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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Lilian Rodrigues Mano Julgamento antecipadoda parcela madura do mérito sob a ótica da efetividade do acesso à justiça Mestrado em Direito São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP

Lilian Rodrigues Mano

Julgamento “antecipado” da parcela madura do mérito sob a ótica

da efetividade do acesso à justiça

Mestrado em Direito

São Paulo 2016

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Lilian Rodrigues Mano

Julgamento “antecipado” da parcela madura do mérito sob a

ótica da efetividade do acesso à justiça

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. José Manoel de Arruda Alvim Netto.

São Paulo 2016

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LILIAN RODRIGUES MANO

Julgamento “antecipado” da parcela madura do mérito sob a ótica

da efetividade do acesso à justiça

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. José Manoel de Arruda Alvim Netto.

Aprovada em ___/___/______

Banca Examinadora

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Aos meus pais, Pedro e Fátima, por tudo.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, a quem devo graças sempre e em primeiro lugar.

Ao Prof. Dr. José Manoel de Arruda Alvim Netto, jurista exemplar, inspirador, que

sempre dissemina seu infindável saber com solicitude, leveza e humildade, pela

cuidadosa orientação e pelas brilhantes aulas de que pude desfrutar durante o curso

de Mestrado. À Prof.ª Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim, pelo carinho e

participação ativa na formação dos pós-graduandos, oportunizando discussões,

aprendizados e impulsionando nossas pesquisas na seara do direito processual civil.

À Defensoria Pública do Estado de São Paulo, instituição a que tenho a honra de

pertencer desde 2011, pelo fomento ao aprimoramento acadêmico de seus

membros, o que certamente se reflete no exercício de seu mister constitucional.

À minha família (pais, irmãs e sobrinhos), por ter a certeza de que sempre

encontrarei neles o apoio que necessitar, pela compreensão nos momentos em que

me fiz ausente em função da conclusão dessa etapa, pelo suporte durante toda a

minha vida e pelos belos momentos que juntos vivemos. Ao meu namorado, que

tanto me motivou durante todo o curso e me incentiva a alcançar meus objetivos

acadêmicos e profissionais, mesmo ciente das renúncias pessoais que implicam, por

ter a clareza de que se trata de um apoio mútuo.

Aos meus poucos e verdadeiros amigos, esperando que os vínculos perdurem,

mesmo que a vida traga momentos em que, como agora, a convivência não possa

ser tão frequente. Aos colegas advindos do curso de pós-graduação stricto sensu na

PUC/SP, especialmente Nathalia, Maurício e Leonard, pois progredir fica mais fácil

quando contamos com pessoas que partilham de sonhos semelhantes e que nos

permitem acompanhá-las.

Àquela que partiu durante a elaboração deste trabalho e com quem tanto aprendi,

pois a dor da saudade é reflexo do profundo amor que pude vivenciar e que é

eterno.

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“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se

em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: ‘Não há mais que ver’, sabia que não

era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi

visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o

que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a

sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e

para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”.

José Saramago (in Viagem a Portugal).

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RESUMO

A dissertação envolve um exame da temática do julgamento antecipado da parcela madura

do mérito, calcado na estreita observância ao princípio constitucional do acesso à justiça,

considerado em sua inteireza. Assim, com enfoque na tutela constitucional do processo civil

e na impossibilidade de se conceber os ditames processuais de forma desarraigada do

direito constitucional, foram estabelecidas as premissas necessárias ao desenvolvimento do

estudo, com uma breve abordagem do princípio do acesso à justiça, destinando especial

atenção à evolução de seu conceito e à extensão que a ele atribuída, de acordo com os

anseios da moderna processualística, mostrando ser a ele inerente a ideia de efetividade do

processo, que deve constituir um meio adequado para a realização, no plano fático, dos

direitos substantivos proclamados pelo Estado, e, ainda, englobando o conteúdo da garantia

de razoável duração do processo. A partir de então, o trabalho aborda a admissão do

julgamento antecipado da parcela madura do mérito, de lege lata, mesmo antes do advento

do Código de Processo Civil de 2.015, destacando-se a celeuma envolvendo o artigo 273, §

6º, do Código de Processo Civil de 1.973. Em seguida, o estudo é centrado na definição dos

pronunciamentos jurisdicionais com conteúdo decisório relevante (decisão interlocutória e

sentença) no ordenamento jurídico brasileiro, partindo para uma tentativa de enquadramento

da decisão parcial de mérito numa dessas espécies de provimento jurisdicional, considerado

o sistema processual civil de 1973, com as reformas nele empreendidas, abordando-se as

dificuldades que isso envolve, as consequências recursais e relativas à ação rescisória do

posicionamento adotado, bem como aspectos sobre a execução da decisão. O capítulo final

é destinado às previsões do Novo Código de Processo Civil relacionadas ao julgamento

imediato da parcela madura do mérito, a fim de deixar patente como algumas das inovações

perpetradas guardam consonância com o conteúdo do princípio do acesso à justiça, sem

descurar da necessária crítica à perpetuação de celeumas ou inadequada destinação, em

determinados pontos, de tratamento diferenciado ao julgamento total e ao parcial do mérito.

Palavras-chave: Tutela constitucional do processo civil. Acesso à justiça. Razoável duração

do processo. Julgamento antecipado parcial do mérito. Sentença. Decisão Interlocutória.

Novo Código de Processo Civil.

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ABSTRACT

The dissertation encompass the thematic examination of the “anticipated” decision

regarding the ripe aspect of the merit, grounded upon the strict observance of the

access to Justice constitutional principle, considered in its entirety. Therefore, focusing

on the constitutional tutelage of the civil procedure, and the impossibility of conceiving

the procedural dictates disengaged from constitutional law, the necessary premises

regarding the development of the study were established, with a brief approach to the

access to Justice principle, allocating special attention to the evolution of the concept

and the scope attributed to it, following the yearnings of the modern procedural theories,

demonstrating that it is inherent to the principle the notion of the effectiveness of the

process, which must constitute an adequate mean to the realization, on the factual level,

of the substantive rights proclaimed by the State and, yet, comprising the content of the

reasonable duration of the process guarantee. From them on, the paper addresses the

possibility of the “anticipated” decision regarding the ripe aspect of the merit, de lege

lata, even before the creation of the Civil Procedure Code of 2015, highlighting the

dispute around article 273, §6º, of the Civil Procedure Code of 1973. Following that, the

study centers on the definition of the judicial rulings with relevant decisional content

(interlocutory decision and judgement) within the Brazilian legal order, deriving from an

attempt of framing the partial decision of the merit within one of these species of

jurisdictional ruling, considering the civil procedural system of 1973, alongside the

changes promoted over it, addressing the difficulties involved in such task, the

consequences of this position on the appeals and also relative to the motions to set

aside judgement, as well as aspects on the execution of the ruling. The final chapter is

aimed at the New Civil Procedure Code provisions which keep compatibility with the

immediate decision of the ripe aspect of the merit, in order to clearly demonstrate how

some innovations brought upon maintain harmony with the attendance of the access to

Justice principle contents, without leaving the necessary criticism to the perpetuation of

the uproar or inadequate destination, in certain points, of different rules on total and

partial judgment of the merit.

Keywords: Constitutional tutelage of civil procedure. Access to justice. Reasonable

duration of the process. Partial anticipated decision over the merit. Decision.

Interlocutory Decision. New Civil Procedure Code.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11

1 TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO E ACESSO À

JUSTIÇA ........................................................................................................................ 15

1.1 O ACESSO À JUSTIÇA .................................................................................... 19

1.1.1 Evolução do conceito da garantia e sua extensão ....................................... 20

1.1.2 Acesso à justiça sob o enfoque da efetividade ............................................. 25

1.1.2.1 Acesso à justiça e instrumentalidade do processo ......................................... 27

1.1.3 Acesso à justiça e a garantia de razoável duração do processo .............. 30

2 O JULGAMENTO IMEDIATO DA PARCELA MADURA DO MÉRITO

NO SISTEMA ANTERIOR AO CPC/2015 ........................................................ 35

2.1 A GRANDE CELEUMA ENVOLVENDO O ART. 273, § 6º DO

CPC/73 ........................................................................................................................... 39

2.2 PRONUNCIAMENTOS JURISDICIONAIS E A DIFICULDADE DE

ENQUADRAMENTO DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL ....... 44

2.2.1 Definição do conceito de sentença .................................................................. 46

2.2.2 A decisão interlocutória ...................................................................................... 53

2.2.2.1 Decisões interlocutórias de mérito no CPC/73? .............................................. 56

2.2.3 Julgamento “antecipado” parcial do mérito na vigência do CPC/73:

sentença ou decisão interlocutória? ......................................................................... 60

2.2.3.1 Entendimentos pela configuração de decisão interlocutória e suas

justificativas ...................................................................................................................... 61

2.2.3.2 A conclusão pela configuração de sentença .................................................... 64

2.2.4 Consequências recursais e relativas à ação rescisória em caso de

julgamento antecipado parcial no sistema do CPC/73 .......................................... 72

2.2.4.1 O recurso contra a decisão que julga antecipadamente parcela do mérito:

agravo ou apelação? ....................................................................................................... 73

2.2.4.2 O cabimento de ação rescisória e seu prazo decadencial ............................. 79

2.2.5 A execução da decisão ........................................................................................ 85

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3 A TEMÁTICA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ................... 91

3.1 A DEFINIÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS .................... 94

3.2 AS HIPÓTESES DE JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO

ARTIGO 356 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ....................... 100

3.3 A VIA RECURSAL ELEITA E A FORMAÇÃO DE COISA JULGADA

.......................................................................................................................................... 103

3.3.1 O recurso previsto, sua tramitação e efeitos: as (indevidas) disparidades

em cotejo com o julgamento integral do mérito ..................................................... 103

3.3.2 A formação de coisa julgada material e o cabimento de ação rescisória

................................................................................................................................ 106

3.4 A EXECUÇÃO DA DECISÃO ........................................................................ 108

3.4.1 A execução contra a Fazenda Pública ............................................................ 111

3.5 DISTINÇÃO ENTRE JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO

MÉRITO E TUTELA DA EVIDÊNCIA ........................................................... 117

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 121

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 128

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INTRODUÇÃO

A admissão da cisão do julgamento do mérito em momentos

distintos no curso do processo enseja, há muito, embates doutrinários, que foram

intensificados com alterações promovidas na redação original do Código de

Processo Civil de 1.973, notadamente a inserção do § 6º no artigo 273 e a nova

definição de sentença, esta última levada a efeito pela Lei n. 11.232/05.

A teoria da unicidade da sentença, atrelada às discussões relativas à

definição de tal ato (tanto a originalmente trazida pelo Código de Processo Civil

de 1973 quanto a decorrente da lei superveniente acima mencionada) e de

decisão interlocutória (que naquele diploma legal manteve-se vinculada à

resolução de questões incidentes), em contraposição à efetividade do acesso à

justiça, que deveria repelir a desnecessária postergação da decisão definitiva

versando sobre parcela madura do mérito, apta para julgamento decorrente de

cognição exauriente (pelo simples fato de haver outra parcela ainda dependente

de dilação probatória), deixavam o operador do direito, obviamente, em situação

de perplexidade.

Na vigência do chamado Código Buzaid, mesmo após as alterações

acima indicadas, muitos se manifestavam contrários à possibilidade de prolação

de verdadeiros julgamentos parciais do mérito, não reconhecendo em tais atos

força de decisão definitiva. E, mesmo dentre aqueles que se mostravam

favoráveis aos julgamentos parciais, considerado aquele sistema, havia inúmeras

celeumas decorrentes da falta de previsão legal específica, remanescendo, pois,

embates quanto à configuração de sentença ou decisão interlocutória, em relação

ao recurso cabível e forma de processamento, e, ainda, envolvendo a execução

da decisão, o cabimento de ação rescisória e o cômputo do prazo decadencial

para tanto.

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O Novo Código de Processo Civil, na busca por respostas mais

atuais aos problemas vivenciados na prática, bem como por conferir maior

efetividade, operatividade, ao sistema, não deixou de incorporar em seu texto

previsão expressa do julgamento antecipado parcial de mérito, com alterações na

definição dos pronunciamentos jurisdicionais e na seara recursal, bem como no

tratamento da ação rescisória, tudo tendente a suplantar as dúvidas acima

estampadas, e, portanto, oferecer segurança jurídica ao jurisdicionado.

Subsistiram, contudo, algumas graves – e indevidas – disparidades em cotejo

com o julgamento integral do mérito, que serão referidas no trabalho.

É neste cenário que se apresenta o estudo, cujo objetivo principal

consiste em analisar a temática sob a ótica do acesso à justiça, sugerindo, com

isso, o pensamento que se entende correto na vigência do Código de Processo

Civil de 1.973 e a adequação ou não das soluções adotadas pelo novel diploma

processual.

Para alcançar tal desiderato, foi necessário empreender um exame

preliminar do que se entende por tutela constitucional do processo, âmbito em

que se insere a temática do acesso à justiça, tornando possível evidenciar que a

legislação processual não pode ser concebida ou interpretada de forma

desarraigada dos ditames constitucionais, que lhe fundamentam a validade.

Evitando-se qualquer digressão principiológica que desviasse o leitor

do objetivo principal do presente estudo, são trazidos os aspectos entendidos

mais relevantes acerca do princípio do acesso à justiça, para se consignar a

extensão que deve ser hodiernamente atribuída ao seu conteúdo, que impõe a

implementação de medidas destinadas a assegurar uma tutela jurisdicional

tempestiva, adequada e efetiva, realmente capaz de tutelar os direitos

substantivos para cuja salvaguarda o processo foi instaurado, o que, então,

abrange o conteúdo da razoável duração do processo.

Estabelecidas as balizas em que deve ser pautado o estudo da

temática, o trabalho desenvolve-se no sentido de trazer elementos para a

admissão do julgamento antecipado da parcela madura do mérito, de lege lata,

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mesmo antes do advento do Código de Processo Civil de 2.015, consignando a

definição dos pronunciamentos jurisdicionais com conteúdo decisório (decisão

interlocutória e sentença) no ordenamento jurídico brasileiro, partindo para uma

tentativa de enquadramento da decisão parcial de mérito numa dessas espécies,

considerado o sistema processual civil de 1973, com as reformas nele

empreendidas, abordando-se as dificuldades que isso envolve e as

consequências recursais e relativas à ação rescisória do posicionamento adotado,

bem como os reflexos na execução da decisão.

Atenção especial, como não poderia deixar de ser, é destinada às

previsões do Novo Código de Processo Civil que guardam consonância com o

julgamento antecipado parcial do mérito.

Objetiva-se, então, demonstrar a medida como as inovações

perpetradas pelo novo diploma legal podem atender adequadamente ao conteúdo

do princípio do acesso à justiça, sem deixar de fazer referência aos aspectos cuja

disciplina pode ser considerada deficitária.

A dissertação é, portanto, produto de pesquisa acadêmica cuja

relevância jurídica exsurge da necessidade de, assentada a importância da

análise da legislação processual à luz dos ditames constitucionais, demonstrar

que mesmo antes do advento do Novo Código de Processo Civil não havia como

ser obstado o julgamento antecipado parcial do mérito, mas que, dada a falta de

previsão legal, inúmeras celeumas persistiam, com efeitos obviamente deletérios,

aviltando a segurança jurídica que o cidadão legitimamente espera do

ordenamento, pelo que determinadas previsões no Código de Processo Civil de

2.015, constitucionalmente respaldadas no princípio do acesso à justiça, cujo

conteúdo abarca a duração razoável do processo, vieram em boa hora, apesar de

terem sido – indevidamente – mantidas certas disparidades.

E, sendo imprescindível externar as premissas metodológicas nas

quais se ampara a pesquisa, deve-se, desde logo, registrar que este relatório

resultou da pesquisa exploratória, na doutrina, legislação e jurisprudência, de

forma que, por meio de uma abordagem dedutiva, possibilitou demonstrar que o

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julgamento imediato da parcela madura do mérito é amparado no princípio do

acesso à justiça, que deve ser encarado com extensão ampla, abrangendo,

inclusive, o conteúdo da garantia de razoável duração do processo, para que este

atenda, tanto quanto possível, ao ideal chiovendiano segundo o qual deve dar a

quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de obter.

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1 TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO E ACESSO À

JUSTIÇA1

O estudo de qualquer tema que se pretenda desenvolver no âmbito

do direito processual civil demanda prévia consideração a respeito de seu

paradigma constitucional.

Isso porque não se pode compreender determinada disposição2

legal ou um tema jurídico qualquer de forma insulada, dissociada de uma visão

sistemática do ordenamento jurídico em que se insere.

Em um sistema jurídico estão presentes, de acordo com Claus

Canaris, dois elementos: unidade e ordenação. Considerada a unidade, há que se

ter sempre presente que os elementos que integram o sistema devem estar

regidos por normas fundamentais, garantindo-se, assim, que “[...] a ‘ordem’ do

Direito não se disperse numa multiplicidade de valores singulares desconexos,

antes se deixando reconduzir a critérios gerais relativamente pouco numerosos”3.

1 O estudo do direito processual civil, sempre fundado em seu paradigma constitucional – como,

ressalte-se, não poderia deixar de ser – já despertava nosso interesse desde as mais comezinhas reflexões que se nos apresentaram na seara jurídica, razão pela qual a tutela constitucional do processo e, notadamente, o acesso à justiça, foram tratados, de forma incipiente, em sede de trabalho de graduação interdisciplinar (MANO, Lilian Rodrigues. A ampliação dos poderes da autoridade jurisdicional à luz do princípio do acesso à justiça: uma perspectiva alicerçada nos anseios da moderna processualística. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2009). 2 Optou-se aqui pelo uso do vocábulo disposição em lugar de norma, haja vista que o último termo

pode ser tomado em diversas acepções, sendo que ao presente trabalho basta (sem qualquer pretensão de enveredar-se no tratamento das diversas doutrinas afetas à teoria geral do Direito que poderiam ser abordadas acerca do que é a norma) a consignação de que os textos jurídicos, as disposições de lei, demandam interpretação para aplicação in concreto, o que depende da compreensão sistemática do Direito, restando, pois, sempre imprescindível a observância do paradigma constitucional. 3 CANARIS, Claus. Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do

Direito. 2ª ed. Introdução e Tradução: A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 21.

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Juarez Freitas, seguindo as linhas traçadas por Canaris, mas

buscando um conceito ainda mais completo (que permitisse também o

enfrentamento das antinomias), assim conceitua sistema jurídico:

[...] rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição”.

4

Paulo de Barros Carvalho busca estabelecer um conceito de

sistema, genericamente considerado, definindo-o como “o objeto formado de

porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou com a composição

de partes orientadas por um vetor comum”5, deixando clara a necessidade de que

haja algo que una as partes que o compõem.

E, considerando-se especificamente o sistema jurídico, como mostra

Arruda Alvim, a Constituição ocupa a posição hegemônica, haja vista a hierarquia

decorrente de ser erigida no padrão de valor normativo supremo no ordenamento

jurídico, valor que, para ser defendido, demanda que as demais normas a ela se

subordinem.6

Assim, com esteio na noção de sistema jurídico, fica evidente que

toda a teoria do processo necessita refletir os escopos do Estado delineado pela

Constituição, de maneira que qualquer atividade de elaboração, interpretação e

aplicação dos ditames infraconstitucionais deve ser consentânea com o que fora

constitucionalmente estabelecido, observando os princípios, direitos e garantias

que lhes dão respaldo.

4 FREITAS, Juarez. Interpretação Sistemática do Direito. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,

1998, p.46. 5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2ª ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 40. 6 ALVIM, Arruda. Tratado de Direito Processual Civil. Vol. I. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1990, p. 169.

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Discorrendo acerca da tendência7 de se enfatizar o estudo da ordem

processual a partir das disposições constitucionais, Cândido Rangel Dinamarco

explica que o direito processual constitucional leva em conta as influências

recíprocas entre Constituição e ordem processual8, sendo que, enquanto o

processo é, obviamente, informado pela ordem constitucional (no tratamento de

seus institutos e interpretação das leis em consonância com o que ela

estabelece), esta também recebe influxos do processo, eis que por meio dele é

que se tem instrumento eficaz para efetivar o que nela é estabelecido.9

Pode-se ressaltar aqui que o jurista português José Joaquim Gomes

Canotilho estabelece distinção entre o que chama de Direito Processual

Constitucional e de Direito Constitucional Processual, já que usa cada

denominação para indicar objetos diversos. Para ele, aquele seria o “[...] o

conjunto de regras e princípios positivados na Constituição e noutras fontes de

direito (leis, tratados) que regulam os procedimentos juridicamente ordenados à

solução de questões de natureza jurídico-constitucional pelo Tribunal

Constitucional”, sendo o segundo destinado ao “[...] estudo dos princípios e regras

de natureza processual positivados na Constituição e materialmente constitutivos

do status activus processualis no ordenamento constitucional português.”.10

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery esclarecem que

não se trata o chamado Direito Processual Constitucional de novo ramo do direito

processual, mas sim de um ponto de vista metodológico de tal disciplina, pelo

7 Quanto a tal tendência, vale consignar que, como mostra Ada Pellegrini Grinover, Mendes Júnior,

em obra publicada em 1899, antecipou-se na compreensão do prisma constitucional do direito processual, focalizando o processo como garantia dos direitos individuais, a partir do que inúmeros estudiosos debruçaram-se sobre o direito constitucional processual, sendo por ela citados, dentre outros, CALAMANDREI, CAPPELLETTI, LIEBMAN e BUZAID (in As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1.973, p.01-02). 8 Em tal obra, como também em “A instrumentalidade do processo” (2009, p.26-27), o autor trata

tal relação recíproca da seguinte forma: no sentido Constituição-processo, com a tutela constitucional do processo e os princípios, alçados ao plano constitucional, que o regem; no sentido processo-Constituição, tem-se a jurisdição constitucional, voltada ao controle de constitucionalidade e à jurisdição constitucional das liberdades. 9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. 7ª ed. São

Paulo: Malheiros Editores, 2013, p.55. 10

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.965-967.

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qual se pretende examinar o processo como instrumento de efetividade dos

valores constitucionais.11

No denso corpo principiológico estabelecido pela Constituição,

portanto, encontra-se, explícita ou implicitamente, aquilo que constitui o

paradigma constitucional do processo, em que o estudo da processualística não

pode deixar de estar respaldado.

Acerca da tutela constitucional do processo (que se refere à

influência recíproca entre Constituição e processo, tratada por Dinamarco, como

mencionado acima, mas enfocando o sentido Constituição-processo), oportuno

atentar para a lição de Luiz Guilherme Marinoni, ora transcrita:

As normas constitucionais traçam as linhas mestras da teoria do processo. Trata-se de uma “tutela constitucional do processo”, que tem por fim assegurar a conformação e o funcionamento dos institutos processuais aos princípios que são insculpidos de acordo com os valores constitucionais [...]. Em suma, não se pode pensar o processo na ausência da luz constitucional. Ou melhor, a teoria do Estado e o direito constitucional fazem parte da moderna processualística.

12

Aliás, o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de

março de 2015), ressaltando a importância de que toda a disciplina do processo

seja pautada na observância à Constituição, traz, logo em seu artigo 1º, a

necessidade de que o processo civil esteja atento aos valores e normas nela

estabelecidos. 13

Dentre os princípios basilares do processo alçados ao status

constitucional encontra-se o acesso à justiça, ou inafastabilidade do controle

11

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 186. 12

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 21. 13

“Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”

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jurisdicional, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, sobre o

qual se pretende fazer análise pouco mais acurada no presente estudo, no intuito

de demonstrar o amparo constitucional dos entendimentos adotados quanto ao

julgamento imediato da parcela madura do mérito.

1.1 O ACESSO À JUSTIÇA

Brevemente traçado um panorama acerca da tutela constitucional do

processo, dar-se-á destaque aqui, dentre os princípios que a compõem, ao

acesso à justiça, que, na clássica obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth14, é

trazido como o mais básico dos direitos humanos, encarado requisito fundamental

de um sistema jurídico moderno, que pretenda não apenas proclamar direitos,

mas, efetivamente, garanti-los.

A temática é fartamente trabalhada pela doutrina, em seus mais

diversos aspectos, tudo tendente a evidenciar que seria inútil uma Constituição

que proclamasse a titularidade de direitos (como a brasileira o faz, desde o seu

preâmbulo), sem que assegurasse o efetivo acesso à justiça, disponibilizando

mecanismos aptos à proteção e reivindicação daqueles.

Em razão disso, como será abordado adiante, não é mais admissível

que ao acesso à justiça seja atribuída conceituação restritiva.

14

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e Revisão: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 12.

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20

1.1.1 Evolução do conceito da garantia e sua extensão

Para tratar do liame entre julgamento antecipado parcial do mérito e

acesso à justiça, o estudo que aqui se desenvolve não poderia prescindir da

delimitação do alcance do conceito teórico de tal garantia, que sofreu

considerável evolução ao longo do tempo, refletindo com isso as modificações

havidas na forma como o Estado se apresentava diante dos cidadãos.

Numa brevíssima incursão histórica, fica clara a ampliação do

conteúdo atribuído ao acesso à justiça se estabelecida comparação entre o

inerente aos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX e o atual.

No primeiro momento mencionado, têm-se Estados cujas

Constituições preocupavam-se com a afirmação dos direitos do indivíduo perante

eles (os chamados direitos fundamentais de primeira dimensão), resguardando

uma esfera de autonomia livre da ingerência do poder estatal, de maneira que o

acesso à justiça tinha conteúdo formal (compreendendo, pois, o direito que tinha o

indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação), refletindo uma filosofia

essencialmente individualista dos direitos.15

O acesso à justiça, abarcando tal conteúdo, ainda que configurasse

um direito fundamental, não necessitava de uma atuação positiva do Estado para

a sua efetivação, sequer havendo preocupação em relação aos custos materiais

que tal acesso demandava, e que, obviamente, mantinham marginalizados os

desprovidos de recursos financeiros.

Na obra já mencionada – e cuja referência é indispensável ao se

tratar de acesso à justiça, Mauro Cappelletti e Bryant Garth deixam claro que,

assim como ocorria com os bens, a justiça, no sistema do liberalismo, somente

15

Cf. CAPPELLETTI; GARTH, Ob. cit., p. 09.

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21

era acessível àqueles que pudessem fazer frente aos seus custos, ficando os

demais relegados à própria sorte, da qual eram considerados os responsáveis.

Tinha-se, então, um acesso apenas formal à justiça, não efetivo, o que

correspondia à igualdade apenas formal que era assegurada16.

Nessa concepção individualista, portanto, preocupava-se o Estado

tão somente em conferir aos indivíduos, formalmente, o direito de irem a juízo,

descurando-se de qualquer garantia de reais condições de exercício de tal

direito.17

Também não se vislumbrava no conteúdo do acesso à justiça

preocupação quanto a ser ou não a tutela jurisdicional prestada capaz de, no

plano fático, preservar de forma efetiva os direitos submetidos à apreciação

estatal.

Tal compreensão, contudo, foi objeto de profunda mudança,

notadamente em decorrência do reconhecimento progressivo de novos direitos,

chamados de segunda dimensão, atribuindo-se ao Estado uma postura ativa frente à

realização da justiça social, o que despontou como resposta aos problemas

socioeconômicos advindos da industrialização, que criaram ambiente propício ao

desenvolvimento de movimentos sociais, ficando claro que não bastava aos

cidadãos a mera garantia formal de liberdade e igualdade, que não significava seu

efetivo exercício.18

Em artigo recentemente publicado, Maurício Antonio Tamer traz

uma conclusão bastante completa do que se deve entender por acesso à justiça,

ou inafastabilidade do controle jurisdicional, na atualidade, entendendo que “[...]

pode ser definido como consentâneo do Estado Democrático de Direito e do

16

CAPPELLETTI; GARTH, loc, cit. 17

MARINONI, ob. cit., p, 26. 18

Sobre essa análise da evolução do conceito teórico de acesso à justiça, envolvendo o Liberalismo e o ulterior surgimento dos direitos sociais: MARINONI, Luiz Guilherme. O acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. Ob. cit., p. 16-20; e ainda: CAPPELLETTI; GARTH, Ob. cit.,p. 9-11.

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22

exercício da própria jurisdição, sendo seu conteúdo compreendido na garantia

constitucional à atividade jurisdicional, bem como a uma tutela efetiva, adequada

e o mais justa possível, em caso de lesão ou ameaça a direitos individuais,

coletivos ou individuais homogêneos, seja em razão de ato de ente público ou

de relações conflituosas privadas.”.19

Como mostra Marinoni, referindo-se ainda ao século XX e tratando

dessa guinada na compreensão do acesso à justiça:

A questão do acesso à justiça, embora já se fizesse sentir, no começo deste século, tanto na Alemanha como na Aústria, somente se fez perceber, de forma definitiva, no pós-guerra. É que com a consagração, a nível constitucional, dos chamados novos direitos, o direito de acesso à justiça passou a ser um direito garantidor de todos os outros.

20

A garantia do acesso à justiça, então, passou a envolver também

preocupação com a superação dos obstáculos que eram opostos à sua

efetividade.

Encara-se hoje o acesso à justiça, portanto, como direito

fundamental que deve ter o condão de garantir a efetiva tutela de todos os

demais direitos.

Eis a razão pela qual, como mencionado acima, Mauro Cappelletti

e Bryant Garth chegam a indicar que o acesso à justiça pode ser visto como o

mais básico dos direitos humanos num sistema em que se pretenda

efetivamente garantir, e não apenas proclamar direitos.21

19

TAMER, Maurício Antonio. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e direito de ação. In Revista Forense. Volume 419. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.172-173. 20

MARINONI, Luiz Guilherme. O acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992, p. 16-17. 21

Cf. CAPPELLETTI, GARTH. Ob cit., p. 12.

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23

A Constituição brasileira vigente consagra o acesso à justiça (ou

inafastabilidade do controle jurisdicional) em seu art. 5º, XXXV, nos seguintes

termos:

Art. 5º, XXXV, CRFB – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Ao revés do que uma leitura superficial poderia sugerir, o texto,

longe de garantir mero ingresso em juízo, com julgamento das respectivas

pretensões (direito de ação, formalmente considerado) é encarado de forma

absolutamente ampla, abarcando, pois, a efetividade da tutela conferida às

pretensões submetidas ao crivo do Judiciário.22

Ora, partindo da premissa de que a jurisdição é monopólio do

Estado, não cabendo ao indivíduo, ordinariamente, concretizar a tutela de direitos

seus que venham a ser lesados ou ameaçados de lesão, não há como se ignorar

que o mesmo Estado tem o dever de tutelar adequadamente o que seja

submetido ao seu crivo.

A prestação da tutela jurisdicional, que se concretiza por meio de

uma das facetas do poder estatal, não pode ser incapaz de assegurar com

eficiência os direitos proclamados abstratamente pelo próprio Estado, sob pena

de, faticamente, ser negado o acesso à justiça em sua inteireza, garantido pela

Constituição.

Eis a razão pela qual não basta que se preveja constitucionalmente

um direito de acesso à justiça, o que é insuficiente para este seja efetivamente

assegurado23, devendo o ordenamento jurídico como um todo ser apto a

22

Cândido Rangel Dinamarco (in Instituições de direito processual civil. Ob. Cit., p. 203-204) ressalta a forma ampla como deve ser compreendido o dispositivo constitucional, determinando que as pretensões sejam processadas, julgadas, e que a tutela conferida ao jurisdicionado seja efetiva enquanto resultado prático do processo, 23

Cf. MARINONI, 1999, p. 203.

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24

concretizá-lo, dispondo dos mecanismos necessários para que a garantia se faça

presente enquanto acesso a uma tutela jurisdicional realmente efetiva.

Luiz Guilherme Marinoni, externando o conteúdo abarcado pela

garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional, coloca que garante uma

tutela que seja adequada no plano do direito material, sendo assegurado,

portanto, o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e

meios executórios, tudo adequado às peculiaridades o direito substantivo

reclamado.24

O mesmo autor, citando Ada Pellegrini Grinover25, faz uso da

expressão cunhada por Kazuo Watanabe acesso à ordem jurídica justa,

justificando-o por indicar que o acesso à justiça deve significar (além, também, do

acesso à informação e à orientação jurídicas, e a todos os meios alternativos de

solução de conflitos) disponibilização de um processo justo, ou seja, em que haja

acesso ao devido processo legal, a uma justiça imparcial, igual, contraditória,

dialética, cooperatória, com os instrumentos e os meios necessários a que os

envolvidos na relação jurídica processual possam influir concretamente na

formação do convencimento do julgador e ter seus direitos adequadamente

tutelados.

Destarte, tem-se que é imprescindível que o sistema jurídico,

considerado em sua totalidade, possibilite o acesso a uma tutela jurisdicional que

seja adequada e efetiva no plano do direito material, o que guarda perfeita

consonância com a temática versada no presente estudo, ou seja, mesmo antes

do advento do Código de Processo Civil de 2.015, entende-se que o sistema

processual não poderia ser compreendido de forma a repelir o julgamento

imediato da parcela madura do mérito, quando necessário, posto que isso

representaria indevido aviltamento da garantia aqui tratada.

24

Ob cit. p. 204. 25

O acesso à justiça...ob. cit., p. 23.

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25

1.1.2 Acesso à justiça sob o enfoque da efetividade

O acesso à justiça, cujo espectro de proteção é notadamente amplo,

como mencionado linhas acima, é comumente tratado sob dois enfoques

distintos, sendo o primeiro o que propugna pela acessibilidade (materialmente

igualitária) do sistema de justiça a todos, e o segundo o que enfoca os resultados

(individuais ou sociais) que tal sistema deve ser capaz de proporcionar.

Ao contrário do que buscaram Mauro Cappelletti e Bryant Garth26 em

sua clássica obra sobre a temática (em que referem tais enfoques), não se

pretende aqui tecer maiores considerações a respeito do primeiro aspecto. Busca-

se, ao revés, tratar do acesso à justiça sob o prisma da efetividade, haja vista o

tema específico que se desenvolverá ulteriormente, e que estará nele respaldado.

Candido Rangel Dinamarco, referindo-se ao trinômio qualidade do

serviço jurisdicional, tempestividade da tutela e sua efetividade, alerta quanto à

insuficiência de se alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar

em juízo. O autor assenta a indispensabilidade de aprimoramento interno da

ordem processual (que deve estar pautado no trinômio mencionado), a fim de que

esteja habilitada a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do

processo. A plenitude do acesso à justiça, então, demanda tanto a remoção dos

males resistentes à universalização da tutela jurisdicional quanto o

aperfeiçoamento interno do sistema, para que, em cada caso, o Estado (juiz)

possa cumprir seu dever de dar efetividade ao direito.27

Tratando da imperiosa efetividade da tutela jurisdicional para a

completude de um ordenamento jurídico, Marinoni salienta que a efetiva

existência do direito material depende, também, da efetividade do processo, de

maneira que o ordenamento sequer poderia ser qualificado jurídico sem que

26

Cf. CAPPELLETTI, ob. Cit., p. 8. 27

Cf. DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil. ob. Cit., p. 117.

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26

contivesse um direito processual capaz de garantir uma tutela adequada,

efetiva.28

Acrescenta-se, aqui, que, além do necessário aprimoramento interno

do sistema, a compreensão dos ditames que o compõem deve sempre decorrer

de harmonização com o ordenamento integralmente considerado, e, portanto,

nunca pode ser dissociada do conteúdo da garantia aqui tratada, de índole

constitucional.

O conceito de efetividade é, obviamente, fluido e abrangente, mas

pode ser traduzido na necessidade de que seja dada à lei processual aptidão para

gerar os efeitos que dela o jurisdicionado deve esperar.29

O processo efetivo, como alerta Dinamarco30, é aquele que observa

o equilíbrio entre segurança e celeridade, proporcionando que as partes alcancem

o resultado desejado pelo direito material.

O autor, fazendo alusão ao movimento que veio a ser intitulado

Projeto Florença31, aponta que a grande lição de Cappelletti foi a de assentar o

acesso à justiça como mais elevado e digno dos valores a cultuar no processo,

com o que, concordando, justifica a inconveniência de doutrinadores e operadores

do direito manterem a mente povoada de preconceitos e dogmas tidos por

irremovíveis, o que apenas concorre para a morosidade do sistema de justiça e,

por consequência, reflete insensibilidade em relação aos sujeitos em conflito.32

28

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 64. 29

Neste sentido: BARBOSA MOREIRA apud RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Prestação jurisdicional efetiva: uma garantia constitucional. In FUX, Luiz; NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.154. 30

DINAMARCO, Cândido Rangel. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.49. 31

Idealizado na década de 70 do século passado, sob a liderança de Mauro Cappelletti, na tentativa de levantar dados para o diagnóstico acerca das causas da ineficiência da justiça, constituindo berço de uma guinada na ciência processual (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.p. 14-21). 32

DINAMARCO, Nova Era do Processo civil. Ob. cit., p. 21.

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27

Para garantir a efetividade do acesso à justiça, não raro é

necessário o (legítimo) afastamento de dogmas que o aviltariam, mediante uma

leitura dos textos normativos de forma compatível com os ditames constitucionais,

o que aqui será abordado em capítulo próprio, quanto à unicidade da sentença.

A lei deve ser capaz de garantir um procedimento que não traga

complexidades excessivas ou dispêndio desnecessário de tempo.

Pedro J. Bertolino, relacionando a efetividade do processo judicial

com a jurisprudência argentina sobre o excesso de rito, pontua que “[...] el

proceso no puede ser conducido em términos estrictamente formales o mecánicos

o conforme a um ritualismo caprichoso.”33

Fato é que, atualmente, não se pode deixar de ver o direito de

acesso à justiça como abrangente da tutela jurisdicional adequada, qual seja,

aquela provida da efetividade e eficácia que dela se espera34, não bastando, pois,

que o Estado assegure meramente o direito a uma prestação jurisdicional.

1.1.2.1 Acesso à justiça e instrumentalidade do processo

A análise do acesso à justiça sob o enfoque da efetividade, traço

marcante do estudo moderno da processualística, não pode deixar de fazer

referência, também, à instrumentalidade do processo.

33

BERTOLINO, Pedro J. El exceso de rito de cara a la efectividad del proceso civil. In FUX, Luiz; NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 176. 34

Cf. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. Cit., p. 187.

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28

A fase instrumentalista35 do direito processual corresponde ao

período em que as atenções dos estudiosos da ciência passaram a destinar-se

aos seus resultados, superado, pois, aquele marcado pelas preocupações

endoprocessuais – fase autonomista ou conceitual36 (que, ressalte-se, muito

contribuiu para o desenvolvimento dos conceitos e institutos da ciência, mas que,

em razão da necessidade de afirmar a independência do direito processual,

valorizou demasiadamente a técnica37).

Diante dessa nova forma de se conceber o direito processual civil,

evidentemente, os conceitos e institutos desenvolvidos sob a visão da fase

autonomista reclamam uma revisitação, a fim de possam ser adequados aos

paradigmas da fase instrumentalista38.

Assentado que o processo deve estar a serviço do direito material e

que isso em nada compromete a sua autonomia, evidencia-se a necessidade de

35

Conforme salientado por Cândido Rangel Dinamarco (in A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 17-25; e Instituições de direito processual civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 259-262), a evolução da ciência processual passa por três fases marcantemente distintas, quais sejam, a fase do sincretismo jurídico, caracterizada pela evidente confusão entre os planos do direito material e do direito processual, definindo-se a ação como um direito subjetivo lesado; a fase autonomista ou conceitual, que começou a emergir no século XIX, fundando o direito processual como ciência autônoma, maturando seus conceitos e institutos, reconhecendo-se que a relação jurídica de direito material é distinta da de direito processual; e, uma vez fundada a ciência e estabelecidas as suas grandes premissas metodológicas, iniciou-se o terceiro momento da ciência processual, a chamada fase instrumentalista, caracterizada pela tomada de consciência de que o processo deve constituir um instrumento apto para a consecução de seus fins, uma vez que, diante da satisfatoriedade dos conceitos inerentes à ciência processual, não mais se justificam as investigações conceituais destituídas de orientação teleológica. 36

Com o fito de superar a visão imanentista, prevalente até o século XIX (quando o direito de ação era visto como faculdade intrínseca ao direito material, sem autonomia, portanto), a doutrina chiovendiana ergueu, na Itália, as bases de um direito processual absolutamente desvinculado do direito material, participando do início de uma fase em que a doutrina processual esteve mergulhada no interior do processo, despreocupando-se com a sua relação efetiva com o direito material e com a vida das pessoas. O período, cujo célebre marco inicial é a obra do alemão Oskar Von Bulow (“Teoria das exceções e os pressupostos processuais”, de 1868) - tendo alcançado o direito pátrio apenas com a chegada de Enrico Tullio Liebman, instituidor da Escola Processual de São Paulo - embora marcado pelo firmamento das bases do direito processual civil, reconhecendo-se a sua autonomia, permitiu uma perigosa dissociação entre direito material e processo (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. Ob. cit., p. 381-388). 37

Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 18. 38

Ibidem.

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29

aproximação entre direito e processo, a fim de que aquele possa ser considerado

efetivo. Como salienta Bedaque:

A natureza instrumental do direito processual impõe que sejam seus institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial. Em outras palavras, como o processo é meio, a eficácia do sistema processual será medida em função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a pacificação social. Não interessa, portanto, uma ciência processual conceitualmente perfeita, mas que não consiga atingir os resultados a que se propõe.

39

Essa noção de instrumentalidade do processo, amparada na

efetividade do acesso à justiça, deve ensejar, sempre, o aprimoramento da

técnica processual, pois é imprescindível que ela avance no sentido de tornar-se

cada vez mais eficaz para salvaguardar as situações abstratamente previstas na

lei material e que necessitam da intervenção jurisdicional para sua proteção.40

Em sua Efetividade do Processo e Técnica Processual41, Dinamarco

reitera a necessidade de superação de obstáculos concernentes à técnica

processual, com a adoção de mecanismos tendentes a tornar efetiva a tutela

jurisdicional, considerada a natureza instrumental do processo.

Uma ponderação, já bem colocada por tal autor, deve aqui ser feita,

no sentido de que a instrumentalidade não tenha seu conteúdo restrito

meramente ao processo enquanto instituto fundamental do direito processual, ou

mesmo à tão proclamada instrumentalidade das formas, como sói ocorrer quando

a doutrina a menciona an passant, mas para que seja vista como

instrumentalidade do sistema processual.

O autor, então, trata da instrumentalidade em dois sentidos, que

nomina de negativo e positivo.

39

Ibidem, p. 23. 40

Cf. Adolfo di Majo apud BEDAQUE, ob. Cit., p. 51. 41

DINAMARCO. Ob. Cit., p. 87.

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30

Quanto ao sentido negativo da instrumentalidade, aponta para a

necessidade de negação da consideração do processo como valor em si mesmo,

com repúdio ao apego exagerado ao instrumento, a que o avanço da técnica pode

conduzir, guardando, pois, correlação com a ideia de instrumentalidade das

formas; o aspecto positivo, por sua vez, caracteriza-se pela preocupação com a

extração do máximo proveito que o processo, enquanto instrumento, pode

proporcionar em relação aos resultados que dele se esperam, mantendo relação

com a problemática da efetividade.42

1.1.3 Acesso à justiça e a garantia de razoável duração do processo

O direito fundamental à razoável duração do processo43 foi inserido

expressamente em nosso texto constitucional pela Emenda nº 45/04, ainda que,

antes disso, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (integrada em

nosso ordenamento em 1992, pelo Decreto nº 678), enunciasse tal garantia

judicial44, que, nos termos do artigo 5º, § 2º, da Constituição da República

Federativa do Brasil, já tinha caráter de direito fundamental, havendo, entretanto,

discussões quanto à aplicabilidade ao processo civil.

Nelson Nery Junior indica que uma interpretação restritiva do

dispositivo da convenção acima mencionada conduz à conclusão de que a

42

Cf. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo. Ob. Cit., p. 377. 43

O tema da razoável duração do processo foi brevemente abordado pela autora em artigo recentemente publicado: MANO, Lilian Rodrigues. Razoável duração do processo e julgamento imediato da causa madura pelos tribunais. In Revista Forense. Volume 419. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 451-464. 44

“Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

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31

garantia seria inerente ao processo penal, assegurando a célere oitiva de quem é

preso. O autor, no entanto, assenta que os direitos humanos devem ter

interpretação ampliativa, sendo que tal método, aliado à interpretação sistemática,

enseja o entendimento pela incidência da garantia não só na esfera penal.45

Entende-se, contudo, que a previsão expressa sequer seria

necessária, haja vista que a razoável duração do processo pode ser extraída do

conteúdo já atribuído ao acesso à justiça, que assegura a quem tem sua

demanda submetida ao crivo do Judiciário uma tutela adequada, e, portanto,

tempestiva, como explicitado linhas acima.

Paulo Hoffman, ainda antes da inserção do inciso LXXVIII no art. 5º

da Constituição Federal, a entende desnecessária, compreendendo que a

garantia já podia ser extraída de nosso sistema então vigente, ressaltando, ainda,

que a previsão expressa nada afetaria efetivamente a duração do processo,

reputando a modificação, portanto, vazia.46

Por tudo quanto já se disse aqui, não há como negar que a razoável

duração do processo está envolvida na correta interpretação do alcance que hoje

deve ser dado à garantia de acesso à justiça, insculpida no art. 5º, XXXV,

CRFB.47 Parece, pois, que o referido dispositivo constitucional, então, tem o

45

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.327. 46

HOFFMAN, Paulo. O direito à razoável duração do processo civil. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Orientadora: Prof. Dr. Teresa Arruda Alvim Wambier, 2004, p. 73-74. 47

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero reconhecem que a adequada compreensão do art. 5º, XXXV, CRFB já impunha a conclusão pela necessidade de razoável duração do processo, a fim de que o tempo nele dispendido fosse suportado igualitariamente pelas partes. A inserção do inciso LXXVIII no mesmo artigo apenas deixou tal conteúdo extreme de dúvidas, não havendo como se ignorar o dever do legislador de instituir técnicas voltadas ao atendimento de tal garantia, bem como do juiz bem compreendê-la e aplicá-la (2015, p. 268). Também Arruda Alvim (2012, p. 134) e Nelson Nery Junior (2013, p. 326) assentam que a razoável duração do processo é desdobramento do art. 5º, XXXV, CRFB, enfatizando a garantia.

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32

condão de reforçar garantia já existente, exaltando sua importância e externando

o alcance de seu conteúdo.

Donaldo Armelin bem destaca que a morosidade na prestação da

tutela jurisdicional implica repercussão negativa na sua efetividade, ressaltando,

portanto, a imprescindibilidade de que se adotem medidas direcionadas à sua

atenuação, em sendo impossível a sua total erradicação.48

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que a

garantia ora tratada abarca o direito do cidadão de obter a satisfação do direito

reclamado em juízo em tempo razoável, de maneira que somente estará atendido

o preceito se toda a atividade processual, incluída a satisfativa, estiver concluída

em prazo razoável.49

A razoabilidade da duração do processo, contudo, não pode ser

compreendida como mera celeridade. Aliás, ressaltando tal equívoco, Nelson

Nery Junior leciona que:

A busca da celeridade e razoável duração do processo não pode ser feita a esmo, de qualquer jeito, a qualquer preço, desrespeitando outros valores constitucionais e processuais caros e indispensáveis ao estado democrático de direito. [...] O que se deve buscar não é uma “justiça fulminante”, mas apenas uma “duração razoável do processo”, respeitados os demais valores constitucionais.

50

Quanto ao conceito específico da garantia aqui tratada, há que

ressaltar a vagueza do termo “razoável”, que inviabiliza, portanto, que seja

estabelecido de forma estanque e abstrata, dissociada do contexto fático.

48

ARMELIN, Donaldo. Tutela Jurisdicional Diferenciada. Revista de Processo, São Paulo, nº 65, p. 45, ano 17, 1992. 49

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.198. 50

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.333.

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33

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

relacionam o termo razoável à ideia de proporcionalidade, ou seja, a problemática

consistiria em saber se o tempo de duração do processo foi proporcional em

relação ao direito material a ser tutelado. Afasta-se, assim, qualquer ilação no

sentido de que a garantia implica que o processo deva ser necessariamente

célere.51

Marinoni, inclusive, entende não haver dificuldade na determinação

do significado de prazo razoável, sendo verificado quando a tutela jurisdicional é

prestada logo após os fatos que lhe dizem respeito estarem esclarecidos, ou seja,

quando a demanda estiver madura para julgamento.52

A configuração da razoabilidade da duração do processo, então,

deve ser aferida de acordo com aspectos vislumbrados no caso concreto, sendo

que Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel

Dinamarco indicam critérios para tanto, sendo eles, a complexidade do assunto, o

comportamento dos litigantes e a atuação do órgão jurisdicional.53

Pode-se assentar, pois, que o tempo de duração do processo é

razoável quando se limita ao estritamente necessário para que a tutela

jurisdicional seja prestada, é claro, com observância das demais garantias

processuais ao jurisdicionado, mas sem comprometimento da efetividade do

processo, sem dilações indevidas54, ou, conforme lição acima, sem que o tempo

dispendido seja desproporcional em relação às questões submetidas ao crivo do

judiciário.

51

MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2015, ob. Cit., p. 264. 52

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.283. 53

In Teoria Geral do Processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p.96. 54

Tal foi a conclusão que apresentamos, brevemente, na obra acima mencionada (Razoável duração do processo e julgamento imediato da causa madura pelos tribunais. Ob. cit., p. 454).

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34

O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) dispõe, em

seu art. 4º, sobre o direito à razoável duração do processo (embora não fosse

necessário fazê-lo), com o claro intuito de apenas ressaltar a importância da

observância à Constituição, nos seguintes termos:

Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluindo a atividade satisfativa.

A redação do dispositivo legal foi feliz ao explicitar a abrangência da

garantia, que envolve, também, a efetivação do direito que constituiu objeto do

processo.

Diante da exigência constitucional, é patente que a legislação

infraconstitucional deve ser interpretada em conformidade com ela, e, além disso,

que são importantes as reformas tendentes a efetivá-la, desde que não sejam

feitas de modo a aviltar indevidamente outros valores constitucionais de igual

relevância. Não se pode olvidar, contudo, que não basta a mudança da

legislação, sendo necessário que os problemas estruturais e de mentalidade que

impedem a estreita observância à razoável duração do processo, e, portanto, à

efetividade do acesso à justiça, sejam também superados.55

É evidente, portanto, que a duração razoável do processo é

imprescindível para que ele possa ser efetivo, o que guarda correlação com a

admissibilidade do julgamento antecipado parcial do mérito, que visa a assegurar

que não haja demora excessiva e desnecessária na prolação de decisão apta a

formar coisa julgada, sem que sejam ilegitimamente violados outros valores, como

será tratado adiante.

55

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. Cit., p. 2013.

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35

2 O JULGAMENTO IMEDIATO DA PARCELA MADURA DO

MÉRITO NO SISTEMA ANTERIOR AO CPC/201556

O primeiro capítulo buscou estabelecer o paradigma que deverá

servir de amparo ao estudo do julgamento parcial do mérito, referido neste

segundo.

Partindo desse arcabouço constitucional, é insofismável que a leitura

da legislação ordinária deve ser feita de modo a que o sistema processual seja

capaz de aproximar-se, tanto quanto possível, da oferta ao cidadão de uma tutela

efetiva, adequada, tempestiva.

Eis, então, no conteúdo da garantia do acesso à justiça, o suporte

constitucional do posicionamento que se quer externar, que repele, mesmo

considerado o sistema processual civil de 1973, a imprescindibilidade de que o

mérito seja julgado integralmente em um só momento.

Fato é que, antes do advento do Código de Processo Civil de 2.015,

mesmo que com dissonâncias a respeito de se tratar de sentença ou decisão

interlocutória, já havia manifestações doutrinárias no sentido da admissão dos

julgamentos antecipados parciais de mérito, entendidos, em tal visão, como

compatíveis com o sistema vigente.

56

Brevíssimos apontamentos relacionados à temática, inclusive aventando as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, já foram trazidos pela autora no artigo A problemática das sentenças parciais e o Novo Código de Processo Civil, ao qual remetemos o leitor, ressaltando-se que, contudo, não se estabeleceu ali conclusão acerca da configuração de sentença ou decisão interlocutória na vigência do CPC/73, embora indicadas an passant as celeumas envolvidas e o que foi trazido pelo Novo CPC (in ALVIM, Teresa Arruda et al. O Novo Código de Processo Civil Brasileiro – Sistematização, Parte Geral, Parte Especial e Procedimentos. São Paulo: Forense, 2015, p.533-545).

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36

Aliás, entende-se que sequer é adequada a utilização do adjetivo

antecipado para qualificar tal tipo de julgamento, que, em verdade, ocorre no

exato momento em que deveria ocorrer57, ou seja, quando aquela parcela do

mérito encontra-se madura para tanto, sendo que entendimento contrário aviltaria

a razoável duração do processo, e, por conseguinte, o acesso à justiça.

Conforme sustenta Luiz Guilherme Marinoni:

[...] um pedido – ou sua parcela – pode se tornar maduro para julgamento antes do outro – ou da outra parcela – e, assim, que o processo que não possui uma técnica capaz de viabilizar tutela imediata ao direito que se tornou incontroverso no seu curso não atende ao direito fundamental à razoável duração do processo.

58

Mesmo na vigência do Código de Processo Civil de 1.973, já eram

trazidas pela doutrina hipóteses de julgamento antecipado parcial do mérito que

poderiam ser extraídas da legislação.59

Neste ponto, convém indicar observação trazida por Fábio Milman,

em artigo publicado em 2007, sobre ser permitido vislumbrar a prolação de mais

de uma sentença, cada uma a determinado tempo, num mesmo processo de

57

Vale aqui a mesma crítica que é feita ao uso do adjetivo antecipado para tratar do julgamento previsto no art. 330 do CPC/73. Observe-se, por todos: “Há procedentes críticas quanto ao emprego da expressão ‘julgamento antecipado da lide’ nas hipóteses dos incs. I e II do art. 330, já que em tais casos não há na verdade julgamento antecipado algum, na medida em que, por uma razão ou por outra, se não há necessidade de instrução probatória, o momento processual a que se referem os incs. I e II do art. 330 é, por assim dizer, o momento adequado para o juiz proferir sentença.” (ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 646). 58

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.283. 59

Hipóteses de sentenças parciais são trazidas por Luciano Vianna Araújo e Sidney Pereira de Souza Junior, nas dissertações de mestrado indicadas em nossa bibliografia, envolvendo os casos de cumulação objetiva (com a possibilidade de julgamento antecipado nos termos do art. 273, § 6º, do CPC, fundado na ausência de controvérsia acerca de um pedido ou parcela dele, ou mesmo quando parte do mérito, ainda que houvesse sido controvertida, estivesse em condições de imediato julgamento, embora outra não), a cumulação subjetiva, a liquidação de sentença etc.

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37

conhecimento, o que era tratado por Ovídio Araújo Baptista da Silva como

sentença parcial e por Walter Vechiato Júnior como sentença intermediária. 60

Quanto ao que aqui interessa, haja vista que temos como objeto

específico de estudo a hipótese em que parcela do mérito se encontra madura

para julgamento, devem ser salientados os casos de cumulação e de pedidos

cindíveis.61

O artigo 356 do Novo Código de Processo Civil (que será abordado

no presente estudo com mais vagar oportunamente) traz, exatamente, hipóteses

de julgamento imediato da parcela madura do mérito, reconhecendo, então, a

possibilidade de cisão dele quando um ou mais pedidos ou parcela deles mostrar-

se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento (ou seja,

quando não houver necessidade de dilação probatória, abrangendo, pois, todas

as situações em que aqui sustentamos que poderia ocorrer, mesmo no sistema

anterior a tal diploma).

Fica evidente que, em verdade, o que se prestigia com o julgamento

imediato da parcela já madura do mérito é a razoável duração do processo, e,

com isso, que a garantia do acesso à justiça seja observada em sua inteireza, não

60

MILMAN, Fábio. O novo conceito legal de sentença e suas repercussões recursais: primeiras experiências com a apelação por instrumento. In Revista de Processo. Ano 32. N. 150. Ago/2007, p.163. 61

Em artigo integrante de obra coletiva recentemente publicada, Orlando Augusto Carnevali (Resolução parcial e progressiva de mérito – fracionamento em busca da brevidade e efetividade) in MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Novo CPC – doutrina selecionada, Vol. 2: processo de conhecimento e disposições finais e transitórias. Coord. Geral: Fredie Didier Jr. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 322-324) assenta que, sob o ponto de vista objetivo, a cisão do julgamento é possível quando houver autonomia e independência dos pedidos, apontando as hipóteses de cumulação objetiva própria simples (caso em que a cisão pode ocorrer para julgamento de procedência ou improcedência), cumulação objetiva própria sucessiva (caso em que se pretende o acolhimento de todos os pedidos, mas a apreciação do segundo depende da procedência do primeiro), cumulação objetiva imprópria alternativa (em que qualquer dos pedidos pode ser acolhido, não havendo hierarquia entre eles, pelo que se um for julgado procedente, todo o processo é resolvido, razão pela qual é possível a cisão, havendo continuidade do processo, se o julgamento de um dos pedidos for de improcedência) e cumulação objetiva imprópria eventual ou subsidiária (em que o julgador somente pode passar ao exame de um pedido quando o anterior houver sido rejeitado, pois há ordem de preferência entre eles, de maneira que, também aqui, pode haver cisão do julgamento se o pedido preferencial for rejeitado e se mostrar necessário o prosseguimento do feito para exame dos subsequentes).

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se podendo olvidar, por exemplo, que, em caso de cumulação de pedidos que

não guardem entre si relação de interdependência, tem-se de fato várias ações

cumuladas, que, portanto, poderiam ter sido propostas de forma autônoma, não

sendo admissível que o jurisdicionado que optou por envolvê-las num único

processo (favorecendo, com isso, a economia processual) seja prejudicado, tendo

que aguardar até que todas estejam solucionadas para receber uma só sentença.

Entende-se, pois, que, mesmo antes de o Código de Processo Civil

de 2.015 dispor expressamente sobre a matéria, nada havia que impedisse o

julgamento parcial do mérito em nosso sistema, sendo que as razões para o

afastamento dos óbices comumente apontados para subsidiar entendimento

contrário serão explicitadas ao longo do trabalho.

Neste ponto, convém ressaltar a existência, no direito comparado,

de ordenamentos que faziam previsão expressa do julgamento parcial do mérito.

Liebman traz o exemplo do sistema processual civil italiano,

apontando as notas distintivas entre as chamadas sentenças definitivas e não-

definitivas:

A sentença pode ser definitiva ou não-definitiva. É definitiva a sentença que define o juízo (art. 279, 2ª parte), ou seja, a que conclui o processo, exaure-o, ao menos naquela instância; ela terá por objeto ou o mérito, quando o decidir totalmente, ou uma questão preliminar, quando a decidir negando a constituição regular do processo ou a existência da ação e, portanto, a admissibilidade do julgamento do mérito (sentença absolutória do processo). A sentença definitiva é, por isso, a sentença final do procedimento de primeiro grau (e, depois, da apelação, etc.), ou ao menos daquela sua fase que se desenvolveu perante determinado órgão jurisdicional. Não-definitiva é a sentença que não põe fim ao processo, de modo que este deverá continuar depois de sua prolação (cfr. art.279, 2ª parte, nº 4); através dela, o juiz decide uma parte da matéria controvertida, que pode dizer respeito tanto ao mérito quanto às questões preliminares.

62

62

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, 1. Tradução e notas de Cândido

R. Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 242-243.

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39

Também merece menção a previsão do julgamento antecipado de

parcela do mérito no direito alemão, como mostra José Alexandre Manzano

Oliani:

O direito processual civil alemão utiliza a expressão sentença definitiva para designar a decisão final da causa, isto é, a decisão que deve ser proferida após o processo ter percorrido todo o iter procedimental e estar preparado para julgamento. O Código de Processo Civil alemão regula também as figuras da sentencia parcial (§301); sentencia reservativa (§302); sentencia interlocutória (§303); sentencia interlocutória sobre el fondo (§304) e a sentencia com reserva de responsabilidad limitada de derecho sucessório e jurídico-marítima (§§ 305 e 305 a). A sentença parcial alemã, conforme dispõe o § 301 da ZPO, deve ser proferida quando o processo tiver objeto composto, ou seja, quando houver “varias pretensiones reclamadas em uma demanda”, e uma delas ou parte de uma delas estiver pronta para julgamento. Também nos casos em que há “interposición de contrademanda”, e somente “la demanda o la contrademanda” estiver pronta para julgamento, deverá ser proferida sentença parcial. As sentenças interlocutórias são prolatadas para resolver “un juicio incidental” (ZPO, § 303).

63

Andou bem o Novo Código de Processo Civil ao prever de forma

explícita tal possibilidade, evitando-se a deletéria falta de segurança jurídica que

pairava na vigência do Código de 1.973 relativamente à temática, apesar de aqui

se entender que não havia no sistema qualquer óbice que se pudesse sustentar

para afastar a admissão do julgamento antecipado parcial do mérito.

2.1 A GRANDE CELEUMA ENVOLVENDO O ART. 273, § 6º DO

CPC/73

O parágrafo 6º do artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973,

inserido pela Lei nº 10.444/2002, passou a ser, na vigência de tal diploma legal,

uma das mais mencionadas hipóteses de verdadeiro julgamento parcial do mérito,

63

OLIANI, José Alexandre Manzano. Sentença no Novo CPC (Coleção Liebman/coordenação Teresa Arruda Alvim, Eduardo Talamini). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 53.

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ainda que por muitos fosse compreendida, até mesmo em razão de sua

colocação topográfica no Código, como decisão antecipatória de tutela.

Com o dispositivo, o referido Código passou a prever que “a tutela

antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos

cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Observe-se que a hipótese é exatamente a mesma prevista no artigo

356, I, do Novo Código de Processo Civil, agora sob a epígrafe “julgamento

antecipado parcial do mérito”.

Mas restava, então, a discussão: tal hipótese seria realmente tutela

antecipada ou julgamento antecipado parcial da lide? E, na conclusão pela

segunda opção, seria sentença ou decisão interlocutória?

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira

citam o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni, anterior à reforma de 2002,

que acabou dando origem à inserção do dispositivo no Código de Processo Civil

de 1973, pela antecipação com a técnica do reconhecimento jurídico parcial do

pedido (o julgamento da parcela madura do pedido era pensado na mesma

perspectiva do julgamento antecipado da lide, previsto no art. 330 do CPC).

Contudo, os autores ressaltam a mudança da compreensão do

referido doutrinador, que, mais recentemente, embora lamentando a opção,

concluiu que o legislador houve por bem tratar do julgamento parcial como tutela

antecipatória parcial (tal seria, para ele, a natureza jurídica do instituto), e, então,

sujeita a ulterior revogação ou modificação.64

Assim, embora entusiasta da necessidade de tutela imediata da

parcela do mérito madura para julgamento, para que se atendesse à efetividade

64

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 8ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013, p. 585-587.

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do processo, mediante juízo de cognição exauriente, Marinoni acabou por concluir

que o legislador brasileiro, naquele momento, não abraçou tal solução, preferindo

inserir, na hipótese de pedido ou parcela de pedido incontroverso uma nova

modalidade de antecipação de tutela.

Cássio Scarpinella Bueno, em obra que trata especificamente do

estudo da tutela antecipada, menciona dúvidas interpretativas geradas pelo

parágrafo inserido no art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, com

inspiração na doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, entendendo que há muito

mais uma técnica de desmembramento de pedidos cumulados ou de parcela

deles (e, portanto, de julgamento parcial da lide, com reconhecimento de efeitos

imediatos ao que foi julgado) do que antecipação de tutela propriamente dita,

sendo que, embora haja substancialmente natureza jurídica de sentença (não

estando sujeita a ulterior confirmação, revogação ou modificação, e sendo apta a

formar coisa julgada), procedimentalmente, tratar-se-ia de decisão interlocutória.65

Eduardo Arruda Alvim também entende que o dispositivo inserido pela

Lei nº 10.444/02 não contempla, exatamente, hipótese de antecipação de tutela,

mas verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide em relação aos pedidos

incontroversos”.66

Os já citados autores Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael

Alexandria de Oliveira também consideram que não se trata de decisão

antecipatória de tutela, mas da prolação da decisão definitiva, fundada em

cognição exauriente e apta à formação de coisa julgada material, que se desgarra

da parte restante da demanda, tornando-se uma decisão autônoma, que não

precisa ser confirmada em decisão futura.67

65

BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.51-62. 66

ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da Tutela. Curitiba: Juruá, 2009, p.80. 67

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 8ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013, p. 588-589.

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Não raras, no entanto, foram as vozes no sentido de que o dispositivo

trouxe, apenas, mais uma hipótese de antecipação dos efeitos da tutela. Foi o que

defenderam Antonio Notariano Júnior e Gilberto Gomes Bruschi em artigo

específico sobre o tema, mencionando a doutrina de Dinamarco (quanto à

impossibilidade de cisão do julgamento, e, portanto, necessidade de confirmação,

em sede de sentença, da tutela antecipada concedida) e de Bedaque (quanto à

adequação da solução adotada pela lei, que não retirou do juiz a possibilidade de

revogar posteriormente a antecipação de tutela concedida em relação ao que

ficou incontroverso).68

Os autores acima mencionados subsidiam seu posicionamento,

inclusive, na lição de Athos Gusmão Carneiro, segundo a qual o rompimento com

a unicidade da sentença demandaria norma induvidosa, sendo adequado,

portanto, manter sob o caráter de antecipação propriamente dita a tutela

antecipada de pedidos ou parcela de pedidos não contestados, sem formação de

coisa julgada material e com a possibilidade de alteração ou revogação na

pendência da demanda.69

A conclusão de Athos Gusmão Carneiro também é trazida, ipsis literis,

em trabalho de José Henrique Mouta Araújo.70

Em A nova era do processo, Dinamarco refuta com veemência que se

trate de decisão definitiva, entendendo pela configuração de tutela antecipada:

Na visível intenção do legislador, essa antecipação ainda não constitui um julgamento de meritis: no prosseguimento do processo, chegando o momento de sentenciar, o juiz julgará não só o pedido que dependeu de prova como também esse que, por não precisar de prova alguma, já fora objeto de antecipação (na sentença de mérito haverá portanto dois capítulos autônomos, um relacionado com o primeiro dos pedidos e

68

NOTARIANO JÚNIOR, Antonio; BRUSCHI, Gilberto Gomes. O julgamento antecipado da lide e a antecipação de tutela em caso de pedidos incontroversos. ARMELIN, Donaldo (Coord.). Tutelas de urgência e cautelares: estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva, 2010, p.131-134. 69

Os autores trazem citação de Athos Gusmão Carneiro extraída da obra Da antecipação da tutela, 6ªed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.p.66 [in ARMELIN, Donaldo (Coord.). ob. cit., p. 130)]. 70

ARAUJO, José Henrique Mouta. Ob. cit., p. 216.

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outro, decidindo sobre os demais pedidos. A medida antecipatória é uma decisão interlocutória e não sentença, não ficando excluído, ainda que isso seja pouco provável, que a sentença de mérito (única), ao decidir sobre todos os pedidos cumulados, venha a julgar improcedente a pretensão que fora objeto da antecipação.

71

Brevemente mencionadas conclusões doutrinárias pela configuração

de julgamento parcial do mérito na previsão do artigo 273, § 6º, do CPC/73, e as

contrários a isso, é imperioso assentar o que aqui se entende.

Como indicado linhas acima, segue-se o posicionamento segundo o

qual o dispositivo contempla hipótese de julgamento parcial do mérito, e mais,

abrange apenas uma delas (relativa à existência de pedido, ou parcela de pedido,

incontroverso), embora se considere aqui que, estando madura parcela do mérito

que possa ser cindida (não apenas por ser incontroversa, mas por já não se fazer

necessária qualquer dilação probatória), nada obsta que seja objeto de decisão

definitiva, decorrente de cognição exauriente. 72

Fato é que, mesmo com a conclusão de que se trata de julgamento

(parcial) do mérito, aqui partilhada (o que demanda reconhecimento de uma

colocação topográfica infeliz do dispositivo em nosso diploma de 1973), e não de

decisão antecipatória de tutela, subsistiam inúmeras celeumas quanto a se tratar

de sentença (o que engloba as discussões sobre a subsunção ou não com o

71

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 78. 72

Consigne-se aqui que concordamos com a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito em sede de divórcio, a fim de que as discussões nele envolvidas (guarda de filhos, visitas, alimentos, partilha patrimonial etc) não obstem sua decretação. Ora, trata-se de pedido que sequer pode ser controvertido ante a Emenda Constitucional n. 66/2010. Neste sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PEDIDO DE DIVÓRCIO ANTES DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. EC 66/2010. Possibilidade de ser concedida uma sentença parcial de mérito, em face da nova redação do parágrafo 1º do artigo 162 do CPC. AGRAVO PROVIDO.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. Relatora: Sandra Brisolara Medeiros. Agravo de Instrumento Nº 70059163402. Julgado em 07/04/2014). Bem ilustra, também, a impossibilidade de se obstar o julgamento antecipado parcial do mérito, sob pena de aviltamento do princípio do acesso à Justiça, a existência de parcela de pedido incontroverso em ação indenizatória. É possível, v.g., que não mais haja controvérsia sobre os danos emergentes, mas os lucros cessantes dependam de dilação probatória, caso em que nada justifica que a parcela incontroversa não seja julgada imediatamente, por meio de decisão definitiva.

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conceito dela, seja o original ou o decorrente da lei 11.232/05) ou decisão

interlocutória (o que esbarra com o conceito trazido pelo art. 162, § 2º, do CPC de

1973, trazendo à tona o embate sobre a possibilidade de decisões interlocutórias

de mérito), como será tratado subsequentemente.

2.2 PRONUNCIAMENTOS JURISDICIONAIS E A DIFICULDADE DE

ENQUADRAMENTO DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL

Assentada a viabilidade do julgamento antecipado da parcela

madura do mérito na vigência do CPC/73, é necessário, então, passar ao

estabelecimento da natureza jurídica de tal decisão, se sentença ou decisão

interlocutória, de acordo com a definição do conceito de cada um de tais

pronunciamentos jurisdicionais extraída do ordenamento jurídico brasileiro.

Para falar de determinados conceitos jurídicos é importante deixar

claro que não são eles essencialistas, ou seja, referem-se a significações e não a

objetos. Como trata Eros Roberto Grau:

O conceito jurídico, expressado, é o segundo signo de um primeiro signo: a significação da coisa (coisa, estado ou situação); está no lugar não da coisa (coisa, estado ou situação), mas da significação atribuível – ou não atribuível – à coisa (coisa, estado ou situação).

73

O mesmo autor indica que a significação do conceito jurídico só é

capaz de cumprir sua função de garantir um mínimo de segurança na aplicação

das normas enquanto reconhecida uniformemente pela sociedade, haja vista que

o objeto do conceito jurídico não existe em si, tem existência abstrata, que tem

73

GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª edição refundida do Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 148.

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validade no mundo jurídico por convenção normativa (ou seja, porque a

significação pode ser reconhecida uniformemente por um grupo social).74

Ainda, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal assenta que para

se atribuir um conceito jurídico a determinada coisa, estado ou situação é

imprescindível que todas as notas destes sejam subsumíveis àquele75,

apontamento que será de extrema valia para o adequado enquadramento da

decisão que julga parcialmente o mérito da causa como sentença ou decisão

interlocutória, na vigência do Código de Processo Civil de 1.973.

Deve-se ter claro, ainda, que, quando se trata do “conceito legal” de

sentença ou decisão interlocutória, tem-se, em verdade, tão somente, definição

de conceito, haja vista que, enquanto o conceito é ideia, a definição é a fixação

dos critérios para alcançá-la76, ou, com Grau, “uma definição, que o texto

normativo contempla visando a superar a ambiguidade ou imprecisão do termo de

certo conceito.”77

Feitas tais digressões, entendidas imprescindíveis para justificação

da conclusão que se quer externar no presente capítulo, impende neste momento,

apenas, indicar que há, seja no Código de Processo Civil de 1973 ou no Novo,

três espécies de pronunciamentos jurisdicionais, quais sejam, sentença, decisão

interlocutória e despacho, mas apenas as duas primeiras referem-se a atos com

conteúdo decisório relevante78, e, portanto, são as que interessam ao presente

estudo.

74

Ibidem, p. 147. 75

Ibidem, p. 154. 76

Como consigna Fernando Favacho, “Definir é fixar o significado das palavras, fixar critérios para os conceitos. Desta feita, não definimos coisas, definimos palavras. E conceito é ideia. Precisamos apontar os critérios dessa ideia para que possamos alcança-la. Este ato é o definir, definir conceito.” [in Definição do conceito de tributo. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2010, p. 30]. 77

GRAU, ob.cit., p. 155. 78

Em relação à diferenciação entre sentença, decisão interlocutória e despacho, vale mencionar que o que distingue os dois primeiros do último é, exatamente, o conteúdo marcadamente decisório presente naqueles. Conforme leciona Teresa Arruda Alvim Wambier (et al.), os despachos têm, apenas, um conteúdo discretamente decisório, pois, embora sejam necessariamente proferidos pelo juiz, não denotam perspectiva de ensejar gravame às partes (in

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46

O estabelecimento do conceito de sentença e decisão interlocutória

já há muito ensejava discussões doutrinárias, o que se acirrou com a entrada em

vigor da Lei nº 11.232/05, e, mais uma vez, deve ser trazido à baila, diante do

texto do Novo Código de Processo Civil, como se verá a seguir.

2.2.1 Definição do conceito de sentença

O Código de Processo Civil de 1.939 não se preocupou em trazer

em seu corpo a definição de sentença, mas a tradição jurídica, apoiada na

doutrina de Liebman, em sua vigência, vinculava tal pronunciamento jurisdicional

à resolução do mérito da causa.79

Liebman, tratando dos atos dos órgãos jurisdicionais no sistema

jurídico italiano, traz a sentença como “a forma típica do provimento decisório, ou

seja, ela dispõe sobre os direitos das partes, acolhendo ou rejeitando os pedidos

propostos em juízo”.80.

O Código de Processo Civil de 1.973, como consta em sua

exposição de motivos, embora reconhecendo o valor da recomendação tirada das

fontes romanas, segundo a qual omnis definitio in jure civile periculosa est, houve

por bem, em alguns pontos, e especificamente quanto ao que aqui nos interessa

– a sentença – enveredar por outro caminho, fixando na lei definição de conceitos.

Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.368-372. 79

Neste sentido: DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Sobre o conceito de sentença no código de processo civil de 1973. In FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 751. 80

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, 1. Tradução e notas de Cândido R. Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.239.

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47

Assim, originalmente, o artigo 162 do Código de Processo Civil de

1973 trazia em seu parágrafo 1º a seguinte definição: “sentença é o ato pelo qual

o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.”.

Em notas ao já citado Manual de direito processual civil de Liebman,

Cândido Rangel Dinamarco ressalta a diferença entre os métodos eleitos para a

distinção entre os provimentos jurisdicionais no Brasil (CPC/73) e na Itália, posto

que lá prevalecia um critério formal (com a estrutura e forma do ato dispostas em

lei), enquanto aqui o estatuto processual básico acabou por apoiar-se num critério

topológico.81

É evidente que a definição legal deu azo ao desenvolvimento

doutrinário sobre o assunto, eis que, se antes, na vigência do Código de Processo

Civil de 1.939, era o conteúdo o elemento caracterizante desse pronunciamento

jurisdicional, a partir de então, a sentença não era mais legalmente identificada

por conter decisão sobre o mérito da causa, mas sim pelo condão de por termo ao

processo.

E a mudança de paradigma não se deu a esmo, mas, ao revés,

buscava-se, como sói acontecer, superar problemas verificados na prática pelo

operador do direito, com reflexo na situação fática vivenciada pelo jurisdicionado.

Como mostra Cândido Rangel Dinamarco, ainda tratando da

redação original do referido dispositivo legal:

Ao dar a definição que está no § 1º do art. 162, quis o Código de Processo Civil romper com a tradicional caracterização da sentença segundo seu conteúdo substancial, consistente em considerar como tal a decisão de mérito. Assim fez, à vista das grandes dificuldades existentes na vigência do Código de 1939 para a determinação do recurso cabível contra certas decisões que segundo a doutrina eram terminativas, mas os tribunais entendiam que fossem de mérito (falta de legitimidade ad causam); como a apelação só cabia contra as sentenças (decisões de mérito), havia àquele tempo muita insegurança, que era causa de prejuízos às partes. O Código de Processo Civil pretendeu pôr fim a esse

81

Ibidem, p. 241.

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48

estado, ao estatuir que da sentença cabe apelação (art. 513) e dizer que se considera sentença todo ato que ponha fim ao processo, com ou sem julgamento do mérito.”.

82

O mesmo autor aponta que restaram imperfeições no Código, até

mesmo pelo peso da tradição, mantendo-se dispositivos em que certas decisões

são referidas como sentenças apenas por versarem sobre o mérito, sem que

tenham o condão de por fim ao processo, exemplificando com a ação de

prestação de contas (art. 915, § 2º) e com o processo de insolvência (art. 761).83

Além disso, não se pode sustentar a sentença como ato que,

efetivamente, põe fim ao processo, haja vista a possibilidade de interposição de

recurso, ou mesmo a existência de sentenças sujeitas ao reexame necessário,

razão pela qual apenas poderia ser tratada como ato que tem o condão de por fim

ao procedimento em primeiro grau de jurisdição.84

Assim, embora compreensível e até mesmo louvável a tentativa de

solucionar problemas verificados no campo pragmático, o rompimento com a

tradição, da forma como se deu, não ficou isento de críticas. Luiz Rodrigues

Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini as mencionam:

[...] esse dispositivo também foi alvo de críticas. Afirmou-se, por exemplo, que ele antes apontava um efeito do que apresentava o conceito de sentença. Ponderava-se também que não é a sentença que encerra o processo, visto que, havendo recurso, o ato último receberá a denominação de acórdão (art. 163). Dever-se-ia, pelo menos ter dito: ato que encerra o processo ou o procedimento em primeiro grau de jurisdição. Além disso, sempre houve casos em que a sentença é executada no próprio processo em que foi proferida (é o que se passa com as sentenças mandamentais e executivas). Então, se a sentença é executada naquele mesmo processo, isso significa que ela não pôs fim ao processo. Quanto muito, ela encerrou a fase cognitiva do processo, em primeiro grau.

85

82

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Volume III. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 654-655. 83

Ob. Cit., p. 655. 84

Neste sentido: DINAMARCO, idem, p. 653-654. 85

WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. V. 1. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.182-183.

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49

Teresa Arruda Alvim Wambier vislumbrava, inclusive, uma tautologia

no texto legal diante da adoção do critério topológico pelo art. 162, § 1º, sugerindo

sua revisão.86 Para a autora, então, o conteúdo seria o único elemento por meio

do qual as sentenças podem ser identificadas.87

Fato é que, como regra, o Código buscou simplificar a identificação

do recurso cabível contra as decisões88, de maneira que, pondo fim ao processo

(resolvendo ou não o mérito), tratava-se de sentença, atacável por apelação, já a

decisão interlocutória seria a que resolvesse questão incidente no curso do

processo, contra a qual caberia agravo.

O dispositivo de que aqui se trata sofreu alteração pela Lei nº

11.232/05 (que instituiu o chamado processo sincrético, com o estabelecimento

da fase de cumprimento de sentença no processo de conhecimento).

A nova redação passou a considerar como sentença o ato do juiz

que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do Código de

Processo Civil.

Verificou-se novamente, com isso, ênfase ao conteúdo como

elemento caracterizador da sentença, agora trazida pela lei.

86

Explicava a autora que, se de um lado a resposta sobre o que era sentença redundava em “ato do juiz que põe fim do processo”, do mesmo modo, era “sentença” a resposta dada ao questionamento sobre qual o ato do juiz que punha fim ao processo, não havendo, assim, uma resposta satisfatória, observado o texto da lei, sem que se recaísse nessa tautologia. 87

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.p. 28-30. Em seu Os agravos no Novo CPC (2006, p.107), a mesma autora, citando observação também feita por Cândido Rangel Dinarmarco, ressalta que, por vezes, o próprio legislador afastou-se da definição de sentença trazida pelo código (que tinha então como parâmetro o critério topológico), chamando de sentença decisões que não punham fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, como era o caso da declaração de insolvência do devedor (art. 761) e primeira sentença da prestação de contas (art. 915, § 2º), por exemplo. 88

Neste sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 2 – Processo de Conhecimento. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 410.

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Note-se que a mudança do texto da lei foi precedida de outras

alterações no Código que acabaram por não se compatibilizar com a definição

inicialmente trazida pelo art. 162, §1º, do CPC, baseada em critério unicamente

topológico.

Em 1994 veio o art. 461, relativo às obrigações de fazer e não fazer,

com execução da sentença nos mesmos autos em que proferida, e, em 2002, o

regramento também foi adotado para as obrigações de entrega de coisa, nos

termos do art. 461-A do diploma legal. Restou para a lei 11.232/05, pois, estender

a execução nos mesmos autos também para as obrigações consubstanciadas em

sentenças condenatórias a pagamento de quantia.89

A alteração dos elementos definitórios trazidos pelo Código, todavia,

desencadeou embates doutrinários quanto à suficiência do conteúdo como

caracterizador da sentença ou persistência, também, do critério topológico, ou

seja, se ambos deveriam estar concomitantemente presentes.

Luciano Vianna Araújo, em sede de dissertação de mestrado,

discorre sobre doutrina favorável ao critério apenas de conteúdo90, bem como

sobre a vinculada ao critério finalístico ou topológico, culminando por partilhar do

primeiro entendimento:

[...] não se pode mais exigir, como se lhe impunha a redação anterior, o efeito extintivo do procedimento em primeiro grau (ou, quem sabe, da aptidão de por término mesmo ao processo) como elemento caracterizante da sentença. E, assim, considerando (como deve ser) o conteúdo do pronunciamento jurisdicional, qualquer decisão judicial que

89

Neste sentido: WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord). Ob. Cit., p. 183. 90

Teresa Arruda Alvim Wambier coloca que “Os possíveis conteúdos materiais das sentenças vinham e vêm expressamente previstos nos arts. 267 e 269 do CPC. Sempre nos pareceu, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as distingue dos demais pronunciamentos do juiz. [...] A inadequação do critério da finalidade para distinguir a sentença dos demais pronunciamentos judiciais já passou a ser razoavelmente visível quando se incluiu no CPC do art. 461, com sua atual redação.” (in Nulidades do processo e da sentença, ob. cit., p. 30-31).

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se enquadre nas hipóteses dos arts. 267 e 269 do CPC possui a natureza de sentença.

91

Não raras, no entanto, foram as vozes no sentido de que o critério

topológico permaneceu ao lado do conteúdo para a conceituação de sentença,

tratando-se, pois, de adoção de um critério misto por nosso ordenamento jurídico.

Nessa toada, em obra conjunta, Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim

e Araken de Assis indicaram que, não tendo havido alteração do § 2º do art. 162

do CPC/73 (tal como ocorreu com o § 1º, por força da Lei nº 11.232/05), parece

que o critério para conceituação de sentença deveria ser misto, levando em conta

não somente o conteúdo, mas a circunstância de se tratar de decisão que

colocava fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição.92

Também sugerindo que o critério adotado não foi apenas o do

conteúdo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery assentam o que

segue:

Com o advento da L. 11232/05, que alterou o conceito de sentença estabelecido no CPC/1973 162 § 1º, houve modificação de rótulo, mas não de essência, pois referida lei manteve inalterado o conceito de decisão interlocutória: ato pelo qual o juiz, no curso do processo (portanto, o processo continua), resolve questão incidente, sendo para tanto irrelevante o seu conteúdo. [...] Da mesma forma, o sistema manteve vivo o instituto da extinção do processo, expressão que foi repetida pela L 11232/05, quando alterou a redação do CPC/1973 267 caput e quando previu a recorribilidade por apelação da extinção da execução (CPC/1973 475-M § 3º).

93

91

ARAÚJO, Luciano Vianna. Sentenças Parciais? Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Orientador: Prof. Dr. Cássio Scarpinella Bueno, 2010, p. 116. 92

In ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 369. 93

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 716.

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É evidente que o entendimento pela indispensabilidade ou não do

critério topológico gerou reflexos quanto ao reconhecimento das chamadas

sentenças parciais.

Em tópico próprio, será abordada a natureza jurídica da decisão que

julga parcela do mérito da causa no curso do processo, se sentença ou decisão

interlocutória (ou melhor, a qual dos conceitos jurídicos tal decisão se subsumia,

segundo aqui se entende), consignando-se, contudo, desde já, que, ainda que

normalmente a sentença seja proferida ao final do procedimento, decidindo todas

as ações versadas no processo, não há como ser considerado de tal maneira

absoluto o critério topológico na vigência do Código de Processo Civil de 1973, ou

melhor, entendendo-se pela manutenção do critério topológico (com o que

concordamos, como será oportunamente explicitado), deve ser ele concebido de

forma a admitir que a extinção parcial do processo (quanto a uma parte do mérito

nele envolvido) fosse entendida como sentença no sistema que precedeu o

Código de Processo Civil de 2.015.

Ainda que tenha gerado toda essa celeuma, deve-se apontar que a

alteração redacional do § 1º do art. 162 foi desencadeada pela necessidade de se

explicitar que com a sentença não haveria propriamente o fim do processo, em

razão da inserção da fase de cumprimento94, não tendo sido originado o projeto

da necessidade de admissão expressa da cisão do julgamento do mérito, o que

por alguns é apontado como fundamento para o descabimento desta.

O Novo Código de Processo Civil, em seu art. 203, § 1º, opta

explicitamente pelo critério misto ao estabelecer que “ressalvadas as disposições

expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio

94

É o que esclarece Carmona (em obra coletiva coordenada por Fernando Gonzaga Jayme, Juliana Cordeiro de Faria e Maira Terra Lauar: Processo civil – novas tendências. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 120), ao indicar que a intenção do anteprojeto elaborado pelo IBDP não era tratar da instituição das sentenças parciais, e sim adaptar o conceito de sentença à realidade do cumprimento das sentenças.

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do qual o juiz, com fundamento nos artigos 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do

procedimento comum, bem como extingue a execução.”.

Tratando do novo dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery ressaltam o critério adotado (embora, segundo eles, os critérios já

coexistissem na vigência do Código de Processo Civil de 1.973, após a Lei nº

11.232/05, como colocado linhas acima):

O pronunciamento do juiz só será sentença se a) contiver uma das matérias previstas no CPC 485 ou 487 (CPC 203, § 1º) e, cumulativamente, b) extinguir a fase cognitiva do processo comum ou a execução (CPC 203, § 1º), porque se o pronunciamento de natureza decisória for proferido no curso do processo comum ou de execução, isto é, sem que se lhe coloque termo, deverá ser definido como decisão interlocutória, impugnável, em regra, por agravo (CPC 1015).

95

A inconteste adoção do critério misto, entretanto, não foi dissociada

de uma alteração, também, do conceito de decisão interlocutória, possibilitando,

portanto, a previsão das decisões parciais de mérito, como será aludido no

capítulo destinado ao tratamento da temática no Novo Código de Processo Civil, o

que será oportunamente aludido.

2.2.2 A decisão interlocutória

Como já pincelado quando se tratou de sentença no presente

trabalho, o Código de Processo Civil de 1939 não dispunha sobre definições dos

conceitos dos provimentos jurisdicionais.

95

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. Cit., p. 716.

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54

Falava-se, genericamente, em decisão, o que trazia incerteza quanto

à configuração ou não como sentença, e, portanto, celeumas envolvendo o

recurso cabível.

Como mostra Cândido Rangel Dinamarco, os pronunciamentos eram

então designados simplesmente como decisões, podendo ser finais ou

interlocutórias - quanto às finais, poderiam ser definitivas (de mérito, contra as

quais cabia apelação) ou terminativas (que não julgavam o mérito) -, o que

ensejava dúvidas na eleição do recurso a ser interposto contra determinada

decisão.96

Não é demais ressaltar que o sistema recursal do Código de

Processo Civil de 1939 era sobremaneira distinto do de 1973 no que tange aos

meios impugnativos das decisões de primeiro grau.

Como aponta Luciano Vianna Araújo, referindo-se ao sistema

processual civil de 1.939 e citando a doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier,

tinha-se, então, o cabimento de apelação contra as sentenças que definissem o

mérito da causa, o de agravo de petição para as sentenças terminativas, e a

irrecorribilidade de muitas interlocutórias, excetuados os casos em que era

cabível o agravo de instrumento ou o agravo no auto do processo (elencados nos

artigos 842 e 851 daquele diploma legal).97

O Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 162, §2º, por sua

vez, passou a definir decisão interlocutória como “ato pelo qual o juiz, no curso do

processo, resolve questão incidente”, o que não foi alterado pela Lei n. 11.232/05.

Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e

Eduardo Talamini, considerando o texto do diploma legal supramencionado,

conceituavam decisão interlocutória como “o pronunciamento do magistrado, com

96

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. Volume 2. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 504. 97

ARAÚJO, Luciano Vianna. Ob. Cit., p. 31.

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caráter decisório, que não resolve o mérito da causa e não tem o efeito de

encerrar o processo ou o procedimento em primeiro grau.”98

O principal elemento característico de tal pronunciamento

jurisdicional trazido pela lei, portanto, era a resolução de questão incidente, o que

se reflete no entendimento pela admissão ou não de decisões interlocutórias de

mérito na vigência de tal Código de Processo Civil, o que será abordado no tópico

subsequente.

Teresa Arruda Alvim Wambier observa que a conformação das

decisões interlocutórias encampada originalmente pelo Código de Processo Civil

de 1.973 era relativamente próxima à das fontes romanas (indicadas pela autora

com base na doutrina de Egas Moniz de Aragão), por delas apartar a resolução

do mérito da causa, o que, portanto, deixava como alvo de críticas expressões

como sentença interlocutória ou interlocutória de mérito.99

A autora, entretanto, deixa claro que não estavam afastadas da

configuração como interlocutórias aquelas decisões que, embora não fossem de

mérito versassem sobre o mérito, como as antecipatórias de tutela.100

O novo diploma processual civil, sobre o qual o trabalho contemplará

análise específica posteriormente, por sua vez, além de ter deixado explícita a

adoção do critério misto para a configuração de sentença, como acima

mencionado, passou a conceituar as decisões interlocutórias, em seu artigo 203,

§ 2º, por critério excludente, e, portanto, de forma sobremaneira distinta da trazida

pelo diploma legal tratado no presente item.

98

Ob. Cit., p, 184. 99

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos do CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 102-103. No mesmo sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.369. 100

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Ob. cit., p. 103.

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56

Assim, é decisão interlocutória todo pronunciamento judicial que

tenha conteúdo decisório relevante e não se enquadre no conceito de sentença,

não mais havendo estrita vinculação às questões incidentes, o que guarda

consonância com a admissão de interlocutórias de mérito repercute nas demais

soluções adotadas pela novel legislação.

2.2.2.1 Decisões interlocutórias de mérito no CPC/73?

Como já fora referido, o Código de Processo Civil de 2015 modificou

a conformação do que se entendia antes por decisões interlocutórias, pacificando,

agora, a compreensão pela admissão do julgamento parcial de mérito por meio

delas.

Na vigência do CPC/1973, contudo, a definição de tal

pronunciamento jurisdicional trazida pela lei ensejava evidente celeuma sobre a

possibilidade de configuração do julgamento que versasse sobre parcela do

mérito como decisão interlocutória.

Isso porque as decisões interlocutórias eram vinculadas às

chamadas questões incidentes, o que, para alguns, afastava qualquer

possibilidade de que o mérito da demanda fosse objeto delas.101

De fato, a definição de questão incidente parece repelir de seu

âmbito o meritum causae.

101

Luciano Vianna Araújo [in Sentenças Parciais? Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Orientador: Prof. Dr. Cássio Scarpinella Bueno, 2010, p. 72–73], diante do Código de Processo Civil de 1.973, nega veementemente a possibilidade de decisões interlocutórias versarem sobre o mérito, opinando que aqueles que não toleravam as sentenças parciais, enquadrando o julgamento parcial do mérito como decisão interlocutória, feriam a conceituação legal dessa espécie de pronunciamento jurisdicional.

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Maria Helena Diniz brevemente define questão incidente (ou

incidental) como “alegação sobre incompetência, ilegitimidade ou falsidade, feita

por um dos litigantes no curso da demanda, resolvida de pronto pelo órgão

judicante por meio de decisão interlocutória, para que o processo continue, sob

pena de nulidade”.102.

Ainda que se entenda aqui que a definição acima indicada não

esteja completa (posto que não contempla a totalidade das questões incidentes,

que não se restringem apenas à incompetência, ilegitimidade ou falsidade),

denota que as questões incidentes são julgadas por meio de decisão

interlocutória, para que o processo continue (em direção à decisão de mérito que

ordinariamente se espera).

A questão incidental deve, portanto, ser extremada da decisão

principal, que “[...] encerra toda a problemática da lide, ou seja, a análise da

pretensão material do autor, resistida ou não satisfeita pelo réu”.103

Apesar da definição de decisão interlocutória trazida pela lei, havia

na doutrina relevantes entendimentos que encampavam a ideia de que tal

pronunciamento poderia abarcar o mérito do processo, sendo oportuno trazer aqui

algumas posições em tal sentido.

José Henrique Mouta Araújo, por exemplo, sustentava não haver

óbice à admissão das decisões interlocutórias de mérito, indicando que, inclusive,

elas já existiam em nosso sistema processual antes mesmo da inserção do § 6º

do art. 273 do CPC, de que se tratará com mais vagar oportunamente. Assim

coloca o autor:

[...] não vejo problemas na admissão da antecipação de parte da própria tutela, nos casos de pedidos cumulados sendo um ou parcela dele incontroverso. Aliás, a decisão do julgador terá força definitiva, sendo

102

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. 4. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 16. 103

É como define Marcos Afonso Borges in FRANÇA, Rubens Limongi (Coord.). Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 66.

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verdadeira decisão interlocutória de mérito. Da mesma forma, o conceito de decisão interlocutória de mérito também já existia no nosso direito processual, como, v.g., nos casos de indeferimento da inicial da reconvenção ou da denunciação da lide em face da decadência, extinguindo o processo com julgamento de mérito (art. 269, IV, c/c o art. 295, IV). Destarte, nos casos acima, como a atividade jurisdicional continuará em relação à outra ação, a decisão que enfrentar a reconvenção ou a denunciação da lide, com julgamento de mérito, terá eficácia definitiva, sendo, portanto, decisão interlocutória com força de mérito, perfazendo coisa julgada material.

104

Tratando do artigo 273, § 6º, do Código de Processo Civil de 1973,

Eduardo Arruda Alvim também enxerga a hipótese de decisão interlocutória,

embora configurando julgamento antecipado parcial da lide (e, portanto, versando

sobre o mérito).105

No mesmo sentido, e igualmente tratando de tal dispositivo legal,

José Henrique Mouta Araújo considera que:

[...] a intenção reformista, apesar de não estar estampada expressamente na nova redação do § 6º do art. 273 do CPC, é deixar claro que não se trata de mera antecipação de efeitos baseada em cognição sumária, mas sim o próprio julgamento parcial do pedido, com base em cognição exauriente e através de uma decisão interlocutória de mérito [...].

106

O entendimento pela configuração de decisão interlocutória de

mérito também é abraçado por José Roberto dos Santos Bedaque, para quem tal

figura é perfeitamente compatível com o sistema processual a que ora nos

referimos.107

104

In Tutela Antecipada do Pedido Incontroverso: estamos preparados para a nova sistemática processual? Revista de Processo, ano 29, n. 116, julho-agosto de 2004, p. 219-220. 105

ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da tutela. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.82-85. 106

ARAUJO, José Henrique Mouta. Ob. cit., p. 213. 107

BEDAQUE, José Roberto dos Santos apud MITIDIERO, Daniel. Direito fundamental ao julgamento definitivo da parcela incontroversa: uma proposta de compreensão do art. 273, § 6º, CPC, na perspectiva do direito fundamental a um processo sem dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII, CF/88). In Revista de Processo. Ano 32. N. 149. Jul/2007, p. 112.

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Cândido Rangel Dinamarco, em capítulo de sua obra Nova era do

processo civil especificamente destinado à ação rescisória contra decisão

interlocutória, coloca que não previu o legislador de 1.973 decisões parciais sobre

questões de mérito, sendo que as decisões interlocutórias destinar-se-iam apenas

à pronúncia sobre a ação, pressupostos processuais e requisitos para o

julgamento do mérito em geral, jamais sobre o mérito, concluindo, contudo, que,

considerada a hipótese de o juiz acabar por decidir parte do mérito no curso do

processo (cita exemplo em que houve pronunciamento afastando a prescrição),

tratar-se-ia de interlocutória, que, em virtude do seu conteúdo, seria de mérito,

contra a qual deveria ser admitida ação rescisória, se presentes os demais

pressupostos, seguindo-se a lógica do razoável tratada por Recaséns Siches.108

No Novo Código de Processo Civil, a toda evidência, nada obsta que

o mérito seja decidido por interlocutória, eis que tal espécie de provimento

jurisdicional passou a ser definida por critério excludente, sendo de cunho

interlocutório, portanto, todo pronunciamento judicial que tenha conteúdo

decisório e não se enquadre no conceito de sentença, não mais havendo estrita

vinculação às chamadas questões incidentes.

Entende-se aqui que, conquanto o novo diploma legal tenha

promovido a redefinição dos provimentos jurisdicionais, possibilitando o

enquadramento das decisões parciais de mérito como interlocutórias, na vigência

do Código de Processo Civil de 1973, a vinculação de tal pronunciamento às

questões incidentes fazia com que os julgamentos de que aqui se trata fossem

mais bem albergados pelo conceito de sentença, como será exposto no item que

segue.

108

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 289.

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60

2.2.3 Julgamento “antecipado” parcial do mérito na vigência do CPC/73:

sentença ou decisão interlocutória?

Foram trazidos acima alguns elementos acerca da definição de

sentença e decisão interlocutória, o que tem claro liame com a temática do

julgamento antecipado parcial do mérito.

Ora, uma vez admitida a ideia de que, sendo o objeto do processo

composto ou decomponível109, deveria ser possível decisão parcial acerca do

mérito (até mesmo para que fosse observada a duração razoável do processo, e,

com isso, o próprio acesso à justiça), tal concepção, na vigência do diploma

processual civil de 1973, demandava, também, uma conclusão a respeito da

natureza jurídica de tal provimento jurisdicional, se sentença ou decisão

interlocutória.

Ante a divergência existente, era imperioso que o Novo Código de

Processo Civil elegesse uma das opções, como efetivamente o fez, da forma que

será posteriormente abordada no presente estudo.

Serão analisados agora os entendimentos pela configuração de

sentença ou decisão interlocutória, a fim de subsidiar a conclusão sobre a

conformação de tal julgamento antes do advento do Código de Processo Civil de

2015.

Há que se ressaltar, contudo, que a situação de perplexidade

deixada pela falta de previsão legal específica (que permitisse o inconteste

enquadramento da decisão que resolvesse parcialmente o mérito da causa num

dos provimentos judiciais definidos em lei) era tal que havia na doutrina

importantes vozes sustentando que, embora tal decisão tivesse conteúdo de

109

DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 8ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013, p. 590.

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61

sentença, deveria ser tratada como decisão interlocutória para fins de

recorribilidade.

Era o que concluía Teresa Arruda Alvim Wambier, indicando

especificamente a hipótese do art. 273, § 6º, do CPC:

Há pronunciamentos judiciais que, embora proferidos no curso do processo, têm por conteúdo um dos incisos dos arts. 67 e 269 do CPC. É o que ocorre, por exemplo, quando o juiz afasta um dos autores do processo, em razão da prescrição do seu direito, ou indefere a petição inicial em relação a um dos réus, em virtude de ilegitimidade passiva ad causam deste. Semelhantemente, é o que ocorre quando o juiz julga uma das ações cumuladas, determinando o prosseguimento da demanda quanto à outra (cf. CPC, art. 273, § 6º, referido acima). Em tais situações, o pronunciamento pode ter conteúdo de sentença, mas assim não será considerado, para fins de recorribilidade. É que, em casos como os ora exemplificados, será necessário que o procedimento continue, para que o juiz examine os pedidos – rectius, as ações – que ainda não foram julgados, e, por tal razão, os autos devem permanecer perante o juízo de primeiro grau. Somente se considerará sentença o pronunciamento que resolver a lide (CPC, art. 269) ou declarar que isso não é possível (CPC, art. 267) em relação à integralidade das ações ajuizadas ou daquelas que remanesceram, depois que parte delas tiver sido julgada, no mesmo processo.

110

2.2.3.1 Entendimentos pela configuração de decisão interlocutória e suas

justificativas

Serão consignados aqui posicionamentos que ilustram a conclusão

de parcela da doutrina pelo enquadramento do julgamento “antecipado” parcial do

mérito como decisão interlocutória na vigência do Código de Processo Civil de

1.973, eis que, embora dele discordemos, entende-se relevante apontar seus

fundamentos.

110

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 112.

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62

Frise-se, desde logo, que a conclusão segundo a qual o julgamento

parcial e antecipado do mérito configurava decisão interlocutória implicava

admissão das interlocutórias de mérito, como acima delineado.

Tal não foi o posicionamento abraçado por Daniel Mitidiero111, que,

contudo, menciona a doutrina de Fredie Didier Júnior e José Roberto dos Santos

Bedaque, que esposam entendimento diverso do dele:

Discute a doutrina se a decisão que decide definitivamente parcela da demanda é uma decisão interlocutória ou uma sentença. Defendendo o primeiro alvitre, escreve Fredie Didier Júnior que se trata de uma ‘decisão interlocutória apta à coisa julgada material’. De seu turno, José Roberto dos Santos Bedaque referia que eventual julgamento antecipado parcial dar-se-ia por uma ‘decisão interlocutória de mérito’, figura essa ‘perfeitamente compatível com o sistema processual’.

112

No mesmo sentido, Eduardo Arruda Alvim113, que, a respeito do art.

273, §6º, do CPC, reconhecendo se tratar de efetivo julgamento antecipado

parcial da lide e não tutela antecipada, assenta que a decisão é de cunho

interlocutório, por não colocar fim ao processo (enquadra-se o autor dentre

aqueles que, como dito acima, consideram ter remanescido o critério topológico

para a configuração de sentença, eis que não alterado o § 2º do art. 162 do CPC).

Também José Henrique Mouta Araújo apresenta tal conclusão,

citando o posicionamento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,

pois considera que, como a atividade jurisdicional não será integralmente cessada

(continuará em relação à ação remanescente), a decisão é interlocutória, mas

com eficácia definitiva, por se tratar de julgamento de mérito, decorrente de

cognição exauriente.114

111

O autor, como explicitaremos oportunamente, entende pela configuração de sentença. 112

MITIDIERO, ob. cit., p, 112. 113

ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da Tutela. Curitiba: Juruá, 2009, p.85-86. 114

ARAUJO, José Henrique Mouta. Ob. cit., p. 219-220.

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63

Cassio Scarpinella Bueno, embora reconheça o conteúdo de

sentença (assim como o faz Teresa Arruda Alvim Wambier, citada linhas acima),

também entende que faz as vezes de decisão interlocutória, sendo, pois,

recorrível por agravo.115 Observe-se, ipsis literis, o entendimento do autor,

tratando do art. 273, § 6º, do CPC:

A decisão que “antecipa a tutela” com base no § 6º do art. 273 e, mesmo, uma sentença? A resposta é fácil quando se voltam os olhos à dinâmica procedimental desempenhada pela sentença e não ao seu conteúdo. É que, não obstante as alterações promovidas pela Lei n. 11.232/05 nos arts. 162, § 1º, 269, caput, e 463, caput, não é possível, de acordo com o sistema adotado pelo Código de Processo Civil (e não alterado por aquela lei) definir sentença só pelo seu conteúdo, como está a fazer, doravante, o art. 162, § 1º. A sua função ainda é relevante. Sentença é o ato que declara o fim da fase de cognição; interlocutória é a decisão que resolve questões incidentes ao longo do processo. A decisão proferida com base no art. 273, § 6º, embora tenha conteúdo de sentença – ela aprecia o pedido e o acolhe nos termos do art. 269 -, não põe fim à fase de cognição, mas se limita a resolver questão incidente. Justamente porque ela resolve a lide “parcialmente” e porque há ainda outra “parcela da lide” para ser resolvida, não há como entender, não obstante o seu conteúdo, que se trata de sentença. [...] Não é diferente, de resto, o que ocorre quando há exclusão de litisconsortes, rejeição de reconvenção, de ação declaratória incidental, de denunciação da lide e coisas tais, mesmo com o advento da Lei n. 11.232/05. O ato, como todo mundo sabe, é (deveria ser) sentença, porque tem “conteúdo” de sentença (art 162, § 1º, c/c os arts. 267, caput, e 269, caput), mas, procedimentalmente, faz as vezes de uma decisão interlocutória, e, por isso, fica sendo recorrível pelo agravo.

116

O entendimento pela configuração de decisão interlocutória é em

muito baseado na manutenção do critério finalístico para a definição de sentença

(tal como já fora abordado linhas acima), e também decorrente de uma visão

diferenciada daquilo que se pode enquadrar como questão incidente, que delimita

a definição de decisão interlocutória no texto do Código de Processo Civil de

1973, viabilizando que verse sobre o mérito, do que aqui se discorda, pelas

razões que ficarão mais claras no subitem a seguir.

115

O autor, no entanto, não deixa de consignar a existência de entendimento pelo cabimento de apelação, assentando que não há como não se dizer acertada, pelo que, enquanto doutrina e jurisprudência analisam a questão, deve ser aplicado o princípio da fungibilidade recursal (BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 61). 116

BUENO, Cássio Scarpinella. Ob. cit., p.50-60.

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2.2.3.2 A conclusão pela configuração de sentença

Dois eram os grandes principais óbices para a compreensão do

julgamento antecipado parcial como sentença na vigência do Código de Processo

Civil de 1973.

O primeiro deles, já indicado anteriormente, era a definição de

sentença, de início vinculada evidentemente a um critério finalístico.

Já fora outrora mencionado que a Lei nº 11.232/05 alterou a

definição originalmente trazida pelo Código de Processo Civil de 1.973, passando

a dar relevo ao conteúdo como elemento caracterizador do ato jurisdicional.

A partir de então, ainda que remanescendo resistências (baseadas

principalmente no dogma da unicidade, de que se tratará a seguir, e na

persistência do critério finalístico para a configuração de sentença, mesmo após a

mudança legislativa, notadamente em razão da manutenção da definição de

decisão interlocutória, vinculada às questões incidentes), passou a ser mais bem

aceita a possibilidade de serem prolatados julgamentos parciais de mérito no

curso do processo, discussão muito antes surgida, embora com restrições ainda

maiores em razão do conceito de tal pronunciamento jurisdicional outrora

estampado em nosso diploma processual civil.117

Entendendo que o julgamento antecipado parcial do mérito, na

vigência do Código de Processo Civil de 1973, como hoje se apresenta,

configurava sentença, Luciano Vianna Araújo coloca que:

117

Como já mencionado acima, a suposta impossibilidade de cisão do julgamento seria inaceitável entrave à efetividade do processo, inviabilizando o julgamento da parcela do mérito que já estivesse pronta para tanto, pelo simples fato de haver outra ainda dependente de dilação probatória.

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A Lei 11.232/2005 modificou, conceitualmente, o sistema processual civil, em especial quando se imagina a possibilidade de o magistrado proferir, ao longo do mesmo procedimento (e de maneira generalizada), mais de uma sentença, haja vista o teor do § 1º do art. 162 do CPC, o qual não exige mais a extinção do processo como elemento definidor do ato judicial.

118

O autor, inclusive, refuta a existência de decisões interlocutórias de

mérito, em razão do texto do art. 162, § 2º, do CPC, assentando que o pedido

formulado pelo autor jamais poderia ser enquadrado como questão incidente, de

maneira que, compondo o mérito da causa, o ato que o decide deve ser

qualificado como sentença.119

Daniel Mitidiero também conclui pela configuração de sentença,

antes do advento do Novo Código de Processo Civil, fundamentando seu

entendimento na definição legal dos atos jurisdicionais:

Nosso Código busca extremar uma sentença de uma decisão interlocutória alçando mão do critério da definitividade da apreciação jurisdicional. A sentença é o ato do juiz que implica na análise definitiva (isto é, com preclusão consumativa para o juiz) das matérias postas nos arts. 267 e 269, CPC (conforme arts. 162, § 1º, 267, 269 e 463, CPC). Em sendo assim, não há como negar natureza de sentença à decisão que encerra a apreciação jurisdicional de conhecimento no que concerne à parcela incontroversa de um pedido ou que julga um dos pedidos incontroversos formulados em regime de cumulação simples.

120

O segundo óbice encontrado pelos que manifestam entendimento

contrário à possibilidade de sentenças parciais no processo na vigência do

Código de Processo Civil de 1973 é a unicidade apontada como característica de

118

ARAÚJO, Luciano Vianna. Sentenças Parciais? Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Orientador: Prof. Dr. Cássio Scarpinella Bueno, 2010, p. 115. 119

ARAUJO, ob. cit, p. 117-118. 120

MITIDIERO, Daniel. Direito fundamental ao julgamento definitivo da parcela incontroversa: uma proposta de compreensão do art. 273, § 6º, CPC, na perspectiva do direito fundamental a um processo sem dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII, CF/88). Revista de Processo, Ano 32, n. 149, julho/2007, p. 113.

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tal pronunciamento judicial, partindo-se, pois, da concepção de que todo o mérito

deveria ser julgado de uma só vez, no mesmo momento.

Na obra “Capítulos de Sentença”, Cândido Rangel Dinamarco,

embora reconhecendo que a sentença é cindível em capítulos mais ou menos

autônomos, ensejando isso diversas consequências no processo121, não deixa de

consignar que se trata de um provimento formalmente único, que comporta um só

recurso.122

O doutrinador, então, repele a cisão do ato de julgar123, ou seja, a

“antecipação” da decisão de parcela do mérito:

Diferente da divisão da sentença em capítulos é a cisão do julgamento, consistente em antecipar a decisão de alguma questão de mérito suscitada pelas partes, pronunciando-se o juiz sobre ela antes de proferir sentença. Essa prática é absolutamente contrária ao sistema, porque todas as questões relacionadas com o mérito devem ser julgadas em um ato só, como emerge do comando contido no art. 459 do Código de Processo Civil. É na sentença que o juiz acolhe ou rejeita, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor (art. 459). Essa prática transgride também o disposto no art. 458, II, do Código de Processo Civil, segundo o qual é na motivação da sentença que o juiz deve examinar as questões relativas ao meritum causae. Tal é o princípio da unicidade da sentença, que só pode ser contrariado quando uma específica norma de direito o autorizar (Liebman).

124

O mesmo autor, ao tratar da inserção do § 6º no art. 273 do CPC

(abordado de forma mais específica em item próprio deste estudo), chega a

lamentar a opção legislativa, apontando que o legislador não quis ousar mais,

autorizando o julgamento antecipado parcial do mérito, como fez o Código

121

Consignem-se, como exemplos de repercussões dos capítulos de sentença na teoria desta a possibilidade de reconhecimento de nulidades tão-somente parciais de tal ato jurisdicional quando não houver relação de dependência entre o capítulo viciado e os demais, ou em casos de sentença ultra, citra ou extra petita, e, no campo da teoria dos recursos, o recurso parcial. 122

DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 115. 123

Data venia, criticável o posicionamento do ilustre doutrinador, posto que a por ele defendida impossibilidade de cisão do julgamento do mérito vai de encontro à ideia de instrumentalidade e efetividade por ele também propagada. 124

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Volume III. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.671.

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67

Italiano, indicando a rigidez do procedimento brasileiro, em que a sentença deve

ser uma só.125

Ocorre que a imperiosidade de que o mérito fosse julgado

integralmente em um só momento podia, por vezes, se mostrar contrária à

efetividade do processo, implicando que, mesmo que parcela do mérito estivesse

em condições de julgamento, devesse aguardar que o restante, pendente de

dilação probatória, também estivesse.

A unicidade da sentença, portanto, podia acabar sendo vista como

um intransponível óbice ao julgamento parcial do mérito.

Não se deve ignorar, também, a força da doutrina de Chiovenda

para aqueles que resistiam à admissão das sentenças parciais. Luciano Vianna

Araújo, contudo, indica a inadequação desse fundamento doutrinário para tal

postura, assentando tratar-se de uma leitura equivocada das lições do mestre

italiano, que pugnava pela concentração dos atos processuais e irrecorribilidade

das interlocutórias, justificáveis no processo oral. Indica o autor, então, que o

próprio Chiovenda buscou sanar o equívoco em suas Instituições de Direito

Processual Civil, tratando das sentenças definitivas, embora parciais, em caso de

vários processos reunidos ou demandas cumuladas num só processo.126

De fato, na referida obra, em edição que conta com notas de

Liebman, fica claro que as sentenças definitivas são classificadas pelo doutrinador

italiano em definitivas sobre o mérito e absolutórias da observância do processo

(caso em que o juiz manifesta não poder prover quanto ao mérito), bem como que

podem decidir o mérito no todo ou em parte, não se vislumbrando resistência do

doutrinador à admissão do julgamento fracionado do mérito.127

125

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 96. 126

ARAUJO, Luciano Vianna. Ob. cit., p. 37-38. 127

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. Tradução da 2ª edição italiana por J. Guimarães Menegale. Notas por Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva, 1.945, p.48.

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68

A doutrina, atenta à necessidade de uma leitura das normas

processuais de forma consentânea aos ditames constitucionais, passou a

reconhecer o enfraquecimento do dogma da unicidade, evitando que fosse

ilegitimamente aviltada a efetividade do processo, e, com isso, o real acesso à

justiça.

Sidney Pereira de Souza Junior explicita que o entendimento pela

unicidade e unidade da sentença, que deveria abarcar de uma só vez todos os

pedidos constantes do processo constituía verdadeiro dogma, contrário à

possibilidade de cisão do julgamento, mesmo quando houvesse pedido apto a

imediata apreciação, demonstrando que isso vinha, na vigência do Código de

Processo Civil de 1.973, gradativamente, perdendo força dentro da sistemática

processual civil. 128

Cássio Scarpinella Bueno, também tratando da lei que inseriu o § 6º

no art. 273 do Código de Processo Civil de 1.973, conclui pelo rompimento com o

dogma da unicidade do julgamento. Observe-se:

[...] vale a pena destacar que grande parte da doutrina que se debruçou no dispositivo lamentou que a modificação trazida ao processo civil pela Lei n. 10.444/2002 foi tímida no que diz respeito a não ter rompido com o velho princípio (quiçá um dogma) processual civil, o da “unidade ou unicidade” do julgamento. Em termos bem simplificados, por esse princípio, a “ação” tal qual proposta (a totalidade do pedido ou todos os pedidos cumulados), deve ser julgada de uma vez só. Inviável o “desmembramento” ou a “fragmentação” da “ação”. Com todas as vênias de estilo, o § 6º do art. 273 parece ir na contramão dessas afirmações. Parece que ele rompeu mesmo e em definitivo com o velho princípio (dogma) da unidade do julgamento, admitindo, quando a hipótese é de sua incidência, o desmembramento ou fragmentação do julgamento.

129

128

SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira de. Sentenças parciais no processo civil e suas consequências no âmbito recursal. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Orientadora: Prof. Dr.ª Teresa Arruda Alvim Wambier, 2007, p. 15-18. 129

BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela antecipada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 53.

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69

Bruno Garcia Redondo130 chega a se referir à unicidade como

verdadeiro mito, alertando a que o Código de Processo Civil de 1.973 jamais

vedou a prolação de mais de uma sentença no curso do mesmo processo.

O entendimento pela caracterização de determinada decisão como

sentença apenas pelo seu conteúdo, em razão da reforma aqui tratada, já foi

utilizado para subsidiar a possibilidade de verdadeiras sentenças parciais no

processo, uma vez que, para alguns, o afastamento do critério topológico foi

exatamente o grande salto para o reconhecimento da admissão delas em nosso

sistema. É o que se extrai da conclusão de Luciano Vianna Araújo em sua

dissertação de mestrado:

A Lei 11.232/2005 modificou, conceitualmente, o sistema processual civil, em especial quando se imagina a possibilidade de o magistrado proferir, ao longo do mesmo procedimento (e de maneira generalizada), mais de uma sentença, haja vista o teor do § 1º do art. 162 do CPC, o qual não mais exige a extinção do processo como elemento definidor daquele pronunciamento jurisdicional.

Não é, entretanto, o que aqui se defende.

Ora, não há como se negar que, normalmente, de fato, a sentença

será o ato final do processo em primeiro grau de jurisdição, com o intuito de nele

por fim, o que não se entende ter sido modificado pela Lei nº 11.232/05.

Explica-se: apesar de ter sido modificada a definição de sentença

por tal diploma legal, não houve alteração do § 2º do artigo 162 do Código de

Processo Civil de 1.973, mantendo-se as decisões interlocutórias vinculadas às

questões incidentes, pelo que parece que o critério topológico para definição de

sentença ficou mantido, ou seja, enquanto as interlocutórias decidem questões

130

In Sentença parcial de mérito e apelação em autos suplementares. Revista de Processo, ano 33. Nº 160. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.147.

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que incidem no curso do processo, a sentença tende a nele colocar fim à fase

processual em que fora proferida.

Por outro lado, entende-se que, mesmo sendo normalmente

proferida ao final do procedimento em primeiro grau de jurisdição, não há como

ser considerado absoluto o critério topológico para configuração de sentença de

mérito na vigência do Código de Processo Civil de 1973, ou que todo o feixe de

ações reunidas no mesmo processo deva ser resolvido pelo pronunciamento

jurisdicional para que ele seja enquadrado na definição legal de sentença.

Considera-se aqui que, para que seja devidamente aplicado, em sua

inteireza, o princípio do acesso à justiça, não há como se concluir, em qualquer

caso, que, na vigência do Código de Processo Civil de 1.973, era imprescindível

que a decisão de mérito fosse proferida em sua integralidade ao final do

procedimento.

Já se assentou que a cisão do julgamento do mérito atende à

razoável duração do processo, pois se o jurisdicionado optou pela cumulação de

pedidos cindíveis, ou se, num dado momento, for possível a cisão do mérito em

parcelas autônomas, não se pode admitir que a parte já apta para julgamento

definitivo deva aguardar aquela que ainda depende de alguma dilação.

Ora, havendo vários pedidos, tem-se, na verdade, mais de uma ação

abarcada pelo mesmo processo, ou seja, cada uma delas poderia ter sido

proposta autonomamente.

Assim, quando há decisão acerca de parcela do mérito, há, em

suma, decisão sobre a integralidade do mérito de uma ação que poderia ter sido

veiculada em processo próprio.131 A sentença, pois, ainda que parcial, tem

131

José Carlos Barbosa Moreira, ainda que não trouxesse a questão sob o ponto de vista que aqui externamos (qual seja, que mesmo o entendimento pela manutenção do critério topológico para definição de sentença permitia a conclusão pela existência de sentenças múltiplas no processo, na vigência do CPC/73), alude aos casos de cumulação de ações, indicando que cada uma dessas

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71

aptidão para por fim àquela parcela do processo, que configura uma ação cindível

da que ainda permanecerá em discussão.

Com isso, quer-se indicar que nem mesmo o entendimento pela

manutenção do critério topológico para a definição de sentença é capaz de

afastar a conclusão pela possibilidade de julgamentos parciais do mérito ou por

seu enquadramento em tal categoria dentre os pronunciamentos jurisdicionais.

Fica fixado, portanto, que os julgamentos parciais de mérito, na

vigência do Código de Processo Civil de 1.973, poderiam ser perfeitamente

enquadrados no conceito de sentença e que isso independia, inclusive, de ser

abraçado o entendimento pela subsistência apenas do critério de conteúdo para a

definição de tal pronunciamento jurisdicional após a Lei nº 11.232/05 (aqui sem

necessidade de maiores digressões) ou de ser mantido o critério topológico (a

conclusão acima externada é apta, inclusive, a ser aplicada ao sistema

processual civil brasileiro anterior à lei aqui indicada).

Recente decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, contudo,

abraçou entendimento contrário ao aqui esposado, sustentando-se, exatamente,

nos dois óbices que foram indicados no presente capítulo (aqui considerados

insubsistentes): a manutenção do critério finalístico para definição de sentença

(mesmo após a Lei n. 11.232/05) e a unicidade. Observe-se:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. REFORMA PROCESSUAL. LEI Nº 11.232/2005. ADOÇÃO DO PROCESSO SINCRÉTICO. ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE SENTENÇA. INCLUSÃO DE MAIS UM REQUISITO NA DEFINIÇÃO. CONTEÚDO DO ATO JUDICIAL. MANUTENÇÃO DO PARÂMETRO TOPOLÓGICO OU FINALÍSTICO. TEORIA DA UNIDADE ESTRUTURAL DA SENTENÇA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO. INADMISSIBILIDADE. CISÃO INDEVIDA DO ATO SENTENCIAL. ART. 273, § 6º, DO CPC E NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se as alterações promovidas pela Lei nº 11.232/2005 no conceito de sentença (arts. 162, § 1º, 269 e 463 do

partes valeria por uma sentença (in Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e rescindibilidade. Revista de Processo, ano 31, nº 142. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 14).

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CPC) permitiram, na hipótese de cumulação de pedidos, a prolação de sentença parcial de mérito, com a resolução definitiva fracionada da causa, ou se ainda há a obrigatoriedade de um ato único para resolver integralmente o mérito da lide, pondo fim a uma fase do processo. 2. (omissis). 3. (omissis). 4. A novel legislação apenas acrescentou mais um parâmetro (conteúdo do ato) para a identificação da decisão como sentença, pois não foi abandonado o critério da finalidade do ato (extinção do processo ou da fase processual). Permaneceu, dessa forma, no Código de Processo Civil de 1973 a teoria da unidade estrutural da sentença, a obstar a ocorrência de pluralidade de sentenças em uma mesma fase processual. 5. A sentença parcial de mérito é incompatível com o direito processual civil brasileiro atualmente em vigor, sendo vedado ao juiz proferir, no curso do processo, tantas sentenças de mérito/terminativas quantos forem os capítulos (pedidos cumulados) apresentados pelo autor da demanda. 6. (omissis). 7. (omissis). (Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Recurso Especial 2011/0224837-2. Data do Julgamento: 05.05.2015. Dje 20.05.2015).

Ousamos aqui, portanto, data venia, discordar do entendimento

adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ante a conclusão de que, apesar de

prima facie ser sobremaneira dificultoso enquadrar o julgamento “antecipado”

parcial do mérito perfeitamente em uma das espécies de pronunciamento

jurisdicional trazidas pelo CPC/73, o exercício interpretativo que acima foi

consignado permite assentar que a decisão amoldava-se na definição de

sentença, apartando-se da decisão interlocutória, esta vinculada à resolução de

questões incidentes.

2.2.4 Consequências recursais e relativas à ação rescisória em caso de

julgamento antecipado parcial no sistema do CPC/73

Mesmo com a (necessária) admissão do julgamento antecipado da

parcela madura do mérito na vigência do Código de Processo Civil de 1.973 (que

continha regramento insuficiente para conferir segurança jurídica quanto às

consequências de sua aplicação), persistiam na doutrina embates relativos ao

que disso era decorrente, a saber, o recurso cabível e sua forma de

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processamento, a admissão de ação rescisória e o cômputo do prazo decadencial

para sua propositura, o que não podia deixar de ser aqui referido, ainda que

brevemente.

2.2.4.1 O recurso contra a decisão que julga antecipadamente parcela do mérito:

agravo ou apelação?

A dificuldade de enquadramento do julgamento antecipado parcial

do mérito dentre as espécies de pronunciamentos jurisdicionais na vigência do

Código de Processo Civil de 1973 também ensejava reflexos relativos à espécie

recursal adequada para impugná-lo.

Nem mesmo a conclusão a respeito da natureza jurídica da decisão

era capaz de suplantar a dúvida quanto ao cabimento de apelação ou agravo, eis

que havia manifestações no sentido de que caberia agravo, mesmo com

entendimento pela configuração de sentença (apesar da quebra da

correspondência recursal), ou, ainda, quem concluísse pela necessidade de

adaptação dos recursos legalmente previstos para atender às particularidades de

tais decisões, com o manejo de apelação com formação de autos suplementares

(para que não houvesse paralisação da marcha processual) ou com a aplicação

de atributos do recurso de apelação ao agravo, como será explicitado a seguir.

Considerando que o presente estudo não enfoca especificamente a

questão recursal relativa ao julgamento antecipado parcial do mérito, serão

apenas trazidos alguns entendimentos doutrinários que demonstram a amplitude

da celeuma e permitem sobre ela trazer alguma conclusão.

Para tanto, entende-se oportuno fazer referência às diversas

manifestações encontradas na doutrina quanto ao cabimento de apelação ou de

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agravo, com os argumentos que as sustentam, para, posteriormente, estabelecer

o que aqui se entende.

Para Eduardo Talamini (que, em obra destinada ao estudo do

saneamento do processo, aponta para a possibilidade de julgamento antecipado

parcial do mérito em tal fase processual) a decisão não configura sentença, mas

sim decisão interlocutória (ao final, a sentença incorporaria tal decisão, sendo

apenas tal o ato destinado a fazer coisa julgada), contra a qual seria cabível o

recurso de agravo, portanto, recurso sem efeito suspensivo automático.132

Noutro giro, Bruno Garcia Redondo entende tratar-se de sentença,

contra a qual seria cabível o recurso de apelação, mas vislumbra a necessidade

de admissão do processamento de tal recurso com a formação de autos

suplementares, justificando isso com a impossibilidade de paralisação da

instrução restante do processo, quanto aos pedidos ainda não resolvidos, em

razão do processamento e julgamento da apelação, pelo que os autos principais

não poderiam ser levados à instância superior para apreciação do recurso.133

Daniel Mitidiero, que, tendo por base o Código de Processo Civil de

1.973, também entende que a decisão parcial de mérito configura sentença,

defende o cabimento de agravo, mas aponta a necessidade de que se confira ao

recurso substância de apelação. Observe-se:

[...] nosso Código hoje contempla a possibilidade de cisão na apreciação do mérito da causa. Caracterizada essa decisão como uma sentença parcial de mérito, que é uma sentença que ocorre no curso do processo, surge o problema: qual o recurso cabível? Enquanto o direito brasileiro não contar com uma apelação incidente (ou parcial), por instrumento, o recurso contra a sentença parcial tem que ser o de agravo de instrumento. Em substância, porém, trata-se de apelação, motivo pelo qual se pode e deve admitir, por exemplo, embargos infringentes do julgamento desse peculiar agravo, desde que concorram os demais requisitos de cabimento desse recurso (art. 530 do CPC). Admite-se, igualmente, sustentação oral (art. 554, CPC), sendo necessário revisor

132

TALAMINI, Eduardo. Saneamento do processo. Revista de Processo, ano 22, n. 86, abril-junho de 1997.p. 91-96. 133

REDONDO, Bruno Garcia. Sentença parcial de mérito e apelação em autos suplementares. Revista de processo, ano 33, n. 160. Junho/2008.p. 153.

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(art. 551, CPC). O mesmo se diga do regime aplicável aos recursos especial e extraordinário: desse agravo caberá tais recursos sem que esses restem retidos nos autos. De resto, desse julgamento caberá, ainda e eventualmente, ação rescisória.

134

Eduardo Arruda Alvim aponta soluções para o problema recursal de

que aqui se trata, valendo-se, para tanto, do cotejo da hipótese do art. 273, § 6º

(que para ele configuraria decisão interlocutória), com a sentença a que se refere

o art. 330, ambos do CPC/73, concluindo pelo cabimento de agravo:

[...] são duas as soluções para tentar preservar a harmonia do sistema: ou a parte se utiliza de solução que não encontra respaldo em texto expresso de lei (o processo continua com relação ao pedido não julgado em autos suplementares e o recurso cabível é o de apelação), ou, ainda, outra solução para o problema seria, mediante concessão de antecipação de tutela, dotar a sentença que julga antecipadamente a lide de eficácia imediata, de modo a retirar do recurso contra ela interponível o efeito suspensivo que, em princípio, teria. Esta última, em nosso entender, a solução mais adequada, pois não quebra a harmonia recursal e preserva a compatibilidade do § 6º do art. 273 com o art. 330. Se não decorre do texto expresso da lei, esta última alternativa parece decorrer da interpretação sistemática de tal dispositivo.

135

Luciano Vianna Araújo entende tratar-se de sentença parcial, mas

defende a interposição de agravo de instrumento contra ela, pela falta de previsão

legal para a apelação por instrumento.136

Sidney Pereira de Souza Júnior - que bem trabalhou a questão

recursal em sua obra, elegendo-a como tema central, justificando seu

posicionamento na necessidade de prosseguimento do processo em primeiro

grau, para julgamento das demais demandas, e, portanto, na impossibilidade

134

MITIDIERO, Daniel. Direito fundamental ao julgamento definitivo da parcela incontroversa: uma proposta de compreensão do art. 273, § 6º, CPC, na perspectiva do direito fundamental a um processo sem dilações indevidas (art. 5º LXXVIII, CF/88). Ob. cit., p. 115-116. 135

ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da tutela. Curitiba: Juruá, 2009, p. 88. 136

Ob. cit., p. 204.

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prática de encaminhamento imediato do processo ao Tribunal, defende a

interposição de agravo para impugnação das sentenças parciais.137

Teresa Arruda Alvim Wambier, que, como dito anteriormente, já

defendia ser o conteúdo o elemento distintivo entre a sentença e os demais

pronunciamentos jurisdicionais, embora reconheça o conteúdo de sentença no

julgamento antecipado parcial do mérito, durante a vigência do Código de

Processo Civil de 1.973, aduz que o ato não devia ser assim considerado para

fins de recorribilidade, haja vista a necessidade de que o procedimento

continuasse perante o juízo originário, para que houvesse decisão quanto aos

pedidos ainda não julgados (o que, então, com a interposição de apelação, seria

protelado), não tendo sido esgotada toda a atividade em relação a todas as ações

tratadas no processo. Assim, entende pelo cabimento de agravo.138

Concluindo pelo cabimento de apelação em face da decisão que

reconhece ser sentença, Fábio Milman, elenca as vantagens de tal recurso, como

o efeito suspensivo automático (em regra), a possibilidade de sustentação oral, a

não incidência do regime de retenção dos recursos especial e extraordinário

(como ocorre em relação aos interpostos contra decisão que julga o agravo de

instrumento) e a submissão do feito a revisor.139

Como se vê, dada a falta de previsão legal que contemplasse o

enquadramento do julgamento da parcela madura do mérito dentre os

provimentos jurisdicionais, indicando a espécie recursal cabível, a temática estava

longe de ser uníssona na doutrina, o que, evidentemente, era prejudicial à

previsibilidade do sistema.

137

Ob. Cit., p. 124. 138

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. Ob. cit., p. 112-113. 139

Ob. cit., p. 166.

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Tem-se, de fato, contudo, que, com a conclusão pela configuração

de sentença, nada obstaria a interposição de recurso de apelação para atacar tal

decisão.

Ora, entende-se que não se poderia concluir pelo cabimento de

recurso diverso contra um ato que se qualificava como sentença (como já se

afirmou acima) apenas em razão de eventual dificuldade vislumbrada em seu

processamento, notadamente se isso levava em consideração somente a

tramitação dos processos de forma física.

Sendo interposto o recurso de apelação, caberia ao juízo permitir

adequadamente o seu imediato processamento e remessa à instância recursal

competente140, sem que isso obstasse o prosseguimento do feito em relação à

parcela do mérito ainda pendente de julgamento.

Além disso, como aludido acima, essa dificuldade no manejo dos

autos (ensejada pela existência de um recurso de apelação no mesmo feito em

que parcela do mérito ainda pendia de julgamento em primeiro grau) apenas se

referia aos processos que tramitam em meio físico.

Com o advento da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006,

estabeleceu-se em nosso sistema a tramitação dos processos em meio

eletrônico, o que, paulatinamente, passou a ser concretizado, tendendo, portanto,

a suplantar essa situação que era apontada como óbice ao cabimento de

140

Fábio Milman (in Novo Conceito legal de sentença e suas repercussões recursais. Revista de Processo, ano 32, nº 150. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 167-168) traz exemplo da prática forense em que houve processamento de recurso de apelação contra decisão parcial, em que o juízo prolator da decisão expressamente a denominou sentença parcial , esclarecendo que, contra ela caberia apelação, e que, sendo necessário o prosseguimento do feito para instrução e resolução da lide ainda pendente, ordenou à escrivania a formação de autos suplementares parciais (aponta o autor que se refere a decisão proferida pelo Juiz de Direito Pedro Luiz Pozza, aos 14.03.2006, nos autos do processo nº 001/10.522.676.506, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre-RS).

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apelação contra a decisão que julgava parcialmente o mérito na vigência do

Código de Processo Civil de 1.973 (com os autos tramitando em meio eletrônico,

não haveria óbice a que o tribunal competente conhecesse do recurso, e, ao

mesmo tempo, a parcela do mérito pendente de julgamento em primeiro grau

continuasse sendo regularmente processada).

A ideia defendida vai ao encontro da necessidade de se interpretar o

sistema de forma a conferir coesão aos elementos que o compõem, evitando,

pois, que o julgamento parcial do mérito seja objeto de recurso diverso – e com

efeitos e regras incidentes em sua tramitação também díspares - do destinado ao

julgamento integral dele (seja antecipado ou não).

Não se pode deixar de referir, entretanto, que, diante de tal situação

de evidente dúvida objetiva (não havendo previsão legal específica quanto à

configuração de sentença ou decisão interlocutória, e cabimento de apelação ou

agravo), concretamente, devia ser aplicada a fungibilidade.141

141

Cássio Scarpinella Bueno, que entende pelo cabimento de agravo na hipótese aqui tratada, não deixa de reconhecer que a opção pela sentença também era acertada, colocando, em relação à celeuma, que “[...] a hipótese, enquanto doutrina e jurisprudência a analisam, é de aplicação do princípio da fungibilidade recursal: ninguém deve ser prejudicado porque há tanta dúvida, na doutrina e na jurisprudência, acerca da natureza jurídica do ato jurisdicional e, consequentemente, do recurso dele interponível.” (in Tutela Antecipada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.61). Teresa Arruda Alvim Wambier trata da aplicação da fungibilidade em caso de dúvida objetiva em relação ao cabimento de agravo ou de apelação: “[...] o princípio da fungibilidade, embora a lei vigente não contenha preceito expresso a respeito, como continha a lei revogada, está em harmonia com o sistema do Código, devendo ser, portanto, aplicado. A aplicação deste princípio, segundo pensamos, condiciona-se exclusivamente ao requisito de não se tratar de ‘erro’ grosseiro. Conforme afirmamos, embora contrariamente a uma parcela significativa da jurisprudência, acreditamos que não deva ser exigido o requisito de a parte interpor o recurso, pelo qual optou, no prazo menor, caso aquele em relação ao qual a dúvida exigia tivesse um prazo mais exíguo. Isso porque o princípio da fungibilidade é aquele segundo o qual, havendo dúvidas objetivas quanto a qual seja o recurso adequado, pode-se aceitar o recurso escolhido pela parte, sendo o recurso julgado como se fosse aquele que, segundo o tribunal perante o qual tenha sido interposto, seria o mais ‘correto’. Logo, o requisito relativo ao prazo se choca com a própria definição e razão de ser do princípio ou carece de sentido, pois, no fundo, esta exigência quase implica, sob certo aspecto e em certa medida, a não aplicação plena do princípio da fungibilidade.”. (in Os agravos no CPC brasileiro. Ob. cit., p. 534).

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2.2.4.2 O cabimento de ação rescisória e seu prazo decadencial

O julgamento imediato da parcela madura do mérito no sistema

anterior ao Código de Processo Civil de 2.015 (que em breve entrará em vigor)

também ensejava reflexões a respeito do cabimento de ação rescisória contra tal

decisão, bem como quanto ao cômputo do prazo decadencial para sua

propositura.

Quanto ao cabimento de ação rescisória, a conclusão dependia da

consideração a respeito da formação de coisa julgada material, ainda que parcial.

É cediço que o âmbito de estudo da coisa julgada é sobremaneira

amplo, de maneira que não se pretende aqui tecer maiores digressões sobre o

assunto, bastando trazer seus aspectos essenciais, que permitam estabelecer

conclusão sobre a sua formação em caso de julgamento parcial do mérito.

Nos termos do art. 301, § 3º, do Código de Processo Civil de 1.973

“[...] há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de

que não caiba recurso”.

Considerando que se pretende tratar aqui da ação rescisória, mais

interessa aludir especificamente à coisa julgada material, trazendo, para tanto, o

conteúdo do art. 467 do mesmo diploma legal:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

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A respeito de tal definição, Nelson Nery Junior reflete quanto à teoria

adotada pelo Código Buzaid, fazendo referência, inclusive, à modificação havida

no texto que entrou em vigor em relação ao do anteprojeto elaborado, concluindo,

então, que o CPC/73 não adotou a teoria de Liebman:

Para Liebman a coisa julgada é a qualidade especial que torna imutável o conteúdo da sentença, bem como os seus efeitos. José Carlos Barbosa Moreira critica essa opinião, dizendo que “se alguma coisa, em tudo isso, escapa ao selo da imutabilidade, são justamente os efeitos da sentença”, e reforça a crítica em estudo publicado posteriormente. A doutrina de Liebman exerceu grande influência no Brasil, havendo sido adotada pelo Anteprojeto do CPC, elaborado pelo Prof. Alfredo Buzaid, verbis: “Art. 507. Chama-se coisa julgada material a qualidade, que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença, não mais sujeita a recursos ordinário ou extraordinário”. No Congresso Nacional o dispositivo do anteprojeto foi alterado. O CPC 467 não adotou a teoria de Liebman, nada obstante parte da doutrina brasileira entender que sim. O que é imutável e indiscutível em virtude da coisa julgada não são os efeitos da sentença, como pretende Liebman, mas a própria sentença, em sua parte dispositiva.

142

De fato, não há como se negar a influência da doutrina de Liebman

para o desenvolvimento dos estudos sobre a coisa julgada no cenário nacional.

Tratando desse resgate histórico, Antonio do Passo Cabral mostra que, antes de

Liebman, a coisa julgada era identificada como efeito ou eficácia da sentença, o

que tinha raízes nas concepções romanas; com ele, a coisa julgada passou a ser

tratada como qualidade, atributo de certos tipos de sentença (oriundo de norma

externa à decisão) e de seus efeitos. O mesmo autor faz menção à crítica de

Barbosa Moreira, que acabou por reformular parcialmente o pensamento

liebmaniano sobre a coisa julgada, apontando que, em verdade, os efeitos da

sentença não se tornam imutáveis.143

Cabral, então, procura indicar a definição predominante de coisa

julgada na doutrina brasileira, assentando que “coisa julgada é a qualidade que

142

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. Ob. cit., p. 57-58. 143

CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas. 2ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 214, p.76-79.

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cobre as sentenças de mérito e que torna imutável e indiscutível o conteúdo da

sentença quando não mais cabível qualquer recurso”.144

Assim, razão assiste a Nelson Nery Junior quando aponta o

afastamento entre a definição trazida pelo Código de Processo Civil de 1.973 e a

doutrina de Liebman.

Estabelecido esse brevíssimo panorama do que se pode entender

por coisa julgada, resta perquirir se o julgamento parcial de mérito (seja sentença

ou decisão interlocutória) era apto à sua formação na vigência do Código de

Processo Civil de 1.973.

Sidney Pereira de Souza Junior, que, como já mencionado, entende

que os julgamentos parciais de mérito configuravam sentença, utiliza a expressão

coisa julgada parcial, justificando-a porque o selo da imutabilidade, nesse caso,

atingiria apenas parte da demanda, julgada antecipadamente, com trânsito em

julgado.145

Como já mencionado no capítulo próprio, considera-se aqui que, na

vigência do Código de Processo Civil de 1.973, nada obstava o entendimento

segundo o qual o julgamento da parcela madura do mérito configurava sentença.

Aliás, de acordo com a definição dos provimentos jurisdicionais trazida por tal

diploma, ficou consignado aqui, inclusive, que tal ato mais bem se amoldava à

definição de sentença, do que decorre, portanto, ser decisão apta à formação de

coisa julgada material, que poderia constituir objeto de ação rescisória.

Se a conclusão pela configuração de sentença fazia simples o

entendimento pela viabilidade de formação de coisa julgada (por não haver

qualquer afronta à literalidade do art. 467, supratranscrito), a opção pela decisão

interlocutória tornava a questão mais tormentosa.

144

Ob. cit., p. 85. 145

TALAMINI. Ob. cit., p. 193.

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82

Eduardo Talamini, por exemplo, admitindo o julgamento parcial do

mérito, conclui pela configuração de decisão interlocutória, e, logo, afasta a

possibilidade de formação de coisa julgada, sustentando tratar-se de preclusão.

Nas palavras do autor:

Não há que se falar, desde logo, em coisa julgada do provimento relativo a parte do mérito. Afinal, a decisão não será sentença: o restante do processo prosseguirá. [...] Haverá apenas preclusão – e, ainda assim, limitada: não mais será possível reexame do tema (salvo em recurso), a não ser que tenha sido desconsiderada questão conhecível de ofício. Depois, com a sentença, desde que não abalada a anterior decisão parcial do mérito, advirá a coisa julgada: nesse caso, o comando da sentença automaticamente incorpora o anterior decisum parcial sobre o mérito.

146

Discorda-se do posicionamento do referido autor, eis que, mesmo

tendo por base o enquadramento da decisão no conceito de interlocutória

(entendimento que não é aqui esposado), os paradigmas adotados no estudo não

permitem a conclusão de que se trataria de mera preclusão, notadamente por

sustentar Talamini a necessidade de que a sentença, posteriormente,

incorporasse o decisum parcial anterior.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, por seu turno,

não encontravam óbices à formação de coisa julgada, posicionamento mais bem

amoldado à razoável duração do processo:

O CPC/1973 485 caput, ao estabelecer que a “sentença” de mérito pode ser rescindida, falava menos do que queria dizer, pois do termo “sentença” deveria ser entendido em sentido amplo, significando decisão fosse exteriorizada por decisão interlocutória no primeiro grau de jurisdição, por sentença, por decisão monocrática em tribunal ou por acórdão.

147

Teresa Arruda Alvim Wambier assim conclui:

146

Ob. cit., p. 96. 147

In Comentários ao Código de Processo Civil. Ob. cit., p. 1910-1911.

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“[...] é cabível ação rescisória contra a decisão que tenha conteúdo de sentença de mérito, mesmo que veiculada através de pronunciamento que, por não ter esgotado a atividade jurisdicional cognitiva, seja suscetível de ser impugnado por agravo de instrumento.”.

148

Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, que, como

dito acima, entendem que o julgamento parcial do mérito no sistema do CPC/73

se dava por decisão interlocutória, assentam que, quanto à ação rescisória, a

expressão sentença inserta no art. 485 devia ser interpretada extensivamente,

para abranger os acórdãos ou qualquer outra decisão interlocutória, desde que

houvesse percurtido o mérito. Aliás, os autores bem observam que o art. 495 do

mesmo diploma, ao estabelecer o prazo decadencial para a propositura da ação

rescisória, traz em sua redação a expressão decisão transitada em julgado, e não

sentença.149

Nem mesmo a conclusão pelo cabimento de ação rescisória contra

as decisões aqui tratadas era capaz de suplantar a celeuma, que persistia quanto

ao dies a quo e ad quem do prazo decadencial para sua propositura.

Aliás, a questão do cômputo do prazo bienal sequer era restrita às

decisões envolvendo julgamentos parciais de mérito, estendendo-se, também,

para aqueles casos em que havia recurso interposto apenas quanto a

determinados capítulos da sentença (o que, portanto, ensejaria o trânsito em

julgado dos demais).

Barbosa Moreira, que conclui pela possibilidade de serem proferidas

múltiplas sentenças de mérito no curso do processo, e, portanto, pelo cabimento

diversas ações rescisórias, aponta que prazo decadencial deveria ser computado

separadamente, a partir do trânsito em julgado de cada decisão.150

148

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. Ob. cit., p. 114. 149

Ob. cit., p. 914. 150

Ob., cit., p. 19.

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84

José Henrique Mouta Araújo (que faz menção à lição de Nelson

Nery Junior quanto à cisão de decisões interlocutórias objetivamente complexas,

para fins de propositura de ação rescisória) aduz que o sistema permitia o trânsito

em julgado da decisão parcial de mérito, iniciando-se imediatamente o prazo

bienal, de maneira que, se o vencido aguardasse o trânsito em julgado da

sentença final para somente então propor a ação rescisória, poderia já ter

ocorrido a decadência.151

Instalada em âmbito jurisprudencial a discussão quanto ao dies a

quo do referido prazo decadencial, acabou por ser editada a Súmula 401 do

Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “O prazo decadencial da ação

rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último

pronunciamento judicial.” 152.

Diante da súmula, ficou repelido o entendimento pelo trânsito em

julgado por capítulos (ocorreria ele, integralmente, num só momento) e

propositura de diversas ações rescisórias em momentos distintos.

Mais recentemente, contudo, a Primeira Turma do Supremo Tribunal

Federal proferiu decisão em que consignou que os capítulos autônomos de

determinada decisão judicial, se não recorridos, precluem, iniciando-se, com isso,

o cômputo do prazo para propositura de ação rescisória, solução que, na vigência

do Código de Processo Civil de 1.973, nos soava adequada. Observe-se o teor da

ementa:

151

Ob. cit., p. 225. 152

Amplo rol de precedentes foi indicado para justificar a edição da referida súmula: AgRg da AR 3.799-RN (3ª S, 27.08.2008 – DJe 19.09.2008), AgRg no Ag 980.985-RJ (5ª T, 21.08.2008 – DJe 15.09.2008), AR 1.337-GO (3ª S, 22.10.2008 – DJe 17.02.2009), AR 3.378-SP (1ª S, 13.08.2008 – DJe 08.09.2008), EREsp 341.655-PR (CE, 21.05.2008 – DJe 04.08.2008), EREsp 404.777-DF (CE, 03.12.2003 – DJ 11.04.2005), EREsp 441.252-CE (CE, 29.06.2005 – DJ 18.12.2006), REsp 543.368-RJ (2ª T, 04.05.2006 – DJ 02.06.2006), REsp 639.233-DF (1ª T, 06.12.2005 – DJ 14.09.2006), REsp 765.823-PR (2ª T, 27.03.2007 – DJ 10.09.2007), REsp 841.592-DF (1ª T, 07.05.2009 – DJe 25.05.2009), REsp 968.227-BA (2ª T, 16.06.2009 – DJe 29.06.2009), conforme publicado (Corte Especial do Colendo STJ, em 7.10.2009, DJe 13.10.2009, ed. 458).

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85

COISA JULGADA – ENVERGADURA. A coisa julgada possui envergadura constitucional. COISA JULGADA – PRONUNCIAMENTO JUDICIAL – CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória. (STF. 1ª Turma. Relator: Min. Marco Aurélio. RE 666589/DF. Julgamento: 25.03.2014. Publicação: 03.06.2014).

Aqui, mais uma vez, com a elaboração de um novo Código de

Processo Civil, era imperioso que a lei passasse a dispor a respeito do cabimento

da ação rescisória diante de decisões parciais de mérito, bem como sobre o termo

inicial de tal prazo decadencial.

Assim, Código de Processo Civil de 2.015, embora, em seu art. 966,

§ 3º, preveja expressamente o cabimento de ação rescisória que tenha por objeto

apenas capítulo de decisão de mérito153 (observe-se, o dispositivo fala em

decisão de mérito e não apenas em sentença), consigna como termo inicial do

prazo para rescisão o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo

(art. 975, caput), dispondo adequadamente da matéria, conferindo-lhe melhor

sistematização, e, portanto, maior segurança jurídica ao cidadão, o que será

abordado de maneira mais detalhada no capítulo destinado às previsões do novo

CPC.

2.2.5 A execução da decisão

A conclusão pela possibilidade ou não de formação de coisa julgada

em relação à decisão que julga antecipadamente parcela madura do mérito

enseja reflexos em sua execução.

153

Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (2015, p. 1386) ressaltam a previsão de cabimento de ação rescisória contra capítulo de sentença, indicando que o vocábulo capítulo, antes reservado apenas à doutrina, foi pela primeira vez empregado pelo legislador. Os autores ressaltam, ainda, que os capítulos consistem em “[...] parte da decisão estruturalmente autônomos, interna corporis, - com fundamento e decisum próprios – embora possam depender uns dos outros. Porque pode haver esta interdependência, é possível que a procedência da ação rescisória proposta para impugnar um só capítulo da decisão faça cair por terra o outro, como decorrência lógica.”.

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86

Do entendimento aqui externado, com enquadramento de tal decisão

como sentença, ainda que parcial, e formação de coisa julgada, infere-se

naturalmente a viabilidade, em regra, de imediata execução, seja ela provisória

(em caso de interposição de apelação que não seja dotada de efeito suspensivo)

ou definitiva154 (não havendo sucesso no recurso contra ela interposto ou caso

reste irrecorrida), sem necessidade de se aguardar o trânsito em julgado do

restante do mérito.

José Henrique Mouta Araújo, que entende tratar-se de decisão

interlocutória, coloca o questionamento sobre ser a execução provisória ou

definitiva, e, na opção por esta, sobre a necessidade ou não de se aguardar o

ulterior trânsito em julgado da decisão que julgar a parcela do mérito não

contemplada no julgamento antecipado, sustentando que:

Em caso de interposição de agravo, não resta dúvida quanto à aplicação do art. 588 do CPC, redimensionado pela Lei 10.444/2002. Em termos práticos, será executada através de “Carta de Sentença” (art. 589 do CPC).

Por outro lado, não havendo impugnação, a decisão transitará em julgado, devendo ser executada de forma definitiva, sem as amarras do art. 588 do CPC, sem necessidade de caução e sem o princípio da responsabilidade objetiva. Contudo, estando pendente de julgamento a parte controvertida, ou mesmo caso a apelação da sentença seja remetida ao tribunal, será necessária a expedição de Carta de Sentença para a execução, mesmo que definitiva.

155

Com efeito, dispõe o parágrafo 1º do art. 475, I, do Código de

Processo Civil de 1.973:

154

Quanto ao critério para distinguir a execução provisória da definitiva no CPC/1973, após a Lei n. 10.444/02 (que possibilitou que a provisória também chegasse à fase final), Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira apontam ser a estabilidade do título executivo em que se funda, ou seja, se a decisão judicial estiver acobertada pela coisa julgada material, a execução será definitiva, mas, se a decisão ainda for passível de alteração, por pender recurso sem efeito suspensivo, a execução será provisória (in Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5. 5ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2.013, p. 40). 155

in Tutela antecipada do pedido incontroverso: estamos preparados para a nova sistemática processual? Ob. cit., p. 221-222.

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87

Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo. § 1

o É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e

provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.

Como se vê, o dispositivo trata da execução da sentença transitada

em julgado ou impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito

suspensivo.

O entendimento que se defende no presente estudo possibilita, sem

necessidade de maiores digressões, a aplicação da previsão aos casos em que a

sentença, na vigência do CPC/73, contemplasse julgamento parcial do mérito.156

Foi outrora externado, contudo, posicionamento no sentido de que

tal decisão configuraria interlocutória, que não passaria em julgado até que

sobreviesse a sentença definitiva157. Para aqueles que compartilham de tal tese,

evidentemente, não haveria que se falar em execução definitiva antes do trânsito

em julgado da decisão final, pelo que a execução provisória ocorreria nos moldes

da relativa à antecipação de tutela no sistema processual civil aqui tratado.

Deve ser feita referência, ainda, à possibilidade ou não de execução

(provisória ou definitiva) da decisão parcial acerca do mérito proferida contra a

Fazenda Pública158, tanto em função do reexame necessário previsto como

156

Na obra Coisa julgada progressiva & resolução parcial do mérito (Curitiba: Juruá, 2008, p. 338), José Henrique Mouta Araújo (que defende que o julgamento parcial do mérito no CPC/73 configura decisão interlocutória, ainda que com conteúdo definitivo) faz referência às hipóteses em que se autoriza o levantamento de quantia incontroversa depositada no processo, o que exemplifica como a execução da decisão parcial de mérito poderia ser iniciada antes mesmo que o processo de conhecimento estivesse integralmente findo. 157

Nesse sentido, v.g., o posicionamento de Eduardo Talamini, aludido no item 2.2.4.2 deste trabalho. 158

Não se vislumbra aqui qualquer óbice à prolação de decisão parcial de mérito, decorrente de cognição exauriente, contra a Fazenda Pública.

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88

condição de eficácia da sentença em tal hipótese, quanto diante do sistema de

execução por precatório ou requisição de pequeno valor previsto

constitucionalmente.

Quanto ao reexame necessário, condição de eficácia da sentença

proferida contra a Fazenda Pública prevista no art. 475 do CPC159 (que, portanto,

antes disso, não é apta a revestir-se da qualidade de coisa julgada), é

dispensado, nos termos do parágrafo segundo deste, dentre outras hipóteses,

quando se tratar de conteúdo econômico até 60 (sessenta) salários-mínimos.

Discorrendo sobre tal limitação à remessa necessária, Leonardo

Carneiro da Cunha observa que:

[...] sobressaem respeitáveis objeções da doutrina conta a manutenção do reexame necessário, despontando, de outro lado, não menos autorizadas vozes e penas defendendo sua permanência. O legislador, ante o conflito doutrinário, resolveu atender a todos os anseios, mantendo o instituto, com o limitador pecuniário, de maneira que, nas condenações inferiores a 60 (sessenta) salários mínimos, está dispensado o reexame, o qual continua sendo obrigatório nas demais causas, ou seja, naquelas em que a condenação ou o valor envolvido ultrapassar o aludido limite.

160

O enquadramento do julgamento parcial do mérito como sentença

(como aqui colocado), diante disso, geraria a necessidade de que fosse

submetido ao reexame necessário para que se satisfizesse a condição de eficácia

da decisão, excetuadas, obviamente, as hipóteses em que a lei o dispensa.

Concluindo-se pela configuração de decisão interlocutória, a

necessidade de submissão ao dito reexame é mais discutível, o que será

159

Observe-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 325, que dispõe: “A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado”. 160

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 217.

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89

abordado adiante em função da opção adotada pelo Novo Código de Processo

Civil, que, embora tenha previsto que o julgamento antecipado parcial do mérito

configura decisão interlocutória, deixou de consignar a necessidade de reexame

necessário das interlocutórias de mérito proferidas contra a Fazenda Pública.

Quanto ao sistema de execução de quantia contra a Fazenda

Pública, em função do previsto no artigo 100 da Constituição Federal, desperta

aqui interesse, pois, a depender do valor do débito exequendo, é possível a

expedição de requisição de pequeno valor em lugar da inscrição em precatório.

Assim, surge o questionamento: havendo julgamento parcial do mérito, deve ser

considerada a parcela nele consubstanciada para análise da viabilidade de

expedição de RPV em lugar de precatório ou deve ser considerado o valor total

em discussão?

Não se trata de tema que tenha sido destinatário de atenção maciça

da doutrina, embora nos pareça sobremaneira relevante.

Fora consignado linhas acima que, havendo no julgamento

antecipado da parcela madura do mérito verdadeira descumulação de ações que

poderiam ter sido propostas autonomamente, nada obsta a execução definitiva e

imediata dela, tão logo se verifique o trânsito em julgado.

Assim, diferente não poderia ser a conclusão quando a parte

executada é a Fazenda Pública, admitindo-se aqui, portanto, a possibilidade de

imediata expedição de requisição de pequeno valor em relação à parcela madura

do mérito já julgada por decisão irrecorrível161 e que se enquadre no limite de

valor previsto para tanto (diante da descumulação, não haveria razão para que se

aguardasse a decisão do restante do mérito para permitir a execução definitiva,

com opção pela expedição de RPV ou precatório).

161

Não sendo admitida a execução provisória em tal hipótese.

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90

Cite-se, como exemplo, demanda proposta contra a Fazenda

Pública em que se requer danos morais e materiais por ato praticado por

funcionário público no exercício da função. Se o pedido de danos morais estiver

apto para ser julgado e o de danos materiais depender de dilação probatória,

nada obsta o julgamento parcial do mérito, e o valor relativo ao primeiro pedido

(que corresponde a uma ação que poderia ser proposta autonomamente) poderá,

após o trânsito em julgado de tal decisão, ser executado mediante expedição de

RPV, se obedecer à limitação prevista para tanto.

A solução, contudo, nos parece diversa em caso de restar

incontroversa parcela de valor que se alega devido pela Fazenda Pública, relativo

ao mesmo pedido (se, por exemplo, o autor sustenta que a Fazenda Pública deve

a ele R$ 100.000,00, mas esta apenas admite dever valor não superior a

sessenta salários-mínimos): aqui, em caso de julgamento parcial do mérito, a

execução definitiva deverá ocorrer do modo destinado ao valor integral, a fim de

que não haja burla ao sistema de precatórios.

Concordamos aqui com o que leciona Patrícia de Almeida Montalvão

Soares, quando coloca que se a parcela incontroversa for inferior ao teto de 60

(sessenta) salários mínimos, mas o quantum total pretendido pelo exequente for

superior, deve ser expedido precatório também para a verba incontroversa,

exceto se houver renúncia ao montante excedente, a fim de que seja expedida a

requisição de pequeno valor.162

162

SOARES, Patrícia de Almeida Montalvão. Execução parcial da obrigação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública à luz do Novo CPC. In ARAUJO, José Henrique Mouta; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord). Advocacia Pública (Coleção Repercussões do Novo CPC – Coordenador Geral: Fredie Didier Jr.). Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, p.435.

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91

3 A TEMÁTICA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

As questões tratadas acima deixam evidente que, na vigência do

Código de Processo Civil de 1.973, a falta de previsão legal específica sobre o

julgamento imediato da parcela madura do mérito, seu enquadramento dentre os

pronunciamentos jurisdicionais e consequências correlatas prejudicavam a

previsibilidade do sistema, deixando o jurisdicionado em evidente situação de

insegurança jurídica.

O Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105, de 16 de março

de 2.015), o primeiro concebido em âmbito democrático (já que o de 1.939 foi

instituído na Era Vargas e o de 1.973 durante o regime militar), veio com o intuito

de conferir à legislação processual a coesão que havia perdido ao longo das

inúmeras reformas que foram empreendidas, trazendo respostas atuais aos

problemas que se apresentavam à comunidade jurídica163, e, especificamente

quanto à temática que a aqui se trata, incorporando soluções já amplamente

debatidas doutrinariamente (embora tenha, no mesmo campo, deixado de

apresentar respostas que dele também eram esperadas).

A exposição de motivos ao Anteprojeto de Código de Processo Civil,

elaborado pela comissão de juristas instituída pelo ato n. 379/2009 do presidente

do Senado Federal, traz, explicitamente essa necessidade de se restaurar a

coesão que a legislação processual havia perdido:

O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma consequência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A

163

Em seu Manual de Direito Processual Civil (15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 104-105), Arruda Alvim indica que o projeto de novo CPC veio na toada de incorporar novidades para uma resposta mais atual aos problemas que afligiam o operador do direito, e, mencionando o que foi dito em discurso pelo então presidente do Senado Federal, José Sarney, ressalta a motivação da elaboração de um novo diploma, consistente na necessidade de conferir coesão à legislação processual.

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complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis (= pontos que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente a atenção do operador do direito. Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo, a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de funcionalidade.

164

Buscou-se, então, conferir maior eficiência, operatividade ao sistema

processual civil.

Teresa Arruda Alvim Wambier et al.165 destacam que o objetivo de

criar um sistema mais eficiente, que garanta a realização concreta de direitos,

está por traz de muitas das regras do novo código, sem que isso signifique uma

ruptura drástica com o passado. Quis-se, então, trazer à tona elementos

inovadores, aprimorando a prestação da tutela jurisdicional, mas respeitando-se

aquilo que já havia sido conquistado.

Antes de tratar da matéria como trazida no Novo Código de Processo

Civil, entende-se oportuna breve referência à forma como era disciplinada nos

projetos que o precederam.

No anteprojeto elaborado pela comissão de juristas acima referida, o

art. 285, II, embora prevendo que a resolução imediata do pedido (ou parcela de

pedido) incontroverso seria definitiva, incluía a temática no âmbito da tutela da

evidência166. A decisão era enquadrada como interlocutória (art. 158, § 2º), com o

cabimento de agravo de instrumento (art. 929, II) para atacá-la.

164

Brasil. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília, 2010. Disponível em:< www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em: 27.out.2015. 165

In Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. Ob. cit., p. 51. 166

Observe-se: “Seção III - Da tutela da evidência Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando: I – (omissis). II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;”.

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93

O projeto de Novo CPC aprovado no Senado manteve o tratamento

como tutela da evidência, no livro da tutela antecipada, em seu art. 278, II:

Seção III – Da tutela da evidência Art. 278. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando: I – (omissis); II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;

Já o projeto aprovado na Câmara dos Deputados inovou em relação

aos demais, trazendo a temática, efetivamente, como julgamento antecipado

parcial do mérito:

Seção III – Do julgamento antecipado parcial do mérito Art. 363. O juiz decidirá parcialmente o mérito, quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 362

167.

Cássio Scarpinella Bueno168 ressalta o mérito do Projeto da Câmara

de deixar evidente a possibilidade de julgamentos parciais do mérito, com o que

aqui se concorda, pois já era o momento de suplantar definitivamente discussões

a respeito de ser a decisão uma antecipação de tutela ou efetivo julgamento

parcial do mérito, de maneira que capitulá-lo no âmbito da tutela da evidência

(não decorrente de cognição exauriente), mesmo que prevendo especificamente

que, no caso, a solução seria definitiva, poderia acabar por perpetuar as críticas

doutrinárias em tal sentido.

167

“Seção II – Do julgamento antecipado do mérito Art. 362. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 351 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 356.”. 168

in Projetos de Novo Código de Processo Civil comparados e anotados: Senado Federal (PLS n. 166/2010 e Câmara dos Deputados (PL n. 8.046/2010). São Paulo: Saraiva, 2014. P. 198.

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94

A previsão trazida pela Câmara dos Deputados acabou por prevalecer

no texto encaminhado à sanção presidencial, de maneira que o julgamento

antecipado parcial do mérito é previsto no art. 356 do Novo Código de Processo

Civil (no Livro I – Do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença,

Título I – Do procedimento comum, Seção III, Capítulo X – Do julgamento

conforme o estado do processo). O dispositivo legal tem redação idêntica à

supratranscrita, excetuada a remição ao artigo 355 em lugar do 362 (ambos

também de idêntico teor, ressalvada, apenas a numeração diversa dos artigos

neles referidos).

Assim, tendo sido trazida pela novel legislação, de forma patente, a

possibilidade de julgamentos parciais do mérito, insta perquirir sobre o

enquadramento de tal decisão dentre as espécies de provimentos jurisdicionais,

tal como definidas pelo Código de 2015, mencionar as hipóteses previstas pelo

referido art. 356, bem como tecer considerações a respeito da via recursal eleita,

formação de coisa julgada, cabimento de ação rescisória e compatibilidade com

outras regras procedimentais.

Consigne-se, desde logo, que toda essa inovação, vindo na toada de

conferir efetividade à prestação da tutela jurisdicional, reflete a preocupação com

o atendimento ao conteúdo hodiernamente abarcado pelo princípio do acesso à

justiça, já exposto inicialmente, embora tenham restado aspectos indevidamente

díspares em relação ao julgamento integral do mérito e outros insuficientemente

regrados, como será referido nos subitens próprios.

3.1 A DEFINIÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS

Para disciplinar adequadamente tal forma de julgamento, era

premente a necessidade de que o Novo Código de Processo Civil adaptasse a

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definição legal dos provimentos jurisdicionais, para que houvesse certeza da

espécie que o engloba.169

Como já mencionado oportunamente, na vigência do Código de

Processo Civil de 1.973, mesmo para os que já entendiam (de lege lata) pela

possibilidade de fracionamento do julgamento do mérito, era imensa a

dificuldade de enquadrar tal decisão na definição legal dos provimentos

jurisdicionais trazida pelo art. 162 daquele diploma.

O § 1º do art. 162, já com a redação alterada pela Lei n. 11.232/05,

trazia a seguinte definição de sentença: “Sentença é o ato do juiz que implica

alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.”.

Já a decisão interlocutória era definida pelo § 2º do mesmo

dispositivo: “Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo,

resolve questão incidente.”.

Considerando que a celeuma ensejada pela definição dos

provimentos jurisdicionais já fora abordada anteriormente, remete-se o leitor ao

capítulo 02 do presente trabalho, em que a controvérsia foi externada, bem

como feita opção pelo pronunciamento que se entendia mais bem acolher a

hipótese de julgamento antecipado parcial do mérito, de acordo com os

elementos definitórios de cada espécie no sistema anterior ao Código de

Processo Civil de 2.015.

Resta, agora, indicar a definição dos provimentos jurisdicionais170

169 Não passava despercebida pela doutrina a necessidade de revisão das definições de decisão

interlocutória e sentença, posto que as existentes no CPC/73, seja em sua versão original ou posterior à reforma, não se ajustavam plenamente à conformação daquele ou do Novo, como mostram Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (ob. cit., p. 370).

170

Ressalte-se que a lei passa a usar o termo pronunciamento em lugar de atos do juiz, o que se entende mais adequado, sendo aquele espécie destes.

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trazida pelo Novo Código de Processo Civil, e, ainda, a forma como ela permite

o inconteste enquadramento do julgamento parcial do mérito.

Do mesmo modo como o Código de Processo Civil ainda vigente, o

novo diploma traz, em seu artigo 203, três espécies de pronunciamentos

jurisdicionais: sentença, decisão interlocutória e despacho. A diferença está,

portanto, na definição atribuída pela nova lei a tais atos.

Também neste capítulo será dado enfoque apenas às duas espécies

que contemplam conteúdo decisório relevante171: sentença e decisão

interlocutória.

Em relação à sentença, é definida pelo art. 203, § 1º, do CPC/2015

nos seguintes termos:

Art. 203, §1º. Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

A simples leitura do dispositivo já chama atenção pela explícita

adoção do critério misto para definição de sentença (bem como pela exceção

feita aos procedimentos especiais com definição diversa e à extinção da

execução).

A configuração de sentença, portanto, exige – agora indubitavelmente

- a presença conjunta dos critérios de conteúdo e finalístico.

171

Wambier et al. bem assentam que sentenças e decisões interlocutórias, ao contrário dos despachos, têm conteúdo marcantemente decisório, mas que não necessariamente ele é mais relevante nas sentenças que nas interlocutórias, não sendo essa uma boa forma de distinguir ambos os atos (ob. cit., p. 368).

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Com isso restaria uma dúvida: seria possível considerar que no Novo

Código de Processo Civil, como sugerido acima em relação ao de 1.973

(notadamente em razão da definição de decisão interlocutória, vinculada às

questões incidentes), para que se configure sentença, basta que o ato coloque

fim a uma parcela do mérito envolvido no processo, eis que, com isso, o ato

encerraria, de fato, a discussão sobre uma ação nele envolvida?

A redação do §2º do artigo 203 do Código de Processo Civil de 2.015,

pela qual a decisão interlocutória é definida por critério excludente

(pronunciamento judicial que não se enquadre na definição de sentença), indica

que não foi esse o caminho adotado pelo legislador.

Optou-se por definir a decisão interlocutória de forma bastante ampla.

Como mostra José Alexandre Manzano Oliani:

[...] sucede que as decisões interlocutórias poderão ter como conteúdo diferentes matérias, haja vista que durante o trâmite de um processo podem surgir variadas questões incidentes ou incidentes processuais que deverão ser resolvidos pelo juiz para que o processo siga sua marcha rumo ao pronunciamento final ou, ainda, parte do mérito poderá estar madura e, portanto, ser resolvida. É, portanto, tarefa sobremaneira árdua, senão impossível, criar um rol exaustivo acerca dos possíveis conteúdos das decisões interlocutórias. As decisões interlocutórias sobre matérias contidas no elenco do art. 1.015 do NCPC são impugnáveis por agravo de instrumento.

172

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ressaltam que,

conforme definição trazida pelo Código, decisões de mérito que não ponham fim

ao processo enquadram-se, dentre os pronunciamentos judiciais, na categoria

das decisões interlocutórias:

[...] decisão interlocutória é o pronunciamento do juiz que não se encaixa na definição de sentença do CPC 203, § 1º - ou seja, não extingue a fase cognitiva do procedimento comum (especial e de jurisdição voluntária) nem põe fim à execução, com base no CPC 485 ou 487 (CPC 203 § 2º).

172

Ob. cit., p. 31.

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98

Ainda que decida questão de mérito, se a decisão não colocar fim à fase cognitiva do procedimento comum (especial e de jurisdição voluntária) ou à execução é interlocutória, impugnável pelo recurso de agravo de instrumento, como, por exemplo, ocorre quando o juiz pronuncia a prescrição relativamente a um dos litisconsortes passivos, prosseguindo o processo contra os demais. O conteúdo do ato é relevante, mas não suficiente para qualifica-lo, importando também a finalidade do mesmo ato para que se dê essa qualificação.

173

Tratando dessa possibilidade de haver decisões interlocutórias

versando sobre o mérito da causa (pela previsão do critério misto para definição

de sentença, aliada à desvinculação das interlocutórias apenas às questões

incidentes), Teresa Arruda Alvim Wambier et al. ressaltam que, diante disso,

decisões antes consideradas verdadeiras sentenças, em função de seu

conteúdo, passaram a ser chamadas pela lei de interlocutórias, mas que

transitam em julgado e eventualmente podem ser rescindidas (como se mostrará

adiante). Com isso, além das interlocutórias que tangenciavam o mérito

(interlocutórias sobre o mérito, como, v.g., a antecipatória de tutela), temos com

o Novo Código de Processo Civil, de forma inconteste, decisões interlocutórias

de mérito, que o resolvem definitivamente, ao lado do que se pode chamar de

interlocutórias típicas (estas desvinculadas do mérito).174

José Alexandre Manzano Oliani175, em obra destinada ao estudo da

sentença no Novo Código, trata das decisões interlocutórias, que, embora sejam

ontologicamente sentenças, por terem conteúdo de sentença, assim não são

enquadradas por não colocarem fim ao processo (acrescente-se, integralmente

considerado). Aduz o autor:

[...] O NCPC admite que uma parcela do mérito seja resolvida no curso do processo e/ou que o processo seja parcialmente extinto sem resolução do mérito, classificando o respectivo pronunciamento do juiz como decisão interlocutória (arts. 203, § 2º, 354, 356, 485, 487 e 490). Essas decisões interlocutórias, que resolvem parcela do mérito ou

173

In Comentários ao Código de Processo Civil. Ob. cit., p. 2078. 174

Ob. cit., p. 369-370. 175

In Sentença no Novo CPC. (Coleção Liebman/Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Eduardo Talamini). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 22.

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99

extinguem parcialmente o processo sem resolução de mérito, têm conteúdo de sentença e, portanto, são ontologicamente idênticas a uma sentença processual ou de mérito, dessa se distinguindo porque não têm aptidão para extinguir a fase de cognição do procedimento comum. Essa semelhança recomenda sua estruturação da mesma forma que as sentenças, a fim de que possa ser aferida a observância dos princípios do contraditório e do devido processo legal, facilitada sua compreensão, quer pelos destinatários da prestação jurisdicional, quer pela sociedade, haja vista a publicidade dos atos processuais, a interposição de recurso, bem como a respectiva execução.

Como visto, não adotou o novo Código a opção que vislumbrávamos

na vigência do Código de Processo Civil de 1.973.

Contudo, diante da adequação feita na definição dos

pronunciamentos jurisdicionais, bem como de outras adaptações que ainda

serão aludidas, não há como se negar que, de modo geral, quanto à

identificação do ato e consequente fixação do recurso cabível, dispôs

satisfatoriamente sobre os julgamentos parciais de mérito, evitando a

perpetuação da situação de insegurança jurídica ao jurisdicionado, embora

tenham, lamentavelmente, persistido disparidades na seara recursal, em cotejo

com o julgamento integral do mérito, que se entendem indevidas, como será

exposto em tópico próprio.

Corrobora a opção o legislador pelo enquadramento da decisão como

interlocutória o disposto no art. 356, § 5º, do NCPC, que estabelece

expressamente que o agravo de instrumento é o recurso cabível contra a

decisão. O código zelou, portanto, pela correspondência recursal, haja vista que

o art. 1.015 fixa o cabimento de agravo de instrumento contra as interlocutórias

nele elencadas, enquanto o art. 1.009 estabelece que da sentença cabe

apelação.

Assim, embora nosso entendimento seja no sentido de que melhor

seria se tal decisão tivesse sido enquadrada pelo Novo Código de Processo Civil

como sentença, bem como previsto o recurso de apelação para atacá-la, ou que,

ao menos, houvessem sido previstas peculiaridades que, em tal hipótese,

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100

fizessem com que o agravo de instrumento tivesse efeitos e processamento

semelhantes à apelação (a fim de que não houvesse disparidades entre o

julgamento total e o parcial do mérito, pois não há diferença de conteúdo entre

eles), deve-se ressaltar que as alterações empreendidas nos elementos

definitórios dos provimentos jurisdicionais trazidos pela nova lei permitem

facilmente identificar a decisão como interlocutória, o que não torna o ato menos

importante.

3.2 AS HIPÓTESES DE JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO

ARTIGO 356 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Eis a redação completa do artigo 356 do Código de Processo Civil de

2.015, que traz as hipóteses de julgamento antecipado da parcela madura do

mérito, e que, portanto, interessam ao presente estudo:

Seção III - Do Julgamento Antecipado Parcial do Mérito Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. § 1

o A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a

existência de obrigação líquida ou ilíquida. § 2

o A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação

reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3

o Na hipótese do § 2

o, se houver trânsito em julgado da decisão, a

execução será definitiva. § 4

o A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o

mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5

o A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo

de instrumento.

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101

Não se ignore que a hipótese do art. 356, I, é exatamente a mesma

trazida pelo art. 273, §6º do CPC/73, sobre a qual havia se instalado a celeuma

quanto a ser, de fato, hipótese de antecipação de tutela ou efetivo julgamento

parcial e definitivo do mérito, como já mencionado alhures.

Fica patente, agora, que a hipótese é de julgamento parcial do mérito,

decorrente de cognição exauriente.176

O inciso II acima transcrito remete-se ao artigo 355 (que contempla as

hipóteses de julgamento antecipado do mérito), que, logo, também deve ser aqui

estampado:

Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.

Como se vê, as hipóteses de julgamento antecipado parcial trazidas

pelo art. 356 do CPC/2015 envolvem situações nas quais, de um modo ou outro,

é desnecessária a dilação probatória em relação a uma parcela do mérito, já

madura, apta a que seja proferida decisão definitiva, decorrente de cognição

exauriente.

O dispositivo legal, além de deixar insofismável que se trata de

verdadeiro julgamento parcial do mérito, e não de tutela antecipada, é mais

abrangente quanto às situações em que se aplica que o artigo 273, § 6º, do

CPC/73, este restrito à hipótese de não haver controvérsia, o que não afastava a

176

Como consigna José Alexandre Manzano Oliani (ob. cit., p. 91): “Esse pronunciamento do juiz deve ser proferido independentemente de provocação, uma vez que não se trata de decisão interlocutória antecipatória de tutela, mas de julgamento antecipado parcial de mérito. Esse pronunciamento judicial está ancorado em cognição exauriente, uma vez que houve confissão do réu quanto à matéria de fato e/ou reconhecimento parcial do pedido por parte do réu, o que tornou desnecessária a produção de provas.”

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102

nossa conclusão sobre a possibilidade de julgamento antecipado, também,

quando parte do mérito estivesse já estivesse apta para ser objeto de decisão

decorrente de cognição exauriente, alicerçada no princípio do acesso à justiça, a

despeito de falta de previsão legal específica.

Adequado, portanto, que o Novo Código de Processo Civil trouxesse

explicitamente todas as hipóteses em que o julgamento antecipado deve ocorrer,

ou seja, quando não houver necessidade de dilação probatória em relação a uma

parcela do mérito.

Ressalte-se que, por óbvio, é imperioso que tal parcela do mérito não

seja logicamente dependente daquela que ainda reclama instrução, ou seja, que

se trate de cumulação simples, ou, então, que o pedido formulado seja

decomponível. Com isso, o julgamento definitivo de tal parcela do mérito em nada

afetará o prosseguimento do feito em relação ao que restar. Neste sentido:

O desmembramento do julgamento de mérito em pronunciamentos distintos pressupõe que haja cumulação própria e simples de pedidos, que é aquela em que o autor formula mais de um pedido, no mesmo processo, esperando que todos sejam acolhidos simultaneamente (art. 327). Nessa espécie de cumulação, inexiste dependência lógica entre os pedidos, de maneira que é possível, por exemplo, que o réu reconheça a procedência jurídica de um deles e impugne os demais. A fragmentação do julgamento de mérito pode ocorrer, ainda, quando há formulação de um único pedido, que permite ser decomposto. Na dicção do art. 356, o juiz está autorizado a proferir decisão de mérito em relação ao pedido incontroverso ou à parte incontroversa do pedido, dando continuidade ao processo em relação às demais pretensões ou parte da pretensão que não se encontram maduras para julgamento imediato.

177

177

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. ob. cit., p. 620.

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103

3.3 A VIA RECURSAL ELEITA E A FORMAÇÃO DE COISA

JULGADA

Ficou assentado que, antes do advento do novo código, admitir-se o

julgamento parcial do mérito implicava o necessário posicionamento quanto à via

recursal que deveria ser utilizada para atacar tal decisão, bem como em relação à

possibilidade de restar ela acobertada pela coisa julgada.

Neste item, serão apontadas as soluções trazidas pela novel

legislação, bem como eventuais desacertos nela vislumbrados.

3.3.1 O recurso previsto, sua tramitação e efeitos: as (indevidas)

disparidades em cotejo com o julgamento integral do mérito

Foi visto que a falta de previsão expressa do recurso cabível contra

decisões que julgavam parcialmente o mérito (para os que isso consideravam

admissível) deixava o aplicador do Direito, na vigência do Código de Processo

Civil de 1.973, em situação de perplexidade e insegurança, o que tornava

imperioso que o novo código solucionasse a situação, como, de fato, quanto a

isso, o fez.

O artigo 356, § 5º, do Código de Processo Civil de 2.015 consigna

expressamente o cabimento de agravo de instrumento.178

178

Observe-se que o enunciado 103 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), que teve sua redação revista no último encontro realizado, dispõe, ipsis literis, o que segue: “(arts. 1.015, II, 203, § 2º, 354, parágrafo único, 356, § 5º) A decisão parcial proferida no curso do processo com fundamento no art. 487, I, sujeita-se a recurso de agravo de instrumento. (Grupo: Sentença, Coisa Julgada e Ação Rescisória; redação revista no III FPPC-Rio)”. Lamenta-se, apenas, não ter sido mantida a redação original, que fixava, também, que o ato tem natureza

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104

Isso, entretanto, não foi suficiente para evitar que persistissem

indevidas disparidades de tratamento entre o julgamento total e parcial do mérito,

notadamente quanto aos efeitos recursais e importantes regras de procedimento,

que serão aqui referidas.

Pois bem. Tratando-se de hipótese de julgamento antecipado do

mérito, nos termos do art. 355 do Novo Código de Processo Civil, ou mesmo de

sentença de mérito proferida após a fase instrutória ou em caso de julgamento

liminar de improcedência179, o recurso cabível é a apelação180, e, como tal, tem,

em regra, efeito suspensivo automático, conforme disposto no artigo 1.012 do

referido diploma legal. Além disso, há previsão de sustentação oral no julgamento

do recurso (artigo 937, I), e, em caso de julgamento não unânime, aplica-se o

disposto no artigo 942181.

O julgamento antecipado parcial do mérito, por seu turno, embora

tenha a mesma natureza (há decisão, decorrente de cognição exauriente, que

resolve o mérito do processo), além de ter previsão expressa do cabimento de

agravo de instrumento, não dispõe de regras que tornem o recurso, para essa

hipótese, consentâneo ao recurso cabível quando o mérito é decidido por

sentença, tendo persistido uma série de disparidades que nos parecem

desarrazoadas.

jurídica de decisão interlocutória, o que talvez tenha decorrido do fato de que os enunciados, para aprovação, deveriam contar com a unanimidade de votos no grupo temático e em plenária (disponível em: <portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vitória.pdf>). 179

“Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. § 1

o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a

ocorrência de decadência ou de prescrição”. 180

Nos termos do art. 1109 do Código de Processo Civil de 2015, “da sentença cabe apelação”. 181

“Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.”.

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105

Assim, no agravo de instrumento a ser interposto contra a decisão

que contempla julgamento antecipado de parcela madura do mérito, o efeito

suspensivo não é automático (podendo ser atribuído nos termos do parágrafo

único do artigo 995182), não há qualquer previsão de sustentação oral, e a técnica

de julgamento do supramencionado artigo 942 só se aplica quando a decisão

recorrida for reformada por julgamento não unânime, nos termos do disposto no

parágrafo 3º, inciso II, do referido dispositivo legal183.

Vale ressaltar que até mesmo a execução provisória da decisão

(enquanto pendente o recurso) é tratada de forma diferente em cada caso.

Geralmente, depende de caução; no caso do julgamento antecipado parcial do

mérito, todavia, há previsão expressa no sentido de que se dá

independentemente dela (artigo 356, § 2º), no que não encontramos qualquer

razão sistematicamente adequada.

Assim, em certo aspecto, persistiu o tratamento diverso que já era

criticado por aqueles que, embora reconhecendo a possibilidade de julgamento

antecipado parcial do mérito na vigência do Código de Processo Civil de 1.973,

entendiam que tal decisão era interlocutória, atacável por agravo. Eduardo Arruda

Alvim, nessa toada, tratando do efeito suspensivo, como já mencionado linhas

acima, previa como solução para tentar preservar a harmonia do sistema que toda

sentença que julgasse antecipadamente a lide, nos termos do art. 330

contemplasse antecipação de tutela, a fim de retirar de eventual recurso de

apelação o efeito suspensivo que ordinariamente teria.184

182

“Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.”. 183

“Art. 942, § 3º. A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I – (omissis); II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.”.. 184

ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da tutela. Curitiba: Juruá, 2009, p. 88.

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106

Tem-se que foi perdida uma oportunidade ímpar de se regular

adequadamente a matéria, para que os ditames que regem o julgamento do

mérito e o recurso interponível pudessem ser harmônicos, de maneira que,

embora tenha, em nossa visão, adaptado os elementos definitórios dos

pronunciamentos jurisdicionais para que o julgamento antecipado parcial do

mérito configurasse decisão interlocutória, prevendo que o recurso cabível é o

agravo, o novo diploma legal manteve disparidades incompreensíveis quando

cotejada a hipótese com a do julgamento integral do mérito (de forma antecipada

ou não), sem qualquer razão plausível aparente, fazendo crer, portanto, que

houve verdadeiro equívoco, como, por vezes, infelizmente, nos deparamos em

nossa legislação.

3.3.2 A formação de coisa julgada material e o cabimento de ação rescisória

Se, como dito, o Novo Código de Processo Civil perdeu a

oportunidade de regular adequadamente o agravo de instrumento interposto

contra decisão de mérito (tornando seus efeitos e processamento menos

distantes dos da apelação), andou bem em relação à previsão da aptidão para

formar coisa julgada material (artigo 503 do Novo Código de Processo Civil185),

adaptando, também, a definição legal de coisa julgada, prevista no artigo 502,186

para abranger a decisão de mérito, não apenas a sentença.

Diante da indiscutível formação de coisa julgada material, não haveria

como não ser enquadrada no artigo 966 do Código de Processo Civil de 2.015187

a admissibilidade de propositura de ação rescisória contra a decisão

interlocutória aqui referida. Eis a razão pela qual o dispositivo legal alude à

185

“Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.”. 186

“Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”. 187

“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (omissis)”.

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rescindibilidade da decisão de mérito e não apenas da sentença, distanciando-

se, em tal aspecto, da redação do caput do artigo 485 do diploma legal de

1.973.188

Era imperioso, ainda, que o novo diploma estabelecesse o termo

inicial do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória.

Quanto a isso, dispõe o art. 975 do Novo Código de Processo Civil.

Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. § 1

o Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o

prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense. § 2

o Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo

será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. § 3

o Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo

começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.

Teresa Arruda Alvim Wambier elogia a opção legislativa, lecionando

que, ao mesmo tempo em que permite que a ação rescisória possa ser manejada

desde logo, com o trânsito em julgado da decisão de mérito, o prazo não se

esgota, havendo, sempre, a possibilidade de se aguardar o trânsito em julgado de

todas as decisões, pois somente então passará a ser computado o biênio

decadencial. Observe-se:

O termo final, diz a nova lei, é o último dia do segundo ano contado a partir da última decisão que transitou em julgado. E o termo inicial será variável, em função da decisão que se pretenda rescindir. Isso significa que só a última decisão transitada em julgado terá 2 anos para ser rescindida. As outras, terão mais do que isso. A nosso ver, trata-se de excelente e criativa solução: a rescisória pode ser movida desde logo. Mas o prazo não se esgota, se o autor da

188

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (omissis)”

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108

eventual rescisória preferir esperar que haja trânsito em julgado de todas as decisões.

189

A conclusão da doutrinadora é irretocável e diversa da que buscava

incutir, diante do Código de Processo Civil de 1.973, a súmula 401 do Superior

Tribunal de Justiça190, esta repelindo a possibilidade de trânsito em julgado por

capítulos e a propositura de diversas ações rescisórias em momentos distintos, o

que foi posteriormente contrariado por decisão do Supremo Tribunal Federal, já

outrora mencionada.

Diante das adaptações promovidas pelo Novo Código de Processo

Civil, tornando insofismável que o julgamento parcial do mérito faz coisa julgada,

sendo este o requisito para a propositura de ação rescisória, de fato, não há como

se entender pela necessidade de se aguardar o trânsito em julgado do restante do

mérito para que ela seja manejada. Com isso, o termo inicial é variável (bastando

o trânsito em julgado da decisão parcial), mas, para o cômputo do lapso

decadencial previsto, deve ser considerado, em regra, o prazo de 02 (dois) anos

contado da última decisão proferida, observadas as exceções trazidas nos

parágrafos do artigo 975 acima transcrito.

3.4 A EXECUÇÃO DA DECISÃO

Foi externada acima a celeuma envolvendo os reflexos da conclusão

pela possibilidade ou não de formação de coisa julgada em relação à decisão que

julga antecipadamente parcela madura do mérito em sua execução (provisória ou

definitiva).

189

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Ob. cit., p. 1394. 190

“O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”.

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109

Resta aqui perquirir se tal ponto foi adequadamente solucionado

pelas disposições do Novo Código de Processo Civil.

Com efeito, o artigo 356 na novel legislação trata da execução da

decisão que contempla julgamento antecipado parcial do mérito especificamente

em seus parágrafos 2º e 3º:

Art. 356, § 2o. A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a

obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3

o Na hipótese do § 2

o, se houver trânsito em julgado da decisão, a

execução será definitiva.

Fica claro, então, que o Novo Código de Processo Civil, optando por

enquadrar o julgamento antecipado parcial do mérito no conceito de decisão

interlocutória, sem deixar de estabelecer a possibilidade de execução imediata

(provisória ou definitiva, a depender da pendência de julgamento de recurso

contra ela interposto, desde que sem efeito suspensivo), suplantou a dúvida

quanto à necessidade de se aguardar para tanto o trânsito em julgado da última

decisão proferida no processo.

Assim, uma vez proferida a decisão interlocutória, sendo interposto

agravo de instrumento sem que seja concedido efeito suspensivo (como é a

regra), é possível a execução provisória da decisão; se esta transitar em julgado

sem interposição de recurso ou se não restar modificada por este ao final, cabível

a execução definitiva.

As soluções trazidas pela nova lei são adequadas e as regras do

sistema relativas à formação de coisa julgada foram devidamente adaptadas para

permiti-las.

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Não há, contudo, como deixar de tecer crítica relativa à

independência de caução, como regra, para a execução provisória de tal decisão,

embora, para todos os demais casos, possa ela ser exigida, nos termos do artigo

520, IV, do Novo Código Civil, também aplicável aos casos de efetivação de tutela

provisória, conforme disposto no parágrafo único do artigo 297 do mesmo diploma

legal. Segue a redação dos referidos artigos:

Art. 520. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime: (omissis). IV - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

Ora, a execução provisória se dá antes do trânsito em julgado da

decisão, sendo, por isso, marcada pela possibilidade de eventual reforma ulterior

do título, do que decorre, naturalmente, a possibilidade de ser exigida garantia,

sendo trazida como exceção a dispensa, nos termos do artigo 521 do Novo

CPC191.

Como mostram Teresa Arruda Alvim Wambier et al.,

191

“Art. 521. A caução prevista no inciso IV do art. 520 poderá ser dispensada nos casos em que: I - o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem; II - o credor demonstrar situação de necessidade; III - pender o agravo fundado nos incisos II e III do art. 1.042; IV - a sentença a ser provisoriamente cumprida estiver em consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos. Parágrafo único. A exigência de caução será mantida quando da dispensa possa resultar manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação.”.

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111

É importante considerar que a exigência de caução, aliada à responsabilidade objetiva do exequente pela eventual reforma do título, são as grandes diferenças entre o regime da execução provisória e o da execução definitiva.

192

Não se vislumbra, destarte, justificativa plausível para a inexigibilidade

de caução, como regra, na execução provisória da decisão que julga

antecipadamente parcela do mérito, haja vista ser exigida, no mesmo caso, se o

julgamento do mérito for integral, por sentença.

Contudo, sendo esse o regramento trazido, caberá à parte

prejudicada pela decisão, como mostram Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery, interpor recurso, requerendo a concessão de efeito suspensivo,

em caso de probabilidade de dano grave, irreparável ou de difícil reparação, para

que assim seja obstada a execução provisória.193

3.4.1 A execução contra a Fazenda Pública

Resta, agora, conforme exame outrora empreendido com base no

sistema processual civil de 1.973, fazer referência à execução (provisória ou

definitiva) da decisão parcial de mérito proferida contra a Fazenda Pública, em

função da remessa necessária e do sistema de execução por precatório ou

requisição de pequeno valor previsto constitucionalmente.

A remessa necessária foi mantida no Novo Código Civil, sendo

prevista no artigo 496, embora ampliado o rol de hipóteses em que não se aplica.

192

In Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Ob. cit., p. 862. 193

In Comentários ao Código de Processo Civil. Ob. cit., p. 969.

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112

Repise-se que não é de hoje que parte da doutrina tece

consideráveis críticas a respeito da manutenção da remessa necessária em

nosso sistema, calcadas no fato de que corresponderia a um privilégio processual

à Fazenda Pública já injustificável no cenário jurídico atual.194 Dar fim a ela,

portanto, seria salvaguardar a isonomia processual.

Marcelo Zenker, inclusive, estranha que tal condição de eficácia da

decisão proferida contra a Fazenda Pública não tenha sido extirpada do Novo

Código de Processo Civil, considerando que foi perdida uma chance histórica de

fazê-lo, mormente por ter sido garantido à advocacia pública até mesmo o direito

de perceber honorários de sucumbência, o que refletiria evidente incentivo a uma

atuação ainda mais eficiente, pelo que não faria sentido manter-se a necessidade

de reexame de tais decisões independentemente de recurso fazendário.195

Não se pretende aqui fazer um exame minudente do instituto da

remessa necessária, mas fato é que ao menos foram ampliadas as hipóteses

excepcionais em que ela não incide, tornando, portanto, menos aplicável tal

condição de eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública, o que

atende ao menos parcialmente a crítica doutrinária.

Interessa-nos examinar tal instituto, apenas, em função da temática

do julgamento antecipado parcial do mérito. Ou seja, impende verificar se a

decisão que julga parcialmente o mérito está sujeita ao reexame necessário, e,

ainda, como deve ser considerado o limite de valor para a dispensa da remessa

(se é levada em consideração apenas a parcela julgada antecipadamente ou a

integralidade do mérito).

194

Neste sentido: MOLLICA, Rogério. A remessa necessária e o Novo Código de Processo Civil. In ARAUJO, José Henrique Mouta; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord). Advocacia Pública (Coleção Repercussões do Novo CPC – Coordenador Geral: Fredie Didier Jr.). Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, p. 456. 195

ZENKER, Marcelo. O (velho) reexame necessário no Novo CPC. In ARAUJO, José Henrique Mouta; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord). Ob. cit., p. 266.

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113

Neste ponto, o regramento trazido pelo novo diploma legal mostra-se

deficitário.

No que aqui interessa, eis o que dispõe o artigo 496 do Novo Código

de Processo Civil:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. § 1

o (omissis)

§ 2o (omissis)

§ 3o Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o

proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4

o (omissis). (destaque nosso).

O caput do dispositivo especifica o pronunciamento jurisdicional

sujeito ao reexame necessário: a sentença.

Não foi disciplinada expressamente a necessidade ou não de

reexame da decisão interlocutória de mérito. A doutrina, portanto, já começa a

trazer posicionamentos diversos quanto a isso.

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, cujas lições são

sempre caras, entendem que há necessidade de reexame necessário de tal

decisão interlocutória, posto que também resolve o mérito, sendo apta à formação

de coisa julgada:

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114

É possível, porém, que o juiz decida o mérito, de modo definitivo, contra a Fazenda Pública por meio de decisão interlocutória, numa das hipóteses previstas no art. 356. Tal pronunciamento, por não extinguir o processo, é uma decisão interlocutória, que pode já acarretar uma execução imediata (CPC, art. 356, § 2º). Há resolução parcial do mérito, apta a formar coisa julgada. Mesmo não sendo sentença, estará sujeita à remessa necessária. Isso porque a remessa necessária relaciona-se com as decisões de mérito proferidas contra a Fazenda Pública; a coisa julgada somente pode ser produzida se houver remessa necessária. Se houve decisão de mérito contra o Poder Público, é preciso que haja seu reexame pelo tribunal respectivo; é preciso, enfim, que haja remessa necessária. Significa, então, que há remessa necessária de sentença, bem como da decisão interlocutória que resolve parcialmente o mérito.

196

Weber Luiz de Oliveira197 critica a redação do dispositivo,

exatamente em função de não ter sido feita a ressalva de que também se

aplicaria à decisão que julga antecipadamente parcela do mérito, haja vista ter o

mesmo conteúdo de uma sentença. O autor faz menção ao papel preponderante

que caberá à jurisprudência em tal aspecto, a fim de que se consolide a

interpretação literal ou a que contemple um tratamento isonômico entre as duas

situações de julgamento do mérito. Estabelecida a crítica, o artigo em que é feita

parece concordar com a necessidade do reexame em tal hipótese, com

fundamento numa interpretação sistemática. Nas palavras do autor,

[...] utilizando-se apenas de uma interpretação literal, nem mesmo se poderia conceber a execução contra a Fazenda Pública da decisão parcial de mérito ou da coisa julgada parcial, pois o art. 100 da Constituição Federal faz referência a “sentença judiciária”, com o que, é evidente, não se concorda ante a absurdidade do argumento.

198

Data venia, ousamos discordar de tal posicionamento.

196

In Remessa necessária no Novo CPC. In ARAUJO, José Henrique Mouta; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord). Ob. cit., p. 131. 197

In Execução da parte incontroversa contra a Fazenda Pública no Novo Código de Processo Civil. In ARAUJO, José Henrique Mouta; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord). Ob. cit., p. 497-498. 198

Ob. cit., p. 498.

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115

Isso porque, embora se entenda que essa leitura era legítima no

Código de Processo Civil de 1.973, mesmo porque pairava dúvida quanto ao

enquadramento da decisão aqui tratada como sentença ou decisão interlocutória

(o que fora aludido anteriormente, concluindo-se pela configuração de sentença,

que, portanto, estaria sujeita ao reexame necessário), o diploma de 2015 resolveu

a questão da definição da decisão, enquadrando-a como interlocutória (de mérito)

e não previu em tal hipótese a remessa necessária (embora tenha estabelecido a

formação de coisa julgada e o cabimento de ação rescisória).

Assim, se o Novo Código de Processo Civil alterou a definição dos

pronunciamentos jurisdicionais, não enquadrando o julgamento parcial do mérito

como sentença (o que é reforçado pelo expresso cabimento de agravo de

instrumento contra a decisão), e, em seu artigo 496 apenas exige a remessa

necessária para tal provimento, não há como se alargar a hipótese para abranger

tal decisão interlocutória, mesmo porque, como é cediço, tratando-se de regra

excepcional (a eficácia da sentença geralmente não é condicionada ao reexame),

deve ser interpretada restritivamente.

Quanto à comparação acima transcrita, feita por Weber Luiz de

Oliveira, a respeito da conclusão em relação ao disposto no artigo 100 da

Constituição Federal, temos que não pode subsistir. O atual texto de tal

dispositivo constitucional data de 2009 e, quanto ao termo “sentença judiciária”,

repete o que era trazido na redação original. Na vigência do CPC/73, mesmo nós

considerávamos que a decisão de mérito, ainda que parcial, configurava

sentença, haja vista a definição então inerente à decisão interlocutória, vinculada

às questões incidentes. Com isso, tem-se que o texto constitucional apenas não

está amoldado, obviamente, à nova definição legal dos pronunciamentos

jurisdicionais trazida pelo CPC/2015, mas, a toda evidência, não afasta a

possibilidade de execução da decisão de mérito. Não haveria como se exigir que

a Constituição se referisse expressamente à decisão interlocutória se quando o

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116

texto foi elaborado o mérito era julgado por sentença, de maneira que somente

esta propiciava a execução de valor contra a Fazenda Pública.

Rogério Mollica também considera que o artigo 496 do CPC/2015

afasta o reexame necessário da decisão parcial de mérito, concluindo que foi

essa a escolha da lei, haja vista que nos momentos em que o Código quis incluir

a decisão parcial de mérito, o fez expressamente (como já aludimos acima).

Assim, tratando-se de julgamento antecipado parcial contra a Fazenda Pública,

independemente de remessa necessária, é cabível o cumprimento, provisório ou

definitivo, da obrigação de fazer, não fazer, ou entrega de coisa que tenha sido

reconhecida; quanto à obrigação de pagar quantia, somente se admite a

execução definitiva, em função do sistema de inscrição em precatórios ou

expedição de requisição de pequeno valor previsto constitucionalmente.199

Referido autor consigna que, “de fato, sendo o Reexame Necessário uma

exceção, sua aplicação deve se dar nos estritos termos da lei, não comportando

uma aplicação extensiva pra abarcar hipóteses não previstas em nosso Código de

Processo Civil.”200.

Em relação ao quantum que deve ser considerado na execução de

valor contra a Fazenda Pública para expedição de requisição de pequeno valor ou

inscrição em precatório em caso de julgamento parcial do mérito, fica reiterado o

que se colocou linhas acima, eis que o Novo Código de Processo Civil também

não trouxe solução expressa.

Permanece, então, o entendimento no sentido de que, se houver

nesse julgamento antecipado parcial uma verdadeira descumulação de ações,

pode ser expedida a requisição de pequeno valor se a parcela já julgada do

mérito não ultrapassar o limite previsto para tanto, ainda que a integralidade deste

ultrapassasse. Contudo, se o caso for de incontrovérsia parcial de valor relativo

199

MOLLICA, Rogério. Ob. cit., p. 464. 200

Ob. cit., p. 459.

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117

ao mesmo pedido, a expedição de RPV ou inscrição em precatório deverá

observar o valor integral dele. Para melhor compreensão, remete-se o leitor ao

item 2.2.5 deste estudo.

3.5 DISTINÇÃO ENTRE JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO

MÉRITO E TUTELA DA EVIDÊNCIA

Foi outrora mencionado que no anteprojeto de Novo Código de

Processo Civil a decisão judicial em caso de incontrovérsia total ou parcial, era

tratada no âmbito da tutela da evidência, em seu art. 285, II, ainda que com a

previsão de que a resolução seria definitiva201, o que foi mantido no Projeto

aprovado no Senado (art. 278, II).202

Inovou o projeto aprovado na Câmara dos Deputados, ao prever

explicitamente, o verdadeiro julgamento antecipado parcial do mérito (art. 363203),

não só quando não houver controvérsia, mas também quando parte do mérito

estiver em condições de imediato julgamento, o que prevaleceu no texto

201

Observe-se: “Seção III - Da tutela da evidência Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando: I – (omissis). II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;” 202

“Seção III – Da tutela da evidência Art. 278. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando: I – (omissis); II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;”. 203

“Seção III – Do julgamento antecipado parcial do mérito Art. 363. O juiz decidirá parcialmente o mérito, quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 362.”.

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encaminhado à sanção presidencial, tendo-se, com isso, portanto, a redação final

do artigo 356 do Novo Código de Processo Civil, já transcrita linhas acima.

Não há como discordar que foi feliz o Projeto da Câmara trazer a

hipótese como julgamento parcial do mérito, fora do âmbito da tutela da evidência.

Impende aqui, então, fazer menção às distinções entre a figura de que

o trabalho se ocupa e a tutela da evidência, esta prevista no artigo 311 do Novo

CPC, no capítulo destinado à tutela provisória, nos seguintes termos:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Considerando que o estudo não envolve uma análise acurada da

tutela da evidência, não serão aqui tratadas em minúcias as hipóteses em que é

cabível, entretanto, pela simples leitura do dispositivo, fica claro que se trata de

hipótese de tutela provisória que independe da demonstração de perigo de dano

ou de risco ao resultado do processo, o que faz saltar aos olhos a inadequação de

manter-se situação em que seria cabível o julgamento antecipado parcial do

mérito (que abarca tutela definitiva, que tem aptidão para formar coisa julgada

material, independentemente de ulterior confirmação em sentença) em seu âmbito

(ainda que com a previsão de que, em tal caso, a solução seria definitiva).

A grande diferença entre as figuras é a cognição envolvida em cada

decisão.

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Teresa Arruda Alvim Wambier et al. indicam tal distinção:

O art. 311 cuida da tutela de evidência, tema que ganhou importância com o NCPC. Há situações em que o direito invocado pela parte se mostra com um grau de probabilidade tão elevado, que se torna evidente. Nessas hipóteses, não se conceber um tratamento diferenciado, pode ser considerado com uma espécie de denegação de justiça, pois, certamente, haverá o sacrifício do autor diante do tempo do processo. Tais situações não se confundem, todavia, com aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (arts. 355 e 356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária, e, portanto, traduz uma decisão revogável e provisória.

204

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery205 também tratam

da temática, consignando que no julgamento antecipado há decisão definitiva

sobre o mérito da causa.

Enquanto a tutela de evidência, portanto, é conferida por decisão

decorrente de cognição sumária (ainda que haja maior grau de probabilidade do

que é exigido para a tutela de urgência), e, portanto, marcada pela

provisoriedade, o julgamento antecipado parcial do mérito, assim como o total, é

oriundo de cognição exauriente. Tem-se, portanto, hipóteses que se referem a

decisões que envolvem graus de cognição distintos no plano vertical.206

Há que se ressaltar que, como já aludido acima, o julgamento

antecipado parcial do mérito é possível quando o pedido for decomponível ou

quando houver ações cumuladas que admitam a descumulação. Caso não se

esteja diante de uma dessas hipóteses, embora não seja viável o julgamento

imediato por decisão definitiva, pode ser cabível a concessão da tutela

(provisória) da evidência, nos termos do artigo 311 do Novo Código de Processo

204

Ob. cit., p. 523. 205

In Comentários ao Código de Processo Civil. Ob.cit., p. 871. 206

Tratando dos planos da cognição, Kazuo Watanabe indica a classificação no plano vertical, ou seja, de acordo com a sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta), fazendo referência, também, à forma mais tênue, rarefeita e eventual, que é cumprida no processo de execução (in Da cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 83).

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120

Civil, o que demonstra a preocupação do legislador com a distribuição do tempo

do processo entre os litigantes.207

A fim de retomar exemplo de situação em que não é cabível o

julgamento fracionado do mérito por decisão definitiva, cite-se a hipótese de

cumulação subsidiária de pedidos em que já não há necessidade de dilação

probatória para a concessão do pedido subsidiário, impondo-se a realização dela,

contudo, para o julgamento do pedido principal, caso em que, ainda que ausente

a urgência e sendo inviável o julgamento antecipado parcial do mérito, pode ser

concedida a tutela da evidência, nos termos do artigo 311 do Novo CPC, com o

enquadramento em um de seus incisos.

207

Neste sentido, Deocleciano Otávio Neto, Mateus Costa Pereira e Pedro Spíndola Bezerra Alves, tratando das hipóteses dos incisos I e IV do art. 311, CPC/2015, apontam que ambas demonstram a preocupação com a redistribuição do ônus do tempo no processo, sendo que em tese, as duas situações poderiam ensejar o julgamento fracionado do mérito, mas que, não sendo caso de pedido decomponível ou de cumulação própria de pedidos, conforme o caso, a solução descambará para a concessão da tutela da evidência. (Do julgamento antecipado parcial do mérito: primeira abordagem do tema no novo CPC. In MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Novo CPC – doutrina selecionada, Vol. 2: processo de conhecimento e disposições finais e transitórias. Coord. Geral: Fredie Didier Jr. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 312-313).

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CONCLUSÃO

A pesquisa empreendida foi calcada na imperiosa necessidade de

se pensar o processo civil à luz dos ditames constitucionais, deixando evidente

que o julgamento imediato da parcela madura do mérito, que se entende admitido

mesmo antes do advento do Código de Processo Civil de 2.015, pode encontrar

seu amparo constitucional no princípio do acesso à justiça, considerado todo o

conteúdo por ele abarcado.

Tomando como ponto de partida, no âmbito da tutela constitucional

do processo, uma breve abordagem do acesso à justiça, apta aos fins

pretendidos, foi ressaltada a evolução de seu conceito e a extensão que lhe é

atribuída (que engloba, inclusive, o conteúdo da garantia de razoável duração do

processo), sendo-lhe ínsita a ideia de efetividade processual, impondo-se no

sistema a implementação de mecanismos conducentes a alcançá-la.

Estabelecidos esses paradigmas, foi efetivada análise do julgamento

imediato da parcela madura do mérito no sistema anterior ao Código de Processo

Civil de 2015, com destaque para a grande celeuma envolvendo o artigo 273, §

6º, do CPC/1973 (que consideramos não se tratar de mera hipótese de tutela

antecipada, mas verdadeiro julgamento antecipado do pedido - ou parcela de

pedido - incontroverso) e para a dificuldade de enquadramento de tal decisão

dentre as espécies de pronunciamentos jurisdicionais, conforme definição trazida

pelo diploma legal, inclusive com as alterações advindas durante sua vigência,

com menção aos reflexos recursais e relativos à ação rescisória, bem como na

execução da decisão.

Concluiu-se pela admissão de tais julgamentos parciais (como forma

de atendimento à razoável duração do processo, pois se o jurisdicionado optou

pela cumulação de pedidos cindíveis, ou se, num dado momento, fosse possível a

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cisão do mérito em parcelas autônomas, não se poderia admitir que a parte já

apta para julgamento definitivo devesse aguardar aquela que ainda depende de

alguma dilação), enquadrando-se a decisão no conceito de sentença, que,

portanto, desafiava recurso de apelação. Como reflexo de tal entendimento, foi

apontado que a decisão era apta à formação de coisa julgada material, e,

portanto, poderia constituir objeto de ação rescisória, sem que com isso

houvesse, inclusive, qualquer afronta à literalidade do art. 467 do CPC208. Aliás,

sustentou-se que nem mesmo a conclusão diversa da aqui esposada, que

enunciava a configuração de decisão interlocutória (embora com conteúdo de

sentença), poderia afastar o cabimento da ação rescisória, haja vista os

paradigmas adotados no estudo, sob pena de ser indevidamente aviltada a

razoável duração do processo, e, então, o próprio acesso à justiça.

Quanto ao prazo decadencial para a propositura da ação acima

referida, indicou-se que, embora a súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça

tivesse repelido o entendimento pelo trânsito em julgado em capítulos e a

propositura de diversas ações rescisórias em momentos distintos, mais

recentemente houve decisão do Supremo Tribunal Federal consignando que os

capítulos autônomos de uma decisão precluem se não recorridos, iniciando-se

então o prazo legalmente previsto.

No que tange à execução, mais uma vez, tem-se uma repercussão

do entendimento pela possibilidade ou não de formação de coisa julgada, de

maneira que, do entendimento aqui externado, com enquadramento de tal

decisão como sentença, ainda que parcial, e formação de coisa julgada, infere-se

naturalmente a viabilidade de imediata execução da decisão, seja ela provisória

(em caso de interposição de apelação que não seja dotada de efeito suspensivo)

ou definitiva (não havendo sucesso no recurso contra ela interposto ou caso reste

irrecorrida), sem necessidade de se aguardar o trânsito em julgado do restante do

mérito.

208

“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”.

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O trabalho não se absteve de mencionar aspectos sobre a execução

da decisão parcial de mérito se proferida contra a Fazenda Pública.

Sustentou-se que, de acordo com os ditames do Código de

Processo Civil de 1.973 (segundo os quais dessumimos que tal julgamento

configurava sentença), haveria necessidade de submissão ao reexame

necessário para que fosse satisfeita a condição de eficácia da decisão,

excetuadas, obviamente, as hipóteses em que a própria lei o dispensava

(conclusão que não subsiste diante do Novo Código de Processo Civil). Fez-se

alusão, também, ao nosso entendimento pela possibilidade de imediata expedição

de requisição de pequeno valor relativa à parcela madura do mérito já julgada por

decisão irrecorrível e que se enquadrasse no limite de valor previsto para tanto,

caso contemplada verdadeira descumulação de ações (em que não haveria razão

para que se aguardasse a decisão do restante do mérito para permitir a execução

definitiva, com opção pela expedição de RPV ou precatório, de acordo com o

valor envolvido). No entanto, se restasse incontroversa parcela de valor que se

alegava devido pela Fazenda Pública, relativo ao mesmo pedido, consignou-se

que a execução deveria ocorrer do modo destinado ao valor integral, a fim de que

não houvesse burla ao sistema de precatórios.

Com a elaboração de um novo Código de Processo Civil,

vislumbrou-se que seria sobremaneira benéfico que a lei passasse a dispor

expressamente a respeito do julgamento da parcela madura do mérito, a fim de

conferir previsibilidade ao sistema, e, com isso, segurança ao jurisdicionado,

evitando-se os deletérios reflexos oriundos da falta de previsão legal específica no

sistema processual anterior.

Assim, o último capítulo do trabalho foi destinado às previsões do

Novo Código de Processo Civil relacionadas ao julgamento antecipado da parcela

madura do mérito, ficando patente como algumas das inovações perpetradas

guardam consonância com o conteúdo do princípio do acesso à justiça, embora

também tenha sido feita crítica à perpetuação de celeumas ou inadequada

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destinação, em determinados pontos, de tratamento diferenciado entre o

julgamento total e o parcial do mérito.

De início, fez-se menção às alterações empreendidas pela nova lei

nos elementos definitórios dos provimentos jurisdicionais, pelas quais o

julgamento antecipado parcial do mérito passou a ser considerado albergado no

conceito de decisão interlocutória, o que, repise-se, não o torna menos importante

do que uma sentença. Pôs-se, com isso, fim à dúvida quanto ao enquadramento

da decisão.

O artigo 356 do novo diploma legal contempla as hipóteses de

julgamento antecipado parcial do mérito (todas aquelas em que é desnecessária a

dilação probatória), sendo mais abrangente do que o artigo 273, § 6º, do

CPC/1973, este restrito aos casos em que não havia controvérsia, o que não

afastava a nossa conclusão sobre a possibilidade de julgamento antecipado,

também, quando parte do mérito estivesse já estivesse apta para ser objeto de

decisão decorrente de cognição exauriente, alicerçada no princípio do acesso à

justiça, a despeito de falta de previsão legal específica.

A decisão parcial de mérito aqui referida, expressamente, desafia

agravo de instrumento (o que corrobora seu enquadramento como decisão

interlocutória), preservando-se a correspondência recursal, não mais havendo que

se falar em aplicação do princípio da fungibilidade recursal, ante a inexistência de

qualquer dúvida objetiva em função da nova legislação.

Contudo, persistiram disparidades em cotejo com o julgamento

integral do mérito, o que se reputa indevido. Ora, havendo julgamento integral do

mérito (antecipado ou não), o recurso cabível é a apelação, e, como tal, tem, em

regra, efeito suspensivo automático. Além disso, há previsão de sustentação oral

no julgamento do recurso e aplica-se o disposto no artigo 942 do Novo CPC209 em

209

“Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos

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125

caso de julgamento não unânime. O julgamento antecipado parcial do mérito, por

seu turno, embora tenha a mesma natureza (há decisão, decorrente de cognição

exauriente, que resolve o mérito do processo), não dispõe de regras que tornem o

recurso, para essa hipótese, consentâneo ao recurso cabível quando o mérito é

decidido por sentença, de maneira que o efeito suspensivo não é automático

(podendo ser atribuído nos termos do parágrafo único do artigo 995210), não há

previsão de sustentação oral, e a técnica de julgamento do supramencionado

artigo 942 só se aplica quando a decisão recorrida for reformada por julgamento

não unânime.

Tem-se que (embora o novo regramento tenha contemplado a

adequação da definição dos pronunciamentos jurisdicionais, permitindo a

conclusão pela configuração do julgamento antecipado parcial de mérito como

decisão interlocutória, explicitando o recurso cabível) foi perdida uma

oportunidade ímpar de se regular mais adequadamente a matéria, para que os

ditames que regem o julgamento do mérito e o recurso contra ele interponível

pudessem ser harmônicos (seja com o enquadramento da decisão parcial de

mérito como sentença e previsão de apelação também para tal caso, ou, ao

menos, optando-se pela configuração de decisão interlocutória de mérito, com o

estabelecimento de regras que, em tal hipótese, fizessem o agravo de

instrumento assemelhar-se à apelação em seus efeitos e processamento),

mantendo-se essas disparidades incompreensíveis.

Por outro lado, andou bem o Novo Código de Processo Civil em

relação à previsão da aptidão da decisão que julga antecipadamente parcela do

mérito para formar coisa julgada material. Adaptou-se, para tanto, a definição

termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.”. 210

“Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.”.

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legal de coisa julgada, para abranger a decisão de mérito e não apenas a

sentença.

Em relação à execução, o novo diploma suplantou a dúvida quanto à

necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da última decisão proferida no

processo, estabelecendo a possibilidade de execução imediata (provisória ou

definitiva, a depender da pendência de julgamento de recurso contra ela

interposto, desde que sem efeito suspensivo). O trabalho, contudo, não se

absteve de consignar crítica relativa à independência de caução, como regra,

para a execução provisória de tal decisão interlocutória, embora, para todos os

demais casos seja geralmente exigida.

Quanto à execução contra a Fazenda Pública, o regramento trazido

pelo novo diploma legal mostra-se deficitário, não tendo sido disciplinada

expressamente a necessidade ou não de reexame da decisão interlocutória de

mérito, apenas sendo tratada a sentença.

Manifestou-se aqui entendimento no sentido de que se o Novo

Código de Processo Civil alterou a definição dos pronunciamentos jurisdicionais,

não enquadrando o julgamento parcial do mérito como sentença, e, em seu artigo

496 apenas exige a remessa necessária para tal provimento, não há como se

alargar a hipótese para abranger a decisão interlocutória de mérito (mesmo

porque sendo regra excepcional deve ser interpretada restritivamente), cabendo o

cumprimento, provisório ou definitivo, da obrigação de fazer, não fazer, ou entrega

de coisa que tenha sido reconhecida; quanto à obrigação de pagar quantia,

somente se admite a execução definitiva, em função do sistema de inscrição em

precatórios ou expedição de requisição de pequeno valor previsto

constitucionalmente.

Em relação ao quantum que deve ser considerado na execução de

valor contra a Fazenda Pública para expedição de requisição de pequeno valor ou

inscrição em precatório em caso de julgamento parcial do mérito, mantivemos,

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diante do Código de Processo Civil de 2.015, o entendimento aludido quando da

análise lastreada no sistema anterior.

Por fim, foi apontada a distinção entre o julgamento antecipado

parcial do mérito e a tutela da evidência, que reside, basicamente, no grau de

cognição, no plano vertical, envolvido em cada decisão. Enquanto a tutela de

evidência é conferida por decisão decorrente de cognição sumária, e, portanto,

marcada pela provisoriedade, o julgamento antecipado parcial do mérito, assim

como o total, é oriundo de cognição exauriente. Além disso, ressaltou-se que o

julgamento antecipado parcial do mérito é possível quando o pedido for

decomponível ou quando houver ações cumuladas que admitam a descumulação.

Caso não se esteja diante de uma dessas hipóteses, embora não seja viável o

julgamento imediato por decisão definitiva, cabível é a concessão da tutela

(provisória) da evidência, diante da presença de alguma das situações previstas

nos incisos do artigo 311 do Novo Código de Processo Civil.

Com isso, embora distante da pretensão de esgotar o tema - que,

ante a sua amplitude, somente possibilita o estudo de um rol não taxativo de

aspectos a ele inerentes, sob pena de se mostrar de todo superficial -, temos que

o trabalho elencou os elementos por nós considerados primordiais nessa seara,

possibilitando ilustrar adequadamente que o julgamento antecipado parcial do

mérito encontra respaldo constitucional, nada havendo que obstasse a sua

aplicação, mesmo no sistema anterior ao Código de Processo Civil de 2.015, para

que se atendesse ao desiderato de fazê-lo operativo, efetivo, havendo, ainda,

espaço para a consignação de críticas relativas às opções adotadas pelo novo

diploma legal.

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