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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO ALEXIA APARECIDA RODRIGUES BROTTO REPENSANDO A LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO NO ATUAL CONTEXTO SOCIOECONÔMICO CURITIBA 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

ALEXIA APARECIDA RODRIGUES BROTTO

REPENSANDO A LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIÁRIO

BRASILEIRO NO ATUAL CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

CURITIBA

2010

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ALEXIA APARECIDA RODRIGUES BROTTO

REPENSANDO A LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIÁRIO

BRASILEIRO NO ATUAL CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR, na Área de Concentração Direito Econômico e Socioambiental, Linha de Pesquisa Sociedades e Direito, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª. Dra. Claudia Maria Barbosa

CURITIBA

2010

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ALEXIA APARECIDA RODRIGUES BROTTO

REPENSANDO A LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIÁRIO

BRASILEIRO NO ATUAL CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR, na Área de Concentração Direito Econômico e Socioambiental, Linha de Pesquisa Sociedades e Direito, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________ Profª. Dra. Claudia Maria Barbosa

Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_______________________________ Profª. Dra. Danielle Anne Pamplona

Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD Pontifícia Universidade Católica do Paraná

________________________________ Profª. Dra. Cecília Caballero Lois

Convidada – Programa de Pós-Graduação em Direito – UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

Curitiba, 17 de março de 2010

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Este trabalho é dedicado a Deus, por tantas bênçãos em minha vida,

sendo esta conquista mais uma delas; e aos meus amados pais,

por seu amor incondicional.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Professora Dra. Claudia Maria Barbosa pelo estímulo e parceria para a

realização deste trabalho.

À CAPES e à Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC-PR, pelos auxílios

concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado.

À minha Professora Dra. Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa, Coordenadora do Programa de

Pós-Graduação em Direito – PPGD em 2009, pelas importantes contribuições e palavras de

apoio.

Aos meus amados pais, pela educação, atenção e carinho de todas as horas.

Ao meu esposo, pela compreensão, paciência e ajuda em todos os momentos.

Aos meus colegas do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR, por todo apoio,

paciência e compreensão.

Aos professores que participaram da Comissão examinadora.

A todos os professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR

pelos ensinamentos e pela ajuda.

A todos os amigos e familiares que de uma forma ou de outra me estimularam ou me

ajudaram.

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La construcción de la teoria se assemeja

así más a um laberinto que a uma autopista com um final feliz

Niklas Luhmann, Sistemas Sociales

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RESUMO

BROTTO, Alexia Aparecida Rodrigues. Repensando a Legitimidade do Poder Judiciário Brasileiro no atual contexto socioeconômico. Curitiba, 2010. 151p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ – PUC-PR.

A problemática da legitimidade se situa no âmago das questões referentes ao Direito, Moral, Estado e Política, numa relação de forças que visa a justificação da legitimidade da Lei, das atitudes dos governantes, da investidura dos Poderes do Estado, do magistrado e das suas decisões judiciais. Neste cenário, em que pese a elaboração de critérios de legitimidade por inúmeros doutrinadores ao longo dos séculos – geralmente sedimentados na aceitabilidade e pacificação da ordem jurídico-política – verifica-se que, no âmbito do Poder Judiciário, a passagem do Estado Liberal para o Estado Social culminou numa série de inversão de valores e de perspectivas, causando extremo desequilíbrio entre os Poderes do Estado, com o Judiciário mais demando e mais desacreditado socialmente, acentuando sua crise de função e legitimidade. O Judiciário, seja por sua maior homogeneidade, composição, forma de seleção, insensibilidade prática às demandas sociais, bem como ausência de transparência e controle, passa a ser criticado pela sociedade que tão pouco o conhece. Assim, mister uma nova leitura do conceito e finalidade da legitimidade do Poder Judiciário brasileiro, a fim de buscar a justificativa da legitimidade do juiz, bem como de suas decisões, enquanto membro do Poder do Estado. Discutir a função que se pretende do Poder Judiciário neste novo contexto social, buscando seu fortalecimento para que seja capaz de cumpri-la com maior sensibilidade às questões sociais e compromisso com seu papel político, tornam-se questões fundamentais na busca de maior democratização da Justiça e do próprio Poder Judiciário.

Palavras-Chave

Democratização. Estado. Legimitidade. Poder Judiciário.

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ABSTRACT

BROTTO, Alexia Aparecida Rodrigues. Rethinking the legitimacy of Brasilian Judiciary in the current social and economic context. Curitiba, 2010. 151p. MSc Dissertation – Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR.

The issue of legitimacy lies at the heart of matters relating to law, morals, and State Policy, a relation of forces aimed at the justification of the legitimacy of the law, the attitudes of the rulers, the investiture of the Powers of the State, the magistrate and his judgments. In this scenario, despite the development of criteria of legitimacy by numerous scholars over the centuries - usually sedimented in the acceptability and peace in the juridical and political order - it appears that within the judiciary, the passage of the Liberal State for Social State culminated in a series of inversion of values and perspectives, causing extreme imbalance between the powers of the State, the Judiciary demando more and more discredited socially, underscoring its crisis of legitimacy and function. The judiciary, either because of their greater homogeneity, composition, manner of selection, practical insensitivity to social demands and a lack of transparency and control, is being criticized by a society that knows little. So, mister a new reading of the concept and purpose of the legitimacy of the Brazilian Judiciary to seek justification for the legitimacy of the court and its decisions as a member of the state power. Discuss the function you wish the judiciary in this new social context, aiming to strengthen it to be able to perform it with greater sensitivity to social issues and commitment to its political role, become crucial issues in the quest for greater democratization of Justice and the Judiciary.

Keywords

Democratization. State. Legimitimacy. Judiciary.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10

2 REPENSANDO O PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO ...................................................................................................... 17

3 À BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO DE LEGITIMIDADE

3.1 CONCEITO DE LEGITIMIDADE ................................................................. 26

3.1.1 Legitimidade como governo bom e justo ......................................... 29

3.1.2 Legitimidade como sinônimo de legalidade ..................................... 31

3.1.3 Legitimidade como sinônimo de consentimento ............................. 33

3.1.4 Legitimidade como obediência a princípios de justiça ................... 34

3.2 FORMAS DE LEGITIMIDADE ................................................................... 36

3.2.1 Forma contratualista da legitimidade em Hobbes e Locke ........... 37

3.2.2 Forma contratualista da legitimidade acrescida da participação

democrática em Rousseau ............................................................................. 39

3.1.3 O progressivo esvaziamento e neutralização do conceito de

legitimidade em Carl Schmitt ....................................................................... 41

3.1.4 Neutralização da legitimidade em Hans Kelsen .............................. 42

3.1.5 Legitimação racional-legal, tradicional e carismática em Max

Weber .............................................................................................................. 43

3.1.6 Legitimidade a partir da legalidade em Jürgen Habermas

.......................................................................................................................... 45

3.1.7 Legitimidade como resgate do Estado Democrático de Direito em

Norberto Bobbio ............................................................................................ 47

3.1.8 Legitimidade como comunidade de valores de uma sociedade em

Ronald Dworkin ............................................................................................. 49

3.1.9 Legitimidade como aceitação dos procedimentos decisórios em

Niklas Luhmann ............................................................................................ 50

4 A LEGITIMIDADE NO SEIO DA CRISE DO PODER JUDICIÁRIO

4.1 CRISE DO PODER JUDICIÁRIO .............................................................. 55

4.2 A LEGITIMIDADE EM CRISE ................................................................... 60

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5 ELEMENTOS EXÓGENOS QUE INFLUEM NA LEGITIMIDADE DO

PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

5.1 PERDA DE AUTONOMIA DO ESTADO .................................................... 64

5.2 PARTICIPAÇÃO E CRÍTICA SOCIAL ........................................................ 68

6 ELEMENTOS ENDÓGENOS QUE INFLUEM NA LEGITIMIDADE DO

PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

6.1 NEUTRALIDADE / IMPARCIALIDADE DOS MAGISTRADOS .............. 73

6.2 INEFICÁCIA DOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS ................................... 77

6.3 AVANÇO DA TECNOLOGIA ...................................................................... 87

6.4 HOMOGENEIDADE DOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO ........... 94

6.5 FORMA DE INVESTIDURA DOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO

................................................................................................................................ 95

6.6 TRANSPARÊNCIA ...................................................................................... 105

6.7 EXTENSÃO DO PODER DECISÓRIO ....................................................... 110

7 LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

7.1 DEMOCRACIA E LEGITIMIDADE ........................................................... 121

7.2 BUSCANDO UM PODER JUDICIÁRIO MAIS DEMOCRÁTICO ........... 125

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 134

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 136

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1 INTRODUÇÃO

A escolha do tema desenvolvido nesta dissertação surgiu ao término do curso de

especialização lato sensu em Direito Processual Civil Contemporâneo, realizado em 2007,

quando a Professora Dra. Claudia Maria Barbosa, ao lecionar a disciplina de Política

Judiciária e Administração da Justiça, enfatizava o fenômeno da crise do Poder Judiciário

como acontecimento complexo, derivado das perspectivas não concluídas do Estado Social,

retratadas pela inadequação do modelo individual liberal, dependência histórica do Judiciário

frente aos demais poderes, inaptidão para garantia dos direitos sociais e sobrecarga do Poder

Legislativo, culminando no distanciamento entre Poder Judiciário e sociedade.

Na época, muito se falava a respeito das reformas do Poder Judiciário – sobretudo as

reformas procedimentais para abreviar a morosidade, sobre a Emenda Constitucional n. 45, de

20041; sobre a implantação do Conselho Nacional de Justiça – órgão de controle do Poder

Judiciário; sobre o planejamento de uma Política Judiciária e Administração da Justiça

efetiva; sobre a extensão do poder decisório enfrentado pelo Judiciário; e, também, a respeito

da forma de investidura de seus membros, uma vez que a atuação dos juízes e a efetividade de

suas decisões encontram-se em situação de descrença popular.

De fato, a abordagem da questão não representa novidade veemente. Há inúmeras

construções enfrentando o tema direta ou indiretamente, especialmente no que concerne à

crise do Poder Judiciário e à necessidade de repensar seus postulados, dentre eles a

insuficiência técnica para justificar democrática e integralmente a legitimidade do Poder

Judiciário.

De passagem, é suficiente registrar que o modelo tradicional – no qual se assenta o

Poder Judiciário brasileiro –, em cotejo com os fenômenos jurídicos da atualidade, tem

assistido ao desabamento de seus alicerces teóricos, e por esse motivo a necessidade de

análise dessa construção na busca de caminhos para melhorar não só a postura interna do

Judiciário como a prestação jurisdicional de qualidade, o desenolvimento tecnológico, a

1 A respeito da Emenda Constitucional n. 45, de 2004: "Foi publicada em 31.12.2004 a EC n. 45, promulgada no dia 08.12.2004, que traz relevantes alterações na estrutura do Poder Judiciário, e por isso ficou conhecida como Reforma do Judiciário. Diversas modificações importantes foram instituídas com diversos objetivos, desde a busca pela celeridade na prestação jurisdicional até o fortalecimento das Defensorias Públicas". (NOGUEIRA, 2005, p. 269).

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organização e a transparência, mas a sua postura perante a sociedade, seu papel político-social

num ambiente democrático.

Portanto, busca o presente trabalho averiguar como e em que medida o Poder

Judiciário está atuando como fomentador do novo paradigma social na busca de decisões

efetivas, fundamentadas, transparentes e democráticas, visando a realização da Justiça,

superação da sua crise de legitimidade e reforço da democratização do Poder Judiciário.

Assim, buscar-se-á, por meio de um retrocesso histórico, aclarar e compreender as

conseqüências do processo de consolidação do Judiciário no Brasil, a fim de identificar a

existência de uma crise questionando a própria legitimação do Poder Judiciário enquanto

poder do Estado e pacificador social.

O contexto de crise do Poder Judiciário e do próprio Estado – do qual o presente

trabalho cuidará especificamente da crise de legitimidade, identificando a matriz da

legitimação do Poder Judiciário, o porque dela estar enfraquecida e quais as possibilidades de

melhora para se resgatar o caráter democrático do Terceiro Poder – concentra-se na

constituição do Poder Judiciário enquanto poder do Estado, ou seja, na segunda fase do

Estado Moderno, com o primado da soberania e triparticição de poderes, até o surgimento do

Estado Providência, exigindo-se maior participação do Estado e poder decisório, em um

processo histórico-social ainda não concluso.

Por essa razão, preferimos adotar uma metodologia de natureza descritiva, ao estudar

as origens e o desenvolvimento do processo de legitimação do Poder Judiciário brasileiro, o

que nos permitirá demonstrar, em seqüência, a consolidação da crise de legitimidade

enfrentada pelo Terceiro Poder.

Importa ressaltar que as idéias aqui empregadas foram desenvolvidas por distintos

autores, tendo o material bibliográfico não se concentrado exclusivamente na área jurídica.

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Argumentos de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Política e Economia foram manejados

pela hodierna necessidade de contextualização e globalização2.

Dessa forma, o trabalho analisará de um lado, os conceitos legitimadores oriundos da

modernidade, cujo processo principia com Hobbes, trançando os perfis das justificações do

poder e do direito, passando pelo esvaziamento axiológico da legitimidade sob o prisma do

positivismo normativista com Kelsen, e chegando ao estudo das relações acerca da

legitimidade no Estado Democrático de Direito, sob a teoria do discurso e do procedimento,

com Habermas e Luhmann.

De outro, se reportará à confrontação dos princípios oriundos do Estado Liberal de

Direito – garantias individuais, legalidade, neutralidade e separação de poderes – com os do

Estado Social – garantias sociais, justiça social e regulação –, e sua influência na formação do

Poder Judiciário atual, seus magistrados e sua função legitimadora na sociedade pós-moderna,

2 “Existem alguns termos que usamos com tanta freqüência, mas que na realidade são tão mal conceituados como a globalização (ou mundialização). Esta palavra tem aparecido em todos os lugares, mas não decorre de qualquer um em particular. Então, o que significa esse conceito? [...]. A globalização não deve ser entendida apenas como um conceito de desenvolvimento econômico ou simplesmente como um sistema-mundo, ou como um desenvolvimento puramente global de instituições em escala. Eu chamaria de "ação a distância" [...]. O conceito descreve a crescente interpenetração entre a vida individual e opções para o futuro da dimensão global, que acho que é relativamente novo no história. [...]. A mundialização ou globalização não é um simples conunto de processo nem, tampouco, vai em uma única direção. Em alguns casos gera solidariedade e em outros as destrói. Tem diferenças muito distintas conforme a localização geográfica que se encontre. Em outras palavras, é um processo sumamente contraditório. Não se refere somente à fragmentação social: eu a vejo mais como uma sacudida das instituições nas quais se geram algumas novas formas de integração que coexistem com novas formas de fragmentação” (GIDDENS, 1995, p. 1-4). Disponível em <http://www. unrisd.org/espindex/publ/news/15esp/giddens.htm> Acesso em setembro/2009. Na mesma linha de raciocínio, “A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e espaço” (IANNI, 1994, p. 5).

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a qual, ante a complexidade das relações sociais, emergência do pluralismo3, aumento

desmedido do risco e incapacidade estatal para realização do bem comum, pressiona o Poder

Judiciário à responder àquilo que o Estado Providência não assegura politicamente.

Assim, constatar-se-á que a crise do Estado é também crise do Poder Judiciário que se

encontra altamente demanandado, tendo que decidir não somente questões de Direito, mas

também políticas. E é neste contexto que se analisará o ambiente crítico em que se encontra o

Estado e a Justiça brasileira – morosa, inacessível, burocrática e não transparente –, fato este

que se configura prejudicial à estabilidade democrática e ao fortalecimento do Poder

Judiciário, acentuando sua crise de legitimidade.

Todas essas discussões, agregada à estrutura legislativa e procedimental ineficiente,

maior complexidade dos novos direitos e formação dos operadores do direito incompatível

com a realidade sócio-política e econômica, causa um grande distanciamento entre o Poder

Judiciário e a sociedade que, não raro, desconhece o Poder Judiciário e desacredita na sua

imparcialidade e justiça.

3 “É candente a discussão em torno do pluralismo. Trinta anos atrás éramos todos democratas. Hoje somos todos pluralistas. Mas estaremos certos de saber o que se entende por pluralismo? O termo é novo, mas o conceito não [...] Quando hoje se fala de pluralismo ou de concepção pluralista da sociedade, ou coisa semelhante, entendem-se mais ou menos claramente essas três coisas. Antes de tudo, uma constatação de fato: nossas sociedades são sociedades complexas [...]. Em segundo lugar, uma preferência: o melhor modo para organizar uma sociedade desse tipo é fazer com que o sistema político permita aos vários grupos ou camadas sociais que se expressem politicamente, participem, direta ou indiretamente, na formação da vontade coletiva. Em terceiro lugar, uma refutação: uma sociedade política assim constituída é a antítese de toda forma de despotismo, em particular daquela versão moderna do despotismo a que se costuma chamar totalitarismo. No que toca, porém, à teoria tradicional dos corpos intermediários, o pluralismo contemporâneo exprime uma tendência não somente antidespótica, mas também antiestatal, entendido o Estado, todo Estado, como um momento necessário mas não exclusivo da evolução histórica. [...].Com as teorias pluralistas da sociedade e do Estado acon-tece uma autêntica inversão na interpretação do desenvolvimento histórico: enquanto da sociedade medieval até o grande Leviatã observa-se um processo de concentração do poder, de estatização da sociedade, com o advento da sociedade industrial está acontecendo um processo inverso, com frag-mentação do poder central, explosão da sociedade civil e posterior socialização do Estado [...]. Como se vê, há pluralismo e pluralismo. Frente a essa pluralidade de pluralismos, a pergunta inicial: "Estaremos certos de saber o que se entende por pluralismo?" pode ser reformulada deste modo: "Estamos certos de que, falando de pluralismo, entendemos a mesma coisa?" (BOBBIO, 1995b, p. 12-14). A resposta a essas questões, o próprio autor confere na mesma obra, entendendo que o “pluralismo evoca positivamente um estado de coisas no qual não existe um poder monolítico e no qual, pelo contrário, havendo muitos centros de poder bem distribuídos territorial e funcionalmente, o indivíduo tem a máxima possibilidade de participar na formação das deliberações que lhe dizem respeito, o que é a quintessência da democracia. Negativamente, dá a imagem de um estado de coisas caracterizado, de um lado, pela falta de um verdadeiro centro de poder e, de outro, pela existência de inúmeros centros de poder continuamente em luta entre si e o poder central, ou seja, pela prevalência dos interesses particulares, setoriais e grupais sobre o interesse geral, das tendências centrífugas sobre as centrípetas, pela fragmentação do corpo social em vez de sua benéfica desarticulação” (BOBBIO, 1995B, p. 16), em que pese sua descrição do pluralismo tenha sido considerada por alguns como limitativa e enganosa.

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Esta constatação nos permitirá comprovar nossa principal hipótese, qual seja, a de que

o Poder Judiciário brasileiro, devido ao seu processo histórico-social de formação, bem como

as influências do Estado Liberal e do Estado Social, encontra-se em profunda crise, sendo

necessário uma reconstrução do seu processo de legitimação a fim de encontrar uma

justificativa que o legitime social e politicamente, erigindo-o a um verdadeiro Poder do

Estado Democrático de Direito.

Objetivar-se-á, dessa forma, esclarecer que a distância entre o Poder Judiciário e a

sociedade possui raízes históricas, ancoradas da idealização da tripartição de poderes,

imparcialidade judicial, ausência de transparência e controle, por meio da escolha não

democrática de seus membros.

No entanto, longe de acreditar na via eletiva como única possibilidade viável de

legitimação e democratização do Poder Judiciário (ZAFFARONI, 1995, p. 43), buscar-se-á

retratar outras maneiras de legitimidade, como a racionalidade da decisão judicial

(Habermas), o estabelecimento de uma comunidade de valores (Dworkin), ou a legitimação

pelo procedimento (Luhmann), que culmina na decisão judicial – fundamentada –, como

formas de legitimar o Poder Judiciário na consecução de suas funções.

Dessa forma, verificar-se-á que cada elemento influente na legitimidade do Poder

Judiciário, seja ele externo ou interno, remete-se a uma determinada forma ou conceito de

legitimidade em particular. Por essa razão, pensar um processo de fortalecimento do Poder

Judiciário requer, necessariamente, uma leitura de cada um dos elementos que influenciam na

legitimidade do mesmo – imparcialidade, transparência, poder decisório etc. –, destacando

qual a forma de legitimidade que se relaciona cada elemento a fim de que se possa identificar

uma proposta de superação da crise de legitimidade condizente com cada um desses fatores.

Assim, deseja-se clarificar a necessidade de reestruturação das relações entre Poder

Judiciário e sociedade, bem como da autonomia, independência e legitimação deste Poder.

Nesta ambrangência, evidenciar-se-á a busca por uma (re)democratização efetiva do

Poder Judiciário, para que este assuma seus laços sociais, não mais apartando-se da sociedade,

mas informando-a do porque e para que se fazer justiça. Para tanto, o presente trabalho

fundamentar-se-á sempre em retrocessos históricos, repensando o processo de legitimação do

Poder Judiciário a fim de chegar-se a uma conclusão, ou pelo menos possibilidades, do que

pode fazer este Poder para resgatar seu caráter democrático. Afinal, não chegaremos à raiz das

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dificuldades enfrentadas pela democracia se não formos à raiz de sua justificativa (CHAUI,

2001, p. 198), ou seja, às idéias de soberania, povo, poder e legitimidade.

Por isso a necessidade de uma releitura efetiva que discuta a real função que se

pretende do Poder Judiciário na contemporaneidade, buscando fortalecê-lo e democratizá-lo4,

a fim de aproximá-lo do contexto social do qual pertence, resgatando, assim, sua legitimidade.

E a grande questão que vem à baila, no limiar na pós-modernidade, é justamente o fato

de como resgatar os fundamentos de legitimidade do Poder Judiciário, num mundo em que o

Direito e os órgãos judiciais se reduzem cada vez mais ao desconhecimento popular, à

privilégios incompreensíveis pela sociedade, ausência de transparência e controle popular.

Como se observa, trata-se de um tema bastante amplo e complexo. Mas de extrema

necessidade de discussão e problematização no atual momento paradoxal5 em que vivemos.

Como premissas necessárias à compreensão do tema, no Primeiro Capítulo, após esta

Introdução, apresenta-se estudo repensando o processo de legitimação do Poder Judiciário,

relatando a ausência de conhecimento e compreensão da função e aceitação do Poder

Judiciário, decorrentes de perspectivas liberais ainda enraizadas na concepção Estatal,

culminando num processo crítico de distanciamento do Judiciário e a sociedade.

Posteriormente, no Segundo Capítulo, investigará o conceito de legitimidade, em suas

várias dimensões, bem como as formas de legitimidade que justificam a legitimidade do

Poder Judiciário em cada momento histórico.

Em continuidade, apresenta-se, no Terceiro Capítulo, a relação entre a legitimidade e

a crise do Poder Judiciário, destacando a legitimidade como fator determinante na superação

dos demais das demais dificuldades do Poder Judiciário.

No Quarto Capítulo, apresentam-se os elementos exógenos que influem na

legitimidade do Poder Judiciário brasileiro, enfatizando a perda de autonomia do Estado, a

4 “O processo de democratização do Poder Judiciário não se insere somente na criação de controles democráticos das atividades que não sejam jurisdicionais, ao contrário, vai mais além, já que trata-se também de um processo de desmitificação do sistema judicial, portanto, de transparência e simplificação das suas atividades” (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 106). 5 “O nosso tempo é um tempo paradoxal. É, por um lado, um tempo de grandes avanços e de transformações dramáticas, dramaticamente por revolução da informação e da comunicação, revolução eletrônica, revolução da genética e da biotecnologia. Mas é, por outro lado, um tempo de inquietantes regressões: do regresso dos males sociais que pareciam superados ou em vias de o ser. [...]. O paradoxo está em que, se por um lado, parecem mais do que nunca, reunidas as condições técnicas para cumprir as promessas da modernidade ocidental, como a promessa da liberdade, da igualdade, da solidariedade e da paz, por outro lado, é cada vez mais evidente que tais promessas nunca estiveram tão longe de ser cumpridas como hoje” (SOUSA SANTOS, 2002, p. 29).

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menor participação e crítica social, bem como a existência de um déficit de legitimidade

afetando o Poder Judiciário em razão desses elementos.

Em complementação ao capítulo anterior, o Quinto Capítulo cuida da análise dos

elementos endógenos que influenciam no processo de legitimação do Poder Judiciário

brasileiro, trazendo conceitos do Estado Liberal que foram modificados pelo Estao Social,

como a neutralidade e imparcialidade do magistrado; a ineficácia dos procedimentos judiciais;

o avanço tecnológico; a forma de investidura dos magistrados; a transparência e a extensão do

poder decisório, analisando como esses elementos influenciam no déficit de legitimidade do

Poder Judiciário e como deles se pode sorver possibilidade de resgate do seu caráter

democrático.

E, analisando esses elementos, finalmente, o Sexto Capítulo destina-se ao exame das

condições de democratização do Poder Judiciário atualmente, bem como a medida em que se

pode pensar num resgate democrático de sua legitimidade, com aceitação, racionalidade e

participação popular.

Repensar o processo de legitimação do Poder Judiciário, desembocando na atual

estrutura do sistema judicial brasileiro e, problematizar as possibilidades de resgate da

legitimidade democrática do Judiciário brasileiro a partir das premissas aqui esboçadas é o

desafiante objetivo que convida à leitura deste trabalho.

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2 REPENSANDO O PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

A ausência de conhecimento e compreensão do significado e função do Poder

Judiciário constitui fenômeno evidente em nossa sociedade contemporânea.

As razões decorrem de diferentes fatores, tais como, excessiva formalização dos

procedimentos judiciais, tecnicidade do vocabulário e conhecimento jurídicos, forma de

investidura dos membros do Poder Judiciário, ausência de transparência nas decisões judiciais

e controle popular da efetividade das mesmas.

Diante deste cenário, antes mesmo de retratar o conceito e formas de legitimidade do

Poder Judiciário, bem como as premissas de seu resgate democrático, é possível observar,

fazendo-se necessário destacar que o distanciamento do Poder Judiciário como fator de

agravamento de sua crise não foi um processo estanque, tampouco imediato, mas fruto de

intensas modificações ideológicas, políticas, econômicas e sociais, oriundas desde o Estado

Liberal, modificadas pelo Estado Social, até o exurgimento do Estado Democrático, abalando

fundamentalmente o fator “legitimidade” do Poder Judiciário.

De fato, a constituição do Poder Judiciário, reconhecida como poder estatal é oriunda

do Estado Moderno, essencialmente fundamentada no Estado soberano, laico e constitucional

(BARBOSA, 2006, p. 201), tendo, por essa razão, o primado da Constituição. Sob este

aspecto, Bonavides (2004, p. 37) assim entende:

Verifica-se, portanto, que a premissa capital do Estado Moderno é a conversão do Estado absoluto em Estado constitucional; o poder já não é de pessoas, mas de leis. São as leis, e não as personalidades, que governam o ordenamento social e político. A legalidade é a máxima de valor supremo e se traduz com toda energia no texto dos Códigos e das Constituições.

Aliado à força constitucional, vigorava no Estado Moderno e, portanto, no seio da

constituição do Poder Judiciário, o princípio da separação de poderes, idealizado por

Montesquieu. Na realidade, Locke foi o primeiro a invocar a separação dos poderes

(ARAÚJO, 2004, p. 3), preocupando-se substancialmente com a identificação das atribuições

de cada poder: executivo, legislativo e federativo. No entanto, foi com Montesquieu que o

modelo tripartido ganhou maior reconhecimento e características compatíveis com o Estado

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Liberal, como a limitação do poder e a garantia da liberdade dos cidadãos (ARAÚJO, 2004, p.

14).

Note-se que o Poder Judiciário, à época de sua constituição era reconhecido como

poder nulo, quase invisível, tendo como característica principal apenas a neutralidade e não a

força política como os demais poderes estatais. Para o Estado Liberal, dificilmente se poderia

falar em “função julgadora” se não houvesse neutralidade dos magistrados (SOUZA, 2008, p.

41) e, por essa razão, ao Judiciário cabia apenas a aplicação do Direito.

Assim, no Estado Liberal, a medida em que as características substanciais do Estado

se pautavam no individualismo6 e não intervencionismo, o papel atribuído ao Executivo,

Legislativo e Judiciário se restringia à imposição de limites ao poder do soberano e garantia

dos direitos individuais.

No entanto, tal modelo revolucionário que garantia direitos individuais e limitava o

poder do soberano, com o passar do tempo passou a favorecer apenas os aspectos da teoria

liberal que mais interessavam a burguesia capitalista, “denegando a distribuição social da

riqueza e excluindo o povo do acesso ao governo” (WOLKMER, 2003, p. 121).

Mas não foi só isso. Com o primado sagrado da legislação, a crescente utilização da lei

dispositiva acabou por “esvaziar o equilíbrio entre os poderes, a hierarquia das leis, o

controle de constitucionalidade, o princípio da legalidade e a segurança jurídica,

configurando, no limite, em quadro de ‘inutilidade das leis’” (FARIA, 1985, p. 33)

transformando o direito em simples meio de governo. Além disso, o favorecimento das

garantias e direitos individuais restringia o amparo aos direitos coletivos e direitos de massa

que começavam a despontar ao final do século XVIII, causando grandes entraves ao Poder

Legislativo que não possuía leis que garantissem direitos coletivos ou supraindividuais (FUX,

1998, p. 3), e ao Poder Judiciário, cujos magistrados não tinham bases sólidas para decidir

sobre tais direitos.

6 Sobre a ética individualista do Estado Liberal: “o liberalismo torna-se a expressão de uma ética individualista voltada basicamente para a noção de liberdade total que está presente em todos os aspectos da realidade, desde o filosófico até o social, o econômico, o político, o religioso etc. Em seus primórdios, o Liberalismo se constitui na bandeira revolucionária que a burguesia capitalista (apoiada pelos camponeses e pelas camadas sociais exploradas) utiliza contra o Antigo Regime Absolutista. Acontece que, no início, o Liberalismo assumiu uma forma revolucionária marcada pela “liberdade, igualdade e fraternidade”, em que favorecia tanto os interesses individuais da burguesia enriquecida quanto o de seus aliados economicamente menos favorecidos. Mais tarde, contudo, quando o capitalismo começa a passar à fase industrial, a burguesia (a elite burguesa), assumindo o poder político e consolidando seu controle econômico começa ‘a aplicar na prática somente os aspectos da teoria liberal’ que mais lhe interessam, denegando a distribuição social da riqueza e excluindo o povo do acesso ao governo” (WOLKMER, 2003, p. 121).

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Dessa forma, o modelo Liberal foi enfraquecendo e perdendo espaço, sobretudo nos

países mais desenvolvidos. A dinâmica política, “sem eliminar-lhe o substrato de liberdade,

mas antes forcejando por ampliá-lo, faz nascer o Estado Social, o qual introduz nos artigos

da Constituição os direitos sociais” (BONAVIDES, 2004, p. 37), preocupando-se com a

proteção dos cidadãos.

A idéia do Estado Social, ou Welfare State, (SANTOS e SANTOS NETO, 2008, p.

63)

[...] se circunscreve nos limites da política econômica capitalista, envolvendo, porém, valores humanitários e supondo modificações nas estruturas sociais ligadas direta ou indiretamente ao processo produtivo, sem questionar a forma como a sociedade está estruturada. Esse Estado, intrinsecamente ligado à modernização da sociedade ocidental, é considerado elemento fundamental no processo de participação política e redistribuição de renda, com relação à população menos privilegiada da sociedade.

Mas para que tal efetivamente ocorresse era substancial um avanço efetivo do Estado

constitucional sob pena de retroceder ao passado liberal (BONAVIDES, 2004, p. 37), e por

essa razão a proposta de um modelo de Estado constitucional em que o teor social das

instituições se tornava a nota mais predominante de sua caracterização (BONAVIDES, 2004,

p. 43), em que pese estivesse, o Estado Social, rodeado de inúmeros obstáculos relativos aos

meios e fins indispensáveis a sua efetiva implantação (BONAVIDES, 2004, p. 337). Inclusive

em relação ao Poder Judiciário que, embora adquirindo força e robustez, permanecia com um

braço preso (SIEYÈS, 2001, p. 3) e dependente dos demais poderes.

Nada obstante, a proposta de um novo modelo de Estado exigiu deste uma maior

participação na defesa e assecuração dos direitos sociais, passando ao estágio de estado

intervencionista e, principalmente, fortalecendo a atuação do Poder Executivo. Esse fato,

ocorrido também no Brasil, e mediante a promulgação da Constituição Federal de 1988,

inaugurou um novo modelo de estado, voltado substancialmente à efetivação dos direitos

fundamentais e sociais, nas esferas individual e coletiva.

Com a Constituição, igualmente, obteve-se um novo conceito de legitimidade, assim

registrado por Bonavides (2004, p. 44-45):

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Quando se inaugurou, porém, a nova idade constitucional dos direitos sociais, como direitos da segunda geração, a legitimidade – e não a lei – se fez paradigma dos Estatutos Fundamentais. No Constitucionalismo contemporâneo a Teoria da Norma Constitucional passou a ter, a nosso ver, a legitimidade por fundamento. A legitimidade é o direito fundamental, o direito fundamental é o princípio, e o princípio é a Constituição na essência; é sobretudo sua normatividade. Ou, colocado em outros termos: a legalidade é a observância das leis e das regras; a legitimidade, a observância dos valores e dos princípios.

Assim, por meio da Constituição, a supremacia do soberano cedeu lugar à supremacia

do povo7, grande norte e objetivo do Estado constitucional. No entanto, não basta a

Constituição Federal assegurar direitos que Estado não consegue cumprir. E, nessa seara, a

fatal incapacidade estatal na efetivação desses direitos passou a pressionar o Poder Judiciário

a decidir e aplicar o direito em tais situações. Para Almeida e Bittencourt (2008, p. 251):

A solução encontrada foi conferir maior crédito ao Poder Judiciário, até porque o Legislativo se mostrou incapaz de cumprir o papel a ele atribuído, por uma série de fatores, dentre eles: a impossibilidade de se prever abstratamente todas as ações humanas; a influência da política na elaboração das leis, criando uma aproximação perniciosa do legislativo e executivo; e o desvio da função predominante de legislar para as funções anexas do legislativo.

Com isso, o Poder Judiciário que no Estado Liberal era quase invisível, ganha papel de

relevo no Estado Social – ainda que em razão da incapacidade estatal do que um desejo do

próprio Judiciário – culminando na crise do Estado Moderno – “crises de governabilidade e

de ‘hiperjurisdição do Estado Providência’” (CAMPILONGO, 1997, p. 11) e, também, crise

do Poder Judiciário altamente demandando em razão da ineficácia do Estado e ausência de

políticas públicas para efetivação dos direitos prometidos e não cumpridos pelo Estado Social.

A esse respeito Weffort (1992, p. 82) entende que:

7 “a soberania passa do Estado para a Constituição, porque a Constituição é o poder vivo do povo, o poder que ele não alienou em nenhuma assembléia ou órgão de representação, o poder que faz as leis, toma as decisões fundamentais e exercita uma vontade que é a sua, e não de outrem. [...]. O Povo é a Constituição, a Constituição é o Povo; os dois, com o acréscimo da soberania, compõem a santíssima trindade política do poder” (BONAVIDES, 2004, p. 52-53).

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O Estado-Nação vem fracassando de modo evidente na promoção da coesão social. Trata-se aqui de todas as atividades empreendidas pelo Estado no sentido de integrar a sociedade nacional: educação, saúde, direitos sociais, garantias econômicas de sobrevivência para os indivíduos. Nos Estados mais modernos, esta função integradora da sociedade envolve também mecanismos eficazes de redistribuição de renda e um crescimento da igualdade social. Em contraste com o que se deveria esperar de sociedades dirigidas por Estados modernos, muitos países da América Latina vão tomando cada vez mais a feição, não de sociedades nacionais, mas de sociedades de apartheid.

Isso se torna evidente quando se depara com situações nas quais o Estado garante

saúde, educação etc., a Legislação formaliza esses direitos, o Executivo não implementa

políticas públicas a respeito e todos remetem o problema para que o Judiciário resolva. Este,

resolvendo ou não o problema social, passa a sofrer críticas constantes, quer em razão de sua

função, quer em razão de sua legitimidade, contribuindo para o fracasso ímpar do Estado

Social. Santos e Santos Neto (2008, p. 65-66) observam que:

Para os defensores das políticas sociais, o Welfare State não passa por uma verdadeira crise, sofre antes uma mutação em sua natureza e operação. Já os conservadores acreditam que o Estado de Bem-Estar Social constitui uma estrutura perniciosa e corresponde a uma concepção perversa e falida do Estado. Todos concordam que a crise é sobretudo uma crise de caráter financeiro-fiscal. Outros motivos são relacionados: a crise é produto da centralização e da burocratização excessiva; a crise deve-se à perda de eficácia social, uma vez que o Estado de Bem-Estar Social não consegue eliminar a pobreza; a crise é devida à falência do pacto político do pós-guerra que deu origem ao Welfare State; a crise se deve à incapacidade do Estado de Bem-Estar Social de responder aos novos valores predominantes nas sociedades pós-industriais. Há ainda uma crise de legitimidade, resultado de um baixo apoio junto à opinião pública.

Corroborando a explanação acima, Barbosa e Costa (2007, p. 2) tecem o seguinte

comentário:

[...] este contexto da sociedade em transformação traz importante reflexo no Poder Judiciário e acentua uma crise que era (pode-se dizer) pontual no Estado Liberal, ampliou-se no Estado providência e, na pós-modernidade, ameaça a própria identidade do Poder Judiciário [...].

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Pois, se o Estado não cumpre, a população exige de alguém, e esse alguém, na atual

conjuntura, é o Poder Judiciário. E quando não se obtém respostas à solução de conflitos ou

assecuração de direitos é ele, o Poder Judiciário, bem como seus magistrados que figuram

como centro das críticas, desrespeito, descrença, incompreensão etc. Para Faria (1989, p. 31):

É por essa razão que o Estado intervencionista encontra-se hoje numa posição difícil, ou seja: ele está diante da impossibilidade de regular a vida social em todos nos seus pontos mais explosivos ao mesmo tempo em que é obrigado a manter desmobilizados, controlados e/ou cooptados as massas marginalizadas e os grupos e frações de classe descontentes, tendo assim de inibir a organização dos protestos e das contestações numa oposição articulada, orgânica e polar. É por isso, igualmente, que o legislador tecnocrata se vê diante de um duplo desafio: por um lado, o de aprender a conviver com um consenso crescentemente escasso, e, por outro, o de maximizar as funções diretivas, operativas e fabuladoras de um discurso normativo cada vez mais abrangente, genérico, abstrato, programático e sem base material. Um discurso cuja finalidade básica é, em suma, propiciar a “epicização” ou a “epopeização” do Estado, permitindo que seus dirigentes se apresentem como “heróis públicos” empenhados em atuar como grandes e iluminados “servidores do povo”.

Resta evidente que a crise do Estado é também a crise do Poder Judiciário. E essa relação

existente entre o que o Estado promete garantir e o que efetivamente é cumprido, separa o

Estado e o Poder Judiciário da sociedade, ficando este último em situação de extrema

ambigüidade (RUIVO, 1989, p. 75):

[...] Se enquanto exercício de poder ele é empurrado para a sociedade, para resolver eventuais conflitos que perturbem a pacificidade da liberdade contratual que caracteriza as relações da área privada, o domínio dos sujeitos de direito, e, nesse sentido, ocultando o poder, do lado da sociedade assiste-se ao movimento inverso: de modo progressivo, o juiz vai sendo relegado para a área do Estado, não só porque se encontra vinculado à lei deste, mas também porque a própria lei (em conformidade com o desenvolvimento do Estado) vai crescentemente abandonando a sua função meramente ordenadora, intervindo na configuração da esfera privada.

Dessa forma, verifica-se que, na medida em que aumenta a complexidade das relações

sociais, o processo de globalização e a exigência por uma efetiva democracia, a

responsabilidade estatal aumenta, alargando-se, conseqüentemente, a responsabilidade do

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Judiciário. E, “quando o Estado, que é lócus privilegiado para a resolução destes conflitos

não os soluciona com eficiência, ocorre uma perda de legitimidade das instituições

tradicionais, provocando uma crise no Poder Judiciário” (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 17).

Crise ainda não superada e cada vez mais acentuada no cenário brasileiro. Pois,

partindo-se do pressuposto de que um Estado somente se legitima quando promove a

prosperidade econômica e a segurança social, diminuindo o nível dos conflitos e oferecendo a

contraprestação (BONAVIDES, 2004, p. 323-324), e verificando que tais pressupostos não

são efetivamente garantidos, a legitimidade do Estado perde credibilidade. E, com ela,

também o Judiciário é questionado em sua legitimidade, quer em razão do não cumprimento

de suas funções – ainda que oriundas de omissões do Legislativo e Executivo – quer em razão

da fundamentação das suas decisões, efetividade, imparcialidade, forma de investidura dos

seus membros e controle popular.

O Judiciário hoje, o último dos três poderes a sensibilizar-se com as mudanças

ocorridas no final do século XX, tenta se desvencilhar da figura de “paquiderme”8 estatal

(ALVES, 2004, p. 1-2). A permanência da submissão à extrema racionalidade formal

(GUÉRIOS, 1999, p. 56), tradicionalismo excessivo, inacessibilidade às novas posturas

sociais, está cedendo lugar, ainda que sensivelmente, às propostas do neoconstitucionalismo,

garantismo, ativismo judicial. Mas ainda assim, nos encontramos numa democracia perene e

frágil (BEZERRA, 2008, p. 237).

José Eduardo Faria antes da Constituição Federal de 1988 já falava em crise estrutural

do Poder Judiciário, falta de credibilidade no regime, fragmentação de seu aparelho

burocrático, desorganização de seus procedimentos administrativos, desmoralização de sua

autoridade, bem como a necessidade de nova legitimação do poder por um novo pacto, uma

nova Carta Magna. No entanto, muito embora a construção da democracia no Brasil tenha

ganhado força após o regime militar, em 1985, sobretudo com a promulgação da Constituição

Federal de 1988, o que se verifica é que o desejo de participação poplar na engrenagem

política (BEZERRA, 2008, p. 237) não foi efetivamente consolidado, e se continua a falar em

crise de legitimidade do Poder Judiciário.

8 Sobre a expressão “paquiderme”, “s.m. Diz-se do animal que tem a pele espessa (elefante, rinoceronte, hipopótamo)”. (DICIONÁRIO VIRTUAL AURELIO). Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em dezembro/2009.

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Isso porque o problema da legitimidade hoje, não está exclusivamente relacionado à

positivação normativa – garantia de legitimidade no Estado Liberal –, mas substancialmente a

uma análise das novas tendências do Estado Social e a um resgate efetivo da democracia, o

qual só se faz possível mediante a redução das desigualdades sociais, fortalecimento das

instituições do estado e a consolidação das diferentes formas de participação política, a fim de

proporcionar aos cidadãos maior representatividade, direta ou indiretamente. Conforme

leciona Araújo (2004, p. 323):

Se é certo que a Constituição de 1988, na medida em que redefiniu os poderes do Estado e fixou novos parâmetros de garantias de direitos, fortaleceu o Poder Judiciário, não podemos afirmar que, da mesma forma, tenha lhe permitido vencer os tradicionais limites de sua vocação e capacidade de solucionar conflitos.

Eis que a simples positivação normativa não significa parâmetro de efetividade

daquilo que ela determina. A Constituição Federal de 1988 determinou, de fato, “amplas

margens de possibilidades para se efetuar mudanças na estrutura judiciária brasileira,

facilitando a sua adaptação ao novo papel que a moderna Carta lhe atribuiu” (ARAÚJO,

2004, p. 331), no entanto, a realização dos valores nela estabelecidos e a adaptação do Poder

Judiciário ao seu novo papel é dependente da participação jurídico-política de uma ampla

comunidade de intérpretes, e de uma hermenêutica constitucional que ultrapasse o formalismo

positivista (CITTADINO, 2004, p. 62-64), e possa atender aos anseios e necessidade sociais

de forma efetiva.

Afinal, “um Poder Judiciário fragilizado é sempre uma ameaça às garantias

fundamentais institucionalizadas” (ARAÚJO, 2004, p. 408), exigindo-se dele, uma

redefinição das suas condições de funcionamento e atuação, a fim de que possa se adaptar aos

processos de mudança social, econômica e política orientando-se por novos parâmetros de

funcionalidade burocrática (ARAÚJO, 2004, p. 413). Dessa forma Ruivo, 1989, p. 87) ratifica

que:

A renovação e revitalização da instituição judiciária e do “papel” do juiz, torna-se assim, de extrema importância pela repercussão, pelo efeito legitimador de retorno, que passa a ter sobre todo o sistema social: discutem-se então as formas de garantia de legitimidade das decisões judiciais – o processo em si, a garantia de acesso à justiça, a posição do juiz face às partes e a sua imagem social.

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Tudo isso com o fito de resgatar a legitimidade “perdida” ou “desacreditada” do Poder

Judiciário, estabelecendo uma conexão entre o Poder Judiciário e a sociedade, entre a tomada

de decisão e a participação popular.

Para tanto, é preciso primeiro buscar o que se entende por legitimidade para então

compatibilizar uma forma de legitimidade ou formas de legitimidade que justifique a atuação

do Poder Judiciário contemporaneamente.

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3 À BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO DE LEGITIMIDADE

3.1 CONCEITO DE LEGITIMIDADE

A busca por definições não é investigação específica do Direito ou das Ciências

Sociais, sendo postulado elementar para aclarar expressões, adequando-as ao contexto que se

objetiva retratar. Por essa razão, antes de adentrar ao tema do processo de legitimação do

Poder Judiciário brasileiro e sua conseqüente crise contemporânea, mister a definição ou pelo

menos diretrizes básicas do conceito de legitimidade.

Conforme SARTORI (1965, p. 151) “Definir significa assinalar limites, delimitar.

Um conceito torna-se indefinido enquanto for ilimitado. Isso quer dizer que uma definição

deve abranger o todo do que ela define, mas não mais do que isso”.

Mas abranger o todo da expressão “legitimidade” pode significar tarefa árdua, devido

a multiplicidade de sua definição, pressupondo o conhecimento de outras noções a ela

relacionadas como legalidade, justiça, consentimento e poder – este último representado pela

“energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado

território, conservando-a unida, coesa e solidária” (BONAVIDES, 2005, p. 106).

Geralmente, as definições ex adverso são as mais fáceis. Da mesma forma como se

torna difícil dizer o que é o branco, comumente dizemos que é o oposto do preto (SARTORI,

1965, p. 151). Sendo assim e, trazendo para a tônica deste trabalho, legitimidade seria o

oposto de ilegitimidade; todavia, de igual maneira, essa espécie de conceituação traria os

mesmos pressupostos acima delineados acrescidos de seus antônimos: ilegalidade, injustiça,

não consentimento e ausência de poder.

Sem dúvida, “legitimidade” é um dos muitos conceitos que se posicionam no âmago

das indagações das ciências sociais, possuindo uma definição complexa que, invariavelmente,

é relacionada com aquilo que se observa por “legítimo”, em cada momento histórico, uma vez

que, como todo conceito, a legitimidade é histórica, designando, ao mesmo tempo, “um

conceito e um valor de convivência social” (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998, p.

678).

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Pois bem, o termo “legitimidade” deriva de “legítimo”, que por sua vez deriva do

latim “legitimus”, correspondendo àquilo que está em conformidade, é lícito, estando de

acordo com as leis (GUERRA FILHO, 1999, p. 99).

Para o Direito Romano, a expressão legitimidade guarda estrita relação com o direito

de família e sucessões, na indicação de filiação e herdeiros legítimos (em conformidade, de

acordo com a lei).

Com a Idade Média, entra em cena a expressão “legitimitas”, que passa a designar o

que está de acordo com os costumes, antes que com a lei. E, posteriormente, aliada às

premissas de São Tomás de Aquino e Bartollo di Sassoferrato, surgiram as primeiras noções

de legitimidade como a qualidade do direito de governar (legitima potestas) (DINIZ, 2006, p.

37). Para MERQUIOR (1980, p. 2):

[...] foi também na Idade Média que o conceito de legitimidade aproximou-se decisivamente da experiência do poder. Na verdade, a emergência do conceito de legitimidade como questão política foi ocasionada pelo colapso do regime de governo direto no mundo antigo, podendo ser atribuída, em grande parte, à substituição da democracia direta da ágora e do governo pessoal dos tiranos locais pela autoridade imperial. Assim, o uso medieval do termo “legítimo” para designar os detentores do poder reflete uma longa familiaridade com o poder de representação dos imperadores e dos papas.

E assim o direito medieval constituiu a noção da legitimidade como qualidade do

direito ao governo, deflagrando a representação como um elemento integrante do poder

legítimo.

Tal fato remonta a idéia de que a legitimidade se torna elemento central na filosofia e

história do direito, servindo como “uma baliza ao poder em exercício, apesar de nem sempre

resultar de um governo efetivo que atenda as demandas sociais” (TAVARES NETO e

LOPES, 2008, p. 47).

Para Adeodato (1989, p. 17), ao mesmo tempo que traz um elemento de representação

e autoridade, a legitimidade traz uma conotação de desejabilidade, sendo positivamente

valiosa em relação ao poder, além de informar uma qualidade ética que enfatiza a maior ou

menor potencialidade para que o direito – o sistema jurídico – atinja certo ideal de perfeição

(GONÇALVES, 2002, p. 17).

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E é neste momento que o vocábulo legitimidade passa do sentido genérico para o

sentido específico, sendo empregado no contexto jurídico-político (SILVA, 2003, p. 395)

constituindo a qualidade para tornar válida a atuação do Estado em face dos demais cidadãos

(SILVA, D., 2000, p. 480). Exemplificando os sentidos genérico e específico, Bobbio,

Matteucci e Pasquino (1998, p. 675):

O termo Legitimidade possui dois significados, um genérico e um específico. No seu significado genérico, Legitimidade tem, aproximadamente, o sentido de justiça ou de racionalidade (fala-se na Legitimidade de uma decisão, de uma atitude, etc). É na linguagem política que aparece o significado específico. Neste contexto, o Estado é o ente a que mais se refere o conceito de Legitimidade. O que nos interessa, aqui, é a preocupação com o significado específico. Num primeiro enfoque aproximado, podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos. É por esta razão que todo poder busca alcançar consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. A crença na Legitimidade é, pois, o elemento integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado.

Assim, para referidos autores, o conceito de legitimidade subdivide-se em aspecto

objetivo, estabelecendo a compatibilidade entre a ação governamental e o conjunto de valores

sustentados pelos diversos grupos existentes na sociedade (MERQUIOR, 1980, p. 5), ou seja,

os fundamentos do poder estatal – o que se denomina de legitimidade (DINIZ, 2006, p. 30), e

o aspecto subjetivo, traçando a crença como a validade do governo pelas pessoas a ele sujeitas

(MERQUIOR, 1980, p. 4), e como o recurso mobilizador da obediência às ordens da

autoridade instituída – o que se denomina de legitimação (DINIZ, 2006, p. 30).

Dessa maneira, nesse último aspecto, a legitimidade também pode ser vista como o

termômetro indicador da adequação (ou inadequação) entre o que os destinatários das normas

esperam e desejam seja decidido pela ordem em vigor e o que esta efetivamente decide

(ADEODATO, 1989, p. 2).

Isso porque, de acordo com esse entendimento, a legitimidade é um conceito

instrumental pelo qual se avalia o grau de aceitação das instituições pela sociedade, podendo

ter um sentido amplo e colocar em análise o próprio Estado, como detentor do Poder, das

instituições e como promotor do bem geral (SILVA, 2003, p. 397), mas também podendo ter

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um sentido restrito, mensurando a adequação das decisões das autoridades, em suas diversas

manifestações.

Problematizar a legitimidade significa, portanto, analisar as próprias bases sobre as

quais se assentam o Direito, o Estado e a Política, enfrentando questões que, devidamente

ampliadas, coincidem com a própria história da civilização ocidental, revelando-nos o

problema da autoridade e legitimidade (FRIEDRICH, 1965, p. 220), consentimento e

adequação, titularidade e exercício.

Embora muitos positivistas entendam que a autoridade é a esperada e a legítima posse

do poder (FRIEDRICH, 1965, p. 223), nem sempre a legitimidade se esgota no conceito ou na

presença da autoridade. Pois quando a autoridade supera seu limite de atuação, cedendo lugar

à coerção e à dependência excessiva de poder entre os superiores e os subordinados, não se

tem muito epaço para se falar em legitimidade (MERQUIOR, 1980, p. 9).

Por isso a necessidade contemporânea de composição dos diversos sentidos do termo

“legitimidade”, identificados em cada período histórico, para que a expressão não se esgote na

superficialidade de constituir-se em sinônimo de autoridade ou de legalidade, simplesmente.

Até porque “a idéia de legitimidade do poder político (e da ordem jurídica) nunca se

caracterizou por um sentido unívoco” (TAVARES NETO e LOPES, 2008, p. 48), assumindo,

ao contrário, múltiplas configurações ao longo da história em razão de uma pluralidade de

fatores sociais, culturais, econômicos e políticos.

Mas ainda que nossa sociedade se demonstre complexa, multifacetada e plural, onde

os valores e interesses são diversificados, é possível vislumbrar, assim como em cada

momento histórico, a promessa – até o momento inconclusa –, na manifestação da

legitimidade, de uma sociedade justa, democrática, sem manipulações ou pelo menos o

mínimo de manipulações de poder e ideologias.

3.1.1 Legitimidade como governo bom e justo

Partindo-se da idéia central de dominação jus-política do termo “legitimidade”, bem

como seu caráter dinâmico, cuja concretização é considerada possível num futuro indefinido

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(BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998, p. 678), passa-se a analisar os equivalentes

históricos das formas de legitimidade que ganham, a cada ciclo, renovadas significações.

Desde o Antigo Testamento já se tinha a noção do que era bom e do que era mal,

traçando-se leis conforme a vontade de Deus. Para FRIEDRICH (1965, p. 25):

O Antigo Testamento está repleto de atos de legislação, das lutas sustentadas por Deus para garantir a observância e imposição dessas leis, dos prêmios e punições que recaíam sobre o povo eleito, segundo sua conduta em relação a essas leis.

E a norma de Deus era a norma a ser respeitada por todos, verificando-se a

legitimidade dessas regras no poder divino.

Com Platão e Aristóteles, a superioridade divina, como forma de legitimar o que é

bom e justo, cedeu lugar à superioridade da natureza, definindo as ações como boas e justas

de acordo com as leis da natureza.

Desde Platão, com a obra O Mito da Caverna (PLATÃO, 1956, p. 287-291), em um

diálogo entre Sócrates e Glauco, já se via a figura do soberano como alguém superior, cujas

atitudes e decisões – ou seja, os objetos projetados na sombra – representam a única verdade

para os súditos – os homens como só viam a sombra dos objetivos acreditavam piamente

naquilo como se fosse realidade. Assim, para Platão, era o “nomos” como direito, como bom

costume, que tornava legítima qualquer forma de governo – timocrático, oligárquico,

democrático e tirânico – consubstanciando-se em formas boas aquelas baseadas no

consentimento ou na vontade dos cidadãos (BOBBIO, 1995, p. 54).

Já com Aristóteles, a verdadeira realidade situa-se no mundo factível dos objetos

concretos, conceituando o homem não como um animal gregário (agelaion zoon) mas um

homem político (politikon zoon) assentado no discernimento do bem e do mal

(ARISTÓTELES, 2008, p. 16). E, nesta condição, pode participar, verdadeiramente, da vida

política, por meio de funções deliberativas ou judiciais – muito embora exclua da função

participativa as mulheres, crianças e anciãos.

No conceito de Aristóteles, embora haja a conotação do homem como um ser político,

define-se o governo (kyrion) como elemento supremo (ARISTÓTELES, 2008, p. 25-26),

sendo este o próprio regime legítimo por razões naturais.

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Nesta perspectiva, Aristóteles distingue entre o justo civil natural – que possui força de

ser justo por natureza – e o justo civil legítimo que obriga, não por natureza, mas por

voluntária aceitação dos homens à subordinação das leis (ARISTÓTELES, 2004, p. 145).

Morrall (1985, p. 60) entende que para Aristoteles, a legitimidade está na natureza, e

quem vem a definir o que é legítimo é a autoridade (FRIEDRICH, 1974, p. 94), que ocupa

este posto em razão das leis da natureza.

3.1.2 Legitimidade como sinônimo de legalidade

A adequação do poder diante das práticas sociais, marcada por processos de

adequação social, aceitação e obediência coletiva (WOLKMER, 2003, p. 80) é que projeta em

níveis axiológicos a problematização entre legalidade e legitimidade.

A explicação para a confusão entre os dois conceitos pode ser justificável pela análise

de sua raiz etimológica – “leg” – que representa o mesmo significado, referente à lei (DENZ,

2007, p. 2). Por essa razão, durante anos, as expressões legitimidade e legalidade foram

concebidas como similares no Direito Romano e no Direito Canônico, passando a ganhar

distinção somente após o século XVIII. Nada obstante, foi fundamentada nesta analogia entre

as expressões que Jürgen Habermas teorizou a legitimidade por via da legalidade, e Max

Weber remeteu a legitimidade à legalidade – retomando a conexão entre as noções de

legalidade e legitimidade (WOLKMER, 2003, p. 83) – ao elucidar a dominação racional-

legal. De acordo com Wolkmer (2003, p. 85):

Ainda que não se possa afirmar peremptoriamente que Weber tenha assumido uma postura positivista de submeter a legitimidade à legalidade, suas contribuições e enfatizações sobre a legitimidade racional-legal abriram caminho para inúmeras interpretações que vieram identificar e confundir legitimidade com legalidade, principalmente por parte dos publicistas ou juristas em geral.

De fato, a legitimidade associada ao conceito de legalidade é um dos grandes marcos

do direito positivo moderno, no entanto, para essa concepção a legalidade significa muito

mais o exercício do poder, enquanto a legitimidade refere-se à sua qualidade legal. Ou seja, o

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poder legítimo representa um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente –

sendo, portanto um poder de fato – e o poder legal representa um poder que está sendo

exercido em conformidade com as leis (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998, p.

674).

Por isso a associação de legalidade como conceito jurídico, pois está relacionada

àquilo que é legal, ou em conformidade com o direito positivo, e de legitimidade como

conceito político ou ideológico, declarando a qualidade e adequação do poder, assentada num

conceito de eqüidade (FRIEDRICH, 1965, p. 226). Assim, consoante o entendimento de Diniz

(2006, p. 47):

No caso da legitimidade, o centro se localiza nos aspectos normativos dos critérios de justificação; na legitimação, a ênfase se põe na descrição fática dos elementos disposicionais para a obediência a um sistema político e jurídico.

Isso demonstra que, conforme nos reporta Marques de Lima (2001, p. 43), “apesar do

sentido etimológico da palavra, a noção de legitimidade precisa se desvincular do conceito

de legalidade, porque esta, por si só, não a justifica nem é a mesma coisa”.

Para Wolkmer (2003, p. 81) enquanto a legalidade refere-se ao acatamento de uma

estrutura normativa posta, a legitimidade incide na esfera da consensualidade dos ideais,

fundamentos, crenças, valores e princípios ideológicos, numa forma de “transposição da

simples detenção do poder e a conformidade com as acepções do justo advogadas pela

coletividade” (WOLKMER, 2003, p. 81).

Diante de tais considerações, e pautando-se no entendimento dos doutrinadores

supramencionados, acredita-se que a relação de analogia entre legalidade e legitimidade

perfaz-se apenas no âmbito normativo positivista, no qual inexiste valoração normativa, sendo

a lei considerada legítima, e emanada por pessoas legítimas, consoante a disposição legal.

Fora do âmbito positivista não há falar em sinomia entre legalidade e legitimidade, razão pela

qual encarar a legitimidade como legalidade não se demonstra perfeita no atual Estado

Democrático de Direito.

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3.1.3 Legitimidade como sinônimo de consentimento

A primeira associação do termo legitimidade como forma de consentimento originou-

se dos estudos de Guilherme de Occam, considerando a “legitimidade governamental

derivada do consentimento fundado nas leis naturais” (DINIZ, 2006, p. 37).

Também Richard Hooker tratava do consentimento, entendendo que “o poder legítimo

de fazer leis para governar sociedades políticas de homens reside, propriamente, nessas

mesmas sociedades” (FRIEDRICH, 1965, p. 93), e que “as leis humanas de qualquer tipo ou

natureza só são portanto válidas por consentimento” (FRIEDRICH, 1965, p. 94).

Ainda a respeito do consentimento, Rousseau entende que é ele, o consentimento, que

torna o poder legítimo, sujeitando as pessoas ao Governo (FRIEDRICH, 1965, p. 94), sendo o

contrato social o que lhe justifica a legitimidade (MERQUIOR, 1980, p. 20).

Disso deflui que nada do que é imposto aos súditos poderá ter conteúdo de lei ou

obrigatoriedade legislativa sem o consentimento dos mesmos (ROUSSEAU, 1999, p. 38).

Rousseau nos relata na obra O Contrato Social a peculiaridade do consentimento, identificado

na situação de uma vontade particular somente estar conforme a vontade geral após a

submissão daquela ao sufrágio livre do povo, manifestando concordância.

Nesta seara, entende DINIZ (2006, p. 38) que:

A legitimidade tanto política como jurídica deriva da autoridade soberana do titular do poder. Por assim dizer, o poder político se legitima pela fórmula contratualista, mas uma vez institucionalizado pelo consentimento dos súditos absolutiza-se perante a comunidade política.

E dessa noção de legitimidade atrelada ao consentimento popular houve um

rompimento com as noções tradicionais de legitimidade, “a saber, que ‘a vontade de Deus’,

‘uma eleição’ ou a ‘herança do sangue’ podiam fazer que um Governo ou governante

específico fossem reconhecidos como ‘legítimos’, isto é, como possuindo ‘o direito de

governar’” (FRIEDRICH, 1974, p. 95), cendendo lugar àquilo que se pudesse considerar

desejável para o governo mas também aceito pelo povo.

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3.1.4 Legitimidade como obediência a princípios de justiça

Superadas as manifestações da legitimidade como a obediência as leis e à autoridade,

seja por título divino ou natural, estudiosos como Ronald Dworkin, John Rawls, Jürgen

Habermas e, posteriormente, Robert Alexy verificaram a interpelação de princípios de justiça

como norteadores da legitimidade das leis e do poder.

Contrapondo-se ao modelo de regras9 do sistema jurídico proposto por Hart e Kelsen,

Dworkin propõe um sistema jurídico de princípios – tipos particulartes de padrões

(DWORKIN, 2002, p. 46), no qual aqueles casos não compreendidos pelas regras do sistema

positivista podem encontrar solução – ou a “resposta correta”10 no seio da comunidade cívica

liberal.

Para Alexy, que concebe a justiça como um tipo particular de correção (Richtigkeit) na

distribuição e na compensação dos direitos (ALEXY, 1989, p. 9), todos os princípios de

justiça podem ser introduzidos no discurso jurídico (ALEXY, 1989, p. 17), vez que

descrevem normas de que algo deve ser realizado na medida mais ampla possível, dentro das

possibilidades e factualidades normativas (ALEXY, 1989, p. 19). Entretanto, reprime a

classificação dessas normas de justiça como regras – também pela dificuldade de se

estabelecer um ordenamento rígido para abrangê-las11 – entendendo melhor classificá-las

como princípios, pautando-se em noções de ponderação e equilíbrio. Para o autor (ALEXY,

1989, p. 20) “una teoría de la justicia que tenga esta estructura es sin duda preferible. Ella

9 “O direito de uma comunidade é um conjunto de regras especiais utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar qual o comportamento será punido ou coagido pelo Poder Público [...]. O conjunto dessas regras jurídicas é coextensivo com “o direito”, de modo que se o caso de alguma pessoa não estiver claramente coberto por uma regra dessas (porque não existe nenhuma que pareça apropriada ou porque as que parecem apropriadas são vagas ou por alguma outra razão), então esse caso não pode ser decidido mediante “a aplicação do direito”. (DWORKIN, 2002, p. 27-28). 10 A tese de Dworkin de que existe uma única resposta correta para cada caso se inclui numa teoria dos sistemas jurídicos distinta das teorias positivistas. Para o autor, a única resposta correta ou verdadeira seria aquela que melhor pudesse justificar-se através de uma teoria substantiva que contenha aqueles princípios e ponderações de princípios que melhor se correspondam com a Constituição, as regras de Direito e os precedentes. Dworkin reconhece que a partir de sua teoria não se encontrou nenhum procedimento que mostre necessariamente a única resposta correta. No entanto, tal fato não constitui nenhuma objeção em relação a sua teoria. Para ele, um juiz ideal [...] estaria em situação de encontrar a única resposta correta. Já ao juiz real lhe corresponde a tarefa de aproximar-se o máximo possível deste ideal (ALEXY, 1988, p. 140). 11 O ordenamento rígido entendido aqui por Robert Alexy possui os mesmos elementos do ordenamento lexiográfico defendido por John Rawls no clássico “Teoria da Justiça” (ALEXY, 1989, p. 20).

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permite una consideración adecuada de todos los puntos de vista, lo que constituye uno de los

postulados fundamentales de la racionalidad”12.

Em conseqüência, serve de fundamento relevante para legitimar a atuação do

Judiciário, ou Estado-juiz, expressando a idéia de “justa medida” (ALEXY, 1989, p. 21).

Todavia, diferentemente da teoria principiológica de Dworkin – comunidade de

valores – e, questionando a tese da única resposta correta, ainda que baseada em princípios,

Alexy propõe um modelo de ponderação de princípios, mas de forma hierarquizada,

escalonada, tendo um princípio prevalência sobre o outro. De toda forma, por meio da

argumentação jurídica de maior alcance (ALEXY, 1988, p. 148), entende que tanto as regras

como os princípios não regulam por si só sua aplicação, dependendo essencialmente de outros

elementos como a correção e a racionalidade da decisão.

A partir das considerações acima apontadas e, passando tangencialmente sobre a

questão do sistema de regras e de princípios, bem como de sua tentativa de aprimoramento

com Robert Alexy, resta claro que, para essa concepção de legitimidade, ao estado juiz

caberia identificar qual a justificativa principiológica para a solução de determinado conflito,

seja no momento da edição das leis como no momento da aplicação das mesmas, seja por

meio de uma comunidade de valores estabelecida (Dworkin) ou aplicação hierarquizada de

princípios (Alexy). Sobre o assunto TOLEDO (2003, p. 237) explica que:

O que se pondera é o grau ou a intensidade da não satisfação ou afetação de um princípio em contraposição ao grau de importância da satisfação do outro princípio, considerando-se o valor que consagra. Destarte, o que deve servir de fundamento para justificação do enunciado de preferência condicionado, que representa o resultado da ponderação, são enunciados sobre os graus de afetação ou satisfação dos princípios em virtude da importância dos valores que encerram.

No entanto, a percepção da legitimidade puramente como obediência à princípios de

justiça foi e ainda é alvo de críticas de muitos doutrinadores questionando, muitas vezes, a

necessidade de consentimento na escolha desses princípios de justiça. De igual maneira que se

critica a legitimidade como sinônimo da legalidade no sentido de quem escreve as leis ou

12 Tradução literal: “Uma teoria da justiça que tenha esta estrutura é sem dúvida preferível. Ela permite uma consideração adequada de todos os pontos de vista, o que constitui um dos postulados fundamentais da racionalidade”.

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escolhe as regras, também a legitimidade por meio de princípios de justiça recebe críticas no

sentido de quem escolhe esses princípios ou valores. Por isso a necessidade de extrema

cautela na ponderação desses princípios de justiça a fim de que a legitimidade não ceda lugar

à arbitrariedade (MERLE e MOREIRA, 2003, p. 9) e à incontestabilidade do sistema.

3.2 FORMAS DE LEGITIMIDADE

Como pudemos perceber o termo legitimidade não guarda unicidade em relação ao seu

conceito, sofrendo diferentes formas de justififação em cada equivalente histórico. Conforme

explica DINIZ (2006, p. 27):

A enorme plasticidade da idéia de legitimidade permitiu-lhe renovar-se e sobreviver ciclicamente às permanentes mutações e intempéries das estruturas sociais.

Assim, o sentido dos fundamentos de legitimidade assumiu múltiplas configurações

discursivas, variando sensivelmente ao longo dos séculos, em razão de uma pluralidade de

fatores políticos, jurídicos, éticos, culturais e econômicos. Eis que a legitimidade não é, pois,

“uma coisa ou qualidade absoluta mas uma relação entre valores dentro de uma situação

que os torna compatíveis ou os faz entrar em conflito. Assim como a situação se modifica,

também a legitimidade pode mudar” (DEUTSCH, 1984, p. 15), estabelecendo novos critérios

de integração das relações de poder que se processam no âmbito do Estado (LEVI, 2008, p.

103).

De qualquer forma, “para que um poder seja legítimo, é preciso que seus detentores

tenham um título que justifique a sua dominação” (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 23) e por

essa razão, passa-se a trilhar as justificativas de legitimação, a fim de que se possa, por meio

de um retrocesso histórico, vislumbrar novas ou reformuladas formas de legitimidade que

justifiquem a atuação do Poder Judiciário brasileiro hoje.

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3.2.1 Forma contratualista da legitimidade em Hobbes e Locke

A forma contratualista da legitimidade em Hobbes rompe conceitualmente com

jusnaturalismo divino, desembocando em critérios racionais e, por meio desses novos critérios

legitima-se o poder político pela forma contratualista. Para o autor (HOBBES, 1992, p. 50-

51):

O cumprimento por uma das partes é sinal mais que manifesto de que ela entendeu a fala da outra, em quem confiou, como significando que com toda a certeza cumpriria sua parte no momento fixado; e pelo mesmo sinal aquela, que recebeu a confiança, sabia que assim seria entendida, e ao não impedir tal entendimento proporcionou um sinal evidente de que era sua vontade cumprir o prometido.

Hobbes entende que é na lei da natureza que reside a fonte e a origem da justiça. Para

o autor, “assim como Deus estabeleceu as leis que regulam o movimento dos corpos,

determinou as leis que regulam a conduta do homem” (BOBBIO, 1997, p. 37), sendo a única

diferença o fato de que o homem, sendo livre, pode violar estas leis, todavia, as mesmas “não

perdem a validade pelo fato de serem violadas; continuam em vigor e podem ser descobertas

pelo homem a quem Deus as manifestou – de forma direta, com a revelação, ou

indiretamente, pela razão”.

E, atrelado aos postulados da razão natural e à narrativa de validade das leis, ainda que

violadas, Hobbes concebe um pacto social transferindo poderes absolutos ao soberano, eis que

(HOBBES, 1974, p. 52):

[...] sem um pacto anterior não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, conseqüentemente nenhuma ação pode ser injusta. Mas, depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição da injustiça não é outra senão o não cumprimento de um pacto.

E pelo cumprimento desse pacto pelos súditos e entre os súditos, o soberano investe-

se, legitimamente, como detentor do poder, possuindo a legitimidade para editar as leis e fazê-

las aplicadas. Para o autor (HOBBES, 1992, p. 119):

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Como ter direito ao gládio13 nada mais é do que ter direito a usar da espada a seu próprio critério, segue-se que compete à mesma pessoa julgar de seu direito: pois, se o poder de julgar estivesse em alguém, e o de executar em outrem, nada se faria. Assim, em vão julgaria quem não pudesse executar suas ordens; ou então, se as executasse pelo poder que pertence a outra pessoa, dir-se-ia que não é ele próprio quem possui o poder de gládio, mas aquele outro, de quem ele é tão-somente um ministro. Por conseguinte, todo julgamento compete, numa cidade, a quem detém os dois gládios, isto é, a quem possui a autoridade suprema.

Mas a autoridade suprema não sofre restrição tampouco se subordina ao pacto, pois

este, para Hobbes, é apenas do homem para com o homem (Leviatã, Cap. 17), não

subordinando o soberano (MERQUIOR, 1980, p. 26), no sentido de que os súditos devem

obedecer às leis do soberano, e este apenas às leis da natureza.

Assim, no que diz respeito às leis naturais e divinas, Hobbes não nega sua existência,

“mas afirma (justamente) que não se trata de leis como as positivas, porque não são

aplicadas com a força de um poder comum; por isso não são externamente obrigatórias, mas

só interiormente – isto é, no nível da consciência” (BOBBIO, 1995, p. 107).

Já Locke, embora influenciado pelos escritos de Robert Filmer e Hobbes, rejeita a

idéia do contrato apenas entre homem e homem, entendendo que o controle do poder da coroa

deve ser exercido pela soberania popular, mediante o governo da maioria (MERQUIOR,

1980, p. 26).

Igualmente, rejeitando a idéia de monarquia absoluta por direito divino e posicionando

os magistrados com o ideal de terem como único objetivo o da promoção do bem estar social

(LOCKE, 1999, p. 10), Locke entende que mesmo dentro de um estado de natureza há uma lei

da natureza para governá-lo, a lei da razão, que permite avaliar a legitimidade do poder. Para

o autor (LOCKE, 2001, p. 138):

[...] a razão, porém, significa até mesmo mais que isso e tem conseqüências maiores para a liberdade e a igualdade naturais. Concebida como uma lei (a lei da natureza), ou quase como um poder, é soberana sobre todas as ações humanas. Pode ditar as ações de um homem, como o faz a consciência, e de mais de um homem na

13 A expressão “gládio” significa “s.m. espada de dois gumes. Fig. Poder, força: o gládio divino. Combate, luta”. (DICIONÁRIO VIRTUAL AURÉLIO) Disponível em <http:www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em dezembro/2009.

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situação social, uma vez que é concedida por Deus para ser a regra entre homem e homem.

E, baseado naquilo que denominava de “encargo confiado”, ou seja, na delegação do

poder a alguém de confiança do povo – o soberano – , LOCKE (2001, p. 163-164) afirma que:

A liberdade não é mera ausência de restrições, mas tem um caráter positivo. Ela é algo que se amplia com a criação da sociedade e do governo, que ganha concretude pela existência de leis, as leis das cortes de justiça. É possível defini-la negativamente, portanto, como a condição de não se estar submetido a poder legislativo algum senão aquele estabelecido na sociedade política através do consentimento e, positivamente, como a progressiva eliminação da arbitrariedade da regulamentação política e social.

Dessa forma, percebe-se em Locke, a idéia de um pacto social como origem e base do

Estado (GILISEN, 2003, p. 367), na qual cada membro aceita as leis e regulamentos, apenas

renunciando à sua liberdade na medida necessária ao fim da sociedade. E a lei natural

configura a fonte e justificativa da legitimidade.

3.2.2 Forma contratualista de legitimidade acrescida da participação democrática em

Rousseau

Rousseau, que concebeu a sociedade como fenômeno jurídico – privatista e

publicístico (BONAVIDES, 2005, p. 60) – foi o principal fundador da teoria democrática14.

Adepto de Hobbes, mas refutando a idéia de contrato social apenas entre os súditos,

Rousseau acresse que o pacto ocorre entre particulares e o ente público (Contrato Social, Cap.

7). Mas como a soberania se baseia na vontade geral – que não se configura pela somatória

14 Sobre a teoria democrática de Rousseau: “Rousseau oferece-nos uma teoria da legitimidade democrática fundamentada em notável perspicácia psicológica, excelência política e discernimento sociológico. Além disso, essa teoria da legitimidade é formulada em nível epistemológico que é crítico sem ser hostil à realidade empírica. E o que é mais importante: ao elaborar um conceito de soberania democrática onde a liberdade e sua sustentação social são estabelecidas firmemente como base da legitimidade, ele possivelmente produz a sistematização política mais adequada à sociedade moderna e ao seu tipo específico de controle social – a lei racional “profana”, versus a tradição consuetudinária ‘sagrada’” (MERQUIOR, 1980, p. 83).

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das vontades individuais, mas sim pela atenção ao bem comum passando pelo crivo popular

(participação e consentimento) – esta precisa ser indivisível. Para o autor (GILISEN, 2003, p.

368):

A vontade geral pertence ao povo que é soberano e que é o único a possuir o poder legislativo, isto é, o poder de fixar as normas impostas a todos em troca da sua renúncia aos direitos individuais. Esta vontade geral não se representa, não se delega, não se aliena; a democracia só pode ser direta.

Por essa razão, Rousseau preconiza o poder da Assembléia contrapondo-se nesse

aspecto a Montesquieu que preconiza a separação de poderes.

Rousseau acredita no comprometimento do soberano para com o bem comum e na

vontade geral como integração de todos os interesses considerados homogêneos (MERLE e

MOREIRA, 2003, p. 9). Por essa razão entende que a manifestação da vontade geral não

poderia conviver com a existência de sociedades parciais dentro da sociedade (ARAÚJO,

2004, p. 10).

O maior êxito de sua filosofia é justamente a identificação racional do conceito de

legitimidade com a idéia de democracia deliberativa e participatória (MERQUIOR, 1980, p.

225.

Sem embargo, é o fator participação que identifica a legitimidade em Rousseau,

contribuindo para o desenvolvimento da democracia e igualdade. Neste sentido

(MERQUIOR, 1980, p. 61-62):

O coração da teoria da legitimidade política de Rousseau é a idéia de democracia participativa. A vontade geral tem que ser permanentemente dinamizada pela constante participação individual na política de soberania (embora não necessariamente em todos os níveis dos processos de tomada de decisão). Aos olhos de Rousseau, a participação igualitária tem dois atributos inestimáveis. Primeiro, assegura o permanente controle do poder. Segundo, é educativa, na medida em que desenvolve uma ação social autônoma e responsável de parte do indivíduo. A ênfase peculiar posta nestes dois aspectos torna Rousseau [...] o teórico por excelência da participação democrática.

E, em conseqüência da contínua participação de cada cidadão na política da soberania,

“a vontade geral consegue idealmente abranger um teor ótimo de liberdade na igualdade”

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(MERQUIOR, 1980, p. 225), justificando a legitimidade do soberano, o qual não pode impor

preceito ou sanção, se não consentidos pelo povo.

3.2.3 O progressivo esvaziamento e neutralização do conceito de legitimidade em Carl

Schmitt

Carl Schmitt relaciona a legitimidade como a própria autoridade política decisionista,

distinguindo-se entre a criação do direito – própria da autoridade legislativa – e aplicação do

direito – próprio da jurisdição (KELSEN, 1995, p. XX-XXI), diferenciando o político do

jurídico e reforçando o primado daquele sobre este (WOLKMER, 2003, p. 86).

Assim, antecedendo o político sobre o jurídico, Carl Schmitt evidencia uma

legitimidade desprovida de embasamento jurídico, constituindo-se fundamentalmente em uma

decisão política concreta, soberana e reconhecida (WOLKMER, 2003, p. 86).

Para o autor, a legitimidade não possuía conteúdo axiológico, acreditando num poder

neutro e regulador, tanto da ordem jurídica como na ordem política e estabelecendo a

separação de poderes justamente para assegurar um maior grau de liberdades individuais.

O conceito de legitimidade era tão avalorado em Carl Schimitt, que o mesmo concebia

a legalidade como superior a legitimidade, eis que aquela sim representava a mais racional,

progresista, moderna, e mais elevada forma da própria legitimidade (SCHMITT, 1963, p. 50),

aniquilando com o valor político da legitimidade e seus critérios de justificação.

De fato, com o Estado Liberal “exige-se um novo rótulo de justificação” (DINIZ,

2006, p. 40) para justificar a legitimidade do poder que, pelos postulados liberais não mais se

sustentava em critérios naturais e/ou racionais.

No entanto, a teoria de Carl Schmitt, identificada pela figura de um soberano neutro e

regulador – que distinguia o amigo do inimigo, adotando decisões em um Estado total

(KELSEN, 1995, p. XLI) – e ignorando a valoração da legitimidade do poder, foi alvo de

críticas, sobretudo em Kelsen, que preconizava a conciliação de interesses em um estado

parlamentar controlado jurisdicionalmente – ainda que extremamente positivista.

Sendo necessário, portanto, uma nova justificação ancorando a legitimidade sob o

princípio da legalidade, fazedo com que o soberano também ficasse subjulgado às mesmas

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normas governamentais, constituindo a denominada soberania legal. Assim, Diniz (2006, p.

105) conclui que:

[...] sob o amparo deste novo momentum histórico do Estado moderno, se evidenciaria não só oportuno como desejável substituir a soberania pessoal conferida ao governante pela soberania da lei enquanto produto da vontade popular. Opera-se, assim, o deslocamento áxil da legitimidade ancorada na soberania ex parte princeps em favor do princípio da legalidade (soberania ex parte populus) como novo fator de justificação. Se antes o poder supremo estava simbolizado na figura do soberano não vinculado às normas por ele criadas (de legibus solutus), no novo arranjo institucional o governante deriva sua autoridade de uma esfera de competência fundada em prescrições normativas gerais e impessoais.

E nesta seara da soberania da lei é que emergem os princípios liberais do pleno

exercício das habilidades do indivíduo e limitação do poder do soberano, premissas que

compunham o Poder Judiciário da época.

3.2.4 Neutralização [ou despolitização, como denomina Bonavides (1993, p. 31)] da

legitimidade em Hans Kelsen

Positivista jurídico15, Kelsen entende norma legítima como aquela imanente à lei

positiva, em desfavor da lei natural, contrapondo-se a Hart que prefere um positivismo

moderado, de superação entre a lei e a ética.

Tal pensamento evidencia a contraposição do positivismo à interpretação jusfisolófica,

na medida em que rejeita toda e qualquer dimensão apriorística – princípios e juízos

valorativos – em função de uma suposta neutralidade axiomática, rigoroso experimentalismo

e tecnicismo formalista (WOLKMER, 2003, p. 160-161).

Kelsen vincula a legitimidade à validade da ordem jurídica, de forma que a

legitimidade liga-se a um princípio regulador da alteração ou substituição de normas com base

15 “De acordo com esse vocabulário, o positivismo jurídico é a teoria segundo a qual os indivíduos só possuem direitos jurídicos na medida em que estes tenham sido criados por decisões políticas ou práticas sociais expressas” (DWORKIN, 2002, p. 15).

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em critérios jurídico-formais pré-existentes (DINIZ, 2006, p. 138-139), isentando de

quaisquer referências a elementos metajurídicos. Para o autor (KELSEN, 2000, p. 171):

A validade das normas jurídicas pode ser limitada no tempo, e é importante notar que o fim, assim como o começo dessa validade, é determinado apenas pela ordem à qual elas pertencem. Elas permanecem válidas na medida em que não tenham sido invalidadas da maneira que a própria ordem jurídica determina. Este é o princípio da legitimidade.

Conforme esse raciocínio, Diniz (2006, p. 140) entende que:

validade e eficácia são fenômenos pertencentes a domínios cognitivos diversos: a primeira respeita à esfera do dever-ser, enquanto a segunda relaciona-se com o mundo do ser, da realidade social. A validade do direito significa que as normas jurídicas existem, são obrigatórias e que os indivíduos devem obedecê-las e aplicá-las. Em contrapartida, a eficácia do direito significa que as prescrições normativas são efetivamente aplicadas e obedecidas, ou seja, que a conduta efetiva dos indivíduos se conforma com o disposto nas regras.

Assim, Kelsen define que as normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua

validade não termina, conforme os preceitos dessa ordem jurídica. “Na medida em que uma

ordem jurídica regula a sua própria criação e aplicação, ela determina o começo e o fim da

validade das normas jurídicas que a integram” (KELSEN, 1998, p. 232).

Mas tanto a validade quanto a eficácia das normas, em Kelsen, delineiam o contorno

neutro da legitimidade como mera conseqüência da ordem jurídica posta. Nesse sentido, o

poder é legítimo simplesmente porque a norma jurídica assim determina, valendo e surtindo

efeitos até que outra norma jurídica retire-lhe a validade e eficácia. Esse é o princípio da

legitimidade para Kelsen, limitado pelo princípio da efetividade (KELSEN, 1998, p. 235).

3.2.5 Legitimidade racional-legal, tradicional e carismática em Max Weber

Dos diversos fundamentos defendidos por Weber no âmbito da sociologia política,

como a separação entre política e ciência, o conceito de Estado como associação política

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institucionalizada, o direito racional, e a administração burocrática – todos conceituados sob a

ótica de seu objeto metodológico básico de “tipo ideal” – a maior relevância de suas idéias

para o presente trabalho concentra-se na sociologia da dominação, como forma de justificar a

legitimidade dos governantes perante os governados.

Sua análise sociológica da legitimidade, influenciando as formações posteriores sobre

a legitimação nas ciências sociais, enfatiza a crença como um “aspecto vivencial primordial

da legitimidade, e, como tal, o próprio fundamento lógico do componente de confiança”

(MERQUIOR, 1980, p. 6).

Esta confiança, em Weber, pode ser identificada sob três espécies: dominação

racional-legal – assentada em regras racionalmente criadas (WOLKMER, 2003, p. 85), em

governantes funcionais e governados obedientes ao cumprimento dos deveres ditados pela

autoridade legalmente constituída –; tradicional – baseada na crença do caráter sagrado da

tradição que delegava o poder aos governantes – e carismática – baseada na presença de um

governante que pelo seu carisma e afetividade, ganhava seguidores.

Assim, para o autor, a dominação “não se apoiaria tão-somente na força, na violência

e na coação, mas, sobretudo, no consenso acerca da crença nos valores que embasam as

imposições e as determinações advindas dos governantes” (WOLKMER, 2003, p. 85).

No entanto, é importante distinguir o vínculo pessoal ou impessoal das formas

justificadoras de legitimidade em Weber. Neste aspecto, Merquior (1980, p. 107-108) entende

que:

A obediência à legitimidade legal é, pela própria natureza, impessoal. Seu primeiro objetivo é a lei, não o eventual detentor da autoridade cujo mando só vem a ser legítimo na medida em que no ultrapassa a delegação de seu cargo, legalmente definida. No caso da autoridade tradicional, como da autoridade carismática, a obediência é um vínculo pessoal. Mas enquanto a primeira recebe obediência dentro do escopo da tradição, o governante carismático desfruta de uma confiança que não é circunscrita pelo costume. A dominação tradicional, mesmo pessoal, é limitada por regras; a liderança carismática não o é.

Nada obstante suas diferenças substanciais, os critérios weberianos de legitimidade –

lei, carisma e tradição – tornaram-se o ponto de partida da discussão sistemática do tipo de

legitimidade das sociedades democráticas ocidentais (WOLKMER, 2003, p. 85). De qualquer

forma, Weber deixa claro que a submissão aos sistemas de poder é voluntária, tornando-se

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legítima pela crença do indivíduo. E é essa crença que valida a relação imediata entre “mando

e obediência” (MERQUIOR, 1980, p. 106-107). Pois os governados apenas obedecem ao

governante porque acreditam na força legitimante de sua tradição, carisma ou lei – formas de

justificação da legitimidade.

3.2.6 Legitimidade a partir da legalidade em Jürgen Habermas

Habermas procura resgatar e atualizar a importância da legitimidade para a realização

do Estado Democrático de Direito, oferecendo uma nova alternativa para os problemas do

positivismo jurídico. Para o autor, o procedimento democrático é o centro da legitimidade.

“Constatada a carência de legitimação no conceito político de poder, que se exterioriza na

modernidade através do direito, o filósofo propõe uma nova forma de pensar a legitimação

como construção pública dos envolvidos” (TAVARES NETO e LOPES, 2008, p. 57).

Para Habermas, legitimidade passa pela dinâmica da linguagem, sendo o direito e o

poder legitimados por meio de um procedimento discurssivo, segundo regras – legalidade –

previamente consentidas pelo povo. Conforme Costa (2003, p. 38):

[...] interessa, porém, para Habermas, explicar o surgimento da legitimidade a partir da legalidade, o que para ele se apresenta como um paradoxo devido, em parte, a essa compreensão subjetivista do direito. O paradoxo ocorre porque, por um lado, os direitos do cidadão têm a mesma estrutura de todos os direitos que abrem ao indivíduo esferas de liberdade de arbítrio e, por outro, o processo legislativo democrático precisa confrontar seus participantes com as expectativas normativas das orientações do bem comum da sociedade, na medida em que ele tem que extrair sua força legitimadora de um entendimento dos cidadãos sobre as regras de sua convivência social.

E quando não há essa convivência social, pacificada pela legalidade (imposição de

leis) não há espaço para a legitimidade. Para Habermas (2003, p. 67):

A carência por legitimação dos ordenamentos que se caracterizam pela autoridade da organização estatal (e que, por seu turno, distinguem-se de estruturas de domínio em sociedade tribais), já se explica a partir do conceito do poder político. Porque esse meio de

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poder estatal se constitui em formas do Direito, ordenamentos políticos nutrem-se do pleito de legitimidade jurídica. É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita dos seus endereçados reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido.

Assim, Habermas identifica uma relação estreita e recíproca entre o princípio do

discurso – da pacificação social pela legalidade – e o princípio da democracia – da

participação popular, eis que para o autor, a única forma de garantia da legitimidade assenta-

se “em um princípio da democracia que conjugue a autonomia pública e privada dos sujeitos

de direito e a forma do Direito mediatizadas pelo princípio do discurso” (COSTA, 2003, p.

51-52), garantindo iguais liberdades de ação subjetivas (autonomia privada) e o processo

legislativo de formação da vontade (autonomia pública legítima).

Aqui, o discurso racional é o condão de justificação da legitimidade, uma vez que

tanto o Legislativo, o Executivo, como o Judiciário tomará uma decisão legítima ou será

legitimado para tomar sua decisão na medida em que a fundamenta racionalmente. Hipótese

esta verificada como forma contemporânea de legitimar a atuação do Poder Judiciário

brasileiro.

Diz o autor que, em regra geral, “o assentimento motivado racionalmente associar-se-

á a uma aceitação empírica, ou seja, produzida pelas armas ou por bens materiais, numa

crença da legitimidade” (HABERMAS, 1989, p. 82-83).

Assim, Habermas identifica que a validade social de uma norma depende também da

aceitação daqueles a quem a norma é endereçada, numa relação entre existência de normas de

ação e possibilidade de fundamentação (HABERMAS, 1989, p. 83), sempre orientadas por

um princípio moral enquanto regra de argumentação.

Para o autor, a força legitimadora que tem seu fundamento na racionalidade dos

procedimentos jurídicos, não só se comunica à dominação legal por meio de normas

procedimentais de jurisprudência ou administração da justiça, senão também, e em maior

grau, por meio dos procedimentos do poder legislativo democrático (HABERMAS, 1988, p.

43-44).

Aliado ao pensamento de Habermas, Robert Alexy formula uma teoria também

baseada na ética e moralidade procedimental, que conjuga regras ou condições da

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argumentação ou da decisão prática racional. Segundo Alexy, o ponto de partida da teoria da

argumentação jurídica é que, na fundamentação jurídica, trata-se sempre de questões práticas,

isto é, do que está ordenado, proibido e permitido. Por isso o discurso jurídico é um caso

especial do discurso prático geral (VELLOSO, 2005, p. 3), pois considera a racionalidade da

decisão pela ponderação principiológica: em Habermas princípio moral, em Alexy, princípio

conforme a Constituição.

Nada obstante e em que pese a grande valia da doutrina de Habermas a respeito da

justificação da legitimidade, o autor permanece a afirmar que a ordem jurídica apenas será

legítima mediante o respeito aos princípios morais (TAVARES NETO e LOPES, 2008, p.

58), mantendo a conexão entre direito e moral, o que dificulta uma análise contemporânea da

legitimidade, que leva em consideração outros tantos requisitos que não só os morais.

3.2.7 Legitimidade como resgate do Estado Democrático de Direito em Norberto Bobbio

Bobbio, na obra A Era dos Direitos já identificava três diferentes modos de

fundamentação dos valores: a natureza humana – como dado inconstante e imutável; a

argumentação racional; e o consenso.

Desses três fundamentos, entende Bobbio que apenas o consenso pode ser

factualmente comprovado (BOBBIO, 2004, p. 47), na medida em que se substitui pela

intersubjetividade o elemento objetivo legal ou racional.

Assim, Bobbio entende a legitimidade como um atributo do Estado, que embora

indissociavelmente ligada à obrigação política (DINIZ, 2006, p. 149) deve respeitar o

consenso popular. No entanto, para o autor (BOBBIO, 1986, p. 66) isso não significa que:

[...] é suficiente um governo respeitar as regras do jogo para ser considerado um bom governo. Quero apenas dizer que num determinado contexto histórico, no qual a luta política é conduzida segundo certas regras e o respeito a estas regras constitui o fundamento da legitimidade (até agora não desmentido, apesar de tudo) de todo o sistema, quem se põe o problema do novo modo de fazer política não pode deixar de exprimir a própria opinião sobre estas regras, dizer se as aceita ou não as aceita, como pretende substituí-las se não as aceita, etc.

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Com esse entendimento Bobbio resgata o primado da lei como norte da democracia –

governo das leis. No entanto estabelece a participação e aceitação popular como forma de

impedir um governo autocrático, entendendo o resgate à democracia como fator de

legitimação do poder. Para ele, o consenso da maioria é condição necessária mas não

suficiente à democracia (CAMPILONGO, 1997, p. 22-23), eis que a demcracia não se esgota

pela regra da maioria e sim pela análise pormenorizada dos anseios de todos, principalmente

das minorias.

Neste contexto, questiona o autor a respeito do Estado obedecer às mesmas normas de

comportamento a que obedece cada indivíduo (BOBBIO, 1995b, p. 119), pois o resgate do

Estado Democrático de Direito pressupõe a participação, consenso, igualdade e, em relação a

esta última, resta implícita a obediência em todas as suas esferas.

De outro modo e, apegando-se ao juízo de Guglielmo Ferrero, Bobbio entende poder

identificar-se a legitimidade como o recurso de que se deve valer o poder para exorcizar o

medo e a desconfiança recíprocos entre governo e governados (DINIZ, 2006, p. 155), na

estrita medida de participação do poder, buscando um resgate democrático da política e do

Direito, seja pela escolha dos detentores do poder (legitimidade originária), participação no

exercício do poder (legitimidade corrente), ou ainda, na destinação e no controle dos

resultados do poder (legitimidade finalística) (BASTOS e TAVARES, 2000, p. 418).

3.2.8 Legitimidade como comunidade de valores de uma sociedade em Ronald Dworkin

Dworkin considera que a dicotomia entre regras e princípios jurídicos se baseia numa

distinção lógica. Para ele, as regras se forem válidas, devem ser aplicadas, do contráro não

servem para embasar a decisão. Já os princípios, ainda que aplicáveis ao caso, não

determinam necessariamente a sentença, pois apenas proporcionam argumentos para fortificar

uma ou outra decisão.

Dessa maneira, Dworkin diferencia-se de Kelsen e Hart, entendendo que o sistema

jurídico não se fundamenta na validade ou eficácia de regras, mas constitui-se por um sistema

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aberto de princípios16, que pode albergar conflitos entre regras e casos não reguados pela

norma jurídica.

O autor verifica, diferentemente dos positivistas, que a legitimidade do Direito e do

poder não se encontra na positivação da regra jurídica, mas sim nos valores que determinada

sociedade entende como válidos e corretos, principalmente nos casos em que a norma jurídica

não consegue decidir o conflito. Sendo assim (DWORKIN, 1995, p. 12-13):

Se uma comunidade deve ter um significado moral, de modo que suas decisões ofereçam legitimidade para a coerção de dissidentes, então esta deve ser uma comunidade de agentes morais. Os cidadãos devem ser encorajados a ver julgamentos morais e éticos como suas próprias responsabilidades, ao invés da responsabilidade da unidade coletiva.

Isto porque, para Dworkin, mesmo quando nenhuma regra regula o caso concreto, uma

das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. “O juiz continua tendo o dever,

mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar

novos direitos retroativamente” (DWORKIN, 2002, p. 127).

Assim, é a comunidade de valores sociais que estabelece o norte para a legitimação do

Estado, tanto na elaboração das leis como na sua aplicação, sendo o que ele denomina

“princípio standart”, devendo ser obedecido pela sociedade e também pelo ente estatal, “não

porque favoreça ou assegure uma situação econômica, política ou social considerada

desejável, mas porque é uma exigência da justiça, eqüidade (fairness) ou alguma outra

dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2001. p. 22).

No mesmo sentido, vislumbra-se que é a partir dessa comunidade de valores que se

obtém o ideal de integração do ordenamento jurídico, autorizando os juízes “a não

reconhecer como válidas as normas incompatíveis com os princípios morais inscritos na

Constituição” (CITTADINO, 2004, p. 156), viabilizando a própria democracia constitucional,

tal qual formulada por Dworkin. Para Velloso (2005, p. 13-14):

De fato, o princípio da igualdade impõe a observância, no âmbito da teoria da argumentação, do princípio da universalidade, assim como,

16 Este sistema aberto de princípios para Ronald Dworkin consiste em uma comunidade de valores, sem a sistematização de prevalência de um princípios em relação ao outro. O autor discorda de Robert Alexy, por descareditar na possibilidade de ponderação de princípios, ou seja, o escalonamento, a hierarquização de princípios – ponto forte em Robert Alexy (ALEXY, 1988, p. 139-140).

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em relação à teoria dos direitos fundamentais de Alexy, da regra resultante da lei de colisão, vedando que se outorgue tratamento diferenciado àqueles que se encontram em situações idênticas nos aspectos relevantes e, ainda, que, na argumentação jusfundamental, se fundamente a concretização de determinado direito social prestacional originário sem atenção à necessidade desta ser estendida a todos aqueles titulares de direitos reconhecidos pela regra decorrente da ponderação levada a efeito.

Em nosso ordenamento jurídico não podemos negar a existência de uma comunidade

de valores, repleta de princípios implícitos e explícitos, tais como a dignidade da pessoa

humana e a boa-fé, dentre outros, devendo o magistrado sopesar o caso concreto a fim de

absorver uma melhor solução, ponderando os princípios norteadores.

Além desse embaraço e, em face do imenso pluralismo existente em nossa sociedade,

há que se ter em mente que deve haver um consenso em torno do sistema de princípios de

justiça, a fim de que a legitimidade não transforme o sistema em um arranjo incontestável de

princípios de justiça (MERLE e MOREIRA, 2003, p. 10), incorrendo na arbitrariedade.

3.2.9 Legitimidade como aceitação dos procedimentos decisórios em Niklas Luhmann

Refutando a legitimidade como defesa da tirania da Idade Média, bem como a

legitimidade carente de fundamentação moral do positivismo jurídico (LUHMANN, 1980, p.

29), Luhmann estabelece um outro conceito de legitimidade definido a partir do plano do

sistema social (LUHMANN, 1985, p. 68), compreendo a legitimidade a partir de pressupostos

sistêmico-funcionais, relacionando a aceitação dos procedimentos decisórios com a

neutralização das expectativas (positivas ou negativas) dos governados, numa relação na qual

os indivíduos assumem as decisões como premissas de seu próprio comportamento e a partir

de tais premissas estruturem suas expectativas (LUHMANN, 1980, p. 33).

Para o autor, a legitimação não advém de verdades invariáveis existentes, “mas sim

apenas, ou principalmente, por meio de participação em procedimentos” (LUHMANN,

1980, p. 8). E, assim, se todos participam ativamente do processo decisório – político ou

judicial – essas decisões vinculam-se a toda sociedade, de forma legítima. Eis que a

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participação nos procedimentos decisórios “fortalece a disposição dos cidadãos para

aceitarem decisões como obrigatórias” (LUHMANN, 1980, p. 71).

Diante disso, “o problema da legitimidade é relegada à pura facticidade como

estrutura jurídica capaz de produzir uma proposta generalizada para a aceitação de suas

decisões, não mais caracterizada no reconhecimento, mas sim em processos coordenados de

aprendizagem” (TAVARES NETO e LOPES, 2008, p. 54).

Para Luhmann, o direito e o sistema jurídico não podem mais ter como atributo a

constituição da moralidade de conduta (LUHMANN, 1985, p. 23). As soluções jurídicas

contemporâneas tomam formas que não mais se baseiam nas condições do respeito mútuo,

pautando-se sobre outros critérios, econômicos e de distribuição do risco, não abarcados pelos

critérios legitimadores da modernidade. Para o autor (LUHMANN, 1980, p. 31):

Na medida em que cresce a complexidade da sociedade no decurso do progresso civilizacional aumentam os problemas carecendo de solução e, portanto, têm de se ultrapassar as formas mais antigas de acordo espontâneo e confirmação do que é exato. [...]. Por conseguinte partindo dum determinado limite de desenvolvimento, têm de se procurar qualitativamente outras formas de legitimação de decisões. Devido à elevada complexidade e variabilidade do sistema social da comunidade, a legitimação do poder político já não pode ceder a uma moral apresentada de forma natural, antes tem de ser aprofundada no próprio sistema político.

Ademais, para Luhmann, o direito não pode assumir a forma de instrumento ético da

justiça desejável apenas individualmente (LUHMANN, 1985, p. 23-24), mediante

expectativas dos outros agentes sociais. Hoje, por meio da constituição de processos para a

elaboração de decisões coletivamente vinculativas, o direito torna-se uma programação

decisória (LUHMANN, 1985, p. 27), sempre fundamentada, para que se obtenha o ideal de

aceitação.

Neste cenário da decisão como fonte legitimadora do direito e do sistema jurídico,

Luhmann demonstra sua preocupação com a restauração da integridade sistêmica do direito

(CAMPILONGO, 1997, p. 28-29) mas entende que o Poder Judiciário ainda não se adequou

às necessidades da modernidade (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 98), fragilizando a forma de

aplicação do direito, principalmente nos casos em que a norma jurídica falha ou é lacunosa.

Assevera Luhmann (1985, p. 69) que:

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O conceito de legitimidade não mais caracteriza uma justificação externa antecipada, nem uma limitação da variabilidade do sistema político, mas sim um resultado desse próprio sistema: tanto a monopolização da decisão sobre a utilização da forma física, quanto também a realização de processos são produtos do sistema político, que providencia o decorrer fluente das decisões vinculativas e, assim, sua própria legitimidade.

Para Luhmann, a legitimidade como “dominação inata”, “dominação política” ou

convencimento na validade do direito, princípios e valores que se baseiam as decisões, não

guardam correlação com a atual postura sociopolítica atual, precisando-se de uma nova

conceituação de legitimidade (LUHMANN, 1985, p. 61).

Para o autor, a legitimidade institucional não se baseia no consenso consciente –

processo psicológico concreto (LUHMANN, 1985, p. 64) – das pessoas na validade das

normas ou nas decisões, mas sim na “possibilidade de supor-se a aceitação” (LUHMANN,

1985, p. 64). Assim, legítimas são as decisões nas quais se pode supor que os indivíduos

esperam normativamente que os atingidos se ajustem cognitivamente às decisões ou regras

transmitidas por aqueles que decidem. Ou seja, que toda a sociedade esteja disposta a

assimilar o que for normatizado por decisões vinculativas.

Pois numa dada sociedade, cada qual assume seu papel social, e a legitimação vem

justamente da forma como se aceita esse papel – ainda que de forma implícita (LUHMANN,

1980, p. 77), numa relação de legitimação do papel social e neutralização do papel cotidiano

(LUHMANN, 1985, p. 66). E é justamente a legitimação pelo procedimento e pela igualdade

das probabilidades de se obter decisões satisfatórias que substitui os antigos fundamentos do

consenso (LUHMANN, 1980, p. 31).

Por isso, o conceito de legitimidade deve ser estabelecido no seio do sistema social

(LUHMANN, 1985, p. 68), e não puramente no sistema normativo ou num sistema de

princípios e valores. Não que inexista influencia de princípios, valores e normas dentro de

uma sociedade, mas a simples conceituação da legitimidade como uma justificação externa ou

variável do sistema político (LUHMANN, 1985, p. 69) não serve para determinar o conceito.

A legitimidade é um resultado do próprio sistema político.

Assim, na teoria de Luhmann não há mais espaço para a crença fática na vigência das

normas e/ou princípios, pois a responsabilidade por sua solução deve ser assumida e somente

pode sê-la por meio do sistema político, sendo a legitimidade definida a partir de sua função

(LUHMANN, 1985, p. 70).

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Com isso, Luhmann traz uma importante definição para justificar a legitimidade do

direito e do poder político, influenciando vários doutrinadores e pesquisadores. Como

influências diretas, pode-se destacar o constitucionalista português José Joaquim Gomes

Canotinho, que reconhece a fundamentação da legitimidade também na competência e

procedimentos, impondo-se esta “não por critérios de valores, de verdades e de justiça, mas

por ser originada de um sistena regular e funcionalmente ordenado” (WOLKMER, 2003, p.

87) para a aceitação das decisões conforme; e o jurista espanhol Nuria Belloso Martín que,

evidenciando três teorias sobre a legitimação, destaca a legimação pelo processo (BELLOSO,

1999, p. 58). Indiretamente, a influência de Luhmann também pode ser verificada nas obras

de Mauro Cappelletti que, embora não explicite a legitimidade através do processo,

compreende a participação direta dos indivíduos no processo – pela publicidade das decisões

e controle coletivo –, no ideal de fomento a democracia, garantindo o caráter democrático da

decisão judicial (CAPPELLETTI, 1993, p. 98-99).

No entanto, Luhmann é ciente de que a legitimação pelo procedimento não leva

necessariamente ao consenso efetivo e à harmonia coletiva de opiniões sobre o justo e o

injusto (LUHMANN, 1980, p. 99), tratando-se sim de um processo de reestruturação das

expectativas político-jurídicas por meio de um procedimento diferenciado de adaptação,

separação de papéis, mobilização de motivos e autonomia, que leva os interessados a

abandonarem as alternativas de comportamento e aceitarem as decisões (LUHMANN, 1980,

p. 101). Numa perspectiva outra de fundamentação da legitimidade que não a clássica

fundamentação natural ou racional, propondo uma releitura do processo de legitimação

político e jurídico.

De toda sorte, é por meio da mobilização de conceitos clássicos da teoria política,

como soberania, estado, consenso, poder, titularidade, exercício, legitimidade e democracia,

que se pode apresentar novas releituras compatíveis com as exigências e desafios oferecidos

pelo contexto da contemporaneidade, podendo-se avançar na “formulação crítica de uma

nova legitimidade capaz de superar as limitações e as incongruências da tradição jurídico

formalista” (WOLKMER, 2003, p. 88), abrindo novos horizontes para a construção da

legitimidade democrática, assentada num sistenma de valores aceitos pela comunidade e

decisões fundamentadas racionalmente conjugadas pelo procedimento. Consoante a conclusão

de Diniz (2006, p. 221):

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Na esteira do impulso transformador mobilizado pela virada paradigmática sobre conceitos clássicos nucleares para a teoria política e o direito constitucional, veiculados por vocábulos como ‘soberania’, ‘constituição’, ‘consenso’, ‘estado’, ‘nação’, ‘participação’, ‘democracia’, ‘lei’, também o termo ‘legitimidade’ por igual se presta a novas releituras, desenvolvimentos e atualizações compatíveis com as exigências e desafios oferecidos pelo contexto da época pós-moderna.

Daí a necessidade de pensar em descontinuidades, em mudanças paradigmáticas

(SOUSA SANTOS, 1999, p. 93), a fim de que a estrutura dos Poderes do Estado, em especial

do Judiciário, e os anseios da sociedade coadunem suas perspectivas e projetos, como forma

de produzir adesão e integração social, não por temor ou obediência – posto que

hodiernamente o conceito de legalidade não se vincula tão somente com a validade dos efeitos

normativos –, mas porque os atores sociais reconhecem tal condição como boa e justa

(WOLKMER, 2003b, p. 417), no contexto da sociedade pós-moderna.

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4 A LEGITIMIDADE NO SEIO DA CRISE DO PODER JUDICIÁRIO

4.1 CRISE DO PODER JUDICIÁRIO

Após o levantamento das diversas formas de legitimidade, resta contextualizar a crise

vivenciada pelo Poder Judiciário, para então buscar justificativas para legitimar seus mais complexos

problemas.

Conforme Castro Júnior (1998, p. 26), a idéia de legitimidade relaciona-se

intimamente à idéia de crise, “pois decorre das grandes transformações sociais e históricas

não atendidas, em grande parte, pelo aparelho estatal”. De fato, assim como a sociedade,

também as instituições do Estado passam por uma crise na transição entre a modernidade e a

contemporaneidade e, neste contexto, o direito e o sistema judiciário sofrem das mesmas

incertezas e já não servem de referência dos paradigmas que os constituíram

(APOSTOLOVA, 1998, p. 9), entrando em grave crise.

Segundo Habermas (1999, p. 15), as ocorrências de crises devem sua objetividade ao

fato de que elas brotam de irresolvidos problemas de condução. Com relação ao Poder

Judiciário não é diferente: sua crise de legitimidade é reflexo de inúmeros problemas de

condução do aparelho judicial, função, atuação etc. que fragmentam a sociedade, aniquilam

seus direitos e impedem um reconhecimento satisfatório do Poder Judiciário. Para Castro

Júnior (1998, p. 19):

A crise do Poder Judiciário na sociedade moderna brasileira não é uma crise autônoma e com características exclusivas das suas próprias cultura e estrutura. Ela traduz a crise de expansão e do crescimento desta mesma sociedade, bem como a desestabilização dos Poderes entre si, decorrente da expansão da ação do Estado, especificamente do Poder Executivo, nas esferas econômicas tradicionalmente reservadas à iniciativa privada e à atuação dos monopólios e grupos econômicos organizados.

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Diante deste cenário, o Poder Judiciário, assentado no tradicionalismo formal,

ritualização dos procedimentos, ausência de transparência e caráter “antidemocrático”17 se

distancia cada vez mais da sociedade, situação que favorece sua crise de legitimidade, ao lado

de sua crise institucional – representada pela demanda de protagonismo do Judiciário

brasileiro –; crise estrutural – verificada pela sua estrutura centralizada, hierárquica e

burocrática –; crise procedimental – refletida na litigiosidade, morosidade e utilização de

legislação ultrapassada –; crise material, em seu orçamento e gestão –; crise de função –

representada pela crítica à neutralidade, defesa do ativismo jurídico e resgate do

conhecimento da real função do Poder Judiciário.

Além de todas as supracitadas faces da crise do Poder Judiciário, há autores que

apontam a existência de uma verdadeira crise de identidade, “em cujo âmbito se desenvolvem

interações conflitantes e convivências contraditórias entre concepções alternativas de ordem

socioeconômica e jurídico-política” (FARIA, 1989, p. 13), fortemente influenciada pela

politização da justiça e judicialização da política (VIANNA, 1999, p. 152) – fenômenos

perversos para a democracia (CAMPILONGO, 2002, p. 183) que tanto se quer ver realizada

no Poder Judiciário. Assim, conforme entende CIMADON (1999, p. 14-15):

A crise da justiça que se identifica e se confunde com a crise do judiciário, da magistratura, do profissional advogado, da economia e de valores é, sobretudo uma crise estrutural, institucional e de mentalidade. [...] Há, portanto, um modelo jurídico em crise. Modelo este que não consegue realizar as promessas [...].

Corroborando o posicionamento da crise afeta ao Poder Judiciário, Fux (1998, p. 7)

concebe que:

A crise judicial é enfermidade mais grave do que a da lei, porquanto multifária nos seus sintomas. Aqui e alhures, a justiça, como instituição responsável pelo bem e pela felicidade através da intermediação dos conflitos intersubjetivos, alcançou graus alarmantes de insatisfação popular, quer pela sua morosidade, quer pela

17 Sobre a expressão “antidemocrático” significa “adj. Que se opõe à democracia, a seus princípios” (DICIONÁRIO VIRTUAL AURELIO). Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em dezembro/2009.

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ineficiência das formas usuais de prestação judicial, quer pela qualidade das decisões.

Isso porque há um flagrante descompasso entre a legislação e os anseios sociais,

culminando na ineficiência da realização da justiça (RIBEIRO, 1999, p. 8) e favorecendo a

crise do modelo jurídico, do Estado, da modernidade, do Poder Judiciário. Para Fux (1998, p.

2-3):

A lei, como regra de conduta, no seu amplo espectro de regulação das atividades humanas, tem-se revelado afastada das expectativas da comunidade. A justiça, por sua vez, se apresenta ineficiente e incapaz de cumprir o sumo postulado enunciado pelos jurisconsultos romanos de perpetua voluntas unicuique suum triibuendi (a vontade perpétua de dar a cada um o que é seu), quer pelas desigualdades que encerra, quer pela tardança da prestação jurisdicional, quer pela qualidade da resposta judicial.

Assim, questionando-se o direito vigente por não atender a realidade social e complexa

e olvidando-se da prestação de serviços pelo Estado coloca-se o Direito e todo o arcabouço

judiciário em crise perante a sociedade, perante o Estado, perante seus próprios órgãos,

estruturas e funções, como se o Direito e a Justiça fossem os únicos vilões do freio à

democracia, direitos fundamentais, acesso à informação, justiça e tecnologia,

desburocratização, transparência, controle popular etc.

Ora, não é possível falar-se em crise do Direito e do Poder Judiciário sem falar em

crise do Estado18 ou crise do paradigma moderno19. A instabilidade dos entes governamentais

18 Destacando o discurso da crise do Estado pela vertente da globalização e de como as questões econômicas se sobrelevam às sociais, Muniz Sodré “O fenômeno da crise do Estado é real e só pode ser efetivamente compreendido a partir das relações financeiras do país periférico (caso do Brasil) com potências centrais (caso dos Estados Unidos). Faz-se então, no discurso público, uma interferência causal, absolutamente arbitrária, entre o fenômeno da crise e os ‘imperativos’ de desregulação cambial, privatização e corte das despesas estatais. Uma segunda interferência é ainda possível: a política impediria o mercado de deixar aflorar a sua virtude intrínseca ou ‘natural’, supostamente capaz de resolver a crise do Estado. A mídia globalista, vetor de um processo radical de desarticulação do vínculo orgânico da cultura co o território nacional, é hoje o principal lugar de produção retórica de um real compatível com a lógica circular do mercado e com a ideologia da globalização. Aí os aspectos humanos e sociais têm peso imensamente inferior aos aspectos tecnoeconômicos no equacionamento dos problemas do desenvolvimento societário” (MORAES, 2005, p. 38). 19 A respeito da crise do Poder Judiciário como reflexo da crise do paradigma moderno, é importante perceber-se que as soluções para sua superação “demandariam a consagração de um ‘modelo’ distinto de Poder Judiciário, que estivesse voltado à consecução das promessas ainda cumpridas pela modernidade, transformadas em objetivos da tão propalada pós-modernidade. Entretanto, a maioria das análises que têm em conta a crise do Poder Judiciário o isola do contexto do Estado e busca soluções dentro de um sistema que ainda é visto como autônomo, dificultando o processo de superação” (BARBOSA e COSTA, 2007, p. 3).

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e da própria sociedade está ligada a uma crise generalizada [ou “endêmica”20 como denomina

Morin (1973, p. 185)].

A crise que se atribui somente ao Poder Judiciário não é exclusiva deste, mas também

do próprio Estado que não consegue atender às propostas emancipatórias e demais anseios

sociais, remetendo-se somente à regulação – figura típica ainda do Estado Liberal –, mas que

na realidade tomam a forma de desintegração das instituições sociais (HABERMAS, 1999, p.

14). Para Ribeiro (2005, p. 7):

Não podemos visualizar o Poder Judiciário, em sua estrutura e dinâmica atual, sem perder de vista a crise do Estado, a crise de legitimidade dos Poderes e a crise de autoridade. Essas crises são sistêmicas e, como doenças endêmicas, geram surtos, aqui e acolá, ora com maior, ora com menor gravidade. Todavia, não se pode olvidar que, se não tivermos atentos a elas, podem passar de endemia a pandemia, com reflexos institucionais imprevisíveis.

Moura (1989, p. 73) apoiando-se nos estudos do cientista político norte americano,

Samuel Phillips Huntington, definiu os problemas políticos com os quais as nações em

desenvolvimento se defrontam em termos de efetividade e capacidade governamental de

governar:

A diferença política mais importante entre países diz respeito não a sua forma de governo mas a seu grau de governo. As diferenças entre democracia e ditadura são menores que as diferenças entre aqueles países cuja política reúne consenso, comunidade, legitimidade, organização, eficácia, estabilidade e aqueles países cuja política é deficiente nessas qualidades.

De fato, nos países carentes de consenso, efetividade, organização e estabilidade,

20 Conforme Dicionário Aurélio a expressão “endêmica”, que foi utilizada por Edgar Morin em sentido figurado pode ser entendida como “s.f. Doença própria de determinada região, na qual ocorre constantemente. Particular a um povo ou região (falando esopecificamente de doenças)” (DICIONÁRIO VIRTUAL AURÉLIO). Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em agosto/2009.

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aliados à restrições materiais, deficiências na gestão e morosidade21, a comoção social traz

reflexos de insatisfação e desejo de melhora imediatos. Ante a ineficácia do governo –

entendida esta como a relação eqüilibrada entre instituições políticas e forças sociais – a

solução apresentada vem com singelas melhorias que aumentam a confiança no Estado, mas

que intimamente nada resolvem os problemas da sociedade e, ainda, agravam o déficit de

legitimidade e diminuem o espaço para a participação e opinião crítica social.

Por essa razão, conclui-se que a superação da crise do Poder Judiciário deve passar por

uma análise pormenorizada de seus diversos setores como sua estrutura, hierarquia, gestão,

orçamento, administração, tecnologia, servidores, celeridade, democracia, magistrados e suas

decisões, controle popular etc., incluindo a análise do próprio aparelho estatal – compreendo

também os Poderes Executivo e Legislativo22, cuja democracia representativa também gera

aspectos críticos e pontos atuais de reflexão.

Assim, de tudo o que foi exposto em relação a crise multifacetada do Poder Judiciário

e seus reflexos mais visíveis, os autores mais otimistas entendem que (MADALOZZO, 1999,

p. 37):

A crise traz em si a incapacidade de solucionar os problemas que se lhe apresentam. Todavia, havendo capacidade de resiliência adequada, pode-se estar ante o limiar de um novo, com novas perspectivas e novas soluções. Sendo assim, não é de todo ruim.

E é sob a perspectiva de que a crise pode trazer a viabilização de novas soluções e,

para o âmbito do Poder Judiciário, novas propostas reformistas, regularizando não somente a

questão exterior da sua atuação, como maior celeridade procedimental, mas, sobretudo

21 Estes e outros tantos elementos alarmantes são indicados no Relatório Técnico n. 319 do Banco Mundial, informando que “O Poder Judiciário, em várias partes da América Latina e Caribe, tem experimentado em demasia longos processos judiciais, excessivo acúmulo de processos, acesso limitado à população, falta de transparência e previsibilidade de decisões e frágil confiabilidade pública no sistema. Essa ineficiência na administração da justiça é um produto de muitos obstáculos, incluindo a falta de independência do judiciário, inadequada capacidade administrativa das Cortes de Justiça, deficiência no gerenciamento de processos, reduzido número de juízes, carência de treinamentos, prestação de serviços de forma não competitiva por parte dos funcionários, falta de transparência no controle de gastos de verbas públicas, ensino jurídico e estágios inadequados, ineficaz sistema de sanções para condutas anti-éticas, necessidade de mecanismos alternativos de resolução de conflitos e leis e procedimentos enfadonhos” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 5). 22 Sobre o processo de elaboração de normas pelo Poder Legislativo, “a idéia passa pela necessidade de superar a crise e a ineficácia do Estado como produtor de normas, criando novos paradigmas de produção normativa. A crise do modelo normativo do Estado possibilita inúmeras perspectivas teórico-práticas paralelas que se insurgem contra o monismo centralizador de produção de normas jurídicas, até então mantido pelo sistema político dominante” (BORTOLOTTO, 1999, p. 108).

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afetando intrinsecamente o Poder Judiciário, com reformas efetivas à aproximação da

sociedade em busca de harmonização das relações com justiça social e democracia

(MADALOZZO, 1999, p. 46), é que a crise pode ser considerada como fator positivo a

desencadear esse procedimento.

Todavia alerta Ribeiro (1996, p. 11) que, dentre inúmeras possibilidades de soluções

para a crise do Poder Judiciário, talvez a mais importante seja a reforma interna, tornando-se

organizados e eficientes os três poderes estatais, uma vez que “sem se organizarem e se

tornarem eficientes o Estado-administrador e o Estado-legislador, deficiente continuará o

Estado-justiça”.

4.2 A LEGITIMIDADE EM CRISE

Nos grandes embates sobre o problema da crise do Poder Judiciário brasileiro,

freqüentemente recorre-se à alegação da existência de um déficit de legitimidade tanto em

razão de ser o menos conhecido dos três poderes estatais, como em razão de ser o mais

distante da sociedade. Para Bonavides (2004, p. 328):

A crise de legitimidade nos surpreende com mais força aqui no Brasil pelas seguintes razões: primeiro, pelos retardamentos políticos de nossa evolução constitucional; segundo por sermos uma sociedade atada a estruturas patriarcais e oligárquicas, que nos obstruem a entrada plena na democracia participativa; a seguir, pelos retardamentos do processo econômico, em virtude dos óbices para remover as estruturas da sociedade subdesenvolvida e, finalmente, em comum com todo o ocidente industrializado, pelas dificuldades inerentes à natureza mesma do sistema capitalista, qual ele se apresenta contemporaneamente, impregnado de contradições e incertezas.

Essa crise de legitimidade se instaura pela superveniência de diversos fatores, dentre

eles a incapacidade estatal especificamente quando o Estado ou as instituições estatais entram

em atrito com o povo ou comunidade (SILVA, 2003, p. 397), ou seja, quando ocorre “uma

perda ou déficit de capacidade do Estado para responder às demandas e expectações

econômicas, políticas e sociais dos governados” (BONAVIDES, 2004, p. 331), culminando

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numa vedadeira “crise de autoridade” do Estado (FRIEDRICH, 1974, 102). Quando tal

acontece, ou seja, (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 26):

Quando a estrutura de um poder contradiz a evolução e os anseios de uma sociedade, verifica-se que há uma crise da sua legitimidade, já que inexiste ou é deficiente o elemento integrador na relação de poder que deve haver no âmbito do Estado.

E ausente esse elemento integrador entre Estado e Sociedade, diz-se que há uma perda

de legitimidade, uma inaceitação do aparelho judiciário, do procedimento judicial, das

decisões judiciais e dos próprios magistrados. Restando deficitário o Estado-nação e

remetendo essa dificuldade ao Poder Judiciário.

Assim, para que haja uma real legitimação do Poder Judiciário, pautada não pelo

temor ou obediência, mas sim no reconhecimento de que tal condição é boa e justa

(WOLKMER, 2003, p. 82), mister o resgate desse elemento integrador, aproximando o

Judiciário da sociedade, sob o aspecto da sua aceitação pela população, fonte primária numa

democracia (RIBEIRO, 2007, p. 1).

De fato, a não aceitação e descrença são produtos da realidade vivenciada pelo Poder

Judiciário, por ser o menos conhecido e o mais distante da sociedade, seja em razão da

burocratização, formalismo dos procedimentos, vocabulário jurídico, homogeneidade e forma

de investidura dos seus membros, ou ainda em razão da natureza das decisões dos magistrados

– “manifestações de um poder de estado, que monopoliza o Direito e legitima o sistema de

coerção” (BARBOSA, 2006, p. 201) –, fatores que influenciam na ausência de compreensão

do que e de como o Poder Judiciário realiza sua função.

Esse desconhecimento e incompreensão agravam o déficit de legitimidade enfrentado

pelo Poder Judiciário. Dessa forma, Ribeiro (1999, p. 10) leciona que:

A preocupação que se deve ter presente é a de afastar o “sentimento de deslegitimação por parte da maioria da população” com que depara o Poder Judiciário. É preciso dar meios aos excluídos e aos pobres para que deixem de recorrer a outros canais de mediação, como a polícia, o padre, o líder comunitário e o justiceiro. Ou seja, cumpre dar condições a toda população para assegurar de fato a sua cidadania.

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O respeito à cidadania se compraz no ideal de efetivação dos direitos dos cidadãos,

incluso neles a participação popular nas decisões do Estado, senão pela via direta23, por meio

de um controle da efetividade dessas decisões. O Judicário deve ser o pacificador social e

resolver os conflitos de todos os cidadãos, não somente dos mais favorecidos

economicamente, com justiça e dignidade, fazendo com que a população acredite no Poder

Judiciário e nos seus magistrados. Por isso a crença da população é de suma importância, de

forma que tal assunto não pode ficar ausente nos debates sobre a reforma do Poder Judiciário.

Ribeiro (1999, p. 14), esclarece que:

É imperioso que os etudiosos trabalhem conscientes de que, nesta época em que tudo se questiona, não podem olvidar o tema sobre a legitimidade do Judiciário como Poder, sob o enfoque da sua aceitação pela sociedade a que serve. É indispensável a mudança de mentalidade e a criatividade, a fim de que novos princípios sejam aplicados à solução dos litígios, mitigando-se, assim, o fenômeno da litigiosidade contida e da impunidade, que, como doença insidiosa, pode aflorar com todas as suas energias funestas e atingir os alicerces que sustentam a causa democrática.

E no ideal de preservação da causa democrática, a transposição do déficit de

legitimidade do Poder Judiciário é fator fundamental para o resgate do Estado Democrático de

Direito, com atuação política e participação da sociedade, na percepção de que o

23 Paulo Bonavides entende como via direta de participação a “democracia direta”, a qual estabelece o primado do controle popular sobre o poder. Para o autor, “não basta, por conseguinte, empregar as técnicas de consulta popular imediata para se ter uma democracia direta; estão não se confunde com o formalismo nem tampouco com a materialidade de suas técnicas. Mas postula, por elemento capital e decisivo de sua formulação e reconhecimento em bases conceituais, a legitimidade fundamental e substancial do processo político, a alma, para não dizermos o espírito essencialmente democrático, que anima com o sopro da aquiescência popular os atos básicos da pública administração e as leis que estruturam a organização dos poderes, distribuem as competências, estabelecem as garantias dos direitos e fazem, por via de conseqüência, inviolável a dignidade da pessoa humana, sagrando os direitos da participação política do povo em termos eficazes e genuínos. O princípio democrático logra seu apogeu nessa modalidade de democracia direta” (BONAVIDES, 2004, p. 487). No entanto BOBBIO (1986, p. 42) relembra e adverte que a proposição de democracia acima descrita não significa que todos devem decidir a respeito de tudo numa sociedade. Para o autor “é evidente que, se por democracia direta se entende literalmente a participação de todos os cidadãos em todas as decisões a eles pertinentes, a proposta é insensata. Que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível. E também não é desejável humanamente, isto é, do ponto de vista do desenvolvimento ético e intelectual da humanidade”. A proposta de BOBBIO (1986, p. 51-52) seria uma democracia representativa mais próxima da democracia direta, por meio do “instituto do representante substituível contraposto ao do representante desvinculado de mandato imperativo”, pois para se ter a democracia direta pura é preciso que “o indivíduo participe ele mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito, é preciso que entre os indivíduos deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito não exista nenhum intermediário” (BOBBIO, 1986, p. 51).

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enfraquecimento e descrédito do Poder Judiciário compromete a própria organização estatal,

colocando em risco toda a sociedade.

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5 ELEMENTOS EXÓGENOS QUE INFLUEM NA LEGITIMIDADE DO PODER

JUDICIÁRIO BRASILEIRO

5.1 PERDA DE AUTONOMIA DO ESTADO

O Estado foi concebido como ente autônomo e independente que conjugava as funções

administrativa, legislativa e judiciária, em respeito ao princípio da separação de poderes.

Hoje, considerado como elemento de estabilidade da ordem pública e, teorizado para viablizar

os direitos fundamentais de várias gerações subseqüentes, hoje se nos apresenta carregado de

retrocesso (BONAVIDES, 2004, p. 40), sem efetivar muitos dos direitos mencionados e não

representando a estabilidade da sociedade civil.

De fato, conforme entendimento de Sousa Santos (2000, p. 64) o Estado

intervencionista promoveu a instrumentalização política do direito até os seus limites. E esses

limites, que também são os do próprio Estado-Providência, denunciam disfunções,

incongruências, resultados contraproducentes e efeitos perversos que se revelam no campo

jurídico de múltiplas formas.

Isso porque “com a globalização, conceitos como soberania, democracia, direito,

Estado, ordem internacional ganham novos contornos” (CAMPILONGO, 2005, p. 5),

modificando sobremaneira a forma de atuar de todo o aparelho estatal. Com isso, Diniz (2006,

p. 219) ressalta que:

A eterna busca de segurança, previsibilidade de condutas e de mecanismos de controle social parecem se esvanecer-se ante o aumento dos riscos e das contingências. Com efeito, a nova vaga de demandas sociais capitaneada por fatores conexos como v. g. pluralismo, globalização, massificação, aumento das desigualdades sociais, ameaças naturais e artificiais à sobrevivência da espécie humana [...],

enfraquecem o Estado que, não raras vezes, não possui a independência necessária para

solucionar conflitos ou tomar decisões, apontando para uma desregulação da vida econômica,

social e política, do que se conclui que “nenhum dos princípios da regulação (Estado,

mercado e comunidade) parece capaz de, por si só, garantir a regulação social” (SOUSA

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SANTOS, 1999, p. 89). E assim, cria-se um déficit democrático estatal, representado pela

ausência de igualdade política (CAMPILONGO, 2005, p. 7-8) e ausência de forças interna e

externa por parte do Estado que se encontra deseqüilibrado na divisão de suas competências

funcionais, prejudicando a própria evolução da sociedade mundial (CAMPILONGO, 2005, p.

15).

José Eduardo Faria denomina esse processo de transformação a que foram submetidas

as instituições políticas, jurídicas, culturais e sociais de “destruição criadora”, uma vez que

destruiu os princípios basilares de cada instituição em nome da criação de instituições capazes

de “servir de base para uma economia transnacionalizada, em cujo âmbito a obsessão por

ganhos ilimitados de eficiência, lucratividade e vantagens comparativas cada vez mais

contamina os valores das demais esferas da vida social” (FARIA, 2005, p. 101), sobretudo a

esfera estatal.

Tudo isso, culmina em uma crise hegemônica, de falta de credibilidade do regime;

fragmentação de seu aparelho burocrático; desorganização de seus procedimentos

administrativos; anomia24 de sua ordem constitucional e desmoralização de sua autoridade

(FARIA, 1985, p. 11). Essa afirmação só é possível de ser feita porque, de fato, o aparelho

representativo tradicional, ao longo dos tempos (BONAVIDES, 2004, p. 478):

[...] não eliminou as oligarquias, não transferiu ao povo o comando e a direção dos negócios públicos, não fortaleceu nem legitimou nem tampouco fez genuína a presença dos partidos no exercício do poder. Ao contrário, tornou mais ásperas e agudas as contradições partidárias em matéria de participação governativa eficaz. Do mesmo passo, fez, também, do poder pessoal, da hegemonia executiva e da rede de interesses poderosos e privilegiados, a essência de toda uma política guiada no interesse próprio de minorias refratárias à prevalência da vontade social e sem respaldo de opinião junto das camadas majoritárias da Sociedade.

Parte dessa afirmação ainda se deve ao fato da indefinição quanto à quem se deve

responsabilizar ou quem pode assegurar o controle sobre a responsabilidade na nova ordem

econômica (FARIA, 2005, p. 108), pois se o Estado não reflete a necessária independência

24 Anomia esta retratada como uma evolução da tradicional problematização de Emile Durkheim, entendendo como debilidade social o enfraquecimento ou ausência de normas, criando situações anômicas como crises econômicas e o constante conflito entre capital e trabalho, o que refuta o ideal de direitos humanos (DURKHEIM, 1983, p. 27).

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política e econômica, como poderemos responsabilizá-lo ou cobrá-lo pelas nossas

reivindicações? Aliás, acrescenta Campilongo (2005, p. 7-8), quem são os reais destinatários

da democracia em tempos de globalização? Quem decide? Com que critérios? Em que

direção? Com quais limites? Com qual representatividade?

Assim, a sociedade encontra-se descentralizada e o Estado não constitui mais a

vanguarda política, apta a enfaixar as funções da sociedade global. Pelo contrário, passa a

desempenhar um papel ambíguo, externamente fomentando a diversidade cultural e

autenticidade da cultura nacional; e internamente promovendo a homogenização e

uniformidade (SOUSA SANTOS, 2002, p. 47-48). Para Campilongo (2005, p. 11):

Com o esvaziamento do Estado e o “déficit democrático” das alternativas disponíveis, a participação será obtida em torno de que bandeiras? Como conciliar a mais ampla participação com a complexidade do processo de escolhas públicas? [...] O que garante que mais participação conduza a maior consenso? Onde encontrar, na sociedade globalizada, uma hierarquia de fontes legitimadoras do direito ou do poder?

Com efeito, o objeto de proteção do Estado não é apenas a sociedade nacional ou o

indivíduo situado nesta sociedade. Nem são apenas atores sociais, relações, processos e

estruturas inerentes aos modos de ser, organizar-se e modificar-se da sociedade nacional, mas

sim uma interligação transnacional que contribuiu para a falibilidade do estado nacional. E

isso afeta a legitimidade do Poder Judiciário, eis que num ambiente de ambivalentes relações

internacionais e descentralizadas, quem possui o poder de dizer o norte da política, economia,

sociedade e também da ordem jurídica?

Assim, o Estado, com sua base material destruída, sua soberania e independência

abaladas, sem respostas efetivas aos projetos emancipatórios da sociedade e, ainda,

pressionado pela globalização, torna-se apenas detentor de seu poder de repressão e

assegurador das grandes empresas (BAUMAN, 1999, p. 74). Segundo Ianni (2000, p. 13):

Quando se inicia o século 21, todas as nações estão profundamente abaladas, em suas estruturas e instituições, em suas formas de sociabilidade e jogos de forças sociais, em suas condições de soberania e em suas possibilidades de construção de hegemonia.

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E, de repente, se reconhece que as tendências dominantes do Estado estão distorcidas

das propostas da sociedade civil. As propostas de vinculação dos princípios da regulação com

a emancipação social para realização efetiva de direitos da sociedade de forma coletiva e

individual dissolvem-se “num projeto global de racionalização da vida social prática

quotiddiana” (SOUSA SANTOS, 1999, p. 78), tornando-se mais um projeto inconcluso do

Estado Social. Daí falar-se em falta de legitimidade global, quando a configuração de valores

de uma sociedade encontra-se deturpada ou repleta de antagonismos internos (MERQUIOR,

1980, p. 5). E o grande dilema passa a ser como resgatar os elementos essenciais do Estado,

como acolher as tendências da sociedade civil a fim de que o intervencionismo social do

Estado não se transforme em intervencionismo não estatal. Conforme nos ensina Sousa

Santos (1999, p. 88-89):

O Estado nacional parece ter perdido em parte a capacidade e em parte a vontade política para continuar a regular as esferas da produção (privatizações, desregulação da economia) e da reprodução social (retracção das políticas sociais, crise do Estado-Providência); a transnacionalização da economia e o capital político que ela transporta transformam o Estado numa unidade de análise relativamente obsoleta, não só nos países periféricos e semiperiféricos, como quase sempre sucedeu, mas também, crescentemente, nos países centrais; esta fraqueza externa do Estado é, no entanto, compensada pelo aumento do autoritarismo do Estado, que é produzido em parte pela própria congestão institucional da burocracia do Estado e em parte, e um tanto paradoxalmente, elas próprias políticas do Estado no sentido de devolver à sociedade civil competências e funções que assumiu no segundo período e que agora parece estrutural e irremediavelmente incapaz de exercer e desempenhar.

Na mesma toada, complementa Bonavides (2004, p. 188):

O que há no âmago da crise federativa nacional é a inadequação da realidade aos meios de que dispõe o governo para atacá-la; é a Constituição atrasada com os fatos; é a imperiosa necessidade de institucionalizar-se juridicamente poderes que a vocação democrática de nosso tempo, ditando aos povos sentimentos igualitários na esfera social e econômica, parece impor decisivamente, com impaciência algo revolucionária de quem está a impetrar novos conceitos – e por que não, também? – novos métodos, novos intérpretes, novos caminhos!

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Pois é justamente a incompatibilidade organizacional e estrutural do Estado frente às

novas aspirações sociais e aos novos tempos que fragiliza e desacredita o aparelho Estatal e

principalmente o Poder Judiciário que, tendo a função de julgar e aplicar a lei ao caso

concreto, não raras vezes fica impossibilitado de prestar adequadamente a tutela jusridicional

pretendida.

Não bastasse isso, com o abalo do Estado, fragiliza-se, igualmente, os ideais

democráticos, pois como colocar em prática a democracia dentro de um Estado incapaz

muitas vezes de solucionar seus próprios problemas? Compartilhando deste raciocínio

Weffort (1992, p. 39-40) reconhece que:

[...] por mais importante que seja, não basta a afirmação da autonomia política e da democracia como valor em si. Como acreditar que a democracia continue a se ampliar ao mesmo tempo em que as economias e as sociedades desmoronam? Por mais auspicioso que seja o avanço da cultura política democrática, a consolidação da democracia dependerá também da sua eficácia para resolver problemas econômicos e sociais.

Assim, a perda de autonomia do Estado reflete não só na crise estatal, mas também no

déficit de participação nas questões do Estado e do Poder Judiciário, revelando a crise de

legitimidade que decorre da independência e ineficiência dos poderes. E por isso a grande

necessidade de resgatar essa autonomia do Estado não somente para fortalecer o Poder

Judiciário como poder do Estado, sobretudo para assegurar os ideais democráticos em todas

as esferas estatais.

5.2 PARTICIPAÇÃO E CRÍTICA SOCIAL

Como ensina Serres (1998, p. 42) “nossa relação com mundo mudou. Antes, ela era

local-local; agora é local-global”. Essa mudança de relação, vale explicar, somente foi viável

em razão de vermos o mundo atualmente como um todo, por inteiro – o que foi possível pelo

processo de globalização que, além das vertentes econômicas, políticas e sociais, viabilizou

crescentes modificações no tempo cronológico (da modernidade à contemporaneidade), bem

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como nas relações locais, globais, multinacionais e transnacionais, repercutindo, também, na

multiplicidade do conhecimento.

Isso, sem dúvida alguma, importa em relevantes reflexos na concepção que temos de

mundo, espaço e tempo25. Primeiro, porque a própria globalização apresenta desafios

empíricos e metodológicos, ou históricos e teóricos (IANNI, 1994, p. 147) que exigem novos

conceitos e diferentes interpretações. Segundo, porque nós, integrantes dessa sociedade,

somos os atores dos eventos sociais em cada espaço e em cada tempo.

Na realidade, a globalização26 faz também redescobrir a materialidade e, com ela, a

noção de movimento. Entretanto, o ritmo frenético que a maioria dos indivíduos é compelida

a levar, sobretudo nas concentrações urbanas, os impede de refletir sua situação na própria

sociedade, sua participação, criatividade, inter-relação, fazendo com que o indivíduo pense,

“como todo mundo pensa”, aja, “como todo mundo age”, e proceda “como todo mundo

procede”. No âmago dessa constatação Bonavides (2001, p. 26) indaga: “quem é o povo, e

onde está o povo, nessa forma de organização? Concluindo ser uma pergunta que ninguém

sabe responder. A opinião, a crítica, a participação deve vir não só da maioria, mas de todos

os pluralismos existentes. O “todo” povo deve compreender tanto as reivindicações da

maioria como as propostas emancipatórias das minorias. Daí o sentido de democracia. Agora,

se não há espaço para a opinião popular, tampouco espaço para a participação nos fins do

Estado e, quando há este espaço é relegado apenas à maioria hegemônica, não se está diante

de uma democracia. E assim, (BOAVENTURA, 2002, p. 72):

[...] aquele “todo mundo”, não reflete senão os comportamentos que lhe são introjetados por uma pequena minoria, a dos que detêm o controle da grande mídia e que, mais ou menos conscientemente, vão

25 “Os mesmos quadros do pensamento que se rompem, largam-se. As mesmas noções postas em causa recriam-se em outro nível. Aí o indivíduo encontra outras perspectivas de realização, já que a sociedade o lança num horizonte social, econômico, político e cultural múltiplo, multiplicado. Aí os quadros mentais de referência, no que se refere a espaço e tempo, à pluralidade de perspectivas, ao contraponto singular, particular e universal, adquirem outras possibilidades de realização e imaginação. Neste horizonte, as universalidades presentes na imaginação filosófica, científica e artística talvez possam impregnar as metamorfoses da história”. (IANNI, 1999, p. 106). 26 “A globalização pode ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço”. (IANNI, 1994, p. 151).

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realizando as ações que lhes parecem úteis e práticas, mas que são geralmente frutos da ‘ignorância interna’.

No entanto, se o ideal de democracia é a participação popular por excelência, o povo,

muito antes de participar direta ou indiretamente nas decisões do Estado, deve ter a

consciência da participação, seja por meio de controle ou utilização de instrumentos

participativos, fomentando o senso crítico e a razão de compreender se a democracia existe e

se está sendo aplicada.

A partir dessa diretriz, vislumbra-se que, sendo participante da Polis deve

efetivamente contribuir para os rumos da política do Estado, deixando nítida a vertente

democrática. Ocorre que, embora na democracia a igualdade real seja o escopo maior do

Estado, seu estabelecimento é de extremo rigor, que passa a ser, não raras vezes, apenas

formal. Não é bastante a simples implantação de leis para nivelar as desigualdades

econômicas e propiciar a participação superficial da sociedade. Neste contexto, Habermas

(1999, p. 50) esclarece que:

O aparelho do Estado não mais como capitalismo liberal, apenas assegura as condições gerais de condição, mas está agora ativamente nele engajado. Precisa, portanto, como um estado pré-capitalista, ser legitimado, embora não mais possa depender dos resíduos de tradição que foram minados e esgotados durante o desenvolvimento do capitalismo. Além do mais, através de um sistema valorativo universal da ideologia burguesa, os direitos de vir, inclusive o direito de participar em eleições políticas, estabeleceram, e a legitimação pode ser desassociada do mecanismo de eleições apenas temporariamente e sob condições extraordinárias. Este problema é resolvido através de um sistema de democracia formal. A genuína participação dos cidadãos nos processos de formação de vontade política, isto é, a democracia substantiva, conscientizaria as contradições entre a produção socializada administrativamente a contínua apropriação privada e uso privado da mais valia. A fim de manter esta contradição longe de ser objeto de discussão, então o sistema administrativo precisa ser suficientemente independente da formação da vontade legitimante.

Com efeito, na concepção popular, o simples fato de se viver num Estado Democrático

de Direito induz a idéia de que ele realmente seja democrático, sobretudo num país pós-

ditadura militar que depois desse período viu-se mais participativo e atendido em suas

reivindicações – ainda que superficialmente. No entanto, o não questionamento do viés

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democrático do Estado não conduz à efetiva democracia em suas instituições e decisões por

elas tomadas, culminando numa (SOUSA SANTOS, 1999, p. 21):

[...] patologia da participação, sob a forma do conformismo, do abstencionismo e da apatia política; a patologia da representação, sob a forma da distância entre eleitores e eleitos, do ensinamento dos parlamentares, da marginalização e governamentalização dos parlamentos.

Isso sem mencionar as estratégias governamentais cada vez mais inconsistentes e

desgastadas (BOBBIO, 1995b p. 203), não atendendo, mas simplesmente tentando camuflar

os anseios sociais.

Os fatores acima apontados, no entanto, não obstaculizam a possibilidade do Estado

assumir um novo papel, mais ativo, independente, político e social. Entrementes, mister a

adaptação às novas circunstâncias sócio-políticas e econômicas vivenciadas no país e no

mundo. Essa adaptação, contudo, – além da transparência, aparelhamento de suas instituições,

planejamento estratégico, técnicas de outras áreas de formação profissional e alterações

legislativas – começa pela formação e conscientização dos dirigentes estatais, bem como de

toda população, a fim de analisar os fenômenos sociais que informam a criação do direito e

estão presentes no momento de sua aplicação, sem esquecer que a prioridade deve ser dada ao

ser humano27, tendo este o direito de participar dos fins do Estado como forma de realização

do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, explana Durkheim (1983, p. 81):

A democracia se nos apresenta, pois, como a forma política pela qual a sociedade chega à mais pura consciência de si mesma. Um povo é tanto mais democrático quanto mais considerável é o papel desempenhado, na marcha dos negócios públicos, pela deliberação, pela reflexão, pelo espírito crítico.

No mesmo entendimento, Pettit (2003, p. 371-372) afirma que “exigir que as decisões

públicas sejam contestáveis, sobretudo que as contestações possam partir de qualquer

segmento da sociedade, é insistir em que a tomada de decisão satisfaça um determinado

27 “A democracia, a alternância do poder, uma nova composição dos tribunais, a transparência, a melhor preparação dos juízes, dentre outros elementos, estão a nos desafiar na busca de soluções, onde o exercício pleno da cidadania possa repousar com tranqüilidade num Poder Judiciário que venha a ser o reflexo dos valores primordiais do homem e da Polis”. (KREBS, 1997, p. 198.).

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perfil democrático”. Assim, o conceito de democracia não se liga mais substancialmente ao

consenso, eleição popular, mas na possibilidade do povo, individual ou coletivamente poder

usufruir do direito de contestação perante as decisões do governo.

E a grande questão é como irá o povo questionar as decisões do Estado se não é

informado o suficiente sobre seus elementos e métodos, e está tão acostumado a aceitar

pacificamente a tudo – ainda que indagando informalmente mas sem argumentos.

Tal contexto agrava a crise de legitimidade do Poder Judiciário. Os indivíduos não o

compreendem, não opinam, não participam. E é justamente a ausência de uma participação

mais efetiva que reflete também o déficit de participação nas questões do Poder Judiciário,

revelando a crise de legitimidade que decorre da ausência de consenso, estabilidade

democrática etc.

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6 ELEMENTOS ENDÓGENOS QUE INFLUEM NA LEGITIMIDADE DO PODER

JUDICIÁRIO BRASILEIRO

6.1 NEUTRALIDADE / IMPARCIALIDADE DOS MAGISTRADOS

A teoria da separação dos poderes foi criada numa tentativa de resistência aos poderes

absolutos e foi considerada como a garantia da liberdade política. Entretanto, o Poder

Judiciário – na pessoa do seu magistrado – à época não tinha predominância. Para Faria e

Lopes (1989, p. 165), “a Assembléia determinou que os juízes, magistratura do rei, não

poderiam verificar a legalidade dos atos revolucionários. Com isto, isolava-se o Judiciário

da arena política”.

Tal era a expressão da verdade na época, que na concepção de Montesquieu, os

poderes eram: o Legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes

(Executivo) e o poder executivo das coisas que dependem do direito civil (e esse então era o

Poder Judiciário), ao qual competia punir os crimes e julgar as pendências entre os

particulares, sob o manto das leis elaboradas pelo Poder Legislativo, sendo o Judiciário

considerado como um poder nulo. Conforme Souza (2008, p. 59-60):

A doutrina clássica proporcionou a análise da imparcialidade do juiz como um princípio de caráter absoluto. Em qualquer circunstância fática ou jurídica apresentada no processo haverá necessidade absoluta de precedência de um juiz neutro e imparcial diante das circunstâncias culturais, econômicas, sociais das partes envolvidas na relação jurídica processual.

Influenciado por essa teoria e sob a perspectiva do Estado Liberal de Direito,

concebia-se um juiz neutro, o Juiz “Júpter”, da análise de François Ost, que apenas aplica a lei

ao caso concreto, o juiz da estrita legalidade. Diz-nos Ost (1993, p. 172-176) que esse modelo

de juiz, influenciado pelo contrato social e por teóricos positivistas como Kelsen, se enquadra

perfeitamente no contexto de subordinação, escalonamento de regras, sempre respeitando a

hierarquia e o ápice da pirâmide no sentido unidirecional. Por essa razão, a soberania do

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legislador – e das regras por ele emanadas –, e não do magistrado, acabou inspirando as

constituções modernas.

Com o Estado Social, atribuiu-se maior iniciativa ao juiz, compreendendo todo o

espaço em que pode atuar. Os conceitos de neutralidade e imparcialdade foram mitigados pelo

reconhecimento de que o ser humano, juiz ou não, por ter suas próprias convicções e valores,

não pode ser considerado neutro. Conforme leciona Zaffaroni (1995, p. 87):

O juiz é uma pessoa, dotada, portanto, de consciência moral e, em conseqüência, não se lhe pode impor a independência ética ou moral, porque é algo completamente individual e de sua própria consciência. O direito somente pode possibilitar esta independência moral. A possibilidade ou espaço a que nos referimos é a independência jurídica do juiz, que é a única de que nos podemos ocupar.

E continua o autor, em outra passagem de sua obra esclarecendo que “o juiz não pode

ser alguém ‘neutro’, porque não existe a neutralidade ideológica, salvo na forma de apatia,

irracionalismo ou decadência do pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e

menos ainda de um juiz” (ZAFFARONI, 1995, p. 92).

Deve ser independente e agir com imparcialidade na solução dos litígios que lhes são

sujeitos, no entanto, não pode – e nem seria possível – agir com neutralidade, posto que esta

não se confunde com a idéia de sujeito imparcial e, conforme Dinamarco (2005, p. 220):

[...] nem importa um suposto dever de ser ética ou axiologicamente neutro. A doutrina processual moderna vem enfatizando que o juiz, embora escravo da lei como tradicionalmente se diz, tem legítima liberdade para interpretar os textos desta e as concretas situações em julgamento, segundo os valores da sociedade. O sistema de pluralidade de graus de jurisdição e a publicidade dos atos processuais operam como freios a possíveis excessos e prática de parcialidades a pretexto dessa liberdade interpretativa.

Por essa razão, também não se pode confundir imparcialidade com passividade do

magistrado durante o desenvolvimento do processo, principalmente quando se trata do

exercício de poderes que a lei lhe confere de maneira inequívoca (BEDAQUE, 1994, p. 82).

Ademais, a imparcialidade do magistrado não implica em discricionariedade ou

arbitrariedade dentro do sistema jurídico. Embora o problema da discricionariedade importe

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na delimitação do que venha a ser em cada época, o poder, o Direito e as suas finalidades,

certo é que a crença no poder absoluto da lei, oriundo da Revolução Francesa, não mais

existe. Em razão da mutabilidade da sociedade e complexos avanços políticos, econômicos e

sociais, a convicção de que a lei escrita traduzia a vontade geral – Direito legal absoluto –

cedeu lugar às decisões do magistrado conforme as peculiaridades de cada caso, conferindo

certa margem de interpretação ao Poder Judiciário, embora restrito à fundamentação de suas

decisões28.

A esse respeito, leciona Carnelutti (1956, p. 293) que “La figura del juez se distingue

de las otras, no tanto porque él solo esté provisto de potestades, cuanto por el carácter

superior de las que le están atribuidas”29. Logo, em razão do caráter de superioridade entre as

partes, o juiz deve ser imparcial, de modo a conferir a prestação da tutela jurisdicional sem

preferencialismos ou benéfices. E, nesse aspecto, conforme muitos doutrinadores entendem, a

melhor forma de preservar a imparcialidade do magistrado é impor-lhe o dever de motivar as

suas decisões – conceito retratado por Habermas na racionalidade da decisão. “Pode ele

manter-se imparcial, ainda que participe ativamente da instrução. Basta que suas decisões

sejam fundamentadas” (BEDAQUE, 1994, p. 80-81).

28 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. 29 Tradução literal: “A figura do juiz se distingue das outras não tanto porque somente ele está provido de potestades, quanto pelo caráter superior das que lhe estão atribuídas”.

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Assim, assegurando-se a independência da função jurisdicional e do próprio Poder

Judiciário, no sentido de não depender ou influenciar-se pelos demais poderes do Estado,

permite-se que o juiz possa desenvolver suas funções com imparcialidade, a qual é

fundamental requisito para a consecução da Justiça.

Desta feita, o juiz de hoje não é o mesmo juiz “Júpiter” do Estado Liberal de Direito,

que apenas aplicava a lei, como algo sagrado e transcendente, ficando na surdina, observando

o deslinde da demanda. No entanto, também não é o juiz autoritário e livre de vínculos

principiológicos e legais. O juiz, embora não mais seja o “juiz boca da lei” de Montesquieu,

não pode se sobrepor às causas que por ele são vistas, dependendo sempre da iniciativa das

partes, em respeito aos princípios da inércia da jurisdição e impulso oficial, bem como do

requisito subjetivo da imparcialidade. No entanto, nos dias de hoje, com o reconhecimento da

inexistência da neutralidade, e sim, valorização da imparcialidade do magistrado, ainda se tem

exigido (RODRIGUES, 2003, p. 47-48):

[...] a isenção e a neutralidade (confundindo a necessária imparcialidade com a impossível neutralidade), fazendo com que ele, ao assumir a função jurisdicional, busque se despir da sua condição de cidadão (dissociando-a da figura do profissional), passando a agir apenas tecnicamente. Comportando-se dessa forma, acaba ele transformado em um burocrata distante dos anseios sociais, ou em um mero braço do poder político de plantão. Isso leva ao agravamento da crise do Poder Judiciário [...].

Havendo deficiência na questão da independência e da imparcialidade do Poder

Judiciário, haverá uma crise de legitimidade decorrente da ausência de procedimento

“adequado”. Assim, o que se deve ter assente é que é a independência e imparcialidade do

magistrado devem ser preservadas em todo percurso processual, como forma de legitimar o

procedimento (LUHMANN, 1980, p. 98), e não a neutralidade, posto que esta,

invariavelmente, não se obtém em nenhuma manifestação humana, judicial ou não.

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6.2 INEFICÁCIA DOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS

Muito se discute a respeito da morosidade e ineficácia dos procedimentos judiciais. No

entanto, a incessante reforma legislativa, sobretudo processual, no intuito de acelarar o

andamento dos processos30 por si só, não extingue o problema da crise do Poder Judiciário e o

descontentamento da sociedade.

O direito subjetivo de ação31, comumente reconhecido na doutrina brasileira como o

“direito de acesso à justiça” para defesa de seus direitos foi ampliado pela Constituição

Federal de 198832, passando a abranger não somente a lesão, mas também a ameaça de lesão

ao direito, colocando o Poder Judiciário como instrumento de viabilização dessa relação entre

o lesionado e/ou ameaçado e o juiz.

Tal princípio (CAPPELLETTI, 1974, p. 67), foi um dos grandes problemas

processuais vividos desde o século passado, tendo obtido sua primeira vitória com a supressão

das jurisdições privilegiadas, com a proclamação da gratuidade da justiça, além de tentativas

de “simplificação” do direito, a fim de ampliar o acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário. Isto

porque, um direito inacessível sob a ótica de sua ininteligibilidade “arrasta a inacessibilidade

à justiça” (FUX, 1998, p. 6), inviabilizando o exercício de tais direitos em juízo ou fora dele.

Com efeito, a revolução jurisdicional acerca do acesso à justiça não eliminou todas as

30 Além das reformas legislativas, sobretudo nos Códigos de Processo Civil e Penal na tentativa de conferir maior celeridade aos processos, outras alternativas para a solução da morosidade foram buscadas na nomeção de juízes temporários (utilizada no Peru e Venezuela). (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 83). 31 “O direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado. O direito à jurisdição apresenta-se em três fases que se encadeiam e se completam, a saber, a) o acesso ao poder estatal prestador da jurisdição; b) a eficiência e prontidão da resposta estatal à demanda de jurisdição; e c) a eficácia da decisão jurisdita. A dicção, mesmo que constitucional, do direito à jurisdição não basta para que o cidadão tenha a segurança de ver assumido e solucionado pelo Estado o conflito que, eventualmente, surja na aplicação do direito. [...]. Por isso, é insuficiente que o Estado positive a jurisdição como direito, enunciando-o na fórmula principiológica da inafastabilidade do controle judicial, mas não viabilize as condições para que este direito seja exercido pelos seus titulares de modo eficiente e eficaz”. (ROCHA, 1993, p. 31). 32 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

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demais cargas patrimoniais necessárias para ingressar em juízo, e pior: criou um sistema

tão amplo de acesso ao judiciário – com a gratuidade da justiça, métodos extrajudiciais de

resolução de conflitos33, ausência de advogado nos Juizados Especiais – fazendo com que se

solucionasse o problema do ingresso à justiça mas, devido ao sobranceiro número de

demandas, não conseguiu viabilizar o acesso à adequada prestação da tutela jurisdicional34,

que também é componente do princípio do acesso à justiça e de suma importância na garantia

de democratização, redefinindo as relações entre Estado e Sociedade (BANCO MUNDIAL,

1996, p. 84).

Isso porque o acesso à justiça não deve ser compreendido como o mero ingresso em

juízo (DINAMARCO, 2005b, p. 134), mas como a pretensão endereçada ao magistrado para

que produza um julgamento efetivo, adequado aos valores da sociedade, de modo a propiciar

à parte litigante não só sua admissão em juízo, mas também sua admissão a participar

ativamente do processo e receber a tutela jurisdicional em tempo razoável. E por isso tal

princípio deve conjugar o acesso físico aos fatores: tempo, custos, capacidade de seus

usuários e servidores, bem como possibilidade de acesso às informações pertinentes ao

processo. Para Ribeiro (2002, p. 2):

É lamentável que, no Brasil, as entidades estatias, com freqüência, violem o direito dos cidadãos e atinjam, principalmente, os mais desprotegidos. Esquecem-se seus gestores de que tal proceder desmoraliza o princípio da autoridade, encarnado pelo Executivo, avilta o Poder Legislativo, porta-voz dos anseios de liberdade da sociedade e desmoraliza o Judiciário, lento na solução dos conflitos que lhe são submetidos a julgamento.

33 Sobre a aceitação dos métodos alternativos de resolução de conflitos, a primeira barreira diz respeito a sua pouca utilidade, pelo menos no Brasil, em razão da elevada cultura da litigiosidade enraizada em nosso país. Outra barreira diz respeito ao entendimento dos próprios operadores do Direito em relação a adoção dessa prática. “Inicialmente magistrados e advogados podem se sentir ameaçado pela perda de poder causado pelas vias adicionais proporcionados aos litigantes. Entretanto, os juízes podem ser cooptados pela capacidade dos MARC em aliviar o volume processual, removendo a responsabilidade pelos processos complexos e de grande visibilidade pública. Os advogados também podem temer a necessidade de adquirir novos conhecimentos e trabalhar sob novas normas. Apesar disso, eles também podem pensar que em longo prazo os MARC são úteis aos seus clientes e a si próprio. Alguns projetos chegaram a revelar que a partes podem tolerar, mais freqüentemente, em aguardar pela mediação do que as decisões judiciais. No Chile, por exemplo, existe uma proporção de sucesso na ordem de 70% nos procedimentos de mediação” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 87). 34 Neste sentido, o Relatório Técnico n. 319 do Banco Mundial é enfático ao demonstrar que “o acesso à justiça depende o adequado funcionamento do sistema jurídico como um todo, mas alguns fatores específicos incluem os obstáculos psicológicos, acesso a informação e barreiras físicas, para que os indivíduos possam ter acesso aos serviços jurídicos, abrangendo, os gastos com as demandas e as instalações, bem como as diferenças de linguagem que podem ser encontradas entre populações indígenas, por exemplo” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 10).

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Na tentativa de superação desse embate, atualmente, se busca evitar que pessoas

menos favorecidas fiquem à margem do Poder Judiciário, inclusive implementando-se as

“tutelas parajurisdicionais” (DINAMARCO, 2005b, p. 137) – meios alternativos de acesso à

justiça – com vistas a conferir efetividade a esse princípio. Isso porque o não acesso à justiça

favorece a violência e a transgressão de normas sociais legalmente estabelecidas (ALVES,

2004, p. 3), e por isso a necessidade de providência proporcionando o maior e mais eficaz

acesso à justiça.

Todas as medidas com vistas à universalidade do processo e da jurisdição

(DINAMARCO, 2003, p. 373) consubstanciam a garantia constitucional do controle

judiciário e o primeiro passo para o acesso à justiça.

No entanto, aflui-se a insuficiência do tão só alargamento do âmbito de pessoas e

causas capazes de ingressar em juízo, de forma a ser imprescindível o aprimoramento35 da

ordem processual, apta a disponibilizar resultados satisfatórios e tempestivos às partes. Neste

diapasão, traz-se à baila importante lição de Rocha (1993, p. 34), ao entender que:

[...] a jurisdição é direito de todos e dever do Estado, à maneira de outros serviços públicos que neste final de século se tornaram obrigação positiva de prestação afirmativa necessária da pessoa estatal. A sua negativa ou a sua oferta insuficiente quanto ao objeto da prestação ou ao tempo de seu desempenho é descumprimento do dever positivo de que se não pode escusar a pessoa estatal, acarretando a sua responsabilidade integral. Mas o acesso aos órgãos prestadores da jurisdição por parte do cidadão depende de um desempenho prévio do Estado, que se desdobra em dois comportamentos complementares: de um lado, impõe-se a facilitação do exercício do direito à jurisdição pela sua declaração normativa expressa, e, de outro, deve-se dar a saber ao povo deste como de todos os direitos fundamentais que lhes são assegurados. Estes comportamentos públicos são pressupostos imprescindíveis a serem cumpridos para que o direito à jurisdição não seja uma mentira legal ou uma possibilidade oficial, somente exercida por aqueles que dispõe de condições econômicas bastantes para saber de seus direitos e poder pagar o preço de seu exercício.

35 “O aprimoramento dos procedimentos administrativos requer a revisão de sua existência em relação a ineficiência no gerenciamento de registros, gerenciamento do fluxo de processos, gerenciamento dos próprios processos, gerenciamento do volume processual e manutenção de estatístico processuais e arquivos. Essas medidas têm um significante impacto na redução da morosidade do Judiciário. Além da revisão dos procedimentos relativos a administração de processos, também é benéfico a inclusão de tecnologia de acompanhamento processual para auxiliar as Cortes na manutenção dos registros” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 76).

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Com efeito, é insuficiente assegurar o simples acesso aos órgãos jurisdicionados para

que se obtenha a tutela de seus direitos, fazendo-se necessário que a jurisdição seja prestada

com a qualidade e efetividade que a situação fática lhe impõe. Afinal, nas palavras da

Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha (ROCHA, 1993, p. 37), “às vezes a justiça que tarda,

falha. E falha exatamente porque tarda”.

E a tardância do processo, ao lado do princípio do acesso à justiça complementa a

posição dos procedimentos judiciais ineficazes, eis que a falta de acesso e a morosidade

judicial cumprem papel exemplar na ineficácia do Poder Judiciário e agravamento de sua crise

de legitimidade, pois torna amplamente difícil qualificar como legítimo um poder moroso e

inacessível.

Cappelletti (1974, p. 46), já na década de 70, asseverava que muito embora houvesse

um grande movimento de reformas processuais, uma das características trazidas do velho

sistema processual ainda era a “enorme, insuportável duração dos processos”. Salienta o

processualista que apesar das tentativas dos países europeus, ao final do século XIX, em

tornar os processos mais céleres – sobretudo a partir do iluminismo, com notório esforço de

tornar o processo mais racional (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 16) – a duração ainda era

tamanha, quer pela indevida glorificação dos tribunais e os procedimentos de apelação, quer

pelo grande formalismo e dogmatismo de alguns países, agravada pela situação de inexecução

das sentenças de primeiro grau até que se tenha transcorrido o término da apelação

(CAPPELLETTI, 1974, p. 47-48 e 550).

Em vista disso, surgiram alguns comportamentos paliativos como a diminuição do

número de instâncias processuais e a adoção de procedimentos urgentes. No entanto, a

carência de um diagnóstico verdadeiro e definitivo sobre as causas materiais e formais da

lentidão da prestação jurisdicional, não conduziu tais comportamentos a resultados

satisfatórios.

Logo, tamanho era o drama da elevada duração do processo que uma demanda civil,

iniciada em 1968, levava aproximadamente 18 meses para ser julgado em primeiro grau pelos

pretores e 30 meses pelos tribunais, sendo que em segundo grau, esse índice era elevado para

25 meses para ser julgado nos tribunais e 22 meses nas Cortes de Apelação (CAPPELLETTI,

1974, p. 549).

Por conseguinte, apesar do elevado grau de verdade real que se obtinha com moroso

procedimento, perdia-se em efetividade e, principalmente, na tutela e entrega adequada do

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bem da vida pretendido, comprometendo a figura do Poder Judiciário. Para Marinoni (1998,

p. 163-164):

É certo que o ‘tempo’ despendido para a cognição da lide, através da investigação probatória, é reflexo da existência do Estado e da necessidade que ele se impôs de, antes de tutelar os conflitos, averiguar a existência dos direitos afirmados em juízo. Mas é reflexo da existência do Estado porque foi este que vedou a autotutela privada, não deixando outra saída ao jurisdicionado a não ser levar o seu direito ao seu conhecimento [...]. Se o Estado proibiu a autotutela privada é correto afirmar que ele está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequada a cada conflito de interesses. Nessa perspectiva, então, deve surgir a resposta intuitiva de que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva significa a própria negação da tutela a que o Estado se obrigou no momento em que chamou a si o monopólio da jurisdição, já que o processo nada mais é do que a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela. Uma vez que o Estado é obrigado a prestar a devida tutela jurisdicional, entendida esta como a tutela apta a tornar efetivo o direito material, todos têm direito à adequada tutela jurisdicional.

Sem embargo, longe de ser uma preocupação apenas brasileira, a detença dos

processos é assunto que preocupa o Poder Judiciário de diversos países, dos mais

desenvolvidos aos menos adiantados. Na Europa, em que pese a Itália ser reconhecida pelo

maior tempo de duração dos processos, houve sensível diminuição na morosidade nos últimos

anos. Após tentativas de implementação de uma espécie de tramitação processual que

permitisse rapidez sobre questões prejudiciais, enviada ao Presidente do Conselho da União

Européia, em novembro de 200436, o Comunicado de Imprensa n. 27, de 21/03/2007, do

Conselho de Justiça da Europa relatou sensível baixa na demora de solução dos litígios37.

36 Disponível em <http://www.curia.europa.eu> Acesso em março/2009. 37 “A diminuição da duração dos processos, já observada nos anos de 2003 a 2005, consolidou-se em 2006. No que diz respeito aos reenvios prejudiciais, a duração média dos processos é atualmente de19,8 meses, ao passo que se situava em 25,5 meses em 2003, 23,5 meses em 2004 e 20,4 meses em 2005. Uma análise comparativa revela que, desde 1995, a duração média dos processos prejudiciais atingiu o seu nível mais baixo em 2006. Quanto às ações e recursos diretos e aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância, a duração média foi, respectivamente, de 20 e 17,8 meses (21,3 meses e 20,9 meses em 2005)”. Disponível em <http://www.curia.europa.eu> Acesso em março/2009.

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Embora em países como os Estados Unidos da América38 se vislumbre a duração

média dos processos civis, na primeira instância, de 21,8 meses em 2002 e de 22,5 meses em

2003, observa-se que quase 13% do total de pleitos duram só na primeira instância – de

cognição longa e exauriente – mais de 3 anos39.

Ocorre que nos Estados Unidos, em que pese a elevada quantidade de demandas e

litigantes, a maioria dos casos finda na Corte de Apelação. A resposta final é dada em

segunda instância e se torna irrecorrível, somente adentrando na seara da Suprema Corte

acaso a matéria possua relevante interesse público. Tanto é assim que a média de julgamentos

de demandas pela Suprema Corte gira em torno de 6 processos ao ano.

No Brasil, diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, nada obstante a vigência

do princípio do duplo grau de jurisdição, pelo qual toda sentença deve ser revista por um

órgão de grau superior, sobrevindo o acórdão proferido pelo Tribunal, é freqüente a utilização

de Recursos Especial e Extraordinário – em que pese os conhecidos filtros recursais, como o

prequestionamento, a retenção obrigatória do Recurso Extraordinário, a repercussão geral e a

súmula vinculante. O sentimento de litigiosidade e a crença de que o Supremo Tribunal

Federal poderá reverter o procedimento a fim de beneficiar o recorrente ou, pelo menos,

ganhar tempo com o processo, acaba por comprometer sobremaneira a demanda de trabalho

do Supremo Tribunal Federal – que, repita-se, é uma corte constitucional e não mais uma

instância recursal40 – sobrecarregando a própria estrutura do Poder Judiciário.

Não bastasse, verifica-se até mesmo em primeira e segunda instâncias, a sedimentação

da tendência da elevada duração dos processos nos nossos fóruns e tribunais41. A alta taxa de

38 José Rogério Cruz e Tucci relata que em estudo promovido pela Amercian Bar Association o tempo tolerável de duração dos processos nos tribunais ordinários da justiça norte-americana seria de 12 meses em 90% das causas cíveis em geral, sendo que os 10% restantes, em decorrência de circunstâncias excepcionais deveriam ser resolvidos em 24 meses, por força também da cláusula do julgamento rápido (“speedy trial clause”), contemplada pela 6ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos. (CRUZ E TUCCI, 1997. p. 77-78). 39 Dados oficiais da Justiça Federal Norte-americana. Disponível em <http://www.uscourts.gov> Acesso em março/2009. 40 Sobre o Recurso Extraordinário Theodoro Júnior (2006, p. 101) explica que “esse recurso nunca teve a função de proporcionar ao litigante inconformado com o resultado do processo uma terceira instância revisora da injustiça acaso cometida nas instâncias ordinárias. A missão que lhe é atribuída é de uma carga política maior, é a de propiciar à Corte Suprema meio de exercer seu encargo de guardião da Constituição, fazendo com que seus preceitos sejam corretamente interpretados e fielmente aplicados. É a autoridade e supremacia da Constituição que toca ao STF realizar por via dos julgamentos dos recursos extraordinários”. 41 “Este volume absurdo de processos a serem examinados nos órgãos superiores acaba por provocar algumas atitudes, no mínimo discutíveis. Uma delas é a utilização de assessores para realizar uma triagem dos processos. Em outras palavras, boa parte do juízo de admissibilidade, tarefa eminentemente jurisdicional, acaba sendo realizada por outras pessoas que não os próprios ministros" (ASSIS, 2007, p. 52).

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congestionamento dos processos judiciais é responsável pelo tempo de duração dos processos.

Uma demanda civil demora de 10 a 20 meses na 1ª instância; de 20 a 40 meses na 2ª

instância; e de 20 a 40 meses nas instâncias especiais, tudo isso dependendo do Estado

territorial, do objeto da lide etc., de forma que uma demanda leva, normalmente, cerca de 12

anos para ser decidida e fazer coisa julgada material, o que configura um arrepio aos

princípios constitucionais da rápida duração dos processos, acesso à justiça e dignidade da

pessoa humana.

Independentemente dos fatores da lentidão da justiça serem institucionais, subjetivos,

ou de insuficiência material (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 99), o legislador pátrio, objetivando

garantir aos jurisdicionados uma tutela célere, tempestiva, consentânea e eficaz, ensartou na

Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, o inciso LXXVIII, ao

artigo 5º42, firmando a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de

sua tramitação a todos os litigantes.

Com similar proposta firmou-se o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais

rápido e republicano – assinado pelos três poderes da República em 15/12/2004, o qual

frutificou em diversas normas renovatórias tendentes a acelerar o desenrolar dos processos

judiciais. No entanto, a simples alteração legislativa processual sem que haja uma efetiva

reforma no seio do Poder Judiciário não elimina os problemas da morosidade, tampouco os

problemas de legetimidade por que passa o Poder Judiciário. Para Castro Júnor (1998, p. 131):

Como grande parte da população não acredita na Justiça, seja por experiências frustradas ou por desinformação, entendemos que o aumento da participação popular na administração da justiça, torna esta mais democrática, através da instituição de procedimentos que desobstruem os canais de acesso à justiça, porque estes encontram-se emperrados pelas burocracia e corporativismo característicos do nosso serviço público.

Além desses percalços, fator relevante à ineficiência dos provimentos jurisdicionais

diz respeito aos elevados custos e encargos do processo e ao orçamento do próprio Poder

42 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

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Judiciário que, além da necessidade de clareza, deve ser compatível com a realidade

brasileira43. Neste sentido, o Relatório Técnico n. 319 do Banco Mundial aponta o seguinte

(BANCO MUNDIAL, 1996, p. 74):

Um orçamento livre de forças políticas é necessário para garantir a independência do Judiciário. Todavia, para alcançar este objetivo o Judiciário deve ter uma suficiente experiência orçamentária e habilidades financeiras para prever e calcular todas as suas necessidades orçamentárias. Importante ressaltar que o orçamento do Judiciário é um aspecto relacionado a sua independência, e por sua vez, uma importante medida que deve ser analisada sobre o prisma da autonomia, já que todos o pontos da reforma dependem de uma efetiva diretriz orçamentária.

Complementando tais diretrizes, em relatório44 elaborado em 2004 pelo então Ministro

da Justiça Márcio Thomaz Bastos, desenvolveu-se um estudo acerca da evolução das despesas

do Poder Judiciário de 1995 a 2002. De acordo com os gráficos apresentados no relatório,

enquanto em 1995 a União respondia por 30,9% da despesa total, em 2002 passou a responder

por 43,0%, de forma que a despesa com o Judiciário cresceu de R$ 25,3 bilhões em 1995,

para R$ 32,9 bilhões em 1998 e R$ 28,6 bilhões em 2002.

Nas comparações internacionais, com base no ano de 2000, o Brasil figurou na pior

posição, quanto à participação das despesas do Judiciário no total da despesa do setor público,

com 3,66%. O índice compara-se a uma média internacional de 0,97% e a uma posição

43 Sobre o orçamento compatível, “O Judiciário deve ter uma autonomia orçamentária, tendo em vista a possibilidade do Executivo e do Legislativo atuarem como uma barreira na alocação de recursos. Isso pode ser mais grave do que impedir as Cortes em prestar seus serviços de forma eficiente e justa. Muitos dos Judiciários latino americanos apresentam orçamentos que somente permitem desenvolver padrões mínimos de justiça a população, perpetuando a sua dependência, gerando corrupção entre o quadro de pessoal e o impedido de atrair juízes de servidores qualificados. Devido aos inerentes problemas relacionados a falta de independência, o Judiciário deve controlar e administrar o orçamento destinado pelo Legislativo . Entretanto, como as responsabilidades administrativas e orçamentárias estão intimamente interrelacionadas uma administração verdadeiramente eficiente não pode ocorrer ao menos que o Judiciário controle e implemente um programa orçamentário eficiente. [...]. Embora muitos países latino americanos tenham proposto um método pré fixado de destinação de recursos sobre o orçamento total, como forma de aumentar os recursos, isso não representa uma medida necessária, tampouco uma solução suficiente. Primeiro, em face a especificidade de cada país, em relação as características processuais e procedimentais, bem como diferenças culturais na população propensa a demandar em juízo, torna-se inadequado sustentar que uma proporção fixa total do orçamento do governo aprimoraria necessariamente o funcionamento do sistema jurídico . Segundo, esse percentual orçamentário, pré fixado pelo legislativo, nem sempre é respeitado. Somente o tamanho do orçamento não afeta a eficiência (medida por acúmulos processuais e morosidade), embora algumas das medidas necessárias a reforma, que proporciona esta característica, requer uma maior destinação de recursos” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 73-75). 44 Disponível em <http://www.mj.gov.br> Acesso em maio/2009.

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compatível na reta de regressão de 0,86%, em função do valor das despesas totais do setor

público. Este excedente de 2,80 pontos percentuais, aplicado sobre a despesa total da União e

Estados ocorrida em 2002, em valores de maio de 2004, representaria um adicional de custo

do sistema judiciário brasileiro de R$ 23,6 bilhões por ano.

Colima proporcionar que com as custas processuais bastante elevadas e não uniformes,

abrangendo as taxas judiciárias; emolumentos; custos de diligências; remuneração de

auxiliares eventuais; fica substancialmente difícil proporcionar à parte um processo sem

muitos encargos, pois além dos supracitados a parte ainda arcará com eventuais despesas

extraprocessuais, como a captação de documentos, viagens etc., além da remuneração de seu

advogado pelos serviços prestados, bem como de eventual reembolso à outra parte pelas

despesas suportadas.

De costume, toda essa gama de encargos torna-se demasiadamente vultosa em razão

de que não somente as despesas com a remuneração dos serventuários da Justiça e toda a sua

organização interna são elevadas, mas também em razão do próprio processo exigir vasta

despesa para seu desenvolvimento e, às vezes, não cumprir sua função primordial de

celeridade, tutela adequada etc.

A esse respeito, a Ministra do Supremo Tribunal Federal e então Presidente do

Conselho Nacional de Justiça na época, Ellen Gracie, em discurso de posse dos novos

conselheiros, em 15 de junho de 2007, enfatizou que a busca pela excelência na prestação dos

serviços do Poder Judiciário à população deve ser o principal objetivo da nova composição do

Conselho Nacional de Justiça, devendo contar com uma “magistratura profissional, isenta e

independente capaz de enfrentar os desafios do aggiornamento do Poder, sem desviar dos

rigores de método impostos pela Ciência Jurídica”45.

A ministra acrescenta que o Conselho Nacional de Justiça se reafirma como órgão de

coordenação de um poder que antes, por se encontrar disperso e atomizado, carecia da

indispensável coesão e presença política para fazer sentir sua necessidade de reaparelhamento

de modo a poder vencer os desafios da intensa demanda a que é submetido. O surgimento da

instituição, com aprovação da Emenda Constitucional n. 45, de 2004 “revela a necessidade

premente de estabelecer um centro de pensamento para um Poder Judiciário em crise. Crise

basicamente de inoperância e crise anunciada a partir da defasagem entre a demanda,

45 Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em novembro/2008.

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acrescida por seus serviços, e a resistência em renovar e, quando necessário, ampliar sua

infra-estrutura de atendimento e atualizar seus métodos de trabalho”46.

Aliado a essa proposta, recentemente foi instituída a Meta 2 do Conselho Nacional de

Justiça, visando conferir maior celeridade a prestação judicial, principalmente em relação a

processos mais antigos, estagnados no Poder Judiciário. No entanto, a grande crítica a essa

proposta foca-se substancialmente no fato da proposta vincular-se mais à números, do que à

qualidade na prestação jurisdicional. Disse Medina (2009, p. 2), em entrevista veiculada em

seu próprio site, em 14 de setembro de 2009, sobre a Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça:

Claro que algo deve ser feito, para se reduzir a quantidade muito grande de processos que tramitam no Poder Judiciário. Mas fico incomodado em perceber que, ao invés de se dar primazia a aspectos qualitativos, nós estejamos nos contentando com elementos exteriores. Certamente, ao final, serão divulgados os números (sempre eles…) alcançados com a Meta 2, e todos comemorarão. Mas a vida das pessoas não é apenas um número. Quando alguém vai ao Poder Judiciário, não espera apenas uma decisão proferida rapidamente – qualquer que seja o resultado. Ao se “resolver” tudo com a Meta 2, esquece-se (ou, pelo menos, deixa-se de lado) de investigar a causa da morosidade dos processos. E assim vai-se vivendo, e começamos a aceitar não o Poder Judiciário que desejamos, mas um Poder Judiciário “sustentável”.

Isso porque não é só a celeridade que informa a eficiência de um provimento

jurisdicional. Não basta ser célere, deve-se ir mais a fundo. Conhecer e compreender a razão

da morosidade dos processos, a cultura da litigiosidade no País, a correspondência entre o

número de magistrados por processo, qual a fundamentação da decisão judicial e a forma de

aceitação e controle dessa decisão, são substanciais para mensurar a eficiência dos

procedimentos judiciais e de todo o aparato Judiciário, igualmente para suprir seu déficit de

legitimidade.

Neste contexto, é preciso repensar o Poder Judiciário, a celeridade, a forma de acesso,

a prestação jurisdicional e a efetividade das decisões judiciais, “visando à adoção de

providências no sentido da efetividade dos direitos e da cidadania, na certeza de que justiça

lenta e acessível apenas a parte da população é justiça injusta” (RIBEIRO, 2002, p. 2).

Assim, Ribeiro (1996, p. 10) esclarece que

46 Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em novembro/2008.

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A preocupação que se deve ter presente é a de afastar o “sentimento de deslegitimação por parte da maioria da população” com que depara o Poder Judiciário. É preciso dar meios aos excluídos e aos pobres para que deixem de recorrer a outros canais de mediação, como a polícia, o padre, o líder comunitário e o justiceiro. Ou seja, cumpre dar condições a toda população para assegurar de fato a sua cidadania.

E para bem desempenhar esta tarefa, impõe-se considerar que o sistema judicial deve

proporcionar meios eficazes para obtenção da tutela jurisdicional, com ampla participação das

partes, além de efetividade das decisões judiciais, bem fundamentadas, para que sirvam como

meio de controle do que e de como entende o magistrado em determinado caso concreto.

6.3 AVANÇO DA TECNOLOGIA

Diante da ineficácia dos procedimentos judiciais, fundamentados em premissas do

Estado Moderno, uma das soluções vislumbradas é a utilização da tecnologia em benefício do

acesso à justiça, celeridade processual e eficácia da tutela jurisdicional prestada pelo Estado.

De fato, o Estado Liberal pouca ou nenhuma relação teve com a tecnologia e

informatização. No Estado Social, com a inversão de valores – da ordenação à regulação –,

visando a promoção do crescimento econômico e proteção aos cidadãos mais desfavorecidos

(FARIA, 1996, p. 7), aliado ao advento da globalização e maior complexidade das relações

sociais, a sociedade e também o Poder Judiciário se viram transformados por uma nova

realidade que veio a introduzir, paulatinamente, o desenvolvimento tecnológico nos diversos

ramos sociais. Em relação ao avanço tecnológico, imerso nesta complexidade social,

esclarecem Castejon e Montes (2001, p. 161):

Durante o decorrer dos 12 últimos anos o crescimento do número de equipamentos eletrônicos conectados e de serviços disponibilizados através da Internet foi acompanhado do aumento de complexidade nas infraestruturas da tecnologia de informação. No entanto, a capacidade pessoal de compreender e acompanhar todo este crescimento não teve o mesmo desenvolvimento.

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A evidência de que são as transformações sociais, políticas e econômicas, bem como

seu contexto histórico, que orientam o alcance e desenvolvimento da revolução tecnológica47.

E com a difusão cada vez maior dessa realidade: o sistema computacional, a rede mundial

interligando pessoas e fatos em tempos reais, verifica-se que o Direito e até mesmo a própria

sociedade não estão, integralmente, preparados para absorver essa realidade que se destaca e

cada dia mais sofre avanços tecnológicos, trazendo maiores benefícios.

Na realidade, a relação da informática e tecnologia com o mundo não estão apenas nas

relações sociais e científicas, a própria produtividade e o desenvolvimento econômico são e

estão cada vez mais dependentes da aplicação de ciência e tecnologia (WARSCHAUER,

2006, p. 32), impulsionando o mundo ao processo de integração, circulação, comercialização,

e relacionamento social, propostos pelo avanço e difusão da tecnologia.

De fato, a partir da abertura e acesso à Internet, a atividade social assume um novo

papel, dinâmico e globalizado, rompendo as barreiras geopolíticas dos Estados, como forma

de integração universal. Com a expressiva facilidade de comunicação e o desenvolvimento da

tecnologia e globalização48, o mundo não só dos negócios destaca modalidades tecnológicas

antes nunca vistas, como as práticas de comércio eletrônico e o atual processo eletrônico (E-

PROC), de que se servem alguns órgãos judiciais, como a Justiça Federal e a Justiça do

Trabalho. E ainda, a incipiente proposta de recolhimento de custas por meio eletrônico, via

boleto bancário, sem a necessidade de pagamento junto aos cartórios, implantado pelo

Decreto n. 744/09, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o que não deixa

de ser um avanço tecnológico para a Justiça Comum.

No entanto, não só de benefícios compõem-se a internet e o mundo digital e, nesse

contexto, a inclusão digital, o acesso à tecnologia e a informação da população tornam-se

temas a ser enfrentados por todas as áreas do conhecimento, inclusive o Direito. Isso porque,

47 “As novas tecnologias mudam a trajetória dos acontecimentos sociais, alterando sensivelmente a cultura local e concorrendo com as tecnologias já existentes e com tudo o que se aprendeu antes. Toda inovação tecnológica surge a partir de conhecimentos já existentes, e estes são originários dos avanços da manufatura, que cedeu lugar à tecnofatura. Toda tecnologia é social por excelência. Começa com uma necessidade local e soluciona um obstáculo de desenvolvimento social universalizado, consistindo, dessa forma, não apenas em ferramentas e aplicativos, mas em processos e soluções a serem implementados”. (GUERREIRO, 2006, p. 169-170). 48 “A grande expansão econômica internacional da segunda metade do século XIX está associada ao extraordinário desenvolvimento da tecnologia dos transportes: o motor a vapor, a ferrovia, os navios de casco de ferro, bem como aos avanços. nas comunicações e ao desenvolvimento da eletricidade. De modo análogo, o atual fenômeno da globalização está profundamente. vinculado ao desenvolvimento do transporte aéreo e das empresas transnacionais, à revolução nas comunicações e na tecnologia de computação, e às sinergias entre esses elementos-chave do processo" (PERIN JR, 2003, p. 47).

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em que pese os benefícios do avanço tecnológico, criando supercomputadores, redes mundiais

e softwares de última geração, “surgiram problemas que variam desde a invasão de

privacidade, falta de segurança dos dados até o desrespeito ao direito autoral” (ROCHA e

CUSTÓDIO, 2001, p. 17).

Assim, se há necessidade de vários mecanismos de segurança para confiabilidade e

integridade49 de um site, imagine-se em relação a um programa especializado ao Poder

Judiciário, diretamente conectado com vários usuários e não imune à adulterações e fraudes

de terceiros interessados ou não (intrusão50).

Dessa forma, ainda que sejam valiosas as disposições nas legislações atinentes ao

avanço tecnológico do Poder Judiciário – amenizando o problema da ineficiência e acelerando

a prestação jurisdicional –, há muito que se aprimorar na seara técnica de acesso, usuário,

regulamentação e integridade documental.

Outro óbice ao desenvolvimento da tecnologia e sistemas computacionais para um

Poder Judiciário mais célere e eficaz, refere-se a dificuldade na padronização dos

equipamentos e sistemas de informática, bem como um banco de dados amplo e eficiente para

tabulação de estatísticas, pesquisas, números de processos julgados etc. Na realidade a própria

ausência de pesquisas sobre os dados do Poder Judiciário brasileiro “provoca uma enorme

dificuldade para compreendê-los e, desta forma, propor soluções para extinguí-los, o que tem

sido extremamente prejudicial para transformar o Judiciário” (CASTRO JÚNIOR, 1998, p.

113).

De fato, a adoção do meio eletrônico para a consecução dos atos processuais não é e

não deve ser entendida como obrigatória. Porém, quando há a interação de mais órgãos

judiciais em um único processo que, originariamente, adotara o meio eletrônico, em contato

com os outros órgãos que não disponham nem de equipamentos para leitura de depoimento

testemunhal por mídia eletrônica, por exemplo, as questões problemáticas se avolumam. Não

49 “A integridade dos arquivos de um sistema operacional é um fator crítico para a segurança do mesmo, pois, uma vez que ela não possa ser garantida, não há certeza da validade dos dados nele contidos e, por conseqüência, nem do seu comportamento. Por exemplo: uma vez que um agente malicioso obtenha algum tipo de acesso a um sistema, dependendo dos privilégios de acesso, ele poderá alterar, substituir ou mesmo incluir novos arquivos com o intuito de esconder os traços da invasão, garantir futuros acessos ou ainda alterar configurações de diferentes serviços a fim de obter um maior nível de acesso. Sem a garantia da integridade dos arquivos, essas ações maliciosas dificilmente serão notadas e o agente malicioso obterá sucesso em sua investida”. (SERAFIM e WEBER, 2001, p. 169). 50 “Detecção de intrusão é o processo de identificar e responder a atividades mal intencionadas, direcionadas para recursos computacionais e de rede”. (AMOROSO, 1999, p. 218).

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somente na seara dos fóruns com equipamentos divergentes, mas de partes com realidades

social e econômica diferentes. Analisando essa questão, Ataide Jr. (2004, p. 1):

Sei muito bem que esse avanço gerencial do Poder Judiciário não é uniforme em todo o Brasil. Não é preciso ir muito longe para encontrar cartórios judiciais ainda movidos à máquina de escrever e a fichinhas de controle processual, obviamente na contra-mão de todos os esforços empreendidos pela administração judiciária para combater as causas da morosidade da prestação jurisdicional. Vê-se que há Brasis e há Poderes Judiciários.

Na mesma balada, Reis e Geus (2001, p. 79), reportando-se aos procedimentos de

forense computacionais ensinam:

Devido à grande variedade de exames que podem ser requisitados e a variantes impostas pela diversidade de tecnologias, que evoluem constantemente, o nível de padronização pode não ser completo. Nesse sentido, a padronização pode restringir-se aos níveis de princípios (legais e técnicos) e políticas de análise, permitindo que sejam utilizadas técnicas e soluções não padronizadas, contudo, coerentes com os níveis padronizados.

Disso constata-se que as técnicas e soluções até podem não ser padronizadas, mas

desde que comportem, na essência, correlação com os níveis de padronização, o que não

remonta os sistemas disponibilizados no Brasil. Algumas regiões, até pelo seu avanço

tecnológico em nível maior, possuem determinado sistema de processo eletrônico que

contradiz os sistemas utilizados nas regiões menos desenvolvidas, as quais ainda se utilizam

de papel, carimbo, caneta e das velhas fichas processuais, com o nome das partes, demanda e

número do processo guardados em arquivos (fichários), sem qualquer equipamento eletrônico

que facilite a consulta.

Isso, além de inviabilizar a celeridade e penetração da tecnologia no Poder Judiciário,

inviabiliza também a comunicação com os demais órgãos da Justiça de outras cidades e

estados.

A idéia, portanto, é unir todas as regiões por meio da unificação e padronização dos

dados e informações. No entanto, ainda que se estabeleçam tais critérios e se implemente um

sistema efetivamente seguro e padronizado, ainda permanecerá o problema de inadequação

tecnológica de algumas varas judiciais, diferenciação de Estado para Estado, inevitáveis no

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nosso Brasil de tamanha extensão geográfica e investimentos, infelizmente, localizados nas

áreas de interesse.

Não se pode olvidar, ainda, a relevante questão do acesso à população a esse novo

meio de comunicação. Corroborando o que já foi sumariamente explicitado, a universalização

da Internet e procedimentos nela realizados constitui um grande avanço tecnológico, além de

promover o acesso e a integração.

Ocorre que nada obstante à barreira enfrentada em relação a ausência de padronização

dos sistemas computacionais judiciários, outros entraves como o alto custo da plataforma

computacional (GUEDES NETO, 2001, p. 12) aliado ao diminuto índice de informação da

população, ao invés de proporcionar a inclusão digital pode vir a estabelecer uma verdadeira

exclusão social – a infoexclusão. O que também é questionado pela população, afinal o Poder

Judiciário quer ou não aproximar-se da sociedade? E se positiva a resposta, será que a

informatização atinge toda a população?

Aclarando o sentido da expressão infoexclusão, Nazareno [et. al] (2007, p. 14):

Embora na sua acepção original o termo “inclusão digital” tenha sido utilizado somente para distinguir situações de desigualdade no acesso à Internet (o “provimento assimétrico na sociedade de instrumentos de acesso a serviços na web”), recentemente a expressão vem sendo mais bem lapidada, tendo sua abrangência ampliada. Atualmente, ela é empregada para indicar “falhas no provimento pelos governos de acesso universal a serviços de informação e comunicação, indistintamente, a todos os cidadãos”.

De fato, como leciona Behrens (2005, p. 12):

A evolução tecnológica torna ainda mais evidente a diferença de acesso a recursos eletrônicos e informacionais, aumentando a distância entre as diferentes classes sociais, deixando transparecer os problemas econômicos e não apenas comerciais. A exclusão digital é uma realidade que precisa ser pelo Direito combatida, para que se possa manter o equilíbrio social e proporcionar a todos as mesmas oportunidades de acesso e desenvolvimento cultural.

Por essa razão diz-se que o desafio político global do mundo não está em superar a

exclusão digital, mas expandir o acesso e o uso da tecnologia para a promoção da inclusão

social (WARSCHAUER, 2006. p. 282). Isso porque, no Brasil e no mundo, a discrepância

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desse acesso e desenvolvimento cultural é flagrante. Na seara da tecnologia há autores que

defendem até um “apartheid digital” entre as regiões geográficas brasileiras (NAZARENO, et.

al., 2007, p. 33) e as demais regiões do globo terrestre – países desenvolvidos e

subdesenvolvidos51. E as razões para tal disparidade envolvem questões de economia, infra-

estrutura, política, educação e cultura (WARSCHAUER, 2006, p. 80).

Atento à essa proposta de inclusão digital, o Governo Nacional intentou alguns

Projetos neste sentido52, promovendo o ensino e a profissionalização no conhecimento

científico e tecnológico. Assim, o Estado objetivou não só a inclusão digital e social, mas

promoveu ainda outros projetos53, utilizando-se de ferramentas tecnológicas acessíveis e

orçamento compatível.

Ocorre que, em que pese a consciência e fomento da inclusão digital, a própria

sociedade brasileira ainda é incipiente nos debates acerca da segurança, acesso e

informatização54, por exemplo. Embora a sociedade tenha passado pelos estágios

51 Conforme dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil,“A diferença numérica de acesso, uso e produção de conteúdos entre os países ricos e países pobres é assustadora. Atualmente 10% da população mundial possui acesso à web. Desse percentual, a maior parte está localizada nos Estados Unidos e Canadá, que concentram mais da metade dos usuários, ou seja, 68% e 64% da sua população, respectivamente. No lado inverso desses números estão países do continente africano e o Brasil. No começo do século XXI, na África o número de internautas não chegava a 0,01% da população. No Brasil do ano 2000, segundo dados do Livro Verde Brasil, de Tadao Takahashi (2000), 10% da população possuía computadores e apenas cerca de 2,5% tinha acesso à internet, sendo que, desse percentual, apenas 16% pertencia à classe C e 4%, à classe D. Um ano depois, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2001 mostravam que 12,46% da população brasileira possuía acesso ao computador e, desse percentual, 8,31% tinha acesso à internet, mas cerca de 97% dos incluídos digitais vivem em centros urbanos. Uma outra informação importante dizia respeito às etnias: os amarelos (descendentes de orientais) são o grupo de maior acesso proporcional – 41,66%, seguidos pelos brancos – 15,14% e pardos – 4,06%. Esses dados, entre outros, deram origem ao Mapa da Exclusão Digital, publicado em 2003, o primeiro estudo nos diversos segmentos da sociedade relacionados às tecnologias de informação e comunicação (TICs), que levam em consideração o capital físico (máquinas e softwares) e o capital humano, através da capacitação e da educação para o desenvolvimento social. Números mais recentes (2004) revelam que o Brasil está na oitava posição entre os países com maior número de hospedagens na internet e é o décimo país com maior número de internautas, mas ainda assim esse número representa apenas 0,8% da população” (BARBOSA FILHO, CASTRO e TOMÉ, 2005, p. 274-275). 52 Programa Nacional de Informática na Educação – ProInfo, criado em 1997; o Programa Sociedade da Informação – Socinfo, lançado em 1999; o Computador Popular, iniciado em 2000; o Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão – Gesac, criado em 2002; a criação dos Telecentros; o Projeto Aliança para a sociedade da Informação – Alis; o Projeto Paraná-Digital; o Governo Eletrônico ou E-Governo e os Centros Vocacionais Tecnológicos implantados a partir de 2003. 53 Exemplos de Projetos de Lei em tramitação do Parlamento brasileiro que versam sobre tecnologia e acesso à população. PL n°. 4.275/2001; 1.739/2003; 2.066/2003; 2.417/2003; 2.427/2003; 2.521/2003; 3.280/2004; 3.684/2004; 3.785/004. 54 “É nessa perspectiva que se exerce a pressão para que se abra um debate público sério sobre o papel da comunicação e da mídia em nossas sociedades. E paradoxal que, enquanto o discurso oficial não pára de repetir que as NTIC transformaram profundamente as nossas vidas, não tenham se estabelecido, ao mesmo tempo e conseqüentemente, mecanismos e espaços para que a sociedade se pronuncie a respeito”. (MORAES, 2005, p. 414).

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revolucionários da imprensa, energia elétrica e criação dos computadores, alguns conceitos

básicos de informação e interpretação da informação dada ainda são muito complexos e de

difícil assimilação para as camadas menos favorecidas. Algumas delas, tampouco entendem

porque devem aderir ao programa governamental e aprender a utilizar a internet. Para essas

pessoas o próprio computador é muito distante de sua realidade, o que agrava a dificuldade de

opinião e crítica popular, pelo desconhecimento.

E ainda subsistem os problemas oriundos do custo da infoinclusão que, no Brasil

estima-se uma média de US$ 6,00 por habitante, adicionando-se outros custos a título de

manutenção, capacitação e treinamento (NAZARENO, et. al., 2007, p. 105), o que indica a

necessidade de investimentos em infra-estrutura, orçamento e políticas públicas para a

inclusão de toda a parcela populacional infoexcluída.

Assim, vislumbra-se que a inclusão digital não se resume no binômio “equipamento –

conectividade”, pois nem sempre o recurso físico (computador) e digital (internet)

compreende os recursos humanos e sociais. Até porque a questão do acesso à internet não diz

respeito somente ao campo das oportunidades que poucos possuem, mas essencialmente

“pela sua lógica comercial, por sua política de difusão e pelo próprio desenvolvimento

tecnológico em si” (GUERREIRO, 2006, p. 151) que, fatalmente, acaba por excluir várias

camadas sociais. Neste sentido Behrens (2005, p. 94-95):

[...] portanto, frutos dessa nova realidade, nasceram os “excluídos digitais”. Ou seja, enquanto indivíduos de classes sociais mais altas, passam seus dias interagindo, informando-se e criticando situações e conteúdos de sites, os indivíduos de classes mais pobres estão, muitas vezes, longe desta realidade informática e informacional.

Assim, compreende-se salutar as inovações tecnológicas por que passa o Poder

Judiciário, por meio da implantação de sistemas capazes de gerenciar dados e processos

judiciais, trazendo agilidade, facilidade, menor tempo, menor custo e adequação tecnológica.

No entanto, as modificações permanecerão existindo, tanto interiormente – com

modernização dos equipamentos, procedimentos e do próprio sistema computacional – como

exteriormente, com propostas de maior acesso da população, almejando uma efetiva inclusão

digital e social, a primeira característica da contemporaneidade e a segunda, buscada, mas

ainda não concretizada efetivamente pela modernidade.

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6.4 HOMOGENEIDADE DOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO

A homogeneidade do Poder Judiciário tem suas raízes ancoradas no modelo de Estado

Liberal, juntamente com a neutralidade e formalidade dos magistrados, fatores causadores de

certa distância entre o Judiciário para decidir os conflitos livres da pressão social e do Estado.

Conforme leciona Souza (1999, p. 103):

[...] da Câmara dos Deputados, no Brasil, freqüentemente se diz que é o reflexo da sociedade. Já a magistratura é o reflexo de um segmento da sociedade, daquele que teve o privilégio de ir à escola, de cursar a universidade, de se preparar para um concurso. De modo que há um mínimo de homogeneidade cultural, de aptidão profissional, de identidade social no grupo da magistratura.

Em contraposição aos Poderes Legislativo e Executivo, o Judiciário se forma e se

consolida por um pensamento homogêneo, oriundo desde os bancos universitários, e ações

previamente definidas e extremamente ritualizadas (BARBOSA, 2006, p. 203). É um poder

fechado em si mesmo (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 121), “seus membros tendem a

manifestar comportamentos menos sensíveis à pressão pública e, consequentemente, são mais

fechados ao debate" (ARANTES e SADEK, 1994, p. 36). Esta “clausura”55 na qual se

encontra o Poder Judiciário, cuja forma aumenta sua crise de legitimidade (CASTRO

JÚNIOR, 1998, p. 27):

[...] decorre também do hermetismo da ciência do direito que se encontra homogeneamente fechada em si mesma, tal como preceitua o positivismo jurídico que permeia a formação dos magistrados e dos nossos operadores do direito.

Tal especificidade não é vislumbrada nos demais Poderes do Estado, os quais, em

razão da forma de investidura pela via eletiva, bem como a facilidade e diversidade de

candidatura, representam um poder heterogêneo.

55 Sobre a expressão “clausura”, significa “s.f. Recinto fechado. / O estado ou condição de quem não pode sair do claustro: voto de clausura. / Recolhimento; convento. / Reclusão conventual; vida retirada: vivemos praticamente em clausura”. (DICIONÁRIO VIRTUAL AURÉLIO). Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em dezembro/2009.

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A própria sociedade quando observa os três poderes do Estado tem esse pensamento.

Para ela, os membros dos Poderes Executivo e Legislativo podem ser “quaisquer” do povo,

pois é exatemente isso que reflete a mídia nos momentos de eleição. Já os membros do Poder

Judiciário, para a sociedade representam aqueles “estudiosos”, com curso superior, doutores,

que estão muito longe da convivência da maioria da população.

Tudo isso aliado ao conservadorismo excessivo, cujos valores são repassados desde o

ensino jurídico reflete a visão do Poder Judiciário como órgão homogêneo, composto por

membros mais fechados à opinião social, embuídos nas visões mecanicistas de burocracia,

formalismo, conservadorismo e ritualização.

Muito embora a função do Poder Judiciário seja a pacificação social por meio da

resolução de conflitos, de forma célere, motivada e em prazo razoável, o magistrado, que

ingressa na carreira pouco conhece ou, se conhece, não é estimulado, a efetivar essa função

social, a função política da sua decisão jurisidiconal. A esse respeito Barbosa (2006, p. 206)

esclarece que:

O jovem juiz descobre cedo o viés político de sua decisão, mas essa é uma perspectiva que sempre lhe foi omitida. O alento virá na conformidade de sua elogiosa atuação com os objetivos manifestos do Poder Judiciário: composição de conflitos. A atuação política, a participação na sociedade não é valorizada, o que colabora para o distanciamento do juiz.

E a sociedade critica essa homogeneidade do Poder Judiciário, enfatizando que o

mesmo não ocorre nos demais poderes, que são mais abertos à pressão social, inclusive por

serem eleitos popularmente, o que favorece a sensibilidade pública. E essa opinião da

sociedade em relação ao Poder Judiciário favorece, ainda mais, seu distanciamento,

dificultando a justificativa de sua legitimidade enquanto poder.

6.5 FORMA DE INVESTIDURA DOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO

Muito se questiona a legitimidade do Poder Judiciário sob o enfoque da forma de

investidura dos seus membros. Diferentemente dos membros do Executivo e Legislativo que

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possuem uma legitimidade menos questionada em razão de serem investidos por meio de

eleição popular e terem, por essa razão, mais contato com a sociedade, os membros do Poder

Judiciário são investidos por meio de concurso público56, ou nomeados por indicação do chefe

do Executivo, passando ao largo de qualquer intervenção ou controle popular direto57. Assim,

para Barbosa (2006, p. 207):

A escolha pelo povo lhes dá a legitimidade que os membros do Poder Judiciário não possuem, e a avaliação popular lhes impõe um sistema de controle popular que não existe para os integrantes do Poder Judiciário. A falta de acompanhamento, pela sociedade, do comportamento do juiz, por exemplo, pode dificultar a compreensão de sua atuação e a receptividade de suas deciões.

Por isso a necessidade de se pensar e discutir a legitimidade da composição do Poder

Judiciário, a fim de buscar um fundamento que confira ao magistrado não eleito a harmonia

entre a decisão judicial por ele proferida e as exigências democráticas (COSTA, G., 2008, p.

12), pois de alguma forma, a população deve participar do processo de nomeação e avaliação,

ainda que seja no acompanhamento desses magistrados. “Os mecanismos que assegurem a

transparência e a efetiva participação geram confiança pública no processo de nomeação,

qualidade da magistratura, que por sua vez se reflete no Judiciário” (BANCO MUNDIAL,

1996, p. 67).

Nada obstante, na tentativa de combater essa fragilidade de aceitação do Poder

Judicário em razão da forma de investidura dos seus membros, foi proposta no cenário

brasileiro, a exemplo do que já é vivenciado em alguns estados do sul dos Estados Unidos da

56 Cumpridas as exigências normativas que, consoante o art. 93, inciso I, da Constituição Federal, são o bacharelado em direito e três anos de atividade jurídica (este último item incluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004), é possibilitado a qualquer do povo iniciar-se nos quadros da magistratura. 57 Diz-se controle popular direto porque para alguns autores pode-se entender que mesmo que não sejam nomeados pelo povo, a vontade popular encontra-se implícita. Explica-se: “Como fator que corrobora a legitimação, apresenta-se a necessária sabatina do indicado pelo Senado Federal. Tanto o Presidente quanto os congressistas são mandatários da vontade popular, e, por isso, suas opções, em princípio, refletem os interesses daqueles que os conduziram aos respectivos cargos. Em virtude dessa ficção seria possível afirmar que o candidato a integrar a Corte obteria o mesmo fundamento democrático, ainda que de maneira reflexa” (COSTA, 2008, p. 12).

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América e na Suíça, a proposta de Emenda Constitucional n. 526, de 200658, visando a

alteração dos artigos 2º, 93 e 95 da Constituição Federal, para determinar que os membros dos

três Poderes serão eleitos pelo voto direto, secreto, universal e periódico, na tentativa de

democratizar o Poder Judiciário. Todavia, cientes de que o voto popular não é elemento

fndamental e inconteste de garantia da democracia no Brasil, referida PEC foi arquivada em

28/02/2008. Nada obstante, “mesmo que o andamento da Proposta de Emenda Constitucional

em referência tenha encerrado sem aprovação, e para efeitos metodológicos ser assunto

superado [...], fato é que a legitimidade da composição do Poder Judiciário ainda precisa ser

amplamente meditada e discutida” (COSTA, G., 2008, p. 14).

Destarte, os ataques à forma de investidura dos membros do Poder Judiciário não

residem simplesmente na seara judicial (quem são os magistrados, como são investidos no

cargo etc.), mas refletem na sua relação com os outros poderes, conforme ressalta Denz

(2007, p. 5-6) ao relatar que:

[...] os ataques emergem principalmente quando se julga a inconstitucionalidade de uma lei, quando a Corte Suprema causa ou impede a realização de um ato do Poder Legislativo. Nessa situação, alega-se que o juiz, não eleito diretamente pelo povo, não conta com legitimidade para revisar atos daqueles a quem foi conferido poderes pela soberania popular.

Esse mesmo fenômeno é vivenciado por outros países que possuem similar forma de

investidura dos membros do Poder Judiciário, na contramão da delegação do poder por meio

do voto popular , conforme propunha Sieyès já no século XVIII (CASTRO JÚNIOR, 1998, p.

55).

58 Na justificativa da Proposta de Emenda Constitucional n. 526, de 2006, encontram-se os seguintes dizeres: “na expressão ‘nos termos desta Constituição’, que ali, no mesmo parágrafo único, do art. 1° da Carta Política, vem seguindo os dois únicos meios legítimos de exercício de poder pelo povo — pela via direta ou por meio de representantes eleitos. [...] A retromencionada expressão vem a ser uma previsão dos processos destinados à implementação daqueles dois meios que o constituinte estabeleceu como os exclusivamente legítimos para o exercício do poder. [...]. Pela via da interpretação sistemática, ou sistêmica, do texto constitucional [...] tem-se, portanto, que os juízes, como representantes do povo dentro de um dos três poderes da União [...], devem ser submetidos ao voto direto, secreto, universal e periódico (art. 60, § 4°, II/CF), tal como o são os representantes do povo nos outros dois poderes, isso sem prejuízo do disposto no art. 93, I, da Constituição, no qual, pelas especificidade e peculiaridades inequívocas da magistratura — relativamente aos outros dois poderes, óbvio - manteve o constituinte a carreira e o concurso público, este para o ingresso no cargo inicial de juiz substituto. [...]”. Disponível em <http://www.ajuris.org.br> Acesso em novembro/2009.

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Aliado a esta teoria, muitos países buscaram a legitimidade do Poder Judiciário na

eleição e controle popular, como o caso da Alemanha59, onde “o controle do magistrado é

feito pela Corte Constitucional Federal, os membros deste tribunal são eleitos” (CASTRO

JÚNIOR, 1998, p. 62), podendo-se dizer que o controle é igualmente democrático, tal qual se

estabelece nos Poderes Executivo e Legislativo.

No entanto, não é somente pela eleição popular que se pode considerar como legítimo

o poder. Até porque, como nos ensina Cappelletti (1993, p. 102), é um grande equívoco

aplicar à atividade judiciária os mesmos critérios que legitimam a atividade legislativa. Neste

sentido, igualmente Denz (2007, p. 8-9) ratifica que:

[...] questionar a legitimidade da Jurisdição porque seus membros não são eleitos pelo povo é um reducionismo que não resiste a um estudo detalhado da Constituição Federal e é ignorar sua funcionalidade democrática.

Isso porque o Poder Executivo e o Poder Legislativo se fundamentam em valores

diversos do Poder Judiciário, cada qual determinado pela Constituição Federal, de forma

bastante transparente. “O juiz, ao contrário do político, exerce função técnica e não deve

agradar as maiorias (busca de votos) ou julgar de acordo com conveniências políticas”

(DENZ 2007, p. 10), e por isso a forma diversa de investidura de seus membros. Para

Zaffaroni (1995, p. 42-43):

Uma instituição não é democrática unicamente porque não provenha de eleição popular, pois, nem tudo o que provém dessa origem é necessariamente “aristrocrático”. Uma instituição é democrática quando seja funcional para o sistema democrático quer dizer, quando seja necessária para sua continuidade, como ocorre com o judiciário. Quando se diz que o poder judiciário tem legitimidade constitucional, mas não democrática, se ignora sua funcionalidade democrática.

Ademais, continua o autor (ZAFFARONI, 1995, p. 44-45):

59 No caso da Alemanha, entende que o Poder Judiciário alemão tem sua legitimidade garantida de acordo com seu respectivo texto constitucional. Além disso, em razão do juiz ser eleito, “as possíveis crises de legitimidade são mais fáceis de serem solucionadas, em decorrência da estrutura e da cultura jurídico-política na qual se assentam as atividades dos magistrados” (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 65).

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nada autoriza que se qualifique de “aristocrática” qualquer função que seja desempenhada por uma pessoa não eleita popularmente. Ninguém diria que são “aristocráticos” os diretores de hospitais, porque são selecionados por concurso público.

Dessa forma, vislumbra-se que, muito embora o Poder Judiciário seja reconhecido e

consolidado como um poder do Estado, não se tornaria legítimo apenas se implementassem o

voto popular na escolha de seus membros. Pois ainda que a eleição possa representar a

instituição máxima da democracia, muitas vezes os representantes eleitos pelo povo não

formam o ideal elo de ligação com seus eleitores, fazendo-os participar efetivamente dos fins

políticos. Neste sentido (BORGES FILHO, 1995, p. 147):

No Brasil, os partidos políticos não funcionam como elo de ligação entre o eleitor e o poder constituído, seja no sentido de mobilização dos quadros para a discussão de questões de ordem global, seja como espaço de motivação política ou, ainda, como intervenientes do processo decisório do governo que representam. Não há como discordar da tese que condena o atual sistema partidário e eleitoral brasileiro, pois muito o que de ruim ocorre no jogo político é conseqüência dos defeitos desses sistemas.

Assim, para Castro Júnior (1998, p. 62):

A crise de legitimidade do Judiciário brasileiro não decorre somente da inelegibilidade do magistrado [...]. Há outros fatores, tais como a cultura jurídica e a deficiente formação que os nossos juízes possuem, bem como a legislação processual defasada e a inexistência de vontade política dos Poderes Legislativo e Executivo de enfrentarem com vigor a crise do Judiciário, dentre vários, mas sabemos que tal paradoxo é uma das causas da situação lamentável do sistema judiciário brasileiro.

Com efeito, existe inúmeros fatores outros que contribuem para o déficit de

legitimidade do Poder Judiciário e a não credibilidade de seus magistrados, que não somente a

forma de investidura dos seus membros, embora muitos autore – conforme informa Denz

(2007, p. 6) ainda compreendam que a não eleição do magistrado por sufrágio universal é o

fator que retira a legitimidade democrática do Judiciário.

De fato, o tema a respeito das formas de recrutamento e seleção dos magistrados

remete à discussão direta da questão de sua legitimidade enquanto membro do Poder

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Judiciário, sendo tema amplamente discutido nas propostas de Reforma do Poder Judiciário60.

As suposições freqüentemente levantadas questionam substancialmente (APOSTOLOVA,

1998, p. 198):

[...] que tipo de legitimidade decorre da estrutura burocrática que caracteriza o sistema judiciário? Qual seria a legitimidade e como ela repercutiria no perfil da instituição se tivesse vigência no Brasil o sistema de eleição, no lugar do sistema de seleção por meio de concursos em base de provas e títulos para ingresso na Magistratura, e por nomeação para o ingresso nos Tribunais Superiores?

Responder a primeira pergunta é substancial para definirmos a razão da crise de

legitimidade do Poder Judiciário e de como superá-la. Já com relação a segunda pergunta,

resta a cada um de nós pensarmos em como seria o Poder Judiciário brasileiro se os

magistrados fossem eleitos pelo voto popular. Melhor? Pior? O que entendemos é que não se

estará diante de uma efetiva democracia simplesmente em razão do voto popular para eleição

dos magistrados, eis que a celeuma que envolve a crise judiciária, em razão de sua

legitimidade, é muito mais profunda, passando pelo próprio Estado, ensino jurídico, perfil

social, formação do magistrado e forma de ingresso na magistratura, diferente do que ocorre

com os demais poderes. Neste ponto, alerta Alves (2004, p. 3-4):

[...] surge uma grande controvérsia ligada à legitimidade do magistrado vitalício. E isto porque se exerce mandado temporário, ou eletivo, a reprovação social pode ser traduzida em sanção, pela não-renovação do mandato ou pela não-reeleição. Entretanto, no sistema de vitaliciedade da magistratura, não há como haver reprovação ou sanção direta da sociedade, senão por parte dos

60 Neste sentido, consoante Relatório Técnico n. 319 do Banco Mundial: “Medidas administrativas e organizacionais específicas, visando intensificar a autonomia do Judiciário inclui: autonomia orçamentário do Judiciário, existência de um sistema de nomeações uniforme, investiduras estáveis, sistema disciplinar para o quadro de pessoal, salários e proventos de aposentadoria adequados à magistratura. Métodos transparentes de nomeação, remoção e supervisão devem ser incluídos no programa de reforma do judiciário, para assegurar independência funcional e individual da magistratura. A independência também pode ser ampliada através do desenvolvimento da capacidade administrativa e treinamentos para juízes e servidores. Dessa forma, o Judiciário se torna mais eficiente e obtém mais respeito, aumentando assim a qualidade de seus quadros, atraídos por uma carreira jurídica. [...]. Deve ser estabelecido formas claras de nomeação, classificação de posições e um sistema de promoções baseado em avaliações periódicas. Finalmente as instalações e estruturas das Cortes devem ser modernizadas para acomodar essas transformações” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 9-10).

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próprios órgãos do Judiciário, que se incumbem de promover ou reprovar a conduta profissional do magistrado.

Assim, será que a contestação da população é realmente o fato de não existir a eleição

popular para provimento dos cargos de juiz – sendo selecionados mediante concurso público –

ou é a atribuição de determinadas garantias ao juiz que se torna o foco de descontentamento e,

muitas vezes, de incompreensão da magistratura?

A garantia da vitaliciedade, por exemplo, muito embora represente uma conquista do

Poder Judiciário, assegurando-lhe a indepedência do julgamento, muitas vezes se confunde

com benefício do qual se valem alguns magistrados antiéticos para auferir tantos outros

benefícios incompatíveis com a figura de magistrado, simplesmente pelo fato de ser o juiz

vitalício, não perseguido por sua atuação. O que também perpassa pela questão da

legitimidade, uma vez que para os demais poderes existe o mandato, a investigação por

corrupção, desídia, nepotismo etc. e com a apuração favorável desses resultados, a sanção e

revogação do mandato.

Essa e outras garantias do Poder Judiciário são questionadas como não isonômicas e

antidemocráticas, em comparação aos outros órgãos do Poder, culminando na forte crítica à

forma de investidura dos magistrados. No entanto, é importante esclarecer que (RUIVO,

1989, p. 73):

[...] por noutro lado, o recrutamento, os seus métodos de seleção e a idéia básica de inamovabilidade, maximizam o fator qualificação profissional (e a noção de corpo detentor de um tipo específico de saber), reforçando a organização social da profissão e, por essa via, potencializando o papel desempenhado e a autonomia profissional. Autonomia essa que não pode, no entanto, ser desligada da autonomia enquanto “poder” judicial e, muitos menos da (também aparente) autonomia do nível jurídico global, verdadeira coroa do sistema.

Com efeito, é relevante que todas as garantias da magistratura e métodos de seleção

devem estar adequadamente dispostos a fim de proporcionar os devidos incentivos para que

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os magistrados prestem serviços de qualidade61, e por isso a importância das garantias de

vitaliciedade – viabilizando que o magistrado não atue posteriormente em seus processos

antigos) e irredutibilidade de subsídio – a fim de promover maior independência do Judiciário

e salários compatíveis com outros órgãos do setor público62.

De fato, se já se questiona o método de seleção e suas garantias, mesmo quando os

magistrados enfrentam várias fases de um concurso, altamente competitivo hoje em dia,

imagine-se se inexistisse esse fator qualificação profissional, deixando-se à candidatura do

cargo de magistrado todo e qualquer bacharel em Direito, simplesmente pela maior

quantidade de votos? É assunto de reflexão. Principalmente quando a ausência de seleção

técnica surtiria um retrocesso ao modelo empírico-primitivo de seleção dos magistrados, este

carecedor de nível técnico e regido pela arbitrariedade seletiva (ZAFFARONI, 1995, p. 102).

As críticas a esse modelo arbitrário e controlador remontam o próprio período de

ditadura militar, quando os ditadores controlavam as cúpulas dos judiciários, sem desejo de

“horizontalizar nem de distribuir organicamente o poder dessas cúpulas” (ZAFFARONI,

1995, p. 119), de forma a permanecer o poder nas mãos de quem o controla.

Hodiernamente, esse modelo de seleção não é mais contemplado pelos ordenamentos

modernos, muito embora alguns países ainda dele se utilizem, mitigando-o ao modelo técnico

burocrático à exemplo do Chile e do Uruguai, onde o Presidente nomeia os magistrados com

base em uma lista elaborada pela Corte Suprema, ou tendo por fundamento as escolas de

Direito, mas com a possibilidade da própria Corte sugerir e revisar as nomeações, ou seja,

abolindo a arbitrariedade e discricionariedade (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 49).

61 Nessa toada, entende o Banco Mundial, em Relatório Técnico n. 319 que “o processo de nomeação deve ser talhado visando encontrar os indivíduos mais qualificados, as condições do cargo não devem oferecer incentivos indevidos que reforcem interesses pessoais, os salários devem ser suficientes para atrair e manter elevada a qualidade dos profissionais, e, finalmente, um sistema de avaliação deve permitir a seus membros e ao público em geral, o monitoramento da atividade judicial. Por fim, um fator que freqüentemente esquecido é a transparência. Para um mercado funcionar (no caso o mercado são os serviços judiciais), deve ser disponibilizado suficientes informações aos potenciais usuários dos serviços. A independência do Judiciário requer um sistema de nomeação transparente e baseado no merecimento” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 48). 62 Um estudo elaborado pelo Banco Mundial informou que “Em geral, os salários permanecem baixos se comparados com outros setores privados e algumas vezes com outros cargos no setor público. No Equador, por exemplo, no ano de 1992, a remuneração dos magistrados foi aumentada em 100%. Não obstante, esta remuneração ainda é considerada baixa em relação aos salários de advogados de instituições sem fins lucrativos. Os salários no Judiciário devem ser comparados com os níveis remuneratórios de legisladores e outras profissões. Em certos países, como no Uruguai e Paraguai, os níveis salariais do Judiciário têm por base a remuneração de outros servidores públicos, ao passo que outros países ambiguamente requerem um ‘salário adequado’ ou ‘apropriado para sua posição’. Na Bolívia os salários do Judiciário são comparados com os do setor público em geral e em alguns casos são até mais altos” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 59).

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A maioria dos países da América Latina, a exceção do Peru e Venezuela, não requer

um exame ou concurso para o acesso à magistratura, e as garantias dos magistrados nem

sempre se perfazem com investiduras vitalícias, a exemplo do Equador, onde os juízes são

nomeados por um mandato de 6 (seis) anos com possibilidade de recondução (BANCO

MUNDIAL, 1996, p. 51), mediante processo avaliativo, a fim de manter o alto padrão de

integridade e qualidade da magistratura, com avaliações de desempenho que melhoram a

imagem pública do Judiciário – refletindo também no ato de nomeação e seleção dos juízes o

elemento “transparência”63.

Fundamento diverso guarda o modelo técnico-burocrático, adotado no Brasil, no qual

a investidura dos membros do Poder Judiciário se faz por meio de seleção técnica (concurso)

ou nomeação política, na qual embora o candidato seja nomeado, subsiste uma qualificação

técnica. Para ZAFFARONI (1995, p. 125):

[...] trata-se de um sistema em que a qualidade técnica de seus membros é assegurada por concurso, cujo governo é vertical, exercido por um corpo ao qual dois terços de seus integrantes chegaram por promoção e cuja principal função técnica é a unificação jurisprudencial, com amplas garantias de inamovibilidade.

Entretanto, “não se trata de um modelo democrático contemporâneo, pois carece de

órgão de governo horizontal e porque seu tribunal constitucional é de designação puramente

política e não dispersa” (ZAFFARONI, 1995, p. 125), e por isso, neste aspecto, se diz que o

Judiciário brasileiro quando da nomeação política dos seus membros possui leve semelhança

ao modelo empírico-primitivo.

De qualquer forma, comparando-se o modelo técnico-burocrático brasileiro, aos

demais modelos adotados pelos outros países latino americanos, como a Argentina, Bolívia,

Costa Rica, Equador, Honduras, El Salvador, México, Nicaragua, Panamá, República

Dominicana e Venezuela (ZAFFARONI, 1995, p. 120), que ainda se agarram ao modelo

substancialmente empírico-primitivo, “a estrutura brasileira aparece como a mais avançada

63 “Atualmente, a população latino americana vê a nomeação como um processo secreto sem qualquer participação ou conhecimento da sociedade. De alguma forma, a população deve participar do processo de nomeação e avaliação. Os mecanismos que assegurem a transparência e a efetiva participação geram confiança pública no processo de nomeação, qualidade da magistratura, que por sua vez se reflete no Judiciário” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 65).

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de toda a região e praticamente a única que não corresponde ao modelo empírico-primitivo

do resto” (ZAFFARONI, 1995, p. 125). Todavia, Castro Júnior (1998, p. 53) ressalta que:

Embora o modelo tecno-burocrático tenha como requisito a submissão dos operadores a uma seleção séria que provoca uma superação do modelo empírico-primitivo, fundado na nomeação de magistrados, aquele por si só não permite a manipulação de estruturas jurídicas democráticas [...].

Assim, verifica-se que o modelo adotado pelo Brasil não é de todo ruim, mas pode, e

precisa evoluir para um novo modelo, o modelo democrático contemporâneo que, conserva a

seleção técnica do concurso público, mas prescinde de controle sobre os mecanismos seletivos

(ZAFFARONI, 1995, p. 141), obtendo-se um magistrado mais independente e consciente de

sua função política – compreensão da conjuntura atual, perspectiva firme do futuro e

desvinculação com a herança do passado que não tem mais serventia (DOBROWOLSKI,

1995, p. 153) –, tal qual ocorre em países como França, Itália e Espanha.

No entanto, muito embora o modelo técnico-burocrático, vivenciado pelo Brasil, não

seja um passo prévio imprescindível para alcançar uma estrutura democrática (ZAFFARONI,

1995, 189), cada vez mais deve se ter ciência do perfil político social do magistrado,

vinculado aos pressupostos de autonomia e efetiva independência64, de forma a garantir uma

vertente democrática para a magistratura e, com isso, resgatar a legitimidade tão criticada pela

população, podendo-se manter a forma seletiva de ingresso na magistratura, porém incutindo

formas de controle democrático, ou como sugere Zaffaroni (1995, p. 189) implantando “um

contrapoder interno que ajuda os outros juízes a resistirem e a conscientizarem as classes

políticas”.

De todo, resta esclarecer que nenhum dos modelos mencionados, inclusive o

democrático-contemporâneo, para o qual se quer elevar o modelo judiciário brasileiro,

64 Fala-se em efetiva independência porque tal expressão pode ter acepções diversas se utilizada na teoria e na prática: “Teoricamente, no entanto, o aparelho judicial é tratado como um poder, o terceiro, escondido sob a capa de um equilíbrio que tão necessário é para ilustrar a vocação ideológica universalizante da nova classe em ascensão. Na prática, porém, o que decorre aliás do próprio modelo liberal de Estado de Direito, é um “poder” vazio, já que a independência institucional contrasta com uma estrita vinculação ao direito positivo. E a própria independência em relação ao caso concreto (a autonomia) é uma independência vinculada, dada a função de conservação-transmissão de regras que o jurista em geral possui neste sistema” (RUIVO, 1989, p. 73).

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representam modelos perfeitos e estanques, pois cada dinâmica histórica de cada país é

totalmente diferente e projeta um desejo social ou político igualmente diverso. Por isso tais

modelos não se detém em si, permanecendo a modificar suas estruturas (ZAFFARONI, 1995,

p. 181-182).

6.6 TRANSPARÊNCIA

O Século XXI inaugura um cenário de crescente pressão sobre Estado e seus três

Poderes para o fortalecimento de sua transparência e combate à corrupção como formas de

viabilização da democracia e melhor desenvolvimento econômico e social. Visa ainda, uma

maior responsabilização do Estado não apenas no cumprimento de suas diretrizes normativas,

mas correspondendo ao que a sociedade espera dos setores públicos, e o que ela, sociedade,

precisa visualizar nesses setores para identificá-los como corretos e comprometidos social e

politicamente, podendo controlar sua atuação.

Pois bem, antes da criação do Conselho Nacional de Justiça, instituído pela Emenda

Constitucional n. 45/2004, o Poder Judiciário era visto como o único órgão do Estado

abstraído de qualquer controle hierarquicamente superior ou controle popular. Diziam os

doutrinadores à época que (RODRIGUES, 2003, p. 44):

[...] no Brasil o Judiciário é o único poder absoluto em relação à sociedade. A ela não são dados mecanismos eficientes para fiscalizá-lo. Os magistrados, uma vez concursados e cumprido o estágio probatório ou nomeados nos casos previstos em lei, tornam-se soberanos – carece o Poder Judiciário de fiscalização.

E essa ausência de fiscalização afeta sobremaneira a legitimidade do Poder Judiciário

que, em tese, poderia tomar qualquer atitude que não seria coibido ou controlado,

excepcionando-se as atitudes sancionatórias previstas em lei. Pois um poder sem fiscalização,

sem controle, fatalmente estaria fadado à barbárie social, sem demonstração de dados e

elementos da própria estrutura e gestão do Poder Judiciário; decisões incompatíveis com a

tutela jurisdicional pretendida; nepotismo; parcialidade – questões que poderiam se camuflar

na ausência de transparência do Poder Judiciário. E essa camuflagem, esse ato de ocultar-se,

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além de construir uma barreira entre o Estado e a sociedade abala ainda mais o descrédito

perante o Poder Judiciário, pois como ensina Ribeiro (2007, p. 2-3) “Todo poder que se

oculta, perverte-se”. E é a perversão ou o risco de perversão65 que não pode permanecer no

âmbito estatal, principalmente no Poder Judiciário, que trabalha ativamente com a sociedade

resolvendo seus conflitos de interesses.

Ora, se buscamos um Poder Judiciário democrático, a convivência das questões acima

mencionadas torna-se insustentável com a espécie de Poder Judiciário que se objetiva na

contemporaneidade. Se buscamos a superação da crise de legitimidade desse Poder, como

podemos fundamentá-la na aceitação do procedimento ou na racionalidade, se estes não são

suficientemente transparentes para garanti-la?

De fato, de todas as atividades estatais, a Justiça é a que mais cedo se submeteu a

critérios e rigores de avaliação. “Por isso, em tema de controle, em tema de organização, de

inspeção, de verificação de qualidade, a precedência do discurso deve caber ao Judiciário,

Poder do estado constitucional que mais cedo madrugou nas suas preocupações com o modo

como encarou a sua missão” (SOUZA, 1999, p. 90).

E como corolário da missão do Poder Judiciário mister a adoção de atitudes

transparentes66 com o fito de, demonstrando limpidez e claridade, obtenha-se maior aceitação

e apoio social, eis que a sociedade poderá questionar ou admitir seus atos – quer se trate de

gestão, orçamento ou decisão judicial – com maior fundamentação, pois os visualiza.

65 Neste sentido: “A visibilidade e a abertura dos processos governamentais suscetíveis à corrupção são vitais para a consolidação de um meio social que se traduza no aumento do bem-estar de seus habitantes. Um governo orientado a seus cidadãos é aquele que: 1) Proporciona informações claras e pertinentes acerca de suas ações; 2) Envolve a sociedade em seus esforços, através da abertura de canais de comunicação; e 3) Define conjuntamente com a sociedade os meios para satisfazer as necessidades do cidadão. A transparência é, portanto, inestimável na busca de uma sociedade justa e moderna, assim como representa a única forma de se conquistar a confiança e o apoio necessários às ações governamentais” (AVALOS, 2002, p. 233-234). 66 Sobre atitudes transparentes, vários Estados da América Latina desde a década de 90 promoveram projetos visando a transparência e o combate à corrupção nos diversos setores estatais. Dentre eles, destacamos o Governo da Colômbia que implementou o referendo constitucional (embora tenha fracassado); a modernização dos serviços públicos e eliminação do excesso de burocracia (com resultados parcialmente satisfatórios); e a medida anticorrupção, com a criação da Fiscalía General de La Nación (integralmente bem sucedida) (CALLE, 2002, p. 46). Também o Governo Mexicano desenvolveu um sistema de avaliação para a transparência Municipal – SETRAMUN – posteriormente utilizado também em níveis mais elevados do Governo, identificando as ações e atividades das autoridades municipais suscetíveis de corrupção, e gerar “espaços” de participação cidadã para sua revisão e avaliação (AVALOS, 2002, p. 234). No outro lado do mundo, na Oceania, a Austrália também passou por uma grande transformação no gerenciamento do setor público, contando com a apresentação de informações de desempenho não financeiro, como forma de promover maior eficiência, transparência e responsabilização dos governos (CARLIN, 2002, p. 177).

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A idéia é que se dê clareza e publicidade aos atos públicos, em especial às atividades e

estatísticas do Poder Judiciário a fim de difundir as boas práticas já realizadas e estimular a

incorporação de outras tantas que favoreçam a confiança cidadã, uma vez que conferindo

publicidade a esses comportamentos transparentes e, atraindo os mesmos para a atenção da

mídia, das instituições acadêmicas, das organizações civis e da sociedade em geral, pode-se

reforçar tais práticas, criando, dessa maneira, “um círculo virtuoso capaz de fomentar a

divulgação, pelas autoridades, de suas atividades, da razão de as estarem realizando e do

modo como os cidadãos são envolvidos em sua determinação” (AVALOS, 2002, p. 234).

Sem tal transparência, o Poder Judiciário torna-se incontrolável e, sem controle, perde

em legitimidade e aceitação. Por essa razão, desde a década de 7067, com a edição da Emenda

Constitucional n. 07/197768, buscou-se implementar o Conselho Nacional de Magistratura,

objetivando disciplinar sobre os magistrados e a necessidade de transparência de seus atos

judiciais. No entanto, conforme Castro Júnior (1998, p. 36-37):

[...] a proposta salutar não logrou êxito na supervisão e apuração de irregularidades dos magistrados, agravando o nepotismo e ausência de controle efetivo sobre os mesmos, na contramão dos ideais democráticos trazidos pela Emenda. E desde essa época, o Poder Judiciário não contou com nenhum órgão de planejamento, fiscalização e supervisão dos magistrados.

67 “A crise institucional da metade dos anos setenta, agravada pela crise econômica, provocou a partir do ano de 1976 uma série de medidas destinadas a viabilizar institucionalmente o Estado. Com efeito, foi promulgada a emenda constitucional n. 7/77, destinada a consolidar as modificações sofridas pelo Poder Judiciário naquele contexto, mas que, todavia, não alcançou a eficácia pretendida, devido, especialmente, à resistência das próprias corporações judiciárias que não assimilaram as proposições revolucionárias para o Poder Judiciário” (ARAÚJO, 2004, p. 319). 68 Art. 120. O Conselho Nacional da Magistratura, com sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de sete Ministros do Supremo Tribunal Federal, e por este escolhidos. § 1º Ao Conselho cabe conhecer de reclamações contra membros de Tribunais, sem prejuízo da competência disciplinar destes, podendo avocar processos disciplinares contra juízes de primeira instância e em qualquer caso, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria de uns e outros, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, observado o disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. § 2º Junto ao Conselho funcionará o Procurador-Geral da República”

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Somente em 2004, com a Emenda Constitucional n. 45, de 200469 – notoriamente

conhecida como Emenda de Reforma do Poder Judiciário (ALVES, 2009, p. 28) – é que se

vislumbrou um efetivo órgão de controle interno do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de

Justiça, com função tríplice de disciplina, gestão administrativa e planejamento político e

estratégico, funções que permitiram um novo vislumbre ao sistema judiciário, com maior

transparência e aproximação social. Ribeiro (2007, p. 4) à época de criação do Conselho

Nacional de Justiça acreditou que o Conselho poderia

[...] estimular a instalação de gestão mais modernas nos vários setores da Justiça, no plano administrativo e financeiro, estimulando a troca de experiência entre os vários Tribunais, proceder a estudos, visando a adoção de padrões, inclusive quanto ao sistema informático, com a redução de custos e aumento de eficiência, atuar em casos disciplinares ou com vistas a sanar irregularidades, que não tenham sido superadas pelos mecanismos existentes.

E realmente o Conselho Nacional de Justiça obteve grande êxito em suas funções, pois

possui “uma condição ímpar para conduzir de forma magistral a missão de melhorar,

modernizar e também legitimar o Judiciário perante a sociedade brasileira” (BARBOSA e

COSTA, 2007, p. 6), viabilizando o estabelecimento de diretrizes importantes para a boa

condução da política judiciária. Passemos a exemplificar.

Nas medidas disciplinares pelo Conselho instituídas, visualiza-se maior transparência

pela Resolução n. 6, dispondo sobre a aferição do merecimento para promoção dos

magistrados; Resolução n. 7/2005 (alterada pelas Resoluções 9/2005 e 21/2006) disciplinando

a vedação do nepotismo; Resolução n. 10/2005, vedando o exercício dos membros do

Judiciário em funções nas Comissões Disciplinares; Resolução n. 17/2006, definindo

69 Sobre a forma e momento de criação da Emenda Constitucional n. 45, de 2004 “Assentada na eleição de Lula e respaldada pela pressão social por maior transparência e reformas no sistema judiciário, a Secretaria de reforma do Judiciário foi criada contra a vonatde dos poderes Legislativo e Judiciário, mas teve o condão de pautar a discussão em torno da reforma que se arrastava no Congresso Nacional desde 1992, em quatro frentes de atuação: diagnóstico do Poder Judiciário, modernização da gestão do Judiciário, articulação quanto a mudanças nos Códigos de Processo Civil e Penal (alterações infraconstitucionais) e articulação em relação a alterações na Constituição (reforma constitucional do Judiciário). Com a pressão do governo, Legislativo e Judiciário se moveram para negociar os termos da Reforma e arovaram em dezembro de 2004 a Emenda Constitucional n. 45, que ficou conhecida como a Emenda da Reforma do Judiciário e representou o possível consenso entre os poderes, com relação ao Judiciário. Entre outras medidas, a EC n. 45 aprovou a incluso na constituição Federal dos Artigos 92, I-A e Art. 103-B, que previram a criação do Conselho Nacional de Justiça [...]”. (BARBOSA e COSTA, 2007, p. 5).

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parâmetros a serem observados na escolha de Magistrados para substituição dos membros dos

Tribunais; e Resolução n. 79/2009, dispondo sobre a transparência na divulgação das

atividades do Poder Judiciário brasileiro, dentre outras.

Nas medidas de controle da gestão administrativa e financeira do Conselho Nacional

de Justiça, a transparência do Poder Judiciário pode ser verificada pela Resolução n. 5/2005

(regulamentada pela Resolução n. 26/2006) estabelecendo limite de despesas pessoais e

encargos sociais para os órgãos do Poder Judiciário da União; Resolução n. 13/2006 e

14/2006, dispondo sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio

mensal dos membros da magistratura, bem como o teto daqueles Estados que não adotam o

subsídio; Resolução n. 43/2007, estabelecendo limites para empenho de despesas com diárias,

passagens e locomoção; Resolução n. 46/2007, criando as Tabelas Processuais Unificadas do

Poder Judiciário; e Resolução n. 73/2009, dispondo sobre a concessão e pagamento de diárias

no âmbito do Poder Judiciário.

E, finalmente, nas medidas de planejamento estratégico, a transparência do Judiciário

pode ser verificada pela Resolução n. 4/2005 (regulamentado pelas Resoluções n. 15/2006 e

76/2009), criando o sistema de estatística do Poder Judiciário, ou seja, formando um banco de

dados do Poder Judiciário, até então insubsistente; Resolução n. 12/2006, criando o Banco de

Soluções do Poder Judiciário, ao lado do Cadastro Nacional de Improbidade Administrativa

(44/2007 e 50/208); Resolução n. 36/2007, definindo parâmetros mínimos a serem observados

na regulamentação da prestação jurisdicional ininterrupta, por meio de plantão permanente; e

pela Resolução n. 60/2008, instituindo o Código de Ética da Magistratura Nacional.

À parte dessas Resoluções, o Conselho Nacional de Justiça ainda esteve à frente do

Projeto “Conciliar é Legal”, promovendo maior espaço de conciliação num país carregado

pela litigiosidade; bem como na Resolução Conjunto n. 1/2009, que institui a Meta 2,

buscando a adoção de medidas destinadas à redução da taxa de congestionamento nos órgãos

judiciários de primeiro e segundo graus.

Sendo assim, pode-se considerar salutar a criação do Conselho Nacional de Justiça e a

adoção de suas medidas de celeridade e transparência, viabilizando um maior controle da

Justiça. No entanto, consoante Rodrigues (2003, p. 44), se por um lado existe a transparência,

por outro lado, nota-se que “os representantes do CNJ são nomeados, de forma a questionar-

se: a) é uma Instituição democrática?; b) quem controla os “controladores” do Judiciário?”

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Pois, de acordo com a própria emenda que instituiu o Conselho Nacional de Justiça, o

conselho é submetido hierarquicamente ao controle do Supremo Tribunal Federal, o que pode

colocar em “xeque” a própria transparência tão almejada. Explica Alves (2009, p. 30):

O controlador (CNJ) em verdade é subordinado ao controlado (Judiciário), o que significa que a autonomia daquele é limitada aos interesses deste. Em última análise, o Judiciário continua a controlar a si mesmo.

E num país democrático, que busca afirmar cada vez mais a participação popular, soa

bastante contraditório deixar o controle do Poder Judiciário nas mãos do próprio Judiciário.

Ainda que o inciso XIII, do artigo 103-B70 da Constituição Federal brasileira, disponha que o

Conselho será formado por dois cidadãos, estes devem ser indicados pela Câmara dos

Deputados e pelo Senado Federal, ou seja, não há um controle popular propriamente dito. No

entanto, não cabendo aqui divagar sobre a forma de controle adotada pelo Conselho Nacional

de Justiça, entendemos que, a par da discussão a respeito de quem controla os controladores

do Poder, vislumbra-se que o Conselho, pelas funções que desempenha, pode e já está

ajudando o Poder Judiciário a se tornar mais transparente e democrático, condição necessária

para resgate de sua legitimidade.

6.7 EXTENSÃO DO PODER DECISÓRIO

O Judiciário hoje é levado a tomar decisões que ultrapassam a insuficiência e

ineficiência legislativa, adentrando, muitas vezes, no mérito da omissão dos Poderes

70 “Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: [...]. XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”.

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Executivo e Legislativo em determinadas questões71. O fato é tentar justificar até que ponto é

possível legitimar o Poder Judiciário pela extensão do poder decisório.

Como já foi exposto, a eleição popular não se configura como único pressuposto

válido a considerar legítimo um determinado poder. Pois não é só em razão de não ser eleito

por voto popular, como os poderes Executivo e Legislativo, que o Judiciário deixa de ser

legítimo, embora muito criticado por isso. Mas e o fato do Poder Judiciário adentrar a esfera

decisória dos Poderes Executivo e Legislativo, lhe retira a legitimidade? Para Ribeiro (1999,

p. 10):

O Estado social, que mergiu no curso deste século, num panorama de tensões, crises e controvérsias, é caracterizado pela expansão sem precedentes dos poderes do Estado legislador e administrador. Daí que se tornou mais aguda e urgente a exigência do controle judiciário da atividade do Estado.

Nesse caso, a legitimidade da decisão do Poder Judiciário é questionada toda vez que

adentra, ou intervém (UCHOA, 2007, p. 35) nas esferas decisórias dos demais poderes. Dessa

forma, (BARBOSA, 2006, p. 207):

Como admitir, por exemplo, que o Poder Judiciário julgue inconstitucional lei votada pelo Poder Legislativo, quando os membros desse poder foram legitimamente eleitos e agem como representantes do povo, enquanto os integrantes do Poder Judiciário são desconhecidos da sociedade?

Tal questionamento permite-nos conceber não apenas a celeuma da extensão do Poder

Judiciário no Brasil, como também, e principalmente o problema da ausência de legitimidade

do Poder Judiciário. Ora, como anteriormente exposto, a eleição popular não é a única forma

de conferir legitimidade a um Poder. Não é em razão dos membros dos poderes legislativo e

71 “Em razão, pois, de imperativos de legitimidade no preenchimento dos espaços normativos disputados pelo judiciário e executivo, a discórdia surda, hoje existente, entre esses dois poderes tende a ser muito maior do que aquela habitualmente observada no eixo da dualidade clássica: executivo e legislativo. O conflito, outrora tão freqüente entre tais poderes, se mitigou pela perda de funcionalidade dos parlamentos e pela formação expansiva de um direito que promana doutras fontes – fontes sem dúvida alternativas – e cuja aplicação privilegiada é pleiteada, na ordem fática e existencial, por dois poderes de incomparável importância e dimensão: o do administrador e o do juiz. Mas ambos têm por calcanhar-de-aquiles aquele título de legitimidade que o legislativo possui e em grande parte já perdeu, e que eles, na transferência de funções, ainda não adquiriram, e unicamente poderão alcançá-lo caso intervenha aqui, de forma direta e imediata, a vontade do povo” (BONAVIDES, 2004, p. 491).

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executivo serem eleitos por voto popular que poderiam adentrar na esfera de competência do

Judiciário e este, por não compreender a eleição popular, não pudesse fazer o mesmo. A

interpelação nas esferas de competência de um ou outro poder pode, facilmente, ser resolvida

analisando-se a diferença entre as funções típicas e funções atípicas desses poderes. Assim, o

fato dos membros do Poder Judiciário não serem eleitos popularmente para seus cargos não

constitui óbice para execução de suas atividades, dentre elas, julgar a constitucionalidade ou

inconstitucionalidade de lei e controlar os atos do executivo e legislativo. Nesses termos

Toledo (2003, p. 238-239) informa que:

O Poder Judiciário surge como órgão do Estado responsável pela observância aparelhada do Direito. Como no Estado Democrático de Direito não só os indivíduos, mas também o Poder Público, exercido pelos três poderes estatais, está ao Direito vinculado, o Judiciário é responsável pelo controle dos atos legislativos e executivos. Isto é, aquela discricionariedade do legislador é controlada pelo poder judiciário, do que não decorre sua redução, mas apenas a exigência da racionalidade de seu exercício. Portanto, essa atuação do Judiciário, de forma alguma, representa uma ingerência indevida nas funções legislativas ou a transformação de juízes em legisladores, como quiseram alguns autores.

Ocorre que, não obstante conhecedores de suas atribuições típicas e atípicas, alguns

desses poderes se vêem forçados a assumir a função típica de outros poderes, quer em razão

de necessidade, quer em razão de pressão social. Para Ribeiro (2006, p. 5):

Estamos vivendo uma verdadeira miscelância institucional, com o Executivo querendo legislar, o Legislativo querendo governar, e o Judiciário soterrado sob o peso de toneladas de processos, gerados por essa mesma instabilidade política e econômica, e manietado por dispositivos processuais anacrônicos e obsoletos, por uma legislação caótica e um verdadeiro cipoal processual que mais complica e emperra os trâmites das causas do que facilita a aplicação da lei ao caso concreto.

E por isso a importância de um sistema de freios e contrapesos, que equilibre as

funções governamentais, a fim de que a ação dos Poderes Públicos não cause uma hipertrofia

dos poderes políticos em geral, como já ocorrera com o Poder Executivo sobre o Poder

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Judiciário72, principalmente no que se refere às políticas de estabilização da economia,

passando a provocar uma série de ilegalidades em face das inconstitucionalidades das suas

normas jurídicas, o que prontamente gerou demandas judiciais por parte da sociedade afetada,

criando uma sobrecarga de processos judiciais que desestabilizou o Poder Judiciário

(CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 20).

E como ocorreu também com o Poder Legislativo em relação ao Poder Judiciário, pelo

conhecido “overload”73 da função legislativa – verdadeira “praga”74 dos estados modernos

(CAPPELLETTI, 1993, p. 43-44) –, na qual a “expansão da função legislativa e o crescente

volume de legislação, além de sobrecarregarem os parlamentos ensejaram a edição de leis

ambíguas e vagas, deixando delicadas escolhas políticas à fase da sua interpretação e

aplicação” (RIBEIRO, 1996, p. 11). Além disso, no entendimento de Alves (2004, p. 3):

Os anacrônicos mecanismos processuais, a ausência de legislação adequada e a absoluta falta de normas para a solução de questões eminentemente políticas fazem do Judiciário uma espécie de “tenda de milagres”. Daí as respostas judiciais que, por vezes e cada vez com mais freqüência, transbordam o limite do razoável e acabam por invadir áreas que não são de sua competência.

E assim, o Poder Judiciário fica altamente demandado, tendo de decidir não só

questões jurídicas, mas também políticas. E é nessa seara que se diz que o Poder Judiciário

“exerce” as funções do legislativo e executivo. No entanto, o Poder Judiciário só passa a

72 A respeito da sobreposição do Poder Executivo perante o Poder Judiciário, o Relatório Técnico n. 319, do Banco Mundial esclarece que “Durante recentes reformas na América Latina, por exemplo, alguns países tem se beneficiado pela existência de um Poder Executivo forte que pode atuar de maneira eficiente. O dilema é como ao mesmo tempo fornecer uma chancela institucional que garanta a responsabilidade, transparência e fiscalização destes atos do Executivo. Estas experiências ocorrem mais freqüentemente quando o Executivo tem o poder de editar decretos, ao passo que o sistema jurídico atrofiado ou sem legitimidade é incapaz de obstar o abuso de poder por parte do Executivo através de um controle judicial efetivo ou fiscalização legislativa. Em diversos casos de impasse entre o Executivo e o Judiciário, o Executivo tem sido capaz de suplantar os confrontos através de decretos visando atingir sua política econômica, com pequena ou nenhuma consulta ao Judiciário. As experiências do Peru e Argentina demonstram esta atitude. Todavia, esta intervenção por parte do Judiciário pode ser um componente chave das reformas econômicas. Além disso, sem esta abordagem jurídica as reformas podem se tornar instáveis e sujeitas a um processo reversível” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 45). 73 Traduzindo-se a expresssão “overload” encontra-se o termo sobrecarga que significa “s.f. Carga excessiva; aquilo que se acrescenta à carga normal. Carga demasiada. Descomedido. Abusivo” (DICIONÁRIO VIRTUAL AURÉLIO) Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em dezembro/2009. 74 A expressão “praga” por ser entendida como “s.f. Ação de imprecar males contra alguém. / A imprecação de pragas. / Grande calamidade. / Pessoa ou coisa que aflige. / Grande quantidade de coisas importunas, de animais nocivos. / Bras. Erva daninha” (DICIONÁRIO VIRTUAL AURÉLIO) Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com> Acesso em dezembro/2009.

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decidir tais questões políticas justamente porque os demais poderes “falham” na execução de

suas atribuições. Consoante Ribeiro (2005, p. 2-3):

Na medida em que o Legislativo e o Executivo falham no exercício das suas funções, em que seus integrantes descumprem as promessas eleitorais, frustrando a esperança dos eleitores de dias melhores, perdem legitimidade. E essa perda de legitimidade se estende ao Judiciário, uma das três grandes colunas em que se apóia a existência do Estado Democrático de Direito, especialmente em razão da sua morosidade, decorrente, de maneira significativa, do excesso de leis a gerar insegurança jurídica e, portanto, causas além das demandas produzidas, em grande quantidade, pela atuação inadequada dos próprios entes estatais.

Tudo isso agregado à pressão conferida ao Poder Judiciário na resolução de questões,

tendo de responder adequadamente a todas as demandas que lhe são postas, além de

questionar a racionalidade do procedimento e ordenamento jurídico, coloca à prova “o

paradigma que está na base da atuação ‘tradicional’ do Judiciário, abrindo a discussão

sobre a função social da atuação do juiz no contexto da perda da legitimidade das funções

clássicas das instituições estatais” (APOSTOLOVA, 1998, p. 188).

A respeito dessa função social da atuação do juiz, Hobbes (1974, p. 530) já dizia,

ainda que em relação ao Poder Executivo, que toda prerrogativa utilizada desde que em

benefício da comunidade e conforme os fins do governo não deveria ser matéria de discussão.

Diz o autor (HOBBES, 1974, p. 530):

[...] esse poder de agir conforme a discrição em prol do bem público, sem a prescrição da lei e por vezes até contra ela, é o que se chama prerrogativa. Isso porque, como em alguns governos o poder legislativo nem sempre está em função e é, em geral, por demais numeroso e lento para a presteza exigida pela execução, e também porque é impossível prever e, conseqüentemente, prover pelas leis todos os acidentes e necessidades que possam interessar ao público ou elaborar leis tais que não causem danos se executadas com rigor inflexível em todas as ocasiões e sobre todas as pessoas que caiam sob a sua alçada, deixa-se ao poder executivo uma certa liberdade de ação para deliberar a seu critério acerca de muitas questões não previstas nas leis.

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E é essa certa liberdade de ação, esse ato de reconhecer e compreender as diferenças

culturais, sociais e econômicas das partes, bem como a carga ideológica do processo, que se

confere ao Poder Judiciário no momento de decidir e julgar outras questões que não as

meramente jurídicas, ensejando, assim, uma parcialidade positiva do juiz (SOUZA, 2008, p.

202).

Cappelletti, consoante estudos de Lord Radclife, informa que o juiz mesmo quando

repete as palavras de seus predecessores, tais palavras assumem na boca desse juiz um

significado materialmente diverso, pelo simples fato de que o homem do século XX não tem o

poder de falar com o mesmo tom e inflexão do homem do século XVII, XVIII, XIX, ...

(CAPPELLETTI, 1993, p. 23) e assim por diante.

De fato, há uma tendência de conferir maior papel social ao magistrado e valorização

da atividade jurisprudencial na proteção de valores substantivos calcados na Constituição,

ainda que isso implique em opções políticas. Afinal, o juiz é mero intérprete aplicador do

direito, ou participa, lato sensu, da criação do direito? (CAPPELLETTI, 1993, p. 13).

Já registramos nosso posicionamento acerca do prestígio constitucional da garantia da

imparcialidade judicial, a qual não configura sinônimo de neutralidade, tampouco passividade

do magistrado durante o desenvolvimento do processo, principalmente quando se trata do

exercício de poderes que a lei lhe confere de maneira inequívoca (BEDAQUE, 1994, p. 82).

Ademais, a imparcialidade do Magistrado não implica em discricionariedade ou arbitrariedade

dentro do sistema jurídico. Conforme entende Cappelletti (1993, p. 22):

Por mais que o intérprete se esforce por permanecer fiel ao seu ‘texto’, ele será sempre, por assim dizer, forçado a ser livre – porque não há texto musical ou poético, nem tampouco legislativo, que não deixe espaço para variações e nuances, para a criatividade interpretativa.

Conforme entende Cappelletti, quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos

do direto, mais amplo se torna também espaço deixado à discricionariedade nas decisões

judiciárias. E assumir o gigantismo de todos os setores da sociedade não significa apenas

expansão dos poderes processuais do juiz, mas também, e sobretudo, daquele poderes

criativos e de evolução jurisprudencial do direito. Por isso, entende Wolkmer (2003, p. 188)

que:

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O magistrado, portanto, não se limita a atividade de natureza meramente interpretativa ou dedutiva daquilo que lhe é dado, mas sua tarefa consiste na revelação de uma forma jurídica mais adequada, mais equânime, mais justa. Conseqüentemente, a sentença judicial emanada do Juiz adquire, não só validade formal como também preceituação obrigatória e legitimação eficaz.

Todavia, a essa criatividade devem ser impostos limites, para que o juiz não se torne,

com seu ativismo, um ente autoritário, sem qualquer controle, caindo por terra toda a teoria de

superação de seu déficit de legitimidade. Por isso a problemática e, muitas vezes, não

aceitação do ativismo judicial. Onde e como saber esses limites?75 Consoante Cappelletti

(1993, p. 21):

O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários.

É certo que a criatividade pode ser maléfica ou benéfica, mas refutar toda e qualquer

forma de ativismo, preconizando um conservadorismo demasiado, também pode constituir em

compromisso de parcialidade e arbítrio, além de se posicionarem contrárias às propostas do

Estado Social. Por essa razão, deve sempre existir em qualquer manifestação judicial a sua

fundamentação, como forma de legitimar o procedimento. A esse respeito, ensina

Calamandrei (2003, p. 83) que:

A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão pois se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado se desorientou.

Por isso certo grau de ativismo judicial não pode ser sancionado, uma vez que se pode

chegar à racionalidade da decisão judicial e legitimação pelo procedimento, por meio de sua

75 “O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários”(CAPPELLETTI, 1993, p. 21).

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fundamentação. Deve-se ter como exemplo a experiência norte-americana para que se possa

adaptá-la ao caso brasileiro, que, por sua vez, enquanto país periférico, não pode deixar de

realizar seus direitos fundamentais porque tratam muitas vezes de questões políticas, devendo

o Judiciário, de maneira criativa lhes dar a adequada proteção e realização (BARBOZA, 2005,

p. 96). Criatividade esta pautada nos limites e fundamentação supracitados, pois somente

assim vislumbrar-se-á esse ativismo como positivo, passível de controle social. Pois, se o

aparelho judicial necessita ver legitimadas as suas decisões, deve recorrer não a um ativismo

judicial infundado e inovador, mas sim a uma aproximação do processo de tomada de decisão

(RUIVO, 1989, p. 88) que se torna possível pela fundamentação das decisões judiciais.

Um dado muito positivo é que dentro do próprio quadro de juízes vem tomando corpo

uma reação cada vez mais vigorosa, procurando fazer com que se justifiquem na prática o

prestígio teórico e a condição de Poder constitucional, de que goza o Judiciário. Juízes mais

conscientes de seu papel social e de sua responsabilidade estão assumindo a liderança de um

processo de reformas76, tendo por objetivo dar ao Judiciário a organização e a postura

necessárias para que ele cumpra a função de garantidor de direitos e distribuidor de Justiça.

(DALLARI, 1996, p. 78).

O próprio Supremo Tribunal Federal, no discurso proferido pelo Ministro Celso de

Mello, na solenidade de posse do Ministro Gilmar Mendes, na Presidência da Suprema Corte

do Brasil, em 23/04/200877, afirmou que não há razão de se censurar eventual ativismo

judicial, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento

afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito,

inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas

vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes

públicos.

Para o Ministro, práticas de ativismo judicial, tornam-se uma necessidade

institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o

cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio

76 A despeito desse panorama, “importants iniciativas no Brasil têm colocado o Poder Judiciário em evidência, transformando-no em objeto de estudo e análise por parte da sociedade. Exemplos são a criação da TV Justiça; as inúmeras reformas legais infraconstitucionais aprovadas para tornar o Judiciário mais ágil; a criação em 2003 da Secretaria de Reforma do Judiciário, órgão vinculado ao Ministério da Justiça para alavancar a reforma do Judiciário brasileiro, e a criação do Conselho Nacional de Justiça” (BARBOSA e COSTA, 2007, p. 5). 77 Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em novembro/2008.

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estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de

comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura

passividade.

E é nesta seara que se analisa a possibilidade do Poder Judiciário assumir um novo

papel, mais ativo, independente, político e social, na tendência de valorizar a atividade

jurisprudencial na proteção de valores substantivos calcados na Constituição, ainda que isso

implique em opções políticas. Até porque o Poder Judiciário não pode ser concebido como

um ente insular, desprovido de papel político pois, por meio de sua função de pacificação

social, resolução de conflitos e, principalmente, de respeito aos postulados da Constituição

Federal, deve primar pela concretização dos direitos fundamentais e anseios de toda

sociedade.

Para quem defende esse papel inovador do magistrado, o faz em relação à realização

dos direitos fundamentais do cidadão, priorizando a dignidade da pessoa humana, como no

caso do juiz que defere a distribuição de remédios para o combate da Aids, ante a omissão

legislativa e executiva. Para Cittadino (2004, p. 64-65):

O constitucionalismo brasileiro, ao conferir prioridade aos mecanismos jurídicos de participação que buscam efetivar sistema de direitos assegurados pela Constituição, especialmente contra as omissões dos poderes públicos, não tem qualquer dificuldade em fazer uma leitura ampliada do dispositivo constitucional, defendendo a proeminência do Poder Judiciário, que deve desempenhar papel político relevante no sistema constitucional, podendo inclusive sobrepor-se ao Legislativo.

E dessa maneira, atuar positivamente na realização dos direitos fundamentais, sendo

justamente o papel político desempenhado pelo Poder Judiciário na omissão do Executivo ou

do Legislativo78 é o que justifica o ativismo judicial – limitado pela fundamentação da decisão

78 Nesse sentido, discurso proferido pelo Ministro Celso de Mello, em nome do Supremo Tribunal Federal, na solenidade de posse do Ministro Gilmar Mendes, na Presidência da Suprema Corte do Brasil, em 23/04/2008: “Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. [...] Práticas de ativismo judicial, [...], tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional”. Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em abril/2009.

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– ainda que encontre inúmeros percalços como a auto-restrição judicial e a reserva do

possível, nessas situações. De fato, os juízes exercem atividade política em dois sentidos:

por serem integrantes do aparato de Poder do Estado, que é uma sociedade política; e por

aplicarem normas de direito, que são necessariamente políticas. Mas, antes de tudo, o juiz é

cidadão e, nessa condição, participa da política. Conforme explica Dallari (1996, p. 56):

O juiz recebe do povo, por meio da Constituição, a legitimação formal de suas decisões, que muitas vezes afetam de modo extremamente grave a liberdade, a família, o patrimônio e toda uma gama de interesses fundamentais. Essa legitimação deve ser permanentemente complementada pelo povo, o que só ocorre quando, os juízes estão cumprindo seu papel constitucional, protegendo eficazmente os direitos e decidindo com justiça.

E essa legitimação tem bastante importância pelos efeitos políticos e sociais que

podem ter as decisões judiciais, vez que o juiz não decide nem ordena como indivíduo e sim

na condição de agente público, possuindo uma parcela de poder discricionário, bem como de

responsabilidade na consecução de certos objetivos sociais.

Neste aspecto, nota-se flagrante aproximação entre os sistemas Common Law e Civil

Law, admitindo-se neste último a prática de determinadas atitudes do primeiro, como a

valorização da jurisprudência e precedentes judiciários (cases), contribuindo para o fenômeno

da expansão do direito judiciário, jurisprudencial e do papel criativo dos juízes

(CAPPELLETTI, 1993, p. 18). Para Alves (2004, p. 12):

Os países da civil law passam a adotar institutos até então só alplicados no sistema da common law, como, por exemplo, a súmula vinculante, enquanto os países de cultura latina, ao preocuparem-se mais com a segurança jurídica e a qualidade da magistratura que, [...], passam a ter papel decisório na arte de governar.

Corroborando tal entendimento, Cimadon (1999, p. 26) explica que:

Os juízes, não apenas nos parâmetros da common law, mas também nos sistemas de direito codificados como é o nosso, têm papel preponderante na criação das novas relações jurídicas e de leis. Não há dúvida de que o ponto central de gravitação de toda a criação judicial incide em decisões de casos particulares. Não são as grandes elocubrações abstratas que criam as leis mais próximas das

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necessidades sociais. São as sentenças dos juízes nos tribunais que representam as fontes primeiras do novo direito. Aqui reside a mudança, pois os juízes, ou são mantenedores do status quo ou criadores do direito.

Por essa razão, não mais se discute a necessidade e/ou utilidade de interpretação da

norma, mas sim a definição dos “limites e possibilidades do ato interpretativo, tendo-se em

conta a função e a legitimidade de cada um dos poderes dentro do Estado” (BARBOSA,

2006, p. 209).

Desse modo, não há falar que o Judiciário não pode fazer julgamentos substantivos a

respeito de determinados temas que lhes são postos a julgamento, pois as competências

legitimadoras para o exercício desta atividade estão previstas na própria Constituição Federal,

“ou seja, os poderes a serem exercidos pelos juízes não são nada mais do que aqueles que

lhes foram conferidos pelo Poder Constituinte originário por conseguinte, legítimo e

democrático” (BARBOZA, 2005, p. 161). Para Ribeiro (1999, p. 12):

Penso que o importante, na atual conjuntura, é aumentar o entendimento entre os Poderes, com o fito de superar os atritos decorrentes do exercício das três funções estatais básicas, tendo em vista a realização do bem comum. Não se trata de abrir mão os princípios que regem a atuação de cada Poder, mas de efetivar-se uma aproximação maior entre os seus membros, com o objetivo de se tornarem medidas de interesse geral, visando à sociedade como um todo. O que se deve é procurar cumprir a segunda parte do artigo 2º da Constituição, na consonância do qual os Poderes são independentes, porém harmônicos entre si. Ou seja: a independência não exclui a harmonia, e a harmonia só poderá ser obtida mediante conversações, sob a fiscalização da sociedade, que permitam identificar as posições convergentes, a fim de que os problemas do Estado sejam resolvidos com a rapidez exigida pelos tempos modernos.

Somente agindo de tal maneira pode-se contar com um Poder Judiciário célere, seguro,

condizente com sua função prioridial de realização dos conflitos de interesses e paz social.

Podendo assumir funções atípicas, quer no caso de omissão dos demais Poderes, quer no caso

de necessidade procedimental, desde que haja fundamentação de todas suas decisões para que

a população possa exercer controle de sua atividade e, assim, contribuir para um Judiciário

mais democrático, sensível às aspirações do bem comum.

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7 LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO PODER JUDICIÁRIO

7.1 DEMOCRACIA E LEGITIMIDADE

A democracia é vulgarmente conhecida como o governo do povo. Tradução literal do

grego “demos” + “cracia”, se identifica tal expressão como o governo popular, ou governo

de todos, muito embora ao longo de sua história já tenha recebido o conceito de forma de

governo, de ideologia de uma sociedade, de regime político e de forma de vida

(BONAVIDES, 2004, p. 297 e 475).

Para expressar nosso entendimento, apegamo-nos à definição de democracia em

Bobbio (1986, p. 18), para quem ela representa uma contraproposta a todas as formas de

governo autocrático, caracterizada por um conjunto de regras primárias – escritas ou

consuetudinárias – ou regras fundamentais – regra da maioria – que estabelecem quem

está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.

No entanto, do que se entendia por democracia no Estado Liberal – expressão nascida

de uma concepção individualista da sociedade (BOBBIO, 1993, p. 1) – e o que se entende

hoje, ou pelo menos, se busca entender como democracia hoje, fato é que referida expressão

permanece inexplicável por um único conceito ou idéia unânime.

A democracia pode ser entendida como o governo do povo ou como o princípio

contemporâneo mediante o qual se confere legitimidade a todas as formas possíveis de

convivência (BONAVIDES, 2004, p. 476). Mas não é só isso. Conforme entende Piovesan

(2005, p. 57), a democracia compreende o respeito à legalidade, enfatizando a legitimidade e

o exercício do poder político – quem governa e como se governa – bem como pressupõe o

respeito aos direitos humanos, enfatizando o pleno exercício dos direitos civis, políticos,

sociais, econômicos e culturais.

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Com isso, além de reconhecida como direito fundamental79 de quarta geração

(BONAVIDES, 2004, p. 475), uma vez que os membros da sociedade (demos) só se tornam

cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais (BOBBIO, 2004, p. 1) a

democracia (BONAVIDES, 2004, p. 476):

[...] é o princípio contemporâneo mediante o qual se confere legitimidade a todas as formas possíveis de convivência; poder-se-ia até dizer o único princípio legitimante da cidadania e a internacionalidade. Foi princípio filosófico nas revoluções; é jurídico nas elaborações pacíficas de cada sistema de governo que deve reger os cidadãos ou dirigir os Estados nas suas relações mútuas.

E é neste ponto que a legitimidade está em conexão direta com a democracia, com a

vontade popular e os anseios da população (DENZ, 2007, p. 4), vez que legítimo deve ser

considerado aquele Estado que comande sua sociedade democraticamente “evitando as

discriminações, as opressões, a corrupção, a violência, enfim, aquilo que representaria

privilegiar uns em detrimento de outros dentro da sociedade” (MARTINS FILHO, 1992, p.

18). Da mesma forma, legítimo deve ser considerado o Poder Judiciário que se preocupa com

esses elementos, atuando de forma a coibir as discriminações e opressões, bem como

reconhecer dentro do sistema a vontade e participação de todos, não somente da maioria80.

Para tanto, faz-se necessário a valorização da liberdade para que, livres, os cidadãos

possam tornar efetivos seus direitos, inclusive participando da atividade política e

principalmente do processo de normatização jurídica legítima (COSTA, 2003, p. 42-43).

De fato, o corolário da democracia é a liberdade, pois é esta que a distingue das

demais formas de governo, eis que é justamente em razão de todos os seus membros (demos)

serem livres que são considerados como iguais; e é esta igualdade absoluta “que não é

79 “A democracia no fim do século XX, mais do que um sistema de governo, uma modalidade de Estado, um regime político ou uma forma de ida, tende a se converter, ou já se converteu, no mais novo direito dos povos e dos cidadãos. [...]. Transformado num direito fundamental, o mais fundamental dos direitos políticos, direito, tornamos a repetir, de quarta geração, para assinalar o teor de novidade de sua participação compulsiva, a democracia já não é unicamente o direito natural das declarações universais, políticas e filosóficas, dos séculos revolucionários, mas o direito positivo das Constituições e dos tratados, de observância necessária, por conseguinte, tanto na vida interna como externa dos Estados. Compõe, assim, esse direito a índole nova da civilização política que, desde já, marca o advento do terceiro milênio” (BONAVIDES, 2004, p. 475-477). 80 “Não se pode conceber a democracia unicamente como vontade da maioria. O conceito que predomina atualmente é o de pluralismo, não unitarismo da maioria. [...]. O juiz deve pautar sua decisão de acordo com os princípios albergados pela Constituição, mesmo que esses princípios dêem guarida às pretensões de uma minoria da sociedade” (DENZ, 2007, p. 9)

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econômica, mas social e política que permite a democracia, isto é o poder do demos”

(CHAUI, 2001, p. 201).

Destarte, ainda que cunhada como o ideal permanente e universal de participação,

compatível com a dignidade da pessoa humana e sua racionalidade, as formas institucionais

concebidas para alcançar a democracia podem ser, e têm sido efetivamente, algo muito

diferente do ideal enunciado (BOAVENTURA, 2002, p. 120), deturpando o sentido

democrático.

Por essa razão, é preciso ir além da definição singular de democracia para entender o

que venha a ser um governo democrático, ou, o que mais nos interessa, um Poder Judiciário

mais democrático. Representando este conceito preliminar de democracia, Delgado (2005, p.

34) relembra que:

De há muito persiste a afirmação de que o conceito fundamental de Democracia se assenta na real participação do povo no exercício do poder, sob a forma de que esse poder é exercido por alguém em nome de quem o elegeu.

Tal decorre da democracia representativa81 que se faz presente nos Poderes Legislativo

e Executivo, nos quais o povo elege livremente seus representantes, muito embora o voto

majoritário – corolário da democracia representativa – não seja suficiente para deflagrar

decisões corretas “ou mesmo resultados justos e racionais, uma vez que o princípio

majoritário não assegura igualdade política. Ou seja, o resultado do voto majoritário

representa a voz dos vencedores, não o bem comum” (BARBOZA, 2005, p. 19).

Pelas peculiaridades acima apresentadas e, considerando que o bem comum

compreende não só a voz da maioria, mas os pluralismos e minorias que se fazem presentes,

pode-se buscar outros caminhos para democratizar o Poder Judiciário e resgatar sua

legitimidade – que não o caminho da eleição como forma nítida de “governo do povo” –

viabilizando seu fortalecimento.

Até porque a própria forma de democracia representativa, tal como está delineada no

81 Sobre a expressão democracia representativa, “significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente. [...]. É verdade que nem toda forma de democracia é representativa (daí a insistência sobre a democracia direta) , mas também é verdade que nem todo estado representativo é democrático pelo simples fato de ser representativo” (BOBBIO, 1986, p. 44-45).

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Brasil, representa uma “realidade cada vez mais hostil, frustrada pelo emprego pouco

satisfatório dessas formas” (BONAVIDES, 2004, p. 477), ampliando a distância entre o ideal

democrático proclamado pela Constituição Federal e as concretizações das ações políticas,

aumentando sobremaneira a crise de todo sistema político e institucional brasileiro.

E neste cenário, questiona Weffort (1992, p. 15) “quais são as perspectivas de

consolidação da democracia política em um país mergulhado na crise e apresentando um

quadro de extraordinária desigualdade social? Que tipo de democracia temos em vista?”.

Todos estes questionamentos antes de determinar a participação ou não da sociedade

na forma de governar remonta outros problemas anteriores como a forma de aquisição de

poder, como ele é exercido, “como é defendido e como é possível defender-se contra ele”

(BOBBIO, 2004, p. 151). De nada adianta enfatizar a existência de uma democracia se ela

efetivamente não se completa em nossos governos ou no ato de governar. Assim, impossível

falar-se em democracia se aos próprios membros de nossa sociedade não é dado meios

eficazes de concretizar seus direitos (RIBEIRO, 1999, p. 10).

Por essas razões não se pode, contemporaneamente, acreditar na democracia como

sendo apenas uma participação consensual da sociedade. De fato, o problema da legitimidade

é um problema de consenso, “pelo menos em se tratando de estabelecer uma ordem

democrática e pluralista, onde o consenso aparece como a categoria central, o eixo da

normatividade, o liame da juridicidade com a facticidade, o traço de união do constitucional

com o real” (BONAVIDES, 2004, p. 326). Mas o problema de efetivação da democracia

pode obter outras leituras que não exclusivamente o consenso.

Muito embora esteja a democracia vinculada ao consentimento, tal como a

legitimidade, pode-se conceber a democracia como um ato mais contestatório que consensual.

Assim, os cidadãos terão cada vez mais seus direitos protegidos, serão cada vez mais livres

para reivindicá-los, na medida em que possam usufruir permanentemente o direito de

contestação perante as decisões do governo (PETTIT, 2003, p. 371-372); pois se assim for

reconhecido, o governo será cada vez mais democrático, a Justiça será cada vez mais

democrática, na medida em que representem uma forma de governo, um poder, controlado

pelo povo, não somente pelo consenso, mas pelo direito de contestar, representando a

expressão máxima de seu papel na marcha dos negócios públicos, pela deliberação, reflexão e

espírito crítico (DURKHEIM, 1983, p. 81).

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E se partindo desses pressupostos da deliberação, reflexão e espírito crítico, a

sociedade, participando da questão pública, chega a “mais pura consciência de si mesma”

(DURKHEIM, 1983, p. 81), é também pela deliberação, reflexão e espírito crítico que o

Estado, em particular o Poder Judiciário, pode chegar à consciência de si mesmo e se

constituir em um poder mais democrático, mais atento aos anseios sociais e, principalmente, à

realização da cidadania – expressão maior da democracia.

E, agindo dessa forma pode-se vislumbrar que as atividades do Poder Judiciário

tenham um mínimo de aceitabilidade pela opinião pública e, conseqüentemente, contribua

para a redução ou aniquilamento da crise de legitimidade que afeta este importante Poder da

República (CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 31).

7.2 BUSCANDO UM PODER JUDICIÁRIO MAIS DEMOCRÁTICO

É patente a idéia de que exista por parte do Estado uma grande má vontade na

democratização do Poder Judiciário (FARIA e LOPES, 1989, p. 163) em razão de interesses

econômicos, políticos ou sociais; bem como na democratização da própria administração da

justiça – dimensão fundamental da democratização das vidas social, econômica e política

(CASTRO JUNIOR, 1998, p. 33).

No entanto, a latente conexão entre Poder Judiciário e democracia nos impede de

aceitar as barreiras postas à democratização de um Poder que trabalha ou que, pelo menos

deveria trabalhar, com o povo e em prol do povo.

Já nos dizia Dallari (2005, p. 47) que há uma estreita ligação entre a democracia e o

Poder Judiciário, todavia, vislumbrar a democratização do Judiciário implica em duas

exigências fundamentais: a mudança de atitude do Poder Judiciário no relacionamento com o

povo e a sociedade em geral – justamente como forma de abreviar seu déficit de legitimidade

–; e uma mudança interna do Judiciário, em sua organização, gestão, estrutura e métodos.

Na mesma balada, Sousa Santos (1989, p. 56) analisa que:

A democratização da administração da justiça é uma dimensão fundamental da democratização da vida social, econômica e política. Esta democratização tem duas vertentes. A primeira diz respeito à

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constituição interna do processo e inclui uma série de orientações tais como: maior envolvimento e participação dos cidadãos, individualmente ou em grupos organizados, na administração da justiça; a simplificação dos atos processuais e o incentivo à conciliação das partes, o aumento dos poderes do juiz; a ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse em agir. A segunda vertente diz respeito à democratização do acesso à justiça. É necessário criar um Serviço Nacional de Justiça, um sistema de serviços jurídico-sociais, gerido pelo Estado e pelas autarquias locais com a colaboração das organizações profissionais e sociais, que garanta a igualdade do acesso à justiça das partes das diferentes classes ou estratos sociais.

Todas as exigências acima espostas são patentes e de extrema necessidade para melhor

democratizar o Judiciário brasileiro. A mudança interna requer sobretudo a análise

pormenorizada dos elementos tradados nos Capítulos 5 e 6 deste trabalho, e demais elementos

pertinentes à gestão, estrutura e organização do Poder Judiciário, a fim de que se tenha um

órgão que seja efetivamente prestativo, transparente e célere, mas ao mesmo tempo guarde

elevado grau de segurança jurídica em suas decisões; além de efetivamente organizado, com

servidores qualificados – em todas as esferas –, equipamentos compatíveis, boa dotação

orçamentária e necessária administração de suas varas e fóruns. Neste sentido argumenta

Zaffaroni (1995, p. 33-34):

[...] um judiciário deteriorado também conspira contra uma democracia, porque um componente real dessa democracia deve ser o direito ao desenvolvimento, que se ressente quando não exista um judiciário em condições de garantir certa segurança jurídica aos investimentos produtivos.

De fato, algumas dessas mudanças vêm sendo implantadas atualmente ou, ao menos,

bastante discutidas como alternativas para um Poder Judiciário melhor. Castro Júnior (1998,

p. 34) entende que a mudança de caráter interno deverá ocorrer

[...] paralelamente com a racionalização da divisão do trabalho e com uma nova gestão dos recursos de tempo e de capacidade técnica; acompanhada de uma reforma da formação e dos processos de recrutamento de magistrados, requisito essencial para a ampliação dos poderes do juiz, pois sem a mesma, esta ampliação será contraprodudente e incompatível com a desejada democratização da administração da justiça.

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No entanto, a mera mudança interna do Poder Judiciário não é suficiente o bastante

para aprimorar seus laços com a sociedade, reduzindo seu déficit de legitimidade. A

sociedade, sensivelmente, percebe dia a dia o quão frágil ainda é sua condição de cidadão em

um Estado Democrático (BARBOSA e COSTA, 2007, p. 9) e, ao perceber, passa a identificar

as enormes lacunas existentes na gestão e estrutura do Poder Judiciário brasileiro. E, assim, na

opinião de Direito (2007, p. 3):

Quando a opinião pública se insurge de maneira generalizada contra as instituições políticas, o que se manifesta pelo desrespeito à lei e ao sistema político encarregado de fazê-la cumprir, torna-se imperativo um esforço coletivo destinado a reconstruir as bases da organização nacional. Essa reconstrução só terá resultado e alcance benéficos se for realizada ordenadamente, com a preservação dos valores democráticos, estes permanentes.

Por isso a necessidade de primeiro encontrar esses valores82, repensando até que ponto

as atuais diretrizes políticas e ideológicas constituem uma base sólida para legitimar a função

social do Poder Judiciário (APOSTOLOVA, 1998, p. 199).

E, posteriormente, preservar os valores democráticos para, a partir deles, buscar a

credibilidade e o apoio social, uma vez que a confiança “no correto exercício da atividade

jurisdicional, [...], é pressuposto indispensável para se alcançar o adequado e necessário

clima de pacificação social e convivência harmônica entre seus concidadãos” (SOUZA,

2008, p. 19). Assim, deve-se estabelecer uma hierarquia de prioridades, com o objetivo de

fortalecer a crença da sociedade não somente no Poder Judiciário, sobretudo na Justiça. De

nada adianta ter um Poder Judiciário organizado, estruturado, se o senso de justiça do povo

permanecer abalado. Neste sentido, Ribeiro (2006, p. 5) tece o seguinte comentário:

O Brasil precisa de justiça; a gente anda pelos Estados e percebe o quanto o povo está carente de um efetivo e concreto sentido de Justiça. Tenho alertado para a perda gradativa e contínua de legitimidade do Poder Público, que não vem cumprindo sua função constitucional de gerar o bem comum, causando enorme frustração

82 Sobre os valores democráticos representados pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário “O Poder Executivo e o Poder Legislativo se pautam por valores diversos do Poder Judiciário. O juiz, ao contrário do político, exerce função técnica e não deve agradar a maiorias (busca de votos) ou julgar de acordo com conveniências políticas. [...] Daí ser imperativo que os membros do Poder Judiciário não sejam acometidos por pretensões políticas ou suas decisões sofram influxos de pressões político-partidárias” (DENZ, 2007, p. 10).

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nas expectativas do povo, desencanto tanto maior quanto mais delirantes tenham sido as promessas da campanha.

Assim, percebe-se que a crença no Poder Judiciário está atrelada à crença na própria

Justiça, de forma que, para que exista maior credibilidade no Poder Judiciário, atenuando seu

déficit de legitimidade torna-se imprescindível dar-se prioridade à função democrática do

Poder Judiciário, ou seja, mais utilidade para a estabilidade e continuidade democrática

(ZAFFARONI, 1995, p. 44), pois é dessa maneira que se poderá conjugar o apoio social com

a real função do Poder Judiciário, conferindo-lhe legitimidade, a legitimidade democrática.

Enquanto tal não ocorre, a sociedade, bem como os operadores do Direito, continuam

a queixar-se da ausência de reformas estruturais; da não concretização do papel atribuído ao

Poder Judiciário; bem como do distanciamento das funções manifestas e latentes

(ZAFFARONI, 1995, p. 34) que agravam sua crise. Além disso, comenta Castro Júnior (1998,

p. 62) que:

[...] há outros fatores, tais como a cultura jurídica e a deficiente formação que os nossos juízes possuem, bem como a legislação processual defasada e a inexistência de vontade política dos Poderes Legislativo e Executivo de enfrentarem com vigor a crise do Judiciário, dentre vários, mas sabemos que tal paradoxo é uma das causas da situação lamentável do sistema judiciário brasileiro.

E por isso a necessidade veemente de mudança. Uma mudança efetiva, que resgate o

caráter democrático do Poder Judiciário, não pautada sob a democracia representativa, tal

como ocorre nos demais Poderes do Estado, do que sabemos, muitas vezes, não representa as

reais intenções da sociedade, mas uma democracia na qual se conjugue o sentimento de

Justiça, a função primordial do Poder Judiciário e a crença da sociedade nos seus magistrados,

suas decisões e no procedimento adotado. Enfim, uma reforma que venha a conjugar todos

esses elementos, buscando um Judiciário mais democrático e, conseqüentemente, superando

seu déficit de legitimidade.

No entanto, sabemos o quão difícil é estabelecer parâmetros e metas para se chegar ao

resultado pretendido, pois como já dizia Bobbio (1995b, p. 108), “uma coisa pode ser

transformada de várias e diversas maneiras e através dos mais diferentes meios. Para dizê-lo

mais exatamente: uma coisa pode ser mudada para melhor e para pior”, e por isso a grande

celeuma existente entre saber o que é bom ou ruim, ou quem decide o que é bom ou ruim para

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o Poder Judiciário. De forma que almejar o melhor se torna cada vez mais difícil. E muito

mais complexo quando o órgão judicial já se encontra neste estado periclitante, com diversos

elementos para mudar e sem saber qual a real prioridade. Para Delgado (2005, p. 37):

Urge, portanto, ser pensada uma forma de regime democrático que seja capaz de inverter esse quadro catastrófico para a humanidade. Para tanto, torna-se primordial que a Ciência Jurídica e a Ciência Política renovem os seus postulados e os seus propósitos voltem-se para a criação de novos degraus e de novos princípios, atentas para a força cogente e imperativa que eles devam ter, colocando o cidadão com todas as suas aspirações e necessidades como sendo o centro das preocupações.

E é também com o Poder Judiciário incluindo o cidadão no centro de suas intenções

que se logrará o tão sonhado sentimento de Justiça, próprio da legitimidade democrática do

Poder Judiciário. Para Ribeiro (1999, p. 13) tal mudança somente poderá ser realizada

[...] aos poucos, com sensibilidade, transparência e sentido público. Só assim será eficaz. Convém estimular os que querem ajudar nessa tarefa e apoiá-los na procura de solução de consenso, ou que, pelo menos, seja endossada por significativa maioria da sociedade.

Isso é um verdadeiro processo democrático, permitir a participação, a aceitação da

sociedade. Não apenas criando controles democráticos fora das atividades jurisdicionais, mas

desmitificando o sistema judicial, sendo transparente e simplificando suas atividades

(CASTRO JÚNIOR, 1998, p. 106), além de buscar informar a própria sociedade sobre o

funcionamento dos órgãos do Judiciário, a forma de reinvindicar seus direitos, como se forma

o processo judicial – fatores essencialmente relevantes para a eficiência da atividade do Poder

Judiciário e credibilidade social, mas que passam despercebidos nos grandes debates

reformistas.

Tecendo uma metáfora bastante pertinente às dificuldades de se atingir a tão sonhada

democracia no seio do Poder Judiciário, Zaffaroni (1995, p. 32) explica que:

O vôo democrático é sustentado por múltiplas turbinas, e nem sempre todas funcionam bem, e algumas sequer funcionam. Nas sociedades centrais, a inércia democrática lhes permite o luxo de trazer como carga alguns pesos mortos de turbinas que falham ou não operam, mas ainda que o perigo aumente em razão direta deste lastro, é muito

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maior em nossas sociedades, onde os elementos democratizantes são muito menores (começando pela maior seletividade quanto às oportunidades) e onde não há uma inércia democrática, mas um tremendo esforço para levantar vôo.

Diante dessa perspectiva e, apegando-se à analogia feita por Zaffaroni em relação ao

vôo de uma aeronave e ao vôo democrático do Poder Judiciário, infere-se que se ao avião

torna-se necessário um fluxo constante de ar pelas asas, para a sustentação da aeronave, bem

como a necessidade de uma área plana e livre de obstáculos onde ele possa alcançar a

velocidade necessária para decolar e alçar vôo, também ao Poder Judiciário torna importante a

oxigenação de sua estrutura, dogmas e preceitos, bem como um ambiente livre, no qual ele,

imune a influências de outros poderes possa apegar-se a sua real função social e alçar seu vôo.

Neste particular, deve o Judiciário romper com o limite estabelecido para a própria noção de

democracia, restrita apenas à possibilidade de concretização dos direitos de primeira geração

– civis e políticos, e com isso ampliar (SOUZA, 2008, p. 197):

[...] seu campo de abrangência para todas as atividades que realizam a concretização do exercício do poder decorrente da soberania popular, permitindo-se, desta maneira, a verdadeira integração de todos, capazes de discernir sobre as opções apresentadas para o governo da coletividade em um sentido aberto. Assim a democracia realiza-se e desenvolve-se no seu próprio dinamismo, como obra aberta e inacabada, tornando possível a pública participação responsável na gestão de todas as atividades do governo e da sociedade.

E, conseqüentemente, tornando-se possível o vôo democrático do Poder Judiciário,

conjugando participação e emancipação (WOLKMER, 2003, p. 202), numa relação onde o

diálogo, a transparência e a vontade de bem cumprir a função de Justiça do Poder Judiciário

possam refletir um novo critério de racionalidade e de legitimidade que é a própria

“libertação real de todos os homens” (WOLKMER, 2003, p. 203).

Dessa libertação, também deve compartilhar o juiz, que muitas vezes adstrito à

legalidade literal e ao formalismo e burocracia exacerbados, esquece-se de seu papel de

mediador, de fomentador do diálogo e, principalmente de representante nato do Poder

Judiciário e porque não dizer da própria Justiça. Por isso, para Fuz (1998, p. 16):

A postura judicial que se aspira para o “terceiro milênio” é aquela que liberta o juiz da camisa de força de se adstringir à literalidade,

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permitindo-o alcançar as realidades do ambiente em que atua, adaptando vestusos textos legais às novas expectativas e à dinâmica social, atarvés da visão interdisciplinar do fenômeno jurídico.

À toda evidência, portanto, que o prioritário no Poder Judiciário “é sua função

democrática, ou seja, sua já mencionada utilidade para a estabilidade e continuidade

democrática” (ZAFFARONI, 1995, p. 44), tendo como características imprescindíveis a

independência judicial e a função social da instituição, bem como a participação da sociedade.

Participação, como vimos, não no sentido da sociedade escolher os membros do

Judiciário, mas uma participação que pode ser direta em razão do processo – legitimação pelo

procedimento –, o que culminará com a decisão judicial que, em razão da exigência de

fundamentação83 e conseqüente exposição pública e maior responsabilidade, conferirá base

democrática à decisão; ou participação indireta por meio do controle de gestão, orçamento,

atos, por meio do Conselho Nacional de Justiça; ou ainda, participação efetiva, exercendo a

sociedade seu direito de ação e tendo reconhecidos e amparados aqueles bens da vida

protegidos constitucionalmente.

Surge, portanto, a necessidade de se repensar um Poder Judiciário mais dinâmico e

aberto aos interesses sociais que possa, ao mesmo tempo em que atende os conflitos de

interesses dentro de uma estrutura normativa sistematizada, contar com uma (GUÉRIOS,

1999, p. 59):

[..] participação comunitária muito maior, com juízes seguidores de suas próprias convicções e valores, ao invés da aplicação da lei genérica ao conflito, ou, de julgamentos pautados em jurisprudência cuja matéria “já está pacificada”, como se a aplicação do direito fosse uma operação matemática, onde sempre existe um denominador comum.

83 Sobre a fundamentação da decisão judicial “Essa praxe bem pode considerar como um contínuo esforço de convencer o público da legitimidade de tais decisões, embora na verdade ultrapasse freqüentemente sua finalidade, por ter a pretensão de apresentar as decisões judiciais como fruto de mera lógica, como puras ‘declarações’ do direito. De qualquer modo, mantém o seu valor enquanto tentativa de assegurar ao público que as deciões dos tribunais não resultam de capricho ou idiossincrasias e predileções subjetivas dos juízes, representa, sim, o seu empenho em se manterem fiéis ‘ao sentimento de equidade e justiça da comunidade’. Assim, mediante tal praxe, os tribunais superiores sujeitam-se a um grau de ‘exposição’ ao público e de controle por parte da coletividade, que também os pode tornar, de forma indireta, bem mais ‘responsáveis’ perante a comunidade do que muitos entes e organismos administrativos (provavelmente a maioria deles), não expostos a tal fiscalização continuada do público” (CAPPELLETTI, 1993, p. 98-99).

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Aliado à participação comunitária e juízes cada vez mais independentes dentro de sua

função de intérprete do ordenamento jurídico, faz necessário maior descortínio técnico,

capacidade inovadora e atuação constante dos magistrados para que possa a um só tempo

compreender a conjuntura atual, desvinvulando-se “da herança do passado que não tem mais

serventia” (DOBROWOLSKI, 1995, p. 153).

Essa afirmação conduz ao reconhecimento que o Poder Judiciário, ao solucionar os

conflitos que lhe são apresentados, “há de cercar as suas decisões das influências exercidas

pela projeção da instituição de um Estado de Direito que reflita os anseios de um regime

democrático” (DELGADO, 2005b, p. 12), ou seja, pautando-se no princípio da soberania

popular e participação, reprimir atitudes contrárias ao que se pretende do “novo” Poder

Judiciário: aberto, político e legítimo. Neste sentido, Ribeiro (1996, p. 14-15) alerta ser

[...] indispensável a mudança de mentalidade e a criatividade, a fim de que novos princípios sejam aplicados à solução dos litígios, mitigando-se, assim, o fenômeno da litigiosidade contida e da impunidade, que, como doença insidiosa, pode aflorar com todas as suas energias funestas e atingir os alicerces que sustentam a causa democrática.

Cumpre, portanto, ao Poder Judiciário atuar compromissado com os objetivos

democráticos, visando a implantação da realização social, da liberdade de informação e de

crítica (ZAFFARONI, 1995, p. 25) e principalmente de efetiva cidadania; esta última

representada pelo mais alto grau de valorização da dignidade humana (DELGADO, 2005b, p.

13), ponto máximo da democratização de nossas sociedades. A fim de que se desperte o

(ANDRIGUI, 2007, p. 16):

[...] compromisso firme de alcançar a pacificação social, sem jamais olvidar que tal propósito requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de se pensar a humanização e conseqüente democratização da Justiça.

Construindo-se uma Justiça a cada dia, ainda que “espelho das contradições

emergentes, crítica, reflexiva, contestadora, que reconhece a existência de dominantes e

dominados, opressores e oprimidos, que aceita os conflitos e desequilíbrios como regra e não

exceção” (GUÉRIOS, 1999, p. 69), mas que busca incessantemente a participação,

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reconhecimento e emancipação social, como forma de resgate de sua legitimidade e fomento à

efetiva democratização do Poder Judiciário.

Em prol de uma nova e incipiente democracia de participação (BONAVIDES, 2004, p.

478), dirigida a uma legitimidade mais sólida do Poder Judiciário, rompendo-se com a

democracia representativa de fachada e com os obstáculos à assecuração dos direitos dos

cidadãos todos.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, é possível identificar a existência de um consenso político-social em

torno da necessidade de reformas no Poder Judiciário. Defendem-se, principalmente,

mudanças de ordem administrativa e organizacional, as quais não conseguem lograr o

“calcanhar de Aquiles” do Poder Judiciário, que é a fragilidade de sua legitimação. A

sociedade o desconhece, desacredita na justiça e efetividade de suas decisões, o julga ineficaz

e repleto de privilégios.

Por essa razão, a necessidade de se repensar o processo de legitimação do Poder

Judiciário brasileiro, visando compatibilizar alguns de seus elementos influenciadores

externos – perda da autonomia do Estado e participação social – e internos – maior

protagonismo, ineficácia dos provimentos jurisdicionais, forma de investidura dos

magistrados – com as novas tendências da política judiciária, mais aberta, voltada ao cidadão,

na busca de propostas que relacionem cada um desses elementos com cada hipótese de

justificação de legitimidade concebida ao longo dos séculos.

Longe de esgotar o tema entre Poder Judiciário e a necessidade de sua democratização,

o presente trabalho objetivou contribuir para uma análise reflexiva do atual cenário do Poder

Judiciário brasileiro, partindo da análise descritiva da crise de legitimidade existente na

atividade jurisdicional, fundamentada na tese de que esta é prejudicial à estabilidade

democrática e à consolidação da cidadania.

Analisando os fenômenos exógenos e endógenos que influenciam a legitimidade do

Poder Judiciário, buscamos trilhar o caminho de uma reforma efetiva desta instituição, a qual

deverá discutir a função que se pretende do Judiciário neste novo contexto social, buscando

fortalecer sua legitimidade para que seja capaz de cumprir seu papel democrático, sem colocar

em risco o Estado e a sociedade sob ele erigida.

Nada obstante, além de contribuir para a construção de uma maior democratização do

Poder Judiciário brasileiro, este trabalho pretendeu também identificar alguns elementos

fundamentais na justificação da legitimidade do Poder Judiciário. Se eles são fruto ou não do

contexto contemporâneo em que vivemos, fato é que devemos deles tomar conhecimento a

fim de identificar os limites possíveis de configuração de um Poder Judiciário mais

democrático, retirando-o da estrutura técnico-burocrática na qual acredita estar legitimado e

trazendo-o para a sociedade.

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O passo seguinte é discutir as melhores técnicas de realizar tal atividade – buscando

relacionar os fatores determinantes na legitimação do Poder Judiciário com as respectivas

formas de legitimidade justificadas por diversos autores –, a fim de que a sociedade encontre

no Poder Judiciário e em seus magistrados a integridade, a efetividade e oportunidade de

participação. Como afirmado inicialmente, o objetivo foi traçar os parâmetros que possam

justificar democraticamente a legitimação do Poder Judiciário, em conformidade ao cenário

fático ofertado pela realidade brasileira.

Tal decorre da inexistência de uma solução contundente a respeito de qual seja a

melhor postura a se tomar para que o Judiciário resgate sua legitimidade. De todo modo, o

fato de fomentar a controvérsia de diversos elementos e evidenciar a necessidade de

aprofundamento da discussão satisfaz os objetivos da presente dissertação.

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