Populações Indígenas Na Cidade de Boa Vista
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Populações Indígenas na Cidade de Boa Vista – Roraima: Dinâmicas Sociais e
processos de (re)significação identitária em contexto urbano1
Luciana Marinho de Melo (UFPA)
Resumo
A proposta deste trabalho consiste na apresentação de alguns apontamentos que confluem
para a reflexão sobre as dinâmicas sociais das populações indígenas da cidade de Boa
Vista, capital do Estado de Roraima, nos processos de (re)significação identitária destes
grupos instalados no perímetro urbano. Nesta discussão, entendemos por dinâmicas
sociais as estratégias de manutenção do auto-reconhecimento indígena, bem como de
atualização e reprodução das referências culturais ante um contexto distinto daquele
experimentado nas aldeias rurais. Para a construção deste trabalho, uma problemática fez-
se norteadora: de quais maneiras as populações indígenas inseridas no espaço urbano
boavistense reconhecem a si, aos demais grupos étnicos da cidade e aos sujeitos não-
indígenas da sociedade urbana envolvente? Algumas perspectivas apontadas no artigo
deságuam para o sentimento de pertencimento ao referido espaço e para a construção de
reinvindicações identitárias sedimentada nos discursos que resgaram antecedentes
históricos sob a ótica dos povos indígenas envolvidos. Há, contudo, um ineditismo nesta
relação espacial que consiste, em linhas gerais, nas múltiplas maneiras com as quais a
capital é apropriada na contemporaneidade, os significados conferidos aos espaços de
sociabilidade e na constante reconfiguração das identidades étnicas.
Palavras-chave: indígenas da cidade, cultura, identidade
Introdução
Neste artigo, abordaremos especificamente a cidade de Boa Vista, capital do
Estado de Roraima, marcada pela pluralidade étnica e locus de disputas por visibilidade
social entre os grupos envolvidos. Para visualizarmos mais de perto o fenômeno da
presença indígena em cidades brasileiras, segundo dados do Censo Demográfico
realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 deagosto de 2014, Natal/RN
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817,9 mil pessoas que se autodeclaram indígenas, dentre as quais 63,8% encontram-se
em áreas rurais, enquanto 36,2% estão localizadas em zonas urbanas. Esta realidade é
marcante na Amazônia brasileira, onde estão 98% das populações indígenas.
Antes de adentrarmos no universo teórico subjacente à esta temática, é necessário
expor alguns aspectos fundamentais da cidade em questão. A capital roraimense abriga
6.0722 pessoas se identificaram como indígenas no núcleo urbano, ocupando a 5ª posição
no ranking dos municípios com maior incidência de população indígena (IBGE, 2010).
Os dados oficiais, no entanto, são confrontados com informações de outras instâncias,
como a Prefeitura Municipal de Boa Vista e a Organização dos Indígenas da Cidade
(2010), onde expõem a existência de aproximadamente 31.000 indígenas, ou 4.600
famílias3 de várias etnias que residem na capital roraimense. Temos, desta forma, uma
divergência significativa nos dados apresentados, o que impossibilita ter uma real
dimensão numérica da presença indígena in loco.
Apesar da ausência de bases quantitativas mais sólidas, é possível compreender
primariamente a presença de alguns grupos indígenas4 em Boa Vista por meio de dois
paradigmas: aquele a que somos primeiramente apresentados, ou a história oficial da
ocupação e formação territorial da capital e outro, menos disseminado, fundamentado na
tradição oral e que não possui respaldo nas versões canônicas e militares difundidas nos
livros e documentos oficiais5. Quanto a historiografia oficial, há total ausência dos nativos
na constituição, composição da cidade e construção das demandas socioculturais. Com o
intuito de reversão desse quadro, há uma nova produção intelectual operada pelos
indígenas da cidade, particularmente por aqueles inseridos no ensino superior, assim
como criação de organizações que os posiciona como público alvo6, onde delimitam
pautas reivindicatórias perante o poder público (MELO, 2012). Tal apropriação,
objetivando legitimar a permanência na cidade, demonstra a inversão do papel de vítimas
das políticas desenvolvimentistas para a de sujeitos politicamente ativos, na perspectivaaventada por Baines (2012) de protagonismo indígena.
2 Ao todo, no município de Boa Vista (zona rural e urbana), 8.500 é o total populacional que se identificaenquanto indígena (IBGE, 2010).3 CAMPOS, 2011.4 A exemplo dos Macuxi e Wapichana. 5 Ver: MELO, Luciana. Fluxos Culturais e os Povos da Cidade: entre os Macuxi e Wapichana de BoaVista – Roraima. Dissertação de Mestrado defendida em dezembro de 2012 na cidade do Rio de Janeiro
junto ao Programa de Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio do Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional – IPHAN.6 Organização dos Indígenas da Cidade – ODIC.
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No que tange a tradição oral, é preponderante o argumento da ancestralidade. Os
relatos proferidos por dois grupos étnicos7 defendem que Boa Vista, foi erigida sobre um
conjunto de malocas denominado Kuwai Kîrî8, local onde estavam os rezadores mais
qualificados e, por esse motivo, atraía populações de outras aldeias que se deslocavam
em busca de cura para determinada enfermidade. Estes relatos apontam para o sentimento
de pertencimento ao referido espaço, na perspectiva sedimentada por Woodward (2009),
quando a autora afirma que as identidades constroem suas reivindicações a partir dos
discursos que resgatam antecedentes históricos. Contudo, há um ineditismo nesta relação
espacial que consiste, em linhas gerais, nas múltiplas maneiras com as quais a capital é
apropriada na contemporaneidade, os significados conferidos aos espaços de
sociabilidade e na constante reconfiguração das identidades étnicas. Além disso, a cidade,
como lugar historicamente negado aos indígenas, adquire novos contornos culturais
diante das demandas políticas de grupos interétnicos e dos conflitos bilaterais envolvendo
a sociedade civil.
Na relação entre índios e espaço urbano repousa a incompatibilidade
historicamente construída e ancorada nos discursos dos amplos setores sociais
(BERNAL, 2009), onde aquele não deve possuir contato com o modo de vida do “homem
branco”, uma vez que, se iniciada essa relação, o índio deixaria de sê-lo. Para alguns
autores, a exemplo de Athias (2007) parte dessa contradição advém da “exotização” das
culturas nativas, onde estas permanecem incólumes no imaginário coletivo e nas
representações simbólicas, submetendo os indígenas aos estigmas seculares.
Esta incompatibilidade, porém, se mostra paradoxal na medida em que o território
que hoje compreende Boa Vista, capital de Roraima, não se apresenta como ambiente
estranho aos indígenas: anteriormente ao advento das famílias pioneiras9, as populações
nativas já habitavam o lugar. Não se trata, pois, de um fenômeno recente. Do ponto de
vista arqueológico, por exemplo, materiais como líticos, ossos, pontas de flechas,cestarias, sepultamentos em urnas, pintura rupestre e petroglifos coletados na década de
1980 na área que compreende a capital e que datam de, aproximadamente, 3.000 a 4.000
anos AP10, são atribuídos aos povos Macuxi, Wapichana e Taulipáng com base na
7 Macuxi e Wapichana.8 Que na língua Macuxi significa teso de buritizais e igarapés. (OLIVEIRA & SOUZA, 2010)9 É fundamental destacar um dos fatores que merece desenvolvimento em ocasião oportuna: em Boa Vista,o status do pioneirismo é alvo de disputas simbólicas por parte das famílias reconhecidamente tradicionais.
Esta disputa se apresenta nas formas do discursos, dos monumentos públicos (ou nos símbolos da cidade),da produção intelectual de descendentes dos ditos pioneiros, entre outros.10 Antes do Presente. Entendendo-se que o “presente” data de 1950 do século XX.
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historiografia, o que sugere a presença destas etnias na região no referido período
(RIBEIRO, 1986 apud MELO, 2012). Atualmente, além das etnias supramencionadas, se
fazem presentes em Boa Vista os Yanomami, Patamona, Wai Wai, Ye´kuana e Ingarikó,
os quais possuem subempregos ou vivem em condições de miserabilidade social
(REPETTO & SOUZA, 2010), além da inacessibilidade à educação diferenciada, bem
como atendimento médico pela dificuldade em instrumentalizar a língua portuguesa.
Ante a este cenário, faz-se necessário instrumentalizar artifícios próprios por parte
da comunidade indígena urbana no sentido de fazer-se reconhecidos em sua diferença.
Este esforço envolve, por exemplo, a criação de espaços de sociabilidade voltados para o
público em questão, onde os mesmos se permitem o compartilhamento dos universos
simbólicos que lhes são próprios. A demanda por visibilidade social agrega também o
anseio pela possibilidade de transitar sem o imperativo da omissão da identidade étnica,
situação assaz recorrente.
Tomando como exemplo o contexto urbano de Manaus – AM, sinalizar tais
diferenças constitui um dos focos de interesse das lideranças indígenas desta localidade,
onde, na perspectiva dos pesquisadores Fábio Lira & Ruth Almeida (2008):
Neste crescente processo de urbanização e migração das populaçõesindígenas para as cidades, o reconhecimento étnico não está pautado na posse da terra, cultura material ou mesmo em seus genótipos, mas sim
no auto-reconhecimento, o reconhecimento de seus pares assim comotambém pelo não indígena. (p. 34).
A partir deste ponto, extraímos duas subquestões essenciais: a ideia da pluralidade
étnica existente no contexto urbano e as diferentes experiências em razão dos universos
culturais distintos, além da necessidade de aprofundamento do conceito de Identidade e
as distintas problemáticas suscitadas a partir desta categoria envolvendo grupos
socioculturais diferentes, desiguais e desconectados, com repertórios culturais
dessemelhantes, nos termos utilizados por Canclini (2007).A proposta subjacente a este artigo está ancorada, desse modo, a partir de dois
problemas iniciais fundamentais que se pretendem norteadores, mas que ainda carecem
de respostas: Existem estratégias acionadas pelos grupos indígenas urbanos para a
manutenção e fortalecimento das identidades étnicas na cidade de Boa Vista? De quais
maneiras as populações indígenas inseridas no espaço urbano boavistense reconhecem a
si, aos outros grupos étnicos da cidade e a aos sujeitos não-indígenas da sociedade urbana
envolvente?
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1. A invisibilidade étnica na cidade
Em Roraima, desde os tempo de sua colonização, nos idos do século XVII,
existem registros de conflitos entre povos indígenas e “brancos”, arrastando-se até os dias
atuais as problemáticas sociais que posicionam os dois grupos em constante choque.
Trata-se de um Estado que, apesar de possuir 46% de seu território demarcado por TI´s11,
abriga, por parte de proprietários e do governo local, grande resistência em apoiar as
causas indígenas e, sendo assim, considerável tem sido o empenho em integrar os povos
a uma lógica sociocultural que ignora a alteridade e sinaliza a diferença apenas
oportunamente, como por exemplo, através da imprensa, em campanhas políticas, entre
outros. No entanto, apesar do esforço do poder público e sociedade civil em massificar a
diversidade étnica presente em Roraima, mais especificamente em Boa Vista,
significativa tem sido a força empregada pelos povos indígenas na reafirmação constante
das identidades étnicas nas manifestações políticas, em pautas de reuniões e encontros de
organizações voltadas para este segmento em Boa Vista. Esta força encontra seu
fundamento na imprecisão acadêmica e governamental em identificar os grupos indígenas
que vivem em contextos urbanos – são destribalizados, desaldeados, não-aldeados,
imigrantes, caboclos, índios urbanos ou indígenas da cidade? -, pois as (in)definições são
diversas e, por vezes, estigmatizadas.
Conhecer as maneiras como tais grupos se identificam em suas alteridades e de
quais modos instrumentalizam tais reconhecimentos, significa dar um passo inicial no
entendimento deste fenômeno insuficientemente explorado no âmbito teórico,
particularmente no Brasil, onde a produção intelectual acerca dos povos indígenas
concentra-se, em sua maioria, no modo de vida silvícola desses agentes. Embora tais
estudos ancorem a compreensão das sociabilidades indígenas, falta-nos maiores
referências que tratem da presença destes em contexto urbano e, mais ainda, se existemdinâmicas sociais que fluem para uma possível (re)significação identitária,
particularmente no Estado de Roraima, possuidor de contornos sociais demarcados pelas
multifacetadas culturas que sinalizam demandas por políticas afirmativas que façam valer
os direitos conquistados no decorrer da história.
Neste ponto, corroboramos com Canclini (2007) ao tratar da Cultura e sua
dinamicidade, que se reproduzem para além de fronteiras, sociedades e etnias,
11 Terras Indígenas.
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reelaborando, assim, os sentidos das Identidades por meio da interculturalidade. Ainda
para o autor, os processos culturais não são oriundos de um único e mesmo território,
onde nos apropriamos dos sentidos da vida nesse lugar, mas fazem-se por meio das
relações entre vários deles.
2. Boa Vista como palco das identidades múltiplas
Boa Vista se apresenta multifacetada, possibilitando análises sob diversos
prismas, inclusive do ponto de vista cultural. A maneira como a colonização local foi
empreendida, fator que merece desdobramento em momento oportuno, foi favorável ao
advento de pessoas oriundas de diferentes contextos socioculturais do Brasil, República
Cooperativa da Guiana, Venezuela, em razão da posição geográfica de Roraima, e, dentre
esses recortes territoriais, povos indígenas de múltiplas origens e etnias. Nesse sentido,
para David Harvey (2006), “a aparência de uma cidade e o modo como seus espaços se
organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e realizar
uma gama de possíveis sensações e práticas sociais (p. 69).” De modo análogo, para Leite
(2009):
A cidade abriga em sua complexa demarcação espacial urbana as
fissuras do sujeito na forma dispersiva dos lugares na vida pública.Como pude desenvolver em trabalhos anteriores (Leite, 2007), entendo por lugares as demarcações físicas e simbólicas do espaço, cujos usosos qualificam e lhes atribuem sentidos de pertencimento, orientandoações e sendo por estas delimitadas reflexivamente (p. 198).
Seguindo essa linha de raciocínio, projeta-se em uma mesma cidade, entendendo
esta como lugar, sentidos atemporais e encontros dos aspectos multiculturais. Em Boa
Vista, por exemplo, ao percorrer seus bairros, é evidente o mosaico composto por pessoas
e pela materialização de suas referências culturais:
Verificamos assim, que Boa Vista é formada por essa hibridação, ondea cultura indígena coexiste com a não-indígena, em uma constantereestruturação simbiótica. Podemos sugerir que não existe umahomogeneidade cultural boa-vistense, onde todas as culturas estãoenvolvidas, nenhuma é pura, todas são híbridas. (BRAZ, 2012, p. 131)
Faz-se, assim, o encontro de diferentes sujeitos no âmbito urbano multiforme,
configurando, na perspectiva de Roberto Cardoso de Oliveira, um dos fenômenos mais
recorrentes na sociedade moderna, ou seja, o contato interétnico, “(...) entendo como tal
as relações que têm lugar entre os indivíduos e grupos de diferentes procedências‘nacionais’, ‘raciais’ ou ‘culturais” (1976, p. 01). Nesta incursão, problematizando o
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contato interétnico entre índios e não-índios a partir da presença dos primeiros nas
sociedades “brancas”, observa o autor que estas estão constituídas a partir de uma
estrutura de classes que se sobrepõe à estrutura étnica. Dessa maneira, “(...) a sociedade
dos brancos chega, então, a eliminar suas divergências, a fim de se antepor ao índio, que
surge para ela como um símbolo e do baixo padrão de vida regional” (1981, p. 97).
Demarcando esta afirmação no locus investigativo, existe, por parte da sociedade
civil, a repressão das culturas indígenas existentes em Roraima e, mais agudamente, na
capital, materializada sob a forma de discursos que enfatizam a “desqualificação” dos
índios perante a dinâmica urbana. Tais discursos se fazem ativos nos mais diversificados
atores e setores sociais, de modo que há um engajamento na tentativa de esfacelamento
das identidades indígenas presentes na cidade, quando as mesmas são transfiguradas para
a identidade do “caboclo”. Nesse contexto, o termo “caboco”, ou “caboclo” é utilizado
para fazer referência ao indígena que reside na cidade, sendo este estigmatizado por uma
tendenciosa ausência de capacidade intelectual e de pouca sociabilidade. Diante deste
cenário, existem conjunturas em que o pertencimento étnico é omitido por parte dos
índios, sob a alegação de serem relegados às circunstâncias nefastas do meio envolvente.
Por essas razões e outras, é assaz pertinente compreender o que culminou na
negação da Identidade por parcela dos indígenas de Boa Vista, pois ilustra que a recusa
em exteriorizar o pertencimento étnico não está relacionada a uma pretensa adaptação a
cidade:
O problema está na própria realidade da cidade. Ela é estruturada pelos brancos e para os brancos. Não há espaço para a manifestação e odesenvolvimento das características e costumes do mundo indígena. Oíndio tem que reprimir o que o torna diferente para poder sobreviver nomeio dos brancos. Desde sua chegada, precisa submeter-se a váriascondições, imposições, preconceitos que o limitam sempre, qualquerque seja o lugar ou ambiente frequente. (FERRI, 1990, p. 66)
Temos, aqui, um complexo processo de afirmação e ao mesmo tempo negação das
identidades dos sujeitos indígenas da cidade. Sob a ótica de Roberto Cardoso de Oliveira
(1976), a auto identificação diante dos outros pode ser situacional e variante, no sentido
de que é possível que sejam tomadas para si diferentes maneiras de se identificar diante
de diferentes grupos sociais:
A identidade contrastiva parece se construir na essência da identidadeétnica, à base da qual esta se define. Implica a afirmação do nós diantedos outros. Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, ofazem como meio de diferenciação em relação a alguma pessoa ou
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grupo com que se defrontam. É uma identidade que surge por oposição.Ela não se afirma isoladamente. No caso da identidade étnica ela seafirma “negando” a outra identidade, “etnocentricamente” por ela
visualizada. Nesse sentido, o etnocentrismo como representações, é acomprovação empírica da emergência da identidade étnica em seu
estado mais “primitivo” – se assim podemos nos expressar. Através dos“nossos valores não julgamos apenas os dos outros, mas os “outros”.Significa isso que a identidade étnica seja valor? Sabemos que ela nãose funda numa percepção cinestética do ser, mas numa auto-apreensãode si em situação. (OLIVEIRA , 1976, p. 6)
No contexto aqui priorizado, existe a fundamental necessidade de compreender de
quais maneiras se dão “(...) a identidade em processo. Como é assumida por indivíduos e
grupos em diferentes situações concretas” (idem, p. 05), ou seja, o processo de
identificação de si em contexto urbano.
Castells (1999), por sua vez, conceitua a Identidade a partir da construção
processual de significados, fortalecendo seu discurso ao inter-relacioná-la aos atributos
culturais que se sobressaem a outras formas de significado presentes na vida social do
sujeito. Nesse sentido, ainda segundo o autor, é possível que haja em um mesmo indivíduo
Identidades múltiplas, fator que agrega tensões e contradições nas diferentes maneiras de
auto-representação do sujeito em situação.
Para Stuart Hall (2004), a Identidade figura “uma celebração móvel formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não
biologicamente” (p. 12, 13). Enquanto celebração móvel, a Identidade agrega fluxos
socioculturais, os quais compreendem “Categorias como nacionalidade, classe, raça,
gênero e condição profissional – que na modernidade situavam socialmente os indivíduos
de forma bastante clara e previsível -, hoje apresentam fronteiras ambíguas, permeáveis
e móveis” (ARANTES, 2000. p. 7,8).
Nesse direcionamento, Renato Ortiz (1985) assinala que toda identidade é uma
construção simbólica e só é posta em definição se posicionada em relação ao que lhe é
exterior, pois ela se assume enquanto uma diferença. Para o autor, o fato de ser a
identidade uma construção simbólica, a retira do mérito de ser ou não autêntica, categoria
amplamente explorada pelos setores sociais da tentativa de deslegitimar as culturas
indígenas da e na cidade.
De maneira análoga, para Woodward (2009), a “diferença”, termo subjacente à
categoria Identidade, se delimita a partir da exclusão, ou, em outras palavras, se o sujeito
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é índio, ele não pode ser “ branco”, e vice-versa. Complementando o raciocínio,
recorremos ao argumento de Bhabha (1998):
(...) a questão da identificação nunca é a afirmação de uma identidade pré-datada, nunca uma profecia auto-cumpridora – é sempre a produção
de uma imagem da identidade e a transformação do sujeito ao assumiraquela imagem. A demanda da identificação – isto é, ser para um Outro – implica a representação do sujeito na ordem diferenciadora daalteridade. A identificação (...) é sempre o retorno de uma imagem deidentidade que traz a marca da fissura do lugar do Outro de onde elavem. (p. 76, 77)
Ainda neste debate, segundo a historiadora Azenate Braz (2010), respaldada no
argumento de Canclini (2006), os índios que vivem em Boa Vista constituem uma
categoria social específica na medida em que representam a si próprios e a sociedade não-
indígena, pois uma vez fora de suas comunidades de origem, reestruturam os saberescomo forma de sobrevivência na cidade, num movimento que ressalta a hibridez cultural
na capital roraimense, evidenciando o tradicional e o moderno.
Uma vez demarcadas as diferenças entre o “eu” e os “outros” e longe de
conduzirmos às considerações finais, defendemos que ainda há enorme necessidade de
aprofundamento da experiência urbana de indígenas, oriundos ou não das cidades. Por
enquanto, podemos arrematar este breve texto concordando com Canclini (2006) no
sentido de que “viver em uma grande cidade não implica dissolver -se na massa e noanonimato” (p. 286), pois, ainda para o autor, os grupos humanos, particularmente os
periféricos, buscam formas seletivas de convivência em espaços de sociabilidade,
demarcando singularidades próprias desses mesmos agrupamentos. Nessa perspectiva,
Costa (2002) anuncia as proliferações, multiplicações e acentuações das identidades
culturais diferenciadas em resposta aos processos sociais contemporâneos de
massificação dos sujeitos.
Pensar dessa maneira possibilita um maior entendimento no que diz respeito à
relação que os povos da cidade mantêm com o contexto no qual estão inseridos, bem
como possibilita novos parâmetros para se refletir acerca do dinamismo cultural, relações
interculturais, além das ressignificações identitárias.
Referências
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