necessita da cooperação de um parceiro mais
competente.
(Slide 5)
INTERAÇÃO PESSOAL (interpessoal)
� Marca a diferença entre a teoria de aprendizagem de Vygotski e a de outros
autores; como Piaget, por exemplo.
� Conduz a construção do conhecimento que virá a ser o intrapessoal,
determinando o conhecimento real, autonomia, apropriação.
40
(Slide 6)
LINGUAGEM ESCRITA
Sistema de signos que simboliza as relações e as entidades reais;
É uma linguagem que significa.
(Slide 7)
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Diferentes linguagens, discursos ou fala (interna, externa oral, escrita) que se
organizam de modos diversos e se relacionam de maneira complexa.
(Slide 8)
FALA ESCRITA (dificuldades)
� Carece de entonação e de interlocutor;
� Representa uma simbolização de símbolos;
� Motivação é mais difícil;
� Surge depois da fala interna e é mais gramaticalizada;
� Está mais perto da fala interna que da externa;
� Associa-se aos significados, descartando a fala externa.
(Slide 9)
COMPARAÇÃO ENTRE AS TRÊS FORMAS DE LINGUAGEM (situação de
produção)
A relação enunciador/destinatário é o elemento básico que, para Vygotski,
diferencia as falas interna, externa e escrita.
A fala escrita não tem interlocutor: é dirigida a uma pessoa ausente ou
imaginária, ou a ninguém em especial (deve ser mais desenvolvida, mais
elaborada). É uma situação nova e estranha para a criança que tem de lidar
com o distanciamento da situação real.
(Slide 10)
COMPARAÇÃO ENTRE AS TRES FORMAS DE LINGUAGEM (natureza da
simbolização)
41
Na fala escrita a criança precisa se desligar do aspecto sensorial da fala e
substituir palavras por imagens de palavras
(A simbolização de imagens sonoras por signos escritos representa uma maior
dificuldade para a criança em relação à fala oral, que representa diretamente
as entidades e relação da realidade)
(Slide 11)
COMPARAÇÃO ENTRE AS TRES FORMAS DE LINGUAGEM
(motivação)
Na conversação todas as frases são motivadas (desejo, necessidades) e não
têm que ser conscientemente dirigidas;
Na escrita, a motivação é mais abstrata, mais intelectualizada e mais distante
das necessidades imediatas.
(Exceção são gêneros escritos primários, ou seja, aqueles ligados a instituições
sociais mais simples, em que há um alto grau de familiaridade e de
conhecimento compartilhado entre os interlocutores, tais como a agenda, o
bilhete ou a carta).
(Slides 12,13,14)
RELAÇÃO DOS DISCURSOS ORAL E ESCRITO COM O DISCURSO
INTERNO/PENSAMENTO VERBAL
� O pensamento condensa significados = fala interna.
� Fala externa = quando a fala interna se expressa em significantes sonoros.
� Relação da escrita com a fala interna é diferente da relação com a fala
externa (oral).
� Fala oral precede a fala interior no decorrer do desenvolvimento.
� A escrita segue a fala interior. A relação da linguagem escrita é com a
linguagem interna. Para escrever a criança precisa ter linguagem interna.
� Para Vygotski, tanto o pensamento verbal quanto a escrita não precisam da
materialidade sonora.
� Natureza da escrita baseia-se no significado: sua natureza é simbólica.
42
� Situação de produção (é o que conta) – a relação com interlocutor é diferente
no discurso interior e no discurso escrito.
� No discurso interior falo comigo mesmo (preciso de poucas palavras).
� Na fala escrita o interlocutor é desconhecido (escrita é extremamente
detalhada).
� Tanto a fala interna quanto a fala escrita são monogestionadas
(Slide 15)
APRENDER A ESCREVER É (perspectiva socioconstrutivista)
� Aprender novos gêneros (novos modos do discurso);
� Aprender novos modos de se relacionar com interlocutores;
� Aprender novos modos de se relacionar com temas e significados;
� Aprender novos motivos para se comunicar em novas situações.
(Slide 16,17,18,19,20)
10 PONTOS FUNDAMENTAIS PARA A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
Baseando-se nos pressupostos vygotskyanos, Rojo propõe:
I. A escrita construída em interação com a criança deve ser motivada: relevante
para a vida, necessária para a atividade em curso, desejada pela criança;
II. A escrita construída em interação com a criança deve ser uma prática, um
uso significativo da leitura e produção de textos, mais do que um ensino ou
uma técnica;
III. Como tal, ela deve se constituir como discurso (texto) significativo, inserido
numa situação de produção significativa, formatado num gênero, ao invés de
se manipular letras, sons e palavras;
IV. Os diversos discursos escritos (gêneros) construídos em interação com a
criança devem ser pensados em sua transição, num processo contínuo de
construção social;
V. A sócio-construção dos diversos modos de discurso escrito (gêneros),
negociada na interação, deve sempre ser informada por uma situação de
produção clara, explícita e, se possível, real ou realista;
43
VI. A sócio-construção dos diversos modos de discurso escrito (gêneros),
negociada na interação, deve levar em conta diferentes tipos de discurso e
organizar-se dos gêneros mais simples para os mais complexos;
VII. Na prática social dos gêneros em leitura e produção, estes se constituem
como grandes instrumentos para a construção de aspectos formais e
estruturais próprios do discurso escrito (grafia, ortografia, vocabulário, sintaxe,
tipos de texto);
VIII. A sócio-construção da (orto)grafia só não será mecânica e limitada a uma
alfabetização apenas funcional se inserida em práticas discursivas e usos
significativos de escrita;
IX. Na sócio-construção dos diversos modos de discurso escrito na interação,
os produtos obtidos deverão ser interpretados em termos de processo, i.é., em
relação com a fala interna/pensamento verbal que os originou;
X. Na sócio-construção dos diversos modos de discurso escrito na interação,
as atividades pedagógicas geradores de consciência e controle devem ser
praticadas e conduzidas no sentido da apropriação, da emancipação e da
autonomia.
Ainda neste encontro, foi distribuído aos professores o texto Um decálogo para
ensinar a ler e escrever de Dolz e Pasquier. Este texto postula dez princípios
que devem ser seguidos no ensino da língua materna e se constituiu, na
verdade, como inspiração para o decálogo proposto por Rojo, que foi discutido
na apresentação realizada neste encontro. Além do texto, os professores
receberam o questionário abaixo.
CONVERSANDO COM O TEXTO
Texto: Um decálogo para ensinar a escrever
1) Quais as diferentes situações de uso da língua que o indivíduo deve
conhecer para a produção de textos?
2) Quando e como a criança deve ser incentivada a produzir textos?
44
3) De acordo com o texto, o princípio de aprendizagem aditiva, no qual a
criança começa aprendendo letras,depois escreve palavras, frases etc. até
chegar aos textos não teve sucesso como método de ensino. Por quê?
4) Como a criança pode aprender a construir textos através do principio da
progressão espiral?
5) A progressão linear opõe-se à progressão em espiral. Em sua avaliação,
qual delas é a mais eficaz? Justifique.
6) Quais as justificativas para o ensino intensivo? Em que medida as
seqüências didáticas são adequadas a esse tipo de ensino?
7) Qual a diferença entre textos sociais e textos escolares? Quais as
implicações de cada um no ensino-aprendizagem da escrita?
8) Em que se baseia o método indutivo?
9) De que maneira os procedimentos de revisão e reescrita podem ser
ensinados? Por que isso é importante?
10) Quais as dificuldades encontradas pelo aluno para escrever um texto?
Você concorda com a posição dos autores?
11) Discuta a eficácia das listas de controle como forma de regulação interna e
externa.
12) Você acredita que a criança já nasce com o “ dom” da escrita? Explique.
A discussão deste questionário, visando à interpretação e compreensão do
texto, foi feita no encontro seguinte. Encerra-se, aqui, pois, a apresentação dos
resultados de nosso trabalho que, conforme anunciado anteriormente, objetivou
o planejamento e a execução da primeira parte da ação de formação realizada.
No próximo capítulo, teceremos nossas considerações finais acerca dos
encontros realizados e de quais foram, em nossa avaliação, os objetivos com
ela alcançados.
45
Capítulo 5
Considerações Finais
Para apresentar nossas considerações finais, deve-se recuperar, aqui, quais
eram os objetivos deste trabalho: planejar e executar os cinco primeiros
encontros da Ação de Formação para um grupo de professores da rede pública
de ensino do município de Barueri. Os resultados desta ação com os
professores, ou seja, como eles avaliaram a formação, o que construíram,
quais foram os ganhos e quais os pontos críticos a serem melhorados não
puderam ser alvo de nossa reflexão, uma vez que os resultados somente
poderiam ser aferidos quando esta ação se encerrasse e a data de
encerramento ultrapassava o prazo formal de que dispúnhamos para a
conclusão deste trabalho. Deste modo, o leitor deve ter claro que o que
apresentaremos, a seguir, assenta-se em observações de campo realizadas
que, por seu caráter impressionista, não têm pretensões de conclusão.
No primeiro encontro da ação, antes de passarmos à discussão dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, abrimos espaço para que os professores
apresentassem o que conheciam sobre os termos “alfabetização” e
“letramento”. A maioria dos presentes manifestou-se e declarou que
desconhecia o termo “letramento”. Em relação ao termo “alfabetização”,
conhecido evidentemente por todos, pedimos que tentassem defini-lo e, ao
fazê-lo, os professores apontaram questões relacionadas ao domínio do
sistema de escrita, mencionando que a alfabetização se relaciona ao
conhecimento das letras, às relações entre letras e sons, ao domínio da
ortografia, dentre outros aspectos similares a estes.
Os dados revelados pelos depoimentos dos professores reforçaram nossa
crença na necessidade de discutirmos com eles as relações entre alfabetização
e letramento, bem como de definirmos e problematizarmos a questão das
práticas de letramento. Estes eram os tópicos planejados para os encontros
subseqüentes e os depoimentos dos professores nos fizeram crer que
havíamos feito uma escolha acertada.
46
No segundo encontro, de modo a possibilitar a leitura dos textos que os
professores leriam nos encontros seguintes, bem como já iniciar sua formação
no que se referia ao trabalho com leitura, discutimos com eles quais são as
capacidades leitoras e o papel de cada uma delas para uma leitura proficiente.
Neste encontro, o que foi possível perceber coincidiu com o que esperávamos:
os professores conheciam bem as capacidades de decodificação e algumas
capacidades de compreensão, mas desconheciam capacidades como as de
comparação e generalização de informações ou exploração de explícitos. Em
relação às capacidades de apreciação e réplica, embora as desconhecessem,
os professores reconheceram sua importância e foram capazes de citar
atividades de leitura que as mobilizariam, como fazer questões sobre a relação
entre dois textos tematicamente similares ou sobre o autor e sua biografia.
Ainda a respeito das capacidades de leitura, um dado digno de nota é o
depoimento de uma das professoras que, no encontro seguinte, relatou que,
durante a semana, ao preparar uma avaliação para seus alunos, preocupou-se
em elaborar questões que mobilizassem outras estratégias de leitura que não
apenas a localização de informações, como ela fazia anteriormente.
O terceiro encontro, em sua primeira parte, foi dedicado ao papel social da
escola e revelou dados bastante interessantes. Durante a discussão das
respostas que os professores haviam dados às perguntas do questionário, foi
possível perceber que eles tinham clareza quanto ao papel da escola na
desmistificação de certos mitos, como, por exemplo, o da deficiência lingüística
ou o da existência de uma única variedade lingüística correta e aceitável. Em
suas colocações, os professores mostraram-se sensíveis à importância de
valorizar as demais variedades lingüísticas em uso por seus alunos, bem como
ao cuidado necessário para que não interpretem as diferenças lingüísticas
como determinantes de carências cognitivas e/ou culturais.
Em relação aos textos que tratavam especificamente das relações entre
alfabetização e letramento, a discussão do questionário relevou um dado
bastante curioso: embora os professores tivessem demonstrado, no 1º
encontro, um desconhecimento do termo “letramento”, ao lerem e discutirem os
textos, mostraram-se sensíveis a esta noção, relatando experiências de
47
trabalho em que priorizam a variedade de portadores e de gêneros discursivos,
bem como em que respeitam os elementos da situação de produção, quando
solicitam uma produção textual. Nosso trabalho foi, então, o de mostrar-lhes
que aquelas experiências promoviam o desenvolvimento de práticas letradas e
que, a despeito de desconhecerem o termo, suas práticas já revelavam uma
preocupação com o letramento.
Em relação ao quarto encontro, a apresentação e discussão dos slides
ocuparam todo o tempo do encontro, de modo que não foi possível abrir um
espaço para a discussão. No entanto, os professores mostraram interesse
pelas noções apresentadas e foram capazes de perceber que o modo como
Vygostsky propõe a relação entre discurso interno, discurso oral e discurso
escrito permite redimensionar as relações entre alfabetização e letramento, na
medida em que escrever é, desde o início, uma manifestação discursiva, na
qual os aspectos ortográficos não são prioritários. Entendemos, assim, que os
objetivos do encontro foram cumpridos.
Para o quinto e último encontro, como já apontado anteriormente, coube-nos,
apenas, a elaboração do roteiro de leitura que os professores usariam no
encontro. A discussão do texto e do roteiro não integraram os objetivos de
nosso trabalho, uma vez que teria início a discussão sobre “seqüências
didáticas”, tema de outra pesquisa.
Levando em conta a experiência dos encontros, foi-nos possível perceber que
os temas que elegemos para a formação foram acertados, indo ao encontro
das demandas dos professores. Além disso, o modo de organização dos
encontros, os textos utilizados, os expedientes empregados para a discussão e
o debate mostram-se eficientes, não apenas para levar os professores a
compreenderam a importância de um trabalho com o letramento, mas também
para sensibilizá-los da necessidade de terem na formação continuada um
objetivo constante de suas práticas profissionais.
Como já era previsto, os professores esperavam de uma ação de assessoria
fonoaudiológica escolar um trabalho bastante diverso daquele que foi por nós
empreendido. Embora isso indique que a maioria dos educadores ainda
48
mantém uma visão estereotipada e restrita das possibilidades de atuação
fonoaudiológica, vemos como extremamente positivo que estes professores
tenham tido a oportunidade de conhecer o trabalho que realizamos e
esperamos que possam, em suas práticas profissionais, disseminar a idéia de
que a Fonoaudiologia pode, em seu diálogo com a Educação, promover
mudanças efetivas na formação e na prática dos professores.
49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERBERIAN, Ana Paula Fonoaudiologia e educação: um encontro histórico.
São Paulo, Plexus, 1995.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º. e 4º. Ciclos do Ensino
Fundamental. Brasília: Secretaria da Educação Fundamental, 1998.
CAGLIARI, Luiz Carlos. O que é preciso saber para ler. In: Massini-Cagliari,
Gladis; Cagliari, Luiz Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 1999 a: 131-158.
___ A mediação do professor na alfabetização. In: Massini-Cagliari, Gladis;
Cagliari, Luiz Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas,
SP: Mercado das Letras, 1999 b: 217-226.
CALHETA, Patrícia Prado. Assessoria Fonoaudiológica escolar e letramento
infantil. In: Dauden, Ana Tereza Brant de Carvalho; Mori-de Angelis, Cristiane
Cagnoto (org.) Linguagem escrita: Tendências e reflexões sobre o trabalho
fonoaudiológico. São Paulo: Pancast, 2004: 175-185.
CALHETA, Patrícia Prado. Fonoaudiologia e educação: sentidos do trabalho
de assessoria a escolas públicas. In: César, Carla Patrícia Hernandez Alves
Ribeiro; Calheta, Patrícia Prado (org.) Assessoria e fonoaudiologia:
perspectivas de ação. Rio de Janeiro: Revinter, 2005: 103-115.
DOLZ, Joaquim; PASQUIER, Auguste. Um decálogo para ensinar a escrever.
In: Cultura Y Educación. Madri: Infancia y Aprendizaje, 1996. (Tradução
provisária de Roxane Helena Rodrigues Rojo)
FERREIRA, Léslie Piccolotto (org.) Temas de Fonoaudiologia. São Paulo,
Loyola, 1984: pp 5-6 (Apresentação).
GIROTO, Cláudia Regina Mosca. O professor na atuação fonoaudiológica em
escola: participante ou mero espectador? In: __ (org.) Perspectivas atuais da
fonoaudiologia na escola. São Paulo: Plexus, 1999: 25-42.
MORI-de ANGELIS, Cristiane Cagnoto. O que um fonoaudiólogo precisa saber
sobre o livro didático de língua portuguesa: contribuição à prática da assessoria
a escolas. In: César, Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro; Calheta, Patrícia
50
Prado (org.) Assessoria e fonoaudiologia: perspectivas de ação. Rio de Janeiro:
Revinter, 2005: 117-147.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Letramento e capacidades de leitura para a
cidadania. São Paulo: SEE: CENP, 2004.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: Uma perspectiva social. São Paulo:
Editora Ática, 1993.
SOARES, Magda. Letramento em verbete. In: __ Letramento: um tema em três
gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000: 15-25.
SOARES, Magda. As muitas facetas da alfabetização. In: __. Alfabetização e
letramento. São Paulo: Contexto, 2006: 13-25.