Populações de térmitas (Insecta: Isoptera) em quatro habitats ......Populações de térmitas...

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Populações de térmitas (Insecta: Isoptera) em quatro habitats no baixo rio Negro Alan E. Mill (*) Resumo Foram investigadas as faunas de cupins em qua- tro locais no oaixo rio Negro, perto de Manaus. Três locais foram em regiões elevadas, que não são inunda- das, durante a enchente do rio: (1) floresta primária de terra firme, (2) floresta primária numa ilha no arquipé- lago de Anavilhanas e (3) capoeira de terra firme. O quarto foi a floresta periodicamente inundada (igapó) na beira da ilha estudada. Floresta primária de terra firme tem o maior número de espécies de cupins (43 espécies). Em capoeira, a população é menor (34 es- pécies), por causa dos efeitos de desmatamento. A floresta primária numa ilha no arquipélago tem um to- tal ainda menor (19 espécies), provavelmente em virtu- de do seu isolamento. A fauna menor está no igapó (12 espécies), face às periódicas inundações que res- tringem a colonização dos cupins. A densidade de cupins foi muito maior na ilha do que na terra firme mais por causa da relação de competição por alimen- tação com outras espécies de cupins do que por causa da relação de predação. Os cupins melhor adaptados à vida em capoeira, nas ilhas e até nos igapós, são es- pécies que podem tornar-se pragas na silvicultura, isto é, espécies de Coptotermes e de Nasutitermes. INTRODUÇÃO Os cupins, ou térmitas, formam a peque- na e primitiva ordem Isoptera, no complexo orthopteroide. Todos os representantes da or- dem são sociais, mas a origem da sociabilida- de nos cupins é desconhecida. O estudo sobre estes insetos começou dois séculos com as atividades de exploradores e naturalistas amadores, como os ingleses Henry Smeathman na África e Henry Walter Bates no Brasil. In- felizmente, após este período de exploração, pouco foi feito para conhecer melhor a biolo- gia e ecologia dos térmitas neotropicais, em comparação com os numerosos estudos sobre as faunas de outras regiões tropicais. Os primeiros estudos sérios sobre a fau- na brasileira de cupins foram feitos por Rena- (*) Universidade de Brasília, Distrito Federal. to L. Araujo, que dedicara a estes sua vida desde os anos 1940, até o seu infeliz faleci- mento em 1978. Concentrou sua atenção na taxonomia, principalmente dos térmitas dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Ma- thews (1977) no Estado de Mato Grosso, Syl- vester-Bradley al. (1978) e Bandeira (1979a), na Amazônia Central, iniciaram o estudo eco- lógico de cupins no Brasil. Atualmente, a bio- logia e a ecologia dos térmitas neotropicais estão atraindo a atenção de muitos pesquisa- dores . Existem no Brasil cerca de 200 espécies descritas de cupins, mas pouco se sabe sobre sua biologia e ecologia. A riqueza de espécies na floresta hileiana. ou amazônica, é bem evi- dente para árvores, vertebrados e alguns insetos comuns. Richards (1973) indica que a floresta amazônica contêm mais espécies de plantas e animais do que qualquer outro ecos- sistema do mundo. Cupins formam uma gran- de proporção da biomassa de invertebrados na Amazônia Central (Fittkau & Klinge, 1973), mas sobre suas populações na região amazô- nica pouco é sabido. O único trabalho publi- cado nesta área é um estudo da fauna de cupins em floresta primária no parque nacio- nal do Tapajós (Bandeira. 1979b). No presente estudo, foram examinadas as populações e ecologia geral de cupins em qua- tro locais diferentes. Os dados ecológicos es- tão apresentados e discutidas as diferenças entre os locais e entre as quatro populações de cupins. AREAS DE ESTUDO Esta pesquisa foi realizada principalmen- te na estação ecológica Anavilhanas, da Secre- taria Especial do Meio Ambiente (SEMA) do ACTA AMAZÔNICA 12(1) : 53-60. 1982 53

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  • Populações de térmitas (Insecta: Isoptera) em quatro habitats no baixo rio Negro

    A l a n E. M i l l ( * )

    Resumo

    Foram investigadas as faunas de cupins em qua-

    tro locais no oaixo rio Negro, perto de Manaus. Três

    locais foram em regiões elevadas, que não são inunda-

    das, durante a enchente do rio: (1) floresta primária de

    terra f irme, (2) floresta primária numa ilha no arquipé-

    lago de Anavilhanas e (3) capoeira de terra f i rme. O

    quarto foi a floresta periodicamente inundada (igapó)

    na beira da ilha estudada. Floresta primária de terra

    firme tem o maior número de espécies de cupins (43

    espécies). Em capoeira, a população é menor (34 es-

    pécies), por causa dos efeitos de desmatamento. A

    floresta primária numa ilha no arquipélago tem um to-

    tal ainda menor (19 espécies), provavelmente em virtu-

    de do seu isolamento. A fauna menor está no igapó

    (12 espécies), face às periódicas inundações que res-

    tringem a colonização dos cupins. A densidade de

    cupins foi muito maior na ilha do que na terra firme

    mais por causa da relação de competição por alimen-

    tação com outras espécies de cupins do que por causa

    da relação de predação. Os cupins melhor adaptados à

    vida em capoeira, nas ilhas e até nos igapós, são es-

    pécies que podem tornar-se pragas na silvicultura, isto

    é, espécies de Coptotermes e de Nasutitermes.

    INTRODUÇÃO

    Os cupins, ou térmi tas, formam a peque-na e pr imit iva ordem Isoptera, no complexo orthopteroide. Todos os representantes da or-dem são sociais, mas a origem da sociabil ida-de nos cupins é desconhecida. O estudo sobre estes insetos começou há dois séculos com as atividades de exploradores e naturalistas amadores, como os ingleses Henry Smeathman na Áfr ica e Henry Walter Bates no Brasi l . In-fel izmente, após este período de exploração, pouco foi feito para conhecer melhor a biolo-gia e ecologia dos térmitas neotropicais, em comparação com os numerosos estudos sobre as faunas de outras regiões tropicais.

    Os primeiros estudos sérios sobre a fau-

    na brasi leira de cupins foram fei tos por Rena-

    ( * ) — Universidade de Brasília, Distrito Federal.

    to L. Araujo, que dedicara a estes sua vida desde os anos 1940, até o seu infeliz faleci-mento em 1978. Concentrou sua atenção na taxonomia, principalmente dos térmitas dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Ma-thews (1977) no Estado de Mato Grosso, Syl-vester-Bradley eí al. (1978) e Bandeira (1979a), na Amazônia Central , iniciaram o estudo eco-lógico de cupins no Brasi l . Atualmente, a bio-logia e a ecologia dos térmitas neotropicais estão atraindo a atenção de muitos pesquisa-dores .

    Existem no Brasil cerca de 200 espécies descritas de cupins, mas pouco se sabe sobre sua biologia e ecologia. A riqueza de espécies na f loresta hileiana. ou amazônica, é bem evi-dente para árvores, vertebrados e alguns insetos comuns. Richards (1973) indica que a f loresta amazônica contêm mais espécies de plantas e animais do que qualquer outro ecos-sistema do mundo. Cupins formam uma gran-de proporção da biomassa de invertebrados na Amazônia Central (Fittkau & Klinge, 1973), mas sobre suas populações na região amazô-nica pouco é sabido. O único trabalho publi-cado nesta área é um estudo da fauna de cupins em floresta primária no parque nacio-nal do Tapajós (Bandeira. 1979b).

    No presente estudo, foram examinadas as

    populações e ecologia geral de cupins em qua-

    tro locais d i ferentes. Os dados ecológicos es-

    tão apresentados e discutidas as diferenças

    entre os locais e entre as quatro populações

    de cupins.

    AREAS DE ESTUDO

    Esta pesquisa foi realizada principalmen-

    te na estação ecológica Anavilhanas, da Secre-

    taria Especial do Meio Ambiente (SEMA) do

    ACTA AMAZÔNICA 12(1) : 53-60. 1982 — 53

  • Ministério do Interior. A estação está locali-zada aproximadamente 2°00' até 3°02'S e 60°27' até 61°07'W. Consiste do arquipélago de Ana-vilhanas e de uma região de terra f i rme na margem esquerda do rio Negro. Na estação ecológica, a diferença entre o nível da água do rio na enchente e na vazante atinge até 14 m. Durante a enchente, extensas regiões de flo-resta das ilhas do arquipélago e das margens do rio são inundadas, formando igapós, ou re-giões de "f loresta inundável" . As adaptações dos invertebrados e a importância dos artró-podos terrestres no ecossistema " f loresta inundável" foram estudadas por Adis (1977, 1979). Além de registrar a presença de 12 es-pécies de cupins arbóreos nos igapós do ar-quipélago (cf. Tabela 1), o interesse neste tra-balho foi centralizado nas regiões elevadas de floresta que não são inundadas durante a en-chente do r io.

    Três locais (um dos quais fora da estação ecológica) foram escolhidos para realizar es-te trabalho. O primeiro foi a f loresta primária na terra f i rme, na margem esquerda do rio Negro. O segundo foi em lugar elevado de floresta primária numa ilha no meio do arqui-pélago que não é inundada durante a enchen-te do r io. O terceiro local f icou fora da esta-ção ecológica e foi numa f loresta secundai ia de terra f i rme à margem esquerda do r io . A área foi desmatada nos anos 1970-1971 para agricultura de subsistência, a qual foi recolo-nizada rapidamente por plantas invasoras; e atualmente está coberta por capoeira ou flo-resta secundária.

    MATERIAIS E MÉTODOS

    Foi examinada a presença de cupins nu-ma área de um ha de cada local estudado. Os cupins foram coletados com pincel e conser-vados em álcool a 7 5 % . A localização do ni-nho de cada cupim foi registrada juntamente com a fonte de alimentação e área de forra-geamento. A abundância de espécies de cupins que fazem ninho no chão e nas árvores de cada área foi registrada.

    As espécies foram identif icadas compa-

    rando-as com os cupins das coleções do Mu-

    seu Emílio Goeldi (Belém do Pará), da Univer-

    sidade de Brasília (Distr i to Federal) e do Mu-

    seu de Zoologia da Universidade de São Pau-

    lo (S .P . ) .

    RESULTADOS

    Uma súmula da distr ibuição global das es-pécies de cupins coletados junto com seus dados ecológicos estão apresentados em Ta-bela 1. O número máximo de espécies (43 es-pécies) foi encontrado na f loresta primária na beira do r io . Nos outros locais foram encon-tradas apenas parte deste total de 43 espé-cies, isto é, não foram registradas espécies que não t ivessem ocorrência na f loresta pri-már ia. Estão apresentados, na Tabela 2, as abundâncias relativas e dados sobre forragea-mento para as seis espécies estudadas em mais de t i l he . Em Tabela 3 está spreoentada ? distr ibuição de espécies e.itre os troa possí-veis locais de ninhos (arbóreo, epígeo e hipó-geo; vide discussão) de cada população estu-dada.

    Para comparar as populações nos quatro

    locais, o "índice de s imi lar idade" (I) de Mount-

    ford [In Southwood, 1976) foi uti l izado com os

    dados da Tabela 3. A fórmula básica á:

    2j I -

    2ab — (a + b)j . . .1

    onde a = número de espécies em habitat A;

    b = número de espécies em habitat B: e

    j = número de espécies com' .s nos dois

    habitats. Este índice versáti l permite a deri-

    vação de I para uma série de m locais com-

    parando com outra série de n locais, usando

    a fórmula geral:

    1 m n

    n C l(A:Bj] . . . 2 mn i = 1 j = 1

    Considerando os quatro habitats estudados

    em série "A, B, C, D", as duas fórmulas f o r r m

    utilizadas (cf. Southwood, 1976; ou Mountfo d,

    1962, para detalhes) para determinar o valor

    de I entre os membros da série (Tabela 4 ) .

    Estes valores foram util izados para construir

    a classif icação das populações de cupins apre-

    sentada na Figura 1.

  • D C B A

    93,0

    Fig. 1 — Classificação das populações de cupins em

    quatro locais no baixo rio Negro, baseada nos seus

    "índices de similaridade" ( I ) . As letras em parênteses

    foram usadas nas fórmulas para representar as popula-

    ções dos quatro locais (cf. Tabela 4 ) .

    DISCUSSÕES

    Estudos realizados em outras regiões tropicais mostraram que a distr ibuição de tér-mitas em qualquer ecossistema sempre é tal que os termite i ros e as estruturas de forra-geamento das espécies presentes podem ser arbóreos (dentro ou fixados em árvores ou ar-bustos), epígeos ou hipógeos. Pode ver-se, nos dados na Tabela 3. que das 43 espécies de cupins coletados na f loresta primária de ter-ra f i rme, 25 espécies (58% da população) são arbóreas, 12 espécies (28%) constroem cupin-zeiros epígeos e 6 espécies (14%) são hipó-geas.

    Na área de capoeira, foram encontradas

    apenas 34 espécies de cupins. A diferença na

    distr ibuição destas espécies (20 espécies ar-

    bóreas (59% da população), 9 epígeas (26%)

    e 5 hipógeas (15%)) e devida à diferença en-

    tre os habitats, já que a distr ibuição de espé-

    cies de cupins entre os t rês níveis está rela-

    cionada com fatores ecológicos. Na área de

    capoeira, a distr ibuição é di ferente e a popu-

    lação é menor, em relação à f loresta primária,

    provavelmente em vir tude dos efeitos de des-

    matamento (Bandeira, 1979a). O efeito mais

    óbvio de desmatamento é a redução nos nú-

    meros de espécies, as quais constroem ni-

    hos arbóreos ou se al imentam de madeira viva

    (de 25 na f loresta primária até 20 na capoei-

    ra). Note-se que percentagem (Tabela 3) de

    espécies arbóreas não muda signif icantemen-

    te . As espécies arbóreas mantêm constante

    sua proporção nas duas populações. A remo-

    ção das árvores deixa a área desmaiada tem-

    porariamente inabitável para algumas destas

    espécies e seus nichos ecológicos são ocupa-

    dos por outras espécies menos sensíveis. Es-

    tas são principalmente espécies que podem

    tornar-se pragas na si lv icul tura, como as es-

    pécies de Coptotermes e Nasutitermes.

    Muitos cupins de f loresta que vivem em

    cupinzeiros epígeos também não conseguem

    viver em áreas desmatadas (Sands, 19C5;

    Wood, 1975; Bandeira, 1979a; e dados nas Ta-

    belas 1 e 3) . Não apenas muda o número de

    espécies presentes (de 12 na f loresta primá-

    ria até 9 na capoeira) mas também sua propor-

    ção nas populações (de 28% até 2 6 % ) . Porém

    a razão deste efeito é ainda desconhecida.

    Talvez a alteração dos elementos microcl imá-

    t icos não permita a manutenção de colônias

    de cupins sensíveis. Não foram estudadas as

    diferenças microcl imáticas entre a f loresta

    primária e a f loresta secundária (capoeira),

    mas a diferença na vegetação dos dois locais

    sugere que os dois habitats são diferentes.

    Wood (1975), examinando trabalhos feitos na

    Áfr ica em áreas desmatadas e os efeitos so-

    bre as populações de térmi tas, afirma que tais

    áreas são habitats mui to diferentes quando

    comparadas com a f loresta primária.

  • TABELA 1 — Distribuição das espécies de cupins coletados em quatro habitats no baixo rio Negro. Dados ecológicos estão apresentados para cada gênero. Dos

    cupins indicados com asterisco, uma só colônia foi encontrada nas áreas estudadas

    Número de espécies encontradas em cada ambiente

    Floresta Primária Capoeira Floresta Família Gênero no Arquipé- de Terra de Terra Inundável Localização Fonte de

    lago Firme Firme (Igapó) d o n i n h o Alimentação

    Kalotermitidae Neotermes 1 1

    Rhinotermitidae Coptotermes 1 1

    Dolichorhinotermes 1 1

    Heterotermes — 2

    Rhinotermes 2 2

    Termitidae Anoplotermes 1 2

    Grigiotermes — 1

    Ruptitermes — 1

    Amitermes — 1

    'Cavitermes — 1

    •Cylindrotermes — 1

    "Genuotermes — 1

    Microcerotermes — 1

    Neocapritermes — 2

    Spinitermes — 1

    Termes 3 4

    Armitermes — 3

    •Constrictotermes — 1

    Labiotermes — 1

    Nasutitermes 9 9

    Rotunditermes — 1

    Subulitermes 1 1

    Syntermes — 3

    •Triangularitermes i — 1

    1 — em madeira madeira

    1 1 arbórea madeira

    — — em madeira madeira

    1 •— em madeira madeira 2 2 em madeira madeira

    2 — arbórea matéria orgânica 1 — subterrânea matéria orgânica 1 .— subterrânea folhas secas

    1 — arbórea madeira 1 — no ninho de outras matéria orgânica — — em madeira madeira

    .— i — no ninho de outras matéria orgânica

    1 — arbórea madeira 1 — epígea madeira

    1 — no ninho de outras matéria orgânica

    1 2 epigea/arbórea madeira

    3 — epígea/arbórea madeira — — arbórea casca de árvore

    1 — arbórea matéria orgânica

    0 7 arbórea madeira e folhas

    1 — epígea madeira 1 — em madeira madeira 3 — subterrânea folhas secas 1 — em madeira madeira

    TOTAL P/HABITAT 19 43 34 12

  • O pequeno incremento na proporção das espécies subterrâneas na capoeira é apenas aparente. É causado pela redução do número das espécies epígeas, como mostram os da-dos da Tabela 3.

    Porém, a vegetação na f loresta pr imária, na beira do rio e a vegetação da ilha estudada no arquipélago foram quase iguais. MacArthut & Wilson (1967) af i rmam que, numa região com habitat, vegetação e cl ima relativamente uni-formes, existe uma relação óbvia entre o ta-manho de áreas estudadas nesta região e o número de espécies nelas encontrado. Mas foi demonstrado neste estudo que uma área de um ha de f loresta primária na terra f i rme contém 43 espécies de cupins e que numa área de um ha de f loresta primária na ilha, apenas 19 espécies (Tabela 1). A área de ter-ra f i rme estudada na f loresta primária tem pe-queno número de colônias de cupins (às ve-zes, uma só colônia, indicada na Tabela 1 com asterístico) que pertencem às espécies que competem pelos mesmos recursos desta área. Esta grande diversidade e pequena abundân-cia é uma característica da fauna e f lora da f loresta amazônica (Richards, 1973). Na terra f i rme tem uma maior representação de espé-cies invasoras ou transientes (MacArthur & Wi lson, 1967) do que as ilhas do arquipélago. As ilhas são áreas mais isoladas, nas quais

    TABELA 2 —

    Número médio de árvores Floresta na beira

    atingidas pelas estruturas Floresta na ilha

    de forrageamento/cupinzeiro Capoeira na beira

    as espécies transientes não podem at ingir.

    Neste caso, a largura do rio e da floresta inun-

    dável na beira, junto com os efeitos ecológi-

    cos das enchentes formam uma barreira eco-

    lógica que impede estas espécies de atingi-

    rem as i lhas.

    A dispersão de cupins é efetuada paio vôo nupcial anual dos reprodutores alados, ge-ralmente no início da estação das enchentes do r io, o verão chuvoso. Krishna (1970) infor-ma que os reprodutores são voadores fracos e débeis e não podem atravessar grandes ex-tenções de água, como neste r io . Eles cob.em um máximo de 400-600 m em vôo (M i l l , não pub.), mas a distância mínima entre a beira e as ilhas mais próximas excede 750 m; a dis-tância média é de 1 400 = 300 m. Nas ilhas, as áreas elevadas são poucas e afastadas da bei-ra do r io; os cupins conseguem atingir estas áreas somente por meio de regiões inundáveis de f loresta. A enchente do rio que inunda os igapós não permite os cupins estabalecerem ninhos subterrâneos ou epígeos na floresta inundável. Portanto as espécies que não são arbóreas não podem colonizar estes locais. As espécies encontradas nos igapós têm que estar adaptadas às condições da vida des"e local, por exemplo, às inundações do chão da f loresta pelas águas do rio durante uma parte do ano. Espécies hipógeas, ou epígeas ou as

    Nasutitermes Anoplotermes acan. ephr. guay. macr. nlgr species

    3 3 4 2 2 1

    4 6 6 5 4 3

    3 2 4 2 2 1

    Densidade relativa e extenções médias das galerias de forrageamsnto de seis espécies de cupins co-

    muns nas áreas estudadas. Nomes específicos abreviados: acan. = N . acangussu; ephr. = N . ephra-

    tae; guay. = N . guayanae; macr. = N . macrocephalus; nigr. = N . nigriceps

    Area média (m J ) Floresta na beira 100 50 75 75 100 75

    de Floresta na ilha 150 100 150 125 150 125

    forrageamento/cupinzeiro Capoeira na beira 100 75 75 75 100 75

    Densidade relativa Floresta na beira + + + + + +

    de Floresta na Ilha + + + + + + + + + + + + + + + + +

    cupinzeiros Capoeira na beira + + + + + + +

  • Habitat Total de

    espécies

    Floresta primária no arquipélago

    Floresta primária de terra firme

    Capoeira de terra firme

    Floresta inundável (igapó)

    19

    43

    34

    12

    Número de espécies (com percentagem do total)

    construindo ninhos:

    Arbóreos

    19 (100%)

    25 (58%)

    20 (59%)

    12 (100%)

    Epígeos

    12 (28%)

    9 (26%)

    Subterrâneos

    6 (14%)

    5 (15%)

    que vivem em madeira ou troncos caídos no chão na beira do r io, como Heterotermes te-nuis, Rotunditermes bragantinus e Syntermes molestus, não foram encontradas nos igapós. Todas as espécies colonizadores das ilhas constroem ninhos arbóreos ou em madeira morta mas ainda em pé. Ass im, somente cupins que constroem ninhos arbóreos podem colonizar as áreas elevadas nas i lhas. Dados, nas Tabelas 1 e 3, mostram que todas as es-pécies nos igapós e na ilha estudada são arbó-reas. Isto forma um grande contraste com as faunas de cupins de terra f i rme, onde apenas 5 8 - 5 9 % das espécies são arbóreas (Tabe-la 3).

    A diversidade de habitat e diferenças em vegetação e microcl ima entre f loresta primá-ria e capoeira, na beira do r io, são os princi-pais responsáveis pelas diferenças nas popu-lações de térmitas nas áreas estudadas. Nas áreas elevadas de f loresta primária no arqui-pélago de Anavilhanas e na beira do r io, o habitat é praticamente uniforme e invariável. O isolamento da ilha às espécies invasoras ou transientes é responsável pelas diferenças en-tre as populações da ilha e de terra f i rme. Na figura 1 pode ver-se que a diferença entre a população da ilha (mais a do igapó) e a popu-lação na terra f i rme (na f loresta primária e na capoeira) é grande, com um valor de I iguai a apenas 93,0. A fauna de cupins na f loresta primária da ilha é mais parecida com a fauna do igapó (I = 285,7) do que com a fauna da floresta primária na beira do rio (I = 83 3; cf. Tabela 4 ) . A dist inção entre as duas faunas de cupins das áreas de f loresta primária, e a similaridade da fauna na ilha com a fauna no igapó são devidas ao isolamento do arquipé-

    lago e aos efeitos ecológicos das enchentes

    do r io .

    Entre as faunas na capoeira e na f loresta

    primária de terra f i rme, I % 222,2. Isto é me-

    nor do que o valor entre as faunas do igapó e

    da ilha (I = 285,7), indicando que os efeitos

    de desmatamento sobre as populações de

    cupins são mais sérios do que as diferenças

    naturais entre habitats na f loresta.

    Uma comparação entre a fauna de cupins

    encontrados num hectare de f loresta do arqui-

    pélago e a fauna de um hectare de f loresta na

    beira do rio permite dar-nos uma descrição

    detalhada das espécies l ivres de competição.

    Na área estudada do arquipélago, foram regis-

    tradas somente 19 das espécies encontradas

    na f loresta de terra f i rme. Embora este núme-

    ro corresponda apenas à metade do número de

    espécies de terra f i rme, encontrou-se uma den-

    sidade muito superior de termite i ros na ilha

    do que na terra f i rme . Cada termi te i ro repre-

    senta uma colônia formado por dois reprodu-

    tores. O aumento em densidade de colônias

    de cupins na ilha é causado mais por uma re-

    lação de competição com outras espécies de

    cupins do que por uma relação de predação.

    Pois os predadores de cupins (especialmente

    as formigas, os predadores mais ativos e efe-

    t ivos de cupins) foram observados tanto em

    floresta da ilha quanto em floresta na beira

    do r io .

    Se as espécies de cupins na terra f i rme fossem l imitadas em abundância e habitat, por causa de competição com as espécies inva-soras, esperaríamos nas ilhas não somente um aumento em abundância das 19 espécies "na-t ivas" , mas também um aumento no habitat e área de forrageamento destas espécies (Mac

  • Arthur, 1972). As distâncias médias das gale-rias de forrageamento das cinco espécies do gênero Nasutitormes mais comuns nas áreas estudadas e da única espécie de Anoplotermes comum nas três áreas estão apresentadas na Tabela 2. As espécies da ilha forrageiam em uma área bem maior do que as de terra f i rme (Tabela 2), mas não mudam a fonte de alimen-tação (Tabela 1). Na f loresta de terra f i rme, a espécie de Anoplotermes tem que competir com Amitermes excellens e Subulitermes spp. para sua al imentação. Esta competição reduz tanto a extensão de forrageamento da espécie quanto também a densidade de colônias. A mesma coisa acontece com as cinco espécies de Nasutitermes. Na f loresta de terra f i rme, elas competem pelos recursos com espécies dos gêneros Armitermes, Cylindrotermes, Heterotermes, Labiotermes, Microcerotermes, Neocapritermes, Rotunditermes e RupVtermes. Estes são gêneros que não conseguem invadir e colonizar as i lhas.

    As espécies de Nasutitermes e Anoploter-mes da ilha expandem seu habitat e invadem as regiões de bambu (onde cairam árvores grandes e velhas, deixando clareiras para o bambu invadir) e vegetação densa na beira das

    TABELA 4 — Indices de similaridade calculados para as faunas de cupins nos quatro habitats es-

    tudados, utilizando as fórmulas de Mount-

    ford (in Southwood, 1976)

    Habitats: A = Floresta primária de terra firme B = Capoeira de terra firme C = Floresta primária no arquipélago D = Floresta inundável (igapó)

    Fase i: B C D A ,2222 .0833 .0645 B — ,1333 ,0909

    C — — ,2857

    Fase i i : B CD

    A ,2222 ,0739

    B — ,1121

    Fase ill: CD

    AB ,0930

    i lhas. Na f loresta de terra f i rme, elas estão

    mais restr i tas à própria f loresta. Outras espé-

    cies ocorrem no bambu e na vegstação densa

    na beira das águas, como outras espécies de

    Nasutitermes, Ruptitermes arboreus, etc.

    Os efeitos de desmatamento e isolamento são fatores importantes na ecologia dos cupins de f lorestas neotropicais. A maioria de térmi-tas da f loresta primária é muito sensível a tais efei tos e não consegue sobreviver à mudança no habitat. Os poucos cupins que podem adap-tar-se a estes efeitos são espécies que podem tornar-se com facil idade pragas na si lv icultura.

    AGRADECIMENTOS

    Ao Science and Engineering Research

    Council da Grã-Bretanha e Shell Biosciences

    Ltd. pela concessão da bolsa de estudo

    "CASE"; Secretaria Especial do Meio Ambien-

    te, Ministér io do Interior, pelo apoio para rea-

    lizar este trabalho; e Kini t i Kitayama, pela aju-

    da na preparação deste ar t igo.

    S U M M A R Y

    A comparison was made of termite populations in

    four different forest habitats along the lower Rio Ne-

    gro, near Manaus. Three of the habitats were on flood-

    free elevations while the fourth was periodically inun-

    dated by the river's f lood. Flood-free primary forest

    along the river bank had the highest number of species

    (43 spp.): flood-free secondary forest (capoeira) on the

    bank had a lower total (34 spp.) due to Man's inter-

    ference with the environment. A much lesser species

    richness was found in flood-free primary forest on an

    island in the Anavilhanas archipelago (19 spp.) due to

    its ecological isolation from the river bank faunas. Pe-

    riodically flooded forest (igapó) in the archipelago had

    the lowest total (12 spp.), being a habitat unsuitable for

    colonisation by most termites.

    Less than half as many species occurred in pri-

    mary forest on the island as were found in an equal

    area of primary forest on the bank. Due to release

    from foraging competition wi th other termites, the

    density of these 19 island species was far higher than

    that of those on the river bank and their habitats and

    foraging ranges were also increased.

    The termites best adapted to secondary forest, to

    island existence and to igapó are species of potential

    pest status in forestry: Coptotermes testaceus and 9

    species of Nasutitermes, especially N . ephratae and N.

    nigriceps.

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    (Aceito para publicação em 27 /11 /81)