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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MATEUS SALVADORI DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL AO IDEALISMO ABSOLUTO Porto Alegre 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

MATEUS SALVADORI

DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL AO IDEALISMO ABSOLUTO

Porto Alegre

2010

MATEUS SALVADORI

DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL AO IDEALISMO ABSOLUTO

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Luft

Porto Alegre

2010

MATEUS SALVADORI

DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL AO IDEALISMO ABSOLUTO

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em ____ de _____________ de ______.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Luft (Orientador) – (PUCRS)

__________________________________________________ Prof. Dr. Ernildo Stein – (PUCRS)

__________________________________________________ Prof. Dr. Luciano Utteich (UNIOESTE)

Porto Alegre

2010

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Eduardo Luft: pela amizade, manifesta em incentivo e paciência nas orientações

ao longo da confecção desta dissertação.

Esta pesquisa contou com apoio financeiro do CNPq e com o aporte institucional da PUCRS.

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo investigar a superação do idealismo

transcendental kantiano realizada pelo idealismo absoluto hegeliano. Os argumentos

hegelianos em prol da superação do dualismo entre coisa-em-si e fenômeno serão

detalhados e postos à prova. Enquanto Kant salienta que a metafísica como ciência é

impossível, ou seja, os objetos que as Idéias transcendentais denotam estão além do espaço

e do tempo, não existindo nenhum objeto no mundo sensível correspondentes a ela e,

portanto, não podem ser conhecidas, pois não afetam a sensibilidade, Hegel apresenta a

realidade como sujeito e nega qualquer forma de cisão entre o ser e o pensar.

Palavras-chave: Kant. Hegel. Absoluto. Coisa-em-si. Sujeito. Idealismo

transcendental. Idealismo Absoluto.

ABSTRACT

This thesis aims to investigate the overcoming of the kantian transcendental

idealism held by the hegelian absolute idealism. The arguments in favor of hegelian

overcoming the dualism between thing in itself and the phenomenon will be detailed and

tested. As Kant points out that metaphysics as a science is impossible, ie the objects that

denote the transcendental ideas are beyond space and time, since there are no corresponding

object in the sensible world to her and therefore can not be known, because not affect the

sensitivity, Hegel presents the reality as subject and denies any form of division between

being and thinking.

Keywords: Kant. Hegel. Absolute. Thing in itself. Subject. Transcendental Idealism.

Absolute Idealism.

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................ 7

1 O IDEALISMO TRANSCENDENTAL KANTIANO E A IMPOSSIBILIDADE DA

METAFÍSICA COMO CIÊNCIA .................................................................................... 9

1.1 O problema crítico e a revolução copernicana ........................................................... 9

1.2 As estruturas transcendentais .................................................................................... 15

1.3 O conflito da razão: paralogismos e antinomias ....................................................... 17

1.4 O idealismo transcendental ....................................................................................... 22

2 O IDEALISMO ABSOLUTO E O FIM DAS CISÕES ENTRE O SER E O

PENSAR .......................................................................................................................... 25

2.1 O verdadeiro como sujeito ........................................................................................ 25

2.2 A superação das cisões da consciência à razão ........................................................ 28

2.2.1 A fenomenologia da consciência ........................................................................... 29

2.2.2 A fenomenologia da consciência-de-si .................................................................. 42

2.2.3 A fenomenologia da razão ..................................................................................... 50

3 A SUPERAÇÃO DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL PELO IDEALISMO

ABSOLUTO ................................................................................................................... 56

3.1 Entendimento e razão ............................................................................................... 56

3.2 A superação do idealismo transcendental: a verdade está no Absoluto ................... 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 66

7

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta dissertação estabelece um interesse pela pesquisa filosófica centrada nos

filósofos alemães Immanuel Kant e Georg W. F. Hegel. O específico da investigação é

mostrar a superação do idealismo absoluto hegeliano sobre o idealismo transcendental

kantiano. O idealismo transcendental prega a impossibilidade de conhecer a coisa-em-si e o

Absoluto e o idealismo absoluto ensina que é possível sim conhecer a coisa-em-si e o

Absoluto. Portanto, o objetivo desta dissertação é provar a tese hegeliana e se contrapor à

tese kantiana, ou seja, mostrar que a filosofia de Hegel, em contraste à filosofia de Kant,

retomou o projeto metafísico e resgatou a possibilidade de conhecer o Absoluto.

Esta dissertação foi organizada da seguinte maneira: o primeiro capítulo investiga o

idealismo transcendental e a impossibilidade de conhecer a coisa-em-si. Portanto, Kant está

negando a possibilidade de se conhecer a realidade que não passa pelo conhecimento

sensível, ou seja, não é possível dizer nada sobre os objetos da metafísica.

O segundo capítulo analisa o idealismo absoluto e a possibilidade de se conhecer a

coisa-em-si. A realidade, para Hegel, é sujeito. Isso significa pensá-la como processo, como

movimento e não somente como substância. Desta forma, a realidade possui uma vida

própria, um movimento dialético. O itinerário desenvolvido na Fenomenologia do Espírito

se propunha esclarecer esta novidade formulada por Hegel. Nesta obra, a consciência se

afasta do conhecimento comum e se elevar ao saber absoluto. Ao chegar ao saber absoluto,

a consciência atinge a razão, pois ela superou o entendimento finito e adquiriu a “certeza de

ser toda a realidade”.1 Isso significa o fim da cisão entre o ser e o pensar e a possibilidade

de conhecer o Absoluto.

O terceiro e último capítulo estuda a superação do idealismo transcendental

kantiano realizado pelo idealismo absoluto hegeliano. Aqui será provado que Hegel

consegue superar o dualismo kantiano, que distingue o ser e o pensar, apresentando uma

filosofia capaz de conhecer o Absoluto e não apenas pensá-lo. A reconstrução feita não

1 PhG, p. 173. Para este estudo, as traduções realizadas nas citações são da responsabilidade do autor do presente trabalho. As principais obras utilizadas são Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (Enz), Fenomenologia do Espírito (PhG), Crítica da razão pura (KrV).

8

pretende ser uma análise completa dos assuntos, mas apenas serão alinhavados tópicos

relevantes para o objetivo pretendido.

É possível uma filosofia pós-kantiana que quer conhecer novamente o Absoluto? O

presente trabalho visa investigar a discussão entre as filosofias de Kant e Hegel. Enquanto o

primeiro tem como objetivo demonstrara a impossibilidade da metafísica como ciência e,

portanto, conclui que as Idéias metafísicas não tem um uso constitutivo de conhecimento,

podendo somente ser usadas de modo regulador, o segundo busca retomar a metafísica,

resgatando os seus objetos que foram extintos na filosofia kantiana. O idealismo

transcendental sustenta o conhecimento somente de objetos conhecidos espaço-

temporalmente. O Absoluto, desta forma, é incognoscível. Hegel, contrapondo-se a Kant,

opera um resgate da metafísica como conhecimento do Absoluto.

Para Hegel, o Absoluto é o verdadeiro princípio de toda a filosofia e o papel da

filosofia é expô-lo em pensamento. O Absoluto é movimento, constante devir. Segundo

Hegel, Kant reduziu a filosofia à reflexão abstrata, que se funda na base de oposições

excludentes. Hegel busca levar a filosofia à verdadeira unidade dos opostos e, uma vez que

esta unidade deve ser viva, não pode ser estática e abstrata, mas tem de ser dinâmica.

9

1 O IDEALISMO TRANSCENDENTAL KANTIANO E A IMPOSSIBILIDADE DA

METAFÍSICA COMO CIÊNCIA

Com o idealismo transcendental2, Kant se diferencia dos outros sistemas idealistas

da tradição. A sua idéia é que não conhecemos as coisas tal como elas são nelas mesmas.

Portanto, o idealismo transcendental defende que não é possível conhecer a coisa-em-si. O

projeto crítico kantiano tem como foco a delimitação do conhecimento a objetos

conhecidos espaço-temporalmente. Desta forma, o Absoluto é incognoscível, já que o ser

humano não tem o intelecto intuitivo, que supostamente permitiria o acesso imediato ao

Absoluto. Kant recusa todo o saber dos objetos clássicos da metafísica, tais como ser,

mundo, alma e Deus, pois para conhecer esses objetos é necessário estender-se para além

do mundo fenomênico.

Esta primeira parte da dissertação estudará o idealismo transcendental kantiano e

mostrará os argumentos em prol da defesa da impossibilidade de se conhecer a coisa-em-si.

Num primeiro momento, será tratado sobre o problema crítico e a revolução copernicana;

num segundo, sobre as estruturas transcendentais próprias à sensibilidade e o entendimento;

e, por fim, sobre o conflito da razão (paralogismos e antinomias). Com isso, se quer mostrar

que o idealismo transcendental kantiano se diferencia do idealismo absoluto hegeliano, pois

enquanto o primeiro supõe a impossível de conhecer o Absoluto, o segundo, irá provar o

contrário, ou seja, que é possível conhecer o Absoluto.

1.1 O problema crítico e a revolução copernicana

2 É necessário distinguir aqui os conceitos transcendental e transcendente. “Por transcendental Kant entende a condição à qual deve estar sujeito qualquer tipo de conhecimento; as condições supremas da sensação são o espaço e o tempo, e são estudadas na estética transcendental; as do juízo são as categorias, que são estudadas na analítica transcendental; as do raciocínio são as idéias, que são estudadas na dialética transcendental. A noção kantiana de transcendental não se afasta muito da noção clássica e medieval, segundo a qual transcendental é aquilo que compete a qualquer ser enquanto conhecido, isto é, são as condições às quais deve estar sujeito qualquer coisa para existir. Para Kant transcendental é aquilo que compete a qualquer ser enquanto conhecido, isto é, são às condições às quais deve estar sujeito qualquer objeto para ser conhecido. Por transcendente, Kant entende aquilo que ultrapassa toda experiência, aquilo que existe fora de toda experiência, isto é, a coisa em si, o númeno (o inteligível)” (MONDIN, Curso de Filosofia, Vol. 2, p. 176-7).

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Em seu projeto crítico, Kant investiga a questão do conhecimento, ou seja, a

possibilidade, o limite e o âmbito de aplicação do conhecimento, pois em sua época a

filosofia se defrontava com a nova ciência da natureza, que ombreava os avanços bem

anteriores realizados pela lógica e pela matemática. Já a metafísica não era capaz de

oferecer soluções unanimemente aceitas, e tinha sua pretensão a ser ciência questionada.

Por isso, Kant investiga a possibilidade dela como ciência, pois “lhe parece intolerável que

a Primeira Filosofia, chamada tradicionalmente de Metafísica, permaneça envolvida em

uma disputa sem fim em torno das questões de Deus, da liberdade e da imortalidade”.3 Para

que a filosofia mantenha seu lugar entre as ciências, essa controvérsia, acerca dos

fundamentos metafísicos, deve ser superada. Para tal, a investigação kantiana procura pelo

critério que permite delimitar o que pertence e o que não pertence à ciência para verificar se

a metafísica se situa ou não no campo científico, e assim, o porquê da metafísica não

apresentar o mesmo grau de certeza da lógica, da matemática e da física.

Ao invés de propor um novo sistema metafísico, que sem dúvida teria sorte idêntica

à dos outros, Kant irá atacar o problema pela raiz, interrogando-se sobre as próprias

possibilidades da razão. Intima-a para conhecer-se a si mesma por meio de um método

reflexivo e para instituir um tribunal que se recuse a seguir todas as exigências que carecem

de fundamento. Esse tribunal, onde juiz e ré são a razão, é a crítica da razão pura 4. E, se

essa crítica diz respeito à razão pura, isso se deve à intenção de Kant de pronunciar-se

apenas sobre o valor dos conhecimentos puramente racionais, como devem ser os da

metafísica. Portanto, é preciso buscar na própria razão as regras e os limites de sua

atividade, a fim de saber até que ponto podemos confiar na razão5.

O fracasso da metafísica em suas pretensões científicas se deve ao fato dela ter

empreendido sua tarefa dogmaticamente, ou seja, ter procedido sem uma crítica prévia das

possibilidades e limites da razão para um projeto tão ambicioso. Ao investigar os

fundamentos do conhecimento, Kant se contrapõe ao dogmatismo – mas não ao

procedimento dogmático.

3 HÖFFE, Immanuel Kant, p. 11. 4 Trata-se de um exame crítico da razão, isto é: de um exame que tem por fim de discernir ou distinguir o que a razão pode fazer e o que é incapaz de fazer. A preocupação crítica consiste essencialmente em não se dizer mais do que se sabe. 5 Este mesmo exame, empreendido primeiro no tocante à razão especulativa, Kant irá estendê-lo depois à razão considerada como princípio de nossas ações – na Crítica da razão prática -, e, enfim, à razão considerada como fonte dos nossos juízos estéticos e teleológicos, na Crítica do juízo.

11

A crítica não se opõe ao procedimento dogmático da razão no seu conhecimento puro, enquanto ciência (pois esta é sempre dogmática, isto é, estritamente demonstrativa, baseando-se em princípios a priori seguros), mas sim ao dogmatismo, quer dizer, à presunção de seguir por diante apenas com um conhecimento puro por conceitos (conhecimento filosófico), apoiado em princípios, como os quais que a razão desde há muito aplica, sem se informar, como e com que direito os alcançou. O dogmatismo é, pois, o procedimento dogmático da razão sem uma crítica prévia da sua própria capacidade.6

É dentro dessa perspectiva que se deve entender o conceito de transcendental: todo

o conhecimento que, em geral, se ocupa não tanto com os objetos, mas com o modo de

conhecê-los, na medida em que esse conhecimento deva ser possível a priori.7 Toda a

investigação kantiana é transcendental, no sentido de que a crítica tem, como objeto, nossa

faculdade cognoscitiva. O conceito transcendental, para Kant, significa o modo de

conhecer os objetos, enquanto possível a priori. Esses modos são a sensibilidade e o

entendimento, a que inerem estruturas a priori próprias do sujeito e não do objeto. Sem

elas, é impossível qualquer experiência de qualquer objeto. Antes de Kant, a metafísica

clássica denominava de transcendental as condições do ser enquanto tal, ou seja, as

condições sem as quais o próprio objeto deixava de existir. Após Kant e a sua revolução

copernicana não é mais possível falar das condições do objeto em si, mas somente das

condições do objeto em relação ao sujeito. Com Kant, o transcendental não está mais no

objeto, mas no sujeito.

Analisando a faculdade de conhecer, o filósofo afirma que, “se, porém, todo o nosso

conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da

experiência”.8 Ele distingue dois conhecimentos: o a priori (conhecimento da razão que é

puro, universal, necessário e independente da experiência) e o a posteriori (conhecimento

da experiência que é empírico, particular e contingente). O que os distingue é a necessidade

e a universalidade, específicos do conhecimento a priori. Feita esta distinção, impõe-se

distinguir os juízos analíticos dos juízos sintéticos. Os analíticos são juízos de elucidação; a

conexão sujeito-predicado é pensada por identidade; são universais, necessários e

verdadeiros, mas não ampliam o conhecimento por serem tautológicos. Os sintéticos são os

6 KrV, B, p. 30. 7 Cf KrV, B, p.53. 8 KrV, B, p. 36.

12

juízos de ampliação; a conexão sujeito-predicado é pensada sem identidade; são

particulares, contingentes, porém ampliam o conhecimento.

Originalmente, Kant propõe uma nova classe de juízos: os sintéticos a priori. Estes

são o verdadeiro núcleo da Teoria do Conhecimento: são universais, necessários,

verdadeiros, ampliam e fazem prosperar o conhecimento. Conceitualmente, esses juízos são

possíveis. A questão é saber se essa possibilidade conceitual pode realizar-se, isto é, se são

possíveis os juízos sintéticos a priori e, portanto, a ampliação do conhecimento anterior a

toda experiência.

Em torno dessa questão (de como são possíveis os juízos sintéticos a priori), Kant

estrutura a Crítica da Razão Pura. Na Estética Transcendental procura responder como são

possíveis os juízos sintéticos a priori na matemática e investiga os princípios apriorísticos

da Sensibilidade (Espaço e Tempo). Na Analítica Transcendental procura responder como

são possíveis os juízos sintéticos a priori na ciência da natureza e investiga os princípios

apriorísticos do Entendimento (Categorias). E, na Dialética Transcendental, investiga se são

possíveis os juízos sintéticos a priori na metafísica. Convém ratificar que, na metafísica,

Kant indaga se são possíveis os juízos sintéticos a priori e não como são possíveis, pois

esta ainda não havia se constituído como ciência, ao passo que a matemática e a física, sim.

A matemática e a física se constituíram ciência graças a uma inversão na maneira de

pensar: ao invés da faculdade de conhecer ser regulada pelos objetos, estes são regulados

por aquela. Isso se denomina revolução copernicana.9 Ela irá questionar essa visão

metafísica existente. Portanto,

aquele que primeiro demonstrou o triângulo isósceles (fosse ele Tales ou como quer que se chamasse) teve uma iluminação; descobriu que não tinha que seguir passo a passo o que via na figura, nem o simples conceito que dela possuía, para conhecer, de certa maneira, as suas propriedades; que antes deveria produzi-la, ou construí-la, mediante o que pensava e o que representava a priori por conceitos e que para conhecer, com certeza, uma coisa a priori nada devia atribuir-lhe senão o que fosse conseqüência necessária do que nela tinha posto, de acordo com o conceito.10

9 Antes de Copérnico, se considerava que a Terra estava em repouso e o sol girava em torno dela. Copérnico inverteu essa visão, considerando o sol imóvel e a Terra móvel. A razão, como o sol, também girava em torno do mundo. Através de Kant, a razão fica imóvel e o mundo e os seus fenômenos são iluminados pela razão. 10 KrV, B, p. 17.

13

Desse modo, a ciência moderna torna-se, para Kant, uma espécie de ponto de

partida para a abordagem epistemológica, embora suas preocupações e interesses maiores

sejam metafísicos. Isso porque ele percebe que, desde as bases postas para a ciência, por

Copérnico, Galileu e Newton, na aurora da modernidade, o conhecimento científico

alcançou um tal progresso e riqueza de resultados que se tornou um fato inegável. Por esse

motivo, ele investiga o que caracteriza e o que fundamenta a ciência. Para Kant, a ciência é

constituída por leis, por juízos sintéticos a priori, que, como foi visto, são universais e

necessários e propiciam um avanço no conhecimento.

Kant discorda tanto dos empiristas como dos racionalistas acerca de sua concepção

sobre ciência e conhecimento. Os racionalistas sustentam que a ciência é constituída por

juízos analíticos a priori e os empiristas, por juízos sintéticos a posteriori. Kant conclui que

eles não estão certos devido à errônea concepção do conhecimento que eles têm. A ciência,

desta forma, é impossível, segundo Kant, pois o objeto fornece somente a novidade e o

sujeito fornece somente a universalidade. O conhecimento não surge somente com o sujeito

ou somente com o objeto, mas surge da junção dos dois, ou seja, o conhecimento é o

resultado de um elemento a priori – sujeito -, e de um elemento a posteriori – objeto. Kant

irá descobrir os juízos sintéticos a priori. Portanto, em sua filosofia especulativa, ele afirma

que o conhecimento humano não é reprodução passiva de um objeto por parte do sujeito,

mas construção ativa do objeto por parte do sujeito. Isso o leva a negar a possibilidade da

metafísica como ciência.

Posto que o conhecimento constitui-se da correlação sujeito-objeto e o objeto não

fornece os elementos essenciais para que se alcance o estágio científico, será necessário

buscar o elemento a priori (universalidade e necessidade), indispensável para que haja lei e,

portanto, ciência, no sujeito. “Se é o Sujeito quem determina as possibilidades, sujeitos

diferentes, nas mesmas circunstâncias, deverão chegar aos mesmos resultados. Essa é a

condição para que haja juízo sintético a priori - e Ciência”.11 Desse modo, constata-se que

o fundamento dos juízos sintéticos a priori é o próprio sujeito. Daí que se compreende a

afirmação kantiana de que “só conhecemos a priori das coisas o que nós mesmos nelas

pomos”.12

11 WEBER, Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano, p.15. 12 KrV, B, p. 21.

14

Para que um estudo se constitua como ciência é preciso que haja unanimidade entre

os colaboradores e que, por um caminho, se chegue a conclusões verdadeiras, isto é, que se

proceda conforme um plano, seguindo metas. Quando, constantemente, é preciso voltar ao

ponto de partida e tomar outro caminho ou quando se torna igualmente impossível aos

diversos colaboradores porem-se de acordo sobre a maneira como o objetivo comum deve

ser perseguido, então pode-se estar sempre convicto de que um tal estudo acha-se, ainda,

bem longe de ser tomado como caminho seguro de uma ciência, constituindo-se antes num

simples tatear. E é nesse estágio que a metafísica – um conhecimento da razão inteiramente

isolado e especulativo que através de simples conceitos se eleva completamente acima do

ensinamento da experiência -, se encontra. “O destino não foi até hoje tão favorável, que

permitisse trilhar o caminho seguro da ciência à metafísica”.13 A razão emperra

continuamente na metafísica mesmo quando quer discernir a priori aquelas leis que a

experiência mais comum a confirma.

Na metafísica é preciso retomar o caminho inúmeras vezes, porque se descobre que

não leva aonde se quer, e quanto à unanimidade de seus colaboradores isso está longe de

acontecer, pois não existe um consenso sobre o método. Por isso, não há dúvida de que o

procedimento da metafísica foi “um tateio apenas entre simples conceitos”.14 Esse seu

procedimento deve-se, talvez, ao fato dela não ter deixado vir à mente essa questão (de

como são possíveis os juízos sintéticos a priori); ou, talvez, por nem ter feito a distinção

entre juízos analíticos e sintéticos. Só que a resposta a essa questão é de capital

importância, pois decide sobre a sua possibilidade como ciência. Desta forma, o objetivo de

Kant, a exemplo dos geômetras e os investigadores da natureza, é tentar transformar o

procedimento tradicional da metafísica no modo de encarar suas relações com os objetos,

comparável à de Copérnico. Ele afirma que, até agora, se supôs que todo o nosso

conhecimento tinha de ser regulado pelos objetos. Porém,

tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses objetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados.15

13 KrV, B, p.18. 14 KrV, B, p.19. 15 KrV, B, p. 20.

15

Esse a priori possibilita que emitamos juízos universais e necessários, exigência

para que um conjunto de conhecimento se torne ciência. Porém, como será visto, não

poderá ultrapassar os limites da experiência sensível, que é justamente a sua ocupação.

1.2 As estruturas transcendentais

A filosofia deveria investigar a possível vigência de certos princípios a priori, que

seriam responsáveis pela síntese dos dados empíricos, ou seja, ela deveria investigar a

sensibilidade e o entendimento. A sensibilidade é a faculdade das intuições; por ela, os

objetos nos são dados; é formada pelo espaço (forma do sentido externo que fornece, por

meio dos cinco sentidos, as impressões acústicas, óticas, gustativas...) e pelo tempo

(pertence ao sentido interno com suas representações, inclinações e sentimentos), que são

as intuições puras, os princípios apriorísticos.16 Eles são, como assevera Weber, “a

condição de possibilidade de todo conhecimento humano”.17 O entendimento é a faculdade

dos conceitos; por ele os objetos são pensados; é formado pelas categorias (leis/regras)

pelas quais as intuições são sintetizadas.

A sensibilidade dá a matéria do conhecimento e o entendimento dá a forma. Assim,

conhecer é dar forma a uma matéria dada. É ligar representações em conceitos. O resultado

disso é que nosso conhecimento só se refere a fenômenos, pois só conhecemos as coisas no

espaço e no tempo. Todo objeto, para ser conhecido, deve estar condicionado ao espaço e

ao tempo, isto é, precisa afetar a sensibilidade causando uma impressão sensível.

O entendimento age sobre a sensibilidade e sintetiza as múltiplas intuições

sensíveis. Sensibilidade e entendimento são mutuamente independentes: “sem a

sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado.

Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas”.18 O

conhecimento pode surgir da reunião dos dois. O entendimento e a sensibilidade, com suas

formas a priori, são as condições de possibilidade dos juízos sintéticos a priori, específicos

16 Cf. HÖFFE, Immanuel Kant, p.71. 17 WEBER, Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano, p.21. 18 KrV, B, p. 89.

16

da ciência. E só podemos conhecer fenômenos (múltiplo) que adentram a sensibilidade em

suas formas puras de espaço e tempo; sobre esse conteúdo fenomênico é que o

entendimento aplica as suas categorias, obtendo a cada aplicação uma síntese.

O conhecimento, para Kant, é um todo unitário. Além da formas apriorísticas da

sensibilidade e do entendimento, deve haver uma outra condição transcendental necessária,

que é o eu transcendental – suprema condição unificadora de toda a nossa experiência. A

apercepção transcendental é a consciência da identidade contínua do eu. No eu penso19, o

ser humano conhece a si mesmo somente como ele lhe aparece e jamais como ele realmente

é. E, desta mesma forma, conhece todos os objetos – somente como fenômeno20. Portanto,

conhecemos somente os fenômenos - objetos exteriores no uso empírico - e não os

númenos – objetos exteriores no sentido transcendental.

Kant irá distinguir os fenômenos (as coisas tais como aparecem ao sujeito) e os

númenos ou coisa-em-si (as coisas tais como são nelas mesmas) afirmando que a coisa-em-

si é inacessível à razão humana, ou seja, não se pode conhecer e nem dizer a coisa-em-si.

Só conhecemos as coisas que nos aparecem, enquanto aplicamos nela as categorias a priori

de nossa mente. Conforme Hartnack, não podemos entender nada, não podemos formar

conceito ou pensamento senão através das categorias21. É na Analítica Transcendental que

o filósofo irá mostrar a distinção entre o fenômeno e o númeno22, tão relevantes para a

compreensão deste tema. O fenômeno é o objeto da intuição sensível. Ele tem uma matéria

e uma forma. A matéria nos é dada pelas sensações singulares e pode existir apenas

somente a posteriori. Já a forma vem do sujeito e é a priori. É impossível captar o objeto

como ele é em si, mas somente como ele aparece para nós. O númeno é pensado pelo

intelecto, não sendo objeto do sentido. O conceito númeno é problemático, pois ele pode

ser pensado, mas não conhecido. Contudo, é um conceito necessário, a fim de que a

19 “Nada pode ser conhecido que não esteja em relação com o eu penso” (COLOMER, El pensamiento alemán de Kant a Heidegger II, p. 11). 20 Lembrando-se dos racionalistas e dos empiristas, aqui Kant assume uma posição intermediária entre Descartes e Hume. Descartes afirma que o eu é pode ser conhecido imediatamente, em si mesmo; já Hume salienta que o eu é pura ilusão. Kant afirma, conforme Descartes, a realidade do eu e exclui do eu, como Hume, o conhecimento em si. 21 Cf. HATTNACK, La teoria del conocimiento de Kant, p. 100. 22 “As coisas, como existem em si, independem da nossa percepção, não podem ser representadas em termos de sensibilidade, mas tão somente pensadas pelo entendimento” (GAFFRÉE, A teoria do conhecimento de Kant, p. 94).

17

intuição sensível não se estenda até as coisas em si, e seja assim limitada a validade

objetiva do conhecimento sensível.

1.3 O conflito da razão: paralogismos e antinomias

A razão, caracterizada como a busca do incondicionado, ou seja, que tende a ir além

do âmbito fenomênico, não se contenta com as sínteses do entendimento, pois esse, de certo

modo, é formado por uma multiplicidade de sínteses. Ela exige a síntese suprema, a

máxima unidade que ponha termo à série das condições. As sínteses do entendimento são o

objeto da razão. Esta age sobre o entendimento, o que resulta nas idéias transcendentais:

Deus, liberdade e imortalidade – objetos da metafísica. Essas idéias estão fora do espaço e

do tempo: não existe um objeto a elas correspondente no mundo sensível. Por isso, elas não

afetam a sensibilidade e, portanto, não podem ser conhecidas. Contudo, podem – e a razão

o exige -, ser pensadas.

A Analítica Transcendental apresenta as categorias e os princípios sem os quais não

pode haver conhecimento. A Dialética Transcendental apresenta a ilusão da razão que

pretende fazer um uso indevido desse conhecimento a priori. Por isso, a Dialética põe fim

na metafísica tradicional. Hegel restitui a idéia de um ser supremo da posição que o projeto

crítico lhe havia retirado. Kant afirma que nos é vedado o conhecimento do supra-sensível e

essa é a tese do idealismo transcendental.

O objeto de estudo no conflito da razão (paralogismos e antinomias) restringe-se à

Dialética Transcendental. Aqui Kant irá mostrar que os argumentos que a razão utiliza para

comprovar o valor objetivo, transcendente e numênico das idéias, quando dizem respeito à

alma e a Deus são paralogismos e, portanto, errôneos; e quando dizem respeito aos

argumentos que se referem ao mundo são antinomias e, portanto, são inconcludentes.

Na Analítica, Kant ensina que o conhecimento científico é fenomênico. A

matemática e a física são ciências porque permanecem no horizonte do fenômeno, isto é, do

condicionado. Quando o intelecto se lança para além dos fenômenos, ou seja, quando ele

passa a tratar do númeno e não mais do fenômeno, ele é razão. Ao tratar da coisa-em-si, do

18

incondicionado – entidade apenas pensável e não cognoscível -, o intelecto cai em ilusões

estruturais. Os erros que a razão cai quando ela vai além da experiência não são voluntárias,

mas involuntárias. A dialética funciona como crítica dessas ilusões. Os conceitos puros da

razão são as idéias, assim como os conceitos puros do intelecto são as categorias.

Diferentemente de Platão, que afirmava que as idéias eram transcendentes em relação à

razão subjetiva, para Kant as idéias são os conceitos supremos da razão. Há três idéias

correspondendo aos três tipos de silogismos: silogismo categórico corresponde à idéia

psicológica – alma; silogismo hipotético corresponde à idéia cosmológica – mundo como

unidade metafísica; silogismo disjuntivo corresponde à idéia teológica – Deus. O uso das

idéias não é constitutivo, como o têm as categorias, mas o uso regulativo, não alargando o

conhecimento dos fenômenos, mas o unificando.

Apesar de já ser denunciada, essa ilusão não desaparece, pois é uma ilusão natural.

O pensamento humano, na questão do conhecimento, limita-se ao horizonte da experiência.

Porém, a própria natureza do homem o faz ir além da experiência. Mas ao fazer isso, o

espírito humano cai em erro. Por dialética, Kant entende o estudo crítico desses erros. A

razão, sendo a faculdade que faz com que o homem busque os fundamentos últimos e

supremos, é a faculdade da metafísica. A Dialética Transcendental estuda o funcionamento

da razão para determinar a possibilidade da metafísica. A atividade da razão consiste em

unificar, mediante o raciocínio, toda a experiência sob algumas idéias fundamentais. Para

provar o valor objetivo, transcendente e numênico das idéias, a razão elaborou numerosos

argumentos. Mas estes argumentos são todos errôneos e inconcludentes. São errôneos os

argumentos que dizem respeito à alma e a Deus (paralogismos). São inconcludentes os

argumentos que dizem respeito ao mundo (antinomias).

A primeira idéia é a da alma. A psicologia racional visa demonstrar a imortalidade

da alma. Os erros transcendentais que a razão cai ao tentar construir tal ciência são

denominados de paralogismos. O ser humano tem consciência de si como ser pensante,

como fenômeno, mas não conhece o substrato numênico de si mesmo, ou seja, o seu

substrato ontológico.

A segunda idéia é a do cosmo. A razão, ao querer passar de considerações

fenomênicas do mundo para considerações numênicas, acaba caindo em certas antinomias,

em que teses e antíteses acabam se anulando. Porém, tanto a tese como a antítese são

19

defensáveis em nível de pura razão e nenhuma pode ser confirmada ou desmentida pela

experiência. Os argumentos que a razão utiliza para determinar a origem do mundo e a sua

natureza são inconcludentes. Existem bons argumentos tanto a favor como contra acerca da

tese da origem do mundo no tempo23.

A terceira Idéia é a de Deus. Os argumentos que a razão utiliza para provar a

existência de Deus são errôneos. Essa Idéia foi tratada desde a Antiguidade e dessa

discussão surgiram três caminhos que buscam explicar a existência de Deus. Ei-los: i) a

prova ontológica, que parte do puro conceito de Deus como perfeição absoluta para daí

deduzir a sua existência. Anselmo, Descartes e Leibniz formularam essa prova; ii) a prova

cosmológica, que parte da experiência e infere Deus como causa, ou seja, da contingência

do mundo demonstra-se a existência do ser necessário; iii) a terceira prova é a teleológica,

que partindo da ordem e da harmonia do mundo afirma a existência de Deus como mente

ordenadora24.

As últimas duas provas, a cosmológica e a teleológica, supõem a primeira prova, a

ontológica. Já que a prova ontológica não procede, as duas primeiras provas também não

procedem. Também, a existência não é um predicado contido no conceito da essência de

nenhum sujeito (nem do ser absoluto); ele deve ser acrescentado sinteticamente. Conforme

Hegel, o ser perfeito não pode ser somente uma representação. O perfeito é o que não é

23 Existem quatro antinomias que correspondem aos seguintes quatro modos: quantidade, qualidade, relação e medida. Nas antinomias, a tese é afirmativa e a antítese nega a tese. A tese da primeira antinomia diz: “o mundo tem um início e, além disso, no que se refere ao espaço, é fechado dentro de limites”. A sua antítese diz: “o mundo não tem início nem limites espaciais, mas tanto em relação ao tempo como em relação ao espaço, é infinito”. A tese da segunda antinomia diz: “toda substância composta que se encontra no mundo consta de partes simples, e não existe em nenhum lugar a não ser o simples, ou aquilo que dele é composto”. Sua antítese afirma: “nenhuma coisa composta que se encontra no mundo consta de partes simples; e nele não existe, em nenhum lugar, nada de simples”. A tese da terceira antinomia diz: “a causalidade segundo as leis da natureza não é a única da qual possam ter derivado todos os fenômenos do mundo; é necessário admitir, para a explicação deles, também uma causalidade livre”. Sua antítese diz: “não existe nenhuma liberdade, mas tudo no mundo acontece unicamente segundo leis da natureza”. A quarta e última tese antinômica diz: “no mundo existe algo que, ou como sua parte ou como sua causa é um ser absolutamente necessário”. Sua antítese diz: “em nenhum lugar, nem no mundo, nem fora do mundo, existe um ser absolutamente necessário, causa do próprio mundo”. Essas antinomias são insolúveis, pois quando a razão está além da experiência não há em que se ancorar e acaba oscilando da tese para a antítese e vive-versa. Esses argumentos são inconcludentes, porque partem do falso pressuposto de que se possa afirmar ou negar alguma coisa do mundo em si mesmo. Este é o pressuposto do qual partem os racionalistas e os empiristas. Os argumentos da tese são os dos racionalistas, que, julgando as formas a priori idéias inatas da coisa em si, se consideram capazes de responder a origem e a natureza do mundo. Os argumentos da antítese são dos empiristas, que por meio da experiência dizem que é impossível conhecer a origem e a natureza do mundo (Cf. REALE e ANTISERI, História da Filosofia, p.372). 24 Cf. REALE e ANTISERI, História da Filosofia, p.372.

20

simplesmente representado, mas também o que é efetivo. A crítica de Hegel à prova

ontológica da existência de Deus, a qual permaneceria presa a filosofia do entendimento só

pode ser esclarecida com o auxílio da Doutrina do Conceito, onde é mostrado a relação

entre o conceito – que deixa de ter o aspecto formal e vazio da representação – e a Idéia

Absoluta.

A filosofia do entendimento não consegue passar do condicionado para o

incondicionado. A prova cosmológica também está repleta de erros transcendentais. Kant a

nega afirmando que não é possível encontrar o princípio do contingente fora do mundo

sensível e uma vez que se chega ao Ser necessário como condição do contingente, fica por

provar a sua existência real, que não pode ser extraída analiticamente. A crítica hegeliana

da visão de Kant acerca da prova cosmológica diz que Kant se apoiaria numa falsa

exterioridade entre o finito e Deus e essas duas determinações formam, uma relativamente à

outra, uma relação exterior, finita. Hegel salienta que se não se compreende a verdadeira

relação entre o finito e o infinito se permanecerá naquilo que se chama de uma relação de

exterioridade, que será desenvolvido pela filosofia do entendimento. Da mesma forma que

a prova ontológica, a prova teleológica é desmascarada. Essa crítica de Hegel a Kant fica

mais clara na prova teleológica. Hegel não concorda com esta prova, que diz que a

harmonia do mundo natural só pode ser explicada pela existência de Deus. Tendo como

ponto de partido o mundo natural não dá para extrair disso a existência de Deus. “A

intenção hegeliana é mostrar que, da harmonia natural, pode-se chegar a uma atividade vital

infinita e eterna (nas palavras de Platão, a um Zoon imortal), mas não a Deus, pois Deus é

mais do que a harmonia imanente ao mundo natural”.25

Kant conclui que as idéias da alma, do mundo e de Deus não tem valor constitutivo,

pois são formas que não tem conteúdo. Essas idéias representam um ideal inatingível da

razão especulativa. Essas idéias são coisas-em-si; portanto, são incognoscíveis. A

metafísica como conhecimento da coisa-em-si é impossível; ela somente é possível como

estudo das formas a priori da razão. Portanto, é impossível a metafísica como ciência.

Prova disso vem com a dialética que mostra os erros que a razão cai ao tentar fazer

metafísica. E as idéias (de alma, de mundo e de Deus), também são erros transcendentais?

25 BORGES, História e metafísica em Hegel, p. 114.

21

Kant responde essa pergunta afirmando que as idéias não são ilusões. As idéias não têm uso

constitutivo como o têm as categorias, mas têm uso regulativo, unificando o conhecimento.

Desta forma, o númeno é indiscutivelmente incognoscível, mas é possível a sua

pensabilidade e a sua possibilidade. Portanto, já que através da ciência não é possível

atingir o númeno, esse pode ser atingido por meio da ética. Com Kant, surge uma

metafísica renovada.

Embora a metafísica efetue a revolução em sua maneira de pensar, ela não consegue

ultrapassar os limites da experiência sensível. Seus objetos não são conhecidos, mas apenas

pensados, pois se situam acima do espaço e do tempo. Desta maneira, a metafísica não é

possível como ciência. Terá de ser enquadrada noutra dimensão que não seja a da razão

pura especulativa: na razão pura prática. Ela será o fundamento da moral. Razão pura

prática e razão pura especulativa/teórica são uma e mesma razão, porém, com uma dupla

aplicação/dimensão. O que possuem em comum é o a priori. O que as difere é a aplicação.

Cada uma representa um modo pelo qual o conhecimento da razão se dirige ao objeto: i)

para determiná-lo e conceituá-lo: conhecimento da razão especulativa; ii) para torná-lo real:

conhecimento da razão prática. A razão especulativa diz o que é; determina a possibilidade

do conhecimento; ocupa-se com o campo sensível/fenomênico. A razão prática diz o que

deve ser; determina a priori a vontade do sujeito agente, por meio do imperativo

categórico, para que seus atos tenham valor em si; ocupa-se com o campo supra-

sensível/numênico, que não pode ser conhecido, apenas pensado. Juntas, compõem a

Filosofia Transcendental. Conforme Luft,

se a Metafísica tradicional estava ancorada sobretudo em uma teoria do ser considerado como autônomo com relação ao sujeito cognoscente – uma Metafísica Realista, portanto -, a Nova Metafísica tem na subjetividade sua base última e no Idealismo a posição filosófica correspondente26.

A sua conclusão é de que a metafísica está inviabilizada como ciência. Ou seja,

embora a metafísica efetue a revolução na maneira de pensar, proposta por Kant, tendo

assegurado a possibilidade do conhecimento a priori, ela não poderá ultrapassar os limites

da experiência sensível. Seus objetos residem acima da experiência sensível, isto é, fora do

espaço e do tempo e, por esse motivo, não são possíveis de serem conhecidos – apenas

26 LUFT, As sementes da dúvida, p. 77.

22

pensados. Conseqüentemente, os juízos sintéticos a priori não são possíveis na metafísica.

Logo, ela não é possível como ciência.

Em última análise, o tribunal da Crítica da Razão Pura sentencia que a metafísica

não é possível como ciência, visto que, nela, os juízos sintéticos a priori não são possíveis,

pois seus objetos residem acima do espaço e do tempo. Há uma restrição do uso da razão.

Mas essa utilidade se torna positiva ao possibilitar e assegurar o uso prático da razão: a

moral, isto é, “assegura à razão o caminho seguro da ciência e mostra que há um uso

prático da razão – o moral – que ultrapassa os limites da sensibilidade”.27 Com isso, Kant

não está negando ou eliminando a metafísica. Segundo ele, algum tipo de metafísica

sempre existiu e continuará existindo. A crítica serve não para a ampliação, mas para a

purificação da razão. Embora não seja possível conhecer os objetos metafísicos é possível

pensá-los28.

1.4 O idealismo transcendental

O idealismo transcendental29 salienta que não é possível conhecer o supra-sensível.

O incondicionado somente pode ser pensado, mas nunca conhecido. Na sexta secção da A

antinomia da razão pura, Kant diz

27 WEBER, Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano, p.20. 28 Para Pascal, “[...] a alma, o mundo e Deus são outras tantas idéias e, como tais, são incognoscíveis. Dado que em todo conhecimento se exige que as intuições sejam subsumidas sob um conceito, segue-se que onde não há intuição, ali também não pode haver conhecimento. Nesse sentido a metafísica, tomada como ciência das coisas em si, é impossível. Mas não é embalde que a razão forma as idéias. Pois, se não se pode atribuir-lhes um papel constitutivo, elas têm, pelo menos, um outro papel, nada desdenhável, a saber, um papel regulador” (PASCAL, O pensamento de Kant, p. 104-5). 29 A idéia central da filosofia crítica é o idealismo transcendental. Desta maneira, Kant trata desse assunto no decorrer de toda a obra Crítica da Razão Pura. Em inúmeras passagens, como, por exemplo, no “§ 8 da Estética Transcendental”, na “Refutação ao idealismo”, que se encontra na “Analítica dos Princípios”, e, principalmente, na sexta secção da “A antinomia da razão pura”, intitulada de “O idealismo transcendental chave da solução da dialética cosmológica”, o idealismo transcendental aparece de maneira mais vigorosa. Conforme Nodari, “se, na Estética e na Analítica transcendentais, Kant busca solucionar o problema através da intermediação, sensibilidade e entendimento, na dialética transcendental, com a introdução da razão, em sintonia e em continuidade com as tratativas da analítica transcendental, Kant apresenta, contra o realismo transcendental e o idealismo dogmático, o idealismo transcendental como chave para a compreensão da dialética transcendental (NODARI, A teoria dos dois mundos e o conceito de liberdade em Kant, p. 61).

23

Na Estética Transcendental demonstramos suficientemente que tudo o que se intui no espaço ou no tempo e, por conseguinte, todos os objetos de uma experiência possível para nós, são apenas fenômenos, isto é, meras representações que, tal como as representamos enquanto seres extensos ou séries de mudanças, não têm fora dos nossos pensamentos existência fundamentada em si. A esta doutrina chamo eu idealismo transcendental 30.

Na Estética Transcendental, Kant ensina que a sensibilidade é formada pelo espaço

(forma do sentido externo) e pelo tempo (pertence ao sentido interno), que são as intuições

puras. Portanto, não é possível considerar o espaço como coisa-em-si, pois “jamais

poderíamos afirmar a veracidade da proposição ‘existem objetos no espaço’. Logo, para

que consideremos que existam objetos fora de nós, é necessário que o espaço não seja

propriedade das coisas em si”.31 A estrutura espaço-temporal são somente formas sensíveis

de nossa intuição.

Com isso, Kant com o seu idealismo transcendental está se opondo ao realismo

transcendental. Segundo Kant, o realismo transcendental deve ser erradicado, pois ele é

uma ilusão. Para um realista transcendental, Descartes é um exemplo, “a mente somente

pode ter acesso imediato a nossas próprias idéias e representações”.32 Assim, o acesso aos

objetos do sentido externo é inferencial e não por meio dos sentidos, porque esses objetos

são duvidosos33. O idealismo transcendental considera como sendo fenômenos ou

representações os objetos exteriores. Assim, Kant foge do problema do realismo

transcendental, de como ir da consciência do meu eu à realidade do mundo exterior.

Conforme Höffe,

O caráter do espaço e do tempo é bastante controverso na metafísica moderna: são eles algo objetivo e real ou algo meramente subjetivo e ideal (Berkeley)? E, se são reais, eles representam substâncias (Descartes), atributos da substância divina (Espinosa), ou uma relação das substâncias finitas (Leibniz)? As diversas teorias levam a aporias que Kant tenta superar com sua nova solução: espaço e tempo são algo totalmente diferentes de todas as outras entidades conhecidas;

30 KrV, B, p. 437. 31 BORGES, História e metafísica em Hegel: sobre a noção de espírito do mundo, p. 87. 32 ALLISON, El idealismo trascendental de Kant: uma interpretación y defesa, p. 46-7. 33 Descartes é um realista transcendental. Conforme Borges, “podemos ver essa necessidade de um acesso não imediato ao mundo exterior na 6° Meditação. Aí a prova da realidade dos corpos materiais é feita através da sensação, mas não imediatamente. A sensação nos indica a realidade do mundo exterior pelo fato das impressões sensoriais independerem da vontade. A prova ancora-se também sobre a veracidade divina, visto que essa me teria dado uma inclinação natural para crer que os corpos naturais são responsáveis pelas minhas impressões sensoriais” (BORGES, História e metafísica em Hegel: sobre a noção de espírito do mundo, p. 87).

24

são as formas a priori da nossa intuição externa e da nossa sensação interna (humana)34.

Sabendo que o incondicionado pode ser pensado, mas não conhecido, pode-se

concluir que diferentemente do idealismo empírico, o idealismo transcendental “reconhece

os objetos da intuição externa como reais. Mas à diferença do idealismo transcendente, ele

sabe que o conhecimento se refere a fenômenos, não a coisas em si, já que a estrutura

apriorística do conhecimento origina-se no sujeito”.35

O idealismo transcendental é considerado por Hegel a filosofia que antecipou a

identidade entre o ser e o pensar, mas que não efetuou o fim dessa cisão. Paul Guyer é claro

ao afirmar que

Na visão de Hegel, Kant deu uma contribuição indispensável ao progresso da filosofia, ao reconhecer que os princípios mais básicos do pensamento humano refletem a estrutura de nossas próprias mentes. Mas, assim como Moisés que podia ver, mas não entrar na terra prometida, ele não pode apreender a verdade última, entendida pelo próprio Hegel, de que a natureza do nosso próprio pensamento e da realidade à qual Kant a contrastava, era de fato, a mesma”.36

Para Kant, o entendimento pensa os objetos finitos e condicionados e a razão se

volta para os objetos incondicionados, tais como as coisas em si. Assim, segundo Hegel, a

razão restringe-se a mera abstração subjetiva e perde a sua importância que era a de

expressar o Absoluto. Por fim, a metafísica tradicional confundiu as idéias metafísicas com

princípios constitutivos. Kant ensina que elas têm uso regulativo. Desta forma, as idéias

estão unificando o conhecimento humano, regulando-o de modo constitutivo e não

ampliando o conhecimento dos fenômenos.

O idealismo transcendental se traduz na teoria dos dois mundos em Kant, ou seja, na

distinção entre o mundo fenomênico e o mundo numênico. Kant realiza a distinção entre o

fenômeno e o númeno para “estabelecer uma linha divisória entre o cognoscível e o

incognoscível”.37 Assim, fica claro o que a razão pura pode conhecer ou o que ela somente

pode pensar.

34 HÖFFE, Immanuel Kant, p. 79-80. 35 HÖFFE, Immanuel Kant, p. 155-6. 36 GUYER, Thought and being: Hegel’s critique of Kant’s theoretical philosophy, p. 171. 37 DALBOSCO, Idealismo transcendental e ontologia, p. 18.

25

2 O IDEALISMO ABSOLUTO E O FIM DAS CISÕES ENTRE O SER E O

PENSAR

Hegel pretende superar o idealismo transcendental kantiano38. Para ele, o princípio

explicador da realidade (denominado ora de o Lógico, ora a Idéia, ora o Conceito, ora a

Razão) é processo, é dinâmico e entende que ser e pensar são idênticos39, ou seja,

compartilham de uma mesma lógica e fazem parte de uma mesma totalidade. Tudo o que há

está no Absoluto. Assim, não resta dúvidas de que ele é o verdadeiro. Hegel opõe

sua concepção do verdadeiro, que inclui em si a mediação, a todo o sistema que põe a Verdade, o Verdadeiro como um imediato, um ser, uma substância que está além da mediação. A mediação [...] não é estranha a esse verdadeiro; está nele, ou, em outros termos, o verdadeiro é sujeito e não substância.40

Esta segunda parte da dissertação irá discorrer acerca do idealismo absoluto41

hegeliano. Ao contrário do que afirma o idealismo transcendental kantiano, a saber, a

impossibilidade de conhecer a coisa-em-si e o Absoluto, Hegel salientará que é possível

conhecer o Absoluto, por meio do fim das cisões sujeito-objeto e ser e pensar. Num

primeiro momento, será investigado um dos fundamentos da filosofia hegeliana que é

entender a realidade como sujeito e, num segundo momento, será analisado o fim das cisões

na passagem da consciência à razão.

2.1 O verdadeiro como sujeito

38 Conforme Saña, “Hegel nega a coisa-em-si kantiana e afirma que entre o sujeito e o mundo não existe nenhuma verdade independente e inacessível” (SAÑA, La filosofia de Hegel, p. 31). 39 Segundo Nóbrega, “tudo o que existe é conhecível e se traduz em categorias universais. Isto importa, para Hegel, em afirmar que Ser e Conhecer são a mesma coisa. E sem afirmar esta identidade entre Ser e Conhecer, Hegel acha que não poderia afirmar que tudo o que existe é traduzido em universais e idêntico a estes universais” (NÓBREGA, Compreender Hegel, p. 64). 40 HYPPOLITE, Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 96. 41 Sobre o idealismo absoluto, ver Hegel’s idealism: The logic of conceptuality, de Wartenberg e Hegel’s Idealism, de Pippin.

26

Um dos fundamentos da filosofia hegeliana é entender a realidade como sujeito,

como espírito infinito. O mundo não deve ser compreendido como substância, mas como

sujeito. A fim de construir o sistema científico de verdade, Hegel pretende produzir a coisa

em conceito. Em suas palavras, “colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da

ciência – da meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo – é isto o

que me proponho”.42 O romantismo pretendia captar a verdade por meio da intuição, do

saber imediato. Hegel, em contrapartida, ressalta que a verdade está na ciência, no conceito.

Assim, ele pretende instalar uma filosofia que chegue ao espírito absoluto, uma filosofia da

unidade do ser e do pensar. Ao “exprimir o verdadeiro não como substância, mas [...] como

sujeito”43, ele está superando o espinosismo e o panteísmo de Schelling e voltando ao

subjetivismo de Fichte e de Kant. Desta forma, o Absoluto será o saber de si no saber da

consciência. Conforme Meneses,

Quem diz substância diz ser, que é o objeto imediato para um saber, também imediato, de um universal. Uma dupla imediatez, portanto. Ora, os predecessores não foram além desse nível. Spinoza escandalizou porque foi de encontro à certeza instintiva: sua substância abolia a consciência-de-si (a subjetividade verdadeira). Kant e Fichte ficam presos no universal: seu ‘pensamento como pensamento’ não passa de uma substancialidade imóvel e indiferenciada. Até mesmo Schelling, tentando unificar ser e pensamento através da intuição imediata, recai na simplicidade inerte e não dá conta da realidade verdadeira44.

De Fichte, Hegel explora a não cisão do sujeito e do objeto e de Schelling, destaca a

identidade vazia45. Superando a filosofia de Fichte e de Schelling, Hegel salienta que o

espírito é infinito. E isso vale para todo o real, desde as suas partes como em seu todo.

Hegel busca destacar que a realidade não é uma coisa, uma substância, mas é processo, é

movimento46. A realidade entendida como Espírito tem uma vida própria, tem um

42 PhG, p. 27. 43 PhG, p. 34. 44 MENESES, Para ler a Fenomenologia do Espírito, p. 15. 45 Conforme Inwood, “Hegel não é um idealista subjetivo: não acreditava que os objetos como tais, ou como nós os conhecemos, sejam produzidos por, ou seja, minhas ou nossas representações sensoriais. Tal doutrina não pode fazer jus à dependência do espírito finito da natureza. Mas, sobretudo, é uma doutrina vazia: fala-nos sobre o status ontológico de objetos e idéias, mas nada sobre o seu conteúdo. Ele é, por contraste, um idealista absoluto” (INWOOD, Dicionário Hegel, p. 166). 46 “A substância viva é o Ser que, a falar verdade, é Sujeito ou, o que vem a dar no mesmo, é o Ser que apenas é verdadeiramente real na medida em que a própria substância é movimento para se estabelecer a si mesma, ou mediação entre o seu próprio tornar-se-outro e ela em si” (PAPAIOANNOU, Hegel, p. 149).

27

movimento dialético. Desta forma, a parte é indispensável ao Absoluto. Isso é exemplifica

na seguinte passagem:

o botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo47.

Com esse exemplo fica claro que a realidade não é estática, mas dinâmica e em

todos os seus momentos há contradições, mas mesmo assim não ocorre a perda da unidade,

que leva a um auto-enriquecimento. Esse movimento é chamado de dialética.

Diferentemente da concepção de Platão48, Hegel entende que a dialética não é apenas um

método para pensar a realidade, mas é o próprio movimento real da realidade. A realidade é

um contínuo devir, onde um momento prepara o outro, mas para esse outro acontecer, o

anterior tem de ser negado. A única forma de captar a dialética da realidade é afastando-se

do entendimento comum e aproximar-se no ponto de vista do Absoluto. Esse itinerário é

exposto na obra Fenomenologia do Espírito. Ao alcançar o saber absoluto, supera-se o

entendimento finito e se alcança a Razão. Há a união do ser e do pensar, da subjetividade e

da objetividade.

A realidade não é substância, ou um ser enrijecido, mas sujeito, atividade, processo,

automovimento, espírito. O Absoluto não é apenas substância, mas é também sujeito. Pode-

se comparar o Absoluto de Hegel com o Deus em outros sistemas, porém é inconcebível

considerar o Absoluto ou o Espírito hegeliano como um Deus transcendente, sobrenatural.

A filosofia, segundo Hegel, trata sobre o Absoluto e ele é a totalidade. Spinoza sublinhava

que o Absoluto, sendo a totalidade da realidade, é uma substância infinita. Para Hegel, o

Absoluto é o sujeito, que está sempre em processo e se desenvolve na Idéia, na Natureza e

no Espírito.

47 PhG, p. 26. 48 Segundo Gadamer, “Hegel foi o primeiro em captar a profundidade da dialética platônica. É o descobridor dos diálogos platônicos propriamente especulativos, Sofista, Parmênides e Filebo” (GADAMER, La dialética de Hegel, p. 13).

28

O Absoluto é também resultado, pois a verdade somente se realiza no seu fim, no

conjunto do seu desenvolvimento. Desta forma, ele não se dá imediatamente conforme uma

intuição intelectual. A identidade entre o sujeito e o objeto não é inicial, mas terminal. Isso

é visível na Fenomenologia do Espírito, onde o saber absoluto não está no inicio, mas no

seu fim.

O todo é a verdade. Por isso, a filosofia possui um caráter sistemático49. No prefácio

da Fenomenologia, Hegel diz que “o saber só é efetivo – e só pode ser exposto – como

ciência ou como sistema”.50 Essa totalidade não é caracterizada por uma harmonia, mas é a

síntese da unidade e da negatividade. Ela não está estática, mas em movimento, pois ela

está viva. O todo não é exprimido somente por seu resultado final, nem pelo seu início, mas

pelo conjunto de todos os seus momentos.

Desta forma, se o mundo é uma totalidade orgânica e se move como um ser vivo,

“toda concepção estática e acabada do seu conhecimento, todo corte da intuição sensível ou

do entendimento abstrato é ilegítimo”.51 Compreender que o verdadeiro é o sujeito é dizer

que as idéias têm existência objetiva, que elas têm devir e vida. O sujeito não é o Eu do

idealismo subjetivo. O pensamento tem uma realidade objetiva e não é mero fenômeno

subjetivo. A incognoscibilidade da coisa-em-si gera um afastamento do conhecimento

especulativo e uma aproximação do senso comum. Hegel pretende superar a

incognoscibilidade da coisa-em-si. Com a Fenomenologia, o autor se livra das perturbações

da consciência. Com a superação das cisões, Hegel pretende solucionar os problemas

levantados por Kant. Se para Kant há uma cisão entre ser e pensar, para Hegel, ambos são a

mesma coisa. Assim, Hegel unifica a lógica – as categorias do pensamento subjetivo – com

a ontologia – as categorias do ser.

49 O sistema hegeliano visa a totalidade, dando conta de todos os ramos do saber. Ele pretende, através da dialética, captar uma unidade orgânica nas ciências. Ele é composto pelos seguintes momentos: “o da sua constituição, que é apresentado na Fenomenologia do Espírito, obra na qual a consciência – o que o ser é para si – ao esbarrar no em si que é necessário para a sua afirmação, toma configurações diversas até ao momento em que descobre a não-diferença do em-si e do para-si, isto é, o Espírito; o da sua realização, cujo cerne está na Ciência da Lógica e a exposição completa na Enciclopédia das Ciências Filosóficas; o da sua manifestação, cujas expressões mais importantes são a Estética, a Filosofia da Religião, inseparáveis por sua vez das Lições sobre a Filosofia da História” (CHÂTELET, O pensamento de Hegel, p. 62). 50 PhG, p. 38. 51 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 28-9.

29

2.2 A superação das cisões da consciência à razão

Hegel buscava com a Fenomenologia do Espírito desenvolver uma espécie de

introdução ao filosofar, porém já sendo ela próprio um filosofar, que busca purificar a

consciência comum para chegar a uma consciência filosófica. Uma filosofia não deve ser

somente uma Teoria do Conhecimento. Se o saber é um instrumento, surge um dualismo

entre o sujeito do saber e o objeto a ser conhecido, estando ambos separados.

A Fenomenologia do Espírito ensina que toda consciência (sujeito) é

autoconsciência e essa se descobre como razão. A razão, por sua vez, se realiza como

espírito e, superando a religião, chega ao saber absoluto. Nesse último estágio é que se

encontra a especulação filosófica. O objetivo desse itinerário é a superação da cisão do

sujeito-objeto, singularidade-universalidade e ser-pensar. O fim dos dualismos são

alcançados no saber absoluto, isto é, no sistema da ciência (lógica, filosofia da natureza e

filosofia do espírito). Conforme Bloch, “trata-se de conduzir o indivíduo do seu ponto de

vista natural ao ponto de vista científico, ao espírito que se conhece a si mesmo”52

A consciência ingênua entende o objeto como existindo sem a participação da

própria consciência, ou seja, como algo independente da consciência. Na consciência-de-si,

a consciência faz a experiência de que ela se encontra no objeto, e o objeto, em si mesma.

Como razão, a consciência “está certa de si mesma como [sendo] a realidade”.53 Essa é a

visão do idealismo. A razão se apossa do mundo, pois ele é ela mesma, ou seja, ele é um

outro dela mesma. Quando a certeza – subjetividade – da razão se torna verdade –

objetividade -, a razão dá lugar ao espírito. Assim, quando a certeza de ser toda a realidade

é elevada a verdade, a razão se torna espírito. No que segue, será analisada a passagem da

consciência à razão. Com isso, se quer mostrar o pano de fundo do idealismo absoluto, a

saber, o fim das cisões do ser e do pensar.

2.2.1 A fenomenologia da consciência

52 BLOCH, Sujeto-Objeto. El pensamiento de Hegel, p. 59. 53 Phg, p. 173.

30

A consciência possui como característica central a observação do mundo como

sendo diferente e independente de si. Os seus três momentos são os seguintes: certeza

sensível, percepção e intelecto. Na certeza sensível, a suposta verdade almejada é o

singular, mas esta pretensão da consciência é contraditória, tendo que passar para o geral.

Na percepção, o universal é a verdade buscada, mas a unidade do objeto se desfaz em uma

pluralidade de propriedades desconexas. Por fim, no entendimento, a consciência

compreende que o objeto depende do intelecto, ou seja, dela mesma, de sua capacidade de

conceitualização. Por isso, a consciência se torna consciência-de-si54. Hegel realiza a

purificação da consciência fenomênica até chegar à consciência-de-si, esclarecendo que o

objeto não está em cisão com a consciência, mas que é o si da consciência, isto é, da

consciência-de-si.

A certeza sensível, pensando que o objeto é essencial, busca o singular, mas ao

tentar exprimi-lo o transforma num universal pobre. Ao visar o singular, a certeza

permanece com o seu contrário: o universal. Considerando o sujeito como essencial, acaba

por dissolvê-lo em inúmeros eus, possuindo cada um a verdade da sua certeza. Tanto no

objeto quanto no sujeito a verdade se transformou num universal indeterminado. A certeza

sensível não encontra nem no objeto, nem no sujeito e nem na experiência sensível como

um todo a verdade imediata que almeja. A sua verdade, no entanto, está num universal que

é buscado pela percepção nas condições da experiência sensível.

A certeza sensível concebe o mundo como algo distinto e independente de si. Nesse

ponto, a Fenomenologia do Espírito propõe uma crítica de todo o saber imediato. Isso

ocorre porque existem cisões entre o sujeito e o objeto e entre a universalidade e a

singularidade. No início do itinerário fenomenológico, a consciência acredita encontrar

diante de si um mundo exterior estranho. A realidade está dada para ela. O saber imediato

da certeza sensível confia obter a verdade do objeto através dos sentidos, pensando que eles

são exteriores à consciência e não se dá conta que eles estão dentro de seus próprios limites.

A Fenomenologia do Espírito ensina, ao longo de seu percurso, que não existe uma

cisão entre a interioridade da consciência e a exterioridade do mundo. A certeza sensível é

54 Conforme Aquino, “em consonância com a tradição moderna que iniciou com Descartes, consciência significa em Hegel a unidade entre consciência como tal e autoconsciência” (AQUINO, O conceito de religião em Hegel, p. 116).

31

um suposto saber imediato de um objeto imediato. Ela supostamente sabe imediatamente o

objeto. A princípio esse saber se mostra como o mais rico dos saberes. Porém, depois da

análise ele se mostrará como o mais pobre e, na verdade, o mais contraditório. O singular é

inefável e a linguagem demonstra isso no momento que ela não consegue exprimi-la. O

singular visado pela certeza sensível é, na verdade, o universal mais abstrato. A identidade

de ser e pensar é alcançada somente no final da Fenomenologia, ou seja, no saber

absoluto55.

Em todas as suas obras, Hegel parte do mais simples em direção ao mais complexo.

A certeza sensível é quem oferece uma visão sobre o mundo de maneira mais simplificada,

pois para conhecer o mundo é necessário somente uma visão imediata acerca dele. É por

meio da sensibilidade que a certeza sensível passa a conhecer. Na certeza sensível, o autor

critica toda a pretensão ao saber sensível imediato. A consciência aceita como verdade

somente aquilo que ela considera imune de dúvida, que é o isto individual. Quando a

certeza sensível afirma que o objeto é, torna-se indiferente a existência ou não de um

sujeito para conhecê-lo. Assim, o objeto é, é a essência, e mesmo se ele não for sabido, ele

continuará sendo. O ser tem privilégio sobre o saber.

A certeza sensível afirma que o objeto é. Mas é o quê? Ao utilizar a linguagem para

falar do que ele é, a certeza se confunde. Por exemplo, ao dizer: ‘agora é noite’ ou ‘aí está

uma árvore’, basta apenas o raiar do dia e a locomoção para outro lugar para que as

verdades dessa certeza que outrora existia não existirem mais. Contudo, ainda assim restou

como verdade o universal, representado aqui pelo agora, pelo aí e pelo é, ou seja, pelo

tempo universal, pelo espaço universal e pelo ser universal. O objeto é abstrato demais para

a certeza sensível. As noções como noite e árvore não servem para a certeza sensível, mas

para uma consciência bem mais evoluída.

A consciência aceita como verdadeiro somente aquilo que ela identifica como certo,

ou seja, o isto individual. Todavia, quando ela tenta exprimi-lo, acaba demonstrando o

universal. A certeza sensível busca capturar a verdade do objeto conhecido e tomar

55 Conforme Luft, “a unidade dos opostos é a chave-mestra da lógica dialética hegeliana. A busca da unidade dos opostos é a procura constante do espírito de encontrar-se com a verdade, com o lógos racional que ele é capaz de dr a si mesmo através de sua ação. E a Fenomenologia mostrará que este encontro do lógos que anima a ação concreta do espírito – tanto do espírito finito (quando executa uma ação racional) quanto do absoluto -, será também o encontro com o lógos que habita o mundo: identidade de ser e pensar” (LUFT, Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 38).

32

consciência deste seu saber que não passa de um mero indicar do objeto que aparece no

aqui e no agora. O modo mais simples de indicar algum singular é colocá-lo nas

coordenadas espácio-temporais. Assim, qualquer objeto pode ser posto nessas coordenadas.

Isso faz com que não exista nenhuma capacidade de os determinar em sua individualidade.

Na coordenada “agora” cabe tanto dia como noite; no “aqui”, cabe tanto casa como árvore.

Dizer aqui e agora parece ser o mais determinado, porém é dizer qualquer momento do

tempo e do espaço.

A consciência, desenganada do objeto, procura apreender-se a si mesma. O objeto

não se mostrou como o imediato. Por isso, ela se desloca do objeto para o Eu, afirmando

que é este que tem a certeza sensível. Hyppolite destaca que tal posição é defendida pelos

sofistas gregos, quando esses abandonam o dogmatismo do ser e passam a defender o

fenomenismo subjetivo56.

A consciência é um eu singular que está certa de alguma coisa. Sei sobre os objetos

porque eu tenho um saber sobre eles. Contudo, o problema anterior retorna. Eu vejo uma

árvore; o outro, uma casa. Hegel diz que “as duas verdades têm a mesma credibilidade, isto

é, a imediatez do ver, e a segurança e afirmação de ambas quanto a seu saber; uma porém

desvanece na outra”57, o que não desaparece é exatamente o eu universal. O eu é dissolvido

em inúmeros eus. Posso visar um singular, mas não posso dizê-lo, pois isso seria

impossível.

O momento do sujeito também mostrou que a sua singularidade pode preencher-se

por qualquer conteúdo e através do conflito com os outros eus acabam anulando-se entre si.

Assim, tanto para o objeto como para o sujeito, que defendiam a singularidade e a

imediatez, acabam permanecendo com o universal imediato.

Tanto o sujeito como o objeto são universais. A experiência sensível constata que

não pode confiar em nenhum dos dois. No começo, o objeto era posto como essencial e o

saber como inessencial. Depois, o objeto se tornou inessencial e o saber essencial. A única

forma de tentar salvar o saber é realizar as mesmas afirmações (‘agora é noite’; ‘aí é uma

árvore’) e parar nelas, ou seja, deve-se recorrer à experiência sensível como um todo, não

distinguindo mais o essencial e o inessencial. Como assim? Estou verificando que agora é

56 Cf. HYPPOLITE, Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 108. 57 PhG, p. 89.

33

dia e vejo na minha frente uma árvore; não preciso me preocupar com o anoitecer ou com o

que os outros vêem. Mas, isso é problemático, pois, por exemplo, analisando apenas o

agora, quando digo agora, este agora já é outro agora, pois já passou. Desta forma, o agora

é repleto de agoras (o dia tem muitas horas, e essa tem muitos minutos...). O mesmo ocorre

com o aqui, pois esse fragmenta-se na multiplicidade do sobre-sob, direita-esquerda,

avante-atrás.

Em última análise, na certeza sensível, a consciência, pensando que o objeto é

essencial, busca o singular (individual), mas ao tentar exprimi-lo o transforma num

universal pobre. Ao visar o singular, a certeza permanece com o seu contrário: o universal.

Considerando o sujeito como essencial, acaba por dissolvê-lo em inúmeros eus, possuindo

cada um a verdade da sua certeza. Tanto no objeto quanto no sujeito a verdade se

transformou num universal indeterminado. A certeza sensível não encontra nem no objeto,

nem no sujeito e nem na experiência sensível como um todo a verdade imediata que almeja.

A sua verdade, no entanto, está num universal que é atingido pela percepção nas condições

da experiência sensível. Para Lima Vaz, a certeza sensível “é o domínio onde se move a

consciência ingênua, quase animal”.58 Justamente por isso, existe a cisão sujeito-objeto

(pois somente assim a consciência pode afirmar, por exemplo, ‘isto é um objeto’),

universalidade-singularidade (a consciência visa alcançar a verdade do singular, mas fica

apenas com o universal). Conforme Garaudy,

desde a primeira experiência dialética eis-nos então no núcleo desta ‘substância’ considerada como ‘sujeito’, e acompanhando o ritmo de seu desenvolvimento, de seu desdobramento. Porque o estudo da certeza sensível é o mais pobre: de determinação em determinação, e por um vaivém contínuo do objeto ao sujeito e do sujeito ao objeto, encontraremos a verdadeira totalidade concreta: saídos da experiência mais rude da consciência individual, alcançaremos a estrutura objetiva do mundo em sua plena racionalidade59.

A consciência sensível nada mais é do que a certeza imediata da presença de um

objeto exterior. Um objeto é algo externo à consciência e a consciência é a recepção passiva

deste objeto. Hegel combate essas idéias superando o momento da certeza sensível,

demonstrando as suas contradições. A certeza deixa de ser imediata para ser mediatizada. O

58 LIMA VAZ, Senhor e Escravo: uma parábola da filosofia ocidental, p. 14. 59 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 49.

34

objeto é universal, ou seja, ele é mesmo não sendo imediatamente sentido. Hegel critica

tanto o dogmatismo ingênuo dos empiristas como o subjetivismo de Kant e de Fichte.

O que movimenta a Fenomenologia é a tensão entre o saber e o objeto. A certeza

sensível quer, de qualquer maneira, captar a verdade das coisas de modo imediato. Desta

forma, ela entra em contradição. Por isso, a consciência irá tomar as coisas como elas são,

fixando nelas suas características. O objeto da consciência percipiente continua sendo

considerado como algo fora da consciência. A consciência percipiente não é capaz de se dar

conta da estrutura inteligível do mundo.

A crítica de Hegel a certeza sensível é inspirada na filosofia grega. A certeza

sensível sabe somente o ser, de forma imediata, sem nenhuma mediação. Conforme

Hyppolite, “ela própria não se desenvolve enquanto consciência que se representa

diversamente as coisas ou as compara entre si, uma vez que isso seria fazer intervir uma

reflexão e, conseqüentemente, substituir, ao saber imediato, um saber mediato”60. Por isso,

ela é pobre, pois somente pode afirmar o é. A linguagem é o mais próximo da verdade. A

consciência opina em relacionar-se com coisas reais e singulares. Mas ao tentar dizer o isto

individual, ela não consegue, pois lhe é inatingível à linguagem, sendo que ela torna tudo o

que diz em universal.

O universal isolado da certeza sensível é uma abstração que não se basta a si

mesma. A certeza sensível, que parece captar o ser de forma mais verdadeira, acaba por

mostrar-se a mais abstrata e pobre verdade. Apesar de sua aparente veracidade, não

expressa nada além do universal, se opondo veementemente a todo particular e singular. É

nesse universal que a percepção se apega, afirmando que tanto o objeto como o sujeito são

universais (essenciais). Isso ocorre devido à identidade entre os dois sujeitos, no final da

certeza sensível. Todavia, isso gera um problema, pois a consciência não pode considerar

ambos como essências, porque isso significaria reconhecer a multiplicidade. Por isso, a

consciência mantém a cisão sujeito-objeto, afirmando que enquanto um é universal e

essencial o outro é singular e inessencial61. O que é percebido se apresenta, ao mesmo

tempo, como uma certa compenetração entre o universal e o singular. Conforme Hegel, o

60 HYPPOLITE, Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 100. 61 Cf. LUFT, Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 41.

35

objeto se mostra “como a coisa de muitas propriedades”.62 Para a consciência, agora, a

verdade se mostra naquilo que está sem contradição.

A percepção, inicialmente, toma o objeto – universal - como verdadeiro, apesar de

que como singular ele já ter sido negado. A universalidade do objeto tem duas faces: a

multiplicidade das propriedades e a universalidade distinta e independente dessas

propriedades, que lhe serve de meio e chamasse de coisidade. Nesse meio, as propriedades

convivem sem se tocar. Por isso, pode-se chamá-lo de um também. Por exemplo, o sal “é

branco e também picante, também é cubiforme, também tem peso determinado etc”.63 O

também, assim, é o puro universal; é a coisidade de todas essas propriedades; é o

instrumento empregado pela consciência para afastar a contradição nela, já que isso

caracteriza a verdade.

Porém, isso não basta para estabelecer a relação das várias propriedades entre si na

identidade da coisa. Cada propriedade está determinada entre si e acaba excluindo a outra.

A consciência não quer permitir que haja qualquer confronto das propriedades entre si. O

meio deve ser uno. Justamente por carregar consigo a verdade, qualquer problema que

surgir na percepção, “[...] não é então uma inverdade do objeto – pois ele é igual a si

mesmo -, mas [inverdade] do perceber”.64 A coisa é una e tem múltiplas propriedades. Isso

é uma contradição. Para resolvê-la, a percepção denuncia que esta contradição vem do

sujeito. Fazendo isso a consciência está mostrando que existe sim uma cisão entre o sujeito

e o objeto e a afirmação de que tanto o objeto como o sujeito são universais – dita no início

- é falsa.

A percepção, ao considerar o objeto como verdadeiro vacila entre a sua unidade e as

várias propriedades que se manifestam nele. Por isso, atribui para a ilusão do conhecimento

tais paradoxos, encontrados na percepção da coisa. É preferível, para a consciência, se

reconhecer como a geradora da ilusão, mantendo a coisa na pureza da sua verdade

incontraditória.

A apreensão mostrava a coisa una. Por isso, as diversas propriedades são colocadas

pelo sujeito. Como diz Hegel, “essa coisa é branca só para nossos olhos, e também tem

62 PhG, p. 96. 63 PhG, p. 97. 64 PhG, p. 99.

36

gosto salgado para nossa língua”.65 No entanto, as propriedades possuem oposições umas

com as outras. Assim, a coisa é um “também”: “[...] é branca, e também cúbica, e também

tem sabor de sal etc”.66 Observa-se, então, que a unidade é criação da consciência.

A consciência constata que tanto o sujeito como o objeto tem duas verdades

opostas: são tanto para si como para outro. Busca fugir dessa contradição recorrendo ao

“enquanto que”, porém nada adianta. Após nada conseguir com o “também” e com o

“enquanto que”, a consciência aceita o contraditório da percepção, ou seja, o universal

incondicionado e passa para o entendimento. Quando a consciência diz que o cubo de sal é

branco, além de realizar tal afirmação, a consciência diz negativamente também aquilo que

ele não é. Quando ela diz que a coisa é branca, também cúbica, também salgada surge um

problema, pois enquanto é branca não é cúbica e enquanto cúbica e também branca não é

salgada. É por meio do enquanto que a consciência reconcilia a contradição que surge. A

determinação do objeto ocorre mediante uma relação de diferenciação com os outros

objetos. Conforme Luft, “a consciência introduz o enquanto (Insofern) como forma de

manter na coisa o também – meio universal das propriedades -, sem que esta se

contradiga”.67

Nos dois casos, quando o objeto é tomado como verdadeiro ou quando o sujeito é

tido como verdadeiro, o problema é mal colocado. Na realidade é a própria concepção da

coisa que é contraditória, que traz em si esta contradição desde que se pretende considerar

uma coisa isoladamente, abstratamente, fora de suas relações viventes com o que não é ela.

Até aqui podíamos pensar que o essencial era a coisa e o inessencial sua relação com as

outras coisas. Quando esta ilusão é dissipada, quando o essencial torna-se a relação, a

verdade não pode mais ser buscada no sensível. Neste momento a consciência chega ao

estágio do entendimento.

O entendimento é tratado por Hegel na obra Fenomenologia do Espírito, na terceira

parte da Consciência. Portanto, antes da consciência ser entendimento, ela foi certeza

sensível e também percepção. No momento da sensação, o particular aparece como a

verdade, contudo ele vai se revelando como contraditório, de modo que para compreendê-lo

é necessário passar para o geral. Na consciência percipiente, o objeto aparece como a

65 PhG, p. 101 66 PhG, p. 101. 67 LUFT, Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 43.

37

verdade, mas esse também irá se revelar como contraditório, pois se revela uno e muitos.

Por fim, no momento do entendimento, o seu primeiro objeto é a força e Hegel conclui que

ela não passa de um fenômeno, pelo qual se descortina o supra-sensível. Este interior das

coisas é o reino calmo das leis e de tão calmo chega a ser tautológico. O intelecto,

perturbado pela tautologia, postula um mundo invertido, oposto ao mundo contemplado. A

identificação que ambos os mundos são o mesmo implica o conceito do infinito, que revela

também a consciência-de-si.

A contradição do objeto que a consciência percipiente tanto buscava superar é agora

o objeto do intelecto chamado de universal incondicionado – não está condicionado ou em

relação com nenhum outro fora de si, sendo, assim, absoluto -, que é qualquer objeto capaz

“de ser para si e de se relacionar com outro”68, ou seja, por ser incondicionado, o universal

carrega em si a contradição. A consciência ainda não se reconhece neste objeto. A verdade,

para ela, é a unidade, assim como foi a imediatez para a certeza sensível e a

incontraditoriedade para a percepção. Na certeza sensível, a consciência, ao querer dizer a

singularidade, disse a universalidade; na percepção, ao querer dizer a universalidade, reteve

a universalidade abstrata; no entendimento, o objeto é o universal incondicionado, “que não

é senão o reconhecimento da universalidade e da singularidade como essenciais à coisa

mesma”.69

Conforme Luft,

ao colocar sobre a coisa tanto a universalidade quanto a singularidade, a consciência faz surgir para si a aparência (Erscheinung), o jogo das forças: a força se desdobra como recalcada em si, ou seja, o um excludente (singularidade) e o desdobramento das matérias (universalidade). É claro que nenhum desses dois lados, enquanto forças, têm subsistência em si: surge, então, o movimento perpétuo do devir, um meio termo entre duas forças [...]. Mas o rejeitar de tal desaparecer revelará o caminho verdadeiro da consciência: a verdadeira universalidade não se encontra cindida com a singularidade, mas se revela somente através da própria singularidade; a verdadeira universalidade contém a singularidade como superada e guardada70.

A percepção capta o objeto, pois ela não consegue captar a unidade dos seus dois

momentos contraditórios, ou seja, a identidade da coisa e a diversidade de suas

68 PhG, p. 109. 69 LUFT, Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 45. 70 LUFT, Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 46.

38

propriedades. Ela voltava-se ora para o sujeito e ora para o objeto, porém é a passagem de

um à outra que é necessário pensar. A passagem do uno-múltiplo, ser-para-si-ser-para-

outro, interior-exterior é exprimida por meio da noção de força. É por meio da noção de

força que surge uma forma objetiva a essas passagens. Se para a percepção era inconcebível

compreender a noção de coisa, a força supera essas contradições, compreendendo a relação

que é a passagem do uno ao múltiplo.

É por meio da noção de força que a consciência observa a mesma manifestação do

universal incondicionado, pois ambos carregam em si a contradição de serem para si e para

o outro. É na noção de força que a consciência pode observar a unidade e o movimento

numa ação conjunta. Existe uma força quando algo encerra em si um devir. Segundo Hegel,

“as forças não têm, pois, nenhuma substância própria que as sustente e as conserve”.71 O

conceito de força se torna efetivo somente em sua exteriorização. Ao fazer isso, ela mostra

a contradição que há em si. Contudo, quando a força é efetivamente, ela cessa de ser. Ao se

exteriorizar, ela é um ser-para-outro, mas ao permanecer no seu interior é um ser-para-si.

Deste modo, surge um problema para o entendimento: como salvar a unidade?

Hegel responde isso afirmando que a força é una e a diferença “está só no pensamento”.72

Por isso, é ao pensamento que resta a tarefa de recompor a unidade. Para isso, ele formula a

lei. O intelecto busca, mantendo a unidade, salvar as diferenças. Por exemplo, a força

elétrica, na sua exteriorização se mostrou dividida em eletricidade positiva e negativa, mas

o entendimento unifica esta diferença na lei. Assim, a força é apenas um fenômeno que,

através dele, surge o supra-sensível (interior das coisas). Conforme Garaudy,

a noção de força permite captar o momento dialético do desdobramento do uno: primeiramente porque, da força à sua manifestação, de sua unidade interna a seu desdobramento externo, do todo implícito à exterioridade das partes, efetua-se uma passagem semelhante a do próprio pensamento quando o conceito se desenvolve em realidade concreta: este movimento do pensamento é idêntico ao movimento das coisas73.

Além disso, não se pode pensar a noção de força sem uma resistência contrária a

ela, sem um antagonista, sem um outro. O devir e a polaridade caracterizam ao tanto a

dialética da natureza como a dialética do pensamento. O entendimento descobre que há um 71 PhG, p. 114. 72 PhG, p. 111. 73 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 51.

39

interior nas coisas. Esse interior é a oposição de sua manifestação sensível, ou seja, é o

fenômeno. Todavia, Hegel não é dualista. Não existe um fosso intransponível entre o

fenômeno e a coisa-em-si, “nem mesmo uma diferença de natureza, mas simplesmente uma

diferença de grau: o conhecimento da coisa em si é o conhecimento total do fenômeno”.74

Há duas maneiras de tentar explicar o fenômeno. A primeira é passar do fenômeno à

lei. No calmo reino das leis, de abstração em abstração, pode-se concentrar a diversidade de

leis em uma única lei. Essa redução combate as tendências empiristas, que vê por toda a

parte somente o sensível e o contingente. O problema desta explicação é que ela é apenas

mais uma abstração, nos revelando somente o esqueleto quantitativo da natureza. Tal

explicação é tautológica, pois concentra toda a realidade em elementos idênticos,

explicando o objeto pelo objeto. “A lei assim estabelecida é uma relação exterior às coisas

que ela une; não dá conta da necessidade de sua ligação”.75 As leis criadas pelo intelecto

são meras abstrações do intelecto, chegando a ser consideradas tautologias. Como

conseqüência dessa tautologia surge o mundo invertido. A segunda maneira de tentar

explicar o objeto “estabelece entre os fenômenos um vínculo interno, necessário e vivo”.76

A explicação é um desdobramento da própria coisa.

Segundo Hegel, o supra-sensível é o território das leis, no qual o entendimento visa

salvar as diferenças. A realidade não é dualista, mas é única. Fora do sensível não há

qualquer realidade fantasmática que seria o dentro deste sensível. A lei que é este dentro é

um pensamento. Ao se falar da explicação das coisas, a única coisa que se manifesta é o

conceito. Ele é o interior das coisas; é o desenvolvimento interno e necessário das coisas.

Conforme Garaudy,

ao rejeitar qualquer transcendência, Hegel concebe então a relação do fenômeno ao conceito como uma relação do finito ao infinito. Ora, o infinito, para ele, é imanente ao finito, não é nada além do que o movimento pelo qual o finito se ultrapassa. O infinito só existe no finito, assim como o finito só existe e tem sentido no infinito que o anima e o contém. Esse desenvolvimento do suprasensível, este movimento do conceito – na coisa como no pensamento, que são uma e mesma coisa – é então infinito no sentido de que não se separa daquilo que se move: a diversidade que o anima não está fora dele, exterior, dada. O infinito produz em si seu Outro, as diferenças, sua própria negação: ele

74 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p.52. 75 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 52. 76 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 52.

40

engendra as partes do todo por seu próprio movimento. A explicação e o desenvolvimento das coisas são uma e mesma coisa77.

O entendimento descobre que há um interior nas coisas. Esse interior é a oposição

de sua manifestação sensível, ou seja, é o fenômeno. Porém, Hegel não concorda com esta

visão dualista da realidade. Não há um fosso instransponível entre o fenômeno e a coisa-

em-si, como dizia Kant. Uma das formas de explicação do fenômeno é passar dele para a

lei. No calmo reino das leis, de abstração em abstração, pode-se concentrar a diversidade de

leis em uma única lei.

O terreno das leis é denominado por Hegel de supra-sensível, ou seja, está além do

sensível. Neste mundo, existe muita clareza na linguagem utilizada para formular as leis. É

um mundo formal e abstrato. Contudo, revela ser apenas uma duplicação do mundo

sensível. O intelecto busca encontrar leis cada vez mais universais para o mundo sensível,

porém, agindo assim, ele acaba se afastando da concretez das coisas. Quanto maior o

campo que uma lei abarca, mais abstrata e superficial ela se torna.

A verdade do entendimento não são as leis determinadas, que nunca abarcam a

totalidade, mas a lei universal, como, por exemplo, “[...] a lei da queda da pedra e a lei do

movimento das esferas celestes”78 que foram concebidas por uma só lei. Todavia, esta lei

não manifesta nenhum conteúdo determinado. Ela é apenas uma abstração do intelecto. Tal

lei do intelecto carece de necessidade, pois

[...] para chegar à formulação da lei é necessário partir de um fato, e o fato é um pressuposto não deduzido pela lei; ser pressuposto significa que simplesmente se encontra ou deriva de outro quanto à sua existência; em ambos os casos, a sua existência é contingente e a pretensa necessidade da lei move-se dentro desta ineliminável contingência [...]79

Se a necessidade da lei se sustenta em algo que não tem condições de ser necessária,

assim a necessidade é apenas uma palavra vazia. Desta forma, se origina a tautologia

[...] que a consciência comum manifesta perante a pretensão das leis quanto à clarificação e explicação dos fenômenos. Aquilo que o intelecto apresenta como a conexão necessária entre diferentes elementos (espaço e tempo na queda dos

77 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 53. 78 PhG, p. 120. 79 CHIEREGHIN, Introdução à leitura de Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 79.

41

graves, pólos positivo e negativo na eletricidade) constitui na realidade não a explicação do porquê ou da causa do seu existir, mas unicamente do como do seu produzir-se, e, para quem esperava uma demonstração de causa, esta explicação redunda numa tautologia balofa. Assim, se depois de ter aceito que o relâmpago deriva de duas cargas opostas, negativa e positiva, se perguntar por que motivo tal acontece, a resposta é que aquilo é a manifestação de uma força, a eletricidade, que é constituída por duas cargas opostas, de tal modo que tem de manifestar-se assim80.

O intelecto, buscando explicações para as leis, permanece na mera tautologia. Isso é

perturbante para ele. A tautologia demonstra que o entendimento não é capaz de entender o

movimento, constituinte essencial da força. As oposições que ele pensava dominar,

inserindo-as em leis supra-sensíveis, acabam ressurgindo. O problema desta explicação do

fenômeno é que ela é apenas mais uma abstração, nos revelando somente o esqueleto

quantitativo da natureza. A lei assim estabelecida é uma relação exterior às coisas que ela

une; não dá conta da necessidade de sua ligação. Uma tal forma de explicação é

tautológica: consiste em concentrar toda realidade em elementos idênticos, em tentar

explicar o objeto pelo objeto.

Assim, ocorre o surgimento de um mundo invertido, ou seja, um mundo oposto ao

contemplado, que é um segundo mundo supra-sensível81. Vimos que o primeiro mundo

supra-sensível foi o reino das leis (reino calmo, sem mudanças). Este mundo é “apenas a

elevação imediata do mundo percebido ao elemento universal”.82 Agora, o segundo, é o

mundo invertido (tudo fica o oposto do que é). O mundo invertido pode ser percebido

facilmente em fenômenos físicos e em relações éticas. Em fenômenos elétricos e

magnéticos, pólos iguais se repelem e pólos contrários se atraem. No âmbito da ética, o

delinqüente, ao ofender alguém, tendo como objetivo afirmar o seu próprio arbítrio, acaba

por perder o arbítrio devido a pena que lhe é cabível; não obstante, é a própria pena que

permite ao delinqüente reconquistar a honra que ele havia perdido. Porém, estes mundos, na

verdade, são o mesmo mundo.

80 CHIEREGHIN, Introdução à leitura de Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 79. 81 “Invertido ou pervertido (verkehrt), o mundo é o contrário do que parece ser. Abrigando em si a diferença universal, a coisa é sempre igual a si na absoluta desigualdade. O homônimo expressa essa diferença na própria repulsão, porque, tendo-se tornado o oposto, absorveu a diferença que deixou de ser diferente” (SANTOS, O trabalho do negativo, p. 166). 82 PhG, p. 126.

42

Nessa discussão, surge o conceito do infinito, pois nele se “tem o Outro em si

mesmo”.83 Somente assim o mundo invertido “é a diferença como interior, ou como

diferença em si mesmo, ou como infinitude”.84 Nas palavras de Hegel, o infinito “deve-se

chamar a essência simples da vida, a alma do mundo, o sangue universal, que onipresente

não é perturbado nem interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as

diferenças como também seu Ser-suprassumido”.85 Ele ressalta também que “a infinidade já

era, sem dúvida, a alma de tudo o que houve até aqui; mas foi no interior que primeiro ela

brotou livremente”.86 A infinidade, ou seja, a contradição – diferente das contradições

anteriores – define a essência da consciência-de-si.

A consciência (sendo agora o entendimento) tem como objeto o universal

incondicionado (contraditório). Por isso, sua verdade é a unidade. Seu objeto, inicialmente,

é a força. Essa, ao permanecer em seu interior é ser-em-si e ao se exteriorizar é ser-para-

outro. Assim, como fica a unidade? Hegel responde que a diferença está no pensamento e

para salvar a unidade o pensamento formula a lei. O território da lei é o supra-sensível. Só

que essas leis criadas pelo intelecto são meras abstrações do intelecto, chegando a ser

consideradas tautologias. Como conseqüência dessa tautologia surge o mundo invertido.

Apesar da aparente diferença dos dois mundos, eles são o mesmo. Disso, a consciência, que

antes não se reconhecia no objeto passa a se reconhecer nele tornando-se consciência-de-si.

Até aqui, a consciência considerava o mundo como algo diferente e independente, ou seja,

ela buscava o objeto fora dela mesma. Contudo, ela se reconheceu no objeto, tornando-se

autoconsciência. O objeto é a consciência de si. Nas três figuras da consciência (certeza

sensível, percepção e entendimento), o objeto lhes era independente a elas. A identificação

dos mundos opostos (do reino calmo das leis e do mundo invertido) faz com que surge o

conceito do infinito e esse revela a consciência-de-si. A passagem da consciência à

consciência-de-si ocorre neste momento, quando a consciência se reconhece no objeto.

2.2.2 A fenomenologia da consciência-de-si

83 PhG, p. 128. 84 PhG, p. 128. 85 PhG, p. 129. 86 PhG, p. 130.

43

A consciência-de-si é a segunda etapa. Inicialmente, ela é desejo e quer possuir as

coisas. Porém, ao se defrontar com outra consciência-de-si, há uma luta de vida ou morte.

Na luta não há morte, mas submissão (do servo ao senhor). Nessa relação dialética, onde o

senhor se limita a desfrutar das coisas produzidas pelo trabalho do servo, acaba ocorrendo

uma inversão dos papéis. E através do estoicismo, do ceticismo e da consciência infeliz a

consciência-de-si alcança sua plena consciência.

A segunda etapa da Fenomenologia é a consciência-de-si. Aqui será tratado sobre a

dialética do desejo, a dialética do senhor e do escravo e, por fim, tratarei acerca da

liberdade da consciência-de-si. Foi visto que, para a consciência, o objeto era distinto dela:

“o essente da certeza sensível, a coisa concreta da percepção, a força do entendimento”.87

Agora, no entanto, o objeto é para si mesma. Segundo Hegel, “com a consciência-de-si

entramos, pois, na terra pátria da verdade”.88 A consciência-de-si inicia se mostrando

através do desejo, do apetite. Ela possui a tendência de se apropriar das coisas, fazendo

tudo depender de si. Busca o outro para poder ser e acaba por destruí-lo como outro. O

objeto do desejo é a vida, porque ela é a estrutura homóloga à da consciência-de-si, pois a

vida é a reflexão do ser sobre si. Hegel define a vida, dizendo que a sua

essência é a infinitude, como o Ser-suprassumido de todas as diferenças, o puro movimento de rotação, a quietude de si mesma como infinitude absolutamente inquieta, a independência mesma em que se dissolvem as diferenças do movimento; a essência simples do tempo, que tem, nessa igualdade-consigo-mesma, a figura sólida do espaço89.

Enfim, a vida, sendo infinita, ultrapassa todas as diferenças e determinações. A

singularidade de cada ser vivo se reconstitui na unidade do todo. Segundo Lima Vaz,

de um lado, o egoísmo radical do desejo descreve a figura da consciência-de-si na sua identidade vazia e, de outro, o objeto consumido na satisfação mostra-se incapaz de exercer a mediação exigida para que o saber de si mesmo se constitua como resultado dialético e, portanto, fundamento do saber do objeto90.

87 PhG, p. 135. 88 PhG, p. 135. 89 PhG, p. 137. 90 LIMA VAZ, Senhor e Escravo: uma parábola da filosofia ocidental, p. 16.

44

O desejo, não obstante, busca um outro Eu, ou seja, quer um objeto que realiza a

mesma operação que o sujeito. O outro, para poder ser suprassumido, deve ser

independente. Para satisfazer-se, a consciência-de-si necessita de uma outra consciência-de-

si. Então, ela só se realiza como unidade do seu Si como seu ser-Outro. Somente assim a

consciência se encontra. “A consciência-de-si é em si e para si quando e por que é em si e

para si para uma Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido”.91 Para haver consciência-

de-si, deve existir outra que vem de fora. As duas agem. Nota-se, assim, uma diferença com

o movimento de desejo, pois aí o objeto ficava diante da consciência. Agora é diferente. O

objeto, para Hegel, é independente,

[...] sobre o qual portanto nada pode fazer para si, se o objeto não fizer em si o mesmo que ela nele faz. O movimento é assim, pura e simplesmente, o duplo movimento das duas consciências-de-si. Cada uma vê a outra fazer o que ela faz; cada uma faz o que da outra exige – portanto faz somente o que faz enquanto a outra faz o mesmo. O agir unilateral seria inútil; pois, o que deve acontecer, só pode efetuar-se através de ambas as consciências92.

Todavia, o primeiro encontro das consciências surge como uma desigualdade, não

sendo uma identificação amigável, mas se mostra como uma desigualdade de ambas as

consciências-de-si. Assim, “[...] um extremo é só o que é reconhecido; o outro, só o que

reconhece”.93 Neste ponto surge a luta pelo reconhecimento, ou seja, ou ocorre a supressão

de uma consciência pela outra ou a submissão. Porém, nesta relação não ocorre um

reconhecimento verdadeiro. Hegel denomina este momento como a luta de vida ou morte.

No começo, qualquer outro que apareça já possui o rótulo de negativo. Assim, é imediato.

Enfrentam-se como indivíduos, não sabendo, ainda, que ambas são consciência-de-si. Cada

uma está certa somente de si mesma. Até mesmo isso, a certeza de si, não tem verdade

nenhuma. Isso só ocorreria se seu ser-para-si fosse um objeto independente. Mas conforme

o conceito reconhecimento, “isso não é possível a não ser que cada um leve a cabo essa

pura abstração do ser-para-si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo,

mediante seu próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro”.94

91 PhG, p. 142. 92 PhG, p. 143-4. 93 PhG, p. 144. 94 PhG, p. 145.

45

Mostrar-se desta forma é afirmar o seu desapego à vida, é mostrar-se desvinculado a

qualquer ser-aí determinado. Cada um visa à morte do outro e, assim, acaba pondo em risco

a própria vida. As duas consciências se enfrentam através de uma luta de vida ou morte.

Fazem isso para “elevar à verdade, no Outro e nelas mesmas, sua certeza de ser-para-si”.95

Não obstante, é relevante ressaltar que a morte de algum dos lados não levaria adiante o

processo do reconhecimento. Aquele que não arriscou a sua vida pode ser reconhecido

como pessoa, mas não como uma consciência-de-si independente. Arriscando a própria

vida, acaba por visar à morte do outro.

Todavia, ao suprimir a vida, suprassume a verdade. Assim, a consciência percebe

que a vida lhe é tão essencial quanto a consciência-de-si. Nota-se, então, que cada

consciência busca mostrar-se autêntica consciência-de-si. Faz isso se desapegando da vida

corporal. Uma delas renuncia para conservar a vida, tornando-se o escravo. A outra, em

contrapartida, transforma-se em um autêntico ser-para-si, chamando-se de senhor. O

senhor, segundo Hegel, é a consciência-para-si. Mas, para haver relação consigo deve haver

uma relação com outra consciência. O escravo se relaciona negativamente com a coisa e a

suprassume, não obstante, não a aniquila, pois a coisa é independente para ele. Assim, ele

só a trabalha. Já o senhor acaba com a coisa (o desejo) a mudando – através do escravo –

em gozo. Segundo Hegel, o senhor “se conclui somente com a dependência da coisa, e

puramente a goza; enquanto o lado da independência deixa-a ao escravo, que a trabalha”.96

O escravo se mostra inessencial e o senhor alcança o seu duplo reconhecimento,

quando o escravo elabora a coisa e quando fica dependente de seu ser biológico. Porém, é

neste ponto que a consciência escrava se dirige ao reconhecimento, pois “o que o escravo

faz é justamente o agir do senhor”.97 Contudo, para o reconhecimento total da consciência

escrava faltaria que o senhor operasse sobre si o que faz ao escravo (outro) e vice-versa.

Sendo que o senhor, para chegar à certeza de si, opera numa consciência dependente,

jamais terá a verdade de si. Assim, “sua verdade é de fato a consciência inessencial”98, ou

seja, escrava. Em contrapartida, o escravo se tornará uma verdadeira consciência. Sendo

95 PhG, p. 144. 96 PhG, p. 148. 97 PhG, p. 148. 98 PhG, p. 149.

46

que ocorre uma relação dialética entre o senhor e o escravo, o senhor depende do escravo,

pois necessita que ele o reconheça como tal.

Em relação à consciência escrava, a sua verdade é o senhor. Por isso, sentiu

angústia, pois sentiu medo da morte. Tudo o que “havia de fixo, nela vacilou”.99 Esse

vacilar é a negatividade do ser-para-si, não permanecendo na generalidade. Nas palavras de

Hegel, “servindo, suprassume em todos os momentos sua aderência ao ser-aí natural; e

trabalhando, o elimina”.100 Só o medo do escravo não é suficiente para realizar para-si toda

a verdade. O trabalho também possui o seu papel fundamental para a formação do escravo.

É nele que a consciência descobre a sua verdade do ser-para-si. Pelo trabalho, o escravo

supera a sua condição de consciência escrava e o senhor, que continua dependente do

escravo e de seu trabalho, rebaixa-se. Ocorre assim, a inversão das posições. Em suma,

“para que haja tal reflexão são necessários os dois momentos: o momento do medo e do

serviço em geral, e também o momento do formar; e ambos ao mesmo tempo de uma

maneira universal”.101 O escravo deixou de ser-para-outro para se tornar ser-para-si. É

relevante ressaltar que não houve um reconhecimento verdadeiro. Isso só seria possível se,

por meio da liberdade, uma consciência-de-si sacrificar sua independência para uma outra

consciência-de-si.

Mesmo assim, a consciência-de-si alcança a sua plena consciência. E isso só é

possível por meio das seguintes etapas sucessivas: estoicismo, ceticismo e consciência

infeliz. Assim, temos agora uma consciência que pensa e que é liberdade, pois seu objeto

“não se move em representações e figuras, mas sim em conceitos”102, ou seja, conceito

significa a identificação imediata com a consciência, sendo que a representação é ser outra

a ela.

O princípio do estoicismo “figura que a consciência é a essência pensante e que uma

coisa só tem essencialidade, ou só é verdadeira e boa para ela, na medida em que a

consciência aí se comporta como essência pensante”.103 Hegel formula críticas em direção

ao estoicismo, demonstrando as suas limitações. Ei-las: de abstração: “a liberdade do

pensamento tem somente o puro pensamento por sua verdade; e verdade sem a

99 PhG, p. 149. 100 PhG, p. 150. 101 PhG, p. 151. 102 PhG, p.152. 103 PhG, p.153.

47

implementação da vida”104; de formalismo: salientando que os estóicos detinham um

pensamento sem conteúdo; e negação inacabada:“essa consciência pensante, tal como se

determinou, como liberdade abstrata, é portanto somente a negação incompleta do ser-

outro”.105 Em linhas gerais, o estoicismo representa a liberdade da consciência. Por isso,

senhoria e escravidão não quer dizer nada aos estóicos, pois eles são iguais. Querendo

libertar o homem de suas paixões, o estóico acaba o isolando. Para Hegel, isso gera a

liberdade abstrata. Por fim, o estóico ficará no mero pensar, separando novamente

universalidade e singularidade, retendo apenas a universalidade.

Já o ceticismo, vindo do estoicismo, busca transformar o afastamento do mundo,

visado pelos estóicos, em negação do mundo. Assim, partem da última crítica citada acima

que Hegel faz aos estóicos, ou seja, os céticos realizam a negação iniciada, porém,

inacabada dos estóicos. Para Hegel,

fica patente que como o estoicismo corresponde ao conceito da consciência independente, manifestada como relação de dominação e escravidão, assim o ceticismo corresponde à realização da mesma consciência como atitude negativa para com o ser-Outro, [isto é], ao desejo e ao trabalho106.

Mas, a consciência cética ultrapassa o que o desejo e o trabalho não realizaram, ou

seja, a negação para a consciência-de-si. É relevante destacar que é no ceticismo que a

consciência utiliza pela primeira vez a dialética como movimento seu, eliminando falsas

independências. Também nesta figura Hegel realiza algumas críticas, demonstrando a sua

inconsistência. São elas: a consciência cética é prematura, pois não surge “como um

resultado que tivesse seu vir-a-ser na retaguarda”107; é confusão movimentada, pois oscila

entre “uma consciência que é empírica”108 e entre “uma consciência universal igual-a-si-

mesma”109. Assim, a consciência perde-se na sua inconsistência. O ceticismo acaba

negando tudo. Isso gera, na consciência-de-si, uma autocontradição.

A próxima figura, denominada de consciência infeliz, surge no lugar do ceticismo,

reunindo o que ele havia separado. A consciência infeliz lembra a dualidade senhor-

104 PhG, p.154. 105 PhG, p.155. 106 PhG, p.155. 107 PhG, p.157. 108 PhG, p.157. 109 PhG, p.157.

48

escravo, mas não como duas figuras exteriores a ela, porém interiores. Inicialmente há duas

consciências opostas para ela: uma é imutável e a outra é mutável e inessencial. Esta última

deve procurar se libertar desta posição. Todavia, tendo conhecimento do imutável, deve

buscar a libertar-se do inessencial, ou seja, de si mesma. Buscar o pólo superior, ou seja, o

imutável, mas, na realidade, já o possui. Com isso ocorre uma unidade na duplicidade da

consciência. Mesmo assim, continua a existir uma diversidade entre elas. O relacionamento

entre ambas as consciências percorre o seguinte trajeto: “1° - o Imutável é oposto a

singularidade em geral; 2° - o Imutável é um singular oposto a outro singular; 3 ° - o

Imutável, enfim, é um só com o singular”.110

No início, a consciência cindida almejava suprassumir a consciência singular para

se tornar imutável. Agora, tendo o imutável assumido uma figura singular, a consciência

visa encontrá-lo figurado. As relações que a consciência inessencial e mutável realiza para

alcançar o ser-uno é o seguinte: “1º - como pura consciência; 2º - como essência singular

que se comporta ante a efetividade como desejo e trabalho; 3º - como consciência de ser-

para-si”111. Como pura consciência, ocorre uma presença imperfeita do imutável – pois ele

não está presente por iniciativa da consciência e não por sua própria iniciativa -, mas,

mesmo assim, é superior do puro pensar dos estóicos e dos céticos. Assim, “a consciência

[...] apenas caminha na direção do pensar e é fervor devoto”.112 Através do sentimento a

alma visa atingir o imutável figurado, pois pensa ser conhecida por seu objeto que é

singular, mas nada consegue.

Como essência singular, a alma, agradecida ao imutável pelo desejo, trabalho e gozo

dos bens da terra, encontra-se em-si e para-si na ação de graças (onde busca contrabalançar

a graça recebida). Por fim, há a consciência de ser-para-si. Segundo Hegel,

na primeira relação era somente o conceito da consciência efetiva, ou a alma interior, que ainda não era efetiva no agir e no gozo. A segunda relação é essa efetivação como agir e gozar exteriores; mas a consciência que retorna dessa posição é uma experiência que se experimentou como efetiva e efetivante: uma consciência para a qual ser em si e para si é verdadeiro113.

110 PhG, p. 161. 111 PhG, p.163. 112 PhG, p. 164. 113 PhG, p. 168.

49

A consciência-de-si, por causa de sua singularidade (seu inimigo), se sente longe do

imutável. Mas, no funda da angústia que sente há uma consciência da união dela com o

imutável. Passa a destruir o seu inimigo. Por isso, ela se mortifica, renunciando aos bens,

ao gozo. “Precisa de um meio termo que subsuma sua vontade singular à universal, e

encontra o Ministro Mediador, que pronuncia a remissão e a reconciliação”114. Perante toda

a mortificação, “a consciência podia dar provas de sua renuncia a si mesma; porque só

assim desvanece a fraude que se aloja no reconhecimento interior da ação de graças”115,

que atribui tudo a um dom do alto. Só que todo o sacrifício que a consciência realizou é

operação do imutável, comunicada pelo ministro. Por isso, a consciência infeliz não

percebe que toda a renuncia realizada lhe trouxe o universal.

A consciência infeliz, caracterizando o cristianismo da Idade Média, mesmo estando

neste mundo, busca o objeto em um outro mundo inatingível. Para ela, qualquer

aproximação à divindade significa uma nulidade de si mesma. A superação disso, ou seja,

quando a consciência infeliz perceber que a verdade não está fora, mas dentro dela, levará a

uma nova síntese. Esta terceira etapa é a razão – unidade das duas etapas anteriores. Como

razão, segundo Hegel, a consciência “está certa de si mesma como [sendo] a realidade”116.

Essa é a visão do idealismo. Por fim, ao analisar as três figuras da liberdade da consciência,

observou-se que no estoicismo ocorre uma cisão da universalidade e da singularidade; no

ceticismo, há uma busca em uni-los; e na consciência infeliz, sendo que a cisão não foi

solucionada, a consciência é contraditória, por isso, infeliz.

Em última análise, as duas etapas da obra de Hegel, que propus desenvolver neste

artigo, buscam demonstrar o início da superação da cisão sujeito-objeto. A primeira é

denominado consciência. Esta possui como característica central a observação do mundo

como sendo diferente e independente de si. Os seus três momentos são os seguintes: certeza

sensível, percepção e intelecto. Na certeza sensível, a verdade inicialmente se mostra como

sendo o particular, mas é contraditório, tendo que passar para o geral. Na percepção, é o

objeto que se mostra como a verdade, no entanto, também é contraditório, pois é um objeto

com muitas propriedades. Por fim, no intelecto, a consciência compreende que o objeto

depende do intelecto, ou seja, dela.

114 MENESES, Para ler a Fenomenologia do Espírito, p. 68. 115 MENESES, Para ler a Fenomenologia do Espírito, p. 170. 116 PhG, p.173.

50

Por isso, a consciência se torna consciência-de-si. Essa é a segunda etapa. Nela,

Hegel mostra que o objeto é para si mesma. Inicialmente, ela é desejo e quer possuir as

coisas. Porém, ao se defrontar com outra consciência-de-si, numa luta de vida ou morte, ela

se realiza. Na luta não há morte, mas submissão (do servo ao senhor). Nessa relação

dialética, onde o senhor se limita a desfrutar das coisas produzidas pelo trabalho do servo,

acaba ocorrendo uma inversão dos papéis. E através do estoicismo, do ceticismo e da

consciência infeliz a consciência-de-si alcança sua plena consciência. A grande

contribuição hegeliana é que toda forma de consciência tem a sua verdade cognoscível por

meio da história, mas toda ela tem que dar o seu lugar a uma nova figura, até atingir o saber

absoluto, “o espírito que se sabe”.117 A Fenomenologia, em última análise, descreve o

processo de transformação da certeza em verdade.

2.2.3 A fenomenologia da razão

Toda consciência é consciência-de-si e toda consciência-de-si se descobrirá como

razão. Ela surge quando a consciência adquire a “certeza de ser toda a realidade”.118 Por

meio do caminho desenvolvido pela razão será mostrada a unidade entre o ser e o pensar, a

universalidade e a singularidade e o sujeito e o objeto. O caminho é composto por três

momentos. Ei-los: a razão que observa a natureza (revisa as figuras da consciência); a razão

que age (revisa as figuras da consciência-de-si); e, por fim, a razão que adquire a

consciência de ser espírito.

Na razão, a consciência está certa de ser a verdade. Segundo Hegel, “no pensamento

que captou – de que a consciência singular é em si a essência absoluta -, a consciência

retorna a si mesma”.119 Quando ela era a consciência infeliz, o seu em-si é um além de si

mesma. Ela renunciava a consciência singular. Agora é diferente, pois ela descobre que

tudo lhe pertence. O Outro não é mais uma ameaça. Desta forma, “seu pensar é

imediatamente, ele mesmo, a efetividade; assim, comporta-se em relação a ela como 117 PhG, p. 537. 118 PhG, p. 173. 119 PhG, p. 172.

51

idealismo”.120 Portanto, adota o idealismo. Fazendo isso, o mundo é visto como se fosse

pela primeira vez.

Antes não havia compreensão acerca do mundo, mas somente desejo e trabalho. A

consciência retirava-se do mundo. Agora, assumindo sua singularidade como realidade

verdadeira, tem interesse no mundo, pois “a consciência tem a certeza de que só a si

experimenta no mundo”.121 O idealismo - a primeira figura da razão - apresenta a razão

como sendo “a certeza da consciência de ser toda a realidade”.122 Já foi visto que no

primeiro momento denominado de consciência, a verdade estava no ser; na consciência-de-

si, a verdade se determinava apenas para a consciência; agora, no entanto, há uma única

verdade: “ou o Em-si somente é, enquanto é para a consciência; e o que é para ela, é

também em si”.123

Quando a consciência surge como razão desconhece todo o caminho percorrido. Por

isso, no seu início, o idealismo tem defeitos: ele é imediato (“Eu sou Eu”) e,

conseqüentemente, abstrato. A consciência enquanto razão pode oferecer uma união

imediata do eu com o objeto, porém é só no saber absoluto que se terá a plenitude da

realidade que esta identidade poderá significar. Portanto, a forma mais simples em que a

razão se exprime é quando ela afirma “eu sou todas as realidades”. Esta é a manifestação

mais pobre e indeterminada da tentativa de a consciência atingir a essência através do que

lhe é próprio enquanto razão. Com a razão há uma identidade imediata entre o ser e o

pensar. A plenitude da identidade só ocorrerá no saber absoluto.

Hegel critica o idealismo de Fichte e de Kant dizendo que suas formulações “são

insatisfatórias e terminam caindo no empirismo que queriam evitar: um idealismo vazio não

realiza o que proclama. A realização plena de sua proposta passa por outro e mais longo

caminho”.124 Hegel não concorda com o idealismo kantiano, quando esse afirma que a

unidade simples da consciência seja imediatamente a essência do real e que haja na

categoria diferenças e espécies, em número determinado.

Enfim, a razão se articula, em primeiro lugar, quando a consciência procura a

própria efetividade no elemento imediato do ser e, como razão observativa, tenta reduzir a

120 PhG, p. 173. 121 PhG, p. 173. 122 PhG, p. 173. 123 PhG, p. 174. 124 PhG, p. 77.

52

leis a relação entre orgânica e inorgânica e a própria estrutura do organismo vivo; num

segundo momento, quando ela procura o próprio apaziguamento na unidade com outras

autoconsciências; por fim, quando é levada a reconhecer, no operar de todos e de cada um,

a viva compenetração de singularidade e de universalidade. A razão que observa irá repetir

o movimento que a consciência executava no elemento do ser (certeza sensível, percepção e

entendimento); a razão que opera irá repetir o movimento da consciência-de-si (passando

da dependência para à liberdade da consciência-de-si).

Na etapa denominada a “razão que observa”, a razão retorna ao caminho que já

percorreu, porém “não como na certeza de um que apenas é Outro, e sim com a certeza de

ser esse Outro mesmo”.125 A razão sabe que o mundo é racional, pois ele é penetrável por

ela mesma. Nesse momento, a consciência muda de atitude diante da realidade, pois agora

o outro não a ameaça, mas se identifica com ele. Hegel ensina que por meio da observação

que a ciência realiza em meio a multiplicidade de fatos, ela acaba buscando a razão. A

consciência, chamada de razão, observa e experimenta, não ficando apenas coletando dados

como fazia na certeza sensível e na percepção. Agora ela classifica e formula leis. O

problema é que ela não capta a essência das coisas sensíveis, transformando somente as

coisas em conceitos. Por isso, a razão deixa de observar as ciências naturais e biológicas e

passa a observar a consciência humana. Ela se depara com uma infinidade de faculdades,

paixões e inclinações. Busca, em meio a isso, encontrar uma ligação entre espírito e seu

mundo. Os resultados dessa busca são falhos, pois não alcançam seus objetivos.

A razão busca conhecer-se reexaminando o conteúdo anterior da consciência sob

nova luz. Agora a razão observa e experimenta e não fica apenas coletando dados como

fazia antes. Num primeiro momento, a razão irá observar a natureza; num segundo, o

espírito; e, num último momento, a relação entre ambos como ser sensível.

Na observação da natureza, a razão busca abranger a totalidade das coisas. Assim,

ela observa, classifica, promulga leis e experimenta, para, desta forma, ter a lei em sua

pureza. Nesta busca que a razão realiza, o estudo do orgânico tem um lugar de destaque,

pois ele é dotado de uma unidade interna que rege suas relações com o meio. A essência do

ser vivo é a sua finalidade imanente. Num organismo, tudo está subordinada à sua unidade

interna. Todavia, o ser vivo não é o universal concreto como o ser espiritual. Por isso, a

125 PhG, p. 179.

53

razão que observa não consegue não consegue encontrar nas suas determinações um

sistema racional de figuras. Como a razão não se encontrou de forma satisfatória no estudo

da natureza, ela passa a investigar a consciência humana, com esperança de aí se encontrar.

A busca agora é de leis que regem o pensamento. Essas leis não são as leis da realidade,

mas as leis do pensamento. Aqui a razão observadora se engana, pois essas leis são o

próprio movimento puro do conceito, que não somente tem um conteúdo, mas é o próprio

conteúdo. Assim, ao observar as leis do pensamento, a razão tomou como coisa o próprio

movimento do espírito; porém, desta maneira, ela não chega a entender o seu objeto.

Procura então a observar e a catalogar as outras atividades do espírito. Busca encontrar uma

correlação entre o espírito e o seu mundo. O que produz é uma ciência psicológica falha

pela base, pois não estabelece as leis que pretende. Portanto, a razão observadora encontrou

no mundo inorgânico o conceito sob a forma de lei; observando o mundo orgânico,

encontrou o conceito como vida; observando a consciência-de-si, encontrou o conceito

como conceito.

Para encontrar-se a si mesmo no outro, a razão deve ultrapassar o momento da

observação, passando para o momento da ação, ou seja, passar para o momento onde há a

“razão que opera”. As figuras que sucedem à razão observativa são de interesse prático

relevante, pois não será mais tratado o modo como a razão se acha na exterioridade, mas a

atividade com que a razão se produz a si mesma. Aqui, Hegel faz pela primeira vez a

distinção entre moralidade e eticidade. A eticidade é o reconhecimento entre as

consciências-de-si. Isso existe na vida de um povo, em que as essências singulares se

sacrificam para atingir a essência universal que é a razão. Tudo nesse mundo é recíproco. O

individuo vive imerso no ethos e costumes de um povo livre e é feliz. Já no mundo da

moralidade, o indivíduo não vive com a tranqüilidade e a felicidade do mundo da eticidade.

Ele está longe da tranqüila harmonia. Desta forma, a inquietude moral pode ser tomada

como se o calmo reino da eticidade tivesse sido perdido ou como se ainda não tivesse sido

atingido.

O movimento em busca desse mundo da eticidade perpassa por três figuras morais:

o prazer e a necessidade; a lei do coração e o delírio da presunção; e, a virtude e o curso do

mundo. O prazer e a necessidade representa a figura em que o homem busca a felicidade no

prazer e no gozo. Porém, só encontra a necessidade, identificando-se com ela. Na lei do

54

coração e o delírio da presunção, o homem segue a lei do coração individual e tenta

imprimi-la no mundo real. Porém, nota que o que ele quer é muito perverso. Para fugir

disso, deseja sacrificar sua própria individualidade. A virtude e o curso do mundo mostra o

homem virtuoso, tentado realizar tal sacrifício, mas ainda de modo abstrato, acabando

sendo derrotado pelo curso do mundo. Portanto, num primeiro caso, os indivíduos e os seus

impulsos são concebidos como imediatamente absorvidos na substância ética de um povo,

segundo a representação que Hegel tem da eticidade imediata do mundo grego; num

segundo momento, considera-se que a unidade da eticidade está perdida, porque é apenas

imediata.

A “razão que unifica” é a síntese da razão que observa e da razão que age. Agora, a

razão chega, na sua experiência ao conceito de ser toda a realidade. A razão que unifica

encontra nela mesma o conteúdo do mundo, sendo, na certeza de si mesma, toda a

realidade. A consciência-de-si descobre-se como razão. Ela descobre que a substância ética

é aquilo que ela está imersa, ou seja, o ethos da sociedade e do povo em que vive. Em

linhas gerais, a razão é onde ocorre a unidade do sujeito e do objeto, da universalidade e da

singularidade

A quarta etapa do itinerário fenomenológica é denominada de espírito. Foi visto que

toda consciência (em si ou ser do espírito) é consciência-de-si (em ser-para-si do espírito) e

essa se descobre como razão (na união do ser-em-si e do ser-para-si, ou seja, na identidade

do ser e do pensar). A razão irá se realizar como espírito. O espírito é a razão que se realiza

em um povo livre e em suas instituições. Ele é divida em três figuras: o espírito verdadeiro:

a eticidade; o espírito alienado de si mesmo: a cultura; e, o espírito certo de si mesmo: a

moralidade. Essas figuras não são mais figuras abstratas da consciência, mas do mundo.

A eticidade, ou seja, o mundo ético, apresenta uma dualidade entre a universalidade

e a singularidade. Nesse mundo, a lei humana está representada pela comunidade

(universal) e a lei divina, pela família (singular). O dinamismo entre o universal e o

singular faz com que a comunidade e a família se complementam e se unificam. Porém,

essa tranqüilidade é rompida com a ação, que é a passagem de uma para o outro dos

opostos. A ação caracteriza-se como culpada, pois, ela faz com que escolhido um dos lados,

cometendo o delito de violar o outro lado da essência. Ao reconhecer a culpa, admite outra

lei como efetiva. Conforme Meneses,

55

o mundo ético está fadado ao desaparecimento, porque ao passar de seu conceito para a ação, suas contradições vêm à tona. A oposição das duas leis faz que a ação segundo uma delas seja delito e culpa para a outra lei. A tragédia grega ilustra genialmente esse conflito126.

No lugar do mundo ético surge uma multiplicidade de indivíduos, chamados de

pessoas. Contudo, a unidade do mundo ético irá se alienar. O espírito alienado pertence ao

mundo da cultura e nele não se reconhece. Há uma alienação no mundo da efetividade e no

mundo do pensamento (que se divide em mundo da fé e em mundo da pura intelecção do

Iluminismo). O mundo da efetividade é produzido pela consciência-de-si, porém ela o

considera estranho e o deve apoderar. A fé é um pensar que vai além da pura consciência,

chegando a representação. Ela cria um mundo supra-sensível. A pura intelecção,

representante do Iluminismo e relevante para a época declara guerra à fé, chamando-a de

supersticiosa. Desse combate, a Ilustração sai vitoriosa. Além disso, ela se divide em

materialista e em racionalista (deísta). O ponto final alcançado pelo Iluminismo foi o

utilitarismo.

A fase do Terror da Revolução Francesa, em que a morte é a sua única obra,

dirigida pelos jacobinos através da figura de Robespierre, revela o fracasso do movimento.

Isso foi inevitável, não sendo um acidente de percurso, pois o que se almejava era a

liberdade absoluta sem mediação alguma. Todavia, ao enfrentar a morte, o espírito realiza

uma inversão. Perante a liberdade absoluta, o espírito alienado retorna a si e de dirige parta

a consciência moral. A última figura do espírito denomina-se o espírito certo de si mesmo

(a moralidade).

A consciência que é consciência-de-si se descobre, agora, como razão. Essa se

realiza como espírito, que por meio da religião alcança o saber absoluto. Portanto, a religião

é o meio que o espírito toma para chegar ao saber absoluto. Na religião, o espírito toma

consciência de si mesmo, mas somente do ponto de vista da consciência da essência

absoluta, pois ela ainda está no elemento da representação.

É no saber absoluto ou conceitual, ou seja, na filosofia, que o espírito consciente de

si supera toda a dualidade. Superando o saber representativo da religião, o saber absoluto

chega ao puro conceito, que é o sistema da ciência. O sistema Hegel expõe na Lógica, na

126 MENESES, Para ler a Fenomenologia do Espírito, p. 46.

56

Filosofia da Natureza e na Filosofia do Espírito. Todos os momentos e as figuras do

itinerário fenomenológico são etapas do vir-a-ser do saber absoluto, que é o espírito que se

sabe como espírito. Conforme Moraes, “o saber absoluto não é o saber absolutamente tudo,

mas o saber que se sabe a si mesmo ou o momento em que o espírito alcança o saber de si

mesmo como espírito”.127

127 MORAES, A metafísica do conceito, p. 274.

57

3 A SUPERAÇÃO DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL PELO IDEALISMO

ABSOLUTO

Esta terceira parte da dissertação irá investigar a superação do idealismo

transcendental kantiano realizado pelo idealismo absoluto hegeliano. Já foi visto que o

idealismo transcendental significa a não possibilidade de conhecer as coisas tal como elas

são nelas mesmas, ou seja, que não é possível conhecer a coisa-em-si e o Absoluto; e, que o

idealismo absoluto ensina que é possível conhecer a coisa-em-si e o Absoluto128. Isso

ocorre porque Kant permanece preso ao entendimento, que não consegue ir além do âmbito

fenomênico e Hegel supera o entendimento e alcança a razão, que pensa a unidade além do

mundo empírico. Será defendida, nesta última parte, a superação que Hegel realiza ao

criticar a filosofia de transcendental Kantiana. Confome Kojève, “para que o idealismo seja

verdadeiro, é preciso que Eu seja um [...] em si toda a realidade”.129

3.1 Entendimento e razão

O movimento do espírito é circular, ou seja, ele reflete-se em si mesmo. Isso é

visível no seguinte trecho: “a lógica têm, segundo a forma, três lados: a) o lado abstrato ou

do entendimento; b) o dialético ou negativamente racional; c) o especulativo ou

positivamente racional”.130 Portanto, esse movimento divide-se em três momentos: o ser

em-si (o lado abstrato ou intelectivo); o ser outro ou fora-de-si (o lado dialético em sentido

estrito ou negativamente racional); o ser para-si (o lado especulativo ou positivamente

racional).

128 Conforme Ferro e Tavares, “para os filósofos do idealismo alemão, o ponto de partida é a existência indiscutível do absoluto, do incondicionado” (FERRO e TAVARES, Análise da obra Introdução à História da Filosofia de Hegel, p. 26). 129 KOJÈVE, Introdução à leitura de Hegel, p. 75. 130 Enz, I, p. 159.

58

O primeiro momento é compreendido pela faculdade do intelecto que abstrai

conceitos determinados e se detém na determinação dos mesmos. Porém, isso não significa

que o intelecto é desnecessário. A filosofia, segundo Hegel, deve começar por ele. Todavia,

ela deve superá-lo, pois ele apresenta um conhecimento inadequado permanecendo

encerrado no finito. O trabalho do intelecto é distinguir e separar e, por isso, o intelecto

apresenta um conhecimento inadequado. O conteúdo nunca é um dado isolado.

A razão vai além do intelecto. Ele tem um estágio negativo e um outro positivo, que

são respectivamente o segundo e o terceiro momento da dialética. O momento negativo

remove a rigidez do intelecto. Assim, toda determinação do intelecto se transforma numa

determinação contrária. Conforme Reale e Antiseri,

o conceito de “uno”, tão logo é extraído de sua rigidez abstrata, requer o conceito de “muitos”, mostrando estreita ligação com ele (não podendo pensar o uno de modo rigoroso e adequado sem a relação que o liga com os muitos), podendo-se dizer o mesmo para os conceitos de “semelhante” e “dessemelhante”, “igual” e “desigual”, “particular” e “universal”, “finito” e “infinito”, e assim por diante. Aliás, cada um desses conceitos dialeticamente considerados parece inclusive “transformar-se” no próprio oposto e como que “dissolver-se” nele131.

O momento do negativo na dialética consiste na falta que cada oposto revela quando

se defronta com o outro. Essa falta é relevante, pois é por meio dela que ocorre a busca de

uma síntese superior. O momento culminante da dialética é a síntese superior, é o momento

especulativo, é o momento positivo. Aqui há a resolução dos opostos, ou seja, a síntese dos

opostos, a união dos opostos. Assim, a lógica de Aristóteles permanece encerrada nos

limites do intelecto. Em contrapartida, a proposição especulativa, que é própria da razão,

supera a rigidez do intelecto e expressa o movimento dialético. Segundo Cirne-Lima,

“dialética é o Jogo de Opostos, sim, mas sempre de Opostos Contrários, jamais de Opostos

Contraditórios”.132

O lado especulativo, que designa a filosofia especulativa, é a unidade do lado do

entendimento e do lado dialético. Portanto, a filosofia especulativa não rejeita o lado do

entendimento, mas afirma que ele não dá conta de capturar toda a realidade e jamais

131 REALE E ANTISERI, História da Filosofia, v. 5, p. 107. 132 CIRNE-LIMA, Depois de Hegel, p. 115. Ver também Cf CIRNE-LIMA, Dialética para principiantes, p. 106.

59

conhecerá o Absoluto. Já o momento dialético caracteriza-se por conhecer o infinito e

frente às contradições, ele as supera através da passagem das determinações aos seus

opostos.

Porém, a grande novidade apresentada por Hegel é o terceiro momento, denominado

de especulativo. É ele que apreende a unidade na sua oposição. “O resgate da metafísica só

é possível, portanto, mediante uma filosofia especulativa para a qual a aparente dispersão e

multiplicidade do mundo finito nos possa levar a uma unidade da diferença unidade essa

que é a Razão, ou o Absoluto”.133 Desta forma, Hegel deixa claro que a apreensão do

Absoluto não pode ser feita por meio do entendimento, como fez o projeto crítico de Kant.

Na obra Ciência da Lógica, Hegel expõe novas categorias para explicar a exposição do

Absoluto na multiplicidade do mundo. O grande passo não dado por Kant, Hegel deu, que

foi identificar a identidade entre pensamento e realidade.

Hegel, tal como Kant, distingue o entendimento da razão134. A ciência é, para Kant,

obra do entendimento analítico. Essa visão é redutora. Em Hegel, o entendimento é

integrado na dinâmica da razão e esta, como razão concreta e dialética, é a forma mais

adequada de pensar o real. A raiz das contradições da filosofia kantiana está no fato de que

o pensamento é movido pelo entendimento. Ele separa, divide, limita, isola, cria oposições,

fomenta dualismos; já a razão, une. O entendimento opera na finitude mediante distinções e

abstrações; a razão busca restabelecer as relações que unem os diferentes momentos do

conhecimento.

O entendimento é capaz de pensar somente objetos finitos e condicionados, ou seja,

fenômenos e é nele que a metafísica seria possível como ciência. Conforme Hartmann, o

entendimento “só vê o parcial, não o todo”.135 A razão é que pensa o todo, a unidade além

do mundo empírico, ou seja, conceitos infinitos e incondicionados. Enquanto o

entendimento encerra-se em dados empíricos, a razão vai além dos limites da experiência.

Porém, esse conhecimento da razão, por não ter nenhuma correspondência com os dados

empíricos, não tem validade científica. O entendimento formula juízos que podem ser

133 BORGES, História e metafísica em Hegel: sobre a noção de espírito do mundo, p. 83. 134 A reflexão, para Hegel, é a reflexão da razão e não do entendimento como observava Kant. Conforme Salgado, “a relação pode ser formal, do entendimento, caso em que a reflexão pára na fixidez dos pólos; ou dialética, em que os pólos se consomem num movimento tal que um pertence ao outro por mudança recíproca” (SALGADO, A idéia de justiça em Hegel, p. 128). 135 HARTMANN, A filosofia do idealismo alemão, p. 359.

60

verificados e legitimados pela intuição. A razão profere silogismos sobre puros conceitos

ou idéias. Contudo, ao mesmo tempo em que o entendimento é inimigo da razão concreta,

ele lhe é indispensável. A verdade antes de Hegel era obra do entendimento; a verdade em

Hegel é obra da razão concreta. A razão ontológica revela-se como totalidade dinâmica,

dialética, progressiva, como unidade que não admite nada fora dela. Hegel tem a

necessidade de superar as abstrações e separações do entendimento e, discordando de Kant,

ele irá dizer que tudo na realidade está em relação e a relação sujeito-objeto é apenas um

caso disso.

As grandes concepções de verdade anteriores a Hegel são dualistas. Por exemplo,

conforme Kant, se a realidade numênica é incognoscível e apenas se conhece os

fenômenos, então a verdade não é a adequação do pensamento ao real. O sujeito kantiano

não é substancial, mas transcendental. Hegel não é dualista como a maioria dos filósofos

anteriores a ele. Se nas filosofias anteriores a verdade é obra do entendimento, em Hegel é

tarefa da razão. A verdade é o todo. A sua visão é relacional, verdade como totalidade

orgânica, como processo, ou seja, a verdade se constitui progressivamente e o absoluto se

conhece dinamicamente. A razão supera o entendimento e a intuição sensível, pois são

unilaterais, a parciais e a incapacidade de uma visão relacional.

3.2 A superação do idealismo transcendental: a verdade está no Absoluto

Apesar dessa divergência de Hegel em relação a Kant, a base filosófica para o

surgimento do idealismo absoluto se encontra na filosofia Kantiana, que é o Eu penso. Para

Kant, tudo o que é conhecido deve estar em relação com o Eu penso. Todavia, existe um

elemento exterior à autoconsciência: a coisa-em-si. E é justamente a coisa-em-si que

impede o Eu penso em se converter em princípio absoluto, sendo a origem das aporias

encontradas em sua filosofia. Hegel irá retomar o Absoluto como objeto do conhecimento.

Isso pressupõe uma crítica à filosofia kantiana. Se Kant visa delimitar o espaço do saber

para buscar um lugar para a crença, Hegel salienta que essas são duas formas de tratar o

mesmo objeto.

61

Kant pretendia pôr limites ao conhecimento humano e demonstrar que a metafísica

é impossível como ciência. Ele mostra que os conceitos puros do entendimento não podem

representar objeto algum e as idéias da razão estão mais afastadas da realidade objetiva do

que as categorias. “O deslocamento do idealismo transcendental ao idealismo absoluto faz-

se mediante uma transformação da idéia reguladora de Deus – sob a forma, entre outras, do

intelecto intuitivo – para uma idéia constitutiva de um intelecto infinito”.136 Kant elabora

um projeto que não visa a totalidade e critica todas as idéias que expressam o

incondicionado; Hegel, ao contrário, pretende conhecer o Absoluto. Essa é a grande

diferença entre os dois projetos. Kant pretende conduzir a filosofia pra o caminho seguro da

ciência. Para isso, ele define e delimita o exercício da razão. Hegel volta-se contra o

pensamento kantiano quando este considera a razão como um postulado subjetivo e quando

ele restringe a metafísica ao âmbito do entendimento.

Hegel inova com a superação dos dualismos, recuperando a unidade. Se o Absoluto

foi objeto da filosofia para os pensadores pré-hegelianos, em Hegel é tomada uma nova

acepção. O Absoluto já fora o divino, mas para Hegel ele é a totalidade, a identidade entre

real e racional, entre Deus e o universo (monismo panteísta), a unidade absoluta e não o

absoluto transcendente. O “Absoluto corresponde precisamente ao processo mediante o

qual a substância se torna sujeito e coincide consigo no seu saber de si”.137 Ao contrário de

um Absoluto estático que se encontra em Spinoza, em Hegel ele passa a ser visto como

mutabilidade, processo. A razão deixa de ser meramente gnoseológica e passa a ser

ontológica e, conseqüentemente, a verdade é o todo. A razão readquire um poder ilimitado,

é razão metafísica, ao contrário da razão kantiana que estabelece limites, demarcando as

esferas do saber.

Hegel, na Ciência da Lógica, enfatiza que um povo sem metafísica é um povo sem

essência. Por isso, ele pretende reconquistar os objetos perdidos pela filosofia kantiana. A

Lógica retoma a ontologia, ou seja, um projeto que pretende dizer o ser e não apenas o

fenômeno. A sua Lógica não é nem uma lógica formal e nem uma lógica transcendental. As

categorias estudadas por ele não são categorias somente do pensamento, mas também do

ser. Será que a metafísica de Hegel, que encontra o seu cerne na Lógica, não seria uma

136 BORGES, História e metafísica em Hegel: sobre a noção de espírito do mundo, p. 97. 137 ROSENFIELD, Hegel, p. 48.

62

volta à metafísica antiga? Quando Kant afirma a impossibilidade de se conhecer a coisa-

em-si, ele diz também que para conhecê-la é necessário possuir um outro tipo de intuição

diversa da intuição sensível, ou seja, uma intuição intelectual. Porém, Hegel é claro ao

dizer que o acesso do Absoluto via a intuição é impossível.

Hegel retoma os objetos da antiga metafísica e considera objetos de um

conhecimento possível, todavia, recusa o seu método. Essa metafísica antiga mantinha uma

relação unilateral com o conhecimento, onde a consciência era submetida à realidade

exterior a ser apreendida tal qual é. Hegel constrói uma metafísica que dê conta da

objetividade de uma forma crítica. Já a metafísica pré-crítica mantinha-se na crença da

possibilidade da apreensão ingênua da verdade do mundo, pensando assim que se pudesse

chegar ao conhecimento do Absoluto por meio da mera atribuição de predicados finitos.

Conforme Hegel,

essa metafísica [a antiga metafísica] considerava as determinações-de-pensamento como as determinações fundamentais das coisas. [...] Aquela metafísica pressupunha, em geral, que o conhecimento do absoluto se poderia obter desta maneira: por lhe serem atribuídos predicados; e não examinava nem as determinações-de-entendimento segundo seu conteúdo e valor próprios, nem tampouco essa forma, a de determinar o absoluto pela atribuição de predicados138.

Pensar uma metafísica pós-kantiana é uma tarefa difícil. Kant, com o seu projeto

crítico, delimita o conhecimento e sublinha que é impossível conhecer o Absoluto, pois ele

trata-se do objeto de uma crença racional, não de um saber. Hegel constrói uma metafísica

e, ao contrário com a de Kant, pretende conhecer o Absoluto.

Hegel, apesar de considerar a antiga metafísica superior à filosofia crítica, aponta

que ela errou em considerar que podia chegar ao conhecimento do Absoluto, atribuindo ao

Absoluto predicados que não o esgotam. É impossível atribuir predicados de entidades

finitas para entidades infinitas, pois isso em cair em antinomias, como bem mostrou Kant.

Então, como conhecer o Absoluto? Hegel não volta à metafísica, mas apenas se inspira

nela. A grande diferença de Hegel e dos filósofos antigos esta no modo de apreender os

objetos: não mais por meio de representações, mas pelo pensamento. A representação

conhece os objetos por meio do entendimento, ou seja, toma os objetos isoladamente e eles

138 Enz, I, p. 90.

63

são a soma das determinações isoladas. Hegel propõe a filosofia especulativa para não cair

na parcialidade do entendimento. Por fim, “Hegel faz do idealismo absoluto o emblema de

sua filosofia”.139 Em suas palavras,

as coisas, sobre as quais sabemos imediatamente, são simples fenômenos,não apenas para nós, mas em si, e que a determinação própria das coisas pode também ser designada como idealismo; todavia – diferentemente desse idealismo subjetivo da filosofia crítica – como idealismo absoluto140.

Pode–se ver que o ponto de partida da Crítica da Razão Pura é diferente da

Fenomenologia do Espírito. Kant considera o conhecimento como um instrumento. Hegel

critica essa visão kantiana afirmando que é impossível a existência do Absoluto separado

do conhecimento e vice-versa. Hegel é monista e afirma que a coisa-em-si e o fenômeno

não são dois mundos separados. Conforme Garaudy,

Hegel assim dava fim a todas as ‘robinsonadas’ filosóficas do idealismo subjetivo e de todas as suas variantes, que tomam por ponto de partida uma ilusória consciência pura, arbritariamente separada da realidade, e que é, além disso, uma consciência estritamente individual. Hegel teve o mérito de renunciar a esta dupla abstração: a consciência está sempre imersa na realidade e é sempre social, portadora de uma ‘cultura’ e de uma história que é a da espécie, de seu trabalho, de suas conquistas141.

O ponto de partida hegeliano é o Absoluto e ele se identifica com a razão. Portanto,

tudo o que existe é manifestação da razão. A razão não é estática, ou apenas uma faculdade

captadora de conceitos, sendo, portanto, subjetiva, mas ela é dinâmica. Hegel pretende ir

além da filosofia de Spinoza, de Kant, de Fichte e de Schelling. Ele propõe instaurar uma

filosofia idealista, que chegue ao Espírito Absoluto, alcançando a unidade do ser e do

pensar. Sua filosofia pensa o Absoluto como sujeito e isso é o mesmo que pensar o mundo

em sua totalidade e em seu devir histórico.

O problema do idealismo de Kant, segundo Hegel, está nas oposições fixadas, que

são fundidas nos dualismos intransponíveis, como o da razão e do entendimento. “A

unidade que a Idéia da Razão deveria fornecer se reduz a uma identidade formal, de caráter

regulador, porém totalmente desprovida de conteúdo e determinação, que se justifica pela

139 KERVÉGAN, Hegel e o hegelianismo, p. 111. 140 Enz, I, p. 116. 141 GARAUDY, Para conhecer o pensamento de Hegel, p. 45.

64

manutenção da oposição”.142 Quando Kant promove o entendimento e não a razão como o

método de conhecimento da realidade, mostrando que as verdades acerca da realidade são

os conceitos fixos e excludentes, ele acaba expondo uma ontologia que exclui qualquer

forma de relação ou de mútua referencialidade. As antinomias da razão acabam

reproduzindo a posição entre o modo de conhecer os fenômenos pelo entendimento, ou

seja, pelos silogismos empíricos, e pela razão, através dos silogismos dogmáticos. O

esclarecimento do conflito entre os conceitos se resolve pela delimitação das duas formas

distintas de pensar os objetos: como fenômenos ou como conceito.

Hegel conclui que o pensamento de Kant tem por base um dualismo intransponível

entre a razão e o entendimento. Por isso, ele condena a filosofia transcendental, pois ela

restringe o pensamento filosófico ao entendimento – sendo incapaz de apreender a

realidade em sua verdade. Kant cinde o sujeito que conhece e o objeto conhecido e é

incapaz de pensar a inter-relação entre ambos. O sujeito jamais encontrará a sua própria

essência, limitando-se a conhecer o mundo e a si mesmo somente pela aparência. Hegel

nega a distinção entre a natureza e o espírito, entre o finito e o infinito, entre ser e pensar,

entre fenômeno e o númeno.

Kant parte com a reflexão sobre a ciência físico-matemática no intuito de

estabelecer as distinções entre a ciência e a metafísica, demonstrando a impossibilidade da

metafísica como ciência e a incognoscibilidade do Absoluto. Hegel parte da existência

indiscutível do Absoluto e se opõe a todas as formas de dualismos, defendendo a identidade

entre ser e pensar. Para Kant, o pensamento é legislador do mundo cognoscível e afirma

que a condição para a existência do conhecimento é o Eu como princípio da consciência.

Por isso, o verdadeiro princípio especulativo, para Hegel, inicia por Kant, pois deve existir

um sujeito que possibilite o conhecimento. Enquanto Kant anuncia o que não pode ser a

metafísica, Hegel anuncia o que ela pode ser.

142 FELIPPI, O espírito como herança: as origens do sujeito contemporâneo na obra de Hegel, p. 50.

65

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi investigar a crítica que o idealismo absoluto hegeliano

fez ao idealismo transcendental kantiano. O resultado obtido dessa discussão reside em

compreender o projeto hegeliano como uma retomada da metafísica como possibilidade de

conhecer o Absoluto. Para Hegel, a filosofia crítica é aquela que antecipou a identidade

entre ser e pensar. Kant é o filósofo que chegou ao limite dessa discussão, porém não foi

capaz de afirmar essa identidade. Por isso, Hegel, com o seu idealismo absoluto, irá superar

os impasses do idealismo transcendental kantiano. O ponto de partida do pensamento

hegeliano é Kant. Hegel percebe que as categorias não são somente expressões de nosso

modo de conhecer. Elas devem ter também validez para as coisas mesmas. Kant diz que o

saber se encerra no sujeito. Já Hegel, diz que o verdadeiro saber deve abarcar tanto o sujeito

como o objeto. O ponto de partida do pensamento de Hegel é o princípio do sujeito. Em

Kant, o sujeito está separado do Absoluto e da substância. Há um elemento exterior da

consciência que permanece desconhecido, que é a coisa-em-si. Para Hegel, nada pode ser

exterior da consciência.

Enquanto Kant salienta que o entendimento é a faculdade de conhecer por

conceitos, Hegel afirma que o entendimento ou a razão abstrata é a faculdade da

unilateralização, que separa, isola e abstrai a realidade; enquanto Kant ressalta que o

entendimento distingue-se da razão porque une numa representação intelectual a

representação sensível, Hegel diz que o entendimento distingue-se da razão porque

corresponde ao finito, voltando-se apenas a uma das partes e não para o todo; enquanto

Kant diz que a razão se caracteriza pela busca do incondicionado e tende a ir além do

fenômeno, pois não se contenta com as sínteses do entendimento, Hegel ressalta que a

razão pensa e conhece a realidade, o Absoluto.

O pensamento kantiano é dualista, ou seja, ele distingue o fenômeno e o númeno, o

finito e o infinito, o ser e o pensar. Portanto, não é possível conhecer o Absoluto. E mesmo

buscando o conhecimento do Absoluto, a razão se perde em paralogismos e antinomias. Já

o pensamento hegeliano é monista, ou seja, não há a distinção entre fenômeno e númeno,

finito e infinito, ser e pensar. Assim, é possível conhecer o Absoluto. Hegel entende a

realidade não como substância, mas como sujeito, espírito. Para ele, o espírito é infinito. E

66

isso vale para todo o real desde as suas partes como em seu todo. Ele busca destacar que a

realidade não é uma coisa, uma substância, mas é processo, é movimento. A realidade

entendida como espírito tem uma vida própria, tem um movimento dialético. Desta forma, a

parte é indispensável ao Absoluto.

67

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