Por que África?5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... ·...

52
Por que África? Por que África? Para uma introdução das relações internacionais do PT com o continente

Transcript of Por que África?5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... ·...

Por queÁfrica?Por queÁfrica?

Para uma introdução das relaçõesinternacionais do PT com o continente

Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores –Brasil – www.pt.org.br

Iole Iliada Lopes – Secretária de Relações Internacionais do PT

Coordenação e revisão: Beluce BellucciRevisão: Luiz Carlos FabbriDiagramação: Sandra Luiz Alves

Equipe da Secretaria:Edma Valquer ([email protected]); Fábio El-Khouri ([email protected]); Terra Budini([email protected]); Wilma dos Reis ([email protected]); Valter Pomar – Membroda Direção Nacional e Secretário Executivo do Foro de São Paulo ([email protected]).

PARTIDO DOS TRABALHADORES – Integrantes da CEN para o biênio 2010/2014Comissão Executiva Nacional (CEN) – (Direito a voto e voz)Rui Falcão – Presidente; José Guimarães – Vice-presidente; Fátima Bezerra – Vice-presidente; Elói Pietá – Secretário Geral; João Vaccari Neto – Secretário deFinanças; Paulo Frateschi – Secretária de Organização; André Vargas – Secretáriode Comunicação; Renato Simões – Secretário de Movimentos Populares; JorgeCoelho – Secretário de Mobilização; Carlos Henrique Árabe – Secretário de Forma-ção Política; Geraldo Magela – Secretário de Assuntos Institucionais; Iole Ilíada Lopes– Secretária de Relações Internacionais; Humberto Costa – Líder do PT noSenado; Paulo Teixeira – Líder do PT na Câmara; Maria do Carmo Lara –Vogal; Benedita da Silva – Vogal; Mariene Pantoja – Vogal; Arlete Sampaio –Vogal; Virgílio Guimarães – Vogal; Fátima Cleide – Vogal

Membros observadores da CEN – (Direito a voz e sem direito a voto)João Felício – Secretário Sindical Nacional; Valdemir Rodrigues Pascoal – Secre-tário Nacional da Juventude; Edmilson Souza – Secretário Nacional de Cultura; JúlioBarbosa – Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento; Laisy Moliére– Secretária Nacional de Mulheres; Cida Abreu – Secretária Nacional de Combateao Racismo; Elvino Bohn Gass – Secretário Nacional Agrário

São Paulo – Rua Silveira Martins, no 132, Centro, CEP 01019-000São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] – Tel. (+5511) 3243-1377

Fax (+5511) 3243-1359.

Brasília – SCS Quadra 2 – Bloco C – no 256 – Edifício TouficCEP 70302-000 – Brasília-DF, Brasil. Tel. (+5561) 3213-1373/1423

Fax (+5561) 3213-1397

Índice

Apresentação ........................................................... 5

A África e o PT: breve históricoe propostas de atuação política................................. 7

As macro-regiões do continente africano ............................ 19

A diversidade histórica, política e cultural da África ............. 28

Economia, conflitos e migrações como temas de reflexão ... 33

Notas ................................................................................. 38

Referências bibliográficas .................................................... 39

Anexos ................................................................... 41

Os autores.............................................................. 51

4

Por que África?

5

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Apresentação

A história da relação entre Brasil e África remonta à alvorada daconstituição da modernidade capitalista e da formação de um siste-ma econômico de caráter global. Tão antiga, no entanto, ela foiconfiscada por nossos modelos culturais e educacionais eurocêntricos– os mesmos que tornaram, por muito tempo, esse Continente demuitas geografias e muitas sociedades quase invisível para o povo bra-sileiro, revelando-o apenas sob o manto do preconceito e dos estereó-tipos. Só em 2003, a partir da luta dos negros e negras do país, apro-vou-se a lei que determina a obrigatoriedade do ensino da história eda cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares.

Tal lei não foi o único avanço nos últimos anos, no que se referea esse necessário desvelar da África para o Brasil. As políticas imple-mentadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva visando ampliaras relações políticas e econômicas com os países africanos contribuí-ram para colocar aquele Continente em evidência, dessa vez comoespaço de possibilidades e oportunidades.

No que se refere especificamente ao Partido dos Trabalhadores, aresolução aprovada no 3o Congresso, e que foi reafirmada pelo 4ºCongresso, ressaltou a importância da ampliação das alianças e rela-ções Sul-Sul, com vistas a diminuir a dependência dessas naçõescom referência aos países centrais e democratizar os organismos eco-nômicos e políticos internacionais. Nessa direção, o PT estabeleceu,como uma das prioridades de sua política internacional, “o fortaleci-

6

Por que África?

mento das relações com o continente africano, baseadas na coopera-ção e em nossos laços históricos e culturais”.

Esse é o contexto que emoldura a presente contribuição da Secreta-ria de Relações Internacionais a esse debate, elaborada por BeluceBellucci e Luiz Carlos Fabbri, dois membros de nosso Coletivo que,mais que estudar a África, encontraram ali, em tempos tristes da his-tória brasileira, um abrigo e um espaço para o exercício da política.

Esperamos que os olhares de Bellucci e Fabbri possam nos ajudara fazer essa travessia do Atlântico Sul, nos tornando mais próximosdo Continente Africano e de toda sua complexidade e diversidadehistórica, política e cultural.

Iole IliadaSecretária de Relações Internacionais do PT

7

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

A África e o PT: breve históricoe propostas de atuação política

Beluce Bellucci — Luiz Carlos Fabbri

A história do PT tem sido marcada por ações no plano internaci-onal, ancoradas numa visão internacionalista e voltadas para a cons-trução de um amplo leque de relações com partidos e organizaçõespolíticas progressistas de todo o mundo. De modo geral, essas rela-ções se plasmaram por meio de reflexões conjuntas com parceirosinternacionais sobre as mudanças políticas profundas que começa-ram a ocorrer no mundo pós-guerra fria, e a consequente necessida-de de intercambiar experiências e propostas de estratégias de lutacontra as novas formas de hegemonia e em favor de sociedades maisjustas e igualitárias e um novo modelo de socialismo.

Nos anos de formação do PT, basicamente ao longo da década de1980, as relações internacionais tiveram um veio predominantementeeuropeu e latino-americano, com um forte componente de solidari-edade. Progressivamente, com o sucesso obtido nas eleições presi-denciais de 1989 e a conquista ulterior de várias prefeituras, as rela-ções internacionais foram-se concentrando na América Latina, comdestaque para a criação do Foro de São Paulo em 1990. De igualmodo, cresceram as relações com o Partido Comunista da China ecom um diversificado arco de organizações de outros países, assimcomo associações e correntes políticas internacionais.

No entanto, poucos contatos ocorreram ao longo desse períodocom a África, com exceção da África do Sul, em parte pela dificulda-de em compreender e incorporar as mudanças políticas que ocorri-

8

Por que África?

am no continente e, em parte, pela perda de ímpeto dos movimen-tos progressistas que haviam comandado as independências africa-nas, o qual coincide com os anos de formação do PT e se acentua aolongo da década de 1990.

Hoje, a situação mudou radicalmente. A política externa do go-verno Lula deu uma grande prioridade à relação com países africa-nos, ampliando o comércio externo, que alcançou US$ 9 bilhões em2009, estabelecendo alianças em torno de temas de interesse co-mum, desenvolvendo a cooperação com inúmeros países, particu-larmente os de expressão portuguesa, e apoiando posições e deman-das africanas junto às instâncias internacionais.

As relações do Brasil com a África cresceram de tal maneira nosúltimos anos que, segundo dados do Itamaraty, o país possui hojerelações diplomáticas com todos os 52 países africanos, dos quais 21dispõem de embaixadas ou delegações no Brasil e 8 se encontram àespera de designação de embaixadores, num total de 29 representa-ções permanentes. Por sua vez, são 35 as representações brasileirasna África, incluindo embaixadas e alguns consulados.

Paralelamente às relações de cunho estatal, outros atores estãocada vez mais entrando em cena, como governos subnacionais, gran-des empresas públicas e privadas e organizações da sociedade civil,tais como universidades, confissões religiosas, organizações não go-vernamentais e outras, com a consequente disseminação de infor-mações sobre a realidade africana e a gestação de novos interesses noseio da sociedade brasileira.

No próprio Partido, o interesse é crescente, como o demonstramvárias atividades da Secretaria de Relações Internacionais, o incenti-vo ao desenvolvimento de relações com organizações políticas e go-vernos locais e a própria decisão de realizar um ciclo de semináriossobre África.

9

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Cabe, contudo, indagar-se sobre as razões para este ciclo de semi-nários que propomos, ou seja, por quê África para o PT, como orga-nização política e como Partido com ampla atuação governamental.A seguir, enumeramos e especificamos algumas razões que justifi-cam o crescente interesse do PT pela África e a necessidade de seuestudo.

1) “Nada do que é humano deve deixar-nos indiferentes”.No caso da África, trata-se de uma dimensão da humanidade que

tem tudo a ver conosco. Em primeiro lugar, pela própria composi-ção racial da sociedade brasileira, formada por grande e crescentecontingente de afrodescendentes. Devido à diferença nas taxas defecundidade entre população branca e não branca, projeta-se que ¾da população brasileira estará constituída por negros e pardos em2050. Além disso, a formação histórica do Brasil e da África teve umcaráter combinado, resultante do compartilhamento do espaço eco-nômico do Atlântico Sul nos albores do mercantilismo, o qual erauma espécie de Mare Nostrum, interligando suas faixas costeiras.Como consequência, há uma forte identidade humana e culturalcom a África, que tende a crescer, num mundo que se globaliza,acelerando os intercâmbios de informação e os processos de comu-nicação e cooperação.

O conhecimento sobre a África nos ajuda como Partido a atuar,principalmente no plano cultural, combatendo as visões elitistas eeurocêntricas presentes na sociedade brasileira, reforçando a nossaidentidade histórica e conjugando-a à emancipação social da imensamaioria de excluídos brasileiros, quase todos afrodescendentes. Aidentidade histórica e cultural do Brasil que queremos construir temuma imbricação forte com a humanidade africana do nosso povo.

10

Por que África?

2) Orientar e fundamentar as relações internacionaiscom a África e globalmente.Este ciclo de seminários representa uma primeira contribuição para

melhor assentar as nossas relações políticas com a África. Seus temas fo-ram escolhidos com a perspectiva de gerar e propagar um conhecimentotransformador sobre a história e os desafios africanos na atualidade.

O que se pretende com isso é criar alicerces capazes de tornar asrelações do PT com a África plenas de conteúdos concretos e depossibilidades de discernimento sobre temas e estratégias políticasem curso no continente. Com efeito, e a experiência do Foro de SãoPaulo o confirma, nenhuma construção política é possível se hou-ver excessivo apego a governos ou instituições vigentes e desinteres-se ou incompreensão sobre alternativas políticas emergentes e novaspautas de mudanças, tanto no que se refere a países como a proces-sos de associação e integração mais amplos.

O conhecimento sobre África que este seminário quer estimularpoderá assim aproximar-nos deste continente e orientar as nossasrelações e as nossas escolhas para níveis de entendimento equivalen-tes aos que fundam hoje nossas relações políticas com organizaçõeseuropéias ou latino-americanas.

3) Avaliar as estratégias e propostas de organizações emovimentos populares africanos, do ponto de vistade seu caráter, efetividade e viabilidade.Diversamente do que ocorria no campo dos partidos de esquerda

no passado, que se inseriam em estratégias revolucionárias previa-mente existentes, com reduzidos graus de liberdade, o PT nunca sefiliou a correntes ou doutrinas comandadas no plano internacional.

É, portanto, parte importante de sua forma de atuar e de suaexperiência formar uma opinião própria sobre cada uma das organi-

11

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

zações políticas que preconizam transformações sociais, com genuí-no interesse pela história de cada uma, suas visões de mundo e suaspropostas. O conhecimento das Áfricas, de suas vicissitudes e desa-fios, mas também de suas potencialidades, favorece posicionamen-tos mais bem informados não somente sobre o caráter dessas forçaspolíticas, mas também sobre a efetividade de suas estratégias numcontexto internacional que se abre cada vez mais para o multilatera-lismo, no quadro de um debilitamento das formas hegemônicas dopoder mundial.

4) Estabelecer relações políticas informadas e construtivas,incluindo formas de colaboração e apoio.Evidentemente que uma visão de conjunto sobre as forças e as

tendências políticas que apontam no sentido de mudanças progres-sistas na África constitui somente um primeiro passo, necessário paraa construção de relações políticas, a busca de parcerias e mesmo acriação de foros e mecanismos de discussão e convergência.

Há todo um conjunto de relações políticas que poderão ser esta-belecidas, em que o PT, melhor informado com respeito à África, pode-rá prestar apoio concreto e, ao mesmo tempo, cooperar, inclusive noaprofundamento sobre os grandes temas da África, de suas regiões epaíses, para os quais este Seminário somente pretende contribuir.

Nesse sentido, a experiência de trabalho acumulada pelo Foro deSão Paulo constitui sem dúvida um capital para o PT e tambémpara a esquerda latino-americana de uma maneira geral, que, comoé sabido, vai muito além das reuniões regulares, e abarca a identifi-cação de temas comuns, o debate aprofundado e multifacético sobreos desafios políticos de atualidade, a ajuda mútua e a realização deações coletivas.

12

Por que África?

5) Estabelecer relações políticas com atores decisivos.Com o crescente fracasso do neoliberalismo em todo o mundo, a

fraca legitimidade de alguns governos africanos e um novo ciclo delutas populares que se avizinha, estão surgindo cada vez mais movi-mentos em prol de mudanças políticas que possuem característicasnovas, distintas das que haviam marcado os processos de descoloni-zação e de emancipação política no passado recente.

Algumas vezes essas mudanças ocorrerão com o beneplácito de parti-dos atualmente no poder, alguns nascidos de movimentos de libertaçãonacional. Porém, cada vez mais, serão novas organizações e novos atorespolíticos e suas bases de apoio, alguns já emergindo ou em construção,que tenderão a protagonizar mudanças políticas no futuro.

Questões programáticas de reestruturação e reforma do Estado,de novas prioridades econômicas, de promoção de um desenvolvi-mento mais inclusivo e de valorização cultural farão parte das novaspautas. O estreitamento das relações político-partidárias com essesatores poderá ser um veículo de entendimento dessas lutas, de trans-missão de experiências, de aprendizado comum e, certamente, deapoio a transformações progressistas.

Não se tratará de maneira nenhuma de exportar modelos e, me-nos ainda, de impor caminhos e teorias. Deverá haver, ao contrário,um intercâmbio permanente de pontos de vista e propostas, querequerem informação e conhecimento das realidades africanas denossa parte e, por outro lado, humildade e inteligência para traduzirnossas idéias e experiências em situações concretas bastante diversas,e cooperar, mediante o diálogo e a aprendizagem conjunta.

6) Favorecer e dar suporte de conhecimento às lutascontra o racismo e pela igualdade racial no Brasil.A iniciativa de publicar a presente série de textos e de realizar

13

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

seminários sobre África ocorre sob os auspícios da Secretaria de Re-lações Internacionais, em colaboração com a Secretaria Nacional deCombate ao Racismo. Embora o foco seja o continente africano,serão exploradas, sempre que pertinente, as relações históricas doBrasil com os temas que serão abordados.

Com efeito, conhecer África na perspectiva do aprimoramento deuma política africana do PT e de sua aplicação prática, não é umaquestão alheia ao racismo incrustado na sociedade brasileira.

Em primeiro lugar, significa compreender que o racismo é umfenômeno cujas dimensões espaço-temporais transcendem nosso país,ligadas que estão à espoliação colonial da África e à urdidura de umsistema escravocrata, que esteve na base da acumulação primitivado capital e da expansão mercantil do capitalismo, e que emergiu apartir do século XV

Em segundo lugar, significa assumir plenamente nossa condiçãode país formado majoritariamente por afrodescendentes, resultanteda forma conjugada como se produziu a incorporação ao capitalis-mo da África e do Brasil (e outros países do continente americano).Ou seja, que genética e história foram momentos de uma mesmadinâmica, ainda que isso não seja evidente para todos. Uma políticaafricana do PT deve possibilitar assim uma práxis mais lúcida, tantodo ponto de vista nacional como de nossas relações externas.

Finalmente, um maior conhecimento sobre os determinantes doracismo nos permitirá superar equívocos e preconceitos contra a Áfricareal, que acabam por segmentar a unidade das forças políticas noBrasil, necessária aos processos de transformação. A luta por umavisão política profundamente anti-racista e igualitária não carece deconcessões a uma África idílica ou abstrata e a um africanismo esco-rado puramente na paixão.

14

Por que África?

7) Contribuir para a formação política dos militantesnum dos temas mais relevantes da atualidade.A formação política sobre África, além de ser objeto de uma de-

manda cada vez mais significativa em nosso meio, traduz a necessi-dade de melhorar a nossa intervenção em temas de crescente atuali-dade. A proximidade do continente africano, com quase um bilhãode pessoas, nos coloca perante a responsabilidade de conhecê-lo paratentar compreender as transformações por que está passando, ado-tando posições respeitosas e progressistas, que nos diferenciem dasposturas de cunho imperial e neocolonial que continuam a marcar asubmissão de nossas elites ao mundo exterior. Uma política africanade esquerda para o Brasil requer um direcionamento político queprojete uma nova forma de convivência e autêntica cooperação, ca-paz de representar um marco, não somente com respeito à África,mas que vá também ao encontro da enorme e ramificada diásporaafricana em todo o mundo.

8) Acompanhar e avaliar criticamente as açõesgovernamentais com respeito à África.A profusão das iniciativas do governo federal dirigidas a países

africanos e ao continente como um todo, no quadro de um estreita-mento de relações diplomáticas e econômicas, bem como a multi-plicação de ações de cooperação de entes subnacionais, colocam-nos hoje num novo patamar de responsabilidade partidária. Os di-ferentes níveis de governo e o próprio Estado brasileiro passaram aconduzir variadas ações, generosas, porém muitas vezes ingênuas;genuínas, mas abrindo caminho algumas vezes a interesses imedia-tistas; sinceras, embora podendo contribuir a perpetuar ou renovarformas de exploração e dominação a que o continente tem sidosubmetido.

15

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

É preciso, por isso, formar-se um juízo crítico informado dessasações governamentais, evitando que morra na fonte o impulso cor-dial de favorecer o desenvolvimento e as mudanças sociais nos paísesafricanos. A nossa relação com África não pode ser somenteincremental com respeito a tudo o que já se faz, agregando “mais domesmo” ao que já é feito pelos países do Norte há décadas, comresultados irrisórios. As relações que construamos deverão materiali-zar uma comunhão estratégica e apontar no sentido de parceriaspara o desenvolvimento, com ações de longo prazo e duradouras.

9) Participar da construção da política africana do PT.A ação prática com respeito à África tem antecedido a reflexão e a

formulação de estratégias políticas. A própria diplomacia brasileiraopera na África com base em diretrizes gerais, inspiradas numa visãoprospectiva do Brasil, porém com sérias lacunas de conhecimento ecom pouco ou nenhum descortínio frente ao significado das lutashistóricas de emancipação no continente.

A construção de uma política africana representa uma necessida-de prática para definir em termos concretos ações e programas quecontribuam efetivamente para transformações sociais no continen-te, indo além dos discursos voluntaristas e autocomplacentes. O PTdeverá tornar-se capaz, estudando e compreendendo a África, deavançar nesse terreno, fazendo participar um número maior de seusquadros, aprofundando a discussão política e influenciando a açãogovernamental.

10) Entender a dimensão transformadora das relaçõescom a África na política externa brasileira.A inserção subordinada do Brasil, que se encontra na própria gê-

nese da nação e que determinou um campo de prioridades alinhadas

16

Por que África?

com os interesses das grandes potências, materializou-se historica-mente na política externa brasileira em visões de mundo, padrõescomportamentais e práticas diplomáticas incompatíveis com um pro-jeto político de democratização da ordem internacional.

Embora isso esteja mudando com os novos rumos da políticaexterna, com efeitos significativos entre as novas gerações de diplo-matas, a relação do Estado com o outro e com o excluído coloca commuita ênfase a necessidade de uma reestruturação da política exter-na, transformando em profundidade seus parâmetros e seu modusoperandi. Naturalmente que isso não poderá ocorrer exclusivamentepor meio de uma autoreforma da diplomacia brasileira, exigindouma liderança informada e comprometida, capaz de inserir a políti-ca externa nas aspirações e no protagonismo do povo brasileiro.

As relações com a África têm maior potencialidade transformado-ra, porque exprimem de maneira mais cabal o outro e o excluído.Embora, por exemplo, a Ásia também represente para nós a alteridade,nela não predomina a exclusão. Por sua vez, a América Latina comregiões de grande exclusão, está muito mais próxima, regra geral, denossa formação sociocultural: é mais o nós que o outro.

11) Avaliar as ações de política externa com base numavisão própria do continente africano vis à visos interesses e a ação do governo brasileiro.O impulso inicial da retomada de uma política vigorosa para a

África no âmbito do governo Lula, apesar de sua positividade, refle-te de certa forma os interesses econômicos em jogo, as alianças quese estabelecem com diversos atores, muitas vezes poderosos e comoutro lastro histórico, bem como as fraquezas institucionais e opera-cionais de um aparelho de cooperação ainda incipiente.

O PT deve tornar-se capaz de acompanhar este processo, de ma-

17

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

neira informada e crítica, colocando-se a si próprio como ator, inter-vindo e propondo e, sobretudo, avaliando a coerência entre os obje-tivos de nossa política externa e os objetivos programáticos de nossogoverno, no que diz respeito ao desenvolvimento autônomo, à reduçãoda desigualdade social e a melhoria das condições de vida, que devemvaler tanto para o povo brasileiro como para os povos africanos.

12) Fundar e apreciar as ações de cooperação para o desenvolvi-mento num conhecimento aprofundado dos dilemas e dos desafiosafricanos vis à vis os ensinamentos e experiências brasileiras.A experiência internacional de cooperação para o desenvolvimen-

to, particularmente com a África, que se desenvolve e estrutura a par-tir dos anos 1960, está marcada por grandes impasses e fracassosrotundos, com os quais é necessário aprender. Seu estudo, aliás, devefazer parte de nosso Seminário sobre África, porque não faz sentidoignorar as análises críticas e as inúmeras propostas alternativas ela-boradas por forças de esquerda e progressistas do mundo desenvolvi-do, com base nas políticas e estratégias de cooperação seguidas emseus países. A pouca experiência brasileira não pode servir de subter-fúgio ao desconhecimento dos erros cometidos pelos que já percor-rem essas vias há muito tempo.

As ações de cooperação com a África situam-se basicamente nomarco da cooperação prestada, na linguagem utilizada pelo Itamaraty.Neste âmbito, considera-se acertadamente que governos e institui-ções brasileiras, bem como organizações não governamentais e em-presas, são portadores de conhecimentos e experiências de grandevalia para a África, o que representa uma vantagem comparativabrasileira para o crescimento da cooperação. Na realidade, porém, asua adequação às condições africanas exige grande domínio não sódas condições em que estes ensinamentos foram gerados, como co-

18

Por que África?

nhecimentos reais sobre cada país africano com o qual se coopera euma clara orientação política sobre os desafios colocados para umdesenvolvimento que beneficie realmente a população mais pobre eexcluída do continente. As mesmas opções políticas referendadaspelo povo brasileiro com respeito aos seus governos devem servir demoldura para nossa ação na África.

As ações de cooperação de maior sucesso dependem em grandemedida de uma complexa engenharia em que a base de conheci-mentos sobre a África, mas também o reconhecimento da necessida-de de adaptar e gerar novos conhecimentos numa perspectivalibertadora possui peso decisivo.

13) Contribuir para a formulação de uma política de promoçãodo desenvolvimento dos países africanos, com base em princípiose métodos de planejamento e avaliação de projetos e programas,sempre em estreita ligação com as contrapartes africanas.A magnitude dos problemas e desafios africanos não se compade-

ce de iniciativas pontuais, nascidas muitas vezes de vontades malelaboradas ou miméticas de governantes ou de ofertas de coopera-ção, com pouca articulação com o exame das necessidades reais oucom a especificação de objetivos de desenvolvimento. Este é talvez omaior ensinamento dos erros cometidos no passado pelos atores dacooperação, qual seja a da realização de projetos isolados, decididosem nível superior.

Com efeito, as demandas de cooperação devem ser trabalhadascom base em estudos setoriais, fazendo colaborar instituições brasi-leiras e africanas, gerando novos conhecimentos e propostas estraté-gicas que possibilitem estabelecer planos com metas de curto, médioe longo prazos e, subseqüentemente, projetos cuja formulação resul-te de elaborações sucessivas e aperfeiçoamentos ao longo de todo o

19

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

processo. Esta mesma moldura permite acompanhar a evolução dasações de cooperação, organizar um monitoramento conjunto do seuavanço e avaliá-las periodicamente com vista a introduzir correçõese mudanças de rumo.

14) Ampliar as possibilidades de cooperação com diversa instâncias federativas e atores sociais e institucionais.Finalmente, o conhecimento mais aprofundado da África, envol-

vendo militantes e quadros do PT que atuam em organizações emovimentos sociais e nas instituições públicas dos três níveis da fe-deração, possibilita ampliar a participação, diversificando os atores,potenciando os saberes e as oportunidades e criando as condiçõespara uma democratização das relações com a África, mediante umacercamento, uma crescente vizinhança e novas formas de sociabili-dade com a base social, ou seja incorporando essas relações ao nossoprojeto político.

As macro-regiões do continente africanoO estudo sobre África deve partir de uma visão de conjunto docontinente africano, que nos permita compreender a sua amplitudee diversidade, que sirva como marco geral para a compreensão e oaprofundamento dos temas específicos que nos interessam.

A África é um continente com mais 30 milhões de km2 e quaseum bilhão de habitantes. O deserto do Saara divide geograficamen-te o continente em duas grandes e distintas partes. A África do Nor-te, islamizada e de ocupação predominantemente árabe, com pro-cesso histórico mais homogêneo e relacionado ao Mediterrâneo, eco-nômica e politicamente. E a África sul-saariana, também conhecidacomo subsaariana ou África negra. Na parte Sul-saariana1 as diversi-

20

Por que África?

dades históricas, étnicas, culturais, econômicas, lingüísticas são enor-mes, embora boa parte da população tenha origem banta.

Podemos, ainda, dividir o continente africano2 segundo as rela-ções históricas de integração regional em: África do Norte, ÁfricaOcidental, África Central, África Austral, África Oriental e ÁfricaÍndica.

Em cada uma dessas regiões o Brasil vem se relacionando de for-ma diferenciada. Na África do Norte as prioridades têm-se concen-trado na Argélia. Na faixa atlântica, as prioridades são a Nigéria, aÁfrica do Sul e, recentemente, Angola, enquanto na costa oriental,Moçambique tem sido objeto de atenção crescente. Tudo, entretan-to, num vai e vem de intenções e ações pontuais. Com o governoLula as políticas se modificaram e poderão, se continuadas e apro-fundadas, abrir espaço para relações mais amplas, menos seletivas emais duradouras, enfocando dimensões políticas, econômicas, so-ciais e culturais, superando as considerações de afinidades históricase de interesses comerciais de curto prazo.

Mapa 1 - As macrorregiões da África

21

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

África do NorteA África do Norte, devido à predominância árabe e aos fatores histó-

ricos e linguísticos, é, muitas vezes, separada do resto do continente eagrupada ao estudo do Oriente Médio. Apresenta duas sub-regiões: aleste, o machrech, que inclui a Líbia e o Egito. A oeste, o magrebe (ondeo sol se põe), que compreende a Tunísia, a Argélia, o Marrocos, e o SaaraOcidental. Este é ocupado pelo Marrocos desde 1975, com a saída daEspanha, e enquanto não se realiza o plebiscito pelas Nações Unidaspara definir o status de país independente ou incorporado ao Marrocos,o povo sarauí luta pela sua própria independência.

Embora a África do Norte dispute a primazia geopolítica e eco-nômica com a África Austral, no momento, ela apresenta vários in-dicadores de desenvolvimento econômico-social e posição estratégi-ca (compartilha a bacia do Mediterrâneo com a Europa e o OrienteMédio) que a colocam em primeiro lugar do ranking africano. Seuscinco países estão entre os sete países africanos com maior PIB, graude industrialização e escolaridade. Com mais de 150 milhões dehabitantes, a região apresenta uma população de árabes e muçulma-nos maior que o Oriente Médio.

É a região mais homogênea do continente: de modo geral, umasó religião, o Islã, uma só língua, o árabe, e alguns propõem uma sónação, a árabe. O perfil político é marcado pela presença de Estadosantigos, alguns milenares, que permaneceram com a sua própriaestrutura representativa durante a colonização, a exemplo do Egito edo Marrocos. Já a Argélia só obteve coesão nacional a partir da guer-ra de independência (1954-1962). Os países desta região foram osprimeiros da África a obter a independência: o Egito em 1922; aLíbia em 1951; Tunísia e Marrocos em 1956 e Argélia em 1962.

Quanto à colonização, a França dominou no magrebe. Houvecolonização inglesa no Egito e italiana na Líbia. Argélia, Líbia e

22

Por que África?

Egito são grandes exportadores de petróleo. As classes dominantessão antigas, como a mercantil e a fundiária, ou são apoiadas peloEstado, como a industrial, de formação recente. Do ponto de vistadas relações internacionais, todos os cinco países da região estão en-tre os quinze mais influentes do continente.

África OcidentalA África Ocidental é composta por 16 países: Benin, Burkina-

Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, SerraLeoa e Togo. Três países, Burkina-Faso, Mali e Níger, não têm saídapara o mar, e junto com a Mauritânia e o Chade (da África Central),compõem a faixa do Sael, com períodos de seca intensos e recorren-tes e avançado processo de desertificação, sendo por isso uma dasregiões mais problemáticas da África.

Do século X ao século XVI, importantes reinos e impérios seformaram. O reino de Gana, os impérios Mali e Songhai, as cida-des-estados Hauçás e Iorubás, na atual Nigéria, tiveram seu apogeu.Foi área pioneira e de intenso tráfico de escravos para as Américas.

Foram colônias inglesas: Serra Leoa, Gana, Gâmbia e Nigéria.Ao contrário do que aconteceu com as colônias de povoamento eu-ropeu na África Austral e Oriental, a Inglaterra praticou na regiãouma colonização de exploração, sem a expulsão dos camponeses desuas terras e com pequena, mas decisiva, presença do poder metro-politano.

Cabo Verde e Guiné Bissau foram colônias portuguesas. Benin,Burquina-Fasso, Costa do Marfim, Guiné, Mali, Mauritânia, Níger,Senegal e Togo foram colônias francesas. A Libéria foi formada porescravos libertos dos Estados Unidos da América, em meados doséculo XIX, não tendo conhecido a colonização.

23

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Excetuando a Nigéria, maior produtor africano de petróleo, aregião conta com pouca produção mineral, embora os diamantes deSerra Leoa tenham influência nos conflitos da região. No aspectosociocultural, nota-se o peso político das classes mercantis oriundasda escravidão e uma presença marcante do islamismo, majoritárioem alguns países.

África CentralA África Central é constituída por dez países: Burundi, Cama-

rões, República Centro-Africana, Chade, Congo (Brazzaville), Re-pública Democrática do Congo (ex-Zaire), Gabão, Guiné-Equato-rial, Ruanda, e São Tomé e Príncipe.

A região Congo-Angola é de onde veio o maior número de africa-nos escravizados ao Brasil e a influência do reino do Congo foi fun-damental para a formação da nação brasileira.

Portugal colonizou as desabitadas Ilhas de São Tomé e Príncipe.A República Democrática do Congo (ex-Zaire) foi propriedade pes-soal do rei Leopoldo da Bélgica, sendo depois de duas décadas en-tregue ao Estado Belga. O Camarões foi colônia alemã até a Primei-ra Guerra Mundial, sendo depois entregue à tutela da França e daInglaterra pela Liga das Nações. O mesmo aconteceu com Burundie Ruanda que foram colônias alemãs até a primeira guerra e depoispassaram para a Bélgica.

A Guiné-Equatorial foi a única colônia espanhola na África sul-saariana. Os quatro países restantes – República Centro-Africana,Chade, Congo e Gabão - integraram a África Equatorial Francesa,com capital em Brazzaville, atual República do Congo.

Congo (ex-Zaire), Gabão e Camarões são ricos em minérios epetróleo. Situada em grande parte em zona equatorial, a região apre-senta fraca densidade demográfica. No domínio das relações inter-

24

Por que África?

nacionais, a República Democrática do Congo, apesar das dificul-dades internas de integração, há décadas em crise, é o país com mai-or importância geopolítica da região, por suas riquezas minerais,além de ser o mais extenso e populoso.

Todos os países desta região tiveram a independência no início dadécada de 1960, com exceção de São Tomé e Príncipe, em 1975.

África OrientalA África Oriental apresenta relações ancestrais com o mundo ára-

be e a região índica, e divide-se em duas sub-regiões: o Chifre daÁfrica e a Centro-oriental.

O Chifre da África é formado por cinco países: Etiópia, Eritréia(independente da Etiópia em 1993), Djibuti (ex-colônia francesa),Somália, colonizada em partes separadas pela Itália e pela Inglaterra, eSudão, administrado no tempo colonial por condomínio anglo-egíp-cio e desmembrado recentemente para formar o novo Estado doSudão do Sul. É no Sudão que se localiza a região de Darfur, palco deconflitos no início do século XXI. Tem uma comunidade árabe emuçulmana ao norte, e outra, cristã ou animista, no sul. A regiãoguarda importância estratégica, pelo petróleo e proximidade com oOriente Médio.

A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora não façamais parte dos 15 maiores PIB africanos por conseqüência de suadecadência econômica. Foi sede da Organização da Unidade Africa-na (OUA) e é sede da sua sucessora, a União Africana. Tem o podersimbólico de Estado Milenar. A antiga Abissínia, expandiu-se àscustas dos seus vizinhos, e nunca foi colônia de nenhuma potência,embora tenha sofrido ocupação militar italiana entre 1936 e 1941.A população se divide entre cristãos ortodoxos, muçulmanos e umapequena minoria de judeus.

25

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

A África Centro-Oriental é formada pelas ex-colônias inglesas deUganda, Quênia e Tanzânia (união da antiga Tanganica com a ilhade Zanzibar) que, no período colonial, integravam a África OrientalBritânica e até a Primeira Guerra Mundial a África Oriental Alemã.Região de cruzamento de povos árabes e asiáticos, formou a culturasuaíli, cuja língua mistura o banto e o árabe.

No campo das relações internacionais, foi a primeira região docontinente a propor a integração econômica, ainda na década de1960, com a criação do Mercado Comum da África Oriental, oKenutan, formado pelos três países citados, que, entretanto, foi malsucedido. Com o deslocamento político e econômico da Tanzâniapara a África Austral, o Quênia consolidou posição de pólo econô-mico mais importante. Sem recursos minerais expressivos, como osrestantes países da região, o Quênia tem excelente agricultura, turis-mo ecológico e a sua capital, Nairóbi, é a sede mundial do Programadas Nações Unidas para o Meio Ambiente e do Programa das Na-ções Unidas para os Assentamentos Humanos – Habitat. No iníciodo século XXI vem enfrentando problemas de governabilidade.

África AustralAtualmente, a África Austral é região-chave do continente. Apre-

senta alta integração em termos de capital, mercadorias e pessoas,sem paralelos em outras regiões da África. Contém uma das maioresreservas minerais do mundo, alguns ainda estratégicos e indispensá-veis à Europa e aos Estados Unidos. A fachada atlântica lhe confereproximidade e boa potencialidade de cooperação com o Cone Sul daAmérica Latina. A fachada do Índico a coloca em contato com oOriente Médio e com importantes países asiáticos, com quem têmlonga história de comércio e influência mútua. Onze países a com-põem: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Malaui, Moçambi-

26

Por que África?

que, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Seis nãotêm saída para o mar, circunstância que exige maior integração.

A Tanzânia é situada na África Oriental, contudo, por razões po-líticas e econômicas, ela se australizou, e hoje faz parte de todos osorganismos integrativos da região. Do mesmo modo que a Angola ea Zâmbia, que são países histórica e culturalmente pertencentes àÁfrica Central.

É a região do continente com a mais antiga e maior ocupaçãoeuropéia, iniciada em 1652, na região do Cabo. Foi a única colôniade povoamento europeu na África antes da Revolução Industrial,embora não estivesse vinculada a nenhum Estado da Europa. A in-tegração colonial começou com a Inglaterra se apossando das colô-nias bôeres (majoritariamente de população holandesa) do Cabo eNatal (1902), e de toda a União Sul-Africana, posteriormente Re-pública da África do Sul. Finalmente, agregou a Rodésia do Sul,atual Zimbábue, depois a Rodésia do Norte (hoje Zâmbia) e aNiassalândia (atual Malaui).

A Namíbia era uma colônia alemã (Sudoeste Africano) que, apósa derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, foi entregue por man-dato à África do Sul, que ilegalmente a incorporou. A outra colôniaalemã, a Tanganica, foi entregue à Inglaterra, também por mandato,e constitui hoje a Tanzânia (após fusão com Zanzibar).

Angola e Moçambique tiveram colonização portuguesa, mas man-tiveram-se sob dependência econômica inglesa durante muito tem-po, assim como Portugal. Os enclaves de Botsuana, Lesoto eSuazilândia foram protetorados britânicos na época das guerras en-tre bôeres, zulus e ingleses. As independências aconteceram na déca-da de 1960, porém Angola e Moçambique apenas em 1975. ANamíbia se tornou independente da África do Sul em 1990.

O processo contemporâneo de maior impacto na região foi o des-

27

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

mantelamento político do apartheid na África do Sul e a realizaçãoem 1994 das primeiras eleições livres e gerais, do qual saiu vitoriosoo ANC (Congresso Nacional Africano), sob a condução de NelsonMandela. Desde então o ANC domina a arena política, mas as desi-gualdades sociais ainda representam um grande desafio. No campo eco-nômico a SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da ÁfricaAustral – agrega 14 países. Nove países tem o inglês como língua oficiale dois o português. A religião cristã é a predominante, e a região abrigao maior contingente de população de origem européia da África.

África do Oceano ÍndicoA África Índica é constituída pelas ilhas de Madagascar, Maurício,

Reunião (esta integrada à França) e os arquipélagos de Comores eSeicheles. O Oceano Índico é espaço privilegiado de passagem entreo Ocidente e o Extremo Oriente. Por isso teve sempre um papel estra-tégico. Lugar de mistura de raças e civilizações, o Índico tornou-se,nas últimas décadas do século XX, um espaço de enfrentamento entreas grandes potências, sobretudo depois que as bases navais passaram ater primazia sobre as terrestres. Madagascar foi ocupada pelos france-ses no final do XIX. As ilhas Comores, Maurício e Seicheles são habi-tadas por povos de origem diversa – árabes, africanos, indianos e euro-peus – que deram origem a culturas-sínteses, crioulas, diferenciadasentre si. A República Maurícia é grande produtora de açúcar e deconfecções de alta tecnologia. É considerado um “novo país industriali-zado” da África, e se distingue por sua estabilidade política.

***De maneira geral, as fronteiras atuais dos países africanos foram

estabelecidas no processo de ocupação colonial da África, que teveinício em meados do século XIX, e durou até a Primeira Guerra

28

Por que África?

Mundial. Elas obedeceram aos princípios estabelecidos na Confe-rência de Berlim (1894-95) entre as potências coloniais, e agrupa-ram diferentes nações e etnias, ao mesmo tempo em que as dividi-ram e separaram. Após a Segunda Guerra Mundial, em função dasmudanças no sistema capitalista e como resultado das lutas antico-loniais, a grande maioria das colônias alcançou a independência noinício dos anos 1960. A exceção foram as colônias portuguesas, cujaindependência se deu em meados dos anos 1970, depois de mais deuma década de luta armada. A OUA (Organização da Unidade Afri-cana), constituída em 1961, decidiu manter as fronteiras estabeleci-das pelos colonialistas no processo de ocupação. A língua oficial namaioria dos países recém independentes foi a língua do colonizador,utilizada como fator de integração nacional. Exceções são a Somália,que manteve seu único idioma anterior, o somali, e a Eritréia, como tigrino. A Etiópia, nunca colonizada, mantém o amárico.

A diversidade histórica, política e cultural da ÁfricaNeste ponto, também de maneira ampla e abrangente, procuramosestabelecer um quadro de referência interpretativo, histórico e teóri-co, sobre a realidade africana e os seus desafios como um todo, quenos servirá como guia geral para o estudo sucessivo dos temas espe-cíficos que formarão parte do Seminário sobre África.

Tomando como referência o modo de inserção do continente nosistema capitalista internacional, é possível visualizar cinco períodosdistintos:

1. Tradicional ou pré-capitalista: dos primórdios até meados doséculo XV. Predominam as dinâmicas próprias, comunitárias, comescassas relações com o exterior do continente.

2. Mercantil-escravocrata: do século XV até fins do século XIX. Ainserção à economia mundo se dá sob a forma de exploração e sub-jugação, com o predomínio do tráfico de escravos.

29

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

3. Colonização: do final do século XIX até o imediato pós-II GuerraMundial. Inclusão do continente na divisão internacional do traba-lho mediante um papel periférico e subordinado, que tornar-se-á oponto de partida do subdesenvolvimento africano.

4. Descolonização: da Segunda Guerra Mundial até os anos 1960,início dos anos 1970. Emergência dos Estados africanos indepen-dentes e dos projetos de emancipação, num quadro de manutençãode relações de dependência.

5. Independente: das independências até o presente. Apesar dosesforços e da diferenciação entre países, prevalecem a elevada desi-gualdade, o relativo subdesenvolvimento, a sucessão de conflitos eas migrações forçadas no interior do continente.

A reflexão sobre África, conduzida por alguns de seus maioresintérpretes, permite estabelecer algumas linhas mestras, essenciaispara o entendimento do continente:

A realidade dos países africanos éextremamente diferenciada e complexa.A África combina ainda hoje diferenças extremas entre caracterís-

ticas próprias de sociedades modernas e padrões tradicionais de cul-tura e de organização social, que resultam tanto do choque causadopelo colonialismo sobre as sociedades tradicionais como da formasubordinada da inserção do continente no sistema capitalista.

Não é possível compreender a África em profundidade ignorandoessa complexidade das sociedades africanas atuais. Como assinalaKi-Zerbo, a civilização africana jamais poderá florescer à margem dadiferenciação e da complexidade social que existem na atualidade.Não podemos nos iludir com os empreendimentos de alto padrãotecnológico em alguns países, principalmente nos setores de explora-ção de recursos naturais, ou com a aparência de racionalidade ociden-

30

Por que África?

tal dos Estados em formação, ou com o usufruto de bens e serviçosavançados nas áreas de comunicação ou eletrônica, ou ainda com de-mandas simplesmente miméticas no domínio da cooperação para odesenvolvimento, por exemplo.

O substrato cultural diferenciado está sempre presente e se mostracomo um incontornável “guia de um caminho espiritual semdesenraizamento” (Ki-Zerbo, 1991), sem o qual não haverá soluçõesefetivas aos problemas ou sustentabilidade nos processos de mudança.

Por trás da modernidade africana há sempreprocessos de adaptação e hibridação.Parte da complexidade social africana está na hibridação e mestiça-

gem dos elementos que a compõe. A África jamais se submeteu inte-gralmente àquilo que lhe era estrangeiro. Ao contrário, mostrou-secapaz de apropriar-se do que vinha de fora, como as religiões ou asideologias políticas, porém sempre digerindo-as e africanizando-as.Por isso, a sua modernidade nunca segue completamente os cânonesocidentais, e as suas instituições e comportamentos, mesmo de suaselites, por mais que se aproximem de padrões modernos, represen-tam sempre remodelações e particularizações do modelo inicial, oque possibilita conservar, em grande medida, o patrimônio socio-cultural das sociedades africanas.

Por outro lado, essa hibridação complexa faculta aos africanos acapacidade de utilizar elementos arcaicos e modernos, de maneiraindistinta ou sucessiva, buscando tirar sempre o melhor proveitopara si próprios, e ancorando a sua modernidade, por paradoxal queisso possa parecer, em sua própria cultura tradicional. É algo assimcomo interrogar os ancestrais e pesquisar pela internet, a um só tem-po, em busca de respostas para os problemas que enfrenta.

Essa lógica eclética, além de completamente irracional de um ponto

31

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

de vista ocidental, poderia mesmo ser considerada antiética desteponto de vista, quando envolve a negociação de benefícios pessoaisperante as instituições, com base num quadro de valores e formastradicionais de exercício do poder.

O Estado é imprescindível para atransformação das sociedades africanas.O Estado na África repousa tanto sobre fundamentos autóctones

como sobre um processo de reapropriação das instituições de origemcolonial, inclusive sob o manto das formas mais exógenas, traduzin-do porém um dos componentes mais marcantes e irreversíveis desua modernidade atual.

Longe de representar uma obra acabada, ele funciona como umrizoma de laços pessoais e comunitários, que assegura a centralizaçãopolítica por meio de relações de amizade, de parentesco, de aliançasdiversas.

Nesse sentido, ele não é diferente do II Império no Brasil, queembora fosse burocrático e autoritário, não suprimia os poderes lo-cais, mas procurava apoiar-se neles, tornando-os intermediários, epondo em prática transações variadas, incluindo a atribuição de tí-tulos nobiliárquicos, de modo a manter o equilíbrio entre forçasconcorrentes e poder político.

Em conseqüência, os problemas e os desafios africanos são princi-palmente de ordem política e cultural e condicionam a economia. Aluta pela democracia e a forte crítica ao Estado clientelista e às elitesrentistas estão se acentuando e multiplicando nos últimos anos, exi-gindo que o Estado assuma um novo papel estratégico, e que sejadotado de um quadro institucional favorável. As brutais assimetriasinternacionais, resultantes da inadequação de modelos importados,exigem mudanças tanto no plano internacional como nos marcos

32

Por que África?

do Estado em cada país, tendo em conta as trajetórias específicas eos requerimentos de cada sociedade (Hugon, 2006).

As formas de ação e interação políticas têmdimensões tipicamente africanas.A proeminência do comunitário e de suas prescrições sobre o in-

divíduo se exprime, como uma tendência profunda, mesmo em re-lação ao poder político, através de uma multiplicidade de redes. Nestecontexto, a sucessão de eleições multipartidárias, por exemplo, nãosignifica necessariamente democratização, mesmo quando possibili-tam conter conflitos exacerbados. Por outro lado, a onipresença dasidentidades comunitárias traz um imperativo permanente de inter-câmbio, que precisa ser assumido por todos.

Isso faz com que os partidos sejam muitas vezes reconduzidos por-que são mais capazes de distribuir benefícios, resistindo, por exemplo,a medidas de austeridade fiscal. Ou mesmo de manter relações perso-nalizadas que alimentam a necessária confiança, utilizando-se do po-der e da riqueza para favorecer e redistribuir benesses em favor de suasclientelas, o que não é sempre percebido como abuso de poder oucorrupção. Em suma, as relações costumam ser personalizadas, verti-cais, e fundadas em trocas recíprocas, no seio de um ambiente comu-nitário ou de grupo, recorrentemente sob a égide de um grande chefe.O que mantém a coesão social é a capacidade de exercer um modo degoverno que mantenha esse entrelaçamento social e o mundo de sig-nificações e imaginários sociais que o acompanha.

A própria lógica capitalista fica com freqüência comprometida,na medida em que a busca do lucro pode ser contida ou suplantadapela necessidade de retribuir de imediato, com pompa e generosida-de, fazendo da ostentação da riqueza uma parte integrante de meca-nismos de representação, em benefício da comunidade, sendo, por-

33

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

tanto, fator de legitimidade política, segundo Chabal e Daloz (1999).Este comportamento revela uma primazia do curto sobre o longoprazo, que restringe as margens de manobra dos dirigentes, obrigan-do-os a tomar em conta as demandas clientelistas e nepotistas quesustentam a vontade dos atores e, portanto, a própria legitimidade,pelo menos enquanto não houver um desenvolvimento econômicoexpressivo e duradouro. Esta é a forma particular de modernidadeafricana.

Economia, conflitos e migraçõescomo temas de reflexãoFinalmente, na parte final desta introdução geral ao estudo sobreÁfrica, apresentamos de maneira sintética alguns dados sobre a atu-alidade do continente, os quais se complementam com um conjun-to de tabelas e mapas colocados em anexo.

O quadro econômico atualA África está muito longe de ser homogênea do ponto de vista

econômico. Tomando em conta as bases produtivas, os produtosexportados e o lugar ocupado por estes na economia, podemos iden-tificar três grandes tipos de dinâmicas:

Países de economia pré-industrial: especializados nas culturas de ex-portação, suas estruturas não mudaram desde a época colonial; pade-cem de grandes vulnerabilidades externas e de incapacidade crônicade acumulação (países do Sael, Chifre da África); para estes países acooperação externa tem sido imprescindível.

Países rentistas: dispõem de recursos minerais ou petróleo, o quefaz com que suas dinâmicas econômicas fiquem condicionadas àevolução e à repartição das receitas de exportação; apresentam eleva-do dualismo, com presença de multinacionais, e sofrem pressõesderivadas da segurança no aprovisionamento dos países centrais.

34

Por que África?

Países em via de industrialização: são pólos regionais, com acessoao crédito e ao investimento externo e uma dinâmica de acumula-ção semi-industrial, com frequência dependente de exportações.

Predominam na África, contudo, as economias de renda e umabaixa capacidade de acumulação. A maioria dos países africanos en-contra-se ainda sob o domínio do capital mercantil, cuja valorizaçãose dá principalmente pelo intercâmbio comercial e não pela produção.É o que alguns autores chamam de “especialização empobrecedora”.

Nos tempos atuais e de maneira crescente, o interesse pela Áfri-ca vem se concentrando em seus recursos naturais, que geram cobiçae competição entre as potências e as grandes empresas multinacio-nais. O capital natural da África representa 26% do capital totalcontra 2 a 3% no caso dos países mais desenvolvidos.

Suas terras agricultáveis estão sendo adquiridas em grande escalapor nacionais de países desenvolvidos, bem como de países emer-gentes ou produtores de petróleo, bem como pela própria África doSul, tendo em vista assegurar o abastecimento alimentar e a produ-ção de biocombustíveis.

De 30 milhões de hectares adquiridos ou alugados em três anos emtodo o mundo, mais de 2,5 se concentraram em cinco países africanos(Etiópia, Madagascar, Mali, Moçambique e Sudão). O principal com-prador é a China, que já adquiriu 29 milhões de hectares na África.

A Bacia do Congo comporta a segunda maior floresta do mundo,reserva de biodiversidade, conferindo à região um caráter estratégico.

O mundo desenvolvido e países emergentes, como a China e aÍndia, dependem das reservas mineiras e petroleiras africanas para ocrescimento e diversificação de suas economias.

Cerca de 10% das reservas de hidrocarbonetos se encontram naÁfrica e contém em geral petróleo de boa qualidade. Além da Argé-lia, Angola e Nigéria, outros países estão se tornando produtores.

35

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Contudo, em termos gerais, a produtividade da economia africa-na praticamente estagnou nas décadas de 1980 e 1990, quando ocontinente foi-se tornando cada vez mais marginal nos fluxos eco-nômicos e financeiros mundiais.

Com 12% da população mundial, a África representa hoje 1,5%do PIB mundial, 2% do comércio mundial e menos que 3% dosinvestimentos diretos estrangeiros. Sua participação no comérciomundial caiu de 6% em 1970 para 3% em 2010.

"Cerca de 1/3 da população vivendo em situação de extrema po-breza (menos de U$1/dia, ou menos de 1/4 de salário mínimo men-sal no Brasil) encontra-se na África, proporcionalmente três vezesmais pessoas nessa condição que a média mundial."

O crescimento econômico retomou no início do século XXI: me-tade dos países africanos cresceu mais que 5% entre 2000 e 2008.Vários fatores explicam este sucesso: alta dos preços das matériasprimas, aumento da ajuda pública ao desenvolvimento, redução dosencargos dos países mais endividados, melhoria da gestão financeirae o impacto das relações com a China. No entanto, não mudou oquadro de especializações das economias, nem se reduziu a pobreza.

Contudo, os efeitos da presente crise econômica mundial fizeramcom que as taxas de crescimento se reduzissem a 1,6% em média,devido à queda dos investimentos, dos empréstimos bancários, dastransferências de emigrantes, à diminuição nos preços e volumesexportados, mas também à redução dos montantes alocados à coo-peração para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os déficits ex-terno e público se agravaram.

Os efeitos da crise foram mais fortes na África do Sul e nos paísesexportadores de petróleo e produtos mineiros. No entanto, a situa-ção tende a melhorar em 2010: o Banco Mundial prevê um cresci-mento médio de 4,3% das economias africanas. Não obstante não

36

Por que África?

haja ainda dados precisos, certamente o desemprego e a pobrezacontinuarão a aumentar.

Diferentemente do que ocorria no passado, as organizações inter-nacionais têm recomendado políticas anticíclicas expansionistas, cominvestimentos principalmente em infraestruturas e nas áreas sociais,mesmo que produzam déficits orçamentários “moderados”. No lon-go prazo, preconizam uma mudança na estrutura dos investimentosem setores de uso intensivo de mão de obra e no capital humano,reforçando a educação, a pesquisa, procurando aumentar a produtivi-dade da economia. Ao mesmo tempo, recomendam atender às popu-lações vulneráveis, tendo em vista manter a estabilidade política.

No contexto atual, o papel de países emergentes, e da China emparticular, tem-se revelado crucial para a retomada do crescimento edas exportações africanas.

Panorama dos conflitosOs conflitos africanos são, sem dúvida, uma das principais causas

do subdesenvolvimento no continente, revelando claramente um cír-culo vicioso entre conflito e pobreza, cada um realimentando o ou-tro de forma potencialmente crescente.

Ao longo dos anos 1980 e 1990, 31 dos 43 Estados da África Sul-saariana viveram conflitos, envolvendo quase sempre confrontos ci-vis. Mesmo com o fim da Guerra Fria, persistiram rivalidades entreas grandes potências e o apoio a facções em disputa, cada vez maisenvolvendo recursos estratégicos ou políticas de controle do tráficode drogas e do contrabando.

Nos últimos anos houve uma redução da intensidade dos confli-tos, que se concentraram mais no Corno da África (Somália, Eritréiae Etiópia) e na África Central (República Democrática do Congo,Chade e Sudão). Na maior parte dos casos, esses conflitos se devem

37

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

à concentração do poder nas mãos de governos, à ausência de pode-res legislativos e judiciários independentes ou outros contrapoderes,à grande debilidade de partidos ou organizações políticas com iden-tidade programática e à fraqueza da sociedade civil.

Ademais, há um perigoso recrudescimento de golpes de Estado,devido principalmente a situações de perenização e abuso do poder,inclusive com recurso a mudanças constitucionais, à ausência decanais políticos de expressão e às lutas entre grupos das forças arma-das, às vezes com contornos étnicos. Embora as ditaduras unipessoaistenham praticamente desaparecido, o multipartidarismo mostrou-se com frequência uma farsa, salvo raras exceções (África do Sul,Gana, Botsuana), e a maior parte dos presidentes ou clãs políticosprocuram manter-se no poder a todo custo.

Há também um risco de envolvimento crescente de multinacio-nais que exploram recursos estratégicos em zonas de não direito,inclusive originárias do Brasil e de outros países emergentes, e suainterpenetração com milícias locais, muitas vezes ligadas ao crimeorganizado, e grupos privados de segurança. A maldição da “doençaholandesa” é real nos países mais ricos da África, e os conflitos po-dem torná-la irreversível e incurável.

MigraçõesEmbora o número de migrantes internacionais africanos tenha

passado de 9,2 a 19,3 milhões, mais que duplicando entre 1960 e2000, a sua porcentagem com respeito ao total mundial caiu de12,4% a 10,2%, e bastante mais em relação à população africanatotal, reduzindo-se de 3,2 a 1,9%.

Diferentemente do que propaga, a política racista adotada pela UniãoEuropéia, com a chamada Diretriz do Retorno, apenas 3% dos africa-nos vive fora de seus países de origem e menos de 1% vive na Europa.

38

Por que África?

Totalmente distinta é a situação dos deslocados internos na Áfri-ca: enquanto que em 2010 havia cerca de 11,8 milhões africanosque haviam migrado a outros continentes, 13,2 milhões haviam sedeslocado a outros países dentro do próprio continente africano.

Há uma enorme quantidade de africanos que se deslocam no in-terior das fronteiras de seus próprios países, em conseqüência deviolência e conflito. Segundo dados de 2009, de 26 milhões de pes-soas em todo o mundo que se deslocaram por essas razões, há 4,9milhões dentro do Sudão e 1,4 da República Democrática do Congo.

Outras razões de migrações internas são as de caráter ambiental,em conseqüência de desastres naturais ou processos de degradaçãoresultantes da ação humana. Também ocorrem migrações devidas àrápida urbanização na África: em 2050 a população urbana na Áfri-ca, hoje preponderantemente rural deverá atingir a incrível marca de60%, segundo estimativas das Nações Unidas.

De modo geral, as migrações internas são muito maiores que asexternas: há 740 milhões no mundo, quase quatro vezes maior queo número de migrantes internacionais. Cabe assinalar que o maiornúmero de migrantes no mundo de hoje não é de africanos, mas delatino-americanos.

Notas1 Trata-se de um neologismo empregado por Eduardo Devés-Valdésem seu livro O pensamento africano Sul-saariano, Educam/Clacso,2008, com o propósito de remover a conotação de inferioridade quetrás a expressão Sub-saariana, e que o adotamos.2 Baseado em O continente africano. Perfil histórico e abordagemgeopolítica das suas macroregiões, de José Maria Nunes Pereira, 2003.

39

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Referências bibliográficasBanco Mundial (1994). O ajustamento na África. Reformas, resulta-

dos e rumo a seguir. Washington D.C.Banque Mondiale (2000). L´Afrique peut-elle revendiquer sa place

dans le 21ème siècle? Washington D.C.BAYARD, Jean-François (1989). L´Etat en Afrique. La politique du

ventre. Paris :Fayard.CHABAL, P. et DALOZ, alli (1999). L´Afrique est mal partie. Du

désordre comme instrument politique. Paris : Economica.Comissão Econômica para a África (2010). Economic report on Africa

2010. Promoting high-level sustainable growth to reduceunemployment in Africa. Adis Abeba.

DAVIDSON, B. (1981). Os africanos. Uma introdução à sua histó-ria cultural. Lisboa:Edições 70.

DUMONT, René (1991). Démocratie pour l´Afrique. Paris: Seuil.FOTTORINO, E. et alli (1992). Besoin d´Afrique. Paris: Fayard.HUGON, Ph. (2006). L´économie de l´Afrique. Paris: La Découverte.KI-ERBO, Joseph (1991). História da África negra. 2 Vols. Lisboa:

Publicações Europa-América.NUNES, José Maria Pereira (2003). “O continente africano. Perfil

histórico e abordagem geopolítica das suas macroregiões”. InBELLUCCI, B. [coord.] Introdução à História da África e da cul-tura afro-brasileira. (2003). Rio de Janeiro: CEAA/CCBB-Rio.

PNUD (2009). Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009. Ul-trapassar barreiras: mobilidade e desenvolvimento humanos. NovaYork, N.Y.

World Bank (2010). Rapport Economique sur l´Afrique 2010. Wa-shington D.C.

40

Por que África?

41

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

ANEXOS

42

Por que África?

43

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Quadro 1 – África - Dados Gerais

(*) Sob ocupação marroquina, aguardando referendo da ONU.Elaborado por Bellucci, B. em 2009. População estimada 2002.

44

Por que África?

Quadro 2. PIB 2008

Rank País PIB (Milhões USD)

1 África do Sul $ 703,709

2 Egito $ 423,464

3 Argélia $ 298,448

4 Nigéria $ 216,245

5 Marrocos $ 198,785

6 Sudão $ 129,447

7 Tunísia $ 107,185

8 Etiópia $ 106,602

9 Líbia $ 93,402

10 Angola $ 91,825

11 Gana $ 70,785

12 República Dem. do Congo $ 60,165

13 Uganda $ 57,886

14 Quênia $ 54,653

15 Camarões $ 45,777

16 Tanzânia $ 37,031

17 Moçambique $ 35,781

18 Costa do Marfim $ 34,155

19 Botsuana $ 28,454

20 Zimbábue $ 28,098

21 Senegal $ 27,435

22 Guiné Equatorial $ 26,428

23 Guiné $ 25,650

24 Burkina Faso $ 22,132

25 Madagáscar $ 21,787

26 Namíbia $ 20,100

27 Mali $ 19,209

45

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Rank País PIB (Milhões USD)

28 Maurícia $ 19,015

29 Chade $ 17,861

30 Zâmbia $ 15,168

31 Ruanda $ 15,155

32 Níger $ 14,485

33 Benim $ 12,217

34 Gabão $ 11,726

35 Malawi $ 10,737

36 Togo $ 10,544

37 Mauritânia $ 7,962

38 Suazilândia $ 6,537

39 Lesoto $ 6,241

40 Serra Leoa $ 5,991

41 Burundi $ 5,913

42 República do Congo $ 5,774

43 República Centro-Africana $ 5,733

44 Somália $ 5,575

45 Eritreia $ 5,068

46 Cabo Verde $ 4,271

47 Gâmbia $ 4,114

48 Djibouti $ 2,194

49 Libéria $ 1,498

50 Guiné-Bissau $ 1,362

51 Seychelles $ 1,921

52 Comores $ 1,391

53 São Tomé e Príncipe $ 616

- Saara Ocidental N/A

Total $ 3,178,132Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB

46

Por que África?

Quadro 3 – PIB per capita 2008 (exceto Somália, 2007)

1 Seychelles 23,294

2 Guiné Equatorial 21,316

3 Botsuana 18,402

4 Líbia 15,041

5 Maurícia 14,954

6 África do Sul 14,529

7 Tunísia 10,269

8 Namíbia 9,653

9 Argélia 8,649

10 Cabo Verde 8,481

11 Gabão 7,985

12 Marrocos 6,406

13 Egito 5,643

14 Suazilândia 5,544

15 Angola 5,463

16 São Tomé e Príncipe 3,708

17 Sudão 3,395

18 Gana 3,142

19 Djibouti 2,797

20 Mauritânia 2,626

21 Guiné 2,530

22 Gâmbia 2,524

23 Lesoto 2,500

24 Zimbábue 2,395

25 Camarões 2,362

26 Senegal 2,192

27 Comores 2,133

Rank País PIB per capita (USD)

47

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

28 Chade 1,836

29 Uganda 1,807

30 Costa do Marfim 1,795

31 Moçambique 1,706

32 Togo 1,592

33 Ruanda 1,590

34 República do Congo 1,582

35 Burkina Faso 1,576

36 Quênia 1,550

37 Benim 1,507

38 Mali 1,438

39 Nigéria 1,373

40 Etiópia 1,346

41 República Centro-Africana 1,317

42 Zâmbia 1,218

43 Madagáscar 1,078

44 Níger 1,052

45 Eritreia 1,018

46 Serra Leoa 1,018

47 República Dem. do Congo 957

48 Tanzânia 932

49 Guiné-Bissau 787

50 Malawi 786

51 Burundi 744

52 Somália 600

53 Libéria 500

- Saara Ocidental -

Rank País PIB per capita (USD)

Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB

48

Por que África?

Quadro 4 - Melhores e piores IDH 2010 dos países africanos

Os 10 melhores

1 Líbia 0,755

2 Maurícia 0,701

3 Tunísia 0,683

4 Argélia 0,677

5 Gabão 0,648

6 Botsuana 0,633

7 Egito 0,620

8 Namíbia 0,606

9 África do Sul 0,597

10 Marrocos 0,567

Rank País Estimativas 2010

Rank País Estimativas 2010

Os 10 piores

1 Zimbábue 0,140

2 República Democrática do Congo 0,239

3 Níger 0,261

4 Burundi 0,282

5 Moçambique 0,284

6 Guiné-Bissau 0,289

7 Chade 0,295

8 Libéria 0,300

9 Burkina Faso 0,305

10 Mali 0,309

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB

49

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

Mapa 1 – Distribuição do IDH 2010 no mundo

Desenvolvimento humano muito elevado

Desenvolvimento humano elevado

Desenvolvimento humano médio

Desenvolvimento humano baixo

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/IDH-2010fonte:.PNG

50

Por que África?

Mapa 2 – Distribuição do IDH 2010 na África

África - IDH 0,800–1,000

0,750–0,799

0,700–0,749

0,650–0,699

0,600–0,649

0,550–0,599

0,500–0,549

0,450–0,499

0,400–0,449

0,350–0,399

abaixo de 0,350

sem dados

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/IDH-2010fonte:.PNG

51

Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri

52

Por que África?

Os autores

Beluce BellucciDoutor em história econômica pela USP, licenciado em desen-

volvimento econômico e social pela Université de Paris I – Sorbonne,foi diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da UniversidadeCandido Mendes e pró-reitor de graduação. Trabalhou mais de umadécada em Moçambique com projetos de desenvolvimento.

Luiz Carlos FabbriEconomista, pós-graduado em planejamento e gestão de proje-

tos e relações econômicas internacionais pela Universidade de ParisI - Sorbonne. Trabalhou cerca de vinte anos na África com agênciasdas Nações Unidas e outras organizações internacionais. No Brasil,foi Secretário em Guarulhos, Chefe da Assessoria Internacional doMinistério das Cidades e Diretor de Programas do Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).