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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Patrícia Rosset Relações entre poderes na Constituição Brasileira DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Patrícia Rosset

Relações entre poderes na Constituição Brasileira

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Patrícia Rosset

Relações entre poderes na Constituição Brasileira

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Constitucional sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Figueiredo.

SÃO PAULO 2012

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Banca Examinadora

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INVICTUS

Do fundo desta noite que persiste,

a me envolver em breu – eterno e espesso,

a qualquer deus – se algum acaso existe,

por minha alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos

sob os golpes que acaso atira e acerta,

nunca me lamentei – e ainda trago

minha cabeça – embora em sangue – ereta.

Além deste oceano de lamúria,

somente o horror das trevas se divisa;

porém o tempo, a consumir-se em fúria,

não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda – eu não declino,

nem por pesada a mão que o mundo espalma;

EU SOU DONO E SENHOR DO MEU DESTINO;

EU SOU O CAPITÃO DA MINHA ALMA.

Willian E. Henley.

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Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo.

Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a

desobediência representa respeito.

Há um olhar que reconhece os certos caminhos longos e os longos caminhos curtos.

Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades

perversas e traições de grande lealdade.

Este olhar é o da alma.

Rabino Nilton Bonder

Agradeço as mulheres que influenciaram e influenciam a

minha alma nesta minha jornada até aqui. Em primeiro

lugar a minha querida saudosa avó Leonor,

carinhosamente chamada de Loti, sabia enxergar a minha

alma como ninguém, a ela devo muito do meu caráter. A

minha mãe Shirlei, verdadeira fortaleza, apesar da sua

aparência frágil, que com a sua trajetória de vida e luta

me ensinou a me manter forte nas minhas crenças, e

nunca desistir dos meus objetivos e sonhos. As minhas

amadas filhas Paola e Natasha, que desde sempre o

nosso amor incondicional inundou minha alma e vida de

uma intensa luz.

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RESUMO

ROSSET, P. Relações entre poderes na Constituição Brasileira. 2012. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

O presente estudo não visa dar soluções para tão complexos problemas em que estão inseridos os Estados no mundo, hoje, com a clara mitigação do princípio da soberania e na enorme dificuldade em defender a democracia no aspecto formal. A sociedade de hoje se apresenta com uma multiplicidade fática, decorrente da existência de atores na arena decisória no âmbito da economia, do poder político, do poder empresarial, das ONG(s), da internet, dentre outros. O Estado não é o único ator no cenário nacional e internacional, posição essa unânime entre os filósofos contemporâneo, constitucionalistas ou não. O que visamos no presente estudo é delinear o que pode ser levado à reflexão, analisado no âmbito das relações institucionais, no sistema político brasileiro, focando o Poder Legislativo, como se apresenta e quais são suas competências constitucionais, os desafios que estão postos para então dar algumas soluções visando um melhor desempenho e eficácia nas suas prerrogativas fundamentais, ou seja, de representante do povo brasileiro. Assim da leitura do texto constitucional, analisar os fatores decorrentes que levaram ao quadro atual em que se encontram as relações entre os três poderes. Nesse contexto, faz-se necessário delinear como o Estado e o Poder Legislativo se apresentam contemporaneamente e suas dificuldades postas pelas complexidades mundiais. O passo seguinte é abordar o Poder Legislativo na Constituição de 1988, retomando as discussões que precederam o texto constitucional durante o período da Constituinte, fazendo menções aos debates e às preocupações e sugestões apresentadas, para entender a configuração do texto da Magna Carta e o que resultou desses trabalhos. Em terceiro lugar, analisar o papel institucional do Supremo Tribunal Federal nessas relações entre os poderes na salvaguarda da Constituição. Para, enfim, focar o presidencialismo de coalizão, modus operendi atual de relação entre os poderes no cenário Pátrio, com base na sua definição, como se apresenta, e requisitos de existência, problematizar que tal prática instalada se trata de uma anomalia institucional face aos princípios constitucionais da nossa Carta vigente. Para concluir, apresentamos nossas respostas e propostas para alguns desses problemas e possíveis soluções no sentido de fortalecer a instituição Legislativa.

Palavras-chave: Relações entre os poderes, Legislativo, Judiciário, Executivo,

Supremo Tribunal Federal, Controle Parlamentar, Presidencialismo de Coalizão.

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ABSTRACT

ROSSET, P. Relationships between the powers on the Brazilian Constitution. 2012. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

This study is not intended to provide solutions for the complex problems in which the States are inserted in the world today due to the clear mitigation of the Principle of Sovereignty and the enormous difficulty in defending democracy in the formal aspect. Today’s society presents itself with a factual multiplicity arising from the existence of actors in the decision-making arena in economy, political power, corporate power, the NGOs and internet among others. The State is not the only actor in the national and international scene, this is a unanimous position among contemporary philosophers, constitutionalists or not. What we aim in this study is to outline what can be taken under consideration analyzed institutional relationships in the Brazilian political system, focusing in the Legislative, how it presents and which are its constitutional competences, the challenges that are set and then give solutions for better performance and efficiency in its fundamental prerogatives, that is, as representative of the Brazilian people. Therefore, from the reading of the constitutional text, analyze the factors that led to the current situation where the Legislative meets. In this context it is necessary to outline how the State and the Legislative presents contemporaneously and the difficulties posed by global complexities the next step is to approach the Legislative in the 1988 Constitution, resuming the discussions that preceded the constitutional text during the debates of the Constituent mentioning the debates, the concerns and suggestions presented, to understand the configuration of the Magna Carta text and what resulted from those studies. Thirdly analyze the institutional role of the Supreme Court in these relations between the powers in the Constitution safeguard. To finally focus in the coalition presidentialism, current modus operandi in the current relationship between the powers in native scenario, based in its definition, how it shows and its requirements of existence, questioning such practices installed since it is an institutional anomaly against the constitutional principles of our current Charter. In conclusion, we present our answers and proposals for some of this problems and possible solutions to strengthen the Legislative.

Key Words: Relationship between powers, Legislative, Judiciary,Executive, Supreme Federal Court, Parliamentary Control, Coalition Presidentialism

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

CAPITULO I – A CARTA CIDADÃ ...................................................................................... 16

I. A FEIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................................... 16

II. ALGUNS DESAFIOS DA SOCIEDADE E DO ESTADO BRASILEIRO COM

ADVENTO DA CARTA DE 1988 .......................................................................... 23

III. SOCIEDADE POLITICAMENTE ORGANIZADA E DEMOCRACIA

REPRESENTATIVA .............................................................................................. 29

IV. DO PRINCÍPIO REPÚBLICANO E DO PRINCÍPIO FEDERATIVO ............... 40

1. O princípio republicano. ......................................................................................... 40

2. Do conceito federativo. .......................................................................................... 45

2.1. Os desafios do sistema federativo sob a ótica financeira. ............................................ 49

2.2. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema federativo ............................................. 51

V. ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A IMPORTÂNCIA DO

ARTIGO 23 DA CF E O SISTEMA DE COOPERAÇÃO. ...................................... 52

1. A previsão de leis complementares no parágrafo único do artigo 23. .................... 53

2. Da importância da competência comum do artigo 23............................................. 54

3. Das políticas públicas e seus desafios regionais ................................................... 55

4. Da falta de clareza no texto constitucional o que se traduz em repartição das

matérias e respectivas competências. .......................................................................... 56

5. Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF. ....................... 60

CAPITULO II – O PODER LEGISLATIVO ........................................................................... 63

I. O PODER LEGISLATIVO NA ASSEMBLEIAASSEMBLEIA NACIONAL

CONSTITUINTE .................................................................................................... 63

1. Do momento singular da Assembleia Nacional Constituinte .................................. 63

2. Da subcomissão do Poder Legislativo. .................................................................. 64

2.1 Da experiência da Carta de 1946 .................................................................................. 65

2.2 Dos pontos de consenso ............................................................................................... 65

2.3. Das propostas em favor do parlamentarismo ................................................................ 66

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2.4. Na defesa do regime Presidencialista ........................................................................... 67

2.5. Sugestões quanto à garantia do processo legislativo ................................................... 68

2.6. Em busca de um Legislativo democrático ..................................................................... 68

2.7. Das complexidades das relações entre Legislativo e Executivo ................................... 69

2.8. Da imprensa e seu papel, necessária mudança de postura ......................................... 70

2.9. Dos vários trabalhos no âmbito do Legislativo .............................................................. 71

2.10. Da importância dos trabalhos das comissões ............................................................... 71

2.11. Do excesso de proposições e falta de tempo para a apreciação .................................. 72

2.12. Da dificuldade de realizações de comissões mistas ..................................................... 72

2.13. Da edição desenfreada dos decretos-leis ..................................................................... 72

2.14. Dos Vetos ...................................................................................................................... 73

2.15. Das Emendas à Constituição ........................................................................................ 73

2.16. Da importância da democracia direta ............................................................................ 74

2.17. Das instituições intermediárias e seu papel .................................................................. 74

2.18. Da descentralização política e a importância do município .......................................... 75

2.19. Do papel das Câmaras Municipais ................................................................................ 75

2.20. Da necessidade de resgatar a independência dos Estados ......................................... 75

2.21. Da necessidade de transparência do Legislativo .......................................................... 76

2.22. Da opinião pública e participação da sociedade ........................................................... 76

2.23. Da responsabilidade do Congresso quanto a sua imagem negativa ............................ 77

II. O PODER LEGISLATIVO NA CARTA DE 1988. ........................................... 78

1. Dos princípios do Poder Legislativo. ...................................................................... 79

1.1. As novas configurações do Poder Legislativo ............................................................... 80

2. Do Congresso Nacional. ........................................................................................ 83

2.1. Da competência do Congresso Nacional ...................................................................... 83

2.2. Das Comissõesdo Congresso Nacional ........................................................................ 86

3. Da Câmara dos Deputados.................................................................................... 88

3.1. Competência privativa da Câmara dos Deputados ....................................................... 89

3.2. Da Mesa Diretora ........................................................................................................... 90

3.3. Órgãos da Câmara dos Deputados ............................................................................... 90

3.4. Colégio de Líderes ......................................................................................................... 90

3.5. Das Comissões .............................................................................................................. 90

3.6. Do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. ............................................................... 92

3.7. Procuradoria Parlamentar .............................................................................................. 92

3.8. Dos corregedores .......................................................................................................... 93

3.9. Procuradoria Especial da Mulher................................................................................... 93

3.10. Ouvidoria Parlamentar ................................................................................................... 94

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4. Do Senado ............................................................................................................. 94

4.1. Da sua competência ...................................................................................................... 95

4.2. Órgãos do Senado Federal ........................................................................................... 96

4.3. Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ..................................................................... 97

4.4. Corregedoria Parlamentar ............................................................................................. 97

4.5. Procuradoria Parlamentar .............................................................................................. 97

4.6. Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz ........................................................ 98

4.7. Das Comissões no Senado Federal .............................................................................. 98

5. Da atribuição ao Congresso da Fiscalização, Contábil, Financeira e Orçamentária

100

5.1. Controle externo com auxílio do Tribunal de Contas .................................................. 101

5.2. Dos Contratos considerados irregulares pelo TCU. .................................................... 102

5.3. A composição do Tribunal de Contas da União .......................................................... 102

6. Do controle interno .............................................................................................. 103

7. Do Processo Legislativo ...................................................................................... 104

7.1. Processo Legislativo na Constituição Federal ............................................................. 105

7.1.1. Os Princípios do processo legislativo .................................................................. 106

7.2. Do Regimento Interno .................................................................................................. 108

8. Da assessoria existente e sua estrutura .............................................................. 109

III. DOS LÍDERES E DO COLÉGIO DE LIDERES ............................................ 112

1. Da Liderança Partidária ....................................................................................... 112

2. Dos Blocos Parlamentares................................................................................... 117

3. Do Colégio de Líderes ......................................................................................... 119

IV. DOS CÓDIGOS DO CONGRESSO NACIONAL .......................................... 120

V. A CONSTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PODERES ................................. 123

1. O Princípio da Separação dos Poderes ............................................................... 124

2. A separação dos poderes, sociedade e grupos. .................................................. 126

3. A missão atual dos juristas .................................................................................. 127

4. O Poder do Estado é compartilhado .................................................................... 127

5. A escolha constitucional pelo Estado de Direito e pela Democracia .................... 127

VI. DO PODER JUDICIARIO ............................................................................. 128

1. Da sua previsão na Carta de 1988. ...................................................................... 128

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2. Da função do Poder do Judiciário ........................................................................ 128

2. A importância do Poder Judiciário na Economia .................................................. 131

3. O papel do Poder judiciário e a relevância do juiz. ............................................... 132

4. Aspectos relevantes da crise institucional do Poder Judiciário e da necessidade de

adotar um novo parâmetro de gestão ......................................................................... 134

VII. O PODER EXECUTIVO ................................................................................ 136

1. Do significado do Poder Executivo na Constituição de 1988. ............................... 136

2. Competência do Poder Executivo. ....................................................................... 137

3. Da proeminência do Poder Executivo. ................................................................. 138

4. Os instrumentos constitucionais de participação da atividade legislativa ............. 139

5. O Poder Executivo legislador ............................................................................... 141

5.1. Leis delegadas ............................................................................................................. 141

5.2. Das medidas provisórias ............................................................................................. 143

CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS PODERES E O

PRESIDENCIALISMO DE COLIAZÃO .............................................................................. 149

I. PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO......................................................... 149

1. Como surge o conceito presidencialismo de coalizão. ......................................... 149

2. Importância da experiência de Carta de 1946 ...................................................... 151

3. O desafio institucional posto na Constituinte de 1988. ......................................... 151

4. O contexto da América Latina e o presidencialismo. ............................................ 156

5. A figura do Presidente da República. ................................................................... 157

6. Dos interesses dos parlamentares e seu comportamento. ................................... 158

7. A Primeira vertente: preponderância decisória do Executivo baseada no poder de

agenda institucional. ................................................................................................... 159

8. A segunda vertente: preponderância decisória do Executivo baseada na transação

de interesses. ............................................................................................................. 161

9. A terceira vertente: preponderância decisória entre o Executivo e o Legislativo

baseada na gestão transversal do Poder pelos Partidos............................................. 170

II. DAS CRÍTICAS AO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO. ....................... 174

III. A RELAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE OS PODERES .............................. 176

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1. O princípio do Estado Democrático de Direito...................................................... 177

1.1. As medidas provisórias e sua inserção na Carta de 1988. ......................................... 177

1.2. Os trabalhos das Comissões e sua importância ......................................................... 182

2. O desrespeito aos princípios informadores das leis orçamentárias. ..................... 189

2.1. A importância das leis orçamentárias no sistema constitucional da Carta de 1988. .. 189

2.2. Elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento .................................... 190

2.3. Da necessária participação de todos os poderes na elaboração da LDO .................. 191

2.4. A independência financeira ou não dos Poderes. ....................................................... 192

2.5. Do Estado e da Administração Pública. ...................................................................... 193

2.6. Dotação orçamentária ou independência financeira? ................................................. 194

2.7. O princípio da reserva legal ......................................................................................... 194

2.8. Da distorção do uso pelo Poder Executivo dos créditos adicionais ............................ 195

2.9. Sobre o dinamismo e flexibilidade orçamentária ......................................................... 196

2.10. Da limitação de corte pelo Poder Executivo ................................................................ 197

2.11. Aprovada a lei orçamentária, o comando é do Executivo ........................................... 197

2.12. Das políticas públicas e dos entes federados ............................................................. 197

2.13. Do crivo do Poder Legislativo ...................................................................................... 198

2.14. O monopólio do Poder Executivo e as Emendas Parlamentares ............................... 199

2.15. Da existência de cotas e liberação dos recursos ........................................................ 199

2.16. Da execução da lei orçamentária ................................................................................ 199

2.17. Do que denominamos voto de cabresto ...................................................................... 200

2.18. Do papel do Legislativo ............................................................................................... 202

2.19. Cargos ministeriais ocupados por indicações de parlamentares ................................ 203

2.20. No direito comparado as nomeações para Ministros .................................................. 205

2.21. Nomeações e princípio republicano no sistema brasileiro. ......................................... 207

2.22. Analise econômica das Constituições e seus reflexos ................................................ 208

2.23. Do pedido de impeachment de Ministros no presidencialismo de coalizão ................ 210

2.24. Do mandato imperativo ................................................................................................ 213

2.25. Consequências outras do presidencialismo e coalizão ............................................... 215

IV. A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ................... 216

V. FALTA DE COMUNICAÇÃO À SOCIEDADE DOS TRABALHOS .............. 222

1. A importância do Poder Legislativo e participação da sociedade ......................... 224

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 229

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 245

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INTRODUÇÃO

O presente estudo está dividido em três capítulos, a saber: A Carta Cidadã, O

Poder Legislativo e As relações institucionais entre os poderes e o presidencialismo

de coalizão.

No primeiro capitulo, iremos delinear a feição da Constituição Federal de

1988, ressaltando os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, que culminou

na vanguarda do texto constitucional. Várias foram as questões debatidas naquela

ocasião com objetivo de instituir o Estado Democrático de Direito Brasileiro, dentre

eles, a responsabilidade política, o exercício da cidadania, a importância da

participação e soberania popular em busca de ideal democrático, decorrente dos

desafios inerentes ao processo de redemocratização em nosso país.

Com advento da Carta de 1988, o papel da sociedade bem como do Estado

brasileiro no enfrentamento da concretização dos princípios constitucionais em face

da rapidez das mudanças contemporâneas e da influência desse fenômeno no

conhecimento, no papel do Estado-Nação, com o surgimento de outros atores no

cenário mundial e o predomínio da lógica financeira, traduz-se no desafio

institucional político-representativo em efetivar mecanismos eficazes participativos.

Quanto ao Estado, fatores complexos decorrente das recentes transformações pelas

quais vem passando, nas últimas décadas, em relação as suas características rumo

ao Estado subsidiário e suas implicações, traduziu-se em outro grande desafio a ser

transposto.

Dessa forma, a sociedade politicamente organizada e a democracia

representativa tornaram-se alvos de estudos, com vistas a delinear conceitos sobre

a democracia e representação, originando várias tendências no sentido de viabilizar,

efetivar e transpor obstáculos acima referidos, com foco no cidadão e no seu papel

dentro desse contexto, ressaltando a importância de que, qualquer reflexão no

tocante a relações institucionais, o ponto convergente deverá ser sempre o cidadão

capaz de exercer seus direitos e deveres.

Nessa esteira, a Carta de 1988 destacou o cidadão como foco dos objetivos

do Estado, e as implicações decorrentes da aplicação dos princípios constitucionais

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republicanos e federativos na configuração do poder do Estado, no exercício de

suas atividades e as limitações existentes, por todo esse complexo contexto mundial

e nacional, que acabam por influenciar diretamente a formulação e execução das

políticas públicas desenvolvidas e as questões financeiras estatais, no tocante ao

sistema cooperativo instituído pelo artigo 23 da Carta Magna.

Assim, o Poder Legislativo tem um papel de relevância para que a

democracia brasileira se concretize, ao mesmo tempo em que enfrenta ainda o

amesquinhamento de algumas práticas do período de exceção pelo qual nossa

Pátria passou. Dessa forma, compreender o Legislativo, seja na sua estrutura, seja

na dinâmica dos seus trabalhos não se traduz numa tarefa fácil.

Temas como Líderes e Colégio de Líderes, Mesa Diretora e Comissões,

devem estar elucidados nesse tópico do presente estudo, de forma a esclarecer que

a função atual do Parlamento, além da legiferante, hoje, também é fiscalizadora.

Assim, aliado a esse raciocínio, o princípio da separação dos poderes e a

forma como deve ser compreendido atualmente não pode ser mais aquela fincada

na conceituação clássica elaborada por Montesquieu, devendo ser observado o

Poder Judiciário e sua importância constitucional na concretização dos princípios e

regras constitucionais, bem como o papel do Poder Executivo em relação aos

demais poderes, com base na análise do que a Constituição de 1988 lhe reservou e

atribuiu.

Para finalizar o presente estudo, no capitulo três as relações institucionais

foram analisadas sob o enfoque do denominado presidencialismo de coalizão, no

qual se traduz esse conceito, hoje, tão disseminado pela ciência política à luz do

texto constitucional. Portanto, apenas conceituar presidencialismo de coalizão não

basta, pois, mesmo o seu conceito não unívoco, uma vez que existem pelo menos

três grandes vertentes que partem de premissas diferenciadas para definir essa

relação institucional entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.

E toda essa análise vai desaguar na visão do Supremo Tribunal Federal, às

vezes omissa e por muita outras vezes atuante em áreas que não lhe dizem

respeito, principalmente quando o assunto é base de governo, coligações partidárias

ou mesmo na análise constitucional do devido processo legislativo, traduzindo a

atuação dessa Corte em um outro desafio a transpor.

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O tema é apaixonante, mas, ao mesmo tempo, multifacetário, motivo pelo

qual, em nossas conclusões, propomos algumas soluções possíveis para alguns

desses desafios aqui postos, no âmbito do Poder Legislativo, visando fortalecer o

sistema democrático representativo e o aumento da participação cidadã na arena

decisória.

Não pretendemos esgotar o tema e muito menos dar soluções para todos os

itens postos por nós como problemáticos, pois seria de nossa parte uma verdadeira

audácia vislumbrar solucionar todas essas questões, mas buscamos, sim, após anos

de estudo, contribuir um pouco para o debate sobre as relações institucionais entre

os três poderes.

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CAPITULO I – A CARTA CIDADÃ

I. A FEIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Pátria não é como um sistema, nem uma seita, nem

um monopólio, nem uma forma de governo. Pátria é o

céu, o solo, o clima, a tradição, a consciência, o lar. O

berço dos filhos e o túmulo dos antepassados. A

comunhão da lei, da língua e da liberdade.

Ruy Barbosa

A feição da Constituição de 1988 e de seu texto pode ser extraída da leitura

do seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a

seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.1

Assim, inaugura o texto constitucional da denominada carinhosamente de

“Carta Cidadã”, que não surge imposta e sim almejada.

Tem como ponto de partida o ideal de cidadão consciente do pacto

constitucional e dos princípios adotados pelo Estado Brasileiro.

Foram inúmeros os movimentos sociais que culminaram na elaboração da

Carta de 1988, carta esta que agradou somente o “Povo”. Pioneira no mundo em

normatizar, traz em seu corpo os direitos humanos, transformando-os, assim, em

direitos fundamentais, rol extenso e de primeira importância, como por exemplo, o

artigo 5º e seus incisos.

1 Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Trouxe avanços como a preocupação com o social. Elogiada e exaltada pela

Organização das Nações Unidas – ONU, por ser pioneira em proteger e disciplinar

sobre o meio ambiente. Rica em princípios, que garantem direitos ao “Povo”

brasileiro.

Por todos esses atributos e qualidades inovadoras é que foi tantas vezes

atacada com constantes emendas, tantas vezes mal compreendida em sua riqueza

e por sua complexidade, e tantas vezes denegrida por aqueles que pretendem retirar

o seu principal objetivo, qual seja: “Que a República Federativa do Brasil seja um

Estado Democrático de Direito”.

O fundamento de um Estado Democrático de Direito pressupõe, de um lado,

que todos os indivíduos, os grupos sociais e o Estado estejam sujeitos às leis, como

expressão da vontade geral. No dizer de Rousseau; de outro lado, significa que as

leis, a que todos se submetem, deverão ser promulgadas com respeito aos

princípios democráticos, entre os quais, especialmente, o princípio segundo o qual a

promulgação deve ser feita por aqueles a quem a Constituição atribui competência

para fazê-lo em nome e em proveito da sociedade.

Não obstante, as reformas liberalizantes, seguindo a tendência universal de

enxugamento do Estado, como leciona Marcelo Figueiredo,2 “remanesce(m) com a

alma e com a espinha dorsal de um Estado Democrático de Direito, comprometido

com os valores substantivos de promoção de justiça social, igualdade e liberdade,

fazendo valer o caráter compromissório da Constituição de 1988”.

Em contrapartida, a Constituição de 1988, valorizou a participação e o

exercício da cidadania identificada à responsabilidade política de cada um.

Destacou a organização voluntária da vida social contra as lógicas não-políticas de

mercado ou daquelas que não tenham por fim o interesse nacional.

A repartição social do poder entre o Estado e outros titulares de poderes

públicos não-estatais está prevista no decorrer do texto da nossa Carta, ao abordar

no artigo 7º, incisos XI e XXVI, 10, 187, 194, 198, inciso III, 204, inciso II as

2 Cf. Marcelo Figueiredo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil – Uma visão

geral. In: Lições de Direito Constitucional. Em homenagem ao Professor Jorge Miranda. (Coord.) Samantha Ribeiro Meyer-Pluug & Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha.Rio de Janeiro: Forense, 2008. pp. 571-607e 606.

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modernas teorizações do princípio da separação dos poderes3. Em outras

palavras, a participação popular como princípio constitucional também resulta da

descentralização político-administrativa, o que mantém sempre atual a discussão

sobre federalismo cooperativo, consórcios, convênios e poder local.

No âmbito da administração pública, diversos são os dispositivos da

Constituição Federal para estabelecer a corresponsabilidade Estado e sociedade

civil:

a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (artigo 10, C.F); participação de seis brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, com mandato de três anos, no Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República (artigo 89, inciso VII, C.F.); a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (artigo 144, C.F); a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo (artigo 174, §2°, C.F.); participação dos acionistas minoritários na constituição e funcionamento dos conselhos de administração e fiscal das empresas públicas (artigo 173, inciso IV, C.F); planejamento e execução da política agrícola, na forma da lei, com a participação dos produtores e trabalhadores rurais, bem como os setores de comercialização, armazenamento e transportes (artigo 187, C.F.); caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados (artigo 194, inciso VII, C.F.); descentralização e participação da comunidade no sistema único de saúde (artigo 198, incisos. I e III, C.F.); participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas de assistência social e no controle das ações em todos os níveis (artigo 204, inciso. II, C.F.); gestão democrática de ensino público, na forma da lei (artigo 206, VI, C.F.); promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro com a colaboração da comunidade (artigo 216, §1º, C.F); participação de entidades não-governamentais nos programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente (artigo 227, §1º, C.F); os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio (artigo 220, §5º, C.F); aproveitamento de recursos hídricos e lavra das riquezas minerais com audiência e participação das comunidades indígenas nos resultados da lavra de riquezas minerais e no aproveitamento energético, na forma da lei (artigo 231, §3º C.F); e por fim, o dever do poder público e da

3 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Atividade Legislativa do Poder Executivo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p. 142.

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coletividade de defesa e preservação do meio ambiente para as futuras gerações (artigo 225, C.F)4

No dizer de Adrian Gurza Lavalle,

Constituição de 1988 foi um marco nesse sentido – a participação foi entrando na estrutura estatal e se tornando uma feição do Estado brasileiro e (...) Não há outro país que tenha um arcabouço institucional de instâncias participativas tão federalizado,

diversificado e abrangente quanto o Brasil5.

A cidadania, com a importância dada pela Constituição, não se resume só a

uma identidade com a consciência nacional, mas com um “espírito de corpo”, que

respalda na democracia, mediante a solidariedade de direitos e de participação

direta ou indireta na gestão da sociedade. 4Cf. Nardi Gilberto Fonseca. A participação popular na administração pública. Audiências públicas na

elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In:

Revista de Informação Legislativa, Brasília ano. 40 n. 160 out./dez. Senado Federal, Brasília: 2003.

pp. 291-305.

5 Cf. Flávio Lobo. Na pátria da democracia ‘pós-participativa’. Entrevista com Adrian Gurza Lavalle.

Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/

Para conselhos administrativos consultar: Neuma Aguiar. (Org.) Desigualdades sociais, redes de sociabilidade e participação política. Belo Horizonte: UFMG, 2007; Leonardo Avritzer. (Org.) A participação social no Nordeste. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

Juliana Brina Corrêa Lima de Carvalho. Conselhos Gestores de Políticas Públicas: institucionalidades ofensivas ou espaços de burocratização do “mundo da vida”? In: Revista Democracia Digital e

Governo Eletrônico n. 6, 2012.

Vera Schattan P. Coelho. A democratização dos conselhos de saúde. Novos Estudos n. 78, julho.

São Paulo: Cebrap, 2007. p. 77-92.

Vera Schattan P. Coleho & Andrea Cornwall. Novos Espaços Democráticos. Perspectivas

Internacionais. Singular. São Paulo: Esfera Pública, 2009.

Mario Fuks & Renato Monseff Perissinoto & Ednaldo Aparecido Ribeiro. Cultura política e desigualdade: o caso dos conselhos municipais de Curitiba. In:.Revista de Sociologia Política n. 211,

Nov. Curitiba: UFPR, 2003.125-145.

Ana Cláudia Nogueira. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: uma afronta ao Poder Legislativo? In: Revista Symposium ano 7, n. 1, janeiro-junho. Recife: Universidade Católica do

Pernambuco. 2003.

Lucia Conde de Oliveira & Roseni Pinheiro. A participação nos conselhos de saúde e sua interface com a cultura política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-

81232010000500020&script=sci_arttext;

Marco Antonio Rocha. O plano para pôr a agora no poder. Jornal o Estado de São Paulo, 18/01/2010.

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Segundo os artigos sobre os direitos políticos, a previsão é que a soberania

popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor

igual para todos e, nos termos da lei, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa

popular.

No Brasil, tivemos duas experiências de referendo: em 06 de janeiro de 19636

e com a Lei 10.826 de 2003, sobre a proibição de comercialização de arma de fogo

e munição. Quanto ao plebiscito, tivemos a experiência da escolha da forma de

governo, conforme estatuído no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias7.

No que concerne à iniciativa das leis, está prevista na Constituição Federal,

em seu artigo 61 e § 2º, desde que o projeto de lei seja subscrito por no mínimo 1%

do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de

três décimos por cento dos eleitores de cada um deles8.

6Cf. Adrian Sgarbi. O Referendo. Rio de Janeiro: Renovar: 1999. pp. 3-375. p. 318.

7Cf. Maria Elizabeth G. T. Rocha. Referendo e Plebiscito. Instrumentos de Participação popular na

formação de atos de governo. In: Revista Jurídica Consulex. ano IX. n. 209. 30 de setembro, Brasília:

Editora Consulex, 2005. pp. 7-10. p.8

8 No Brasil, noticia-se projeto de iniciativa popular pretendendo a criação de um Fundo Nacional de

Moradia Popular. Projetos que se tornaram normas jurídicas: o da inclusão como hediondo o homicídio qualificado e o simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que só por um agente, com aprovação de incisos no art. 1º da Lei nº 8.072/1990; o projeto contra a corrupção eleitoral, com aprovação de inclusão de dispositivos na Lei nº 9.504/1997 e alteração do Código Eleitoral; e o projeto que culminou nas alterações sobre as regras de inelegibilidades, a culminar com a Lei Complementar nº 135/2010. Ademais, reporte-se que os projetos de iniciativa popular, no Brasil, tiveram autoria atribuída a membros do Legislativo.

José Duarte Neto. A iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2005. pp142-143.

Bruno Batista da Costa de.Oliveira. A participação popular no processo legislativo. O Exercício da Cidadania ativa e o discurso no Estado Democrático de Direito no Brasil. Dissertação de Mestrado em

Direito. São Paulo: USP. pp. 1-198, p. 163

Para consultar:

Carlos Alberto Farias Nery. A iniciativa popular na elaboração legislativa: um estudo sobre a participação da sociedade no processo de formulação das leis. Biblioteca Digital da Câmara dos

Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.

Luiz Claudio Alves dos Santos. A iniciativa popular das leis. E- legis n. 01, Biblioteca Digital n. 01.

Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.

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Com efeito, Paulo Bonavides afirma incisivamente que não passa de uma

aplicação parcial e limitadíssima de três técnicas do sistema democrático direto: o

plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Considera

que há necessidade de alargar a brecha constitucional, para converter instrumentalmente numa realidade de poder soberano a vontade do povo. De tal sorte que a democracia neste país deixe de ser o que tem sido até agora em todos os tempos – a utopia do idealismo constitucional – e passe da esfera da crença e das formas fictícias para a esfera do concreto do real, do fático, com o povo absolutamente senhor do seu destino e de suas faculdades decisórias.9

Desde a promulgação da Carta de 1988, as experiências quanto a plebiscito,

refendo e iniciativa popular, como vimos, foram muito escassas diante do ideal

almejado de participação.

Devem-se destacar as exigências de uma Constituição voltada para o futuro,

segundo Bobbio, pois

o ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, à corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação.10

A par de toda a estrutura estatal e procedimental, no tocante à participação e

ao exercício da cidadania como nos referimos anteriormente,e não são poucos, a

realidade brasileira no exercício dessas prerrogativas está longe de ser a desejada e

delineada pelo constituinte originário.

Númerosas pesquisas demonstraram que o interesse pela política está

circunscrito a um círculo bem limitado de pessoas, que, em geral, os resultados

indicam que os níveis de participação política são mais elevados entre os homens,

9 Cf. Paulo Bonavides. Democracia Direta e Democracia no Terceiro Milênio. In: Estudos de Direito

Constitucional. Em homenagem à professora Maria Garcia. (Org.) Luciana. A. Accorsi Berardi e

Lauro.L. Gomes Ribeiro. São Paulo: IOB Thomson, 2007. p. 413.

10 Cf. José Afonso da Silva. Constituição e as Estruturas dos Poderes. In: Estudos de Direito

Constitucional. Em homenagem à professora Maria Garcia. (Org.) L.A. Accorsi Berardi e L.L. Gomes

Ribeiro. São Paulo: IOB Thomson, 2007. p. 193

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nas classes altas, nas pessoas de mais elevado grau de instrução, nos centros

urbanos mais que nas zonas agrícolas, entre pessoas educadas em família na qual

a política ocupa um lugar de relevo, entre os membros de organizações ligadas

mesmo indiretamente à política, entre os que estão facilmente expostos a contatos

com pessoas ou ambientes politizados.11

11

Cf. Noberto Bobbio e N. Matteucci, e G. Pasquino Dicionário de Política. 5 ed. São Paulo: UNB/

Imprensa Oficial, 2000. p. 890.

Para a motivação psicossocial da participação política e para a atitude de participação política, consultar:

Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Direito da Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 21-24.

Para a falta de presença da mulher na política, podem-se consultar:

Teresa Sacchet. Capital social, gênero e representação política no Brasil. vol. 15. n. 2, novembro.

Campinas: Opinião Pública, 2009. pp306-332.

COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. A mulher na reforma política. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputasdos, 2009. disponível em: http://bd.camara.gov.br

Wilson Tosta. Procurador quer cota para mulheres cumprida à risca. Jornal O Estado de São Paulo, 06/11/2007. p. A12.

Marilene Mendes Sow. A participação feminina na construção de um parlamento democrático. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. http://bd.camara.gov.br

Luis Felipe Miguel. Teoria polítca feminista e liberalismo: o caso das cotas de representação. In:

Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 15 n. 44 out. São Paulo: . ANPOCS, 2000.

Le Parlement est-il ouvert aux femmes? Évaluation. septiembre. Genéve: UNION

INTERPALEMENTAIRE, 2009. pp. 28-29.

Clara Araújo. Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de ingresso das mulheres na

representação política. In: Revista de Sociologia Política n. 24. Curitiba: UFPR, 2005.

Thiago Cortez Costa. Representação política feminina. Modelos hierárquicos para análise dos resultados eleitorais de 2006. IBGE. Rio de Janeiro: ENCE, 2008.

Márcio Nuno Rabat. A reserva de vagas nas listas de candidaturas no contexto da evolução histórica da participação das mulheres na política. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002. disponível em:

http://bd.camara.gov.br

COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Trilhas do poder das mulheres. Experiências internacionais em ações afirmativas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. disponível em:

http://bd.camara.gov.br

E, ainda, para os temas da confiança com relação às instituições e da incorporação de valores democráticos:

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II. ALGUNS DESAFIOS DA SOCIEDADE E DO ESTADO BRASILEIRO

COM ADVENTO DA CARTA DE 1988

O sobrevoo na feição da Magna Carta nos remete a alguns dos desafios

quanto à sua concretude diante do contexto mundial que se impõe.

O cotidiano de hoje não se compara ao do século XIX. Estamos no século

XXI, e a humanidade nunca presenciou tanto desenvolvimento e com uma incrível

velocidade em todas as áreas das ciências, como o que ocorreu no século XX. O

homem de hoje carece de necessidades completamente diferentes do homem dos

séculos passados, e, portanto, a regulação de suas relações, em todos os aspectos,

é de outra ordem.

Tudo gira com muita rapidez, redes sociais são consultadas a cada instante,

as comunicações são quase que imediatas a ponto de presenciarmos guerras

travadas pela televisão ao mesmo que os ataques estão correndo, a exemplo do

Iraque. Os campeões de venda são os livros de autoajuda que tentam auxiliar o

homem atual em meio à toda essa rapidez e aos imensos fluxos de informações.

Gerenciamento de conhecimento é a nova palavra de ordem.

O conceito do “Estado, organização política sob a qual vive o homem

moderno, caracteriza-se por ser resultante de um povo vivendo sobre o mesmo

território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado

por nenhum outro externamente e supremo internamente”12. Devido a uma série de

fatores, esse conceito tem sido questionado pelos acontecimentos recentes da

economia globalizada e da intensa e crescente rapidez de novas tecnologias, fatores

que se tonaram imbricados nas relações entre todos os países, alterando as suas

políticas internas e a forma de programar seus projetos governamentais.

No seu plano interno, os países enfrentam uma crescente pluralidade e

heterogeneidade de situações e desafios inéditos. No que se refere ao plano

Denise Mercedes Nuñez Nascimento Lopes. Para pensar a confiança e a cultura política na América Latina. vol. X, n.1, maio Campinas: Opinião Pública, 2004.

Ednaldo Aparecido Ribeiro. Cultura política, instituições e experiência democrática no Brasil. In:

Revista de Sociologia Política n. 28. Curitiba: UFPR, 2007.

12 Cf. Celso Ribeiro Bastos. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1995.

p. 8.

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externo, deparam-se com fluxos sobre os quais não conseguem mais exercer sua

autoridade tradicional, variando tal fenômeno de país para país13.

O surgimento de organismos multilaterais, conglomerados mundiais, centros

de expertise e organizações não-governamentais (ONGs) acabam por empalidecer a

ideia de Estado-nação, em decorrência de uma crescente e complexa trama de

relações motivadas por interesses distintos entre esses atores.

De fato, o predomínio da lógica financeira sobre a economia real tem tornado

as fronteiras mais porosas, e, portanto, os espaços tradicionalmente reservados ao

direito e à política tendem a não mais coincidir com o espaço territorial, mitigando-se

o alcance e a efetividade do princípio da soberania.14

No que diz respeito ao plano institucional, essas transformações acabam por

esvaziar o alcance da efetividade das instituições político-representativas e dos

mecanismos de participação, organizados em bases nacionais, afetando a vida do

cidadão e seu patrimônio, enfraquecendo as próprias liberdades públicas e os

direitos fundamentais, uma vez que as esferas de decisões estão relativizadas15.

Daí, a enorme dificuldade em defender a democracia no aspecto formal16.

Essa racionalidade, por vezes à revelia da ordem jurídica vigente, muitas vezes objetiva alterar direitos constitucionais oriundos de conquistas históricas da civilização ocidental, como o uso de mecanismos de padronização com base na justificativa pelo mito da neutralidade, da técnica e da negação ao fenômeno político, retrocedendo nos avanços conquistados em relação a direitos diante do absoluto desprezo que tem pelo Homem e pelo social. 17

13

Cf. José Eduardo. Faria. Direito e conjuntura: sociologia jurídica. FGV – Direito GV. São Paulo:

Saraiva, 2008. 11-47. pp. 31.

Para consultar:

H. C. F. Mansilla. Conflicto, Pluralismo y Mercado: como elementos de la democracia moderna. In: Revista de Estudios Políticos n. 39, mayo/junio. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. pp29-48.

14 Cf. José Eduardo Faria, 2008. Op. Cit.pp. 12-32

15 Cf. José Eduardo Faria 2008. Op. Cit. p. 34

16 Cf. Marcelo Figueiredo. As Agências Reguladoras: o Estado Democrático de Direito no Brasil e sua

atividade normativa. São Paulo: Malheiros, 2005.

17 Cf. Marcelo Figueiredo, 2005. Op. Cit. pp. 10-11.

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O Estado Liberal se caracterizou pela racionalização e despersonalização

do poder político, instituindo a legalidade como controle da atuação do poder

estatal diante dos particulares, como forma basilar de garantir os direitos

fundamentais individuais. O poder passa a ser exercido na estrita forma da lei,

consagrando o Estado de Direito.

Nessa medida, na qual qualquer intervenção na esfera econômica deveria

ser mínima, com o mercado determinando os caminhos e a forma de disciplina da

atividade, através da sua lógica, em que qualquer distorção era corrigida,

mecanismo denominado, por Adam Smith, de “mão invisível”, o modelo liberal

clássico impunha ao próprio mercado, e somente a ele, a função de determinar os

rumos da economia e, por conseguinte, os eventuais desequilíbrios deveriam ser

corrigidos pela sua lógica.

Com efeito, a regulação privada pelo mercado, centrada na livre iniciativa,

na livre concorrência e na propriedade privada dos meios de produção afastava

qualquer atuação positiva do Estado, pois o universo dos indivíduos era

salvaguardado pelo princípio da legalidade.

Mas cabia ao Estado a função de garantidor da ordem institucional,

garantindo a propriedade privada e o cumprimento dos contratos, alguns serviços

públicos, que pela sua própria natureza e ante a possibilidade de falta de lucros,

deveriam ser prestados pelo ente estatal; isso tudo, sem prejuízo nas suas outras

funções, como: segurança, legislação e jurisdição.

Em decorrência das imperfeições desse modelo, surge a crise do Estado

Moderno, que se operou nas esferas política e econômica, já que era patente um

déficit de legitimidade no exercício do poder, diante da cumplicidade do Estado

com os detentores dos meios de produção e da concentração e do abuso do poder

econômico. Tudo isso a demonstrar que a autorregulação, pelo mercado, restava

essencialmente falha.

No que tange às necessidades sociais, o Estado Liberal demonstrou não

conseguir suprir, devido a um regime de mercado ineficiente para movimentar

grandes recursos para essa demanda, o que forçou a busca de uma nova forma de

legitimar seu poder político diante da sociedade. Aliado a isso, os acontecimentos

históricos como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a crise econômica de

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1929, o fortalecimento do sindicalismo, a influência da ideologia socialista e a

transformação da sociedade para pluriclasse, em que ocorreu a multiplicação de

interesses e demandas sociais, fizeram surgir o Estado Social, ou o ‘Estado do

Bem-Estar’18

A nova ordem, ou seja, o Estado Social buscava na ampliação das

atribuições do Estado a transformação de determinadas atividades comerciais,

industriais e sociais em prestação de serviços públicos, em nome da realização de

atividades econômicas, julgadas essenciais ou estratégicas, e até a utilização do

planejamento como fundamental instrumento para atingir a realização do interesse

público.

Ao poder de polícia, nesse contexto, na qualidade de regulador, coube uma

ampliação, já que o Estado intervém em todos os setores da vida social de duas

formas: a atuação em setores não relacionados com a segurança, atingindo

diretamente os particulares, e, por fim, a imposição de obrigações de fazer.

Em razão dessa mudança, com uma lógica a ser implementada, ocorreu um

visível fortalecimento do Poder Executivo em face do Legislativo, com ampliação

de suas atribuições na sua forma de atuação e de regulação através de

normativas, como decretos-leis, leis delegadas, regulamentos autônomos, medidas

provisórias, tudo acarretando em um inchaço de diplomas, que dificultou o devido

controle da função administrativa - a qual se incrementou para acima e para além

da possibilidade de controle19.

Por outro lado, o Estado Social e seus desafios, para se manter

politicamente legitimado, necessitou da captação de recursos financeiros, oriundos

dos próprios agentes econômicos, por conseguinte, da manutenção do regime

capitalista, mas sem descurar do objetivo visado e de seu fim: o interesse público.

A ingerência e intervenção do Estado, através de instrumentos de dirigismo

econômico, como fomento, prestação direta de atividades econômicas essenciais,

ampliação da estrutura, aliada a excessivas e inúmeras regulações que limitavam

18

Cf. Paulo Bonavides. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 2009.

19 Cf.Clèmerson Merlin Clève. Atividade Legislativa do Poder Executivo. São Paulo: RT: 2011.

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e afetavam liberdades econômicas e sociais fundamentais para alguns, contribuiu

para outra crise do Estado, originando a necessidade de um processo de reforma.

Com essa lógica, o Estado Social gerou uma nova crise, ou seja, nesse

plano de inserção do pressuposto de que o Estado, além de garantir a ordem

interna, a estabilidade da moeda e o funcionamento dos mercados, tem um papel

fundamental de coordenação econômica, ocasionando as crises: fiscal, do modo

de intervenção no plano econômico, e o social; da forma burocrática de

administrar.

Assim, pôs-se o desafio de necessidade de reforma no Estado diante do

conflito das forças dos interesses sistêmicos - acumulação capitalista –, dos

interesses coletivos - a legitimação política - e dos interesses burocráticos, que

acarretou nas ditas: crise fiscal, crise de legitimação e na crise de governabilidade.

Na realidade, as crises que se instauram estavam associadas, de um lado,

ao caráter cíclico da intervenção estatal, de outro, ao processo de globalização,

que reduziu a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados

nacionais20, urgindo por uma solução. A proposta encontrada, como solução,

deveria decorrer das reformas: administrativa, fiscal e política.

As novas tendências mundiais de reforma do aparato estatal caminhavam

para: a despolitização, a pluralização dos interesses, a subsidiariedade e a

delegação social, fatores entrelaçados de várias maneiras.

Nessa esteira, a despolitização vem a ser a eliminação do conteúdo político

desnecessário de decisões relativas aos interesses públicos, tomando por base as

vantagem por entes técnicos ou comunitários. No caso dos entes técnicos, afasta-

se a interferência inútil da política partidária e da burocracia; e no caso dos entes

comunitários, a esses efeitos, acresce-se o não menos relevante incremento da

legitimidade das decisões.

A pluralização dos interesses surge como resultado da identificação das

categorias metaindividuais, interesses coletivos e interesses difusos, que

combinam de vários modos com as categorias tradicionais, interesses públicos e

privados, tanto no campo da gestão como no da proteção.

20

Cf. Bresser Pereira. Cadernos MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado

nº 1. Brasília, 1998. p.9.

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E o Estado subsidiário21 deve prever que o Poder Público se retraia a uma

atuação subsidiária da atividade gestora das entidades privadas, tendo como

núcleo do seu princípio o reconhecimento da prioridade da atuação dos corpos

sociais sobre os corpos políticos no atendimento de interesses gerais22.

O princípio do Estado subsidiário aponta, assim, para a delegação social

como forma de devolver à sociedade organizada todas as atividades que, não

obstante a serem de definido interesse público, não necessitem de tratamento

político-burocrático, nem exijam ordinariamente o emprego do aparelho coercitivo

estatal23.

Por seu turno, as entidades intermediárias com as feições da antiga teoria

dos corpos intermédios, tal como via Montesquieu – que se originaram da

concepção pluralista da sociedade -, recentemente com a expansão dos interesses

metaindividuais, perdem algumas de suas características históricas em face do

campo fértil para sua multiplicação.

A expressão subsidiariedade abrange tanto as normas criadas pela

sociedade para cuidar de problemas derivados desses interesses coletivos e

difusos, quanto às criadas pelo Estado para atuar, por delegação, mais

proximamente das comunidades diretamente interessadas.

Dentro desse contexto surge a proposta de um Estado subsidiário como

solução. Modelo pelo qual deixa à iniciativa privada a realização das atividades

econômicas, restando para si aquelas de que participa ou nas quais intervém, ou

seja, somente em setores essenciais ou indelegáveis, cujo desempenho da

iniciativa privada apresente-se deficiente e ao mesmo tempo enseje uma

21

Conceito originado na prática federal suíça, exaltado no magistério pontifício, na Encíclica

Quadragésimo Ano, publicada em 15 de maio de 1931, na qual o Papa Pio XI ofereceu em enunciado; apontado como inspirador da Lei Fundamental da República da Alemanha e aplicado explicitamente pelo Tratado de Maastricht, o documento maior da União Europeia.

Para consulta:

José Alfredo de Oliveira Baracho. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. v. 5 n. 19. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. pp7 – 36.

22 Cf. Diogo Figueiredo Moreira Neto. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar,

2000. pp. 53-152.

23 Cf. Diogo Figueiredo Moreira Neto, 2000, Op.Cit. pp. 152-53

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29

participação maior da sociedade na esfera política, bem como no controle das

atividades do governo.

Em termos esquemáticos, esse modelo se caracteriza pelo uso de

instrumentos como a desestatização, que ocorre através da privatização de

empresas públicas, prestadoras de serviços públicos ou não; ampliação de

fomento estimulando o particular na satisfação dos seus próprios interesses; de

parcerias com o setor privado; a desregulamentação, restabelecendo a liberdade

de atividade econômica do indivíduo; e a alteração do conceito de interesse

público.

Com relação, especificamente, à desregulamentação representa um

conjunto de medidas liberativas visando diminuir restrições que o modelo estatal

social impôs à iniciativa privada, principalmente, no campo econômico. Apesar de

o Estado renunciar desempenhar diretamente atividades econômicas, ele vai

buscar, através da criação de agências reguladoras, uma intensificação da

regulação de forma externa. Isso quer dizer que o papel do Estado produtor e

prestador de serviços, na área de serviços públicos, traz como consequência um

aumento significativo do seu papel de regulador. O desafio de agora é de

administrar contratos24.

Como podemos observar, nesse modelo de Estado, a sociedade terá um

papel essencial e fundamental, mas como ela se encontra no contexto pátrio se

traduz em mais um desafio a ser transposto, como iremos ver adiante.

III. SOCIEDADE POLITICAMENTE ORGANIZADA E DEMOCRACIA

REPRESENTATIVA

Para uma análise contextual da sociedade, o enfoque atual das instituições

nos remete a algumas inserções necessárias.

A primeira decorre da constatação de que qualquer que seja a ação vital

compartilhada pelos homens de uma sociedade está presente a política, seja no

24

Cf. Floriano de Azevedo Marques Neto. Do contrato administrativo à administração contratual. In:

Revista do Advogado v. 29 n. 107. São Paulo: AASP, 2009. pp. 74-82.

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30

aspecto privado ou público. A vida em família, as interações com as pessoas no

bairro, na escola, como partes integrantes da cidade, a pertença a um Estado e a

um país pressupõem algum envolvimento com a esfera política.

A ação de se jogar lixo nas ruas ou não, a participação na associação de

bairro ou o ato de fazer parte de uma entidade religiosa ou trabalhar com voluntário

em uma causa demandam, no mínimo, o conhecimento de algumas regras de

convivência social, e isso já configura uma ação política. Assim sendo, é preciso não

confundir a ação política com o simples ato de votar. A ação política permeia todas

as atitudes do cotidiano de uma sociedade.

Assim, a política tem sido considerada em sua relação com o espaço público,

no qual são deliberadas e decididas as ações concernentes à coletividade, de

maneira que determine as formas de sociabilidade nas sociedades. Essas

deliberações e decisões definem, por conseguinte, a forma de poder e o exercício do

governo. Concebe-se, assim, a política a partir do Estado e das instituições estatais,

das formas de governos, da existência de partidos políticos e da presença ou

ausência de eleições.25

Na realidade, as formações sociais são instituídas pela ação política, havendo

uma distinção entre força, autoridade e poder. A força opera por meio da violência,

com a finalidade de eliminar diferenças; a autoridade, pela formação do sentimento

comunitário, considerando as diferenças como secundárias.

De fato, o poder, quando não se transforma em dominação, opera no sentido

de legitimar as diferenças26. O poder é essencialmente repressivo e o torna por dois

ângulos: pelo uso da vigilância constante e difusa, e na instituição da sociedade

disciplinar.

Nesse sentido, daí a assertiva de Foucault sobre a soberania ser o poder de

fazer morrer ou deixar viver 27 .

25

Cf. CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.) NOVAES, A. Rio de Janeiro:

Agir, 2007. pp. 27-54. p. 33.

26 Cf. Hannah Harendt apud CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.)

NOVAES, A. Rio de Janeiro: Agir, 2007, pp. 27-54, p. 33

27 Cf. Michel Foucault apud CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.)

NOVAES, A. 2007. Op. Cit. p. 33

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31

Mas no contexto Pátrio, nos dias atuais, deparamos-nos com uma sociedade

multiétnica, nacional, linguística ou religiosa. E para atingir a almejada paz, urge a

necessidade não só de impedir a discriminação das minorias, mas também de criar

formas de preservar a sua identidade e, como decorrência do princípio majoritário,

de moldar-se, em observância não apenas aos limites formais ou procedimentais,

mas também aos limites materiais28.

Na tarefa da análise da sociedade decorre a necessidade de se refletir sobre

três aspectos: democracia, representação e participação, o que iremos proceder a

seguir.

O conceito de democracia, como a forma de governo em que o poder é

atribuído ao povo e o qual é exercido em harmonia com a vontade expressa pelo

conjunto dos cidadãos titulares de direitos políticos, enquanto tal, traduz os anseios

coletivos, não se traduz mais simplesmente na titularidade do poder atribuída ao

povo ou ao seu reconhecimento na vontade do povo, que dá origem à soberania.

Também, não basta declarar que o poder em abstrato pertence ao povo, ou que já

lhe pertenceu num momento pretérito e que ele o exerceu de uma vez para sempre

– donde a legitimidade de tipo democrático, em que o poder constituinte, aprovação

da Constituição positiva competiu ao povo, ficando os poderes constituídos para os

governantes.

A democracia, hoje, exige muito mais para viabilizar um exercício de poder

pelo povo, pelos cidadãos com direitos políticos, em conjunto com os governantes. A

atualidade desse exercício traduz a capacidade dos cidadãos de formarem o que se

convenciona chamar de vontade política autônoma perante os governantes, significa

que a vontade do povo, quando manifestada nas formas constitucionais, deve ser o

critério de ação dos governantes.29

28

Cf. Jorge Miranda. Povo, democracia, participação política. In: Revista Latino-Americana de

Estudos Constitucionais. n. 8. janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albaniza Sarasate, 2008. 16-49. pp . 27.

29 Cf. Jorge Miranda, .2008. Op. Cti p 27.

Cf. José Afonso da Silva. Democracia e direitos fundamentais. In: Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. 369-370.

Consulte-se obra de referência:

Paulo.Bonavides. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. Malheiros: São Paulo, 2008.

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32

Ora, se a democracia é o governo do povo, fica evidente no contexto

contemporâneo que este, diretamente sozinho, não tem condições de exercer o

governo30, o que se traduziria numa autêntica democracia direta, onde os

participantes do grupo social votam diretamente as leis que governam, muito

embora, no final do século passado, essa ideia tenha reaparecido, ainda como

utópica, é verdade, graças ao desenvolvimento da informática31.

Tal ideia de representação surge na época de Revolução Francesa, quando

se desenvolveu cabalmente esse conceito32.

30

Ver nesse sentido.

Celso Ribeiro Bastos. Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed.. São Paulo: Editora Celso Bastos,

2004. p. 129

31 Nesse sentido ver

Tércio Sampaio Ferraz Junior. Assembleia Constituinte, Processo, Poder. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1985. p. 21.

Sérgio Soares Braga. Podem as novas tecnologias de informação e comunicação auxiliar na consolidação das democracias? Um estudo sobre a informatização dos órgãos legislativos na América do Sul. vol. 13, n. 1, junho. Campinas: Opinião Pública, 2007.

COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cidadania, mídia e política: relacionamento sociedade civil, meios de comunicação e parlamento. Biblioteca Digital. Brasília: Câmara dos

Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br;

Nilson Vidal Prata. Informação, Democracia e Poder Legislativo: a dimensão informacional do

processo de participação política. v. 11. n. 17, jul./dez. Belo Horizonte: Cadernos Escola do

Legislativo. 2009.pp 29-58.

Alejandro Vivanco Sepúlveda Parlamento eletrônico e transformação da democracia representativa.

Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2002.

Fabiana de Menezes Soares & Louise Menegaz Barros & Natália de Assis Faraj. Legimática: a tecnologia da informação aplicada à qualidade da produção legislativa. v. 6, n. 2, out. Brasília: Senatus, 2008.

32 No tema, consultem-se:

José Carlos Brandi Aleixo. Democracia representativa. In: Revista Informação Legislativa ano 14, n. 53, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1977.

Fátima Anastasia & Felipe Nunes. A reforma da representação. In: Reforma Política do Brasil. Leonardo Avritzer & Fátima Anastasia. (Orgs). Belo Horizonte: UFMG, PNUD, 2007.

Andrew Arato. Representação, soberania popular e accountability. In: Lua Nova n. 55-56, São Paulo: CEDEC, 2002.

Simone Bohn. Ainda o velho problema da distorção da representação dos estados na Câmara dos Deputados. In:Gláucio Ary Dillon Soares & Lucio R. Rennó. Reforma Política. Lições da história recente. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

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33

Mas, será na Idade Média que encontraremos as primeiras manifestações

do que viria, mais tarde, a ser um sistema representativo. A democracia

representativa, no seu delinear histórico, como se referiu Montesquieu, ou na alma

anglo-saxônica, sempre a pleitear liberdade ou ainda formas eletivas como

estabelecidas na Igreja Católica e nas ordens religiosas, é fruto das ideias de

Sieyès, preclaro teórico da primeira fase da Revolução Francesa, quando afirmou: “o

povo não pode ter mais que uma voz: a legislação nacional”.

Desde então, muito polemizada até os nossos dias, a democracia

representativa sempre suscita acirradas controvérsias, em outras palavras, nunca foi

um conceito pacífico. Já que, ela pressupõe voto, e daí surge uma das primeiras

grandes discussões sobre quem tem direito e dever de exercer o voto. Hoje, resta,

em grande parte superada, a polêmica quanto ao voto das mulheres e dos

analfabetos, os desafios que se põem são de outra ordem.

A história do voto, no Brasil, remonta às eleições dos oficiais das Câmaras

Municipais - ainda enquanto colônia -, seguida pelas eleições gerais para as Cortes

Paulo Bonavides. O sistema representativo. In: Revista de Informação Legislativa vol. 7 n. 26,

abril/junho. Brasília: Senado Federal, 1970.

Joaquim Francisco. A democracia representativa na República (Antologia). Brasília: Senado Federal,

1998.

Bolivar Lamounier & Francisco C. Weffort & Maria Victoria Benevides. (Orgs). Direito, Cidadania e Participação. São Paulo: T.A. Queiroz, 1981.

Adrián Gurza Lavalle & Peter P. Houtzager & Graziela Castello. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. In: Lua Nova, Revista de Cultura e Política n. 67, São Paulo: Cedec,

2006.

Bernard Manin. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências

Sociais n. 29 ano 10, outubro. São Paulo: ANPOCS, 1995.

John Stuar Mill. O governo representativo. Trad. E. Jacy Monteiro. São Paulo: IBRASA, 1983.

Agamenon Bezerra de Menezes & Rui Verlaine. Representação política no pensamento de Hobbes, Locke e Burke. In: Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais n.9, julho/dezembro.

Fortaleza: Instituto Albanisa Sarasate, 2008.

Agerson Tabosa Pinto. Da representação política no governo da Roma antiga. In: Revista Latino-

americana de Estudos Constitucionais n.6, julho/dezembro. São Paulo: Del Rey, 2005.

Fernando Sabóia Vieira. Representação e participação no Parlamento. In: Débora Messenberg [et al]. Estudos Legislativos: pensamento e ação política. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.

http://bd.camara.gov.br

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34

de Lisboa, pelas eleições no Império (1824-1889), com a prática do voto no primeiro

período republicano até os nossos dias33.

Mas no que o voto se traduz? O voto para o senso comum se traduz em um

ato de cidadania, em um direito e em um poder, uma garantia livre de opinião

política, símbolo da democracia; nas definições conceituais, o modo de se

manifestar a vontade ou opinião num ato eleitoral ou numa assembleia; sufrágio; ato

ou processo de exercer o direito a essas manifestações, e seu resultado.

A partir dessa reflexão da relação entre o cidadão e o Estado, o voto faz parte

do rol de seus deveres cívicos e deve traduzir as escolhas pelas políticas e pelo

cuidado com as coisas públicas. Portanto, deve procurar as informações

necessárias para que se exerça essa prerrogativa com o máximo de consciência

possível.

Mas, aqui, reside o desafio do direito e do exercício do voto que se impõem

na democracia representativa, os problemas atinentes à vida do Estado tornaram-se

muito complexos no mundo moderno, implicando conhecimentos de toda sorte:

econômicos, sociais, diplomáticos, que, na maioria das vezes, não estão ao alcance

do cidadão comum.

Voto e Estado não são abstrações, geram os recursos da sociedade e o bem-

estar, e o sucesso pessoal está na estrita dependência de uma sociedade regida por

pessoas competentes e dentro de princípios mínimos de ética e moralidade34.

Na realidade, urge então a especialização aliada à constatação de que as

grandes massas não possuem condições de tomar decisões ponderadas e

refletidas, pois a psicologia social já identificou com bastante precisão os fenômenos

de despersonalização do indivíduo quando envolvido em movimentos

multitudinários.35 A falsa convicção de que basta cuidar dos seus assuntos pessoais

para se alcançar êxito em detrimento de interesse pelas coisas públicas não irá

ofuscar a realidade e a verdade, que estão colaborando para a manutenção do

status quo.

33

Cf. Leticia Bicallo Canêdo. Aprendendo a votar. In: História da Cidadania. (Org.) Jaime Pinsky e

Carla Bassanezi Pinky. São Paulo: Contexto, 2008. pp517-543.

34 Cf. Celso Ribeiro Bastos, 2004, Op. Cit. pp.48 - 49

35 Nesse sentido ver Celso Ribeiro Bastos, 2004, Op. Cit., p. 131

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35

Diante disso, surgem correntes de estudiosos sobre a democracia

representativa com o intuito de desenvolver procedimentos e mecanismos capazes

de dar conta aos desafios postos.

A primeira questão que se põe é de como desenvolver e sustentar uma

participação dos cidadãos nos processos políticos de forma mais substantiva e

assegurada do que normalmente se constata na democracia representativa liberal. A

segunda é de como evitar que a democracia, em crise, confrontada com uma série

de déficits democráticos que põem em questão a sua vitalidade e o seu próprio

significado, possa manter sua qualidade.

A terceira é como entender o fenômeno nas democracias maduras, do

declínio da participação política ao “esvaziamento” da política, com o poder

crescente de interesses específicos. E, por fim, a quarta questão decorre da

constatação de que as grandes transformações decorrentes das constituições

vigentes na América Latina, nas últimas décadas, serão capazes ou não de

solucionar os problemas da pobreza, do crescimento da desigualdade e de justiça

social. 36

Alguma resposta a essas indagações e as abordagens de democracia em

busca de uma solução podem ser detectadas.

A primeira remete ao pensamento neoliberal, que tem por objetivo um

progressivo enfraquecimento do Estado através da combinação da descentralização

com a privatização, em que o papel dos cidadãos se resume ao de mero consumidor

que manifesta suas preferências por meio das escolhas de mercado, podendo ter,

em nível local, uma coprestação, mas com pouco poder democrático efetivo sobre

as políticas estatais.

A segunda visão diz respeito ao modelo liberal de democracia representativa,

no qual a ênfase consiste na ordenação das instituições e dos processos

democráticos através de processos eleitorais competitivos e multipartidários,

cabendo ao cidadão ser eleitor, e, em contrapartida, usufruir de direitos individuais,

em questões referentes à propriedade privada, liberdade de expressão e associação

política, sem interferência do Estado.

36

Cf. John Gaventa. In: Novos espaços democráticos: perspectivas internacionais. (Orgs) Andrea

Cornwall e Vera Schattan P. Coelho. São Paulo: Editora Singular, 2009. pp. 13 – 21.p. 15 e ss.

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36

Uma terceira se apoia na solução através do investimento. Abordagem

amplamente promovida pelos financiadores do desenvolvimento por meio de seus

programas de democratização. Sua argumentação é de que a tendência ao elitismo

ou a falta de prestação de contas por parte do poder público, identificada nas

abordagens com modelos institucionais tradicionais, pode ser compensada pelo

investimento em busca de uma sociedade fortalecida e nas instituições políticas e

nas políticas eleitorais.

Assim, essa tarefa estaria baseada na ideia perene da importância do

associativismo na democracia, uma sociedade civil37 robusta pode funcionar como

elemento para fiscalizar e fazer frente à conduta do governo, por meio de

reivindicações, da defesa de interesses específicos, da atuação como fiscal e, de

modo geral, da atuação como um contrapeso em relação ao Estado.

Mas, a ela, um desafio se impõe: a sociedade civil e a sociedade política

podem ser claramente separadas uma da outra na prática cotidiana?

Outra vertente, oriunda de longas tradições democráticas, é a segundo a qual

não basta um conjunto de regras, procedimentos e modelos institucionais, cuja

participação é reduzida aos processos eleitorais. A solução necessária é de que

antes de qualquer coisa deve haver um processo por meio do qual os cidadãos

exerçam um controle aprofundado sobre decisões que afetam suas vidas de

inúmeras formas e numa variedade de arenas.

Especialmente, na América Latina, essa visão trata também da extensão dos

direitos, ou seja, além dos direitos políticos e civis, os direitos sociais devem fazer

parte do exercício da cidadania plena, através de processos participativos e com a

criação de direitos por meio de lutas e demandas provenientes da sociedade, e,

dessa forma, a base democrática estará constantemente em construção.

Outras visões têm foco no aprofundamento do envolvimento democrático por

meio da participação dos cidadãos nos processos de gestão em conjunto com o

37

Para o conceito de Sociedade Civil, pode-se consultar:

Miguel Reale. A sociedade civil e a ideia de Estado – o Estado da Civilização Cibernética. In: Miguel Reale. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 29-44.

Bernardo Sorj. (Des)construindo a sociedade civil na América Latina. In: Bernardo Sorj (Org). São

Paulo: Paz e Terra, 2010.pp 7-16.

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37

Estado, mediante o que se passou a chamar de abordagens da “cogovernança”38.

Na prática se traduz em formas participativas de governança a suplementar o papel

dos cidadãos como eleitores e sentinelas, por meio de formas mais diretas de

envolvimento, principalmente na formulação das políticas públicas nacionais a novas

determinações constitucionais ou jurídicas, visando à participação cidadã na gestão

de assuntos locais.

Todavia, existe uma abordagem associada à participação democrática. Tal

abordagem se concentra na qualidade da deliberação que ocorre quando cidadãos

se reúnem para discussões e debates públicos.

A democracia mais deliberativa, na qual os cidadãos voltam para os

problemas públicos por meio de um raciocínio conjunto sobre a melhor maneira de

solucioná-los, tem o ambicioso objetivo de passar da barganha à comunicação.

Nessa esteira, duas matrizes se destacam: a procedimental e a substantiva. A

primeira entende que a deliberação deve de estar aberta quanto aos resultados com

o devido respeito às condições procedimentais, enquanto que, para a segunda, a

deliberação deve promover a aplicação de princípios justificados prévia e

monologicamente, mas estando fechada parcialmente aos resultados.39

Na realidade, as constatações plausíveis dessas várias vertentes, em busca

de repostas nas suas mais diversas abordagens, deságuam em visões

substancialmente diferentes sobre o papel dos cidadãos no gerenciamento de seus

próprios assuntos.

A primeira grande dificuldade com a qual o processo de democratização se

depara é o de transformar as pessoas em cidadãos, reconhecendo-as como tais, ao

invés de beneficiários ou clientes.40 Nesse sentido, a solução encontrada se dá

38

Para o conceito de governança:

Eli Diniz. Governabilidade, democracia e reforma do Estado: os desafios da construção de uma nova ordem no Brasil nos anos 90. In: Reforma do Estado e Democracia no Brasil. Eli Diniz & Sérgio de

Azevedo. (Orgs.) Brasília: Unb, Enap, 1997. pp19-54.

39Cf. Claudio Pereira de Souza Neto. In: A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil.

(Org.) Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pp. 43 – 82. Segundo Claudio Pereira de Souza Neto, a democracia deliberativa tem por base a obra de Habermas, bem como outros teóricos como Cohen e Dryzek.

40Cf. Andrea Cornwall e Vera Schattan P. Coelho, 2009. Op. cit. p. 30.

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através dos meios para uma efetiva participação, que exige também processos de

educação e mobilização popular a incrementação de habilidades e da confiança de

grupos marginalizados e excluídos, possibilitando que esses ingressem e se

envolvam nas arenas participativas. Criar cidadania, espaços nos quais, aprendendo

a participar, os cidadãos agucem sua capacidade política e adquiram habilidades.

Ainda no que diz respeito às questões quanto à representação desses

excluídos, uma reflexão se faz necessária: será que a sociedade civil, os cidadãos,

os usuários, em que legitimidade se firma e o que se traduz dessa referida

representação na prática? Para essa indagação não há uma única resposta, posto

que adversidades das formas de política e perspectivas para a democracia emergem

em diferentes contextos culturais e políticos.

Por outro lado, será que o simples fato de por no lugar essas estruturas de

participação será suficiente para criar políticas viáveis, já que muitas delas

dependem de motivações e a dita participação, levando também, aqui, a uma

reflexão sobre o que e no que resulta efetivamente a participação? A resposta

remete a sua polivalência como conceito correspondente a diversas compreensões

daquilo que pode ser conquistado, compreensões estas que estão em constante

negociação.

O que faz a participação efetiva e inclusiva é a conjunção de três fatores

decisivos: o envolvimento de um amplo espectro de movimentos populares e

associações civis, burocratas comprometidos e desenhos institucionais que façam

frente a práticas excludentes e enviesadas.

Em decorrência do exposto, outras duas reflexões se põem: que efeitos têm

as esferas participativas sobre a cidadania e o envolvimento político, e quais são os

efeitos negativos, como a desilusão e o enfraquecimento gradual da energia e do

envolvimento.

Assim, a participação se traduz em um processo gradual, movido por atores

que tem seus próprios projetos sociais e políticos, enfatizando a importância de

contextualizar as instituições da esfera participativa41 em relação a outras instituições

políticas, situando-as no panorama sociocultural e histórico de que fazem parte42.

41

Nesse contexto de importância apresentam-se as comissões de legislação participativa. Sobre

democracia participativa, para consulta:

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39

No que concerne ao nosso estudo, as instituições estão sendo postas em

xeque e uma delas, pela sua complexidade, encontra-se mais vulnerável dentro

desse turbilhão, o Poder Legislativo, do qual passamos a tratar doravante.

Portanto, para continuar o objetivo do presente estudo, e para que o nosso

raciocínio fique estruturado, devemos trazer à baila os desafios postos sob o

enfoque dos princípios republicanos e federativos adotados pela Carta de 1988.

Aparecida de Moura Andrade. A participação da sociedade civil no processo legislativo: a contribuição da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital da Câmara dos

Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados 2003. http://bd.camara.gov.br

Amilcar Amaral Couto. Comissão de legislação participativa da Câmara dos Deputados. Participação da sociedade civil organizada na elaboração das leis orçamentárias anuais de 2002 a 2006. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007. http://bd.camara.gov.br

Humberto Dantas & Sérgio Praça. Democracia: educação, participação e cultura. Cadernos do ILP, Instituto Legislativo Paulista, ano 1, n. 1. Assembleia Legislativa. São Paulo: Instituto Legislativo Paulista, disponível em: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/cadernos_ilp_formacao_cidadania.pdf

Maria Garcia. O processo legislativo e os sentidos da liberdade. Participação e exercício da cidadania. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política v. 3 n. 13. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995.

Thamy Pogrebinshi. Conferências Nacionais, participação social e processo legislativo. Série

Pensando o Direito n. 27. Brasília: IUPERJ, PNUD, MJ, 2010.

Nivaldo Adão Ferreira Júnior. Comissão de Legislação participativa: a construção da democracia deliberacionista. E-Legis n. 01, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos

Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br

Luiz Claudio Alves dos Santos. A participação da sociedade na iniciativa das leis: da iniciativa popular à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007. http://bd.camara.gov.br

Goffredo Telles Júnior. A democracia participativa. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais n.6, julho/dezembro. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

Hélio Tollini. Em busca de uma participação mais efetiva do congresso no processo de elaboração orçamentária. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.

http://bd.camara.gov.br

42 Permanecem como temas para estudos, debates e pesquisas o tema da “cultura política”,

igualmente o tema dos chamados estudos culturais na política, nesse sentido:

Paulo J. Krischke. A cultura política em Porto Alegre e Curitiba: democracia, modernização e o conteúdo da razão pública. In: Revista Sociedade e Estado v. 20, n. 1. Brasília: 2005, Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922005000100004.

____. Regime ou cultura no estudo da democratização. In:Revista Lua Nova n. 50. São Paulo: Cedec, 2000, disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64452000000200007&script=sci_arttext

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IV. DO PRINCÍPIO REPÚBLICANO E DO PRINCÍPIO FEDERATIVO

Da feição da Carta de 1988, podemos afirmar que o princípio republicano é de

suma importância, como assim dispõe o texto constitucinal:

O Brasil é uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos: I – a soberania, II – a cidadania, III – a dignidade da pessoa humana, IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, V – o pluralismo político. (artigo 1º da CF)

1. O princípio republicano.

O princípio republicano é um princípio fundamental e básico, informador de

todo o sistema jurídico brasileiro, cuja ideia de república domina não só a legislação,

como o próprio texto constitucional inteiramente, de modo inexorável, penetrando

todos os seus institutos e esparramando seus efeitos sobre os mais modestos

escaninhos ou recônditos meandros.43

Em linhas gerais, o regime republicano caracteriza-se pela tripartição do

poder político e pela periodicidade dos mandatos políticos, com consequentes

responsabilidades dos mandatários.

Assim, leciona Geraldo Ataliba, que os mandamentos constitucionais

estabelecem complexos e sofisticados sistemas de controle, fiscalização, responsabilização e representatividade. Como tal configuram-se como mecanismos de equilíbrio e harmonia (checks and balances do direito norte-americano, aqui adaptados pela mão genial de Ruy) da “função primacial” do sistema jurídico brasileiro, no equacionamento, reforço e garantia do princípio republicano.44

43

Cf. Geraldo Ataliba. Constituição e república. 2 ed. Atualizada por Rosaléa Miranda Folgosi. São

Paulo: Malheiros, 1998.p. 31.

44 Cf. Geraldo Ataliba, 1998. Op. cit., p. 37.

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41

A importância desse princípio também é reiterada por Adriano Pilatti, que

estabelece um feixe de atributos mínimos que caracterizam a república. Ele parte da

afirmação de que ela, a república, é uma entidade radical, marcada pela concepção

igualitária de bem público, cujo titular é o povo, compreendido como um conjunto de

cidadãos livres e iguais no exercício de seus direitos. Como segunda característica,

ele afirma rigorosamente a distinção entre o patrimônio público e o privado dos

governantes, fator este que deverá nortear a atuação de todos os agentes estatais,

sobretudo quando essa é traduzida em atos de gestão da coisa pública, com a

imposição de deveres inarredáveis de impessoalidade e de prestação de contas.

Assim, a eletividade dos governantes, principalmente a do Chefe de Estado,

além da temporalidade dos seus mandatos e a consequente periodicidade das

eleições, possibilita a responsabilização político-jurídico de todos os agentes

públicos, sem exceção, quando ocorrer a prática de atos lesivos ao bem público.45

Nota-se que a Constituição de 1988 estabeleceu, em seu artigo 2º, que são

poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, sendo vedada

expressamente, pelo artigo 60, § 4º, incisos II e III, qualquer forma que venha abolir

o preceituado. Seu escopo, no entanto, não preceitua a separação ou independência

absoluta dos poderes, mesmo porque, há na própria disposição constitucional, a

previsão de harmonia entre eles.

Flávia Viveiros de Castro leciona

No que pertine à harmonia entre os poderes do Estado, a referência que deve ser feita diz respeito à mútua interferência entre os mesmos, visando à criação de um sistema de freios e contrapesos, indispensáveis para que se evite o arbítrio e o abuso de poder. Cria-se um complexo sistema de corresponsabilidades, que busca o equilíbrio e controles recíprocos.46

45

Cf. Os princípios da Constituição de 1988. A. Pilatti. In: M. Peixinho e I.F Guerra e F Nascimento

Filho. (Org.) Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p.130.

46 Cf. Flávia Viveiros Castro. In: Os princípios da Constituição de 1988. M. Peixinho e I.F. Guerra e

F.Nascimento Filho. (Org.) Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. p. 149.

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42

Depreende-se, assim, que o poder do Estado47 é uno e compartilhado entre

entidades que desempenham funções e atividades constitucionalmente atribuídas a

cada uma, independentes umas das outras, sem que nenhuma seja predominante.

No uso das prerrogativas que competem a cada poder do Estado, há as

denominadas de poder de iniciativa, que de modo geral estão distribuídas pela

Constituição. Ao observar a estrutura constitucional brasileira, constata-se que os

poderes exercem funções típicas e atípicas48, e que a limitação de um Poder pelo

outro está na própria Constituição, ao estabelecer sistema de freios e contrapesos,

como por exemplo, ao dar competência ao Legislativo para elaborar leis, mas as

submete à sanção e promulgação do Executivo, assim como as submete ao controle

constitucional do Judiciário; ou, quando atribui competência ao Executivo para

administrar os seus serviços, submetendo-o às leis do Legislativo e ao julgamento

do Judiciário; ou ainda quando confere competência ao Judiciário para dizer o direito

no caso concreto, mas condiciona o seu julgamento às leis do Legislativo, bem como

condiciona o exercício do cargo de magistrado das Cortes Superiores à indicação do

Executivo e à aprovação do Legislativo. A finalidade é elemento permanente e de

vinculação da conduta do agente administrativo, como do legislador ou do juiz.

Mas a Carta Maior foi além ao assegurar a liberdade e autonomia de atuação

dos membros de cada poder, pois estabelece vedações, como os artigos 54, incisos

I e II, com o objetivo de garantir a reta atuação dos integrantes do Parlamento ou

47

Cf. Marcello Caetano, refletindo sobre os dois sentidos da expressão “poderes do Estado” esclarece

que: “(...) a expressão poderes do Estado é empregada em dois sentidos: umas vezes os autores e as leis referem-se às diversas faculdades de agir, contidas no poder político; outras querem significar os sistemas de órgãos pelos quais se encontra dividido o exercício das formas de autoridade política. (...) Como se vê, quando se toma a expressão <poderes do Estado> nesta primeira acepção suscita-se um problema de carácter filosófico que pode ser resolvido especulativamente, por via dedutiva: a partir do conceito de poder político deduzem-se as potencialidades ou faculdades que estão contidas na sua essência. E portanto, os diversos autores podem pretender formular sobre o tema as suas teorias, consoante o conceito de soberania de que partem o método que seguem, procurando uma visão mais exata ou mais completa da questão.na segunda É claro que se os poderes do Estado são órgãos ou sistemas de órgãos pelos quais é repartido o exercício das faculdades da soberania segundo critérios pragmáticos, isto é, olhando apenas à eficiência sob o ponto de vista do funcionamento do sistema político ou da garantia da liberdade individual, o problema de saber quais eles sejam, ou quantos devam ser, passa a ser mera questão da arte política, variável consoante os critérios a que obedeça o ordenamento de cada sistema constitucional.” (Marcello Caetano. Manual de ciência política e direito constitucional. 6. ed. ver. e ampl., v.1. Por Miguel Galvão Teles. Coimbra:

Almedina, 1996, pp. 199-201)

48 Cf. Marcello Caetano, 1996. Op. Cit., pp. 86 e 70.

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mesmo, quando impõem no parágrafo único, incisos I, II e III do artigo 95 vedações

aos membros do Poder Judiciário.

O Poder Executivo quando pratica os atos de chefia de Estado, de governo e

da administração, está assim, exercendo função típica estabelecida pela

Constituição Federal, conforme o artigo 84, incisos I, II, XXIV e XXV. A função

atípica normativa será exercida de modo generalizado, no caso previsto no artigo 49,

XI, da Constituição Federal; e de modo específico em outros dispositivos

constitucionais, como no artigo 84, incisos III, IV, V, VI, XXIII, XXVI; e mais,

compete-lhe à expedição de regulamento para a fiel execução das leis, conforme o

artigo 84, inciso IV, última parte. Contudo, no exercício do poder disciplinar, que lhe

cabe sobre o seu pessoal, o Executivo julga administrativamente os seus servidores,

mas sem afastar o recurso ao Judiciário, em caso de lesão ou ameaça ao direito1,

exercendo a função atípica de julgar.

O Poder Judiciário é independente e fundamental como instrumento

concretizador das liberdades e franquias constitucionais1, a sua função típica é a de

julgar os casos concretos de lesão e ameaça ao direito, conforme se vislumbra nos

artigos 102, 105, 108, 114, 124 da Carta Maior. Mas, como irá ocorrer no Poder

Legislativo, para executar a sua função típica, terá que exercer, atipicamente, a

função administrativa quanto aos seus membros, seus servidores e seus bens, como

dispõe o texto constitucional nos artigos 93 e 96 inciso I, letras "b", "c", "d", "e" e "f",

e ainda no artigo 99. Exercerá função legislativa atípica conforme o estatuído

constitucionalmente no artigo 96, inciso I, "a" segunda parte e inciso II, da CF.

Finalmente, ao Poder Legislativo, no cumprimento da função típica de legislar,

cabe a ele editar leis, conforme está estabelecido na Constituição Federal em seus

artigos 48 e 49. O artigo 49, inciso XI, estabelece que compete também ao

Legislativo zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da

atribuição normativa dos outros poderes. Como ocorre com o Poder Judiciário, o

Legislativo irá exercer atividade administrativa sobre seu pessoal e seus bens. Mas,

ao julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade, conforme artigo

86 da Carta Magna, estará exercendo atipicamente função julgadora. Contudo, nos

dias de hoje, a sua função fiscalizadora vem se destacando, tornando-se tão

essencial quanto à sua função típica de legislar, ao realizar fiscalização contábil,

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44

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo, conforme

estipula a Carta de 1988 nos seus artigos.

Assim, em termos esquemáticos, o ponto de partida sobre o espírito

republicano, plasmado pela Nação na Carta de 88 se desdobra ao longo do texto

constitucional com inúmeras regras, dando o conteúdo exato e a precisa extensão

da tripartição do Poder que os mandatos políticos e sua periodicidade implicam na

alternância no poder. Estabelece responsabilidades dos agentes públicos, visando à

proteção das liberdades públicas e, por fim, mecanismos de fiscalização e controle

do povo sobre o governo, tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal.

A reflexão que se impõe para o presente estudo consiste no fato da República

se traduzir no regime político em que os que exercem de funções políticas –

executivas e legislativas – representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o

com responsabilidade, eletividade e mediante mandatos renováveis periodicamente.

Como aceitar o presidencialismo de coalizão em nome de uma pseudo

governabilidade, contrariando os mais basilares fundamentos republicanos adotados

pelo povo brasileiro na Carta Magna de 1988, como sendo uma prática condizente

com os ditames constitucionais?

Somente uma atuação firme e consistente perante o Poder Judiciário pode

corrigir a distorção encontrada no presidencialismo de coalizão, em que ocorrem

nomeações de integrantes do Poder Legislativo para integrar a burocracia estatal.

Mecanismo nefando de cooptação do Poder Executivo, que distorce todos os

mecanismos de controle dispostos à mão do legislador e do povo, fazendo de mera

decoração os institutos da sabatina e do impeachment, bem como de outros

instrumentos de controle e avaliação de políticas públicas, como a requisição de

informações e a convocação de autoridade.

Deve ser declarada a inconstitucionalidade de tais espúrias nomeações, pois

cargo em comissão deve ser provido por meio de indicação do Chefe do Poder

Executivo para agentes públicos concursados e não para agentes políticos eleitos49.

Nesse sentido, é clara a indagação:

49

Cf. Marcos Roberto Gentil Monteiro. Hermenêutica constitucional do provimento em comissão.

Fundação Toviêdo Teixeira. Aracaju: Editora-UFS, 2005. pp. 23-170, p. 132

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45

“É legítimo e ético um deputado ou um senador aceitar convite para exercer

outras funções?”50

2. Do conceito federativo. 51

Em seu artigo 18 está o conceito de federação ao determinar que

(...) todos são autônomos nos termos desta Constituição. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Dito de outra forma, no pacto federativo atual, adotado pela Constituição de 1988, os Municípios são reconhecidos como terceiro nível de poder, igualmente investidos de autonomia52. Convém lembrar que esta

autonomia aponta para a sua auto-organização, autogoverno e autodeterminação.53

O termo federação se origina do latim foedus foediris, com o sentido de

aliança, pacto, união. É estudado a partir da reflexão sobre as formas de Estado.54 A

Federação é, por conseguinte, uma forma de organização do Estado que se baseia

50

Cf. Ruy Martins Altenfelder Silva. Respeito ou desprezo ao voto do eleitor? Jornal o Estado de São

Paulo, terça-feira, 26 de abril de 2011. p A2.

51 Sobre o tema, obra de consulta obrigatória: Fernanda Dias Menezes Almeida. Competências na

Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 2000.

52 A novidade é que os municípios adquiriram uma autonomia sem precedentes, e aos estados coube

uma competência residual que pode ser interpretada de duas maneiras: tornou-se o nível de governo com maiores atribuições, uma vez que lhe compete tudo o que não for expressamente vedado no texto constitucional, ou como um nível de poder sem atribuição específica.

53 Existem correntes doutrinárias contrárias a essa afirmação. Para alguns doutrinadores o Município

não é peça da Federação e fundamentam das mais diversas formas. Dentre eles José Afonso da Silva, José Alfredo de Oliveira Baracho, Raul Machado Horta, José Nilo de Castro. A favor, Hely Lopes Meirelles, Celso Ribeiro Bastos e Paulo Bonavides.

54 Desde o seu surgimento as clássicas formas do Estado são representadas pela confederação, pela

federação e pelo regime unitário. Há dois tipos de Estado: unitário e composto confederação e federação. Em razão de processo histórico e perfil político, cada um irá adotar a sua forma, já que não há rigidez que impossibilite eventuais particularidades, nem impede que seja adotada forma de certo modo híbrida, com a presença de alguns elementos de uma das modalidades clássicas e outros próprios de modalidades diversas.

Cf. J. S.Carvalho Filho. Pacto federativo: aspectos atuais. In: Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Regina Quaresma e Maria Lucia P. Oliveira. (Coord.).

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p.407.

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em três princípios: lei da coordenação, regra da participação e o princípio da

autonomia do estado-membro55: A lei da coordenação e a regra de participação

decorrem do princípio democrático, uma vez que a primeira estabelece uma relação

igualitária entre União e as unidades federadas, e a segunda alude à participação

estadual no Governo Federal - Senado. Quanto ao terceiro princípio, este se refere à

repartição da competência legislativa dos entes no âmbito da federação.

A gênese do Estado federal e sua forma de organização encontra-se inserida

historicamente ao pacto do qual resultou a Constituição Americana de 178756,

firmado pelas trezes colônias que se transformariam na nação reconhecida como

Estados Unidos da América57.

A ideiaideia de um governo nacional e um estadual58 só poderia ser

concretizada através do equilíbrio alcançado pelo texto constitucional norte-

americano, quando este limitou, expressamente, os poderes do governo Federal,

reservando aos estados alguns poderes a eles delegados e previstos pela

Constituição, denominado de “União Perfeita”59.

Assim, o modelo estabeleceu a existência de duas ordens jurídicas: uma

federal, titularizada pela União, e uma federada (ou estadual), na qual cada estado-

membro exerce sua autonomia, isto é, sua capacidade de auto-organização,

autogoverno e autoadministração, nos limites definidos pela Constituição 60.

55

Cf. Clèmerson Merlin Clève. Temas de direito constitucional: e de teoria do direito. São Paulo:

Editora Acadêmica, 1993. p. 59-60.

56 As idéias e debates da época podem ser encontrados na obra O Federalista. A. HAMILTON, J.

MADISON, J. JAY. Trad.: Heitor de Almeida Herrera. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984.

57 Os estados federados, recém-instituídos e independentes da Inglaterra, substituíram o sistema

então vigente- a confederação- em resposta aos dois grandes desafios postos pela soberania política recém-adquirida. O primeiro desafio foi a necessidade de adotar uma moeda única em todo o território. O segundo, a conveniência de enfrentarem, de maneira unida militarmente, a Inglaterra, cujos fatores aliados tornavam impositiva a adoção de uma ordem jurídica capaz de coordenar de maneira eficiente os esforços de todos os povos integrantes da Federação

58Cf. Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.

p.283.

59Cf. B. Schwartz. Direito constitucional americano. Trad. Carlos Nayeld. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 1966. p. 418.

60 Cf. Luis Roberto Barroso. A derrota da Federação: o colapso financeiro dos Estados e Municípios.

In: Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Regina Quaresma

e Maria Lucia P. Oliveira. (Coord.). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p.397.

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Outra característica essencial do Estado Federado é a repartição de

competências, ou seja, a forma pela qual as atribuições dos entes federados

aparecem enumeradas na Constituição.61 Esse é o critério jurídico-formal central do

federalismo, pressuposto de autonomia dos entes federados.62 Não deverá possuir

marca hierárquica, mas um desempenho por legitimação próprio das funções

constitucionalmente assinaladas.63

Hoje em dia, a importância do princípio federativo tem outra dimensão, faz-se

presente como modelo de equilíbrio democrático, como leciona Paulo Bonavides:

O modelo (federal), desde as origens, se contrapõe à forma absolutista e férrea do Estado unitário, monárquico, centralizador, despótico. Seus compromissos foram contraídos historicamente com os estatutos do poder representativo, constitucional, limitado e, de preferência, republicano. Contempla a liberdade nas instituições e no cidadão. É intrinsecamente descentralizador. Exprime, como nenhum outro, a ideiaideia do “self government”, do governo da lei, da autodeterminação política, social e econômica de coletividades livres e atuantes. Faz do exercício da imaginação um poderoso instrumento de criatividade e impulso à iniciativas fecundas dos cidadãos. É na essência e veracidade de sua organização sinônimo de Estado de Direito, regime representativo, legitimidade, poder responsável.64

Rui Barbosa, inspirado no modelo americano, trouxe para o Brasil essa

estrutura de Estado que acabou por ser introduzido por ocasiào da Proclamação da

República, pelo Marechal Deodoro da Fonseca, através do Decreto n. 1, de

novembro de 1889, e adotado pela Constituição de 1891. Implantado dessa forma,

transformando as províncias em estados-membros e não levando em consideração

61

Cf. Gilberto Bercovici. Dilemas do estado federal brasileiro In: Coleção: Estado e Constituição. v.3.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 14. A estrutura do Estado norte-americano e de sua democracia estão alicerçadas em um ponto central: a junção dos mecanismos de freios e contrapesos (ou seja, repúdio à divisão total e estanque dos poderes) com o federalismo. Nela ocorre, de maneira equilibrada, a separação horizontal de poderes, conjugada à separação vertical, nenhum preponderando de forma absoluta sobre o outro, uma vez que um poder controla o outro, tanto nas esferas dos Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário quanto na União e nos estados

62Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 14.

63 Cf. Luis Roberto Barroso, 2006. Op. Cit. p. 398.

64Cf. Paulo Bonavides. O caminho para um federalismo das regiões. In: Revista de informação

Legislativa, n. 65 , ano 17, jan/mar. Senado Federal, Brasília. p. 117.

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os perfis culturais, geográficos, históricos e sociológicos, o modelo federativo já

sofreu várias alterações.65

A Constituição de 1988 adotou o sistema federativo atribuindo-lhe a devida

importância, em seu artigo 60, § 4º, inciso I, no qual preceitua que não será objeto

de proposta de emenda tendente à abolição do modelo em questão. Para tanto, a

Carta de 88 está estruturada em um sistema complexo, em que se combinam

competências privativas com competências concorrentes cumulativas e não-

cumulativas.

No que se refere às suas competências, mantêm-se as formas clássicas de

distribuição, destinando à União e aos municípios competências expressas e aos

estados os poderes residuais ou remanescentes.66 As competências privativas da

União estão arroladas no artigo 21 – as administrativas, e, no artigo 22, as

legislativas.

Quanto às competências legislativas, elas podem ser: comum e concorrente.

A comum é aquela que se refere a todas as pessoas políticas simultaneamente, por

exemplo: em relação a serviços essenciais, como a educação, caberão à União as

normas gerais e, aos entes federados, as normas específicas. Assim, o artigo 23 da

CF, em caput, determina à União, aos estados e ao Distrito Federal; no inciso XII,

“estabelecer e implantar política de educação para segurança no trânsito”, conclui-se

após análise que as normas gerais de trânsito, como já nos referimos, competem à

União; e caberão aos municípios por se tratar de interesse local.

A competência concorrente pode se dar de duas formas: a complementar e a

suplementar. A complementar ocorre quando se somam às atuações de duas

pessoas jurídicas, a União será sempre uma e a outra aquela a quem a Constituição

ofereceu competência. A suplementar é exceção à regra. Decorre da inércia da

União, que não faz as normas gerais ensejando para outra unidade federativa a sua

implantação a fim de resolver um determinado interesse, através de elaboração da

65

Ver Professor Pinto Ferreira sobre as questões do federalismo no Estado brasileiro.

66Cf. Marcelo Figueiredo. Federalismo x centralização: a eterna busca do equilíbrio. a tendência

mundial de concentração de poderes na União. a questão dos governos locais. In: Interesse Público. Revista bimestral de Direito Público. ano 9, n. 41, janeiro/fevereiro. Porto Alegre: Nota Dez, 2007. p.102.

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norma interna. Como exemplo o artigo 30 inciso II da CF, que estabelece esse tipo

de atribuição para os municípios.

Um último tipo de competência é a residual, que deve ser definida pelo critério

de exclusão, e é tema básico de direito tributário, uma vez que cabe à União a

competência para legislar sobre a criação de novos tributos, desde que não seja

objeto de mesmo fato gerador de tributo já existente.

No artigo 23 estão relacionadas as competências administrativas comuns à

União, estados, Distrito Federal e municípios; e no artigo 24 estão descritas as

competências legislativas concorrentes à União, estados e Distrito Federal. No artigo

30 encontram-se as competências dos municípios, e no inciso I sobre interesse

local.67 O sistema admite ressalvas como, além da competência residual dos

estados, estão previstas competências expressas quanto à criação, à fusão e ao

desmembramento de municípios (artigo 18, § 4º), e a instituição de regiões

metropolitanas, aglomerados urbanos e microregiões (artigo 25, § 4º).

Em relação à competência residual, além das enumeradas como privativas;

aos estados, Distrito Federal e municípios são enunciadas as respectivas

competências privativas.68

2.1. Os desafios do sistema federativo sob a ótica financeira.

A federação brasileira encontra-se, hoje, analisada exaustivamente pela

doutrina, sob os seus vários e diversos aspectos. Visualizá-la sob um só enfoque é

retirar-lhe a sua real complexidade. Mas, o aspecto financeiro por si só chama a

atenção do pesquisador. Sob o título A derrota da federação: o colapso financeiro,

Luis Roberto Barroso69 desenha uma análise dos aspectos tributários presentes nos

entes federados.

Discorre, o autor, sobre a escassez dos recursos arrecadados e o processo

de endividamento desses entes. Lembra que, com o advento da Carta de 88, os

67

Marcelo Figueiredo. Federalismo x centralização: a eterna busca do equilíbrio. a tendência mundial

de concentração de poderes na União. A questão dos governos locais. Op. cit. p.102.

Cf. 68

Marcelo Figueiredo, 2007. Op. cit. p.102.

69 Cf. Luis Roberto Barroso, 2006. Op. cit.. p.412

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municípios saíram favorecidos com um aumento de sua participação nas partilhas

das rendas de 8,6 % para 15, 8%. Os estados, em menor grau, também foram

favorecidos, tendo aumento de 22,2 % para 26,4%. Assim, a União reduz o seu

quinhão de 69,2% para 57,8%.

Assinala que dados demonstrativos conduzem a suposição de crise fiscal nos

estados e municípios. E que a atribuição dessa crise à partilha de rendas

concebidas pela Carta Maior deve ser afastada, pois o que se verifica é o seguinte:

nem antes, nem depois da Constituição, em vigor, foram os estados e os municípios

capazes de viverem equilibradamente, com os recursos correspondentes a sua

própria arrecadação, acrescida ainda, das transferências intergovernamentais,

constitucionalmente previstas.

Destaca que as causas desse desequilíbrio são muitas e de ordens variadas,

entre elas a não superação, na atual partilha de competências político-

administrativas, das crônicas indefinições e superposições de atribuições, inclusive

no que ele chama de domínios vitais: como a saúde e a educação.

No tocante ao município, o autor alerta que este só tem expressão econômica

em relação ao quanto pode arrecadar em áreas desenvolvidas e urbanas. Já o

estado possui o ICMS como sua principal fonte, estando comprometida com a

denominada”guerra fiscal” e com as distorções causadas pela existência de

alíquotas internas e interestaduais. Quanto à União, esta se beneficiou do próprio

controle sobre a política monetária, fiscal da dívida pública, além de utilizar-se de

outros recursos como: PIS, PASEP, FAS e FGTS. Em um breve resumo, o autor

explica quais foram os mecanismos encontrados pelos estados e municípios para

buscar recursos alternativos70, e que, por conta dessas soluções, entraram em

colapso financeiro que se encontram hoje.

Além desses, outros fatores contribuíram para a atual situação: o descontrole

dos gastos públicos, segundo o autor. A evolução dos gastos com pessoal, em

especial com o pagamento dos inativos, e a inobservância do limite máximo de

70

Financiamentos externos, recursos federais através de créditos de entidades oficiais, convênios,

fundos, programas, repasses a fundo perdidos ou gastos realizados diretamente nas unidades federadas, realização de despesas através de empresas estatais, cuja natureza privada permitia acesso a outros créditos, utilização dos bancos estaduais na alavancagem de recursos federais e empréstimos externos.

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remuneração estabelecido no artigo 37, inciso XI da Constituição. Apesar dos

bancos estaduais, que antes utilizavam nos seus critérios de concessão de créditos

esquemas políticos-eleitorais, que mesmo com a intervenção do Banco Central e

algumas privatizações deixarem uma herança, como um passivo de natureza

tributária e trabalhista.

Mas, não menos importante, o plano real e a política de estabilização

econômica acabaram com o escamoteamento trazido pela inflação, desnudando

números reais que geravam a demora nos pagamentos: seja de salários, seja de

obrigações, seja de precatórios. Estes últimos tão noticiados hoje em dia pela sua

inadimplência acabaram, após Emenda à Constituição, no modo de pagamento

parcelado denominado de calote institucionalizado.

Há ainda na análise um assunto crucial, cujos reflexos são sentidos até os

dias de hoje. Com a implementação da política econômica adotada pelo país nos

últimos anos, a fim de ingressar no mundo globalizado, surgiu o confronto entre a

gestão macroeconômica, conduzida pelo Governo Federal, e a autonomia política

dos estados-membros.

As políticas públicas voltadas para a inserção internacional dependem tanto

de decisões federais como de medidas no âmbito dos estados e municípios. O que

ocorreu, na prática, foi que o Governo Federal, diante da situação lastimável dos

estados, ao renegociar sua dívida com a intermediação da União, não só impôs o

seu projeto político, como também determinou as regras de ajustamento. Sem saída,

a maior parte, senão a totalidade dos estados brasileiros, repactuaram suas

obrigações de acordo com as regras ditadas pela União.

2.2. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema federativo

Com a Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, a chamada Lei de

Responsabilidade Fiscal, procurou-se dar moralidade administrativa e

responsabilidade fiscal a quem lida com o erário público. Mas por não serem

medidas de cunho financeiro, não se vislumbrou, até o presente, nenhuma medida

que promovesse a real integração da federação. Isso poderia realmente ocorrer com

a operacionalização do artigo 23 da Constituição Federal, através de Leis

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Complementares previstas em seu parágrafo único71, a fim de estabelecer políticas

públicas condizentes com a realidade brasileira e com os anseios populares.

Lembra, Régis Fernandes de Oliveira, que o julgamento sobre a

inconstitucionalidade do artigo 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal, na época,

tendo o Supremo Tribunal Federal como presidente o Ministro Carlos Mário da Silva

Velloso, cinco ministros decidiram pela inconstitucionalidade e outro cinco pela

constitucionalidade. Quando o então presidente proferiu seu voto pela

inconstitucionalidade, um ministro pediu a palavra e alterou o seu voto em favor da

norma sob o argumento que precisa salvar a lei, pois sem tal dispositivo ela não teria

eficácia e sua essência estaria prejudicada.72

Mais uma vez vislumbramos o princípio federativo violado em prol de uma

norma editada pela União, e o pior, invadindo a questão de gastos, relativizando a

autonomia orçamentária dos entes federados, com a anuência do Supremo Tribunal

Federal, criando um problema institucional ao adotar a postura mais tendente à

União do que aos estados-membros, postura esta que acarretará em consequências

na prática do presidencialismo de coalizão.

V. ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A IMPORTÂNCIA DO

ARTIGO 23 DA CF E O SISTEMA DE COOPERAÇÃO.

A competência comum entre os entes federados é prevista no artigo 23 da

Constituição que teve e tem por finalidade instaurar um pacto federativo baseado na

cooperação. Trata-se de competência administrativa.

Por competência comum entende-se aquela que deve e pode ser

desenvolvida por todos os entes da federação, além de trazer como marca a difusão

71 Hoje Leis complementares após a aprovação da Emenda Constitucional nº 53, de 19 de novembro

de 2006. Que alterou o texto do Parágrafo único do artigo 23 passando a vigorar com a seguinte redação: Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

72Cf. Régis Fernandes de Oliveira. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o

Pacto Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.São Paulo: ALESP, 2004.p.67.

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dos interesses que se encontram subjacentes e que determinam um condomínio de

atuações.

Não há titularidade exclusiva, superior ou desigual, nem há uma superioridade

hierárquica, nem subordinação de uma das entidades; portanto também não se dá

exclusividade à responsabilidade de uma delas, nem a omissão possível. O que

realmente ocorre é que a sua execução pode ser pleiteada por todas as entidades.73

1. A previsão de leis complementares no parágrafo único do artigo 23.

No parágrafo único do artigo 23 há previsão de leis complementares que

regulamentem as normas de cooperação entrem a União e os entes federados,

visando à promoção do bem-estar nacional e do desenvolvimento sustentável do

país. A ausência de sua aplicabilidade tem tido como consequencia, o que se vê no

quadro político-administrativo do país, marcando uma atividade desordenada no

cumprimento ou na produção legislativa básica ou nas atividades administrativas

que competiriam a cada ente federado efetivar74.

A relevância dessas normas que nunca foram criadas seria de fundamental

importância na condução das políticas públicas75. Tanto os estados, quanto os

municípios atuam, hoje, nas áreas da saúde, educação, habitação e saneamento.

Essas áreas privilegiadas foram sendo transferidas pela União de forma lenta,

73

Cf. Carmem Lucia Antunes Rocha. República e federação no Brasil. Belo horizonte: Del Rey,

1997.p.249.

74 Consequência disso é um grande número de ações diretas de inconstitucionalidade distribuída no

Supremo Tribunal Federal para dirimir e solucionar os conflitos que surgem dessa descoordenação entre os entes federados.

75 Existem duas proposituras que tramitam no Congresso Nacional, visando regular o referido

parágrafo, são os: Projeto de Lei Complementar n. 12, de 2003, que visa fixar normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no que se refere às competências comuns previstas nos incisos VI e VII do artigo 23 da Constituição Federal. Apensado a ele está o Projeto de Lei Complementar nº 388, de 2007, de iniciativa do Executivo, também denominado PAC ambiental, que visa fixar normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum, relativas à proteção das florestas, da fauna e da flora, previstas no artigo 23, incisos III, VI, VII, da Constituição.

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inconstante e descoordenada a esses entes federados, ao mesmo tempo que outras

esferas permanecem sem qualquer atuação governamental, por puro abandono76.

Por outro lado, quando a União reduziu, ao máximo, as transferências não-

obrigatórias, a responsabilidade coube aos estados e aos municípios em suprir com

aumento significativo os gastos com as políticas públicas.77 Essa falta de

coordenação e cooperação entre os entes federados já é visível, principalmente

quando a questão recai nas políticas públicas.

2. Da importância da competência comum do artigo 23.

Leciona, Toshio Mukai,

“(...) que, com a competência comum prevista no artigo 23 da Constituição Federal, desejou o constituinte que fosse ele instrumental de ordem constitucional destinado a dar efetividade ao federalismo cooperativo, posto que o parágrafo único do artigo 23 reza que ‘Lei complementar fixará normas para cooperação ente a União, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Pode-se aqui também verificar qual foi a intenção do constituinte ao dispor atribuições de ordem administrativa e verificar, também, se foi utilizada a expressão “legislativa”. A falta da lei complementar não impede que este tipo de competência seja plenamente exercido. Não será dado, entretanto, a cada ente federativo o exercício indistinto e individual desta competência, sobre qualquer matéria. Isto significa que determinada situação agressora ao meio ambiente, não cabe a título de exercício desta competência, nem à União, nem aos Estados, nem aos Municípios, qualquer atuação isolada sobre tal assunto, a titulo de exercício do poder de policia, sob pena de ficarem infringidas as competências privativas. Não cabe aqui falar em exercício de poder de polícia, em autuações, em aplicações de multas e outras sanções, isoladamente. Neste tipo de competência, de acordo com o vetor disposto no parágrafo único do artigo 23, só cabe uma atuação compartilhada, ou seja, em termos de cooperação. Portanto, aqui se trata de resolver questões administrativas ambientais, no sentido de solucionar, com recursos financeiros e com pessoal habilitado, os problemas ambientais que envolvam a construção de obras, tais como estações de tratamento de esgotos, implantação de aterros sanitários, etc. Quando se tratar de atuação, a título de exercício do poder de polícia, somente se

76

Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 67

77 Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. P. 66.

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justificará a invocação do artigo 23 se respeitadas as competências privativas de um ente federativo que se dispuser a colaborar com outro, nos estudos técnicos e jurídicos para os licenciamentos pelo órgão competente privativamente. Assim, no caso de São Paulo, por exemplo, a CETESB tem celebrado convênios com os Municípios para prestar-lhes assistência técnica nos licenciamentos e na aplicação de sanções. Não pode, enfim, haver a superposição de competências que na prática vem acorrendo no País, com base na errônea interpretação do referido artigo 23 da Constituição.”78

3. Das políticas públicas e seus desafios regionais

O tema de politica pública possui uma relevante dimensão e influência para

todos os relacionamentos institucionais entre os poderes. Leciona, Maria Paula

Dallari Bucci, que política pública é a coordenação dos meios à disposição do

Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de

objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.79

Com efeito, é a falta de uma política nacional coordenada e não a repartição

de competências concorrentes e comuns que fazem com que determinados

programas e políticas públicas sejam realizados por mais de uma esfera

governamental e outros por nenhuma80. Faltam coordenação e cooperação e isso se

deve ao fato de não existirem leis complementares previstas no parágrafo único do

artigo 23 da Carta de 8881.

Aprofundando o debate, hoje, sobre a descentralização e a centralização da

federação deve-se levar em conta qual a descentralização e para que - e para quem

- descentralizar. Assim, uma descentralização de políticas públicas deve ser

realizada de forma gradual, apoiada em programas de assistência técnica e

financeira, com o objetivo de evitar rupturas e prejuízos à população82. Mas não é só

isso, deve-se considerar, também, o problema das desigualdades regionais,

78

Cf. Toshio Mukai. Licenciamento ambiental e estudo de impacto ambiental – novas regras. In:

Boletim de Direito Administrativo nº 5/99, set/99, pp. 493 – 494.

79Cf. Maria Paula Dallari Bucci. As políticas públicas e o direito administrativo. In: Revista Trimestral

de Direito Público n. 13, São Paulo, Malheiros: 1996. pp.135/6.

80 Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 63.

81Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 72.

82 Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 69.

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devendo estas últimas serem os limites para tal processo.83 Tais parâmetros não

estão sendo levados em conta, afetando estados e municípios.

Por sua vez, o critério da enumeração constitucional, quanto às matérias

referidas a cada competência, em outras palavras, o que compete a cada ente da

federação, segundo a Constituição, é de suma relevância. Desse raciocínio

desdobra-se a análise do texto constitucional e o que ele estabelece. Assim, quando

“as matérias forem precisamente indicadas, todas expressamente definidas pelo

constituinte, será competência enumerada. Ao passo que quando as matérias forem

localizadas por exclusão das demais, será denominada de competência

remanescente”.84

O ponto de partida sobre o tema competências deve ser verificado no texto

constitucional e o que decorre dele, como por exemplo, a União, em seu artigo 22, a

enumeração das suas competências. Quanto ao artigo 25, §1o da CF, aos estados-

membros restam a competência remanescente. Já ao que estabelece para o Distrito

Federal as duas serão encontradas no disposto do artigo 32, §1o da CF. Aos

municípios, as suas competências enumeradas estão dispostas no artigo 30, inciso

I, da CF.

4. Da falta de clareza no texto constitucional o que se traduz em repartição

das matérias e respectivas competências.

No que diz respeito à repartição das matérias, conforme o campo normativo

de cada competência legislativa, genericamente há dois tipos de competência:

exclusiva e privativa, a primeira depende de que não haja a menor possibilidade de

delegação, caso ocorra, será competência privativa.

A grande dificuldade resulta que a Constituição confunde os termos, exigindo

do intérprete uma análise sistemática. Aqui, seguem alguns exemplos: o decreto

relaciona-se com o chefe do executivo, é ele quem o faz; então, é competência

83

Cf. Gilberto Bercovici., 2004 Op. Cit. p. 71.

84 Cf. S.Guerra e G. Merçon Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio de Janeiro:

América Jurídica, 2002. p. 262.

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exclusiva; delegar função como o caso da lei delegada (artigo 68 CF) é competência

privativa do Congresso Nacional.

Quanto às competências legislativas, elas podem ser: comum e concorrente.

A comum é aquela que se refere a todas as pessoas políticas simultaneamente, por

exemplo: em relação a serviços essenciais, como a educação, caberão à União as

normas gerais e, aos entes federados, as normas específicas. Assim, o artigo 23 da

CF, em caput, determina à União, aos estados e ao Distrito Federal; no inciso XII

“estabelecer e implantar política de educação para segurança no trânsito”, conclui-se

após análise que as normas gerais de trânsito, como já nos referimos, competem à

União; e caberão ao município, por se tratar de interesse local.

A competência concorrente pode se dar de duas formas: a complementar e a

suplementar. A complementar ocorre quando se somam às atuações de duas

pessoas jurídicas, a União será sempre uma e a outra aquela a quem a Constituição

ofereceu competência.

A suplementar é exceção à regra. Decorre da inércia da União, que não faz

as normas gerais ensejando para outra unidade federativa a sua implantação para

resolver um determinado interesse através de elaboração da norma interna. Como

exemplo, tem-se o artigo 30 inciso II da CF, que estabelece esse tipo de atribuição

para os municípios. Um último tipo de competência é a residual, que deve ser

definida pelo critério de exclusão, e é tema básico de direito tributário, uma vez que

cabe à União a competência para legislar sobre a criação de novos tributos, desde

que não seja objeto de mesmo fato gerador de tributo já existente.

Fica então, num quadro geral esquematizado, a distribuição das

competências, da maneira a seguir. Na União, o Legislativo é exercido pelo

Congresso Nacional, composto por duas Casas Legislativas – bicameralismo: a

Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Quanto ao elenco de bens

pertencentes à União, estão no rol do artigo 20 da Constituição, uma vez, estando

sob seu domínio, cabe a ela legislar sobre eles. Já no artigo 21, estão previstas

atividades em que pode legislar.

No que concerne o modo federativo haverá competência comum para legislar

de forma concorrente sobre outras atividades constantes no artigo 23 da CF, “de tal

sorte que as leis que fizer neste sentido hão de prevalecer sobre os demais entes

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que, à evidência, quando dispuserem a respeito, fa-lo-ão à luz das suas

peculiaridades”85. Alertamos que tal premissa deve ser observada considerando-se o

parágrafo único do artigo 23 CF que exige lei complementar para fixar normas de

cooperação entre os entes federados, tendo em vista o equilíbrio, o desenvolvimento

e o bem-estar no âmbito nacional.

Por fim, iniciado o processo numa Casa, já que é bicameral, à outra caberá a

função de revisar, em outras palavras, se iniciado o processo na Câmara dos

Deputados, deverá ter continuidade no Senado, e vice-versa.

Nos estados-membros, o Legislativo é unicameral, sendo exercido pelas

Assembleia Legislativas, e vai ser no artigo 25 da Constituição Federal que se

encontra a matéria descrita de uma forma generalizada, ou seja, são suas

competências aquelas que não lhe são vedadas de algum modo no texto

constitucional. Com efeito, somente uma análise quanto às competências que são

atribuídas privativamente aos outros entes, é que então se chegará a um ponto de

partida.

Decorre do critério de interesse as vedações implícitas, por exemplo, do artigo

21, inciso VII da CF., que determina que à União cabe emitir moeda, ou do artigo 30,

inciso I, da CF., que estabelece que cabe aos municípios legislar sobre assuntos de

interesse local, sendo um modo de identificar que não são competências dos

Estados-membros. Em raros momentos a Constituição confere competência ao

Estado, não especificamente para legislar, mas cujo exercício acaba resultando

nisso, a saber: artigo 25, §§ 2º e 3º, no artigo 26, incisos I, II, III e IV, no artigo 27, §§

2º e 3º - já contidos na competência de organização, assegurada no artigo 25,

caput.86

A questão que diz respeito às competências dos estados não vão estar

explícitas, principalmente quando se tratar de competência comum. Outras vezes, a

Constituição irá conferir competência privativa à União, por exemplo, artigo 22 e

parágrafo único, mas poderá autorizar o legislador estadual a dispor sobre questões

específicas dessas matérias através de uma delegação via lei complementar do

85

Cf. Andyara Sproesser. Direito parlamentar: processo legislativo. Op. cit., 69.

86Cf. Andyara Sproesser, Op. cit.,p. 71.

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legislador federal para o legislador estadual. Mas este caso não se enquadra em

nenhuma das espécies de competência legislativa que foram mencionadas, pois em

tal hipótese o legislador estadual atuará em conformidade e estritamente dentro dos

parâmetros autorizados para elaborar a lei federal, ou seja, a norma decorrente.

A delegação caracteriza uma forma especial de competência concorrente e se

assemelha aos previstos no artigo 24, §1º, 2º, 3º e 4º da Constituição. A

competência suplementar expressamente prevista, como no § 2º do artigo 24 da CF,

assim como a delegação, também se caracteriza como uma forma especial de

competência concorrente e se assemelha à delegação, aqui devendo ser adotado.

No caso presente, “como se vê, são todos assuntos limitados, estreitos, em que a

legislação estadual se cingirá sem dúvida, praticamente à máquina administrativa ao

seu pessoal, aos seus bens e aos seus percursos fiscais e financeiros.”87

Também no município, o sistema será unicameral, sendo exercidas pelas

Câmaras municipais. As competências estão basicamente elencadas nos artigos 29

e 30 da CF, em que há, expressamente, um rol de matérias sobre as quais cabe ao

município legislar, no qual está descrita a organização administrativa dos poderes

legislativo, executivo e municipal, além dos entes da administração indireta e

funcional.

No que tange ainda ao artigo 23 da CF, também há a previsão da

competência do município legislar a respeito dos bens do seu domínio, em outras

palavras, que se não for do município e da União, será dos estados, devendo para

tanto fazer exame levando em consideração o interesse de cada ente.

No Distrito Federal, por sua especificidade, além de ser o sistema unicameral,

o Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa, o que decorre do fato de que tal

ente caracteriza-se com competência reservada tanto aos Estados quanto aos

Municípios.

Completando todo o raciocínio exposto, deve-se mencionar que disposição

constitucional expressa (artigo 32, §1o), diante desse quadro é a seguinte: “a sua

situação não interfere no deslinde da competência dos demais entes federados, (...)

87

Cf. Andyara Sproesser, Op. cit., p. 72.

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ao contrário, para saber da competência dele é que se faz preciso saber, antes, da

competência dos Estados e Municípios”88.

5. Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF.

Como se pode observar, a Carta de 1988 poderia ter estabelecido maior

autonomia aos estados-membros quanto à repartição da competência legislativa,

mas não o fez. Constata-se que é mínimo o campo do seu exercício, motivo pelo

qual se diz que cabe a eles legislar principalmente e somente no que corresponde

ao administrativo, ao financeiro, aos serviços sociais, à gestão de seus bens, no que

resulta uma mínima atuação normativa sobre outras matérias.

Segundo Fernanda Dias Menezes de Almeida, utilizando-se da citação de

Giorgio Del Vecchio, de que o Estado federal equivale a um “suicídio de Estados”, a

autora observa que a soberania passa a ser apanágio exclusivo daquele, sendo

essa a primeira nota distintiva da Confederação. Desfrutam os estados-membros de

autonomia, ou seja, capacidade de autodeterminação dentro do círculo de

competências traçado pelo poder soberano, que lhes garante auto-organização,

autogoverno, autolegislação e autoadministração, exercitáveis sem qualquer

subordinação hierárquica dos poderes estaduais aos poderes da União89.

E, alerta, Anna Cândida da Cunha Ferraz, 90que a inexistência de qualquer de

um desses quatro aspectos da autonomia dos estados-membros é suficiente para

desqualificar uma unidade federada.

Em estudo dedicado à interpretação das decisões do Supremo Tribunal

Federal sobre o princípio federativo91, José Roberto Anselmo, de pronto leciona que

O federalismo se constitui em verdadeira obra de engenharia estrutural de um Estado, sendo definido por uma série de

88

Cf. Andyara Sproesser, Op. cit.,p. 67.

89 Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Editora

Atlas, 2000. p 33.

90 Cf. Anna Cândida da Cunha Ferraz . Poder Constituinte do Estado-membro. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1979. p. 54. 91

Cf. José Roberto Anselmo. O papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do federalismo

brasileiro. Tese de Doutorado em Direito Constitucional. São Paulo: PUC, 2006. p.9

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características, que são consideradas verdadeiras vigas de sua sustentação. A existência dessas características serve para indicar que o Estado adotou a forma federal. A mais importante característica da forma federal é a coexistência, simultânea, de um ordenamento jurídico nacional, uniforme e aplicável em todo território do Estado, e de um ordenamento jurídico de cada Estado membro da federação, que, por sua vez, é variável e aplicável apenas ao território estadual. Os ordenamentos jurídicos nacional e estadual nascem a partir da divisão de competências estabelecida constitucionalmente entre os membros da federação.

Mas, alerta que a simples divisão constitucional de competências, no

momento da construção do sistema, não é suficiente para garantir uma convivência

pacífica entre esses dois ordenamentos, sendo necessária a criação de um controle

capaz de garantir a sobrevivência da estrutura federal.

Assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal

de 1988, responsável pela definição da linha que separa as competências da União

e as dos estados-membros. Esse controle deve conduzir à coexistência de duas

tendências conflitantes: a unidade e a diversidade, isso porque os Estados Federais

buscam manter a unidade do todo, preservando as diversidades locais.

O estudioso conclui, após análise de jurisprudência, com a exposição do

decidido por aquela Corte, tendente à centralização da competência legislativa dos

estados-membros nas competências da União.92 E finaliza com afirmação de que:

em uma interpretação mais preservacionista da competência dos Estados-membros, tendo em vista o princípio federalista, o Supremo Tribunal Federal poderia ter adotado o posicionamento de julgamento “conforme a Constituição”, a fim de ajustar o dispositivo referente ao impacto ambiental descrito no artigo 225, § 1º, inciso IV da Constituição.

92

Remete ao caso da suspensão da lei estadual paranaense de n. 14.162, de 27 de outubro de 2003,

que estabelecia a vedação ao cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. Na citada hipótese, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o estado violou competência privativa da União no tocante aos art. 22, incisos I, VII, X e XI; e, também a competência disposta no art. 24, I e VI, do mesmo ente para editar normas gerais. O estado de Santa Catarina buscava disciplinar a instalação de áreas de florestamento e reflorestamento para fins empresariais. Naquela ocasião, ante a ausência de norma geral sobre o assunto, o estado editou uma lei estadual em que dispensava a realização de estudo de impacto ambiental, utilizando-se para tanto de sua competência estabelecida no artigo 24, parágrafo 3º da Constituição. Assim, sem adentrar no mérito referente ao estudo de impacto ambiental, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal negou a competência plena ao Estado com base em falta de peculiaridades locais. p. 208.

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Há uma conscientização de que o Governo Federal é que pode tudo, é quem

manda, é melhor para tudo, como assevera Alexandre de Morais ao expor sobre a

questão das competências dos estados-membros93.

Pelo exposto, problemas e desafios quanto à repartição das competências e a

interpretação centralizadora do Supremo Tribunal Federal em nome de uma

denominada “uniformidade” das normas do ordenamento jurídico94 não auxiliam no

combate à prática denominada presidencialismo de coalizão, como iremos constatar,

muito pelo contrário, pois quando os temas são políticas públicas e orçamento, estes

influenciam diretamente a atuação do Poder Legislativo.

93Cf. Alexandre Morais. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o Pacto

Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. São Paulo: ALESP, 2004.p.121. 94

Nesse mesmo sentido, citando vários outros casos em que o Supremo Tribunal Federal poderia ter

ido além da interpretação restritiva centralizadora de competência em favor da União, vários autores, dentre eles, Sérgio Rezende de Barros, Manoel Gonçalves Ferreira filho, Alexandre Moraes, Monica Herman Salem Caggiano e André Ramos Tavares. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o Pacto Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.São Paulo: ALESP, 2004.

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CAPITULO II – O PODER LEGISLATIVO

I. O PODER LEGISLATIVO NA ASSEMBLEIAASSEMBLEIA NACIONAL

CONSTITUINTE

A Assembleia Nacional Constituinte que originou a Carta de 88 foi resultado

de uma participação sem precedentes na história do país. A praça dos três poderes

totalmente ocupada pela população transformou o cenário de Brasília. Esse espaço

aberto, amplamente divulgado e utilizado pelos mais diversos setores da sociedade,

acarretou em debates travados sobre os variados temas dentro das subcomissões

formadas pelo Congresso Nacional, de forma a atender aos anseios dessa

população que buscava, através dos constituintes, uma voz nas audiências públicas.

1. Do momento singular da Assembleia Nacional Constituinte

Por traduzir num momento singular da nossa história, essa rica contribuição

pode ser encontrada em obras editadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado,

além dos arquivos nos seus respectivos acervos históricos, inclusive com fotografias

expressivas sobre a movimentação popular durante os trabalhos no Legislativo.

Podemos constatar tal magnitude do momento pátrio nas palavras

significativas de Ulysses Guimarães, quando proferiu discurso na promulgação da

Carta de 88, palavras que podem clarificar os eventos transcorridos:

O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas e publicadas, distribuídas, relatadas e votadas no longo trajeto das subcomissões à redação final. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franquearam, livremente, as onze entradas ao enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, galeria e salões.95

95

Cf. Ulysses. Guimarães. Discurso enquanto Presidente da Constituinte na data da promulgação da

Constituição em 5 de outubro de 1988. In: Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História Constitucional do Brasil. 10ª ed. Brasília, OAB BRASIL, 2008, pp. 453-517.

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64

Diante da tamanha movimentação e da dinâmica dos trabalhos que não

poderemos transcrever fielmente todo esse arcabouço, mas, no que concerne ao

Pode Legislativo, às preocupações quanto a sua formação, função e configuração e

existência na Comissão da Organização dos Poderes e sistema de Governo foram

alvos de intensos debates, que procuraremos traduzir nas próximas páginas96.

A maior preocupação na época, até pelo momento histórico em que se

instaurou o processo da constituinte no Brasil, após anos de ditadura, era os

fantasmas do antigo regime que ainda estavam rondando toda a sociedade, sem

mencionar boa parte dos seus participantes na constituinte.

Em decorrência disso, esses atores objetivavam, de todas as formas

possíveis, a garantia do rol dos direitos usurpados anteriormente. Recorremo-nos a

alguns deles para poder delinear a feição da Constituição Federal de 1988,

referencial importante para o desenvolvimento do raciocínio do presente estudo.

2. Da subcomissão do Poder Legislativo.

A subcomissão do Poder Legislativo teve o desafio de devolver o papel do

Parlamento na cena política97. Seus trabalhos foram conduzidos sem grandes

embates ideológicos, pois havia consenso entre os seus membros da necessidade

de resgatar, além das prerrogativas consideradas fundamentais num regime

democrático, as condições de funcionamento modernas e adequadas para uma

atuação relevante na nova ordem institucional que se iria instaurar; o que não se

traduzia numa tarefa simples, pois, no mundo, os Legislativos em geral viviam, já há

algum tempo, uma crise de poder e de funcionalidade.

96

Cf. Luciana Botelho Pacheco In: Audiência Publicas na Assembleia Nacional Constituinte. A

sociedade na Tribuna, Câmara dos Deputados. Coleções Especiais Comemorativas. 03. Centro de Documentação e Informação. Coordenação Edições Câmara. Brasília: Edições Câmara. – Cedi, 2009, pp. 173-217.

97 Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit, 2009, pp. 177 – 196.

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65

2.1 Da experiência da Carta de 1946

As memórias quanto à experiência da Carta de 1946, estavam presentes, por

muitos, considerada a Constituição brasileira mais democrática, mas que, no

entanto, não bastou para a evolução da democracia no país. Entretanto, o fato de

atribuir inúmeros poderes ao Legislativo deixou claro que somente a retomada das

prerrogativas desse poder, que se mantivera no ostracismo durante vinte anos de

ditadura, não seria suficiente.

Urgia a necessidade de não resvalar nas causas que originaram problemas

em 4698e a necessidade de se criar mecanismos e fórmulas de deliberações

legislativas mais ágeis e eficazes visando responder às demandas e exigências dos

setores políticos da sociedade, além de uma efetiva legislação rápida e adequada às

tarefas do Estado social de Direito que àquela época se pretendia instaurar no país.

Reportando-nos à experiência de 1946, Paulo Affonso Martins de Oliveira

recomendava alguns cuidados como, por exemplo, não tornar o Legislativo um

“superpoder”. Lembrava que não obstante as prerrogativas do Congresso em 46

versarem em todos os campos, as atribuídas ao Executivo não eram plenas e nem

privativas. Como consequência dessas atribuições, um Legislativo despreparado

para exercê-las na sua magnitude, com processo conservador e lento, infraestrutura

sem modernização e um funcionalismo sem capacidade de profissionalização para

dar suporte necessário ao homem publico que integra o Congresso, ocorreu o

inevitável: a instituição legislativa sofreu grande desgaste de natureza popular.99

2.2 Dos pontos de consenso

Outro ponto debatido na subcomissão, mas com total consenso foi em torno

da eleição direta para o cargo de Presidente da República e a vedação de qualquer

dispositivo que visasse à dissolução do Congresso Nacional, até mesmo pelo

momento histórico em que se travou os trabalhos durante a Constituinte, sobre

esses pontos não careceriam de divergências.

99 Cf. Paulo Affonso Martins de Oliveira Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 188

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2.3. Das propostas em favor do parlamentarismo

Diversidade ocorre nos debates quanto à forma de governo a ser adotada

pela nova Carta: Presidencialismo ou Parlamentarismo. Dado a complexidade da

matéria e posições antagônicas, na primeira audiência compareceram renomados

juristas e acadêmicos100, visando expor, cada um, o seu ponto com fundamentação,

buscando um convencimento a sua preferência quanto ao sistema de governo.

Na defesa do regime parlamentarista, o que para alguns se traduziria no ideal

de sistema de governo101 adequado ao Estado Social contemporâneo, alertavam que

o sistema presidencialista nada mais era que um arranjo institucional do Estado

Liberal clássico que não intervém na economia. Nesse modelo em que as funções

de governo são mínimas, o voto censitário, os partidos meramente fisiológicos, o

presidencialismo supõe um consenso econômico e social em torno da excelência da

ordem liberal econômica capitalista.

O mundo mudou. O voto é universal, os partidos de esquerda e socialista

surgiram mudando a feição do Estado que passou a ser mais intervencionista com

políticas e medidas mais eficazes, e principalmente com divergência econômica

indispensável no parlamento, dissenso que são contra o governo, mas que não

passem a ser contra a Pátria, contra o Estado e contra as Forças Armadas.

Outra crítica ao presidencialismo estaria na afirmação de que esse sistema

impede uma participação mais efetiva do povo nas decisões políticas, isso por que

num sistema de governo onde o poder se concentra no Executivo, essa

centralização excessiva, por ser considerada uma super estrutura ultrapassada e

retrógada, gera um governo autoritário; obstrui a vigência de um regime democrático

no país.

Portanto, era preciso fortalecer as prerrogativas do Congresso Nacional de

modo a garantir a participação de importantes segmentos da sociedade.102

100

5ª Audiência realizada em 28/04/1987.Participaram Miguel Reale e Cézar Saldanha, da

Universidade de São Paulo, Luiz Pinto Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco, Sérgio Resende de Barros, das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2009.

101 Cézar Saldanha. “O parlamentarismo é o sistema de governo adequado do Estado Social

contemporâneo”. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. cit., 2009, p. 184.

102 Cf. João Bosco da Silva Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit. 2009, p. 190-191.

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Mas houve aqueles que defenderam uma transição do presidencialismo para

o parlamentarismo. O argumento utilizado foi que o presidencialismo puro e o

parlamentarismo clássico não eram a solução adequada, segundo Miguel Reale, por

não corresponderem às realidades ideológicas, político-sociais e econômicas do

país, em decorrência da ausência de estruturas partidárias permanentes com

programa e ideologia definida.

Por outro lado, o presidencialismo puro tinha se traduzido um empecilho para

tal desenvolvimento destas questões partidárias, mas alertava que uma possível

alteração imediata não implicaria na formação dos partidos com essas

características. Em razão disto a escolha e definição sobre a matéria deveria ser

cautelosa, recomendando uma solução através de uma transição do

presidencialismo para o parlamentarismo executada paulatinamente, com o fim de

se criar a nossa própria experiência.103

2.4. Na defesa do regime Presidencialista

Opinião diversa foi a de Sergio Rezende de Barros,104 pois, na defesa do

presidencialismo, alertava que o sistema parlamentarista não tinha raiz entre nós e

uma transplantação cultural estranha na terra Pátria não condizia com o maior

desafio a ser enfrentado pela nova Carta, qual seja o da conformidade com a

paisagem constitucional. Em outras palavras, a efetividade do texto normativo com o

país real. Portanto, da análise do contexto histórico, o regime presidencialista

possuía tradição pátria, devendo ser aperfeiçoado e não extinto.

Por um presidencialismo freado, era a orientação de Pinto Ferreira,105 e para

tanto utilizou como exemplo o modelo alemão: o semiparlamentarismo106, apesar

desse modelo não traduzir a melhor opção para o Brasil.

103

Cf. Miguel Reale. “A solução para o Brasil estaria na adoção de um modelo intermediário.” Cf.

Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit., 2009, p. 182/183.

104 Cf. Sérgio Resende de Barros. “O parlamentarismo não tem raiz entre nós.” Cf. Luciana Botelho

Pacheco. Op. Cit., 2009, p. 184

105 Cf. Pinto Ferreira, “é preciso estabelecer um presidencialismo freado.” Cf. Luciana Botelho

Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 183/184.

106 A solução alemã era a seguinte: o presidente da República propunha o nome do chanceler, o

primeiro-ministro, à Câmara Baixa, que lá chamam Parlamento, e este, por maioria absoluta, pode aprovar o nome encaminhando à nomeação presidencial, ou se recusado no prazo de quinze dias, o

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Assinalava que a solução mais adequada é, de certo modo, dar mais peso ao

presidente da República, podendo este ter a atribuição de indicar o primeiro ministro.

Ou mesmo que a Câmara o indicasse e, caso ocorresse divergência, como solução,

fazer um referendum ou plebiscito para saber, através da opinião popular, qual seria

o órgão a cair, o Ministério ou a Câmara dos Deputados. Assim esquematizado os

termos quanto a valorização de mecanismos para frear o Poder Executivo, não se

esquecendo que a tradição brasileira é de ter um Presidente da República monarca

a curtas prestações107.

2.5. Sugestões quanto à garantia do processo legislativo

Algumas sugestões108, em resumo, tiveram destaque como: a extinção da

aprovação de projetos por decurso de prazo e a instituição de garantias para o bom

funcionamento das comissões parlamentares de inquérito;109 o fortalecimento e

reestruturação do sistema de comissões parlamentares;110 e questão da importância

da imunidade parlamentar.111

2.6. Em busca de um Legislativo democrático

Em busca de um Legislativo Democrático e representativo, elevando essa

instituição à altura de sua verdadeira atribuição, como ocorre nos países

democráticos e representativos. Dessa forma, as discussões em torno do papel

atribuído ao Legislativo, deveria destacar que este poder se traduz na mais alta

expressão da soberania nacional. Assim, Flávio Marcilio expos que por ser o

Parlamento elege o primeiro-ministro com maioria absoluta. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. cit., 2009, p. 183

107 Cf. Pinto Ferreira referindo-se à denominação atribuída ao Presidente da República no Brasil por

Pontes de Miranda. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. cit., 2009, p. 183

108 4ª Extraordinária. Audiência realizada em 29/04/1987. Foram convidados, pela experiência

adquirida em razão dos cargos ocupados, três ex-presidentes da Câmara dos Deputados: Deputado Flávio Marcílio, Deputado Nelson Marchezan e Ex-presidente da Câmara e Ministro do STJ Célio Borja.

109 Cf. Deputado Flávio Marcílio Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, p. 177-193

110 Cf. Deputado Nelson Marchezan Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 177-193

111 Cf. Deputado Célio Borja Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, pp. 177-193

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Legislativo constituído por um conjunto de todos os fatores, de todos os elementos,

de todos os componentes da sociedade a que todos pertencemos, tem maior

representatividade, portanto deve disciplinar os outros poderes.

Conclui sua intervenção no sentido de que através do ritmo fervilhante vivido

no ambiente parlamentar, do choque de opiniões, dos debates e atritos inevitáveis,

características próprias do regime democrático e republicano que refletem as

aspirações populares, traduzindo-se na voz do povo.112

Intrínseca a essa ideia de voz do povo se encontra as imunidades

parlamentares, Célio Borja sintetiza a importância da existência da prerrogativa de

função e não de privilégios pessoais nos regimes democráticos. Daí decorre o direito

e as garantias que deveriam ser colocadas no próprio texto constitucional, de forma

clara a não deixar dúvidas ou brechas para eventual restrição ou possível ampliação

pelo legislador ordinário.

Por fim, conclui que foi sempre o parlamento e sempre será o poder que irá

limitar o Poder, e sua inexistência e ausência significa que o interesse público, a

força do voto popular, a escolha popular estará à míngua113.

2.7. Das complexidades das relações entre Legislativo e Executivo

Mas, todas essas questões culminaram na complexidade da relação entre o

Legislativo e Executivo no século XX. Na realidade, o Poder Legislativo perdeu

terreno para o Executivo, como sintetiza o Deputado Nelson Marchezan. Mas o

papel do Legislativo desde a sua origem e criação é o de conter a ambição do

Executivo. Este, por sua vez, avançou violentamente, criando novos mecanismos,

órgãos de assessoramento, de estatais, de empresas não só nacionais, cercando-se

de todos os recursos humanos para exercitar o seu poder.

Em contrapartida, o Legislativo ficou praticamente no uso da palavra, critica a

opinião pública e ao debate, sem criar outros mecanismos estruturantes, perdendo

espaços e atribuições. Ainda que decorrente desse quadro de distorções fossem

criadas no andamento trabalhos legislativos, com poucas comissões técnicas e

112

Cf. Deputado Flávio Marcílio. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit, 2009, p. 185

113 Cf. Deputado Célio Borja. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. cit., 2009, pp. 185-186

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escassos instrumentos à disposição do parlamentar. No que tornou impossível o

acompanhar de tantas proposições sobre os mais diversos assuntos que

necessitavam de devido assessoramento em face da rapidez exigida pelo Executivo.

Aliado a esse fato, ressaltava-se a necessidade do dever do parlamentar de estar

sempre em contato com a sua base eleitoral. Diante deste quadro, o grande desafio

que se coloca na nova Carta é o de estimular a ação do Executivo para resolver os

problemas democraticamente.114

Como vimos, o processo legislativo existente tinha seus problemas na visão

dos funcionários. A segunda audiência contou com a presença de funcionários115

ocupantes de funções primordiais que, no seu dia a dia, traziam à baila o

conhecimento de toda mecânica funcional e estrutural e das suas dificuldades,

alguns pontos foram delineados, bem como os desafios a serem enfrentados.

Em resumo, dentre as questões colocadas, foram: o número exagerado de

proposições em trâmite; o excesso de normas puramente regimentais constante na

Constituição; o quórum elevado para deliberação das comissões; alto número de

matérias dependentes de apreciação do plenário; falta de um órgão encarregado da

triagem das inúmeras proposições apresentadas às Casas Legislativas.

2.8. Da imprensa e seu papel, necessária mudança de postura

Outro desafio posto foi no sentido da necessidade de mudança de avaliação

feita pela imprensa e os critérios utilizados para avaliação da qualidade dos

trabalhos parlamentares.

Sara Abraão ressaltou que a imprensa tinha o hábito de qualificar os trabalhos

apenas com o levantamento da presença de parlamentares em plenário, o que era

um contexto altamente preocupante, já que,em primeiro lugar, outros trabalhos

existem no âmbito do Legislativo além do plenário, á exemplo, as comissões onde

ocorre o exame e votação das matérias, depreendendo um bom tempo preliminar a

114

Cf. Deputado Nelson Marchezan. Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit., 2009, p. 186-187.

115 6ª Audiência realizada em 30/04/1987. Paulo Afonso Martins de Oliveira e Nerione Nunes

Cardoso, então ocupantes do cargo de secretário-geral da Mesa, respectivamente da Câmara dos Deputados e do Senado; Sara Abraão, ex-secretaria da Mesa do Senado e Henrique Eduardo Hargreaves, Assessor da Câmara e subchefe de Assuntos Parlamentares do Gabinete Civil da Presidência da República, Cf. Luciana Botelho Pacheco, 2009, Op. Cit., p. 179

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reunião do parlamentar que deve examinar e elaborar seu parecer técnico para

esclarecimento seus e dos seus pares.

2.9. Dos vários trabalhos no âmbito do Legislativo

Mas, essa opinião foi compartilhada por membros da própria imprensa, que

também foram ouvidos.116João Emílio Falcão, de pronto, manifestou sua

preocupação com a falta de atenção, por parte da imprensa, para com os trabalhos

das comissões. Alertava que o papel do parlamentar não se restringe somente no

grande penário. Exerce também o seu mandato quando está recebendo os eleitores,

percorrendo o estado de origem, tratando de assuntos em repartições, estudando

um parecer em seu gabinete, dentre outras atividades. Asseverava que o desgaste

decorria da imagem desse mesmo parlamentar inclusive da questão remuneratória,

uma vez que, era baixa pelo trabalho prestado, o que originava a distorção de busca

de concessões de vantagens, como por exemplo, não pagar o imposto de renda.

2.10. Da importância dos trabalhos das comissões

Mas conclui não entender porque as comissões não eram alvo da apreciação

da imprensa. Órgão de máxima importância no Legislativo, não tem a atenção da

imprensa, e clama por uma cobertura devida inclusive na constituinte. De forma

clara e ampla e com uma divulgação do trabalho sério e criterioso do Legislativo na

mídia, já que, é de responsabilidade da imprensa transmitir para a opinião pública os

fatos para que esta, ciente da realidade, possa tomar suas posições de forma séria e

não, como se encontra, com notícias distorcidas.117

116

7ª Audiência realizada em 5/5/1987, João Emilio Falcão, presidente do Comitê de Imprensa, Rádio

Televisão do Senado Federal e analista político do Correio Brasiliense. Flamarion Mossri, articulista e analista político do Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Ary Ribeiro, presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados e redator de Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Rádio Eldorado. Rubem de Azevedo Lima, repórter e analista da Folha de São Paulo. Na 7ª Extraordinária Audiência realizada em 6/05/1987: Tarcísio Holanda, repórter especial do Correio Brasiliense e editor do programa Telemanhã. Evandro Paranaguá, repórter especialista em assuntos políticos de O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 177-194

117 Cf. João Emílio Falcão Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit. 2009, p. 192.

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2.11. Do excesso de proposições e falta de tempo para a apreciação

O excesso de proposições e ausência de tempo hábil para a apreciação da

Comissão Mista se punha como um dos maiores desafios a serem enfrentados no

tocante ao processo legislativo na Constituinte.

O excesso de proposições dependentes de apreciação em comissões mistas

e em sessões conjuntas das duas Casas acabavam por ocasionar na ausência de

tempo para a realização das reuniões necessárias.

2.12. Da dificuldade de realizações de comissões mistas

Por outro lado, o grau de dificuldade de reunião das comissões mistas, o

número elevado de matérias e a necessidade de apreciação de projeto e lei,

decreto-lei, orçamento e proposta de emenda à constituição, tornavam a tarefa do

parlamentar inviável de ser realizada e como consequência, no caso específico dos

decretos-lei, estes tramitavam pelo Congresso Nacional sem que ao menos a

maioria dos congressistas deles tomasse conhecimento.118

2.13. Da edição desenfreada dos decretos-leis

Da edição desenfreada dos decretos-leis, uma prática que na verdade

resultava em uma forma de procedimentos para legislar em segredo, assim ao fato

da necessidade do devido exame técnico das matérias pelas comissões do

Congresso Nacional. Sara Abrão sugeria a retomada do sistema previsto na Carta

de 46, na qual a prévia análise se dava separadamente, restando apenas o veto

para sessões conjuntas.

Não obstante, reconhecia a necessidade da existência de uma espécie

legislativa como o decreto-lei de iniciativa do Executivo, mas não da forma que se

encontrava, lembrando na Carta de 37, que tal procedimento existia mediante

118

Para consulta:

Dilsson Emílio Brusco. Histórico das Comissões Permanentes na Câmara dos Deputados. 1823 – 2004. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados. 2006.

http://bd.camara.gov.br

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condições e limites fixados pelo ato de autorização, uma espécie de delegação

legislativa para que o Executivo evitasse assim a legislação em segredo.119

2.14. Dos Vetos

Quanto aos vetos presidenciais e sua apreciação congressual Henrique

Eduardo Hargreaves,120 alertou que da forma como se encontrava naquela época,

era impossível derrubar o veto da Presidência da República, pelo quórum de 2/3 do

Congresso. No que diz respeito à abrangência, assevera que o senador Josaphat

Marinho afirmou que havia emendado a Carta de 46 disciplinando o veto parcial,

vedando a possibilidade de recair somente em palavras, devendo abranger ao texto

todo, pois a previsão do veto não deveria ser somente no total.

2.15. Das Emendas à Constituição

A emenda à Constituição foi outro item abordado. A Carta de 46 estabelecia

haver a previsão de prazo de dois anos para a tramitação da proposta, ou seja, duas

sessões legislativas ordinárias e consecutivas e sua aprovação era por maioria

absoluta, mas, independentemente desse prazo, deveria ser aprovada por 2/3 de

cada casa do Congresso Nacional. O Ato Institucional nº 1, de 1964, que conferiu ao

presidente da República poderes para iniciar o processo de emenda, estabeleceu

prazo de trinta dias em sessão conjunta das duas casas.

No texto de 67, tanto importava de quem fosse a iniciativa, o prazo era de

sessenta dias, dilatado para noventa pela EC nº 8/77, posteriormente suprimido pela

EC nº 22/82, deixando aberto a questão, como consequência as propostas de

emenda não eram arquivadas e as que tramitavam, hoje em número excessivo, em

plenário mais de três vezes sem lograr êxito, aguardaria posterior acordo de

liderança ou da presidência para a inclusão novamente em pauta.

119

Sara Abraão Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit., 2009, pp. 187-188.

120 Henrique Eduardo Hargreaves Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 188.

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2.16. Da importância da democracia direta

Foi objeto da quarta audiência, onde a sociedade encontrava-se

representada, e algumas pessoas fizeram a sua explanação.121

Ulysses Riedel de Resende, no seu dizer impressivo, afirmava que a

democracia direta pode e deveria conviver com a democracia representativa. Só

assim existiria um Poder Legislativo valorizado, contando com a democracia

participava nos assuntos que deveriam abranger as grandes questões nacionais.

Para tanto, a forma plebiscitária seria um caminho, pois, no mundo de hoje, a

viabilidade para tal procedimento havia se tornado extremamente fácil.

Para tanto, a sua sugestão era de que os tribunais eleitorais poderiam ser

capacitados, instrumentalizados para que o povo pudesse ser consultado

diretamente sobre os assuntos de extrema relevância nacional, com simplicidade, de

forma prática e eficiente, pois somente ele, o povo, tem legitimidade efetiva,

verdadeira para tomar tais decisões.122

2.17. Das instituições intermediárias e seu papel

A importância das instituições intermediárias, com enfoque na gestão pública

e na gestão do dissenso na sociedade, na gestão dos conflitos de sociedade é o que

forma o nosso juízo, a democracia real, foi a fala de Amauri Temporal.

Assim, a necessidade de uma ponte, uma ligação umbilical constante entre

governantes e governados era fundamental. O grande obstáculo a ser transposto é a

característica própria da cultura latino-americana, regada de emotividade em

substituição da racionalidade e com a dificuldade de passar do individualismo para

121

6ª Extraordinária. Audiência realizada em 6/05/1987. Com a presença de Neif Jabur, deputado

estadual e presidente da AssembleiaAssembleia Legislativa de Minas Gerais. Na 7ª Audiência Pública, Ulisses Riedel de Resende, diretor técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – DIAP; João Bosco da Silva, vereador e presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM; Paulo Silas Alvarenga de Melo, vereador e presidente da União de Vereadores do Brasil – UVB; Luiz Alberto Martins de Oliveira, deputado estadual e presidente da União Parlamentar Interestadual – UPI; Amauri Temporal, presidente da Confederação Nacional das Associações Comerciais do Brasil – CACB. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, p. 177-194

122 Ulysses Riedel de Resende Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op.Cit., 2009, p. 190.

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coletivo, assim, valorizar o Legislativo é valorizar essa interface organizada entre

sociedade e Legislativo.123

2.18. Da descentralização política e a importância do município

Quanto à descentralização política, a importância do município se fez

presente nas palavras de Luiz Alberto Martins de Oliveira, que afirmava ser a

verdadeira democracia no Brasil a descentralização das decisões políticas, porque o

homem brasileiro vive no município e não na União, e a forma operacional de

repasse de recursos estavam a um custo caríssimo, com isso por volta de três mil

dos quatro mil municípios brasileiros estavam em condições falimentares.124

2.19. Do papel das Câmaras Municipais

Por outro lado, as câmaras municipais estavam perdendo terreno político para

as associações de moradores. Salientava Paulo Silas, questionando a função do

vereador com função na época de despachante de luxo, isso porque o Executivo

municipal detinha todo o poder, as demandas feitas pelas associações de

moradores eram reivindicadas diretamente ao prefeito, e este, por sua vez, fazia

questão de não atender ao clamor do Legislativo. Em outras palavras, para estas

referidas associações a Câmara de vereadores não estava prestando para nada, em

suas palavras, gerando um processo de desgaste junto à opinião pública sem

precedentes.125

2.20. Da necessidade de resgatar a independência dos Estados

Quanto ao Legislativo Estadual e da necessidade de se resgatar a sua

independência, Neif Jabour reivindicava a valorização do Legislativo Estadual

fundada nas prerrogativas de órgão fiscalizador do governo estadual, da autonomia

123

Amauri Tamporal. Op. Cit. Cf. Luciana Botelho Pacheco, 2009, p. 190.

124 Luiz Alberto Martins de Oliveira. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, p. 191.

125 Paulo Silas Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, p. 191-192

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orçamentária e financeira, com o fim de consagrá-lo como Poder independente,

altivo e soberano126.

2.21. Da necessidade de transparência do Legislativo

A transparência necessária do Legislativo ao crivo da opinião pública, também

foi levantada. Era senso comum que o golpe de 64 teve papel decisivo para a

decadência da imagem pública do Legislativo. Segundo Ary Ribeiro, a visão da

opinião pública do parlamentar é de que faz parte de uma casta que desfruta de

privilégios e mordomias, e não tendem a valorizar o Legislativo, aliado ao fato do

autoritarismo recente vivido no país, a partir de 1964, ter desencadeado um

desgaste sem precedentes do Poder Legislativo127.

2.22. Da opinião pública e participação da sociedade

Assim, para resgatar a sua imagem, segundo Rubem de Azevedo Lima, o

Legislativo deveria se expor por inteiro e conviver com a crítica implacável da

opinião pública, de boa ou de má fé. Mesmo em face do pluralismo político que criou

dificuldades para o funcionamento do Congresso, tornando mais compreensível,

mas também moroso, e, portanto menos admirado pela opinião pública. Conclui que

somente com a transparência e exposição a instituição terá o seu valor, exercendo-

se assim a plena democracia, devendo para isso se impor ante os seus detratores128.

Intrínseca a essa ideia está a do Congresso Nacional que não pode perder a

batalha das comunicações e da opinião pública. Pois, segundo Tarcísio Holanda,

ambas são partes indissociáveis do processo democrático, uma vez que, quando há

crises institucionais, a imprensa também é brutalmente reprimida juntamente com a

opinião pública pelo argumento da força.

Partindo de que a função do parlamento é a de discutir as políticas de

desenvolvimento em todos os setores da vida nacional, fiscalizar a aplicação dos

recursos públicos e, juntamente com o Executivo, estabelecer as prioridades das

126

Neif Jabour Cf. Luciana Botelho Pacheco Op Cit., 2009, p. 192

127 Ary ribeiro Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, pp. 192-193

128 Rubem de Azevedo Lima Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 193.

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despesas públicas e onde devem ser aplicadas, o Congresso deve participar do

rádio, da televisão para construir, juntamente com a imprensa, cientistas sociais e

políticos, espaços para instituições da sociedade de modo geral, com as quais ele se

confunde129.

2.23. Da responsabilidade do Congresso quanto a sua imagem negativa

Mas, todavia, parcelas de responsabilidade do Congresso Nacional na

formação da sua imagem negativa junto à opinião pública foram os alertas de

Evandro Paranaguá uma vez que a democracia nunca chegou ao plano econômico

social. O parlamento brasileiro na história tem revelado um poder conservador e

nunca houve movimento para modificar as estruturas opressoras da grande maioria

da sociedade brasileira, do Brasil pé no chão, tão pouco a ampliação de poderes

poderia significar algo a favor do povo, assim, somente com a revisão dos critérios

que conferem prioridade às mensagens do Executivo, propõem-se emendas

constitucionais quando existem outras análogas, em tramitação, de autoria de

deputado e senador é que se pode pensar em mudança da rejeição, frustração da

instituição legislativa brasileira.130

Assim, sintetiza, resumidamente, os debates em audiências públicas, que não

deixaram margem duvidosa sobre o que era pensado, idealizado para o papel do

Legislativo.

Como esse poder se encontra na Carta de 88, e se todos os desafios aqui

postos foram enfrentados, só poderemos expor isso após análise do que o texto

constitucional reservou para esse poder.

129

Tarcísio Holanda Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 193.

130 Evandro Paranaguá Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 193-194.

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II. O PODER LEGISLATIVO NA CARTA DE 1988131.

Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida.

Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada

um.

Mario Quintana

A Constituição de 1988 buscou a valoração das prerrogativas do Poder

Legislativo, até porque o contexto histórico da constituinte marcou pela transição de

um regime autoritário para abertura redemocrática.

Com base nos princípios republicanos e democráticos, firmados na Carta de

1988, não se pode imaginar ou pensar o Poder Legislativo sem ser a partir do

cidadão e vice-versa. Debates e discussões que resultaram em transformações na

sociedade brasileira. É através desse poder que o povo se vê representado. É nessa

instituição que a democracia é exercida nos seus primeiros passos.

Como a “Casa do Povo”, nas últimas décadas, foi bem pouco utilizada, isso

comparando com o período que precedeu e culminou na Carta Cidadã. A sociedade

131

Podem ser referidas obras para estudo no tema de Poder Legislativo no Brasil:

ALESP. O poder legislativo: três análises. In: Cadernos Alesp n. 1,São Paulo: Legislativa do Estado

de São Paulo 1983.

Arley César Felipe. Tipos de legislativo e sua colocação na história constitucional brasileira..In: Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia vol. 30 ns. 1/2, dezembro. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2001.

FOLHA DE SÃO PAULO. Bicameralismo, tradição no país desde a Constituição de 1891. Folha de

São Paulo, São Paulo. p. 8, 23/06/ de 1985.

Marco Aurelio Peri Guedes. O senado federal nas constituições brasileiras de 1891 e 1934: as influências do constitucionalismo alemão. .In: Revista Brasileira de Direito Comparado n. 29. Rio de

Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, 2007.

Raul Machado Horta. Poder Legislativo e monopólio da lei no mundo contemporâneo..In: Revista

Trimestral de Direito Público n. 3. São Paulo: Malheiros, 1993.

Elton E. Polveiro Júnior. Desafios e Perspectivas do Poder Legislativo no século XXI. Textos para

discussão 30. Coordenadoria Legislativa do Senado Federal. Brasília: Senado Federal, 2006.

Josaphat Marinho A função de controle do Congresso Nacional. In: Revista Informação Legislativa n.

53, ano 14, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1977.

Iris Eliete Teixeira Neves de Pinho Tavares. O poder legislativo: funções e órgão. In: Revista

Brasileira de Estudos Políticos n. 83, julho. Belo Horizonte, UFMG: 1996.

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que parece estar anestesiada, não quer exercer a sua cidadania tão almejada no

passado, acarretando como por um processo de osmose, em um próprio Legislativo

anestesiado, dando assim uma flagrante vitória àqueles que contra a democracia

atentam.

1. Dos princípios do Poder Legislativo.

Aprofundando agora, devido à feição da Carta de 88, cabe ressaltar os

princípios basilares que decorreram das premissas constitucionais e a importância

da existência de um Legislativo forte que remete sempre às suas raízes originais de

ser o órgão pelo qual o cidadão se vê respaldado contra a abirtrariedade do poder.

São eles: a legitimidade, a decisão colegiada e da votação por quórum, a

publicidade, e a obediência às normas.

A legitimidade serve de moldura formal do processo legislativo, para proteger

princípios básicos dos produtos legislativos, resguardado das liberdades, a

prevenção das dificuldades e a prevenção do sistema democrático. Já o princípio da

decisão colegiada e da votação por quórum são básicos do Poder Legislativo e da

democracia representativa, que dão condições de participação ativa das minorias

representadas.

O princípio da publicidade refere-se ao conhecimento prévio da pauta de

votação e a contínua publicidade das ações legislativas durante o processo

permitem acesso e a participação plena não só do parlamentares, mas também da

sociedade que se vê representada.

O princípio da obediência às normas diz respeito ao jogo parlamentar, no qual

não pode atuar em espaço vão. Negociar, barganhar, obstruir, uma votação, etc.

Garante a todos um poder de mobilização, mas é imprescindível que seja dentro dos

limites previstos pelas normas, sob pena de individualizar o Poder Legislativo a

exercer o leque de sua funções, mesmo quando contraposto com interesse dos

demais poderes.

Todos esses princípios informadores correspondem ao princípio do Estado

Democrático de Direito. O que vale dizer que o cidadão pode participar do processo

legislativo em si durante em quase todo o seu procedimento.

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1.1. As novas configurações do Poder Legislativo

Em decorrência dessas basilares disposições constitucionais, surge a

necessidade de um Poder Legislativo transparente, buscando-se mecanismos de

participação cada vez mais modernos e integradores no processo de criação das

leis, com debates nas comissões por meio da participação de associações132 civis,

utilizando de forma interdisciplinar outras ciências, tais como a Ciência da

Legislação133, a Legística134, a técnica de Consolidação das leis135 e os mecanismos

132

Cf. Carlos Mário da Silva Velloso. Delegação Legislativa – A Legislação por Associações. In:

Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 92. 1989, pp. 150-159.

133 Consultem-se sobre ciência da legislação e legística:

José Tudela Aranda. & Jesús M. CoronaFerrero & Francesc Pau Vall (Coord.) La Técnica Legislativa a Debate. Asociación Española de Letrados de Parlamentos. Madrid: Tecnos, 1994.

Bruno José Ricci Boaventura. A instituição de um controle da qualidade legislativa..In: Revista Âmbito Jurídico, disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7122&revista_caderno=4;

Marcílio França Castro. A técnica legislativa além da regra. n. 7, janeiro/junho,. .In: Cadernos da

Escola do Legislativo 1998.

Jorge José da Costa. Técnica Legislativa. Procedimentos e normas. Rio de Janeiro: Destaque, 1994.

Robson Luiz Filho Coutinho. Avaliação de desempenho do Poder Legislativo Federal. Brasília:

Unilegis, 2009;

Pinto Ferreira. Técnica Legislativa como a arte de redigir leis..In: Revista Informação Legislativa ano

23 n. 89, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1986.

C. Yoel Carrillo Garcia. Princípios para uma teoria de la legislación. Ambiente Jurídico, Facultad de Derecho, Universidad Manzales, disponível em:

http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3267525;

Antonio Martino. Ciencia de la legislación. In: Revista Electrónica de Teoría y Práctica de la

Elaboración de Normas Jurídicas ano I, n. 2, junio. Buenos Aires: Universidad Buenos Aires, 2005.

Fernando B. Meneguin Avaliação de impacto legislativo no Brasil. Textos para discussão n. 70,

Centro de Estudos da Consultoria do Senado, março. Brasília: Senado Federal, 2011.

Fabiana de Menezes Soares. Teoria da legislação. Formação e Conhecimento da Lei na Idade Tecnológica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.

Rafael Jayme Tanure. A avaliação da Lei em Portugal e no Direito Comparado. In: Revista Jus Navigandi, disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/18057/a-avaliacao-da-lei-em-portugal-e-no-direito-comparado;

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134

Merecem menção as conferências de Marta Tavares de Almeida, Antonio Augusto Junho

Anastasia, Jandir Maya Faillace Neto, Jean-Daniel Delley, Ulrich Karpen, Luzius Mader, Maria Coli Simões Pires, Menelick de Carvalho Netto e Sabio José Fortes Fleury no Congresso Internacional de Legística – Qualidade da Lei e Desenvolvimento, realizado em Belo Horizonte, 2007.

Ademais podem ser consultadas as seguintes obras no tema:

Gema Marcilla Córdoba. Racionalidad legislativa. Crisis de la ley y nueva ciencia de la legislación.

Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005.

Assunção Cristas. Legística ou a arte de bem fazer leis. In: Revista CEJ n. 33, abr./jun. Brasília: 2006. pp. 78-82.

David Duarte & Alexandre Sousa Pinheiro & Miguel Lopes Romão & Tiago Duarte. Legística. Perspectivas sobre a concepção e redacção de actos normativos. Coimbra: Almedina, 2002.

Sérgio Lopes Loures. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: uma visão normativa do Direito e aplicação da legística. v. 7, n. 1, Brasília: Senatus, 2009.pp 24-31.

Carlos Blanco de Morais Manual de Legística. Critérios científicos e técnicos para legislar melhor. Lisboa: Verbo, 2007.

Patrícia Rosset. Breves reflexões sobre a legística, seus aspectos políticos e consolidação de leis. In Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo ano 11, n. 22, São Paulo: Forense, 2009. pp181-201.

135Bruno José Ricci Boaventura. A solução das antinomias jurídicas aparentes inseridas na

Consolidação das Leis. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_gaucho/revista_justica_e_historia/issn_1677-065x/v6n12/Microsoft_Word_-_ARTIGO_A_SOLUxO_DAS_ANTINOMIAS..._Bruno_Boaventura.pdf.

____. Uma contemporânea inserção da Consolidação das Leis na Relegitimação das normas jurídicas. In: Direito Púbico n. 20, mar.-abr./2008 Disponível em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewArticle/528 ;

Natália de Miranda Freire. A consolidação como técnica legislativa. Disponível em: http://www.almg.gov.br/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/consolidacao_leis.html

Felipe Frisch. Grupo fará “limpeza” da legislação federal. Valor Econômico, Legislação & Tributos,

11/04/2007. p. E 1.

Gabriel Dezen Junior. O instituto da consolidação: panorama histórico, jurídico e político. Disponível em: http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consulte/públicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/pdfs/consolidacao_leis/instituto.pdf;

Rubens Naman Rizek Júnior O processo de consolidação e organização legislativa. Tese de

Doutorado.em Direito. São Paulo: Usp, 2009.

SENADO FEDERAL. A consolidação das leis da saúde. Senado Federal em pauta n. 65, 2008.

Disponível em: www.senado.gov.br

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para a concretização de um orçamento participativo, inclusive o orçamento

participativo itinerante, andarilho e interativo/digital,136 com a formação de cidadania

em escolas do Legislativo137 e convênios firmados com instituições para

acompanhamento legislativo e orçamentário.

O Poder Legislativo encontra-se na Constituição no – Título IV, Da

Organização dos Poderes, Capítulo I -, logo de pronto, a seção que inaugura o

assunto institui que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, sendo

composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, e cada legislatura

136

Como se noticia em Ipatinga, MG, disponível em:

http://www.eaesp.fgvsp.br/subportais/ceapg/Acervo%20Virtual/Cadernos/Hist%C3%B3rias/2002/orcamento_participativo.pdf e

Fernando Laércio Alves da Silva. Cidadania participativa: o caso do orçamento municipal de Ipatinga-MG. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos ano VI, n. 7, dezembro, 2005, Disponível em:

http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista07/Discente/02.pdf

Sobre orçamento participativo, consultem-se:

Angela Vieira Neves. Espaços públicos, participação e clientelismo: um estudo de caso sobre o orçamento participativo em Barra Mansa, Rio de Janeiro. In: Revista Katál. V. 10 n. 2, Florianópolis: 2007, pp. 215-221, Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802007000200009

Jefferson Goulart. O orçamento participativo e gestão democrática no poder local. Lua Nova n. 69, São Paulo: CEDEC, 2006.

Hermes Laranja Gonçalves. Uma visão crítica do orçamento participativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

137 Nesse sentido:

Rildo Cosson. Letramento político: por uma pedagogia da democracia. In: Cadernos Adenauer ano XI, n. 3, Rio de Janeiro: 2010.

Guilherme Wagner Ribeiro. A educação legislativa é uma resposta à crise do Parlamento? E-Legis n. 06, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2011. http://bd.camara.gov.br.

Para consulta sobre Escolas do Legislativo:

Luiz Fernandes de Assis. Educando para a cidadania: a experiência da Escola do Legislativo. Educação & Alexandre Ventura Caçador Carvalho . O parlamento jovem e a experiência das Escolas do Legislativo mineiro e da Câmara dos Deputados. O Desenvolvimento da Cultura Cívica, propícia à Democracia. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009.

http://bd.camara.gov.br

Florian Madruga. Escolas do Legislativo. A nova visão do Parlamento Brasileiro. v. 6, n. 1, Brasília:

Senatus, 2008. 31-34.

Julie Reichert. Formação cidadã e os novos desafios de aprendizagem frente aos câmbios da tecnologia, cultura e globalização.In: Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico n. 4, 2011.

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possui a duração de quatro anos. Constitui o órgão constitucional que exerce

tipicamente, em âmbito federal, as funções legislativa e fiscalizadora do Estado

brasileiro, além de atipicamente administrar e julgar.

2. Do Congresso Nacional.

Sendo bicameral, é formado por duas casas: a do Senado Federal e a da

Câmara dos Deputados, em decorrência da forma de Estado adotada pelo país: o

federalismo. O Senado representa os estados-membros e seus integrantes são

eleitos pelo sistema majoritário, ao passo que a Câmara dos Deputados representa

o povo, e seus membros são eleitos pelo sistema proporcional138. Os membros do

Congresso, qualificados como congressistas ou parlamentares, são os senadores e

os deputados-representantes do povo e a remuneração de ambos é idêntica.

O Congresso reúne-se anualmente na capital federal, Brasília, de 2 de

fevereiro a 17 de julho e de 1 de agosto a 22 de dezembro139. Cada período é

denominado período legislativo, e o ano identificado como sessão legislativa

ordinária.

2.1. Da competência do Congresso Nacional

Quanto à competência do Congresso Nacional, a este cabe, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos artigos 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado; III - fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas; IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; V - limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União; VI - incorporação, subdivisão

138

Cf. João Carlos Medeiros de Aragão. Parlamentos Comparados: visão contemporânea. Estados

Unidos da América, Espanha, França e Brasil. Centro de Documentação e Informação, Brasília:

Edições Câmara, 2011.p. 43.

139 Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 50, 14 de fevereiro de 2006 (EC 50/2006),

funcionava de 15 de fevereiro a 30 de junho, e de 1º de agosto a 15 de dezembro (Regimento Interno

da Câmara dos Deputados).

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ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembleias Legislativas; VII - transferência temporária da sede do Governo Federal; VIII - concessão de anistia; IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito Federal; (EC nº 69/2012); X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o artigo 84, VI, b; (EC nº 32/2001); XI - criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública; (EC nº 32/2001); XII - telecomunicações e radiodifusão; XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações; XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal; XV - fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os artigos 39, § 4º; 150, II; 153, III; e 153, § 2º, I. (EC nº 41/2003). (grifo nosso)

A competência exclusiva do Congresso Nacional está estabelecida no artigo

49, a saber:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; VI - mudar temporariamente sua sede; VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (EC nº 19/1998); VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-

Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (EC nº 19/1998); IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo

Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI - autorizar, em terras indígenas, a

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exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares”. (grifo nosso)

O poder de convocar membros do Governo encontra-se no artigo 50, ao

dispor que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de uma das

suas Comissões, poderão convocar ministro de Estado ou quaisquer titulares de

órgãos diretamente subordinados à presidência da República para prestarem,

pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando

crime de responsabilidade à ausência sem justificação adequada. (EC de Revisão nº

2/1994);

§ 1º - Os Ministros de Estado poderão comparecer ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer de suas Comissões, por sua iniciativa e mediante entendimentos com a Mesa respectiva, para expor assunto de relevância de seu Ministério; § 2º- As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos escritos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não-atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas. (EC de Revisão nº 2/1994).

No Congresso é a Mesa Diretora o órgão deliberativo de direção dos

trabalhos e dos serviços administrativos. Composta por membros da Mesa da

Câmara dos Deputados e do Senado – sete parlamentares, com mandato de dois

anos.

O outro órgão deliberativo é o plenário. Para a sua composição o Congresso

utiliza membros tanto da Mesa do Senado quanto da Câmara dos Deputados, na

seguinte hierarquia: o presidente é o presidente da Mesa do Senado; o 1º vice-

presidente, o 1º vice-presidente da Câmara; o 2º vice-presidente, o 2º vice-

presidente do Senado; o 1º secretário, o 1º secretário da Câmara; o 2º secretário, o

2º secretário do Senado; o 3º secretário, o 3º secretário da Câmara; e o 4º

secretário, o 4º secretário do Senado.

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2.2. Das Comissões140do Congresso Nacional

As comissões parlamentares são órgãos colegiados existentes tanto no

Senado quanto na Câmara, podem ser permanentes ou temporárias, com

atribuições legislativas e fiscalizadoras previstas na Constituição Federal ou no

regimento interno de cada Casa ou no ato da criação.

A representação de partidos e blocos parlamentares, por previsão

constitucional, deve ser garantida, dentro do possível, na sua composição. No

cumprimento de suas funções básicas – elaboração de leis e acompanhamento de

ações administrativas na esfera do Poder Executivo –, promovem debates e

discussões com a participação da sociedade sobre matérias especiais; externas;

além dos grupos de trabalho. Podem ser da seguinte natureza: comissões

140

Sobre o tema, podem-se consultar:

José Alfredo de Oliveira Baracho. Congresso Nacional. Reuniões. Comissões. .In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais v. 33, n. 33. Belo Horizonte: UFMG, 1991.

Paulo Adib Casseb. Processo Legislativo. Atuação das comissões permanentes e temporárias. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

Relatório Geral apresentado ao X Congresso Internacional de Direito Comparado, 1978, em Budapeste. As Comissões Parlamentares Permanentes. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra:

Universidade de Coimbra, 1980.

Leany Barreiro Lemos. Sistema de comissões no Senado brasileiro: hierarquia e concentração de poderes nos anos 90.In: O Senado Federal Brasileiro no Pós-constituinte. Leany Barreiro (Org.) Brasília: Unilegis, 2008. pp. 351 -392.

Claúdio Ribeiro Paes. Sistema de comissões da Câmara dos Deputados e Competência Legislativa Plena: análise crítica. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados,

2007. http://bd.camara.gov.br

Carlos Pereira & Bernardo Mueller. Uma teoria da preponderância do Poder Executivo. O sistema de comissões no Legislativo Brasileiro.In: Revista Brasileira de Ciências Sociais v. 15, n. 43. São Paulo:

Ampox, 2000.

João Batista Pontes. A participação das comissões permanentes do Senado Federal no exame da proposta orçamentária anual. Texto para discussão n. 13. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.

http://bd.camara.gov.br

Marta Mendes da Rocha & Cássio Felipe Barbosa. Regras, incentivos e comportamento: as comissões parlamentares nos países do Cone Sul.In: Revista de Sociologia Política v. 16, ago.

Curitiba: UFPR, 2008.

Maria Abadia Furtado de Oliveira. A efetividade da deliberação legislativa em sede de comissão.

Brasília: Unilegis, 2005.

Estudio comparativo de 88 parlamentos nacionales. Suiza: UNIÓN INTERPALAMENTARIA, 2007.

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87

permanentes e mistas, como a Mista de Planos, Orçamentos Públicos e

Fiscalização; de Representação Brasileira do Parlamento do MERCOSUL;

temporárias; e parlamentares de inquérito (CPI e CPMI).

As comissões parlamentares de inquérito (CPI) podem ser criadas pela

Câmara dos Deputados, pelo Senado ou pelo Congresso para apurar os fatos. A

CPI possui poderes de investigação próprios de autoridades judiciais, bem como

outros previstos nos regimentos do Congresso. Se pertinentes, as conclusões da

CPI são encaminhadas ao Ministério Público para oferecimento de denúncia.

As comissões e seus objetivos são definidos no regimento ou no ato de sua

criação, e tem como função precípua, entre outras competências, aprovar leis que

dispensam aprovação pelo plenário; realizar audiências públicas141 com entidades da

sociedade civil; convocar ministros de Estado para prestar informações sobre temas

em debate nas comissões; e solicitar depoimentos de qualquer autoridade ou

cidadão (artigo 58).

As comissões mistas (CM) podem ser permanentes, de inquérito ou

temporárias, possuem normas de funcionamento definidas pelo Regimento Comum,

são integradas por senadores e deputados. São elas: a de Orçamento e a do

MERCOSUL; a Temporária dos Correios; a Destinada à Apreciação de Veto do

Presidente da República ao Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional; a de

Apreciação das Medidas Provisórias; a de Planos, Orçamentos Públicos e

Fiscalização; a de Representação Brasileira do Parlamento do MERCOSUL.

141

Conforme o artigo 255 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, as audiências públicas

são convocadas para instruir matéria legislativa em trâmite e tratar de assuntos de interesse público relevante, em suma, para ouvir especialistas e conhecer a opinião pública.

Bruno Batista da Costa de Oliveira. A participação popular no processo legislativo. O Exercício da Cidadania ativa e o discurso no Estado Democrático de Direito no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito. São Paulo: USP. pp. 1-198 e pp. 178-179.

Para comparação entre o número de audiências públicas entre Brasil e EUA, refira-se Tese de Doutorado da UNB de Leany Barreiro de Sousa Lemos: “As audiências públicas, em 30 anos, ultrapassaram 47 mil, nos EUA; e em 16 anos, no Brasil, chegaram a cerca de 1.500.” Leany Barreiro de Sousa Lemos. Controle Legislativo em Democracias Presidencialistas: Brasil e EUA em perspectiva comparada. Tese de Doutorado em Ciência Política. Brasília, UNB: 2005. pp. 1-191. p.

100

Para uma noção das audiências públicas no âmbito do Poder Judiciário, vide:

Regina Lírio do Valle (Coord.) Audiências públicas e ativismo. Diálogo Social no STF. Belo Horizonte:

Editora Fórum: 2012.

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As comissões especiais (CE) têm por finalidade emitir pareceres sobre

proposições em situações especiais (PEC, Códigos, entre outras) ou examinar

assuntos peculiares. As comissões externas acompanham temas específicos em

lugar fora da sede da Câmara dos Deputados.

As CPIs detêm poderes investigatórios próprios de autoridades policiais e

outros previstos no Regimento da Casa. São temporárias e podem atuar durante o

recesso parlamentar; contam com o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até

metade, por deliberação do plenário, para conclusão dos trabalhos. Tanto as CPIs

como as CPMIs visam diligenciar fato relevante para a vida pública e a ordem

constitucional, legal, econômica ou social do país. Têm poderes de investigação

equiparados aos das autoridades judiciais – ordenar diligências; ouvir indiciados;

inquirir testemunhas, requisitar informações e documentos a órgãos e entidades da

administração pública; requerer audiência de deputados e ministros de Estado;

tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais; requisitar

serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais.

No uso de suas atribuições podem deslocar-se a qualquer localidade do

território nacional para investigar e realizar audiências públicas e estipular prazo

para o atendimento a qualquer providência ou realização de diligência sob as penas

da lei, exceto quando da alçada de autoridade judiciária.

3. Da Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados do Brasil integra o Poder Legislativo brasileiro, é

composta de 513 deputados, os quais são eleitos mediante o voto proporcional para

um mandato de quatro anos. Em suma, é composta por representantes do povo,

eleitos, pelo sistema proporcional, em cada estado, em cada território e no Distrito

Federal. O número total de Deputados, bem como a representação por estado e

pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcional à

população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições,

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para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais

de setenta deputados. Cada território elegerá quatro deputados142.

Como representação federal, o número de cadeiras por estado é distribuído

segundo o de habitantes por estado, conforme mede o IBGE no censo. Alertamos

que essa semiproporcionalidade permite que o estado de Roraima seja

representado por um deputado para cada 49 mil habitantes, enquanto São Paulo,

por um deputado para cada 571 mil habitantes, o que gera uma distorção na nossa

democracia representativa, no tocante ao valor de cada voto e na representatividade

dele decorrente. Mas, diante da distorção apresentada, uma reflexão se impõe

quanto à afirmação de que toda a sociedade está devidamente representada.

3.1. Competência privativa da Câmara dos Deputados

Na Seção III, o artigo 51 estabelece que privativamente à Câmara dos

Deputados:

I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao

142

Sobre o tema da igualdade de voto e da federação, deve referir-se ao cado julgado pelo Supremo

Tribunal Federal, de ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. (artigo 102, ‘caput’), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.” (ADI 815, Relator(a): Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/1996, DJ 10-05-1996 PP-15131 EMENT VOL-01827-02 PP-00312).

Para consulta:

Arlindo Fernandes de Oliveira. Sobre a representação dos Estados na Câmara dos Deputados. Textos para Discussão n. 5, Consultoria Legislativa do Senado Federal, abril. Brasília: Senado Federal, 2004. http://www.senado.gov.br

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Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa; III - elaborar seu regimento interno; IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (EC nº 19/1998); V - eleger membros do Conselho da República, nos termos do artigo 89, VII. (grifo nosso)

3.2. Da Mesa Diretora

Compete à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados dirigir os trabalhos

legislativos e os serviços administrativos da Casa. A Presidência - um presidente e

dois vice-presidentes - e a Secretaria - quatro secretários e quatro suplentes -

formam a Mesa Diretora. Seus membros efetivos não podem integrar lideranças

partidárias nem comissões permanentes, especiais ou de inquérito, como rege o

artigo 14 do Regimento Interno.

3.3. Órgãos da Câmara dos Deputados

3.4. Colégio de Líderes

O Colégio de Líderes representa o órgão de discussão e negociação política

ao processo legislativo, visando conciliar os diferentes interesses das categorias

representadas na Casa, sendo composto pelos líderes da maioria, da minoria, dos

partidos, dos blocos parlamentares e do Governo.

No Colégio, os deputados, agregados em representações partidárias ou blocos

parlamentares, elegem seus líderes. Estes possuem as seguintes competências:

encaminhar votações nas comissões e no plenário, em que podem se expressar

oralmente a qualquer momento da sessão para falar sobre assunto de relevância

nacional ou defender determinada linha política; indicar deputados para compor

comissões técnicas; e registrar candidatos para concorrer aos cargos da Mesa

Diretora.

3.5. Das Comissões

As comissões são órgãos criados para grupos menores de parlamentares,

como já vimos. Na Câmara destacam-se os trabalhos realizados pela Comissão de

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Legislação Participativa, que fornecem à sociedade civil a possibilidade de acessar o

sistema de produção das normas do ordenamento jurídico do país. Assim, ações

civis e empresariais podem apresentar diretamente ao Parlamento sua percepção

sobre problemas, demandas e necessidades sociais. Nessa Casa, há comissões

permanentes (CP), comissões temporárias (CT), comissões mistas (CM), comissões

especiais, comissões externas e comissões parlamentares de inquérito (CPI).

As comissões permanentes constituem órgãos técnicos criados pelo

Regimento Interno da Casa e constituídos de deputados para debater e votar

propostas de lei apresentadas à Câmara. Quanto a algumas proposições ou

projetos, elas emitem opinião técnica acerca do assunto, mediante pareceres, antes

de o tema ser analisado pelo plenário. No que concerne a certas proposições, elas

decidem, aprovando-as ou rejeitando-as, sem necessidade de aprovação do

plenário da Casa, sendo denominado esse procedimento de conclusivo ou

terminativo. Quanto aos seus membros e presidência, são renovadas a cada sessão

legislativa - ou a cada ano.

As comissões permanentes da Câmara são as seguintes: Comissão de

Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – CAPADR;

Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional –

CAINDR; Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática – CCTCI;

Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC; Comissão de Defesa

do Consumidor – CDC; Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e

Comércio – CDEIC; Comissão de Desenvolvimento Urbano – CDU; Comissão de

Direitos Humanos e Minorias – CDHM; Comissão de Educação e Cultura – CEC;

Comissão de Finanças e Tributação – CFT; Comissão de Fiscalização Financeira e

Controle – CFFC; Comissão de Legislação Participativa – CLP; Comissão do Meio

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CMADS; Comissão de Minas e Energia

– CME; Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional – CREDN;

Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado – CSPCCO;

Comissão de Seguridade Social e Família – CSSF; Comissão de Trabalho, de

Administração e Serviço Público – CTASP; Comissão de Turismo e Desporto – CTD;

Comissão de Viação e Transportes – CVT.

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Já as comissões temporárias (CT) são assim denominadas pois analisam

matérias que se extinguem ao fim da legislatura, ou antes, do término dela – quando

atingido o objetivo a que se destinam ou expirado o prazo de duração. Também

apreciam denúncias contra crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente e

vice-presidente da República ou pelo ministro de Estado.

3.6. Do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Esse órgão é responsável pelo processo disciplinar, o qual aplica

penalidades, quando do descumprimento das normas relativas ao decoro

parlamentar na esfera da Câmara dos Deputados. Cabe a ele o procedimento

disciplinar e atribuição das devidas penalidades. Consiste em colegiado formado por

15 membros titulares e igual número de suplentes, com mandato de dois anos, os

quais não podem ser substituídos a qualquer tempo, como acontecem nas outras

comissões.

O Conselho é responsável, entre outras atribuições, por zelar pela

observância aos preceitos éticos, cuidar da preservação da dignidade parlamentar e

ainda responder a consultas da Mesa, das comissões e dos deputados sobre

matéria de sua competência. Em caso de instauração de processo disciplinar, esse

órgão atua mediante provocação da Mesa da Câmara dos Deputados e dos partidos

políticos com representação no Congresso Nacional. Em outras situações, por

provocação das comissões e dos deputados.

O Conselho de Ética possui regulamento próprio, que enumera os

procedimentos a serem observados no processo disciplinar, consoante o disposto no

Código de Ética e de Decoro Parlamentar e no Regimento Interno da Câmara dos

Deputados.

3.7. Procuradoria Parlamentar

A Procuradoria Parlamentar atua em colaboração com a Mesa, na defesa

judicial e extrajudicial da Casa, por advogado, do Ministério Público ou da

Advocacia-Geral da União, e requer publicidade reparadora, direito de resposta e de

indenização por dano moral ou material, caso algum órgão de comunicação veicule

matéria ofensiva à Casa ou aos seus membros. É composto por onze membros,

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indicados pelo presidente da Câmara, com mandato de dois anos, e seu

funcionamento é regido pelo artigo 21 do Regimento Interno, e contam com corpo

jurídico.

Em outras palavras, sua função é de defender a Câmara dos Deputados,

seus órgãos e seus integrantes no exercício do mandato ou das suas funções

institucionais, quando atingidos em sua honra ou imagem perante a sociedade, além

de preservar a imagem da instituição e a integridade moral dos parlamentares.

3.8. Dos corregedores

Após eleita, a Mesa da Câmara indica quatro de seus membros efetivos para

se responsabilizarem pelos cargos de corregedor e corregedores substitutos, pela

manutenção do decoro, da ordem e da disciplina no âmbito da Casa. O corregedor é

quem preside inquérito que envolva deputado.

3.9. Procuradoria Especial da Mulher

A Procuradoria Especial da Mulher tem a atribuição de receber e encaminhar

aos órgãos competentes as denúncias e anseios da população, mediante a

discussão e aprovação de projetos de lei, projetos de emenda à Constituição e

discussão de políticas públicas que venham garantir e assegurar os direitos já

conquistados pelas mulheres.

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3.10. Ouvidoria Parlamentar143

A Ouvidoria Parlamentar integra a Presidência da Casa e foi criada para

funcionar como canal de interlocução entre essa Casa e a sociedade, portanto suas

atribuições são: receber e examinar demandas dos cidadãos, encaminhá-las aos

órgãos competentes, quando necessário, e, principalmente, responder a todas as

demandas formuladas pela sociedade civil. Dessa forma, através da Ouvidoria, o

cidadão pode manifestar, à Câmara Federal, sua opinião, suas críticas, seus

desabafos ou mesmo fazer sugestões que impliquem no aprimoramento das

atividades do Parlamento. As manifestações, quando ocorrem repetidamente, são

encaminhadas ao presidente da Casa, aos líderes dos partidos e aos parlamentares,

para que tenham ciência da opinião da sociedade civil sobre determinado tema.

À Ouvidoria cabe, ainda, orientar os cidadãos sobre projetos de lei em trâmite

pela Casa, facilitando seu acesso a ela, órgão constituído de um ouvidor-geral e dois

ouvidores substitutos, designados pelo presidente da Câmara, com mandato de dois

anos, vedada a recondução, suas ações são divulgadas pelos órgãos de

comunicação da Casa.

4. Do Senado

O Senado Federal representa a Câmara Alta do Congresso Nacional

brasileiro. Atualmente, o Senado Federal conta com 81 membros. Os senadores, em

143 Sobre Ombudsman e Ouvidoria Parlamentar, podem-se consultar:

Carlos Alberto Provenciano Gallo. O “Ombudsman” parlamentar do Direito Sueco. In: Revista

Informação Legislativa janeiro a março. Brasília: Senado Federal, 1976.

____. O ombudsman no direito dinamarquês. In: Revista Informação Legislativa ano 20, n. 70, jul./set.

Brasília: Senado Federal, 1983. pp 137-146.

Osmar Alves de Melo. O ombdusman parlamentar.In: Revista Informação Legislativa ano 17, n. 67,

jul./set. Brasília: Senado Federal, 1980.pp.119-126

Daisy de Asper Valdés y. Ombudsman: um mecanismo democrático para o controle da

administração..In: Revista Informação Legislativa ano 27 n. 106, abr./jun. Brasília: Senado Federal,

1990. pp131-152.

Daisy de Asper Valdés y Gerald Caiden. A instituição do ombudsman: aspectos da maturidade.

Revista Informação Legislativa ano 37, n. 145, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 2000. 201-212.

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número de três por estado e pelo Distrito Federal, são eleitos entre brasileiros

maiores de 35 anos no exercício pleno dos direitos políticos. As 27 unidades da

Federação – 26 estados e Distrito Federal – possuem a mesma representatividade.

Eles representam os estados e não a população, o que resulta na

desproporcionalidade em relação ao número de habitantes de cada estado. Sua

função é representativa. Seu mandato é de oito anos, com reeleição ilimitada,

embora as eleições sejam de quatro em quatro anos; assim, renovam-se,

alternadamente, 1/3 e 2/3 da representação dos estados e do Distrito Federal.

Cada Senador será eleito com dois suplentes; salvo disposição constitucional

em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas

por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. As eleições

para senador são realizadas junto com as eleições para presidente da República,

governador, deputado federal e estadual, dois anos após as eleições municipais.

O cargo de presidente do Senado Federal deve ser preenchido apenas por

brasileiro nato, para mandato de dois anos, sem possibilidade de reeleição na

mesma legislatura.

4.1. Da sua competência

Na Seção IV, está o Senado, e sua a competência privativa vem estabelecida

no artigo 52 e seus incisos:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (EC nº 23/1999); II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (EC nº 45/2004); III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição; b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; c) Governador de Território; d) Presidente e diretores do banco central; e) Procurador-Geral da República; f) titulares de outros cargos que a lei determinar; IV - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da

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União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal; VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno; IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; XI - aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato; XII - elaborar seu regimento interno; XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (EC nº 19/1998); XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termos do artigo 89, VII; XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. (EC nº 42/2003).(grifo nosso)

No seu parágrafo único: nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará

como Presidente o Presidente do Supremo Tribunal Federal. A condenação deverá

ser proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, acarretará na perda do

cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem

prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

4.2. Órgãos do Senado Federal

A Mesa do Senado é formada por um presidente, dois vice-presidentes e

quatro secretários, os quais, na ausência dos vice-presidentes, substituirão o

presidente consoante uma numeração ordinal. Quando os secretários estiverem

impedidos, serão substituídos por suplentes - quatro. Os integrantes da Mesa

cumprirão mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período subsequente (§

4º, artigo 57, CF/88), e serão eleitos por escrutínio secreto, com exigência de

maioria de votos e assegurada à participação proporcional das representações,

quando possível.

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4.3. Conselho de Ética e Decoro Parlamentar

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar objetiva fazer cumprir o Código de

Ética e Decoro Parlamentar, instituído pela Resolução nº 25, de 1993. Como na

Câmara o Conselho de Ética possui regulamento próprio, que enumera os

procedimentos a serem observados no processo disciplinar, consoante o disposto no

Código de Ética e no Regimento Interno do Senado Federal, prescreve os deveres

fundamentais dos senadores, tais como defender os interesses populares e

nacionais; exercer o cargo com honra, dignidade e respeito à vontade popular e às

instituições democráticas; velar pela ordem legal e institucional do país e pelas

instituições representativas e democráticas; estar presente durante as sessões

legislativas - ordinária e extraordinária - e nas sessões plenárias.

4.4. Corregedoria Parlamentar

A Resolução nº 17, de 1993, dispõe acerca da criação da Corregedoria

Parlamentar, composta de um corregedor e três corregedores substitutos, eleitos da

mesma forma que os outros membros da Comissão Diretora. Ao corregedor e aos

substitutos compete cumprir as determinações da Mesa relativas à segurança

interna e à externa da Casa; zelar pela manutenção da ordem, da disciplina e do

decoro na esfera do Senado; realizar sindicâncias sobre denúncias de ilícitos no

Senado referentes a senadores. Ao corregedor cabe ainda baixar provimentos, a fim

de evitar perturbações da ordem nas instalações da Casa, supervisionando até a

proibição de porte de arma.

4.5. Procuradoria Parlamentar

A Procuradoria Parlamentar - criada pela Resolução nº 40, de 1995 -,

objetiva, por determinação da Mesa Diretora e em conjunto com ela, promover a

defesa do Senado, em face da sociedade, se atingida a imagem e a honra do

senador em função do exercício do mandato. Ela é constituída por cinco senadores,

que cumprem mandato de dois anos, renováveis uma vez. É de competência da

Procuradoria Parlamentar, entre outras, instaurar as medidas judiciais e

extrajudiciais necessárias à reparação de danos decorrentes de matéria ofensiva ao

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Senado ou aos seus membros, veiculada pela imprensa ou por outros meios de

comunicação, bem como encaminhar à Corregedoria tema que se relacionar a

ofensa a senador.

4.6. Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz

O Senado Federal conta igualmente com o Conselho do Diploma Mulher-

Cidadã Bertha Lutz, constituído a partir da Resolução nº 2, de 2001, o qual é

responsável por indicar cinco mulheres que tenham realizado algo de relevância em

prol da defesa dos direitos da mulher, a fim de que sejam agraciadas com o Diploma

Mulher-Cidadã Bertha Lutz em cerimônia realizada em 8 de março, Dia Internacional

da Mulher. O Conselho é formado por um senador de cada partido; eles escolherão,

anualmente, entre seus membros, seu presidente (coordenador dos trabalhos) e

enviarão à Mesa do Senado os nomes das candidatas designadas por eles com o

currículo de cada uma delas e a justificativa da opção.

4.7. Das Comissões no Senado Federal

No atual sistema político nacional, ganham importância as comissões

temáticas permanentes do Senado, pois possuem valor para as instituições

democráticas uma vez que definem e acompanham as diretrizes de execução das

políticas públicas, além de exercer controle político de diversos órgãos executivos do

país.

Tal responsabilidade recai no Senado porquanto ele constitui o órgão

constitucionalmente responsável pelos temas mais delicados referentes à estrutura

estatal, tais como política externa e financeira, bem como é formado por

representantes dos estados federativos e do Distrito Federal, o que lhe confere

competência para representar os mais amplos interesses da nação.

As comissões permanentes possuem caráter técnico-legislativo ou

especializado, e visam examinar proposições a elas submetidas e fiscalizá-las,

elaborando parecer segundo o disposto no Regimento Interno do Senado. Elas

fiscalizam os atos do Poder Público Federal na esfera dos respectivos campos de

atuação. As comissões permanentes podem também ser divididas em

subcomissões, cada uma delas com missão e objetivos específicos.

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No Senado, as comissões temáticas permanentes são as seguintes:

Comissão de Assuntos Econômicos – CAE; Comissão de Assuntos Sociais – CAS;

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ; Comissão de Educação,

Cultura e Esporte – CE; Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e

Fiscalização e Controle – CMA; Comissão de Direitos Humanos e Legislação

Participativa – CDH; Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – CRE;

Comissão de Serviços de Infraestrutura – CI; Comissão de Desenvolvimento

Regional e Turismo – CDR; Comissão de Agricultura e Reforma Agrária – CRA;

Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação – CCT; Comissão

Permanente Mista sobre Mudanças Climáticas – CMMC; Comissão Mista de Planos,

Orçamento Público e Fiscalização – CMO.

Essas comissões podem ser conformadas igualmente pelas subcomissões:

Subcomissão de Turismo – Caestur; Subcomissão do Idoso – Casid; Subcomissão

da Exploração do Trabalho e Prostituição Infantil – Casij; Subcomissão de Moradia e

Desenvolvimento Urbano – CASMDU; Subcomissão da Saúde – Cassaud;

Subcomissão do “Judiciário” – CCJSJ; Subcomissão Permanente de Cinema,

Comunicação e Informática – CESCCI; Subcomissão Permanente do Esporte –

Cese; Subcomissão Permanente do Livro – CESL; Subcomissão de Rádio e TV –

CESRTV.

Além das temáticas permanentes, o Senado também possui comissões

parlamentares de inquérito (CPI), as quais são mais notórias e instituídas para

apurar determinados fatos. A CPI, que consiste em investigação conduzida pelo

Poder Legislativo, transforma a casa parlamentar em comissão para ouvir

depoimentos e tomar informações diretamente, quase sempre para satisfazer

reclamos populares.

Elas podem ser instauradas pelo Senado, pela Câmara dos Deputados ou

pelo Congresso Nacional em conjunto; têm poderes investigatórios próprios de

autoridades policiais e outros previstos nos regimentos de cada Casa (§ 3o, artigo

58, CF/88), tais como quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados (até dados

telefônicos); requisitar informações e documentos sigilosos às instituições

financeiras ou pelo Bacen ou pela CVM, se previamente aprovado pelo Plenário da

CD, do Senado ou das respectivas CPI (§ 1o, artigo 4o, LC 105); ouvir testemunhas

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(caso não compareçam, serão conduzidas coercitivamente); ouvir investigados ou

indiciados. Em algumas situações, como já citado, as conclusões de uma CPI são

remetidas ao Ministério Público para instauração de processo.

Os poderes das CPIs, porém, não equivalem aos dos magistrados, pois

alguns desses poderes assegurados pela Constituição não são outorgados às

comissões parlamentares, como entende o Supremo Tribunal Federal (MS 23.452).

A CPI não pode, portanto, efetuar prisões (salvo em flagrante de delito, como se um

depoente prestar falso testemunho); autorizar interceptação telefônica (não confundir

com quebra de sigilo telefônico) ou ordenar busca domiciliar.

Quando é formada em conjunto pelo Senado e pela Câmara, denomina-se

comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) e necessita tanto das 27

assinaturas dos senadores quanto do apoio de 171 deputados (um terço dos

membros da Câmara). Por exemplo, houve no Senado as seguintes comissões

parlamentares de inquérito: CPI “ONGs”; CPI “Futebol”; CPMI “Roubo de Cargas”; e

CPMI “MST”.

O Senado também pode criar comissões especiais (CE), que possuem

objetivos predeterminados por deliberação do plenário, em função de proposta da

Mesa ou de um terço dos senadores. Exemplificando: CE “Brasil-Canadá”; CE “Rio

São Francisco”; CE Mista “Centenário JK”; CE Mista “Combate à Pobreza”; CE Mista

“Crise Energética”; CE “Segurança”.

5. Da atribuição ao Congresso da Fiscalização, Contábil, Financeira e

Orçamentária

As atribuições quanto a Fiscalização, Contábil, Financeira e Orçamentária,

está prevista na Seção IX no artigo 70, que prescreve que a fiscalização contábil,

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da

administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,

aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso

Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada

Poder.

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No parágrafo único prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública

ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e

valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma

obrigações de natureza pecuniária. (EC nº 19/1998).

5.1. Controle externo com auxílio do Tribunal de Contas

No artigo 71 o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será

exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado

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Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. (grifo nosso)

5.2. Dos Contratos considerados irregulares pelo TCU.

Em seu § 1º prevê que

No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. No § 2º se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. No § 3º ss decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. E no § 4º que o Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades. (grifo nosso)

No artigo 72 há a previsão da Comissão mista permanente a que se refere o

artigo 166, §1º,

diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários. No seu § 1º estabelece que não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias. Já no § 2º dispõe que, entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional sua sustação. (grifo nosso)

5.3. A composição do Tribunal de Contas da União144

O Tribunal de Contas da União e sua composição estão no art. 73. Será

composta por nove ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de

144

No artigo 75 diz que as normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à

organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete conselheiros.

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pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as

atribuições previstas no artigo 96.

Quanto à nomeação, o “

§ 1º prevê que os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; II - idoneidade moral e reputação ilibada; III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

A forma de escolha está prevista

no § 2º, que determina que os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento; II - dois terços pelo Congresso Nacional.

E as garantias

no § 3°, pois os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do artigo 40. (EC nº 20/1998). § 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

6. Do controle interno

Controle interno tem previsão no artigo 74.

Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle

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das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. Assim, no § 1º os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. E quanto ao cidadão, o § 2º dispõe que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. (grifo nosso)

7. Do Processo Legislativo

Leciona José Afonso da Silva que processo legislativo

é um conjunto de atos preordenados visando à criação de Direito. Esses atos são: (a) iniciativa legislativa; (b) emendas; (c) votação; (d) sanção e veto; (e) promulgação e publicação.145 E como

procedimento legislativo o modo pelo qual os atos do processo legislativo se realizam, (...) é o que na prática se chama de tramitação do projeto. No sistema brasileiro, podemos distinguir (1) procedimento legislativo ordinário; (2) procedimento legislativo sumário; e (3) procedimento legislativo especiais.

Colocando de forma clara a distinção existente entre os dois institutos.146

O objetivo do processo legislativo consiste na positivação do direito estatal,

com o fim de, ao criar a lei, sintetizar as divergências e as contradições das facções

do parlamento; portanto, diferenças ocorrem e são particulares do processo

legislativo, que derivam das características próprias do órgão em que se desenrola e

da norma que resulta do seu desenvolvimento.

Em primeiro lugar, as fontes que norteiam e disciplinam o processo legislativo

se encontram nos princípios estabelecidos na própria Constituição e pelos

regulamentos parlamentares, enquanto as dos processos administrativos e

judiciários estão na própria lei.

145

Cf. José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo, Malheiros: 2001, p.

526.

146 José Afonso da Silva, 2001, Op. cit., p. 526.

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Em segundo, a reserva de regulamentação parlamentar traz peculiaridades

no processo legislativo que não ocorrem nos outros dois procedimentos referidos.

Destaca-se que, cabe aos próprios órgãos que exercitam a função legislativa, a

competência exclusiva de fixar regras de tal exercício; circunstância reforçada pela

jurisprudência ao decidir que vícios formais somente são objetos de análise quando

da violação direta das normas constitucionais referentes ao processo legislativo, e

não por violação das normas dos regulamentos parlamentares.

Outra característica que deve ser levada em conta reside na não obrigação

jurídica a proceder à fase sucessiva até a sua conclusão, pois tanto o exame de um

projeto de lei quanto o que se segue a ele dependem inteiramente das escolhas

políticas da maioria parlamentar, livres para “abafar” o projeto, deixando-o inscrito na

ordem do dia sem discuti-lo, ou melhor, sem que se chegue a sua votação final.

Por fim, todas as especificidades do processo legislativo conduzem àquela

que é a característica principal: o de ser, por definição, um processo de tipo político

destinado a produzir atos que são frutos das escolhas políticas dos órgãos também

políticos, como são as Assembleias e o Congresso Nacional. Consequentemente, o

processo legislativo é um procedimento disciplinado por poucas normas

inderrogáveis, como as contidas nos artigos da Constituição, e por muitas

disposições elásticas em sua aplicação, como as contidas nos regulamentos

parlamentares.

7.1. Processo Legislativo na Constituição Federal

Essas peculiaridades, colocadas anteriormente, decorrem dos próprios

princípios constitucionalmente adotados em que o processo legislativo estará

inserido, motivo pelo qual, pela leitura do preâmbulo da Carta de 1988, observamos

alguns adotados pelo constituinte.

Por consequência, é imperioso ao processo legislativo na produção da lei,

senão, como salienta Hilda de Souza:

Resta fraudado o princípio fundador democrático do Estado e do Direito brasileiro, enunciado na primeira cláusula de nossa Constituição e não teremos a garantia dos conteúdos axiológicos e

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democráticos, os quais devem se encontrar expostos não apenas na lei mais também na maneira estabelecida para a sua formação.147

7.1.1. Os Princípios do processo legislativo

Para José Afonso da Silva, o processo legislativo é informado por alguns

princípios gerais, sendo os principais: a) o princípio da publicidade; b) o da

oralidade; c) o da separação da discussão e votação; d) o da unidade da

legislatura; e) o do exame prévio dos projetos por comissões parlamentares.148

Explica que esses princípios pertencem ao aspecto dinâmico do processo

legislativo; informam a parte do processo que denomina procedimento legislativo no

qual se desenvolvem as fases da elaboração da lei.149

Sidney Guerra e Gustavo Merçon, comentando a importância dos princípios

constitucionais do processo legislativo, no sentido jurídico imposto pela

Constituição brasileira, lecionam que:

É de tal monta a ponto de recair a obrigatoriedade de sua observância para todos os entes da federação e, se não bastasse, passa a ser também direito público subjetivo dos parlamentares, onde o descumprimento das regras constitucionais enseja legitimidade ativa para esses últimos se socorrerem ao Poder Judiciário, por meio de interposição de Mandado de Segurança. 150

Vai ser no Título IV da Organização dos Poderes, em seu Capítulo I, Seção

VIII, as questões do processo legislativo, que a Constituição de 1988 estabelece as

147

Cf. Hilda de Souza. Processo Legislativo: linhas jurídicas essenciais. Porto Alegre: Sulina: 1998,

p.30.

148Cf. José Afonso da Silva. Dos Princípios no processo de formação das leis no direito constitucional.

São Paulo, Malheiros: 2007, p. 37.

Consulte-se também: Márcia Maria Corrêa de. Azevedo. Prática do Processo Legislativo.São Paulo:

Atlas, 2001.

149 Para efeito de controle do processo legislativo, em caso de uma EC à Constituição Estadual, deve

ser analisada por dois ângulos: se for norma de repetição, o STF entende que pode ser: ao Tribunal

de Justiça, ou, e se for ao STF, deverá ser por procedimento normal da Adin. Caso seja se for norma

de imitação deverá o Tribunal de Justiça pronunciar, sem recurso posterior ao STF, pois é questão de

autonomia.

150 Cf. S. Guerra & G. Merçon Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio de Janeiro:

América Jurídica, 2002. p. 251.

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matérias relacionadas à iniciativa, elaboração, sanção, veto e promulgação, bem

como as competências legislativas referentes a cada poder.

É de ser revelado, que de um modo genérico, a lei, na experiência

constitucional brasileira, é definida por seu regime jurídico e por sua forma; logo, lei

é todo ato normativo revestido de forma de lei. Assim, à exceção da emenda

constitucional, todas as espécies contidas no art. 59 da Constituição Federal são

leis.151 Por sua vez, só os atos legislativos que estão dispostos nesse artigo

adquirem força de lei; em outras palavras, não cabe ao legislador ordinário aumentar

esse número, a não ser via reforma constitucional. Essa determinação está baseada

no princípio da tipicidade das leis.152

Não é outro o entendimento de Jorge Miranda, ao afirmar que: “o princípio da

fixação das formas de lei guarda um de seus corolários de que só são actos

legislativos os definidos pela Constituição nas formas por ela prescrita”.153

O art. 59 do Título IV da Organização dos Poderes do Capítulo I da Subseção

I da Constituição Federal estabelece que o processo legislativo compreende a

elaboração de: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis

delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; VII. resoluções. Além disso,

em seu parágrafo único, determina que lei complementar disponha sobre a

elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. No entanto, espécie

legislativa não se deve confundir com espécies normativas.

No exercício do poder normativo de que é titular, o Estado tem em vista a

produção de regras ou comandos jurídicos que podem assumir umas das seguintes

formas, de acordo com nível de atuação do referido poder normativo: em nível

constituinte, emendas constitucionais; em nível legislativo, leis complementares à

constituição, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos

legislativos e resoluções; em nível regulamentar, decreto regulamentar ou decreto

151

Cf. Clèmerson Merlin Clève. Atividade legislativa do Poder Executivo. 3ª Ed. São Paulo, Revista

dos Tribunais, 2011, p. 68.

152Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011, Op. cit., p. 66.

153 Cf. Jorge Miranda. Manual de Direito constitucional: actividade constitucional do Estado. Coimbra,

Coimbra: 1997. pp. 202-204.

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de execução, decreto autônomo ou independente, portaria, circular, aviso, ordem de

serviço154.

7.2. Do Regimento Interno

No Título XV do Regimento Interno do Senado Federal, o processo legislativo

obedece a determinados princípios gerais, semelhantes aos do Regimento Interno

da Câmara, onde estão dispostos os seus princípios gerais. A saber:

Artigo 412. A legitimidade na elaboração de norma legal é assegurada pela observância rigorosa das disposições regimentais, mediante os seguintes princípios básicos: I – a participação plena e igualitária dos senadores em todas as atividades legislativas, respeitados os limites regimentais; II – modificação da norma regimental apenas por norma legislativa competente, cumpridos rigorosamente os procedimentos regimentais; III – impossibilidade de prevalência sobre norma regimental de acordo de lideranças ou decisão de Plenário, exceto quando tomada por unanimidade mediante voto nominal, resguardado o quórum mínimo de três quintos dos votos dos membros da Casa; IV – nulidade de qualquer decisão que contrarie norma regimental; V – prevalência de norma especial sobre a geral; VI – decisão dos casos omissos de acordo com a analogia e os princípios gerais de Direito; VII – preservação dos direitos das minorias; VIII – definição normativa, a ser observada pela Mesa em questão de ordem decidida pela Presidência; IX – decisão colegiada, ressalvadas as competências específicas estabelecidas neste Regimento; X – impossibilidade de tomada de decisões sem a observância do quórum regimental estabelecido; XI – pauta de decisões feita com antecedência tal que possibilite a todos os senadores seu devido conhecimento; XII – publicidade das decisões tomadas, exceção feita aos casos específicos previstos neste Regimento; XIII – possibilidade de ampla negociação política somente por meio de procedimentos regimentais previstos.. No artigo 413 A transgressão a qualquer desses princípios poderá ser denunciada, mediante questão de ordem, nos termos do disposto no artigo 404. Parágrafo único. Levantada a questão de ordem referida neste artigo, a Presidência determinará a apuração imediata da denúncia, verificando os fatos pertinentes, mediante consulta aos registros da Casa, notas taquigráficas, fitas magnéticas ou outros meios cabíveis.

154

Cf. Jorge Miranda, 1997, Op. Cit. p. 44.

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8. Da assessoria existente e sua estrutura

A estrutura posta hoje no Congresso está caminhando para contrapor a

assessoria existente do Executivo, mas ainda estamos longe de possuir semelhante

a dos Estados Unidos.155 Portanto, deve ficar claro que a argumentação quanto à

falta de especialização do corpo de assessoramento desses órgãos não pode mais

ser aceita. Os avanços nesse sentido já podem ser constatados.156

Assim, conclui Bittencourt, que o argumento de falta de capacidade técnica de

qualquer uma das Casas Legislativas deve ser descartado, pois hoje em dia, não há

mais base para tal afirmativa. Cita estudo relativo à perspectiva comparativa técnico-

institucional no Legislativo brasileiro, sendo este apontado na literatura como

exceção, entre os países em desenvolvimento.157

Nesse sentido, o Relatório de Integridade da Administração, elaborado pela

OCDE, em 27/10/2011, elogia os avanços do Legislativo brasileiro na elaboração de

155

As Comissóes no Congresso Americano. Há pouco tempo me foi indagado o porquê que as

nossas comissões não teriam um papel similar as do Congresso dos Estados Unidos. Em primeiro lugar, lá as comissões, desde a sua origem, deu-se com uma autonomia técnica, produzindo consultoria. Surge então as comissões permanentes para atuar com tópicos recorrentes ou legislação e afeta todo o Parlamento, compartilhando sua atribuição legislativa, redatora, revisora e supervisionadora das leis, recomendando medidas que dificilmente geram ação contrária por parte dos parlamentares. Para tanto, possuem um aparato complexo, totalizando 250 comissões e subcomissões, com uma equipe de assessoria por volta de 2.200 funcionários na Câmara e 1.200 no Senado, que desempenham papel fundamental na negociação com legisladores, lobistas, servidores públicos, além da relevantíssima função de montar estratégias políticas, podendo, para tanto, viajar para o exterior com intuito de conduzir investigações em outros ramos em países diversos, no sentido de aperfeiçoar e auxiliar as decisões políticas, suas possíveis alterações ou mesmo criação de leis resultantes de tais estudos. Fora todos esses aparatos, contam ainda com três agências legislativas que operam sob rígidas normas de impessoabilidade e imparciabilidade com a função de dar informações, suportes, análises e pesquisas de projetos. A maior e significativa diferença entre as comissões está na natureza autorizativa ou fiscal, uma vez que a grande maioria pertence à primeira categoria e estão incumbidas de delinear as políticas públicas, bem como fiscalizar as agências executivas com intuito primordial de acompanhar e certificar a condução e execução das políticas por elas responsáveis; a segunda exerce o papel de fiscalização dos gastos, inclusive das campanhas políticas e cumprimento das ações governamentais. As comissões estão presentes nos Parlamentos dos mais diversos países e em cada um há peculiaridades diversas.

156 Cf. Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt. Relações Executivo-Legislativo no Presidencialismo

de Coalizão: um quadro de referência para estudos de orçamento e controle. Textos para Discussão

n. 112, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, abril. Federal. Brasília: Senado, 2012.

Pode ser referida a Resolução da Câmara dos Deputados n. 48 de 1993 que dispõe sobre a

assessoria legislativa.

157 Cf. Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt, 2012. Op. Cit. p.35.

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projetos de consolidações juntamente com a ressalva do fortalecimento do ambiente

institucional para a reforma regulatória. Trata-se de um marco a ser lembrado, pois

foi a primeira vez que o Brasil foi alvo de avaliação dessa instituição.

Primeiro, na estrutura fixa das Casas, esse assessoramento se dá por

funcionários efetivos que ingressaram por concursos – cabe dizer que, por meio de

rigorosos processos de seleção – além do assessoramento de cada gabinete,

inclusive nas lideranças partidárias, onde encontramos os cargos em comissão. Em

entrevistas realizadas com a finalidade de apurar o funcionamento dos trabalhos no

Legislativo, veio à tona a questão do quadro escasso de técnicos, apesar da

excelência dos existentes, para a demanda necessária.

O Senado criou uma Universidade do Legislativo,158 na Câmara dos

Deputados, foi constituído o Cefor, Centro de Formação, Treinamento e

Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados com criação de núcleos de pesquisas

que possuem uma vasta produção científica. Devem ser mencionados igualmente o

Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos do Senado Federal (Cedesen) e

o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). O assessoramento legislativo tem previsão em

Resoluções da Câmara e do Senado159.

A Revista de Informação Legislativa é referência para os doutrinadores. O

sistema da Interlegis, criado pelo Senado, visa integrar o maior número possível de

entes legislativos do país160.

158

A Resolução nº 1 de 2001 do Senado Federal criou no âmbito deste a Universidade do Legislativo

Brasileiro.

159 A Resolução da Câmara dos Deputados nº 48/93 dispõe sobre a assessoria legislativa e a

Resolução nº 73/1994 do Senado Federal dispõe sobre a Consultoria Legislativa, a Advocacia do

Senado e a Consultoria de Orçamentos. A Resolução n. 28 de 1998 dispõe sobre a reorganização do

Plano de Carreira dos servidores da Câmara dos Deputados. Para assessoramento legislativo,

Consultem-se: Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt. O controle e a construção de capacidade

técnica institucional no parlamento – elementos para um marco conceitual. Textos para Discussão n.

57, março, Brasília, Senado Federal: 2009.

Atyr de Azevedo Lucci. O assessoramento legislativo. Revista de Informação Legislativa, julho a

setembro Brasília, Senado Federal, 1971, pp. 159-172..

160 Por meio da Resolução do Senado Federal n. 12 de 1999, o Brasil contratou operação de crédito

externo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento para financiamento parcial do Programa

Interlegis – Rede de Integração Legislativa, executado pelo Centro de Informática e Processamento

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O avançado sistema de indexação da legislação, elaborado pelas bibliotecas

do Senado e Câmara dos Deputados, possui um sistema padrão.

As Escolas dos Legislativos e dos Tribunais de Contas, em sua produção de

seminários, cursos, aulas e pesquisas, atribuem um novo papel ao Poder

Legislativo, ou seja, o de educador, e também visando à conscientização política

para um efetivo exercício de democracia.

As editoras do Senado e da Câmara dos Deputados têm desenvolvido papel

substancial na formação tanto de servidores como na preservação da história do

parlamento brasileiro, produzindo excelentes obras apreços irrisórios à disposição

para todos os cidadãos interessados.

A informatização, através de portal, disponibiliza o máximo de informações

possível para que haja uma transparência em todas as atividades desenvolvidas no

âmbito das Casas Legislativas, por fim, se algum cidadão se interessar por algum

assunto é só se cadastrar e enviar email para ter o acompanhamento de tudo o que

se refere ao objeto do seu interesse.

Recentemente, permaneceram, por meses, os projetos de consolidações das

leis trabalhistas á disposição de qualquer pessoa para sugestões.

Além de todo exposto, há á disposição o acervo histórico, informações sobre

os integrantes e sua atuação, podendo ser acompanhado os seus trabalhos, a

estrutura interna e externa, mas, infelizmente, como já alertamos, todo esse esforço

institucional passa à margem da sociedade, dos doutrinadores e teóricos de diversas

ciências que influenciam na opinião sobre o Legislativo.

Assim, diante do exposto, não há como compactuar com afirmações de que

no Brasil o despreparo técnico do Legislativo não consegue dar conta das tarefas,

como as competências que haviam sido outorgadas pelo texto constitucional de

1946, que foi objeto de inúmeras críticas, servindo de pretextos, entre outros, para o

golpe de 64 e a instauração do autoritarismo burocrático que perdurou até 1988, e

ousamos dizer até os nossos dias.161

de Dados do Senado Federal – Prodasem, que tem previsão na Resolução n. 57 de 1976 e n. 12 de

1981, ambas do Senado Federal.

161Cf. Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt, 2012. Op. cit. p.23.

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Parece retórica essa afirmação, mas diante dos assuntos mais complexos

que o Legislativo tem que se manifestar, não há como cada vez mais especializar as

estruturas das comissões. Por outro lado, com uma previsão orçamentária própria

esses órgãos colegiados poderiam realizar um número bem mais substantivo de

audiências públicas.162

O papel do Estado desempenhado, no qual o Legislativo se encontra, dá

destaque aos órgãos colegiados por traduzir em espaços democráticos. Não

privilegia nem o trâmite de urgência que amesquinha o debate necessário na

apreciação de proposituras legislativas e acrescenta mecanismos de toda sorte para

a efetiva participação cidadã.

III. DOS LÍDERES E DO COLÉGIO DE LIDERES

1. Da Liderança Partidária163

A previsão normativa da Liderança Partidária se encontra na CF, que prevê

que a organização dos trabalhos legislativos se dê por meio de Regimento interno,

artigo 51, II, e um regimento como no Congresso Nacional, artigo 57, § 3º, inciso II.

A Lei nº 9.096, de 1995, em seu artigo, 12 estabelece que o partido político funcione,

nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada que deverá constituir sua

162

Cf. Paulo Adib Casseb. Processo Legislativo – atuação das comissões permanentes e

temporárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.256

163Sobre Liderança Partidária, consultem-se:

Alcino Pinto Falcão. Voto de liderança como “sub genus” do voto por procuração. In: Revista de

Direito Constitucional e Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

Diogo Alves de Abreu Junior. As lideranças partidárias na Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital

da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. http://bd.camara.gov.br

André Marenco dos Santos. Experiência política e liderança legislativa na Câmara dos Deputados. n.

59. São Paulo: Novos Estudos, 2001.

Rosineth Monteiro Soares. Liderança Parlamentar.In: Revista de Informação Legislativa ano 30, n.

118. Brasília: Senado Federal, 1993.

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liderança de acordo com o estatuo do partido, com as disposições regimentais das

respectivas Casas e as normas destas Instruções.

No âmbito da Câmara dos Deputados, cada partido ou bloco parlamentar tem

direito a escolher um líder quando a representação for igual ou superior a um

centésimo da composição da Câmara (RICD, artigo 9º, caput).

As lideranças são compostas por líderes e vice-líder, com equipe para

analisar em maior profundidade as matérias da agenda legislativa na sua área de

especialidade e auxiliar o Líder na elaboração de justificativas e fundamento para o

posicionamento da Liderança em torno da questão. O Líder também estima a

posição da bancada sobre a pauta legislativa.

O líder partidário é eleito pela maioria absoluta dos integrantes da

representação, no início da legislatura, ou após a criação de bloco parlamentar,

permanecendo no cargo até que nova indicação venha a ser feita, uma vez que é a

bancada que define a duração de mandato do líder e sua possível reeleição.

Um grande número de atribuições do Regimento Interno define o papel do

líder. O líder pode indicar vice-líderes na proporção de um para cada quatro

deputados, ou fração, que compõem a sua representação, podendo designar um

como primeiro-vice-líder (RICD, artigo 9º, § 1º). O vice-líder, quando necessitar

substituir o líder, terá quase todas as suas atribuições regimentais.

Esses possuem as seguintes competências: encaminhar votações nas

comissões e no plenário, em que podem se expressar oralmente a qualquer

momento da sessão, para falar sobre assunto de relevância nacional ou defender

determinada linha política; indicar deputados para compor comissões técnicas e

registrar candidatos para concorrer aos cargos da Mesa Diretora.

A prerrogativa do líder a que os estudos têm dado mais relevância é a contida

no artigo 155 do Regimento Interno, que trata do regime de tramitação conhecido

como urgência urgentíssima. Segundo o dispositivo, através de requerimento,

subscrito pela maioria absoluta dos deputados, ou de líderes que representem esse

número, pode ser solicitado esse tipo de tramitação especial que, se aprovado, com

o quórum da maioria absoluta, determina que a proposição seja remetida para

apreciação plenário da Câmara.

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Ao líder também compete fazer a Comunicação de Liderança, no uso do

direito da palavra a qualquer momento da sessão, podendo ser esta prerrogativa

delegada a qualquer membro de sua bancada nas sessões de debates, em que não

há matérias na pauta para deliberação. Também pode indicar deputados para usar o

tempo da sessão denominado de Comunicações Parlamentares.

Mas, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê outras

prerrogativas: participar, pessoalmente ou por intermédio de seus vice-líderes, dos

trabalhos de qualquer comissão de que não seja membro, sem direito a voto, mas

podendo encaminhar a votação ou requerer a verificação desta; encaminhar, por um

minuto, a votação de qualquer proposição que esteja sujeita à deliberação do

plenário da Câmara; registrar os candidatos do partido ou bloco parlamentar para

concorrer aos cargos da Mesa, e indicar à Mesa os membros da bancada para

compor as comissões e, a qualquer tempo, substituí-los (RICD, artigo 10).

Durante a Ordem do Dia, em caso de votação divergente – simbólica -, seis

centésimos dos membros da Casa - 31 deputados - ou líderes que representem

esse número podem formular pedido de verificação de votação - nominal. E antes do

decurso de uma hora da proclamação de resultado da verificação de votação

anterior, só se procederá a nova verificação por deliberação do plenário, a

requerimento de um décimo dos deputados, ou de líderes que representem esse

número.

A coesão da bancada e a delegação que esta dá ao líder para definir a

agenda de deliberações, bem como fazer uso de todo o poder que desfruta, visa

constituí-lo em um interlocutor privilegiado e fortalecido do partido com o Poder

Executivo, tendo por objetivo conseguir para os liderados, benefícios de patronagem

para suas bases eleitorais. Por esse motivo, é que, além dos deputados da bancada,

também prefeitos, vereadores e lideranças comunitárias procuram o prestígio do

líder partidário para defender suas demandas junto aos órgãos dos governos

federal, estadual e municipal.

Cabe ressaltar que há ausência de dados empíricos164 que levem a

constatação enfática de qualquer estudo relativo às Lideranças Partidárias. O que

164

Estudo desenvolvido através de entrevistas no âmbito interno da Câmara dos Deputados.

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pode ser observado quanto a sua atuação no âmbito do legislativo sob o enfoque de

previsão regimental, da influência da cúpula partidária na escolha do seu líder, da

estrutura posta, de seu funcionamento e de suas prerrogativas. Mesmo assim,

quanto à influência partidária nos seus líderes, o que se pode depreender é que

alguns Estatutos Partidários165 preveem a sua indicação e algumas sanções quanto

à fidelidade partidária, mas, na prática, não há como concluir enfaticamente sobre

esse foco.

Um dos poucos estudos sobre a função das lideranças166 abordou o aspecto

informacional sobre a atuação dos líderes, diante da característica do legislador

médio, qual seja a incompletude com relação às informações política e técnica.

A análise referida elabora, a partir do papel do líder a solução informacional,

no sentido de auxiliar o legislador médio a fim de que este não venha a tomar

decisões de forma desinformada, suprindo a incompletude deste tipo de legislador.

Dessa forma, o Líder partidário, terá o seu papel de informar os seus liderados, com

as referidas características, e desta forma irá funcionar como meio de estimar a

probabilidade de aprovação de determinada matéria, e para tanto usa e arregimenta

quantidade de informações técnicas com auxílio dos Vice-Líderes e de seus staffs

diferenciados em favor da sua bancada.

Por outro lado, muito embora os estatutos de alguns partidos impliquem na

interferência de outros elementos no posicionamento da bancada, claro está que

não será este meio exclusivo e sim utilizando-se de outros recursos que a influencia

do líder mantém a disciplina partidária, podendo ser através do seu papel

informacional, político ou técnico.

Fica evidente a falta de estudos sobre a dinâmica interna do partido entre

cúpulas decisórias que atuam em diferentes arenas: Diretório Nacional, Comissão

Executiva e Liderança Parlamentar. Fica inviável separar as esferas de atuação dos

Cf. Diogo Alves de Abreu Junior As Lideranças Partidárias na Câmara dos Deputados. CEFOR. Monografia Brasilia:Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasilia: Câmara dos Deputados,

2009. http://bd.camara.gov.br

165Cf. Railssa Peluti Alencar. O papel informacional da Liderança política na Câmara dos Deputados.

Mestrado em Ciência Política. São Paulo: Usp, 2005.

166 Cf. Railssa Peluti Alencar, 2005. Op. Cit.

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partidos para aferir a real influência da liderança partidária sobre a posição da

bancada.

O parlamentar isolado enfrenta várias dificuldades. A primeira diz respeito à

estrutura das Casas postas à sua disposição, em especial as referentes aos

consultores técnicos. Em estudo sobre a estrutura167 das Lideranças, ficou

constatado que a Mesa Diretora acaba por utilizar quase que na totalidade o tempo

desses técnicos, restando como opção ao parlamentar o uso da estrutura das

Lideranças Partidárias, tanto no seu aspecto informacional, quanto ao aspecto do

suporte do corpo técnico, criando assim uma dependência dessa estrutura. A

solução que urge é o aumento significativo desse quadro de funcionários, via

concurso, aliado a um aumento de estrutura física para abarcar essas providências

necessárias.

Outra dificuldade do parlamentar isolado é quando ele necessita requerer

regime de tramitação de urgência em projeto de sua autoria, pois, para tanto, deverá

apresentar requerimento subscrito com no mínimo 257 assinaturas ou convencer o

líder de sua bancada ou outros líderes da relevância e urgência da sua propositura,

do seu pedido.

Ainda, quando a propositura está tramitando sob esse regime, para

apresentar emenda em plenário será necessária a assinatura de um quinto dos

membros da Câmara ou de líderes que representem esse número. Ressalta-se que

uma comissão pode apresentar a emenda (RICD, artigo 120, § 4º).

Como já ressaltamos anteriormente, o legislador atua em duas vertentes: a

nacional e a regional, para tanto, vai à busca de mecanismos fundamentais para a

sua reeleição. A disciplina partidária não é explicada pela atuação da estrutura de

lideranças dentro do Congresso Nacional, mesmo porque há falta de mecanismos

de disciplina efetivamente observados no plenário. Por outro lado, a liderança

partidária, sob esse ponto de vista, consistiria em servir de instância mediadora

entre a preferência das bancadas e as ofertas do Executivo para a consecução das

167

Cf. Diogo Alves de Abreu Junior, 2009. Op. cit.

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pretensões da Liderança Partidária. Via líderes, é o meio que o legislador médio

busca garantir os ganhos no processo de barganha.

Em contrapartida, o Executivo utiliza-se de meios para fazer a sua vontade

dentro da agenda legislativa, e a resposta plausível para a existência de tal disciplina

e que a liderança carrega um grau de representatividade das preferências de sua

bancada. Dessa forma, a fidelidade da bancada em determinadas questões se

origina de debates internos, que resultam no fechamento da questão em torno do

líder, o que em muitos casos pouparia o desgaste natural dos parlamentares agindo

de forma isolada.

Assim, para ter força dentro do Legislativo, pequenas bancadas ou

parlamentares isolados podem formar o denominado Bloco Parlamentar.

2. Dos Blocos Parlamentares

Quase todos os cargos e posições que um parlamentar pode ocupar na

Câmara dos Deputados decorrem da proporcionalidade do tamanho das bancadas

partidárias. Assim, quanto maior for o partido, maior o número de cargos ou

posições que se conseguem na Câmara. Se um partido for pequeno, terá pouco

espaço, sinônimo de pouco poder formal.

Para que haja a possibilidade dos partidos coligar em um bloco parlamentar,

sob liderança comum, o Regimento Interno prevê algumas regras para o bloco

parlamentar: a) a sua formação deve ser feita por deliberação das respectivas

bancadas; b) deve ser composto por, no mínimo, três centésimos dos membros da

Câmara dos deputados; c) se o bloco vier a ter menos que esse número, é extinto;

d) a sua existência é circunscrita à legislatura, devendo o ato de sua criação e

posteriores alterações ser apresentados à Mesa; e) o partido que integrava bloco

parlamentar dissolvido, ou a que dele se desvincular, não poderá integrar outro na

mesma sessão legislativa; f) não é permitido que um partido participe de mais de um

bloco simultaneamente.

No entanto, as duas mais importantes disposições regimentais sobre bloco

parlamentar são as seguintes: ele terá, no que couber o tratamento dispensado pelo

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Regimento às organizações partidárias; as lideranças dos partidos que se coligarem

em bloco parlamentar perdem suas atribuições regimentais.

Na prática, o bloco parlamentar funcionará na Câmara como um partido

propriamente dito, tendo um só líder, ainda que formado por dois ou mais partidos.

As lideranças dos partidos que se coligarem em bloco perdem as suas

atribuições e prerrogativas regimentais, embora mantenham em funcionamento suas

estruturas de liderança. Fortalecido pela soma dos deputados dos partidos que o

compõe, o bloco parlamentar, com maior representação, passa a ter mais direitos na

Câmara e, consequentemente, mais poder.

Assim, por exemplo, o líder do bloco pode indicar um deputado para ser

eleito, por acordo entre os partidos que o compõem, a um cargo mais importante na

Mesa da Câmara do que teria caso não estivesse compondo o bloco parlamentar.

O mesmo acontece com relação à indicação de deputado a ser eleito

presidente de comissão permanente168: com a formação do bloco, a posição do

168

De estudo realizado em 1981, em que se comparam as assembleias legislativas estaduais nos

Estados Unidos da América, por meio de pesquisa com entrevistas aos legisladores, procura-se discutir onde e porque se dão as principais decisões legislativas, se na convenção de partido, se na comissão temática ou se no plenário.

Cf. L. Wayne Francis. University of Missouri. Leadership, Party Caucuses, and Committees in U.S. State Legislatures. Legislative Studies Quarterly, v.. X, n. 1, may, Comparative Legislative Research

Center. IOWA: The University of IOWA, 1985. pp 243-257.

Em referência a estudo pretérito de FRANCIS & RIDDLESPERGER, 1982

Cf. L. Wayne Francis L., 1985, Op. Cit. p. 247 – 257. Sobre onde é feita a tomada de decisão mais significativa, esse estudo revela que os votos do legislador podem mudar entre o que foi votado na Comissão Temática e o que se vota no plenário, pois as pressões da convenção do partido e do líder partidário podem influenciar. Ressalta-se haver controle de agenda por parte do presidente da Comissão Temática, escolhido pelo partido majoritário. Ainda que a coalizão partidária possa ter influencia nos trabalhos das respectivas Comissões Temáticas, o que se analisou foi a possibilidade de se formarem comunidades de interesse sobre determinados temas a mitigar o poder da liderança partidária, que exerce seu poder por intermédio, ora das convenções partidárias, ora por meio da presidência das Comissões Temáticas. O que o estudo sugere consiste no fato de assembleias menores sofrerem maior influencia das convenções partidárias, do que as maiores, posto nestas serem mais influenciadas pelas Comissões Temáticas*-, desde que não haja um partido dominante. Ressalta-se, portanto, haver a possibilidade de características individuais serem emprestadas aos projetos de lei pelo que se identifica por haver comunidades de interesse no bojo do tramite pelas Comissões Temáticas, conforme esse estudo, que como outros procura identificar o papel da liderança partidária na coesão partidária e na tomada de decisão nos Estados Unidos da America. Análise que procura destacar os aspectos da personalidade do líder partidário consiste em estudo sobre liderança partidária no Parlamento Europeu .Stefanie Bailer & Tobias Shulz & Peter Selb. What role for the Party Group Leader? A latent variable approach to leadership effects on party group cohesion in the European Parliament. The Journal of Legislative Studies. Party Group Leaders and the European Parliament. vol. 15, number 4.In: Routledge Taylor & Francis Group, New York, 2009, pp. 355-37. Em que se destaca como fatores de sucesso na liderança partidária a juventude, a

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partido na ordem de escolha melhora, fazendo com que tenha mais opções.

Obviamente, o número de vagas nas comissões a que o bloco tem direito aumenta,

comparando-se com o número de vagas dos partidos que o compõem isoladamente.

Isso possibilita maior chance de que seus deputados sejam atendidos nas suas

preferências para integrar uma comissão permanente.

3. Do Colégio de Líderes

O poder dos líderes ainda é sensivelmente aumentado devido à existência do

Colégio de Líderes, órgão que centraliza as mais importantes decisões sobre as

propostas submetidas à apreciação da Câmara dos Deputados e do qual participam

os líderes da maioria, da minoria, dos partidos, dos blocos parlamentares e do

governo (RICD, art. 20, caput).

As deliberações são tomadas, sempre que possível, mediante consenso; caso

contrário, prevalece o critério da maioria absoluta, sendo cada voto de líder a

expressão numérica de sua bancada.

Embora seja essa a previsão regimental, na prática esse voto de liderança

não ocorre. Mais comumente, cada líder tem a expressão de um voto.

Na possibilidade de ausência de consenso no Colégio de Líderes, a disputa

deve ser levada ao plenário, em que prevalece a força de cada bancada. Nessa

ocasião, o Líder continua exercendo o seu papel de negociador, para ainda tentar

um acordo, mas também o de mediador, para prevenir conflitos com a sua bancada.

O Colégio de Líderes é instituto regimental da Câmara dos Deputados que

consagrou a liderança parlamentar no processo decisório, de tramitação, e de

votação de matérias naquela Casa legislativa.

O Regimento Interno determina que a agenda com as proposições que serão

votadas no mês subsequente deve ser elaborada pelo presidente da Câmara dos

Deputados, ouvido o Colégio de Líderes (RICD, artigo 17, inciso I)

O Colégio de Líderes demonstra a continuidade de antigos processos, que

remontam antes da Carta de 1988. Com a previsão da existência desse órgão, a

experiência previa em presidência de comissões temáticas e as posições extremadas associadas a traços fortes de personalidade.

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centralização de trabalhos acaba por ficar nas mãos de poucos parlamentares,

permitindo

a um grupo restrito de parlamentares exerça enorme influência sobre os demais, através da prerrogativa, juntamente com os Presidentes das Casas, de decidir a pauta de votação a ser apreciada. Aliado a isto, os pedidos de urgência e urgentíssima são prerrogativas também do Colégio de líderes e têm poder de acelerar a tramitação de determinadas matérias de interesse em detrimento de outras.169

Para nós, fica a clara impressão que tal prática se assemelha ao instituto

considerado inconstitucional: o voto de liderança, pois da mesma forma que este

último suprimia a vontade de alguns parlamentares, essa dificuldade causada pela

centralização de poder nas mãos dos líderes e do Colégio de Líderes remonta

ao”caciquismo” de igual ou pior prática do período militar.

IV. DOS CÓDIGOS DO CONGRESSO NACIONAL

A análise acerca das posturas de determinado parlamentar com relação ao

decoro não deve ser pautada no subjetivismo nem no juízo de valor dos outros

integrantes do Parlamento sob pena de não refletir com imparcialidade a noção de

atitude não condizente com o decoro parlamentar. Assim, é preciso um conjunto

coerente e objetivo de aspectos que possam ser constatados por analistas

imparciais. Questionamentos diversos provêm da complexidade – e até da

incoerência – de se determinar com exatidão quando realmente ocorreu ofensa ao

decoro.

No Brasil, o congressista não pode ser punido sob alegação de ausência de

decoro parlamentar, ao mentir na tribuna da Casa a que pertence, porquanto não

pode ser apenado por votos, opiniões ou palavras proferidos no exercício da função,

conforme prescreve a Imunidade Parlamentar Material.

169

Cf. Ana Lucia Romero Novelli. Imagens Cruzadas: A opinião pública e o Congresso

Nacional.Coleção de Teses, Dissertações e Monografia dos Servidores do Senado Federal. Brasília:

Senado Federal, 2010.p. 73.

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Caso se dirija à tribuna completamente nu ou nua, porém, poderá ser

acusado e processado por falta de decoro, pois não se trata de emitir votos ou

pontos de vista. Para tratar da questão, tanto a Câmara dos Deputados quanto o

Senado Federal aprovaram o Regimento Interno para cada uma das Casas, a fim de

apresentar aos cidadãos um documento que, simultaneamente, definisse condutas

compatíveis ou não com o decoro parlamentar e definisse as penalidades aplicáveis

em caso de falta de decoro durante o mandato parlamentar.170

170

Código de Ética da Câmara dos Deputados. O Código, conforme o artigo 1o, parágrafo único, da

Resolução nº 25, de 2001, complementa o Regimento Interno e dele passa a fazer parte integrante. Nos seus Capítulos III e IV, respectivamente, determina os atos incompatíveis com o decoro parlamentar e os atentatórios a ele. Transcrevem-se, em seguida, os dois capítulos, na pretensão de examinar o que a Câmara compreende como conduta não condizente com o cargo de deputado federal:CAPÍTULO III Dos Atos Incompatíveis com o Decoro Parlamentar Artigo 4o Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato: I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, artigo 55, § 1o); II – perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, artigo 55, § 1o); III – celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando-a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados; IV – fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação; V – omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o artigo 18. CAPÍTULO IV Dos Atos Atentatórios ao Decoro Parlamentar Artigo 5o Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código: I – perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão; II – praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa; III – praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou a comissão, ou os respectivos presidentes; IV – usar os poderes e prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer pessoa sobre a qual exerça ascendência hierárquica, com o fim de obter qualquer espécie de favorecimento; V – revelar conteúdo de debates ou deliberações que a Câmara ou a comissão hajam resolvido devam ficar secretos; VI – revelar informações e documentos oficiais de caráter reservado, de que tenha tido conhecimento na forma regimental; VII – usar verbas de gabinete em desacordo com os princípios fixados no caput do artigo 37 da Constituição Federal; VIII – relatar matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral; IX – fraudar, por qualquer meio ou forma, o registro de presença às sessões, ou às reuniões de comissão. Parágrafo único. As condutas puníveis neste artigo só serão objetode apreciação mediante provas. Artigo 6o Ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar compete: I – zelar pela observância dos preceitos deste Código, atuando no sentido da preservação da dignidade do mandato parlamentar na Câmara dos Deputados; II – processar os acusados nos casos e termos previstos no artigo 13; III – instaurar o processo disciplinar e proceder a todos os atos necessários a sua instrução, nos casos e termos do artigo 14; IV – responder às consultas da Mesa, de comissões e de deputados sobre matérias de sua competência; V – organizar e manter o Sistema de Acompanhamento e Informações do Mandato Parlamentar, nos termos do artigo 17. Artigo 7o O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar compõe-se de quinze membros titulares e igual número de suplentes com mandato de dois anos. § 1o Na representação numérica dos partidos e blocos parlamentares será atendido o princípio da proporcionalidade partidária, devendo, na designação dos deputados que vão integrar o Conselho, ser observado o caput e § 1o do artigo 28 do Regimento Interno e, no que couber, o disposto no § 2º deste artigo. § 2o O partido a que pertencer o corregedor designará, como titular, um deputado a menos que o número a que tenha direito com a aplicação do princípio da proporcionalidade partidária. § 3o Não poderá ser membro do Conselho o deputado: I – submetido a processo disciplinar em

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Aragão leciona, que

após análise no Direito Comparado, em contrapartida a outras ciências naturais, talvez não se consigam alcançar resultados

curso, por ato atentatório ou incompatível com o decoro parlamentar; II – que tenha recebido, na legislatura, penalidade disciplinar de suspensão de prerrogativas regimentais ou de suspensão temporária do exercício do mandato, e da qual se tenha o competente registro nos anais ou arquivos da Casa. § 4o O recebimento de representação contra membro do Conselho por infringência dos preceitos estabelecidos por este Código, com prova inequívoca da verossimilhança da acusação, constitui causa para seu imediato afastamento da função, a ser aplicado de ofício por seu presidente, devendo perdurar até decisão final sobre o caso.Código de Ética do Senado Federal De modo semelhante ao que ocorreu na Câmara, o Senado Federal criou normas para regular o comportamento dos senadores, bem como fixou quais atitudes não condizem com o cargo exercido pelo congressista. Elaborou-se o Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal. O documento, embora interno, instituiu vários procedimentos vedados a senadores enquanto estiverem no efetivo exercício do cargo, conforme explica o trecho: CAPÍTULO II Das Vedações Constitucionais Artigo 3o É expressamente vedado ao senador:I – desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que seja demissível ad nutum, nas entidades constantes da alínea anterior; II – desde a posse: a) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que seja demissível ad nutum, nas entidades referidas no inciso I, a; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, a; d) ser titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo (Constituição Federal, artigo 54). § 1° Consideram-se incluídas nas proibições previstas nas alíneas a e b do inciso I e a e c do inciso II, para os fins do presente Código de Ética e Decoro Parlamentar, pessoas jurídicas de direito privado controladas pelo Poder Público. § 2o A proibição constante da alínea a do inciso I compreende o senador, como pessoa física, seu cônjuge ou companheira e pessoas jurídicas direta ou indiretamente por eles controladas. § 3o Consideram-se pessoas jurídicas às quais se aplica a vedação referida na alínea a do inciso II, para os fins do presente Código, os Fundos de Investimentos Regionais e Setoriais. CAPÍTULO III Dos Atos Contrários à Ética e ao Decoro Parlamentar Artigo 4o É, ainda, vedado ao senador: I – celebrar contrato com instituição financeira controlada pelo Poder Público, incluídos nesta vedação, além do senador como pessoa física, seu cônjuge ou companheira e pessoas jurídicas direta ou indiretamente por ele controladas; II – dirigir ou gerir empresas, órgãos e meios de comunicação, considerados como tal pessoas jurídicas que indiquem em seu objeto social a execução de serviços de radiodifusão sonora ou de sons e imagens; III – praticar abuso do poder econômico no processo eleitoral. § 1o É permitido ao senador, bem como a seu cônjuge ou companheira, movimentar contas e manter cheques especiais ou garantidos, de valores correntes e contrato de cláusulas uniformes, nas instituições financeiras referidas no inciso I. § 2o Excluem-se da proibição constante do inciso II a direção ou gestão de jornais, editoras de livros e similares. Artigo 5o Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar; I – o abuso das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, artigo 55, § 1°); II – a percepção de vantagens indevidas (Constituição Federal, artigo 55, § 1o), tais como doações, benefícios ou cortesias de empresas, grupos econômicos ou autoridades públicas, ressalvados brindes sem valor econômico; III – a prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes. Parágrafo único. Incluem-se entre as irregularidades graves, para fins deste artigo: I – a atribuição de dotação orçamentária, sob a forma de subvenções sociais, auxílios ou qualquer outra rubrica, a entidades ou instituições das quais participe o senador, seu cônjuge, companheira ou parente, de um ou de outro, até o terceiro grau, bem como pessoa jurídica direta ou indiretamente por eles controlada, ou ainda, que aplique os recursos recebidos em atividades que não correspondam rigorosamente as suas finalidades estatutárias; II – a criação ou autorização de encargos em termos que, pelo seu valor ou pelas características da empresa ou entidade beneficiada ou contratada, possam resultar em aplicação indevida de recursos públicos.

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dotados de excessivo rigor com relação a classificações em função da abstração do tema, embora se utilizem métodos científicos de exame. De todo modo, examinou-se a atuação dos Parlamentos norte-americano, espanhol, francês e brasileiro nos aspectos de mais relevância.

Em razão de os países em exame possuírem sistemas políticos diversos – a

França, por exemplo, possui sistema político híbrido –, pode-se perceber que o

funcionamento das Casas Legislativas difere quanto ao modo como tratam a

elaboração e a aprovação das leis e o relacionamento com os outros Poderes – o

Executivo e o Judiciário. Pôde-se constatar ainda que cada um dos parlamentos

trata-se de modo diverso dos desvios de conduta dos membros integrantes do

Parlamento: os Estados Unidos são a nação que possui regras mais detalhadas

sobre o comportamento dos políticos, ao passo que o Brasil é o país em que as

normas atinentes ao decoro parlamentar são mais subjetivas e menos detalhadas, o

que dificulta as punições decorrentes de atos de falta de decoro parlamentar. Todos

eles, porém, conferem algum tipo de imunidade a seus parlamentares, quando no

exercício de suas funções. Quanto ao processo legislativo, as quatro Casas

estudadas, similarmente, possuem sistema complexo e, de algum modo, similar no

que concerne ao recebimento, à elaboração e à aprovação de leis. Ambas as Casas

de cada Estado, correspondentes ao Senado e à Câmara dos Deputados do Brasil,

participam de todas as fases do processo legislativo e definem diversas etapas de

discussão e votação dos projetos de lei antes de serem aprovados ou não. Todas

visam, de maneira geral, instituir normativos que contribuam para melhorar a

qualidade de vida da população e criar condições para se constitui ruma sociedade

mais justa e igualitária171.

V. A CONSTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PODERES

Cumpre nesse momento discorrer sobre a observância dos ditames

constitucionais, o conteúdo normativo do princípio da separação dos poderes e a

171

Cf. João Aragão, 2011. Op. Cit.

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produção da lei em face da atual estruturação e organização do Estado brasileiro e

suas implicações atuais que nos leva a algumas reflexões necessárias, além dos

temas já aborados.

1. O Princípio da Separação dos Poderes

O princípio da separação dos poderes no contexto Constitucional foi tratado

como clausula pétrea, cuja abolição não pode ser objeto de deliberação, mesmo em

sede de emenda Constitucional - artigo 60, § 4º.

Após vinte anos de Constituição democrática, constatamos que há uma

sensível relatividade da separação dos poderes, sob o ângulo doutrinário como

caráter pragmático da teoria de Monstequieu, que visa estabelecer um sistema de

freios e contrapesos e não um rígido esquema pretendidamente científico de divisão

de poderes, como leciona Ferreira Filho.172

172

Cf. Manuel Gonçalves Ferreira Filho. A separação dos poderes na ordem constitucional em vigor.

Palestra proferida no Superior Tribunal Militar, Palestra em homenagem ao Prof. Jorge Miranda, 2010, p. 17

Para separação de poderes, para consulta:

Pedro Vieira Abramovay. A separação de poderes e as medidas provisórias em um Estado Democrático de Direito. Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: Unb, 2010.

AJURIS e outros. Relatório conjunto da sociedade civil apresentado ao Excelentíssimo Senhor Leandro Despouy, Relator Especial da ONU, outubro, Porto Alegre: 2004.

José Alfredo de Oliveira Baracho. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

Eduardo Domingos Bottallo. Teoria da divisão dos poderes: antecedentes históricos e principais aspectos. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v. 102, jan./dez. São

Paulo: Usp, 2007.

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Carlos Ayres Britto. Separação dos poderes na Constituição brasileira. Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. .In: Luis Roberto Barroso & Clèmerson Merlin Clève v. VII. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011. .pp 35-51.

Dalmo de Abreu Dallari. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2012.

Alexsandra Katia Dallaverde. A titularidade exercida pelo poder executivo sobre a gestão das finanças públicas e o desequilíbrio causado no quadro da separação de poderes. Dissertação de

Mestrado em Direito. São Paulo: Usp, 2008.

Tomás de La Quadra. Interpretacion de la constitucion y organos del Estado.In: Antonio López Pina (Edición y prólogo). División de poderes e interpretacion. Hacia una teoria de la práxis constitucional.

Madrid: Tecnos,1987

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No plano da institucionalização, a separação dos poderes nunca houve de

modo absoluto das três funções primordiais, pois sempre houve uma partilha

confiada ao Poder Legislativo, a aprovação ou a autorização, para o Poder

Executivo tomar decisões políticas capitais e isso permitiu que esse relacionamento

Leon Duguit .La separación de poderes y la asamblea nacional de 1789. Madrid: Centro de Estudios,

Constitucionales, 1996.

Cecília Caballero Lois (Coord.) Série Pensando o Direito. Separação de Poderes – Vício de Iniciativa

n. 14. Brasília: UFSC, PNUD, MJ, 2009.

Cynara Monteiro Mariano. O debate sobre a separação de poderes no pensamento constitucional brasileiro. In: Nomos, Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC v. 28, jul./dez. Fortaleza:

UFC, 2008.

Antônio Moreira Maues. Democracia direta e divisão de poderes: algumas ideias latino-americanas. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais n. 9, julho/dezembro. Fortaleza: Instituto Albanisa Saraste, 2008.

Paulo Roberto de Gouvêa Medina Jurisdição e Separação de Poderes.In: Revista Latino-americana

de Estudos Constitucionais n. 8, janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albanisa Saraste, 2008.

Pontes de Miranda. Independência e harmonia dos poderes.In: Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. Luis Roberto Barroso & Clèmerson Merlin Clève. v. VII. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011.pp 63-86.

Rodrigo Francisco de Paula. A contradição interna do Direito Público Brasileiro e suas implicações no exercício da cidadania. .In: Revista de Direito Constitucional e Internacional ano 14, n. 56, julho-setembro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Angela Cristina Pelicioli. A atualidade da reflexão sobre a separação dos poderes. In: Revista de Informação Legislativa n. 169, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 2006.

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São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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Advogados de São Paulo n. 86. São Paulo: IASP , 2010.

André Ramos Tavares. A superação da doutrina tripartite dos “poderes” do Estado. .In: Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional Luis Roberto Barroso & Clèmerson Merlin Clève.v. VII. São

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Michel Troper. Chapitre XIV. Actualité de la séparation des pouvoirs .In: Pour une Théorie juridique de l´état. Léviathan. Paris: Puf, 1994.

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M.J.C. Vile Constitucionalismo y separación de poderes. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

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se adaptasse a novos tempos em razão de fatores como a extensão do sufrágio, a

democratização, os intervencionismos econômico e social, resultando mais num

sistema parlamentarista e não mais em uma separação rígida como a da monarquia

constitucional ou do presidencialismo.

Leciona, Ferreira Filho “que igualmente, conciliou-se com a delegação do

poder de legislar para o Executivo, comum nos últimos sessenta anos, onde a

separação dos poderes sobrevive no mundo contemporâneo em razão das provas

que deu e dá de dificultar o abuso, protegendo a liberdade individual”.

2. A separação dos poderes, sociedade e grupos.

No mundo de hoje, o homem necessita preocupar-se com o Estado, mas

também deve precaver-se contra os grupos, porque, em face deles, mais uma vez a

liberdade corre perigo. Assim, é preciso limitar o Estado, mas é preciso verificar que

a sociedade contemporânea não corresponde às imagens oferecidas pelos séculos

XVIII e XIX, pois agora se reivindica a atuação do Poder Público para quebrar o

domínio dos grupos e corporações.

Segundo Clève173 “é aqui que o princípio rígido e dogmaticamente interpretado

da separação dos poderes não é funcional, mas não se pode olvidar que deve

continuar como ideia racionalizadora do aparato estatal ou como técnica de

organização do poder para a garantia das liberdades”.

Consequentemente, a sepração dos poderes e sua interpretação, nos leva ao

raciocínio de um distanciamento de uma concepção garantística do princípio da

divisão de poderes, reconduzidos o poder a uma função e uma função a um poder.

Nos leva a investigar qual é o conteúdo normativo-constitucional desse princípio,

enquanto princípio estruturante da organização constitucional do poder político do

Estado, no momento em que o Executivo possui a capacidade institucional e

constitucional atribuída para primariamente inovar o ordenamento jurídico, sem

contudo se falar em rupturas ou derrogação constitucional, e por outro lado atribuir

173

Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011, Op, cit. p. 44

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natureza legislativa das leis delegadas ou de natureza extra ordinem das medidas

provisórias.174

3. A missão atual dos juristas

Por tal assertiva, Clève afirma que essa é a missão atual dos juristas, qual

seja, adaptar esse sistema de equilíbrio de poder à realidade constitucional de nosso

tempo e, dentro desse contexto, o aparelhamento do Poder Executivo para que

possa responder as crescentes demandas sociais. Ressalta, todavia, que urge a

necessidade de aprimorar os mecanismos de controle dessa ação a fim de torná-los

mais seguros e eficazes.

4. O Poder do Estado é compartilhado

O Poder do Estado é compartilhado entre entidades que desempenham

funções e atividades constitucionalmente atribuídas a cada uma,

independentemente umas das outras, sem que nenhuma seja predominante. Tais

prerrogativas, que competem a cada poder do Estado, são chamadas de: poder de

iniciativa, que de modo geral estão distribuídas pela Constituição, e ao observar a

estrutura constitucional brasileira, constata-se que os poderes exercem funções

típicas e atípicas.

5. A escolha constitucional pelo Estado de Direito e pela Democracia

A Carta de 1988 adotou, em seu artigo 1º, os dois princípios. O Estado de

Direito e a Democracia, porque a diferença de Estado Legal e Estado Democrático

de Direito fundamenta as ações do Poder Legislativo de forma que ele seja

realmente legítimo na concretização dos princípios da soberania e participação

popular, além de dar garantias, no ordenamento jurídico, à dignidade da pessoa

humana.

174

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri. O Executivo Legislador: o caso brasileiro. In: Boletim da

Faculdade de Direito. STVDIA IVRIDICA n. 79. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.p. 224

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Em suma, segundo Clève, a revisão do princípio da divisão de poderes levou

o Poder Executivo a participar do processo de elaboração da lei, em especial

através da iniciativa ou sugerindo o resultado do procedimento por meios dos vários

expedientes como os acima referidos, e ainda através de autorização para produzir

a lei.175

VI. DO PODER JUDICIARIO

Desde o advento da Carta de 1988, o Poder Judiciário mudou

significativamente, reconquistou, exerce e consolidou a independência política

perdida no regime anterior, e tem o Poder Judiciário um novo e importante papel a

ser desempenhado: a missão de corresponsável à correção das desigualdades

sociais, nos limites de sua atuação criativa e promocional dos direitos fundamentais.

1. Da sua previsão na Carta de 1988.

O Poder Judiciário, na Constituição de 1988, encontra-se no Capítulo II,

Seção I, que vai delinear o que compõem o poder, a quem compete a iniciativa da lei

complementar para dispor sobre a magistratura, as garantias, as competências

privativas, as diretrizes para a União, Estados, Distrito Federal e Território, a sua

autonomia administrativa e financeira, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal

Superior de Justiça, dos Tribunais Regionais e dos Juízos Federais, dos Tribunais e

Juízes do Trabalho, dos Juízes Eleitorais, dos Tribunais e Juízes Militares, dos

Tribunais e Juízes Estaduais.

2. Da função do Poder do Judiciário

No exercício tanto de sua função típica o Poder Judiciário, produzindo atos

jurisdicionais (artigo 93, inciso IX, da CF) ou como na função atípica de administrar

175

Cf. Clèmerson Merlin Cléve, 2011. Op. Cit. 2011, p. 126

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(artigo 93, inciso X, da CF), a obrigatoriedade de fundamentação é presente,

devendo ser orientados pelos valores consagrados na Constituição de 1988, os

Princípios Fundamentais e as normas dedutíveis do Preâmbulo na atuação

jurisdicional do Estado Democrático de Direito, dirimindo conflitos de interesses e a

distribuição da justiça.

Esclarece Marcelo Figueiredo176que

o Poder Judiciário tem sido provocado, sobretudo pelo Ministério Público brasileiro, a questionar e avaliar políticas públicas, direitos sociais, econômicos e culturais, quer em função das obrigações e direitos constitucionais diretamente sacados da Constituição, quer em razão de omissão, ilegalidade, desvio de poder ou irrazoabilidade (gênero) dos poderes públicos no cumprimento das metas constitucionais e infraconstitucionais; e acrescenta que em face da realidade brasileira, cabe ao Poder Judiciário a atribuição da importantíssima missão de corresponsável à correção de desigualdades sociais, nos limites de sua atuação criativa e promocional dos direitos fundamentais, mudando sobremaneira o papel do juiz e do próprio jurisdicionado.

A existência de um Judiciário no mundo que, na dimensão unicamente

normativa, possua grau de independência superior àquela constitucionalmente

assegurada à Justiça brasileira, é raridade. Constitui um Poder que está ao lado do

Executivo e do Legislativo – artigo 20 da CF, com efetiva autonomia concedida nos

interesse dos jurisdicionados e não propriamente no interesse dos órgãos

integrantes da estrutura da independência do Judiciário, bem como de seus

membros.177

Essa independência é assegurada em virtude da autonomia institucional e

funcional concedida à magistratura. A autonomia institucional desdobra-se em

alguns princípios constitucionais norteadores da organização dos tribunais

judiciários: (a) autogoverno, (b) autoadministração, (c) da iniciativa legislativa e (d)

da autoadministração financeira. No que diz respeito ao princípio da autonomia da

176

Cf. Marcelo Figueiredo. O controle das Políticas Públicas pelo Poder Judiciário no Brasil – Uma

Visão Geral In: Estudos em homenagem ao Professor Jorge Miranda.. (Coord.) Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha e Samantha Ribeiro Meyer-Pflug. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. Pp 570-607. p. 607.

177 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Poder Judiciário: Autonomia e Justiça. In: Revista de Informação

Legislativa. Brasília. ano.30 n. 117 jan/mar, 1993, pp. 293 – 308, p. 296

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autoadministração financeira diz-se que é suficiente para autorizar os tribunais a

gerir suas dotações orçamentárias – necessariamente entregues pelo Executivo, em

duodécimos, a cada dia 20 – artigo 168 da CF –, bem como elaborar suas propostas

orçamentárias que deverão ser submetidas ao Poder Legislativo por ocasião da

votação da lei orçamentária anual – artigo 99 da CF.

É o princípio da autoadministração o fundamento que dá base para os

tribunais elaborar seus regimentos internos, organizar suas secretarias e serviços

auxiliares, e os seus juízos, velando pelo exercício da atividade correcional

respectiva (artigo 96, inciso I, b, da CF), conceder licenças, férias e outros

afastamentos a seus membros, aos juízes além dos servidores que lhe forem

imediatamente vinculados (artigo 96, inciso I, f da CF). Com o advento da Carta de

88 o poder de autoadministração foi ampliado sobremaneira, pois podem prover os

cargos necessários à administração da justiça (serviços auxiliares), bem como os

juízes de carreira da respectiva jurisdição (artigo 96, inciso I, c, da CF). Comentando

o exposto, Clèmerson Merlin Clève diz ser uma novidade que a Carta Magna trouxe

sem qualquer parâmetro evidente em qualquer país do mundo, um Poder Judiciário

com um poder de autoadministração tão pronunciado e que pode prover os cargos

da carreira da magistratura.178

A Constituição Federal assegura ao Poder Judiciário a autonomia financeira,

este deve exercê-la através da sua autonomia administrativa, decidindo o

mecanismo por meio do qual serão exercidas as autonomias dos seus tribunais,

visando atender o artigo 99 da Carta Magna e seus dois primeiros parágrafos que

determinam a oitiva dos tribunais por ocasião da elaboração da proposta

orçamentária. E na fase de execução, observadas as demais disposições

constitucionais e legais, decidir no âmbito interno a alocação dos recursos da forma

que melhor convier ao interesse público.

A Constituição de 1988 inovou quando possibilitou ao próprio Judiciário

elaborar a proposta orçamentária. Entretanto, tal medida trouxe alguns problemas,

pois o constituinte não foi claro quando definiu a questão sobre o encaminhamento

da proposta do Poder Judiciário ao Poder Legislativo (a proposta constituiria uma

178

Cf.Clèmerson Merlin Clève, 1993. Op. Cit.p. 296

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providência assimilável à iniciativa), ou se deve encaminhar a referida proposta ao

Poder Executivo, detentor da iniciativa privativa da lei orçamentária (artigo 165 da

CF). Mas seja qual for a forma determinada pelo ente federado179, tanto no primeiro

como no segundo, o encaminhamento deve necessariamente ser incluído no projeto

de lei orçamentária, sujeito a aprovação dos parlamentares.180A autonomia financeira

do Poder Judiciário não é um tema pacífico haja visto o grande debate que houve

por ocasião da constituinte de 1988. Para alguns não ficou claro a disposição

constitucional.

Para José Afonso da Silva, a matéria do artigo 99 da CF deveria ter vindo

logo após o artigo 96 do referido diploma, por tratar de garantias institucionais do

poder. Ressalta que, quanto à autonomia financeira não é tão pronunciada, pelo

contrário, bastante limitada e pode gerar mais problemas do que benefícios, pois

adverte que assuntos de administração devem competir para administradores e

nunca aos julgadores, que precisam ficar imunes às disputas que, no fundo,

envolvem decisões políticas 181.

Mas é consenso que a independência financeira decorre do princípio do

autogoverno da magistratura reiterado na Constituição nos artigos. 96 e 101.182

2. A importância do Poder Judiciário na Economia

Um Poder Judiciário atuante exerce uma influência direta na economia

Nacional, permitindo tanto o crescimento econômico, como o desenvolvimento

social, resultando na concretização do objetivo maior do Estado: o atendimento da

179

Como é o caso do Estado do Rio de Janeiro no artigo 152 da Constituição Estadual, em seu § 2º

que dispõe que o encaminhamento da proposta, depois de aprovada pelo Tribunal de Justiça deverá ser encaminhada ao presidente da AssembleiaAssembleia Legislativa. Do Estado do Ceará, CE, artigo 99, § 1º, que determina após o Tribunal de Justiça elaborar a proposta orçamentária relativa ao Poder Judiciário, dentro dos limites estipulados na Lei de Diretrizes Orçamentárias, depois de ouvido os tribunais de segunda instância, os quais apresentarão suas propostas parciais e sendo aprovada pelo plenário do Tribunal de Justiça, será encaminhada pelo presidente da AssembleiaAssembleia Legislativa.

180Cf. Clèmerson Merlin Clève, 1993, Op. Cit. p. 296

181 Cf. José Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores:,

2005. p. 520.

182 Cf. Uadi Lammêgo Bulos. Constituição Federal Anotada. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 970

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dignidade da pessoa humana estudo intitulado “Judiciário & Economia: equalização

desejada e necessária”.183

É necessário o crescimento, e desenvolvimento dos países, exigência da

política econômica mundial visando o aumento da segurança jurídica, o

fortalecimento da democracia e dos direitos humanos e, para tanto, há a

necessidade de investimentos de capital interno e externo.

Os investimentos são viáveis se houver a certeza de que o capital aplicado

voltará com juros ou outra compensação que motive e justifique as suas aplicações.

Daí a importância e a necessária confiança, tanto na política econômica como na

estrutura legal que garanta o contrato, a presteza da justiça na solução de

controvérsias que possam surgir do local do investimento.

A globalização econômica e a ordem internacional exigem adequações,

rápidas, eficazes, uma legislação atualizada e atenta às modificações dos mercados,

da tecnologia e do desenvolvimento, aliada à competitividade atual, no qual os

instrumentos econômicos são estratégias de crescimento de grande importância

para atrair os empresários e seus investimentos. Ressalta-se ainda que o

reconhecimento à qualidade das instituições explique uma parcela importante das

elevadas diferenças de renda e de desenvolvimento entre os países o que pode

explicar alguns motivos das elevadas diferenças de renda.

Os efeitos na economia serão evidentes. Desde uma maior segurança jurídica

até agilidade e rapidez, corrigindo a nefasta prática de setores da sociedade que

buscam de artifícios jurídicos para continuar em falta com suas obrigações, em

detrimento de direitos pessoais e sociais.

3. O papel do Poder judiciário e a relevância do juiz.

No Estado de Direito Democrático a segurança jurídica está intimamente

ligada à economia. Estudos comprovam que um sistema judicial independente, forte,

respeitado, ágil, eficaz traz desenvolvimento e pode viabilizar o incremento do

183

Cf. Ana Maria Jara Botton Faria. Judiciário & Economia: Equalização desejada e necessária. In:

Revista Direitos Fundamentais & Democracia. UNIBRASIL. http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br. Acessado em 21/11/2010.

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crescimento econômico, uma vez que a credibilidade nas instituições tem de ser

tanto nas decisões judiciais como nos rumos da política fiscal e econômica, em que

as relações econômicas e os mercados estão diretamente vinculados à regulação

democrática das leis.

Vivemos um momento de superação dos postulados individuais do direito,

que vão cedendo na sociedade técnica e de massas, espaço para os conflitos

coletivos; aliado ao fator do tempo acelerado, novos conflitos nascem sem uma

pronta solução normativa com as leis, cada vez mais, assumindo um caráter

provisório, transformando o papel do juiz, atribuindo-lhe uma relevância, pois este

não aplicará simplesmente dados normativos residentes, por exemplo, no Código

Civil, sem a necessidade de adequá-lo corretamente à ideia de direito consagrada

na Carta Magna.

Conforme leciona Clève, esse é de difícil concretização, pois envolve a

negativa de aplicação de determinados dispositivos e interpretação de outros,

conforme a Constituição, exigindo um preparo diferenciado dos operadores do

direito. Conclui que a análise séria, interdisciplinar e consciente da concepção de

direito subjacente às decisões judiciais é fundamental para a realização de uma

justiça atualizada. 184

A postura do Poder Judiciário, em tempos de crise,185 evitaram que pedidos

virassem esqueletos no armário, no tocante a interpretação da Lei nº 11.101/2005 e

a aplicação do seu artigo 47, que assim dispõe:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira de devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, e dos interesses dos credores promovendo assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Fica evidente a necessidade de interpretar adequadamente as exigências

legais de forma a viabilizar as recuperações das empresas, mesmo na ausência de

lei específica regulamentadora, a permitir aos empresários, em recuperação, a

184

Clèmerson Merlin Clève, 1993, Op.Cit, p. 303

185 Cf. Ruy Coppola Junior. A crise econômica, Poder Judiciário e recuperação de empresas.

Disponível em: http://www.migalhas.com.br/mobile/mig_materia.aspx.cod=87907

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obtenção de parcelamento especial de seus débitos tributários, mediante acordos

com as Procuradorias das Fazendas envolvidas. São exemplos louváveis de como

um Judiciário de forma responsável pode contribuir, em muito, para minimizar os

efeitos da crise econômica nas empresas. Mas esse só é um de tantos exemplos

sobre a importância do Poder Judiciário.

4. Aspectos relevantes da crise institucional do Poder Judiciário e da

necessidade de adotar um novo parâmetro de gestão

Com a afirmação “Sou juíza que teme precisar da Justiça” a Ministra Eliana

Calmon iniciou seu mandato na Corregedoria Nacional da Justiça, inaugurando uma

nova visão, do poder de dentro para fora, sobre o que ela denomina 100 (cem) anos

de atraso.

A sua principal crítica ao Poder Judiciário dizia que em dez dias apenas de

atividade viu coisas além do que se esperava e sabia, mas por outro lado diz ter

consciência de que não existem culpados específicos, pois acredita ser uma

disfunção estatal, uma vez que cada estado tinha uma justiça absolutamente

independente e com organização própria, muitas geridas por grupos de

desembargadores que não se alternavam no poder, resultando, por suas mãos, em

prejuízo aos jurisdicionados com atraso dos processos.

Os prédios, funcionários, práticas de serviço público, informática são alguns

dos problemas dessa disfunção. A ministra ressalta que num momento em que se

tem um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade, de

eficiência, eis um campo fértil para a corrupção, abrindo caminho para venda de

favorecimentos. Conclui que só a transparência de toda e qualquer atividade do

Estado, um dos princípios da democracia, é a solução.186 O sistema é que deve ser

modificado.

Além da exposição feita pela Ministra Eliana, outros aspectos colaboram para

a crise institucional e de gestão na qual ingressa o Poder Judiciário após o advento

da Carta de 1988, dentre eles, o aumento da procura pelos serviços judiciais, fatores

186

Cf. Eliana Calmon. O Estado de São Paulo. Quinta-feira, 30 de setembro de 2010, p. A22.

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de natureza processual, estrutural e de gestão relativos ao número excessivo de

recursos processuais, excesso de formalismo procedimental, abundância de leis,

difícil acesso ao judiciário por vários setores da população, número insuficiente de

magistrados e servidores, pouca informatização das unidades judiciais, falta de

planejamento estratégico, deficiência no controle administrativo, dificuldade de

integração com outras instituições judiciais e operacionais, como Ministério Público,

Defensoria Pública e Polícia, dentre outros.187

Assim, decorre a importância do planejamento, a gestão torna-se central e o

debate sobre reformas estruturais necessárias para dar ênfase aos aspectos

responsáveis por promover otimização de um órgão ou um poder público, visando

melhorias no serviço que esses órgãos se designam a prestar ao cidadão.188

A constatação de que o movimento institucional, visando uma significativa

amenização da crise no Judiciário, mostrou-se bem mais modesto se comparado à

velocidade de criação ao alcance obtido pelo MARE na segunda metade dos anos

1990. Após uma década de tramitação, a EC nº 45, aprovada em dezembro de

2004, criou o Conselho Nacional da Justiça em junho de 2005, órgão que tem a

responsabilidade de controlar, no âmbito nacional, as atividades administrativas e

financeiras das unidades do Poder Judiciário (artigo 103 – B, § 4º da Constituição

Federal),

Ministro Gilmar Mendes, enquanto presidente do CNJ, disse que entre as

preocupações daquele órgão está a boa gestão orçamentária e que durante as

inspeções e audiências públicas da Corregedoria Nacional de Justiça foram

constatados gastos excessivos, como pagamento de horas extras e gratificação de

forma indevida. O ministro, apesar de defender a autonomia dos tribunais, alertou

para o expansionismo dos gastos e da responsabilidade nos investimentos,

ressaltando a importância da articulação entre os tribunais e da necessidade de

buscar fundos de reaparelhamento.

187

Cf. L.J.M. Vieira e I. A. Pinheiro. Contribuições do Conselho Nacional de Justiça para a gestão do

Poder Judiciário. Rio de Janeiro: EnANPAD, 2008

188 Cf. José Marcelo Maia Nogueira e Regina Silvia Pacheco. A gestão do Poder Judiciário dos

Estudos de Administração Pública. Destacam ainda que é ampla a literatura sobre a chamada ‘nova gestão’, englobando o conjunto de ações empreendidas nas últimas três décadas visando aumentar a eficiência e efetividade das ações do Estado, em todo o mundo. Uma síntese das propostas e de suas inspirações teóricas é realizada por Kettl, 1997.

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136

Não há duvida de que o enfoque principal é de melhorar a gestão

administrativa dos Tribunais e adequação da gestão dos recursos públicos

disponíveis. Lembra, o ministro, que culpar o Poder Executivo e o Poder Legislativo

por falta de recursos no judiciário não basta, urge a necessidade dos próprios

tribunais levantarem se estão sendo bem aplicados os recursos hoje disponíveis,

aplacando a sede valorativa.

VII. O PODER EXECUTIVO

A expressão Poder Executivo,189 no texto de 1988, tem significado

indeterminado e variado, pois exprime parcialmente os mandamentos constitucionais

do cargo de Presidente da República, uma vez que seu conteúdo envolve poderes,

competências, faculdades, deveres, encargos, prerrogativas, no que diz respeito à

consecução dos atos de Chefia de Estado, de Governo e de Administração190,

confundindo o Poder e o Governo.

1. Do significado do Poder Executivo na Constituição de 1988.

O primeiro significado do Poder Executivo na Constituição é o órgão executivo

ou administrativo do artigo 2º que estabelece que os: Poderes da União são

independentes e harmônicos entre si – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário –;

sendo vedado expressamente. pelo artigo 60, § 4º, inciso II, qualquer forma que

venha abolir o preceituado, mesmo em sede de Emenda Constitucional.

189

Na classificação de Maurice Duverger nos estados constitucionais o Poder Executivo pode

aparecer como: Poder Executivo Monocrático exercido por reis, imperadores, ditadores e presidentes; Poder Executivo Colegiado exercido por dois detentores de igual poder, como por exemplo, os cônsules romanos; Poder Executivo Diretorial exercido por grupos de homens, que formam comitês, por exemplo na Suíça e que passou na ex-URSS; Poder Executivo Dual, característica do sistema parlamentarista, onde o governo é exercido por um chefe de Estado e um Conselho de Ministros, que atuam separadamente. Cf. Maurice Duverger. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 4ª ed.

Paris: PUF, 1959. v.1p. 135 e ss, 1959.

190 Cf. José Afonso da Silva. Comentários contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

472.

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Foi a maneira pela qual Montesquieu, em sua doutrina tríplice classificou a

atividade responsável pelas relações internas e externas do Estado, como fazer a

paz ou a guerra, enviar e receber embaixadores, estabelecer a segurança e prevenir

invasões. A função do Poder Legislativo definia a ordem jurídica produzindo as leis

enquanto que cabia ao Poder Executivo gerenciar a ordem estabelecida, executando

as leis.191

Mas como já vimos anteriormente, o princípio da separação dos poderes da

sua forma clássica até hoje avançou para uma relatividade, originando uma nova

conceituação nos dias atuais.

O segundo significado do Poder Executivo na Constituição encontra-se no

artigo 76, que é o de função executiva ou administrativa. Nele está previsto que o

Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República auxiliado pelos Ministros

de Estado, dispositivo que diz respeito ao cargo e ao seu ocupante. Isso remete aos

poderes, competências, faculdades, deveres, encargos, prerrogativas na

consecução dos atos de Chefia de Estado, de Governo e de Administração.

Além dessa estrutura conta também com dois Conselhos previstos

constitucionalmente: o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,

sendo, respectivamente, o primeiro órgão superior de consulta do Presidente e o

segundo de assuntos relacionados a soberania e a defesa do Estado Democrático.

2. Competência do Poder Executivo.

Dessa forma, ao Executivo, compete exercer a administração (CF, artigo 84,

incisos I, II, XXIV e XXV); incumbe-lhe também a atribuição normativa, de modo

generalizado (CF artigo 49, IX), e de modo específico (CF, artigo 84, inciso III, IV, V,

XXIII e XXVI), nesse particular, a expedição de regulamentos para a fiel execução

das leis (CF artigo 84, inciso IV, última parte); e quanto ao exercício do poder

disciplinar do seu pessoal, cabe-lhe julgar administrativamente os seus servidores

sem afastar o recurso ao Judiciário, em caso de lesão ou ameaça ao direito (CF,

191

Cf. MONTESQUIEU, livro XI, Capítulo VI. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996

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artigo 5º, inciso XXXV).192 Cabe ainda destacar a iniciativa quanto à matéria

orçamentária: Plano Plurianual – PPA, anualmente a Lei de Diretrizes Orçamentária

– LDO e o próprio orçamento, que pela sua importância, a Constituição lhe conferiu

um capítulo próprio (artigos 163 a 169).

3. Da proeminência do Poder Executivo.

Segundo Ferreira Filho193, no caso brasileiro podemos constatar que a

proeminência do Poder Executivo decorrre da proeminência do Presidente da

República que advém primeiro da ordem jurídica onde as funções que lhe são

atribuídas por ser o Chefe do Estado, Chefe de Governo, como já mencionamos

antes, acrescenta-se como fator político a sua legitimidade democrática, encarecida

pela eleição direta em dois turnos: aparece como o escolhido da maioria absoluta do

povo brasileiro.

O Chefe do Poder Executivo brasileiro dirige a política interna e externa do

país; administra o país, conforme os ditames constitucionais; promove ou orienta a

política legislativa de interesse nacional como autor da esmagadora maioria das leis

que vem sendo promulgadas; edita medida provisória; é o comandante da economia

nacional, ao interferir indiretamente no Banco Central ou nas instituições de

estímulos que dependem de financiamento, que advém muitas vezes do BNDES ou

do Banco do Brasil; soma-se a tudo isso a Petrobrás e outros setores que controla;

provê ao mais pobre ao administrar, através de seus ministros, a previdência, o

sistema unificado de saúde, programas assistenciais, dentre eles o bolsa-família;

emprega a imensa máquina estatal e para-estatal, bem como define seus salários; e

por fim afirma, que em tal função o Presidente da República é quem tudo sabe,

informado pela ABIN e pela Polícia Federal. 194

192

Cf. Patrícia Rosset. O Estado Regulador e as Agências Reguladoras. In: Temas Atuais de Direito

Público. Estudos em Homenagem à Professora Márcia Garcia. Campo Grande: Puccinelli Centro de Estudos Jurídicos/UCDB, 2008. p. 328-329.

193 Cf. Manuel Gonçalves Ferreira Filho. A separação dos poderes na ordem constitucional em vigor.

Jornada Jurídica em homenagem ao Professor Jorge Miranda: os vinte anos da Constituição Brasileira de 1988, Brasília, 01 a 03 de outubro de 2008, p. 10/11

194 Cf. Manuel Gonçalves Ferreira Filho. 2008, Op. cit. p. 11

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Fica claro que a posição jurídico-constitucional de proeminência do

Presidnete da República, caracterizada principalmente pela legitimidade democrática

direta pela qual foi eleito, pela sua ampla autonomia política, e pela

“irresponsabilidade política”, marcada pelos controles primários, isto é, políticos, pela

concentração unipessoal da chefia do Poder Executivo e da chefia do Estado,

largamente reforçada pelas competências legislativa que lhe são

constitucionalmente atribuídas195.

Assim, podemos afirmar que o ponto central desse tópico é que pelo regime

presidencialista de governo adotado pela Constituição de 1988, o Presidente da

República é o Chefe do Poder Executivo, tornando-se o expoente máximo na

organização do poder político, ainda atua legislativamente, e, no presidencialismo de

coalizão, o seu papel tem sido fundamental para manutenção do status quo ,

contextualizando as relações institucionais com os outros poderes.

4. Os instrumentos constitucionais de participação da atividade legislativa

O modo pelo qual os instrumentos constitucionais que o Poder Executivo

possui e se utiliza para participar da atividade legislativa influenciam materialmente

as decisões legislativas parlamentares. Esses instrumentos são encontrados no

texto constitucional, como anteriormente ressaltamos.

O governo participa da elaboração da lei formal desenvolvida no seio do

Parlamento, em três fases – fase preparatória, fase central e fase de integração de

eficácia – 196 através do processo legislativo e seu procedimento. Na fase inicial ou

preparatória o Presidente da República tem ampla competência na propositura de

projetos de leis, incluindo emendas à Constituição, e mais, a competência de

iniciativa que lhe é atribuída constitucionalmente, sem olvidar da reserva material de

iniciativa legislativa contida no artigo 61, § 1º, da Carta Maior.

Na fase central ou constitutiva, tem o Presidente da República o direito de

adesão ou de rejeição, ou seja o poder de sanção ou veto de lei discutido e

195

Cf. Omar Francisco do Seixo Kidra. O Executivo Legislador. O Caso Brasileiro. Coimbra:

Universidade de Coimbra, 2004. p. 224

196 Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004 Op. cit. p. 225

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aprovado no Parlamento. Já na fase final ou integradora de eficácia, cabe ao

Presidente da República emitir o ato certificatório ou de promulgação, atestando o

projeto de lei aprovado pelo órgão legislativo competente e que foram seguidos

todos os preceitos constitucionais relativos à produção legislativa, com publicação

do texto de lei aprovado, dando conhecimento a todos os cidadãos da existência de

um ato jurídico obrigatório de eficácia externa.

Quanto ao procedimento legislativo, o Presidente da República tem

competência constitucionalmente atribuída para participar nas mais diversas fases,

ocorrendo o que Siexo Kadri denomina de “pulverização de competências

presidenciais de intervenção sobre o procedimento legislativo de feitura das leis”197.

Clève198 leciona que pouco importa o regime de governo adotado, o Poder

Executivo pode afirmar sua presença seja no ato de provocação da função

legiferante, seja após, na manifestação desse órgão por ocasião da promulgação do

ato legislativo, ou seja, pode deflagar pela iniciativa legislativa, pode sancionar ou

vetar a produção legislativa, promulgar e publicar as leis.

Mas ainda há outros procedimentos que podem ser verificados na

Constituição de 1988 com os quais o governo consegue influenciar o processo

legislativo, como por exemplo, (artigo 84, inciso XI) ao remeter mensagem e plano

de governo ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa;

quando convoca extraordinariamente o Congresso Nacional, em caso de urgência

ou interesse público (artigo 57, § 6º, inciso II); pode solicitar urgência na apreciação

de projetos de sua iniciativa, quando cada Casa terá quarenta e cinco dias para

apreciar, após decorrido esse prazo, será incluída na ordem do dia sobrestando-se a

deliberação quanto aos demais assuntos (artigo 64, §§ 1º, 2º e 3º); pode encaminhar

informações solicitadas pelo Congresso, pedidos escritos de informações aos

Ministros de Estado (artigo 49, § 2º), que também podem comparecer ao Senado

Federal, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer uma de seus Comissões, por

iniciativa e mediante entendimento com a mesa respectiva, para expor assunto de

relevância de seu ministério (artigo 49, § 1º).

197

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri., 2004. Op. cit. p. 225.

198 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Atividade Legislativa do Poder Executivo.São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p. 100.

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5. O Poder Executivo legislador

Para a análise do presente estudo se faz necessária a visão de como o Poder

Executivo pode deflagar o processo legislativo e quais são suas comeptências para

tal. Assim, a atividade normativa do Poder Executivo como legislador, em sentido

estrito, reconduz a análise das leis delegadas e a configuração do regime jurídico

das medidas provisórias no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, que será

o tópico da nossa reflexão.

Seixo Kadri199 leciona que é indiscutível a capacidade legislativa atribuída ao

Poder Executivo nos contornos da Constituição Brasileira de 1988, e que o

deslocamento constitucional de competências legislativas para o Poder Executivo na

Carta de 1988, em que a função legislativa se encontra bipolarizada ou

compartimentada entre os Poderes Legislativo e Executivo.200

5.1. Leis delegadas

A assertiva de que as relações humanas contribuem para que as suas

demandas se tornem cada vez mais técnicas e ao mesmo tempo no âmbito do

Parlamento falta tal tecnicidade, aliada à sobrecarga da demanda legislativa, a

denominada inflação legislativa, a solução constitucionalmente encontrada para

contornar esses problemas da modernidade foi através do fenômeno da

desconcentração legislativa através da espécie leis delegadas.

Isso está previsto no artigo 59, IV. São atos primários editados pelo

Presidente da República, no exercício de uma competência legislativa originária,

mas nem de longe configuram um “cheque em branco” ao Executivo, pois somente

podem ser elaboradas em decorrência de um ato parlamentar de delegação ou de

lei de delegação, onde alguns requisitos devem ser obedecidos para o exercício

material a ser atribuído ao Poder Executivo.

199

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri. 2004. Op. Cit.. p. 223-232

200 Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri. 2004. Op. Cit. p. 223

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O artigo 68 estabelece que as leis delegadas serão elaboradas pelo

Presidente da República que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

Os requisitos constituem os limites materiais determinados pelo Parlamento, através

de princípios e critérios diretivos que regularão o ato legislativo a ser elaborado.

Aprovada a resolução autorizativa, cuja promulgação é incumbência do presidente

do Senado, na condição de presidente do Congresso Nacional – artigo 57, § 5º, será

editada a lei delegada obedecidos os prazos e os princípios fixados no ato de

delegação.

É vedada qualquer emenda, artigo 68, § 3º, no caso de resolução determinar

em uma única votação, mas se a esta não determinar a apreciação do Congresso,

compete ao Presidente unicamente editar a lei delegada e como não há

necessidade de sanção, o Presidente promulga o ato legislativo, providenciando a

sua publicação.

Pode ser apresentado um novo projeto desde que observado o prazo da

delegação e nesse caso a regra constitucional segundo a qual matéria constante de

projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma

sessão legislativa mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer

das Casas do Congresso Nacional, artigo 67, não parece ser aplicável na presente

hipótese.201

Durante o período da resolução delegante, o Poder Legislativo pode revogar a

delegação, legislar livremente sobre a matéria objeto da autorização, pois ele não

abdica da sua função de legislar, apenas autoriza o Executivo, que no período

determinado e segundo os princípios, exerce função normativa delegada.

Objetos de delegação não serão atos de competência exclusiva do

Congresso Nacional os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do

Senado Federal, matéria reservada à lei complementar, nem legislação sobre outras

matérias de interesse e competência organizacionais, tais como do Poder Judiciário

e Ministério Público, os planos orçamentários (planos plurianuais, diretrizes

orçamentárias e orçamentos), quanto à questão da nacionalidade, cidadania, direitos

individuais, políticos e eleitorais.

201

Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2004. Op. Cit. p. 259

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Assim, leis delegadas estão restritas às matérias que não tratem de direitos

fundamentais, da organização dos poderes e de planos orçamentários, entre outros,

pois delegar significa autorizar alguém a exercer temporariamente e limitadamente a

função legiferante. Motivo pelo qual não pode se conceber que o poder legislativo

“abra mão” da função que o constituinte lhe outorgou a qualquer outro poder.

Ao nosso ver, seriam esses os motivos que tornaram o uso inexpressivo de

leis delegadas e editadas pelo Presidente da República, seja pelo Congresso

Nacional estar constitucionalmente impossibilitado de oferecer emendas, seja pelo

excessivo grau de controle a que estão sujeitas as leis delegadas, seja pela

capacidade que o Parlamento tem de sustar atos normativos do Poder Executivo

que exorbitem os limites da delegação (artigo 49, V), seja pelo recurso do Poder

Executivo brasileiro de utilizar da urgência.

5.2. Das medidas provisórias

As medidas provisórias surgem como espécies legislativas em que o Presidente

da República pode, primariamente, inovar o ordenamento jurídico sem qualquer

autorização prévia do Parlamento, na tentativa de confortar as rápidas e

imprevisíveis alterações observadas nos quadrantes social e econômico.

A primeira consideração a ser feita sobre as medidas provisórias, novamente, é

que na redação final aprovada pela Comissão de Sistematização da Constituição de

1988, no artigo 59 e posteriormente em votação pelo plenário, nos seus dois turnos,

não existia essa espécie legislativa, ou seja, em nenhuma fase do processo da

Constituinte constava o texto aprovado da medida provisória. Aparece na fase da

Comissão de Redação.

A discussão sobre a adoção de medida provisória no texto constitucional,

remete ao movimento para que o Brasil adotasse o regime parlamentarista durante a

época da Assembleia Nacional Constituinte e, por esse motivo, a espécie legislativa

da medida provisória foi introduzida, inspirada no decreto-legge do sistema Italiano,

a fim de acalorar os ânimos entre as forças políticas atuantes no Parlamento. Essa

expectativa foi frustada quando da realização do plebiscito previsto com data para o

dia 21 de abril de 1993, no qual os brasileiros confirmaram a opção pelo regime

presdencialista, assim surge a primeira grande confusão, importou-se de uma forma

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de governo parlamentarista um mecanismo que acabou por ser aplicado num regime

presidencialista. Surge aqui a primeira grande confusão em nosso ordenamento

jurídico.

Com a espécie legislativa inserida no rol do artigo 59 da CF, passou então a

doutrina brasileira a analisar, e em sua maioria pareceu convergir num ponto

fundamental: que se trata de ato normativo primário, sendo atos extra ordinem que

derrogam parcialmente o princípio da divisão de poderes. Isto porque o artigo 44 da

Constituição dispõe que a função legislativa é exercida pelo Parlamento202.

A questão que se põe é em que medida as medidas provisórias são atos

elaborados de forma legítima, já que são atos legislativos formal e organicamente

diferenciados dos atos legislativos do Parlamento? E qual o resultado do uso dessa

espécie legislativa no presidencialismo de coalizão?

Cabe sempre recordar que o processo de formação das leis, em um Estado

Democrático de Direito deve ser legitimado, pois a democracia, vale dizer, é a fonte

democrática do sistema normativo e não apenas a existência deste como

mecanismo regrador dos aspectos jurídicos da vida social.203

Leciona Clève que

a força de lei é um conceito relacional, que se decompõe num duplo alcance material e formal, como a capacidade de dispor, positiva e negativamente, orginária e superveniente, sobre as relações e situações da voda, e como capacidade de agir ou reagir relativamente a outros atos-jurídicos (...) Logo a legislação pelo parlamento envolve a noção de rpresentativa e de debate público anteorior a eficácia do ato ilustrando a ideia de que a democracia não se exaure no momento eleitoral. Na democracia pluralista, a lei formal configura espécie de condensação de relação de forças entre sujeitos coletivos disttintos, mediatizados pela figura do mandatário eleito (...) No direito brasieliro adotado o regime presidencialista de governo, a lei formal carrega ainda, a noção de

202

Segundo Seixo Kadri, a medida provisória torna-se uma das amarras de difícil desate no direito

constitucional brasileiro, sendo várias as teses apresentadas sobre a natureza jurídica que vão desde natureza de ato administrativo até à de ato legislativo strito sensu. Cf. Omar Francisco de

Seixo Kadri., 2004. Op. cit. p. 227.

203 Cf. Hilda de Souza, 1998.Op. Cit. p. 29.

Nesta mesma seara, segundo Seixo Kadri, para Canotilho num Estado Democrático de Direito não importa tanto saber se o Poder Executivo pratica atos legislativos, mas sim se eles podem ser feitos e são feitos de forma legítima.

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somatória de vontades manifestadas por dois Poderes, o Legislativo e o Executivo. Trata-se portanto, de ato complexo. Entre nós, em consequência, a lei formal é espécie de ato legisaltivo definida pela origem (ato do Congresso Nacional), pela forma (forma de lei complementar ou ordinária), pelo procedimento (devido processo legislativo: ato público em que o debate procede a vigência), por força (força ativa e passiva de lei), assim como pela natureza (ato complexo). Neste ponto, é possível superar um argumento recorrente nos escritos daqueles que negam a medida provisória a natureza de lei: não se converte em lei algo que não é.

As medidas provisórias são atos legislativos não-ordinários, cujo requisito de

relevância se refere ao elemento físico que deriva de apresentação no quadrante

social de uma exigência de normação jurídica aliado à urgência que guarda

referência com a dimensão temporal, num sentido de ajustar de modo proporcional

o conteúdo da normação jurídica reivindicada – matéria – a um procedimento

legislativo idôneo (forma) que possa conformar - resposta jurídica - de modo

imediato ao quadrante social, sem que experimente prejuízos por falta de

previsibilidade constitucional de um instrumento legislativo expedido.204

Quanto à questão de delegação ao não, Clève demonstra que o

particular é suficiente para demonstrar que o Presidente dispõe de competência própria (embora expecional) para adotar a medida provisória, inocorrendo, no caso, por consequencia, a hipótese de automática delegação legislativa (ocorrentes os pressopostos de habilitação).

Para o Presidente da República editar medida provisória há a necessidade

de preencher os requisitos de relevância e urgência constantes no artigo 62, uma

vez que não foi entregue ao Chefe do Executivo uma competência ordinária, mas

não se trata de atos extra ordiem205 ou excepcionais, uma vez que a própria

204

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004. Op, cit. p. 228

205Ver:

Pedro Vieira Abramovay.A separação de Poderes e as medidas provisórias em um Estado

Democrático de Direito.Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: UnB, 2010.

Marco Aurélio Sampaio. A Medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros,

2007.

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Constituição disciplina os casos de excepcionalidade ou anormalidade em seus

artigos 136 e 137.

A primeira observação sobre os pressupostos de relevância e urgência fica

claro, pelo exposto, que o Poder Executivo não tem competência para exercer

função legislativa plena, mediante medida provisória, pois nesse caso a sua

atuação é excepcional, submetida a controle posteriori do Congresso Nacional206.

O urgente deve ser além da adoção da norma editada (vigência), e sua

incidência (aplicação), portanto é inadmissível a adoção de medida provisória para

produzir efeitos após determinado lapso temporal (eficácia diferida).207 Assim, cabe

ao Presidente da República demonstrar, mediante motivação, a ocorrência dos

pressupostos autorizadores, bem como a existência de correlação estreita ente os

motivos invocados (e, em consequência, também, a sitação de necessidade) e a

disciplina normativa aplicada, segundo Clève.208

Dessa forma, o Presidente da República, através de medidas provisórias,

pode veicular unilateralmente normas jurídicas destinadas a inovar o ordenamento

jurídico sem qualquer participação nas diversas forças políticas que se personificam

no Parlamento, indispensável num Estado Democrático.

A primeira questão era a submissão imediata do Congresso Nacional,no

prazo de 30 dias, que ao proceder a análise do ato legislativo adotado pelo Poder

Executivo, podendo o Parlamento rejeitar ou não a medida apresentada devendo

somente, por previsão constitucional, de disciplinar as relações jurídicas dela

advindas.

A EC nº 32/01 visou limitar o poder de edição de medidas provisórias,

delimitando quais poderiam ser as matérias alvo desta espécie legislativa, ou seja,

determinando que seriam as matérias objeto de lei ordinária, por impossibilidade

decorrente de seu regime jurídico-constitucional. Assim, a limitação material para a

edição de medidas provisórias (EC. 32/01) será a mesma existente em relação à lei

206

Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 80.

207 Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 96.

208Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 100.

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delegada, ou seja, pelos motivos expostos, quando tratamos do assunto se aplica o

mesmo raciocínio.

A única diferença recairá sobre a matéria tributária. Mas como no caso da lei

ordinária, há divisões até os nossos dias quanto à questão.

Mas quanto a impossibilidade de matéria de lei complementar ser editada por

medida provisória, pelos motivos e especificações constitucionais, é clara pela

própria característica e natureza, pois somente poderão ser matéria de lei

complementar aquela relativa ao chamamento no texto constitucional.

A EC nº 7/95 já havia introduzido alterações ao perfil sistematizado no texto

da Constituição pelo artigo 246, restrições explícitas ou objetivas consistem na

vedação de adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da

Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a

partir de 1995.

A vigência das medidas provisórias é de até o prazo limitado de 60 dias,

prorrogável por 60 dias (EC nº 32/01), consequentemente após sua edição, se não

convertida em lei, ocorre a perda de eficácia ex tunc, deixando de existir no

ordenamento jurídico e seus efeitos desconsiderados desde o início. Ao ser editada

a medida provisória, com força de lei, suspende-se e paralisa-se a eficácia de

disposições legais que se encontram em contrário até a sua apreciação.

Essa transitoriedade no ordenamento jurídico associado à perda de eficácia

ab initio contribuiu substancialmente para que o ato legislativo governamental tenha

uma eficácia precária ou condicionada temporalmente pela pendência de cláusula

resolutiva do Congresso Nacional.

Quanto ao Congresso Nacional, dois procedimentos distintos estão contidos

na resolução nº 1/89. O primeiro refere-se ao controle político sobre os pressupostos

de relevância e urgência, emitindo um juízo de oportunidade política no sentido de

verificar a subsistência ou não, no plano fático dos referidos pressupostos. Assim,

após isso, a medida provisória segue sua tramitação para se tornar projeto de lei de

conversão, podendo ser oferecidas emendas que versem sobre o objeto da medida

provisória de modo que o instrumento normativo governamental não seja

desconfigurado na sua finalidade.

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Outra questão é se o Presidente da República poderá vetar o projeto de lei de

conversão, e a resposta deve ser negativa, porque há uma incompatibilidade

temporal entre o escasso prazo de vigência da medida provisória e o regime jurídico

constitucional do instituto do veto. Por outro lado seria impensável pelo próprio

significado de intervenção do parlamento sobre as medidas provisórias (função de

controle) que o poder controlado controlasse o controlante209.

A EC nº 32/01 exigiu do Congresso Nacional pronunciamento prévio e

expresso sobre os pressupostos de urgência e relevância como condição para

deliberação. Tal medida não produziu o efeito necessário, as reiterações sucessivas

de edição de medidas provisórias, não convertidas em lei, retiraram uma das suas

características fundamentais, qual seja a sua não-ordinariedade, mantendo

indefinidamente no ordenamento jurídico seus efeitos. O resultado foi uma

ampliação do poder do Poder Executivo ao incluir o sobrestamento de pauta, assim

uma medida provisória que não for apreciada em até 45 dias, ela integrará a pauta

em regime de urgência obstruindo as demais deliberações da Casa Parlamentar (EC

nº 32/01), o que resultou no controle da agenda da Câmara durante muito tempo,

várias foram as obstruções em razão dessa disposição.

Essa prática além de tolher a autonomia da agenda do Legislativo,

provocando sua inércia e paralisação, também funcionou como forma de coerção

para determinadas deliberações210, sem falar que amarrou a participação do

Legislativo na definição e no estabelecimento de políticas públicas, vez que não

havia discussão prévia dessas matérias.

O Poder Legislativo poderia ter invertido toda esta situação se cumprisse com

a determinação de apreciar os requisitos de relevância e urgência, no prazo de 10

dias a contar do inicio da data da sua tramitação, detendo a inflação de medidas

provisórias, que durante muito assolou o Parlamento, que após a EC 32/01, o Poder

Executivo produziu 896 medidas provisórias, entre originarias e reeditadas e iniciou

1.077 leis ordinárias e 3 leis complementares.

209

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004. Op. Cit. p. 229.

210 Ficou bem evidente essa manipulação por ocasião da votação da CPMF, em que o Chefe do

Executivo revogou medida provisória que estava sobrestando a pauta para poder incluir a votação sobre a CPMF. Tal procedimento foi objeto de apreciação do Supremo Tribunal Federal.

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CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS

PODERES E O PRESIDENCIALISMO DE COLIAZÃO

I. PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO

Os debates e discussões, como já foram lembrados neste presente estudo,

quando das audiências públicas na Assembleia Nacional Constituinte, sobre a

redemocratização do Brasil e os aspectos centrais da relação entre os poderes e os

possíveis conflitos decorrentes delas, remeteu-nos à experiência da Carta de 1946

seguida de um golpe militar em 1964. Esses acontecimentos históricos trouxeram

reflexos para o panorama que se instaurou durante os trabalhos da Constituinte.

Deles podemos extrair várias preocupações.

A relação entre o Executivo e o Legislativo tem sido no decorrer da nossa

história fator de debates quanto à estabilidade democrática, seja pelo

pluripartidarismo representado no Congresso, seja pela agenda nacional no sentido

de atender e corrigir demandas nacionais complexas de toda ordem e diante das

suas peculiaridades, através de políticas públicas elaboradas pelo Executivo.

1. Como surge o conceito presidencialismo de coalizão.

Assim, bem posicionado em relação ao quadro da época, no tocante às

instituições, Sergio Abranches elabora obra intitulada Presidencialismo de coalizão:

o dilema institucional brasileiro .211 A obra se tornou um marco para estudos futuros,

211

No tema, podem ser consultados:

Adrián Albala & Josep M. Reniu. Los gobiernos de coalición y su incidência sobre los presidencialismos latinoamericanos: el caso del Cono Sur. Barcelona: Institut de Ciencies Politiques

Socials, 2011.

Diego Valadés. Reflexiones sobre la racionalización de los sistemas presidenciales. .In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais n. 9, julho/dezembro. Fortaleza: Instituto Albanisa Sarasate, 2008.

Jorge Viana Monteiro. O constitucionalismo de risco. In: Revista Administração Pública, n. 41. Rio de

Janeiro: FGV, 2007. 993-1006.

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150

notadamente da ciência política, que se debruçaram sob os mais diversos enfoques

visando explicar, de forma teórica e empírica, as virtudes ou não desse desenho e

dessa prática denominada de presidencialismo de coalizão, buscando entender

como essas questões se entrelaçam na arena decisória de elaboração da política e

agenda nacional.

O tema presidencialismo de coalizão, conceito desenvolvido por Abranches,

surge da reflexão de que qualquer que fosse o mecanismo de governança

estabelecido pela Constituinte, este teria de conviver com uma profunda

heterogeneidade das demandas sociais. Isso por que212 uma explosiva acumulação

de conflitos distributivos e de exigências formuladas a um Estado que se encontrava,

no fim dos anos 1980, esgotado em sua legitimidade e em sua capacidade fiscal e

de gestão, apontava para as correntes profundas da história brasileira que teriam de

ser consideradas em qualquer desenho institucional.

Assim, segundo o autor, esse foi o dilema que se colocou para a Constituinte

no desenho institucional. Os mecanismos de governo teriam de combinar a eficácia

____. Governabilidade. In: Revista Administração Pública, n. 42. Rio de Janeiro: FGV, 2008. 767-77.

José Álvaro Moisés. Desempenho do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (1995-2006). .In: Cadernos Adenauer n. 2. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2011.

Maurício Matos Mendes. Breves anotações sobre o presidencialismo de coalizão no Brasil. E-Legis n. 03, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009.

http://bd.camara.gov.br

Oswaldo Gomes dos Reis Junior. A relação Executivo-Legislativo e a construção de maiorias parlamentares em um ambiente de presidencialismo de coalizão: uma sistematização do debate.

Brasília: Unilegis, 2008.

Rogério Cardoso Machado. Uma reflexão sobre o papel da oposição parlamentar no contexto do presidencialismo de coalizão brasileiro. Brasília: Unilegis, 2008.

Reinaldo Sobrinho do Nascimento. Poder de Agenda: a supremacia do Poder Executivo e seus efeitos na sistematização da pauta do plenário da Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital da

Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br

Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo & Rafael Silveira e Silva. Apropriação da agenda do Legislativo: como aferir esse fenômeno? Textos para discussão n. 76, setembro. Brasília: Senado

Federal, 2010.

Vicente Palermo. Como se governa o Brasil? O debate sobre instituições políticas e gestão de governo .In: Dados v. 43 n. 03, Rio de Janeiro: Dados, 2000.

212Cf. Sergio Abranches. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, 31. Rio

de Janeiro: IUPERJ, 1988. Esta obra virou referencia para todos os estudiosos que se debruçaram sobre o fenômeno de presidencialismo de coalizão. p. 8.

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decisória tradicionalmente associada aos sistemas políticos ditos majoritários - que

geram no aparelho estatal situações de maioria clara que consegue formar governo

e impor suas decisões dentro das regras vigentes - com a representatividade dos

modelos consensuais - cujo funcionamento permite a uma maioria de grupos

distintos influírem nas decisões, conquistando mais legitimidade

para o resultado

final e reduzindo os pontos de tensão.

2. Importância da experiência de Carta de 1946

Levando em conta a Constituição da República de 1946213, dados históricos

demonstram que a coalizão na época existente com o fim de obtenção de maiorias e

governabilidade se fazia após as eleições, segundo eixos partidários e regionais.

Nesse tipo de coalizão poderia ocorrer: a associação entre partidos pode se fazer ad

hoc, desconsiderando incompatibilidades programáticas, quando da montagem da

coalizão.

Tal mecanismo se fazia em bases clientelistas de distribuição de cargos e

benesses governamentais. As demandas por esse tipo de benefício poderiam

superar a capacidade ou a disposição do Presidente de concedê-los. O interlocutor

para a formação da coalizão era o Presidente da República, sendo epicentro de

qualquer conflito ou crise, fazendo com que a agudização das divergências entre

facções fragilizasse o próprio personagem que, supostamente, teria um papel

moderador.

3. O desafio institucional posto na Constituinte de 1988.

Assim, Abranches afirma que com essas características o presidencialismo de

coalizão, em qualquer crise, é pró-cíclico: o surgimento de qualquer problema social

que exige escolhas e imposição de perdas tende a provocar divergências entre os

213

Cf. Fabiano dos Santos, Op. Cit. 2003. Ao desenvolver análise do tema faz um paralelo sobre o

sistema vigente sob a égide da Carta de 1946, fazendo a analogia pela a Carta de 1967 e a EC 1969 até chegar na análise da Carta de 1988. Alerta que a análise deve ser feita no decorrer do tempo, pois vários fatores que hoje integram o conceito de presidencialismo de coalizão decorrem das situações históricas do passado e do seu desenrolar.

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membros de uma coalizão, que arrastam o próprio Presidente, deixando frágeis e

divididos os atores de decisão exatamente no momento em que necessitam de

maior força política para enfrentar a crise. Nesse sentido, a ruptura da coalizão no

Executivo, ou a incapacidade de formá-la, prenuncia quase automaticamente um

conflito entre poderes, ou seja, as forças que deixaram a coalizão vão ter

preponderância no Parlamento.

Em outras palavras, segundo Abranches, com a coexistência das

características institucionais que move o universo político nacional,

o Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o presidencialismo imperial, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, presidencialismo de coalizão.214

À evidência do dilema posto, o autor sugere

uma instância, com força constitucional, que possa intervir nos momentos de tensão entre o Executivo e o Legislativo, definindo parâmetros políticos para resolução dos impasses e impedindo que as contrariedades políticas de conjuntura levem à ruptura do regime. Por outro lado, este instrumento de regulação e equilíbrio do regime constitucional serve no presidencialismo de coalizão, para reduzir a dependência das instituições ao destino da presidência e evitar que esta se torne o ponto de convergência de todas as tensões, envolvendo diretamente a autoridade presidencial em todos os conflitos e ameaçando desestabilizá-la em caso de insucesso.215

Nessa medida, o enfoque atribuído ao denominado presidencialismo de

coalizão, acarretou em argumentos dos diferentes autores,216 gerando controvérsias,

sendo, estas, foco de vários estudos217.

214

Cf. Sergio Abranches, 1988. Op. Cit. p. 19.

215 Cf. Sergio Abranches, 1988. Op. Cit. p. 31.

216Argelina Cheibub Figueiredo. Instituições e Política no Controle do Executivo. In: Revista de

Ciências sociais. vol. 44, n. 4. Rio de Janeiro: Dados, 2001. pp. 689 – 727

Argelina Cheibub Figueiredo. Formação, funcionamento e desempenho das coalizões de governo no Brasil. Trabalho apresentado no 5º encontro da ABCP, 26 a 29 de julho. Belo Horizonte, 2006.

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153

Argelina Cheibub Figueiredo & Fernando Limongi. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

____. Incentivos eleitorais, Partidos e Políticia Orçamentária. In: Revista de Ciências Sociais. v. 45,

n.2. Rio de Janeiro: Dados, 2002.

____. Mudança Constitucional, Desempenho do Legislativo e Consolidação Institucional.In: Revista de Ciências Sociais. v.10, n. 29. Rio de Janeiro: Dados, 1995. pp.175 – 200.

Arturo Velenzuela & Juan Linz. (Eds.). The Failure of Presidential Democracy. Baltimore: Johns

Hopkins University Press, 1994.

Carlos Pereira & Bernardo Mueller. Comportamento estratégico em presidencialismo de coalizão: as relações entre Executivo e Legislativo na elaboração do orçamento brasileiro..In: Revista de Ciências Sociais, v. 45, n. 2, Rio de Janeiro: Dados, 2002.pp. 265 – 301.

____. Partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes na arena legislativa: a conexão eleitoral no Brasil. .In:Revista de Ciências Sociais. v.46, n. 4. Rio de Janeiro: Dados, 2003. pp.735 -771.

Fabiano Santos. O poder legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.

Fátima Anastasia & Carlos Ranulfo Melo & Fabiano Santos Governabilidade e representação política na América do Sul. .In: São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung e Unesp, 2004.

José Antonio Cheibub & Adam Przeworski & Sebastian Saiegh. Governos de coalizão nas Democracias presidencialistas e parlamentaristas..In: Revista de Ciências Sociais. v. 45, n. 2, Rio de

Janeiro: Dados. pp.187-218.

Octavio Amorim Neto & Paulo Tafner. Governos de coalizão e mecanismos de alarme de incêndio no controle legislativo das medidas provisórias . In: Revista de Ciências Sociais. v. 45, n. 1. Rio de

Janeiro: Dados, 2002. pp. 5 – 38.

Octavio Amorim Neto e Fabiano Santos. O segredo ineficiente revisto: o que propõe e o aprovam os deputados brasileiros. In: Revista de ciências Sociais. v. 46, n. 4. Rio de Janeiro: Dados, 2003.

Octavio Amorim Neto. In: The Presidential Calculus: Executive Policy-Making and Cabinet Formation in the Americas. Forthcoming in Comparative Political Studes. vol. 39, n. 6. 2006.

____. Presidential Cabinets, Electoral Cycles, and Coalition Discipline in Brazil..In: Legislative Politics in Latin America. Eds. Scott Morgnstern and Benito Nacif. New York: Cambridge University Press, 2002.

____. Gabinetes Presidenciais Ciclos Eleitorais e Disciplina Legislativa no Brasil. In: Revista de

Ciências Sociais. v. 43, n.2. Rio de Janeiro: Dados, 2000. pp. 479 – 519.

____ . Of Presidents, Parties and Ministers: Cabinet Formation and Legislative Decision-Making Under Separation of Powers’.Mimeo, University of California at San Diego, 1998.

Magna Inácio. Presidencialismo de coalizão e sucesso presidencial no Brasil. Trabalho apresentado

n. 52 encontro da ABCP, 26 a 29 de julho. Belo horizonte, 2006.

Scott Mainwaring & Matthew Shugart. Juan Linz, presidentialism, and democracy: a critical appraisal.

Working Paper, n. 200 July.

____. Presidentialism and Democracy in Latin America. Cambridge. Cambridge University Press,

1997.

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Para nós, após a leitura da maioria das obras citadas, uma se destacou pela

forma esquemática e atual como expôs as três grandes vertentes sobre o

pensamento dessas correntes doutrinárias, no tocante ao conceito e aspectos do

presidencialismo de coalizão.

O texto intitulado Relações Executivo-Legislativo no Presidencialismo de

Coalizão: Um quadro de referência de Orçamento e Controle, de autoria de

Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, traz de forma clara o que ocorreu desde o

lançamento da obra de Abranches até 2012, e os desdobramentos sobre o

presidencialismo de coalizão.

O trabalho visa colocar todas as vertentes, motivo pelo qual, adotamos o

referido texto como ponto de partida para explicitá-las. Cabe ressaltar que mesmo

que estudiosos citados por este autor tenham sido alvo de análise por nossa parte,

faremos a remissão, conforme o próprio Bittencourt, para que a fidelidade da lógica

do texto, inclusive no tocante às inserções de referências bibliográficas fiquem em

conformidade com o estudo supra citado.

No que diz respeito às obras citadas como referência nesse ponto do nosso

estudo, a evidência de que em sua maioria os estudiosos partem da análise de

dados concretos através do dimensionamento de números de proposituras

apresentadas por cada poder, das emendas oferecidas pelo Legislativo em

propostas do Executivo, verificação da atuação das forças partidárias internas,

atuando em grupos, dentro do sistema como um todo, além do sucesso da agenda

de governo. Entretanto, para o presente estudo, esses números não serão citados,

apenas as conclusões a que eles resultaram na conclusão dos enfoques dados.

Scott Mainwaring. Presidentialism, Multipartism, and Democracy: The Difficult Combination.

Comparative Political Studies, v. 26, n. 2.1993.

217Julio César Silva. Organização legislativa e formação de coalizões em regimes presidencialistas:

elucidações sobre a teoria do presidencialismo de coalizões. Dissertação de Mestrado em Ciência

Politica. Recife: UFPE, 2007.

Maria Priscila Lapa. O papel do legislativo no processo orçamentário: explicações, modelos e teorias na ciência política brasileira. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Recife: UFPE, 2007.

Manoel Leonardo Santos. As teorias positivas de organização legislativa e as explicações sobre o Congresso Nacional. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Recife: UFPE, 2006

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Aprofundando agora sobre o tema presidencialismo de coalizão, um

importante destaque que Bittencourt218 traz, quanto ao estudo desenvolvido por

Abranches, é que este levantou um ponto extremamente sensível e que diz respeito

ao momento em que a América Latina e os movimentos de democratizações

questionavam o sistema presidencialista como mecanismo institucional sob os

pontos de vista: crises de governos, legitimidade, sistemas e coalizões eleitorais,

mandatos com prazos fixos, questões plebiscitárias.219

De fato, Bittencourt, sublinha que, aliado ao processo de democratização, na

década de 1990, crises institucionais envolvendo conflitos Executivo-Legislativo sem

possibilidade de conciliação ordenada, com renúncias,

autogolpes e impeachments presidenciais, teve repercussão de que o regime presidencialista era um mecanismo institucional inadequado para qualquer nova democracia, isto porque tal sistema se mostrava com escassa flexibilidade para regular distintas alternativas do processo político e uma notável incapacidade de evitar crises de governo se transformar em crises de regime político.220

Essa conclusão permanece durante um tempo como verdade aparente, pois

haviam poucos dados comparados sobre democracias presidencialistas recentes,

motivo pelo qual, só depois de decorrido um bom período é que surge uma nova

visão, relativizando a posição anterior, pois ficou claro que a queda incessante de

presidentes eleitos e a frequência constante das crises presidenciais “fortaleceram a

percepção de que os regimes presidenciais tendem à instabilidade por sua própria

218

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt. Relações Executivo e Legislativo no presidencialismo

de coalizão: Um Quadro de Referência para Estudos de Orçamento e Controle.Textos para discussão. Abril. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2012. pp.1 - 47 219

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012, Op. Cit. p. 9.

220Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 21012. p. 10. O autor traz a contribuição do estudo de

Arturo Velenzuela & Juan Linz. (Eds.). The Failure of Presidential Democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997 p. 35, apud Chasquetti, 2008, p. 20, explicando que em termos cronológicos, a edição de 1997 é a tradução espanhola; a primeira edição sistematizada é de 1994 em inglês, mas o começo da circulação dos artigos de Linz com o essencial dessas ideias é identificado por Chasquetti em 1987). E ressalta que consta uma extensa lista de trabalhos nessa mesma linha de conclusões. Daniel Chasquetti . Democracia, presidencialismo y partidos políticos em América Latina: evaluando la ‘dificil combinación’. Montevideo: Universidade de República, 2008. p. 20.Para uma discussão crítica desse modelo conceitual, Scott Mainwaring. Presidentialism, Multipartism, and Democracy: The Difficult Combination. Comparative Political Studies, v. 26, n. 2.,

1993.

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natureza e de que a maioria dessas crises poderiam ter sido resolvidas de maneira

menos traumática sob um regime parlamentar.”221

4. O contexto da América Latina e o presidencialismo.

A observação desse último estudo, com a constatação de que mesmo o caso

extremo das crises presidenciais em quase nenhum, na realidade, isso resultou na

ruptura institucional democrática, apesar dos riscos potenciais e com todos os

conflitos reais, o sistema presidencial manteve a governabilidade democrática em

toda a geografia do subcontinente, como ficou demonstrado em estudo analisando o

fenômeno cujo foco era de examinar as suas causas.222

O estudo conclui que “o argumento teórico original”, ou seja, os mandatos

fixos geram previsibilidade para o cálculo político; a legitimidade independente de

cada Poder é um fator importante para os checks and balances que representam,

mais que qualquer outra coisa, a garantia da democracia; a eleição presidencial

direta plebiscitária é uma abertura real da competição política a todos os setores

partidários e uma força no sentido da prestação de contas do governo à cidadania. A

partir desse desafio teórico, uma nova geração de estudos pôs-se a perguntar não

mais qual é o regime mais apropriado para a democracia, mas sim quais são as

melhores condições para que um determinado regime de governo alcance um bom

desempenho institucional.223

221Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. Cit. p. 10. Aqui ressalta o autor que para um mapa sistematizado dessas crises Aníbal Pérez-Liñan. Jucio político al presidente y nueva inestabilidad política em América Latina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 77 – 111ss.. 222

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. Cit. p. 10. Citando o estudo de Pérez-

Liñan, 2009, p. 111.

223Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. cit. p. 11. Este estudo também foi alvo de

análise por nós, sendo referencia para a maior parte dos trabalhos desenvolvidos sobre presidencialismo de coalizão.Thimothy Power & Mattew Taylor. Conclusion: the web of accountability institutions in Brazil. In: Thimothy Power & Cesar Zucco Junior (Org.). O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileiro. Belo Horizonte: UFMG, 2011.p. 134.

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Em 1992, um novo estudo224 veio a discordar dessas posições. Os autores ao

concluir que os mandatos fixos geram previsibilidade para o cálculo político; a

legitimidade independente de cada poder é um fator importante para os checks and

balances que representam, mais que qualquer outra coisa, a garantia da

democracia; a eleição presidencial direta “plebiscitária” é uma abertura real da

competição política a todos os setores partidários e uma força no sentido da

prestação de contas do governo à cidadania. Assim, destaca Bittencourt que a partir

desse desafio teórico, uma nova geração de estudos pôs-se a perguntar não mais

“qual é o regime mais apropriado para a democracia, mas sim quais são as

melhores condições para que um determinado regime de governo alcance um bom

desempenho institucional”.

Aquilo que foi denominado, por Abranches, como uma difícil combinação, a

saber: sistemas presidencialista e multipartidário, torna-se alvo de estudos sob o

enfoque de quais são as melhores condições para um bom desempenho

institucional de governo.

5. A figura do Presidente da República.

A figura do Presidente foi então avaliada sob o enfoque: da hipótese de que

um Presidente que se originaria de um dos partidos teria seu peso no Legislativo

limitado ao peso de seu partido, e nessa posição de minoria, os incentivos

institucionais para a coalizão se tornariam pequenos.

Por outro lado, para o eleitorado, o relevante seria o parlamentar, o que não

coincidiria com o eleitorado presidencial. Assim, em decorrência desse quadro, o

custo de qualquer partido sair da coalizão seria baixo, pois não acarretaria na queda

do governo como ocorreria no parlamentarismo. Saída esta que seria menos

custosa se o Presidente estivesse frágil ou envolvido em problemas.

De nada adiantaria a existência de uma coalizão pré-eleitoral para

potencializar, em função de qualquer regra eleitoral, as chances de eleição tanto de

224

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, e tradução própria dele. Op. Cit. 2012. 11. O autor

traz a contribuição do estudo de Matthew Schugart & Jonh Carey. Presidents and Assemblies.

Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

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Presidente quanto de legisladores, em nada assegurariam a sua duração com o fim

de obter maioria para as decisões de governo225.

Reportando ao referido estudo, Fabiano dos Santos226 leciona que

mesmo contra todas as apostas teóricas, os governos presidencialistas governavam sob o multipartidarismo, e encontravam soluções em grande parte dos países para tomar e implementar decisões e levar adiante seu programa político de forma mais ou menos organizada dentro dos marcos institucionais democráticos. Uma vez mais, um efeito cuja causa se teria de buscar: existem coalizões de governo eficazes, que promovem a interação entre Legislativo e Executivo sem conflito insolúvel, pois em vinte anos, o presidencialismo de coalizão deixou de ser descrito como um ‘dilema’ para ser entendido como a ‘política ordinária.

Dito de outra forma, as condições para a formação e manutenção das

coalizões estariam vinculadas a outros critérios que careciam de ser identificados.

Diante do exposto, a reflexão necessária se faz sobre quais critérios e

instrumentos a serem identificados que possibilitariam condições para sua formação

e manutenção desta forma de relação institucional entre esses poderes que estão

sendo utilizados para que ocorra uma estabilidade política.

6. Dos interesses dos parlamentares e seu comportamento.

Os instrumentos utilizados na relação institucional entre os poderes

Legislativo e Executivo ensejam várias respostas com foco nas relações

comportamentais dos parlamentares e de suas prioridades e as diferentes

abordagens teóricas.

225

Cf. Fabiano Santos. Patronagem e Poder de Agenda Política Brasileira. In: Revista de Ciências

Sociais. vol. 40, n.3. Rio de Janeiro: Dados. p. 28.

Fabiano Santos, remete aos estudos de Mainwaring, 1993, apud Chasquetti, 2008, p. 28. Ressalta que não se trata de idiossincrasia brasileira: grande parte dos países latino-americanos tem algum grau da “difícil combinação”: Equador e Peru, casos clássicos e contínuos no tempo; Bolívia antes da ruptura constitucional de 2004; Chile entre 1932 e 1973; em alguma medida Paraguai após 1989; Argentina após 1990 (em especial se leva em conta a natureza de verdadeiro partido das facções peronistas, por vezes mais enfrentadas entre si que com os partidos formalmente adversários).

226 Fabiano dos Santos, 2008. Op. Cit, p. 28.

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Três grandes linhas se agruparam em função dos argumentos explicativos

principais, como leciona Bittencourt e todas elas coincidem em um ponto: que a

distribuição inicial de preferências no sistema partidário é um fator de grande

influência na dinâmica das coalizões e que a avaliação e medição do impacto da

configuração do sistema partidário consistem em fatores relevantes para discutir os

resultados destas coalizões.

Com base em seu estudo passaremos a discorrer sobre as vertentes e seus

respectivos autores.

7. A Primeira vertente: preponderância decisória do Executivo baseada no

poder de agenda institucional.

A primeira vertente enfatiza que não há propriamente conflito, mas uma

subordinação prática do Legislativo à agenda presidencial de políticas públicas, e

que esta subordinação teria origem fundamentalmente nas regras institucionais que

dão ao Executivo poder especial. Isso pode ser tanto de previsão constitucional,

quanto de normas infraconstitucionais, entre elas os regimentos internos das Casas

Legislativas, no sentido de encaminhar propostas de seu agrado e bloquear

iniciativas que lhe são contrárias na decisão parlamentar.227

O poder de agenda irá decorrer de prerrogativas de iniciar projetos de lei, as

condições para aceitação de aprovação de emendas, a prerrogativa de vetar

legislação, o rol de matérias pode tratar por decreto, as prerrogativas de convocação

de plebiscitos e referendos e de convocação de sessões legislativas extraordinárias,

os poderes para determinar a ordem do dia das votações, os prazos e o itinerário da

tramitação das proposições, as regras de quórum, dentre outros.

227Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt o estudo presente tráz uma lista exaustiva sobre os

referidos meios de itinerários de tramitação e regras, além de tantos outros, abrindo várias possibilidades, trazendo uma grande contribuição para o seu texto, de forma esclarecedora. Mercedes Garcia Montero. Presidentes y parlamentos: quien controla la acividad legislativa em América Latina?. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2009.p. 54.

Mais precisamente, [..] este poder es la capacidad de iniciativa política para insertar en la agenda política alternativas que correspondan a las preferencias o intereses de los actores. Esta capacidad engloba el derecho de formular y de expresar preferencias; el derecho de que sus preferencias sean consideradas enf orma igualitaria en las acciones de gobierno; el derecho de proponer, iniciar y modificar la lefislación, y el derecho de determinar nos ritmos y secuencias de procedimientos a lo largo del proceso de toma de decisiones [..].

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Essa linha de argumentação tem como ponto central a dominância do

Executivo brasileiro em termos comparativos na América Latina. Nesses estudos a

importância do aumento do poder de agenda do Executivo seria decorrente da

alteração institucional do novo regime democrático, de 1988, vis-à-vis a Constituição

de 1946.

Nesse sentido é incisiva a assertiva de Fabiano dos Santos que ]

Do ponto de vista institucional, mudaram expressivamente os recursos de agenda em mãos do Executivo (...) O Executivo pode, atualmente, pedir, de maneira unilateral, urgência para a tramitação de seus projetos. Possui, além do mais, monopólio sobre a emissão de projetos que fixem o efetivo das Forças Armadas e aqueles de natureza financeira. Na seção 3 apresento uma explicação de como os recursos de agenda podem afetar positivamente a tendência majoritária na Câmara em favor das pretensões presidenciais. Por isso, a defesa, neste artigo, do argumento institucionalista, mas não no sentido macro, que faz menção unicamente a variáveis estruturais do sistema político. Defendo o argumento que mudanças nas regras que regulam o processo decisório, e não as instituições que formam a polis foram determinantes para a alteração da relação Executivo/Legislativo. A agenda compartilhada cedeu espaço para uma agenda imposta.228

Depreende da leitura que as regras institucionais de controle da agenda é o

centro da explicação de como o Executivo obtém cooperação do legislador não de

forma negociada, mas forçada229 pelo Executivo, pois, de fato, todas as decisões de

uma forma ou outra são por ele controladas. Isso acabaria por acarretar um

comportamento parlamentar residual ou mesmo predatório, que acabam “buscando

colher algum tipo de ‘prêmio de consolação’ por simplesmente manter a disciplina de

sujeição ao Executivo”.

Mas outras posições, quanto às possíveis variáveis, acreditam que o poder de

agenda é importante, mas não fecha o raciocínio quando o tema é coalizão, pois

dois fatores intervêm com mais força no controle da atividade legislativa: o desenho

228

Fabiano dos Santos, 1997. Op. cit. p. 11.

229Vicente Palermo. Como se Governa o Brasil? O Debate sobre Instituições Políticas e Gestão de

Governo. .In: Revista de Ciências Sociais. v 43, n. 3. Rio de Janeiro: Dados - IUPERJ, 2000. p. 8

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institucional e as maiorias legislativas.230 Sob esse ponto de vista, o fato da

existência de fortes poderes institucionais para o Executivo não lhe assegura o

controle sobre a atividade legislativa, há a necessidade de se ter maioria através de

negociações de produtos legislativos.231

No Brasil, o quadro institucional partidário e a possibilidade de obter maioria

são, na realidade, extremamente difíceis. Para obter vitória em sua proposta, o

Presidente necessitará de coalizões, independentemente de poder extraordinário de

agenda.

Assim, para essa vertente, os instrumentos legislativos à disposição do

presidente foram frequentemente mal interpretados: considerados como incentivos a

excluir, devem ser entendidos como incentivos para alterar a disposição dos

congressistas, fazendo-os cooperar - já que é melhor para seus próprios interesses -

, ajustando seus passos ao poder de agenda do Presidente.232

Com efeito, as certezas próprias de uma autoridade concentrada, exercida

sobre atores que se limitam a cooperar de forma submissa, não parecem ser

capazes de explicar a posição do parlamentar, esses instrumentos devem ser

entendidos como incentivos para alterar a disposição dos congressistas, buscando

uma cooperação com o fim de efetivar a sua agenda.

8. A segunda vertente: preponderância decisória do Executivo baseada na

transação de interesses.

Há outra corrente que aborda um complexo jogo de transações que se

estabelece entre o Executivo e os parlamentares, na troca de apoio parlamentar por

uma série de concessões extremamente importantes para cada legislador, sob essa

perspectiva há várias concepções sobre o que Executivo troca pelos apoios

parlamentares de que necessita.

230

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ao se referir ao estudo de Mercedes Garcia Montero,

anteriormente já citado. p. 273.

231Idem

232Vicente Palermo. Como se Governa o Brasil? O debate sobre instituições Políticas e Gestão de

Governo. In: Dados, v. 43. N.3. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2000 p. 8.

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No caso brasileiro, um dado é de extrema relevância e deve ser levado em

consideração para análise: é o índice de voto pessoal como sendo o mais alto do

mundo, portanto isso se traduz em incentivos do parlamentar para buscar esses

bens de interesse político individual.233

Se por um lado o índice de voto pessoal no Brasil é considerado como o mais

alto do mundo, os incentivos do parlamentar tomam um enorme vulto nas

negociações individuais, pois da satisfação destes decorrerá a continuidade do seu

mandato, através de reeleição ou acesso a outro cargo político de seu interesse.234

Esses benefícios devem ser distribuídos em uma circunscrição geográfica

específica, como meio de permitir a um único parlamentar ser reconhecido como o

benfeitor cujo eleitor terá a certeza que o parlamentar influenciou a sua alocação,

sem se dar conta da sua condição de contribuinte.

A denominação para esse fenômeno é pork que quer dizer rubricas de

despesa orçamentária, que direcionam os recursos públicos para obras e serviços

de natureza local. Em nosso sistema constatamos esta realidade na denominada

pratica das emenda orçamentária de iniciativa do parlamentar. Visando veicular

233 Apesar de temos estudado a bibliografia de Leany Barreiro de Sousa Lemos & Paolo Ricci. O individualismo e partidarismo na lógica parlamentar: o antes e o depois das eleições. In: Power & Zucco, 2001, p. 212. Ressaltamos as considerações feitas por Bittencourt no tocante ao estudo que entre as causas desse primeiro lugar em voto pessoal, estariam “o predomínio das campanhas eleitorais personalizadas dos parlamentares; a incapacidade dos líderes de partido para selecionar os candidatos, assim como para imporem alguma disciplina durante a tomada de decisões no Congresso; e a competição intrapartidária [..]”. 234 Cf, Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt esclarece ao analisar toda a doutrina sobre o conceito bastante familiar da “conexão eleitoral”, que propõe como motivação principal do comportamento parlamentar o interesse de obter vantagens eleitorais. Na versão original que analisa a realidade norte-americana, o objeto da conexão eleitoral é explicitamente a reeleição para o mesmo posto (Arnold, 1991, apud Figueiredo & Limongi, 1999, p. 196, e Mayhew, 1974, apud Samuels, 2000, p. 481; Mayhew é também utilizado como ponto de partida teórico em Avelar & Cintra, 2007, pp. 154-155; para uma síntese da teoria em português, Lemos & Ricci, 2011, pp. 211-213). Porém, a assimilação entre sobrevivência política e reeleição (portanto, no mesmo cargo), vem sendo fortemente desafiada, tanto em caráter geral (por exemplo, para países que simplesmente vedam a reeleição como México e Costa Rica – cf, Samuels, 2000, p. 482.) mas também e especificamente para o caso brasileiro. Segundo estas visões alternativas (Samuels, 2000; Llanos, 2007, p. 193), os cargos legislativos não seriam uma opção permanente para o político brasileiro, mas apenas “pontos de passagem” para cargos no Executivo federal, estadual ou municipal que trariam mais vantagens à sua carreira política. Em qualquer caso (ou seja, mesmo se aceitamos esta relativização da reeleição), o fundo do argumento permanece o mesmo: o parlamentar tem por objetivo uma determinada posição eleitoral (quer seja no parlamento, quer seja em qualquer outro cargo eletivo), e terá o apoio dos eleitores para conquistá-la em função de determinada conduta como parlamentar, tal como percebida pelos eleitores.

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determinada despesa de seu interesse com a alteração ao orçamento enviado pelo

Executivo, o parlamentar apresenta emenda ao orçamento 235

Há a possibilidade, bem destacada por Bittencourt, de que é perfeitamente

possível que a negociação possa incluir a inclusão dessa despesa já na própria

proposta enviada pelo Executivo.236 Como bem explicita, esse ponto de vista é

corroborado por estudos de outras atribuições do Legislativo, como a produção

legislativa, defendida por pesquisas que associam o voto parlamentar ao

atendimento do interesse de gasto apontado pelas emendas de sua autoria, o que

faria mesmo com que a negociação sobre essas despesas seja um mecanismo

fundamental na manutenção da estabilidade das coalizões articuladas pelo

Presidente da República.237

A atividade parlamentar em busca do pork foi alvo de pesquisa realizada junto

aos próprios parlamentares federais238. Nos relatos dois âmbitos foram constatados

de atribuições na instituição legislativa: o nacional, relacionado à produção de

normas e políticas gerais para todo o país, visto como primordial, consagrado na

Constituição e declarado como mais nobre e importante; e segundo o regional, o

ponto de vista do eleitor. Descrevem a si mesmos como obrigados pelas

expectativas do eleitor a dedicar-se mais à defesa da região do que a fins

supostamente mais nobres ou voltados à função legislativa por excelência.239

235Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt.e a sua tradução. First, benefits are conferred on a specific geographical constituency small enough to allow a single congressman to be recognized as the benefactor. Second, benefits are given out in such a fashion as to lead constituents to believe that the congressman had a hand in the allocation. Third, costs resulting from the project are widely diffused or otherwise obscured from taxpayer notice. (Ellwood & Patashnick, 1993, p. 23, tradução nossa). A definição também é mencionada em Pires Júnior, 2006, p. 86. 236Consultar as obras já referidas por nós: Ames (1995, 2001); Carey & Shugart (1995); Mainwaring (1999); Bittencourt (2008); Ames; Pereira; Rennó, 2011 (pp. 261-268). 237Bittencourt ressalta que estas observações não dependem de um eventual juízo de valor positivo ou negativo em relação ao pork. Existem posições na literatura que enfatizam as distorções econômicas que uma política centrada em pork pode trazer para o conjunto da sociedade, enquanto outras sustentam que se trata de mecanismo salutar para a qualidade da representação democrática (para uma breve resenha desse debate, cf. Ames; Pereira; Rennó, 2011, pp. 245-247).

238Marcos Otávio Bezerra.; Em nome das bases: política, favor e dependência pessoal. In: Dumará:

Núcleo de Antropologia da Política. Rio de Janeiro 1999, pp. 42-46 e 262-265.

239Para enriquecer a explanação Bittencourt remete na prática administrativa brasileira o orçamento aprovado não necessariamente será executado, este papel de intermediação junto à União depende de dois momentos básicos, o da elaboração do Orçamento (abertura de dotações orçamentárias que autorizem a destinação dos recursos ao município de interesse) e o da execução (ação de intermediação junto às agências executoras do orçamento para que os valores autorizados sejam

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A definição constitucional do parlamentar é a de um formulador de políticas e

regras nacionais, mas uma definição prática sobrepõe a esta um papel de defensor

e mediador dos interesses do estado e de grupos específicos de eleitores.

Assim resume Bittencourt,

O interesse do parlamentar em reeleger-se - ou eleger-se a outro cargo de seu interesse, para o que depende do mesmo eleitorado - faz com calcule suas ações presentes em termos das repercussões que teriam na decisão de voto de seus eleitores nas próximas eleições, e a sua percepção disseminada é a de que essa repercussão será função do volume de benefícios de caráter particularístico que consegue captar de maneira perceptível ao eleitor, sendo de pouca valia a atuação parlamentar tradicional - elaborando projetos de lei, discutindo no plenário e em comissões, etc. 240

Lemos e Ricci analisando dois surveys mais recentes - feitos entre 1997 e

2005 e em 2009, demonstram que a maioria dos membros do Congresso Nacional

entrevistados, em todos os partidos, insiste que os eleitores exigem que o

congressista atue de acordo com práticas clientelistas241.

Consta em referido estudo que dentre essas demandas clientelistas

percebidas estão em elevadíssima proporção - superior a 90 % - aprovar e obter a

execução de emendas orçamentárias. Essa posição percebida do eleitor é

compatível com a visão teórica de que a focalização nas questões locais aumenta a

capacidade do eleitor em obter informações acerca do desempenho dos

parlamentares, e gera maior interesse por tais questões afetarem mais diretamente

o seu cotidiano; com efeito, um survey recente conduzido em duas cidades

realmente gastos). No mesmo sentido – a relativa fragilização do poder parlamentar em função da natureza autorizativa do orçamento – cf. Santiso, 2007, pp. 148 e 163. Corroborando o relato da auto-percepção valorizando ao extremo o papel de “obtenção de recursos” para as respectivas regiões, (Nolte, 2007, p. 117) apresenta um survey com parlamentares de Argentina, Brasil e Chile.

240 Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012, op. Cit. p. 19

241Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt. Lemos & Ricci, 2011, p, 215. 56

Lemos & Ricci, 2011,

pp. 217-218. Lembra Bittencourt, que também são consideradas como práticas clientelistas demandadas pelo eleitorado, em proporções igualmente elevadas, as visitas e contatos diretos com eleitores, o atendimento ou encaminhamento de demandas dos eleitores individuais e dos prefeitos e demais lideranças locais junto aos órgãos públicos e privados (o casework tradicional, que ocorre também nos países cuja competição eleitoral se dá em torno de partidos fortemente organizados – Lemos & Ricci, p. 218).

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brasileiras sugere uma marcada preferência de eleitores por que o seu

representante ajuda o município frente a que se dedique a projetos de interesse

nacional.242

Além do exposto há a questão relativa à obtenção do recurso federal que

passa pela integração das lideranças políticas locais, pelos prefeitos, relações

políticas, as “bases eleitorais”, que definirão ações de intermediação do parlamentar

em votos na próxima eleição, em outras palavras, além do seu eleitor, há uma

relação entre o parlamentar e uma estrutura política local a ele vinculada que se

beneficia desse processo de intermediação. Isso pode ser traduzido nas questões

relativas e financiamento de campanha por grupos locais que dependem desta

relação com o parlamentar para obter, através desta mediação, outras fontes de

recursos.

Para Ames, Pereira e Rennó, há a hipótese para a vinculação do interesse

parlamentar individual à realização de obras ou despesas específicas, em

decorrência de interesses de troca de favores entre o parlamentar e os particulares

interessados em serem contratados para executá-la, e como retribuição ao

parlamentar com recursos financeiros ou materiais, em geral para financiamento de

campanhas eleitorais.243

Quanto à prática orçamentária, estudos apontam que tal prática de empresas

e fornecedores contratados para executar as obras resultantes das emendas de

escolha do parlamentar com o financiamento de campanha custeado por esses

potenciais beneficiários refutam taxativamente a hipótese de que é o benefício ao

eleitorado que move a conexão eleitoral no Brasil, tornando, dessa forma, uma

grande dificuldade de caracterizar e compilar informação sobre uma eventual

vinculação entre emendas orçamentárias e interesses de empresas contratadas244.

242

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. cit. p.

243 Obras também já referendadas por nós. Ames; Pereira; Rennó, 2011, p. 251.

Ames; Pereira;

Rennó, 2011, pp. 253-256. 244 Neste sentido Bittencourt traz as bibliografias de. Lima & Miranda, 2006. p. 344. Samuels, 2002.

No mesmo sentido, Pires Júnior, 2006, p. 88.

“Ao se interrogar as pessoas sobre a relação entre parlamentares, prefeitos e empresas tem-se, portanto, a sensação de que se está claramente entrando num assunto socialmente censurado e sobre o qual se prefere guardar silêncio”. Bezerra, 1999, p. 74.

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Quanto aos cargos, retomamos a própria noção de coalizão que abre a

possibilidade de coparticipação de seus aliados nos cargos de responsabilidade

política. A coalizão com o governo e o compromisso que dela decorre usualmente se

traduz em acesso a cargos,245 como recursos e prerrogativas de formulação de

políticas públicas246 ou pelo menos deveria ser assim. Desde sempre os políticos

brasileiros dão valor a isso. Durante a Carta de 46, esse acesso se dava após uma

vida política atuante, sendo o Congresso Nacional a porta para as designações.

Por outro lado há quem afirme que esse universo é bastante contido de uma

parcela pequena dos postos a distribuir, pois cada administração pública detém

centenas ou milhares de cargos políticos preenchidos por critérios discricionários de

confiança do chefe do Executivo em todos os graus hierárquicos de cada cargo com

seu acesso a determinados recursos de poder e sua atratividade para segmentos

específicos das bases.247

Note-se que o “processo de formação de coalizão frequentemente levou ao

‘leilão’ de ministérios e empresas estatais em troca de apoio legislativo; os políticos

assumem estas agências visando não necessariamente servir ao interesse público,

mas levantar fundos de campanha e construir ou fortalecer redes clientelas”.248

245

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt referente ao estudo de Pereira, Power & Raile, 2011.

p. 38.

246 Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ressalta ao utilizar o estudo de Praça; Freitas; Hoepers (2011, p.6), que este parte dessa ênfase pode dever-se à atribuição de maior relevância da posição ministerial em termos da sua capacidade de influenciar as decisões de política pública; outra possibilidade para isso é a pura e simples dificuldade de rastreamento e contabilização da afiliação partidária dos milhares de cargos políticos nomeados por toda a extensão da administração pública. 247Mais uma vez, apesar de termos estudado a bibliografia referente ao estudo de Rennó, esta consideração agora posta é de Bittencourt. (Ames; Pereira; Rennó, 2011, p. 241). Assim, um determinado parlamentar pode estar interessado em contar com um aliado poderoso, relevante no financiamento de sua campanha, na presidência de uma grande empresa estatal; já outro pode ter interesse direto em ver um integrante de seu comitê político nomeado chefe de uma pequena unidade local de um órgão burocrático (como a previdência social ou o serviço postal) no seu município de origem. Assim, os diferentes perfis dos cargos a nomear atendem a diferentes demandas da estrutura política de sustentação dos partidos e dos legisladores. Em especial, a capacidade de intervir diretamente nas decisões do Executivo está correlacionada com a própria efetividade das transferências pork, na medida em que estas somente se materializam se o Poder Executivo liberar os respectivos recursos financeiros, o que na prática se faz discricionariamente, Esta discricionariedade dá ao Executivo uma extraordinária capacidade de alavancagem de seu poder de barganha (Ames; Pereira; Rennó, 2011, p. 241). 248

Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt fazendo referência a Power & Taylor, 2011A, p. 264

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E Bittencourt constata que essa dimensão de distribuição de cargos no

executivo e sua vinculação com estratégias de gestão de coalizão são

significativamente maiores do que apenas a divisão do ministério.

Estes cargos podem servir como compensação a políticos que perderam eleições ou de algum outro modo “sacrificaram-se” em benefício do partido; como prêmios (spoils) aos quais os maiores partidos têm direito em maior proporção; como cargos que dão oportunidade à corrupção aproveitada por figuras nebulosas como o líder partidário Valdemar Costa Neto; e como cargos importantes ocupados majoritariamente pelo partido formador da coalizão. Em suma, eles não devem ser ignorados por nenhum analista do sistema político brasileiro.249

O que na realidade atual representa ter esse acesso a cargos em Ministérios

ou Gabinetes, não se restringe, como parte da doutrina preceitua, a somente os

cargos de alto escalão. O que se vislumbra é a divisão das pastas, com toda a sua

estrutura, em que se detém não só um mecanismo de elaboração de política pública,

mas sim um gama enorme de nomeações paralelas internas nas estruturas

burocráticas. Poderia ser esta prática algo semelhante ao do pork, como rol de bens

que serviriam de alavanca para a formação de coalizões. Derrubando por terra os

argumentos daqueles que afirmam ser elaboração de políticas públicas em

conjunto.250

249Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt e sua tradução. It is easy to understand, then, why pundits and politicians alike ascribe great importance to the distribution of political appointment spoils. They are seen as compensation for politicians who lost elections or otherwise “sacrificed” themselves for the sake of the party (see Jardim 2011a; Jardim 2011b); as spoils to which the biggest parties are entitled a larger share (see Folha de S. Paulo 2010); as corruption-prone offices taken advantage of by shady figures such as party boss Valdemar Costa Neto (see Folha de S. Paulo 2011a); and as important offices occupied mostly by the formateur party (see Scolese and Leite 2007 and Bragon and Iglesias 2011). In sum, they are not to be ignored by any analyst of the Brazilian political system. (Praça; Freitas; Hoepers, 2011, p.5). 250Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ressalta que o estudo de Praça; Freitas; Hoepers ( 2011; 2011A) "são estudos que trabalham especificamente com a distribuição de postos políticos de todas as hierarquias aos componentes da coalizão governamental federal. Para enfoques semelhantes em outros países latinoamericanos, cf. BID, 2007, p. 66 (Bolívia) e Jones & Hwang, 2007, pp. 226-227 (Argentina). Raile, Pereira e Power, 2010. Esse texto está voltado especificamente para o caso brasileiro. Araújo; Pereira; Raile, 2010; Araújo; Pereira; Raile, 2008. O primeiro texto é a versão mais ampla do modelo aqui apresentado, tanto em termos teóricos (incorporando as concessões em termos de políticas) quanto pela apresentação de um estudo empírico para toda a América Latina. O segundo texto representa um exercício anterior, mais formalizado, também abordando empiricamente somente o caso brasileiro, Pereira; Power; Raile, 2011, extraem conclusões e fazem referência ao modelo aqui apresentado. Apresentamos esta descrição como “repartição de cargos” para fins de fácil visualização: os modelos analíticos conceitualizam

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Esses são os dois recursos que o Poder Executivo possui e usa para firmar as

suas coalizões, que vão desde distribuição de bens pork, como as emendas

orçamentárias até o loteamento de cargos de direção política. 251

O primeiro aspecto diz respeito a um dado curioso. Esses dois tipos de

benefício variam inversamente à popularidade do presidente: com um presidente

muito popular, a ocupação de cargos tende a ser altamente valorizada - pela

visibilidade eleitoral dos membros do grupo político como próximos a um governo

valorizado pelo eleitor -, e mesmo a capacidade de extrair transferências fica menor,

pois é maior o custo de ser visto como oposição a um governo bem avaliado. Já um

presidente em baixa nas pesquisas de opinião - ou um lame duck que encerra o

mandato sem perspectivas de reeleição ou eleição de um sucessor próximo - terá

dificuldades em atrair membros para aparecerem ao eleitorado como

corresponsáveis pela sua gestão, e terá de oferecer mais pork para atrair um

potencial membro da coalizão - visto que este terá incentivos para afastar-se de

forma a não ser identificado com uma força em queda.252

Também a distância ideológica do presidente em relação a cada partido a

coligar influencia a composição relativa entre nomeações e transferências: quanto

mais próximo ideologicamente do presidente for um partido, mais atraente será para

o presidente conceder-lhe cargos de poder, que serão utilizadas para executar

abstratamente esse instrumento como “bens políticos” ou “bens de coalizão”, cuja manifestação concreta pode incluir “membership in the formal pro-government coalition, cabinet posts, patronage, and campaign assistance” (Araújo; Pereira; Raile, 2010, p. 8). 251Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, um modelo que incorpora toda a caixa de ferramentas do executivo brasileiro para gerenciar suas coalizões é o apresentado por Raile, Pereira e Powe

e Araújo, Pereira e Rail Reconhecendo que a literatura acumula ampla e documentada constatação de que tanto a distribuição de pork e a repartição de cargos de direção política existem e são utilizadas para a formação de coalizões, os autores dão um salto analítico para apontar que os Executivos implementam estratégias que utilizam múltiplas ferramentas que estão em suas caixas de ferramentas, pois não há razão para crer que os processos decisórios do Executivo ou os efeitos desses diferentes instrumentos sejam independentes. Deste modo, o relacionamento com os parlamentares por meio de distribuição de pork (emendas, basicamente) e de cargos faz-se de maneira integrada, como partes de uma estratégia integrada conduzida pelo Executivo, que lança mão de cada recurso em função da relação custo-benefício para o atingimento de seus objetivos legislativos e governamentais. 252Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt assinala que as críticas de natureza formalista poderiam alegar que “concessões de políticas” seriam variáveis dependentes num modelo dessa natureza, cujo objetivo é discutir os custos e meios de obtenção da própria aprovação da política. Tais críticas, porém, perderiam o ponto central da teoria, que é detectar como o executivo mobiliza recursos para alcançar seus objetivos de política; se as concessões são aceitáveis, significa que os objetivos são compatíveis com o novo conteúdo negociado.

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políticas que provavelmente serão mais próximas de suas próprias preferências; por

outro lado, entregar ministérios a partidos ou grupos políticos mais distantes de suas

posições políticas carrega para o presidente um risco maior, o que pode levá-lo a

preferir usar as transferências monetárias para os partidos mais distantes.

Por fim, outro elemento da “caixa de ferramentas” é a própria concessão que

o executivo admite fazer no conteúdo das políticas que quer ver aprovadas; ao

colocar na mesa concessões parciais, o executivo destrava as possibilidades de

negociação na medida em que abre a possibilidade de concretizar transações

incrementais -, ou seja, de negociar caso a caso a aprovação de sua agenda.

Caso esse item não entrasse na “caixa de ferramentas”, ou seja, caso

vinculasse rigidamente o sucesso de sua agenda a uma aprovação integral das

políticas propostas -atitude “take it or leave it” -, o executivo estaria impondo a si

próprio um limiar muito alto de risco: as “apostas” começariam muito altas, exigindo

desde o começo do jogo um volume elevado de recursos de pork e nomeações.

Ao incorporar as concessões de política, baseado na presunção razoável de

que um governo em democracia não terá razões para tomar como inaceitável toda e

qualquer modificação que se proponha em qualquer de suas proposições, o modelo

permite ampliar o escopo da compreensão da negociação e captar todo o espectro

de situações em que o executivo aceita perder uma parcela dos benefícios que

esperava de certa política para que o custo que tem de pagar em transferências

monetárias e cessão de cargos políticos seja aceitável e menor que o benefício

daquela porção de sua política que seja efetivamente aprovada.

Assim, a relação entre Poderes é descrita nessas concepções como uma

transação entre um Executivo desejoso de avançar a aprovação de sua agenda e os

parlamentares - individualmente ou em grupos organizados que podem

corresponder aos partidos ou mesmo representar facções dentro deles - transações

estas cuja “moeda” é composta por transferências monetárias (pork), distribuição de

cargos de responsabilidade política e concessões no próprio conteúdo da política.

A configuração das coalizões é sempre passível de mudança, em função da

posição dos legisladores em relação a cada conjunto de proposições de governo, e

exige do presidente um gerenciamento (coalition management) que utilize, a cada

momento, a proporção adequada de cada um desses recursos para negociar com

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cada um dos parlamentares ou grupos253. Reforçando o sentido de gestão,

deliberada e sistematizada, estão os repetidos alertas de que a eficácia da formação

das maiorias é tanto maior quanto mais experiente for o governo no exercício desse

papel254, e tanto maior quanto por mais tempo se confirme a sua prática dando

segurança aos diferentes jogadores de que as barganhas serão cumpridas ao longo

do tempo.255

9. A terceira vertente: preponderância decisória entre o Executivo e o

Legislativo baseada na gestão transversal do Poder pelos Partidos.

Para alguns autores não há a possibilidade de atribuir ao Congresso um

comportamento onde o apoio legislativo é trocado pela liberação de verbas

orçamentárias ou cargos, esta barganha dependeria do pressuposto de que

parlamentares e Executivo teriam agendas que podem desafiá-los em seu poder

explicativo. Partem do pressuposto que parlamentares e Executivo teriam agendas

253Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. cit. ao referir-se ao estudo. “The empirical evidence supports our proposal that an executive uses particularistic goods like pork to produce marginal variance in legislative support after doling out longer-lasting coalition goods and gauging bargaining leverage based on factors like popular support or lame-duck status.” (Raile, Pereira e Power, 2010, p. 9). “The model examines how executives construct voting coalitions in an ongoing manner, essentially focusing on active coalition ‘management’ rather than the ideas of coalition formation and the more passive “survival” one sees in the parliamentary literature”. (Araújo; Pereira; Raile, 2008, pp. 25-26). 254Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt. No Brasil, essas barganhas têm credibilidade porque são parte de um jogo repetido entre atores que tendem a ser participantes do cenário político por muito tempo. Presidentes podem ser reeleitos e os líderes partidários, que atuam como intermediários nessas transações são membros antigos da política nacional, assim como o são muitos dos legisladores individuais, os quais têm boas chances de reeleição. Se o governo viesse a descumprir com frequência as promessas implícitas feitas durante essas trocas, desmoralizaria os instrumentos de negociação que possui e as coalizões se desfariam. (BID, 2007, p. 173). 255 Outra discussão, que Bittencourt levanta, é de que contrasta esse modelo brasileiro de coalizão com circunstâncias históricas em que os instrumentos da “caixa de ferramentas” operam é a análise o caso equatoriano, no qual o presidente tem muito menos capacidade de deliberar sobre alocações orçamentárias, os legisladores (até 1995) não eram eleitos por listas abertas, os cargos de natureza política (no ministério e na burocracia) são pouco valorizados por baixa remuneração e uma alta rotatividade no seu exercício, e o presidente não pode ser reeleito para um período imediatamente subsequente (reduzindo a perspectiva de continuidade no tempo das concessões à coalizão). O resultado disso é a trajetória mais instável do ambiente de formulação de políticas públicas não e mesmo de estabilidade das instituições democráticas sujeitas a frequentes crises de grande intensidade.

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próprias e com pontos divergentes, uma vez que uma seria implementada a

despensa de outra256.

Acreditam que os legisladores possuem interesses homogêneos,257 em outras

palavras, os programas privilegiados por ambos os poderes seriam os mesmos, e

como justificativa é a constatação de que os programas mais bem aquinhoados de

recursos pelo Executivo em sua proposta mantêm essa proporção privilegiada ao

final do processo de aprovação pelo Legislativo, significando que as prioridades são

as mesmas.

Alertamos para um dado que para nós é essencial e extrema relevância, que

para essa vertente análise fica à margem do esperado, pois não avaliam as leis

orçamentárias e seus desdobramentos.

Com efeito, não teorizam tais pressupostos sem um fundamento empírico,

pois alegam que o funcionamento “integrado” da formulação de políticas públicas

entre o Executivo e um Legislativo relativamente autônomo encontra respaldo, por

exemplo, no presidencialismo norte-americano e no parlamentarismo alemão. Para

tanto, relacionam a distribuição das despesas pelos diferentes programas

governamentais segundo o poder proponente como um indicador das prioridades

políticas de cada poder, mas adotam uma definição de ‘programa’ que não

corresponde à atual, mas sim a um conceito muito mais agregado, onde a principal

variável explicativa é de conteúdo genérico tomando por base a “coincidência de

agendas”.258

Assim, Bittencourt esclarece para atingir essas definições, esses autores

enxergam as coalizões no presidencialismo como mecanismos transversais, pelos

256Cf. Bittencourt, 2012. Apesar de termos estudado as obras aqui referidas, neste contexto a citação de Bittencourt. Figueiredo & Limongi, 2008 –– Figueiredo & Limongi, 2002; Figueiredo & Limongi, 2003; Limongi & Figueiredo, 2005 – ou de “partes da pesquisa” – Limongi & Figueiredo, 2001A; Limongi & Figueiredo, 2001B; cf. Figueiredo & Limongi, 2008, respectivamente pp. 9 e 10.

Cabe ressaltar que estes autores após uma síntese do argumento referido, tendo em vista que eles próprios consta também em Limongi & Figueiredo, 2009. eles próprios atribuem a esta última pesquisa o caráter de síntese final das conclusões dos trabalhos anteriores (atribuem aos trabalhos anteriores o caráter de “resultados parciais”

257Cf. Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi. Política orçamentária e presidencialismo de

coalizão. Rio de Janeiro: FGV, 2008, p. 151.

258Cf. Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008. Op. Cit. p. 153.

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quais os mesmos grupos259

ocupam posições no Executivo e um determinado

número de cadeiras legislativas; portanto neste sentido, a própria agenda do

Executivo é resultado de barganhas protagonizadas pelos mesmos grupos que irão

discuti-la dentro do Legislativo. “Logo, não há propriamente o que trocar. As

agendas são complementares. Afirmamos que, ao liberar as verbas definidas por

meio de emendas individuais, o Executivo estaria executando sua própria agenda, à

qual parte dos legisladores estaria associada politicamente”.260

Nessa visão, o presidente confere a um determinado grupo ou partido, por via

da nomeação para um ministério ou órgão executivo, não só o bônus imediato -

ganhos imediatos e diretos que os cargos proporcionam -, mas também o ônus e

bônus de formular e implementar as políticas a cargo do novo ocupante.

Em outras palavras, “ocupar um ministério significa identificar-se com as

políticas do governo e responsabilizar-se por seu sucesso (...) o partido que recebe

uma pasta passa a ser responsável pela formulação e implementação da política na

área de competência de seu ministério“261.

Com efeito, esclarece Bittencourt, a ideia é de que esse partido não passa a

possuir a referida política, mas também a adquire a responsabilidade de defendê-la

perante o Legislativo. Tal atribuição decorre do fato de que a “barganha” não seria

entre presidente e legisladores, mas dentro do próprio Executivo, onde os diferentes

representantes de cada partido nos postos-chave do gabinete negociariam entre si

para obter mais prioridade para suas próprias prioridades, o que resultaria na mãe

de todas as barganhas travada entre os ministros responsáveis por gastos e aqueles

que controlam a pasta de finanças responsável pelo resultado final do governo262.

259Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ressalta que rigorosamente, o texto fala de partidos, mas o argumento é geral o suficiente para abrigar a possibilidade de existência de grupos ou facções dentro de partidos, como por exemplo: bancadas estaduais sob a liderança de governadores, agrupamentos ligados por lealdade pessoal de determinado cacique político; etc. A agenda que se manifesta é construída politicamente, que leva, portanto, em conta as reações do Legislativo, isto é, antecipa suas reações. Na realidade, mais do que isso, é uma agenda cuja elaboração não deixa inteiramente alheio o Poder Legislativo. Não se trata, propriamente, de uma agenda do Executivo, mas sim de uma agenda da maioria. Nesses termos, não apenas antecipa, mas incorpora a reação de parte do Legislativo. (Figueiredo & Limongi, 2009, p. 100).

260 Cf.

Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008. Op. cit. p. 152.

Cf. 261

Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008. Op. Cit, p. 153 - 154 262

Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008.Op. cit. pp. 152-153.

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Dessa forma, a esse modelo caixa de ferramentas se coloca sob uma ótica

inversa ao que já nos referimos anteriormente. Aqui, nessa visão, de nomeações em

cargos, as transferências monetárias e as concessões no conteúdo das políticas

públicas, não decorrem de troca entre o Executivo os grupos políticos no Legislativo,

ao contrário, este mecanismo se traduz em instrumentos de coalizão realizado com

base na negociação intraexecutivo, resultando na modelagem das políticas.

No que tange às despesas, estas seriam um reflexo direto e automático,

dessa negociação resultado do consenso entre as frações de cada um dos grupos

instaladas no âmbito do Executivo e do Legislativo e, mesmo as transferências

propostas pelos parlamentares no ciclo orçamentário são apresentadas a um projeto

de iniciativa do Executivo, e sua efetividade dependerá da coordenação entre os

Poderes para que as autorizações do orçamento inseridas pelos parlamentares

sejam efetivamente desembolsadas pelo Executivo. 263

Assim, para esses autores tal mecanismo de elaboração de políticas públicas

e coordenação, decorrentes da coalizão, concretizando um compartilhamento do

poder decisório, é que abre a possibilidade do Executivo antecipar as posições dos

parlamentares e incorporar suas possíveis reações e prioridade em sua própria

agenda, podendo ainda utilizar a tramitação legislativa como um meio de calibrar os

diferentes interesses da coalizão.

Nessa medida, em decorrência desses arranjos, poderá até ocorrer uma

aparente usurpação ou apropriação da agenda dos legisladores por parte do próprio

Executivo na apresentação como medidas provisórias ou como projetos de lei de

sua iniciativa, em matérias de iniciativa parlamentar, já trabalhadas no âmbito do

Legislativo, na adoção de ideias semelhantes ou até mesmo cópias literais de

dispositivos de proposições legislativas em trâmite, pelo Poder Executivo264.

263

Concordamos com Bittencourt que esta concordância não é posta como automática, mas um

resultado a perseguir em conjunto por todos os partidos da coalizão, a quem caberia disputar e conquistar os cargos de poder dentro do Legislativo, que serviriam como alavanca para completar o poder de agenda já bastante amplo do presidente. 264

Cf. Rafael Silveira silva & Suely Mara Vaz Guimarães Araújo. Apropriação da agenda do

Legislativo: como aferir esse fenômeno? Texto pra discussão. Centro de Estudos da Consultoria Legislativa. Brasília: Senado Federal, 2010. p. 2. Disponível http://www.senado.gov.br/conleg/textos

_discussao.htm.

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Mas outra investigação sobre o comportamento parlamentar na propositura de

iniciativas legislativas, com o objetivo específico de testar hipóteses distributivistas,

traz conclusões que são compatíveis com modelos de relação Executivo-Legislativo

que refutam a barganha por pork ou cargos, como alavanca central da formação de

coalizões, em que a constatação é de que nas proposições legislativas que

predominam propostas de benefício difuso são mais frequentes aquelas que não

fazem referência direta a indivíduos, empresas, grupos ou localidades do que

aquelas cujo âmbito de beneficiários é concentrado em um determinado grupo,

região ou empresa.265

Mas isso decorre de previsão constitucional, onde os parlamentares não

podem criar despesas sem dotação orçamentária compatível e segundo as diretrizes

do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, desta forma prioritária de concessão

dos benefícios na legislação proposta pelos parlamentares é a regulatória, limitada a

sua atuação em transferência de recursos, por não deter poderes de iniciativa.

Mas um olhar mais atento sobre a amostra permite visualizar que as

proposições sob análise foram as referidas a leis e não a questões orçamentárias, e

assim, sem dimensionar verbas quaisquer, acabam por concluir que o Legislativo

acolhe-se voluntariamente a um determinado perfil institucional, com baixa

capacidade de mobilização para aprovação de suas propostas legislativas.

II. DAS CRÍTICAS AO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO.

Após colocado todo o contexto sobre o presidencialismo de coalizão, somente

agora poderemos realizar as reflexões críticas sobre esse mecanismos de

governabilidade, e para tanto nos recorremos das lições de Lucio Rennó em estudo

intitulado Críticas ao Presidencialismo de coalizão no Brasil266, onde o autor elabora

texto explicitando a relação entre o Legislativo – Executivo.

265

Cf. Leany Barreira Lemos. O Senado Federal Brasileiro no Pós-Constituinte. Org. Edições Unilegis

de Ciência . Política. n. 4, 2001.

266 Cf. Lucio Rennó. Críticas ao Presidencialismo no Brasil: processos institucionalmente constritos ou

individualmente dirigidos? .In: Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p.

258.

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De pronto, assinala, esse autor, que o Poder Executivo possui vários recursos

de poder, dentre eles o controle sobre o orçamento, uma burocracia repleta de

cargos comissionados e mecanismos legislativos que facilitam o controle da agenda

do Legislativo. Esses recursos facilitam que o Executivo seja iniciador das propostas

legislativas e de formulação de políticas públicas.

Nesses termos, define o Poder Legislativo como local de negociação política

última para a aprovação das leis e, portanto, há a necessidade do apoio do

Legislativo para que o Executivo possa governar, transformando a arena do debate

político e o lócus onde dá a palavra final às propostas legislativas, assim, o eixo da

reflexão é a formação de maiorias no Congresso.

A questão-chave do debate atual sobre o funcionamento do presidencialismo

de coalizão diz respeito, como vimos anteriormente, sobre em que termos se dá a

negociação entre Executivo e Legislativo e se os parâmetros dessa negociação nas

diversas administrações, desde 1988.

Rennó267 ressalta que as críticas a essa forma de presidencialismo podem ser

dividas em três.

A primeira afirma que o sistema não permite a governabilidade já que os

incentivos institucionais levam à paralisia decisória ou ao alto custo de negociação

entre o Executivo e Legislativo, que ocorrerá de forma individualizada entre

Deputados e Presidente.

A segunda porque admite que o sistema funcione com a discussão

programática entre partidos, mas com base num regime de troca de recursos

financeiros legais, para a obtenção de cooperação dos deputados, intermediada por

lideranças partidárias, que envolvem desde cargos até emendas orçamentárias.

Serão as lideranças partidárias da base aliada e o Poder Executivo que irão discutir

os aspectos programáticos das propostas legislativas.

Ambas as críticas acima descritas possuem um enfoque comum: a

construção de maiorias dentro do Legislativo e os mecanismos usados pelo

Executivo para obter a cooperação dos Deputados Federais.

267

Cf. Lucio Rennó, 2006. Op. cit.p. 258 e ss.

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E a terceira crítica parte do pressuposto de qual é a real natureza da relação

do Executivo e Legislativo, se é de delegação ou se é de ação unilateral, e ainda, se

os termos em que se fundam varia no tempo.

Nessa perspectiva o presidencialismo de coalizão, como desenho

institucional, não condiciona de forma fixa funcionamento uniforme nas distintas

administrações que governaram o país, o comportamento dos atores pode gerar

incentivos contraditórios que ampliam a margem de manobra de governantes e dão

espaço para que a sua capacidade individual tenha papel central nas relações com a

base de apoio no Congresso e na formação de maiorias.

Estudos apontam que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi o que

mais chegou próximo de um governo de coalizão de estilo europeu, e mais

recentemente concluíram que, desde o governo Sarney até Lula, os ministérios tem

sido formados de maneira multipartidária com maior ou menor grau de fragmentação

e heterogeneidade ideológica, o que mais ampliou o número de partidos, chegando

a nove, foi o governo Lula.268

III. A RELAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE OS PODERES

Os princípios são o cimento jurídico da legitimidade, a

espinha dorsal da teoria das Constituições, no século XX

(...) A soberania popular é o povo, o criador, o autor da

Constituição, aquele que, na sua função criativa, produz,

transforma, emenda e reforma a Carta em seu percurso

existencial, fazendo-a monumento da liberdade e

pedestal do Estado de Direito. Constituição que não vem

do povo nem lhe concretiza a vontade soberana não é

Constituição.

Paulo Bonavides

268

Cf. Marcelo Figueiredo. Op, cit. p. 183.

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Várias são as perceptivas nefastas desse perfil delineado contra a Carta de

1988, com a prática do presidencialismo de coalizão. Procuraremos demonstrar de

forma esquematizada, quanto aos reflexos desse arranjo institucional, viola e

neutraliza princípios constitucionais de elevada magnitude.

1. O princípio do Estado Democrático de Direito

O primeiro deles diz respeito ao Estado Democrático de Direito. Nesse sentido

algumas reflexões devem ser postas, visando demonstrar que esse princípio é

violado na sua essência quando podemos constatar.

A primeira maneira de burlar a formação democrática de uma norma jurídica,

diz respeito ao devido processo legislativo. Esse amesquinhando em consequência

da legitimidade das normas jurídicas produzidas em desrespeito a efetiva

participação no decorrer dos seus procedimentos de elaboração, debate, discussão

e aprovação das leis, além do princípio da discussão nas comissões, que deveriam

se traduzir em uma maior arena de debates.

Os usos contínuos de medidas prevendo urgência com a substituição desses

órgãos colegiados, via requerimentos de urgência para acelerar a tramitação de

determinadas matérias, com o intuito de burlar o sistema comissional, forçando

reuniões em comissões mistas pela falta de tempo hábil para a devida apreciação

acarreta na designação de relator pela Mesa, em que este muitas vezes profere o

seu parecer oral de última hora em plenário, fica claro que a participação

democrática resta prejudicada.

1.1. As medidas provisórias e sua inserção na Carta de 1988.

Quanto ao uso indiscriminado da espécie legislativa medida provisória, até

porque este possui força de lei a partir da sua publicação e tramita em regime de

urgência, traduz numa violação expressa ao princípio do Estado Democrático de

Direito.

Devemos lembrar que a da inserção das medidas provisórias no texto

constitucional ocorreu sem a aprovação da Assembleia Nacional Constituinte. Vale a

pena relembrar os fatos decorrentes desta prática.

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O Regimento Interno da Constituinte estabelece três etapas para a elaboração

do novo texto constitucional. Na primeira seriam votados, em primeiro turno, o

Projeto de lei constitucional, as emendas e os destaques propostos por

parlamentares constituintes. O resultado dessas seria então o Projeto (A). Na

seguinte este projeto aprovado em primeiro turno, seria submetido a um processo de

sistematização, antes da votação do segundo turno. A sistematização destinava-se a

corrigir erros de inconsistência na indexação e nas referencias internas dos

dispositivos no Projeto (A). A terceira etapa da sistematização, a saber, o Projeto

(B), denominado vencido no artigo 28, seria encaminhado a votação em segundo

turno. No segundo turno só poderiam ser apresentadas e votadas às alterações no

vencido através de emendas supressivas ou corretivas, estas relativas a omissões,

erros ou contradições, inclusive os de redação, e no prazo de 15 dias, conforme

artigo 29.

Dispositivos foram inseridos ferindo as normas regimentais e o devido processo

de votação, por terem sido colocados no texto constitucional, após deliberação do

plenário, denominado por alguns como a fraude a Constituição, que causaram

algumas distorções no texto, causando problemas a serem gerenciados até hoje,

como foi o caso da espécie legislativa da medida provisória269.

O modo pelo qual ela figura na Carta de 1988, segundo José Afonso da Silva270,

“foi obra de um gênio qualquer, de mau gosto, ignorante e abusado que introduziu

aí, indevidamente, entre a aprovação do texto final - portando depois do dia 22.09.88

data da votação em Plenário e a promulgação – públicação da Constituição no dia

5.10.88”.

Não vamos aqui discorrer sobre tais fatos, mas devemos fazer uma releitura da

vontade do Constituinte Originário, quando vários doutrinadores afirmam ter sido a

sua vontade. Mas esse tema resultaria em mais uma tese, se pretendessemos

desenvolvê-lo. Apenas gostaríamos de registrar que a sua existência não resultou

269

Estudos analisando a fraude ao processo constituinte brasileiro, vide:

Adriano Benayon & Pedro Antonio Dourado de Rezende. Anatomia de uma fraude à Constituição.

Brasília: 2006. disponível em: http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.htm

270 José Afonso da Silva, 2006, Op. Cit. p. 527

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de vontade da Assembleia Nacional Constituinte, como alguns autores afirmam ter

sido, para justificar o enfoque por eles dados ao estudo desse instituto.271

Esse fato demonstra como as forças que estavam atuando durante o regime

militar dentro do Legislativo ainda se achavam no direito de burlar a participação

popular e o processo constituinte. Remanescentes desses seguimentos consideram

o Legislativo ainda um curral para ser tomado conta, principalmente quando

desmerecem a importância do sistema comissional adotado pela Carta de 1988.

A primeira gande distorção nas relações institucionais diz respeito ao uso

continuo das medidas provisórias,272 que como acabamos de ver, não foi escolha do

271

Cf. Fernando Limongi & Argelina Cheibub Figueiredo. Executivo e Legislativo na nova ordem

constitucional. Rio de Janeiro: FGV, Fapesp, 2001.

272 No tema, podem ser consultados:

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constituinte originário, muito menos do cidadão brasileiro. Essa combinação resulta

da nefasta relação entre o domínio que o Executivo exerce sobre a pauta do

Legislativo, apesar de os dois poderes serem, em teoria, autônomos e

independentes.

A falta de disposição dos congressistas para honrar duas de suas principais

tarefas: ser protagonista de legislar e servir de contrapeso a manifestações imperiais

do governo de turno, manifestar-se em decorrência de uma estrutura posta ao seu

desserviço com o fato da centralização decisória ocorrer nas mãos dos Líderes e da

Mesa Diretora das Casas.

Na prática alguns parlamentares que aceitam essa imposição e buscam

priorizar na fila de votação das medidas provisórias, sabendo que elas terão de ser

votada, incluindo emendas de seus interesses. Esta oportunidade acaba por

promover um festival de emendas, trazendo a tona uma nova confirmação a matéria

editada, desfigurando o seu conteúdo original. Comumente denominadas pelos

próprios parlamentares de emendas: jaboti ou de contrabando.

Marco Aurélio Sampaio. Medida provisória, diálogo constitucional e a falácia de usurpação de poderes legislativos pelo Executivo. In: Revista de Direito do Estado, ano 1, n. 4. out./dez. Rio de

Janeiro: Renovar, 2006.

Carlos Augusto Setti. O poder e o risco da caneta. Uso indiscriminado de medidas provisórias pelo Executivo provoca insegurança jurídica e ameaça a harmonia entre os Poderes. Ano XI, n. 84,

Brasília, OAB Nacional junho de 2000.

STF, Adi 3964/MC-DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 12/12/2007, disponível em: www.stf.jus.br;

STF, Adi 4098/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 07/08/2009, disponível em: www.stf.jus.br;

STF, Adi 4049/MC-DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 05/11/2008, disponível em: www.stf.jus.br;

STF, Adi 4050/DF, Rel. Min. Menezes Direito, j. 13/03/2008, disponível em: www.stf.jus.br;

Artigo 64, A Constituição e o Supremo, Disponível em: www.stf.jus.br;

STF, Med. Caut. Em Mandado de Segurança 27.931-1, Rel. Celso de Mello, j. 16/12/2009, disponível

em: www.stf.jus.br;

STF, Med. Caut. Em Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.049-9/MC-DF, Rel. Carlos Britto,

disponível em: www.stf.jus.br

Michel Temer. Com a resolução sobre as medidas provisórias, pretendo levantar a cabeça do Legislativo. Brasília, segunda-feira, 13 de abril de 2009, ano 8, n. 2231, disponível em

http://www.camara.gov.br

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Assim, isso resulta no fortalecimento da continuidade de edição de medidas

provisórias, formando políticos especializados em introduzir itens sem nenhum

interesse público, realizando grandes negociatas com acesso garantido a aprovação

final de matérias de seu interesse, seja pelo fato dessa prática traduzir em um

quadro no qual não há desgaste político, seja pelo fato de que a tramitação ordinária

de um projeto de lei é lenta e não garante uma vitoria no final.

Muitas modificações foram feitas nos textos originais dessa espécie legislativa

pelos próprios membros do Parlamento, que se utilizaram dessa prerrogativa para

alterar substancialmente o teor das medidas provisórias originais, entre os ardis está

à possibilidade de apresentação no relatório técnico às vésperas da votação da

medida provisória.

Isso além de impossibilitar aos outros parlamentares a possibilidade da

devida análise criteriosa do conteúdo de todos os artigos e emendas apresentados

antes sobre essas matérias incluídas não ordem do dia, culminando em uma

votação relâmpago. Cabe ressaltar que tal prática se tornou usual e se intensificou

em gestões de Presidente da Câmara dos Deputados que defenderam o embute em

medida provisória, abrindo o caminho para e gerando precedente para que os

parlamentares em geral fizessem o mesmo.

Tramitam propostas de EC com o objetivo de proibir a inclusão de assuntos

sem relação com objeto original, mas ainda está pendente de aprovação. Em

consequência, uma enorme uma insegurança jurídica pode ser sentida. Mais agora

urge providências quanto às emendas parlamentares denominadas jabotis ou

contrabando nas medidas provisórias desfigurando o seu objeto e atendendo a

interesses particulares, por exemplo: a MP sobre financiamento habitacional passou

a tratar da emissão de títulos da divida pública brasileira ao Banco do Nordeste e da

doação, pela Casa da Moeda, de 100 milhões de cédulas ao Haiti.

1.2. Os trabalhos das Comissões e sua importância

A segunda distorção às relações institucionais diz respeito ao sistema

comissional do Legislativo e sua importância. Devemos recordar que esta questão

nos debates nas audiências públicas da Assembleia Nacional Constituinte, em torno

da sua importância podem ser resumidas em três pontos: da falta do tempo para o

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debate no âmbito das comissões permanentes ou mistas, em decorrência do

número elevado de matérias; do regime de urgência inviabilizando o processo

legislativo e, por fim, das necessidades de aumentar os mecanismos visando sanear

a ausência de suporte técnico para fornecer aos parlamentares mecanismos para

proceder a análise correta tecnicamente, quanto ao mérito e quanto as normas

constitucionais com o objetivo de alcançar uma conscienciosa decisão.

Com o advento da Carta de 1988, a importância do sistema comissional

preconizado na Carta Magna e toda a sistemática e funcionamento da atuação do

Legislativo em que está inserido o papel das comissões, por nós denominados de

miniplenário, é de suma relevância para a concretização dos princípios

constitucionais democráticos. Na Carta de 1988 as comissões estão previstas no

artigo 58, Seção VII Das Comissões.

Mas serão nos Regimentos Internos que se concentrarão as regulamentações

sobre: área de atuação, competência e procedimentos a serem observados. No

Senado a previsão encontra-se no Regimento Interno, no qual constam

conceituação, área, procedimentos de reuniões, atas elaborações de pareceres,

recursos ao plenário dentre outras. Na Câmara dos Deputados também foram

esmiuçados todos os detalhes relativos às comissões.273

Por serem órgãos que tem por objetivo ampliar e multiplicar as arenas de

decisão sofrem ataques sistemáticos no sentido de burlar a participação tanto dos

próprios parlamentares, como da sociedade como um todo.

A maior importância do sistema de comissões é a multiplicação das arenas de

decisão no interior do corpo representativo, ampliando oportunidades de

participação autônoma dos legisladores na produção de políticas públicas,274 além da

sua dinâmica complexa, sob forte controle partidário e o pleno desenvolvimento de

outras atividades multiplicando os espaços dando margem a ação distributiva

necessária à democracia.

Para visualizarmos no que consistem esses espaços de arena, de forma

resumida iremos expor como ocorre a linha de trabalho desses órgãos a partir da

274 Cf. Fabiano.Santos . Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira. Dados, n. 40. Rio de

Janeiro: UPERJ,1997

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distribuição da propositura pela Presidência da Casa, sim é o Presidente quem diz

em quais comissões serão os trâmites de qualquer projeto, documento ou mesmo

processo, lógico que se segue a distribuição do Regimento Interno, mas em caso de

duvida permanece o despacho de distribuição, podendo ser revisto através de

requerimento ao plenário.

Depois de decorrida pauta regimental para conhecimento e apresentação de

emendas pelos membros de cada Casa, a propositura deve seguir para as

comissões para as quais foi distribuída.

Sempre falarão a Comissão de Assuntos Econômicos e a Constituição,

Justiça e Cidadania, nessa ordem, mas, no período entre as duas, a comissão de

mérito falará. Isso porque há necessidade de avaliar os aspectos: constitucionais,

legais e jurisdicionais sempre, com raras exceções como as leis orçamentárias que

pela sua relevância e especificidade são analisadas em comissão mista. As outras

matérias necessariamente também serão analisadas pela comissão que irá avaliar e

aquilatar as questões orçamentárias.275

Uma vez devolvido com manifestação a proposta, nesta fase se denomina

desta maneira porque esta só tornará parecer quando aprovada, deverá a mesma

ser colocada em discussão. Durante a discussão poderá outro membro solicitar

vistas do projeto e da referida manifestação e na sua devolução a referida comissão

poderá apresentar um voto em separado, que é a sua manifestação. Ambas as

manifestações serão colocadas em discussão para a deliberação e a que for

aprovada será o parecer resultado da comissão sobre o projeto em questão.

Depois de discutido, colocado em votação, os senhores parlamentares darão

seus votos. Esse parecer aprovado receberá um número posterior juntamente com

os demais das outras comissões. A propositura só retornará às Comissões caso

receba emenda de plenário, e isso só ocorre quando ela é colocada na Ordem do

Dia, após consulta ao Colégio de Lideres, mas isso não quer dizer que existe uma

275

Para a importância do tema, vide: Eber Zoehler Santa.Helena. Como tornar adequada

orçamentária e financeiramente uma proposição legislativa. Biblioteca Digital da Câmara dos

Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: http://bd.camara.gov.br

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vinculação para o Presidente elaborar a pauta, pois esta consiste em competência e

única da sua discricionariedade.276

Após a aprovação dos pareceres deveriam ser publicados antes que as

referidas proposituras fossem incluídas na Ordem do Dia para discussão e votação.

Ressalta-se novamente que a Ordem do Dia é elaborada pelo Presidente da Casa

discricionariamente quando não há nenhum regime de urgência.

O que impede os trabalhos normais das comissões é prática nociva, visando

burlar o poder fiscalizatório desses órgãos e, consequentemente, da sociedade. Não

podemos esquecer o papel relevante das Comissões, em especial dos

Parlamentares de Inquérito no seu papel importante de fiscalização dos outros

Poderes. Estes tiveram importante papel durante o regime de exceção e ainda

continuam a atuar de forma fiscalizadora dos demais poderes, são instrumentos

específicos de uma particularidade única, não tendo simetria com as demais.277

Assim, uma assertiva deve ser posta: a preocupação quanto ao

funcionamento das comissões. Estes órgãos não possuem um orçamento próprio

para desenvolver de forma mais aprofundada e contam com estruturas sempre

atuais para a realização dos seus trabalhos,278 o que acarreta em muito a sua

independência para análise das matérias.

Um estudo da análise sobre pedir ou não urgência em proposituras em

trâmite nas comissões foi realizado utilizando modelos instrumentais da literatura da

escolha racional desenvolvida pelo Congresso dos EUA. Este tipo de analise

apresenta para o contexto brasileiro, traduzido no modelo informacional. Esse

sistema parte da premissa que as comissões são capazes de especializar e adquirir

informação a respeito dos projetos e também decidir estrategicamente quanto desta

informação será revelado ao plenário.

276

Cf. Flavio de Souza Braz. Estudos sobre o funcionamento das Comissões. Fase instrução do

processo legislativo. Comissões Parlamentares. Disponível em: www.al.sp.gov.br

277Cf. Luís Roberto Barroso. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: políticas,

direito e devido processo legal. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Renovar. p.

97-139.

278 Cf. Paulo Casseb, 2008,. Op. cit. p. 257.

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Os pontos de partida dos testes aplicados recaíram sobre discricionariedade

de decisão de pedir ou não urgência. Foi encontrada forte evidencia de que a

probabilidade de urgência aumenta a medida que aumenta a distância entre as

preferências medianas da comissão e do plenário, em outras palavras, as comissões

com preferências extremas tendem a receber pedidos de urgência com frequência e

conclui que tal pràtica estaria prevista pela teoria informacional.

O estudo resultou na conclusão de que as comissões representativas do

plenário são os que teriam maior chance de reduzir a incerteza, pois estariam em

equilíbrio com o plenário, de modo que nelas seria menor a probabilidade de

pedidos de urgência.

Outro estudo analisou a característica da arena de espaço público no âmbito

das comissões. Mas, por ter esta característica de ser mais uma arena de espaço

público, outro estudo foi realizado levando em consideração três perguntas gerais. A

primeira indagação procurou saber a possibilidade das comissões permanentes e

especiais em processar, discutir e analisar projetos antes de serem transformados

em normas jurídicas, a segunda buscou identificar se havia alguma diferença entre

as comissões permanentes e especiais em conseguir aprovar proposições e, por

fim, a terceira procurou saber se existem mecanismos ou instrumentos regimentais

que favoreçam algum ator no avanço de proposições.

Do processo centralizado, influência do Executivo, da Mesa e dos Líderes na

desvirtuação da rota normal dos trabalhos, aliado ao uso rotineiro das comissões

especiais. A constatação que chega o referido estudo é alarmante.

Quanto à resposta à primeira indagação, o estudo constata que o modelo de

organização congressual brasileiro é influenciado pelo sistema norte-americano,

balizando seus fundamentos teóricas no sistema de comissões permanentes. No

entanto, não se configura em uma organização institucionalizada que obedece a um

rígido processo de tramitação e de seleção interna, mas trata-se de um processo

marcadamente centralizado, decorrente de determinadas regras legislativas que

garantem ao Poder Executivo, aos Líderes dos Partidos, na Mesa Diretora, e ao

Colégio de Líderes um papel central na condição do processo legislativo e na

definição do sistema de comissões.

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A forma de controle do Líder e da Mesa Diretora ocorre através da escolha de

parlamentares fiéis para cargos de comando nas comissões, o que permite a prática

do veto ou do bloqueio de ação de interesse do Líder.

Já a forma de influência do Poder Executivo se realiza através de

instrumentos constitucionais, regimentais e políticos, visando impor suas prioridades

e preferências na agenda interna das Casas e, caso contrariado, possuem meios

diversos de contornar as comissões, inclusive meios de forçá-las a cooperar ou punir

seus desvios.

Em resposta à primeira questão, o estudo conclui que o Poder Executivo

possui condições de garantir que suas proposições sejam aprovadas de maneira

rápida e segundo os seus interesses de mérito, o que prejudica diretamente outros

atores do processo legislativo, que, agindo individualmente, encontram resistências

em conseguir aprovação de proposição de sua autoria.

Como consequência dessa preponderância, houve substancial aumento da

fragilidade das comissões parlamentares que não conseguem produzir expertise e

informações autônomas, além da alteração do ritmo de análise das proposituras,

desfigurando assim as funções precípuas desses órgãos informadores, uma vez que

não é obrigatória uma rota de tramitação decorrente do poder constitucional de

legislar garantido ao Presidente da República e da centralização do poder decisório

nas mãos dos Líderes dos partidos no Congresso.

Em conclusão as outras duas perguntas, a autora resume em dois itens. O

primeiro é sobre a capacidade das comissões permanentes em processar, discutir e

analisar projetos antes de serem transformados em norma jurídica, pois essa

capacidade é muito baixa e, na prática, não há incentivos para o fortalecimento de

suas atribuições legislativas.

Em segundo lugar após a comparação de desempenho alcançado pelas

comissões permanentes especiais, no que diz respeito à aprovação de proposições

legislativas, a constatação é que as primeiras são quantitativamente superiores em

cerca de 40% a mais, mas em sua maioria as matérias não são polêmicas e sim de

baixo impacto financeiro e político.

Quanto às comissões especiais, pelo fato do Poder Executivo ter muitos

projetos de sua autoria, tornam-se normas jurídicas.

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O estudo ainda constata que, diante dos dados coletados, constatou-se que

é frequente o uso de diversos instrumentos pelo Poder Executivo, inclusive a opção

por comissões especiais, para avançar na agenda política. Mas o seu sucesso está

diretamente aliado ao apoio dos Líderes Partidários da base governista.

Conclui a autora do estudo, que o sistema Brasileiro não se encaixa em

nenhuma das três correntes teóricas do neoinstitucionalismo: a distributivista, a

informacional e a partidária correspondem à realidade congressual brasileira, no

tocante as comissões, e esclarece o porquê de tal assertiva.

Em comparação com o modelo distributivista, o que ocorre na Câmara dos

Deputados é exatamente o contrário, pois a atuação individual do parlamentar é

extremamente frágil, o que acaba dificultando os atendimentos de interesses

particularistas advindos da arena eleitoral, pois, apesar as comissões estarem

constituídas por áreas temáticas claramente definidas, existe a dificuldade em

viabilizar os interesses específicos de sua clientela, pois não há a certeza de que a

tramitação de proposituras importantes aconteça no âmbito das comissões e nem há

garantias de vitória no plenário.

A questão central do modelo informacional, a produção de expertise ficam

prejudicadas pelo fato de que as tramitações rápidas não favorecem a

especialização dos membros das comissões temáticas nem a melhoria da qualidade

das matérias apreciadas. Apesar de existir instrumentos regimentais terminativos de

comissão, não há indício da sua aplicação na prática.

Por fim, quanto à questão partidária, não há indícios da ingerência dos

partidos políticos no processo decisório, mas sim a dos Líderes Partidários que

detêm o poder de centralizar os principais encaminhamentos da prática legislativa,

pois a indicação de um determinado parlamentar para compor uma comissão está

condicionada aos interesses pontuais e momentâneos de seus Líderes, ou seja, a

ação partidária feita por intermédio das comissões fica prejudicada.

Diante desse quadro, a autora finaliza “que é inegável que esse contexto,

gerenciado pelo Executivo, representa empecilho ao fortalecimento da Instituição e

seu sistema de comissões”.279 E ainda ressalta não ser possível estabelecer uma

279

Cf. Oliveira, 2004. Op. cit. p.73.

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lógica inequívoca de funcionamento das comissões, apesar de se constatar que há

fatores que favorecem sua atuação pró-ativa no processo decisório, entretanto há

outros fatores que impedem que esses órgãos desempenhem adequadamente a sua

função, como já ressaltamos anteriormente.280

Para concluir, cumpre salientar que o sistema de comissões multiplica as

arenas de decisão no interior do corpo representativo, ampliando oportunidades de

participação autônoma dos legisladores na produção de políticas públicas,281 além da

sua dinâmica complexa, sob forte controle partidário e o pleno desenvolvimento de

outras atividades, multiplicando os espaços, dando margem a ação distributiva

necessária à democracia.

2. O desrespeito aos princípios informadores das leis orçamentárias.

O Ministro Carlos Ayres Britto, asseverou que as leis orçamentárias traduzem

na legislação infraconstitucional mais importante para o país, depois do texto

constitucional propriamente dito.

A partir dessa assertiva que iniciaremos a reflexão sobre o segundo ponto

cujo presidencialismo de coalizão, instituído da forma como se encontra, fere os

princípios constitucionais.

Aqui se estabelece o segundo ponto que, para nós, fere alguns princípios

basilares: diz respeito à questão orçamentária e a sua importância.

2.1. A importância das leis orçamentárias no sistema constitucional da

Carta de 1988.

A Constituição Federal de 1988 define, na Seção II, do Capítulo II, do Título

VI, reserva um espaço de destaque para a tributação e o orçamento do Estado. As

principais regras a serem seguidas pelos poderes constituídos estão ali esculpidos,

isso porque a importância das leis orçamentárias na vida cotidiana de todos nós

280

Cf. Marta Mendes da Rocha & Cassio Felipe Barbosa. Regras, incentivos e comportamento: as

comissões parlamentares nos Países do Cone Sul. In: Revista de sociologia e política. V.16 número

suplementar.ago. Curitiba: UFPR, 2008 93-104. p.101

281 Cf. Fabiano Santos, 1988. Op. Cit.

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cidadãos se faz presente desde as mínimas necessidades até mesmo na condução

de importantes políticas públicas, dentre elas saúde, educação, segurança pública,

infraestrutura e uma justiça eficiente.

O artigo 165 prevê que leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: “I

– o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; e II – os orçamentos anuais”. O

plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e

metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas

decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e às prioridades da

administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício

financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá

sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação

das agências financeiras oficiais de fomento.

2.2. Elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento

O artigo 99, § 1º da Constituição Federal prevê a importância da fase de

elaboração da lei de diretrizes orçamentárias, na qual serão estabelecidos os limites

e os parâmetros para a elaboração da proposta orçamentária, determinando que

deva ser efetuado conjuntamente com os demais Poderes, inclusive na participação

do procedimento de cálculo dos valores monetários.

Daí decorre os limites ao Poder Executivo na alteração das propostas

originais a ele encaminhadas, bem como é vedada a tentativa de fixar limite máximo

para as despesas, mesmo que por forma de emenda constitucional, quanto ao

montante de recursos a ser destinado ao Poder Judiciário e ao Pode Legislativo282. A

proposta orçamentária, para ser incorporada na proposta orçamentária anual, tem

que seguir os dispositivos constitucionais delimitados e, principalmente, observar a

Lei de Diretrizes Orçamentária, que também é anual e estipula as metas para a

elaboração da lei orçamentária.

A Lei de Diretrizes limita todos os três Poderes, pois é nela que eles

conjuntamente devem harmonizar-se para resolver a questão do orçamento. Lei de

282

STF, ADin 468-9/PR, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 27.02.1992.

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iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (artigo 66 § 6º), ela é limitação

constitucional expressa e parâmetro de elaboração das propostas orçamentárias de

todos os Poderes. Esses limites são estabelecidos conjuntamente com os demais

Poderes (artigo 99, § 1º, caput).

A lei orçamentária anual compreenderá o orçamento fiscal referente aos

Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e

indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; o orçamento

de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a

maioria do capital social com direito a voto; o orçamento da seguridade social,

abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta

ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder

Público.

O projeto deve ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito,

sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenção, anistias, remissões,

subsídios e benefício de natureza financeira, tributária e creditícia. Não poderá

conter dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se

incluindo na produção a autorização para a abertura de créditos suplementares e

contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita nos

termos da lei.

2.3. Da necessária participação de todos os poderes na elaboração da

LDO

Duas questões devem ser destacadas, a primeira que o Poder Executivo

deverá publicar, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório

resumido da execução orçamentária; a segunda, que os planos e programas

nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição serão elaborados em

consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional, deverão

ter entre as sua funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério

populacional.

O Poder Judiciário deve elaborar a sua proposta orçamentária depois de

ouvidos os outros tribunais interessados, aos quais competem: I – no âmbito da

União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores,

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com a aprovação dos respectivos tribunais; II – no âmbito dos Estados e no Distrito

Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação

dos respectivos tribunais. Se órgãos referidos não encaminharem as respectivas

propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes

orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da

proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,

ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do estabelecido na lei de

diretrizes orçamentárias.

Caso as propostas orçamentárias de que trata forem encaminhadas em

desacordo com os limites estipulados na forma estabelecida pela lei de diretrizes

orçamentárias, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de

consolidação da proposta orçamentária anual.

Dessa forma a participação do Poder Judiciário na elaboração da Lei de

Diretrizes é previsão constitucional que, se não obedecida, fere o princípio da

independência entre os Poderes e a autonomia financeira do Poder Judiciário. Muito

menos pode o Poder Executivo estabelecer limites à proposta orçamentária dos

tribunais que não tiveram a sua participação na elaboração, vedação constitucional e

jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal.283

2.4. A independência financeira ou não dos Poderes.

Essa questão que divide a doutrina. O que se coloca é se é autonomia

financeira ou se é somente dotação orçamentária. Para Kiyoshi Harada,284 por

razões de ordem prática, existe maior preocupação com o Direito Tributário do que

com o Direito Financeiro, e que tal motivo, conceitos como receita originária, o

crédito público, a despesa pública e principalmente como quando e onde se deve

gastar o dinheiro público são pouco conhecidos. Para ele, autonomia orçamentária

não quer dizer autonomia financeira, pois quem detém esta ultima é somente quem

pode realizar as receitas públicas, originárias, derivadas ou creditícias.

283

STF, ADI/MC 810-PR, rel. Min. Francisco Rezek.j.10.01.1992.e ADI/MC 848-RO, rel. Min.

Sepúlveda Pertence, j. em 10.03.1993.

284 Kiroshi Harada. Autonomia Orçamentária. Disponível em:

HTTP://jus.uol.com.br/revista/texto/1279/autonomia-orçamentaria/print. Acessado 21/11/2010.

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193

Assim adverte o autor, que o artigo 99 da CF quer dizer autonomia

orçamentária, faculdade de elaborar as propostas orçamentárias dentro dos limites

estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias (artigo 99, § 1º e artigo 127, § 3º

da CF) a serem enviadas ao Poder Executivo para que o Presidente da República,

após incorporá-las, encaminhe ao Congresso Nacional, até o final de agosto de cada

ano.

De outra parte, no que concordamos, José Maurício Conti285 afirma que o

Poder Judiciário não tem personalidade jurídica, tem personalidade judiciária o que

lhe confere legitimidade funcional para defender os seus interesses em juízo; possui

autonomia funcional, além de ter sua autonomia administrativa e, por isso, deve

decidir o mecanismo por meio do qual será exercida a autonomia financeira dos

tribunais que o compõe. Conclui e adverte que só existe autonomia financeira de

forma plena quando a quantidade de recursos que lhe são destinados for compatível

com as despesas necessárias para cumprir suas funções.

2.5. Do Estado e da Administração Pública.

O autor lembra que o Estado é estruturado pela Administração Pública e, por

tal motivo, ao organizar-se para atender o interesse público deve respeitar o

orçamento como instrumento de planejamento e programação da atividade

econômica do Governo, e todos aqueles que integram o orçamento fiscal, dentre

eles o Poder Judiciário. Mas Conti adverte que tal reflexão, de autonomia financeira,

tem como pressupostos fundamentais a compatibilidade entre a quantidade de

recursos disponíveis e as despesas necessárias, assim não será autônomo se as

receitas forem insuficientes para fazer frente às despesas exigidas para a prestação

adequada dos serviços que lhe competem.

285

Cf. José Maurício Conti. Autonomia financeira do Poder Judiciário. Academia Brasileira de direito.

São Paulo: MP Editora, 2006. p. 201.

A presente obra trata com profundidade e cientificidade a questão da autonomia financeira do Poder Judiciário, fonte de referência para todos que debruçarem sobre o tema.

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194

2.6. Dotação orçamentária ou independência financeira?

Depreende desse raciocínio que a autonomia orçamentária significa que

determinado órgão, com ou sem personalidade jurídica própria, foi contemplado pela

lei orçamentária anual com dotação própria, fixando o montante das despesas

autorizadas, constituindo-se assim o Poder Judiciário, o Ministério Público, o próprio

Poder Legislativo, uma unidade orçamentária, podendo utilizar-se das verbas com

que foi contemplada, mediante a observância dos rígidos princípios orçamentários e

à medida de disponibilidade financeira do Tesouro.

A Carta de 1988 inovou a matéria orçamentária, conferindo ao Poder

Judiciário e ao Ministério Público dotações próprias, prescrevendo ainda, a entrega

dos recursos correspondentes até o dia 20 de cada mês, data esta que não pode ser

alterada,286 na forma da Lei Complementar (artigo 168 da CF). Mas,

independentemente da referida regulamentação, o repasse não deve ser

automático, deve obedecer ao princípio da programação de despesas (artigo 47 da

Lei nº 4320/64) que é impositivo para os órgãos das três esferas de Poder, que

depende também da efetiva realização da receita estimada. Dessa forma, conclui

Harada, que a autonomia orçamentária não é autonomia financeira propriamente

dita, pois todos recursos financeiros devem permanecer no Tesouro, por força do

princípio da unidade de tesouraria (artigo 56 da Lei nº 4.320/64).

2.7. O princípio da reserva legal

Nesse sentido, Harada assevera que é contrário que o Poder judiciário deva

recolher à sua repartição os recursos correspondentes a dotações consignadas por

entender que não há vocação para tal, resume que autonomia orçamentária do

Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público não significa

independência financeira propriamente dita e muito menos insubmissão ao princípio

da reserva legal no que tange a fixação de vencimentos de seus membros e

servidores, ressalvados os casos expressos no artigo 49, incisos VII e VIII da Carta

Magna. Posição com a qual não concordamos.

286

STF (RTJ – 129/5; 136/891)

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2.8. Da distorção do uso pelo Poder Executivo dos créditos adicionais

Quanto à execução orçamentária do exercício não poderá haver a realização

de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos

na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a

abertura de créditos suplementares ou especiais.

Os créditos suplementares e créditos especiais são espécies do gênero

créditos adicionais, ou seja, autorizações de despesa não computadas ou

insuficientemente dotadas na lei orçamentária anual (Lei nº 4.320, de 1964, artigos

40, 42 e 42); os suplementares são destinados a reforçar dotação orçamentária já

existente insuficiente e os especiais são destinados a despesas para as quais não

haja dotação orçamentária específica, ambos autorizados por lei e abertos por

decreto presidencial.

Há ainda o crédito extraordinário, a que se refere o artigo 167, § 3º da

Constituição, que determina que só pode ser aberto para atender despesas

imprevisíveis e urgentes. Desde a Carta de 88 até 2008, não era admitida ação

direta contra medidas provisórias relativas à abertura de créditos extraordinários,

porque seriam leis de efeitos concretos, destituída de normatividade geral e abstrata,

mas passou-se a examinar se acaso as rubricas constantes de medidas provisórias

são ou não imprevisíveis e urgentes.287

As considerações e reflexões acerca do tema são de extrema importância

para o nosso raciocínio no presente estudo, pois há movimentação de valores

altíssimos por essa via estavam sendo feitos sem o devido respeito aos pré-

requisitos necessários de imprevisibilidade e urgência, a ponto da Ministra Cármem

Lúcia afirmar que sem o controle abstrato de normas criar-se-iam cavalos de Tróia

no controle de constitucionalidade e no mérito, distinguiu entre imprevisão,

imprevisibilidade e imprevidência para deixar assente que é dever de uma boa

administração o prever e o não prever.

O Ministro Carlos Ayres destacou haver graus de urgência na Constituição

e que a imprevisibilidade – factual ou institucional – é um plus no significado da

287

STF, ADin 4.048/MC, Rel. Min. Gilmar Mendes

Cf. Luiz Gustavo Bambini de Assis. Processo Legislativo e orçamento público. Função de controle do parlamento. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 271.

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própria relevância de medida provisória no caso de crédito extraordinário. Completou

o Ministro Celso de Mello que os sucessivos trancamentos das pautas

parlamentares, delas decorrentes, implicam na indevida interferência no “poder de

agenda” das Casas do Congresso Nacional. Dessa forma, o Supremo Tribunal

Federal asseverou que a Ação Direta não impugnava o conteúdo dos créditos, mas

sim, o real enquadramento deles na categoria extraordinários, única permitida à

medida provisória.288

2.9. Sobre o dinamismo e flexibilidade orçamentária

Ao nosso entender, tais créditos como são utilizados acabam por privilegiar o

Poder Executivo em detrimento dos demais Poderes, o resultado é o que vem sendo

denominado de margem de remanejamento.

Mas aprofundando, José Maurício Conti leciona que as leis orçamentárias,

utilizando-se da faculdade prevista no artigo 7º, I, da Lei nº 4.320/64, costumam

autorizar o Governo a abrir créditos suplementares até certo limite, não havendo

nesse caso a necessidade de outra lei para a realização do ato. Apenas são

estabelecidas condições e limites para a abertura dos referidos créditos ou mesmo a

autorização para abrir durante o exercício289.

Por permitirem maior dinamismo e flexibilidade para as modificações nas

dotações, facilitando a adaptação do orçamento às alterações ocorridas ao longo do

exercício, são medidas que deveriam gerir valores pequenos e com justificativa para

tal uso sob pena do Poder Executivo dominar totalmente a execução do orçamento,

desfigurando a Lei Orçamentária elaborada pelos Poderes e aprovada pelo

Legislativo.

Mas, na realidade, o Poder Executivo se utiliza dos créditos adicionais de

forma ampla e desmedidamente chegando ao ponto de utilizar medida provisória

para abertura de créditos extraordinários que, para nós, foi uma forma de contornar

todo o sistema constitucional referente às leis orçamentárias.

288

Cf. José Levi do Amaral Júnior. In: Comentários à Constituição Federal de 1988. (Coords) Paulo

Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. 1225 e 1226.

289Cf. José Maurício Conti, 2006. Op. Cit. p. 98

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197

Assim, uma vez respeitados os ditames constitucionais e suas vinculações, as

normas infraconstitucionais pertinentes, respeitada a Lei de Diretrizes Orçamentária,

elaborada conjuntamente sob pena de inconstitucionalidade, não pode o Poder

Executivo alterar a proposta encaminhada pelo Poder Judiciário, ficando ela apenas

sob crivo dos Parlamentares.

2.10. Da limitação de corte pelo Poder Executivo

Só poderá efetuar corte na proposta orçamentária nos termos do § 4º do

artigo 99 da CF, que é o desrespeito da Lei de Diretrizes Orçamentárias, posição já

sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal ao entender que o Poder Executivo

não dispõe de competência institucional para introduzir cortes unilaterais na

proposta orçamentária que lhe foi encaminhada pelos Tribunais, sendo único árbitro

da questão o Poder Legislativo, a quem incumbe, constitucionalmente, a apreciação

final do projeto de lei orçamentária290, tal medida afronta a autonomia financeira do

Poder Judiciário, nos termos do artigo 99, §§ 1º e 2º.

2.11. Aprovada a lei orçamentária, o comando é do Executivo

Aprovada a lei, o Poder Executivo assume o comando da execução

orçamentária, e todo o processo é fiscalizado pelos sistemas de controle interno e

externo das finanças públicas, esse último sob o comando do Poder Legislativo, com

auxílio dos Tribunais de Contas.

2.12. Das políticas públicas e dos entes federados

Os entes que compõem a Federação brasileira — União, estados, Distrito

Federal e municípios — têm sua atividade financeira explicitada nas leis

orçamentárias, de vigência anual, compreendendo as receitas e despesas para o

exercício financeiro. Nela estão definidos os destinos dos recursos públicos

Definem-se quais programas e respectivas ações governamentais serão

implantados, continuados, encerrados, quanto se destinará a cada um, evidenciando

as políticas públicas que cada esfera de governo desenvolverá durante o período.

290

STF, MS 22.685/AL, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.02.2002. MS 23.783-MC/RS, rel. Min. Maurício

Corrêa,j.05.10.2000 e MS 24.380/RO, rel. min. Ellen Gracie, j. 15.10.2002.

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Duas graves distorções na participação do Poder Legislativo — e, por

conseguinte, da vontade popular — no processo orçamentário se vislumbram a partir

dessa prática.

A primeira delas é a redução da influência dos parlamentares no orçamento

público, que, exceto no que se refere ao montante destinado à cota das emendas

parlamentares, pouco ou nada influencia na elaboração da peça orçamentária e,

portanto, na decisão sobre a alocação dos recursos públicos.

A segunda, é a limitação da ação dos parlamentares à inclusão de despesas

de caráter eminentemente paroquial até porque conta do desvio federativo e

localizado, visando atender a demandas de menor vulto, geralmente destinadas a

interesses específicos de sua base de apoio eleitoral. Inviabiliza, por conseguinte, a

participação efetiva (art. 23) dos representantes do povo, eleitos para compor o

Parlamento, na definição das políticas públicas e nas grandes questões relacionadas

à alocação dos recursos, fazendo do Poder Executivo praticamente o único

responsável pelas escolhas que vão definir os programas a serem cumpridos pelo

ente federado.

2.13. Do crivo do Poder Legislativo

Sendo uma lei, o orçamento público submete-se ao crivo do Poder

Legislativo, a quem cabe deliberar sobre a proposta encaminhada pelo Poder

Executivo, podendo, por conseguinte, alterá-la. Isso se dá por meio as emendas

parlamentares, cuja regulamentação está constitucionalmente prevista no artigo 166,

parágrafo 3º, da Constituição Federal.

Apresentado o projeto de lei orçamentária ao Poder Legislativo, no segundo

semestre de cada ano, os parlamentares oferecem suas emendas, que, em tese,

sujeitam-se tão somente às limitações estabelecidas no artigo 166, parágrafo 3º,

exigindo-se compatibilidade com o plano plurianual e lei de diretrizes orçamentárias,

sendo vedadas emendas que incidam sobre dotações para pessoal, serviços da

dívida e as transferências intergovernamentais.

E o mais relevante: indiquem os recursos necessários para atendê-las,

admitidos apenas os provenientes de anulação de despesas. Ou seja: não cabe aos

parlamentares criar receita para atender suas emendas parlamentares. Apresentar

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emendas, propondo novas opções de gastos, com a indicação dos recursos

necessários para atendê-las, importando em cortar outras despesas já incluídas no

projeto de lei orçamentária pelo Poder Executivo.

2.14. O monopólio do Poder Executivo e as Emendas Parlamentares

O direito exclusivo de iniciativa em matéria orçamentária vem gerando o

monopólio do Poder Executivo em assuntos distributivos, retirando dos

congressistas, um instrumento fundamental para manter e ampliar sua influência

política. Sendo a fonte de distribuição e benefícios um enorme poder de barganha,

perante cada parlamentar, é nessa medida que se pode afirmar que o Congresso

Brasileiro, após 1988, organiza-se em torno de partidos parlamentares o que

contribui para a aprovação da agenda presidencial.291Aqui, entra a grande disputa

política travada pela respectiva aprovação, com a dificuldade prática de analisar as

milhares de emendas apresentadas pelas centenas de senadores e deputados cada

uma com sua peculiaridade de inclusão de uma nova despesa com o recurso

oriundo do corte de outra despesa, tudo isso no exíguo prazo de menos de quatro

meses.

2.15. Da existência de cotas e liberação dos recursos

A praxe dos Parlamentos praticamente consolidou a sistemática de definir

previamente, em acordo entre os líderes de ambos os Poderes, uma cota para as

emendas parlamentares, estabelecendo-se um montante fixo a ser contabilizado em

rubrica específica durante a tramitação do projeto, para servir de fonte de recursos

para atender a demanda das emendas parlamentares.

2.16. Da execução da lei orçamentária

Aprovada e publicada a lei orçamentária, inicia-se a fase de execução, na

qual as despesas se concretizarão, com a efetiva entrega dos recursos que constam

das dotações orçamentárias para o cumprimento dos programas governamentais

nela estabelecidos.

291

Cf. Figueiredo e Limongi, 1999, Op. Cit. e Santos, Op. Cit. 2003, p. 23

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200

Nesse processo, compete ao Poder Executivo comandar a liberação dos

recursos, as várias circunstâncias que envolvem as inevitáveis e sempre presentes

imperfeições na previsão de arrecadação e mesmo no fluxo das despesas,

tornando-se necessário haver mecanismos de flexibilidade que permitam a

adequação das liberações de recursos ao ingresso de receitas.

Dentre os vários instrumentos, está o contingenciamento - ou limitação de

empenho - , nos termos da legislação vigente, por meio do qual não se autorizam as

despesas até que se torne adequada e oportuna a respectiva liberação,

descontingenciando-se então os valores orçados e efetivando-se a entrega do

dinheiro. Criado para adaptar o fluxo de entrada com a saída de recursos, permitindo

um adequado gerenciamento das finanças, o que se vê é uma distorção no uso

desse instrumento.

Em decorrência do exposto, tudo caminha para uma nefasta prática do

Executivo quanto à liberação de recursos oriundos de emenda parlamentar, o que

nos parece retonar aos tempos do voto de cabresto, ou seja, se bem me lembro,

conta alguns historiadores que na prática desse tipo de voto há a fidelidade ao

coronel. Assim o cidadão recebia um só pé do par de calçado e, como o voto não

era secreto, após tendo efetuado a sua escolha no sentido de favorecer aquele que

iria lhe doar o outro pé do parera premiado com o par completo. O que ocorre com a

liberação das verbas oriundas de emenda popular não foge muito a lógica do voto

de cabresto, como iremos ver.

2.17. Do que denominamos voto de cabresto

As dotações consignadas às emendas parlamentares são liberadas, como se

tem reiteradamente constatado, por razões de interesse político, e não financeiro.

Uma vez que identificadas quais as dotações orçamentárias inseridas no

orçamento pelas emendas parlamentares, cuja liberação dos recursos é de evidente

interesse do parlamentar que a patrocinou, o contingenciamento das referidas

dotações, para liberação oportuna, transformou o processo orçamentário em

verdadeiro instrumento de compra de apoio político do Legislativo por parte do

Executivo.

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201

Desvia-se, dessa forma, o contingenciamento, instrumento de flexibilidade

orçamentária destinada a melhor gerenciar o fluxo de recursos, de sua verdadeira

finalidade, que é adaptar as inconstâncias da atividade financeira para buscar atingir

o fiel cumprimento da lei orçamentária, tal como aprovada, para outra que não lhe é

própria, a saber, a de moeda de troca entre os Poderes por apoios políticos

circunstanciais.

A análise da liberação de recursos contingenciados contemplados por

emendas parlamentares, mostrando coincidência com as datas de votações

importantes no Congresso Nacional, tal como constatado pela imprensa, não deixa

margem a dúvidas sobre esse desvio de finalidade que se vem constatando no

processo orçamentário.

É de intrigar o porquê da existência de uma Secretaria de Acompanhamento

Legislativo, instituída pelo Decreto Federal n. 4.596/2003292. No dizer expressivo de

Luiz Gustavo Bambini de Assis,

Não é fato incomum a vigília feita por senadores e deputados junto à atual Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República no período de empenho das emendas individuais e de bancadas. Os parlamentares são capazes de esperar por horas uma audiência com o Ministro de Estado ou com o Subchefe para

292 No Brasil, Decreto nº 4.596/2003: Art. 1º O Sistema de Acompanhamento Legislativo - SIAL, instituído no âmbito da Administração Pública Federal, passa a reger-se pelas disposições deste Decreto. Art. 2º O SIAL tem por objetivo: I - atender às necessidades de assessoramento e informação do Presidente da República e dos dirigentes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, quanto às atividades do Congresso Nacional relativas a matérias e proposições de interesse do Poder Executivo; II - coordenar o fluxo de informações e mensagens do Poder Executivo ao Congresso Nacional, tendo em vista os objetivos gerais e a uniformidade das ações do Governo sobre matéria legislativa; III - acompanhar as proposições em tramitação no Congresso Nacional; IV - diligenciar quanto ao atendimento de requerimentos de informação, indicações, consultas e outras solicitações formuladas pelos membros do Congresso Nacional ao Poder Executivo. Art. 3º A Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República é o órgão central do SIAL, com a atribuição de orientar e coordenar as ações das unidades administrativas que o integram, por intermédio da sua Subchefia de Assuntos Parlamentares. (Redação dada pelo Decreto nº 5.001, de 2004). Art.4º Integram o SIAL as Assessorias Parlamentares dos Ministérios, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, a Assessoria de Relações com o Congresso, do Ministério das Relações Exteriores, bem como as demais unidades administrativas de órgãos e entidades da Administração Pública Federal com atribuições análogas às mencionadas no art. 2º. Art. 5º Os titulares das unidades administrativas referidas no art. 4º subordinam-se, para efeito deste Decreto, diretamente ao Gabinete do Ministro de Estado ou ao dirigente máximo dos demais órgãos ou entidades a que pertençam. Parágrafo único. Os Ministros de Estado e os dirigentes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal instruirão as respectivas unidades administrativas, integrantes do SIAL, no sentido de assegurar-lhes o apoio indispensável ao pronto atendimento das solicitações por elas recebidas. Art.6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 7º Revoga-se o Decreto n

o 3.132, de 9 de agosto de 1999.

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202

Assuntos Parlamentares daquele órgão para conseguir liberar suas emendas.293

Nos casos dos estados-membros, esses acompanhamentos ocorrem via

Casa Civil, diretamente vinculada ao governador.

2.18. Do papel do Legislativo

Por outro lado, outra questão sensível se põe quanto ao Legislativo. Nosso

ordenamento jurídico prevê a iniciativa legislativa é privativa do Poder Executivo,

submetendo o projeto encaminhado ao Poder Legislativo para deliberação e

aprovação. Após aprovação da lei orçamentária e o Poder Executivo. Vê-se uma

razoavelmente bem distribuída partilha de atribuições no que tange às leis

orçamentárias, que, se não fossem as distorções causadas pelo mau uso do

sistema, comporia um bem construído processo orçamentário.

A alegação de falta de capacidade técnica, como alerta Conti, com

fundamento que

se quiséssemos conformar-nos com a vox populi, deveríamos todos assumir a existência de uma batalha entre “bons e maus”, conformando-nos em escolher de que lado estão uns e outros. Faz sentido falar-se em um orçamento “técnico” do Executivo que é “distorcido” politicamente pelo Congresso? Ou ao revés, de um orçamento “unilateral” imposto pelo presidente a um Legislativo impotente? 294

Desde logo, Bittencourt alerta que o argumento de falta de capacidade técnica

de qualquer dos dois interlocutores deve ser descartado, por não ter base em fatos.

Sob uma perspectiva comparativa, o assessoramento técnico institucional no

Legislativo federal brasileiro é apontado na literatura como destacada exceção

entre

países em desenvolvimento. De igual modo, a capacidade funcional e institucional

do conjunto da burocracia do Executivo brasileiro é reconhecida em nível

293

Cf. Luiz Gustavo Bambini de Assis, 2012. Op. Cit., p. 252

294 STF, Tribunal Pleno, ADI 4048-MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.5.2006, voto do Min. Carlos

Britto, p. 92

Cf. Maurício Conti. Emendas ao orçamento e o desequilíbrio de poderes. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2012-jul-03/contas-vista-emendas-orcamento-desequilibrio-poderes

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203

internacional como a mais desenvolvida da América Latina, conforme vários

estudos.295

Dentro de um quadro geral latino-americano

de fragilidade do assessoramento

legislativo, em termos quantitativos e qualitativos, os serviços próprios de

assessoramento técnico do parlamento nacional têm sido reconhecidos – por vezes

efusivamente – como fator importante em prol do papel da legislatura na formulação

de políticas públicas e na função de controle.

Também o conjunto de recursos de acesso à informação de que dispõe o

Legislativo federal brasileiro é bastante amplo, propiciando alto grau de

independência em relação ao Executivo no que se refere à disponibilidade e

tratamento de dados.

Já se passarmos ao tema das motivações e relações de poder entre os ramos

do governo, a análise precedente impõe um taxativo não como resposta ao falso

dilema entre bons e maus: essas duas concepções extremas não estão suportadas

por qualquer estudo empírico ou teórico.

Não há, portanto “bons” nem “maus”, tão somente agentes com interesses próprios legitimados pelo sistema político-institucional, mobilizando os seus recursos políticos em busca desses mesmos interesses. É verdade, por um lado, que os poderes institucionais de agenda do Executivo são muito fortes; no entanto, aqueles estudos que enfatizam essa variável apontam também que tais poderes vêm sendo exercidos sempre com o acompanhamento de um intenso esforço de formação e gerenciamento de coalizões negociadas no Legislativo. No que tange à posição oposta, é verdade que o parlamento demonstra uma posição ativa de intervenção na definição do orçamento (como das demais matérias de política pública), com critérios e objetivos que não são automaticamente alinhados com os do presidente.

2.19. Cargos ministeriais ocupados por indicações de parlamentares

Ainda assim, os legisladores são interlocutores do Executivo nesses processos de permanente negociação de posições, quer mediante jogos de barganha em que as decisões são mediadas por concessões recíprocas de bens de interesse político de ambas as partes, quer pela corresponsabilidade, no Congresso, de cada grupo

295

Cf. Bittencourt, 2012, Op. Cit.

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204

parlamentar em relação ao conteúdo de políticas negociadas no âmbito do próprio Executivo pelos seus representantes em cargos ministeriais.296

Dessa forma, conclui Figueiredo, o presidencialismo brasileiro trabalha um

sistema de composição partidária nos Ministérios, onde a partilha dos referidos

postos nem sempre segue a norma proporcional a seu peso na base parlamentar,

por terem os presidentes a faculdade constitucional de nomear livremente seus

escolhidos. O que traria solidez legislativa ao gabinete seria a correspondência entre

o peso parlamentar dos partidos e a sua representação ministerial.297

Dessa assertiva o que repercute na realidade é se no presidencialismo de

coalizão isso reflete em um peso representativo aos partidos,ou se é apenas uma

questão de loteamento de cargos a disposição do Poder Executivo para realizar

suas metas, quais sejam: a de ter a sua agenda aprovada sem grandes transtornos.

Diante dessa reflexão, a questão no tocante as nomeações no Poder

Executivo remete a outras novas indagações: a primeira, por ser prática típica e

usual do regime parlamentarista, portanto sujeito ao controle da “moção de

desconfiança”, como isso refletiria no regime presidencialista. A segunda, se há ou

não ausência de interesse em formulação de políticas públicas homogêneas, ou se

essa prática apenas se traduz no uso da estrutura posta a disposição com fim de

utilizar os cargos da pasta para nomeações indivíduos de interesse do partido.

A terceira diz respeito ao poder fiscalizatório do parlamento, como proceder

se essas nomeações acabam por se tornar uma extensão de si mesmo; por fim, a

possibilidade de perda por parte do Legislativo de membro capacitado e seus

reflexos não traduziram numa traição a intenção do eleitor?298Ou seja, qualquer que

296

Cf. . José Maurício Contii, 2012, Op. Cit.

297 Cf. Marcelo Figueiredo. Colóquio “La evolución de la organización político-constitucional da

América del Sur” . In:Revista Internacional de Direito e Cidadania. IEDC V 2 – junho. Erechim: Habilis, 2009. 179 – 202.

298 Para estudo no tema, consultem-se:

Vera Lúcia de Almeida Corrêa. Perfil de los ocupantes de cargos de confianza del Ejecutivo Federal Brasileño: una comparación entre el gobierno de FHC e Lula (1996 a 2006). .In: _____. Revista de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial. ano 10 v. 14, n. 3, out./dez.Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá, 2010. 28-46.

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205

seja o sistema de governo essas indagações têm sido postas a todo o momento em

cheque.

2.20. No direito comparado as nomeações para Ministros

Não por outros motivos foram alvo de estudos Unión Interparlamentaria299

situada em Genebra, quando elaborou um estudo comparado mundial do mandato

do parlamentar. O estudo concluiu que a acumulação de funções ministeriais e

parlamentares ultrapassa o problema das incompatibilidades propriamente ditas

para entrar na teoria constitucional, pois está intrinsecamente ligada a natureza dos

regimes políticos.

A incompatibilidade entre as funções ministeriais e parlamentares é habitual

nos regimes que praticam a separação dos poderes, constitui, além disso, em um

dos aspectos mais típicos dos regimes presidenciais. Pelo contrário, a regra de

incompatibilidade é um princípio alheio ao espírito do regime parlamentar cuja

existência está vinculada a uma estreita colaboração entre os poderes, com a

exceção de alguns países.

Na maioria dos regimes parlamentares a acumulação com a função ministerial

não só está autorizada como também fomentada a fim de reforçar os vínculos entre

as assembleias e o poder executivo. Mas em alguns casos os deputados

designados a cargos de ministros tiveram, durante muito tempo, a obrigação de

submeterem-se imediatamente a uma reeleição a fim de confirmar o seu mandato,

mas essa regra que tinha por missão ratificar, pelos eleitores, a chegada do

parlamentar ao um posto ministerial e que consagrava oficialmente o princípio da

acumulação foi suprimida na maioria dos regimes parlamentaristas.

Hoje, configuram exceção, mas uma compatibilidade entre as funções

parlamentares e ministeriais é defendida, sobretudo por aqueles que temem que a

incompatibilidade faça mais difícil a colaboração entre os poderes executivo e

Luiz Alberto dos Santos. Burocracia profissional e a livre nomeação para cargos de confiança no Brasil e nos Eua. Revista do Serviço Público n. 60, ENAP: 2009.

299 Marc Van der Hulst. El Mandato Parlamentario. Estudio Comparativo Mundial. Genebra: Unión

Interpalamentaria, 2000.

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legislativo300, entretanto, tem-se a impressão de que é cada vez menos defendida. É

assustador que uma parte da opinião pública aceita hoje em dia, de forma piorada

comparada ao passado, que algumas pessoas concentrem funções.

Por tal motivo certos sistemas parlamentares europeus estabeleceram,

recentemente, uma incompatibilidade entre a função parlamentaria e função

ministerial. Isso poderia configurar numa incompatibilidade moderada dado que o

cargo do parlamentar, ao se tornar ministro tem sua vaga ocupada temporariamente

por um substituto no parlamento. Em alguns lugares o ministro recupera o seu lugar

no parlamento se demite do governo, mas em outros a substituição é definitiva sobre

toda legislatura, sendo sua vaga ocupada pelo candidato que vem imediatamente

atrás na lista eleitoral correspondente. Mas se um ministro apresenta a sua

demissão e é eleito em uma das câmaras antes que sua demissão seja efetivada,

poderia ocupara as duas funções até que sua demissão seja aceita. O porquê

dessas considerações para o presente estudo, para nós o vinculo do eleitor no

sistema pátrio é extremamente intenso com aqueles que possuem mandatos.

O critério de nomeação e repartição dos ministérios para os partidos seguir

uma lógica técnica, e qual o poder de fiscalização do Presidente, ao que tudo indica,

segundo este estudo, o critério da tecnicidade não é primordial para os partidos

indicarem os preferidos ao Executivo para nomeação nem do primeiro e muito

menos do segundo escalão. Em alguns governos se privilegiou tal critério e em

outros não.

A real natureza do interesse de um parlamentar em obter cargo no Poder

Executivo e qual a finalidade partidária em tal ação deduz das pastas mais

cobiçadas, ou seja, aquelas de maior poder econômico, com dotação orçamentária

para investimento. A disputa é acirrada e a cada legislatura muda conforme o

interesse dos partidos.

Quanto ao poder eleitoral de um partido e sua relação com a influência

legislativa, ficou demonstrado no referido estudo ser uma relação fictícia, por um

300

Pode-se consultar:

Digo de Figueiredo Moreira Neto. Interferências entre Poderes do Estado (Fricções entre o Executivo e o Legislativo na Constituição de 1988). In: Revista Informação Legislativa ano 26, n. 103, jul./set.

Brasília: Senado Federal, 1989.

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207

simples motivo, uma vez eleitos os votos ficam igualados. Por outro lado, consta-se

que as nomeações em cargos ministeriais, mesmo no direito comparado, não segue

uma lógica única, mas traz algumas consequências quanto ao mandato e à

fiscalização do governo.

Onde existe o multipartidarismo há afinidade programática, em qualquer

sistema com essa característica quando a agenda do presidente é praticamente

impossível, sendo necessário a composição de vários partidos para que se forme

uma base de governo sólida, mas em que termos essa base será composta é

assunto de outra ordem.

2.21. Nomeações e princípio republicano no sistema brasileiro.

O que pode ser constado da análise do estudo do direito comparado é que

toda e qualquer análise quanto à nomeação a cargos ministeriais, dizem respeito ao

sistema parlamentarista, sendo incompatível com o sistema presidencialista, nos

deixando num verdadeiro limbo sobre o como deve ser visto as nomeações e o

controle parlamentar decorrente do sistema pátrio.

Para nós, no entanto, através de todo exposto, uma conclusão é certa, a de

que um Legislativo composto de multipartidarismo, com um Governo que necessita

barganhar com essa diversidade, formar a sua base governista, leva a outros

critérios que não aos adotados ao sistema parlamentarista.

Outro aspecto importante quanto à existência de oposição, que em número

muito reduzido deixa o Legislativo engessado. Pensar que esse tipo de relação

institucional como um misto de presidencialismo com parlamentarismo e como se

alteraria numa forma de elaboração das políticas públicas, sem comprometer o voto

do eleitor, transforma-se num dilema sem solução.

Os interesses governamentais, em que a participação ativa dos partidos da

base é sem nenhum custo a ser pago, é no mínimo naif, e afirmamos isso por vários

motivos:

Primeiro, é só prestar atenção nas escolhas dos partidos e nas falas dos

ministros nomeados, para tanto, damos como exemplo, isso sem preconceito ou

ideologia partidária, o caso do Ministro Lupi e seus desdobramentos.

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Quando seu descontentamento com as investigações que recaíram sobre sua

pasta afirmou:

Trabalhar como Ministro do Trabalho não dava mais o que causou uma indignação do jornalista que comentou: Coisas do Brasil. Aqui é assim: o cidadão que ocupa um posto no primeiro time da administração federal (ou no que se supõe ser o primeiro time, pelo que está escrito no organograma oficial) é desossado em praça pública depois de construir um desastre na sua área, mas continua no cargo, rodando em carro chapa-branca e subindo para o seu gabinete em elevador privativo, até que convenha ao governo colocá-lo na rua. (...) A única coisa que não passou pela cabeça do governo foi indagar o que seria melhor para o interesse público.301

Por um lado, os detentores de mandatos foram eleitos para exercerem suas

capacitações no âmbito do Legislativo, e na ausência destes na designação para

qualquer no Executivo traduz no esvaziamento do Legislativo já tão carente de

pessoas qualificadas para exercer seus mandatos.

Quem perde é o poder legislativo, aliado a esse fato a traição à confiança do

eleitor, ocasionando, tais manobras, numa forma negativa face à opinião pública.

Por outro lado o perfil psicológico do parlamentar eleito será o mesmo para exercer

cargo executivo, será que poderá atuar suas funções de maneira a contento?

Por fim, o princípio republicano resta fraudado, pois na lógica comum, quem

em sã consciência vai fiscalizar a si mesmo? Quem vai agir contra si? Qual

parlamentar irá contra o seu partido em prol a expectativa do seu eleitor?

Por outra um parlamentar que chega a ministro continuando como

parlamentar de fato está perdido para o trabalho parlamentar. Uma assembleia que

perde assim depois de cada eleição uma dezena ou mais de seus membros mais

experientes pode encontrar-se muito debilitado.

2.22. Analise econômica das Constituições e seus reflexos

Do estudo de política comparada302, em que se analisam, por meio da

comparação de dados de vários países, para o período do pós segunda guerra, os

301

Cf. J.R. Guzzo. E ninguém se lembrou.... Revista Exame. São Paulo, 30/11/2011. p 73.

302Cf. Torsten Person & Guido Tabellini. The economic effects of Constitutions. What do the data say?

October 6, 2002, MIT PRESS, disponível em:

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efeitos econômicos das Constituições, mormente, o impacto das regras eleitorais

(majoritário ou proporcional) e o impacto da forma de governo (presidencialista ou

parlamentarista) no que os autores nominam de tamanho do governo – gastos e

receitas governamentais em percentual do PIB, identificam-se os maiores Estados

de Bem-Estar por democracias antigas com regras eleitorais proporcionais303.

Com base em análise de que regras eleitorais proporcionais, ficou constatado

que esses geram mais gastos governamentais e menos disciplina financeira.

Esta constatação levou em consideração as variáveis: desigualdades de

renda/tamanho de governo e gastos do governo/população idosa. Atestam os

autores que as eleições majoritárias induzem: governos menores, menores Estados

de Bem-Estar e menores déficits públicos.304

No referido estudo, as eleições proporcionais induzem os partidos políticos a

buscar consenso em grupos maiores da população, conduzindo, dessa forma, a

programas públicos com maiores beneficiários305. As regras eleitorais proporcionais

conduzem a maiores déficits públicos, dado o contexto de governos instáveis e de

coalizão.306

Concluem, esses autores de ciência política norte-americana, que regimes

presidencialistas estão menos propensos à corrupção do que regimes

parlamentaristas, tendo por base a conclusão de que naqueles o governo costuma

ser menor, com gastos menores em políticas de Bem-Estar307, fazendo a ressalva,

contudo, com as democracias mais jovens e com os países da América Latina,308

pois nestes, não há separação de poderes, nem imprensa livre, o que propicia abuso

do poder político do Poder Executivo.

http://www.people.fas.harvard.edu/~iversen/PDFfiles/Persson&Tabellini2003.pdf Acesso em: 20/08/2012 303

Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p.131

304Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 179

305 Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 130

306 Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 146

307 Cf, Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 215

308 Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 217

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2.23. Do pedido de impeachment de Ministros no presidencialismo de

coalizão

Muito embora o pedido de impeachment de Ministros possa ser feito por

qualquer cidadão, o que permanece como questão é a real utilidade desse

instrumento de controle político e responsabilização política pela corrupção, quando

se têm o atual quadro de nomeações no Poder Executivo de parlamentares, em

contexto de presidencialismo de coalizão.

Assim no que diz respeito ao papel fiscalizador do Congresso Nacional, por

isso, proposital a nossa inserção no texto de todas as competências do Legislativo

brasileiro, consta que algumas das suas prerrogativas estão neutralizadas pela

prática desse modo de obter a maioria no âmbito parlamentar.

O Poder fiscalizatório do Congresso Nacional não se restringe somente à

apreciação e à deliberação das proposituras oriundas do Poder Executivo, vai muito

além. Recai sobre questões de controle orçamentário, permissão para empréstimos,

análise das dividas dos entes federados.

Por outro lado, ainda será o Congresso Nacional que poderá julgar o

Presidente da República por crime de responsabilidade e tratar do processo

impeachment deste bem como dos seus Ministros, instrumento típico do regime

presidencialista de controle jurídico-político dos outros poderes.

Ora no tocante a esse último é uma forma de fiscalização, que no sistema

presidencialista existe para responsabilizar politicamente o Chefe do Poder

Executivo e seu staff, como deveria ter sido feito durante a CPI que constatou a

existência do chamado “mensalão”. Neste episódio em especial, o poder do

Congresso ficou a desejar.

Novamente nos apoiamos nas lições de Bittencourt, em seu estudo remete ao

desdobramento muito interessante desse modelo geral é a tentativa de acrescentar

um fator a mais que surge em casos excepcionais: o “mensalão”. da corrupção pura

e simples. Segundo ele, o caso foi analisado em concreto por Pereira, Power e

Raile.309

Esses estudiosos destacaram em que circunstâncias da primeira metade do

governo Lula, acrescentadas às dificuldades já discutidas da formação da coalizão,

309Cf. Bittencourt. Pereira, Power & Raile, 2011, pp. 49-51.

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as restrições decorrentes da polarização de preferências entre os partidos da

coligação que ganhou a eleição, os demais partidos políticos e importantes agentes

do mercado financeiro nacional e internacional, bem como as dificuldades de

aprendizado on the job de uma equipe dirigente que nunca havia assumido as

responsabilidades de governo.

Assim, o governo via-se diante de uma agenda crítica de mudanças

destinadas fundamentalmente a gerar grande montante de recursos para a

execução de políticas sociais sem comprometer os indicadores fiscais que

assegurassem uma não-ruptura com os mercados financeiros, e sem recair em

desequilíbrios de natureza inflacionária. Essa combinação fez com que os recursos

tradicionais de manejo da coalizão não fossem suficientes, naquele momento, para

garantir a consecução dos objetivos do executivo: assim, um novo instrumento teria

sido considerado necessário.

Conclui o referido estudo que

nosso argumento é o de que a corrupção política ocorre quando os recursos oficiais da barganha intragovernamental tornam-se insuficientes para superar as dificuldades no ambiente de barganha. Essa insuficiência é apresentada em termos do próprio modelo e: o conjunto de reformas exigidas pelo executivo tinha um profundo impacto na sociedade, gerando reações fortes dos setores atingidos, e era tão ousado que pouco espaço deixava a concessões de políticas; a formação do primeiro gabinete do presidente Lula deu um peso desproporcional a frações do PT ideologicamente mais distantes da sua agenda de reformas (a expensas de correntes internas ao PT e de terceiros partidos mais suscetíveis a aceitá-la), distorcendo o uso do instrumento dos bens políticos. Aliado a estes fatores, a necessidade de super maiorias para aprovação das reformas levava à necessidade de concessões de pork também a partidos fora da coalizão (concessões estas, portanto, em maiores quantidades do que seria esperado para os próprios aliados). Todos estes fatores teriam levado a uma incapacidade de manter os votos necessários à agenda crítica, gerando os motivos originais para a opção pelos pagamentos ilegais. Naturalmente, essa análise do mensalão não se destina a explicar o surgimento de um procedimento ilegal dessa natureza, mas apenas a verificar a consistência dos fatores determinantes da coalizão, questionando se a sua ocorrência (no caso, a insuficiência ou inadequação do manejo de cada uma das ferramentas do executivo) conduz aos efeitos

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esperados (ou seja, à incapacidade de manutenção de um alto grau de coesão no apoio parlamentar à agenda do governo)310.

Bittencourt, acertadamente afirma que

há que acrescentar que, à parte esse argumento de consistência interna, o fato de que outras ocorrências dessa ilegalidade tenham sido denunciadas em outros governos, de partidos diferentes e em épocas e circunstâncias diferentes (nomeadamente, em Minas Gerais no período 1999-2002, e no Distrito Federal entre 2007 e 2009) sugere ser interessante testar esses modelos em outras hipóteses extremas que podem desafiá-los em seu poder explicativo.311

Ora, o motivo fica evidente que se o Poder Legislativo tem um braço na

estrutura do Poder Executivo, que interesse terá os partidos que fazem parte da

coalizão em fiscalizar essa estrutura, eis porque essa distorção fere o princípio

republicano no tocante a responsabilidade dos mandatários no exercício do

mandato.

Se estivéssemos num regime parlamentarista, haveriam outros mecanismos

de controle, sendo um dele, moção de desconfiança, instrumento típico do regime

parlamentarista. E pensar em um sistema misto no quadro nacional, com a leviana

maneira de se resolver os problemas pátrios importando modelos alienígenas ao

nosso sistema político e ao nosso ordenamento jurídico, como no caso da medida

provisória, acaba por acarretar em verdadeiras anomalias que refletem na Pátria de

forma nociva.

O sistema representativo fica sem a sua devida legitimação, uma vez que o

eleitor, quando do seu voto para determinado parlamentar, não estendeu a este a

possibilidade de fazer parte da burocracia do Governo, muito embora isso pode vir a

310

Cf. Bittencourt. “Like astronomers studying a black hole, we cannot directly see our phenomenon of

interest; we can only infer that it exists by constructing a theory that can be tested indirectly by marshalling various lateral bodies of evidence”. Pereira, Power & Raile, 2011, p. 35.

311

Cf. Bittencourt. Afirma que bem como a sugestão, em estudo de um caso similar de grave suspeita de compra de votos de legisladores na Argentina, de que a corrupção (“incentivos económicos”) poderia ser tentada por governos minoritários (ou que necessitassem de mais votos do que os que dispõem habitualmente) como “una segunda dimensión que le diera a los senadores una mayor utilidad al votar [..]” (Calvo, 2007, pp. 206-207).

Outras referências a estudos vinculando a ocorrência de esquemas de corrupção à insuficiência dos recursos tradicionais de gerenciamento de coalizões estão em Power, 2011, pp, 137-138.

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ocorrer, mas não da forma que está sendo feita, um verdadeiro loteamento da

estrutura administrativa em prol de determinados partidos, visando inclusive

mecanismos compensatórios de campanha ao nomear correligionários, como alguns

denominam o fenômeno por clientelismo capitalista.312

2.24. Do mandato imperativo

Isso nos remete à questão do mandato imperativo e do recall. Quanto ao

primeiro, remarque-se a distinção entre mandato imperativo e mandato

representativo.313 Para a noção daquele reforça-se a possibilidade de sanção no

partido político por indisciplina partidária pelo descumprimento do programa

partidário, entretanto, como se leciona, o parlamentar pode impetrar mandado de

segurança para defesa de seus direitos subjetivos na Justiça Eleitoral.314 Quanto ao

recall, este consiste na possibilidade de revogação do mandato pelo eleitor315. São

questões que nos remetem para a necessidade de aproximação entre

representantes e representados.316 Nesse sentido, cristalino o questionamento:

312

Cf. Francisco Pereira de. Farias. Clientelismo e Democracia Capitalista: elementos para uma

abordagem alternativa. Revista de Sociologia e Política n. 15, Curitiba: UFPR, 2000. 49-65.

313Cf. Lucas Catib Laurentins. Vinculação e Liberdade dos representantes políticos: entre mandato

imperativo e mandato representativo..In: Revista da Faculdade Mineira de Direito v. 12 n. 23, jan./jun.

Belo Horizonte: PUC , 2011.

314 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Fidelidade Partidária e Impeachment - Estudo de Caso. Curitiba:

Juruá, 2012. pp. 17-80, p. 73.

Consulte-se:

Alexandre Issa Kimura. Teoria Constitucional do partido político: os partidos entre o direito e a

política. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: PUC, 2007. p. 262.

315Auro Augusto Caliman. O recall no Estado de São Paulo. Revista Informação Legislativa n. 165,

ano 42, jan./mar., Brasília: Senado Federal, 2005. pp. 197-204, p. 199

316Boaventura de Sousa Santos. Sirva-se um elixir para a democracia. Aliás, Jornal o Estado de São

Paulo. domingo, 27 de maio de 2007 p. J4.

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“No Brasil, os partidos têm pouca especificidade no conteúdo dos seus

programas, muitas vezes genéricos e extremamente parecidos. Como poderíamos

alterar isso? Promovendo uma mudança em duas frentes: a legal e a cultural”.317

Tal assertiva não leva em consideração o desenvolvimento do

constitucionalismo e a aplicação dos princípios constitucionais em relação aos

direitos fundamentais e importância da economia na sua concretização.318

É importante ressaltar que nos estudos dos cientistas políticos, alguns

princípios constitucionais que devem ser aplicados de forma a irradiar todo o texto,

como aqui esclarecemos, não são levados em conta, por tomarem como base dos

seus estudos outras premissas tais como: a tensão das forças partidárias e como

elas se desenvolvem no âmbito dos poderes e o sistema político.

A atração dos parlamentares para a coalizão pode ter como resultado a

cooptação, mediante incentivos de grande intensidade, para que o legislador deixe

de exercer o papel de vigilância sobre eventuais abusos do poder concentrado nas

mãos do presidente

– retirando-os do papel que lhes corresponde na arquitetura da

divisão de poderes.

Com ambos os poderes compartilhando as mesmas metas, nada garante a

validade do pressuposto de que a divisão de poderes gera mútuo controle, o que

vem a reforçar o raciocínio de que a participação nas atividades de controle não é a

faceta do trabalho legislativo mais atraente aos parlamentares.

Desse ponto de vista, o fato do mandato do Executivo não depender da

maioria parlamentar deveria em tese ser um facilitador do controle, já que nos

sistemas presidenciais não existe, a princípio, a mesma pressão institucional – que

existe nos sistemas parlamentares – pela disciplina parlamentar para sustentar o

governo, o que poderia liberar os deputados individualmente e as bancadas

governistas para exercer um controle muito mais amplo sobre o governo.

317

Helio Jaguaribe. Todos os males da corrupção. Aliás, Jornal o Estado de São Paulo, Domingo. 8 de

março de 2009. p J4.

318 Avaliação da OCDE sobre a Integridade da Administração Pública no Brasil em 2011, disponível

em: http://www.cgu.gov.br/publicacoes/AvaliacaoIntegridadeBrasileiraOCDE/AvaliacaoIntegridadeBrasileiraOCDE.PDF

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Assim, assevera Bittencourt, que

também a possibilidade de que o mecanismo de operação da coalizão dependa, no todo ou em parte, de atos administrativos concretos (quer estes atos sejam fruto de barganha, quer representem compromissos programáticos fixados pelo grupo partidário como parte do acordo geral de montagem da coalizão) abre a hipótese de surgirem incentivos análogos, em suas linhas gerais, aos verificados no caso extremamente particular do Congresso norte-americano, em que é do interesse do legislador intervir com a maior intensidade possível em determinados atos de interesse de sua jurisdição, gerando atividades de controle descentralizadas, descoordenadas e baseadas em reivindicações tópicas sobre casos concretos. Esta alavancagem será tanto mais provável quanto mais os congressistas brasileiros consigam forjar junto aos eleitores a imagem de um tipo de ombudsman dos cidadãos face à agência burocrática destinada a implementar as políticas públicas neste setor específico, o que dependerá desde logo da capacidade de manipular alocações orçamentárias para esta

agência.319.

Tal alerta recai na possibilidade dos próprios parlamentares utilizarem

mecanismos de exposição e aparente controle, como nos casos dos requerimentos

de convocação de componentes do Governo, apenas para pressionar a fim de que

os seus pedidos sejam atendidos a contento.

2.25. Consequências outras do presidencialismo e coalizão

Assim, não obstante os pontos de vistas colocados anteriormente, outro olhar

sobre o presidencialismo de coalizão recai sobre o sistema de representação

proporcional de lista aberta o que acabaria por gerar uma restrição na dinâmica de

pesos e contrapesos, característica central do sistema presidencialista, por tal

motivo a solução seria a de um presidencialismo de coalizão racionalizado, em que

o presidente não seria compelido a negociar vantagens clientelistas com membros

dos partidos de oposição, transformando o comportamento dos políticos da Câmara

319

Bittencourt, 2012, Op. Cit.

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de Deputados, vez que o comportamento ficcional dos partidos parlamentares

deixaria de ser o aspecto definidor, como leciona Santos320.

Isso porque, continua o autor, a agenda compartilhada deve ser o objetivo e

para tanto somente com a hipótese de alteração do contexto de concentração de

poderes que se daria através da aprovação das políticas do presidente no exterior

do espaço de indiferença do deputado médio,321 e na decisão de um presidente em

adequar seu programa de cooptação de membros da oposição congressual, em

ambas se evitaria a transferência maciça de votos - que ocorre na busca por estes

deputados por uma constituency eleitoral - de prerrogativas decisórias para o Chefe

do Executivo.

Assim, sintetizado, para os deputados, mais vale a existência de um

presidente de persuasão ideológica à sua, e trabalhar muito os seus contatos no seu

distrito, estabelecendo parâmetros a respeito das preferências dos seus eleitores, do

que simplesmente sinalizar posicionamento político via apoio ou repúdio as políticas

governamentais.322 Todavia, ressalta-se que a literatura mais recente que trata das

relações Legislativo – Executivo no Brasil não ratificam que as instituições políticas

devam sofrer reformas no sentido de redução do número de partidos ou do aumento

do controle do Executivo e das lideranças partidárias sobre o processo legislativo323.

IV. A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL

A capacidade do ser humano de fazer justiça torna a democracia possível; mas a inclinação humana para a injustiça torna a democracia necessária.

Reinhold Niebuhr

320

Cf. Fabiano Santos . O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão. UFMG, IUPERJ, Belo

Horizonte, Rio de Janeiro: 2003.

321 Classifica como deputado médio aquele que não possui identidade com seu eleitor por ter sido

conduzido a Câmara pelo voto de lista aberta, valendo-se de votação de outros, e/ou pelas coligações e partidárias e dessa forma está disposto em investir grande parte de seus recursos em intermediação presidencial.

322Cf. Fabiano Santos, 2003.. Op. Cit. p. 24

323 Cf. Fabiano Santos, 2033. Op. Cit. p. 62

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De outro lado temos o Poder Judiciário, que com o advento da Carta de 1988

ampliou as suas funções, sem mesmo estar preparado para exercê-las. Um exemplo

comum são as decisões em favor do cidadão nas questões de obrigação de fazer do

Executivo quanto a medicamentos, meio ambiente e outros direitos plasmados na

Carta Constitucional.

As escolas das magistraturas estão pioneiramente promovendo cursos para

os magistrados no sentido de informar e conscientizar que não basta somente a

decisão para que haja cumprimento das disposições constitucionais, pois não

podemos olvidar que a Lei Orçamentária é uma lei e deve ser observada no sentido

de que cada vez que se gera uma despesa deve-se indicar de onde deve sair à

referida despesa.

Não pode o Poder Judiciário apenas dar a sentença sem aquilatar os seus

efeitos, e muito menos que seja descumprido qualquer lei sem antes determinar o

que está sendo efetivado.

Para além do controle jurisdicional do devido processo legislativo,324neste que

se declaram no Poder Judiciário os direitos públicos subjetivos dos parlamentares,

deve-se ponderar sobre o papel institucional que o Supremo Tribunal Federal possui

no exercício de controle de constitucionalidade do devido processo legislativo, e,

igualmente, no controle de constitucionalidade por omissão, seja esta de caráter

normativo, seja de caráter administrativo, na medida em que muitas ações são

propostas pelos partidos de oposição, entes legitimados. É sobre esta atuação dos

partidos que se debruçam alguns estudos325.

324

Cf. Bruno Cláudio Penna Amorim Pereira. Jurisdição constitucional do Processo Legislativo.

Legitimidade, Reinterpretação e Remodelagem do Sistema no Brasil.

José Alcione. Bernardes Júnior O controle Jurisdicional do Processo Legislativo, Belo Horizonte: . Ed.

Fórum 2009

André Del Negri Processo constitucional e Decisão Interna Corporis. Belo Horizonte: Ed. Fórum,

2011.

325Cf. Luciana de Oliveira Ramos. O controle de constitucionalidade por omissão no Supremo Tribunal

Federal: análise dos casos de omissão legislativa nos vinte e um anos da Constituição. Dissertação

de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas São Paulo, São Paulo: USP, 2010.

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218

Neste item apenas destacamos ser o tema objeto de pesquisa, pois tanto

oposição política, quanto governos podem fazer e fazem uso da judicialização, quer

como tática oposicionista, quer como instrumento de governo.326

Com relação às ações diretas de inconstitucionalidade, os partidos políticos

também se mostram bem ativos,327 remanescendo como sugestão de reflexão o

contínuo aperfeiçoamento do controle prévio de constitucionalidade, com

asseguramento das prerrogativas de oposição e minoria política.

Durante muito tempo a atuação do Supremo Tribunal Federal foi acanhada e

omissa em relação a algumas situações postas sob a sua análise que poderiam ter

eliminado parte da situação posta nesse presidencialismo de coalizão.

A primeira delas foi o caso do presidente da Câmara que retirou já em fase de

votação o projeto da comissão no tocante à Reforma da Previdência, ferindo assim

todos os princípios mais básicos do devido processo legislativo, que segue o rito

próprio, mais uma vez, iniciada a votação, encerraram-se todos os procedimentos

possíveis até o seu término.

Outro momento singular foi quando se permitiu a reedição de medida

provisória.328 Este diz respeito ao consentimento dado pelo Supremo Tribunal

Federal para a reedição de medidas provisórias.329 O que também para nós

Cf.

326Luciano Da Ros & Matthew M.Taylor Os Partidos dentro e fora do poder: a judicialização como

resultado contigente da estratégia política. Dados, Revista de Ciências Sociais. v. 51. Rio de Janeiro:

Dados, 2008, p. 848.

327Cf. Antonio G. Moreira Leitão & Antonio G. Moreira Maués. Dimensões da judicialização da política

no Brasil. As Adins dos partidos políticos. Revista de Informação Legislativa ano 41 n. 163, jul./set.,

Brasília, 2004.

328Cf. Francisco Gérson Marques de Lima. O STF na crise institucional brasileira. Estudos de casos:

abordagem interdisciplinar de sociologia constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 397-415.

Para um panorama do controle jurisdicional das Medidas Provisórias, consulte-se a abalizada e atualizada obra: Clèmerson Merlin. Clève. Medidas Provisórias. São Paulo: RT, 2011.

329 MP 542 Proposta: reduzir a área de três parques ecológicos na Amazônia para a construção de

hidroelétricas. Contrabando: reduzir em 40% a área de preservação do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG). Beneficiadas: mineradoras. MP 517 Proposta: instituir regime especial de incentivos para usina nucleares. Contrabando: perdoar parte das dívidas de bancos que faliram nos anos 90, causando um prejuízo de 42,7 bilhões de reais ao governos. B: banqueiros quebrados. MP 521 Promover reajustes de bolsas de médicos-residentes. C: flexibilizar a Lei de Licitações para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, permitindo contratações com base em critérios subjetivos. B: empreiteiras. MP 545 Proposta alterar as taxas de frete para a marinha Mercadante. C: promover isenções fiscais para a cadeia produtiva do café. B: a indústria cafeira. MP 540 Proposta: reduzir alíquotas do IPI para a indústria automobilística. Contrabando: permitir a propaganda institucional dos

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configurou um ultraje a todo processo legislativo e seus princípios constitucionais, foi

a autorização para o Presidente retirar de pauta a medida provisória, com o evidente

intuito de votar outras matérias de seu interesse.

O Supremo Tribunal Federal deixou de proceder, em diversas ocasiões, com

análise acurada do critério subjetivo de direito, dos requisitos constitucionais de

urgência e relevância para edição das medidas provisórias, deixando margem de

discricionariedade ao Poder Executivo. Lógico que tal critério carrega a

característica da subjetividade, mas há a possibilidade de exclusão de matérias

claramente sem urgência, e que foram legisladas através de desta espécie

legislativa.

A questão de medida provisória por crédito extraordinário deve estar ligada

igualmente ao juízo de urgência e relevância, ao qual está prevista na Constituição,

somente nos casos lá expressos.

Outra interpretação, ao nosso ver, duvidosa, foi quanto à decisão do então

Presidente da Câmara, Michel Temer, ao entender que sobrestamento de pauta por

medidas provisórias somente recairia nas matérias de leis ordinárias, com as

devidas ressalvas. Com o decorrer do tempo, ficou claro que tal decisão auxiliou em

demasia o Poder Executivo, contrariando os ditames constitucionais que determinam

claramente o sobrestamento de pauta, sem individualizar em quais matérias deve

recair.

Só recentemente foi determinado que é inconstitucional a medida provisória

não apreciada pela comissão mista do congresso, ora há quanto tempo se vem

discutindo que violação não só de determinações constitucionais, mas também do

regimento interno devem ser objeto de consideração por parte do judiciário?330

Tamanho foi o desvio do processo legislativo previsto na Carta Magna, que se a

decisão fosse retroativa os seus efeitos alcançariam centenas de atos normativos.

Vários ministros chegaram a repudiar a questão de análise de urgência e

relevância, afirmando que era papel do Legislativo e que se não havia atitude deste

último não estaria o STF a cumprir a obrigação alheia. Ocorre que nem sempre as

fabricantes de cigarro. B: indústria tabagista. Veja 29 de fevereiro de 2012 p. 58/59 Editora Abril. São Paulo.

330 STF, Adi 4029/DF, Rel. Min. Luiz Fux e Informativo n. 658, fonte: www.stf.jus.br

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decisões dessa Corte seguem tal lógica, haja vista as questões relativas à CPI, que

numa decisão histórica praticamente regulamentou todo o procedimento a ser

seguido, quando a questão tratava-se apenas da preservação da minoria, apesar de

ter elaborado disposições excelentes.

Outra decisão emblemática foi referente ao direito de greve do funcionalismo

público, ora, a iniciativa de tal propositura é de competência exclusiva do Executivo,

mas ao dar publicidade da decisão que adotou por analogia a lei do direito privado

até a futura lei para o servidor público, vários ministros afirmaram, bem como a

imprensa que o Congresso não havia legislado sobre o assunto.

Decisão que chamou atenção foi a relativa à Lei de Biossegurança, pois além

de chamar atenção para a legitimidade do Procurador-Geral em questionar Lei

robusta e legítima, o Supremo Tribunal Federal quase foi além do que deveria, pois

a Lei foi amplamente discutida pelo Legislativo e pela sociedade.

Neste caso, houve admissão de amici curiae e audiências públicas durante o

curso da Adin proposta pelo Procurador-Geral da República, pois ainda que o

amicus curiae e as audiências públicas consistam em formas de participação

democrática, entendemos ter ocorrido indevida politização do Supremo Tribunal

Federal, recaindo aqui crítica à legitimidade do Ministério Público Federal em propor

Adin em face de Lei tão amplamente discutida durante seu processo de formação no

Poder Legislativo e, por isso, não menos ingente às influências religiosas, daí

porque o seu resultado seja objeto de severas críticas quanto à utilidade científica de

pesquisa em embriões inviáveis, nos termos em que a lei de biossegurança foi

aprovada, sabendo, naquela ocasião, o Poder Judiciário, ao menos, discernir e

diferenciar os conceitos de embrião e de aborto, o que pode render futuros

aperfeiçoamentos legislativos na matéria para se permitir pesquisas científicas com

embriões viáveis e de utilidade científica331.

331

Cf. Elimar. Szmiawski. Entrevista. Células Tronco. Carta Forense. 02/08/2011, disponível em:

http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/celulas-tronco/7420

Para consulta:

Luiz Fernando Coelho. Clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica. Questões jurídicas (mesa redonda). Revista CEJ v. 6, n. 16, mar. 2002, disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/445/626;

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221

E ainda há questão da sua independência financeira e orçamentária

descumprida, que traduz numa aparente subjugação dessa Corte ao Executivo. É o

que se pode extrair do desabafo do ex-presidente do STF, o Ministro Peluzo, quando

afirmou que o Executivo não cumpre a Constituição, e foi além ao dizer que ofício

enviado por aquela Corte à Presidenta sobre a questão do orçamento do Judiciário

não foi objeto de resposta.

Essa prática autoritária do Executivo se estende aos estados-membros

também, como se constata no estado do Rio Grande do Sul, que, ao ter seu

orçamento cortado, ingressou com medida cautelar contra o Executivo gaúcho a fim

de preservar o seu direito de elaboração estratégica da sua peça orçamentária

dentro dos ditames da LDO. Em São Paulo, em 2010, o orçamento enviado ao

Executivo pelo Judiciário foi cortado em 50%, quando a Constituição prevê

taxativamente que a LDO deve ser elaborada em conjunto com os poderes. Eis que

justiça constitucional se faz necessária.

Assim, como vimos no decorrer deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal

tem atuação muitas vezes de forma restritiva, como foi no caso das competências

legislativas de alguns estados-membros, já mencionados, centralizando, na duvida,

a legislação a cargo da União.

Por outro lado, quando da apreciação do artigo 20 da Lei de

Responsabilidade Fiscal, por melhor que fossem as intenções, abriu-se um

precedente de que o fim justifica os meios, ou seja, em outras palavras, se a lei for

boa, não interessa se ela está em desconforme com o ditame constitucional.

A importância dessa Corte para a manutenção dos princípios basilares da

Constituição de 1988, deve presente em todos os momentos pátrios, mas

Anne Fagot-Largeault. Embriões, células-tronco e terapias celulares: questões filosóficas e antropológicas. Estudos Avançados n.51, 2004, disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200015

Alberto Machado Cascais Meleiro & Leonardo Henrique M. Moraes Oliveira A pesquisa com células-tronco embrionárias é inconstitucional? Revista Informação Legislativa v. 44 n. 174, 2007, disponível

em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/141286

Lisle Santos Dourado. A regulação do uso das células-tronco e a atuação do Poder Legislativo e do Supremo Tribunal Federal. Senatus: cadernos da Secretaria de Informação e Documentação v. 7, n.

1, p. 40-47, jul. 2009, disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/177913.

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222

concluímos que a interpretação em vez de ser mais restritiva, deve ser voltada

sempre para o texto constitucional como um todo.

Assim, recebe a nossa homenagem o atual presidente do Supremo Tribunal

Federal, Ministro Carlos Britto, que na sua posse entregou uma Constituição aos

representantes dos outros poderes “Proponho um pacto a vocês, vamos cumprir a

Constituição”.

V. FALTA DE COMUNICAÇÃO À SOCIEDADE DOS TRABALHOS

O maior perigo para a democracia é a crença de

que a política não nos diz respeito e que ela não

pode nada para nós. O maior perigo para a

democracia é esquecimento pelo povo de que a

política depende de todos nós332

F. Wolf

Mas por ser complexo o próprio processo legislativo, características próprias

de qualquer processo, a maior parte dos seus procedimentos pode ser detectada

com clareza. A complexidade do processo legislativo pode ser simplificada se

visualizarmos sempre quatro pontos: quem inicia, quem o andamento, quem aprecia

e, por fim, quem vota. Podem ser encontrados manuais bem simplificados nos sites-

sítios internet - dos Legislativos em geral, às vezes, até como cartilhas.

Mas apesar de tudo isso se passa à margem da opinião pública, que é levada

a pensar que esse tempo necessário para a devida participação e debate é moroso,

sem nenhum valor e pouca importância. Desinformados, assim, os cidadãos seguem

as suas críticas ao Legislativo, muitas sem se dar o trabalho de observar que o

tempo do processo legislativo é diferenciado exatamente para que ocorra um amplo

debate sobre cada propositura, que, se aprovada, tornar-se-á norma jurídica,

devendo ser obedecida.

332

Cf. F. Wolf Esquecimento da política ou desejo de outras políticas? In: O Esquecimento da Política.

(Org.) A. Novaes. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p.79

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Essa relação institucional do Legislativo com a opinião pública decorre de

vários fatores. Sem retirar parte da responsabilidade que cabe aos ocupantes dos

Parlamentos pelo Brasil, não podemos olvidar que dessa relação perniciosa, que

obterá vantagem, é aquele cujo poder nessa dinâmica incomoda o Executivo. Este

último acelera, por vários mecanismos que estão à sua disposição, o processo

legislativo deixando a margem boa parte dos parlamentares, mas principalmente a

sociedade, a maior interessada.

Complementando, Carlos Miguel Aidar333 afirma que

(...) a mídia julga os legisladores e os parlamentares não pela qualidade de seus trabalhos – porque nem sempre a mídia está preparada para avaliar a qualidade do seu trabalho – mas pela quantidade desses trabalhos. Isso é muito simples: um mais um é igual a dois. Então, o parlamentar vem sendo avaliado em nosso País de forma errada, equivocada; vem sendo avaliado pela quantidade de projetos apresentados e eventualmente pelo índice de aprovação dos seus projetos, quando, na realidade, deveríamos fazer a avaliação pela qualidade dos projetos apresentados.

Antônio Carlos Doorgal de Andrada334, leciona que

O mercado midiático anula também o processo político institucional na relação tempo/espaço. O tempo político é geralmente medido pelo tempo dos mandatos eletivos, marcados pelas eleições. O tempo político, relativamente longo, submete-se a processo e lógica próprios, ofertando espaço quase ilimitado para as articulações, trocas de informações, concessões mútuas, amadurecimento de ideias e propostas, enfim, possibilitando um complexo diálogo persuasivo onde o melhor discurso ou argumento constrói o consenso ou a maioria. Já o tempo da mídia é o tempo econômico e financeiro ditado pelo mercado: é curto e ágil; ou seja, é o “agora” - afinal, “tempo é dinheiro”.

Por outro lado, experiência do despreparo técnico do Legislativo para dar

conta das tarefas que lhe haviam sido outorgadas pelo texto constitucional de 1946

333

Cf. Carlos Miguel Aidar.In: 1º Seminário. Atividade Parlamentar e Competências Legislativas.

Temas de Direito Constitucional Estadual e Questões sobre o Pacto Federativo. São Paulo:

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2004. 12-13.

334Cf. Antônio Carlos Doorgal de Andrada .Política. Ainda é possível? Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

p. 59

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não foi só objeto de inúmeras críticas como acabou, de fato, servindo de pretextos,

entre outros, para o golpe de 64 e a instauração do autoritarismo burocrático que

perdurou até 1988, e ousamos dizer até os nossos dias.335

Quanto maior o debate, maior a participação, maior legitimidade e menor o

risco de se formular uma norma em desacordo com a realidade para qual a foi

proposta. Daí também decorre a denominada lentidão do processo legislativo.

Portanto, meios de abertura para maiores participações nas arenas públicas

de decisão no âmbito do Poder Legislativo não devem ser levados como morosidade

e complexidade de processo e sim com uma garantia institucional de participação

cidadã na sua casa, na “Casa do Povo”.

Se o Poder Legislativo é a Casa do Povo, onde ele se vê representado,

quando este falha na sua função, resta-nos recorrer, como cidadãos, a outro poder

para garantir nossos direitos.

Aqui se insere a destacada importância do Poder Judiciário para o nosso

tema, no qual pretendemos demonstrar a anomalia do presidencialismo de coalizão,

mais uma vez, que retira parte da legitimidade do sistema representativo ao excluir

da arena de decisão alguns parlamentares, por falta total de tempo por parte destes,

no tocante a análise das matérias em tramitação de urgência, frequentemente

utilizada pelo Poder Executivo para ter a sua vontade vitoriosa.

Se isso ocorre no âmbito do Legislativo, o que acontece com o Poder

Judiciário face ao presidencialismo de coalizão? Será que nada interfere na sua

relação institucional com os demais poderes?

Para demonstrar nosso ponto de vista, no próximo tópico deste trabalho,

abordaremos o Poder judiciário como a Constituição de 1988 o estruturou e da sua

importância para o Estado Democrático de Direito.

1. A importância do Poder Legislativo e participação da sociedade

O Poder Legislativo é o espaço público que deve ser ocupado pela sociedade

para que uma discussão profícua ocorra durante o processo legislativo de tais

335

Cf. Bittencourt, 2012, Op. cit. p.23.

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proposituras, levando em conta considerações acerca dos mais diversos assuntos,

dentre eles: transporte público, a educação, a precariedade das rodovias, a falta de

segurança pública, mas deve ir além, iniciar estudos sobre o que ocorre quando falta

independência financeira entre os poderes, a exemplo do que vem ocorrendo com o

Poder Judiciário, causando lentidão na execução de sua função precípua que é a de

fazer justiça, seja por falta de informatização, de estrutura física para instalação de

fóruns e ou mesmo de déficit de qualificação e melhorias dos seus servidores.

Entretanto, propostas estão sendo implementadas em busca de uma maior

transparência e eficiência, a exemplo os portais eletrônicos onde se podem

encontrar mecanismos diversos de atendimento e informação a qualquer pessoa, as

editora, como a do Senado com publicações primorosas, televisões e seus

programas de informação cultural, meios utilizados para veicular os trabalhos ao

público geral, ressaltando que alguns deles poucos usufruídos ou até mesmo

desconhecidos, sem mencionar os mecanismos de fiscalização eficientes devem ser

valorizados, desde o mais simples ao mais complexo como é o caso dos Tribunais

de Contas.

É nesse ponto que voltamos a nossa crítica em relação a imprensa, pois não

constatamos nenhuma veiculação desses procedimentos postos a serviço do

cidadão. Ao que tudo indica há uma resistência da imprensa e da sociedade, ainda

que pese todos os esforços institucionais dos Parlamentos, persiste a imagem de

marajás, ineficiência, estrutura arcaica, e acima de tudo de inutilidade total dessas

despesas e reformas estruturais.

Precisamos acordar para a importância da participação na elaboração das leis

orçamentárias como exercício de cidadania, que é um dever e não uma faculdade,

isso se nos considerarmos cidadãos conscientes e senhores do nosso destino. A

importância da participação da sociedade em debates dessa natureza é fundamental

para que a elaboração de toda estratégia para os investimentos, gastos e fomento

do Estado seja voltada também para as políticas públicas debatidas e necessárias

para o bem-estar do cidadão.

Cabe ao Poder Executivo a elaboração dos referidos projetos leis e ao Poder

Legislativa sua a apreciação, momento onde a sociedade brasileira pode e deve se

manifestar em prol dos seus interesses, através dos seus representantes e também,

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por meio de manifestações sob as mais diversas formas para que a legitimação

desse procedimento tenha densidade democrática necessária.

O que causa alarde é que com todo esse arcabouço constitucional, visando

atender os interesses do povo brasileiro colocado a sua disposição pelo poder

constituinte originário, através da previsão de leis que visão determinar todo o

investimento e programa de governo para os próximos quatro anos, como é o caso

do plano plurianual, vinculando o administrador a seus objetivos, quanto da

elaboração da lei de diretrizes orçamentárias e o próprio orçamento, estejam

passando em branco sem qualquer discussão da sociedade e da própria mídia.

Infelizmente, na realidade, as várias fases em que o cidadão pode interagir

são desconhecidas pela maioria da população, o que leva a outra reflexão: qual o

real interesse do cidadão no processo legislativo336, e se a opinião pública se dá

336

Para estudo do lobby, confiram-se:

Roberto Almeida. Regulamentação do Lobby completa 20 anos nas gavetas do Legislativo. Jornal o

Estado de São Paulo, 21/02/2009, Nacional, p. A4.

Sílvio Dobrowolki. Grupos Sociais e Poder..In: Revista Informação Legislativa ano 22, n. 88. Brasília:

Senado Federal, 1985. Pp 95-104.

Paulo Afonso Francisco de Carvalho & Gustavo Henrique Fideles Taclialegna. Atuação de grupos de

pressão na tramitação do Projeto de Lei de Biossegurança..In: Revista Informação Legislativa ano 43

n 169, jan./mar.Brasília: Senado Federal, 2006.

Yamil e Sousa Dutra. “Lobbies” e grupos de pressão como agentes de informação para o Poder

Legislativo..In: Revista Informação Legislativa ano 27, n. 107, jul./set., Brasília: Senado Federal, 1990.

245-248.

Carolina Juliano. O lobby para legitimar o lobby. Valor, sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de

junho de 2005.

Samantha Ribeiro Meyer-Pflug. Grupos de Interesse (Lobby). Série Pensando o Direito n. 8. Brasília:

Uniceub, PNUD, MJ, 2009.

Ricardo Modesto. O estudo do Lobby no Legislativo pela abordagem de redes. Biblioteca Digital da

Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. pp 11-101. http://bd.camara.gov.br

Andréa Cristina de Jesus Oliveira. Breve histórico sobre o desenvolvimento do lobbying no Brasil.

Revista Informação Legislativa ano 42, n. 168, out./dez. Brasília: Senado Federal, 2005. 29-42;

Antônio Carlos Pojo do Rego. O “lobby” nordestino: novos padrões de atuação política no Congresso

Brasileiro. Revista Informação Legislativa ano 21, n. 81, jan./mar.Brasília: Senado Federal, 1984.

Leda Boechat Rodrigues. Grupos de pressão..In: T.B.Bottomore. Elites políticas, Universidade de

Brasília, Brasília: Unb, 1978. 139-159;

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227

conta da importância do papel delineado pelo Constituinte originário ao Poder

Legislativo. Mas esse tema não o objeto principal do presente estudo, o que nos

cabe agora é a análise desse Poder, suas atribuições, de como se caracteriza rumo

ao alcande da dua suas funções institucioanl esculpida pela Carta Cidadã.

O que permanece como questionamento é falta de mudança de postura e do

interesse da mídia em acompanhar e publicar os trabalhos das Comissões

Permanentes, Temporárias, pois as afeitas ao espetáculo costumam ser mesmo

somente as Comissões de Inquérito,337 em suma, nesse ponto as preocupações

levantadas durante a Constituinte perduram sem aparente solução.

Ricardo José Pereira Rodrigues. Desenvolvimento nas ações políticas da Sociedade Civil dentro e fora do Congresso Nacional, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos

Deputados, 2000. 3-13 . http://bd.camara.gov.br

Luiz Alberto dos Santos. Regulamentação das atividades de lobby e seu impacto sobre as relações

entre políticos, burocratas e grupos de interesse no ciclo de políticas públicas – análise comparativa

dos Estados Unidos e Brasil. Instituto de Ciências Sociais. Brasília: Unb, 2007.

Ricardo Modesto Vieira. O Estudo do Lobby no Legislativo – o caso de sucesso da CDU –CD. E-

Legis n. 02, p.39-46, 1º semestre, Brasília: 2000;

337 No tema da mídia e Poder Legislativo, podem ser referidos:

Roberto Amaral. Imprensa e controle da opinião pública (informação e representação popular)..In:

Revista de Informação Legislativa ano 37, n. 141, out./dez. Brasília: Senado Federal, 2000.

Izabel Cristina Filgueiras de Almeida & Suelena Pinto Bandeira & Cristiane de Almeida Maia.

Informação Legislativa e Cidadania: o papel da Câmara dos Deputados e do seu Centro de

Documentação e Informação (Cedi). v. 2 n. 1. dez. Brasília: Senatus 2002.pp 7-51.

Valéria Ribeiro da Silva Franklin Almeida A comunicação do Senado e o direito à informação..In:

Revista Informação Legislativa ano 42, n. 166, abr./jun.Brasília: Senado Federal, 2005.

Fernando Antônio Azevedo & Vera Lúcia Michalany Chaia. O Senado nos editoriais dos jornais

paulistas.In: ____.Rachel Meneguello (Org.) O Legislativo brasileiro: funcionamento, composição e

opinião pública. Brasília: Senado Federal, 2012. Pp 35-62.

Edna de Souza Carvalho. O impacto da gestão de documentos no processo de produção digital da

TV Senado. Coleção de Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal.

Brasília: Senado Federal. 2010. p 196.

COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cidadania, Mídia e Política: relacionamento sociedade civil, meios de comunicação e parlamento. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br

Luiz Carlos Santana de Freitas. O controle Normativo da Mídia do Congresso Nacional: critério de

noticiabilidade e garantia do uso republicano dos veículos legislativos de comunicação de massa.

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228

Coleção de Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal. Brasília: Senado

Federal, 2008. Pp 11-84.

Maria Valéria Miranda Kurovski. O jornalismo legislativo e os aspectos que o distinguem da

propaganda institucional: os casos do Jornal do Senado e do Jornal MDS. Universidade do

Legislativo Brasileiro. Brasília: Unilegis, 2008.

Ana Lucia Coelho Romero Novelli. Imagens Cruzadas: A opinião e o Congresso Nacional. Coleção de

Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal. Brasília: Senado Federal,

2010. pp55-75.

Francisco Sant’anna. Mídia das Fontes. Um novo ator no Cenário Jornalístico Brasileiro. Um olhar

sobre a ação midiática do Senado Federal. Brasília: Senado Federal, 2009. pp17-523.

____. Quem faz a notícia no parlamento brasileiro? Análise comparativa das rotinas dos newsmakers

do Senado Federal..In: Revista de Informação Legislativa ano 45, n. 178, abr./jun. Brasília: Senado

Federal, 2008.

Juliana Rodrigues Silva. O marketing político na comunicação legislativa. A utilização da TV Senado

como ferramenta de marketing político pelos senadores. Universidade do Legislativo Brasileiro.

Brasília: Unilegis, 2008.

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229

CONCLUSÃO

Inicio a minha conclusão afirmando que é com o olhar de cidadã com alma

brasileira e amante das instituições democráticas que optei por enfrentar o desafio

de focar o presente estudo sobre o Poder Legislativo e as relações institucionais.

Aceitar como certo o que está posto em nome de uma inequívoca forma do exercício

eficaz de “governança”, justificativa para romper com os princípios democráticos

esculpidos em nossa Magna Carta, não condiz com o mínimo de consciência política

de cidadania. A “Carta Cidadã”, como é chamada carinhosamente a Constituição

Federal de 1988 tem como ideário o ser humano como cidadão senhor de si e não

permite qualquer relatividade no que diz respeito à irradiação dos seus princípios

fundadores e basilares.

Por tais motivos, a escolha do tema para o presente estudo recaiu sobre o

Poder Legislativo, pilastra da democracia, que no Estado contemporâneo teve o seu

papel modificado ao longo da história, mas sem perder a sua função precípua de ser

a Casa do Povo. A reflexão que não cala é: a quem interessa um Poder Legislativo

fraco, despido de sua grandeza e importância, sem exercer as suas funções? A

rejeição a esse Poder nos fez crer que estudá-lo sob a ótica das relações

institucionais com os demais poderes foi o grande desafio deste estudo,

principalmente na sua compreensão interna e na sua contextualização externa.

Não obedeça a ninguém e seja tão livre quanto antes.

Rosseau

O caminho para a solução do déficit democrático consistirá no alargamento da

própria democracia, que deve ir além da compreensão tradicional da democracia

representativa, por meio da criação e do apoio de mais mecanismos participativos

que promovam o envolvimento dos cidadãos, erigidos e sustentados em visões mais

robustas dos direitos e responsabilidade da cidadania, consequentemente espaços

democráticos novos ou oportunidades baseados na extensão dos direitos de

participação e convites para discussão.

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230

As discussões abundantes e recentes recaem sobre os últimos e atuais

representantes que ocupam o assento no Parlamento, confundindo assim, a

instituição com algum dos representantes momentâneos, olvidando que estes são os

reflexos da nossa sociedade, com bem pouca ou quase nenhuma preocupação com

a história da instituição do Poder Legislativo que já foi palco de embates violentos,

chegando até mesmo ao seu fechamento por vários períodos por se tratar da Casa

do Povo. A sua história e a nossa história rumo à democracia na qual estamos

vivendo, toda a trajetória, não pode prescindir da necessária reflexão de quanto

maior o déficit de conscientização política maior o distanciamento do cidadão do

Poder Legislativo e dos procedimentos participativos acarretando um vácuo no pleno

exercício da cidadania.

Quando se confunde o prestígio das instituições com os atos de seus titulares

e mandatários, e isso serve para qualquer análise sobre qualquer instituição,

deixamos de refletir sobre a diferença entre o ser e o dever-ser, respectivamente,

entre a pessoa imbuída de mandato e a instituição que ela representa. Essa

ausência de preocupação em construir um quadro de representantes condignos e

com atitude de elaborar críticas à existência do Legislativo ou aos seus ocupantes,

muitas vezes sem a menor consciência das palavras emitidas ou mesmo sem

conhecer os assuntos discutidos, cria um discurso sem seriedade.

O regime democrático almejado tem como consequência uma real

transparência, com acesso aos dados não só da administração, mas aos atos dos

Poderes envolvendo o planejamento e as políticas elaboradas em cada âmbito de

seu desenvolvimento; isso sem mencionar a elaboração de legislação eficiente e de

um judiciário atuante. Assim, e dessa forma, vão saltar aos olhos os erros, os

desvios do planejamento, os crimes políticos, as improbidades administrativas, mas

só dessa forma eles poderão ser punidos, pois sem democracia não há como saber

de tais mazelas e muito menos ter condições de puni-las.

Um Parlamento mais qualitativo só virá quando tivermos a consciência da

importância dessa instituição como pilastra fundamental para a democracia,

decorrente do exercício da cidadania. Urge a necessidade de criarmos cidadãos e

não mais clientes.

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A existência dessa instituição com representantes dignos de suas funções

virá com a mudança da nossa própria sociedade em crise e que não consegue se

valer da democracia para formar, segundo os princípios constitucionais elencados

no Título VIII, da Ordem Social, Capítulos II e VII respectivamente que tratam da

educação e da família, os seus cidadãos. O primeiro por ser direito fundamental de

segunda geração exigível perante o Estado. O segundo por ser a partir da unidade

da família, sociedade e comunidade simultaneamente, é que se desenvolve a

sociedade civil e as comunidades nacional e internacional, tendo, portanto também a

proteção do Estado.

Para nós, não existe crise da democracia e sim uma crise da própria

sociedade, que se reflete nas instituições. Papel fundamental terá a família e a

educação no sentido de agir contra a passividade diante da atual conjuntura. A

família passando os valores fundamentais a todo ser humano, e a educação

completando com o conhecimento e informações necessárias para se formar

cidadão, pois só esta última, como muitos apregoam, não pode resolver todos os

problemas, não basta, pois temos exemplos na história não muito distantes, de

povos educadíssimos e cultos capazes de barbáries inomináveis.

Para que as relações institucionais entre os Poderes sejam mantidas dentro

dos princípios constitucionais, em primeiro lugar, deve-se cumprir a Constituição, o

que não vem sendo feito por nenhum deles em muitos casos, em segundo lugar,

deve-se buscar mecanismos de transparência desde as estruturas até os trabalhos

de cada instituição nos moldes democráticos. Como decorrência, os procedimentos

de participação popular devem estar à disposição da população de forma clara, de

fácil entendimento, e com efetivos acessos.

Devemos atentar para as várias formas com que o Executivo desacredita os

outros Poderes, mas três merecem menção. A primeira, ao início de toda sessão

legislativa a Constituição prevê que o Presidente deve ir ao Legislativo fazer o seu

pronunciamento quanto ao programa de governo, e isso raramente ocorre, na

verdade enviam substitutos para tal ocasião. A segunda, é quando lemos no jornal a

manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal dizendo que o presidente

sequer responde ofícios sobre os cortes orçamentários no âmbito do judiciário sem a

menor explicação. A terceira, resulta em uma constrangedora postura dos outros

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Poderes em manifestar-se corretamente diante de um Executivo tão poderoso que

concentra o potencial orçamentário em suas mãos para ter o controle sobre os

demais.

Por outro lado, apesar do pluralismo político dificultar as ações do governo em

poder formar uma base governista, dispõe, para tanto, o Poder Executivo dos

mecanismos do atual presidencialismo de coalizão, tendo por justificativa para a

utilização dessa distorção uma “pseudo governança”.

Instrumentos estão disponíveis para que se chegue perto de um equilíbrio

desejado, basta cumprir a Constituição. Nesse ponto o Poder Judiciário tem um

papel de suma importância, em considerar inconstitucional o que for inconstitucional

ou que afronta as instituições democráticas brasileiras. Nos últimos anos muito se

avançou, o caminho não foi fácil e será cada vez mais difícil. Oportunidades

ocorreram e foram desperdiçadas, no que resultou, em boa parte, no quadro

institucional que o Legislativo hoje se encontra. Cronologicamente, podemos afirmar

que houve a autorização de reedição de medidas provisórias, ao se eximir de

apreciar os conceitos constitucionais de urgência e relevância na edição dessas

espécies legislativas e com isso também se autorizou o Presidente da República a

retirar da pauta do Congresso medidas provisórias para a aprovação de outras

matérias de seu interesse, por fim, houve a apreciação tardia da necessidade das

medidas provisórias serem avaliadas pela comissão mista do Congresso. Ora se

toda esta trajetória não contribuiu para o quadro atual das instituições, então não

estaremos interpretando a Constituição como um texto inteiro e complexo.

Afirmar que o Congresso é inoperante, fraco, individualista,338 corrupto339,

imprevisível, desorganizado, além de se constituir por regras de representação

338

Reconhece-se que as pesquisas sobre o sistema eleitoral e os partidos políticos são fundamentais

para melhor desvendar o porquê do individualismo no Congresso Brasileiro, o que restou de fora do enfoque proposto por este doutorado, qual seja, o das relações institucionais entre poderes constituídos.

339Silvia Amorim. Assembleia tira da gaveta após 8 anos pareceres do TCE. Jornal o Estado de São

Paulo, 15 de junho de 2007.

____. Só 1 de cada 4 projetos dos deputados trata de temas importantes em SP. Jornal o Estado de

São Paulo, 28 de julho de 2007.

Silvia Amorim & Clarissa Oliveira. R$ 4,9 milhões gastos em uma semana, para produtividade zero.

Jornal o Estado de São Paulo, 19 de agosto de 2007.

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233

____. “Não dá para dizer que a casa está parada”. Entrevista com Vaz de Lima. Jornal o Estado de

São Paulo, 19 de agosto de 2007;

Roldão Arruda. “Vivemos com uma ética distorcida”. Entrevista com Roberto Romano. Jornal o

Estado de São Paulo, 24 de julho de 2009.

____. Deputado brasileiro tem mais benefícios. Jornal o Estado de São Paulo, 1 de junho e 2009;

Marcelo Carneiro & Camila Pereira “Desonestos, insensíveis e mentirosos”. Revista Veja, 31 de

janeiro de 2007.

José Murilo de Carvalho. Então, instaure-se a moralidade. Jornal o Estado de São Paulo, 22 de maio

de 2005.

Aloísio de Toledo César. O Supremo em débito. Jornal o Estado de São Paulo, 08 de novembro de

2010.

Leandro.Colon. Rito da ficha limpa desmente ministro. Jornal o Estado de São Paulo, 30 de outubro

de 2010.

Mariângela Galluci. STF nega volta de deputado que se ´lixa´ à relatoria. Jornal o Estado de São

Paulo, 16 de maio de 2009.

José Arthur Gianotti. Os enlameados e a bandeira ética. Aliás. Jornal o Estado de São Paulo, 19 de

junho de 2005.

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO. Doações eleitorais e lobbies. Editorial. Jornal o Estado de São

Paulo, 18 de maio de 2009.

Dora Kramer. Insegurança legislativa. Jornal o Estado de São Paulo, 14 de novembro de 2010.

____. Atolado no jaqueiral. Jornal o Estado de São Paulo, 13 de dezembro de 2008.

Renato Lessa. Democracia pela bagatela de 1 real. Quer comprar? Jornal o Estado de São Paulo, 22

de maio de 2005.

Fausto Macedo. “Os fatos relatados na denúncia são extremamente graves”. Entrevista com Celso de

Mello. Jornal o Estado de São Paulo, 3 de setembro de 2007.

Roberto Macedo. O déficit democrático do Legislativo. Jornal o Estado de São Paulo, 8 de fevereiro

de 2007.

Ivan Marsiglia. O voo cego do parlamento brasileiro. Jornal o Estado de São Paulo, 26 de abril de

2009.

José de Souza Martins. Procura-se o povo brasileiro, um decantado desconhecido. Jornal o Estado

de São Paulo, domingo 1 de outubro de 2006.

____. Na democracia da chupeta, a ordem é desfrutar. Aliás, Jornal o Estado de São Paulo, 26 de

abril de 2009.

Denise Madueño & Eugênia Lopes. Deputado ausente terá ponto cortado. Jornal o Estado de São

Paulo, 22 de outubro, 2004.

Lucas de Abreu Maia. Indecisão cria “instabilidade jurídica”. Jornal o Estado de São Paulo, 28 de

setembro de 2010.

Gabriel Manzano Filho. “O Brasil virou uma contradição ambulante”. Jornal o Estado de São Paulo,

27 de abril, 2009.

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inadequadas não levam em consideração recentes estudos que revelam exatamente

o contrário, sejam eles a favor do atual presidencialismo de coalizão, sejam eles em

favor de outro arranjo, por serem contrários ao primeiro. Desconsideram também a

divisão de competência constitucional quanto à iniciativa de cada poder. Quem

possui uma larga soma de matérias para legislar é o Executivo e como essas

matérias influenciam diretamente na vida das pessoas, muitas delas passam a

impressão de que o Legislativo não trabalha por não ter deflagrado tais iniciativas. É

claro que o Executivo irá intervir nas matérias de seu interesse, que não são poucas,

dentre elas: gestão da máquina estatal e projetos administrativos, além dos

orçamentários. Vai compartilhar com o Legislativo as outras políticas públicas,

dentre elas as sociais.

Com adoção desse tipo de presidencialismo de coalizão o Executivo aloca

toda força dentro do Congresso nas mãos dos líderes das bancadas. Primeiro

porque serão eles a indicar os membros de todas as comissões permanentes,

temporárias e de inquérito, escolhem as matérias do seu partido para serem

incluídas na ordem do dia e deliberadas no plenário, fazem a ponte entre o partido e

os demais congressistas, podem solicitar urgência de proposituras, conduzem os

trabalhos com o governo em nome da bancada partidária. Isso sem mencionar os

Marco Aurélio Nogueira. A política em estado de sofrimento. Jornal o Estado de São Paulo, 25 de

setembro de 2010.

Walter Costa Porto. A crise política e a justiça eleitoral. Revista Jurídica Consulex ano IX, n. 206, 15

de agosto de 2005.

Felipe Recondo. STF deve liberar candidaturas de “fichas-sujas”. Jornal o Estado de São Paulo, 2 de

julho de 2008.

_____. “Sessão secreta não é compatível com a carta”. Entrevista com Ricardo Lewandowski. Jornal

o Estado de São Paulo, 16 de setembro de 2007.

Alexandre Rodrigues. “Para o cidadão, Justiça é mais eficaz que Legislativo”. Entrevista com Cássio

Casagrande. Jornal o Estado de São Paulo, 26 de abril de 2009.

Guilherme Sarance. Da desoneração da maça aos canudos lacrados. Jornal o Estado de São Paulo,

8 de junho de 2007.

Bruno Tavares. “Se o STF dormir, vai perder prestígio”. Entrevista com Wálter Maierovitch. Jornal o

Estado de São Paulo, 27 de setembro de 2010.

Gaudêncio Turquato. Floresta legislativa dá poucos frutos. Jornal o Estado de São Paulo, 28 de

outubro de 2007.

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cargos das Mesas Diretoras340 – presidência, vice-presidência e secretarias –, que

possuem o controle da administração das Casas e possuem poderes discricionários.

Esse desequilíbrio interno deslegitima o próprio princípio da democracia

representativa.

O Legislativo nesse quadro possui um papel fundamental, o de ser o

realizador de meios para a fiel execução dessas premissas. As formas como podem

e devem ser realizadas estão constantes nos diversos meios de participação

previstos na Carta Maior e legislação infraconstitucional, em especial a realização de

referendo, plebiscito como forma de consultas às matérias denominadas sensíveis.

E, para tanto, os requisitos para projetos de iniciativa popular devem ser

reformulados através de emenda a constituição de forma a permitir o seu uso

eficaz.341 Mas não podemos olvidar a existência da Comissão Participativa.

O arranjo atual do presidencialismo de coalizão não pode subsistir com a

nomeação pelo Poder Executivo de ministros ligados a partidos como forma de

elaborar uma base governamental sem o respeito aos critérios constitucionais. Para

tanto, se um deputado ou senador se desincompatibilizar para assumir cargo no

Executivo deve renunciar o mandato para que o próximo na lista seja nomeado de

forma definitiva. Mecanismos hão de ser elaborados nesse sentido, porque o Brasil é

o único país com sistema presidencialista que não criou nenhum impedimento nesse

sentido, e aí temos a situação como, por exemplo, do Ministro Dornelles virar

Senador apenas por um dia para poder votar a EC da reeleição.

Não há como o Legislativo exercer a sua função fiscalizadora com o

presidencialismo de coalizão posto. A própria Constituição prescreve que ninguém

340

Pode-se referir para estudo de direito comparado: Georges Bergougnous. Presidencia de Las

Asambleas Parlamentarias Nacionales. Union Interpalamentaria, Ginebra: 1997.

E ainda: VARELLA, Alexandre Augusto Castro. As decisões do Presidente da Câmara dos Deputados às Questões de Ordens: ato técnico ou político? Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2007.

http://bd.camara.gov.br

341 Inclusive deve-se levar adiante a discussão da PEC por iniciativa popular. Nesse sentido: Paulo

Bonavides. Emenda à Constituição por iniciativa popular..In: Revista Latino-americana de Estudos

Constitucionais n. 8, janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albanisa Saraste, 2008.

Guilherme Brandão. Da constitucionalidade e legitimidade da iniciativa popular para a reforma da Constituição. Coleção de Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal.

Brasília: Senado Federal, 2011.

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pode fazer prova contra si mesmo, então porque os partidos prejudicariam aos seus

integrantes em pastas do Executivo? Quem fiscaliza a si mesmo? Quando o

Legislativo irá sustar ato administrativo ou mesmo convocar membros dos seus

partidos para prestarem esclarecimento?

Não há um consentimento prévio do Legislativo das políticas públicas

elaboradas pelo Governo342, e sim um acanhamento ou ausência de fiscalização

dessas políticas em troca de barganhas, sejam em emendas nas proposituras do

Governo, muitas delas em medidas provisórias e nas leis orçamentárias, sejam na

utilização de recursos e cargos referentes às pastas que ocupam, desqualificando

constitucionalmente os trabalhos do Legislativo nos seus princípios e funções.

A mensagem do Chefe do Executivo a cada abertura de legislatura deve ser

clara e contundente, não devendo enviar representante para fazê-lo.

Fora todo o exposto, para o Legislativo atuar nos moldes democráticos

espelhados nos princípios constitucionais, terá que haver mudança no Regimento

Interno de ambas as casas e deve ser alterado em algumas medidas para o bom

funcionamento do processo legislativo representativo e participativo. Em primeiro

lugar, acabar com a urgência requerida pelos líderes em propositura do Poder

Executivo, somente usar tal instrumento para as matérias relacionadas às

proposituras de bancada para evitar os desafetos políticos e entraves que possam

ter. O Executivo não precisa usar desse dispositivo, pois já possui a urgência

constitucional e as medidas provisórias, nas quais os requisitos de urgência

relevância são necessários, se houver urgência com esses mecanismos elas têm

que ser justificadas. Bem como acabar com o parecer oral de última hora proferido

em Plenário, pois essa prática deixa bem claro a intenção de atropelar os membros

da Casa, uma vez que estes não tiveram acesso às justificativas e nem ao texto final

sobre a matéria.

Deve o Legislativo procurar se equipar cada vez mais, não basta ainda o

avanço alcançado nos últimos tempos, deve abrir mais vagas de consultores e

assessores técnicos para as comissões e para a mesa diretora. Firmar convênios

342

Nesse sentido para consulta Leany Barreiro de Sousa Lemos. Controle Legislativo em

Democracias Presidencialistas: Brasil e EUA em perspectiva comparada. Tese de Doutorado, Unb,

Brasília: 2005, p. 179

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com instituições renomadas, através das suas comissões para elaboração de

pareceres técnicos, isso depois de efetivar uma análise de incidência de temas

recorrentes, e abrir audiências públicas para os debates.343

Cabe também ao Legislativo e ao Judiciário, no contexto atual da

Constituição, a função precípua de exigir transparência nas leis orçamentárias e

apoiar a independência financeira do Poder Judiciário, para que este possa exercer,

com eficácia a sua função principal em busca de justiça, equipando-se,

instrumentalizando sistemas alternativos de conciliação e de acompanhamento para

saber se o resultado não será uma demanda judicial maior, em buscar eficiência na

gestão interna, mas acima de tudo tornar efetivo o controle em torno desse chamado

hiper-presidencialismo, problema especial na América Latina, que passa por

algumas vertentes - uma delas afirma que esse fenômeno é consequência cultural,

outra que é resultado da forma de governo e do sistema partidário -, mas o que é

senso comum é de como essa preponderância do Poder Executivo pode afetar a

democracia, transformando-a em uma democracia formal.

A constatação, que no moldes Constituição Brasileira de 1988, o Executivo

tem uma função legisladora não gera qualquer divergência diante da sua capacidade

legislativa, ora participando ativamente da função legislativa do Parlamento, ora

legislando de modo autorizado, ora legislando independentemente de qualquer

autorização do Parlamento.

A atividade legislativa para o Poder Executivo no Estado constitucional

contemporâneo é o meio pelo qual é aparelhado para poder estruturar e organizar a

fim de responder as crescentes demandas sociais, e executar as suas várias tarefas

e fins, ao mesmo tempo que urge a necessidade de aprimorar os mecanismos de

controle dessa ação a fim de torná-las mais seguras e eficazes.

A atividade legislativa do Poder Executivo deve ser visualizada dentro do

contexto de uma nova visão do princípio da separação dos poderes, do regime e

forma de governo que existe no Brasil, com os instrumentos constitucionais de

343

Modelo já adotado pela Assembleia Legislativa do estado de São Paulo na sua recente

reformulação do Regimento Interno, que através de levantamentos dos assuntos recorrentes irá solicitar manifestações das entidades qualificadas, via o Instituto do Legislativo Paulista, para auxiliar os trabalhos daquele órgão colegiado.

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participação da atividade legislativa do Chefe do Poder Executivo, da proeminência

do Presidente da República.

O papel do Poder Legislativo, cuja função essencial era só a legiferação, hoje

acrescenta a ela a função fiscalizadora, e sua importância continua porque toda

decisão tomada com respaldo no Legislativo possui maior credibilidade e dá mais

estabilidade política, já que o Congresso Nacional é mais resistente à pressão para

a sua alteração repentina, apesar do processo decisório ser necessariamente lento,

e o seu resultado será menos instável.

Não devemos esquecer que o amesquinhamento das prerrogativas do

Parlamento promovido durante o período militar é mantido na quase integralidade

com a Carta de 1988, portanto urge uma reforma no âmbito, visando a sua

modernização, aparelhamento, tais como, a criação de cargos para especialistas

para que não dependa das fornecidas pelos órgãos especializados do Poder

Executivo.

Ao nosso ver, o raciocínio utilizado para justificar o presidencialismo de

coalizão, da forma como é praticado aqui no Brasil, não leva em consideração em

nenhum momento a participação da sociedade na formulação das políticas públicas,

na elaboração dos projetos de lei a serem enviados ao Legislativo, seja em forma de

audiências públicas, seja com a consulta ao setor e segmento interessado, não

considerando acima de tudo o princípio democrático, a participação cidadã ao supor

que a ausência de debate, se justificada pela tecnicidade, burle os princípios

constitucionais estruturantes da nossa Carta Magna, e da nossa sociedade.

A espécie legislativa, medida provisória, da forma como foi inserida e como se

encontra na nossa Constituição não gera menor dúvida que deve ser vista com

reservas e restrições quanto ao seu desmedido uso, e para tanto deve ser o próprio

texto constitucional usado para literalmente “enquadrar”, acabar com os abusos

praticados, que nas lições do mestre Paulo Bonavides:

O ordenamento jurídico vem sendo destroçado em grande parte pelo golpe de Estado institucional desferido por meio de Medidas Provisórias que expulsam do exercício do poder legítimo os dois órgãos paralelos da soberania nacional, o Legislativo e o Judiciário. E assim o Governo, sem dar satisfação ao povo, à opinião pública,

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ao país e à Sociedade, executa a implacável política da recolonização.344

A crítica que ora colocamos é que no contexto atual o Poder Legislativo pela

sua inércia e apatia está sendo paulatinamente absorvido pelo Poder Executivo. A

tensão gerada entre o Poder Executivo e o Legislativo, proporcionando uma

expansão do Governo sobre a função legislativa, causa reflexos negativos sobre o

necessário equilíbrio que deve haver entre os poderes do Estado, acabando por

transformar em um desequilíbrio institucional dada ampla autonomia e

irresponsabilidade política do Presidente da República no regime presidencialista

brasileiro.

O modelo desgastado de edição e reedição de medidas provisórias, como via

normal para colocar em prática planos de governo, retira o seu caráter não ordinário

ao ser usada indiscriminamente pelo Presidente da República, negando assim a

função dessa espécie legislativa que é a de minimizar, em tempo hábil, impactos

sociais e econômicos de determinadas situações fáticas imprevisíveis que não

podem aguardar resposta do Corpo Legislativo.

O número excessivo de medidas provisórias além do deslocamento material

da função legislativa para o Poder Executivo, sobrecarrega ou inflaciona a atividade

legislativa do Parlamento que não consegue apreciá-la em tempo hábil, dado ao

escasso lapso temporal que o órgão Legislativo tem para pronunciar-se, a

deficiência de resposta do Parlamento consiste no fato de reiterações sucessivas de

medidas provisórias não-apreciadas que se vêm tornando uma prática comum do

Poder Executivo no ordenamento jurídico brasileiro.

A prática das reiterações sucessivas de medidas provisórias é fator de

desequilibro e desestabilização dentro de um Estado que se deve estruturar e

organizar em termos democráticos, porque o Estado constitucional democrático e a

legislação são frutos acima de tudo da participação de todos os cidadãos

personificados nas fileiras do Parlamento.

A política e a carreira política devem ser incentivadas para a manutenção do

Congresso Nacional, pois a ameaça à Democracia é a ausência de “cultura política”

344

Cf. Paulo Bonavides. A evolução constitucional do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2003.p.205

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no país, fato este propiciador de ameaças como o fortalecimento exacerbado do

Poder Executivo, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello,345 com o que

compactuamos e consequentemente corre-se sério risco de permanecer em uma

democracia formal, mero simulacro da democracia substancial, para qual só há uma

resposta: o mínimo de renda para desenvolver uma vida digna, educação de

qualidade e acesso amplo à cultura e à informação diversificada que poderemos

garantir o Estado Democrático de Direito.

Por fim, o papel do Supremo Tribunal Federal é de suma importância para a

defesa dos princípios constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito, e

dentro desse contexto, ousar mais no tocante à hermenêutica atual que busca

enfrentar, entre outras coisas, as questões das normas que utilizam termos vagos e

fluidos, porém determináveis concretamente, como por exemplo, urgência e

relevância, além de busca uma interpretação menos restritiva e cada vez

abrangente visando dar maior concretude aos princípios constitucionais.

Para finalizar nossas conclusões, oferecemos algumas sugestões visando

solucionar alguns dos desafios colocados no decorrer do presente estudo.

1) Vedar pedido de urgência por parte do Poder Legislativo em proposituras do

Poder Executivo. A Constituição ao formular mecanismos de adoção de

medidas emergenciais para assuntos de proposições do poder executivo

determinou duas formas: MP e urgência constitucional, se adotasse outro

mecanismo, por ser expressa nessas determinações, estaria previsto no corpo

do seu texto. Portanto, para nós a urgência solicitada pelo Poder Legislativo

em qualquer fase nas proposições oriundas do Executivo é inconstitucional e

incompatível com o sistema do devido processo legislativo.2) O artigo 59 das

espécies legislativas deve ser tratado dentro do contexto constitucional. Seja

no tocante referente às suas matérias seja referente à elaboração das

proposições. Face aos ditames daquele artigo e os decorrentes dele, não se

pode alegar que não se tratam de espécies legislativas o rol aí elencado, e

portanto passível de controle jurisdicional tanto quanto aos aspectos de

345

Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista

Eletrônica sobre a Reforma do Estado n. 9, março/abril/maio, Salvador: 2007, disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C3%87O-2007-CELSO%20ANTONIO.pdf

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respeito do devido processo legislativo, como das matérias pelas espécies

delimitadas. A afirmação, ao contrário, desconecta o sistema de produção

normativa esculpido na Constituição e fere o princípio de unidade da carta

constitucional.3) A elaboração das leis orçamentárias deve ser condizente com

os ditames constitucionais. Não pode o Executivo elaborar as leis

orçamentárias em desacordo com as previsões constitucionais, quais sejam: a

previsão de elaboração da LDO em conjunto com outros poderes. No caso do

PPA, o detalhamento organizacional sobre os programas de forma mais

concreta e não só as normas gerais genéricas que podem dar margem a

multiplicas interpretações. Ainda em matéria orçamentária a edição da lei que

regulamenta os prazos para a elaboração das peças orçamentárias por sua

necessidade e urgência poderia ser alvo de iniciativa popular. O fato do Poder

Executivo burlar os ditames constitucionais utilizando dessa brecha para evitar

maiores debates no âmbito do Poder Legislativo, para nós, configura em

inconstitucionalidade novamente do devido processo legislativo, passível de

apreciação pelo Poder Judiciário.4) O controle da execução da lei orçamentária

deve ser objeto de estudos aprofundado, pois o Poder Executivo controla a

liberação de verbas, sejam as de interesse do Poder Legislativo, sejam as de

interesse do Poder Judiciário, amesquinhando os projetos tanto de políticas

públicas parlamentares como os de gestão do parte do poder judiciário,

vinculando esses dois poderes a sua conveniência em desrespeito total ao

princípios informadores de elaboração e execução das leis orçamentárias

previstos pela constituição. E concordamos com a tese de Rodrigo Faria, citada

neste estudo, de que o descumprimento desses princípios acarretaria em crime

de responsabilidade, passível de controle jurisdicional.5) Quanto a edição de

medidas provisórias para abertura de crédito suplementar ou adicional, por não

terem os pressupostos de relevância e urgência na matéria, para nós, existe

vedação constitucional para edição dessa espécie legislativa, sendo passível

de controle jurisdicional. Já, quanto aos créditos extraordinários, somente

devem ser possíveis a sua edição por MP com o estrito respeito ao artigo 167,

§ 3º, nos demais casos vedado o seu uso por MP, como já vínhamos

propagando desde a decisão, para nós, emblemática do Supremo Tribunal

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Federal.6) Soluções para as distorções quanto ao orçamento, aproveitamos

essa oportunidade em que o tema volta à tona para que se intensifiquem os

esforços no sentido de criar mecanismos mais eficientes de participação do

Poder Legislativo no processo orçamentário, bem como de controle da

atividade de execução orçamentária pelo Poder Executivo, a fim de que o

Orçamento Público cumpra seu papel de lei que de fato represente as escolhas

da população sobre a aplicação dos recursos públicos, e seja cumprida tal

como aprovada. Comecemos pelo orçamento. Leciona Conti, que nessa seara,

a opinião pública parece se dividir em dois extremos, ambos coincidindo no

caráter conflitivo, quase maniqueísta, das relações Executivo-Legislativo. O

primeiro extremo é a visão segundo a qual as decisões do processo

orçamentário (a formulação do orçamento e a sua execução) são adotadas de

forma técnica e objetiva pela burocracia do Poder Executivo, e em seguida

distorcidas em função de interesses parciais (pessoais ou partidários) no

Congresso Nacional. Ponto de vista diametralmente oposto é o que retira do

Poder Legislativo qualquer possibilidade de intervenção nas decisões relativas

à despesa pública, relegando-o ao papel de homologador de decisões que

seriam efetivamente tomadas pelo Executivo, este sim capaz de impor

invariavelmente a sua agenda e suas escolhas. O Supremo Tribunal Federal

admite o controle de concentrado de constitucionalidade de lei orçamentária

quando se está a impugnar dispositivos de natureza abstrata e genérica.346

Como ressalta Luiz Gustavo Bambini o que nos falta é a edição de Lei

Complementar para dispor sobre o prazo da elaboração das leis orçamentárias,

conforme art. 165, § 9º, CF, para o orçamento possa ser encaminhado no

devido tempo para o Poder Legislativo.347 Infringir qualquer modo de dispositivo

da lei orçamentária é crime de responsabilidade, nos termos do art. 10, inc. 4

346

ADI 2.925/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19/12/2003.

Cf. Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior O Supremo Tribunal Federal e o Controle Jurisdicional da

Atuação do Poder Legislativo: visão panorâmica e comentada da jurisprudência constitucional.

Senado Federal, Brasília: 2007, pp. 21-867, p. 421

347 Cf. Luiz Gustavo Bambini de Assis. Processo Legislativo e Orçamento Público. Função de controle

do Parlamento. São Paulo, Saraiva: 2012, pp. 13-175, p. 242

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da Lei 1.079/50348. A proposta de Luis Gustavo Bambini de criar um comissão

mista somente para as leis orçamentárias é por nos pactuada inclusive a

previsão de consolidação dos regimentos internos no início de cada

legislatura.7) Quanto a aplicação da lei complementar nº 95 que regulamentou

a técnica legislativa de elaboração das propositoras e os decretos decorrentes

devem ser aplicados sob pena de inconstitucionalidade, e devemos criar

mecanismos visando a elaboração das Consolidações da leis do nosso

ordenamento jurídico em atendimento aos direitos fundamentais dos cidadãos

em obter uma segurança jurídica decente e condizente com os ditames

constitucionais.8) Em que medida a falta de justificativa adequada nas medidas

provisórias constantes do decreto, que regulamentou, o que para nós também

é passível de inconstitucionalidade diante da não observância dos pré-

requisitos de urgência e relevância em relação ao seu conteúdo, passível de

controle jurisdicional pela ausência evidente destes pressupostos.9) O

descumprimento da legislação da técnica legislativa deve ser passível de

controle jurisdicional. Isso porque, para a inflação legislativa já foi dada pelo

constituinte e pelo legislador ordinário, bem como pelo Executivo através dos

decretos com a regulamentação do parágrafo único do artigo 59, que é a

necessidade da elaboração das consolidações. Ao novo ver devem ser por

meio de temas, para trazer o maior debate e participação da sociedade e dos

entes afetados. Só dessa maneira, entendemos que os direitos plasmados na

Constituição poderão deixar de ser simbólicos e programáticos para se

tornarem efetivos através da transparência e obediência ao princípio de

unidade e coerência do ordenamento jurídico pátrio. Para nós, é um direito

difuso ter o acesso à legislação vigente sem subterfúgios.10) Urge a

necessidade de revisão da interpretação dada por Michel Temer sobre o

sobrestamento de pauta, uma vez que a Constituição não define em quais

matérias isso pode ocorrer, determina o sobrestamento total e pronto. 11)

Quanto às nomeações de membros de partidos no âmbito do Executivo, como

forma de loteamento, para aqueles que entendem ser um processo

348

Cf. Rodrigo Oliveira de.Faria. Natureza Jurídica do orçamento e flexibilidade orçamentária.

Faculdade de Direito. São Paulo: USP, 2009, pp. 10-276, p. 245

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semiparlamentarista, falta uma disposição básica para tal assertiva que é falta

de procedimentos que visem a responsabilização pelos atos políticos e

medidas tomadas, tanto pelo chefe do poder executivo, como pelo responsável

pela pasta governamental. Ambos respondem pela concretização dos

princípios da moralidade e eficiência.12) Quanto ao Legislativo, como o sistema

brasileiro é comissional, deve ser reformulado a disposição regimental que

permite parecer oral em plenário, evitando assim debates e as relatorias das

comissões mistas devem ter seus pareceres aprovados em reunião no âmbito

dessas comissões, com a transparência devida, ou seja, como a divulgação do

parecer a ser discutido e votado aos seus pares de colegiado.13) Outra

disposição que se faz necessária regimental é a criação de prazo para votação

das proposições prontas para a ordem do dia, acabando assim com a

discricionariedade total do presidente da mesa e do colégio de líderes sobre a

escolha vinculando os partidos e parlamentares a sua determinação. Não

estamos defendendo a retirada de poder de pauta desses dois entes, o que

estamos colocando é que deve haver a previsão de um prazo, para que as

matérias sejam votadas, de forma que não caiam no esquecimento ou serem

colocada para votação somente mediante barganha preservando e

prestigiando assim as prerrogativas dos parlamentares com representantes

eleitos.14) Com essas sugestões aqui propostas, como sendo base de

fortalecimento institucional, tendo como reflexão o Poder Legislativo, a

relevância do Supremo Tribunal Federal na sua postura de guardião da

constituição não pode mais ser acanhada ou omissa sobre do afrontamento a

Carta Magna e aos seus princípios basilares. Para que haja o equilíbrio das

instituições dentro do quadro que se instaura com o presidencialismo de

coalizão o Supremo Tribunal Federal tem papel de extrema relevância e vulto,

não podendo se acanhar na defesa da Constituição, seja pela alegação de

matéria interna corporis, seja pela dificuldade do controle de conceito de direito

subjetivo, duas questões que não podem mais serem deixadas de lado pela

interpretação nos moldes que não diz com o contexto atual do papel

jurisdicional das Cortes Constitucionais em defesa dos direitos fundamentais.

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