POP - Especial Censura

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jr comunicações PoP MUSICA NA DITADURA CENSURADO

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A POP revisita uma década marcada por grandes manifestos culturais, o momento em que a música protesta contra a censura.

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jrcomunicações

PoPMUSICA NA DITADURA

CENSURADO

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2 www.revistapop.com.br

ImAgINE NãO poder falar, vER OU OUvIR.

Imagine alguém decidindo a quanta informação você tem direito, usando critérios que você desconhece e não aprova.

ImAgINE pERDER O DIREItO DE ESCOlhER O qUE é E O qUE NãO é ApROpRIADO.

Não poder mais decidir.

ImAgINE SER pROIbIDO DE fAzER A úNICA COISA qUE vOCê SAbE fAzER pARA gANhAR A vIDA.

Imagine ser expulso de seu país.

ImAgINE pERDER.ImAgINE tER mEDO.

ImAgINE tER RAIvA E NãO pODER fAzER NADA.

ImAgINE CAlAR E CAlAR E CAlAR...

ISSO é censura.

mORDAÇAelainegomes

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CONSELHO EDITORIALEduardo Rocha, Tânia Trajano e Mirian D. Vaz Mano

EDITORES-CHEFESElaine de Almeida Gomes, Alex Oliveira, Ariane Mazza, Cláudia Urbaniski, Vinicius Gonçalves, e Marcos Roberto

PRODUÇÃO EDITORIALElaine Gomes e Alex Oliveira

REPÓRTERES E FOTOSElaine Gomes e Ariane Mazza

FOTOS DE ARQUIVODivulgação

REVISÃOElaine Gomes e Cláudia Urbaniski

DIRETOR DE ARTEAlex Oliveira

DIRETOR COMERCIALCaio Cassinelli

JR comunicações

POPUma publicação da JR Comunicações Ltda.Redação: Rua Carlos Sampaio, 219 Bela VistaPARA [email protected]

gal costa:exuberância é protestar

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ÍNDICE

6 OS fEStIvAISEfervescência musical pura

10 pOEtAMesmo calado o peito resta a cuca

12 zOmbEtEIROVocê não gosta de mim, mas sua filha gosta

14 CONtEStADORSobre a cabeça os aviões

16 DUAS CARASSó quem viu que pode conta

18 pOlêmICOCom gente é diferente

20 CENSURADOSO terror de uma sexta feira treze

28 RECEItA INDIgEStAPaulo César Araújo e Zé Rodrix revelam quais receitas eram rejeitadas pela ditadura

32 bREgAS?As vítimas da patrulha moral

34 CANtEmOS JUNtOSEntrevistamos Ravel, autor de “Eu te amo meu Brasil”

.

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OSfEStIvAIS

pop entrevista mauro tapias gomes, professor e doutor da fgv,

para contar a história dos festivais, do lado de quem estava lá.

A plAtéIA EStá ChEIA. A maioria são estudantes universitá-rios. Todos aguardam ansiosamente a decisão do jure. Quem irá ganhar? Sabiá ou Pra não dizer que não falei das flores. Chico Buarque ou Vandré? Dois símbolos de resistência à Dita-dura Militar. O público já tinha decidi-do: Vandré é o favorito. Sua musica sintetiza o sentimento da nação, lutar pela liberdade, pelo fim do “Regime”. Mas o resultado não foi bem esse.

“Era como um campeonato de futebol. Havia torcida organizada, o pessoal comparecia”, comenta Mauro sobre o ambiente dos festivais. Lembra também que “foi um período de mudanças, tanto no Brasil quanto no mundo. Os padrões eram quebrados diariamente. E isso acabou chegando no Brasil.”

O EmbRIãO CUltURAlOs Festivais da Música Popular

Brasileira (MPB) mudaram a história do país. Eles foram o embrião do que se tornaria a nata da produção cultu-ral e intelectual dos anos seguintes. O formato era simples. Alguém inscre-via uma música e se apresentava ao público que, junto com o júri, decidia qual era a melhor. Um contato direto entre o artista e o público.

A idéia de fazer os Festivais veio da Itália, na cabeça de Tito Fleury. O advogado e radialista, depois de acompanhar o Festival de San Reno, quis fazer algo semelhante no Brasil.

A primeira experiência de um Festival foi produzida pela Record, em 1960, mas não foi um sucesso estrondoso. Na verdade, passou longe disso. Ainda não havia músi-cos famosos na final e, diferente do prometido, não foi transmitido pela televisão, só pelos rádios.

Na metade dos anos 60, Solano Ribeiro, amadureceu a idéia dos Festivais de Fleury. Ele queria trazer a música universitária e os novos compositores e intérpretes para a televisão, e conseguiu. Em 6 de abril de 1965, o Festival foi ao ar pela TV Excelsior Rio.

Foi um sucesso. A campeã, foi Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, interpretada por Elis Regina.

Mais que um sucesso, Arrastão foi um divisor de águas. Um marco. Deste ponto em diante, Elis criou algo que marcou para sempre a cultura dos Festivais: o termo “de-fender uma música”. Não tinha mais volta, nada mais seria como antes. Os programas de auditório, aqueles onde um cantor famoso ficava horas se apresentando, estavam acaba-dos. Surgia um novo tipo de produto de entretenimento, onde o público avaliava e decidia o que era melhor, onde a crítica era livre, sem medo. Um produto que dava liberdade de decisão, algo que desaparecera pou-co a pouco do país desde o dia 31 de março de 1964, o dia da “revolução”.

múSICAS DE fEStIvAIS: O pERÍODO mAIS féRtIl DA mpb

O cerco dos militares foi se fechando. Os Atos Institucionais eram impostos e, cada um ao seu modo, iam asfi-xiando a liberdade do povo brasileiro. Universidades, jornais, músicas, livros, pessoas, opiniões e até o pensar - tudo foi, gradativamente, proibido.

“Foi uma época difícil, muitas coisas não podiam ser abordadas abertamen-te”, lembra Mauro. “Essa postura foi se estendendo para a música”

O povo ansiava por liberdade. Todos queriam falar, gritar, ouvir, opinar. Queriam continuar vivendo os Anos Dourados. Esse sentimento foi dando força aos festivais, pois, diferente do resto do país, neles a opinião pública era algo realmente importante. O anseio do público por uma postura de oposição aos militares foi sacado e cantado por Geraldo Vandré. Com esse feeling, o cantor e compositor conse-guiu, facilmente, ganhar notoriedade e ser campeão do II Festival da Excelsior com a música Porta Estandarte.

A Record não ficou atrás. Vendo o sucesso dos festivais da Excelsior, fez também o seu II Festival, este com um charme a mais: a transmissão nacional. Na final deu Vandré, com Disparada, contra A Banda, música de Chico Buarque - até então, um jovem estudante de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univer-sidade de São Paulo (FAU-USP).

6 www.revistapop.com.br

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OSfEStIvAIS

Com a transmissão nacional, o Festival virou um espetáculo. “Parecia uma final de campeonato de Futebol”, diz Mauro. O assunto foi comentado por cronistas dos principais veículos de comunicação.

Segundo o júri, A Banda ganhou, mas Chico não gostou da idéia. Ele achava a musica de Vandré superior a dele. No palco, chegou a ameaçar recu-sar o prêmio, caso anunciassem sua vitória. Então, depois de algumas negociações e muita confusão, foi proposto o empate.

Ainda no ano de 66 foi criado mais um Festival, o Festival Internacional da Canção (FIC), que foi veiculado pela TV Rio. O FIC, na verdade, era um festival ‘2 em 1’. Nele havia uma primeira fase nacional e, depois, a música vencedora competia

com outras músicas de convidados internacionais. A campeã da fase nacional do primeiro FIC, foi Saveiros, de Dory Caymmi, interpretada por Nana Caymmi, sua irmã. A música ficou em segundo lugar na fase internacional.

Até o ano de 1967, as músicas ficavam conhe-cidas pelos interpretes e não pelos autores. Era: Arrastão da Elis, ou a música da Nana Caymmi. Mas essa postura, e muitas outras coisas, muda-ram com o III Festival da Record.

O tRAmpOlIm DA fAmA E DO pROtEStOO III Festival da Record foi o principal trampolim

para grandes nomes da MPB, como Gilberto Gil e Caetano Veloso que, junto com outra novidade da época, Os Mutantes, criariam, mais tarde, em 68, um dos movimentos mais revolucionários do Brasil: a Tropicália. Naquele ano de 67, esses personagens mostravam o que estavam propostos a fazer: abalar os alicerces da nação.

Desta vez o público foi o diferencial, no lado bom e no ruim. A maioria era composta de estu-dantes treinados na arte de decifrar mensagens. Eram capazes de perceber as idéias sutis deixa-das pelos compositores da nova MPB. Mas, como sempre, existiam os preferidos. Neste caso, os que falavam mais abertamente sobre o regime.

Foi neste Festival que aconteceu o incidente com as vaias do público a Sérgio Ricardo. O com-positor não conseguiu completar sua apresentação de Beto bom de bola e, enfurecido, reclamou com a platéia. Não contente, arrebentou o seu violão e jogou os restos na galera.

Também em 67 a TV Globo fez o II FIC, que trouxe para o grande público outro grande nome, Milton Nascimento, que inscreveu três canções: Travessia, Morro Velho e Maria minha fé. Anos de-

“Era como um campeonato de futebol. havia torcida organizada, o pessoal comparecia, foi um período de mudanças, tanto no brasil quanto no mundo.”

na VanguarDa De Kurt

cobain, sérgio ricarDo

Desanca o pÚblico...

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pois, este festival, curiosamente, ficou conhecido como “festival de Traves-sia”, a segunda colocada, e não como “festival de Margarida”, a campeã. Pronto! Estava feito e consolidado: agora existia uma estrita relação entre o público, os compositores e a mensagem que seria passada. A insatisfação com os militares, a oposição a tudo que aquela ditadura significava, o descontentamento. Quanto mais explicita era a mensa-gem, melhor a aceitação do público. Mas o sonho não era para sempre.

1968, o ano do Silencio. o início do fim.

“Nos jornais, não era incomum aparecerem receitas de bolos ou po-emas no lugar das matérias censura-das”, diz Mauro. “Com a música não foi diferente.”

Muitas coisas aconteceram neste ano. Festivais de Samba, o AI-5, exílio de alguns, a proibição da veiculação de músicas, o auge e a derrocada de toda uma Era, que teve como clímax a final entre Pra não dizer que não falei das flores, de Vandré, versus Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim. Era o fim dos Festivais.

Solano Ribeiro, o homem respon-sável por aprimorar os festivais, assu-miu o comando da I Bienal do Samba, da TV Record. Esse evento contou com gigantes da antiga e da nova MPB: Baden Powell, Zé Kéti, Chico Buarque, Ciro Monteiro, Paulinho da Viola, entre outros. Mas não foi o centro das atenções.

O momento crucial da Era dos Fes-tivais foi o III FIC (TV Globo,1968). Os estudantes de Teatro da Universi-

dade Católica (TUCA), que tinham a fama de ser os mais politizados entre os que freqüentavam os Festivais, estavam irredutíveis. Para eles, não existiam meias palavras. Queriam oposição aberta contra o Governo Ditatorial. Ser talentoso não era o bastante, era imprescindível a atitude. Não perdoaram nem Caetano, Gil e os Mutantes, que não conseguiram nem terminar de defender a música É proibido proibir. Então, em meio a vaias, Caetano berrou e criticou a platéia por sua postura.

o teatro da Universidade Católica estava lotado. A platéia marcava presença. Todos aguardavam an-siosamente o desfecho do júri. Quem ganharia? Sabiá ou Pra não dizer que não falei das flores? Chico Buarque ou Vandré? Dois símbolos de resistência à Ditadura Militar. O público já tinha decidido: Vandré era o favorito. Sua musica sintetizava o sentimento da nação, a luta pela liberdade, o fim do “Regime”. “Caminhando e cantando, seguindo a canção...”. Mas o resul-tado não foi esse.

Como aconteceu na vida real, na redação da Realidade, na saída do elenco de Roda-Viva, nas ruas, nas universidades... Enfim, em todos os lugares não aconteceu o que todos queriam. Em 1968, não foi Vandré quem ganhou. O público vaiou tor-rencialmente. Não podia ser esse o resultado. Em meio a confusão, Vandré disse a famosa frase: “A vida não se resume em Festivais”.

Sabiá ganhou e não só a fase na-cional do III FIC, como também levou o troféu internacional do evento.

Em 23 de setembro, a música de

Vandré foi proibida de ser executada nas rádios e locais públicos, em todo o território nacional. Pra não dizer que não falei das flores, virou o hino da resistência.

Na sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, foi baixado o AI-5, a censura prévia. Os novos arquitetos da MPB foram exilados. Os Festivais perde-ram a força e o interesse da popula-ção. O público já não se importava com os resultados, a mensagem não era mais para ele. O quinto e último Festival da Record teve como campeã Sinal fechado, de Paulinho da Viola, que competiu com outras músicas que não deram trabalho para a censura. A Tropicália explodiu mas, com o exílio de Gil e Caetano, o mo-vimento terminou. E assim termina a Era dos Festivais, o período mais fértil da MPB. ViniciUS GonÇalVeS

O público já tinha decidido: vandré era o favorito. Sua musica sintetizava o sentimento da nação, a luta pela liberdade, o fim do regime. “Caminhando e cantando, seguindo a canção...”. mas o resultado não foi exatamente esse...

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I Festival Nacional da MPB (TV EXCELSIOR, 1965): Intérpretes, como Elis, ‘defendem suas musicas’, o público decidia e a história começava a mudar 1º) “Arrastão” (Edu / Vinícius)2º) “Valsa do amor que não vem” (Baden / Vinícius)3º) “Eu só queria ser” (Vera Brasil / Mirian Ribeiro)

II Festival Nacional da MPB (TV EXCELSIOR, 1966) “E não cantava se não fosse assim por dores e tristezas que bem sei,um dia ainda vão findar” 1º) “Porta estandarte” (Geraldo Vandré / Fernando Lona)2º ) “Inaê” (Vera Brasil / Maricene Costa)3º ) “Chora réu” (Luís Roberti / Adílson Godoy)

II Festival da MPB (TV RECORD, 1966) Empate mais que merecido. Dividiram o prêmio, Vandré com “a morte, o destino” e Chico “vendo a banda passar” 1º) “A banda” (Chico Buarque) e “Disparada” (Geraldo Vandré / Theo de Barros)2º) “De amor ou paz” (Adaulto Santos / Luís Carlos Paraná)3º) “Canção para Maria” (Paulinho da Viola / Capinam)

I

II FESTIVAL DA MPB (TV RECORD, 1967) Nesta cena, a personagem principal é a platéia, que dão o apoio aos futuros tropicalistas: Caetano, Gil e Cia. 1º) “Ponteio” (Edu Lobo / Capinam)2º) “Domingo no parque” (Gilberto Gil)3º) “Roda viva” (Chico Buarque)4º) “Alegria, alegria” (Caetano Veloso)

II FIC (REDE GLOBO, 1967) Ironia do destino ou não, nem sempre os primeiros são lembrados. Aqui está o festival de Travessia e não de Margarida 1º) “Margarida” (Gutemberg Guarabira)2º) “Travessia” (Milton / Fernando Brant)3º) “Carolina” (Chico Buarque)

I Bienal do Samba (TV RECORD, 1968) Solano Ribeiro, o arquiteto dos Festivais, volta e comanda a elite do Samba em uma mistura da nova e da velha MPB 1º) “Lapinha” (Baden / Paulo César Pinheiro)2º) “Bom tempo” (Chico Buarque)3º) “Pressentimento” (Elton Medeiros / Hermínio Bello de Carvalho)

III FIC (TV GLOBO, 1968) “Era assim: o que quisesse que tivesse, tinha. Tinha arrebol? Tinha. Rouxinol? tinha...” tudo foi um ensaio para esse “Festival Modelo” 1º) “Sabiá” (Chico Buarque / Tom Jobim)2º) “Pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré)3º) “Andança” (Paulinho Tapajós / Danilo Caymmi / Edmundo Souto)

IV Festival da MPB(TV RECORD, 1968) Tentaram, mas não era a mesma coisa, afinal “A vida não se resume em festivais” 1º) “São, São Paulo meu amor” (Tom Zé)2º) “Memórias de Marta Saré” (Edu Lobo / Guarnieri)3º) “Divino, maravilhoso” (Caetano / Gil)

caetano eM Mais uM Discurso inFlaMaDo

1. os tropicalistas

eM cena

2.. platéia Do iV FestiVal Da MÚsica

popular brasileira Da

tV recorD

3. no DetalHe, o célebre ViolÃo De

sérgio ricarDo...

OS CAmpEÕES

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pOEtA

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A fusão de irreverência e

inteligência pela liberdade de idéias

NO mEIO de toda essa penumbra que foi a ditadura militar, havia aqueles que tinham coragem e disposição para fazer o que era certo: Lutar pela liber-dade de expressão. A melhor forma de lutar contra um sistema que obrigava seus cidadãos ao silêncio,foi cantando.

Certamente uma das pessoas que mais contribuiu com esse processo foi Gilberto Gil. Nessa época,Gil era um jovem de 26 anos,um universitário cheio de idéias revolucionárias.Foi cursando a faculdade de Administra-ção que o cantor conheceu sua trupe: Caetano Veloso, sua irmã Bethânia, Gal Costa e Tom Zé.Todos jovens e muito interessados pela música.

O preconceito racial na década de

60 era forte,Gil não ligava e abusava.Mantinha seus cabelos crespos com um certo volume,tinha as costeletas bem crescida,quase se juntando com seu bigode e cavanhaque,ambos com-pridos e pontudos.Suas largas vestes eram bem coloridas que,de vez em quando,eram completadas com diver-sos colares,as sandalias complementa-vam o vísual único e chamativo.Gilberto se destacava em vários sentidos.

Baiano como é,Gilberto Gil não se deixou calar fácil pela pressão da ditadura militar. Assim como um mo-leque birrento que bate o pé quando ouve um não da mãe,Gil fez de sua música um instrumento de conscien-tização e protesto.O surgimento do movimento tropicalista fez com que o regime militar se visse ameaçado pelas letras de contestação,era mais lenha na fogueira de Gil.

A prisão, no fim de 68, não foi o suficiente para conte-lo. O tempo de reclusão fez com que suas idéias para novas composições trabalhas-sem com força total.Gilberto Gil não era burro,longe disso,sabia que após suas musicas tinham destino certo.Gil deixou a música Aquele abraço, antes de partir para seu exílio na Inglaterra,a irreverência da música casou muito

bem com o ritmo de samba. Gil voltou ao Brasil em 72, mas foi

no ano seguinte que ele mostraria que continuava o mesmo de sempre e que sua prisão não o amedrontou. A músi-ca Cálice foi proibida de ser gravada e cantada por causa do jogo lingüístico que permitia uma dupla interpretação com a palavra “Cale-se”.Desafiando a censura,Gilberto Gil cantou a música em uma show para estudantes em homenagem a Alexandre Vanucchi Leme,uma vítima do regime militar.

Gilberto Gil encontrou na baderna

um meio de protestar e ser levado a sério. A vivacidade que todo o jovem apresenta se combinou com os ideais corretos enraizados no compositor. Sua voz era uma poderosa arma que não tinha a intenção de ferir, apenas atordoar,fazer barulho,acordar.Saben-do muito bem do risco que corria,Gil seguiu em frente,protestou e se saiu bem,sorte que nem todos tiveram.Um coisa era certa,Gilberto Gil não queria ficar na história,se pudesse gostaria que,essa em particular,fosse esquecida. maRcoS RoBeRTo

zOm

tEIRObE

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zOm

tEIRObE

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“minha mãe me deu ao mundo de maneira

singular me dizendo uma sentença: pra eu sempre pedir licença, mas nunca

deixar entrar”

CONta

DORtES

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qUEm O vê hOJE centrado, de cabelos grisalhos bem cortados, vestindo esporte fino ou, de vez em quando um terno, sentado em um ban-quinho, cantando e tocando violão, não imagina que ele já usou roupas espal-hafatosas, coloridas, despojadas, uma juba indomada e foi um dos precursores do movimento mais revolucionário da música brasileira, a Tropicália.

Caetano era uma criança diferente, que adorava ouvir no rádio os ído-los da música popular. Quando sua irmã mais nova nasceu, Caetano determinou: ela vai se chamar Maria Bethânia. E assim foi. Inspirado pela canção que dizia “Maria Bethânia, tu és para mim, a senhora do engenho”, na voz potente de Nelson Gonçalves, o menino, então com quatro anos de idade, nomeou sua irmã, que seria sua companheira para todas as horas.

Caetano Veloso é um baiano atípico, que, não se contentando com som-bra, rede e água fresca, arregaçou as mangas, entrou e saiu da faculdade de filosofia - sem se formar -, e caiu no mundo da MPB para mudá-lo de uma maneira irreversível.

Mais do que um crítico social, como todos os “emepebistas” de sua época, ele foi além. Transgrediu as regras da censura, “da moral e dos bons costumes” e até da música tradicional. Trouxe, junto com a elite musical de sua época, a alegria de ser brasileiro em tempos difíceis em que amar o país e lutar pela liberdade eram sentença de tortura e morte nos porões escuros da Ditadura.

Com apresentações alegres, coloridas

e saltitantes, Caetano foi lapidando o caminho que o tornaria famoso. Num país em que tudo era proibido, ele instigou, gritou e numa fusão de vaias e guitarras elétricas sentenciou: É Proibido Proibir! Entre tomates, ovos e pedaços de madeira ele continuou: “São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada”. Caetano era contestador, inconformado.

Cantava prazeres simples e versos cheios de duplo sentido, como em Alegria, Alegria: “sem lenço, sem docu-mento, nada no bolso ou nas mãos, eu quero seguir vivendo, amor. Eu vou! Por que não? (...) Por entre fotos e nomes, sem livros e sem fuzil, sem fome sem telefone, no coração do Brasil”. O que poderia acontecer com alguém abusado como ele depois do AI-5? O exílio, é claro. Mas nem isso o segurou. De Lon-dres escrevia para O Pasquim e continu-ava compondo. Tiraram-lhe o direito de estar na sua terra, com seu povo. Sua liberdade lhe foi tirada. Mas ninguém podia censurar seu pensamento, suas idéias e ideais. Não se controla a fertilidade de sua criação.

Do outro lado do oceano, o povo esperava. Não por suas irreverentes apresentações tropicalistas, nem por suas roupas, muito menos pelos “caracóis dos seus cabelos”. Queriam suas idéias, sua voz. O jeito Caetano de dizer: “eu vim aqui pra acabar com isso”. A voz debochada de quem não tem medo de contestar. Queriam sua

liberdade, sua petulância.As roupas coloridas, cabelos, trejeitos,

apresentações: tudo era planejado. A idéia era chocar, desestruturar qualquer realidade conservadora. Homens de verdade tinham que ter cabelos curtos? Os dele eram grandes, compridos e despenteados. Homens não usam brin-cos? Ele usava. Vestia-se com trapos, às vezes apresentava-se sem camisa. As músicas precisam ter formatos de tempos específicos, 4x4, 8x8, uma matemática lógica? Esqueça, ele as descompassou. Trouxe a guitarra para a música brasileira, trouxe cores para a realidade tão negra imposta pelo regime militar, trouxe vida, rebeldia e atitude para um país de pasmados. Caetaneou a história do Brasil.

Ontem, na Ditadura, escreveu uma história de oposição e resistência. Ontem, no exílio, provou que a distância não o silenciaria. Ontem, ele mudou os rumos da música e da cultura.

Hoje, bem vestido, um exemplo de avô bem vivido. Talvez não tenha mais energia para comandar um show tropi-calista, gritar e contestar. Mas, embora o contexto seja outro, se Caetano resolver abrir a boca, se algo lhe desagradar, ele ainda pode incomodar e se erguer contra nossa frágil República, contra a passividade do povo. Se ele fez o que fez na Ditadura, contestar a atualidade não seria nenhuma missão impos-sível. Afinal, o leão pode perder a juba, mas nunca perde a majestade. E, com certeza, o povo ainda ”gosta muito de te ver, Leãozinho, caminhando sobre o sol” clÁUdia URBaniSKi

CONta

DORtES

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DUASCARAS

De inocente a vítima,

mais um que sofreu sem

cometer crime algum.

WIlSON SImONAl pode ser considerado sortudo e azarado ao mes-mo tempo. Assim como sua carreira ex-plodia em sucesso meteórico,foi como a queda de um meteoro que Simonal se chocou contra o chão.Isso graças as acusações de delator que sofrera durante o período do Regime Militar.

Sorriso inconfundível, Wilson Simonal poderia passar fácil por algum cantor americano.O quartel do exercito foi seu primeiro palco, mas logo passou para bailes e boates. Quando começou a cantar profissionalmente,foi encontrado por Carlos Imperial,que percorria clubes noturnos em busca de novos talentos.Foi assim que ele acabou achando cantores como Roberto e Erasmo Carlos,Tim Maia e...Wilson Simonal.

A primeira musica cantada por Simonal foi Terezinha, nome de uma namorada que virara sua mulher e mãe de seus três filhos. A canção seguia o ritmo de sucesso da época,o chacha-cha.Sucesso garantido.

Um novo ritmo musical chamado Pilantragem, uma mistura de Rock, Samba, Bossa Nova e Iê iê iê, surgiu no cenário musical e Wilson Simonal era um dos que aderiram à novidade. Era com a Pilantragem que o cantor se apresentava nos festivais de música. Ele se apresentava nos mesmo palco de nomes tão conhecidos como ele. No fim das contas,sua popularidade crescente arrancava aplausos eufóricos da platéia.

Em pouco tempo, o cantor ganhou um programa de TV só seu, era o “Show em Si... Monal”. Quem o dirigia era Carlos Imperial,o mesmo que o encontrara em uma boate. A Carreira

de Simonal estava no topo,comandar um programa só seu, só servira para deixá-lo em maior evidência.

Simonal não participou de nenhum protesto contra a Ditadura Militar, nem era a favor. Ser alienado a esse assunto não era coisa que agradava aos outros músicos que sofriam com a dura censura,a pose de Não é pro-blema meu não era bem vista.O único protesto que o cantor se engajou,foi o de combate a discriminação racial no mundo todo.Enquanto Martin Luther King e Malcon X pregavam a igualda-de racial,Wilson Simonal escreveu a música Tributo a Martin Luther King.Mas a canção teve que ser proibi-da de ser executada.O sucesso da canção e o teor revolucionário foram motivos mais do que suficientes para que fosse censurada.

Como que da água para o vinho, Simonal tinha mudado sua postura diante do sucesso estrondoso que fizera. A simpatia que irradiava deu lugar a prepotência.Em diversas entrevistas,respondia suas perguntas em tom ríspido e mal educado.Os repórteres já cultivavam uma certa antipatia pelo cantor.

A má imagem pública veio como uma bomba, anunciando o seu declínio. Na copa do mundo de 70,Wilson Simonal fazia shows no México e seu sucesso servia como propaganda que o governo militar fazia do Brasil.Se Simonal fazia sucesso,o seleção brasileira ia bem e o Brasil era o País dos Sonhos.Mesmo alienado a tudo isso,o estigma de Pró-Ditadura já o tinha contaminado.

Foi em 7 de setembro de 1971 que

o jornal O Pasquim publicou uma charge de Simonal, insinuando que ele servira de delator. Nesse momento sua carreira estava sepultada para sempre,principalmente quando o boato de ter denunciado Caetano Veloso e Gilberto Gil se espalhou.

Rádios, gravadoras e o publico boicotavam o cantor, que agora, mal conseguia encher uma casa de show. Seus discos eram um fracasso de vendas e não tinha nada que fizesse esse cenário mudar.

Toda essa repulsa fez com que Wil-son Simonal sumisse abalado moral e fisicamente, se entregou ao alcoolismo e adoeceu. No ano 2000 Simonal falece e só três anos depois um documento inocentando Simonal de qualquer acusação veio a público, já era tarde demais e a brilhante carreira de Wilson Simonal virou história.História de alguém que virou vítima sem fazer nada. maRcoS RoBeRTo

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18 www.revistapop.com.brpOlêmICOvANDRé

“Sem beleza não existe o homem feliz”

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pOlêmICO“Sem beleza não existe

o homem feliz”

O vIRgINIANO Geraldo Pedro-sa de Araújo Dias, nascido em 12 de setembro de 1935, é o primeiro filho do casal José Vandregísilo e Maria Eugê-nia. Ainda garoto, Vandré já demonstra-va um gênio difícil, e foi internado pelo pai no Colégio São José, em Nazaré da Mata, interior de Pernambuco. Sempre demonstrou interesse em cantar no rádio, tendo participado de diversos festivais de canto no colégio.

No começo da década de 50, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde conheceu pesso-as ligadas ao meio artístico, como o compositor Valdemar Henrique, Baden Powell e Luís Eça. Ingressou na faculdade de Direito da UFRJ (Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro). E se ligou aos movimentos estudan-tis, participou ativamente do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Foi então, que Geraldo conheceu seu primeiro parceiro na música, Car-los Lyra. Passou então a se interessar mais pela composição, abandonando a idéia de tornar-se cantor. Fez a letra da música de Carlos Lyra Quem qui-ser encontrar o amor, gravada em abril de 1961. Em 1962 apresentou-se no Juão Sebastião Bar, em São Paulo, iniciando trabalhos com Luís Roberto, Baden Powell e Vera Brasil. Nesse mesmo ano gravou com Powell e Vinícius, Samba em prelúdio.

Em dezembro de 1964, gravou o seu primeiro LP, Geraldo Vandré, com as músicas Fica Mal com Deus e Menino das Laranjas. No ano seguinte (1965) defende Sonho de um Carna-val, de Chico Buarque, no I Festival de MPB da TV Excelsior. Em 1966,

vence a segunda edição do mes-mo festival com Porta-Estandarte, sua composição em parceria com Fernando Lona, defendido por Tuca e Airto Moreira. Vandré tornou-se cada vez mais famoso no ambiente dos festivais. Sua música Disparada, interpretada por Jair Rodrigues, em-pata em primeiro lugar com A Banda de Chico Buarque no Festival da TV Record. No ano de 1968 Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei de Flores) conquista o segundo lugar no festival da TV Globo, apesar de ser favorita do público, perdendo para Sabiá. Em 1967, a TV Record, de São Paulo, concedeu-lhe um programa, Dispara-da, com direção de Roberto Santos.

Com a promulgação do AI-5 e o acirramento da ditadura, se viu obrigado a deixar o país. Então, seguiu para a Argélia, onde assistiu ao Festival Pan-Africano, viajan-do depois para a então Republica Federal da Alemanha, ocasião em que gravou alguns programas para a televisão da Baviera. Esteve na Grécia, Áustria, Bulgária, cantando em povoados do interior. Gravou o LP Das terras de Benvirá, lançado no Brasil pela Philips em 1973, com Na terra como no céu, Canção primeira e De América. Mais tarde compôs Fa-biana em homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira). Nos anos 90 foram lançadas coletâneas com diversas raridades de obras suas.

Muitos o consideram louco. Certa-mente, ele não tem certas conven-ções sociais. Mas a verdade é, ele é apenas um homem que buscou a beleza pra tentar ser feliz.aRiane maZZa

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CENSURADOS

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CENSURADOS

Como uma sexta feira

13, em dezembro

de 1968, marcou a

instituição do AI-5 e a

morte da liberdade de

expressão no brasil.

geralDo VanDré eM perForMance De “caMinHanDo e cantanDo”

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O REgImE mIlItAR no Brasil durou de 1964 a 1985. Durante este período, foi instituído o AI-5 que estabeleceu o fechamento do Congresso Nacional, das assembléias legislativas, e câmaras de vereadores. Decretou a intervenção nos territórios, estados e municí-pios. Cassou mandatos eletivos e suspendeu os direitos políticos por dez anos de todos aqueles que se opunham à ditadura militar. A liberdade individual de todo o cidadão brasileiro foi cancelada e todos os opositores ao regime passaram a ser vigiados.

Toda a forma de criação estava cerceada. Não apenas a música, mas o teatro e os livros (bem como a mídia ge-ral) foram duramente vistoriados e avaliados por militares de inteligência tacanha e capacidade de ponderação nula.

A intervenç ão, na forma de censura prévia, dava aos mi-litares autoridade e poderes para vetar músicas e interrogar (além de prender, torturar e exilar) cantores e compositores.

O cantor e compositor Raul Seixas, numa apresentação ao vivo em 1980, mencionou a existência de um “dicio-nário da censura”. Aos artistas, cabia criar dentro da impossibilidade. E muita coisa foi criada.

DOIS pESOS, NENhUmA mEDIDAHavia duas censuras distintas, a perseguição política - di-

rigida aos músicos engajados, a elite da MPB, e a persegui-ção moral- voltada aos cantores mais populares, os bregas.

Nos festivais de música popular, ou em suas apresen-tações públicas. Nos discos, nas entrevistas e onde era possível, eles cantaram e contaram ao mundo e a todos nós o que estava acontecendo nos “porões da ditadura”.

Gilberto Gil e Caetano Veloso, foram expatriados para a europa e Chico Buarque de Hollanda acabou seguindo o mesmo rumo, antes que fosse expulso.

O medo e a paranóia tomaram conta de todos. O cantor Wilson Simonal, foi (injustamente) acusado de ser infor-mante dos militares, entregando os colegas que apoiavam a esquerda. Acabou no esquecimento por nunca mais conseguir o mesmo espaço no cenário musical brasileiro.

Os irmãos Dom e Ravel, um dos maiores fenômenos da música nacional, foram tachados de “colaboradores do Regi-me” e tiveram a vida e a carreira modificadas para sempre.

SExtA fEIRA 13 O dia D da censura no Brasil. As trevas da proibição

apagam notícias e calam vozes para que a população cega, não tome consciência do que acontece no país.

Com a violência e a truculência caminhando a passos largos e impunes, a música de protesto, cifrada e desafia-dora se transforma na única bandeira cultural de acesso possível a um público perplexo e perdido.

Centenas de canções foram proibidas, outras tantas foram alteradas pelos próprios compositores para driblar a censura. Num jogo de mostra e esconde, os artistas tentavam (com algum sucesso) enganar censores dispos-tos a coibir excessos, num verdadeiro festival de critérios equivocados, subjetivos e abusivos.

O AI-5 foi o grande instrumento da mordaça, até can-ções que não tinham mensagens subliminares recebiam as mais diversas interpretações por parte dos militares.

Foi o que aconteceu com Severina Xique Xique, do com-positor Genival Lacerda, cuja proibição foi justificada pelo

“protesto de várias famílias cearenses” revoltadas com o uso da palavra boutique, a qual suspeitavam ter duplo sentido. Esse era o tipo de informação e justificativa dos censores.

A mORtE, O DEStINO, tUDO EStAvA fORA DE lUgARGrandes manifestações surgiram com os Festivais de

Música, e repercutiram em todas as classes. O interesse e a mobilização pública, ultapassaram o âmbito universitário e sensibilizaram pessoas de todas as áreas, que à medida que os fatos iam ocorrendo, faziam seus protestos pelo fim do regime militar.

Os festivais projetaram a música popular brasileira dos anos 1960 para a televisão, que se transformou num novo veículo de divulgação da música.

O tempo se encarregou de valorizar as músicas dessa época e eternizá-las.

O primeiro grande momento da era dos festivais foi sem dúvida o II Festival da Record de 1966, a disputa acirrada, entre Disparada de Geraldo Vandré e Théo de Barros, e A Banda de Chico Buarque de Holanda, dividiu o público. O resultado final foi o empate das duas canções, sendo que a canção de Vandré anunciava uma tendência mais crítica da desigualdade social. Esta seria a postura que marcaria a turma da elite, os engajados da MPB.

SEgUINDO A CANçãOEm setembro de 1968, o compositor Geraldo Vandré

participou do terceiro festival internacional de canção com a música Pra não dizer que não falei de flores. A música rapidamente foi proibida de ser veiculada e Vandré abriu a fila dos artistas perseguidos pela ditadura militar.

Como uma moda adolescente que surge com força sem que sua origem possa ser identificada, os artistas e a censura imediatamente passaram e disputar as paradas de sucesso. Chico Buarque, que em suas letras deixava claro seu descontentamento com o regime militar, é autor de Apesar de você, canção que aparentemente trata da briga de um casal, com interpretação lógica e inconteste de uma mensagem ao terceiro presidente militar Emílio Garrastazu Médici. Após o sucesso, a música foi vetada com a suspeita de duplo sentido. Cálice, outra famosa canção de

COm A vIOlêNCIA

SE tRANSfORmA NA

CONtRA O REgImE

A múSICADE pROtEStO

úNICA fORmADE ESbRAvEJAR

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Chico, também passou despercebida pela censura, sendo vetada meses após sua veiculação. Para driblar a censura, Chico Buarque assinou músicas como Acorda amor e Jorge maravilha com o heterônimo Julinho da Adelaide.

A caneta da censura não poupou nin-guém. Artistas populares que ficaram ta-chados como bregas, também foram víti-mas dos sensores. Como Chico Buarque, Odair José também foi censurado. Com a diferença de que no caso dos cantores bregas, a patrulha era moral. Não só de luta e resistência viviam os censurados, de amor livre e sexo também.

tACANhOS E RACIStASAutor de grandes sucessos da

música brasileira, Luiz Ayrão foi outro que teve problemas com os militares, sua resposta descontraída à canção Meu caro amigo, de Chico Buarque, incomodou a censura e a música foi proibida.

Um dos maiores sucessos de João Bosco e Aldir Blanc, Mestre sala dos mares foi gravada inicialmente com o nome de Almirante negro, mas os autores tiveram que mudar o nome, já que a palavra “negro” não era bem vista. Blanc conta em entrevistas

feitas na época, que os militares eram extremamente racistas e achavam que o título da canção era uma apologia aos negros.

A divisão de censura de diversões públicas, conhecida como DCDP, era o órgão responsável pela censura pré-via de letras musicais. Uma censora de nome Odete Martins em entrevista ao site censuramusical.com, explicou como era a sistemática da censura: “era muito simples o negócio, eles mandavam de Brasília as ordens de que tipo de mensagens a gente devia procurar nas músicas. Uma época mandava prestar mais atenção na política, ou nas drogas...”

Dois artistas muitos lembrados quando se fala em censura são os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, que foram exilados e antes disso fica-ram retidos em Salvador. A patrulha, ora política, ora moral tinha seus alia-dos. Caetano compôs Deus e o Diabo que só foi liberada após negociações e mudanças na letra original. Assim que a canção foi liberada, um conselho de pastores evangélicos enviou cartas à Divisão de Censura de Brasília pedindo maior atenção nas letras que liberavam.

pROvA DOCRImE

o priMeiro Disco: caetano e gil na graVaÇÃo De “DoMingo”

carta De pastores eVangélicos peDinDo

a censura De “Deus e o Diabo” DeViDo ao

seu conteÚDo proFano

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DéCADAS DEChUmbO

Anos 60Com o gosto doce e a leveza da década anterior ainda

presentes, os anos 1960 foram o começo da elevação da temperatura nas águas do mundo. O mundo construiu o muro de Berlin, matou J. F. Kennedy e Martin Luther King. A primeira fatura da guerra do Vietnã veio alta e os protestos começaram a pipocar. Os primeiros corações foram transplantados e todos bateram mais forte quando a Apollo 11 pousou em solo lunar. Nossa capital foi trans-ferida para Brasília. Jânio foi eleito e se deselegeu. Os Beatles lançaram seu primeiro Lp e os militares brasileiros tomaram o poder.

Anos 70 A década de 1970 inaugurou os microprocessado-

res e consagrou a TV a cores. No Chile chega ao fim o curto governo de Salvador Allende, deposto em mais um golpe dos militares. Os portugueses, ora pois, com sua revolução dos cravos, destituem os golpistas de farda; enquanto os americanos voltam para casa derrotados ao final da Guerra do Vietnã. Elvis morre e o sonho dos Beatles acaba. Um Nixon exposto e envergonhado re-nuncia à presidência nos Estados Unidos enquanto aqui, Ernesto Geisel com suas quatro estrelas sobe a rampa do planalto.

Anos 80 Década de 1980, Maradona entrega a taça do mundo

para os argentinos. A Apple lança o Macintosh e o Brasil vê o nascimento do seu primeiro bebê de proveta. O cometa Halley aparece nos céus iluminados pelos mísseis da Guerra das Malvinas e o mesmo céu vê o nascimento da estrela do Partido dos Trabalhadores. Nossa geografia muda com a transformação de Rondônia, Amapá e Roraima em estados e com a criação do estado do Tocantins. No cinema, vemos ET e dançamos com Michael Jackson ao som de Thriller, comemorando a queda do Muro de Berlim.

A hORA ChORA DE tRIStEzA E DORGilberto Gil sofreu com os cortes das músicas Sonho mo-

lhado e Tradição, ambas consideradas vulgares e impróprias.Os irmãos Dom e Ravel ficaram eternamente associa-

dos ao governo militar, principalmente por músicas como Eu te amo meu Brasil, adotada pelos militares e transfor-mada em hino. Gravada pelo grupo Os Incríveis a canção era tocada durante as subidas e descidas na rampa do Palácio do Planalto. Ravel se defende da acusação que a música tenha caráter ufanista intencional: “essa mentira que se tornou pública, pelos maus jornalistas da época que nos perseguem até hoje dizendo que nós somos puxa- sacos do governo, fabricados pela ditadura militar, se tornou verdade perante a opinião pública. Mas eu não fiz música encomendada pra ninguém não”.

Ravel recorda os cortes dos censores, como foi o caso da música Animais irracionais, censurada em 1974. Além do veto dos militares, a dupla sofreu perseguição das patrulhas políticas da esquerda.

Em 1977 os militares comemoravam o décimo terceiro ano no poder, e foi quando Luiz Ayrão lançou o sam-ba Treze anos, um dos mais contundentes protestos contra o regime. Em depoimento ao historiador Paulo Cesar Araújo no livro Eu não sou cachorro não, o cantor lembra: “quando reparei que eram treze anos, eu logo pensei em fazer uma música sacaneando esses caras”. Treze anos foi vetada, mas aproveitando que o Congresso Nacional discutia a lei do divórcio, o compositor alterou o título para O divórcio. E os militares aprovaram.

Entre os artistas perseguidos, Jair Rodrigues foi um dos que jamais sofreram com a censura, por motivos subjetivos e os mesmos critérios ininteligíveis que sempre acompa-nhavam os censores do Regime, ele era deixado em paz.

A partir de 1979, os ventos da anistia começam a soprar e algumas das canções vetadas são liberadas. Depois disso, começam a voltar artistas, políticos e intelectuais.

A música amordaçada foi recuperando a voz e quem fechasse os olhos seria capaz de ouvir os violinos da intro-dução de Baby de Caetano Veloso: Baby, Baby, há quanto tempo... elaine GomeS

A pARtIR DE 79

vOltAm A SOpRAR:

vENtOS DA ANIStIA

lIbERDADE!

coM a ViolÊncia, a repressÃo cHegaVa no liMite

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É o fim da ditadura no Brasil. O presidente, eleito por voto indireto, morre antes de assumir deixando para o vice a tarefa de promulgar a nova Constituição.Era o início de uma carreira de sucesso para os baianos Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, Gilberto Passos Gil Moreira e Maria da Graça Costa Penna Burgos, conhecida pelos amigos como Gal. Em 1967, já inseridos no cenário musical, Gil grava um disco solo e outro com Caetano. Os discos revelam a criatividade dos dois e a grande influência da Bossa Nova e do Samba Canção. Além disso, surge a graciosidade da voz de Gal Costa.

Para eles não era o suficiente: a efervescência de seus pensamentos e idéias e a vontade de encontrar um novo sentido para sua música fez com que ambicio-nassem uma nova estética musical.

Inspirados pelo movimento Antropofágico da Semana de Arte Moderna de 1922 – que pregava que era importan-te deglutir a cultura exportada pelas potências mundiais e depois misturá-las a elementos da cultura local –, os baianos juntaram-se a músicos como Tom Zé, Mutantes, o guitarrista Lenny Gordon, o maestro Rogério Duprat e o poeta Torquato Neto para criarem o Tropicalismo.

Misturando guitarras elétricas e triângulos nordestinos numa mesma canção, eram incontestavelmente inovado-res. Mas, para alguns, isto era uma afronta, uma heresia.

Entre vaias e aplausos, a guitarra elétrica foi apresenta-da no Festival de Música Popular Brasileira, 1967, na TV Record. Entre as dez finalistas, Alegria, Alegria, de Cae-tano e Domingo no Parque, de Gil, acompanhado pelos Mutantes. Considerando o resultado como positivo – a canção de Caetano ficou com a quarta colocação e a de Gil foi a vice-campeã – os dois gravaram seus primeiros discos tropicalistas. Ainda nesse impulso, Os Mutantes e Gal fizeram o mesmo. Com arranjos de Rogério Duprat e a colaboração de Lenny Gordon na guitarra, o Tropicalis-mo era um sucesso. Mas não absoluto. Nesse mesmo ano, artistas como Elis Regina, Edu Lobo e Geraldo Vandré marcharam, junto com centenas de pessoas no centro de São Paulo, contra a guitarra elétrica.

Em 1968 grava-se o antológico Tropicália - Panis et Circenses, disco que eterniza a união entre todos os artistas que aderiram ao movimento.

Vê-se no Tropicalismo uma proposta de ruptura, mas que, ao mesmo tempo, reincorporava com aquilo que rompia. Isso fica implícito nas roupas, nos cabelos, nas atitudes e na informalidade.

Mas, como tudo chega ao fim, Caetano e Gil foram presos e exilados pela Ditadura Militar e, quando voltaram, a Tropicália havia virado história. CLÁUDIA URBANISKI

a JoVeM guarDa: MesclaVa MÚsica, coMportaMento e MoDa: alienaDos?

JÁ roberto carlos optou por uM eMbate inDireto coM os Militares. seu protesto era lÚDico

rita lee, arnalDo baptista e sérgio Dias : Mutantes Do passaDo

tROpICAlIStAS

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0 AI-5O pRESIDENtE DA REpúblICA fEDERAtIvA DO bRASIl , OUvIDO O CONSElhO DE SEgURANçA NACIONAl, E

CONSID-ERANDO qUE A REvOlUçãO bRASIlEIRA DE 31 DE mARçO DE 1964 tEvE, CONfORmE DECORRE DOS AtOS COm OS qUAIS SE INStI-tUCIONAlIzOU, fUNDAmENtOS E pROpóSItOS qUE vISAvAm A DAR AO pAÍS Um REgImE qUE, AtEN-DENDO àS ExIgêNCIAS DE Um SIStEmA JURÍDICO E pOlÍtICO, AS-SEgURASSE AUtêN-tICA ORDEm DEmOCRátICA, bASEADA NA lIbERDADE, NO RESpEItO à DIgNIDADE DA pESSOA hUmANA, NO COmbAtE à SUbvERSãO E àS IDEOlOgIAS CONtRáRIAS àS tRADIçÕES DE NOSSO pOvO, NA lUtA CONtRA A CORRUpçãO, bUSCANDO, DEStE mODO, “OS. mEIOS IN-DISpENSávEIS à ObRA DE RE-CONStRUçãO ECONômICA, fINANCEIRA, pOlÍtICA E mORAl DO bRASIl, DE mANEIRA A pODER EN-fRENtAR, DE mODO DIREItO E ImEDIAtO, OS gRAvES E UR-gENtES pROb-lEmAS DE qUE

DEpENDE A REStAURAçãO DA ORDEm INtERNA E DO pREStÍgIO INtERNA-CIONAl DA NOSSA pátRIA” (pREâmbUlO DO AtO INStI-tUCIONAl Nº 1, DE 9 DE AbRIl DE 1964);

CONSID-ERANDO qUE O gOvERNO DA REpúblICA, RESpON-SávEl pElA ExECUçãO DAqUElES ObJEtIvOS E pElA ORDEm E SEgURANçA INtERNAS, NãO Só NãO pODE pERmItIR qUE pESSOAS OU gRUpOS ANtI-REvOlU-CIONáRIOS CONtRA ElA tRAbAlhEm, tRAmEm OU AJAm, SOb pENA DE EStAR fAltANDO A COmpROmIS-SOS qUE AS-SUmIU COm O pOvO bRASIl-EIRO, bEm COmO pORqUE O pODER REvOlU-CIONáRIO, AO EDItAR O AtO INStItUCIONAl Nº 2, AfIRmOU, CAtEgORICA-mENtE, qUE “NãO SE DISSE qUE A RES-OlUçãO fOI, mAS qUE é E CONtINUARá” E, pORtANtO, O pROCESSO REvOlU-CIONáRIO Em DESENvOlvI-mENtO NãO pODE SER DEtIDO;

CONSIDERAN-DO qUE ESSE mESmO pODER

REvOlU-CIONáRIO, Ex-ERCIDO pElO pRESIDENtE DA REpúblICA, AO CONvOCAR O CONgRESSO NACIO-NAl pARA DIS-CUtIR, vOtAR E pROmUlgAR A NOvA CONStI-tUIçãO, EStA-bElECEU qUE EStA, Além DE REpRESENtAR “A INStItUCIO-NAlIzAçãO DOS IDEAIS E pRINCÍpIOS DA REvOlUçãO”, DEvERIA “AS-SEgURAR A CONtINUIDADE DA ObRA REvO-lUCIONáRIA” (AtO INStI-tUCIONAl Nº 4, DE 7 DE DEzEmbRO DE 1966);

CONSIDERAN-DO, NO ENtAN-tO, qUE AtOS NItIDAmENtE SUbvERSIvOS, ORIUNDOS DOS mAIS DIStIN-tOS SEtORES pOlÍtICOS E CUltURAIS, COmpRO-vAm qUE OS INStRUmEN-tOS JURÍDI-COS, qUE A REvOlUçãO vItORIOSA OUtORgOU à NAçãO pARA SUA DEfESA, DESENvOlvI-mENtO E bEm-EStAR DE SEU pOvO, EStãO SERvINDO DE mEIOS pARA COmbAtê-lA E DEStRUÍ-lA;

CONSIDERAN-DO qUE, AS-SIm, SE tORNA ImpERIOSA A ADOçãO DE mEDIDAS qUE Im-pEçAm SEJAm

fRUStRADOS OS IDEAIS SU-pERIORES DA REvOlUçãO, pRESERvANDO A ORDEm, A SEgURANçA, A tRANqüIlI-DADE, O DE-SENvOlvImEN-tO ECONômICO E CUltURAl E A hARmONIA pOlÍtICA E SOCIAl DO pAÍS COmpRO-mEtIDOS pOR pROCESSOS SUbvERSIvOS E DE gUERRA REvOlU-CIONáRIA;

CONSIDERAN-DO qUE tODOS ESSES fAtOS pERtURbA-DORES, DA ORDEm SãO CONtRáRIOS AOS IDEAIS E à CONSOl-IDAçãO DO mOvImENtO DE mARçO DE 1964, ObRIg-ANDO OS qUE pOR ElE SE RESpONS-AbIlIzARAm E JURARAm DEfENDê-lO, A ADOtAREm AS pROvIDêNCIAS NECESSáRIAS, qUE EvItEm SUA DEStRU-IçãO,

RESOlvE EDItAR O SEgUINtE

AtO INStItU-CIONAl

ARt 1º - SãO mANtIDAS A CONStItUIçãO DE 24 DE JA-NEIRO DE 1967 E AS CONStItU-IçÕES EStAD-UAIS, COm AS mODIfICAçÕES CONStANtES DEStE AtO INStItUCIONAl.ARt 2º - O

pRESIDENtE DA REpúblICA pODERá DECREtAR O RECESSO DO CONgRESSO NACIONAl, DAS ASSEmbléIAS lEgISlAtI-vAS E DAS CâmARAS DE vEREADORES, pOR AtO COm-plEmENtAR, Em EStADO DE SItIO OU fORA DElE, Só vOltANDO OS mESmOS A fUNCIONAR qUANDO CON-vOCADOS pElO pRESIDENtE DA REpúblICA.

§ 1º - DECREtA-DO O RECESSO pARlAmEN-tAR, O pODER ExECUtIvO CORRESpON-DENtE fICA AUtORIzADO A lEgISlAR Em tODAS AS mAtéRIAS E ExERCER AS AtRIbUIçÕES pREvIStAS NAS CONStItU-IçÕES OU NA lEI ORgâNICA DOS mUNICÍ-pIOS.

§ 2º - DURANtE O pERÍODO DE RECESSO, OS SENADORES, OS DEpUtADOS fEDERAIS, EStADUAIS E OS vERE-ADORES Só pERCEbERãO A pARtE fIxA DE SEUS SUbSÍ-DIOS.

§ 3º - Em CASO DE RECESSO DA CâmARA mUNICIpAl, A fISCAlIzAçãO fINANCEIRA E ORçAmEN-táRIA DOS mU-NICÍpIOS qUE NãO pOSSUAm

tRIbUNAl DE CONtAS, SERá ExER-CIDA pElO DO RESpECtIvO EStADO, EStENDENDO SUA AçãO àS fUNçÕES DE AUDItORIA, JUlgAmENtO DAS CONtAS DOS ADmIN-IStRADORES E DEmAIS RESpONSávEIS pOR bENS E vAlORES públICOS.

ARt 3º - O pRESIDENtE DA REpúblICA, NO INtERESSE NACIONAl, pODERá DEC-REtAR A INtER-vENçãO NOS EStADOS E mU-NICÍpIOS, SEm AS lImItAçÕES pREvIStAS NA CONStItUIçãO.

pARágRAfO úNICO - OS IN-tERvENtORES NOS EStADOS E mUNICÍpIOS SERãO NO-mEADOS pElO pRESIDENtE DA REpúblICA E ExERCERãO tODAS AS fUNçÕES E AtRIbUIçÕES qUE CAIbAm, RESpECtIvA-mENtE, AOS gOvERNA-DORES OU pREfEItOS, E gOzARãO DAS pRER-ROgAtIvAS, vENCImENtOS E vANtAgENS fIxADOS Em lEI.

ARt 4º - NO INtERESSE DE pRESERvAR A REvOlUçãO, O pRESIDENtE DA REpúblICA, OUvIDO O CON-SElhO DE SE-

gURANçA NA-CIONAl, E SEm AS lImItAçÕES pREvIStAS NA CONStItU-IçãO, pODERá SUSpENDER OS DIREItOS pOlÍtICOS DE qUAISqUER CI-DADãOS pElO pRAzO DE 10 ANOS E CAS-SAR mANDA-tOS ElEtIvOS fEDERAIS, EStADUAIS E mUNICIpAIS.

pARágRAfO úNICO - AOS mEmbROS DOS lEgISlAtIvOS fEDERAl, ES-tADUAIS E mU-NICIpAIS, qUE tIvEREm SEUS mANDAtOS CASSADOS, NãO SERãO DA-DOS SUbStItU-tOS, DEtER-mINANDO-SE O qUORUm pARlAmENtAR Em fUNçãO DOS lUgARES EfEtIvAmENtE pREENChIDOS.

ARt 5º - A SUSpENSãO DOS DIREItOS pOlÍtICOS, COm bASE NEStE AtO, ImpORtA, SImUltANEA-mENtE, Em:

I - CESSAçãO DE pRIvIlégIO DE fORO pOR pRERROgAtIvA DE fUNçãO;

II - SUSpENSãO DO DIREItO DE vOtAR E DE SER vOtADO NAS ElEIçÕES SINDICAIS;

III - pROIbIçãO DE AtIvIDADES OU mANIfES-tAçãO SObRE ASSUNtO DE NAtUREzA

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0 AI-5pOlÍtICA;

Iv - AplICA-çãO, qUANDO NECESSáRIA, DAS SEgUINtES mEDIDAS DE SEgURANçA:

A) lIbERDADE vIgIADA;

b) pROIbIçãO DE fREqüEN-tAR DEtER-mINADOS lUgARES;

C) DOmICÍlIO DEtERmINADO,

§ 1º - O AtO qUE DECREtAR A SUSpENSãO DOS DIREItOS pOlÍtICOS pODERá fIxAR REStRIçÕES OU pROI-bIçÕES RElA-tIvAmENtE AO ExERCÍCIO DE qUAISqUER OUtROS DIRE-ItOS públICOS OU pRIvADOS.

§ 2º - AS mEDIDAS DE SEgURANçA DE qUE tRAtA O ItEm Iv DEStE ARtIgO SERãO AplICADAS pElO mINIS-tRO DE EStADO DA JUStIçA, DEfESA A ApRECIAçãO DE SEU AtO pElO pODER JUDICIáRIO.

ARt 6º - fICAm SUSpENSAS AS gARANtIAS CONStItUCION-AIS OU lEgAIS DE: vItAlICIE-DADE, mAm-OvIbIlIDADE E EStAbIlIDADE, bEm COmO A DE ExERCÍCIO Em fUNçÕES pOR pRAzO CERtO.

§ 1º - O

pRESIDENtE DA REpúblICA pODERá mEDI-ANtE DECREtO, DEmItIR, REmOvER, ApOSENtAR OU pôR Em DI-SpONIbIlIDADE qUAISqUER tItUlARES DAS gARANtIAS REfERIDAS NEStE ARtIgO, ASSIm COmO EmpREgADO DE AUtAR-qUIAS, EmpRE-SAS públICAS OU SOCIE-DADES DE ECO-NOmIA mIStA, E DEmItIR, tRANSfERIR pARA A RESERvA OU REfORmAR mIlItARES OU mEmbROS DAS pOlÍCIAS mIlItARES, AS-SEgURADOS, qUANDO fOR O CASO, OS vENCImENtOS E vANtAgENS pROpORCIO-NAIS AO tEmpO DE SERvIçO.

§ 2º - O DIS-pOStO NEStE ARtIgO E SEU § 1º AplICA-SE, tAmbém, NOS EStADOS, mUNICÍpIOS, DIStRItO fEDERAl E tERRItóRIOS.

ARt 7º - O pRESIDENtE DA REpúblICA, Em qUAlqUER DOS CASOS pREvIStOS NA CONStItUIçãO, pODERá DE-CREtAR O ES-tADO DE SÍtIO E pRORROgá-lO, fIxANDO O RESpECtIvO pRAzO.

ARt 8º - O pRESIDENtE DA REpúblICA

pODERá, ApóS INvEStIgAçãO, DECREtAR O CONfISCO DE bENS DE tODOS qUAN-tOS tENhAm ENRIqUECIDO, IlICItAmENtE, NO ExERCÍCIO DE CARgO OU fUNçãO públICA, INClUSIvE DE AUtARqUIAS, EmpRESAS públICAS E SOCIEDADES DE ECONOmIA mIStA, SEm pREJUÍzO DAS SANçÕES pE-NAIS CAbÍvEIS.

pARágRAfO úNICO - pROvADA A lEgItImIDADE DA AqUISIçãO DOS bENS, fAR-SE-á SUA REStItUIçãO.

ARt 9º - O pRESIDENtE DA REpúblICA pODERá bAIxAR AtOS COmplEmEN-tARES pARA A ExECUçãO DEStE AtO INStItUCIONAl, bEm COmO ADOtAR, SE NECESSáRIO à DEfESA DA REvOlUçãO, AS mEDIDAS pREvIStAS NAS AlÍNEAS D E E DO § 2º DO ARt. 152 DA CONStItUIçãO.

ARt 10 - fICA SUSpENSA A gARANtIA DE hAbEAS CORpUS , NOS CASOS DE CRImES pOlÍtI-COS, CONtRA A SEgURANçA NACIO-NAl, A ORDEm ECONômICA E SOCIAl E A ECONOmIA

pOpUlAR.

ARt 11 - ExClUEm-SE DE qUAlqUER ApRECIAçãO JUDICIAl tODOS OS AtOS pRAtICADOS DE ACORDO COm EStE AtO INStItUCIONAl E SEUS AtOS COmplEmEN-tARES, bEm COmO OS RESpECtIvOS EfEItOS.

ARt 12 - O pRESENtE AtO INStItUCIO-NAl ENtRA Em vIgOR NEStA DAtA, REvOgA-DAS AS DIS-pOSIçÕES Em CONtRáRIO.

bRASÍlIA, 13 DE DEzEm-bRO DE 1968; 147º DA INDEpENDêN-CIA E 80º DA REpúblICA.

A. COStA E SIlvA lUÍS ANtôNIO DA gAmA E SIlvA AUgUStO hAmANN RADEmAkER gRüNEWAlD AURélIO DE lyRA tAvARES JOSé DE mAgAlhãES pINtO ANtôNIO DElfIm NEttO máRIO DAvID ANDREAzzA IvO ARzUA pEREIRA tARSO DUtRA JARbAS g. pAS-SARINhO máRCIO DE SOUzA E mEllO lEONEl mIRANDA JOSé COStA CAvAlCANtI EDmUNDO DE mACEDO

SOARES hélIO bEltRãO AfONSO A. lImA CARlOS f. DE SImAS

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pAUlO CESAR DE ARAúJO é jornalista, historiador e mestre em Memória Social. Autor de Eu não sou cachorro não - música popular brasileira na ditadura militar (livro que descreve a censura imposta aos artistas populares brasil-eiros) e da polêmica, censurada e proibida biografia Roberto Carlos em detalhes.

zé RODRIx é cantor, compositor, publicitário e escritor. Fez parte dos grupos: Momento Quatro; Som Imaginário; Sá, Rodrix e Guarabyra e Joelho de Porco. Autor de grandes sucessos da música nacional como Casa no Campo, gravada por Elis Regina e Soy latino americano, entre muitos outros.

Paulo César e Zé Rodrix receberam a POP na Casa Mario de Andrade, em São Paulo. elaine GomeS

Porque um livro sobre a censura na música brega?Paulo César Araújo - Quando come-cei a me aprofundar nas pesquisas sobre a censura musical no regime militar, já havia bastante escrita sobre a elite da MPB e artistas como Chico, Milton, Gonzaguinha. Sobre os bregas e a censura moral desse período pouco se falava.

Como era a patrulha moral, paralela à política?PCA - Todos foram muito censura-dos, principalmente o Odair José. E basicamente pela questão moral. Al-gumas vezes por questões políticas, mas principalmente por questões morais. Esses artistas foram vítimas disso. Odair José foi com certeza o mais censurado entre os cantores e compositores da época da ditadu-ra. Várias canções foram vetadas, justamente porque ele enfatizava o sexo, a cama, a pílula, temas que nesse período eram considerados pelos militares como obscenidades. Falar de sexo, de prostituição... Era um atentado violento ao pudor!

A lógica da censura moral em relação à política era semelhante? Aquele enfrentamento, as tentativas de burlar os censores, era tudo igual?PCA - Era sim. Da primeira vez que ele fez uma canção e foi proibida, ele continuou fazendo as músicas, ele continuou provocando, as mú-sicas continuaram sendo proibidas, mais ou menos o que acontecia com o pessoal da MPB que nem sabia que era proibido falar de política e protesto, mas eles tentavam mudar

alguma coisa aqui, outra ali... Odair José, por exemplo, fez, em 1973, uma canção chamada Em qualquer lugar, que falava apenas isso: “em qualquer lugar, na minha cama, dentro do meu carro, debaixo do chuveiro é bom sempre em qualquer lugar”. Os censores, é claro, se es-candalizaram. A canção foi vetada e ele tentou conversar, modificar, mas não teve jeito: a canção foi banida.

Zé Rodrix teve letras proibidas por atentarem contra a moral e os bons costumes. As músicas eram Velha Questão e Somos o que você quiser e Abaixo a cueca. Você já estava esperando esse veto?Zé Rodrix - Sabíamos de todos os vetos. O problema é que nós estávamos vivendo uma situação em que não havia mais motivo, não havia mais substância para impor a ditadura em moldes políticos. Ainda existiam pequenos grupos políticos que faziam muito barulho, mas o grande inimigo da ditadura passou a ser o comportamento, a revolução sexual, a liberação dos costumes. A coisa mais importante é que a gente seja livre de preconceito ideológi-co, político ou religioso para poder viver. Nesta época era impossível, eram tempos de “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Ou você se comportava desse jeito ou era melhor ir embora. A gente brincava muito com a frase: “o último a sair, apague a luz do aeroporto.

Qual era o sentimento de ter que submeter toda e qualquer composição aos censores?ZR - Acho que cada um cumpria o

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seu papel. Nós compúnha-mos e eles censuravam. Eu nunca pratiquei auto-censura e não me preocu-pava. Eu mandava para a gravadora, que enviava para a censura, que dava seu parecer. Eu enfrentei problemas com a censura até 1982, quando nós fize-mos o disco Saqueando a cidade com o grupo Joelho de Porco. Nós tivemos duas canções censura-das, inclusive a música título do disco. Na época, havia aqueles saques de supermercados e eles acharam que a gente tava apoiando. E olha que isso foi já no tempo de abertura. Eu não tive problemas com a censura. A censura é que teve problemas comigo. Censuraram uma série de canções, não tinha como escapar.

Era comum essa negociação dos músicos com os censores?PCA - Era sim, não tinha outra saída, até por que, quando uma canção era vetada, o compositor era chamado pra se explicar. O Chico tentava, os outros cantores também tenta-vam, era muito comum. O Odair fez uma canção chamada A primeira noite de um homem, que falava da ansiedade que envolve o jovem no seu primeiro relacionamento sexual. A censura proibiu, ele recor-reu e marcou (através de um executivo da gravadora) um encontro com o Gal. Golbery do Couto e Silva (chefe do Serviço Nacional de Informação). Ele costu-mava receber os artistas. Quando a novela Roque Santeiro foi proibida, ele recebeu parte do elenco. Receber ele recebia, mas não adiantava nada... Mas o Odair foi e, chegando lá, disse: “General, o que

incomodou nessa letra? O disco está pronto, vai ser lançado”. Ele disse que o General nem levantou os olhos e disse simples-mente que a canção foi tirada e arquivada. O Odair mudou uma palavra ou outra e mandou outra vez pra outros censores e eles aprovaram achando que era outra música. Ele tem o maior orgulho de ter enga-nado o general!

Com o cantor Waldick Soriano a patrulha era dupla, tanto moral como política, não é isso?PCA - Com ele era sim, e é curioso porque aí a questão política atravessa a questão moral ou faz uma associa-ção política onde apenas era uma canção românti-ca. Talvez uma das mais lindas canções de Waldick seja Tortura de amor, uma canção composta em 1962 que, naquele ano, fez um sucesso relativo. Em 1964 ele regravou essa canção num disco comemorativo e aí veio a ordem da Polícia Federal proibindo a exe-cução. Não podia tocar no

rádio (algumas vezes eles proibiam a música de ser tocada em qualquer lugar, outras vezes, só não podia tocar no rádio!). O grande problema foi a palavra “tortura”. Os militares não admitiam que falassem a palavra “tortura” e pelo visto nem “amor”... (risos).

Torturar podia, o que não podia era falar a palavra...PCA - Eles tinham umas implicâncias específicas até interessantes, por-que retinham coisas sem importância e liberavam outras por pura ignorância. O Agnaldo Timóteo, por exemplo, resolve em 1975, fazer uma música cha-mada Galeria do amor e eles liberaram! Ele estava falando da Galeria Alasca, um ponto de encontro gay no Rio de Janeiro. Tudo bem que 75 já era um período de abertura, mas a censura moral continuou. Ele fala, na música que “na galeria é assim, onde quem é gente como a gente se entende, onde se pode amar livremente”. Ele me disse: “olha Paulo, eu

várias canções

foram vetadas porque

enfatizavam o sexo,

a pílula... Acima de

tudo, sofríamos

uma censura moral”

paulo césar

Zé roDrix Musicou uMa receita De bolo

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chegava de viagem parava o carro e ia pra Galeria Alasca. Se eu colocas-se que a Galeria Alasca é assim, que as pessoas de lá são assim e assim ... fatalmente a música ia ser proibida” Eu perguntei se ele não tinha receio e ele me disse que se houvesse proble-ma, ele daria porrada... Na verdade, por um lado você conseguia driblar a censura, não havia lógica. Algumas vezes passava e outras não! O Zé tem uma história ótima sobre essas implicâncias.

Que história?ZR - Olha, eu tava cansado de ser cen-surado, tava de saco cheio desse jogui-nho deles e um dia peguei um caderno de receitas da minha avó e musiquei um bolo que ela sempre fazia. A letra era só: tanto de açúcar, tanto de farinha, bate, assa... Mandei e eles vetaram! Vetaram o bolo da minha avó! Proibiram uma receita de família!!!! (risos) Zé Rodrix, antes da entrevista nós estávamos falando da importância do livro Eu não sou cachorro não, do Paulo, você fez umas

observações bem bacanas...ZR - A grande vantagem que eu vi no livro do Paulo, foi que ele teve cora-gem de destroçar todos os mitos da época. O livro acabou com histórias que eram totalmente ilusórias. Eu acho que a gente precisa, antes de tudo, se livrar de alguns mitos. Um deles, por exemplo, quando o grande mestre fala no DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão responsável pela censura), a gente tem que reconhecer que homens hoje considerados gênios da raça, os me-

lhores compositores que o país teve, foram comprados pelo DIP para fazer músicas em homenagem ao ditador da época, que era o Getúlio Vargas e que não abria mão disso. Ele queria ser elogiado, queria lançar a idéia de que o Brasil era um país fenomenal e maravilhoso, você não podia falar o contrário. Na ditadura de Getúlio, a polícia chegava, dava porrada e não queria nem saber.Os caras usam critérios estúpidos, porque eles eram completamente desesperados, nós, no meio dos compositores, tínhamos uma prática

que para nós era muito interessante, a gente dizia assim: “olha , cada um na sua função: a gente compõe, eles censuram, a gente compõe, eles censuram...”.

Era um jogo assim descarado? Os militares, os censores tinham consciência disso?ZR - É lógico que tinham, era bem assim. Mas aí a gente viu que não dava, e começamos a usar truques. Por exemplo, tem uma canção que se chama Pássaro que originalmen-te chamava O tocador e estava no nosso segundo disco (Terra, de Sá Rodrix e Guarabyra), e aí a censura proibiu. Quando a gente quis gravar no disco seguinte, mudamos o nome pra Pássaro e colocamos que seria gravada pelo Tonico e Tinoco e eles aprovaram! Pra eles o problema era o conjunto de informações, daí bastava fazer determinadas manobras.

Mas as manobras nem sempre funcionavam...ZR - O problema é que eles defen-diam uma moral que não era modifi-cada, que era a mesma sei lá desde quando. Eu tenho uma letra que eu fiz com o Paulo Coelho que eles riscaram de caneta vermelha: “fere a moral e bons costumes da família bra-sileira”! O mais importante é perceber que todos fomos censurados, todos! A censura não caiu especificamente em cima de alguns que, de deter-minada maneira, se privilegiaram disso. A censura caiu sobre todos e os verdadeiramente censurados são aqueles que nunca puderam gravas suas canções. Tem um camarada chamado Sirlan que ganhou um fes-tival. Ele fez um disco, era o começo da carreira dele, o disco foi todo cen-surado, vetado de ponta a ponta. O cara enlouqueceu, se meteu no meio do mundo e nunca mais apareceu.

Não dava vontade de desistir, de deixar pra lá?ZR - Olha, o Taiguara morreu com 274 canções censuradas que nunca vieram ao público. Este é o cara censurado, estes são verdadeiramen-te censurados, porque a sua carreira foi interrompida. Eu tenho um amigo que é advogado que diz assim “vocês são muito bobos, você deviam agora meter a boca... o Governo não está

paulo c. araÚJo DestrincHou “os bregas”

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pagando indenizações pra todo mun-do? Eu acho que todos os cantores que foram censurados deviam entrar com um processo, alegando danos morais e lucros cessantes. Você podia dizer: olha censuraram minha canção (é uma esculhambação você ficar penalizando o Brasil) eu tava indo muito bem, minha música tava muito boa, eu ia ficar milionário com essa canção, mas o governo me impediu de ficar milionário, e agora eu quero minha indenização”. Isso ainda vai acontecer! (risos).

Como era o sentimento de mandar mensagens cifradas pra população que não sabia nem entendia bem o que acontecia?ZR - A população estava a favor, a população queria o golpe, estava apoiando o golpe. Só em 1966 é que as pessoas começaram a se desagra-dar, aí veio o AI-5 em 1968 e a ver-dadeira face do regime ficou exposta. Mas de 1964 até 1966 o Golpe era aplaudido pela população brasileira não há o que dizer contra isso. O povo brasileiro gostava do Golpe. A censura existia e existe até hoje porque parte da sociedade apóia o dever da censu-ra . Um exemplo era o Chacrinha que era censurado e que muitas vezes se pegava dizendo “como que a censura deixou a capa dessa revista com a Gal Costa ?”, ou seja: o Chacrinha era censurado, e pedia censura.

Você falou que hoje ainda existe censura.ZR - Existe censura sim, não era só naquela época, hoje se fala muito: “como deixam essa música de funk tocar nas rádios, isso é uma ofensa pra família brasileira, uma baixaria”. É exatamente a mesma coisa, o mesmo blá blá blá, conversa fiada de gente que não sabe reconhecer o respeito essencial e não permite que ninguém pense diferente dele. Este continua sendo o verdadeiro motivo de ainda haver censura no Brasil, é a incapacidade de aceitar o diferente, um homem que pensa diferente de mim precisa ser calado.

Muitos registros dizem que a postura de patrulha ideológica acabava escondendo sentimen-tos de racismo e homofobia. A própria esquerda perseguia seus

desafetos. Era assim mesmo?ZR - Foi um movimento terrível em que essa censura, a da moral e dos bons costumes, teve toda a colabo-ração das pessoas que deveriam ter lutado contra ela. Foram os movimen-tos contra o Wilson Simonal, Tony Tornado e Erlon Chaves. Foram coisas rigorosamente movidas contra a moral e os bons costumes.A sociedade brasileira tinha imensa difi-culdade de ver negros em posições de destaque, casados com loiras, levando uma vida legal e com importância social. Era assim que a banda tocava. Esses são três casos emblemáticos, porque os próprios movimentos de es-querda, as pessoas que deveriam estar lutando contra isso, ficaram rigorosa-mente a favor da censura.

A imprensa também?ZR - Eu me recordo da campanha escrota e torpe que o Pasquim fez contra o Simonal. Era uma coisa pes-soal. Sei disso, pois quando foi com-provado que o Simonal não tinha feito nada – e que nada daquilo era ver-dade – logo após a morte dele, foram entrevistar várias pessoas e quando perguntaram para o Jaguar, ele disse: “era dedo duro sim e para mim não vai deixar de ser porque nunca gostei deste crioulo”. A relação era essa. Eu me recordo que o Pasquim era muito engraçado. Por exemplo, a música tema do jornal era País Tropical, mas só cantada pelo Jorge Bem. Quando era cantada pelo Simonal era uma merda. Quando Erlon Chaves dançou e beijou as loiras no palco, na saída ele foi preso e ficou três meses desa-parecido, tomando porrada e os caras dizendo: “Aí negão, vai aprender o teu lugar”. Tony Tornado, quando co-meçou namorar a Arlete Salles, uma loira, foi um escândalo.

Pra finalizar eu gostaria de saber se você acha que seu trabalho ficou prejudicado pela censura.ZR - Eu sempre tive a visão que cada um cumpre seu papel: eu sou criador e vou criando. Não pode uma canção, eu crio outra, se corta um verso, eu escrevo outro, como naquela músi-ca do Paulo César Pinheiro. Agora, esse movimento todo de pedidos de reparação (que músicos e artistas vêm fazendo) tem uma coisa de

vingança muito forte. Pra mim não faz o menor sentido. A ditadura já passou. A censura foi um momento ridículo da nossa vida nacional e, se conseguirmos rir desta época, nós vamos vencê-lo. A gente precisa começar a rir destes momentos. E rir mesmo para que eles percam valor. A censura é profundamente triste. Ela fica impregnada nas pessoas que tentam refazer sua vida de uma forma que não é mais possível e acabam agindo exatamente como os censo-res, porque elas ficam te impondo um comportamento da mesma forma que os censores impuseram a elas. Ou seja, totalmente ridículo.

Um dia peguei um

caderno de receitas da minha avó

e musiquei um bolo que

ela sempre fazia.

mandei e eles

vetaram! vetaram

o bolo da minha avó!”

zé rodrix

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bREgASSempre tratada como “musica de alienação e conteúdo ufanista”, a música conhecida como brega tem mais a dizer do que o dizem dela

A INtENSA pRODUçãO de música popular cafona durante a ditadura militar é quase sempre esquecida nos livros, artigos e estudos que se propõem a relatar a história musical da época. Mas por que esses artistas que eram tão ouvidos e aclamados pelo povo, que compunham músicas para as classes “menos favorecidas”, que vendiam milhares de discos e que eram parte integrante da história foram esquecidos por ela?

AlIENAçãO pOlÍtICA? tAlvEz...1968, ano do Ato Institucional Número 5:

estava instalado um regime de controle e censura de qualquer manifestação contrária à ordem dominante. A MPB se ergue contra o cerceamento da liberdade, seus artistas fazem manifestos abertos contra o regime e, com isso, passam a ser perseguidos e censurados. Ainda assim, esforçam-se para protestar. Utilizando metáforas em suas can-ções, alguns desses artistas tornam-se ícones da resistência ao regime militar. Canções engajadas, politizadas e de protesto: isso era a Música Popular Brasileira.

À margem das questões políticas e das implicações práticas da decretação do AI-5, artistas como Odair José (que logo se tornaria o maior ídolo da musica brega) e Benito di Paula (um dos nomes mais populares do cenário artístico brasileiro dos anos 70) assistiram com distanciamento a confusão política daqueles dias de dezembro de 1968. Enquanto vários intelectuais e representantes da MPB, como Chico Buarque, Edu Lobo e Vinícius de Morais, participavam da Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro (movimento que precedeu a decretação do AI-5), Odair estava num estúdio, trabalhando, preocupan-do-se com sua vida pessoal, correndo atrás

“eu nÃo sou cacHorro nÃo”... nos anos 60, MoDerno era ser brega

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bREgASdo seu trabalho. “Chico Buarque tinha a casa dele, o pai dele, então era mui-to fácil pra ele participar da passeata. Mas eu não tinha aqui. Nem pai, nem mãe, nem casa pra morar. Precisava batalhar a minha vida”

O sambista Benito di Paula também estava se dedicando ao trabalho, tentando conquistar o seu espaço.

Outros importantes representantes da música que ficou conhecida como brega, sequer tomaram conhecimento dos acontecimentos políticos. É o caso de Wando, Agnaldo Timóteo, Dom e Ravel, Waldik Soriano e Nelson Ned.

Importante é entender o abismo social que separava esses artistas da questão política. Basta, para isso, dizer que o movimento da MPB contava com universitários e intelectuais da classe média. Estudantes de Marx, Weber e outros importantes nomes de sociolo-gia, política, filosofia, etc. Já o movi-mento brega era composto por artistas que, em sua maioria, trabalharam durante a infância, migraram de suas cidades natais em busca de melhores oportunidades, foram recebidos com discriminação e passaram os mais diversos apuros na “cidade grande”.

Dá para considerar seu distancia-mento político como alienação?\

INgENUIDADE DOS ARtIStAS, SAgACIDADE DOS mIlICOS

Temática recorrente na música brega, o sofrimento, a discriminação e a exclusão social recontavam as

histórias de empregadas domésti-cas, pedreiros, padeiros, lixeiros, açougueiros e trabalhadores, além de outras tantas pessoas marginali-zadas, que encontravam nas canções bregas um olhar voltado para si. Daí o enorme sucesso do brega entre esse seguimento social, os ‘menos favo-recidos’. Mas ao falar nesses temas, os artistas não tinham a intenção de contestar nada, nem ninguém, mas sim trazer à luz essa realidade tão próxima e ao mesmo tempo tão des-conhecida. Essa realidade que fora vivida por muitos deles.

Os temas principais desse gênero musical eram as drogas, o homos-sexualismo, o sexo e o amor. Tudo dito de forma direta e inofensiva. Não havia como fazer oposição ao regime militar já que os ídolos bregas não ti-nham qualquer entendimento político.

Nem oposição, nem apoio.Acontece que os militares se apro-

veitavam da ingenuidade das letras e faziam tocar, incansavelmente, essa música ‘sem conteúdo’ nas rádios. Dessa forma o alcance das canções era enorme e o povo as consumia vorazmente.

Enquanto isso, a MPB sofria com a censura, com a extradição e tortura de seus representantes. A classe média, os ‘engajados’, abominavam o gênero brega e taxavam-no de alie-nante, já que, contextualmente, não era música de protesto.

Quando Dom e Ravel lançaram

Eu te amo meu Brasil, em 1970, os militares transformaram-na num hino apologético do governo militar. É incontestável o caráter ufanista dessa canção, mas é um erro afirmar que foram eles os únicos artistas a produzir músicas com esse conteúdo. Pelo contrário. Antes mesmo de Eu te amo meu Brasil ser escrita por Dom, em 1969, Wilson Simonal alcançava o auge do sucesso com a canção País Tropical, composição de Jorge Benjor. Embora tenha causado grande polêmi-ca entre a esquerda brasileira, Benjor conseguiu sair ileso enquanto Dom e Ravel conquistaram um estigma que os acompanharia por toda a vida.

ENfIm...A música brega não lutou contra

ninguém Se sofreu com a censura, foi por conta do caráter moral de suas canções. As músicas não eram ve-tadas por subversão, mas por conter insinuações pornográficas. O poder ditatorial nunca se sentiu ameaçado por esse segmento da música.

A música brega não apoiou nin-guém O ufanismo nas canções era ingênuo, não tinha a intenção de legitimar os dogmas da ditadura. Os artistas pregavam o amor e conta-vam, em suas músicas, as histórias que o povo queria ouvir. Não se que-ria alienar ninguém, apenas entreter e falar de coisas agradáveis, já que a realidade nem sempre o era. claUdia URBaniSKi

A música brega não lutou contra ninguém. Se sofreu com a censura, foi por conta do caráter moral de suas canções.

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CANtEmOS

JUNtOS!

Um relato da perseguição

e patrulha que a

esquerda impôs aos

irmãos Dom & Ravel

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CANtEmOS

JUNtOS!

EDUARDO gOmES DE fARIAS é um homem calmo, sereno e desconhecido que vive com a esposa Rejane numa casinha branca, cheia de árvores e passarin-hos. O cantor e compositor Ravel é um homem ressentido e amedrontado pelas imposições da direita e as patrulhas da esquerda no período da ditadura.Eduardo e Ravel são diferentes em muitos aspectos, mas são a mesma pessoa.

Conseguir falar com ele não foi muito fácil. Há muitos anos ele não recebe a imprensa, nem gosta de falar do passado.

O nome artístico Ravel foi dado por um professor de mú-sica que achou que um exercício de violão que ele fez em aula ficou igual ao bolero de Maurice Ravel. Dom ganhou esse nome, por que “tinha o jeitão de padre”. Dom & Ravel eram músicos de sucesso e enorme popular-idade. A vida e a carreira iam muito bem, obrigada até que a canção Eu te amo meu Brasil caiu no gosto dos Militares. Esse foi o começo do fim. elaine GomeS

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Como foi sua infância?Eu nasci no norte. Meus pais eram separados e meu pai era vendedor ambulante. Ele comprava coisas na Rua da Alfândega e vendia de porta em porta na periferia do Rio.Eu era pequenininho e ia com ele. Acordava cedo e seis da manhã, já estava na estrada. Eu acompanhei meu pai até os dez anos, depois disso ele progrediu e montou uma alfaiata-ria e lojas de roupas. Mais tarde ele vendeu tudo e veio pra São Paulo e eu fui morar com a minha mãe. Dom morava com ela.

Sua família nunca teve nenhu-ma ligação com os militares? Houve quem dissesse que vocês eram filhos do general Cordei-ro de Faria (braço direito do presidente Castello Branco).Não, nenhuma. Essa história de que somos parentes de militares é mais uma mentira. A história de Dom e Ravel é uma história de vida muito complicada. A pobreza é dura e é essa a realidade do Brasil. Essa é minha origem, no sentido de presen-ciar situações de extrema dificuldade das pessoas na periferia. Meu irmão teve uma vida privilegiada, porque a educação que ele recebeu foi muito boa. Dom teve uma educação com-pletamente diferente da minha.

Como começou a carreira musical de vocês?Meu irmão tinha outra dupla Dim & Dom, mas o companheiro dele foi fazer faculdade no interior e largou a música. Dom me convidou e eu fui. Não tinha nem idéia do que seria uma carreira musical, não tinha noção de nada disso não... Meu irmão foi me ensinando, tendo paciência comigo. Ele tocava bem violão e falava cinco idiomas, ele era muito esforçado. Era uma dessas pessoas que nascem predestinadas.

Você acha que tudo que aconte-ceu com vocês foi algum tipo de predestinação?Eu já pensei muito nisso... Nós fomos perseguidos pela esquerda e pela direito, uma coisa única na época da ditadura militar. Isso nunca aconte-ceu com nenhum artista. No início da carreira, quando começamos a bater na porta das gravadoras e nada. Aí nós começamos a grudar nos artistas,

essa história de que somos

parentes de militares é mais

uma mentira. A história de

Dom e Ravel é uma história

de vida muito complicada”

eDuarDo goMes De Faria, o “raVel” recebeu a pop eM sua casa

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mas logo percebemos que não daria certo. Havia a panelinha da Jovem Guarda, a dos músicos baianos, e quem estava de fora, estava fora da jogada. Eles não queriam saber de ajudar ninguém, artista brasileiro é muito desunido. Dom era visioná-rio, assinava revistas americanas especializada em música, e nessas revistas estava tudo que acontecia nos Estados Unidos naquela década.Então nós começamos a compor músicas pra todos os artistas. Nós compusemos pros Demônios da Garoa, Sérgio Reis, Wanderléia, An-tônio Marcos, Vanusa, Os Incríveis... Fizemos muito sucesso, mas depois a perseguição foi brava.

Antes dos problemas com os militares e com a esquerda, vocês fizeram muito sucesso e muito dinheiro...Um dia, estávamos no estúdio selecio-nando as músicas que seriam gravadas, quando o diretor da gravadora chegou, ouviu e adorou! Ele fechou contrato com a gente na hora. Ele percebeu a nossa simplicidade e nossa vida mudou. Nós morávamos numa quitinete na Tabatin-guera, e no dia seguinte mandaram a gente voltar pra assinar o contrato com a gravadora. Nós fomos e assim que che-gamos, nos deram um cheque que deu pra comprar um apartamento cinemato-gráfico, e ainda ganhamos dois carros. E isso era só um adiantamento, mas o negócio é o seguinte, o sucesso nosso foi tão grande que o Governo usou a música Eu te amo meu Brasil.

Vocês gravaram essa música depois dos Incríveis?Nós gravamos depois de três meses, porque a Globo não queria gravar com Os Incríveis, porque era uma mão de obra muito grande levar todos pra gravar. Eram cinco passagens de avião, cinco estadias... Eu e o Dom éramos dois, saía muito mais barato. Além disso, nós tínhamos uma banda aqui e uma no Rio, a gente não tinha despesa,

Como foi a composição dessa música?Lembra quando eu disse que o Dom assinava revistas estrangeiras? A gente procurava o que fazia sucesso lá fora e queria fazer aqui. A Ingla- Ingla-terra tinha os Beatles, os Estados Unidos tinham os Rolling Stones

que cantavam e veneravam suas cidades, seus países, usavam ban-deiras nos shows... Nós pensamos em fazer a mesma coisa, aí fizemos um apanhado das belezas naturais do país, as praias, a mulher brasile-ira, o futebol e o carnaval. Nós reunimos tudo isso em Eu te amo meu Brasil. Fazíamos músicas de mensagem social construtiva. Nós queríamos ajudar o nosso povo com as letras, para alertar as auto-ridades do governo e os políticos.

Como começou a história dos militares com Eu te amo meu Brasil? O Governo usava nossas músi-cas sem nem pedir, o Governo usou umas três, quatro músicas nossas, sem pedir, nós fazíamos shows obrigados, eu dividi palco com a Elis Regina, mas o saco de pancadas era Dom e Ravel. Eles paravam aqueles carros verdes enormes na porta de casa, tocavam a campainha e a gente ia tocar nas EXPOEX (exposições de material do exército) na marra, sem cachê, sem aviso, sem nada.

Em que momento vocês perce-beram que os militares tinham adotado sua música?O Governo começou com aque-las propagandas: “Brasil ame-o ou deixe-o” e “Eu te amo meu Brasil” e vários outros slogans dessa natu-reza. Aí a gente sentiu que tava en-crencado, mas não tinha o que fazer. Quem ia lá bater na porta dos caras e dizer que eles podiam ou não podiam fazer as coisas?

Qual foi a primeira mentira que contaram sobre vocês, depois que o Governo começou a usar sua música?Inventaram que eu era filho de General,e que eu era um artista en-gajado da direita, que eu fazia música encomendada pro Governo.Nem eu fiz, nem eles pediram. Aí quando a violência começou a freqüentar os nossos shows, o pau começou a comer. O Governo usou nossas mú-sicas e daí nós começamos a sofrer e observar a violência chegando pertoda gente. Nós estamos cantando e aquele público que estava ali, que

era fã da dupla Dom e Ravel, estava apanhando de gente que ia ao show só pra isso, e era no Brasil inteiro. Era gente da esquerda, que a esquerda mandava pra estragar nossos shows. Quando isso começou, eu chamei o meu irmão e disse que a gente preci-sava fazer alguma coisa. Vamos fazer uma música falando da violência, tentando alertar as autoridades do país, aí eu fiz Animais Irracionais.

inventaram que eu era filho

de general, e que eu era

um artista engajado da

direita”

a Dupla DoM & raVel: inJustiÇaDos

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Foi a vez da direita não gostar...Quando você gravava uma música, ela ia pro departamento de censura da polí-cia federal, e essa foi proibida. Me cha-maram, eu fui até lá e fiquei esperando, sentado em uma cadeira, em um prédio bem grande cheio de mármore. Primeiro veio um camarada e perguntou se eu era o Ravel, da dupla Dom e Ravel, e eu respondi que era. Depois de quase uma hora, a censora Dalva apareceu e perguntou : “sabe por que o senhor está aqui?” aí eu respondi: “sei, recebi uma intimação porque a minha música foi censurada” e ela disse que sim de um jeito muito agressivo e perguntou porque eu tinha feito a letra e o que eu queria di-zer com aquela letra e fui respondendo... Fiquei lá me justificando, de repente ela me mandou calar a boca e ponto final. A música ficou proibida de tocar no rádio e na televisão no Brasil inteiro. Eu sai de lá super deprimido, a gravadora disse que teria que recolher o disco e aí pron-to, começou a situação complicada.

Como era essa situação complicada?Chegou uma hora que a gente parou de fazer o shows por causa dessa violên-cia e de tudo que a gente agüentava pela imagem errada criada a nosso respeito. Como se a gente fosse cria da

ditadura, como se eu fosse uma pessoa que fazia música encomendada pelo governo... Isso é uma imagem que a esquerda criou, a esquerda política criou contra mim e do outro lado os militares não confiavam em mim por causa das músicas e mensagens que contrariavam os interesses políticos deles, eu sempre disse que a violência tava aí, que a violência tava acontecendo e que não era possível ninguém ter consciência disso. Eu, que já era perseguido pela esquerda, comecei a ser perseguido pela direita. O disco foi proibido, nós não podíamos nos apresentar em lugar nenhum. Isso foi em 1974, só prejuízo, eu não podia me apresentar, me tiraram o direito de trabalhar...

O peso da patrulha política era o mesmo da ideológica?Era, e olha, isso não mudou. Ficou pior. Hoje você é vigiado dia e noite, grampeiam até o telefone do ministro do supremo tribunal federal. A coisa aqui degringolou, por esses e por outros motivos que eu parei com a minha carreira, eu não quero mais me expor ... Eu não quero acabar como eu meu irmão, que morreu de tanta mágoa. Dom morreu dia primeiro de dezembro de 2000, de câncer no estômago. Qualquer um sabe que

câncer no estômago é mágoa. Você não sabe o que é ser perseguido a vida inteira ... Essa é a regra do jogo, é muito duro.

Como você perdeu a visão?Foi glaucoma. Há três anos eu estou totalmente cego. Imagine o que é um cidadão pegar o seu carro, ir pra casa, estacionar na garagem, abraçar sua família, tomar banho, jantar com todo mundo, dormir e acordar na escuridão. É muito difícil conviver com isso, tá tudo esquisito pra mim.

Você chegou a sofrer alguma agressão física?Aqui mesmo no Tremembé já tentaram me matar, já invadiram minha casa, tentaram matar a minha família.O que não levaram, destruíram. Perdi muitos papéis importantes, isso foi em 1982.O que falta no Brasil é solidariedade, aqui nesse país você não pode mostrar fraqueza, o Brasil é um individualismo total. Aqui o que todo mundo quer é achar um saco de pancadas, um cristo pra crucificar. Você sabe o que é ser perseguido pela esquerda e pela direita?Foi por todos esses motivos que eu abandonei a carreira, e nunca mais dei nenhuma entrevista.

a Dupla no auge

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ATÉ PARECE MODERNO uma LESMA DE SOFÁ sofrer de ZONA PESSOAL. assim como ANEDOTAS E PERIPÉCIAS serem dotadas de um certo VENENINHO COR-DE-ROSA logo DOMINE O PÚBLICO.blogspot.com