Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar 2

Por Dentro do Hospital Psiqu iátrico Nosso Lar *Por Felipe Ronner por Felipe Ronner , quinta, 9 de Fevereiro de 2012 às 13:02 · Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar *Por Felipe Ronner Avancei demais na sucessão de acontecimentos. Agora retrocedo. Os dois enfermeiros sentam ao meu lado, fazendo moldura dentro do carro. Estou suave. Suave como um marrete. Definitivamente, passo de um estado a outro com rapidez. Dizem que sou bipolar. O enfermeiro à minha direita quer conversar com o olhar. Você já conversou com o olhar? Fique em silêncio e diga algo com os olhos, há expressão no olhar de qualquer humano. Não quero conversar e o ignoro. Ego, penso em voz alta. O enferm eiro entende que eu disse "Eco". "Eco é legal", ele diz, sorrindo. Droga. Era para eu estar com raiva, mas um sorriso me faz sorrir. É um jogo antigo que faço com o mundo, sorrio para quem sorri para mim e fecho a cara para os medíocres quando os medíocres fecham a cara para mim. Estabeleceu-se a comunicação. O enfermeiro quebrou minhas barreiras em 40 segundos apenas. Por que eu não consigo ficar com raiva muito tempo? Serei alguma espécie de santo, serei um tolo ou apenas um homem mais humano? Não. Nenhuma das alternativas anteriores. Eu sou a penas isso... O carro para à entrada do Hospital. Descemos e encaro meu irmão mais uma vez. Quanta vontade de lhe dar um corretivo, deveria tê-lo feito ali mesmo enquanto se processavam os dados de meu "acolhimento", mas o enfermeiro fala em tom muito calmo: "Aqui e agora, não. Se você fizer isso teremos que contê-lo e isso significa que você i rá tomar uma injeção com tranqüilizantes para derrubar um cavalo e que o a marr aremos na cama com faixas de contenção". Ele leu meus pensamentos. Que bruxaria é essa?! Lembro de um ditado azt eca: Se não sabe nadar a favor da corrente, deixe que o mar o afogue. "Hoje ninguém vai se machucar.", digo seriamente. Os dois enferme iros assentem com a cabeça enquanto esperamos o acolhimento e acendem o cigarro que acabei de l evar aos lábios, celebrando minha internação. Eu ultrapassei o caminho dual. Venha você também caminhar pela terceira margem do rio... Gustav Klint - Filosofia (teto da Universidade de Viena)

Upload
felipe-ronner
Category

Documents
view
56
download
0

Embed Size (px):

description

Um texto para ser lido por alguns e entendido por poucos.

Transcript of Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar 2

Page 1: Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar 2

5/13/2018 Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar 2 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/por-dentro-do-hospital-psiquiatrico-nosso-lar-2 1/2

Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar *Por

Felipe Ronner

por Felipe Ronner, quinta, 9 de Fevereiro de 2012 às 13:02 ·

Por Dentro do Hospital Psiquiátrico Nosso Lar *Por Felipe Ronner

Avancei demais na sucessão de acontecimentos. Agora retrocedo. Os dois enfermeiros sentamao meu lado, fazendo moldura dentro do carro. Estou suave. Suave como um marrete.Definitivamente, passo de um estado a outro com rapidez. Dizem que sou bipolar. O enfermeiroà minha direita quer conversar com o olhar. Você já conversou com o olhar? Fique em silêncio ediga algo com os olhos, há expressão no olhar de qualquer humano. Não quero conversar e oignoro. Ego, penso em voz alta. O enfermeiro entende que eu disse "Eco". "Eco é legal", ele diz,sorrindo. Droga. Era para eu estar com raiva, mas um sorriso me faz sorrir. É um jogo antigoque faço com o mundo, sorrio para quem sorri para mim e fecho a cara para os medíocresquando os medíocres fecham a cara para mim. Estabeleceu-se a comunicação. O enfermeiro

quebrou minhas barreiras em 40 segundos apenas. Por que eu não consigo ficar com raiva muitotempo? Serei alguma espécie de santo, serei um tolo ou apenas um homem mais humano? Não.Nenhuma das alternativas anteriores. Eu sou apenas isso...

O carro para à entrada do Hospital. Descemos e encaro meu irmão mais uma vez. Quantavontade de lhe dar um corretivo, deveria tê-lo feito ali mesmo enquanto se processavam osdados de meu "acolhimento", mas o enfermeiro fala em tom muito calmo: "Aqui e agora, não.Se você fizer isso teremos que contê-lo e isso significa que você irá tomar uma injeção comtranqüilizantes para derrubar um cavalo e que o amarraremos na cama com faixas decontenção". Ele leu meus pensamentos. Que bruxaria é essa?! Lembro de um ditado azteca: Senão sabe nadar a favor da corrente, deixe que o mar o afogue. "Hoje ninguém vai se machucar.",digo seriamente. Os dois enfermeiros assentem com a cabeça enquanto esperamos oacolhimento e acendem o cigarro que acabei de levar aos lábios, celebrando minha internação.Eu ultrapassei o caminho dual. Venha você também caminhar pela terceira margem do rio...

Gustav Klint - Filosofia (teto da Universidade de Viena)