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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Mauro Alves da Costa Alteridade em Dissertação e Tese: o pesquisador frente aos teóricos DOUTORADO LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDO DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Mauro Alves da Costa

Alteridade em Dissertação e Tese: o pesquisador frente aos teóricos

DOUTORADO

LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDO DA LINGUAGEM

SÃO PAULO 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MAURO ALVES DA COSTA

Alteridade em Dissertação e Tese: o pesquisador frente aos teóricos

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção de título de doutor em Lingüística Aplicada e Estudo da Linguagem sob orientação da Profa. Dra. Elisabeth Brait.

SÃO PAULO 2008

BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

À minha mãe (in memoriam), Cynea, 75, mulher simples, sofrida, lutadora e alegre

que sempre se esforçou para que eu, e os demais irmãos (6) e irmãs (3), tivesse a

escolaridade;

Ao meu pai (in memoriam), Moacyr, 65, homem rude, trabalhador e alegre, que

sempre se esforçou para providenciar a comida e a escola para a família.

À minha mulher, Denair, 38, que apoiou a continuidade de meus estudos no

doutorado, apesar de todos os conflitos conjugais e dívidas financeiras.

Às minhas filhas, Nicoli, 12, e Paula, 6, e ao meu filho, Filipi, 5, que fiz sofrer por

cinco anos, para que se inspirem no pai que lutou para concretizar esse sonho.

Ao meu amigo, José Vollmer, padre, que não só meu ajudou na aprendizagem da

língua inglesa, mas esteve comigo em momentos difíceis, sempre me apoiando e

incentivando.

Aos meus alunos, sejam do ensino médio como do ensino superior, que

continuamente despertam em mim o gosto pela pesquisa, publicação e

comunicações em congressos.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que me deu a vida e a fortaleza para que eu pudesse enfrentar tantos

obstáculos para a conclusão do doutorado.

A Beth Brait, minha coordenadora e orientadora, que acreditou em mim e, sofrendo

junto, ajudou na formação de minha consciência de pesquisador.

Às professoras Maria Cecília Perez de Souza-e-Silva, Fernanda Coelho Liberali,

Maximina Maria Freire, Anna Rachel Machado, pela dedicação e atenção aos meus

estudos.

Ao CNPq, que possibilitou a continuidade no doutorado através da concessão de

bolsa de estudo.

Ao LAEL, que jamais esquecerei e que pretendo voltar para mais reflexões e

estudos.

Aos funcionários do LAEL, como Maria Lúcia e Márcia, pessoas que sempre me

compreenderam e me ajudaram no enfrentamento das dificuldades burocráticas.

Aos membros do grupo de pesquisa, Adail Sobral, Paulo Stella, Rosineide Mello,

Willian Cereja, Andréia e tantos outros que trilharam o mesmo caminho, com ritmos

diferentes, e fortaleceram a construção de minha consciência científica.

Ao Urbano e sua família, que me acolheu em sua casa nos momentos de dificuldade

financeira, que um dia eu possa retribuir esse carinho e atenção.

A Márcio Maieski, amigo de caminhada, com o qual dialoguei muitas vezes sobre o

tema de meu trabalho de pesquisa.

As pessoas que encontrei e dialoguei ao longo desses anos e que, de alguma forma,

contribuíram para eu chegar até aqui.

Pergunta e resposta não são relações (categorias)

lógicas; não podem caber em uma só consciência (uma e

fechada em si mesma); toda resposta gera uma nova

pergunta. Perguntas e respostas supõem uma distância

recíproca.

Mikhail Bakhtin

RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo sobre as formas de alteridade em

Dissertações e Tese à luz dos estudos enunciativo-discursivos de

Bakhtin e seu Círculo, e, de modo especial, do conceito de alteridade,

procurando identif icar as interações e as posições que o pesquisador

estabelece com os teóricos. O corpus do trabalho é constituído por

duas Dissertações e uma Tese. As Dissertações são da PUC-SP e

foram elaboradas em dois Programas de Pós-Graduação: Educação

(Currículo) e Lingüística Aplicada e Estudo da Linguagem — LAEL; e a

Tese, do Instituto de Estudos da Linguagem — IEL — da Unicamp. Os

textos, todos da década de 1990, foram separados em intervalos de

três anos (1993, 1996 e 1999) e tratam, sob diferentes perspectivas, de

um tema que tem sido relevante ao longo dos anos: a interação entre

professor e aluno na sala de aula. A metodologia tem duas dimensões:

uma dimensão quantitativa — coleta de dados para o corpus,

identif icação de autores citados, verbos dicendi e esquemas do

discurso citado direto e indireto — e uma dimensão de interpretação

dos atos l ingüístico-enunciativos do pesquisador frente aos teóricos.

Nessa dimensão, procuramos interpretar os papéis atribuídos aos

teóricos pelo pesquisador, a posição que este assume na interação

com aqueles, e o pesquisador que resulta dessa interação nas

Dissertações e na Tese. Dentre os resultados obtidos descobrimos que,

tanto nas Dissertações como na Tese, a interação do pesquisador com

os teóricos ocorre de forma diferenciada quanto à qualidade e à

quantidade. E dentre as conclusões, uma delas é que em cada

Dissertação e na Tese identif icamos um pesquisador que se construiu

na interação com os teóricos, seu outro.

Palavras-chave: Alteridade. Dissertação. Interação. Pesquisa. Pesquisador. Tese. Texto.

ABSTRACT

This work presents a study of alterity forms in research texts according

to the enunciative-discursive studies of Bakhtin, and in a special way

the concept of alterity, in order to identify the interactions and the

posit ions the researcher establishes with his other in academic genre,

dissertation and thesis. The corpus is constituted by two dissertations

and a thesis. The dissertations, which are from PUC (SP), were

elaborated in two Post-Graduations Programs: Education (Curriculum)

and Applied Linguistic and Language Study (LAEL); and the thesis,

from the Language Study Institute – IEL – (UNICAMP). The

methodology has two dimensions: a quantitative dimension data

organization, identif ication of authors, dicendi verbs and cited

discourse forms; and a dimension of interpretation of the researcher

interaction with his other in research texts. In these dimensions,

intenta to interpret the roles attr ibuted to the other by the researcher,

the posit ion that’s he assumes in the interaction with the other and the

researcher result ing from this interaction. The texts, al l from the 1990s,

were separated by a three-year interval (1993, 1996, and 1999) and

deal from different perspectives with, a very common theme that has

been relevant during these years, the interaction teacher-student in the

classroom. They are a representative sample for explaining the most

relevant aspects of the researcher interaction with the other in the

construction of the scientif ic text and about the main ways in which the

researcher “constructs” herself in the interaction with the other.

Keywords: Academic genre. Alterity. Dissertation Interaction. Research. Researcher. Thesis. Text.

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: NÍVEIS DE INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE ..... . . . . . . . . . . . . . . . . 17

QUADRO 2: VERBOS DICENDI .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

QUADRO 3 : NÍVEL DA COMPREENSÃO: OBJETIVO, QUESTÕES E

TÓPICOS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

QUADRO 4 : NÍVEL DA CLASSIFICAÇÃO: OBJETIVO, QUESTÃO E

TÓPICOS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

QUADRO 5 : NÍVEL DO ANALISAR: OBJETIVOS, QUESTÃO E

TÓPICOS. ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

QUADRO 6: NOMES DE TEÓRICOS NA INTRODUÇÃO ..... . . . . . . . . . . . . . . . 80

QUADRO 7 : TEÓRICOS E NÚMEROS DE OBRAS NAS REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

QUADRO 8: TEÓRICOS CITADOS NOS CAPÍTULOS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

QUADRO 9: TEÓRICOS CITADOS NAS CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

QUADRO 10 : EXPRESSÕES NA FORMAS ENCONTRADAS NOS

CAPÍTULOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

QUADRO 11 : NOMES DE TEÓRICOS E NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

QUADRO 12: TEÓRICOS MAIS CITADOS NOS CAPÍTULOS ..... . . . . . 117

QUADRO 13: EXPRESSÕES NA FORMAS ENCONTRADAS ..... . . . . . . 120

QUADRO 14: OS TEÓRICOS NO TESE ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

QUADRO 15: TEÓRICOS NOS CAPÍTULOS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

QUADRO 16 :EXPRESSÕES NA FORMAS ENCONTRADAS NOS

CAPÍTULOS..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

QUADRO 17 : TEÓRICOS QUE APARECEM FORA DE PARÊNTESES

.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

QUADRO 18: TEÓRICOS MAIS CITADOS NO CORPUS . . . . . . . . . . . . . . . . . 159

QUADRO 19: INTERAÇÃO E POSIÇÃO DO PESQUISADOR ...... . . . . . 161

QUADRO 20: CLASSIFICAÇÃO DO PESQUISADOR .... . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 QUADRO 21: VERBOS DICENDI MAIS USADOS NO CORPUS . . . . . . . 164

QUADRO 22: TEÓRICOS MAIS CITADOS NO CORPUS . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................... 20 1 O OUTRO EM BAKHTIN E SEU CÍRCULO ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2 O OUTRO EM TODOROV ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 3 A INTERAÇÃO VERBAL .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4 O AUTOR E O TEXTO..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 5 DISSERTAÇÃO E TESE .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 6 O OUTRO NAS FORMAS DE DISCURSO CITADO ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 6.1 Formas do discurso citado: direto e indireto .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 6.2 Variantes do discurso indireto e discurso direto .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 6.3 Verbos dicendi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA: CONSTRUÇÃO DE CAMINHOS...... . 68 1 O CAMINHO DA ESCOLHA DOS DADOS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 2 O CAMINHO DA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3 O CAMINHO DA TRÍADE OBJETIVOS-QUESTÕES-TÓPICOS ..... . . . . 71 4 O CAMINHO DOS RECURSOS..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 5 O CAMINHO DA ANALOGIA: O PESQUISADOR E A CLASSIFICAÇÃO DE TODOROV ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 6 O CAMINHO DO GÊNERO, DO QUALITATIVO E DO QUANTITATIVO.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

CAPÍTULO 3 – DISSERTAÇÃO E TESE: A CONSTRUÇÃO DO PESQUISADOR ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 1 PRIMEIRA DISSERTAÇÃO (1993): ESTUDO SOBRE A INTERAÇÃO PROFESSOR E ALUNO EM SALA DE AULA: AS PERGUNTAS DO PROFESSOR .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 1.1 O contexto de integração do outro ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 1.2 O nome dos outro no contexto .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 1.3 O outro nas formas de discurso citado .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 1.4 O outro nas referências bibliográficas.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 1.5 Posições do pesquisador na interação com o outro .... . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 1.5.1 Como o pesquisador integra o outro no contexto .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 1.5.2 Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto ..... 98 1.5.3 Qual o papel atribuído ao outro pelo pesquisador no texto .... . . . . 99 1.5.4 Que posições o pesquisador assume na interação com o outro. 101 1.6 A construção do pesquisador diante dos teóricos .... . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 1.7 Conclusões parciais ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .112 2 SEGUNDA DISSERTAÇÃO (1996): A EDUCAÇÃO FÍSICA FRENTE À EXCLUSÃO DO ALUNO CEGO ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114

2.1 O contexto de integração do outro ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .115 2.2 O nome do outro no contexto ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .116 2.3 O outro nas formas de discurso citado .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .119 2.4 O Outro nas Referências Bibliográficas.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 2.5 Posições do pesquisador na interação com o outro .... . . . . . . . . . . . . . . .124 2.5.1 Como o pesquisador integra o outro no contexto .... . . . . . . . . . . . . . . . .124 2.5.2 Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto .. .125 2.5.3 Qual o papel atribuído ao outro pelo pesquisador no texto ..... .125 2.5.4 Que posições o pesquisador assume na interação com o outro... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .126 2.6 A construção do pesquisador diante dos teóricos ... . . . . . . . . . . . . . . . . . .127 2.7 Conclusões parciais ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .133 3 TESE (1999): ESTUDO DA LÍNGUA FALADA E AULA DE LÍNGUA MATERNA: UMA ABORDAGEM PROCESSUAL DA INTERAÇÃO PROFESSOR/ALUNO ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 3.1 O contexto de integração do outro .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135 3.2 O nome do outro no contexto ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .137 3.3 O outro nas formas de discurso citado .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .140 3.4 O outro nas referências bibliográficas.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 3.5 Posições do pesquisador na interação com o outro .... . . . . . . . . . . . . . . .146 3.5.1 Como o pesquisador integra o outro no contexto .... . . . . . . . . . . . . . . . 146 3.5.2 Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto .. .147 3.5.3 Qual o papel atribuído ao outro pelo pesquisador no texto ..... .148 3.5.4 Que posições o pesquisador assume na interação com o outro... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .148 3.6 A Construção do pesquisador diante dos teóricos ... . . . . . . . . . . . . . . . . .149 3.7 Conclusões parciais ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .157

CONSIDERAÇÕES FINAIS.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 REFERÊNCIAS .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 ANEXOS ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 ANEXO A – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: VERBOS E VERBOS DICENDI ANEXO B – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: VERBOS E VERBOS DICENDI ANEXO C – TESE: VERBOS E VERBOS DICENDI ANEXO D – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: SUMÁRIO ANEXO E – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: SUMÁRIO ANEXO F – TESE: SUMÁRIO ANEXO G – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS ANEXO H – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS ANEXO I – TESE: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

11

INTRODUÇÃO

A alteridade é um dos temas mais signif icativos no estudo da

Linguagem. Dentre tantos estudiosos que contribuíram para a

compreensão desse tema, Mikhail Bakhtin se destaca por sua

capacidade de conduzir o estudo da alteridade não só na l inguagem,

mas para as Ciências Humanas. Esse pensador russo e estudioso da

l inguagem e do discurso desenvolveu com seu Círculo, formado por

Valentin N.Volochinov, Pavel N. Medvedev e outros1, concepções

inovadoras que deixaram um legado inspirador de uma gama de

trabalhos sobre temas l ingüísticos e discursivos, f i losóficos, estéticos

etc.

Considerada elemento constitutivo da l inguagem, escopo da

teoria dialógica do Círculo, a alteridade está presente numa

diversidade de trabalhos, de diferentes perspectivas. O Pesquisador e

seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas de Maríl ia Amorim (2001) é

um desses trabalhos, al iás pioneiro na abordagem do pesquisador e

seu outro. Dentre outras questões relevantes no estudo da alteridade, a

autora enfatiza a interação entre o pesquisador em Ciências Humanas

e o seu outro nos momentos em que constrói seu texto. Esse trabalho

tem servido de inspiração para outros.

Nosso trabalho também se situa no campo das Ciências

Humanas, e tem como corpus Tese e Dissertações construídas em

áreas do conhecimento das Ciências Humanas. Apresentamos um

1 FARACO, Carlos A. Linguagem e Diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba (PR): Criar, 2003, p.15. Nessa obra são listados outros nomes que participaram do Círculo, dentre eles Kagan, Kanaev, Yudina e Pumpianski.

12

estudo sobre a presença da alteridade nesses textos, a partir da teoria

dialógica do Círculo de Bakhtin.

A alteridade como concebida pelo Círculo apresenta uma

amplitude que pode está presente em uma diversidade de estudos.

Nesse sentido, duas razões determinaram a escolha desse tema. A

primeira é a importância do conceito de alteridade na obra de Bakhtin e

seu Círculo, para analisar a importância da interação do pesquisador

com seu outro em Dissertação e Tese na esfera acadêmica. E a

segunda é colaborar, com os resultados deste trabalho, para a

compreensão da alteridade em diferentes esferas e diferentes

modalidades de textos.

Essas razões foram construídas a partir de meu percurso

acadêmico nas discussões com pesquisadores em formação no LAEL,

como Adail Sobral, Paulo Stella, Wil l iam Cereja, Rosineide Melo, dentre

outros, orientados pela professora Beth Brait por ocasião dos

Seminários de Orientação sobre estudos bakhtinianos, ministrados no

Programa de Pós-graduação, entre os anos de 2004 e 2005.

Nessas discussões, cada mestrando ou doutorando apresentava

seu projeto para que os demais pesquisadores pudessem discutir com

ele o assunto e o problema da sua pesquisa. Além da possibil idade de

comparti lhar o projeto com os outros, o grupo mantinha como laço o

fato de que todos estavam fundamentando suas pesquisas em Bakhtin

(1895-1975) e seu Círculo e ocupavam parte de suas pesquisas a

examinar conceitos do Círculo. Durante as discussões, interagíamos

mediados por temas bakhtinianos, como palavra, enunciação, textos ,

dialogismo , alteridade e outros.

Com essa perspectiva f izemos a leitura cuidadosa de textos de

Bakhtin e seu Círculo. Nesse período - 2004 a 2005 - t ivemos a

possibil idade de estudar três textos: Marxismo e Filosofia da

Linguagem (1929), Estética da Criação Verbal (1953) e Problemas da

Poética de Dostoiévski (1963). Nesses textos, o conceito de alteridade

13

pode ser encontrado nas discussões apresentadas sobre autor (que,

para escrever seu texto, tem sempre consigo a resposta presumida do

seu outro), sobre a “interdiscursividade” (as vozes no texto l i terário) e

sobre discurso citado (discurso de outro presente no texto) etc.

Com a leitura e as discussões determinamos o objetivo do

trabalho como sendo observar a alteridade em textos do gênero

acadêmico. Esse foi o primeiro passo para iniciar este trabalho, que

reflete sobre o papel colaborativo de teóricos citados em pesquisas de

mestrado e de doutorado.

A segunda razão do estudo encontra um fio na interface com

nossa vida de professor e mestrando, entre os anos de 1997 e 2000.

Por essa razão, colocamos a seguir um breve histórico do processo de

inquietação e de descoberta vivenciado nesse outro período.

A descoberta ocorre ao longo de quatro anos (1997-2000),

quando lecionávamos a disciplina Metodologia Científ ica no curso de

Ciências Econômicas de uma universidade particular no Estado de

Santa Catarina. Naquele momento, considerávamos que o diferencial

entre o aluno de ensino médio e o do ensino superior era a

possibil idade de iniciação científ ica desse últ imo. Nesse período, e a

partir dessa consideração, desenvolvemos inúmeras discussões em

sala de aula a respeito de conhecimento científ ico e do trabalho do

pesquisador na sociedade. A discussão tinha como foco "t ipos de

conhecimento", como senso comum, mas com destaque para o

científ ico. Nas discussões, desvelavam-se aos poucos os vários

sentidos da ciência, do científ ico e do cientista na sociedade, os quais

se faziam presentes na voz e nos textos dos alunos, em sua maioria

oriunda de escola pública.

Os confl itos situavam-se naturalmente entre o que já estava

construído pelos alunos sobre aqueles assuntos e aquilo que o

professor apresentava em sala de aula. Mais tarde, os textos escritos

pelos alunos e as aulas transcritas pelo professor, transformaram-se

14

em corpus de pesquisa para investigar os sentidos de ciência e de

científ ico que estavam se presentif icando na situação de sala de aula.

O cruzamento dos vários sentidos sobre esses assuntos, na voz dos

alunos, determinou a pesquisa no Mestrado (1999-2001), que teve

como objetivo discutir a construção do sujeito científ ico/pesquisador.

Desde então, as formas de construção do pesquisador têm sido

perseguidas por nós, precisamente há dez anos. Essa inquietação

conduziu-nos à decisão de desenvolver um trabalho de doutorado que

continuasse o caminho temático do Mestrado em Educação, que seguiu

a análise de discurso de linha francesa de Michel Pêcheux, mas na

qual já aparecia o que podemos chamar de um recorte bakhtiniano2. O

foco era identif icar os enunciados que pudessem ser analisados como

discursos da ciência nos textos transcritos da gravação de aula.

Apesar de a escolha dos dados recair em textos científ icos,

faltava ultrapassar o obstáculo quanto a critérios de escolha: o que

poderia determinar a escolha dos textos? Que textos poderiam servir

ao trabalho proposto? O “grito de eureca” aconteceu durante um

processo complexo vivenciado com as leituras, os diálogos, as

orientações, as aulas e a solidão. Descobrimos que a questão da

interação professor-aluno em sala de aula constitui um assunto muito

encontrado nos diversos textos científ icos, tanto na área da Educação,

como na de Lingüística Aplicada e em várias outras.

Em Lingüística Aplicada e Educação, muitas Dissertações e

Teses abordam esse assunto sob diversas perspectivas teóricas e

metodológicas. Os bancos de dados das bibliotecas on-line de

Programas de Pós-graduação permitem essa constatação. Os três

Programas de Pós-graduação (Lingüística Aplicada e Estudos da

Linguagem da PUC-SP, daqui por diante LAEL, Instituto de Estudo da

2 COSTA, Mauro A. A Construção do Sujeito Pesquisador: o papel da intertextualidade na construção do discurso. Dissertação de Mestrado. Blumenau: FURB, 2001. Em várias partes do texto, recorremos a Mikhail Bakhtin para uma melhor compreensão do assunto, e, sobretudo, quando se aborda o Texto científico na relação com outro inserido nele.

15

Linguagem, daqui por diante IEL da UNICAMP e Educação: Currículo

PUC-SP) encontramos vários textos, que serão descritos adiante no

capítulo sobre a Metodologia. Selecionamos Dissertações e Teses

pertencentes à década de 1990, justamente a época em que as

questões da sala de aula foram enfocadas pelo viés das teorias de

interação. Selecionamos um texto de três diferentes anos, alternados,

da década.

O primeiro foi uma dissertação defendida em 1993 no LAEL, o

segundo também foi uma dissertação defendida em 1996 do Programa

Educação: Currículo; e o terceiro foi uma Tese defendida em 1999 do

IEL. Dessa forma, construímos um corpus representativo para estudar a

alteridade como objetivamos neste trabalho.

As Dissertações e a Tese foram então escolhidas pelo seu tema,

pois ele possibil i tou observar a presença da alteridade na construção

desses textos e do pesquisador em cada um deles. Na Dissertação

defendida em 1993 o foco é a interação professor-aluno em sala de

aula de língua inglesa. Na Dissertação defendida em 1996 é a

interação professor e aluno com deficiência visual em aula de

Educação Física. E a Tese defendida em 1999 trata da interação

professor-aluno em sala de aula de língua materna.

Nossa abordagem da interação é diferente daquela abordada nos

textos. A interação aqui estudada é a que ocorre entre o pesquisador e

os teóricos que fundamentam as Dissertações e a Tese. Ao discutir

seu assunto de pesquisa, o pesquisador traz à cena textual uma

diversidade de teóricos na forma de discurso citado. Na interação com

eles, o pesquisador realiza atos discursivos em que, por exemplo, usa

verbos dicendi para introduzir a voz do outro no seu texto, ora citando

um autor, ora citando outro etc. Em outras palavras, o pesquisador vai

interagindo com os teóricos, tendo como motivo a discussão do assunto

que aborda. A alteridade aí estabelecida colabora com o pesquisador

para a construção de seu texto e de si mesmo como pesquisador.

16

Diante disso, o objetivo geral deste trabalho é identif icar a

construção do pesquisador nas posições frente aos teóricos em

Dissertações e Tese. A abordagem tri lha o caminho da presença do

discurso do outro no texto. Para trabalhar esse objetivo, uti l izamos as

formas do discurso citado segundo Bakhtin e seu Círculo, no âmbito de

seu conceito de alteridade, tal como discutido em algumas de suas

obras. Pretendemos descobrir de que maneira a interação com o outro

é constitutiva do texto do pesquisador tanto nos momentos em que nela

é evidenciada uma posição diferente da assumida pelo pesquisador,

como nos momentos em que ela corrobora a posição do pesquisador.

Os objetivos específ icos em que se desdobra esse objetivo

geral são quatro e foram construídos a partir de três níveis:

compreender, classif icar e analisar.

No nível da Identif icação localizamos os teóricos e as formas de

discurso citado (marcas l ingüístico-enunciativas) para compreender as

formas de interação do pesquisador com os teóricos identif icados nas

Dissertações e na Tese. Após identif icar os teóricos, procuramos

classif icar o t ipo de interação do pesquisador com cada um deles nas

Dissertações e na Tese, o que entendemos como o nível da

Classif icação.

Quanto ao Nível da Análise construímos dois objetivos. No

primeiro analisamos o papel do pesquisador (Todorov) e observamos os

papéis que o pesquisador atribui aos teóricos citados nas diversas

modalidades de interação que desenvolveu com estes. No segundo,

discutimos como o pesquisador se posiciona na interação com os

teóricos que constituem seu outro. Nesse objetivo, o trabalho de

análise está voltado para a discussão das posições que o pesquisador

assume nas interações com os teóricos. No momento em que o

pesquisador introduz um autor no texto, ele também revela a posição

que assume diante desse autor.

17

Podemos, assim, i lustrar por meio do quadro abaixo como

constituímos os objetivos.

Quadro 1: Níveis de interpretação e análise

Compreensão Classificação Análise

Identif icar os teóricos citados.

Marcas l ingüísticas

Tipo de interação

O papel do pesquisador

A interação com os teóricos

As perguntas de pesquisa, por sua vez, foram construídas no

percurso da própria pesquisa de acordo com os níveis estabelecidos

nos objetivos de pesquisa.

a) Questões quanto ao nível da Identif icação:

Que teóricos são evocados nas Dissertações e Tese?

Qual o grau de freqüência dos teóricos em cada um dos três

trabalhos analisados?

b) Questão quanto ao nível da Classif icação:

Que posições o pesquisador assume com os teóricos na

interação?

c) Questão quanto ao nível da Análise:

Que pesquisador por analogia à classif icação de Todorov se

constrói em cada trabalho analisado?

18

Quanto ao tratamento da alteridade apresentamos dois sentidos:

amplo e restrito. O sentido amplo diz respeito ao entendimento da

alteridade como elemento inerente à natureza da l inguagem. Nenhum

ser humano sobrevive ou se torna sujeito sem interagir com o outro;

nascer, crescer e viver constituem uma tríade condicionada pela

interação com o outro. De forma análoga, o pesquisador também só se

constrói na interação com seu outro. Ao estudar um objeto de pesquisa,

o pesquisador conta com o outro - teóricos e leitores - para construir

seu texto. Com seus possíveis leitores, o pesquisador interage a partir

das reações presumidas; com os teóricos, o pesquisador interage para

fortalecer suas idéias a respeito do objeto estudado, seja usando-os

para corroborar seus pontos de vista ou como "outro" de que

discordam. Essas interações movimentam um processo dialógico que

resulta na construção de textos de pesquisa como Dissertação e Tese.

O sentido restrito diz respeito à diversidade da alteridade no

texto científ ico. Todo texto é produzido com a colaboração de variadas

vozes, nem todas identif icadas. Essas vozes revelam que o

pesquisador estabeleceu um processo de interação ao longo do

processo da escritura, seja em uma Dissertação ou em uma Tese. É o

caso do orientador, dos teóricos que fundamentam o trabalho, de

outros pesquisadores que integram o Grupo de Pesquisa com quem o

pesquisador comparti lhou a problemática estudada ou até mesmo

alguém externo ao trabalho do pesquisador. Assim, no caminho do

pesquisador rumo à conclusão do texto é possível interagir com uma

diversidade de outros e de várias maneiras. Neste trabalho, contudo,

escolhemos estudar o outro do pesquisador como os teóricos nas

Dissertações e na Tese.

O trabalho está dividido em quatro capítulos. O Capítulo I,

Fundamentação Teórica, apresenta os conceitos de Bakhtin e seu

Círculo, e Todorov. Esses teóricos colaboram com o trabalho por meio

de seus estudos sobre a alteridade, a interação, o autor e o texto.

Dentre os textos e obras de Bakhtin e seu Círculo, destacamos O Autor

e o Herói na Atividade Estética (1920-23) assinado Bakhtin, Marxismo e

19

Filosofia da Linguagem (1929) assinado V.N.Volochinov (mas na obra

traduzida e publicada no Brasil aparece Bakhtin/Volochinov) e

Problemas da Poética de Dostoievski (1929/1963) assinado Bakhtin. De

Todorov uti l izamos a obra A Conquista da América: a questão do outro .

O Capítulo II, Metodologia, é constituído pelos procedimentos

metodológicos que adotamos para cumprir nossos objetivos e buscar as

repostas que formulamos. Além disso, apresentamos os caminhos que

percorremos para construir a Tese.

No Capítulo III, realizamos as análises e discussões do corpus

e o intitulamos Dissertação e Tese: a construção do pesquisador .

Identif icamos o discurso do outro, a partir dos esquemas do discurso

citado proposto por Bakhtin e seu Círculo. Também recorremos à

identif icação dos verbos dicendi para observar como o pesquisador

introduz a voz dos teóricos no texto. Em seguida, desenvolvemos uma

discussão das posições que o pesquisador assume na interação com os

teóricos e fazemos uma analogia com a classif icação de Todorov.

Nas Considerações Finais , apresentamos os resultados

alcançados com a pesquisa. Nesta parte, retomamos os objetivos

delineados no início do texto e os confrontamos com os resultados

alcançados. Esclarecemos que a questão do outro, da interação, da

construção do pesquisador ainda merecem outros trabalhos, quiçá

numa perspectiva transdisciplinar.

20

CAPÍTULO I

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta parte apresentamos um recorte da teoria de Bakhtin e

seu Círculo a respeito dos conceitos de alteridade, interação, texto,

autor, discurso direto e discurso indireto, l inguagem, texto, temas

presentes em alguns de seus estudos. Também apresentamos a

classif icação de Todorov sobre a alteridade, construída a partir de seu

estudo da interação do estrangeiro europeu com os nativos latino-

americanos. Esse estudo é usado por nós, por meio de analogia, na

análise da interação do (a) pesquisador (a) com os (as) teóricos (as)

nas Dissertações e na Tese.

1 O OUTRO EM BAKHTIN E SEU CÍRCULO

A vida conhece dois centros de valor que são fundamental e essencialmente diferentes, embora correlacionados um com o outro: o eu e o outro.

Bakhtin

Para uma Filosofia do Ato

Bakhtin não dedicou uma obra ao conceito de alteridade. O

assunto é apresentado pelo pensador russo em diversos textos. Alguns

dos principais textos fundamentam nossa proposta.

No primeiro texto considerado — O Autor e a Personagem na

Atividade Estética (1922/2003) — Bakhtin desenvolve a alteridade

21

como o elemento constitutivo não só da l inguagem, mas, sobretudo, da

vida. O autor, em sua atividade, realiza uma interação com seu outro

por meio de um recorte valorativo, resultando desse ato l ingüístico a

sua obra.

No segundo texto — Problemas da Poética de Dostoievski

(1929/2002) — Bakhtin faz uma apologia de Dostoiévski por este ter

desenvolvido um texto polifônico paradigmático, no qual mostra a

capacidade do autor em enxergar um emaranhado de vozes dialogando

e, confirmando, assim, a realidade da alteridade na vida e no texto.

No terceiro texto — Marxismo e Filosofia da Linguagem

(1929/2002) — Bakhtin/Volochinov não só apresenta a alteridade como

o destino da palavra, mas também a apresenta sob a forma de discurso

citado, ou o discurso no discurso.

O eixo a ser usado nesta pesquisa é extraído do primeiro e do

terceiro textos e tem como foco o discurso do outro e o processo de

sua interação no texto. Nesse sentido, buscamos em Bakhtin e seu

Círculo um recorte discursivo-interacional, se assim podemos dizer,

para compreender a alteridade nas Dissertações e na Tese.

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929/2002, p.122), as

discussões desenvolvidas por Bakhtin/Volochinov a respeito do signo,

da enunciação e do discurso citado permitem identif icar formas de

presença do outro. No signo, o outro é refletido e refratado. Enquanto

refletido, o signo traz a ideologia do outro; enquanto refratado, o signo

pode ser interpretado pelo outro nas diversas experiências históricas e

contradições dos grupos humanos (FARACO, 2003, p.50). Tanto nesse

caso — refratado — como no outro — refletido —, o signo revela um

território do outro. A palavra “outro” não só reflete uma ideologia a seu

respeito, como também pode ser interpretada — refratada — a partir de

uma outra ideologia. Na enunciação, o outro é a condicionante.

Enquanto fruto da interação, a enunciação mostra em seu fio a

presença do outro. O enunciador quando realiza a enunciação tem em

22

mente o enunciatário, seu outro. Assim, ao dirigir sua palavra na

enunciação, o outro aparece como condição de existência da própria

enunciação.

No discurso citado, o outro aparece como “discurso no

discurso”. O locutor apreende o discurso do outro e o introduz num

dado contexto a partir de esquemas l ingüísticos, como o discurso direto

e o discurso indireto.

Em nosso trabalho, a abordagem da alteridade ocorre por meio

da interação do pesquisador com os teóricos nas Dissertações e na

Tese, identif icando os nomes, as formas de discurso etc. Através disso,

focamos como a alteridade (teóricos) vai sendo introduzida pelo

pesquisador e, dessa forma, tornando-se colaborativa, pois ela e o

pesquisador agem juntas sob um tema de pesquisa para estudá-lo,

esclarecê-lo e oferecer o resultado à comunidade científ ica.

No texto O Autor e a Personagem na Atividade Estética, Bakhtin

(1922/2003) escreve sobre as relações entre o autor e o herói. Desse

texto f izemos três recortes que podem contribuir para a compreensão

da alteridade e suas formas de presença no texto e na interação do

autor com ela. Bakhtin afirma que nossa vida é norteada pela presença

do outro:

A bem dizer, na vida, agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outros, tentando compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa própria consciência (...) em suma, estamos constantemente à espreita dos reflexos de nossa vida, tais como se manifestam na consciência dos outros (...) (p.35-36).

A alteridade é constitutiva de nossa vida. Por ela, vemos a nós

mesmos. Por ela, julgamos, agimos e somos. O outro é a razão de ser

de nossa existência. O fundamento de nossa fala é norteado pela voz

23

do outro. No que é interpretado a respeito de qualquer fenômeno,

existe sempre a presença e a colaboração do outro.

Entendemos que isso pode ser encontrado em Dissertações e

Teses, pois nesses gêneros acadêmicos o escrito é norteado de

maneira ainda mais específica pelo outro, seja imediato — Programa de

Pós-graduação, Orientador, Banca de Qualif icação — ou mediato —

demais pesquisadores que integram a área de conhecimento em que

está situado o texto, estudiosos da l inguagem etc. Nosso trabalho

aborda o outro como os teóricos que fundamentam o trabalho do

pesquisador.

Em Dissertação e Tese os teóricos ingressam de muitas formas,

como colaboradores do pesquisador para fundamentar o pensamento

deste últ imo a respeito de um assunto. O fato de usar o pensamento do

outro, o que pode acontecer por meio do discurso direto para

questionar, comparar, concordar ou polemizar, mostra que o

pesquisador pauta seu ato de l inguagem e sua visão de mundo pelo

outro.

O Autor e a Personagem na Atividade Estética (1922/2003) trata

do excedente de visão, dentre outros assuntos. Bakhtin aborda esse

conceito falando da contemplação: “quando contemplo um homem

situado fora de mim e à minha frente, nossos horizontes concretos, tais

como são efetivamente vividos por nós dois, não coincidem.”. Assim

como a visão de cada um sobre o outro é diferente em vista do lugar

que ocupam na situação — cabeça do outro, o rosto, a expressão —,

assim também é diferente o mundo que eles vêem. O mundo é o

mesmo, mas o que falo dele é condicionado pelo lugar ocupado tanto

por mim como pelo outro.

Compreendemos esse excedente como a fronteira que existe

entre o lugar do pesquisador e o lugar de seu outro. De acordo com

Bakhtin, e seu Círculo, cada sujeito tem o seu ‘ lugar único’ no contexto

social, e, deste lugar, se dirige ao seu outro.

24

Esse excedente constante de minha visão e de meu conhecimento a respeito do outro, é condicionado pelo lugar que sou o único a ocupar no mundo: neste lugar, neste instante preciso num conjunto de dadas circunstâncias – todos os outros se situam foram de mim. (p. 43)

Pensamos no outro do pesquisador como os teóricos que ele

referencia nas Dissertações e na Tese. A consideração do excedente

revela diferenças quando da abordagem de um determinado assunto e

que podem ser relacionadas também à qualidade da abordagem. Neste

caso, os teóricos que são referenciados pelo pesquisador podem, em

hipótese, apresentar melhor abordagem do que aquele que os

referencia, o pesquisador.

Bakhtin afirma que o excedente pode ‘completar’ o que o outro

não vê ou não “viu”, o que entendemos como um ato colaborativo entre

alteridades:

O excedente de minha visão contém em germe a forma acabada do outro, cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe t irar a originalidade. Devo identif icar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele (...). (p. 45).

Segundo Bakhtin (1922/2003, p. 23), as ações oriundas do

excedente de visão “podem ser infinitamente variadas em função da

infinita diversidade de situações da vida em que eu e o outro nos

encontramos num dado momento”. Dessa forma, o fato é que do lugar

25

tanto de um, neste caso, do pesquisador, como dos teóricos, podem ser

apresentadas interpretações diferenciadas.

Contudo, tanto o pesquisador como os teóricos nunca

conquistam um lugar de onde podem “ver” tudo sobre o que estudam.

Nesse sentido, Bakhtin, (1922/2003) faz um aceno para a humildade

científ ica.

(...) eu sei que sou um indivíduo tão l imitado quanto todos os outros, e que todo outro vivencia substancialmente a si mesmo de dentro, não se personif icando essencialmente para si mesmo em sua expressividade externa. (p.35).

Entendemos isso quando delimitamos um assunto de pesquisa.

Nesse momento, pomos l imites não só para a abordagem do que será

estudado como também para nós mesmos; ou seja, encaramos nossas

condições, sejam elas intelectuais, f inanceiras, temporais, espaciais,

polít icas e tantas outras. Dentre as l imitações, a nossa visão excedente

é l imitada pelo lugar que ocupamos numa determinada circunstância da

vida. Nesse sentido, o que produzimos de pesquisa — como todo

pesquisador — é uma visão parcial de um assunto estudado.

Uma outra l imitação é a que compreendemos como do

conhecimento. Consideramos que esta l imitação pode ser

compreendida de duas maneiras. Limitação como dif iculdade para

trabalhar de forma lógica, com profundidade, criatividade, rigor e

produtividade a respeito de um assunto. Essa l imitação pode ser

superada quando participamos atentos de aulas, leituras, orientações,

discussões etc, ao longo de alguns anos num Programa de Pós-

graduação ao nível de Mestrado e Doutorado; e l imitação como uma

atitude diante do saber contra a arrogância, talvez imortalizada pelas

palavras do fi lósofo Sócrates “Sei que nada sei”. Ninguém sabe ou

escreve tudo a respeito de tudo; ninguém sabe ou escreve tudo a

26

respeito de algo. Nossa palavra é delimitada pelo outro para quem

escrevemos.

Ela é um norte, uma direção, um destino delineado pelo outro

nos momentos em que escrevemos o texto.

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver l igada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc).

A palavra é dirigida a alguém que a possa compreender. A

compreensão vai ocorrer se o locutor, ao usar a palavra, dirige-a ao

seu grupo de identif icação. O grupo daquele que fala é socialmente

organizado, pois isso é condição para que a palavra encontre sentido.

Compreendemos que esse grupo pode ser uma comunidade

científ ica que orienta suas pesquisas à luz de uma l inha de pesquisa,

como a bakhtiniana. A palavra dir igida encontra aí o seu lugar, é

compreendida. Quando produz um trabalho científ ico, o pesquisador faz

um acordo com o leitor afirmando que o estudo que apresenta

encontra-se situado num lugar (grupo, comunidade, Programa de Pós-

graduação etc.) e esclarece sua base teórica. Isso possibil i ta identif icar

a quem se dirige a palavra e o sentido que ela tem quando é inserida

no texto.

Mas isso não impede que outros para além da comunidade

científ ica do pesquisador possam compreender o seu estudo. A palavra

está presente em todos e todos podem usá-la. Bakhtin (1929/2002)

afirma que ninguém está vazio de palavras. Segundo ele, somos

“plenos de palavras” e por isso temos a possibil idade de compreender a

palavra do outro.

27

Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado de palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar de ‘fundo perceptivo’, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra. (p.147).

Nesse sentido, entendemos que o pesquisador quando recebe a

‘palavra’ do teórico em seu texto, interpreta-a a partir de sua condição

intelectual. Essa condição está relacionada com a formação intelectual

e com a consciência do pesquisador, que tende a se posicionar diante

da palavra do teórico. Ele reage à palavra do teórico. E a reação à

palavra pode revelar as interações e posições que o pesquisador

constrói com o teórico. Essa reação pode ser de concordância ou

discordância, de afirmação ou complemento, dentre outras.

Cada um de nós apresenta-se com uma consciência repleta de

palavras. É por meio delas que reagimos à palavra do outro. Tais

palavras constituem o que construímos na interação com nosso outro,

de maneira particular, na interação com pesquisadores, com

orientadores, dentre outros, e que possibil i tam a reação ao nosso

outro. Além de “dar vida” ao outro no texto, a presença dele mostra que

o pesquisador estabelece uma interação, que pode ir além de sua

relação com um teórico. A voz do teórico no texto é a voz de muitos

teóricos que com ele comparti lham valores e idéias e, por essa razão,

sua voz é múltipla.

2 O OUTRO EM TODOROV

Todorov (1999) aborda a alteridade a partir do fato histórico.

Partindo do assunto “história da descoberta e da conquista da

28

América”, ele aborda a relação dos conquistadores com o outro, que,

neste caso, são os povos que habitavam a região do Caribe e do

México no século XVI. “Como se comportar em relação ao outro? O

único meio que encontrei foi contar um história como exemplo, a

história da descoberta da conquista da América”, esclarece Todorov.

Nesse estudo ele descreve os t ipos de relação que foram

desenvolvidos na relação com o outro, recaindo o interesse desta

pesquisa na quarta parte da obra de Todorov, intitulada Conhecer

(como o outro é conhecido?).

Nessa parte, são extraídas abordagens do autor que, a nosso

ver, permitem fazer analogias com questões que discutimos como a que

procura responder como ocorre a interação do pesquisador com os

teóricos, ou a questão que trata da posição assumida pelo pesquisador

na interação com o outro. À semelhança os colonizadores assumiram

algumas posições na interação com os nativos na América, assim

também, por analogia, o autor assume posições na interação com os

autores no texto. Evidentemente, são lugares e situações diferentes,

mas o próprio Todorov esclarece que usa a história para tratar da

relação (interação) com o outro3. Antes de Todorov, Bakhtin e seu

Círculo uti l izaram a atividade estética para estudar a interação do autor

com o outro. Essas formas de estudar a interação com o outro vão

contribuindo para aprofundar o tema da alteridade. As questões

levantadas por Todorov em sua obra sobre a interação com o

colonizador, ou seja, com os nativos americanos, podem contribuir para

nossa discussão.

Na primeira parte da obra A Conquista da América: a questão do

outro, Tzvetan Todorov (1999, p.3-4) esclarece que os outros podem

ser compreendidos sob diversas perspectivas.

3 Na contracapa Todorov diz que pretende responder a seguinte questão: “como se comportar em relação ao outro? O único meio que encontrei foi contar uma história como exemplo, a história da América. Ao mesmo tempo, essa pesquisa ética é uma reflexão sobre signos, a interpretação e a comunicação, pois o semiótico não pode se pensado fora da relação com o outro.”.

29

Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos. Esse grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os ‘normais’. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecidos, estrangeiros cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie.

Nessa descrição, Todorov apresenta algumas dimensões do

outro que discutiremos a seguir. São elas: o outro é distinto de mim,

mas ele também está em mim; o outro pode ser uma abstração ou

configuração psíquica; o outro como um grupo social dentro ou fora de

uma sociedade.

Em primeiro lugar, o outro pode ser distinto de mim, porém, ao

mesmo tempo, está em mim. Assim como por um lado, para que o eu

exista é necessário que exista também o outro, assim também no outro

existe o eu. Se o outro é concebido como uma determinada cultura,

podemos considerar que nela o outro e o eu estão misturados4, pois

nela encontramos vozes sociais que interagem e constroem os “eus”. A

cultura pode interferir não só nos hábitos do eu , mas também na visão

4 Algo semelhante diz Edgar Morin (2000, p. 211): “os indivíduos humanos produzem a sociedade em e pelas suas interações, mas a sociedade, enquanto emergente, produz a humanidade desses indivíduos, trazendo-lhes a linguagem e a cultura”.

30

de mundo do mesmo. É o caso exemplar de Gonzalo Guerrero que

Todorov trata na obra e é abordado mais adiante neste texto. Esse

personagem não só se misturou à cultura do nativo, como também se

incorporou a ela.

Em segundo lugar, o outro também é pontuado como “uma

instância da configuração psíquica de todo indivíduo” – “como o Outro,

outro ou outrem em relação a mim”. De acordo com Todorov (1999), o

outro é uma construção psíquica do indivíduo, algo como uma projeção.

É o indivíduo que cria a alteridade e com ela interage; por exemplo, no

período que precede as expedições marít imas, o imaginário de

indivíduos daquele contexto criava seres marinhos ou especulações

sobre os seres humanos que encontrariam em seus destinos até então

desconhecidos.

Por analogia, podemos considerar que ao escrever sua

Dissertação ou Tese, o pesquisador não tem certeza de como será a

recepção de seu trabalho em todos aqueles que fazem parte de sua

comunidade científ ica (o “encontro”), nem de outras comunidades afins.

E, muitas vezes, procura desenvolver previsibi l idades dessa recepção

enquanto escreve (“navega”) para o seu outro.

Em terceiro lugar, o outro pode ser “um grupo social concreto ao

qual nós pertencemos”, considera Todorov. Nesse caso, o eu interage

com uma diversidade de outros, pois vivemos numa sociedade

complexa que tem como característica fundamental a emergência de

grupos sociais. Nesses grupos, os indivíduos possuem padrões de

comportamento, acúmulo de experiências, visões de mundo dentre

outros elementos, que constroem a consciência do “nós” 5.

Contudo, na quarta parte da obra, intitulada Conhecer , em que

nos detemos mais, Todorov (1999) apresenta a partir de três eixos

como a alteridade se apresenta na interação: plano axiológico , plano

praxiológico e o plano epistêmico .

5 CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 2000, p.159.

31

O primeiro eixo trata de um julgamento de valor situado num

plano axiológico , onde o outro é avaliado como bom ou mau. Esse

plano é constituído por três dimensões: a do perspectivismo, a da

distribuição e a da neutralidade. Na dimensão do perspectivismo, o eu

parte da própria perspectiva do outro sobre si para desenvolver a

interação, na qual acontece ou um confronto da perspectiva, ou uma

relação com uma outra perspectiva. A dimensão distributiva ocorre

quando se entende que o outro é mais um no meio de tantos e, como

tal, tem seus valores (a cada um o seu valor). E a dimensão da

neutralidade, em que ocorre um distanciamento do eu na relação com

outro, permitindo que o outro decida os rumos de sua vida a partir dos

valores em que acredita, sem interferências externas.

No plano axiológico, Todorov (1999) i lustra a relação com o

outro a partir de uma personagem: Las Casas (1484-1566) 6. Las

Casas procura compreender a perspectiva do outro (perspectivismo),

defende-o e a seus valores diante de terceiros (distributivo) e,

f inalmente, entende que outro tem seu próprio caminho (neutralidade)

e, por isso, omite-se de qualquer ato que venha afetar a decisão do

outro. Compreender, defender e distanciar-se são ações de Las Casas

na interação com o outro.

No segundo eixo, Todorov (1999) trata da ação de aproximação

ou de distanciamento na relação com o outro; trata-se do plano

praxiológico . Destacam-se ali três elementos que se evidenciam na

relação com outro. O primeiro mostra a submissão do outro pela

imposição de uma imagem, i lustrada por Todorov (1999, p.233-235) na

personagem de Vasco de Quiroga7. Este constrói uma imagem e a

projeta sobre o outro; é um ato em que o outro é moldado de acordo

6 Tzvetan Todorov (1999, p.224) narra um pouco da biografia de Las Casas: “Las Casas passou uma série de crises , ou transformações, que o levaram a tomar uma série posições próximas, e contudo distintas, durante sua longa vida (1484-1566). Renuncia a seus índios em 1514, mas só se torna dominicano em 1522-1523, e esta segunda conversão é tão importante quanto a primeira. E uma transformação que nos interessará no momento: a que acontece no fim de sua vida, após seu retorno definitivo do México, e também após o fracasso de vários de seus projetos (...)”. 7 Vasco de Quiroga foi membro do poder administrativo do México e, mais tarde, torna-se Bispo católico de Michoacan. Acredita que o melhor modo de vida é aquele apresentado na obra Utopia do filósofo inglês Thomas More, em que todos vivem harmonicamente.

32

com o desejo e pensamento do eu que, neste caso, é o próprio Vasco

de Quiroga. Segundo Todorov (1999, p.234), Vasco de Quiroga, na

interação com os índios, “(...) vê neles, não o que são, mas o que quer

que sejam (...)”.

Assim, ao olhar o outro, cai-se no erro de enxergar somente a si

mesmo e não o fora de si. É uma ação que transposta para a arena da

pesquisa conduz a algumas reflexões a respeito do discurso citado e

da interação que estabelecemos com os teóricos que ingressam em

nossos trabalhos.

Nessa abordagem, queremos deixar claro, concordando com

vários outros pesquisadores, que nenhum olhar é neutro, ou seja, toda

vez que analisamos um objeto de pesquisa, nosso olhar é repleto da

voz do outro, constitutiva de nossa consciência. No entanto, chamamos

a atenção para os equívocos na interpretação da voz do outro ou na

tentação de reduzir nosso olhar aos aspectos previamente delimitados

e que, muitas vezes, impedem de encontrar algo novo na interação com

o outro (SOBRAL, 2005). Esses comportamentos podem se tornar um

ato de “tortura” cometido pelo pesquisador para com o corpus da

pesquisa e com os autores, no sentido de “ver” e “ouvir” o que eles não

podem revelar. Bakhtin (1930-40/2003, p.395), no texto Metodologia

das Ciências Humanas , ao tratar do objeto em Ciências Humanas,

afirma que este é “expressivo e falante” e, como tal, ele “(...) se auto-

revela” e, por isso, “não pode ser forçado e tolhido.”.

Outro elemento do plano praxiológico é o que aponta para a

identif icação do outro. O exemplo citado por Todorov (1999) é de

Gonzalo Guerrero8, que se incorpora à cultura e aos discursos do outro,

evidenciando isso no vestir e no dizer. Tal incorporação ao discurso do

outro não ocorre em período curto do tempo, ou seja, da “noite para o

dia”; pelo contrário, exige um tempo necessário de convivência para

8 Sofre um naufrágio em 1511 e vai viver com os índios. Ali se insere na cultura e chega a casar-se com uma índia. Perguntado se queria se unir às tropas espanholas, responde: “Fizeram-me cacique, e até capitão, em tempo de guerra, ora. Tenho o rosto tatuado e as orelhas furadas. Que dirão os espanhóis ao ver-me assim? E depois, vejam meus filhinhos, como são bonitos (...)”.

33

entender o outro, aceitá-lo e, assim, assumir sua posição diante do

mundo.

Bakhtin/Volochinov (1929/2002, p.114)9 afirma que “a expressão

exterior, na maior parte dos casos, apenas prolonga e esclarece a

orientação tomada pelo discurso interior — a perspectiva do

pesquisador —, e as entoações que ele contém”. Quando o pesquisador

fala no texto revela que em si encontra-se também a voz do outro,

como a voz de um teórico que fundamenta o trabalho de pesquisa.

Essa voz permeia o texto do pesquisador revelando que ele

desenvolveu uma longa e qualitativa interação com tal teórico.

No terceiro elemento abordado por Todorov (1999, p.239), o eu

adota parcialmente os valores do outro. O exemplo para esse ato é o

de Cabeza de Vaca10, como segue na citação abaixo.

Cabeza de Vaca adota os ofícios dos índios, e veste-se como eles ou f ica nu como eles, come da mesma forma que eles. Mas a identif icação nunca é completa: há uma razão “européia” para que o ofício de mascate lhe agrade, e orações cristãs em suas práticas de curador. Em momento algum esquece sua própria identidade cultural, e essa afirmação lhe serve de amparo nas provas mais difíceis.

Não existe uma identif icação total do pesquisador com seu

outro. Pois o autor está sempre parcialmente no texto. O ingresso do

discurso do outro no texto de pesquisa, nas várias formas de discurso

citado, mostra que o pesquisador estabelece interação com ele, mas

não é razão para afirmar uma identif icação de maneira absoluta.

Ingressamos o discurso do outro, mas não o outro totalmente.

9 BAKHTIN, M. idem, p.147; 10 Alvar Nuñez Cabeza de Vaca é um conquistador que, durante expedições desastrosas, vê-se obrigado “a viver com os índios, e como eles”, diz Todorov. Após conflitos com seus superiores é preso e faz dois relatos que mostram a interação que teve com os índios.

34

O terceiro eixo está situado no plano epistêmico . Todorov (1999,

p. 223-224) considera que nesse eixo “não há, evidentemente, nenhum

absoluto, mas uma gradação infinita entre os estados de conhecimento

inferiores e superiores”. Ou se conhece muito o outro (grau superior)

ou pouco se conhece (grau inferior). É o plano em que a identidade do

outro é ignorada ou conhecida. Na primeira dimensão o exemplo

escolhido por Todorov é Diego de Landa11; e na segunda, ele seleciona

dois exemplos, com particularidades muito signif icativas: Diego Duran12

e Bernadino de Sahagún13.

O pesquisador cuja ação se assemelhar a de “Diego Durán”

deseja conhecer o outro para fazer- lhe oposição com todo rigorismo.

Esse conhecimento tem sua fonte nos l ivros. Todorov (1999, p.249)

informa que Diego Durán não queimava l ivros, pois acreditava que ali

estavam informações relevantes para conhecer o outro. Sua narrativa

sobre o outro depende da leitura de escritos.

Vamos relacionar essa ação de ignorar o interpretado/escrito

com o que Bakhtin (1922/2000, p.88) afirma na obra Questões de

Literatura e de Estética: a teoria do romance, a respeito do discurso

fundante na f igura judaica. Segundo o pensador russo, “apenas o Adão

mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda

não desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar por

completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio para o

objeto”. A partir desse olhar, a palavra se encontra permanentemente

envolta de sentidos que resultam da interação intersubjetiva. Isso vai

11 Franciscano, bispo e autor de um dos mais importantes documentos sobre o passado dos maias: Relación de las cosas de Yucatán. Queima livros sobre os índios, afim de que não haja nenhum vestígio de suas práticas religiosas e para que, ao mesmo tempo, o cristianismo não encontre obstáculos para ser adotado enquanto religião. Por outro lado, também resolve, ele mesmo, escrever sobre os índios. 12 Nasce na Espanha, mas vai viver no México com cinco anos. Torna-se dominicano – Ordem Religiosa fundada por São Domingos – e escreve, entre os anos 1576 e 1581, a obra História de lãs Índias de Nueva Espana e Islãs de la Tierra Firme, publicada somente no século XIX. Sua postura se resume no seguinte: para eliminar o paganismo é preciso conhecê-lo. 13 Nasce na Espanha em 1499, estuda na Universidade de Salamanca e ingressa na Ordem Franciscana. Em 1529 chega ao México e aí permanece até sua morte, em 1590. “A atividade de Sahagún, um pouco como a do intelectual moderno, tem duas grandes orientações: o ensino e a escrita”, comenta Tzvetan Todorov.

35

conduzindo ao entendimento de que nenhum interpretado ou escrito é

resultado de um só, mas da interação de dois ou mais sujeitos.

Outra ação é a de Bernardino de Sahagún, também abordado

por Maríl ia Amorim (2001), que procura conhecer o outro para falar

dele sem fazer-lhe oposição. Todorov (1999, p. 268) informa que

Bernardino Sahagún decidiu aprender a língua dos índios para falar

deles. Esse ato torna-se mais signif icativo quando considerado numa

perspectiva de compreensão (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/2002,

p.147), em que a língua é o reflexo das relações estáveis dos falantes

de uma sociedade em um determinado contexto. Sahagún, ao aprender

a língua dos índios, também se banha na ideologia deles, mesmo que

parcialmente. Contudo, diferente de Durán, ele procura fazer um relato

objetivo do outro, no sentido de descrever e relatar o que viu, sem

impor uma imagem ao outro ou conhecê-lo para destruí-lo.

3 A INTERAÇÃO VERBAL

O texto é uma produção humana condicionado pela interação

da mesma natureza. Somente a interação humana produz o texto e,

num processo dinâmico, complexo e colaborativo, estabelece-se uma

cadeia ininterrupta de textos. Essa cadeia aproxima os falantes em

todas as situações sociais e em todos os tempos, nos quais interagindo

uns com os outros, produzem novos textos.

A interação, dentre outros conceitos, é um processo que

envolve pergunta (uma ou mais) e resposta (uma ou mais) entre

sujeitos num determinado contexto verbal ou extraverbal. Tanto a

pergunta como a resposta pode vir de um locutor como de um

interlocutor. Porém, como entende Bakhtin e seu Círculo, ninguém

nunca está sozinho; há sempre o eu e o outro para a constituição de

qualquer ato, seja este l ingüístico ou de pensamento etc.

36

Assim, um autor, ao escrever seu texto, está respondendo a

perguntas presumidas do seu interlocutor — seu outro. O interlocutor,

por seu lado, pode apresentar respostas ao autor. Neste caso,

pensamos nos teóricos referenciados e encontrados nos textos

científ icos. Eles estão ali porque têm respostas para o pesquisador-

autor.

A interação é um ato solidário, no sentido de ser realizado

junto com o outro. Por isso, torna-se difíci l aceitar alguma posição que

defenda o texto — fruto da interação — como algo monológico ou fruto

absoluto do interior de um sujeito.

A interação produz a enunciação que emerge do processo

interacional, seja este oral ou escrito. Bakhtin afirma que a enunciação

é tanto uma fala num contexto verbal escrito particular, como uma

obra/l ivro que ingressa numa cadeia i l imitada de outros enunciados

dessa magnitude. Ela “constitui uma fração de uma corrente de

comunicação verbal ininterrupta”, afirma Bakhtin/Volochinov

(1929/2002, p.123). Nenhuma enunciação é uma i lha perdida em algum

lugar desconhecido por todos. Isso é uma i lusão ou entendimento que

se distancia da compreensão de l inguagem como fenômeno social,

histórico e cultural. A dif iculdade em identif icar o sentido de um

enunciado não é justif icativa para dizer que ela é um elemento vago no

meio de um contexto. Ela é sempre social e o contexto social a colore

de sentido.

A interação também produz a palavra. E, como produto da

interação, a palavra é uma propriedade pública. Não é propriedade

privada nem do locutor nem do interlocutor. Mas, é possível ocorrer

engano, i lusão ou equívoco em acreditar que a palavra é propriedade

absoluta de alguém. Nesta pesquisa, entendemos a l inguagem como

uma construção da interação humana e, dessa forma, a palavra emerge

de um processo interacional ativo e reativo.

37

A palavra, por si só, pode ser entendida como uma aliança

entre o eu e o outro. Ou, nas palavras de Bakhtin/Volochinov

(1929/2002, p.113): “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre

mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na

outra se apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum

do locutor e do interlocutor”. Ela não pertence totalmente a nenhum dos

dois – locutor e interlocutor —, ela é social.

O social organiza o individual. O que é interpretado/escrito

para o outro num determinado contexto terá mais possibil idade de

encontrar sentido ou recepção se aquele que diz estiver sintonizado

com o contexto para o qual dir ige a sua palavra. O que ocorre dentro

de si, de sua consciência, interage com o “fora” de si. Por outras

palavras, a expressão exterior e a expressão interior são dimensões do

sujeito que interagem permanentemente.

Nenhuma enunciação é produto da natureza individual, mesmo

porque esta é resultante do social, como entende Bakhtin e seu

Círculo. A consciência individual é uma construção coletiva, ela não

nasce com o sujeito, como o cérebro humano. Ela se constrói num

determinado contexto social.

Nesse sentido, o que é expressão do interior do sujeito tem

uma relação indissociável com o exterior. A interação entre o sujeito e

o seu contexto realiza naquele uma marca condicionante de sua

expressão não só interior como também exterior. Bakhtin/Volochinov

(1929/2002, p.111) afirma que a expressão interior do sujeito é

resultante da interação que mantém no contexto social, ou seja, com o

exterior.

A atividade mental tem suas fronteiras delimitadas pelo

“território social”, como conclui Bakhtin/Volochinov (1929/2002, p. 117):

A personalidade que se exprime, apreendida, por assim dizer, do interior, revela-se um produto total da

38

inter-relação social. A atividade mental do sujeito constitui, da mesma forma que a expressão exterior, um território social. Em conseqüência, todo it inerário que leva da atividade mental (o conteúdo a exprimir) à sua objetivação externa (a enunciação) situa-se completamente em território social.

Ao produzir a enunciação, o texto e a palavra, estabelecemos

uma interação, seja num âmbito restri to, como um grupo de pesquisa,

seja num âmbito mais amplo, como uma comunidade científ ica, um

auditório que possa nos ouvir. Mas isso está condicionado à adaptação

que o meu escrito faz para ser compreendido. Finalmente, “pode-se

dizer que não é tanto a expressão que se adapta ao nosso mundo

interior, mas o nosso mundo interior que se adapta às possibil idades de

nossa expressão, aos seus caminhos e orientações possíveis”

(BAKHTIN, 1929/2002, p.118).

Contudo, em vez de um dualismo entre o interior e o exterior

do sujeito, Bakhtin/Volochinov (1929/2002, p. 123) pensa em

dialogismo. Como entende o autor, “pode-se compreender a palavra

‘diálogo’ num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação

em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação

verbal, de qualquer t ipo que seja.”. Assim, o dialogismo transcende o

diálogo face a face para atingir outros horizontes sociais, para além de

uma situação imediata e concreta. Tais horizontes estão repletos de

sentidos que dialogam num processo contínuo e renovador da

comunicação.

O l ivro é um elemento da comunicação verbal que interage

como integrante na arena de ações e reações de l inguagem sobre a

diversidade de assuntos e sentidos no contexto histórico, social e

cultural. Bakhtin/Volochinov (1929/2002, p.123) diz que “ele responde

alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções

potenciais, procura apoio etc.”. Enfim, o dialogismo bakhtiniano

39

identif ica um processo interacional ininterrupto entre os sentidos

presentes numa diversidade de situações em que se produza texto.

Finalmente, a interação é um agir t ipicamente humano condicionante de

todo processo l ingüístico. Ela é uma via de mão dupla entre o locutor e

o interlocutor; por ela que o sujeito é feito e pode contribuir com a

construção do outro, e vice-versa. A interação está em contínua

evolução, À semelhança a língua. E esta se encontra em “processo de

evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social

dos locutores”, como esclarece Bakhtin (1929/2002, p.127).

Assim como a língua, a interação nunca termina; ela se

material iza numa diversidade de textos, orais e escritos, formando e

transformando a todos que neles falam. É o caso das Dissertações e

Tese. Nesses textos encontramos o outro, o teórico e o pesquisador, e

interação que eles estabelecem.

4 O AUTOR E O TEXTO

Bakhtin e seu Círculo, quando abordam o conceito de autor,

apresentam uma distinção entre o autor-pessoa e o autor-criador do

texto escrito. Em trabalho de 2005, Carlos Alberto Faraco afirma que o

autor-pessoa é crivado de valores que foram construídos socialmente e

que, no momento em que atua como autor-criador na construção de um

texto, realiza um recorte axiológico desses valores. Assim, se na vida

encontramos uma gama de eventos, sejam eles culturais, polít icos,

sociais ou científ icos, o autor-pessoa, imerso nesse contexto, faz um

ato de recortar e refratar um ou mais aspectos desses eventos para

construir seu texto, ou seja, para materializá-lo em sua obra, conforme

estuda Carlos Alberto Faraco (2005) no texto Autor e Autoria.

Neste trabalho, consideramos o autor-criador como o

pesquisador que criou seu texto num determinado gênero —

dissertação e tese —, deixando nele suas posições a respeito de algum

40

evento, neste caso, de caráter l ingüístico, educacional e científ ico, e

que realizou tudo isso na interação com o outro. Nesse sentido, o

pesquisador não só mostra a sua posição sobre um dado evento (que

em nosso trabalho é a interação professor-aluno em sala de aula), mas

também a do grupo no qual está inserido e que, para nós, pode ser o

seu grupo de pesquisa alinhado com um paradigma de sua área de

conhecimento.

Dentre os textos que abordam o autor, podemos destacar O

Autor e o Herói na Atividade Estética; O Problema do Conteúdo, do

Material e da Forma na Criação Literária; O Discurso na Vida e o

Discurso na Arte e Problemas da Poética de Dostoievski . Em cada um

deles Bakhtin faz emergir um conceito de autor que congrega em si

tanto a dimensão social como a dimensão individual.

A dimensão social do autor diz respeito ao grupo que representa

no momento em que, no seu texto, revela sua postura axiológica,

harmonizada com uma ideologia, a respeito do tema que apresenta.

Essa postura refrata no texto quando da abordagem do objeto

estudado.

A dimensão individual aponta para o caráter singular do autor.

Apesar de ele representar vozes sociais — a voz do outro, o mundo do

outro —, ele, e só ele, pode assinar o seu texto. Talvez o maior

exemplo disso seja encontrado em Dostoiévski, e é o próprio Bakhtin

quem sustenta que a assinatura faz valer a singularidade do autor

quando afirma categoricamente que esse autor é o criador do romance

polifônico. Além disso, Bakhtin fr isa que Dostoiéviski foi quem levantou

a inconclusibil idade humana (FARACO, 2005, p.46), isto é, a idéia do

humano como não concluído, acabado.

No texto escrito, autor e leitor se encontram. O horizonte, tanto

do autor como do interlocutor, é integrado no momento da produção de

seu escrito. Não se trata de um encontro empírico; o outro se encontra

com o autor nos momentos das articulações das palavras, dos

41

enunciados, enfim, nos momentos nem sempre l ineares e nem sempre

recursivos da escritura da obra. Afinal, a palavra se dirige sempre para

outro, e ele participa como uma espécie de “fundo perceptivo” sobre o

qual a palavra será recebida (AMORIM, 2001, p.122). Assim, o autor,

tanto l iterário como científ ico, se constrói e constrói seu texto numa

interação colaborativa, onde ocorrem negociações de sentidos.

Outros elementos sobre autor em Bakhtin (1920/2003, p.10)

podem ainda ser considerados. O primeiro é que o autor “é o agente da

unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da personagem e

do todo da obra”. Ele realiza suas ações na obra que produz e nela é

entendido como autor. Enquanto ela existir, ele é compreendido como

autor. É só na interação com ela que o autor é encontrado.

Outro elemento é aquele em que Bakhtin afirma que o autor é

aquele que cria a obra como um “dom”, uma dádiva. Ela é algo dado ao

outro. Não como algo sobrenatural, mas como construção humana e

gerada na consciência criadora do autor com seu outro colaborador.

Essa consciência, entretanto, possui um horizonte construído a partir

do contexto social e da esfera de atividade do autor.

A obra do autor tem uma direção específica, determinada pelo

contexto e pela interação que ele estabelece durante a escritura da

obra com aqueles que ingressam em sua esfera de ação social e em

sua consciência. É um ato impresso e como tal configura-se como “um

elemento da comunicação verbal” que “depende, como qualquer outra

interação verbal, da recepção ativa e da esfera em que se dá sua

produção, circulação e recepção” 14. Como escreve Bakhtin (1929/2002,

p.112), “a palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa

desse interlocutor”.

No caso de autor do gênero acadêmico, o pesquisador dir ige a

sua palavra a sujeitos da sua esfera e realiza um diálogo com os

teóricos a partir da leitura de obras que colaboram na construção de 14 BRAIT, B. Interação, Gênero e Estilo. In: PRETI, Dino (org.). Interação na fala e na escrita. 2.ed. São Paulo: Humanitas (FFLCH/USP), 2003, p.125-157.

42

seu recorte teórico. Diálogo que resulta em Dissertação ou Tese que,

por sua vez, dialogam com outras obras, inserindo-se, assim, num “elo

na cadeia da comunicação discursiva; como a réplica do diálogo, a

Dissertação e a Tese estão vinculadas a outras obras-enunciados: com

aquelas às quais ela responde, e com aquelas que lhe respondem”,

afirma Bakhtin (1952/2003, p.279).

O pesquisador, como autor-criador, ao escrever seu texto

estabelece interação com seu outro a partir de algumas condições

requisitadas não só pela esfera científ ica (como o rigor na l inguagem

científ ica), mas também pela comunidade científ ica – o Programa de

Pós-graduação – e o Grupo de Pesquisa em que trabalha diretamente.

Enfim, pelo seu grupo humano no qual ele assume posições a respeito

de seu objeto de pesquisa. É deste lugar que ele cria sua obra.

Na verdade, as atividades que o ser humano realiza com o outro

ao longo da vida resultam em texto. E todo texto é produzido em

contextos (época), seja ele social, cultural, polít ico etc. Diante disso,

estudando o texto podemos compreender o ser humano e seu contexto.

No ensaio O Problema do Texto na Lingüística, na Filologia e

em outras Ciências Humanas (1959-60/2003) 15, Bakhtin apresenta

inúmeras considerações sobre o texto em pesquisas que se

desenvolvem nas Ciências Humanas.

Uma delas diz respeito ao texto como objeto de estudo exclusivo

das Ciências Humanas. De acordo com Bakhtin (1974/2003, p.395), o

objeto dessas Ciências apresenta diferenças em relação ao objeto de

estudo em Ciências Naturais. Enquanto nessas últ imas entendemos

que o objeto de estudo não fala e nele não encontramos sujeitos — a

energia na Física ou os elétrons na Química não falam e não são

sujeitos —, nas Ciências Humanas ocorre o oposto. Nessas

encontramos sujeitos que dialogam e podem deixar seus diálogos em

textos escritos. Os sujeitos podem dialogar sobre a energia ou os

15 Idem.

43

elétrons — objetos mudos — e registrar seus diálogos em um artigo

científ ico, um trabalho de dissertação ou uma tese.

Outras condições relacionadas ao texto do pesquisador são a

estrutura, o tema e o esti lo do texto, e o gênero — que pode ser a

Dissertação e a Tese. A estrutura diz respeito à organização e aos

elementos que compõem o texto, que podem ser a introdução, o

desenvolvimento, a conclusão – integrantes da estrutura do texto nesse

gênero. O tema é o que é apresentado no texto e que mostra o sentido

do mesmo. O esti lo é o t ipo de l inguagem uti l izada no texto, que pode

ser formal, r igorosa, vulgar, condicionado pelo contexto, pela situação

e pelo lugar em que se encontra o pesquisador.

A estrutura do texto comporta, no gênero dissertação e tese,

uma padronização aceita, de maneira geral, pelos pesquisadores da

esfera científ ica nas diversas comunidades científ icas. A comunidade

científ ica de LA do LAEL apresenta uma estrutura do texto científ ico

(cf. site do Programa de Pós-graduação – Dissertações e Teses) a qual

todo pesquisador é orientado a seguir, seja este mestrando ou

doutorando, para a organização de seu texto.

O tema, por sua vez, está relacionado à l inha de pesquisa

assumida pelo pesquisador, na qual ele, e outros pesquisadores

desenvolvem trabalhos, ancorados em propostas teórico-

metodológicas. Na l inha de pesquisa Linguagem e Trabalho, uma

dessas propostas é a que fundamenta as pesquisas a partir de uma

análise dialógica que, neste trabalho, tem seu fundamento teórico em

Bakhtin e seu Círculo.

O esti lo diz respeito, dentre outros elementos, às escolhas de

palavras que o pesquisador faz quando interage com o leitor. Quando

escreve, o pesquisador tem um norte que colabora na produção de seu

texto, como a estrutura composicional proposta pelo Programa a que

ele pertence. Se por um lado ele procura se apoderar da l inguagem

científ ica, com rigor acadêmico e coerência, por outro ele sempre

44

interpreta ou discute seu objeto de pesquisa de um lugar teórico, fatos

que determinam palavras e sentidos. Seu olhar sobre algum assunto

ocorre a partir do olhar de outros. Ao abordar a alteridade no texto

científ ico, partimos do que registrou Bakhtin e seu Círculo, nas obras

que chegaram até nós. Assim, as palavras ditas e não-ditas e o

extraverbal podem ser identif icados nesta tese e se sintonizam com a

teoria bakhtiniana.

Uma outra consideração aponta para o outro no texto. Como

objeto de estudo em Ciências Humanas, o texto revela a alteridade

falante. É um objeto que além de ser falado16, é também falante. É possível não só falar dele para terceiros, como também “ouvir” o que

ele tem a dizer no texto.

Mas quem fala no texto? De acordo com Bakhtin (1974/2003,

p.308), em todo texto encontramos sujeitos. Um desses sujeitos é autor

do texto, entendido como aquele que criou o texto e o dir igiu para o

seu interlocutor. Esse últ imo e o autor colaboram (cooperam, são

parceiros etc.) para construção do texto, pois, nesse ato de l inguagem,

o interlocutor interage com o autor por meio de suas idéias e posições

sociais previamente conhecidas pelo autor. Assim, o texto é um objeto

de pelo menos duas consciências, a do autor e a do interlocutor.

Em outra consideração, Bakhtin enfatiza que em vista de o texto

ser um lugar de sujeitos, consciências, enfim, do lugar de diálogo, ele é

o dado primário da pesquisa em Ciências Humanas. Desse ponto de

vista, para pesquisar a l inguagem e sua trajetória, e tantos outros

temas das ciências humanas, temos necessariamente que partir do

texto. O texto se torna, nesse sentido, o início, meio e f im de todo

estudo que tenha relação com o humano.

E como algo humano o texto está em toda parte. Nesse sentido,

Bakhtin (1974/2003, p.319) se refere àquela “parte” em que vive e

16 Marília Amorim (informação verbal). Curso ministrado entre os dias 29/08/05 e 02/09/05 na disciplina Teoria Lingüística: Questões de Pesquisa a partir da Teoria Bakhtiniana no Programa de Pós-Graduação de LAEL da PUC-SP.

45

convive o sujeito, o terreno interindividual. Ao perguntamos algo ao

objeto de estudo das ciências da natureza, ele não responde; mas se

perguntamos a nós mesmos, chegamos a alguma resposta. O diálogo

entre nós resulta sempre em texto. Dessa forma, o campo de pesquisa

com texto se dissemina por todo o ambiente humano.

Nesse ambiente, podemos identif icar o texto sob diversas

formas. É possível exemplif icar o texto como um quadro de pintura,

uma música, uma foto, um l ivro, etc. Em cada um desses e de outros

possíveis exemplos de textos podemos identif icar o outro. Num livro,

considerado em que gênero foi escrito, (científ ico, l i terário) podemos

descobrir em primeiro lugar o autor e aqueles para quem ele escreveu,

ou seja, o seu leitor.

Nesta pesquisa, trabalhamos com Dissertações e Tese. Nesses

textos encontramos o pesquisador e aqueles que interagem com ele.

Encontramos na Dissertação e na Tese o pesquisador recorrendo

constantemente aos teóricos para f irmar uma idéia, discutir outra,

propor um novo caminho, enfim, identif icamos uma interação que é

como defendemos nesta tese, colaborativa. Os teóricos que ingressam

no texto de uma dissertação ou uma tese, pela “mão” do pesquisador-

autor, assumem algum tipo de papel que, para nós, seja ele qual for, é

sempre colaborativo.

Os textos desses gêneros contêm algumas particularidades que

merecem uma abordagem à parte. É o que faremos a seguir.

5 DISSERTAÇÃO E TESE

Nesta parte vamos apresentar uma caracterização do corpus

como gênero acadêmico. Essa caracterização permite o conhecimento

46

de onde estamos “pisando” ou “mexendo” e como, neste trabalho,

entendemos esse gênero e o que nele estudamos.

Ao longo da vida realizamos uma diversidade de ações e

interações que ocorrem tanto no ambiente onde tivemos o nosso

“berço”, na família, como fora desse ambiente, no bairro na escola, na

universidade, dentre outros. O fato de acompanhar o estudo dos f i lhos

em casa, de participar de uma celebração religiosa (missa, culto etc.)

na igreja do bairro, de lecionar numa universidade, dentre outros

exemplos, são algumas ações que podemos realizar na sociedade em

que vivemos. Nessas ações acontece sempre a interação verbal. Tanto

na família, em diálogos cotidianos (entre pai e f i lha para esclarecer

dúvidas em tarefa escolar), t ipicamente informais, até à universidade,

com as formalidades da academia (preencher diários de classe,

orientar relatório de estágios, participação em banca de TCC etc.),

usamos a língua.

Na interação com os outros fazemos uso da língua de diferentes

formas. Uma conversa de fi lho para mãe ou pai, ou com um outro

parente, na privacidade da casa, não é a mesma que a conversa de

aluno para professor, ou deste para com um diretor de escola, num

ambiente escolar. Enquanto um fi lho numa conversa com seu pai em

sua casa poderia perguntar: “e aí, pai, como foi seu dia com aquela

turma de bagunceiros da escola?”, um professor, ciente de sua posição

social, numa conversa com o diretor poderia afirmar: “diretor a turma

do primeiro ano tem se comportado de maneira indisciplinada durante

as aulas de f i losofia.”. No primeiro exemplo, a expressão “e aí, pai”

pode ser previsível em ambiente famil iar, por parte daquele que a

enuncia (o f i lho) e no ambiente (famil iar) no qual eles se encontram

(pai e f i lho). No segundo exemplo, no entanto, ela seria pelo menos

estranha ou não previsível (“e aí diretor”, “e ai professor”). Esses são

alguns exemplos em uma diversidade de outros que mostram que o uso

da língua se diferencia de acordo com as ambiente, ações e interações

que realizamos nas diferentes esferas de comunicação.

47

As esferas são contextos onde se realizam ações e interações

de l inguagem. A família e a universidade são esferas, respectivamente,

íntimas e públicas. Nelas usamos a l inguagem de diferentes formas. Se

na intimidade da família usamos uma l inguagem informal (“e aí, pai”, “e

aí, f i lho”) e predominantemente oral, na universidade usamos uma

l inguagem predominantemente escrita. Nesses exemplos podemos

sinalizar para os gêneros.

O gênero é uma forma padrão de enunciado que ocorre com

certa regularidade em diversos campos da ação e interação verbal.

Assim, na conversa em ambiente famil iar, na conversa com alguém

num ponto de ônibus, na ação de dar aula, na escritura de um texto de

dissertação ou tese nos apropriamos dos gêneros. De acordo com

Bakhtin (1953/2003, p.301) — como segue abaixo — usamos os

gêneros orais e escritos para “falar”.

Para falar, uti l izamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo. Possuímos um rico repertór io dos gêneros do discur-so orais (e escritos). Na prática, usamo-los com segurança e destreza, mas podemos ignorar totalmente a sua existência teórica.

Os gêneros da oralidade são i l imitados e ocorrem em todas as

esferas sociais. Falamos por meio de gênero oral na esfera famil iar, na

esfera escolar, enfim, em todo ambiente onde se encontram sujeitos

que interagem ou dialogam face-a-face. Assim como a atividade

humana é variada e inesgotável, ampliando as esferas sociais, assim

também os gêneros da oralidade são i l imitados e acompanham as

mudanças nas esferas.

48

Os gêneros da escrita, por sua vez, são l imitados. Falamos mais,

escrevemos menos. Bakhtin (1953/2003, p. 301) afirma que “esses

gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a língua

materna, que dominamos com facil idade antes mesmo que lhe

estudemos a gramática.”. Nesse gênero ocorre com freqüência o

controle social, uma vigilância objetiva, consciente e sistemática

(FARACO, 1992, p. 23) sobre o que é escrito (do interpretador do

jornal, do próprio jornalista, do próprio escritor, do publicitário, de

orientadores de trabalhos acadêmicos, etc.). Enquanto no gênero oral

podemos pronunciar a palavra numa variedade de modos, como pela

entonação ou sotaque, no gênero escrito ela é grafada por um único

modo (ortografia).

Os gêneros também são entendidos como primários e

secundários. Os gêneros primários são relacionados ao discurso da

oralidade, da comunicação verbal cotidiana nas diversas esferas

sociais, onde eles se apresentam em infinita variedade. Os gêneros

secundários, por sua vez, são relacionados ao discurso da escrita,

como um jornal ( impresso ou on l ine), um art igo científ ico, uma

dissertação, uma tese, um livro etc. Os dois t ipos de gêneros com suas

heterogeneidades específicas e guardadas suas diferenças nas

esferas, interagem de uma forma complexa, eles não são indiferentes

uns aos outros.

Os gêneros secundários incorporam textos do gênero primário.

Os gêneros secundários são representativos do mundo cotidiano, e

esse mundo encontra-se em devir (MACHADO, 2001, p.154), nada nele

está acabado. De acordo com Bakhtin (1953/2003, p.263) os gêneros

primários, vinculados às circunstâncias do real, perdem tal

característica quando incorporados aos gêneros secundários.

No processo de sua formação eles [gêneros secundários] reelaboram diversos gêneros primários, que se formaram nas condições da comunicação

49

discursiva imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, ai se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios.

Dessa forma, os gêneros secundários, mesmo com suas

elaborações complexas (escrita), não estabelecem um corte radical e

definit ivo com os gêneros primários. Os dois t ipos de gêneros se

complementam, combinam-se, enfim, dialogam. Trata-se de uma

vinculação intergenérica que constitui a riqueza dinâmica da l inguagem

num mundo em devir.

Neste trabalho, abordamos o gênero acadêmico Dissertação e

Tese, situado na esfera científ ica. Essa últ ima se caracteriza pela

produção e circulação do conhecimento científ ico na sociedade por

meio de artigos (para apresentação em congresso, para uma revista

científ ica etc.), por meio de Dissertação de mestrado e de Tese de

doutorado. Os sujeitos que trabalham nessa esfera encontram-se

comprometidos com instituições de pesquisa (CNPq, Capes), com

universidades e em grupos de pesquisa nos Programas de Pós-

Graduação.

Os textos que foram selecionados para constituir o corpus deste

trabalho situam-se, como evidenciado, na esfera acadêmico-científ ica,

mas em áreas do conhecimento diferentes. Uma Dissertação de

Mestrado situada na área da educação e uma outra juntamente com a

Tese de Doutorado, situada na área da Lingüíst ica Aplicada e Estudo

da Linguagem. Além de se constituírem como trabalhos científ icos, eles

também abordam um mesmo tema, ou seja, a interação professor-aluno

em sala de aula.

Nesse tema, a Tese e as Dissertações encaminham-se

diferentemente no estudo. Enquanto um texto enfatiza a pergunta do

professor na aula de língua inglesa (de agora em diante primeira

50

Dissertação), o outro se atém à relação do professor com o aluno

portador de deficiência (de agora em diante segunda Dissertação). O

outro texto já estuda a relação em sala de aula para construir um

modelo de aula (de agora diante Tese). Podemos perceber que o tema

nos textos recebe um norte de acordo com a área de conhecimento do

trabalho científ ico e isso também pode ser identif icado a partir dos

títulos desses trabalhos.

Na primeira Dissertação, o título é Estudo sobre a interação

professor e aluno em sala de aula: a perguntas do professor. Na

segunda Dissertação, o título é A educação física frente à exclusão do

aluno cego . E na Tese, o título é Estudo da língua falada e aula de

língua materna: uma abordagem processual da interação

professor/aluno. É possível perceber que o tema relacionado a uma

área de conhecimento — lingüística aplicada e educação — e a uma

esfera — a científ ica — traz consigo os matizes relacionados a isso e

mais as coerções do gênero ao qual se produz o texto.

Entretanto, o tema expressa sentidos diferentes nos textos, com

linhas de pensamentos diferentes e, por conseguinte, com

interpretações diferentes.

Isso ocorre porque o tema se encontra em comunidades (grupos)

científ icas diferentes (mas nem tanto), talvez grupos de pesquisa com

linhas de trabalho (teóricos mais estudados) diferentes e em contextos

de pesquisa diferentes. Para se ter uma idéia as referências

bibliográficas (cf. Anexos) dos três textos são diferentes, mesmo

abordando o mesmo tema. Exemplo disso é o fato de não encontrarmos

nenhum autor referenciado num texto que seja também referenciado

nos outros, até mesmo nos textos que pertencem à mesma área de

conhecimento, ou seja, a l ingüística aplicada, a repetição de teóricos

não ocorre. Dessa forma, podemos entender que o tema em todos os

textos do corpus expressa sentidos diferentes que emergem do estudo

realizado.

51

Como não é nosso objetivo neste trabalho discutir como cada

texto aborda o tema, paramos aqui e vamos tratar da estrutura de cada

texto. Nosso objetivo é apresentar uma caracterização do corpus

enquanto gênero acadêmico.

A estrutura de cada texto apresenta mais semelhanças do que

diferenças.

As semelhanças se mostram nos sumários da segunda

Dissertação e da Tese e no índice geral da primeira Dissertação (cf.

Anexos). Nos três textos identif icamos as três partes essenciais do

trabalho científ ico nesse gênero acadêmico, ou seja, a introdução , o

corpo do trabalho ou desenvolvimento — constituído de capítulos — e

as considerações finais (ou conclusões, ou conclusão). Na Tese o

termo apresentação encontra-se no lugar do termo introdução, porém o

texto apresenta os elementos que devem constitui essa parte, como foi

mostrada acima.

Na introdução dos textos identif icamos os seguintes elementos:

breve contextualização do problema da pesquisa, mostrado por meio de

uma revisão da l iteratura, ou uma contextualização da pesquisa, que

situe o que se pretende pesquisar; os objetivos do trabalho; as

intenções do autor, os procedimentos para o desenvolvimento do

trabalho etc. Fizemos alguns recortes em cada texto desses elementos,

como segue abaixo.

Na primeira Dissertação

a) Contextualização:

“Concordamos com os autores aqui mencionados, quando eles afirmam que a sala de aula tem um papel fundamental na aprendizagem de uma L2 /LE. Além dos motivos apresentados aqui, temos ainda uma outra forte variável, no caso de LE no Brasil, ou seja, a sala de aula como a única fonte de ‘ input’, ou

52

oportunidade de interação na língua-alvo a que aprendizes têm acesso”. (p.4).

Os “teóricos” a quem se refere a autora na primeira Dissertação

foram abordados em páginas anteriores à pagina desse recorte.

b) Objetivo do autor:

“O que nos interessa é observar o processo de aprendizagem que vem ocorrendo em nossas salas de aula.” (p.7).

Na segunda Dissertação

a) Contextualização:

“A exclusão dos deficientes visuais das relações sócio-educacionais é entendida como um processo produzido pela sociedade, em determinados momentos na história. Este processo se dá através dos afazeres concretos. Desta forma, embora a construção da exclusão, nas suas mais variadas manifestações, esteja de acordo com a formação da nossa sociedade — a sociedade capital ista — ocorre o surgimento de contradições inerentes a esta relação social, que traz no seu bojo, o germe da transformação.” (p.3).

b) Objetivo do autor:

“O meu interesse particular pelo estudo dos problemas relativos à deficiência visual, no âmbito da Educação Física, surgiu da necessidade de compreender situações colocadas durante a minha prática profissional como professor de Educação Física para portadores de deficiência visual (...)” (p.4).

53

No texto 3

a) Procedimento para o desenvolvimento do trabalho

“O estudo exploratório desenvolvido nas primeiras etapas da pesquisa — entre 1994 e 1995 — foi o bastante para que percebesse tanto a pertinência da análise baseada nos aspectos a que me referi anteriormente como sua insuficiência. Em outras palavras, tendo em vista a especif icidade de uma aula de língua materna, confirmei a viabil idade de comparar os dados obtidos com base nas dimensões que havia arrolado, mas, pelo mesmo motivo, identif iquei a necessidade de que fosse proposta uma tipologia para a interação em situação didática.” (p.9).

b) Objetivo do autor

“A motivação original para a elaboração deste trabalho foi a de investigar as ações didático-discursivas realizadas na aula de língua materna.” (p.9).

O corpo do trabalho nos textos é formado por capítulos que

organizam o conteúdo do texto. Na Tese são sete capítulos; na

segunda Dissertação são quatro capítulos e Na primeira Dissertação

também são quatro capítulos. Os capítulos são intitulados de acordo

com o estudo desenvolvido em cada texto, sem apresentar

semelhanças entre si na nomeação dos capítulos (cf. Anexos -

Sumário), à diferença da estrutura apresentada pelo autor Fábio

Appolinário, citado acima, que apresenta após a introdução os

elementos método e resultados . Mas, é uma estrutura semelhante a dos

demais teóricos que dizem que nesta parte o conteúdo é organizado em

forma de capítulos. Para mostrar como isso ocorre apresentamos

abaixo um recorte de cada texto.

54

Primeira Dissertação

Capitulo 1 – O PAPEL DO “INPUT” NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA/LINGUA ESTRANGEIRA

Segunda Dissertação

Capítulo 1 – A DEFICIÊNCIA VISUAL

Tese

Capítulo 1 – OS ESTUDOS SOBRE O ENSINO DE PORTUGUÊS

Contudo, identif icamos semelhanças em itens dos capítulos, ou

seja, nos subcapítulos. Na primeira Dissertação, o capítulo quatro,

intitulado “Apresentação e Interpretação dos Resultados” e constituído

por quatro subcapítulos, apresenta uma relação direta com o tema do

estudo. Os subcapítulos tratam essencialmente da interação professor-

aluno em sala de aula e seus títulos são: “a ocorrência de pseudo-

perguntas ou genuínas”; ”negociação de signif icado”; “a resposta do

aluno” e “o ‘ fol low-up” . Na segunda Dissertação, no capítulo quatro,

intitulado “As Relações Pedagógicas”, também identif icamos o bojo do

tema estudado — interação professor-aluno. Os dois subcapítulos

apresentam “o professor e o aluno deficiente visual” e “o professor de

educação física”, analisando e discutindo as interações entre o

professor e o aluno em sala (de educação física). Na Tese encontramos

a essência do tema nos capítulos 2 e 3, intitulados, respectivamente,

“as interações em língua materna: objeto de estudo e de ensino” e “por

uma tipologia em sala de aula”.

Apesar dessas semelhanças a l inha de orientação para estudar o

tema, em cada texto é diferente, como foi abordado anteriormente.

Nas considerações finais identif icamos nos textos uma retomada

dos pontos marcantes do trabalho e o “fechamento” do texto por meio

55

de conclusões e questionamentos do pesquisador. Abaixo seguem

recortes de como isso ocorre nessa parte dos textos.

Primeira Dissertação

Considerando que a análise dos blocos interativos, desenvolvida no capítulo 4, teve como base os pressupostos teóricos dos capítulos 1 e 2, seria necessário, aqui, uma retomada que estabelecesse uma relação entre esses pressupostos e as conclusões a que chegamos a partir da análise dos dados. (p.173).

Ao que nos parece, os professores se sentem os detentores do poder na sala de aula. Talvez o que eles não tenham consciência é que apesar de terem autoridade perante os alunos, esses detêm uma parte do poder, na medida em que possuem a habil idade de resistir à autoridade do professor, através de uma recusa de aprender o que o professor pretende ensinar. (p.175).

Segunda Dissertação

O professor que ministra aulas de Educação Física nas escolas do ensino regular é um dos seus principais responsáveis pela exclusão destes alunos. Entretanto, se existem professores que se uti l izam dos mais variados mecanismos reforçadores desta exclusão, tais professores encontram respaldo legal e instituições escolares são coniventes com a perpetuação de tais atitudes quando sua ideologia está envolta em concepções de cunho predominantemente elit ista. (p.122).

Aos próprios professores é propiciada a aquisição de outras formas de olhar seus alunos deficientes, através de um trabalho que vise à ruptura com os estigmas que lhes são atribuídos. (p.127).

56

Tese

Nos dois primeiros capítulos, abordei essa questão ao referir-me às iniciativas que pretendem provocar mudanças na formação de professores — em graduação ou em serviço — e em sua prática de ensino. (p.170).

Em resumo, a integração de análises de interações didáticas à formação de professores é decorrência da necessidade de qualif icarmos profissionais capazes de identif icar e buscar soluções para os problemas da prática em sala de aula, sejam eles de natureza interativa e/ou interacional.” (p.171).

Essa caracterização do corpus como gênero acadêmico

Dissertação e Tese conduz a pelo menos duas conclusões. A primeira

está relacionada ao que teóricos de metodologia científ ica tratam

quanto ao aspecto formal, aspecto secundário em nosso trabalho; e a

segunda está relacionada aos estudos de Bakhtin e seu Círculo, sobre

o gênero do discurso e a alteridade, aspecto principal deste trabalho.

A Dissertação e a Tese como gênero acadêmico possuem um

tema, uma estrutura e uma l inguagem específica — esti lo. Tudo isso

faz parte de um texto que tem seu acabamento de acordo com esse

gênero (acadêmico). Além disso, os autores indicam e descrevem as

partes do trabalho em introdução, desenvolvimento e conclusão como

constituintes da estrutura; e, enquanto trabalhos nesse gênero, a

dissertação e a tese apresentam temas e esti los que se adaptam às

áreas de conhecimento onde se produziu o trabalho — todas da esfera

científ ica.

Neste trabalho selecionamos aquelas partes das dissertações e

da tese para estudar a interação do pesquisador com seu outro

(alteridade). São três textos. Neles, escolhemos quatro partes, a

introdução , o desenvolvimento , a conclusão e as referências

bibliográficas . Mais adiante, no Capítulo 3, focalizamos nessas partes,

57

em cada texto, o fenômeno da interação do pesquisador com os

teóricos citados.

Essa presença do outro no texto remete a Bakhtin e seu Círculo.

Como já foi lembrado, no texto há sempre a voz do outro, ou, como

afirma Bakhtin (1959-60/2003, p.311), o texto “se desenvolve na

fronteira de duas consciências, de dois sujeitos”. Nessa perspectiva,

buscamos nas Dissertações e na Tese identif icar não apenas “essas

consciências”, mas, sobretudo, para estudar a interação que “elas”

estabelecem no texto, buscando responder a questionamentos, dentre

muitos, como os seguintes: como essas interações acontecem? Que

atos de l inguagem o pesquisador realiza na interação com os teóricos

citados? Como essa interação vai colaborando para a construção do

trabalho científ ico? Enfim, as dissertações e a tese, integrantes do

corpus deste trabalho, se tornam lugares onde encontramos interações

com o outro, e nelas focalizamos nosso estudo.

6 O OUTRO NO DISCURSO CITADO

Bakhtin/Volochinov, em Marxismo e Filosofia da Linguagem

(1929/2002, p.144), definem o discurso citado como o “discurso no

discurso”. É o discurso do outro no discurso do locutor. O enunciador

integra o discurso do outro no contexto comunicativo para ajudar-se na

construção de seu texto. É também um discurso sobre o discurso,

porque citar é uma forma de avaliar o que é citado.

O discurso citado é o discurso do outro no contexto do discurso

de um dado sujeito. Trata-se do discurso de uma outra pessoa um

autor-criador, não um autor-pessoa “física”. Por isso, o l ivre arbítr io do

enunciador integra o discurso do outro a um contexto enunciativo que

não é o seu e pode lhe dar uma direção favorável ou até contrária à do

58

contexto original. Seja como for, o discurso citado é, nesses termos,

uma das formas de identif icar a presença da alteridade no texto.

O ato discursivo de integrar o discurso do outro no contexto

comunicativo do sujeito é complexo, e nem sempre fruto do “l ivre

arbítr io do enunciador”. Bakhtin/Volochinov (1929/2002) chamam

atenção para três aspectos. O primeiro é a diferença entre a recepção

e a transposição do discurso do outro para outro contexto, ou seja, o

modo como o enunciador concebe o discurso do outro — discurso

interior, dimensão subjet iva, consciência individual — e a inserção

desse discurso num outro contexto. A consciência do enunciador pode

absorver muito do discurso do outro, mas apenas uma parte pode ser

pertinente no contexto enunciativo desse enunciador; essa parte

dependerá sempre da finalidade da integração do discurso do outro no

texto e da comunidade de que o enunciador faz parte.

Essa finalidade é o segundo aspecto que Bakhtin aborda. O

enunciador deve levar em conta a esfera e o gênero em que o discurso

do outro é integrado. A esfera é entendida como um sistema com certo

grau de coerção e caracterizado por um espaço de refração que

determina o papel da l inguagem no discurso. Ela pressupõe a produção

(situação específica que envolve uma atividade de comunicação

verbal), a circulação (o âmbito verbal em que está inserido o

enunciado) e a recepção (o âmbito ao qual o discurso é dirigido).

Há na sociedade uma diversidade de esferas, como a famil iar,

rel igiosa, jurídica, cientif ica e outras. Essa diversidade condiciona o

modo de apreensão e transposição do discurso do outro (GRILLO,

2006)17. No caso da esfera científ ica, por exemplo, a f inalidade da

integração do discurso do outro num texto deve estar sintonizada com

as características próprias dessa esfera e, dentre muitas, podemos

apontar a objetividade, o rigor, a sistematicidade.

17 GRILLO, Sheila V. de Camargo. Esfera e campo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006, p. 133-160.

59

A esfera determina a produção de enunciados relativamente

estáveis que constituem gêneros do discurso. O gênero nasce e se

desenvolve nas esferas (MELO, 2005, p.110)18. Assim como são muitas

as esferas de comunicação, assim também são muitos os gêneros.

Enquanto na esfera religiosa podemos falar de gêneros como missa e

culto, na esfera científ ica podemos falar do gênero acadêmico

dissertação e tese. O gênero é constituído por uma estrutura

composicional (que corresponde aos elementos mais estáveis do

enunciado), um tema (que corresponde ao assunto ou aquilo de que se

fala) e um esti lo (que corresponde ao procedimento l ingüístico na

construção do texto).

O terceiro aspecto da inserção do discurso do outro em um

contexto que não é o seu considera mais especif icamente aquele(s) a

quem o enunciador dirige seu texto, a sua comunidade l ingüística ou o

seu grupo típico. A comunidade é a “pessoa” que pode dar o aval ao

que é interpretado pelo enunciador no texto. Ela é o “outro” presumido

do enunciador durante seu trabalho de construção do texto. Com ela,

ele dialoga e, desse diálogo ocorre a construção do texto.

Nesse sentido, podemos dizer que o discurso citado é uma

prática colaborativa da presença do outro no texto, por meio de seu

discurso. Como vamos detalhar a seguir, escolhemos o discurso citado

como objeto porque entendemos que a compreensão das interações e

posições que o pesquisador (como enunciador, autor) realiza com seu

outro – os teóricos citados, considerados etc. – tornam-se mais

“visíveis” com o uso desse instrumento. No texto científ ico, o

pesquisador integra uma diversidade de discursos de outros e se

posiciona de alguma maneira diante deles. Além disso, o trabalho com

o discurso citado possibil i ta melhor observar a colaboração dos

teóricos com o autor-pesquisador nos diversos atos l ingüístico-

enunciativos que este realizou para a construção do seu texto.

18 MELO, Rosineide. Ata: registro de lutas discursivas da escola Peixoto Gomide de Itapetininga. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2005.

60

6.1 Formas do discurso citado: direto e indireto

De acordo com Bakhtin, o discurso citado é transmitido por meio

de suas formas discurso direto e discurso indireto. O discurso indireto

é discurso de outrem transmitido para o contexto comunicativo de

maneira particular e analít ica por parte daquele que o uti l iza, o autor

do texto que cita. É o discurso integrado num contexto a partir de

regras sintáticas, esti líst icas e composicionais construídas pelo autor.

Trata-se de um exercício para recepcionar o discurso do outro,

preservando a autonomia deste e, ao mesmo tempo, incluindo-o no

contexto sob forma analít ica.

O discurso direto, por sua vez, é o discurso do outro colocado

no contexto comunicativo de maneira objetiva. Quando usado, o

discurso direto apresenta-se com a palavra do outro. Na citação do

discurso do outro, o locutor se preocupa por assim dizer com a

fidelidade ao outro. Nesse sentido, o discurso direto distancia-se da

preocupação analít ica, própria do discurso indireto.

No discurso indireto encontra-se uma signif icação l ingüística

que é evidenciada na transposição do discurso de outrem para um

determinado contexto. Essa signif icação é própria do discurso indireto,

que contém em si uma tendência analít ica que impede o ingresso de

elementos emocionais e afetivos do discurso do outro na transposição

para um determinado contexto comunicativo. Em Marxismo e Filosofia

da Linguagem, Bakhtin/Volochinov (1929/2002, p. 159) afirma que “a

análise é a alma do discurso indireto”. Nesse sentido,

No exemplo de Pechkovski, a exclamação do Asno: “Nada mal” não pode ser diretamente integrada no discurso indireto sob a forma: “Ele diz que nada mal...” mas apenas como: “Ele diz que não estava mal...” ou mesmo “Ele diz que o rouxinol não cantava mal”. Da mesma forma, “sem brincadeira” não pode

61

ser mecanicamente transposto para o discurso indireto, nem “que pena que você não conhece...”, pode ser transposto como “mas que pena que ele não conhece...”.

O discurso indireto também interpreta o discurso do outro.

Quando ele é usado, apresenta-se sob forma de resumo do

pensamento de teóricos. Nisso o discurso indireto pode não só

fundamentar o pensamento do locutor, sendo-lhe favorável, mas

também pode caracterizar um distanciamento. É o discurso no discurso

para autorizar/argumentar, ou não, alguma posição do pesquisador/em

favor dessa posição, porém com limites de percepção muito frágeis. No

discurso direto, o locutor, ao integrar o discurso do outro no seu texto

procura distanciar-se de qualquer tentação de infi ltrar-se no discurso

do outro. Ele procura manter-se f iel e apresentar uma exata reprodução

das palavras do outro. Entretanto, o discurso direto integra o discurso

do outro com interferências enunciativas antes ou depois dos

enunciados do outro, impondo um tom ao discurso citado que não é

necessariamente o seu.

Nesse sentido, os temas do discurso do outro são antecipados

pelo contexto e coloridos pelas entoações do locutor. Esse ato verbal

quase sempre provoca um enfraquecimento da objetividade do contexto

narrativo e das fronteiras da enunciação. A forma do discurso direto é

condicionada a um verbo introdutor, responsabil izando o outro a

respeito do que é interpretado. Com o entrecruzamento de contextos e

discursos, há simultânea participação de dois discursos diferentemente

orientados em sua expressão (MELO, 2005)19.

19 Op.cit.

62

6.2 Variantes do discurso indireto e direto

O discurso indireto, de acordo com Bakhtin, possui três

variantes: a de discurso indireto analisador de conteúdo , a de discurso

indireto analisador de expressão e a de discurso indireto

impressionista. A primeira se atém ao assunto e se distancia de

qualquer outra abordagem. A segunda incorpora palavras e artimanhas

do discurso do outro. Na variante discurso indireto analisador de

conteúdo a personalidade do falante só existe enquanto ocupa uma

posição semântica determinada (cognit iva, ética, moral, de forma de

vida). Quando isso não acontece no texto, a “personalidade do falante”

não existe para o locutor, esclarece Bakhtin (1929/2002, p.164). Nessa

variante, o pesquisador integra o discurso do outro no plano temático

— o que é interpretado pelo autor — e apresenta réplica (s) no

contexto comunicativo, muitas vezes mantendo distâncias entre o que

foi interpretado e o que ele diz.

Na variante do discurso indireto analisador de expressão, o

outro é mostrado em sua individualidade, com seu modo de pensar e

abordar um assunto. Nesta variante, o outro tem a sua individualidade

cristalizada, formando inclusive uma dada imagem. Esse discurso

possui ainda uma natureza que “cria efeitos pictóricos extremamente

originais na transposição do discurso citado”, acrescenta Bakhtin

(1929/2002, p.164), efeitos que evidenciam um individualismo por parte

daquele que integra o discurso do outro no texto. Nesse discurso, o

pesquisador caracteriza não só o interpretado pelo autor, mas também

o próprio autor, o modo deste falar, o seu estado de espírito expresso

nas formas do discurso, a fala entrecortada, a entoação expressiva,

enfim, configura com tudo isso uma forma subjetiva e esti l íst ica.

Bakhtin aponta ainda para o aspecto da abreviação do discurso do

outro a ser expresso.

Na terceira variante, o discurso indireto impressionista, por sua

vez, encontra-se entre o discurso indireto analisador de conteúdo e o

discurso indireto analisador de expressão. Ele é uma variante que usa

63

o discurso do outro sem censura, podendo abreviá-lo, “ indicando

freqüentemente apenas os seus assuntos e sua dominante: por isso

pode ser chamado de impressionista”, como escreve Bakhtin

(1929/2002, p.164). Se por um lado o discurso indireto analisador de

conteúdo tende para uma objetividade da análise, inibindo qualquer

fuga desse aspecto, por outro o discurso indireto impressionista faz

isso com liberdade e f luência, sem perder a objetividade no tratamento

do assunto. Assim, o discurso indireto impressionista permite o

ingresso da individualidade/subjetividade do pesquisador no contexto

comunicativo. Sua entoação flui l ivremente.

Também podemos encontrar o discurso indireto com

modalizadores. Eles têm a função de mostrar que o pesquisador

(enunciador) se apóia ou responsabil iza o outro (autores) pela

enunciação citada (MAINGUENEAU, 2002, p.139). Neste trabalho,

porém, chamamos esses modalizadores de expressões para introduzir

o discurso do outro no texto. São elas: segundo, para, de acordo,

dentre outros.

Quanto ao discurso direto, Bakhtin fala de alguns tipos de

variantes: preparado, esvaziado, antecipado e disseminado, retórico e

substituído. No caso da pesquisa acadêmica, por exemplo, o discurso

direto preparado é aquele que é anunciado antes de ser citado e, por

isso, apresenta cores e entonações do pesquisador. Existe uma

imposição do enunciador. Essa característica enfraquece as fronteiras

da enunciação do outro e a objetividade do contexto narrativo, ou seja,

introduz-se o discurso do outro sob égide do enunciador.

O discurso direto esvaziado é aquele em que, de acordo com

Bakhtin (1929/2002, p.166), “a caracterização objetiva do herói, feita

pelo autor, lança espessas sombras sobre o seu discurso direto”. O

herói é o duto que leva as apreciações e emoções do autor.

O discurso direto antecipado e disseminado é aquele em que

aparecem dois discursos num mesmo espaço-tempo e numa mesma

64

arena. Os qualif icativos presentes numa citação permitem identif icar

esses discursos, ou seja, o do autor e o do “herói” – no caso do

trabalho científ ico, pode ser comparado ao objeto da pesquisa. Nesse

caso, pode-se entender que o pesquisador fala do objeto de sua

pesquisa, mas também que o próprio objeto “fala”. Para Bakhtin

(1959/60/2003, p.322), “os planos dos discursos das personagens e do

discurso do autor podem cruzar-se, isto é, entre eles são possíveis

relações dialógicas”. Por isso, nessa variante identif ica-se um

fenômeno raramente estudado – as interferências de discurso.

O discurso direto retórico é aquele em que tanto o autor como o

herói (personagem) perguntam ou exclamam para si mesmos. Bakhtin

(1929/2002, p.171) diz que algumas vezes o autor f ica na frente da

cena, perguntando e respondendo, e noutras vezes, f ica atrás, e a

personagem ocupa a ribalta.

No discurso direto substituído, por sua vez, o autor aparece no

lugar do seu herói (ou tema). Segundo Bakhtin (1929/2002, p.171) o

autor diz o que ele (o herói) “poderia ou deveria dizer, o que convém

dizer”. O autor fala por seu objeto, ou substitui a voz do objeto pela

sua.

O discurso citado revela não só o outro, ou seja, quem ele

presumivelmente é, mas também o que ele pensa a respeito de um

assunto abordado no texto. E isso ocorre tanto a partir de sua forma

direta como da indireta. É no contexto comunicativo que o outro é

mostrado em suas reações e ações de l inguagem por aquele que

escreve que, no caso deste trabalho, é o pesquisador.

6.3 Verbo dicendi

Como nenhum texto pode ser produzido sem o outro, os verbos

dicendi são aqueles que introduzem o discurso do outro no texto. No

texto eles têm a função de indicar com quem está a palavra (GARCIA,

65

1992, p.131). Esses verbos, de acordo com Othon Garcia (1992)

podem ser classif icados de modo geral da seguinte forma:

a) De dizer: afirmar, declarar;

b) De perguntar: indagar, interrogar;

c) De responder: retrucar, replicar;

d) De contestar: negar, objetar;

e) De concordar: assentir, anuir;

f) De exclamar: gritar, bradar;

g) De pedir: solicitar, rogar;

h) De exortar: animar, aconselhar;

i) De ordenar: mandar, determinar.

Esses verbos podem ser uti l izados em todo tipo de texto, seja

este de gênero primário ou secundário, oral ou escrito.

Entretanto, quando se trata do texto escrito e de modo particular

que pertença a esfera científ ica e do gênero dissertação e tese, a

seleção de verbos deve atender as exigências inerentes a essa esfera,

pautadas, sobretudo pela academia, pelo grupo de pesquisa e pela

l inha de pesquisa onde está situado o pesquisador (autor) do texto. O

verbo dizer e falar , por exemplo, são usados na l inguagem oral, porém

inadequados para l inguagem escrita (CARVALHO; CAMPOS; MARTINS,

1996).

Abaixo segue um quadro com verbos que podem ser uti l izados

em texto escrito da esfera científ ica.

Quadro 2: Verbos Dicendi

Aconselhar concluir Elucidar negar refutar Acrescentar concordar Esclarecer objetar reiterar Afirmar confirmar Especif icar ordenar repetir Alertar confrontar Estabelecer parafrasear replicar Analisar considerar Examinar perguntar repudiar Anuir constatar Exemplif icar ponderar resgatar Anunciar contestar Explicar pontuar responder Argumentar continuar Exprimir postular ressaltar Articular contrapor Evidenciar pressupor resumir

66

Assegurar crit icar Finalizar pretender retratar-seAssentir debater Indagar propor retrucar Assinalar declarar Indicar questionar revelar Avaliar defender Interrogar raciocinar sintetizar Citar delimitar Investigar ratif icar sugerir Comentar demarcar Justif icar reconhecer supor Compreender demonstrar Lembrar recomendar sustentar Comprovar determinar Limitar recusar verif icar

Fonte: CARVALHO; CAMPOS; MARTINS (1996).

Existem outras classif icações de verbos dicendi. De acordo com

Thomas e Hawes (1994) citados por Désirée Motta-Roth (2006) os

verbos dicendi também podem ser divididos em três grupos, como

seguem abaixo:

a) Verbos de atividade experimental: relato de procedimento e

resultado de pesquisas;

b) Verbos de atividade discursiva: reportam as conclusões de

pesquisas;

c) Verbos de atividade cognit iva: experiências em processos

mentais.

Esses grupos também se subdividem de acordo com as formas

de uso no texto. Os verbos de atividade experimental se dividem em

verbos de procedimento (analisar, investigar , conduzir , comparar ,

completar, avaliar, correlacionar, examinar , estudar, etc) e verbos de

resultado (encontrar, obter, observar para objetividade; e mostrar,

demonstrar, estabelecer , revelar para efeito).

Os verbos de resultado se dividem em dois grupos: verbos de

objetividade, que remetem a resultados de pesquisas (observar,

encontrar, obter) e verbos de efeito, que revelam concordância com

resultados encontrados em estudos indicados no texto (mostram,

demonstram, estabelecem, revelar).

67

Os verbos de atividade discursiva se dividem em três grupos.

Os verbos de qualif icação (chamar a atenção, levantar a questão), que

citam limitações ou restrições apontadas por pesquisadores; os verbos

de incerteza, que se subdividem em verbos de pré-experimento

(hipotetizar, estimar, propor) e pós-experimento (sugerir, indicar). E

verbos de certeza, que também se subdividem em dois grupos: verbos

de argumento, que são usados como apoio para o pesquisador

(apresentar suporte/fundamentação, citar/fornecer evidência, manter,

concluir); e verbos de informação, usados para relatar pesquisas

anteriores (documentar, reportar, referir, notar).

Quanto aos verbos de atividade cognit iva estão relacionados às

atividades mentais experimentadas em suas pesquisas e são, dentre

outros, os verbos acreditar, considerar , entender, pensar e reconhecer .

Fundamentalmente, os verbos dicendi são uti l izados como

introdutores do discurso do outro no texto, e, por meio deles,

identif icamos não só a diversidade de teóricos nas Dissertações e na

Tese, como também as ocorrências de interações do pesquisador com

esses teóricos.

Nesse trabalho, destacamos os verbos mais uti l izados pelo

pesquisador para introduzir os discursos do outro e, em seguida,

discutimos como o uso de determinado verbo possibil i ta interpretar o

t ipo de interação do pesquisador com os teóricos.

68

CAPITULO 2

METODOLOGIA: CONSTRUÇÃO DE CAMINHOS

O objeto das Ciências Humanas é o ser expressivo e falante. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado.

Bakhtin (1930-40/2003, p.395) 20

O caminho percorrido pelo pesquisador no trabalho de pesquisa

não é algo simples e l inearmente marcado. As tr i lhas que o levam aos

lugares que ajudam a desencadear a investigação são muitas, e o

pesquisador diante delas se perde e fica a mercê da angústia e da

ansiedade, elementos freqüentes no percurso da pesquisa. Assim,

nessa situação, o pesquisador deve escolher os caminhos para o

desenvolvimento de sua pesquisa,

A Metodologia trata dos caminhos que foram construídos e

percorridos pelo pesquisador para construir o texto de pesquisa. Um

trabalho árduo que sempre conta com a participação colaborativa do

outro. Neste trabalho, construímos e percorremos alguns caminhos,

todos interrelacionados: escolha dos dados, constituição do corpus, a

tríade sintonizada entre objetivos-questões-tópicos, recursos, o

caminho da analogia (o pesquisador e a classif icação de Todorov) e o

caminho do gênero, do qualitativo e do quantitativo.

1 O CAMINHO DA ESCOLHA DOS DADOS

Nesse caminho, buscamos textos que abordassem o assunto da

interação professor aluno na sala de aula, realizando uma pesquisa nas

20 Metodologia das Ciências Humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.395.

69

bibliotecas de três Programas de Programas de Pós-graduação: LAEL

PUC/SP, Educação: Currículo PUC/SP e UEL UNICAMP.

No Programa de Pós-graduação de Lingüística Aplicada e

Estudos da Linguagem/LAEL PUC-SP os textos totalizaram 450

trabalhos. Em seu banco de dados, encontramos 35 trabalhos,

dissertações e teses construídas e defendidas no Programa, que

abordaram a interação professor-aluno em sala de aula até o ano de

2001.

No Instituto de Estudo da Linguagem IEL UNICAMP, também até

2001, os trabalhos somaram 187. Desses, 31 abordam a interação

professor-aluno em sala de aula; os demais se dividem entre os que

abordam o assunto indiretamente — 33 trabalhos —, e aqueles que

apenas citam-no — 30 trabalhos. O restante dos textos diversif ica

dentre os mais variados assuntos na área da LA.

No Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo

PUC/SP, o Banco de Dados registra 450 trabalhos. Destes, 67

abordam diretamente a interação professor-aluno em sala de aula;

indiretamente, 91; e os que citam somam 140. Abaixo, na Tabela 1,

estão organizados os dados dos três (3) Programas.

Tabela 1: Textos que abordam a interação professor e aluno em sala de aula nos Programas

CATEGORIAS DOS TEXTOS

LAEL 450 trabalhos

IEL 187 trabalhos

EDUCAÇÃO: CURRICULO 450 trabalhos

T1 35 31 67 T2 29 33 91 T3 63 30 140 TOTAL 127 91 298 T1: textos que abordam diretamente a interação professor-aluno em sala de aula; T2: texto que abordam indiretamente; e T3: textos que apenas citam o assunto.

70

Na Tabela 1 evidencia-se que o Programa Educação: Currículo

apresenta o dobro de trabalhos sobre o assunto em relação aos

Programas LAEL e IEL. Isso ocorre porque, dentre outras razões, o

espaço da sala de aula é um lugar requisitado pelos pesquisadores da

esfera educacional. Além disso, a formação de professor é outro tema

na Educação e a interação professor-aluno torna-se objeto desse tema.

Diante disso, o número de textos ultrapassa a soma dos demais,

quando o assunto é a interação professor-aluno em sala de aula.

2 O CAMINHO DA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

O segundo momento ocorreu na constituição do corpus da

pesquisa. Do conjunto de trabalhos que abordam a interação professor-

aluno em sala de aula, selecionamos três para a constituição do

corpus: duas Dissertações e uma Tese. Todos da década de 1990,

cada texto intercalado por um espaço de três anos: um no início da

década, 1993; outro no meio da década, 1996; e outra no final da

década, 1999.

Nossa seleção tem dois motivos que resultaram do levantamento

da pesquisa. Descobrimos que a interação professor-aluno em sala de

aula foi foco de vários trabalhos na década de 1990, tanto de

dissertações como de teses, mas que foi tratado sob o viés da

interação e não pelo viés da atividade como temos presenciado em

nessa primeira década do ano 2000.

Entretanto, considerando a década de 1990, estabelecemos como

parâmetro que o cada terço da década selecionaríamos um texto.

Acreditamos que, após identif icar o período mais intenso de pesquisas

sobre a interação professor-aluno e deste período selecionar os textos

representativos do conjunto de trabalhos encontrado, t ivemos condição

de construir o corpus de nosso trabalho. Assim sendo, escolhemos um

texto do início da década (1993), um texto do meio da década (1996) e

71

um do final do período (1999), duas Dissertações e uma Tese

respectivamente.

3 O CAMINHO DA TRÍADE OBJETIVOS-QUESTÕES-TÓPICOS

Com o corpus definido, estabelecemos os objetivos da pesquisa.

O objetivo geral é identif icar a construção do pesquisador nas posições

diante dos teóricos em Dissertações e Tese. Os objetivos específ icos

foram organizados sob três níveis de interpretação: identif icar,

classif icar e analisar. Os objetivos foram construídos em sintonia com

as questões, também construídas sob o critério daqueles níveis.

Para o nível do identif icar construímos um objetivo e duas

questões; para o nível do classif icar construímos um objetivo e uma

questão correspondente; e no nível do analisar construímos também um

objetivo e uma questão. Dessa forma, em cada Dissertação e na Tese

procuramos cumprir os objetivos e fomos à busca das respostas para

as questões da pesquisa.

Para o nível do identif icar — objetivo e questões — localizamos

os teóricos e as marcas l ingüísticas nas Dissertações e na Tese. Para

tanto elaboramos três tópicos que aparecem na abordagem de cada

texto do corpus (Capítulo 3): o contexto de integração do outro , o nome

do outro no contexto e o outro nas formas de discurso citado.

Com o contexto de integração identif icado em cada Dissertação

e na Tese compreendemos, além da cena textual criada pelo

pesquisador, as justif icativas deste para introduzir o discurso do

teórico.

A identif icação do nome do teórico no corpus também contribuiu

para compreender quem são os teóricos que interagem com o

pesquisador e, entre eles, aqueles que efetivamente possuem mais

ocorrências em cada Dissertação e na Tese.

A identif icação das formas de discurso citado nas Dissertações e

na Tese também contribui para diferenciar a voz do pesquisador da voz

72

do teórico. Os discursos direto e indireto — com aspas, com pontuação,

etc — e os verbos dicendi encontrados nos textos analisados

permitiram fazer essa diferenciação.

Quadro 3: Nível da Identi f icação: objet ivo,questões e tópicos

Objet ivo

Questões

Tópicos

Identi f icar os teóricos e as marcas l ingüíst icas

Que teóricos são evocados nas Dissertações e Tese? Qual o grau de freqüência dos teóricos em cada um dos três trabalhos anal isados?

O contexto de integração do outro , o nome do outro no contexto e o outro nas formas de discurso citado.

Para o nível do Classif icar — objetivo e questão — identif icamos

as posições e o t ipo de interação que o pesquisador estabeleceu com

os teóricos (Capítulo 3). Para isso, classif icamos posições que o

pesquisador assumiu na interação com os teóricos. Seja nas

Dissertações ou na Tese, encontramos posições do pesquisador de

concordância, de oposição, de aliado, dentre outras.

Quadro 4: Nível da Classif icação: objetivo, questão e tópicos

Objet ivo

Questão

Tópicos

Classif icar o t ipo de interação

Que posições o pesquisador assume com os teóricos na interação?

As posições e o t ipo de interação que o pesquisador estabeleceu com os teóricos.

Para o nível do Analisar — objetivo e questão — apresentamos o

papel do pesquisador em cada texto (Capítulo 3) e relacionamos, por

73

analogia, com as interações dos personagens históricos analisados por

Todorov (Capítulo 1 – Fundamentação Teórica).

Quadro 5: Nível do Anal isar: objetivos, questão e tópicos

Objet ivo

Questão

Tópicos

— Anal isar o papel do pesquisador (Todorov).

— Discutir como o pesquisador se posiciona na interação com os teóricos que consti tuem seu outro.

Que pesquisador por analogia à classif icação de Todorov se constrói em cada trabalho anal isado?

Papel do pesquisador em cada texto, relacionado, por analogia, com as interações dos personagens históricos anal isados por Todorov.

4 O CAMINHO DOS RECURSOS

Como recursos para trabalhar com o corpus, usamos as formas

do discurso citado e os verbos dicendi . Para trabalhar com o discurso

do outro no texto escolhemos as formas e esquemas do discurso citado

de Bakhtin (1929/2002), o discurso direto e o discurso indireto. Elas se

revelaram suficientes e relevantes para observar como o pesquisador

integra em seu texto o outro, os teóricos, e seu discurso. Identif icamos

as ocorrências desse discurso ao longo do corpus, e, a partir disso,

procuramos compreender a integração e os papéis atribuídos ao outro

em cada texto.

Usamos também como recurso metodológico o estudo dos verbos

dicendi. Esses verbos permitem identif icar as fronteiras entre o

discurso do pesquisador e o discurso do teórico, a diversidade de

teóricos nos textos, as ocorrências de interações do pesquisador com

74

esses teóricos e o sentido das palavras deles no texto. Destacamos em

nosso trabalho os verbos mais uti l izados pelo pesquisador para

introduzir os discursos do outro e, em seguida, discutimos como o uso

de determinado verbo possibil i ta interpretar a interação do pesquisador

com os teóricos.

Os verbos dicendi têm papel relevante no texto. Na interação

discursiva, À semelhança pretendemos estudar neste trabalho, são eles

que:

Introduzem o discurso do outro no texto.

Revelam o sentido das palavras do outro no texto.

Permitem identif icar as fronteiras entre o discurso do autor

e o discurso do outro.

Dessa forma, o uso de verbos dicendi , além de possibil i tar a

identif icação do outro e seu discurso no texto, também permite

descobrir a interação do pesquisador com seu outro, os teóricos.

Uma estratégia que encontramos foram as questões construídas

a partir da análise da primeira Dissertação e que foram aplicadas na

Segunda Dissertação e na Tese. Acreditamos que isso pode conduzir a

identif icação de semelhanças e diferenças nas posições que cada

pesquisador assume com seu outro, ou ainda, pode ajudar a perceber o

que há de “estável” e singular entre os textos.

5 O CAMINHO DA ANALOGIA: O PESQUISADOR E A CLASSIFICAÇÃO

DE TODOROV

E, f inalmente, f izemos as analogias da classif icação de Todorov

com o pesquisador que se construiu na Tese e nas Dissertações.

Entretanto, fr izamos desde já que o nosso objetivo não foi o de rotular

o pesquisador como de um ou de outro t ipo. Mas indicar que suas

75

ações na Tese e nas Dissertações analisadas num certo sentido se

assemelham as ações de algumas personagens históricas que

interagiram com os nativos latino-americanos. As interações dessas

personagens foram analisadas por Todorov, são elas: Las Casas,

Gonzalo Gerrero, Diego de Durán e Bernadino de Sahagún.

6 CAMINHO DO GÊNERO, DO QUALITATIVO E DO QUANTITATIVO

Abordamos o corpus sob a perspectiva bakthiniana de gênero.

Para Bakhtin, estudioso da l inguagem, o gênero é uma forma padrão da

l inguagem — composto de tema, esti lo e estrutura composicional —

que ocorre em diversos campos da ação e interação verbal. Nosso

campo está situado na esfera científ ica, especif icamente na área de

conhecimento da l inguagem, a l ingüística aplicada, e, como é evidente,

no texto escrito de um gênero acadêmico-científ ico, a Tese e as

Dissertações.

Consultamos também autores de metodologia e obras que tratam

sobre texto acadêmico (BOGDAN e BIKLEN, 1994; LÜDKE e ANDRÉ,

2005; SALOMON, 2000; FAZENDA, 1999; TRIVIÑOS, 1987, SALOMON,

2001; SEVERINO, 2002 e MACHADO (2005).) para estudar o conceito

de Dissertação e Tese, mas descobrimos que a abordagem desse

trabalho é entendida apenas sob a perspectiva formal. Assim sendo,

distancia-se de nossa abordagem bakhtiniana.

Finalmente, na abordagem do corpus , nosso olhar contou com as

perspectivas de gênero, de quantitativo e qualitativo.

Na abordagem quantitativa, quando da descrição e análise,

identif icamos o número de verbos dicendi usados pelo pesquisador no

texto para introduzir o discurso dos teóricos, o número de teóricos e o

número de ocorrências do discurso citado. Esse ato de l inguagem está

sintonizado com um dos objetivos e uma das questões desta pesquisa,

formulados anteriormente. Com isso, pretendemos, mais adiante,

76

compreender não somente as interações do pesquisador com os

teóricos no texto, mas, também, com quem ele interage mais e como

ele mesmo se constrói a part ir dessas formas de alteridade.

Na abordagem qualitat iva, analisamos o corpus com o intuito de

construir interpretações à luz do conceito de alteridade em Bakhtin e

seu Círculo, juntamente com a classif icação de Todorov — por meio de

analogia. Nessa abordagem, trabalhamos com a descrição e a análise

do corpus a partir dos nomes dos teóricos que ocorrem nos textos, dos

verbos dicendi e do discurso citado.

Para abordar o outro é preciso identif icar quem é ele no texto. A

Identif icação dos nomes dos teóricos torna-se um primeiro passo para

estudar a alteridade no texto. Diante do conjunto de teóricos que

aparecem no texto delimitamos aqueles cuja interação com o

pesquisador ocorreu mais e de forma mais signif icativa.

Diante do corpus delimitado, procuramos interpretar, sobretudo,

as interações do pesquisador com o seu outro, os teóricos, nesses

trabalhos, e também a participação deles na construção do pesquisador

no texto nos gêneros acadêmicos dissertação e tese.

77

CAPÍTULO 3

DISSERTAÇÃO E TESE:

A CONSTRUÇÃO DO PESQUISADOR

Neste capítulo analisaremos o recorte da pesquisa que foi

constituído como corpus para o trabalho. Como definido na

Metodologia, o corpus é formado por duas Dissertações e uma Tese:

a) Primeira Dissertação (LAEL/PUC-SP): Estudo sobre a

interação Professor e Aluno em Sala de Aula: as perguntas do

professor, defendida em 1993.

b) Segunda Dissertação (EDUCAÇÃO: CURRÍCULO/PUC-SP): A

Educação Física frente à exclusão do aluno cego, defendida em 1996.

c) Tese (IEL/UNICAMP): Estudo da Língua Falada e Aula de

Língua Materna: uma abordagem processual da interação

professor/alunos, defendida em 1999.

Na abordagem do corpus f izemos análises e discussões para

compreender como a alteridade não só se faz presente no texto dos

gêneros Dissertação e Tese, mas também como ocorre a interação do

pesquisador com ela — em nosso caso os teóricos—, resultando,

dessa forma, a construção do próprio pesquisador.

A análise e discussão do corpus procuram responder à tríade

objetivos-questões-tópicos, isto é, cumpre os objetivos, responde às

questões e apresenta tudo isso nos tópicos construídos.

78

1 PRIMEIRA DISSERTAÇÃO (1993): ESTUDO SOBRE A INTERAÇÃO

PROFESSOR E ALUNO EM SALA DE AULA: AS PERGUNTAS DO

PROFESSOR

1.1 O Contexto de Integração do Outro

Essa Dissertação relata os assuntos encontrados nos trabalhos

construídos a partir da Linha de Pesquisa21 a que ela estava inscrita. A

pesquisadora destaca uma polêmica entre a aquisição e aprendizagem

em LE. Ela cita alguns teóricos (Krashen e “aliados”) que acreditam

que o “ambiente natural”, fora de sala de aula, é mais propício para a

aquisição da l inguagem. Na Introdução do texto da pesquisadora, ela

integra o discurso desse teórico nessa polêmica.

“Para ele [Krashen], o ensino formal que chama a atenção para itens l ingüísticos de maneira explicita e sistemática dif iculta o processo de aquisição/aprendizagem de uma L2 /LE, ao invés de facil itá-lo.”. (p.1).

Em seguida, recupera outros teóricos (Long e “aliados”) que

defendem a “instrução formal” (sala de aula) para o sucesso tanto da

aquisição como da aprendizagem em LE.

“Essa concepção [a de Krashen] parece ir contra o trabalho de Long (1983): ‘Does instructions make a difference? ’ . Nesse trabalho, Long faz uma revisão de pesquisa que buscam responder à pergunta acima

21 A Linha de Pesquisa, na qual a pesquisadora está integrada e com a qual ela situa seu trabalho é Linguagem e Educação, criada na década de 1980, que tem a frente uma das mais renomadas pesquisadoras do LAEL, a professora Maria Antonieta Alba Celani. O objetivo da Linha de Pesquisa Linguagem e Educação é: “investigar questões de sala de aula e sobre a sala de aula, em uma perspectiva discursiva e sócio-histórica e/ou sociocultural: interação em sala de aula, análise e construção de materiais didáticos, análise e descrição de gêneros estabelecidos e utilizados em contextos educacionais e a formação contínua de professores.”.

79

(título do trabalho), e conclui que existe evidência suficiente para justif icar a afirmação de que a instrução formal pode ser benéfica.” (p.2).

Nessa “guerra declarada”, a pesquisadora apresenta o embate

dos “aliados” de Krashen e os de Long. Nessa arena textual, ela se

posiciona a favor de Long. Já na Introdução “por estarmos cientes da

enorme importância da sala de aula para a aprendizagem de uma LE no

nosso contexto é que optamos por esse ambiente para realizar nossa

pesquisa.”. (p.4).

O segundo elemento é o da escolha do tema da pesquisa. A

atenção da pesquisadora focou a interação que ocorre nesse espaço

entre professor-aluno no processo de aquisição/aprendizagem da LE.

Para a composição de seus “dados”, ela gravou e transcreveu quinze

aulas de inglês, ministrada por três professores de um “instituto de

língua particular”, localizado no interior de São Paulo, a alunos de

classe média com faixa etária entre doze e dezessete anos.

E o terceiro elemento destacado do contexto é o da interação. A

pesquisadora situou seu trabalho no “processo de aprendizagem”

desenvolvido na interação entre professor-aluno em sala de aula de LE.

Para ela, a interação em sala de aula deve proporcionar a negociação

de signif icados e, como resultante disso, a aprendizagem. Ela discutiu

os efeitos/resultados que as perguntas do professor provocam na

interação com os alunos. Os resultados foram analisados e discutidos à

luz da teoria dos teóricos – seu outro – que são citados em seu texto,

de modo especial Long.

Nesse contexto, o discurso do outro é integrado (recepcionado e

transmitido) e com ele a pesquisadora constrói seu texto e a si mesma.

Identif icado o contexto em que o outro é integrado, vamos agora

identif icar esse outro, os teóricos. Para tanto, localizamos os teóricos

por seus nomes e calculamos o número de ocorrências em que eles

80

aparecem no texto. Fizemos isso nas seguintes partes da Dissertação:

na Introdução, nos Capítulos, nas Considerações Finais e nas

Referências Bibliográficas.

1.2 O Nome do outro no Contexto

Na Introdução verif icamos vinte e cinco (25) ocorrências de

nomes de teóricos que fundamentam o trabalho. Essa informação

conduziu-nos à interpretação de que ocorre uma presença intensa do

discurso do outro no texto, considerando que nesta parte do gênero

Dissertação e Tese, do ponto de vista formal (SALMON, 2001, p.350;

SEVERINO, 2002, p.82), os teóricos que fundamentam o trabalho

geralmente ou não são citados ou aparecem apenas aqueles que

representam a Linha de Pesquisa na qual está situado o trabalho.

Alguns nomes vão aparecer mais do que outros ao longo do

texto. É o caso de “Krashen” e “Long”, citados no seguinte exemplo

(p.2): “Além de Long (1983), Allwright (1984) e Fil lmore (1985) também

atribuem à sala de aula um papel mais importante do que o atribuído

por Krashen.”. No Quadro 6, mostramos a distribuição de nomes de

teóricos citados na Introdução .

Quadro 6: Nomes de teóricos na Introdução Teóricos CitadosKrashen 06 Long (1983) 02 Long e Sato 06 Allwright (1984) 06 Fil lmore(1985) 05

Os teóricos Long e Sato aparecem na Introdução juntos, mas em

outras partes da Dissertação isso não ocorre. Long é citado muitas

vezes sem o autor Sato. Isto acontece pelo fato de que nas

Referências Bibliográficas (cf. Anexos) são l istadas 10 (dez) obras de

81

Long e somente em uma o autor Sato faz parceria com Long. Assim, o

nome de Long ocupa mais espaço no trabalho do que o de Sato.

Já o autor “Krashen” é citado seis (6) vezes na Introdução . Nas

Referências Bibliográficas, contudo, ele tem três obras l istadas. O que

não acontece com o autor “Long” que tem mais espaço na l ista com dez

(10) obras l istadas. Podemos concluir disso que não é o numero de

obras nas Referências Bibliográficas que determina um número maior

ou menor de ocorrências ao longo do texto.

No Quadro 7 são apresentados os números de obras l istadas

nas Referências Bibliográficas e seus teóricos correspondentes.

Quadro 7: Teóricos e números de obras nas Referências Bibliográficas

Teóricos

Número de Obras

Allwright 3 Brock 1 Broock 1 Brown 1 Burt 1 Bygate 1 Cathcart-Strong 1 Chaudron 2 Corder 1 Coulthard 1 Day 1 Dulay 1 Ell is 3 Erickson 2 Fergson 1 Fil lmore 1 Gass 2 Goffman 1 Hamayan 1 Hatch 2 Krashen 3 Larsen 1 Lier 2 Long 10

82

Lopes 1 Nunan 2 Pica 3 Prabhu 2 Riley 2 Sacks 1 Savignon 1 Schwartz 1 Seliger 1 Sinclair 2 Slobin 1 Stevick 2 Stubbs 1 Swain 1 Tarone 1 Vjgotsky 1 Wardhagh 1 Widdowson 1

Nos Capítulos, por sua vez, o número de vezes em que os

nomes dos teóricos aparecem apresenta algo estranho. Consideramos

estranho o fato de muitos teóricos que aparecem na l ista de

Referências Bibliográficas tenham sido “apagados” nos Capítulos.

Afinal, nessa parte do trabalho, do ponto de vista formal, são l istados

os teóricos e suas obras que “referenciaram” o trabalho (SEVERINO,

2002, p.113). Tal estranheza poderia não ocorrer se encontrássemos

duas l istas, uma das referências e outra de bibliografia consultada.

Dessa forma, entenderíamos que uns teóricos ingressaram no texto de

forma direta (referências) enquanto os outros ingressaram de forma

indireta (bibl iografia consultada).

O Quadro 8, na página seguinte, apresenta os teóricos que

aparecem nos Capítulos e o número de ocorrências. Percebemos que

os mais citados nos capítulos são aqueles que a pesquisadora tem

concentrado a sua interação na abordagem de seu tema, e que se

tornam a base do trabalho, encontramos Ell is, Long e Krashen.

Bibliográficas .

83

Quadro 8: Teóricos Citados nos Capítulos Teóricos OcorrênciasAllwright 4 Brock 0 Broock 0 Brown 0 Burt 1 Bygate 0 Cathcart-Strong 0 Chaudron 2 Corder 1 Coulthard 5* Day 0 Dulay 1* Ell is 26 Erickson 0 Fergson 0 Fil lmore 9 Gass 7** Goffman 3 Hamayan 0 Hatch 5 Krashen 49 Teóricos Citados Larsen 0 Lier 0 Long 34** Lopes 0 Nunan 1 Pica 4* Prabhu 2 Riley 3 Sacks 3* Savignon 0 Schwartz 0 Seliger 0 Sinclair 6** Slobin 0 Stevick 4 Stubbs 0 Swain 10 Tarone 1* Vejgotsky 0 Wardhagh 0 Widdowson 0

* Citado uma vez com outro autor. ** Citado mais de uma vez com outro autor.

84

Dentre os teóricos l istados nas Referências Bibliográficas e os

citados nos Capítulos do texto, num total de quarenta e dois (42)

nomes, nomearemos apenas os que apresentam mais de dez

ocorrências porque são eles que ocupam espaço também nas outras

partes da Dissertação. Abaixo segue o resultado do levantamento.

a) Vinte teóricos (20) não são citados nos capítulos, mas aparecem

na l ista de “Referências Bibliográficas”;

b) Cinco teóricos aparecem apenas uma (1) vez nos Capítulos ;

c) Dois teóricos aparecem duas (2) vezes;

d) Três teóricos aparecem três (3) vezes;

e) Três teóricos aparecem quatro (4) vezes;

f) Dois teóricos aparecem cinco (5) vezes;

g) Um autor aparece seis (6) vezes;

h) Um autor aparece sete (7) vezes;

i) Um autor aparece nove (9) vezes;

j) Um autor aparece dez (10) vezes;

k) Três autores aparecem mais de dez (10) vezes: Ell is (26), Long

(34) e Krashen (49).

Os teóricos que aparecem mais nas Referências Bibliográficas

são os seguintes: Long, dez (10), Allwright/Ell is/Krashen/Pica com

três (3); e com dois (2) aparecimentos cada um dos seguintes

teóricos: Chaudron, Erickson, Gass, Hatch, Lier, Nunan, Prabhu,

Riley, Sinclair e Stevick. Os demais teóricos que aparecem na l ista

aparecem apenas uma vez - conforme o Quadro 4.

Nas Considerações Finais os teóricos citados são: Long e Sato,

quatro (4) vezes; Brock, três (3) vezes; e, uma (1) vez, Ell is e Prabhu.

Abaixo segue a apresentação no Quadro 9.

85

Quadro 9: Teóricos citados nas Considerações Finais Teóricos Citados Brock 3 Ell is 1 Long 4 Prabhu 1 Sato 4

Nas Considerações Finais aparecem teóricos que, ao longo das

outras partes, Introdução e Capítulos , t iveram menos ocorrências em

relação a outros, como Long e Sato. É o caso de Brock e Prabhu,

respectivamente. Prabhu teve três ocorrências (p.55, p.56 e p. 174),

duas nos Capítulos e uma nas Considerações Finais . Nessas partes, o

pesquisador apresenta e assume a posição de Brabhu a respeito do

processo de ensino, chamado de “senso de plausibi l idade”, que trata

da percepção pedagógica do professor. Brock teve também três

ocorrências, mas todas nas Considerações Finais . Elas ocorreram para

sustentar a posição do pesquisador sobre as “perguntas genuínas”

realizadas em sala de aula de língua estrangeira, que foram tratadas

por Long e Sato.

Isso conduz à conclusão da presença intensa de teóricos que

desde a Introdução da dissertação colaboraram com a pesquisadora,

não só de maneira quantitativa (muitas ocorrências) como também

qualitativa (muitas ocorrências para elucidar o problema da pesquisa).

É o caso de Krashen, Long e Sato - desde a Introdução – e Ell is – nos

Capítulos. Esses teóricos, como descobrimos, têm ocupado o centro

das interações no texto e, com isso, vão colaborando na construção do

texto e do pesquisador.

1.3 O Outro nas Formas de Discurso Citado

Encontramos expressões e outras formas para introduzir o

discurso do teórico. Dentre elas, identif icamos na primeira Dissertação

86

as seguintes: segundo, para, com aspas, de acordo, nas palavras de,

com dois pontos e com vírgula.

Na Introdução da Dissertação são encontradas formas do

discurso citado de discurso indireto e de discurso direto. Do discurso

indireto encontramos seu uso com estratégias de introdução do

discurso do teórico por meio de expressões como “segundo...” e

“para...”.

Segundo Allwright (1994), a sala de aula tem um papel crucial no processo de aprendizagem aquisição de uma L2/LE, uma vez que é palco de um processo de interação “ao vivo” entre pessoas, ou seja, professor e aprendizes (l ive person-to-person interaction, Allwright, 1994).

Nesse exemplo, a pesquisadora, para dar voz ao teórico

Allwright no texto, identif ica uma metáfora uti l izada pelo outro. Esse faz

uma analogia entre a sala de aula e o “palco”, reforçando que nestes

espaços a interação é “ao vivo”. Nesse sentido, no “palco” se

encontram os “atores”, que são o professor e os alunos, interagindo em

vista da aprendizagem. Tal ato de l inguagem do pesquisador confirma a

característica do discurso indireto analisador de expressão (Bakhtin,

1929, p.161) porque é apresentado com efeitos criados pelo

pesquisador para ingressar o discurso do outro.

Para Fillmore (1985) , a sala de aula pode ser um lugar ideal para se aprender uma língua, se ela permitir ao aprendiz estar em contato contínuo com professor e colegas que falem a língua-alvo suficientemente bem para auxil iá-lo no processo de aprendizagem.

87

Já nesse exemplo, o discurso apresenta característ ica de

discurso indireto analisador de conteúdo (BAKHTIN, 1929, p.161), pois

ao abordar o mesmo assunto do recorte (b), o discurso se atém à voz

do teórico Fil lmore, com um tratamento direto do conteúdo a respeito

da sala de aula. Para esse teórico — como interpretado pela

pesquisadora — a sala de aula é definida como um lugar para se

aprender uma língua se “ela permitir ao aprendiz estar em contato

contínuo com professor e colegas (...)”.

Os dois recortes mostram que a pesquisadora na interação com

os teóricos marca o discurso indireto destes por meio de expressões

(segundo, para). Essa ação possibil i ta uma compreensão da interação

em atos enunciativo-discursivos onde o pesquisador (enunciador) não

só responsabil iza seu outro, os teóricos, pelo discurso no texto, mas

também se apóia nele para mostrar o seu discurso. Essa interação vai

colaborando para a construção do pesquisador.

Nos Capítulos, naturalmente o discurso dos teóricos aparece

muito mais. As formas de discurso citado com as expressões “segundo”

e “para” são as mais encontradas nos Capítulos, repetindo o que já

havia ocorrido na Introdução . Mas também encontramos outras

expressões como “de acordo com...” e pontuação (dois pontos).

Abaixo alguns exemplos mostram como elas aparecem no texto.

Para Krashen, a condição “sine qua non” para que isso se dê é que o aprendiz volte sua atenção para o signif icado, ou seja, o conteúdo da mensagem que está sendo passada na L2/FL, e não para a forma. (p.19-20).

Para alguns autores, dentre eles Allwright, a aprendizagem também cumpre uma função importante, quando se está discutindo a sala de aula.

88

(...) segundo Krashen , que se faça uso do contexto e informações extra-l inguísticas que auxil iarão no proceso de tornar o “input” compreensível. (...) segundo Ellis (1985), trata aquisição como o resultado de uma interação entre as habil idades mentais do aprendiz e o ambiente l ingüístico.

Nesses exemplos, somente o primeiro recorte apresenta um

discurso analisador de expressão. O recorte mostra que o pesquisador

ingressa a voz do discurso do outro na cena com uma expressão em

latim – sine qua non – uti l izada por este, sinalizando, dessa forma,

para a subjetividade pictórica do discurso indireto dessa natureza

(BAKHTIN, 1929/2002, p.164).

Os demais apresentam características, já citadas, de discurso

indireto analisador de conteúdo.

Diante disso, mais uma vez, identif icamos a pesquisadora

apresentando o discurso do teórico com uma marca visível de

separação e, como já interpretado anteriormente, indicando a

responsabil idade do outro no que está sendo interpretado.

Entretanto, a ação de integrar o discurso do outro, seja de que

forma for, não é fortuita ou neutra. É um ato responsável, como todos

os outros no texto (BAKHTIN, 1920-24/1997). Trata-se de um ato de

responsibil idade, ou ação/reaçao responsiva. O discurso do outro foi

posto no texto com um (ou alguns, ou muitos) objetivo (objetivos).

O Quadro 10 apresenta as formas para introduzir o discurso do

teórico e o número de suas ocorrências nos Capítulos.

Já nas Considerações Finais , o discurso do outro é encontrado

na forma de discurso indireto (2) e também com o uso dos verbos

dicendi afirmar (1) e concluir (1).

89

Quadro 10: Expressões na formas encontradas nos Capítulos

Apesar de poucas formas de presença do discurso do outro, elas

trazem uma novidade: o nome e discurso de teóricos citados apenas

nesta parte da Dissertação. Dentre eles estão Prabhu, Sato, Brock.

Abaixo seguem recortes de como elas aparecem nas Considerações

Finais .

Segundo Prabhu (1987), quando no existe percepção pedagógica na cabeça do professor (o que ele chama senso de plausibil idade), o processo de ensino é uma mera rotina que vai se cristal izando através do tempo.

Brock (1996), ao relatar sua pesquisa que analisa os efeitos de perguntas referenciais no discurso da sala de aula, afirma que: “an increased use by teachers of referential questioner, which create a f low of information from students to teachers, may generate discourse which more nearly resembles the normal conversation learners experience outside of the classroom” (1986.49).

Como Brock (1986), também Long e Sato (1983), após analisarem a influência de pseudo-perguntas e perguntas genuínas na interação, concluem que perguntas genuínas são muito importantes para a aprendizagem de uma língua, por promoverem negociação de signif icado e gerarem “outputs” mais elaborados, e clamam por um treinamento e/ou conscientização de professores a esse respeito.

EXPRESSÕES

OCORRÊNCIAS

Segundo (para DI) 75 De acordo 05 Para 34 Com dois pontos (:) 06 Nas palavras de 07 Segundo (para DD) 06

90

Os dois verbos dicendi que aparecem mostram uma atitude da

pesquisadora em encerrar o seu texto com convicção (afirmar),

concluindo-o a partir da colaboração do discurso do outro. Assim, o

discurso da pesquisadora junta-se com o do outro e ambos se

encaminham para o f inal do texto.

Nos Capítulos, foram encontradas dezenove (19) situações de

discurso direto. A variante mais uti l izada foi a de discurso direto

preparado. Nela a pesquisadora interpreta antecipadamente, muitas

vezes com suas entoações, o que o outro escreveu. Dentre os teóricos

que ingressam nessas situações, encontramos Krashen em seis (6),

Long em quatro (4) e Ell is em três (3). Abaixo seguem exemplos dessas

situações, juntamente com os teóricos.

Recorte (a)

(...) como já dissemos anteriormente, ocorre aqui uma inversão do pressuposto pedagógico segundo o qual primeiro se aprendeM estruturas, para depois praticá-las na comunicação e, por conseguinte, desenvolver f luência. Referindo-se a esse pressuposto, Krashen diz: “the input hypothesis says the opposite. It says we acquire by going for meaning first, and, as a result, we acquire structure” (1992:21). Essa visão de Krashen parece ter t ido uma forte repercussão na prática do ensino de línguas. (p.20).

Recorte (b)

Tarone e Vule (1989) também entram por essa questão pedagógica, quando colocam na introdução do l ivro “Focus on the Language Learner” a seguinte pergunta: Por que professores de L2 e LE nunca usam um único l ivro-texto? Por que estão sempre mudando seções e criando material adicional? (p.57).

Recorte (c)

Krashen afirma que tornar o “input” compreensível é uma condição crucial para que ocorra aquisição de L2/LE e diz mais: “perhaps the main function of the second—language teacher is to help make input comprehensible, to do for the adult what the outside

91

world cannot or wil l not do” (Krashen, 1982:64). (p.22).

Recorte (d)

Long chega então à elaboração da hipótese final: “participation in conversation with NS, made possible through the modif ication of interaction, is the necessary and suff icient condit ion for GLA” (1981:275). Long reconhece, entretanto, a condição de hipótese de sua afirmação, sugerindo que estudos sejam realizados para testar o que propõe. (p.48).

Recorte (e)

Opondo-se à visão behaviorista, a visão nativista defende a idéia de que exposição à língua não é suficiente para que ocorra aquisição. Nas palavras de Ell is (1985), “ input is as a tr igger which activates the internal mechanisms” (1925, p.12B). As primeiras pesquisas buscavam identif icar as propriedades l inguísticas da fala das mães, com o objetivo de se estabelecer se essa fala era realmente degenerada, como afirmava Chomsky. O resultado dessas pesquisas mostrou, entretanto, que essa fala é muito bem formada, contendo poucas sentenças não-gramaticais ou fragmentadas. Essas pesquisas, acreditamos, foram o embrião da visão interacionista, que, segundo Ell is (1985), trata aquisição como o resultado de uma interação entre as habil idades mentais do aprendiz e o ambiente l ingüístico. Nas palavras de Ell is: “The learner’s processing mechanisms both determine and are determined by the nature of the input. Similarly, the quality of the, input affect and is affected by the nature of the internal mechanisms .” (1985: 129). Dentro dessa visão, a interação verbal entre aprendiz e interlocutor é a manifestação da interação entre fatores internos e externos. (p.37).

Verif icamos a ocorrência de discurso direto preparado (c, d),

discurso direto antecipado e disseminado (a, e).

Nos recortes (a) e (d) identif icamos formas do discurso direto

antecipado e disseminado que evidenciam discursos da pesquisadora e

também dos teóricos a respeito do assunto tratado. No recorte (a) o

enunciado da pesquisadora “como já dissemos anteriormente” antecipa

92

o assunto do discurso do outro e renova laços com a fala do outro que,

neste caso, é o autor Krashen. Essa interação termina com a afirmação

da pesquisadora de que a “visão” de Krashen teve “uma forte

repercussão...”.

Algo semelhante ocorre no recorte (e). Nesse, os discursos se

entrecruzam; “as pesquisas” citadas pelo pesquisador a respeito do

ambiente l ingüístico como forma de aprendizagem da língua “falam”

junto com a autora “Ell is” enquanto outro (recorte teórico). O

pesquisador incide com suas entoações, como “essa fala é muito bem formada, contendo poucas sentenças não-gramaticais ou

fragmentadas”, combinando-a com a do outro - a das “pesquisas”

citadas e a de Ell is, teórico citado.

Quanto aos recortes que revelam o uso de discurso direto

preparado, o pesquisador prepara o que o outro vai dizer. É o caso do

recorte (d), quando diz “Long chega então à elaboração da hipótese

f inal” e na mesma citação “Long reconhece, entretanto, a condição de

hipótese de sua afirmação, sugerindo (...)”.

Diante disso, vemos que a pesquisadora vai integrando o outro

no texto a partir das contribuições que este pode dar na abordagem do

assunto. O discurso do outro é preparado com as entonações da

pesquisadora, uma espécie de “apresentação” do discurso que vai

entrar em cena. A alteridade, nesse sentido, participa do texto com um

discurso marcado pelo discurso da pesquisadora.

Entretanto, como podemos interpretar a constatação de mais

uso do discurso indireto e menos uso do discurso direto nessa

Dissertação (cf. Anexos 1)? Podemos considerar duas interpretações. A

primeira se refere a uma característica da pesquisadora de ser mais

analít ica na abordagem do discurso do outro. Isso pode ser confirmado

não só pela dimensão quantitativa — 109 ocorrências de discurso

indireto e apenas 19 de discurso direto — mas também pela forma da

pesquisadora integrar o discurso do outro no contexto comunicativo.

93

Nesse últ imo aspecto, ela integra o discurso do teórico e,

concomitantemente, insere nele suas entoações analít icas. Abaixo

apresentamos uma seqüência (Seq) que mostra uma pesquisadora mais

analít ica, envolvendo o autor Krashen.

Seq1: “Apesar de colocar repetidas vezes a importância do

‘input’ compreensível para a aquisição de competência em LE/L2 ,

Krashen afirma não ser condição suficiente.

Seq2: Para o autor [Krashen], entra aqui um outro aspecto

essencial para que o processo de SLA tenha sucesso, qual seja, o

conceito de Filtro Afetivo proposto por Dulay e Burt (1977).

Seq3: “Krashen (1981) procede a uma revisão das pesquisas

realizadas nessa área na últ ima década, que confirmam a relação entre

variáveis afetivas e o sucesso de uma L2.” (p.22).

Os grifos mostram que a pesquisadora identif icou atos do outro

com relação ao tema que ela apresenta em texto. O outro (Krashen)

“colocou” (disse, afirmou) “repetidas vezes”, acenou para um “outro

aspecto” e “procedeu” (estudou) a uma “revisão de pesquisas” sobre o

tema do discurso. Ela, ao integrar o discurso do outro, também o

analisa.

Esse tipo de postura diante do discurso do outro ocorre de

maneira regular na primeira Dissertação, mostrando uma atitude

analít ica da pesquisadora na interação com o seu outro.

Essa predominância de discurso indireto está relacionada ao

papel que a pesquisadora atribui ao outro no texto, o de questionador.

Ao apresentar o discurso dos teóricos, de modo especial o de Krashen

e Long, ela o faz de maneira a confrontá-los entre si. E, preocupando-

se com o leitor, apresenta a posição de cada um (extralingüístico) a

respeito do que está sendo interpretado na cena textual. Para que isso

ocorra, a pesquisadora como que sintetiza o pensamento (idéia,

94

conclusões) dos teóricos apresentando-o sob a forma de discurso

indireto.

Outra forma de discurso citado usada pela pesquisadora na

Dissertação ocorre pelos verbos dicendi. Nessa Dissertação, defendida

em 1993, as ocorrências de verbos atingem 383 numa quantidade de 51

verbos diferentes. Esses verbos introduzem o discurso do outro e

apresentam diferenças entre o discurso direto e o indireto. Enquanto no

discurso direto eles somam apenas 19 ocorrências com 5 verbos, no

discurso indireto eles atingem um pico de 109 ocorrências com 33

verbos. Essa diferença, inicialmente quantitativa, mostra também

aspectos qualitativos que indicam algumas posições assumidas pelo

pesquisador, dentre elas a de oposição, na interação com os teóricos,

que são discutidas mais adiante.

Também identif icamos uma diferença entre a quantidade de

verbos e suas ocorrências quando o pesquisador os uti l iza para

introduzir o discurso do teórico, tanto direto como indireto. Dentre os

verbos para introduzir o discurso direto, encontramos afirmar (4) e a

expressão nas palavras de (7). Quanto ao uso desse tipo de verbo no

discurso indireto, encontramos também afirmar (14), chamar (chama a

atenção) (10) e mencionar (21). Abaixo apresentamos alguns exemplos

de suas formas de presença.

(. ..) Allwrtqht afirma que o conceito de “input” de Krashen deveria ser expandido para incluir também itens ensinados e não somente os que simplesmente aparecem. Nas palavras de Ell is (1985), “ input is seen merely as a tr igger which activates the internal mechanisms” (1985, p.128).

Encontramos no primeiro exemplo o discurso indireto, no qual o

ingresso do outro no texto aparece sem aspas, o que nos conduz a

interpretar como uma reformulação de suas palavras, mas que mantém

95

o sentido do pensamento do teórico. No segundo, por sua vez,

verif icamos o discurso direto em sua forma clássica.

No primeiro texto, retomando os verbos mais uti l izados —

afirmar (4) e a expressão de introdução nas palavras de (7) —, o

pesquisador não só introduz o autor, mas confere a este, pelo uso

desses verbos, um caráter de “autoridade” no assunto que aborda. O

verbo afirmar , nesse caso, sinaliza um caráter de certeza em relação

ao assunto tratado na interação. Assim também a expressão nas

palavras de confirma o que dissemos, pois essa expressão, no contexto

da cena textual, revela essa atribuição da pesquisadora para com o

autor. Retomemos o exemplo anterior e um outro, selecionado para

esse fim, para observar como isso acontece.

(...) Allwright afirma que o conceito de “input” de Krashen deveria ser expandido para incluir também ítens ensinados e não somente os que simplesmente aparecem.

Apesar de concordar com Krashen quanto à necessidade de se obter “input” compreensível para que se possa progredir na aprendizagem de uma L2/LE, Allwright afirma que é o processo interativo de tornar o “input” compreensivel o que realmente beneficia o aprendiz (p.3)

É possível observar que a posição conferida ao autor Allwright

pelo pesquisador é de “autoridade” no assunto, pois sua voz é

precedida pelo verbo afirmar, que confere ao citado um grau de certeza

no que é interpretado. O verbo afirmar reporta à pesquisas já

realizadas e serve como embasamento de apoio na defesa de uma

idéia. Nesse sentido, o outro, neste caso, Allwright , tem uma presença

colaborativa no desenvolvimento do texto da pesquisadora. Não é por

acaso que o pesquisador, no primeiro texto, recorre de maneira

signif icativa a esse autor. Isso pode ser sublinhado pelo fato de o

autor Allwright ocupar um lugar de destaque entre os cinco mais

citados na primeira Dissertação, como fora indicado anteriormente.

96

1.4 O Outro nas Referências Bibliográficas

No caso da primeira Dissertação, formulamos a seguinte

questão, dentre outras que poderiam ser construídas: como podemos

interpretar a ausência dos teóricos l istados nas Referências

Bibliográficas , mas não citados na Introdução , Capítu los e

Considerações Finais? Partimos da dimensão de bivocalidade do

discurso para responder essa questão.

O discurso mostra na material idade l ingüística o (s) sentido (s)

que está (ao) presente (s) na (s) palavra (s) do outro no texto e, ao

mesmo tempo, direciona para além do texto. Quando o discurso do

outro é integrado no contexto comunicativo pelo pesquisador, este

compreende que um determinado “discurso” e um determinado “outro”

estão sintonizados coerentemente com o que é interpretado no texto.

Essa sintonia está relacionada muitas vezes com a Linha de Pesquisa,

ou Grupo de Pesquisa, do qual faz parte a pesquisadora.

A Linha de Pesquisa é constituída por um conjunto de teóricos

que desenvolve trabalhos a partir de um (ou mais) paradigma para

compreender um fenômeno humano, como a interação, a l inguagem, o

trabalho, a educação etc. Nem sempre os teóricos que estão

sintonizados com a Linha de Pesquisa têm algo de específico para

colaborar num trabalho de pesquisa e, dessa forma, eles são incluídos

numa lista de bibliografia consultada.

Foi o caso, a nosso ver, daquele conjunto de teóricos l istados

nas Referências Bibliográficas da primeira Dissertação, mas não citado

no corpo do trabalho. Poderiam ter sido l istados numa l ista como essa.

Os teóricos que não foram citados no trabalho são integrantes da Linha

de Pesquisa da pesquisadora, mas sem grandes contribuições ao

problema de pesquisa desenvolvido na primeira Dissertação.

Esses teóricos que não foram citados no corpo do texto têm uma

97

presença no texto diferente em relação àqueles mais citados.

Acreditamos que eles fazem parte do discurso interior (consciência) do

pesquisador. De acordo com Bakhtin (1927/2001, p.80) "Esse discurso

também pressupõe o ouvinte eventual, constrói-se voltado para ele. O

discurso interior é tanto produto pressão do convívio social quanto o

discurso exterior.”. Nesse sentido, o outro não citado mas l istado, não

está no trabalho de forma “gratuita”, “neutra” etc., ele foi integrado

resposavelmente pelo pesquisador porque ele faz parte da consciência

do pesquisador, do “olhar do pesquisador”, enfim, de sua perspectiva

cientif ica para abordar a temática. Além disso, esse outro foi posto no

trabalho porque existe um “ouvinte eventual” que, a nosso ver, é aquele

(aqueles) cuja l inha de pesquisa está integrado ou concorda.

1.5 Posições do Pesquisador na Interação com o Outro

Nesta parte tomaremos dois caminhos. O primeiro é orientar a

abordagem das posições do pesquisador a partir de questões que

acrescentamos àquelas formuladas em nossa Introdução.

As questões são:

• Como o pesquisador integra o outro no texto?

• Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto?

• Qual o papel atribuído pelo pesquisador ao outro no texto?

• Que posições o pesquisador assume na interação com o outro no

texto?

O segundo caminho é norteado com as questões que foram

construídas na durante análise da primeira Dissertação. Esse

procedimento é aplicado aos demais textos (Segunda Dissertação e

Tese). Acreditamos que isso pode conduzir a identif icação de

semelhanças e diferenças nas posições que cada pesquisador assume

com seu outro, ou ainda, pode ajudar a perceber o que há de “estável”

e singular entre os textos.

98

1.5.1 Como o pesquisador integra o outro no contexto?

A integração do outro na Dissertação ocorre de duas formas.

Com uso dos verbos dicendi e com o discurso citado. Dentre os verbos

mais uti l izados para introduzir o discurso do outro no texto destacamos:

chamar (chamar a atenção), afirmar e mencionar. O verbo afirmar teve

quatorze ocorrências para transmitir o discurso do outro na forma de

discurso indireto. Em termos percentuais, esse número é signif icativo

em relação ao uso desse verbo para o discurso direto, que foi de

quatro ocorrências.

Diante disso, a pesquisadora apresenta as convicções (afirmar)

e as chamadas de atenção (chamar) do outro bem como as integra no

texto, mas sempre com uma análise (perspectiva, interpretação etc.),

que é uma característica fundamental do discurso indireto.

1.5.2 Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto?

A justif icativa de integração do discurso do outro ocorre a partir

de dois contextos. O primeiro contexto encontra-se mais fora do texto e

é denominado de contexto amplo, ou extraverbal. Já o contexto restrito

é evidenciado ao longo do texto.

O contexto amplo é sinalizado em dois momentos, um na

Introdução e o outro no Capítulo 1 . Na Introdução, a pesquisadora

orienta o leitor para uma polêmica que tem marcado os estudos sobre a

aquisição e aprendizagem em LE que recai sobre a “instrução formal”,

ou seja, a sala de aula.

Mesmo depois de séculos de prática de ensino de línguas em sala de aula, uma questão provoca, ainda hoje [1993], bastante controvérsia entre pesquisadores da área de l ingüística aplicada é a da influência que a instrução forma exerce no processo

99

de aquisição/aprendizagem de um a segunda língua/língua estrangeira. (p.1)

A partir desse momento, ela vai integrar os teóricos – o outro –

que estudaram (ou estudam) essa “controvérsia”. Dentre eles, Krashen

(1982), Long (1983), Fil lmore (1985) e Allwright (1984).

No Capítulo 1 , a pesquisadora contextualiza para o ingresso do

outro em outra polêmica relacionada a duas visões a respeito da

“maneira de se ensinar/aprender em L2 /LE, sendo elas: a visão

behaviorista e a nativista” (p.37). Diante disso, a pesquisadora situa

seu trabalho mais próximo da visão nativista e, dessa forma, justif ica

os teóricos que ingressam em seu trabalho, ou seja, aqueles que

orientam suas pesquisas por esse prisma.

O contexto restrito, ou seja, aquele que é materializado, é

constituído por três destaques: ambiente formal (dentro sala de aula)

versus ambiente natural (fora de sala de aula), o processo de

aquisição/aprendizagem em L2/LE e a interação entre professor-aluno

em sala de aula. Nesse contexto, os teóricos mais integrados são:

Krashen (49), Long (34) e Ell is (26).

1.5.3 Qual o papel atribuído ao outro pelo pesquisador no texto?

O papel atribuído ao outro pela pesquisadora na primeira

Dissertação é de questionador e apresentador. Ao contextualizar e

apresentar o tema de seu trabalho, a pesquisadora como que chama

para uma “discussão” aqueles que desenvolverão a discussão por meio

de estudos já realizados. Dentre eles estão: Krashen, Long, Fil lmore,

Ell is e Swain.

Nessa “mesa de debate”, ao autor Krashen é atribuído pelo

pesquisador o papel de “apresentador do dia”, ou seja, aquele que

apresenta sua teoria (pesquisa) para que os demais, sob a

100

coordenação da pesquisadora, possam formular suas crít icas. Isso já

ocorre na Introdução da primeira Dissertação, quando o pesquisador

insere no texto esse autor e a apresentação de suas idéias (discurso) a

respeito da “instrução formal”, a sala de aula. Das onze páginas que

compõem essa parte do texto, seis são uti l izadas para a “apresentação”

da teoria de Krashen. Também nos Capítulos ele será requisitado para

ser questionado por outros teóricos. Esse autor defende mais o

“ambiente natural” para a aquisição/aprendizagem de uma L2/LE.

O papel de questionador é atribuído principalmente aos teóricos

Fil lmore, Ell is, Swain e Long. Esses teóricos foram “postos” na “mesa

de debate” para questionar a teoria krashiana. Além desses teóricos, a

própria pesquisadora vai apresentar seus questionamentos aos

resultados de Krashen no final do trabalho (Considerações Finais). O

verbo dicendi mais uti l izado pela pesquisadora quando integra o

discurso desses teóricos, na cena textual de discussão da teoria de

Krashen, é o verbo questionar, como mostram os exemplos abaixo.

Em seguida, na segunda parte, apresentaremos questionamentos feitos por autores como Long, Gass e Various, Pica, Swain, Stevick, Allwright, Fil lmore, dentre outros, à teoria de Krashen. (p.15). Agora que colocamos de maneira resumida a hipótese do ‘ input’ de Krashen, vejamos como outros pesquisadores levantam questionamentos com relação ao que foi aqui exposto. (p.24). Um interessante questionamento sobre o papel do ‘output’ no processo de SLA como colocado por Krashen é feito por Swain (1965) , com a ntrodução do termo ‘output’ compreensível (comprehensible).e output). (p. 33). 1 - Para procedermos à discussão do papel do “input” no processo de aprendizagem, estaremos partindo do trabalho de Stephen Krashen que, apesar de vir merecendo sérios questionamentos , é, no nosso entender, um marco na teoria de aprendizagem de uma L2/LE, por ter formu1ado uma série de hipóteses bastante fortes, que conferem ao ‘ input’ uma grande importância (até então relegada) dentro desse processo. (p.52).

101

2 Segundo Ell is (1985), existem objeções à dist inção entre aquisição e aprendizagem colocadas por Krashen, O primeiro questionamento levantado por McLanghlin (1978) apud Ell is (1985), é que a distinção entre aprendizagem e aquisição é definida em termos de processos conscientes e subconscientes que não estão abertos à inspeção. (p.52). Um outro ponto questionado é o que Krashen chama a posição de não-interface” (the non-interface posit ion) ou seja, aquisição e aprendizagem sendo duas coisas completamente separadas. Ell is (1985) menciona os trabalhos de Rivers (1980) e Stevick (1980) que desafiam essa posição, alegando que conhecimento aprendido é automatizado através (...). (p.52).

Em alguns desses exemplos outros teóricos fazem parte do

grupo de questionadores presentes na “discussão”. Dentre eles estão

Rivers (1980), Stevick (1980), McLanghlin (1978). Também existe uma

sinalização para o extraverbal, como discurso de outros, quando a

pesquisadora diz que os trabalhos de Krashen estão “merecendo sérios

questionamentos”. Mas ela não aborda esses “sérios questionamentos”,

o que conduz à interpretação de um silêncio na identif icação dessa

alteridade.

1.5.4 Que posições o pesquisador assume na interação com o outro?

Dentre as posições assumidas pela pesquisadora na interação

com os teóricos no texto destacamos quatro: concordância,

concordância com ressalvas, discordância e discordância com

ressalvas.

Na posição de concordância, a pesquisadora cita Ell is em

discurso direto e indireto e com o uso de verbo dicendi. A pesquisadora

uti l iza o verbo “concordar” na primeira pessoa do plural.

102

Concordamos com Ell is (1985) quando este afirma: “The result of the negotiation of meaning is that particular types of input and interaction result. (p.50). Concordamos com os autores aqui mencionados, quando eles afirmam que a sala de aula tem um papel fundamental na aprendizagem de uma L2/LE. Além dos motivos apresentados aqui, temos ainda uma outra forte variável, no caso de LE no Brasil, ou seja, a sala de aula como a única fonte de “input”, ou oportunidade de interação na l ingua-alvo a que aprendizes tem acesso. (p.4).

Outro verbo que mostra a posição de concordância da

pesquisadora na interação com o outro é o verbo “acreditar”. Ele ocorre

cinco (5) vezes nos Capítulos 1, 2 e 3; e vinte e três (23) vezes no

Capítulo 4 e nas Considerações Finais . A forma de presença do

‘acreditamos’ tem semelhança com a forma de presença do verbo

‘concordar’. A pesquisadora, quando usa o verbo ‘acreditar’, usa-o na

primeira pessoa do plural, assinalando dessa forma que ‘concorda’ com

o que está sendo afirmado no texto. Dessa forma, interpretamos que a

pesquisadora novamente interage com os teóricos no texto usando o

“acreditamos” como forma de concordância de sua posição com a do

seu outro.

Acreditamos que, devido a inúmeras pesquisas empíricas realizadas que vêm normalmente confirmar a existência de uma ordem natural na aquisição de uma L2, essa hipótese goza de bastante prestígio junto a pesquisadores da área. (p.17-18).

Essas pesquisas, acreditamos, foram o embrião da visão interacionista, que, segundo Ell is (1985), trata aquisição como o resultado de uma interação entre as habil idades mentais do aprendiz e o ambiente l ingüístico. (p.38). Nenhum professor fez perguntas a respeito da pesquisa que não pudessem ser respondidas e acreditamos que o fato da pesquisadora e professores não se conhecerem previamente ajudou o trabalho. (p.81).

103

Acreditamos que a produção (“output”) é muito importante no processo de aprendizagem de uma L2/LE que – de acordo com Swain (1985) - tem as funções de: Existe, ainda hoje, muita controvérsia sobre o papel do “input” e da interação no processo de SLA. Acreditamos poder, entretanto, chegar a uma conclusão parcial, a partir do que foi aqui exposto. (p.50). Da mesma forma, se se gasta muito tempo em exercícios de repetição (dri l ls) ou perguntas que têm a forma desses exercícios (acreditamos que ele se refere aqui a pseudo-perguntas), os aprendizes terão menos oportunidades de avaliar “ input” e de produzir frases criativas.(p.60-61).

A posição de concordância com ressalvas ocorre poucas vezes.

Em todos os momentos, a pesquisadora apresenta o discurso dos

teóricos na cena textual com um “tom” de concordância ou de respeito

para com a teoria deles, mas, logo em seguida, revela seu ponto de

vista usando o relator “entretanto”.

Não há dúvidas de que as hipóteses acima expostas [hipóteses de Krashen] fornecem importantes “insight” com relação ao processo de SLA. (....). Entretanto, nenhuma das hipóteses aqui apresentadas parece explicar a forma satisfatória como se dá o processo SLA, ou como o aprendiz avança na aquisição de competência em um L2/LE. (p.19).

Em outro momento, ainda concordando com ressalvas com o

discurso do outro, a pesquisadora põe outro relator, o “mas”, como

estratégia para mostrar que falta algo mais no discurso do outro.

(...) A necessidade de se centrar a aquisição/aprendizagem de uma LE/L2 na busca do

104

signif icado [ponto de concordância com Krashen] ao invés da forma [sala de aula] parece ser ponto de consenso em lingüística aplicada nos dias de hoje. (p.20).

A posição de discordância ocorre de maneira evidente apenas

uma vez, e nas Considerações Finais . Essa ocorrência resulta da

análise e dos resultados a que chegou a pesquisadora com o seu

trabalho. Se desde a Introdução a pesquisadora assumiu — numa

posição de concordância — que ir ia desenvolver seu trabalho “a luz da

teoria de Long” (p.6), e assim o faz, ao f inal do trabalho, porém, ela

põe em sua voz um “tom” de desacordo com esse autor e seus

“aliados”. Tudo o que foi interpretado por esse autor — suas

conclusões de pesquisa – foi “fruto” dos sujeitos de pesquisa com os

quais ele desenvolveu seu trabalho.

Acreditamos que esse tipo de conclusão é fruto dos sujeitos (professores) ut i l izados naquela pesquisa (...). (...) nossa situação é bastante diferente. (p.178-179).

A “conclusão” a qual se refere a pesquisadora se trata do foco

de pesquisa desenvolvida por ela e pelo autor Long, ou seja, “as

perguntas do professor” — pseudo (conhecidas) e genuínas (novas) —

e suas interferências na aprendizagem de uma língua. Segundo eles

(com suas pesquisas), esses t ipos de perguntas “promovem negociação

de signif icado” e “geram outputs” (conhecimento por parte dos alunos).

Mas isso, como testemunha a enunciação acima, diz respeito aos

“sujeitos” que participaram da pesquisa de Long.

No caso da primeira Dissertação, a pesquisadora concluiu com

seus sujeitos (alunos) que a diferença está na “percepção dos

professores” (percepção pedagógica), e não nas perguntas. Apesar de

105

ter desenvolvido seu trabalho “à luz da teoria de Long” (p.6) — na

Introdução —, ela assume na interação com ele uma posição de

discordância apoiada na diferenciação de “sujeitos” (p.179) —

Considerações Finais —de pesquisa.

Na interação com o outro da pesquisadora acontece um confl i to.

Apoiada no outro para o desenvolvimento do trabalho e de si mesmo, a

pesquisadora põe um ponto específ ico, uma fronteira, uma “bifurcação”,

diante de sua conclusão — teoria — e a de seu outro (Long). E deixa

evidente onde está o l imite, no texto, entre o seu outro e ela: a

“negociação dos signif icados”. Enquanto ela se encaminha para um

lado (percepção dos professores), o seu outro, o autor Long,

encaminha-se para outro (perguntas genuínas).

1.6 A Construção do Pesquisador diante dos Teóricos

Diante do que foi observado e interpretado anteriormente a

respeito da interação da pesquisadora com seu outro, apresentamos

agora a pesquisadora que se construiu na interação com seu outro na

primeira Dissertação.

Em primeiro lugar identif icamos uma pesquisadora sintonizada

com a Linha de Pesquisa na qual ela está integrada. Já na Introdução,

e mesmo antes no Resumo da dissertação, a pesquisadora permite

concluir que seu trabalho sintoniza com o que se discute em sua Linha

de Pesquisa. Quando afirma que seu interesse é o “processo” que

ocorre em “sala de aula”, mantém-se fiel ao seu objetivo ao longo do

texto, a pesquisadora remete para a sua Linha de Pesquisa.

O que nos interessa é observar o processo de aprendizagem que vem ocorrendo en nossa salas de aulas. Para tal, analisamos o bloco interativo, que é, neste trabalho, a interação que acontece entre

106

professores e alunos a partir de uma pergunta do professor (...)”. (p.7-8).

É uma pesquisadora que, na interação com os teóricos, remete

frequentemente aos dados, ou seja, a discussão de seu trabalho esteve

centrada nos “dados”, nos “sujeitos”, enfim, na experiência de

pesquisa. A maior parte do texto, na Fundamentação Teórica (Capítulos

1 e 2) e na Discussão do Resultados , a pesquisadora retorna aos

dados para afirmar ou negar algo. Isso pode ser mostrado nas

Considerações Finais quando a pesquisadora enfatisa que a teoria

(conclusões) de Long estava relacionada aos “seus sujeitos” (adultos,

professores) de pesquisa, diferente dos dela (adolescente, alunos).

Nossos resultados vem confirmar aqueles encontrados por Long e Sato (1983), que mostram que o discurso do professor contém mais pseudo-perguntas do que perguntas genuínas. Os autores apontam isso como um problema nas salas de aula, uma vez que pseudo-perguntas levam, normalmente, a respostas mais curtas e menos elaboradas, já que a informação que estas contém serve apenas a propósitos didáticos e não realmente cornunicativos. (p. 123). Nenhum professor fez perguntas a respeito da pesquisa que não pudessem ser respondidas e acreditamos que o fato da pesquisadora e professores não se conhecerem previamente ajudou o trabalho. (p.81). Concordamos com Long e Sato a respeito da importância das atividades conduzidas na sala de aula (dentre elas as perguntas) conterem um real propósito comunicativo. No temos, entretanto, uma confirmação dessa afirmativa até aqui. (p.120). Acreditamos que esse tipo de conclusão é fruto dos sujeitos (professores) ut i l izados naquela pesquisa (...). (...) nossa situação é bastante diferente. (p.178-179).

Em terceiro lugar a pesquisadora remete-se aos trabalhos

desenvolvidos pelos teóricos. Ele não só apresenta o pensamento

(teoria, idéias) do teórico (seu outro), mas, frequentemente, relata a

107

pesquisa pela qual se construiu o pensamento. Na Introdução e no

Capítulo 2 encontramos exemplos que confirmam isso.

A importante questão da fala do professor como ‘input’ para o processo de aprendizagem é tratada por Fil lmore (1985), num interessante estudo longitudinal (cinco anos de duração), que teve como objetivo primeiro investigar diferenaças individuais no processo de aprendizagem de L2 em sala de aula (...). (p.61). Os sujeitos desse estudo foram crianças estrangeiras estudando inglês como L2 (...). (p.61). Em seu trabalho “Does Instruction Make a DifFerence?”, Long (1983) relata resultados de pesquisas empiricas que mostram que nao só adultos, mas também crianças se beneficiam da instrução formal (de acorda com Krashen, crianças não estariam suficientemente maduras para “aprender”). Outras pesquisas mostram, ainda, que a instrução formal é benéfica, mesmo para alunos de nivel intermediário e avançado que tenham bastante oportunidade de receber “input” fora da sala de aula. (p.12, Notas)

Em quarto lugar identifcamos que a pesquisadora questiona

(confronta, polemiza) os teóricos e apresenta questionamentos de um

ao outro. Os exemplos são mais encontrados na Introdução e nos

Capítulos. No Capítulos 1 identif icamos ess a ação da pesquisadora

quando ela primeiro apresenta a teoria de um teórico (Krashen) e, em

seguida, os questionamentos de outros (Long, Allwright, Gass, Varonis)

que ocupam as páginas seguintes de seu texto.

1.2 — A Hipótese do Input é Questionada Agora que colocamos de maneira resumida a

hipótese do “input” de Krashen, vejamos como outros pesquisadores levantam questionamentos com relação ao que foi aqui exposto. (p. 24) Em seguida, na segunda parte, apresentaremos questionamentos feitos por autores como Long, Gass e Various, Pica, Swain, Stevick, Allwright, Fil lmore, dentre outros, à teoria de Krashen. (p.15).

108

Mas fica ainda sem resposta a seguinte questão: Como se avança de um nível de competência na L2/LE para outro? Ou, ainda, como se adquire uma L2/LE? (p.20). Um outro ponto questionado é o que Krashen chama a posição de não-interface” (the non-interface posit ion) ou seja, aquisição e aprendizagem sendo duas coisas completamente separadas. Ell is (1985) menciona os trabalhos de Rivers (1980) e Stevick (1980) que desafiam essa posição, alegando que conhecimento aprendido é automatizado através (...). (p.52).

Em quinto lugar identif icamos uma pesquisadora que

frequentemente analisa o outro. Consideramos esse elemento como

fruto de duas ações de l inguagem. Uma resulta da constatação do uso

predominante de discurso indireto (109 ocorrências, supeiror às 19 de

discurso direto). O outro é identif icado na abordagem dos dados de

pesquisa. Enquanto aborda os dados, a pesquisadora não só

apresenta, detalha, descreve mas, sobretudo, analisa-os. Já quando

integra o discurso do teórico no contexto da Dissertação, ela o faz,

analisando-o antes e depois de citado.

Uma das professoras que observamos obteve um índice um pouco maior de respostas “completas” quando analisamos apenas perguntas genuínas, mas não só obteve um percentual bastante baixo (29%), como numa amostra muito pequena (apenas oito oerquntas genuínas). (p. 153). Agora que passamos um pouco pela l i teratura, trabalhamos alguns conceitos importantes, tentaremos explicar o que é a nossa unidade de análise que, como já dissemos, chamamos bloco interativo. (p.85).

O verbo “passar” traz consigo um sentido de análise, ou seja,

a pesquisadora integrou e analisou no seu texto o discurso do outro

com seus “conceitos importantes”. Esse ação vai se repetir ao longo do

texto.

109

Em sexto lugar identifcamos uma pesquisadora que formula

questões e hipóteses na abordagem do seu objeto de pesquisa. Isso

ocorre principalmente quando a maior parte dos teóricos integrados no

texto — como Long, Allwright, Fil lmore e outros — questionam um

autor: Krashen. Essa ação de l inguagem já é prevista na Introdução

quando apresenta a organização da Dissertação.

Em seguida, na segunda parte, apresentaremos questionamentos feitos por autores como Long, Gass e Various, Pica, Swain, Stevick, Allwright, Fil lmore, dentre outros, à teoria de Krashen. (p.15). Uma outra questão que deve ser levantada é: será que este professor se posiciona crit icamente com relacão ao trabalho que desempenha? (p.176).

Outra situação em que ela se revela é quando questiona e

apresenta a hipótese.

Mas fica ainda sem resposta a seguinte questão: Como se avança de um nível de competência na L2/LE para outro? Ou, ainda, como se adquire uma L2/LE? (p.20).

Essa questão formulada pela pesquisadora aos teóricos no

contexto comunicativo é respondida com uma hipótese resultante da

análise dos dados. Tal hipótese parece ser “definit iva” como ela

costuma usar em seu texto. Trata-se do investimento no professor.

(...) o professor precisa ter uma percepção pedagógica que por sua vez só é alcançada se ele tem uma postura crít ica com relaçção à metodologia de ensino, ao material estímulo e também à sua prática diária na sla ade aula. (p.177).

110

(...) é importante que ele [professor] entenda apresendizagem não somente como “aprender que” mas princiaplamente saber como”. (p.178).

Em sétimo lugar, identif icamos uma pesquisadora que uti l iza

frequentemente citações para falar do outro. As citações se aglomeram

em três teóricos — Krashen, Long e Ell is. Long e Ell is são os

defendidos diante da perspectiva naturalista de Krashen para a

aprendizagem em língua estrangeira. Esse últ imo, não obstante a

identif icação de quarenta e nove (49) citações realizadas pela

pesquisadora, é ingressado no texto para ser questionado.

Além de Long (1983), Allwright (1984) e Fil lmore (1985) também atribuem à sala de aula um papel mais importante do que o atribuído por Krashen. Ambos acreditam que a sala de aula traz benefícios não só como fonte de “input” mas também em função da instrução formal. (p.2). É importante notar, entretanto, que, apesar de evidências empiricas, Krashen afirma que as implicações pedagógicas, ao contrário do que se poderia supor, não levariam ao uso de programas de ensino (syllabi) progressivos, baseados na ordem encontrada pelos diversos estudos realizados. (p.18).

Nesse sentido, a pesquisadora se constrói na oposição com seu

outro mais citado: Krashen. Não obstante ser o teórico mais citado pela

pesquisadora, tal uso foi o de demonstrar sua oposição a ele,

al icerçada fundamentalmente em dois teóricos, Long e Ell is.

Por analogia, tal ação da pesquisadora remete ao personagem

Las Casas tratado por Todorov, que transpomos para o contexto dessa

Dissertação.

Considerando o que foi interpretado, a pesquisadora na primeira

Dissertação introduz inúmeras citações para ingressar o discurso do

teórico. Diante das várias formas de discurso citado identif icadas no

111

texto, ela ingressa o discurso de teóricos para não só corroborar o seu,

mas também para defender o de outros.

Las Casas na interação com o outro compreende a perspectiva

deste, defende-o e respeita os valores do outro diante de terceiros.

Assim como compreender, defender e distanciar-se são atos de Las

Casas na interação com o outro, assim também a pesquisadora cita o

outro (Long e Ell is) para mostrar que assume sua perspectiva diante de

terceiros que, no contexto da primeira Dissertação, trata-se do autor

Krashen.

Enquanto constrói sua Dissertação, a pesquisadora na interação

com os teóricos deixa marcas l ingüístico-enunciativas no seu texto.

São ações que se assemelham as de “Las Casas”. Trata-se de fazer

citações no texto e, com isso, pode revelar que a pesquisadora assume

a perspectiva do teórico no texto. As citações revelam o discurso do

teórico e sua posição sobre algum assunto. Essas ações da

pesquisadora preservam a ideologia e/ou o discurso do teórico.

Ou também parte das citações para fazer a defesa do teórico

citado diante de terceiros. Nessa últ ima ação, apresenta-se, por

analogia, o “Las Casas distributivo” que entra na arena de discussões

de pesquisas para defender as idéias (valores) do teórico citado. Em

meio às várias formas de discurso citado identif icadas num texto, o

pesquisador pode ingressar as vozes de teóricos para não só

corroborar a sua, mas também para defender a de um autor.

Descobrimos que, ao identif icar os teóricos e seu papel no texto

e analisar a interação da pesquisadora com eles, a presença de todos

foi colaborativa e fundamental para a construção da Dissertação e da

pesquisadora.

A ação de remeter aos dados de outras pesquisas e,

consequentemente a outros teóricos, mostrou que isso foi possível

porque existem teóricos e pesquisas. A ação de apresentar

questionamentos de um grupo de teóricos a um teórico (Krashen) foi

112

possível porque existe esse outro e seus questionadores. Fazer

citações foi possível porque existem obras (enunciado-obra) de

teóricos. E, f inalmente, analisar, discordar e questionar o teórico e seu

discurso, foi possível por existem publicações de seu pensamento

(pesquisas, idéias etc.).

Assim como afirmamos que a pesquisadora na primeira

Dissertação construiu-se na oposição ao seu outro (específico,

Krashen), à sombra de “outros” (Long e Ell is), também afirmamos que

isso aconteceu porque esses teóricos estavam presentes. A oposição

se mostrou como uma resposta da pesquisadora ao discurso do outro,

porém sem estar sozinha no texto.

1.7 Conclusões Parciais

Após realizar um percurso constituído de contexto de integração

do teórico, identif icação do nome do teórico, do discurso do outro e as

posições assumidas pela pesquisadora na Dissertação, cabe agora

apresentar algumas conclusões parciais, dentre elas a de que as

interações revelaram a construção da pesquisadora.

O contexto no qual o outro é integrado apresenta-se

predominantemente com dois elementos signit i f icativos. Ou a sala de

aula é fundamental para a aquisição/aprendizagem de LE/L2 ou não. Ou

as “perguntas genunínas” (conhecimento novo) são fundamentais para

estimular a interação entre professor-aluno e a aquisição;aprendizagem

de LE/L2 ou não. Esses elementos são nucleares no texto e estão na

base de toda a discussão da pesquisadora na primeira Dissertação,

muito embora, nas Considerações Finais , o trabalho conclui que muitos

problemas sobre a aquisição/aprendizagem de LE/L2 podem ser

solucionados com o investimento no professor.

Na identif icação do outro ocorre uma predominância de alguns .

Num total de quarenta e dois teóricos localizados no trabalho (da

113

Introdução às Considerações Finais) apenas três — Krashen, Long e

Ell is — são mais integrados pelo pesquisador no texto. E isso repercute

na interação.

Na interação da pesquisadora com o outro, como podemos

perceber, também ocorreu a predominância de alguns teóricos. Na

primeira Dissertação, a pesquisadora estabeleceu mais interação com

aqueles três teóricos, enquanto os demais ou são “aliados” de um e

outro, ou seja, alguns seguem o pensamento de Krashen e outros

seguem o pensamento de Long.

Também indentif icamos na interação com os teóricos que a

pesquisadora teve atitudes de analisar e questionar. Nessa últ ima,

como foi mostrado pelos recortes, revela uma pesquisadora que se

constroi estabelecendo questionamentos entre os teóricos a respeito de

algum assunto, e também que formula questões às teorias dos teóricos.

Tais ações de l inguagem são precedidas por uma outra, o da análise.

A pesquisadora analisa o discurso do outro (discurso indireto

analisador de conteúdo) ao mesmo tempo em que integra-o no contexto

comunicativo. Uma das confirmações dessa característica do

pesquisador está também na predominância do discurso indireto no

texto (109 ocorrências) que tem em sua “alma” a análise.

A pesquisadora se constrói na oposição a um de seus outros:

Krashen. Stephen Krashen (University of Southern California) é um

estudioso da l inguagem que tem produzido há mais de 20 anos de

pesquisas sobre a aprendizagem da segunda língua. De acordo com

sua visão, o desenvolvimento de habil idades e conhecimento ocorre

como resultado de ação, de interação do ser inteligente com seu

ambiente. E no caso de línguas estrangeiras o ambiente apropriado é

aquele que além de favorecer com que o sujeito se sinta a vontade,

oferece a oportunidade de interação multicultural de pessoas de

diferentes nacionalidades e que, também, proporciona o

desenvolvimento do conhecimento e das habil idades básicas

114

necessárias para que todos possam se comunicar em qualquer

situação.

Consideramos, assim, que quanto maior o grau de afinidade

entre seus integrantes, mais coerente será a assimilação. Dessa forma,

como apresentado na primeira Dissertação, Krashen defende o

ambiente informal para aprendizagem de língua estrangeira, isto é, fora

de sala de aula formal.

Tal visão encontra-se em desacordo com os dois teóricos Long e

Ell is, com os quais a pesquisadora assume a posição de concordância.

Tal ação revela que a pesquisadora se construiu na oposição ao teórico

Krashen. Apesar desse autor apresentar o maior número de ocorrências

na primeira Dissertação, isso é realizado pela pesquisadora para

assumir uma posição de desacordo apoiada naqueles dois teóricos.

Trata-se assim de uma pesquisadora que se constroi não só na simetria

com seu outro (Long e Ell is), mas também na assimetria (com

Krashen).

2 SEGUNDA DISSERTAÇÃO (1996): A EDUCAÇÃO FÍSICA FRENTE À

EXCLUSÃO DO ALUNO CEGO

Seguindo a caminho de abordagem da primeira Dissertação,

também vamos identif icar o teórico na segunda Dissertação nas

seguintes partes: Introdução, Capítulos, Considerações Finais e

Referências Bibliográficas. Nessas partes, como antes, identif icamos o

teórico que colaborou para o trabalho do pesquisador.

2.1 O contexto de integração do outro

O cenário construído pelo pesquisador na Dissertação tem duas

dimensões. Uma dimensão tem como elemento central a denúncia. E a

115

outra dimensão, o anúncio. As duas dimensões ocupam espaços em

toda Dissertação.

A dimensão de denúncia é relacionada à discriminação ao aluno

deficiente visual ao longo da história tanto no passado (pré-histórico)

como no presente (1996). E tanto na Europa como na América, de

modo particular no Brasil (Colônia), com a prática de eliminação de

pessoas com deficiência (indígenas).

Observamos, portanto, que desde a pré-história até a Idade Média a rejeição e, conseqüentemente, a eliminação dos portadores de qualquer deficiência se justif icava, principalmente, pela falta de domínio do homem sobre a natureza e pelas crenças religiosas, predominando desta forma os valores do senso comum. (p.14).

A palavra “eliminação” passou a ser substituída pela palavra

“marginalização” (três ocorrências) social a partir do f inal do século

XIX. No entanto, o pesquisador usa a palavra “exclusão” (dezoito

ocorrências) quando trata da dimensão de denúncia no contexto de seu

trabalho. Não encontramos justif icativas no texto para essa mudança.

Outra dimensão é a de anúncio. Apesar da morosidade na

resolução do problema da exclusão do aluno com deficiência visual, e

das dif iculdades que ele encontra na interação em sala de aula, o

pesquisador também aponta algumas propostas. Essas têm como ponto

de referência os professores de Educação Física, pois, segundo o

pesquisador, são eles que carregam para a sala de aula a “ideologia

elit ista” e excludente.

Nesse contexto, o pesquisador vai integrando os teóricos e com

eles vai interagindo para a construção de seu texto. É possível desde

já perceber que o contexto para a integração do outro é confl i tuoso, e

remete a uma situação histórica, social e pedagógica de exclusão.

116

2.2 O nome do outro no contexto

Na segunda Dissertação identif icamos quarenta e sete (43)

teóricos e um total de 91 ocorrências. Os teóricos mais citados são

Freire (14), Carmo (8) e Rocha (5). No Quadro 11 estão organizados os

nomes dos teóricos e o número de ocorrências no Texto.

Quadro 11: Nomes de Teóricos e número de ocorrências

Uma Ocorrência

17

Duas Ocorrências

12

Três Ocorrências

6

Quatro Ocorrências

3

Cinco ou mais Ocorrências

5 Machado, Pessanha,

Veiga, Sacristán,

Woods, Snyders, Antunes,

Boyer, Castellani,

Cunha, Esteve,

Ferreira, Hage,

Goffman, Gramsci, Hall iday,

Huberman.

Masini, Rago,

Venturini e Rossi,

Adreott i e Teixeira, Bowder,

Burkhardt e Escobar, Diderot, Giroux,

Clayette.

Oliveira, Silva,

Soares, Vygotsky, Bercito, Jannuzi,

Kirk , Telford e Sawrey.

Rocha (5), Mazzotta (6)

Ghiraldell i (6), Carmo (8) e Freire

(14).

Apesar da identif icação dos teóricos e suas ocorrências nos

Capítulos e nas Considerações Finais , foram encontrados ainda outros

teóricos que são l istados nas Referências, mas não são citados nessas

partes da Dissertação. São eles: Gallagher, Mazzota, Azevedo,

Comênio e Eco. Tal situação já havia ocorrido na primeira Dissertação.

Na Introdução , não identif icamos nenhum teórico. O pesquisador

se ateve a uma narrativa do desenvolvimento de seu trabalho sem

presentif icar no texto algum teórico.

117

Nos Capítulos, entretanto, os teóricos são introduzidos

constantemente. Os que t iveram mais ocorrências são Rocha (5),

Mazzotta (6) Ghiraldell i (6), Carmo (8) e Freire (14). Mais uma vez

identif icamos o tr io de teóricos Rocha-Carmo-Freire que tem se

destacado em outras partes da segunda Dissertação.

Quadro 12: Teóricos mais Citados nos Capítulos

TEÓRICO OCORRÊNCIAFreire 14 Carmo 8 Mazzota 6 Ghiraldell i 6 Rocha 5

Abaixo apresentamos exemplos dos teóricos mais citados:

Freire, Carmo e Rocha.

a) Freire

Freire (1992:117) denuncia que as idéias de simplif icação, determinação, previsibil idade, e irreversibil idade são rejeitadas pela motricidade humana, em oposição ao acolhimento das idéias do caos, imprevisibil idade e de incerteza. E reforça que, “Do ponto de vista da motricidade, nunca poderíamos nos referir a pernas que correm mas a pessoas correndo. Quem corre não é a perna ou o pé, mas um ser humano (...)” (p.85). Freire (1994:30) Entretanto, “...a compreensão do que se está lendo, estudando, não se instala assim, de repente, como se fosse um milagre. A compreensão é trabalhada, é forjada, por quem lê, por quem estuda que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar para melhor fazê-la. Por isso mesmo, ler, estudar. é um trabalho paciente, desafiador, persistente.” (p35). Continuando com tal raciocínio, Freire referindo-se ao estudo sistemático que os educadores devem desenvolver para obter uma formação de base

118

conceitual sólida, aponta para um aspecto muito importante (...)”. (p.100-101).

b) Carmo

Carmo (1991) ressalta que a sobrevivência através da caça e da pesca pelas culturas primitivas, levava as pessoas portadoras de deficiência, assim como os idosos, a serem abandonados, por conta da própria sorte, em locais desprotegidos e com um elevado grau de erojosidade, o que levava aqueles indivíduos ao desaparecimento devido a “... inanição ou por ataques de animais ferozes” (...). (p.10).

c) Rocha

Rocha (1987: 49) coloca que muitas definições surgiram na oportunidade em que foi desenvolvido um trabalho entre a American Academy of Ophthalmology e o Conselho Brasileiro de Prevenção à Cegueira. (p.35).

Os três teóricos além de ter mais ocorrência do que os demais,

ainda ocupam posições de destaque no momento de abordar os

assuntos mais polêmicos, como é o da distinção entre “pernas”

correndo e “pessoa”, apresentado por Freire para enfatizar a

integralidade da pessoa humana (“quem corre não é a perna ou o pé,

mas o ser humano”). Os verbos introdutores de seus discursos, como

denunciar e apontar (Freire), ressaltar (Carmo) e colocar (Rocha)

revelam os destaques de posições desses teóricos na abordagem da

temática da Dissertação, como são tratados adiante.

Nas Considerações Finais , apenas um teórico foi citado, mesmo

assim dentro de parênteses. Trata-se de Masini — com duas

ocorrências na Dissertação —, de onde o pesquisador extraiu o conto

de Wells.

Na Bibliografia, os teóricos com duas obras l istada são Kirk,

Ghiraldell i , Goffman, Gramsci e Mazzotta. Freire, contudo, supera a

119

todos: é l istado com cinco obras. Novamente f ica registrada a presença

signif icativa desse teórico na segunda Dissertação. Os demais teóricos

apresentam uma obra.

Conclui-se disso, que o pensamento do pesquisador, quando se

refere ao discurso pedagógico em suas dimensões de denúncia e

anúncio, está sintonizado com o de um teórico específico, Paulo Freire.

Além de ser o mais citado na Dissertação, esse teórico é também

aquele em quem mais se apóia o pesquisador para fundamentar as

suas idéias. É o discurso do teórico reforçando o discurso do

pesquisador.

2.3 O outro nas formas de discurso citado

As expressões e formas do discurso (aspas, dois pontos) para

introduzir o discurso do outro aparecem em toda Dissertação, mas, em

comparação com a primeira Dissertação, elas têm um uso reduzido. Da

Introdução às Considerações Finais , essas expressões totalizam

quatorze ocorrências, divididas em de acordo (1), para (4) e segundo

(9). Sobre essas seguem dois exemplos de como elas aparecem na

Dissertação.

Para Hall iday (1975), as concepções tradicionais de cegueira e visão subnormal têm sido baseadas em medidas de acuidade visual e/ou na restrição do campo visual. (p.36). Segundo Clayette S. Hugonnier et al i i (1989:10), algumas noções clássicas permitem distinguir três t ipos de cegueira, a saber: (...). (p.37).

Nos Capítulos encontramos o discurso direto com os verbos que

o introduzem com 42 ocorrências e o indireto, com 31 ocorrências.

120

Além disso, encontramos situações em que o discurso direto ocorreu

com o uso de dois pontos (:) e aspas precedendo a citação.

Quadro 13: Expressões na formas encontradas

Do conjunto de 47 teóricos, identif icamos aqueles com mais

ocorrência na segunda Dissertação. Os teóricos como Freire, Rocha e

Carmo também têm mais ocorrências nas formas de discurso citado.

Dentre eles o autor Freire tem uma predominância, pois tem ocorrência

em discurso direto (10) e discurso indireto (4). Além disso, aparece nos

Agradecimentos , parte não estudada por nós neste trabalho.

Retomamos então aos recortes, apresentando como alguns

discursos aparecem no texto.

Esta redução da acuidade visual, congênita ou adquirida, segundo o autor, não se consegue corrigir pelos recursos ópticos comuns e anuncia a existência de lentes telescópicas, telelupas e lupas manuais. (Rocha, 1987: 55-1 67) (p. 36). O grande desafio para os educadores encontra-se na escolha e superação da tendência predominante nas relações pedagógicas denominada por Freire (1983:67-68) como sendo a concepção “bancária” de Educação, que apresenta (...). (p.101). Carmo (1991) ressalta que a sobrevivência através da caça e da pesca pelas culturas primitivas, levava as pessoas portadoras de deficiência, assim como os idosos, a serem abandonados, por conta da própria sorte, em locais (...). (p.10).

EXPRESSÕES NAS FORMAS DE DISCURSO CITADO

OCORRÊNCIAS

Segundo 9 Para 4 De acordo 1 Dois pontos (:) e com aspas 42

121

O discurso do outro na segunda Dissertação remete

preponderantemente a três teóricos: Freire, Rocha e Carmo. É uma

interação com mais intensidade do que com os demais teóricos. O

pesquisador alicerça seu discurso no discurso do outro, de modo

especial no discurso de Freire.

Quanto ao uso dos verbos dicendi , as ocorrências totalizam 151

em uma diversidade de 41 verbos (cf. Anexo B – Segunda Dissertação:

Verbos Dicendi). Muitos verbos são uti l izados pelo pesquisador no

texto, mas poucos são usados para introduzir o discurso do outro. É o

caso dos verbos observar e apresentar que apresentam 21 e 20

ocorrências respectivamente, em toda Dissertação, mas com apenas 6

ocorrências para o discurso indireto: o verbo apresentar com 2

ocorrências e o verbo observar com 4 ocorrências.

Os verbos que introduzem o discurso do outro são 15 para o

discurso direto e 22 para o discurso indireto. Os verbos mais uti l izados

pelo pesquisador para introduzir o discurso direto são colocar (7),

enfatizar (4) e esclarecer (3), e para os que introduzem o discurso

indireto são analisar (5), colocar (4), observar (4) e denunciar (4). Os

demais verbos possuem 1 ocorrência ( introduzir, definir, concluir , crer,

considerar , fazer referência , sugerir, reforçar e fornecer — para

discurso direto; propor, considerar , acrescentar, definir, reforçar e

enfatizar — para discurso indireto). Os verbos enfatizar e reforçar são

usados tanto para o discurso direto como para o discurso indireto.

Abaixo seguem exemplos para mostrar a ocorrência de alguns

desses verbos no texto.

Não deve haver urna postura paternalista nem um forjado parentesco, conforme observa Freire, ao enfatizar a importância da recusa à conotação difundida entre os professores dos mesmos assumirem o papel de “t io” ou “t ia”, pois o professor e a professora que se assumem enquanto profissionais, devem assumir, também, o que é de valor fundamental - a “responsabilidade profissional de

122

que faz parte a exigência polít ica por sua formação permanente.”(Freire, 1994, p.11). Jannuzzi (1992), analisa a influência médica e o poder de interferência desta categoria profissional com relação aos portadores de deficiência mental a priori, pois as academias médico-cirúrgicas, juntamente com o Ensino Mil i tar, foram os primeiros cursos implementados por Dom João VI ao se estabelecer no Brasil, quando veio de Portugal com sua corte, no início do século XVIII. (p.74). Freire (1992:117) denuncia que as idéias de simplif icação, determinação, previsibi l idade, e irreversibil idade são rejeitadas pela motricidade humana, em oposição ao acolhimento das idéias do caos, imprevisibi l idade e de incerteza. E reforça que, ‘Do ponto de vista da motricidade nunca poderiamos nos refenr a pernas que correm mas a pessoas correndo (...). ’ (p.85). Rocha (1987: 49) coloca que muitas definições surgiram na oportunidade em que foi desenvolvido um trabalho (...). (p.35)

Os verbos mais uti l izados pelo pesquisador para introduzir o

discurso do teórico são colocar e enfatizar — no discurso direto — e

analisar, colocar e observar — no discurso indireto. O verbo analisar

mostra que o pesquisador acredita que o autor realizou um estudo

detalhado do assunto tratado na cena textual, pois é um verbo que

indica um procedimento e que, na cena, trata-se de pesquisas já

realizadas.

Quanto ao verbo enfatizar , o pesquisador permite interpretar

que, na sua interação com o teórico e ao usar esse verbo na

precedência da voz do teórico, deseja que não se esqueça a

interpretação do teórico no texto. Ou seja, o pesquisador atribui a

responsabil idade do que está sendo interpretado na cena textual aos

teóricos. Vejamos abaixo dois exemplos que mostram no texto esse

verbo.

os autores enfatizam que: (p.114). Em seguida, Ghiraldell i enfatiza que... (p.76).

123

Taylor. Desta maneira, o autor enfatiza que: (p.85).

Nos três exemplos o pesquisador ao incluir o discurso do teórico

na cena textual atribui a ela um destaque a ser lembrado diante do

assunto tratado. Essa ação de l inguagem vai se repetir noutros lugares

do texto quando usa outros verbos, mesmo com poucas ocorrências,

como é o caso dos verbos denunciar e reforçar .

Quanto ao verbo colocar o pesquisador usa-o para indicar que o

autor vai “pôr” a sua posição, sua voz, seu estudo, suas conclusões,

enfim, que ele tem algo para inserir no texto. Esse verbo se tornou

signif icativo, pois ele foi usado tanto para o discurso direto (42)

ocorrências) como para o discurso indireto (4 ocorrências) em

situações de posicionamento do pesquisador diante de polêmicas.

Na segunda Dissertação o pesquisador mostra que seu discurso

é marcado por um posicionamento de concordância com o seu outro. O

verbo colocar, por exemplo, tem mais ocorrências do que todos os

outros. Ele permite, no contexto da Dissertação, compreender que a

posição do pesquisador se alinha com a posição do outro no texto.

2.4 O outro nas Referências Bibliográficas

Constatamos nas Referências Bibliográficas um total de 43

teóricos. Desses, tr inta e oito possuem uma ocorrência, ou seja, são

l istados com uma obra; cinco são l istados com duas obras (J.B.Freire,

Ghiraldell i Jr., Goffman, Gramsci e Mazzota); e apenas um teórico é

l istado com cinco obras: Paulo Freire.

Diante disso, evidencia-se que o pesquisador recorreu

preponderantermente a um teórico para interagir. Esse fato ocorreu

também na introdução e nos capítulos, onde P.Freire esteve presente

em muitos momentos, apoiando o pesquisador na construção da

124

dissertação. Nas Referências Bibliográficas, P. Freire supera inclusive

aqueles teóricos que com ele estavam dividindo o maior número de

ocorrências nesses partes da Dissertação — introdução e capítulos.

Assim, o pesquisador quis que P.Freire estivesse também nas

Referências Bibliográficas, revelando, assim, sua opção preferencial na

interação.

2.5 Posições do pesquisador na interação com o outro

Seguindo o procedimento adotado na primeira Dissertação

vamos retomar as questões que foram acrescentadas e apresentar as

respostas encontradas a partir do trabalho desenvolvido com a segunda

Dissertação.

2.5.1 Como o pesquisador integra o outro no contexto?

A integração do outro no contexto ocorre por meio do discurso

citado e dos verbos que introduzem o discurso. Sobre esse últ imo cabe

dizer uma peculiaridade revelada pelo texto. A soma de ocorrência de

discurso direto e indireto ultrapassa 1/3 da totalização dos verbos (151)

uti l izados pelo pesquisador Na segunda Dissertação. Isso conduz à

interpretação de que a integração do outro ocupou uma parte

signif icativa nesse Texto.

Quanto ao uso do verbo dicendi identif icamos uma

predominância do verbo colocar sobre os demais, inclusive em relação

a outros verbos mais citados (analisar , enfatizar, observar e

denunciar). O sentido dado ao verbo colocar pelo pesquisador é de

“testemunha” que fala sobre um fato. O pesquisador em seu contexto

denunciador da situação do aluno com deficiência visual, dá voz ao

teórico para que este fale como testemunha de acusação.

125

2.5.2 Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto?

A justif icativa da integração do outro no texto ocorre pelo

parâmetro da denúncia ou do panorama histórico. Na denúncia,

também interpretado por nós como uma dimensão contextual, o

pesquisador tece uma rede de casos e/ou fatos relacionados à

“discriminação” e/ou “marginalização” ao aluno com deficiência visual e

conta com os teóricos para “colocar” (reforçar, testemunhar) seu

discurso a respeito desse assunto. Assim, o teórico é integrado no

contexto com a f inalidade de fazer t ime frente à denúncia construída

pelo pesquisador.

Essa ação de l inguagem ocorre de maneira semelhante no

panorama histórico. Ao construir o panorama histórico da deficiência

visual (ou dos “deficientes”), o pesquisador contou com o teórico. Pois

ele encontrou na l i teratura aqueles teóricos que não só tratam desse

assunto, mas o fazem com um tom desejado pelo pesquisador: o tom

de alerta ou denúncia.

2.5.3 Qual o papel atribuído ao outro pelo pesquisador no texto?

O papel atribuído pelo pesquisador ao outro no texto é

fundamentalmente de denunciador (polemizador). Como interpretado

anteriormente, do conjunto de 56 verbos dicendi, os mais usados pelo

pesquisador para introduzir o discurso do teórico no texto foram colocar

e enfatizar para o discurso direto, e analisar e colocar para o discurso

indireto. O contexto de uso deles nas cenas textuais é de “relato da

testemunha de promotoria”, ou seja, de acusação. O teórico quando

“coloca” o faz para “reforçar” ou o panorama histórico, ou uma situação

de marginalização e discriminação, ou algo parecido. Vejamos um

exemplo de como ocorre isso no Texto.

126

Neste sentido, Freire (1994:126) nos coloca que as crianças oriundas das classes populares, excluídas, têm o direito de Crescer f isicamente, normalmente, com o desenvolvimento orgânico indispensável; crescer emocionalmete equil ibrado; crescer intelectualmente através da participação em práticas educativas quantitativa e qualitativamente asseguradas pelo Estado; crescer no bom gosto diante do mundo; crescer no respeito mútuo, na superação de obstáculos que proíbern hoje o crescimento integral de milhões de seres humanos espalhados pelos diferentes mundos em que o mundo se divida, mas, sobretudo, no Terceiro. (p.45).

Esse papel de denunciador vem reforçar, na verdade, todo o

trabalho do pesquisador. Pois logo na Introdução (p.7) ele formula os

objetivos do seu texto que é analisar “várias formas de exclusão dos

portadores de deficiência visual na Educação Física (...)” e as

“alternativas de sua superação (...)”. O fato é que o texto se ateve às

exclusões históricas. E o autor é integrado para com o pesquisador

forma time de denunciadores dessa situação na sociedade brasileira.

2.5.4 Que posições o pesquisador assume na interação com o outro?

As posições que o pesquisador assume na interação com o

teórico são fundamentalmente duas, a de co-promotor e a de relator.

Tanto numa como na outra, o pesquisador nunca está sozinho, ou seja,

na cena em que acusa ou relata ele está sempre com um autor.

Na posição de co-promotor entendemos que o pesquisador não

dá trégua para o panorama identif icado numa situação histórica, social

e pedagógica, e elaborado por ele no texto, a respeito do aluno com

deficiência visual. Esse panorama é o “réu”. Ele acusa esse panorama

de discriminação, marginalização e exclusão para com o aluno com

deficiência visual. E na interação com os teóricos, o pesquisador

127

assume essa posição contando com o outro para reforçar o seu

discurso acusativo.

Na posição de relator , o pesquisador usa a voz para apresentar

a situação do aluno com deficiência visual. Para tanto, ele conta não só

com os teóricos, mas com a sua experiência como professor de

Educação Física. Junto com o teórico, o pesquisador aborda o que “viu”

na l i teratura que fundamenta o seu trabalho e a sua vida profissional, e

o que necessita mudar para solucionar a situação identif icada.

2.6 A Construção do Pesquisador diante dos Teóricos

Na interação do pesquisador com os teóricos identif icamos

algumas ações peculiares que apresentamos a seguir.

A primeira ação do pesquisador na interação com o teórico é a

de fazer frequentemente relatos de estudos que realizou. Essa ação de

l inguagem é revelada em muitas das ocorrências na formas de discurso

citado. Nesse, de modo especial com o discurso indireto, o pesquisador

relata, junto com o reforço do teórico, o que viu e interpretou dos

estudos que fez a respeito do tema de seu trabalho. Os verbos que

indicam essa ação são observar , salientar , dentre outros.

Mazzotta (1996:199), ao analisar as polít icas públicas pertinentes aos portadores de deficiencia observa que, em se tratando de definiçao, “...embora atualmente o MEC se refira ao alunado da Educação Especial como sendo os ‘portadores de necessidades especiais’, tal expressão não passa de eufemismo para ‘portadores de deficiência’. A simples mudança de termos, na legislação, nos planos educacionais e documentos oficiais, não tem sido acompanhada de qualquer alteração de signif icado. (...)”. (p.49). Rocha (1987: 49) coloca que muitas definições surgiram na oportunidade em que foi desenvolvido um trabalho (...). (p.35)

128

Para incrementar este estado de mal-estar docente, denunciado por Esteve (1991), pertencemos a uma categoria maior de trabalhadores sindicalizados, enfraquecida com os vários movimentos reinvidicatórios frustrados que, conforme análise de Antunes (1995), procura, em conjunto com de trabalhadores, a manutenção das poucas conquistas conseguidas historicamente. (p. 72).

A segunda ação do pesquisador é a de fazer denúncias. Ele

apresenta um panorama histórico do foco de seu estudo para apontar o

fenômeno da discriminação, da marginalização e da exclusão do aluno

com deficiência visual. Além disso, o pesquisador assume claramente

essa atitude junto com os teóricos que, como ele, opõem-se à situação

de exclusão ao deficiente visual no Brasil. Dentre esses teóricos, o de

maior destaque é Paulo Freire.

A denúncia de Giroux é pertinente pois mostra a mudança, sob essa ótica, do papel do professor enquanto um elemento de interferência crít ica, junto aos alunos, na produção do conhecimento tendo em vista “...a tendência de reduzir o professor ao nível de um escriturário, que executa ordens de outros dentro da burocracia escolar, ou ao nível de um técnico especializado, é parte de um problema maior dentro das sociedades ocidentais (...). (p.84). Freire (1992:117) denuncia que as idéias de simplif icação, determinação, previsibil idade, e irreversibil idade são rejeitadas pela motricidade humana, em oposição ao acolhimento das idéias do caos, imprevisibil idade e de incerteza. E reforça que, ‘Do ponto de vista da motricidade, nunca poderíamos nos referir a pernas que correm, mas pessoas correndo.’ (p.85).

Uma outra ação é a de propor caminhos à situação de exclusão

que identif icou no estudo do aluno deficiente visual. Essa atitude é

resultante do atitude de denunciador. Ou seja, o pesquisador denuncia,

mas propõe caminhos. Porém, esses caminhos não são originalmente

129

seus. São caminhos construídos com com os teóricos que interagiram

com ele.

Quando nos propomos a assumir um trabano para favorecer o fortalecimento das faculdades físicas, mentais e sensorias das pessoas é para que elas possam desenvolver, apesar das suas l imitações, suas potencialidades. (p.54). Ao professor de Educação Física que se propõe a atuar com crianças portadoras de deficiência visual, diz respeito uma atuação envolvente, comprometida com a especif icidade e com as necessidades características destes alunos. Não deve haver urna postura paternalista nem um forjado parentesco, conforme observa Freire, ao enfatizar a importância da recusa à conotação difundida entre os professores dos mesmos assumirem o papel de “t io” ou “t ia”, pois o professor e a professora que se assumem enquanto profissionais, devem assumir, também, o que é de valor fundamental — a “responsabil idade profissional de que faz parte a exigência polít ica por sua formação permanente.”(Freire, 1994:11). (p. 100).

A quarta atitude é a de “comando” do outro. Ela é evidenciada

nos momentos em que o pesquisador fala do professor (ou professores)

que trabalha com o aluno com deficiência visual. Essa atitude é

entendida por nós em vista de uma atitude imperativa que o

pesquisador estabelece com a classe dos professores de Educação

Física, que se distancia, inclusive da perspectiva pedagógica de Paulo

Freire, teórico com mais interage o pesquisador. Este defendeu uma

interação no campo da educação como democrática e dialógica, e

jamais imperativa.

O uso disseminado do verbo dever na interação com o “ele

coletivo” (professor) é identif icado em inúmeras cenas textuais. Ele

insiste que o professor deve assumir sua responsabil idade diante do

aluno com deficiência e não permitir que ideologias excludente

prejudique a educação desse aluno com deficiência.

130

Desta forma, os professores devem estar atentos para o estímulo ao desenvolvimento dos outros sentidos e, também, propiciar momentos de interação para que, através da convivência com o grupo, sejam fortalecidos os padrões de sociabil idade através da interação grupal. (p. 51). Conforme observamos no decorrer deste tópico, os conteúdos da Educação Física aplicados a alunos cegos não se diferem dos daqueles desenvolvidos com os outros alunos que freqüentam as escolas do ensino regular. O que os professores devem observar é a forma como poderão ser trabalhados, e o grau de dif iculdade em que cada aspecto será desenvolvido com estes alunos. (p. 70).

Diante dessas ações do pesquisador na interação com os

teóricos, entendemos que o pesquisador na segunda Dissertação se

constrói na identif icação (concordância, simetria, etc) com seu outro,

de modo especial com aqueles teóricos mais citados — Freire, Carmo e

Rocha. Com Freire o pesquisador não só estabelece interação

discursiva, mas também empírica (Freire foi professor do pesquisador

na segunda Dissertação).

Freire talvez tenha sido o maior educador brasileiro. Criador de

um método pedagógico, chamado de pedagogia crít ica, Freire

revolucionou a educação propondo uma transformação não só da

educação, mas principalmente da sociedade (a ser emancipadora) e do

mundo (com liberdade e justiça social). Por meio da proposta

pedagógica do diálogo simétrico entre o educador e o educando a

respeito da sociedade e do mundo em que vivem Freire os conduz à

descoberta nesses ambientes da opressão e das injustiças sociais e

instiga-os, por meio da educação, para uma transformação. Assim, o

pesquisador que se constrói na segunda Dissertação é um pesquisador

que não só anuncia e denuncia, mas, sobretudo, faz isso idetif icando-

se com seu outro.

À semelhança do personagem “Gonzalo Gerrero” que na

interação com o outro acaba por se incorporar com a cultura dele, o

131

pesquisador se incorpora à “cultura” e aos discursos do outro,

evidenciando isso no “vestir” (perspectivas, visões etc) e no dizer. Na

esfera acadêmica encontramos também grupos, como o de pesquisa

Linguagem e Trabalho que, dentre outros elementos que o identif icam,

pauta sua vida por uma l inha de pesquisa composta por pesquisadores

que discutem a l inguagem em ambiente de trabalho. Isso se repete com

tantas outras l inhas e grupos de pesquisa, tanto no LAEL como em

outros Programas de Pós-graduação.

Com Freire, o pesquisador na segunda Dissertação estabelece

interações em diversas situações, mostrando uma preferência na

interação com esse autor. O discurso do pesquisador e o discurso

desse teórico misturam-se, identif icam-se.

Para além das questões formuladas, elaboramos mais uma

relacionada à interação do pesquisador com o teórico. Percebemos que

o pesquisador se referiu inúmeras vezes aos “professores de Educação

Física”, mas não usou nenhuma experiência ou relato, ou pesquisa,

enfim, algum trabalho realizado com aluno com deficiência visual. O

pesquisador, a semelhança da Tese (mais adiante), usou o “coletivo”.

Com uma diferença: enquanto na Tese a pesquisadora citou

representantes do “ele coletivo”, na segunda Dissertação o pesquisador

usou o “ele coletivo”, mas nomeou representantes. E é exatamente aí

que formulamos uma questão:

Como o pesquisador interage com o “ele coletivo”?

Essa questão começou a emergir a partir da leitura do Capítulo 4

quando o pesquisador vai abordar as relações pedagógicas. Nessa

parte ele vai se referir constantemente ao professor de Educação

Física como um profissional que “deve ter” uma postura crít ica diante

da discriminação e marginalização que sofre o aluno com deficiência

visual. Há momentos em que o pesquisador parece desabafar como

interpreta a partir do exemplo abaixo:

132

Nesse sentido, os professores devem estar atentos para as implicações polít icas das suas ações frente aos alunos e à comunidade escolar. Eles devem servir como contribuição que possibil i te a superação das relações opressoras, características das sociedades divididas em classes. Outro fator que causa muita apreensão e medo é a imensa distância que tem separado o educador do real, causando, às vezes, uma visão invertida da realidade. (p.97).

As expressões “os professores”, “características da sociedade

divididas em classe”, “ imensa distância”, dentre outras, denotam para

um desabafo, pois são usadas no texto sem a preocupação da

representatividade. Assim, de quais professores ele está falando? As

relações opressoras são derivadas apenas das “sociedades de classe”?

Qual a distância de que o pesquisador está se referindo quando afirma

“imensa”?

Noutros lugares do texto, o pesquisador interage com o “ele

coletivo” — professor — como alguém a quem exige postura, o

pesquisador é imperativo. Isso ocorre porque em todos os momentos de

referência ao professor ele usa o verbo dever. Vejamos abaixo

exemplos de como isso ocorre no texto.

E, ainda, por ter um papel muito importante a desempenhar junto aos educandos, o professor deve procurar sempre estar em contato com o aprendiz (...). (p.98). Partindo destes pressupostos, ao trabalhar com alunos e alunas cegos em instituições, classes especiais ou no ensino regular, o professor deve observar alguns detalhes que, de certa forma, lhe propiciarão um entendimento melhor (...). (p.103). Ao atuar com alunos cegos, o professor de Educaçâo Física deve ter corno pressupostos que (...). (p.103).

133

O pesquisador assume uma posição imperativa para com o “ele

coletivo” revelada com o uso exagerado do verbo dever quando

referenciado ao “professor”.

Os teóricos na segunda Dissertação foram aliados. Ao identif icar

a situação e o problema a que se propôs estudar, o pesquisador

encontrou nos teóricos um discurso alinhado com o seu. O outro teve o

que colocar , analisar e enfatizar na interação com o pesquisador,

colaborando na construção deste e de sua Dissertação.

Nese sentido, a alteridade aliada colabora para a construção de

um pesquisador e de seu texto com claras entonações de

questionamentos e repulsa àquela situação apresentada pelo

pesquisador com respeito ao aluno deficiente.

2.7Conclusões parciais

As conclusões a que chegamos com a segunda Dissertação

foram três. Uma referente aos verbos dicendi , a outra relacionada aos

teóricos que tiveram mais ocorrências e uma terceira referente ao

pesquisador nesse texto.

Percebemos que aos verbos estavam sinalizados com o objetivo

do trabalho formulado na Introdução da segunda Dissertação. Nessa

parte, o pesquisador formulou o objetivo afirmando que analisaria as

“questões concernentes à exclusão dos alunos cegos das aulas de

Educação Física” e as “possibil idades de participação nas aulas, com

base no material bibl iográfico existente específico; referenciais teóricos

que não adotam a postura dominante, e a minha própria experiência

profissional com esta categoria de alunos.”. E cumpriu o objetivo. Os

verbos que tiveram mais ocorrências no texto foram “colocar”,

“analisar”, “enfatizar” e “denunciar”, todos inseridos na cena textual

com um tom de denúncia ou alerta para a situação de exclusão.

134

Contudo, identif icamos verbos usados na oralidade, como é o caso do

verbo colocar, o que distancia da l inguagem científ ica.

Os teóricos que são integrados no contexto formaram com o

pesquisador um grupo que vai interagir sob o foco da situação de

exclusão, marginalização e discriminação (palavras do pesquisador) do

aluno com deficiência visual.

As ações desse pesquisador se assemelham a de Gonzalo

Guerrero. O pesquisador muitas vezes estabelece interações com o

teórico em diversas situações, sendo a relação com um (ou mais)

teórico (s) preferido(s) uma das situações mais comuns nos textos e na

vida do pesquisador. Ele atravessa anos e anos lendo, relendo,

escrevendo, comentando, enfim, mergulhado no mundo de tal teórico.

Depois de tempos nessa experiência teórica, não é difíci l notar que ali

ocorreu um entrelaçamento do pensamento do pesquisador com o

pensamento desse outro. A evidência disso pode ocorrer nos seus

textos. É possível identif icar o pesquisador cuja ação se assemelha a

de “Gonzalo Guerrero” não só nos textos escritos, mas também nos

verbalizados. A voz do pesquisador e a voz do pensador que

fundamenta a pesquisa misturam-se e, muitas vezes, torna-se um

trabalho desafiador — não impossível — identif icar quem é quem no

texto.

O teórico Paulo Freire teve uma presença signif icativa não só

pelas ocorrências que superaram as de outros teóricos, mas,

sobretudo, pela citação de seu discurso no contexto comunicativo,

caracterizado pelas crít icas à concepções educacionais. Esse teórico

foi posto num lugar de destaque pelo pesquisador em quase todas as

cenas textuais, especialmente naquelas que evidenciavam crít icas à

escola e à marginalização.

Diante de tudo isso identif icamos um pesquisador que se

construiu sob a égide da crít ica social e educacional, elemento

essencial na vida do teórico Paulo Freire. A interação que estabelece

135

com seu outro é em vista da crít ica que faz à discriminação ao aluno

com deficiência visual e os caminhos que podem ser tomados para

amenizar ou erradicar essa situação. Nessa perspectiva, a alteridade

participa como uma aliada contra essa situação.

3 TESE (1999): ESTUDO DA LÍNGUA FALADA E AULA DE LÍNGUA

MATERNA: UMA ABORDAGEM PROCESSUAL DA INTERAÇÃO

PROFESSOR/ALUNO

Como nos outros textos, também aqui, na Tese, vamos abordar

a alteridade na Introdução , Desenvolvimento, Considerações Finais e

Referências Bibliográficas.

3.1 O contexto de integração do outro

O contexto de integração do outro é construído pela

pesquisadora a partir de três assuntos. O primeiro é sobre o ensino da

língua materna no Brasil em duas décadas, 1980 e 1990. Nesse

período os trabalhos adotam duas perspectivas. Uma se encaminhou

para a “revisão dos objetivos do ensino de Português” e alguns dos

teóricos que trabalharam sobre esse assunto são citados entre

parênteses, a saber: Cagliari, 1985; Camacho, 1988; Casti lho, 1988;

Soares, 1985. A outra perspectiva abordou a “reflexão sobre os

conteúdos e práticas priorizados em sala de aula” que, segundo a

pesquisadora, teve dois seguimentos: muitos teóricos se debruçaram

sobre a gramática: Bechara, 1987; Brit to, 1997; Moura Neves, 1990;

Perini, 1993, 1997; Possenti, 1996; Travaglia, 1996. E outros focaram

em seus trabalhos a atividade de leitura e/ou produção de texto: Abreu,

org.,1985; Cavalcanti & Lombello, 1987; Clemente, org.,1992; Faria,

1989; Geraldi, org., 1985; I lari, 1985; Kleiman , 1922d; Matencio,

1994b; Marcuschi, 1996b; Pécora, 1983. Nessa últ ima perspectiva os

136

trabalhos se desdobraram em mais três tendências: aprendizagem de

leitura (dentre os teóricos é citada Angela Kleiman), dif iculdades de

aprendizagem e/ou do uso da escrita pelos alunos e da coesão e

coerência. Em todos esses estudos, a pesquisadora aponta resultados

e/ou avanços não só sobre a estrutura da escola brasileira, mas

principalmente para a aula de língua materna no Brasil.

O segundo assunto do contexto é o da pesquisa sobre a

interação em sala da aula de língua materna. A pesquisadora identif ica

que os estudos que focam esse assunto “salientam a importância de se

levar em conta as determinações institucionais” (p.27) que fazem do

professor um intermediário, seja entre a instituição e o aluno — autora

citada Matencio, 1994b —, seja entre este e o autor do l ivro didático —

teóricos citados Batista, 1997 e Kleiman, 1992b.

Os estudos também abriram (na Tese: “têm aberto”) caminhos

para novos trabalhos. Dentre esses ela cita dois: um é focado na “dupla

função da l inguagem na aula de língua materna” (objeto de ensino e de

trabalho), o outro traz à tona o “interlocutor virtual”, que pode ser tanto

o autor do l ivro didático ou como o outro do texto do aluno. Além disso,

a pesquisadora identif ica que os trabalhos que “enfocam a interação na

aula de língua materna” tem priorizado a distribuição da fala em sala

de aula, de modo predominante, a fala do professor. E é exatamente aí

que a pesquisadora afirma a l imitação desses estudos, pois eles se

restringem às “ações discursivas do professor”.

O terceiro assunto é a aula em língua materna, propriamente

dita. A pesquisadora considera que os estudos que versam sobre o

ensino de língua materna no Brasil avançaram nas duas décadas

(1980-1990), possibil i tando a abordagem sob dois pontos de vista, ou

seja, tanto de sua “coerência global como de sua articulação local”

(p.30). No entanto, “pouco se tem investigado as diferentes dimensões”

na material ização da aula que possam evidenciar o “discurso didático”

e o “processo de formulação e execução do texto oral dialogado

produzido em uma aula”. É nessa descoberta que ela insere seu

137

trabalho, ou seja, explorar a interação na aula de língua materna e, a

partir disso, apresentar um modelo.

Nesse sentido, a pesquisadora estuda “as características da

interação verbal na aula de língua materna”, procura classif icá-las

como originada do discurso didático (no Brasil e na França) e relaciona

essas características às interações verbais. Assim, ela conclui que seu

foco não é o ensino, mas a aula e, nesta, a interação.

3.2 O nome do outro no contexto

Na Tese, identif icamos 84 teóricos que tiveram uma totalização

de 259 ocorrências. Os teóricos mais citados são Marcuschi (22),

Kleiman (17), Roulet (15), Kerbrat-Orecchioni (14) e Vion (12). O

Quadro 14 mostra o número de vezes que aparecem e, logo em

seguida, apresentamos em que parte do texto eles aparecem e o

número de suas ocorrências.

Quadro 14: Os teóricos na tese

Entre 1 e 4 corrências Entre 5 e 10 ocorrências

Mais de 10 ocorrências

Abreu, Altman, Adam, Aroux, Assis, Authier-

Revuz, Barbosa, Bechara, Barros, Bastos

e Mattos, Beacco, Benveniste, Bortoni, Bouchard, Brandão,

Britto, Bronckart, Cagliari, Camacho,

Cavalcanti e Lombello, Cazden, Charaudeau,

Chomsky, Cicurel, Clark e Farclough, Clemente,

Decrosse, Deleuze, Dosse, Ducrot,

Erickson, Faria, Fiad, Franchi, Geraldi,

Bakhtin, Batista, Casti lho, Dabène,

Koch, Maingueneau, Matêncio, Moirand,

Risso, Sinclair e Vanderveken

Jubran (12), Kerbrat-Orecchioni (14),

Kleiman (17), Marcuschi (22),

Roulet (15) e Vion (12).

138

Goffman, Gumperz e Hymes, I lari, Kato,

Kristeva, Morsel, Moura Neves, Pêcheux, Gadet, Pécora, Perini, Poche,

Possenti, Rafael, Ramos, Rosa, Sacks, Saussure, Schil ieben-

Lange, Serrani-Infante, Signorini, Soares,

Travaglia, Val, Van Dük e Zenone.

Na Introdução, identif icamos apenas um autor, Matêncio, com

três ocorrências. Nessa parte do texto encontramos também um autor

no rodapé (p.12), Maingueneau com uma ocorrência. Essa constatação

conduziu à interpretação de que a pesquisadora, seja como tal ou como

uma teórica entre os outros, tem uma presença signif icativa na Tese,

pois seu nome aparece em todas as partes do texto, como abordaremos

a seguir.

Diante disso, interpretamos que a interação com o “mesmo”

também ocorre no texto. A pesquisadora interage consigo mesma na

posição de teórica cujos temas têm relação com a temática tratada na

tese. Essa alteridade, junto com os demais teóricos, participa da

construção do texto e da própria pesquisadora, porém de uma forma

peculiar. Enquanto com os demais teóricos ela mostra uma distância,

evidenciada pelo uso pronome na terceira pessoa do singular — ou do

plural para se referir a eles —, quando cita a si mesma como autora,

por sua vez, ela uti l iza a primeira pessoa do singular. Abaixo seguem

dois recorte, um que mostra a pesquisadora citada com autora, e outro

de teóricos.

Devo ressaltar que me interessava estudar particularmente os efeitos da formação teórica para a prática de ensino (Matencio 1990, 1991, 1994a,b), as atribuições, pela instituição, de lugares e papéis aos professores e alunos (Matencio, 1994a), a organização da aula e o contexto construído para a aprendizagem (Matencio, 1994a). Como objetivo

139

específico, pretendia verif icar as regularidades e oscilações encontradas nas aulas de l ingua materna registradas. (p.9). Há autores que estudam o tópico sem desenvolver. simLkareareme. a investigação da estrutura dialogal da interação (Jubran, 1993; Jubran et ali i. l990). Esses au:ores não negam, é certo, que a abordagem tópica da interação dá indicações de sua estruturação e de seu caráter dinâmico, mas atribuem maior importância ao estudos das unidades topicas (cf. Jubran et ali i . 1996). (p.135).

Nos Capítulos, porém, os nomes que aparecem com duas ou

mais ocorrências são Roulet (13), Kleiman (12), Marcuschi (11),

Kerbrat-Orecchioni (11), Vion (10), Koch (8), Jubran (Urbano et al) (7),

Jubran (Clélia) (6), Vanderveken (6), Dàbene (Michel) (3), Dàbene

(Louise) (3), Dàbene (Cicurel) (2), Bakhtin (4), Matêncio (4), Sinclair

(4), Risso(4 com et al), Batista (4), Maingueneau (3), Altman (2),

Ducrot (2), Saussure (3) e Casti lho (2), como indica o Quadro 15.

Quadro 15: Teóricos nos Capítulos Teórico OcorrênciaRoulet 13 Kleiman 12 Marcuschi 11 Kerbrat-Orecchioni 11 Vanderveken 6 Bakhtin 4 Matêncio 4 Sinclair 4 Batista 4

Sobre esse conjunto de teóricos podemos tecer alguns

comentários. O primeiro diz respeito ao uso de parênteses. Dos 23

teóricos que constituem aquele conjunto, a maioria — 17 teóricos —

tem seu nome escrito no texto fora de parênteses. Para nós esses

teóricos têm um destaque em relação aos demais, pois são integrados

140

de maneira “direta”, ou seja seu discurso e seu nome estão ali, no

texto, de uma forma analít ica, como discurso indireto.

Para além do conjunto de 23 teóricos, ainda encontramos

teóricos que têm uma ocorrência nos Capítulos, mas seus nomes

aparecem fora de parênteses são eles: Charaudeau (1), Goffman (1),

Erickson (1), Bronckart (1), Beacco & Moirand (1), Pêcheux (1), Barros

(1), Cavalcanti (1), Kristeva (1), Benveniste (1).

Nas Considerações Finais a ocorrência de nome dos teóricos é

semelhante a da Introdução , não encontramos nenhuma ocorrência de

nome de teóricos. Nem mesmo em rodapé. A pesquisadora teceu suas

últ imas considerações sem incluir os nomes de teóricos que

contribuiram com ela no texto

3.3 O outro nas formas de discurso citado

Algumas expressões encontradas nos textos 1 e 2 também

aparecem na tese. Eles totalizam trinta e três ocorrências. Dentre elas,

encontramos as expressões para (12) e segundo (16), para introduzir o

discurso do teórico, como mostram os recortes abaixo.

Segundo Risso et a/li (1996), as unidades que têm sido agrupadas como marcadores discursivos, mesmo que de maneira não consensual, são alguns vocativos. Modalizadores, operadores argumentativos, bem como algumas interjeições e algumas formas homônimas (...). (p.158). Um outro exemplo pode ser extraído de estudos sobre a produção do texto em situação escolar (cf. Assis et ali i , 1997), segundo os quais uma das maiores dif iculdades de nossos alunos é justamente a de se distanciar da situação imediata de interação em sala de aula para atualizarem, na produção de seus textos orais e/ou escritos, as estratégias que seriam requeridas em outros eventos de interação. (p.72).

141

Para Pêcheux (1993), em meio às contradições existentes na Lingüística moderna — que incluem tendências formalistaslogicistas, históricas e de análise da fala —, é o objeto da Semântica a langue, aquele que vincula todas as tendências. (p.41). Para a autora, a seqüência é um bloco de trocas vinculado por coerências semânticas e/ou pragmáticas, o que implica que a homogeneidade de uma seqüência é decorrência de as unidades discursivas que a constituem possuírem uma mesma finalidade. (p.90).

Como nas Dissertações, também na Tese encontramos outras

formas que a pesquisadora uti l izou para evidenciar o discurso do

teórico. São as aspas e a expressão conforme , como indica o Quadro

16.

Quadro 16: Expressões na formas encontradas nos Capítulos

Diferentemente dos textos anteriores, na Tese encontramos

mais o uso do discurso indireto do que o uso do discurso direto. Eles

totalizam 72 ocorrências, dividida em 4 para discurso direto e 68 para

discurso indireto. Entre os introdutores dos discurso direto verif icamos

o verbo notar (2) e, para o discurso indireto, os verbos focalizar/

retomar/crer/distinguir (4), admitir (5), propor/salientar (6). Para os

recortes selecionamos os verbos retomar , propor e salientar .

EXPRESSÕES

NAS FORMAS DE DISCURSO CITADO

OCORRÊNCIAS

Segundo 16 Para 12

Com aspas 4 Conforme 1

142

Assim, a noção de subjetividade proposta por Bakhtin é retomada , mas sugere-se que o locutor seja visto como sujeito constituído pela subjetividade e senhor de seu próprio discurso, porque se constitui ao enunciar o eu. Esse é o ponto normalmente focalizado por aqueles que crit icam Benveniste, pois o uso da l inguagem (...). (p.40). Por exemplo, na definição que propõe Kerbrat-Orecchioni (1990: 225), a intervenção é compreendida como a contribuição de um dos participantes para a co- construção da troca, contribuição que deve ser analisada justamente quanto à função que desempenha para a referida troca. (p.99). Do ponto de vista institucional, estudos que têm investigado a interação professor/alunos na aula de língua materna salientam a importância de se levar em conta as determinações institucionais, que fazem do professor o intermediário entre instituição e aluno (Matencio, 1994b), ou ainda, com grande freqüência na escola brasileira, entre o autor do l ivro didático e aluno (Batista, 1997; Kleiman, 1 992b). (p.27)

Como interpretado anteriormente, as vozes são de 84 teóricos

que totalizam 259 ocorrências. Os teóricos mais citados são Marcuschi

(22), Kleiman (17), Roulet (15), Kerbrat-Orecchioni (14) e Vion (12).

Assim como constatamos em todo texto uma maioria de discurso

indireto para integrar o discurso do outro, assim também identif icamos

esses teóricos constituem a maioria no conjunto de 72 ocorrências

totalizada entre discurso direto e indireto.

E quanto ao aos verbos dicendi identif icamos um número

superior em relação às Dissertações analisadas.

Na Tese– Estudo da Língua Falada e Aula de Língua Materna:

uma abordagem processual da interação professor/alunos (Tese

defendida em 1999) —, os verbos totalizam 484 (Anexo C – Tese:

Verbos Dicendi), sem dúvida o maior número dentre os três analisados.

Nesse conjunto de verbos, destacamos os 10 mais usados pela

143

pesquisadora: retomar (56), apresentar (29), indicar (27), fazer

referência (25), relacionar/fonecer/privi legiar (21),

propor/considerar/admitir (17), estabelecer/focalizar (16),

afirmar/salientar (14), definir (12) e analisar/descrever (11).

Apesar do número signif icativo de ocorrência do verbo retomar,

em apenas uma ocorrência ele esteve relacionado ao outro, como

mostra o exemplo abaixo.

Assim, a noção de subjetividade proposta por Bakhtin é retomada , mas sugere-se que o locutor seja visto como sujeito constituído pela subjetividade e senhor de seu próprio discurso, porque se constitui ao enunciar o eu. (p.40).

Também o verbo apresentar não teve nenhum momento de uso

relacionado a integração do discurso do outro, À semelhança o

delimitamos em nosso trabalho, ou seja, como os teóricos com quem o

pesquisador estabeleceu interações.

No entanto, com os verbo indicar, relacionar e fazer referências

identif icamos suas ocorrências relacionadas ao outro como sujeito

coletivo. Nesse sentido, a pesquisadora uti l iza as palavras “estudos”,

“pesquisadores”, dentre outros, para se referir ao outro. O recorte

abaixo mostra como isso ocorre no texto.

(...) há estudos indicando, por sua vez, que a gramática normativa tradicional ainda é privi legiada nas aulas de língua materna (Fiad, 1997: Travaglia, 1996) (...)”. (p.26). Mesmo os estudos que procuram relacionar a micro e a macroanálise da interação deixam de lado uma questão central para a investigação da aula de língua materna: corno as restrições l inguistico-

144

discursivas — incluindo-se tanto as restr ições (...). (p.27).

Identif icamos que os verbos mais uti l izados pelo pesquisador

para introduzir o discurso do outro na forma de discurso citado foram

notar (4) para discurso direto, e para o discurso indireto foram salientar

(6) e propor (6). Abaixo seguem exemplos de como eles são uti l izados

no texto.

Kleiman (1992b) salienta que nas últ imas décadas, como uma das conseqüências da contínua desvalorização da figura do professor, o l ivro didático, antes um instrumento que mediava as relações entre professor alunos, transformou-se em fim. (p.72). Por exemplo, na definição que propõe Kerbrat-Orecchioni (1990: 225), a intervenção é compreendida como a contribuição de um dos participantes para a co- construção da troca, contribuição que deve ser analisada justamente quanto à função que desempenha para a referida troca. (p.99).

O verbo salientar indica que o pesquisador interpreta que o autor

procurou marcar algum aspecto do assunto estudado. E, na interação

com o autor, o pesquisador revela que comunga com o que é

salientado. No exemplo acima, o pesquisador identif ica esta marcação

do assunto — “figura do professor” — realizada pelo autor com o verbo

salientar . Esse ato ocorre com um dos teóricos mais citados em seu

trabalho(nesse caso, uma autora), Kleiman. São dezessete ocorrências

que põe este teórico como um dos mais citado e com quem o

pesquisador estabeleceu muitas interações no texto.

O outro verbo, propor, revela, em seu uso no texto, uma

interação do pesquisador com o teórico para apresentar algo como um

caminho para a solução de um problema. Esse verbo é classicado como

145

de incerteza e de pré-experimento, entendido como um ponto de

partida para uma discussão de pesquisa. O fato de introduzir o teórico

e a sua proposta no texto mostra que o pesquisador tem com esse

outro uma relação de concordância, talvez fazendo “sua” a proposta do

autor. Abaixo segue um exemplo de como é apresentado esse verbo no

texto.

Por exemplo, na definição que propõe Kerbrat-Orecchioni (1990: 225), a intervenção é compreendida como a contribuição de um dos participantes para a co-construção da troca, contribuição que deve ser analisada justamente quanto à função que desempenha para a referida troca. (p.99).

Enfim, com os verbos dicendi interpretamos a posição que o

pesquisador assume com o teórico no texto e identif icamos as vozes

que possibil i tam corroborar essa posição. O mais signif icativo é que os

verbos dicendi ajudaram a confirmar que o pesquisador na interação

com seu outro realizou uma variedade de incursões para introduzir a

voz do teórico no texto, mostrando com isso que a colaboração da

alteridade é necessária para o desenvolvimento do trabalho da

pesquisadora.

3.4 O outro nas Referências Bibliográficas

Nas Referências Bibliográticas encontramos um conjunto de 86

teóricos. Os teóricos com duas ou mais ocorrências de obras são:

Kleiman (12), Matêncio (7), Marcuschi (5), Roulet (4), Koch (4), Geraldi

(3), Pêcheux (3), Maingueneau (3), Bakhtin (2), Casti lho (2), Van Dijk

(2), Val (2), Serrani-Infante (2), Perini (2), Mary Kato (2), Cavalcanti

(2) e Bosse (2). Os demais teóricos tiveram uma ocorrência com obras.

146

Quadro 17: Teóricos que aparecem fora de parênteses TEÓRICO OCORRÊNCIARoulet (13), 15 Kleiman (12), 1 Marcuschi (11), 2 Kerbrat-Orecchioni (11), 11 Vion (10), 11 Koch (8), 1 Jubran (Urbano et al) (7), 2 Jubran (Clélia) (6), 1 Vanderveken (6), 4 Bakhtin (4), 3 Sinclair (4) e Culthard 8 Risso(4 com et al), 1 Searle 1 Sacks et al 2 Altman 2 Saussure 3 Ducrot 2 TOTAL 80

Na Bibliografia Consultada , encontramos um conjunto de 42

teóricos. Os teóricos com duas ou mais ocorrências de obras são:

Michel Dàbene (6), Lacan (3), Brassart (2), Casti lho (2), Vygotisky (2) e

Coste (2). Os demais teóricos t iveram uma ocorrência, entre eles

Matêncio.

3.5 Posições da pesquisadora na interação com o outro

Como na abordagem dos Textos 1 e 2, também aqui vamos

retomar as questões de pesquisa e procurar respondê-las a partir do

que foi encontrado na tese.

3.5.1 Como o pesquisador integra o outro no contexto?

A integração do outro no contexto da tese ocorre de duas

maneiras, uma pelo uso dos verbos dicendi e por meio do discurso

147

citado. Nesse últ imo caso, encontramos duas peculiaridades: os

teóricos que aparecem fora ou dentro de parênteses e aqueles que,

mesmo com ínfima participação no texto — uma ocorrência —

aparecem com destaque não só no corpo do texto (Capítulos), mas

também nas Referências Bibliográficas e na Bibliografia Consultada. É

o caso de Michel Dabène que tem uma ocorrência fora de parênteses,

uma ocorrência dentro de parênteses, uma ocorrência nas Referências

Bibliográficas e seis ocorrências na Bibliografia Consultada . Sem

contar que ele já havia aparecido nos Agradecimentos .

Em uma outra forma de olhar essa integração, percebemos

também a presença do “mesmo” em diferentes posições no texto.

Nesse particular identif icamos o próprio Michel Dabène, Angela

Kleiman e Maria Matêncio. Dabène é o outro da pesquisadora como

amigo com quem ela contou na viabil ização do projeto, é o autor

referenciado (Referências Bibliográficas) e é o autor consultado

(Bibliografia Consultada). Kleiman é a orientadora que “respeitou o

ritmo de sua produção” — nos Agradecimentos —, bem como autora

referenciada e consultada. E Matêncio, que é a própria pesquisadora e

teórica referenciada e consultada.

3.5.2 Como o pesquisador justif ica a integração do outro no texto?

A integração do outro no texto é justif icada fundamentalmente

pelas sinalizações aos “estudos”, “aos pesquisadores”, “aos teóricos”,

enfim aos “trabalhos” científ icos que têm relação com o que a

pesquisadora desenvolve no texto. Nesse sentido, o outro representa

os sujeitos coletivos (ou ele coletivo). Eles são trazidos às cenas

textuais porque têm algo a dizer (ou disseram) sobre o que está sendo

interpretado pela pesquisadora, mesmo que seja para ela discordar.

148

3.5.3 Qual o papel atribuído ao outro pelo pesquisador no texto?

O papel atribuído ao outro no texto é o de representante (de

estudos, de trabalhos, dos pesquisadores, de teóricos — ele coletivo) e

de apresentador (de seu trabalho e/ou de sua pesquisa). Como

representante, o outro fala por meio de um conjunto de teóricos que

desenvolveram determinados trabalhos de pesquisa, como mostra o

exemplo abaixo.

Outros trabalhos sugerem que as atividades de leitura em situação escolar se restringem com muita freqüência a extrair as informações explícitas na superficie textual (Kleiman 1989, 1992c; Cavalcanti & Lombello, 1987; Marcuschi; 1996b), ou então visam ao ensino de gramática (Kleiman, 1 992d) (...). (p.24).

Como apresentador, o outro fala de seu trabalho em cenas

textuais determinadas pela pesquisadora. Vejamos o exemplo abaixo.

Vejamos também o que diz Marcuschi (1996a: 96-97) ao discutir o fenômeno, já que a definição proposta pelo autor tem a vantagem de abranger os diferentes t ipos de retomada de um mesmo segmento, com ou sem variação, nos diferentes níveis l ingüísticos. Segundo o autor, a “repetição é a produção de segmeutos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo”. (p. 148).

3.5.4 Que posições o pesquisador assume na interação com o outro?

Na interação com os teóricos, a pesquisadora assume duas

posições. Uma como apresentadora (relatora, expositora, porta-voz)

dos trabalhos (estudos, pesquisas) que eles realizaram sobre assuntos

149

abordados na tese. A outra posição é de complementadora (preenche

lacunas nas pesquisas relatadas).

Como apresentadora, a pesquisadora constrói uma panorama de

trabalhos que têm relação com o foco de sua pesquisa. Com esse

panorama ela realiza dois atos de l inguagem. Em um ela apresenta o

tema desses trabalhos e, entre parênteses, inclui os teóricos que os

realizaram. E, algumas vezes, ela aborda um tema desse panorama e,

em seguida, integra um autor na cena textual para que fale de seu

trabalho.

Como complementadora, a pesquisadora faz inclusões às

lacunas — segundo ela — deixadas pelos trabalhos daquele panorama.

Antes disso, ela fr isa que todos os trabalhos representam avanços na

abordagem do tema que apresentam.

3.6 A Construção da Pesquisadora diante dos Teóricos

Em vista da postura que temos tomado neste trabalho para

analisar o texto, que é a de permitir que ele “fale”, como nos textos

anteriores (1 e 2), não estabelecemos categorias a priori para

identif icar o pesquisador que se construiu nesse texto. O objetivo é

apresentar como a pesquisadora se construiu na interação com os

teóricos.

A pesquisadora na Tese realiza as ações: narra/relata;

interpreta; polêmiza e constrói proposta (novo modelo). Tais ações são

interdependentes e foram identif icadas numa diversidade de cenas

textuais.

A ação de narrar/relatar é mostrada logo no início do texto, mais

precisamente na Introdução e nos Capítulos 1 e 2, quando a

pesquisadora remete ao percurso de sua pesquisa ou quando recorre

aos trabalhos já construídos que focalizaram o tema de sua pesquisa.

150

Tanto num com no outro, a pesquisadora conta com o outro, que são ou

integrados no percurso da pesquisa ou com seus trabalhos concluídos.

O estudo exploratório desenvolvido nas primeiras etapas da pesquisa — entre 1994 e 1995 (cf. Matencio, 1996ab. 1997) — foi o bastante para que percebesse tanto a pertinência da análise baseada nos aspectos a que me referi anteriormente como sua insuficiência. (p. 9). (...) pode-se verif icar que, nas duas últ imas décadas, os avanços dos estudos da l inguagem estimularam, internacionalmente, a realização de estudos sobre o f l incionamento dos discursos — através da investigação de práticas e at ividades discursivas —, de suas regularidades estruturais e interpretativas; houve, portanto, grande crescimento da pesquisa sobre textos orais, como atestan no Brasil. a publicação dos volumes referentes ao projeto NURC e o projeto de elaboração de uma do Português Falado , cujos resultados são os primeiros de âmbito nacional. (p.23). Finalmente, assinalo o fato de que os estudos dos textos e dos discursos são muito recentes para que seus princípios possam ser incorporados às práticas escolares sem dif iculdades, sejam estas de ordem teórico-metodológica ou institucional. (p. 60).

Uma outra ação da pesquisadora, a de interpretar , acompanha

as anteriores. Quando narra ou relata, a pesquisadora também

interpreta. No caso da construção do panorama de trabalhos

elaborados sobre a sala de aula de lingua materna nas década de 1980

e 1990, ela interpreta como avanços nas pesquisas, nas palavras dela:

“pode-se verif icar que, nas duas últ imas décadas, os avanços (grifo

nosso) dos estudos da l inguagem estimularam...através da investigação

de práticas e atividades” (p.23). Ou quando aponta lacunas nestes

trabalhos: “pouco (grifo nosso) se tem interpretado sobre a art iculação

entre a micro e a macroanálise da interação” (p.28). Nesses e em

outros trechos ela não só relata o fenômeno mas também interpreta-o.

151

A meu ver, entretanto, as oposições institucionais às quais se refere a autora refletem nos cursos de formação em Letras no Brasil, sobretudo porque mostram que a disputa pela legit imação teórica confere, muitas vezes, aos cursos de graduação um caráter secundário a questões relativas à formação do futuro professor de linguas, perfi l profissional efetivamente priorizado por esses cursos. (59). Um outro exemplo é o fato de que, embora haja estudos esparsos sobre marcadores discursivos em sala de aula, não há ainda no Brasil estudos sobre quais são as funções globais dos modalizadores para a produção de efeitos de ensino/aprendizagem na interação em sala de aula. (p.29).

A ação de polemizar da pesquisadora está presente em todos os

momentos em que apresenta o que já foi pesquisado a respeito de

algum assunto relacionado com o tema de seu estudo.

Não interpretado, porém, que o estudo da organização discursiva com base nas unidades tópicas exclua a necessidade de analise da alternância de interlocutores na aula. um texto oral dialogado que visa ao ensino e à aprendizagem. Ou seja, considero que a análise tópica da interação didática na aula não exclui a necessidade da análise estrutural e funcional de suas unidades constituintes. Afinal, a percepção que os interlocutores têm do tópico ‘o assunto em pauta’ (Koch et a/l i . 1996) — é essencial para a configuração das diferentes unidades. (p.135).

Ela não se inibe em discordar, mesmo que indiretamente, de

posições já estabelecidas, e faz isso revelando em que acredita. E a

partir daí que ela apresenta sua proposta de modelo de aula em língua

materna.

152

A ação de construir uma proposta (novo modelo) é a mais

evidente. Ela é revelada tanto nas partes iniciais de seu trabalho —

com o Resumo (“Este trabalho apresenta um modelo para a análise da

aula de língua materna, considerada como um gênero discursivo típico

do discurso didático.” ) como nas Considerações Finais (“...produzindo

um modelo de análise da aula que pode servir a pesquisas que,

interessadas ou não em uma perspectiva histórica” — p. 167). Ele é a

razão da Tese da pesquisadora. Os teóricos que integram o seu texto,

os discursos indiretos que usa para citá-los, os modelos que analisa de

alguns desses teóricos são abordados em vista da construção de seu

modelo de análise de aula.

Essa é exatamente a proposta deste trabalho, que relaciona a unidade monologal mínima à configuração dos demais constituintes da interação didática, sugerindo que essa unidade manifesta o movimento de estruturação e de tematização dos objetos discursivos (e de ensino/aprendizagem), ou seja, o movimento didático-discursivo na aula. (p.119). Enfim, o modelo proposto deve contribuir teórica e metodologicamente para a investigação da interação didática na aula de língua materna, apresentando instrumentos de análise para o estudo da aula em contextos culturais diversif icados, como é o caso em países diferentes e também no próprio Brasil, dada a diversidade cultural de nossa nação. (p.11).

Do objeto de sua pesquisa, porém, o pesquisador acredita que

nem tudo está interpretado (e nunca será interpretado) ou que ainda

pode ser interpretado de outra maneira. E ele, pesquisador, pode

acrescentar algo mais, descoberto com a sua pesquisa. Assim, diante

do outro, de modo especial daqueles que tiveram mais ocorrência no

Texto — Jubran (12), Kerbrat-Orecchioni (14), Kleiman (17), Marcuschi

(22), Roulet (15) e Vion (12) —, o pesquisador propõe algo novo.

153

Marcuschi22 é um autor (pesquisador) da Universidade Federal

de Pernambuco que desenvolve trabalhos que abordam a relação entre

escrita e fala, o texto na escola, dentre outros. A l inguagem na

perspectiva desse autor não é inata, mas é um constructo humano,

social e histórico. Suas obras encaminham para uma discussão

permanente entre o que ocorre na “passagem” da fala para a escrita,

ou de suas interações, de modo especial quando isso ocorre na escola,

ou da norma padrão para a fala. As cinco obras desses autor

referenciadas na Tese foram publicadas nos anos de 1986, 1995, 1996

(dois textos) e 1997, e todas mostram essa preocupação com o

fenômeno da fala e da escrita. Para confirmar essa l inha de pesquisa

do autor identifcamos uma obra de sua autoria publicada em 2001 —

evidentemente não referenciada Na Tese— intitulada Da Fala para a

Escrita: Atividades de Retextualização.

A pesquisadora que se constrói na Tese é também voltada para

as interações da fala e da escrita. Nesse sentido, as citações de

Marcuschi foram mais freqüentes. É uma pesquisadora que se constrói

em sintonia com o seu outro.

Além disso, a pesquisadora que se construiu na tese, a partir da

interação com seu outro pode ser comparada a alguns dos personagens

tratados por Todorov e, como temos interpretado, transposto para a

interação entre o pesquisador e seu outro.

As ações da pesquisadora conduz à comparação com dois

personagens: “Diego Durán” e “Bernardino de Sahagún” (cf.

Fund.Teórica). Como fizemos com os outros Textos (1 e 2), não

pretendemos rotular o pesquisador, reduzindo a um ou outro t ipo, À

semelhança construímos na transposição para a área de pesquisa os

sujeitos históricos analisados por Todorov (1999). Pretendemos

identif icar as semelhanças que ocorrem nas ações daquelas f iguras

históricas e as da pesquisadora no seu texto. Na Tese, as ações da

22 MARCUSCHI, Luiz A. CURRÍCULO VITAE. CNPq, 2007. Disponível em: http://www.ufpe.br/ceel/equipe/resumo/resluizantonio.htm. Acesso em: 30 abr. 2007.

154

pesquisadora na Tese são parecidas com as ações de Diego de Durán

e de Bernadino de Sahagún.

Como Diego Durán, o pesquisador não dá as costas para os

escritos e as publicações do outro, até mesmo se este diverge na l inha

teórica em que produz pesquisa; pelo contrário, o pesquisador, nessa

perspectiva, procura informar-se das posições do outro, de suas

descobertas e pesquisas. Ele mostra segurança para escrever suas

discordâncias em relação ao outro, especialmente quando publica,

comunica ou debate seus trabalhos, citando um pensador do qual

discorda.

A ação de ignorar o outro ocorre na situação de pesquisa

quando o pesquisador cala-se em relação ao que já foi escrito sobre o

assunto que pretende estudar. O pesquisador, cuja ação se assemelha

a de Diego de Landa, apaga os “vestígios”, em seu texto, da Revisão

da Literatura. Ele ignora o interpretado e crê que seu discurso é

fundante, original e absolutamente novo. E, por isso, pode falar o que

quer, pois ele tem a “primeira palavra”. Na verdade, nenhuma pesquisa

é fundante, ela sempre tem antes de si as contribuições de outras

pesquisas que, ou apresentaram respostas para um ou mais problemas

ou deixaram outras perguntas sem respostas, instigando os

pesquisadores a buscarem as respostas.

Como pesquisadora que realiza ações que remete ao

personagem Diego de Durán a proposta de um modelo novo de aula

não resulta da “queimação” — como fez esse personagem histórico

analisado por Todorov (1999) — de modelos já construídos ou idéias

relacionadas a estes. Aliás, seu modelo proposto é construído a partir

da leitura dos já existentes. Seu trabalho, construído na interação com

o outro, depende da leitura de escritos. O pesquisador não dá as

costas para os escritos e as publicações do outro, até mesmo se este

diverge na l inha teórica em que produz pesquisa; pelo contrário, o

pesquisador, nessa perspectiva, procura informar-se das posições do

outro, de suas descobertas e pesquisas.

155

O pesquisador “Bernardino de Sahagún”, para fazer novamente

uma analogia, é aquele que procura compreender o outro, inserir-se em

seu mundo teórico, ideológico e, a partir dali falar o que viu ocupando o

seu lugar de pesquisador. Desse lugar, ele realiza um esforço para

ocupar o lugar do outro. Todavia, “nunca poderemos ocupar o lugar do

outro” 23. O esforço, porém, pode ser renovado a cada atividade de

pesquisa. Trata-se da postura exotópica 24.

As ações Bernardino de Sahagún e as ações da pesquisadora

na Tese são diferentes das outras analisadas. Nessa analogia, o

pesquisador se destaca pelo esforço que faz para falar do outro sem

opor-se a este. Além disso, propõe acréscimos emanados de sua visão

de pesquisador. A partir de seu horizonte - epistemológico, l ingüístico,

f i losófico etc. - ele fala do seu ambiente - outro e suas interfaces. Isso

pode acontecer quando o pesquisador, ao abordar um assunto ou

objeto de pesquisa, numa dada situação, acredita que nem tudo está

interpretado ou que ainda pode ser interpretado de outra maneira. E

ele, pesquisador, pode acrescentar com algo mais, descoberto com a

sua pesquisa. O fundamental é que seu trabalho de pesquisa possa ser

“discutível” por seus leitores, como diz Maríl ia Amorim (Informação

Verbal) 25.

O pesquisador que age com o teórico como Bernadino de

Sahagún agiu com os nativos, destaca-se pelo esforço que desenvolve

ao falar do outro sem opor-se a este e acrescentar outros

conhecimentos resultantes de seus estudos. Relatando, apresentando

ou propondo, revelam-se marcas l ingüístico-enunciativas que, na tese,

mostram uma postura mais sintonizada com a visão da pesquisadora do

que distante dela. É um pesquisador que se constrói na sintonia com

seu outro.

23 Marília Amorim. Curso ministrado no LAEL (PUC-SP) no mês de setembro de 2005. 24 Incluído em Estética da Criação Verbal. Tradução de Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.43. 25 Idem nota 29.

156

Além das questões anteriores, acrescentamos mais uma questão

que emergiu durante a leitura e análise do Texto. Identif icamos que

dentre os teóricos está também o nome da pesquisadora. Ela assume a

posição de autora no texto. Diante dessa constatação elaboramos a

seguinte questão:

Como interage a pesquisadora com ela mesma como

teórica na Tese?

A pesquisadora interage consigo enquanto teórica de duas

formas. De um lado, ela referencia a si mesma como teórica; e de outro

ela concorda consigo enquanto teórica. Quando referencia a si mesma

como teórica, a pesquisadora inclui Matêncio junto com outros teóricos,

seja fora ou dentro de parênteses. Dessa forma, podemos interpretar

que ela está apresentando Matêncio como uma dentre tantas

referências de trabalhos (estudos, pesquisas) de teóricos.

Também entendemos que esse ato de l inguagem é uma mostra

de uma interação de concordância consigo. Com três ocorrências na

Introdução, 4 ocorrências nos Capítulos , 7 ocorrências nas Referências

Bibliográficas e 1 ocorrência na Bibliografia Consultada, a autora

Matêncio ocupa uma lugar signif icativo na tese. Tanto na Introdução,

onde relata seu percurso de pesquisa, como nos Capítulos , onde inclui

alguns de seus trabalhos entre os de outros teóricos, a pesquisadora

revela sua concordância com Matêncio.

A participação da alteridade na Tese é de parceira da

pesquisadora nos relatos, nas interpretações, nas polêmicas e na

construção do modelo de aula que ele apresenta na Tese.

Ao relatar seus trabalhos anteriores (com Matêncio) ou de outros

teóricos, a pesquisadora o faz em parceria com os teóricos. É a

alteridade quem lhe fornece o material necessário — textos — para a

construção do relato.

157

Ao interpretar o fenômeno (aula de l ingua materna), a

pesquisadora o faz em parceria com os teóricos. É a alteridade quem

lhe fornece conclusões (teorias, posições) para fundamentar a

interpretação apresentada na Tese.

Ao polemizar sobre as posições de teóricos, a pesquisadora o

faz em parceria com seu outro. É a alteridade quem, muitas vezes,

fortelece os argumentos da pesquisadora na polêmica.

E na construção do modelo de aula, a pesquisadora conta

essencialmente com os teóricos. É a alteridade quem fornece os

materiais (idéias, relatos, pesquisas etc) para a construção.

Dessa forma, na Tese, a alteridade se mostra, sobretudo, como

uma parceira da pesquisadora.

3.7Conclusões parciais

A Tese mostra um conjunto de 84 teóricos, dentre eles Matêncio.

Todos foram incluídos num contexto de pesquisa que aborda

fundamentalmente o estudo da língua materna. E, além disso, tornam-

se parceiros da pesquisadora na construção de seu modelo de aula em

língua materna.

Com esse conjunto de teóricos, ela realizou a integração de

alguns sob a forma de discurso direto, especialmente com o verbo

notar e de muitos sob a forma de discurso indireto, principalmente com

os verbos salientar e propor .

Ainda desse conjunto de teóricos, sete vão se tornar o alicerce

ou centro das interações estabelecidas pela pesquisadora no texto. Só

para retomar, são eles: Marcuschi, Roulet, Kerbrat-Orecchioni, Vion,

Kleiman, Dabène e Matêncio. Os quatro primeiros aparecem nos

Capítulos, nas Referências Bibliográficas e na Bibliografia Consultada.

Os três últ imos aparecem não só nessas partes, mas também nos

158

Agradecimentos — Kleiman e Dabène — e Introdução – Matêncio. A

primeira conclusão que é que este últ imo autor (na verdade autora),

apesar de ter menos ocorrência no texto do que os demais, ele esteve

presente em todo o texto — da Introdução à Bibliográfica Consultada.

Trata-se do “mesmo” em diferentes partes do texto.

Os outros seis teóricos, contudo, são integrados no bojo das

discussões, ou como representantes ou como apresentadores de

“estudos” (trabalhos, pesquisas), papéis atribuídos a eles pela

pesquisadora. Dessa forma, a pesquisadora interage como relatora e

complementadora, indicando os trabalhos produzidos por eles,

revelando avanços e lacunas, mas principalmente construindo com eles

seu modelo de análise de aula em língua materna.

É uma pesquisadora que se constrói na sintonia com seu outro.

Dentre os teóricos mais citados, a interação estabelecida entre a

pesquisadora e seu outro não é de oposição, mas de acordo. O outro

ingressa como alicerce, como grupo de apoio, como “parceiros”, na

construção de seu trabalho (“modelo de aula em língua materna”.).

159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vamos agora pontuar as conclusões a que chegamos após

abordar cada texto do corpus e fazer comparações entre os textos em

vista de tecer considerações a respeito do resultado da interação da

pesquisadora com seu outro.

Como esclarecemos na Introdução não nos debruçamos sobre a

interação em sala de aula entre professor e aluno, tal como fizeram os

teóricos das Dissertações e da Tese. Esses textos foram constituídos

como corpus deste trabalho. Com esse corpus , nossa Objetivo foi focar

a alteridade em textos de pesquisa do gênero dissertação e tese para,

a luz dos estudos bakhtinianos, compreendermos como o outro

colabora na construção do texto e da pesquisadora, por meio da

diversidade de interação que estabelece no texto.

Dos textos estudados, a interação do pesquisador ocorreu de

maneira intensa com 3 e 6 teóricos. Na primeira Dissertação a

interação ocorreu mais com os teóricos Ell is, Long e Krashen. Na

segunda Dissertação ela ocorreu mais com os teóricos Freire, Carmo e

Rocha. Na Tese a interação ocorreu com os teóricos Marcuschi,

Kleiman, Roulet, Kerbrat-Orecchioni e Vion.

Quadro 18: Teóricos mais citados no corpus

Primeira Dissertação Segunda Dissertação Tese Ell is, Long e Krashen Freire, Carmo e

Rocha Marcuschi, Kleiman,

Roulet, Kerbrat-Orecchioni e Vion

Diante disso, podemos afirmar que a construção do pesquisador

nos textos resulta da interação com seu outro e ocorre

fundamentalmente de duas formas. Numa forma, o pesquisador se

160

constrói com a colaboração de um conjunto de teóricos identif icados no

texto. Desse conjunto, identif icamos que o pesquisador estabelece com

a maioria (84 só na tese) uma interação com pouca intensidade,

evidenciada não só pelo pequeno número de ocorrências dessa maioria

no corpo do texto mas também pelas poucas obras l istadas nas

referências. Teóricos que não foram citados no corpo do trabalho

apresentam sua colaboração, mesmo que não mostrada no texto, pois

se encontram em sua consciência — discurso interior. O pesquisador

se constrói com um pequeno número de teóricos (3 a 6). É com essa

minoria que o pesquisador mantém uma interação intensa, resultando

na construção de seu texto e de si mesmo. Esse conjunto de teóricos é

inserido em todas as partes do texto e sempre com papéis decisivos.

A integração do outro e a justif icat iva dessa integração ocorre de

formas semelhantes nos três textos. Na primeira Dissertação a

justif icativa da integração do outro ocorre a partir de dois lados da

temática (aula em ambiente formal ou informal) que o pesquisador

aborda, ou seja, o outro é inserido ora num lado — quando se

posiciona a favor — ora do outro — quando se posiciona contra. Na

segunda Dissertação a justif icativa ocorre a part ir de uma seleção de

teóricos que o pesquisador fez que, com ele, posicionam-se como

denunciadores de uma situação sócio-educativa (marginalização do

aluno com deficiência visual). E na Tese a just if icativa da integração

recai no “ele coletivo”, ou seja, o outro tem seu espaço no contexto

comunicativo porque desenvolveu “trabalhos”, “estudos” ou

“pesquisas” as quais têm relação (ou podem acrescentar algo) com o

problema abordado pela pesquisadora. Em todos os textos o outro se

apresenta muitas vezes como “parceiro” do pesquisador.

As posições assumidas pelo pesquisador na interação com

outro também têm algo em comum nos três textos. Na primeira

Dissertação o pesquisador tem uma posição, sobretudo, de

concordância (dentre as outras de concordância com ressalvas,

discordância e discordância com ressalvas), exceto para com um autor

(Krashen) — justamente aquele que vai revelar o caminho de sua

161

construção como pesquisador. Na segunda Dissertação, o pesquisador

assume a posição de co-promotor (acusador), pois o contexto é

fundamentalmente de uma situação de exclusão sócio-educativa do

aluno deficiente visual. Na Tese, o pesquisador assume a posição de

apresentadora e complementadora.

Quadro 19: Tipo de Interação e posição do pesquisador

Primeira Dissertação Segunda Dissertação Tese Pesquisador De concordância a alguns outros, mas que se constrói na oposição com um outro.

Pesquisador Co-promotor (acusador) de uma situação (histórica, social e educativa) de exclusão do aluno.

Pesquisador Apresentador e complementador.

Todas as posições revelam que a interação do pesquisador com

seu outro foi muito mais de sintonia e de cumplicidade diante do tema

abordado.

Também identif icamos algumas características signif icativas em

cada pesquisador.

Na primeira Dissertação, destacamos duas características do

pesquisador, a de sintonia com o que mostraram os “dados” e a de

“construtora de questões e hipóteses”. Na primeira, identif icamos esse

esforço do pesquisador em permitir que os dados “falassem” por si e,

na segunda, e a partir das revelações deles, o ato de l inguagem em

construir novas questões e hipóteses sinalizando para um maior

aprofundamento dos estudos. E o pesquisador ético diante do que vê e

propõe.

O pesquisador na segunda Dissertação tem as seguintes

atitudes: relator, denunciador, anunciador e comandante. Mas o traço

mais predominante é o de denunciador. O pesquisador assume um tom

de crít ica à situação de discriminação em que vive o aluno com

162

deficiência visual na sala de aula. É o pesquisador denunciador, que

propõe transformações na escola e na sociedade, tal como seu outro

mais referenciado, P. Freire.

Na Tese, a característica que sobressai em relação as demais

(narradora/relatora; interpretadora; polêmica) é a de construtora de

proposta (novo modelo). O pesquisador é aquele que olha para um

objeto de pesquisa e no estudo deste elabora modelos. É o

pesquisador construtor de modelo, mas com a colaboração dos

teóricos.

Quanto às ações de cada pesquisador (a) podemos citar

algumas semelhanças e diferenças. Na primeira Dissertação

identif icamos um pesquisador que mais se aproxima, por analogia, de

Las Casas, pois não só compreende a perspectiva do seu outro

(especif icamente Long e Ell is) mas a defende diante de outro discurso,

o de Krashen. Na segunda Dissertação, encontramos uma

pesquisadora sintonizada com o discurso do outro a ponto de ocorrer

uma identif icação na posição assumida diante de questões discutidas

no texto. É uma ação que se assemelhar a de “Gonzalo Gerrero”. Esse

pesquisador se incorpora à “cultura” e aos discursos do outro,

evidenciando isso no “vestir” e no dizer. E f inalmente na Tese

encontramos um pesquisador que se apresenta como Diego de Durán e

Bernadino de Sahagún. No primeiro, identif icamos um pesquisador que

não dá as costas para os escritos e as publicações do outro, até

mesmo se este diverge na l inha teórica em que produz pesquisa. Ele

procura informar-se das posições do outro, de suas descobertas e

pesquisas. No segundo, percebemos o esforço do pesquisador para

falar do outro sem opor-se, al iás, ele procura acrescentar outros

conhecimentos resultantes de seus estudos. Identif icamos no

pesquisador que se assemelha a Bernadino de Sahagún uma sintonia

com seu outro, uma espécie de parceria, de colaboração, de

construção de algo.

163

Quadro 20: Classif icação do Pesquisador por analogia (Todorov)

Primeira Dissertação

Segunda Dissertação

Tese

Pesquisador “Las Casas”

Pesquisador “Gonzalo Gerrero”

Pesquisador “Diego de Durán” e

“Bernadino de Sahagún” Compreende a perspectiva do seu outro e a defende diante de outro discurso.

“Incorpora” o discurso do outro.

Não é indiferente aos textos do outro, mesmo que tenha

divergência. Fala do outro sem opor-se a ele, pelo contrário, procura acrescentar outros conhecimentos.

Na primeira Dissertação, os verbos afirmar e a expressão nas

palavras de se sobressaíram em relação aos demais. Nosso destaque

recai na expressão nas palavras de. Consideramos que tal expressão

está sintonizada com uma atitude do pesquisador que é de ser ético

diante do que vê e propõe, pois apresenta l i teralmente as palavras do

outro, e nelas o conteúdo deste.

Na segunda Dissertação, os verbos que se destacam no contexto

são colocar , analisar e denunciar. Também tais verbos emergem no

contexto de denúncia construído pelo pesquisador. Ali o outro “coloca”

o seu discurso portador de “análise” e “enfatiza-o” na interação com o

pesquisador.

Na Tese, os verbos de destaque são salientar e propor. Aqui

interpretamos uma coerência com o rumo tomado pelo pesquisador no

texto, que é o de construir um modelo. Assim, ele busca o que foi

salientado e proposto pelos teóricos para edif icar o que pretende.

Quadro 21: Verbos Dicendi mais usados no corpus

Primeira Dissertação Segunda Dissertação Tese Verbos afirmar e a expressão nas palavras de se

Verbos colocar, analisar e denunciar.

Verbos salientar e propor.

164

sobressaíram em relação aos demais. Destaque: nas palavras de .

Destaque: denunciar

Destaque: propor.

Nosso estudo mostrou que no percurso interativo ocorreram

escolhas do pesquisador em interagir mais com alguns teóricos do que

outros. Nos três textos identif icamos essa escolha, mas com diferenças

nas posições que o pesquisador assumia com os teóricos.

Na primeira Dissertação, identif icamos que a voz de S. Krashen,

teórico da aquisição da l inguagem, foi mais requisitada do que a de

Long, que também trata desta temática. Isso pode ter ocorrido por

diversos motivos. Um deles diz respeito ao tema da aquisição da

l inguagem, área da pesquisa desenvolvida; o outro refere-se à

questionamentos do pesquisador ao pensamento de Krashen,

identif icados nas posições assumidas pelo pesquisador na interação

com este teórico. Isso conduziu à interpretação de uma construção na

oposição; e outro motivo pelas diversas citações do autor no texto nos

variados momentos de confrontação com outros teóricos.

Consideramos que as características do pesquisador em ser

ético diante do que vê (dados) e de propor novas questões e hipóteses,

também revela um pesquisador comprometido com seu trabalho e com

uma postura condizente com a atividade de pesquisa

Na segunda Dissertação, isso ocorre com o autor P.Freire. O

pesquisador interagiu com esse autor na maioria das vezes para

assumir com ele suas denúncias e apontamentos. Tanto é assim que os

verbos dicendi mais usados nessa interação para introduzir a voz do

P.Freire foi denunciar e apontar . Além disso, foi possível identif icar que

pesquisador, ao se dirigir a P.Freire, atr ibui a suas palavras uma

entonação autorizativa. Ou seja, o pesquisador inclui P.Freire no

espaço textual com a autoridade para não só denunciar o que não

165

concorda a respeito do assunto tratado mas também lhe permite

apontar soluções.

Trata-se de uma dimensão semelhante à do pesquisador da

primeira Dissertação, pois neste também notamos um pesquisador

atento aos problemas sócio-educativos por ele descobertos. E diante

disso, ele não quer permanecer em silêncio. Constrói seu texto na

interação com outro focando sobretudo uma situação de

marginalização.

Na tese, identif icamos mais de um autor ocupando mais espaços

no texto, são eles: Marcuschi , Kleiman , Roulet, Kerbrat-Orecchion e

Vion. O pesquisador abriu o leque de sua interação com teóricos que,

de alguma forma, trataram o assunto pesquisado, sem com isso

privi legiar uma voz no texto. E juntando-se a esta constatação, os

verbos dicendi mais usados pelo pesquisador foram apresentar,

retomar e indicar, usados muitas vezes para introduzir o discurso

desses teóricos.

Quadro 22: Teóricos mais citados no corpus

Primeira Dissertação Segunda Dissertação Tese

S. Krashen Com ele ocorre uma interação de oposição

P.Freire

Com ele ocorre uma interação de aliança.

Marcuschi, Kleiman,

Roulet, Kerbrat-Orecchion e Vion.

Com eles ocorre uma interação de parceria.

Tais verbos, como visto na discusão do corpus , têm suas

funçoes específicas no texto, dentre elas o mostrar algo para ser

apreciado — é o caso do verbo apresentar —, o trazer a tona algo já

discutido — caso do verbo retomar — e o de propor o caminho — caso

do verbo indicar . O pesquisador na interação com esses teóricos,

mostrou que eles f izeram tudo isso.

166

E o pesquisador não só esbarra com uma situação de pesquisa,

seja ela mais teórica (primeira Dissertação, focada na fundamentação

teórica) ou mais referenciada aos dados (segunda Dissertação), mas a

estuda e propõe soluções (Tese). O trabalho que constrói é resultante

da interação que estabeleceu com os teóricos na abordagem dos dados

e das questões teóricas.

A alteridade participa em todo texto científ ico. Esse é resultado

de um trabalho coletivo, de modo especial é resultado da interação do

pesquisador com aqueles que são integrados no texto (escrito), ou

seja, os teóricos. Se isso não existisse, o texto poderia correr o risco

de ser monológico, isto é, nele haveria apenas a voz do pesquisador?

Mas isso é possivel? Acreditamos que não. Como afirma Bakhtin, o

texto fala e é falado por outros, nele sempre encontramos a voz do

outro.

Podemos considerar que a Dissertação e a Tese têm a

característica de um texto monológico sem com isso ser dogmático

(AMORIM, 2001, p.147). O pesquisador, nas Dissertações e na Tese,

constrói seu trabalho, com a sua “assinatura”. Trata-se de um ato

escrito, enunciativo-discursivo que se faz responsável realizado num

contexto extraverbal e verbal-escrito. O trabalho é dele, pesquisador.

Contudo, sua “assinatura”, seu trabalho, enfim, seu ato, é construído

na interação com os outros “eus”. O texto científ ico do gênero

dissertação e tese traz a voz de um, pesquisador, mas com a

colaboração de outros, os teóricos.

Muitos teóricos não tiveram a mesma interação e posição

daqueles mais usados pelos pesquisadores, como S.Krashen Na

primeira Dissertação, Freire Na segunda Dissertação e Marcuschi na

tese, no texto do pesquisador, pelo contrário, suas vozes não foram

‘ouvidas’ no texto. É o que ocorreu com aqueles que não foram citados

no corpo do trabalho. Talvez esse teóricos tenham sido consultados

pelo pesquisador mas na construção do texto eles não foram

167

solicitados. É o que chamamos de bibliografia consultada, porém não

referenciada.

A alteridade continuará a nosso ver e no de tantos outros

pesquisadores, um tema atrativo para pesquisar nas ciências, e, de

modo especial, nas Ciências Humanas. Em Lingüística Aplicada e

Estudos da Linguagem a questão do outro constituiu tema de estudo de

reconhecidos pesquisadores, como Maríl ia Amorim. Este trabalho se

junta a todos aqueles para tornar-se mais uma voz colaborativa sobre a

interação do pesquisador com seu outro. Entendemos colaborativa

como a ação de, ao discutir um problema (tema) de pesquisa, dois ou

mais pesquisadores refletem, negociam e, ao f inal do trabalho,

apresentam-no à comunidade científ ica.

Nascido de um processo dialógico discursivo e interacional, este

trabalho procurou mostrar que a alteridade, como elemento constitutivo

da l inguagem, não só encontra-se no texto e, neste caso, em textos de

pesquisa do gênero acadêmico dissertação e tese, mas também tem

nele uma presença colaborativa.

Com a identif icação de verbos dicendi e as formas de discurso

citado no corpus desta pesquisa compreendemos o processo interativo

do pesquisador com os teóricos. Por meio desses recursos l ingüístico-

discursivos, verif icamos que esse processo ocorre no texto e tem uma

característica essencial para a construção da Dissertação e da Tese: a

alteridade é colaborativa.

A colaboração da alteridade, concluímos refere-se aos teóricos

que fundamentaram os textos. Mas registramos também a outros os

que foram identif icados no texto — presentes na Folha de Rosto, nos

Agradecimentos e nas Dedicatórias. Acreditamos que no texto toda voz

tem a sua parcela de colaboração. O mesmo ocorre quando o

pesquisador inclui um autor nas referências bibliográficas e não nos

Capítulos. Isso mostra para nós que o referenciado obteve um espaço

na consciência do pesquisador. De alguma forma, a palavra desse

168

autor provocou uma reação da palavra do pesquisador, ou seja, a

consciência do pesquisador contou com essa voz.

Assim, fr isamos, que tanto aqueles que tiveram mais ocorrência

como os que tiveram pouca ocorrência, ou aqueles que não tiveram

nenhuma — na introdução, no corpo do trabalo e nas considerações

finais —, colaboraram na construçao do texto científ ico como a

alteridade do pesquisador. Cada autor identif icado no texto tem a sua

relevância, no sentido de que ele estava lá, no contexto textual. A

interação não aconteceu pelas formas de discurso — direto e indireto

— mas aconteceu de alguma forma imperceptível para nós, ou mesmo

no plano do extraverbal.

Entendida como os teóricos que fundamentaram os textos

científ icos— dissertações e tese – com os quais o pesquisador

interagiu para construir seu texto, a alteridade colabora também para a

construção do próprio pesquisador. Visto que é com a colaboração

dela, antes e durante a construção do texto, que o pesquisador

desenvolve seu trabalho. Antes, porque, enquanto envolvido com a

reflexão da pesquisa, cada ato pensante do pesquisador — expressão

interior-consciência-discurso interior — refere-se a uma resposta

presumida ao seu outro — expressão exterior. E durante, porque o

pesquisador interagiu com uma gama de teóricos para edif icar seu

texto.

A alteridade não é só aquela para quem se dirige o texto. Ela é

também aquela que está no texto como uma parceira, uma opositora,

enfim, como uma colaboradora na construção do texto e do

pesquisador. Trata-se, assim, de uma presença colaborativa que ocorre

na diversidade de interação que o pesquisador estabelece no texto,

resultando na construção do próprio pesquisador e de seu texto.

E, nesse sentido, nosso trabalho pode contribuir para a

compreensão do processo de construção do pesquisador na interação

169

com os teóricos que fundamentam seu trabalho. Afinal, sem a

alteridade não temos o texto nem o pesquisador.

REFERÊNCIAS

ASTI VERA, Armando. Metodologia da pesquisa científica. Porto Alegre: Globo, 1973.

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ANEXOS

ANEXO A – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: VERBOS E VERBOS DICENDI

ESTUDO SOBRE A INTERAÇÃO PROFESSOR E ALUNO EM SALA DE AULA: AS

PERGUNTAS DO PROFESSOR

ANEXO B – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: VERBOS E VERBOS DICENDI

A EDUCAÇÃO FÍSICA FRENTE À EXCLUSÃO DO ALUNO CEGO

ANEXO C – TESE: VERBOS E VERBOS DICENDI

ESTUDO DA LÍNGUA FALADA E AULA DE LÍNGUA MATERNA: UMA

ABORDAGEM PROCESSUAL DA INTERAÇÃO PROFESSOR/ALUNO.

ANEXO D – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: SUMÁRIO

ANEXO E – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: SUMÁRIO

ANEXO F – TESE: SUMÁRIO

ANEXO G – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

ANEXO H – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

ANEXO I – TESE: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Anexo A – Primeira Dissertação: Verbos e Verbos Dicendi

VERBO NO TEXTO PARA DD PARA DI Atribuir 3 1

Defender 3 3 Afirmar 29 4 14 Relatar 4 3 Propor 4 4

Apresentar 5 2 Discutir 12 3

Observar 16 1 Concluir 12 6 Abordar 6 3 Sugerir 6 3

Considerar 20 5 Apontar 3 1 Destacar 4 1

Estabelecer 8 1 Chamar a atenção 25 3 10

Analisar 30 5 Salientar 4 Retomar 2

Tratar 13 Acrescentar 3

Admitir 1 1 Assumir 2 Tratar 4 Definir 2 2 Indicar 5 1

Acrescentar 2 Aprofundar 1

Ampliar 1 Assegurar 2

Avançar na questão 5 1 Centrar 5

Convidar 1 1 Confrontar 1

Crer 20 1 Descrever 5 1 Distinguir 5 Elucidar 1 1

Esclarecer 1 Examinar 14 1

Falar 4 1 Justificar 3

Relacionar 13 1 Levantar questões 3

Mencionar 31 21 Notar 5 1

Nas palavras de 7 Fornecer 35 1 Privilegiar 3

Dizer 3 Sustentar 2 1 TOTAL 383 19 109

Anexo B – Segunda Dissertação: Verbos e Verbos Dicendi

VERBO NO TEXTO PARA INTRODUZIR DD PARA INTRODUZIR O DIAfirmar 9 3 Propor 5 1

Apresentar 20 2 Observar 21 4

Considerar 3 1 Apontar 2 Destacar 2

Estabelecer 7 3 Chamar a atenção 2

Analisar 7 5 Focalizar 2 Introduzir 2 1

Tratar 5 Acrescentar 3 1

Assumir 1 Declarar 2 Definir 5 1 1 Indicar 2

Enfatizar 5 4 1 Aprofundar 3

Alertar 1 Ampliar 3

Avançar na questão 1 Convidar 1 Concluir 4 1

Crer 1 1 Considera 3 1 Distinguir 2 Elucidar 1

Esclarecer 3 3 Falar 2

Fazer referência 1 1 Justificar 1

Relacionar 7 Sugerir 3 1

Levantar questões 1 Mencionar 1

Negar 2 Fornecer 3 1 Privilegiar 1 Sustentar 1 Denunciar 1 4

Colocar 7 4 Reforçar 1 1 TOTAL 151 25 31

Anexo C – Tese: Verbos e Verbos Dicendi

VERBO NO TEXTO PARA INTRODUZIR DD PARA INTRODUZIR O DIAtribuir 5 Afirmar 14 1 Propor 17 6

Apresentar 29 discutir 4 2 Abordar 6 Sugerir 6 1

Considerar 17 1 Apontar 6 1 Destacar 1

Estabelecer 16 3 Chamar a atenção 2

Analisar 11 Assinalar 5 Salientar 14 6 Focalizar 16 4 Introduzir 8 3 Retomar 56 4

Tratar 4 2 Acrescentar 5

Admitir 17 5 Definir 12 1 3 Expor 2 1 Indicar 27 1

Enfatizar 2 1 Ampliar 7 1

Assegurar 1 Avançar na questão 3

Centrar 2 Comentar 3 2 Confrontar 1

Crer 5 4 Descrever 11 1 2 Distinguir 16 4 Esclarecer 2 Examinar 4

Falar 2 Resumir 1

Fazer referência 25 1 Justificar 5 Reiterar 5

Relacionar 21 1 Rever 1

Mencionar 2 Negar 7 1 Notar 4 2

Fornecer 21 4 Privilegiar 21 3 Sustentar 2 TOTAL 484 4 68

ANEXO D – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO: SUMÁRIO

será impresso e encadernado!

ANEXO E – SEGUNDA DISSERTAÇÃO: SUMÁRIO

será impresso e encadernado!

ANEXO F – TESE: SUMÁRIO

será impresso e encadernado!

ANEXO G – PRIMEIRA DISSERTAÇÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

serão impressas e encadernadas!

ANEXO H – SEGUNDA DISSERTAÇÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

serão impressas e encadernadas!

ANEXO I – TESE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS serão impressas e encadernadas!