Por que a imaginação é importante na Educação?*

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I Seminário Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico-Culturais, 5 a 7 de setembro de 2005 Por que a imaginação é importante na Educação? * Kieran Egan •• título deste artigo parece tratar de uma questão ímpar. A resposta, ou as respostas, podem parecer óbvias. Em geral, todos são a favor da imaginação, e consideram-na uma qualidade que todas as pessoas ligadas à educação deveriam ter. Mesmo assim, vale a pena tentar explicar as razões porque a imaginação é importante para educação – porque os educadores devem levar a imaginação a sério. Primeiro, essas explicações podem nos ajudar a construir práticas e ambientes que serão mais propícios para estimular a imaginação dos alunos. Em segundo lugar, talvez essas explicações possam revelar implicações educacionais surpreendentes para a nossa concepção de imaginação. Em terceiro, é evidente que o nosso conceito de imaginação é complexo e amplo, como também é evidente que as pessoas em geral percebem a imaginação de modos diferentes; dessa forma, refletir sobre as razões pelas quais devemos levá-la a sério na educação ajudará a esclarecer a variedade de implicações que ela possui. Em quarto lugar, a fundamentação geral e um tanto vaga para o desenvolvimento da imaginação na educação restringe-se, na maioria das vezes, ao exercício da auto- expressão em artes e com uma sutil aparência de novidade nas outras áreas do currículo; descobrir a importância da imaginação na educação pode esclarecer seu papel no currículo escolar. E em quinto lugar, é preciso dizer que as estruturas e práticas vigentes nas escolas atuais, mostradas em diversos relatórios, estão elaboradas de acordo com princípios que claramente não consideram a imaginação importante para a educação. Se a imaginação é em geral tão aceita na educação, por que os vários relatórios de anos recentes documentam tão pouca atenção a ela? Outrossim, é muito comum, em discussões sobre a excelência no ensino, ouvir falar de professores qualificados como “imaginativos”, ainda assim a imaginação tende a ser quase * Tradução de Maria Cristina Keller Frutuoso e Gladir da Silva Cabral. •• Professor Dr. da Faculdade de Educação da Simon Fraiser University, Vancouver, Canadá. O

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título deste artigo parece tratar de uma questão ímpar. A resposta, ou asrespostas, podem parecer óbvias. Em geral, todos são a favor daimaginação, e consideram-na uma qualidade que todas as pessoas ligadasà educação deveriam ter. Mesmo assim, vale a pena tentar explicar as razõesporque a imaginação é importante para educação – porque os educadores devemlevar a imaginação a sério. Primeiro, essas explicações podem nos ajudar aconstruir práticas e ambientes que serão mais propícios para estimular aimaginação dos alunos. Em segundo lugar, talvez essas explicações possam revelarimplicações educacionais surpreendentes para a nossa concepção de imaginação.Em terceiro, é evidente que o nosso conceito de imaginação é complexo e amplo,como também é evidente que as pessoas em geral percebem a imaginação de modosdiferentes; dessa forma, refletir sobre as razões pelas quais devemos levá-la a sériona educação ajudará a esclarecer a variedade de implicações que ela possui. Emquarto lugar, a fundamentação geral e um tanto vaga para o desenvolvimento daimaginação na educação restringe-se, na maioria das vezes, ao exercício da autoexpressãoem artes e com uma sutil aparência de novidade nas outras áreas docurrículo; descobrir a importância da imaginação na educação pode esclarecer seupapel no currículo escolar. E em quinto lugar, é preciso dizer que as estruturas epráticas vigentes nas escolas atuais, mostradas em diversos relatórios, estãoelaboradas de acordo com princípios que claramente não consideram a imaginaçãoimportante para a educação.

Transcript of Por que a imaginação é importante na Educação?*

  • I Seminrio Educao, Imaginao e as Linguagens Artstico-Culturais, 5 a 7 de setembro de 2005

    Por que a imaginao importante na Educao?*

    Kieran Egan

    ttulo deste artigo parece tratar de uma questo mpar. A resposta, ou as

    respostas, podem parecer bvias. Em geral, todos so a favor da

    imaginao, e consideram-na uma qualidade que todas as pessoas ligadas

    educao deveriam ter. Mesmo assim, vale a pena tentar explicar as razes

    porque a imaginao importante para educao porque os educadores devem

    levar a imaginao a srio. Primeiro, essas explicaes podem nos ajudar a

    construir prticas e ambientes que sero mais propcios para estimular a

    imaginao dos alunos. Em segundo lugar, talvez essas explicaes possam revelar

    implicaes educacionais surpreendentes para a nossa concepo de imaginao.

    Em terceiro, evidente que o nosso conceito de imaginao complexo e amplo,

    como tambm evidente que as pessoas em geral percebem a imaginao de modos

    diferentes; dessa forma, refletir sobre as razes pelas quais devemos lev-la a srio

    na educao ajudar a esclarecer a variedade de implicaes que ela possui. Em

    quarto lugar, a fundamentao geral e um tanto vaga para o desenvolvimento da

    imaginao na educao restringe-se, na maioria das vezes, ao exerccio da auto-

    expresso em artes e com uma sutil aparncia de novidade nas outras reas do

    currculo; descobrir a importncia da imaginao na educao pode esclarecer seu

    papel no currculo escolar. E em quinto lugar, preciso dizer que as estruturas e

    prticas vigentes nas escolas atuais, mostradas em diversos relatrios, esto

    elaboradas de acordo com princpios que claramente no consideram a imaginao

    importante para a educao.

    Se a imaginao em geral to aceita na educao, por que os vrios

    relatrios de anos recentes documentam to pouca ateno a ela? Outrossim,

    muito comum, em discusses sobre a excelncia no ensino, ouvir falar de professores

    qualificados como imaginativos, ainda assim a imaginao tende a ser quase

    * Traduo de Maria Cristina Keller Frutuoso e Gladir da Silva Cabral.

    Professor Dr. da Faculdade de Educao da Simon Fraiser University, Vancouver, Canad.

    O

  • totalmente ignorada em pesquisas sobre qualidade educacional.1 No h dvida de

    que em parte essa negligncia existe pela dificuldade que os mtodos vigentes de

    pesquisa tm em entender e lidar com a imaginao, mas acredito tambm que, em

    parte, isso se d pela resposta ambgua que as autoridades, incluindo as

    responsveis por instituies educacionais, sempre tiveram em relao

    imaginao.

    A imaginao no um conceito to claro e preciso que se possa lanar em

    um artigo espera de que todos os leitores concordem quanto ao seu significado.

    Entretanto, todos ns usamos essa palavra com bastante confiana; isto , confiana

    mais ou menos quanto ao que queremos dizer e de o que seremos compreendidos

    pelos outros a respeito do significado da palavra. Eu acho que essa confiana no

    totalmente infundada. Ou seja, ns usamos a palavra imaginao para nos

    referirmos a uma variedade de capacidades que compartilhamos. Eu suspeito que

    h uma boa quantidade de consonncia intuitiva sobre o que essa variedade

    envolve. Quando tentamos investigar, categorizar, e conceituar suas partes,

    contudo, parecemos discordar ou, pelo menos, ficar insatisfeitos quanto s

    caracterizaes. O problema parece estar na natureza complexa e mutante da

    imaginao, e no fato de a imaginao estar no ponto crucial dos aspectos menos

    compreendidos de nossas vidas.

    Ns temos em comum a capacidade de guardar as imagens do que pode no

    estar presente ou mesmo existir em nossas mentes e permitir que essas imagens

    nos afetem como se fossem reais e presentes. muito difcil para ns descrever a

    natureza dessas imagens, j que so to diferentes de qualquer tipo de imagem que

    estejamos familiarizados no mundo externo. Parece, tambm, que as pessoas

    podem experimentar essas imagens de forma bastante diferenciada algumas

    tendo acesso claro a imagens vvidas, quase pictricas, outras tendo experincias

    to confusas que at o uso da palavra imagem parece no ser apropriado. E a

    mesma pessoa pode estar familiarizada com essa variedade do que parecem

    diferentes tipos e graus de imagens. Esse um daqueles problemas nos quais

    tudo est por ser feito, inclusive determinar qual o problema (Block 1981, p. 5). A

    1 Numa reviso dessas pesquisas, O Neil (1988) identifica vinte variveis de pesquisa, mas a

    imaginao no est entre elas. Da mesma forma, na reviso e sntese de pesquisa sobre o bom ensino de Porter e Brophy (1988), a imaginao tambm ignorada.

  • imaginao se encontra como que no ponto crucial onde a percepo, a memria, a

    gerao de idias, a emoo, a metfora e, sem dvida, outros aspectos de nossas

    vidas se cruzam e interagem. Algumas das imagens que vivenciamos parecem ecos

    do que percebemos, embora possamos mud-los, combin-los, manipul-los para que

    se tornem como algo que jamais havamos percebido. Nossa memria parece ser

    capaz de transformar percepes e armazenar seus ecos de forma que nunca ou

    quase nunca requerem imagens quase pictricas (como no caso de sons e cheiros).

    A originalidade em termos de idias quase sempre est relacionada com a

    capacidade imaginativa de ver as solues para os problemas. As nossas emoes

    parecem estar unidas a essas imagens mentais; quando imaginamos algo, sentimos

    como se isso fosse real e presente, de tal forma que nossa codificao e acesso a

    imagens parecem estar ligados s nossas emoes. A lgica da imaginao parece

    corresponder mais adequadamente da metfora do que com qualquer outro

    esquema de racionalidade que possamos explicitar.

    Cada um desses tpicos problemtico, se no completamente misterioso.

    Felizmente, no preciso resolv-los todos antes de podermos dizer algo til sobre a

    imaginao na educao como muitos j demonstraram. Neste artigo, ficarei com o

    sentido geral e comum de imaginao, buscando, espero, um refinamento na

    concluso.

    Imaginao e pensamento convencional

    Quando olhamos para a prtica educacional convencional, tranqilamente

    assumimos que o principal objetivo da educao assegurar que os alunos

    acumulem conhecimento, habilidades, e atitudes apropriados para a vida que eles

    provavelmente levaro. Mas quando olhamos para os textos dos grandes pensadores

    da educao, descobrimos que a principal preocupao deles outra. Se

    considerarmos Plato, Rousseau e Dewey, por exemplo, fica evidente que o acmulo

    de conhecimento e habilidades como vem sendo praticado quase que exclusivamente

    em nossas escolas apenas uma pequena parte do que os preocupa. De acordo com

    a viso deles, o que parece fundamental para educar-se no adotar idias e

    crenas convencionais com as quais as pessoas crescem e acabam por aceitar. A

  • educao, afirmam eles enfaticamente, relaciona-se com algo que geralmente vemos

    muito pouco em nossas escolas. Obviamente, transmitir conhecimento no algo

    irrelevante para eles, mas suas preocupaes com esse tipo de conhecimento so

    determinadas pela questo, muito mais importante, de como capacitar os alunos a

    tornarem-se pensadores autnomos, capazes de perceber as idias convencionais

    como elas so. Educao, dito de forma um pouco tendenciosa, um processo que

    desperta os indivduos para um tipo de pensamento que os capacita a imaginar

    condies diferentes daquelas que existem ou que j tenham existido.

    Os programas que esses grandes educadores propem para levar as crianas

    a uma idade adulta bem instruda diferem uns dos outros. Plato props um

    currculo extremamente controlado, que levava cinqenta anos para assegurar que

    a mente de seus melhores alunos se libertassem das constries da doxa ou da

    opinio convencional. Russeau props manipular cada pensamento de seu aluno e

    impedi-lo de aprender a ler at cerca doze anos, para que ele no fosse infectado por

    todas as idias de segunda-mo do discurso social comum e dos livros. Dewey props

    mtodos de instruo projetados para encorajar os alunos a adotarem uma atitude

    cientfica, ctica e inquiridora.

    Todos reconhecemos que uma das funes das escolas socializar as

    crianas, faz-las entender, familiar-se com e valorizar as idias e crenas

    convencionais da sociedade da qual elas esto se tornando parte. Imaginao, sem

    essa base, mera insensatez e improvvel que seja produtiva tanto para o indivduo

    quanto para a sociedade. Este um sentimento comum: No queremos que a

    criana seja apenas imaginativa, mas que seja tambm, em certo sentido,

    convencional, para aprender e de certa forma participar de nossos pensamentos

    compartilhados, de nossa forma compartilhada de vida (Hanson 1988, p. 137).

    Metforas comuns sobre educar para alm da socializao convencional

    incluem despertar ou libertar ou soltar. A vida mental que formada

    basicamente por idias e opinies convencionais do tempo e lugar de um indivduo

    considerada um tipo de sono ou servido (as maiores vtimas desse sono ou servido

    no esto, naturalmente, conscientes de sua condio). Plato fala em despertar a

    alma ou libertar prisioneiros, que apenas experimentam as sombras da realidade.

    Tal linguagem muito recorrente na educao, para captar aquela dimenso de

    experincia com a qual a educao crucialmente preocupada com: Ser capaz de

  • imaginar ser capaz de ser livre das aparncias convencionais (Sutton-Smith

    1988, p. 10-11). No deve ser livre, ou mesmo ser livre de todas as convenes

    em todo o tempo, mas ser capaz de ser livre. Ou seja, educao o processo que

    nos capacita, que nos autoriza, a no ser dominados por aparncias, idias, crenas

    e prticas convencionais. Ela fornece a estrutura mental pela qual podemos

    perceber a utilidade dessas prticas e aceit-las como condies para o avano da

    vida social, mas tambm pela qual podemos ver seus limites, suas arbitrariedades, e

    imaginar-nos mudando-as, se assim julgarmos melhor.

    Isto significa, naturalmente, que h uma constante tenso na educao entre

    ensinar as convenes pelas quais os alunos tero que viver e estimular as

    capacidades que os ajudam a ganhar algum tipo de liberdade mental diante dessas

    convenes tornando-as ferramentas ao invs de constries. Essa tenso

    proeminente nas obras dos grandes pensadores da educao, mas infelizmente

    muito menos proeminente em muitas escolas. A primeira parte da tarefa, socializar

    ou introduzir os alunos nas convenes correntes, parece predominar. E esta

    observao no pretende ignorar o quo difcil fazer at mesmo esse trabalho

    apropriadamente. A capacidade de libertar-se dessas convenes tende a ser menos

    cultivada, por muitas razes: difcil; no temos diretrizes curriculares claras para

    atingir esse objetivo; choca-se com o que j nos toma tanta energia; e naturalmente

    a burocracia da escola necessita de ordem, e vrios tipos de normalizaes exercem

    presses sutis, mas poderosas.

    Bem, este estudo no pretende ser um tratado filosfico ou sociolgico, e eu

    talvez esteja divagando mais do que o necessrio para enfatizar o argumento de que

    a maioria dos pensadores educacionais tem visto como principal inimigo da

    educao, no a ignorncia, mas o pensamento convencional. De fato, mentes

    convencionais podem ser enciclopedicamente bem informadas, ter um desempenho

    esplndido em testes de realizao acadmica, ter QIs estratosfricamente elevados,

    e assim por diante. A.N. Whitehead refere-se a tais pessoas como os mais pedantes

    desta terra de meu Deus. O que falta a eles, quero sugerir, imaginao, e isso

    um dficit educacional crucial.

    A imaginao no o oposto de pensamento convencional, mas ela fornece

    um certo contexto ou dimenso mais ampla dentro da qual o pensamento

    convencional controlado, e de onde ele pode ser transcendido. Imaginao no o

  • oposto de racionalidade, mas o que pode dar vida, energia e rico significado ao

    pensamento racional. De acordo com Bowra, exercitando sua imaginao, o

    indivduo cria vida e acrescenta sua experincia de vida. Ele deseja ser no um

    observador passivo, mas um agente ativo (1949, p. 292).

    Assim, o foco na imaginao faz-nos lembrar que as formas de pensamento

    nas quais ela est mais deficitria so tambm as formas de pensamento que tm

    sido alvo dos grandes pensadores da educao. Seus programas de educao no

    foram propostos para impedir que os alunos sejam socializados e se tornem

    familiarizados com as convenes de seu tempo e lugar, mas lutam para encontrar

    meios de assegurar que esse processo seja acompanhado por algum que faa,

    dessas convenes, servos intelectuais e no mestres. E eu estou sugerindo que hoje

    podemos promover esse objetivo estimulando e desenvolvendo a imaginao dos

    alunos.

    Imaginao na aprendizagem

    Desde a inveno da escrita, temos desenvolvido meios sofisticados de

    armazenamento de informao. Uma das caracterstica desses sistemas de

    armazenamento e recuperao, seja em tbuas, pergaminhos, livros ou em

    computadores, que aquilo que se arquiva o que se acha. A aprendizagem

    humana , de vrias maneiras, diferente desse tipo de armazenamento e

    recuperao. Mas, infelizmente, nossas tecnologias influenciam a maneira de como

    nos vemos. Certamente, se voc pensa em aprender um fato por exemplo, que a

    gua ferve a 100 graus Celsius ao nvel do mar e ento repete isso mais tarde, o

    que voc fez se parece muito com o ato de gravar essa informao em smbolos em

    algum lugar e mais tarde acess-la. O que acontece nesse caso que o seu

    instrumento de armazenamento o seu crebro e o mecanismo de busca a sua

    memria.

    Se permitimos que a tecnologia determine como concebemos nossos processos

    intelectuais, ento uma das conseqncias, na opinio bastante ampla e prejudicial

    educao, pensar no aprendizado como um processo anlogo ao armazenamento

    de smbolos na mente para posterior ativao. A primeira coisa que podemos

    perceber que a mente humana parece ser realmente muito ineficiente para esse

  • tipo de armazenamento? e preservao fidedigna ao longo do tempo. Uma folha de

    papel ou um disquete de computador so muito mais confiveis. A aprendizagem,

    nesse sentido anlogo-tecnolgico pode ser medida pela preciso com que os dados

    so preservados quando recuperados numa avaliao posterior. Esse tipo de

    avaliao acontece a todo tempo nas escolas, e os resultados so tidos como

    evidncia clara de aprendizagem. Isso tem ocorrido h tanto tempo e to

    comumente nas escolas que o significado mais comum de aprendizagem

    justamente esse tipo mecnico de armazenamento e recuperao de informao.

    E o que h de errado nisso? Bom, muita coisa. De forma geral, o problema

    que essa prtica ignora o que h de mais peculiar na aprendizagem humana.

    Especificamente, faz as pessoas esquecerem que a mente humana no aprende do

    mesmo modo que um computador aprende e que nossa memria bem diferente

    da memria de um computador.

    Ao aprender, a mente humana no armazena simplesmente fatos isolados.

    Talvez ela at possa fazer isso, e s vezes ns usamos essa capacidade para lembrar

    o nmero de um telefone ou uma lista de compras na ausncia de um pedao de

    papel. Tipicamente, quando aprendemos at mesmo a informao mais simples

    que Vasco da Gama partiu de Lisboa para navegar ao redor da frica em 1497,

    chegando Itlia no ano seguinte, ou que as aranhas tm oito pernas ns no

    alojamos, simplesmente, esses fatos em nosso crebro como informaes isoladas.

    Enquanto so aprendidas, essas informaes se misturam com uma complexa gama

    de emoes que se alteram, memrias, intenes e tudo o mais que constituem nossa

    vida mental. Informaes sobre as aranhas ganharo um colorido afetivo, ligado aos

    nossos sentimentos em relao aos insetos em geral e s aranhas em particular. As

    viagens de Vasco da Gama talvez estimulem imagens de navios em costas

    estrangeiras e o senso de aventura. A forma como aprendemos, se aprendemos e

    retemos essas informaes, ser afetada pelo complexo de estruturas de significado

    que tenhamos, que por sua vez sero afetadas por nossas emoes, intenes etc.

    A memria humana no um local ordenado, com espaos ou prateleiras

    para que cada item permanea inerte at ser acessado. Ela mais como um tumulto

    cambiante movido por emoes e intenes que fazem parte de ns. Praticamente

    nada emerge da memria humana da mesma forma em que foi inicialmente

    internalizada. Toda sorte de associaes envolvem cada fato novo; h uma mescla e

  • fuso sem fim; conexes so feitas, quebradas e refeitas. E nem a menor parte

    dessas atividades envolve a imaginao.

    Est ficando cada vez mais claro que a aprendizagem humana no envolve

    apenas olhar para o que exterior mente, mas envolve fundamentalmente

    construo e composio (Bruner, 1986). Cada mente diferente e representa uma

    perspectiva diferente do mundo. No processo de aprendizagem, o aluno tem

    encaixar o que vai ser aprendido em seu conjunto mpar de estruturas significativas

    que j esto estabelecidas. Isso demanda reconstruo, composio e reavaliao de

    significados. E nessa atribuio de significados que Warnock (1976) identifica uma

    das atividades fundamentais da imaginao.

    Assim, levando a imaginao a srio e ento considerando a aprendizagem

    sob a tica de nossa concepo do desenvolvimento da imaginao, focamos naqueles

    aspectos de aprendizagem que enfatizam o significado. O significado no reside nos

    fatos propriamente ou nas habilidades ou o que quer que seja que aprendamos, mas

    na interao entre o que aprendido e nossas mentes. E as nossas mentes no so

    apenas simples depsitos de informaes, mas centros de constante atividade nos

    quais emoes, intenes, lembranas se misturam com o que recentemente

    aprendido e lhe atribuem significado.

    Isso pode fazer a eventual concepo de aprendizagem parecer to

    desesperadamente emaranhada que a concepo simplista, comum na de educao

    hoje, parecer prefervel, a despeito do custo educacional que se paga. Se no

    podemos ensinar que uma aranha tem oito pernas, sem envolver emoes,

    intenes, estruturas significativas (seja l o que elas forem) e imaginao, ento

    talvez prefiramos entregar o jogo. Eu acredito que o problema no to srio; no

    precisamos fazer malabarismo com todos esse conjunto complexo de elementos

    mentais s para falarmos sobre aprendizagem. Pelo contrrio, apenas temos que

    nos lembrar de que aprendizagem algo bastante diferente de armazenamento de

    informao e ficar atento a isso no difcil. Eu acho que a parte difcil levar a

    srio as suas implicaes. E aqui que levar a imaginao a srio comea a causar

    estragos a alguns dos elementos comuns estabelecidos pelo cenrio educacional

    atual. Todos os procedimentos de ensino, avaliao e currculo que vem a educao

    como um processo de acumulao de conhecimentos e habilidades, sem o

    envolvimento de emoes, intenes, significado humano e imaginao, tornar-se-o

  • inadequados para fazer mais do que criar pensadores convencionais, e no pessoas

    instrudas.

    A imaginao e a memria Desde os escritos de Aristteles, h na cultura ocidental uma longa conexo entre

    memria e imaginao. Essa conexo no apenas uma curiosidade histrica, mas

    continua sendo de fundamental importncia para a educao hoje. H uma

    tendncia, que vem da retrica progressista, de considerar a aprendizagem pela

    repetio, ou a aprendizagem no sentido convencional discutida anteriormente, uma

    educao sem utilidade. Uma valiosa percepo como essa, quanto ao absurdo de

    tratar estudantes como depsitos de conhecimento sem o menor sentido, tem sido

    acriticamente transformada em hostilidade a qualquer forma de memorizao. Uma

    das implicaes bvias da observao coerente do relacionamento entre memria e

    imaginao est na importncia de se memorizar conhecimentos, fatos, fragmentos

    de prosa e poesia, frmulas etc. como estmulo assimilao e ao desenvolvimento

    da imaginao. A ignorncia, enfim, no alimenta a imaginao. E ns ignoramos

    todo conhecimento que at sabemos como acessar, mas no o acessamos, ou que

    aprendemos a aprender, mas no o fazemos. Somente o conhecimento que est em

    nossa memria acessvel ao da imaginao.

    Esse princpio parece estar em conflito com os da seo anterior. Ali, parece

    que eu argumentei que a imaginao suprimida se os alunos so expostos ao

    aprendizado de diversos saberes e habilidades, e agora parece que eu estou

    afirmando que a imaginao requer a memorizao de vrios saberes e habilidades

    para ser adequadamente estimulada. Os dois princpios so consistentes quando

    observamos a afirmao feita acima sobre a significao dos conhecimentos e das

    habilidades a serem memorizados; assegurar que os saberes e as habilidades sejam

    significativos requer o engajamento da imaginao no processo de aprendizagem.

    Assegurar esse tipo de aprendizagem imaginativa exigiria muito mais espao do

    que um artigo pode prover (ver Egan, 1988, 1990). preciso dizer, contudo, que o

    desenvolvimento da imaginao dos estudantes no ocorrer sem o aprendizado e a

    memorizao de muitos e diversificados saberes.

  • Este tem sido um tema constante nos chamados escritos educacionais neo-

    conservadores do final dos anos 80 (Bloom, 1987; Hirsch, 1987; Ravitch & Finn,

    1987). A nfase desses textos neo-conservadores tem sido a valiosa observao de

    que a educao est fundamentalmente ligada ao conhecimento e que ser instrudo

    significa, a grosso modo, ter muito conhecimento. Mas, como eu salientei

    anteriormente, no se trata apenas disso. A educao tambm crucial para o

    significado que o conhecimento tem para o indivduo, e a que a imaginao

    vital. Uma pessoa que tenha seguido meticulosamente o currculo neo-conservador

    pode ainda acabar entre as pessoas mais entediantes da Terra. O que falta nesses

    livros a percepo, e a clareza, de como o conhecimento se torna significativo nas

    vidas dos alunos; como podemos garantir o comprometimento dos alunos, no sentido

    em que eu estou agora desenvolvendo esta frase, na aprendizagem imaginativa.

    Em culturas orais, o indivduo sabe somente o que consegue lembrar. Por

    isso, as tcnicas que tornavam a memorizao mais fcil eram de grande

    importncia social. Entre as tcnicas inventadas ou descobertas estavam a rima, o

    ritmo e a mtrica. Em outras palavras, descobriu-se que o conhecimento colocado

    em um padro rtmico e rimado era mais fcil de ser lembrado do que de outra

    forma. Tambm se descobriu que, se a informao fosse codificada a tradio

    tribal em imagens vvidas, ela seria ainda mais facilmente memorizada. Vemos

    tais codificaes por meio de imagens vvidas nas histrias de mitos mundiais.

    Parece apropriado dizer, ento, que foi a necessidade de memorizar que primeiro

    estimulou e desenvolveu muitas das capacidades que agora denominamos

    imaginao. Padres sonoros, imagens vvidas e histrias estruturadas estavam

    entre as mais importantes invenes sociais primitivas. Foram essas ferramentas

    lingsticas tcnicas e seus efeitos na mente que ajudaram grupos humanos a se

    unirem e permanecerem relativamente estveis por incontveis geraes (Havelock,

    1963, 1986; Lvi-Bruhl, 1985; Lvi-Strauss, 1966; Ong, 1982). Como j observei em

    outro texto (Egan, 1988), essas descobertas no so relevantes apenas para culturas

    orais antigas. A sua importncia social foi uma funo de seus efeitos na mente

    humana, e embora no tenhamos a mesma dependncia social dessas tcnicas, elas

    ainda desempenham um importante papel psicolgico para ns. Elas podem nos

    guiar na tarefa de garantir aprendizagem e memorizao imaginativa. Isto , elas

  • podem ser usadas na aprendizagem, ajudando na tarefa de criar sentido e ordem e

    significado entre contedos a serem memorizados.

    A mente narrativa

    A dura afirmao de Brian Sutton-Smith de que a mente ... uma questo

    narrativa (1988, p.) expressa uma viso que est sendo aceita amplamente. Ela

    confronta a antiga viso de que a mente , quando funciona produtiva e

    corretamente, uma questo de lgica que trabalha com conceitos abstratos. A razo

    foi, assim, tida como evidncia somente em operaes lgicas limitadas. Cada vez

    mais essas operaes esto sendo vistas como so, fundamentadas e construdas

    sobre narrativas e metforas (Lakoff & Jonhnson, 1980). Quando algum fala do

    amor irracional de um pai por uma criana, o conceito de razo fica restrito ao que

    pode ser demonstrado segundo a lgica formal convencional. O amor de pai por uma

    criana inteiramente razovel, desde que resgatemos a razo da priso em que

    se encontra e a reconectemos com a imaginao. Sem essa conexo, ela se torna seca

    e mais semelhante a uma frmula de clculo do que riqueza e complexidade da

    razo humana ao operar nas narrativas de nossas vidas.

    Quanto mais claramente se percebe que a mente funciona como um todo e

    que esse todo inclui nossos corpos, mais a noo da mente como um complexo rgo

    de calcular e a razo como sendo seus clculos torna-se insustentvel. Torna-se

    claro que a racionalidade no um conjunto de habilidades que algum pode

    treinar, mas est ligada a stos, pores e quartos secretos da mente at agora

    evitados, nos quais bailam as emoes, as intenes, as metforas e a imaginao.

    Ento, redescobriu-se que percebemos o mundo e nossas experincias por meio de

    narrativas, que podemos nos lembrar melhor de itens dentro de uma estrutura

    narrativa do que em listas logicamente organizadas, que codificamos mais

    profundamente o conhecimento em nossa memria por meio de associaes afetivas

    do que por associaes lgicas, que as crianas pequenas lidam mais prontamente e

    de forma mais flexvel com metforas do que as crianas mais velhas, escolarizadas

    e assim por diante.

    A redescoberta da mente narrativa nos encoraja a prestarmos maior ateno

    imaginao, porque a imaginao mais evidente na composio de narrativas e

    na percepo de sua coerncia. Aprender a seguir narrativas parece, dessa forma,

  • envolver o desenvolvimento de capacidades intelectuais mais significativas do que

    tem sido tradicionalmente reconhecido. Em particular, citando Northrop Frye, [a]

    arte de ouvir histrias um treino bsico para a imaginao (1963, p. 49). A

    habilidade de acompanhar histrias estimula e desenvolve o modo narrativo da

    mente, e sua capacidade de criar sentido e significado. Um nmero grande e variado

    de histrias pode ajudar a desenvolver nossa compreenso e uso de metforas, que

    a lgica unificante da narrativa e que um componente central da causalidade, que

    torna una as histrias. A causalidade das histrias inclui tanto um componente

    lgico quanto emocional. Isto , nas histrias a seqncia dos eventos

    compreensveis, que fazem sentido, no apenas lgica, embora tenham que s-lo

    em parte, mas tambm envolve um padro afetivo. Pulamos, vamos dizer assim, da

    cena em que Cinderela observa suas irms sarem para o baile para a cena na qual

    a Fada Madrinha aparece. Seguindo uma seqncia causal puramente lgica, talvez

    tenhamos de assistir alguma lavao de pratos, retirada de p, de carvo ou seja o

    que for, mas a causalidade afetiva faz a conexo entre as duas cenas imediatamente

    e diretamente compreensvel. Aprender a ouvir histrias desenvolver essas

    capacidades metais. Assim que elas estiverem desenvolvidas, Ulysses e Finnegans

    Wake, de James Joyce, tornar-se-o compreensveis, e todos os sofisticados

    mecanismos da compreenso de narrativas estaro disponveis para dar significado

    as nossas prprias experincias e ao mundo em que habitamos.

    O desenvolvimento das capacidades narrativas da mente, do uso imediato da

    metfora, sua integrao entre o cognitivo e o afetivo, sua construo de sentido e

    significado, tm importncia educacional, pois essas capacidades so fundamentais

    nossa capacidade de dar sentido experincia. Entendemos nossa vida como que

    incorporando um certo tipo de estrutura narrativa (MacIntyre 1981, p. 163).

    Nenhum evento ou comportamento tem sentido em si mesmo; mas torna-se

    inteligvel ao ser situado numa narrativa (MacIntyre 1981, p. 196). Barbara Hardy

    afirma enfaticamente: Sonhamos por meio de narrativas, devaneamos por meio de

    narrativas, lembramos, antevemos, desesperamos, cremos, duvidamos, planejamos,

    revisamos, criticamos, construmos, fofocamos, aprendemos, odiamos e vivemos por

    meio de narrativas (1968 p. 5).

    Desse modo, na medida em que desejamos tornar o mundo inteligvel para os

    estudantes, e na medida em que valorizamos os elementos da lista acima

  • apresentada por Barbara Hardy, o estmulo e o desenvolvimento do modo narrativo

    mental educacionalmente vital. E esse modo, originado em histrias que nos

    ajudam a memorizar, o domnio no qual a imaginao imprescindvel.

    O desenvolvimento do modo narrativo da mente tende a receber menos

    ateno nas escolas porque no visto como produtivo, no do mesmo modo como o

    desenvolvimento lgico das habilidades matemticas visto. O papel utilitarista

    das escolas apresenta-se prontamente criana. Quase todas as crianas, quando

    questionadas porque vo escola, responderam: Para conseguir um emprego

    (Cullingford, 1985). Frye observa que [c]ada criana percebe que a literatura a

    conduz a uma direo diferente quilo que imediatamente til, muitas crianas

    reclamam enfaticamente quanto a isso (1963, p. 2). Um dos papis da educao

    esclarecer s crianas que a imaginao oferece ganhos que no so imediatamente

    teis, mas que valem a pena. E o mais importante para a educao que as

    narrativas parecem acessveis a todos, alfabetizados ou no, e fornecem um roteiro

    bvio para todo tipo de conhecimento. Os educadores podem desenvolver o respeito

    pela narrativa como uma capacidade bsica de todos, mas tambm como um dom

    universal que pode ser compartilhado com os outros (Coles 1989, p. 30).

    Virtudes sociais

    Quero adicionar, lista de valores educacionais que surgem do desenvolvimento da

    imaginao, virtudes sociais como tolerncia e justia. Certamente, seria um

    exagero dizer que os males do mundo se devem to somente falta de imaginao,

    mas alguns deles parecem ser. A falta da capacidade da imaginao que nos

    permite entender que as outras pessoas so nicas, distintas e autnomas, com

    vidas e esperanas to reais e importantes quando as nossas, evidente em grande

    parte do que mau. O desenvolvimento dessa percepo imaginativa, contudo, no

    garante que tratemos as pessoas do modo como gostaramos de ser tratados, mas

    trata-se de um pr-quisito necessrio.

    Mas h conexes mais especficas a serem feitas entre a imaginao e as

    virtudes sociais. A propsito do argumento de MacIntyre na seo anterior, a

    habilidade de acompanhar histrias est conectada habilidade de compreender a

    experincia humana, pois nossas vidas so inteligveis apenas dentro de narrativas,

  • considerando que "o homem essencialmente, em suas aes e prticas, bem como

    em suas fices, um animal que conta histrias " (1981, p. 201). Assim o autor

    chama a ateno para a complexidade de nossa capacidade para criar fico. No se

    trata apenas de um tipo de diverso, mas de uma cumplicidade no modo como

    compreendemos a ns mesmos e como nos comportamos como animais sociais:

    No h como entender uma sociedade, inclusive a nossa, seno pelo acervo de histrias que constituem seus recursos dramticos fundamentais. A mitologia, em seu sentido original, est no mago das coisas. Vico estava certo, assim como Joyce. E assim tambm, por certo, a tradio moral das histrias de heri para seus herdeiros medievais, segundo as quais a contao de histrias uma pea-chave na educao das virtudes. (1981, p. 201)

    As histrias so boas para nos educar nas virtudes porque elas no apenas

    transmitem informao e descrevem eventos e aes, mas porque tambm envolvem

    nossas emoes. Desde Plato, o poder que as histrias tm de atrair e manter a

    ateno dos seus ouvintes evidente. E esse poder que deixa alguns receosos ou

    temerosos, particularmente na educao de jovens. As poderosas histrias que h no

    mundo no descrevem, simplesmente, uma variedade de qualidades humanas, mas

    de alguma forma elas fazem de ns uma parte dessas qualidades. Elas nos fazem

    perceber e sentir como seria se essas qualidades fizessem parte de nossas vidas.

    Nesse sentido, as histrias so a ferramenta que temos para mostrar aos outros

    como nos sentimos e mostrar a ns mesmos como os outros se sentem. A histria,

    em suma, a habilidade de trocar experincias (Benjamin 1969, p. 83). Tais

    histrias se tornam, simplesmente, uma parte de ns mesmos; como Rober Coles, ao

    citar certa vez um de seus estudantes: numa histria , como diz na Bblia, o

    verbo se fez carne (Coles 1989, p. 128).

    Ao sentir, imaginativamente, como seria ser outra pessoa, desenvolve-se um

    pr-requisito para se tratar os outros com o mesmo respeito com que se trata a si

    mesmo. O preconceito, em suas formas religiosa, de classe ou racial, to comum,

    pode ser visto, pelo menos em parte, como uma falha do desenvolvimento

    imaginativo.

    O poder que a histria tem de engajar a imaginao e contribuir, assim, para

    a tolerncia e para o senso de justia precisa ser contrabalanado, certamente, pelo

    seu poder de fazer tambm o oposto. Se a histria, por exemplo, fala da

  • superioridade ariana e da salvao nazista, ento ela pode igualmente prender a

    imaginao e levar justamente ao contrrio da tolerncia e da justia social.

    Qual a preveno contra esse tipo de abuso? H duas. A mais trivial,

    recomendada por Plato e desde ento por muitos outros, a de que sejamos

    cuidadosos em contar s crianas histrias politicamente corretas. A forma de

    proteo mais importante vem do estmulo imaginao por meio de um acervo rico

    e variado de histrias, como foi sugerido na seo anterior. A vulnerabilidade a

    histrias como s do nazismo o resultado, pelo menos em parte, de uma mente no

    familiarizada e no refinada pelo acervo de histrias que constituem os recursos da

    cultura. A importncia da familiaridade com o acervo de histrias e com o

    refinamento que elas trazem que a pessoa passa a compreender a ficcionalidade

    das histrias. A histria nazista afeta apenas as pessoas que no entendem a fico

    e como ela funciona. No que essa seja uma lio fcil produzir claras distines

    entre nossas fices e nossa realidade mas o grau de intensidade com que nos

    familiarizamos com o a gama de histrias disponveis em nossa cultura, nesse grau

    criamos antdotos contra a confuso entre fico e realidade.

    A literatura comumente vista como parte do currculo pelo qual nos

    familiarizamos com algumas das grandes histrias da nossa cultura. Os defensores

    do valor educacional dos estudos literrios tambm geralmente argumentam que

    eles podem estimular as virtudes sociais. Northrop Frye, com certeza, defende

    eloqentemente esse ponto de vista. Depois de mostrar os vrios modos como a

    literatura estimula e desenvolve a imaginao, ele conclui:

    uma dos mais utilidades mais bvias [da imaginao] o estmulo tolerncia. Na imaginao, nossas prprias convices so apenas possibilidades, e tambm podemos ver as possibilidades na f dos outros... o que produz tolerncia o poder de distanciamento pela imaginao, onde as coisas so removidas para fora do alcance da crena e da ao. (1963, p. 32)

    Se por um lado a literatura tem indubitavelmente tal papel no estmulo a

    algumas virtudes sociais, por outro lado creio que ns tendemos a esquecer que,

    entre as grandes histrias da nossa cultura, esto aquelas expressas em nossa

    cincia, e matemtica, e histria, e assim por diante. A matemtica e a cincia

    podem, se ensinadas imaginativamente, construir uma narrativa que oferece ao

    estudante um contexto no qual sua vida e seu ser se tornam objetos de

  • conhecimento ao lado de outros objetos no mundo. A narrativa de nossa cincia pode

    tambm contribuir grandemente para aquele distanciamento pela imaginao que

    pode levar tolerncia e justia.

    Imaginao e liberdade

    Algumas das histrias mais antigas das tradies hebraicas e gregas associavam a

    imaginao a atos de desobedincia que objetivavam ampliar ou causar a ampliao

    dos poderes humanos, em particular o poder de imaginar e planejar um futuro

    diferente do passado. Estou pensando especificamente em Ado e Eva comendo o

    fruto da rvore do conhecimento e em Prometeu roubando o fogo dos deuses. Essa

    percepo de ser capaz de fazer escolhas e de tornar o mundo mais semelhante ao

    que o corao humano deseja tem sido considerado central ao que h em ns e que

    nos faz sentir mais livres do que supomos que os animais e vegetais so. Suas vidas

    parecem mais determinadas ou condicionadas pela herana gentica e pelo meio

    ambiente. Ns tambm somos igualmente controlados, certamente, no entanto

    acreditamos que haja alguma parte de ns que pode planejar e modelar nosso

    comportamento dando a impresso de certa liberdade.

    Num nvel elementar, isso evidente no devaneio. Posso imaginar-me mais

    alto, mais belo, mais rico, mais poderoso, mais forte at do que realmente sou uma

    prodigiosa faanha da imaginao segundo a tradio de Walter Mitty. Sem dvida,

    algum defeito gentico ou privao ambiental passada pode me predispor a esse tipo

    de devaneio, mas posso escolher ser louro, em meu devaneio, em vez de moreno, ou

    mesmo calvo. A sensao de liberdade nessas escolhas, e nas cenas que podemos

    projetar em nosso cinema mental interno, pode ser at certo ponto ilusria. Se de

    fato ou no, trata-se de uma capacidade conectada com nossa habilidade de

    imaginar um futuro diferente e planejar e criar as condies para tal futuro

    diferente. Mudar o mundo ao nosso redor do modo que achamos desejvel e

    satisfatrio certamente uma capacidade importante. isso o que nos d o senso de

    liberdade, ilusrio ou no, e ns evidentemente valorizamos isso. Como se trata de

    uma capacidade cuja fora ou fraqueza afeta a fora e a fraqueza de nossa

    imaginao, ento claramente vamos querer fortalecer nossa imaginao para

    desenvolver nosso senso de liberdade e os poderes que o acompanham. Uma

  • imaginao bem desenvolvida ajuda-nos a sentir indomveis pelo hbito,

    inabalveis pelos costumes, nas belas palavras de Coleridge.

    A imaginao o que nos permite vislumbrar possibilidades em e alm das

    realidades em que estamos imersos, como Hanson resume o argumento de Sartre

    sobre o papel da imaginao em nosso senso de liberdade (1988, p. 138). Temos

    muitos relatos de sobreviventes de catstrofes e situaes terrveis que

    eloqentemente creditaram sua sobrevivncia s suas possibilidades de visualizar

    algo alm da realidade na qual estavam inseridos. Prisioneiros, e especificamente

    sobreviventes de campos de concentraes, tm dado testemunho consistente de

    que, apesar das privaes mais terrveis, a imaginao pode preservar um

    vivificante senso de liberdade mental.

    Hanson oferece mais um argumento, de certa importncia para a educao:

    A imaginao, ento, deve ser valorizada e estimulada por causa da sua ligao

    com a liberdade; mas, como geralmente acontece, esse exerccio de liberdade ser

    mais produtivo se for disciplinado (1988, p. 139). Embora possamos valorizar a

    capacidade mental expressa no devaneio, podemos logicamente concluir que seu

    exerccio apenas no devaneio um desperdcio. Com isso no se quer diminuir a

    importncia do devaneio que parece-me geralmente uma atividade agradvel at

    bem mal interpretada. Mas a imaginao precisa tambm estar conectada com a

    realidade. As disciplinas que temos desenvolvido para tentar manter um senso de

    realidade so reas dentro das quais a imaginao pode ser disciplinada. Isto , a

    fsica, a matemtica e a histria, por exemplo, no so disciplinas para serem

    aprendidas separadamente do nosso desenvolvimento imaginativo. A imaginao

    tem que se desenvolver nessas disciplinas, para que sua apropriao do mundo seja

    enriquecida com significado, e a imaginao pode reconhecer e trabalhar nos limites

    da apropriao que elas podem fazer da realidade.

    Imaginao e conhecimento objetivo

    A imaginao geralmente vista como distinta de quaisquer atos mentais

    envolvidos em nossas tentativas de ganhar conhecimento objetivo. O profundo senso

    de imaginao que herdamos, contudo, parece-nos levar a crer exatamente no

    oposto. A imaginao, ento, deveria ser mais apropriadamente vista como uma de

  • nossas maiores ferramentas na busca do conhecimento objetivo, e na verdade como

    aquilo que estabelece as prprias condies da objetividade.

    Um caminho para justificar essa viso ainda incomum pode ser tomado

    atravs de um argumento apresentado por Ruth Mock:

    Nas artes e nas cincias, a imaginao criativa demanda que o indivduo liberte-se de suas preocupaes imediatas e associe-se com o meio que est usando a tinta, a madeira, ou a pedra para o pintor ou escultor, as palavras para o escritor, os sons para os msicos ou os fatos para os cientistas de modo que assim ele cria uma nova forma que pode ser inesperada at para ele mesmo. (1970, p. 21)

    O que importante em meu argumento a observao sobre a capacidade

    que a imaginao tem de habitar, na mesma medida, os objetos externos com os

    quais ela se envolve. Podemos nos ver entalhando a pedra, por exemplo. Mas o

    entalhador experiente com uma imaginao bem educada estende-se mentalmente

    at o material que est sendo trabalhado, e sabe como quebrar aqui e no ali,

    como uma batida aqui vai desviar o que est em baixo, e assim por diante. Quer

    dizer, o escultor imaginativo ou o matemtico ou o historiador ou quem quer que

    seja torna-se, num sentido curioso, um com os materiais que ele ou ela est

    trabalhando. Eles sentem, num alto grau, algo que Michael Polany descreveu como

    parte do conhecimento tcito (Polanyi, 1967) que sentimos atravs das

    ferramentas e objetos com que trabalhamos; eles se tornam extenses de nossos

    sentidos e dessa forma so incorporados nossa imaginao. E isso no quer dizer

    apenas que a pedra, suponhamos, torna-se uma extenso de ns mesmos, mas que

    ns nos tornamos uma extenso da pedra; nossa mente conforma-se com a natureza

    dos objetos que busca incorporar, sejam esses objetos pedra e tinta, ou smbolos

    matemticos, ou eventos histricos, ou fenmenos astrofsicos. O mundo no se

    resume aos objetos l fora; at onde podemos saber, o mundo est dentro de ns por

    meio daquele curioso arranjo recproco pelo qual estendemo-nos nele

    imaginativamente.

    Bem, esta linguagem parece estranha, por certo, mas isso porque no

    podemos adequadamente descrever at mesmo as mais simples funes da nossa

    mente de modo totalmente claro, e aquelas mais complexas podem somente ser

    apontadas ou indicadas por meio dos termos vagos citados acima, na esperana de

  • que outros venham a achar as marcas e indicaes suficientes para reconhecerem

    em sua prpria experincia o que significam.

    Qualquer rea do conhecimento, habilidade ou prtica tem seus prprios

    requisitos para garantir alguma forma de objetividade; cada rea tem suas regras

    distintas, estruturas, formas, natureza, de tal forma que nosso entendimento

    feito, at certo ponto, conformando nossas mentes a elas. E enquanto em cada rea

    do conhecimento, da habilidade e da prtica esses requerimentos so diferentes, o

    que h de comum entre eles todos seu apelo imaginao. A objetividade est na

    capacidade imaginativa de se habitar as formas dos materiais, do conhecimento, da

    habilidade ou da prtica com a qual se trabalha.

    Penso que essa conexo entre imaginao e objetividade apoia-se na conexo

    que geralmente fazemos entre objetividade e estar livre de preconceito ou ser como

    um justo juiz. Prezamos ter algum objetivo e livre de preconceitos decidindo muitos

    assuntos de interesses conflitantes. Tal objetividade aproxima-se da capacidade

    imaginativa de ver o mundo a partir do outro e no da perspectiva limitada dos

    prprios interesses. E isso essencial no apenas em relao s virtudes sociais

    mencionadas anteriormente, mas um componente necessrio para entender

    adequadamente qualquer rea do conhecimento. Desse modo, o desenvolvimento

    dessas capacidades imaginativas que do suporte objetividade importante para

    a educao.

    Imaginao e emoo

    A importncia do desenvolvimento emocional na educao sem dvida evidente, e

    as conexes entre a emoo e a imaginao so mais evidentes ainda, mesmo no

    sentido restrito de imaginao, comum nos escritos sobre educao. Ainda que as

    pessoas sejam extremamente habilidosas e cheias de conhecimento, se elas no tm

    maturidade emocional ns as reconhecemos como inadequadamente educadas. A

    imaturidade emocional um dano que se infiltra em todos os aspectos da vida da

    pessoa. Sugerir que a imaturidade emocional no interfere no desenvolvimento da

    racionalidade aceitar, como tem sido bastante comum, o sentido seco de

    racionalidade que tem sido to destrutivo para a educao durante o sculo XX.

    Esse sentido seco de racionalidade tem sido o foco da maioria das atividades

  • escolares, e a crena de que razo e emoo so partes separadas de nosso ser tem

    permitido que tudo o que afete a nossa vida emocional seja tornado secundrio.

    Tomar a imaginao a srio traz baila a questo das pressuposies que tm

    sustentado o desprezo pelas emoes na escola.

    O discurso da educao parece sugerir que temos em ns uma parte

    intelectual e uma emocional, ou uma parte cognitiva e uma afetiva, e que elas

    podem ser claramente separadas. Operacionalmente, pelo menos, parece que a

    escola tem sido responsvel pela parte cognitiva ou intelectual. Algum pode,

    claro, tentar ignorar a dimenso afetiva, vamos supor, da matemtica e tratar essa

    rea da experincia humana como uma srie de procedimentos puramente

    cognitivos a serem aprendidos. O que se consegue com isso no mximo fazer da

    matemtica algo de valor meramente utilitrio e destruir seus demais valores

    potenciais para nossas vidas. A grande maravilha e diverso da matemtica est

    vastamente destruda na escola para quase todos, incluindo para aqueles que so

    bons quando ensinada de modo tipicamente seco. Alguns poucos sortudos podem

    descobrir na idade adulta o prazer da matemtica, mas para a maioria ela

    permanece apenas como algo que til para se fazer mudanas ou cuidar da

    contabilidade.

    A terra desolada chamada matemtica escolar talvez a mais bvia vtima

    da tentativa de separar algo considerado como racional, cognitivo, intelectual da

    imaginao e da emoo. O resultado disso um desastre, porque baseia-se em

    falsas pressuposies sobre o aprendizado humano. A nossa tarefa no

    simplesmente destacar que a matemtica uma paixo que pode se tornar

    interessante e significativa apenas quando a imaginao dos estudantes faz contato

    com a paixo ali contida. O problema que a prpria linguagem do discurso

    educacional est to infectada com suposies e pressuposies que precisam ser

    totalmente removidas e desafiadas que as pessoas tm grande dificuldade em

    conceber como a matemtica poderia ser diferente do que hoje. Para a maioria das

    pessoas, a matemtica o que est nos livros didticos. Como se pode re-injetar

    imaginao e emoo em tal matemtica uma incgnita, porque os livros didticos

    pressupem que a imaginao e a emoo so totalmente irrelevantes para a

    matemtica. Essa crena persiste a despeito da evidente paixo e da genialidade

    imaginativa das pessoas que geraram o conhecimento matemtico que jaz

  • embalsamado nos livros didticos.

    A separao entre emoo e intelecto, j argumentei, tem sido

    educacionalmente ineficiente. Precisamos recapturar o senso de imaginao de

    Wordsworth como a Razo em seu estado mais elevado (The Prelude, XIV, p. 192),

    e ver a fora da observao de Frye de que combinao entre emoo e intelecto

    chamamos imaginao (1963, p. 57). Tomar a imaginao a srio na educao nos

    faz transcender a diviso entre intelecto e emoo e perceber ambos juntos em todas

    as reas do conhecimento e em todos os aspectos da educao. Nossas vidas

    emocionais esto ligadas nossa imaginao, que est ligada ao nosso intelecto. O

    aprendizado imaginativo, portanto, inevitavelmente envolve as nossas emoes. A

    imaginao importante para a educao porque nos fora a reconhecer que formas

    de ensino e aprendizado que esto desconectadas com as nossas emoes so

    educacionalmente estreis.

    Todavia, no pretendo sugerir que as aulas tpicas do futuro sero

    inundadas de lgrimas, lamentos e alegrias incontrolveis o dia inteiro. Ao

    contrrio, qualquer que seja o contedo, dever ser de alguma forma ligado s

    emoes dos estudantes, ou as emoes humanas que geraram o contedo em

    primeiro lugar ou que esto ligadas a ele de qualquer forma precisam ser parte do

    que trabalhado sala de aula.2

    Visualizao, originalidade e criatividade

    Esses trs tpicos esto sendo reunidos numa nica e breve seo. No incio deste

    ensaio observei que todos so em geral a favor da imaginao e, ao que parece, a

    associao da imaginao com a visualizao, a originalidade e a criatividade que

    provavelmente explica o enorme apoio ao seu desenvolvimento em educao. Se

    passo por esses tpicos apenas com uma breve meno, no porque os considero de

    menor importncia, mas simplesmente porque a sua importncia, e a sua conexo

    com a imaginao, parecem estar amplamente reconhecidas.

    Ted Hughes j observou que a palavra imaginao geralmente denota nada

    mais que a faculdade de criar um quadro em nossas cabeas e mant-lo l enquanto

    2 Em outro texto eu tento mostrar como isso pode ser realizado no dia a dia: Egan, 1986, 1988, 1990.

  • pensamos nele (1988, p. 35). Esse sentido comum, restrito, de imaginao denota

    uma faculdade que pode ser desenvolvida pela prtica, e que j tem sido

    incorporada a vrias tcnicas de valor educacional. O professor pode encorajar os

    estudantes a formar imagens mentais seja qual for o assunto da lio, concentrar-se

    nas imagens, elabor-las ou mov-las, e ento voltar escrita ou experimento ou

    qualquer que seja a atividade apropriada. H muitos registros na literatura

    educacional mostrando quo estimulante esse tipo de exerccio de visualizao pode

    ser. O professor pode fazer sugestes para que o estudante elabore ou faa imagens

    mentais mais precisas, mas um ingrediente importante um tempo de silncio. Um

    desenvolvimento semelhante da capacidade bsica de formao de imagem est

    disponvel na tcnica comumente chamada de Imagem Guiada. Ela usada mais

    em estudos sociais, como se pode depreender da literatura sobre o assunto. Nesse

    caso, como o nome sugere, as imagens so estimuladas pelas descries de um

    professor, e os estudantes seguem um relato verbal que detalha a viso, sons,

    paladares e cheiros, criando para si mesmos uma projeo cinemtica interna o

    mais vvida possvel. Descobri que essa forma especfica de engajamento da

    imaginao, com contedo histrico em particular, pode ser imensamente

    estimulante para os estudantes.

    A importncia da originalidade e da criatividade e seu ntimo

    relacionamento com a imaginao j esto suficientemente estabelecidos, de modo

    que no preciso acrescentar mais nada. Talvez eu possa, contudo, retirar algo. O

    que tem se sido aceito como exemplo de originalidade e criatividade parece mais,

    para mim, uma novidade descontextualizada. Isso mais evidente nos chamados

    testes de criatividade. O que eles testam parece ser a habilidade de expressar,

    sem qualquer contexto significativo ou propsito produtivo, novas expresses ou

    idias ou usos para objetos (Barrow, 1990). Embora isso possa obviamente requerer

    imaginao, parece no haver a qualquer apelo imaginao criativa. O estmulo

    rpida mudana de foco e novas imagens parece tanto desencorajar quanto instigar

    a criatividade. Como Brian Sutton-Smith afirmou: essa incessante distrao de

    fato inibe o real desenvolvimento da criatividade ao constantemente distrair as

    crianas de estmulo ao outro, impedindo a concentrao e a familiaridade que a

    criatividade requer (1988, p. 17). Pelo menos pode-se estar alerta quanto a testes

    que incorporam concepes de imaginao e criatividade que no dispem de grande

  • parte das caractersticas complexas exploradas acima.

    Concluso

    Na tentativa de apresentar razes pelas quais a imaginao importante para a

    educao, inclui uma vasta gama de aspectos. Talvez alguns de vocs entendam que

    inclu coisa demais, e que o resultado disso uma noo de que imaginao est

    envolvida em tudo o que tem importncia educacional. Tal leitura de minha

    inteno no estaria equivocada, mas eu argumentaria que essa noo no inclui

    muita coisa. Na verdade, penso que a imaginao deveria perpassar toda a

    educao. Tal viso seria difcil de aceitar somente se pensamos em imaginao

    como uma coisa, como uma parte peculiar e distinta da mente. Mas se a vermos

    como um tipo especial de flexibilidade, energia e vivacidade que pode permear todas

    as funes mentais, como se fosse um estado da mente, ento seu papel em todos os

    tpicos que mencionei acima se torna fcil de entender. Ser imaginativo, ento, no

    ter uma funo especfica altamente desenvolvida, mas ter capacidade

    aprimorada em todas as funes mentais. No , em particular, algo distinto da

    razo, mas sim o que d flexibilidade, energia e vivacidade razo. Ela torna toda a

    vida mental mais significativa; faz a vida ser mais abundante. John Dewey

    expressou essa permeabilidade da imaginao da seguinte maneira: A imaginao

    uma parte da atividade humana to normal e integral quanto o movimento

    muscular (1966, p. 237).

    Uma comparao de nossa rica concepo de imaginao com o Romantismo

    e o romance merece uma breve nota final. Uma das imagens romnticas centrais a

    da jornada herica como uma alegoria de nossas vidas. Pode ser til deixar essa

    imagem colorir nossa idia de uma educao mais imaginativa do que a que est

    disponvel hoje em dia. O processo educacional seria ento visto, apropriadamente,

    como uma jornada herica, cheia de surpresas, mistrios, perigos, obstculos, e

    assim por diante. Embora a escola de hoje no possa evocar tal imagem

    imediatamente, a educao como uma jornada herica nos d uma idia de direo

    para onde podemos tentar dirigir as escolas. E aqueles que gostariam que a escola

    fosse, para os estudantes, como uma jornada herica e imaginativa talvez

    encontrem motivao vendo suas lutas atuais tambm como uma jornada herica,

  • atravs do emaranhado da desgastada linguagem educacional e dos obstculos dos

    compromissos institucionalizados com a conformidade e a utilidade, na direo de

    algo excelente.

    Referncias

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