Ponty_O Olho e o Espirito
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Julia Valle Noronha
Fichamento
O Olho e o Espírito Maurice Merleau‐Ponty
Trabalho de fichamento apresentado junto ao curso de Pós
Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, linha de pesquisa Poéticas Interdisciplinares, como
exercício para a disciplina Leituras Poéticas em Arquitetura
(FAU‐UFRJ) ministrada pelas professoras Beatriz Santos de
Oliveira e Fabíola do Valle Zonno. Orientador: Carlos Augusto
Nóbrega.
2013
Rio de Janeiro
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Fichamento
The Eye and The Mind / O Olho e O Espírito
<Merleau-Ponty, Maurice . The Merleau-Ponty Reader, Northwestern University
Press, Illinois: 2007>
<Merleau-Ponty, Maurice. O Olho e O Espírito, Cosac e Naify, São Paulo: 2007>
Resumo
O presente trabalho cosiste em uma leitura do texto “O Olho e o Espírito” de Maurice Merleau-Ponty. Foram analisadas as versões em língua portuguesa e inglesa com a finalidade de possibilitar comparações. No texto em questão, o autor quebra com a noção Cartesiana que distingue corpo e mente e propoe a fusão entre o físico e o pensar, bem como a construção pessoal da percepção do mundo. A visão, portanto, seria um pensamento condicionado à experiência do corpo, quem ‘vê’, enquadra, captura e seleciona uma cena. O livro em questão contribui para a produção filosófica em fenomenologia. Aqui, a divisão proposta por Merleau-Ponty em compartimentar o livro em 5 partes é mantida e são apresentados pontos tomados como relevantes ao longo da leitura, observações quanto a terminologias, conceituações e percepções sobre o texto por parte da autora deste trabalho. Abstract The present work Consist on a possible reading for “The Eye and The Mind” by Maurice Merleau-Ponty. The english and portuguese version were analysed in order to allow comparisons. In the text discussed here, the author breaks with the cartesian notion that separates body and mind and proposes fusing body and mind, as well as building a personal perceiving of the world. The vision, thus, would be a way of thinking conditioned to the experiences of the body. Who sees, frames, captures and selects a scene. The book contributes to the philosofical production in fenomenology. Here the division proposed by Ponty in parting the book in 5 parts is kept and points taken as relevant while reading, as well as observations regarding terminology, concepts and perceptions on the text by the writer of this paper will be presented.
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I
Merleau-Ponty abre a primeira parte de seu texto com a seguinte frase, “A ciência
manipula as coisas e renuncia a habitá-las” (pg. 13), o que informa de maneira
interessante o conteúdo deste primeiro momento. A ciência clássica toma o mundo
como opaco, e não como translúcido, como se os objetos existissem para serem
estudados em laboratórios e não para serem experienciados como um continuum
homem-mundo/natureza. Diferente das filosofias da consciência, que dividem sujeito
e mundo, a fenomenologia vê o mundo como dado a partir da consciência um do
outro.
- “pensar é ensaiar, operar, transformar, sob a única reserva de um controle
experimental em que intervem apenas fenômenos altamente trabalhados, os
quais nossos aparelhos antes produzem do que registram.” (pg. 13)
- noção de gradiente: “uma rede que se lança ao mar sem saber o que recolherá”
(pg. 14)
- “É preciso que o pensamento de ciência (...) torne a se coloca r num “há”
prévio, na paisagem, no solo do mundo sensível e do mundo trabalhado
tais como são em nossa vida, por nosso corpo (...)” (pg. 14)
- “É preciso que, com eu corpo, despertem os corpos associados, os outros, que
não são meus congêneres (...) mas que me frequentam, que eu frequento, com
quem eu frequento um só ser atual, presente.” (pg. 15)
Em relação à arte, mais precisamente sobre a pintura, é possível estabelecer relação
entre a fenomenologia e o movimento iniciado pela arte moderna. Na fenomenologia
o corpo não consegue se separar do mundo, eles estão integrados. Na arte a separação
entre figura e fundo pode ser vista como uma relação direta com as filosofias da
ciência, enquanto movimento artísticos mais recentes fundem ou não definem estes
dois planos, percepção que é também proposta pela fenomenologia. Para a
fenomenologia o mundo não é cenário, o homem é indissociavelmente também
natureza. Diferentemente da ciência, a arte faz o observar o mundo sem buscar
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sentidos prévios. “O pintor é o único que tem direito de olhar para todas as coisas
sem nenhum dever de apreciação.” (pg. 15)
II
Poderia um espírito pintar? A ação da pintura não partiria exatamente deste corpo
físico em conjunção com seu espírito. “É oferecendo seu corpo ao mundo que o pintor
transforma o mundo em pintura.” O segundo momento de “O olho e o espírito” traz
frase que resume, de forma poética, a noção de ser para Merleau-Ponty:
“O enigma consiste em meu corpo ser ao mesmo tempo vidente e visível.
Ele, que olha todas as coisas pode também se olhar, e reconhecer no que
vê entao o “outro lado” de seu poder vidente. Ele se vê vidente, ele se toca
tocante, é visível e sensível para si mesmo.” (pg. 17)
Sobre essa indissociação Ponty afirma:
“Só se vê o que se olha. Que seria a visão sem nenhum movimento dos
olhos, e como esse movimento não confundiria as coisas se ele próprio
fosse reflexo ou cego (...), se a visão não se antecipasse nele? Todos os
meus deslocamentos por principio figuram num canto de minha paisagem
(...) O mundo visível e de meus projetos motores são partes totais do
mesmo Ser.” (pg. 16)
“Meu movimento (...) é a seqüência natural e o amadurecimento de uma visão. Digo
de uma coisa que ela é movida, mas meu corpo, ele próprio se move, meu movimento
se desenvolve. (...) ele irradia de um si...” (pg. 16)
Nosso corpo estaria, portanto, preso num “tecido do mundo”, uma coisa que se move
em meio a outras coisas a seu redor. Essas coisas estariam (por serem feitas da mesma
matéria) incrustadas ou anexadas em nossa carne. O enigma do corpo da humanidade
estaria nesta questão, nosso corpo é ao mesmo tempo vidente e visível, vê e é visto
pelo que vê. A visão, portanto, é desenvolvida na própria experiência, ela não se
apropria das coisas, mas se aproxima.
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Sobre a imagem: a questão não esta em pensar a imagem como algo que tenta
reproduzir a realidade, são “o dentro do fora e o fora do dentro, que a duplicidade do
sentir torna possível, e sem os quais jamais se compreenderá a quase-presença e a
visibilidade iminente que constituem todo o problema do imaginário”. (pg. 18)
- “(...) o mundo do pintor é um mundo visível, tão somente visível, um mundo
quase louco, pois é completo sendo no entanto apenas parcial. A pintura
desperta, (...) pois ver é ter a distancia, e a pintura estende essa bizarra posse a
todos os aspectos do ser (...)” (pg. 20)
- “É a própria montanha que, lá distante, se mostra ao pintor, é a ela que ele
interroga com o olhar” (pg. 21)
Aqui, inevitavelmente, os papéis entre pintor e visível se alternam (observador x
observado, olhar x olho, ser x objeto). A inspiração é tomada ao pé da letra como
troca de matéria entre ser e mundo “ação e paixão tão pouco discerníveis que não se
sabe mais quem vê e quem é visto, quem pinta e quem é pintado.”
- “Essência e existência, imaginário e real, visível e invisível, a pintura
confunde todas as nossas categorias ao desdobrar seu universo onírico de
essências carnais, de semelhanças eficazes, de significações mudas.” (pg. 23)
obs.1: noção de bruto: algo primário que não é dividido entre razão e sentimento
obs.2: noção de senciente: consciente.
obs.3: noção de virtual: aquilo que existe como possibilidade.
III
“O modelo cartesiano da visão é o tato” (pg. 24)
Na terceira parte do texto, uma proposta; renunciar à visão para preocupar-se em
saber como ela se produz, tomando a luz como “ação por contato”. Trazendo de volta
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a questão cartesiana, “O ser cartesiano não vê ele mesmo no espelho; ele vê um
manequim, um exterior, do qual tudo faz supor que os outros o vejam do mesmo
modo, mas que, para ele próprio como para os outros, não é uma carne”. (pg. 25)
Aqui Merleau-Ponty foca na discussão das propostas e escritos de Descartes, que
foram tomados como direcionadores da filosofia durante tanto tempo, e justifica por
que seu olhar sobre o mundo se diferencia dele.
A pintura é “apenas um pouco de tinta disposta aqui e ali sobre o papel. No máximo
ele retém das coisas sua figura, uma figura achatada num único plano, deformada e
que deve ser deformada (...) para representar o objeto. Ele é só a imagem desse objeto
com a condição de não se assemelhar a ele.” O ícone então provocariam excitações
em nossos pensamentos para conceber algo, e não necessariamente por semelhança.
“A semelhança é o resultado da percepção, não sua motivação”.
Pintura, gravura e escultura devem ser tomados como manifestações diferentes. A
escultura clássica, ao conservar a forma dos objetos, nos “dão uma apresentação do
objeto por seu exterior (...)”, a pintura, mais distante da conservação dessa forma
exterior, seria, por essência, uma teoria metafísica.
- “A pintura então não é mais que um artifício que apresenta a nossos olhos uma
projeção semelhante aquela que as coisas neles inscreveriam e neles
inscrevem na percepção comum, ela nos faz ver na ausência do objeto
verdadeiro como se vê o objeto verdadeiro na vida e sobretudo nos faz ver
espaço onde não há espaço” (pg. 27)
Ponty sugere nos atentarmos a questão da tridimensionalidade, uma vez que a
profundidade não é percebida no mundo como retratada na pintura, ela teria algo de
paradoxal; “vejo objetos que se ocultam um ao outro, e que portanto não vejo, já que
estão um atrás do outro”. Nossa percepção de distancia e a relação com o mundo se dá
pela nossa relação com nosso próprio corpo, é a distância (constantemente mutável)
entre nosso próprio corpo e o corpo das coisas que produz a noção de distância, tendo
o espaço como uma sucessão de pontos visto por todos (e não apenas um) ângulo.
- “O espaço é em si, ou melhor, é o em si por excelência, sua definição é ser em
si. Cada ponto do espaço existe e é pensado ali onde ele esta, um aqui, outro
ali, o espaço é a evidência do onde”. (pg. 28)
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- “não basta pensar para ver: a visão é um pensamento condicionado, nasce por
ocasião do que acontece no corpo, é excitada a pensar por ele” (pg. 31)
- “Aqui o corpo não é mais meio da visão e do tato, mas seu depositário. Longe
de nossos órgãos serem instrumentos, nossos instrumentos, ao contrario, é que
são órgãos acrescentados. O espaço não é mais aquele de que fala a Dioptrica,
rede de revelações entre objetos (...) Eu não o vejo segundo seu envoltório
exterior, vivo-o por dentro, estou englobado nele. Pensando bem, o mundo
esta ao redor de mim, não diante de mim.” (pg. 33)
A visão do pintor se faz gesto e é esta “filosofia por fazer que anima o pintor”,
Cézanne “pensa por meio da pintura”. (pg. 33)
obs. 1: noção de carne: a matéria que faz o homem é a mesma matéria que faz o
mundo. Merleau-Ponty irá falar sobre a “carne do mundo”, dessa forma nos
aproximando e facilitando a idéia de fusão entre homem e mundo.
IV
“A visão é o encontro, como numa encruzilhada, de todos os aspectos do Ser.” (pg.
44)
O enigma acerca da profundidade está na ligação entre a vista apresentada na pintura
e aquela experienciada no mundo, o que estaria entre elas. Neste momento, Merleau-
Ponty se atenta à pratica de pintores como Cézanne, Klee e Matisse. Cézanne busca
desvendar esse enigma e não se cansa de tentar;
“Ele foi diretamente ao sólido, ao espaço – e constatou que nesse espaço,
caixa ou continente demasiado grande para elas, as coisas se põem a se
mexer contra cor, a modular na instabilidade. Ha portanto que buscar
juntos o espaço e o conteúdo. O problema se generaliza, não é mais
apenas o da distancia e da linha e ad forma, é também o da cor” (pg. 36)
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- “(...) a metafísica na qual pensamos não é um corpo de idéias separadas para o
qual se buscariam justificações indutivas na empiria (...).” (pg. 34)
- “Toda a a historia da pintura (...) tem uma significação metafísica”, isto
porque a obra de arte se metamorfoseia e se torna “a seqüência, as
reinterpretações intermináveis das quais ela é legitimamente suscetível não a
transformam senão em si mesma” (pg. 34)
Ainda a respeito do trabalho de Cézanne:
“O mundo não esta mais diante dele por representação: é antes o pintor
que nasce nas coisas como por concentração e vinda a si do visível, e o
quadro finalmente só se relaciona com o que quer que seja entre as coisas
empíricas sob a condição de ser primeiramente autofigurativo; ele só é
espetáculo de alguma coisa sendo espetáculo de nada, arrebentando a pele
das coisas, para mostrar como as coisas se fazem coisas e o mundo,
mundo.” (pg. 37)
Sobre a operação que constitui um objeto como tal objeto na pintura,
“as mulheres de Matisse não eram imediatamente mulheres, tornaram-se
mulheres: foi Matisse quem nos ensinou a ver seus contornos, não à
maneira físico-optica, mas como nervuras, como os eixos de um sistema
de atividade e de passividade carnais. Figurativa ou não, a linha em todo
caso não é mais imitação das coisas nem coisa. É um certo desequilíbrio
disposto na indiferença do papel branco (...)” (pg. 40)
V
O mundo, para os pintores, é incessantemente refeito e em mutação, a cada
aprendizagem, cada vez que uma técnica é dominada, um outro campo para
descobertas se abre. Neste ultimo momento do livro “O Olho e o Espírito”, Merleau-
Ponty fala de possibilidades visuais contemporâneas e do vazio que invade toda e
cada tentativa de capturar por completo o mundo. “Mesmo daqui a milhões de anos, o
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mundo, para os pintores, se os houver, ainda estará por pintar, ele findara sem ter sido
acabado.” (pg. 45)
“Se nenhuma pintura completa absolutamente, cada criação modifica, altera,
esclarece, aprofunda, confirma, exalta, recria ou cria antecipadamente todas as outras.
Se as criações não são uma aquisição, não é apenas que, como todas as coisas, elas
passam, é também que elas tem diante de si quase toda a sua vida.” (pg. 46)
Conclusão
O caminho que a arte e a filosofia trilham nos trazem hoje para uma outra percepção
do mundo, como um todo. Ao invés de posicioná-lo diante de nós, é proposto que
tomemos o mundo como algo que nos cerca, que é feito da mesma matéria que
também nos compõe. Somos ao mesmo tempo, também, natureza e nos
desvencilhamos da noção que distinguia tão claramente fundo e figura.
Para Merleau-Ponty somos consciência do mundo encarnada no corpo, ou seja, as
experiências que travamos com o mundo marca e continua presente no corpo, não
possui tempo (como passado ou presente), é uma marca sempre atual. Vivemos em
reciprocidade com o mundo como corpos videntes e visíveis, que toca e é tocado,
freqüenta e é freqüentado. Além de esclarecer e organizar pensamentos sobre a
produção atual nos mais variados campos criativos, a fenomenologia nos propõe
além; perceber as relações e o ‘outro’ como componentes e conformadores de nós
mesmos e tudo aquilo que nos cerca.