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Editado pela Graça Artes Gráficas e Editora Ltda. Rio de Janeiro, 2013 por DANIEL ISRAEL

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Editado pela Graça Artes Gráficas e Editora Ltda.

Rio de Janeiro, 2013

por DANIEL ISRAEL

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SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................... 71. Doce infância ..................................................................... 112. O pequeno cantor .............................................................. 173. A “quadrilha” ......................................................................214. Troca justa? ........................................................................275. Por que não eu?...................................................................356. Rumo a BH ..........................................................................397. Bem-vindo ao “Mukiffu’s”! ..................................................458. Algumas escolhas ...............................................................519. Apagando a chama .............................................................5510. Convites, conselhos e decisões ..........................................6111. Você é da banda, brother! ..................................................6712. Aprendendo com a estrada................................................ 7313. Cadê o hotel? ....................................................................7914. Viajar “viajando” ..............................................................8515. Comprimidos, doses e monstros ........................................9116. Testando os limites ...........................................................9717. Nas ruas de Passos, mais uma carta na manga ................. 10318. Financiador da balada ..................................................... 11119. Boa noite, Cinderela! ...................................................... 11520. Relações destrutivas ....................................................... 12121. Risco total ....................................................................... 12522. Intensidade sempre ......................................................... 13123. Mão na cabeça, vagabundo! ............................................ 13724. O início da volta ..............................................................14525. Doce presença ................................................................ 15126. The day after ................................................................... 15727. Você pode, você é forte ................................................... 163

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28. Mãe, Jesus entrou no meu quarto! ...................................16929. Na pegada do axé ........................................................... 17330. O perigo de ser morno ..................................................... 17931. Por um fio .......................................................................18532. Eu escolho Deus .............................................................. 19133. Deixa tudo e vem ............................................................. 19734. Eu volto ..........................................................................20335. Na sala do Pai ................................................................. 20936. A volta da promessa ........................................................ 21737. Invisível, mas real .............................................................22338. Propriedade ungida e exclusiva dos 3 ...............................22939. Se o seu coração parar de bater agora, se você for embora,

para onde você vai? .......................................................... 235

1DOCE INFÂNCIACapítulo 1

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Olha O que ele fez cOmigO

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DOCE INFÂNCIA

Cruza, Thalles, cruza a bolaaaa que eu tô livre, seu fominha!!!

— Goooooooooooolllll do Mengão. Mengãoooo, eooooooohhhhh! — saía eu, feito louco, comemorando e gritando pela pracinha.

Assim crescia a molecada, na praça da Rua Tupi, esquina com a Jayme Gomes, bem em frente à minha casa, em uma clássica e bucólica fotografia do interior mineiro. Em Passos, no início dos anos 1980, apesar da difícil sobrevivência diária das famílias simples, fermentava, em cada coraçãozinho inocente de criança, um universo interminável de sonhos e vontades, e a pergunta mais comum era: “O que você vai ser quando crescer?”. As respostas, geralmente, variavam, mas, sempre que surgia o assunto, cada um tinha sua resposta na ponta da língua – ainda que sempre diferente a resposta dada na semana anterior. O estranho é que, pelo que me lembro, eu era o único moleque da rua toda que sempre dava a mesma resposta.

Após a pelada na praça, a criançada, esparramada pelo chão, brincava de alimentar sonhos:

— Eu quero sê jogador de futebol, igual o Zico.— Eu não. Eu quero sê carpinteiro igual o meu pai; ele já tem

tudo as ferramenta.— Eu quero sê médico. Pra ajudá os doente. — Eu não. Não quero sê médico nem a pau. Médico tem que ficá

mexendo com doente, sangue, pereba, credo! Eu quero sê igual o Pelé.

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O cara é rei do futebol e ainda por cima namora a Xuxa — argumentava o outro, dois anos mais velho que a média, com toda a sabedoria do mundo.

— E você, Thalles, o que quer sê quando crescer?— Quero sê artista, saca? Tipo internacional. Cantar pra um

mundão de gente.— Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. — A gargalhada sempre era geral

na pracinha.— De novo com essa conversa de artista, Thalles? Kkkkk. Fica

ativo, sô!— Quer ficar igual aquele neguinho lá. Pireee, pireee, pireee,

pireee. — Ironizava uma das crianças, imitando o passo moonwalk, de Michael Jackson.

— Então tá bom, ceis vão vê. — retrucava baixinho, até porque não dava para argumentar muito em uma roda com média de idade de seis anos.

De repente, da janela, minha mãe gritava:— Coooorre, Cheiro-verde, vem que o almoço tá na mesa.E, como em uma sinfonia, mães gritavam na janela ao redor da

praça, anunciando a hora do almoço. A pracinha ficava deserta. Como em debandada, uma “manada” de crianças famintas levantava poeira atrás de um prato de arroz, macarrão, feijão e carne. Mais mineiro, impossível.

Nesse ritmo bom fluía a vida. Da casa para a escola, da escola para a pracinha. Bola, pipa, carrinhos, estilingue; tradicionais brincadeiras de criança, sempre acompanhadas de igreja, muita igreja.

Nascido em uma família evangélica, sempre tive a igreja como extensão de casa, e a casa como extensão da igreja; até porque filho de pastor não tem muita escolha. Quando está na igreja, o assunto é igreja; quando está em casa, o assunto é igreja; quando está na escola, ele é o “da igreja”.

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Todo domingo de manhã, não tinha conversa. Era passar cinco minutos da hora de acordar que mamãe já saía puxando as cobertas de todo mundo e abrindo a janela do quarto. Logo atrás vinha meu pai, ajudando a organizar a turma. Pastor Job, como é conhecido até hoje, sempre de bom humor, começava o dia gritando:

— Acoooooorda, molecada, que hoje é dia do Senhor! Vamos pra casa dEle, adorá-Lo e bendizê-Lo, e depois tem ensaio do coral.

Era uma correria só. Um escovava os dentes já colocando a roupa, outro tomava café enquanto batia na porta do banheiro querendo entrar. Às vezes, um de nós tentava ganhar cinco minutos a mais de sono, mas rapidinho tomava uma travesseirada ou um cutucão.

No fim da tarde de domingo, a correria era mais intensa. Um olho no pão com manteiga, outro na televisão, tentando ver o finalzinho de algum programa. Quando ia chegando a hora do culto, papai desligava o UHF da tomada e saía cantarolando um hino. Unida, a família ia seguindo para a igreja, rumo ao ministério. Era oração, louvor, intercessão e música. Muita música.

Doce infância

5POR QUENÃO EU?Capítulo 5

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POR QUE NÃO EU?

Na praça da minha cidade – como em quase todas as cidades de mesmo porte no Brasil –, eram realizados vários eventos políticos e comemorativos, festas e passeatas, onde se apresentavam artistas de

renome nacional – shows de artistas como Titãs, Paralamas do Sucesso, Leandro e Leonardo e vários outros afamados da época. Quando eu assistia de perto a esses espetáculos, ficava totalmente alucinado, e meu coração imediatamente suspirava: “É isso, é exatamente isso o que eu quero”.

Tocando com a Banda Éden na igreja, fazíamos um som caseiro, tínhamos pouco acesso a bons instrumentos e, com-parando-nos às apresentações desses artistas profissionais do meio secular, comecei a achar um pouco brega nosso som, nossa performance, nosso jeito de vestir e tudo aquilo que foi minha escola.

Quando ia aos shows, via uma produção profissional, roupas coloridas, cabelos diferentes, iluminação, danças, gelo seco, som perfeito e multidão. Isso me atraía muito, muito mesmo. Toda aquela profissionalização ia bem ao encontro do meu sonho de ser artista, e algo que me motivava era que, olhando aqueles artistas de perto, percebia que, com a qualidade musical que eu tinha, muita coisa podia acontecer. Pensava: “Se esse cara, com essa voz de ‘taquara rachada’, consegue fazer tanta gente cantar e pular, por que eu não posso?”.

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Nesse jogo de “cai para um lado, cai para o outro”, a cada dia que passava, eu me via mais indeciso sobre qual caminho seguir. Na igreja, com a Banda Éden, tudo estava muito bem, abençoado e dando frutos. No entanto, eu queria mais, meu coração pedia mais, e aqueles shows aos quais eu assistia no meio da multidão davam-me uma referência do que eu realmente queria.